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Informativo 618-STJ (23/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 618-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO SERVIDORES PÚBLICOS Acordo de divisão da pensão por morte não altera a ordem legal de beneficiários, mas autoriza desconto pela entidade de previdência. DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR Militares podem autorizar descontos de até 70% da sua remuneração para pagamento de empréstimo consignado. DIREITO CIVIL DPVAT Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT. PARCERIA RURAL Falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria rural. DIREITO DO CONSUMIDOR PRÁTICA ABUSIVA É abusiva a prática da companhia aérea que cancela automaticamente o voo de volta em razão de “no show” na ida. DIREITO EMPRESARIAL COMPETÊNCIA Ações envolvendo trade dress e nulidade de registro de marca. FALÊNCIA Contribuição previdenciária reconhecida por juiz trabalhista pode ser habilitada na falência sem CDA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DIGNIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES Reconhecimento de dano moral coletivo por conta de programa de televisão que divulgada testes de DNA tratando o tema de forma jocosa e depreciativa. DIREITO PROCESSUAL CIVIL RECURSOS É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória relacionada à definição de competência. EXECUÇÃO Mesmo que o contrato com a escola particular esteja apenas no nome da mãe, o pai também responderá solidariamente pelas dívidas.

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Page 1: Informativo comentado: Informativo 618-STJ · Informativo comentado: Informativo 618-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO SERVIDORES PÚBLICOS Acordo

Informativo 618-STJ (23/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 618-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS Acordo de divisão da pensão por morte não altera a ordem legal de beneficiários, mas autoriza desconto pela

entidade de previdência. DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR Militares podem autorizar descontos de até 70% da sua remuneração para pagamento de empréstimo consignado.

DIREITO CIVIL

DPVAT Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT. PARCERIA RURAL Falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria rural.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICA ABUSIVA É abusiva a prática da companhia aérea que cancela automaticamente o voo de volta em razão de “no show” na ida.

DIREITO EMPRESARIAL

COMPETÊNCIA Ações envolvendo trade dress e nulidade de registro de marca. FALÊNCIA Contribuição previdenciária reconhecida por juiz trabalhista pode ser habilitada na falência sem CDA.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

DIGNIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES Reconhecimento de dano moral coletivo por conta de programa de televisão que divulgada testes de DNA tratando

o tema de forma jocosa e depreciativa.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória relacionada à definição de competência. EXECUÇÃO Mesmo que o contrato com a escola particular esteja apenas no nome da mãe, o pai também responderá

solidariamente pelas dívidas.

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Informativo 618-STJ (23/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

PROCESSO COLETIVO Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT. Súmula 601-STJ.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

IMUNIDADE DIPLOMÁTICA Não existe razão para reter o passaporte de agente diplomático que responde a processo penal no Brasil se ele goza

de imunidade de execução.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Mesmo que a entidade remetente dos valores para o exterior seja imune, ainda assim terá que pagar o IRRF previsto

no art. 11 do DL 401/1968 IRPJ E CSLL Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

AUXÍLIO-RECLUSÃO Se o segurado estava desempregado no momento da prisão, ele é considerado de baixa renda, independentemente

do último salário de contribuição. DIREITO INTERNACIONAL

HIPOTECA NAVAL É reconhecida a eficácia, no Brasil, de hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS Acordo de divisão da pensão por morte não altera a ordem legal de beneficiários,

mas autoriza desconto pela entidade de previdência

O acordo de partilha de pensão por morte, homologado judicialmente, não altera a ordem legal do pensionamento, podendo, todavia, impor ao órgão de previdência a obrigação de depositar parcela do benefício em favor do acordante que não figura como beneficiário perante a autarquia previdenciária.

STJ. 2ª Turma. RMS 45.817-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 26/09/2017 (Info 618).

Imagine a seguinte situação adaptada: João, servidor público municipal de São Gonçalo (RJ), vive em união estável com Maria. Determinado dia, João faleceu sem deixar filhos. Segundo o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de São Gonçalo, em caso de falecimento sem filhos, a pensão por morte deverá ser paga, em sua integralidade, para a companheira/esposa. Ocorre que Maria e Francisca (mãe de João) fizeram, entre si, um acordo homologado judicialmente no qual Maria aceitou dividir igualmente o valor da pensão por morte com a sogra. De posse desse acordo, Francisca foi até o Instituto de Previdência dos Servidores Municipais de São Gonçalo (autarquia responsável por gerir os benefícios previdenciários) e requereu que a pensão por morte fosse paga de forma dividida entre ela e Maria.

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A autarquia previdenciária não aceitou, afirmando que se ela fizesse isso estaria descumprindo a ordem de pagamento prevista na lei municipal. Alegou que este acordo, apesar de homologado judicialmente, não pode alterar a ordem legal dos beneficiários da pensão. Diante disso, afirmou que não tinha obrigação nenhuma de depositar metade do valor para Francisca, considerando que ela não é beneficiária. Logo, iria depositar integralmente o valor para Maria. A questão chegou até o STJ. O que decidiu o Tribunal? A autarquia previdenciária tem razão? Em parte. O acordo, mesmo homologado judicialmente, não pode alterar a ordem prevista na lei O acordo de partilha de pensão por morte, mesmo homologado judicialmente, não tem a força de alterar a ordem legal de pagamento da pensão. Apesar de ter havido acordo de vontades entre a companheira supérstite e a mãe do instituidor da pensão, este ajuste não tem a força de alterar a previsão legal. Segundo a lei do Município, se existir esposa ou companheira do servidor falecido, os ascendentes não herdam. Caso fosse admitido que o acordo alterasse a ordem legal, poderia acontecer a seguinte burla às regras do sistema previdenciário: se Maria falecesse antes de Francisca, esta, mesmo sem ser beneficiária segundo a lei, passaria a receber a integralidade da pensão. Desse modo, alguém que não era originalmente beneficiária teria se tornado pelo simples fato de ter havido um acordo entre particulares. Veja bem: não se está dizendo que o acordo não é possível. Ele é válido. No entanto, fica limitado estritamente à esfera privada, sem o condão de gerar vínculo previdenciário, ou seja, não altera as regras previstas na lei. Em suma, este acordo não teve a força de transformar a mãe do falecido em beneficiária da pensão por morte porque a lei prevê que, havendo cônjuge/companheira, esta será a única beneficiária. O acordo pode obrigar a autarquia previdenciária a separar os pagamentos O acordo não altera quem a lei prevê como sendo beneficiário. No entanto, o acordo de partilha de pensão por morte tem a força de impor ao órgão de previdência a obrigação de depositar parcela do benefício em favor da acordante mesmo que ela não figure como beneficiária perante a lei. Em outras palavras, é possível que a beneficiária da pensão faça um acordo e diga para a autarquia previdenciária: pague metade do valor para mim e a outra metade para essa outra pessoa. O desconto foi autorizado por ajuste entre as partes, sendo perfeitamente possível porque está relacionado com um direito obrigacional/patrimonial disponível da parte, podendo ser homologado pelo juízo e produzir efeitos em face do ente pagador. Vale ressaltar, no entanto, que nos assentamentos da autarquia previdenciária deverá constar como pensionista apenas, e tão somente, a beneficiária legal (Maria). O desconto que será feito pela entidade será igual àqueles que se faz para outros débitos, como de alimentos, por exemplo. Caso a acordante que não é beneficiária legal da pensão morra (se Francisca morrer), o pagamento voltará a ser feito em sua integralidade para a beneficiária legal (Maria). Por outro lado, se a beneficiária legal (Maria) falecer antes de Francisca, cessa o pagamento da pensão e Francisca não receberá mais nada. Isso porque, como já explicado, o acordo não tornou Francisca beneficiária da pensão considerando que a lei não autoriza essa hipótese. Em suma

O acordo de partilha de pensão por morte, homologado judicialmente, não altera a ordem legal do pensionamento, podendo, todavia, impor ao órgão de previdência a obrigação de depositar parcela do benefício em favor do acordante que não figura como beneficiário perante a autarquia previdenciária. Caso concreto: companheira do servidor falecido era a única beneficiária da pensão por morte; ela fez um acordo com a mãe do de cujus dividindo a pensão com ela; esse acordo não transforma a mãe do falecido em beneficiária da pensão (não altera a ordem legal); no entanto, com esse ajuste, é possível

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exigir que a entidade previdenciária pague metade da pensão para a beneficiária e metade para a mãe do falecido que, mesmo sem ser beneficiária legal, poderá receber o valor porque houve um desconto autorizado pela titular do benefício. STJ. 2ª Turma. RMS 45.817-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 26/09/2017 (Info 618).

DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR Militares podem autorizar descontos de até 70% da sua

remuneração para pagamento de empréstimo consignado

Atenção! Concursos federais

As Leis nº 8.112/90 e 10.820/2003 preveem que, se o servidor público civil fizer um empréstimo consignado, o limite máximo de descontos que ele poderá autorizar que sejam feitos em sua remuneração é de 30% (mais 5% se forem despesas com cartão de crédito).

Esse limite não se aplica para os militares. Isso porque os militares estão submetidos a um regramento específico previsto na MP 2.215-10/2001, que permite que seja descontado até 70% da remuneração dos militares para pagamento de empréstimos consignados.

Desse modo, os descontos em folha, juntamente com os descontos obrigatórios, podem alcançar o percentual de 70% das remunerações ou dos proventos brutos dos servidores militares.

STJ. 1ª Seção. EAREsp 272.665-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13/12/2017 (Info 618).

Empréstimo consignado e limite de desconto da remuneração Uma prática muito comum entre os servidores públicos são os chamados “empréstimos consignados”. O servidor público vai até o banco e consegue um empréstimo de forma mais fácil, rápida e com taxas de juros menores porque aceita que as parcelas de pagamento deste mútuo sejam descontadas diretamente da sua remuneração. Assim, no empréstimo consignado (também chamado de consignação em folha de pagamento), antes mesmo de a pessoa receber sua remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora. Em outras palavras, há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria. O legislador foi obrigado a prever na lei um limite máximo de desconto desses valores. Se isso não fosse previsto, alguns servidores iriam acabar contraindo vários empréstimos e comprometendo a totalidade de sua remuneração. Desse modo, a legislação estabeleceu que os descontos para pagamento de empréstimos consignados não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração percebida pelo devedor. Ex: João, servidor público, recebe R$ 10 mil; ele faz um empréstimo consignado e aceita que seja descontado de sua remuneração R$ 300,00 todos os meses para pagamento do mútuo; ele não poderá fazer um novo empréstimo consignado porque já atingiu o limite máximo de desconto permitido pela legislação. Confira o que dizem o art. 45 da Lei nº 8.112/90 e o art. 1º da Lei nº 10.820/2003:

Art. 45. Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento. § 1º Mediante autorização do servidor, poderá haver consignação em folha de pagamento em favor de terceiros, a critério da administração e com reposição de custos, na forma definida em regulamento.

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Informativo 618-STJ (23/02/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5

§ 2º O total de consignações facultativas de que trata o § 1º não excederá a 35% (trinta e cinco por cento) da remuneração mensal, sendo 5% (cinco por cento) reservados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. § 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. § 2º O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1º deste artigo. § 3º Os empregados de que trata o caput poderão solicitar o bloqueio, a qualquer tempo, de novos descontos. § 4º O disposto no § 3º não se aplica aos descontos autorizados em data anterior à da solicitação do bloqueio. § 5º Nas operações de crédito consignado de que trata este artigo, o empregado poderá oferecer em garantia, de forma irrevogável e irretratável, até 10% (dez por cento) do saldo de sua conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e até 100% (cem por cento) do valor da multa paga pelo empregador, em caso de despedida sem justa causa ou de despedida por culpa recíproca ou força maior, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990. § 6º A garantia de que trata o § 5º só poderá ser acionada na ocorrência de despedida sem justa causa, inclusive a indireta, ou de despedida por culpa recíproca ou força maior, não se aplicando, em relação à referida garantia, o disposto no § 2º do art. 2º da Lei nº 8.036, de 1990.

Desse modo, a legislação afirma que o máximo de comprometimento da remuneração do servidor é de 30% (em regra), sendo mais 5% (35% no total) para uso exclusivo com despesas de cartão de crédito. Esse limite de 30% imposto pelo art. 45 da Lei nº 8.112/90 e pelo art. 1º da Lei nº 10.820/2003 aplica-se também para os servidores públicos militares? NÃO. Os servidores públicos militares não estão sujeitos ao limite previsto no art. 45 da Lei nº 8.112/90 e na Lei nº 10.820/2003. Por quê? Porque existe uma previsão específica para servidores públicos militares na Medida Provisória nº 2.215-10/2001. Esta MP trata sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas. Veja o que diz o seu art. 14, § 3º:

Art. 14. Descontos são os abatimentos que podem sofrer a remuneração ou os proventos do militar para cumprimento de obrigações assumidas ou impostas em virtude de disposição de lei ou de regulamento. § 1º Os descontos podem ser obrigatórios ou autorizados.

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§ 2º Os descontos obrigatórios têm prioridade sobre os autorizados. § 3º Na aplicação dos descontos, o militar não pode receber quantia inferior a trinta por cento da sua remuneração ou proventos.

Cuidado para não confundir. O § 3º acima está dizendo que, mesmo com os descontos, o militar não pode receber menos que 30% de sua remuneração. Em outras palavras, esse § 3º permite que seja descontado até 70% da remuneração dos militares. Ou seja, enquanto os descontos em folha dos servidores públicos civis não podem ultrapassar o valor de 30% da remuneração ou do provento, os descontos em folha dos servidores militares devem respeitar o limite máximo de 70% da remuneração ou dos proventos. Mas este valor de desconto (70%) é muito alto, desproporcional... O Poder Judiciário não pode corrigir isso? NÃO. Foi uma opção do legislador. Logo, não compete ao Poder Judiciário alterar esse quantum com base nos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, sob pena de incorrer em flagrante interpretação contra legem, a violar o princípio constitucional da legalidade e a invadir a esfera de competência do Poder Legislativo. Com efeito, os descontos em folha de pagamento de servidores públicos militares não estão sujeitos à limitação de 30% prevista nos arts. 2º, § 2º e 6º, § 5º, ambos da Lei n. 10.820/2003 c/c art. 45 da Lei n. 8.112/1990. Isso porque os militares estão submetidos a um regramento específico capaz de afastar a limitação contida nas Leis n. 8.112/1990 e 10.820/2003 a partir do art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que assim dispõe: "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior". Essa norma específica está no art. 14, § 3º, da Medida Provisória n. 2.215-10/2001, pois assevera que os militares não podem receber quantia inferior a 30% da remuneração ou proventos. Em suma:

As Leis nº 8.112/90 e 10.820/2003 preveem que, se o servidor público civil fizer um empréstimo consignado, o limite máximo de descontos que ele poderá autorizar que sejam feitos em sua remuneração é de 30% (mais 5% se forem despesas com cartão de crédito). Esse limite não se aplica para os militares. Isso porque os militares estão submetidos a um regramento específico previsto na MP 2.215-10/2001, que permite que seja descontado até 70% da remuneração dos militares para pagamento de empréstimos consignados. Desse modo, os descontos em folha, juntamente com os descontos obrigatórios, podem alcançar o percentual de 70% das remunerações ou dos proventos brutos dos servidores militares. STJ. 1ª Seção. EAREsp 272.665-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13/12/2017 (Info 618).

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DIREITO CIVIL

DPVAT Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT

Importante!!!

Uma associação que tenha fins específicos de proteção ao consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT. Isso porque o seguro DPVAT não tem natureza consumerista, faltando, portanto, pertinência temática.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.091.756-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/12/2017 (Info 618).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

PARCERIA RURAL Falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria rural

O falecimento do parceiro outorgante não extingue o contrato de parceria rural.

Os herdeiros somente poderão exercer o direito de retomada ao término do contrato e desde que obedeçam às regras do Decreto nº 59.566/1966 quanto ao prazo para notificação e às causas para retomada.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.459.668-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou contrato de parceria agrícola com Pedro. João (parceiro outorgante) é proprietário de um imóvel rural e o cedeu para que Pedro (parceiro outorgado) nele plantasse lavouras de arroz e outras culturas temporárias. Ao final de cada colheita, deveria haver uma prestação de contas, sendo que 50% da produção ficaria com o parceiro outorgante e 50% com o parceiro outorgado. O prazo do contrato era de 10 anos. Vale ressaltar que o contrato de parceria agrícola (parceria rural) é regido pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), pela Lei º 4.947/1966 e pelo Decreto nº 59.566/1966 (que os regulamenta). 2 anos depois da assinatura, João (parceiro outorgante) faleceu. Os três filhos de João (herdeiros) passaram a ser proprietários, em condomínio, do referido imóvel rural. Como não tinham interesse na manutenção do contrato, os filhos notificaram extrajudicialmente Pedro para que desocupasse o imóvel. Na notificação, os herdeiros afirmaram que, com a morte de João, extinguiu-se a parceria rural, nos termos do art. 23 do Decreto nº 59.566/1966:

Art. 23. Se por sucessão causa mortis o imóvel rural for partilhado entre vários herdeiros, qualquer deles poderá exercer o direito de retomada, de sua parte, com obediência aos preceitos deste Decreto; todavia é assegurado ao arrendatário o direito à renovação do contrato, quanto às partes dos herdeiros não interessados na retomada.

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O argumento dos herdeiros está correto? A morte do parceiro outorgante acarreta a extinção do contrato de parceria agrícola? NÃO. Leia novamente o art. 23 acima transcrito. Conforme se verifica pela redação do art. 23, o direito de retomada dos sucessores deve obedecer aos demais preceitos estabelecidos no Decreto nº 59.566/1966. Desse modo, devemos analisar o que o Decreto fala sobre o direito de retomada. O art. 22, § 2º, do Decreto afirma que se o arrendador quiser retomar o imóvel, deverá notificar o arrendatário no prazo de até 6 meses antes do vencimento do contrato. Se o arrendador tiver requerido a retomada, quando chegar a data do vencimento, o contrato será extinto, não tendo o arrendatário direito à renovação. O STJ entendeu que esse prazo também deverá ser observado no caso dos sucessores causa mortis (herdeiros), já que o art. 23 (que trata sobre a sucessão causa mortis) fala em “obediência aos preceitos deste Decreto”. Esse é o entendimento da doutrina:

“(...) Deve ser observado que a morte do arrendador não é causa de extinção do contrato, apenas conferido o direito de retomada nas hipóteses legais cabíveis, pois se sub-roga nos direitos e deveres contratuais, é o que resulta da interpretação do art. 23 do Regulamento”. (COELHO, José Fernando Lutz. Contratos Agrários. Uma Visão Neo-Agrarista. Curitiba: Juruá, 2006, p. 135)

Desse modo, o que a morte do parceiro outorgante gera é o direito de seus herdeiros requererem a retomada do imóvel nas mesmas hipóteses que o arrendador teria caso ainda estivesse vivo e respeitado o prazo do contrato. No caso de alienação do imóvel rural, o Estatuto da Terra, em seu art. 92, § 5º, e o Decreto nº 59.566/1966, no art. 15, estabelecem que não há interrupção do contrato de parceria agrícola, ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante. Essa orientação também se aplica à hipótese de transmissão do imóvel em virtude do falecimento do outorgante. A proteção ao trabalhador rural é o vetor interpretativo do Estatuto da Terra. Assim, o direito de retomada somente poderá ser exercido no final do prazo contratual e não no momento da sucessão, ou quando encerrada a partilha.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PRÁTICA ABUSIVA É abusiva a prática da companhia aérea que cancela automaticamente

o voo de volta em razão de “no show” na ida

Importante!!!

É abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque no voo antecedente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.595.731-RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/11/2017 (Info 618).

Imagine a seguinte situação hipotética: João mora em Rio Branco (AC) e tinha um compromisso de trabalho em Porto Velho (RO). Diante disso, ele comprou duas passagens áreas: uma de ida (Rio Branco – Porto Velho) e outra de volta (Porto Velho – Rio Branco). A passagem de ida estava marcada para o dia 01/03 e a de volta para o dia 15/03.

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No dia 01/03, João teve um problema pessoal e não conseguiu embarcar no voo. Como precisava estar na capital rondoniense no dia seguinte, ele foi de ônibus para Porto Velho, chegando lá dia 02/03. João participou de seus compromissos normalmente, mas quando tentou embarcar de volta para Rio Branco, no dia 15/03, teve um problema: a companhia aérea cancelou a sua reserva e colocou outra pessoa no lugar. A explicação da empresa, quanto ao cancelamento, foi no sentido de que, não havendo embarque em um dos trechos adquiridos, o segundo, posterior, é automaticamente cancelado. Trata-se do que as companhias chamam, na prática, de cancelamento pelo no show. “É assim que funciona, senhor”, disse a funcionária da empresa. João, contudo, não se conformou e ajuizou ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa. Afirmou que a conduta da ré de cancelar a passagem do trecho da volta foi indevida e abusiva. A conduta de proceder ao cancelamento dos bilhetes da volta, em razão do não embarque da ida, é cláusula nula, sem eficácia jurídica, por se tratarem de bilhetes distintos, considerando que o consumidor paga um determinado preço pela passagem de ida e um outro preço distinto pela volta. A empresa área contestou a demanda afirmando que a prática do no show é aceita pela ANAC, além de estar prevista no contrato que é firmado com o consumidor. O STJ concordou com a tese do consumidor? Houve prática abusiva da companhia aérea? SIM. Atende a interesse meramente comercial da empresa A adoção do cancelamento unilateral de um dos trechos da passagem adquirida por consumidor quando do não comparecimento no voo de ida (no show) é prática tarifária comumente utilizada pelas empresas do ramo de transporte aéreo de passageiros. Essa prática tem por finalidade exclusiva, ou ao menos primordial, possibilitar que a companhia possa fazer nova comercialização do assento da aeronave, atendendo, portanto, a interesses essencialmente comerciais da empresa, promovendo a obtenção de maior de lucro, a partir da dupla venda. Muitas vezes a totalidade dos bilhetes foi vendida, mas nem todos os passageiros embarcam. Isso ocorre devido ao cancelamento de reservas com pouca antecedência em relação ao horário do voo ou à existência de no show (passageiros que não comparecem ao embarque), que inviabilizam que o avião viaje com todos os seus assentos preenchidos. Assim, com o intuito de se antecipar às perdas consequentes deste tipo de comportamento e, como estratégia de gerenciamento de receitas, as empresas que operam o ramo de transporte aéreo optam por cancelar automaticamente o voo de volta, podendo, desse modo, revender o assento para outra pessoa. Tal conduta, embora justificável do ponto de vista econômico e empresarial, configura prática abusiva, considerando que afronta direitos básicos do consumidor, tais como a vedação ao enriquecimento ilícito, a falta de razoabilidade nas sanções impostas e, ainda, a deficiência na informação sobre os produtos e serviços prestados. Enriquecimento ilícito Quando o consumidor adquire uma viagem de ida e volta, na verdade, ele compra dois bilhetes aéreos de passagem. Tanto é assim que o preço pago por apenas um bilhete é, naturalmente, inferior ao valor do contrato de transporte envolvendo o trajeto de ida e retorno, o que demonstra que a majoração do preço se deve, justamente, à autonomia dos trechos contratados. O cancelamento da passagem de volta pela empresa aérea significa a frustração da utilização de um serviço pelo qual o consumidor pagou. Trata-se, portanto, de inadimplemento desmotivado por parte da companhia aérea. Não bastasse isso, o cancelamento unilateral arbitrário faz surgir para o consumidor novo dispêndio financeiro, dada a necessidade de retornar a seu local de origem, seja por qual meio de transporte for.

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Falta de razoabilidade nas sanções previstas Normalmente, os contratos das companhias áreas preveem que em caso de não comparecimento para o embarque (no show), será cobrada uma taxa administrativa referente à quebra de contrato e os demais trechos subsequentes serão cancelados. Descontada essa taxa administrativa (“espécie de multa”), o valor que sobrar ficará como “crédito” em favor do consumidor até que ele solicite reembolso ou remarcação dentro do prazo de 1 ano a contar da data do voo original não utilizado. O STJ entendeu que não há razoabilidade na aplicação de todas essas sanções contra o consumidor que não embarcou no voo de ida. Esta previsão não é razoável. Isso porque há uma sucessão de penalidades impostas para uma mesma falta cometida pelo consumidor. Com efeito, é cobrado do consumidor uma primeira “taxa”, deduzida do valor da tarifa do voo de ida, porque não compareceu para embarque, uma segunda “taxa” sobre a tarifa paga pelo trecho de volta, que foi cancelado e, por fim, ele será impedido de voar. Violação ao princípio da transparência Vale ressaltar, ainda, que essa cláusula é prevista sem qualquer destaque ou visibilidade, o que viola o dever de informação, especialmente porque se trata de cláusula restritiva em um contrato de adesão. Há, portanto, afronta ao princípio da transparência (art. 4º, caput, CDC), o que resulta a nulidade da respectiva cláusula contratual, com fundamento no art. 51, XV, do CDC. Conclui-se, portanto, que:

É abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque no voo antecedente. STJ. 4ª Turma. REsp 1.595.731-RO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/11/2017 (Info 618).

Mas a ANAC permite essa prática... Não importa. Como se sabe, a normatização realizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) possui natureza administrativa, capaz de vincular aqueles que exercem a atividade sujeita à regulação técnica. No entanto, essa regulamentação não está isenta de controle por parte do Poder Judiciário, em razão do disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Assim, as agências reguladoras não podem editar atos arbitrários ou desarrazoados, já que estão sujeitas ao controle jurisdicional. Há, então, uma “discricionariedade vigiada” (MELO FILHO, João Aurino. Controle jurisdicional na atividade das agências reguladoras. Delimitação da discricionariedade administrativa. Revista de Direito Administrativo. Teresina, ano 14, n. 2163, 3 jun. 2009).

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DIREITO EMPRESARIAL

COMPETÊNCIA Ações envolvendo trade dress e nulidade de registro de marca

Importante!!!

As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.527.232-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/12/2017 (recurso repetitivo) (Info 618).

TRADE DRESS

Proteção ao conjunto-imagem (trade dress) Trade dress ou conjunto-imagem consiste no conjunto de elementos distintivos que caracterizam um produto, um serviço ou um estabelecimento comercial fazendo com que o mercado consumidor os identifique. Nas palavras do Min. Marco Aurélio Bellizze: “O conjunto-imagem (trade dress) é a soma de elementos visuais e sensitivos que traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva, vinculando-se à sua identidade visual, de apresentação do bem no mercado consumidor.” Ao contrário de outros países, no Brasil ainda não existe uma legislação que proteja, de forma específica, as violações ao trade dress. Apesar disso, a jurisprudência tem protegido os titulares das marcas copiadas. Nesse sentido:

(...) A despeito da ausência de expressa previsão no ordenamento jurídico pátrio acerca da proteção ao trade dress, é inegável que o arcabouço legal brasileiro confere amparo ao conjunto-imagem, sobretudo porque sua usurpação encontra óbice na repressão da concorrência desleal. Incidência de normas de direito de propriedade industrial, de direito do consumidor e do Código Civil. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1677787/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/09/2017.

Na verdade, é possível dizer que a proteção ao trade dress decorre do art. 5º, XXIX, da CF/88, que estabelece que a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos. Trade dress é diferente de marca e desenho industrial O conjunto-imagem distingue-se dos institutos denominados “marca” e “desenho industrial”. Tanto a marca como o desenho industrial e o conjunto-imagem têm, em comum, a finalidade de designar um produto, mercadoria ou serviço, diferenciando-o dos concorrentes. Apesar da finalidade ser semelhante, eles possuem características diferentes. Marca É um sinal que designa a origem do produto, mercadoria ou serviço.

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A marca cria um vínculo duradouro entre o bem e a pessoa que o colocou em circulação As marcas, para serem registradas, devem atender à distintividade ou novidade relativa, ou seja, dentro do mercado em que se insere o produto, o sinal visivelmente perceptível deve se distanciar do domínio comum, a fim de propiciar a utilização comercial exclusiva por seu titular. Esta fruição exclusiva, que será assegurada por meio do registro, pode se estender indefinidamente no tempo, desde que promovidas as tempestivas prorrogações. Isso porque o direito de exclusividade da marca tem por escopo assegurar ao consumidor a correspondência entre o produto designado e a empresa que o colocou em circulação. Desenho industrial Protege a configuração externa de um objeto tridimensional ou um padrão ornamental (bidimensional) que possa ser aplicado a uma superfície ou a um objeto. O desenho industrial insere no mercado uma inovação estética em objeto comum ou facilmente reproduzível em escala industrial. O desenho industrial, por se caracterizar em uma inovação estética facilmente reproduzível em escala industrial, a partir de sua publicidade, passa a integrar o estado da técnica. Nota-se, portanto, que o desenvolvimento de desenhos industriais movimenta-se, ao longo do tempo, numa crescente, podendo ser posteriormente incorporada pelos produtos de seus concorrentes de forma lícita e regular. Ao seu desenvolvedor (autor) é assegurado, mediante registro, o direito de exploração exclusiva, porém temporária (até, no máximo, 25 anos), nos termos do art. 108 da Lei nº 9.279/96. Trade dress O denominado trade dress, não disciplinado na legislação nacional atual, tem por finalidade proteger o conjunto visual global de um produto ou a forma de prestação de um serviço. Materializa-se, portanto, pela associação de variados elementos que, conjugados, traduzem uma forma peculiar e suficientemente distintiva de inserção do bem no mercado consumidor, vinculando-se à identidade visual dos produtos ou serviços. Como vimos, apesar de não haver legislação específica, a proteção do trade dress é assegurada com fundamento no dever geral de garantia de livre mercado, ou seja, no dever estatal de assegurar o funcionamento saudável do mercado, de forma a expurgar condutas desleais tendentes a criar distorções de concorrência. Violação ao trade dress O trade dress é violado quando uma empresa imita sutilmente diversas características da marca concorrente (normalmente a líder do mercado) com o objetivo de confundir o público e angariar vendas com base na fama da marca copiada. Exemplo de violação ao trade dress Em um caso concreto, o TJSP entendeu que uma empresa cuja marca era “Uai in box” teria violado a trade dress da “China in box”. Além do nome parecido, a empresa “Uai in box” também oferecia comida em delivery com pacotes iguais aos da “China in box”. COMPETÊNCIA PARA JULGAR AÇÕES ENVOLVENDO TRADE DRESS E REGISTRO DE MARCA

De quem é a competência para julgar ação na qual o autor alega que está sendo desrespeitada a sua trade dress, o que enseja concorrência desleal, pedindo, em razão disso, indenização, além da cessação da prática? Justiça Estadual.

As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é

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inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. STJ. 2ª Seção. REsp 1.527.232-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/12/2017 (recurso repetitivo) (Info 618).

Conforme explica a doutrina, “(...) no Brasil, a proteção jurídica do 'trade dress' situa-se no âmbito da Repressão à Concorrência Desleal, e insurge-se contra a prática de atos de natureza fraudulenta que venham a desviar clientela de outrem, notadamente pela reprodução e/ou imitação desautorizada de características distintivas de produtos, serviços e estabelecimentos comerciais” (MANARA, Cecília. ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva; MORAES, Rodrigo. Propriedade intelectual em perspectiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 10-11). As disputas relacionadas com concorrência desleal não são dirimidas diretamente pelo INPI, considerando que a sua constatação depende de procedimento a ser realizado no âmbito do Poder Judiciário, com ampla possibilidade de produção de provas, inclusive pericial. Nesse sentido é a lição de Denis Borges Barbosa:

“Em suma, não há competência para o INPI aplicar diretamente a regra de concorrência desleal. Sempre tal competência recaiu no Poder Judiciário. (...) Por isso, a apuração da concorrência desleal se faz num procedimento judicial plenamente sujeito ao devido processo legal, com apuração de fatos, ampla perícia, avaliação dilatada, tudo que inexiste no restrito, inespecífico e (no que toca à concorrência desleal) incompetente procedimento registral do INPI.” (BARBOSA, Denis Borges. Tratado da propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 516-518).

Desse modo, entende-se que não há interesse do INPI em figurar na demanda que se discute violação do trade dress e concorrência desleal, sendo esta ação de competência da Justiça Estadual. Por outro lado, de quem é a competência para julgar ação na qual se requer a nulidade de uma marca registrada no INPI, pedindo-se ainda a cessação de seu uso? Justiça Federal. Isso porque, nesta situação, haverá interesse jurídico do INPI na demanda, considerando que foi a autarquia que concedeu o registro, incidindo, portanto, na hipótese do art. 109, I, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

No mesmo sentido, prevê a Lei nº 9.279/96:

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

A discussão sobre a validade de um registro de marca, patente ou desenho industrial, nos termos da LPI, tem de ser travada administrativamente ou, caso a parte opte por recorrer ao judiciário, deve ser empreendida em ação proposta perante a Justiça Federal, com a participação do INPI na causa. Sem essa discussão, os registros emitidos por esse órgão devem ser reputados válidos e produtores de todos os efeitos de direito. STJ. 3ª Turma. REsp 1281448/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/6/2014.

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A alegação de que é inválido o registro, obtido pela titular de marca perante o INPI, deve ser formulada em ação própria, para a qual é competente a Justiça Federal. Ao Juiz estadual não é possível, incidentalmente, considerar inválido um registro vigente perante o INPI. STJ. 3ª Turma. REsp 1322718/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/06/2012.

Embora a Lei nº 9.279/96 preveja, em seu art. 56, § 1º, a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, a melhor interpretação desse dispositivo indica que ele deve estar inserido numa ação própria, na qual que discuta, na Justiça Federal, a nulidade do registro. STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 254.141/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2012.

FALÊNCIA Contribuição previdenciária reconhecida por juiz trabalhista pode ser habilitada na falência sem CDA

É desnecessária a apresentação de Certidão de Dívida Ativa (CDA) para habilitação, em processo de falência, de crédito previdenciário resultante de decisão judicial trabalhista.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.591.141-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.170.750-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/08/2013 (Info 530).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em uma reclamação trabalhista proposta por João (empregado) contra a empresa “A”, o juiz trabalhista condenou a empregadora a pagar as verbas trabalhistas e também as contribuições previdenciárias que incidiam sobre tais valores. As verbas trabalhistas são devidas ao empregado. Já as contribuições previdenciárias são verbas que deveriam ter sido recolhidas pela empresa e revertidas ao INSS. Desse modo, são créditos que a empresa deverá pagar à autarquia previdenciária. Falência Caso a empresa não pague as verbas trabalhistas e as contribuições previdenciárias, a providência normal que deveria ser adotada pelo juiz trabalhista seria a execução de tais quantias (art. 114, VIII, da CF/88; art. 876, parágrafo único, da CLT). Ocorre que essa sociedade empresária encontra-se em processo de falência. Logo, não poderá haver execução no juízo trabalhista, uma vez que isso terá que ser feito no juízo universal da falência. Assim, em caso de empresas que estejam em processo de falência, a Justiça do Trabalho será competente para a ação de conhecimento (onde será apurado se existe débito e o seu valor) e o juízo da falência será responsável pela cobrança de tais quantias apuradas. Confira julgado do STJ nesse sentido:

(...) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, ultrapassada a fase de acertamento e liquidação dos créditos trabalhistas, cuja competência é da Justiça do Trabalho, os valores apurados deverão ser habilitados nos autos da falência ou da recuperação judicial para posterior pagamento (...) STJ. 2ª Seção. AgRg no CC 130.138/GO, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 09/10/2013.

Habilitação dos créditos Diante disso, o empregado e o INSS deverão levar ao juízo da falência esses créditos que foram reconhecidos no processo trabalhista. Esse procedimento é chamado de “habilitação de créditos” e está previsto no art. 9º da Lei nº 11.101/2005:

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Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º, desta Lei deverá conter: I – o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo; II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação; III – os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas; IV – a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo instrumento; V – a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor. Parágrafo único. Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidos no original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro processo.

Caso concreto O INSS propôs, no juízo falimentar, a habilitação de seu crédito referente às contribuições previdenciárias. O juízo falimentar indeferiu a habilitação do crédito previdenciário, sob o argumento de que a Fazenda Pública deveria ter inscrito em dívida ativa o valor da condenação imposta pelo juízo trabalhista e ter apresentado a CDA (certidão de dívida ativa). Em outras palavras, o juiz da falência entendeu que o INSS não poderia habilitar na falência a própria sentença trabalhista, sendo indispensável uma providência anterior, qual seja, a inscrição desse débito em dívida ativa.

Agiu corretamente o juiz da falência? NÃO. As contribuições previdenciárias são consideradas como uma espécie de tributo. Em regra, os tributos que são devidos e não foram pagos pelo sujeito passivo devem ser objeto de “lançamento tributário”, procedimento a ser realizado pelo Fisco. Após o lançamento, esse débito tributário será inscrito em dívida ativa, gerando uma CDA, instante em que se torna um crédito tributário que poderá ser exigido judicialmente pela Fazenda Pública. Assim, em regra, é necessário o lançamento para que haja a constituição do crédito tributário. Ocorre que, no caso das contribuições previdenciárias que forem reconhecidas pela Justiça do Trabalho, não será necessário que com relação a elas haja um lançamento tributário a ser realizado pelo Fisco. Dito de outra forma, as contribuições previdenciárias que forem apuradas pelo juiz trabalhista não precisam de novo lançamento tributário para serem executadas. É a própria sentença que é executada pela Justiça Laboral e não o tradicional crédito constituído pela via administrativa do lançamento tributário. Isso ocorre por força de mandamento constitucional:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

A partir disso, o STJ conclui que o crédito tributário poderá decorrer: • do lançamento na via administrativa (hipótese tradicional, regulada pelo CTN); ou • da sentença da Justiça do Trabalho que reconhecer a existência de contribuições previdenciárias devidas (hipótese excepcional, trazida pelo art. 114, VIII, da C/88). Desse modo, como as contribuições previdenciárias já foram reconhecidas na sentença pelo juiz trabalhista, já houve a constituição do crédito tributário, sendo desnecessário que haja um procedimento administrativo de lançamento tributário. Isso já é suprido pela sentença trabalhista.

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Logo, foi indevida a exigência feita pelo juízo falimentar, sendo possível que o INSS habilite o crédito tributário decorrente das contribuições previdenciárias apenas com a sentença trabalhista. Resumindo:

É desnecessária a apresentação de Certidão de Dívida Ativa (CDA) para habilitação, em processo de falência, de crédito previdenciário resultante de decisão judicial trabalhista. STJ. 3ª Turma. REsp 1.591.141-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017 (Info 618). STJ. 4ª Turma. REsp 1.170.750-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/08/2013 (Info 530).

ECA

DIGNIDADE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES Reconhecimento de dano moral coletivo por conta de programa de televisão que divulga testes

de DNA tratando o tema de forma jocosa e depreciativa

Importante!!!

A conduta de emissora de televisão que exibe quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes configura lesão ao direito transindividual da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo.

Caso concreto: existia um programa de TV local no qual o apresentador abria ao vivo testes de DNA e acabava expondo as crianças e adolescentes ao ridículo, especialmente quando o resultado do exame era negativo. As crianças e adolescentes não participavam do programa, apenas seus pais. No entanto, o apresentador utilizava expressões jocosas e depreciativas em relação à concepção dos menores.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.517.973-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2017 (Info 618).

Imagine a seguinte situação adaptada: Existia um programa de TV local chamado “Resolvo a Bronca”. Nele, havia um quadro denominado “Investigação de Paternidade”, no qual o apresentador abria ao vivo testes de DNA e acabava expondo as crianças e adolescentes ao ridículo, especialmente quando o resultado do exame era negativo. Vale ressaltar, ainda, que o apresentador do programa utilizava expressões jocosas e depreciativas em relação à concepção das crianças e adolescentes. Como exemplo, em um dos programas, o apresentador falou: “Oh, dúvida cruel! É do marido ou é do outro? Será que ele é filho de ‘tiquim’? ‘Tiquim’ de um, ‘tiquim’ de outro?”. Diante disso, o Ministério Público ajuizou ação civil pública pedindo a condenação da emissora de TV ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Na contestação, a ré alegou que: • o dano moral é um dano personalíssimo, ou seja, individual, e que deveria ter sido reclamado pelos participantes do quadro e não pelo Ministério Público; • os nomes das crianças e dos adolescentes não eram falados no ar; • o dano moral não restou comprovado.

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A questão chegou até o STJ? Houve dano moral coletivo? SIM. Legitimidade do MP O Ministério Público Estadual possui legitimidade para ação de reparação dos danos causados a crianças e adolescentes, nos termos do art. 201, V, do ECA:

Art. 201. Compete ao Ministério Público: (...) V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal;

Vale ressaltar que na ação, o Ministério Público não está pleiteando direitos individuais das crianças e adolescentes expostos pelo programa. O objetivo é o de resguardar os valores constitucionais encartados no princípio da dignidade humana, em especial de crianças e adolescentes, seres humanos em desenvolvimento, cuja incolumidade física, mental, moral, espiritual e social há de ser preservada com absoluta prioridade. A jurisprudência admite a existência de dano moral coletivo? SIM. A jurisprudência majoritária admite a possibilidade de haver condenação por dano moral coletivo. Desnecessidade de comprovação de dor O dano moral coletivo é uma categoria autônoma de dano. Para que o dano moral coletivo seja reconhecido, não é necessário que se investigue se houve dor psíquica, sofrimento ou outros atributos próprios do dano individual. Assim, o dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico. Esses elementos (dor, sofrimento etc.) são suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas não se aplicam para interesses difusos e coletivos (STJ REsp 1.057.274/RS). O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade (REsp 1.397.870/MG). In re ipsa Assim, conclui-se que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera constatação da prática de conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole direitos de conteúdo extrapatrimonial da coletividade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. Função sancionatória e pedagógica do dano moral coletivo A reparação adequada do dano moral coletivo deve refletir sua função sancionatória e pedagógica, desestimulando o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro lado, um ônus financeiro capaz de inviabilizar a continuidade da atividade empresarial exercida pelo fornecedor. Quantum do valor A quantificação do dano moral coletivo depende do exame das peculiaridades de cada caso concreto, devendo ser observados alguns critérios: • a relevância do interesse transindividual lesado; • a gravidade e a repercussão da lesão; • a situação econômica do ofensor;

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• o proveito obtido com a conduta ilícita; • o grau da culpa ou do dolo (se presentes); • a verificação da reincidência; • o grau de reprovabilidade social. Para quem é destinado o dinheiro da condenação? Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados (art. 13 da Lei nº 7.347/85). Exemplos de dano moral coletivo: • Instituição bancária que constantemente demora de forma excessiva no atendimento ao consumidor (STJ. 2ª Turma. REsp 1.402.475/SE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 09/05/2017). • Instituição financeira que não fornecia opções dos contratos bancários em braille para as pessoas com deficiência visual (STJ. 4ª Turma. REsp 1.349.188/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/05/2016). • Instituição financeira que oferece, em sua agência, atendimento inadequado aos consumidores idosos, deficientes físicos e com dificuldade de locomoção (STJ. 3ª Turma. REsp 1.221.756-RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 2/2/2012). • Posto de gasolina que pratica “infidelidade de bandeira”, ou seja, que ostenta marca comercial de uma distribuidora (ex: Petrobrás), mas vende combustível de outras (STJ. 4ª Turma. REsp 1.487.046/MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/03/2017). • Prática de venda casada por parte de operadora de telefonia celular (STJ. 2ª Turma. REsp 1.397.870-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 2/12/2014). • Empreendimento que oferecia, de forma ilegal, videobingos e caça-níqueis (STJ. 2ª Turma. REsp 1464868/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2016). Danos morais coletivos X danos sociais Dano social não é sinônimo de dano moral coletivo. Danos sociais, segundo Antônio Junqueira de Azevedo,

“são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.” (p. 376).

O dano social é, portanto, uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade. Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho. Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da queda do balão etc. Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social. Conforme explica Flávio Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz (Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58).

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Os danos sociais representam a aplicação da função social da responsabilidade civil (PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Disponível em: http://ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11307). Ex: decisão do TRT-2ª Região (processo 2007-2288), que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por terem realizado uma greve abusiva que causou prejuízo à coletividade. Na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado um enunciado reconhecendo a existência dos danos sociais:

Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.

Voltando ao caso concreto: No caso concreto, o quadro “Investigação de Paternidade” do programa televisivo, ao expor a identidade (imagens e nomes) dos “genitores” das crianças e adolescentes, tornou-os vulneráveis a toda sorte de discriminações, ferindo o comando constitucional que impõe a todos (família, sociedade e Estado) o dever de lhes assegurar, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito e de lhes colocar a salvo de toda forma de discriminação, violência, crueldade ou opressão (art. 227 da CF/88). Assim, a conduta da emissora de televisão - ao exibir quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes - traduz flagrante dissonância com a proteção universalmente conferida às pessoas em franco desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, donde se extrai a evidente intolerabilidade da lesão ao direito transindividual da coletividade, configurando-se, portanto, hipótese de dano moral coletivo indenizável. Em suma:

A conduta de emissora de televisão que exibe quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes configura lesão ao direito transindividual da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo. STJ. 4ª Turma. REsp 1.517.973-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2017 (Info 618).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS É cabível agravo de instrumento contra decisão interlocutória

relacionada à definição de competência

Importante!!!

É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015.

Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória que acolhe ou rejeita a alegação de incompetência desafia recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.679.909-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou contrato com a empresa “Gráfica Arco” e nele havia a previsão de uma cláusula de eleição de foro: “8.1. Fica eleito o foro da cidade de São Paulo/SP em detrimento de qualquer outro, por mais privilegiado que seja, para dirimir quaisquer dúvidas ou controvérsias oriundas do presente instrumento.” Houve uma divergência entre os contratantes e a empresa ajuizou ação contra João na comarca de São Paulo. João, que mora em Porto Alegre (RS), arguiu a incompetência relativa do foro de São Paulo (incompetência territorial) argumentando que a referida cláusula de eleição de foro é abusiva. Vale lembrar que, com o CPC/2015, a incompetência relativa não é mais alegada por meio de “exceção de incompetência”, mas sim como um mero tópico da contestação:

Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.

O juiz indeferiu o pedido de João por entender que a cláusula é válida. Contra esta decisão, João interpôs agravo de instrumento. O Tribunal de Justiça não conheceu do recurso afirmando que as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento estão previstas taxativamente (exaustivamente) no art. 1.015 do CPC/2015 e que neste rol não existe a previsão de agravo de instrumento contra a decisão relacionada com definição de competência. Veja a lista do art. 1.015 do CPC/2015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

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XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Agiu corretamente o Tribunal de Justiça? Qual é o recurso cabível contra a decisão interlocutória que acolhe ou rejeita a alegação de incompetência formulada pelo réu na contestação? Não agiu corretamente o TJ. O recurso cabível, neste caso, é realmente o agravo de instrumento. Agravo de instrumento no CPC/2015 No CPC/1973 era possível a interposição do agravo de instrumento contra toda e qualquer decisão interlocutória. O CPC/2015, ao contrário, previu que o agravo de instrumento só será cabível em face das decisões interlocutórias expressamente listadas pelo legislador. Intepretação analógica ou extensiva Apesar de não prevista expressamente no rol do art. 1.015, a decisão interlocutória, relacionada à definição de competência continua desafiando recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma do inciso III do art. 1.015:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

A possibilidade de imediata recorribilidade da decisão advém de uma interpretação lógico-sistemática do CPC considerando que o § 3º do art. 64 afirma que “o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência” (§ 3º do art. 64). Esse é também o entendimento da doutrina especializada:

(...) A interpretação extensiva da hipótese de cabimento de agravo de instrumento prevista no inciso III do art. 1.015 é plenamente aceitável. É preciso interpretar o inciso III do art. 1.015 do CPC para abranger as decisões interlocutórias que versam sobre competência. O foro de eleição é um exemplo de negócio jurídico processual; a convenção de arbitragem, também. Ambos, a sua maneira, são negócios que dizem respeito à competência do órgão jurisdicional.” (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. V. 1. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 237-238)

Tema correlato: é possível interpor agravo de instrumento contra decisão que não concede efeito suspensivo aos embargos à execução

É admissível a interposição de agravo de instrumento contra decisão que não concede efeito suspensivo aos embargos à execução. As hipóteses em que cabe agravo de instrumento estão previstas art. 1.015 do CPC/2015, que traz um rol taxativo. Apesar de ser um rol exaustivo, é possível que as hipóteses trazidas nos incisos desse artigo sejam lidas de forma ampla, com base em uma interpretação extensiva. Assim, é cabível agravo de instrumento contra decisão que não concede efeito suspensivo aos embargos à execução com base em uma interpretação extensiva do inciso X do art. 1.015: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; STJ. 2ª Turma. REsp 1.694.667-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 05/12/2017 (Info 617).

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Em suma:

É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015. Apesar de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015, a decisão interlocutória que acolhe ou rejeita a alegação de incompetência desafia recurso de agravo de instrumento, por uma interpretação analógica ou extensiva da norma contida no inciso III do art. 1.015 do CPC/2015, já que ambas possuem a mesma ratio -, qual seja, afastar o juízo incompetente para a causa, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda. STJ. 4ª Turma. REsp 1.679.909-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, por unanimidade, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018

EXECUÇÃO Mesmo que o contrato com a escola particular esteja apenas no nome da mãe,

o pai também responderá solidariamente pelas dívidas

Importante!!!

A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram origem à dívida.

Ex: mãe assina contrato com a escola e termo de confissão de dívida se comprometendo a pagar as mensalidades; em caso de atraso, a escola poderá ingressar com execução tanto contra a mãe como contra o pai do aluno, considerando que existe uma solidariedade legal do casal quanto às despesas com a educação do filho (arts. 1.643 e 1.644 do CC).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.472.316-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

Imagine a seguinte situação hipotética: Lucas é filho de João e Maria. Maria matriculou Lucas em uma escola particular e, para tanto, teve que assinar um contrato de prestação de serviços educacionais, comprometendo-se as pagar as mensalidades. O ano terminou e Maria ficou devendo o pagamento de 5 mensalidades. A escola chamou a mãe de Lucas para renegociar o débito, tendo ela assinado um termo de confissão de dívida e, em troca, o colégio aceitou receber apenas 4 parcelas. Ocorre que, passado o prazo, essas 4 prestações também não foram pagas, razão pela qual a escola ingressou com execução de título executivo extrajudicial contra Maria. No curso da execução, não foram localizados bens penhoráveis da executada. Diante disso, a escola (exequente) requereu que a execução fosse redirecionada contra João. O juiz negou o pedido afirmando que o contrato e o termo de confissão de dívida não foram assinados por João, que nem sequer constava nesses instrumentos. A questão chegou até o STJ. O pedido formulado pela escola (exequente) pode ser acolhido pelo STJ? SIM.

A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram origem à dívida. STJ. 3ª Turma. REsp 1.472.316-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

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Legitimidade passiva ordinária para a execução A legitimidade passiva ordinária para a execução é daquele que estiver nominado no título executivo. Assim, em regra, somente deve figurar na execução aquele que consta no título executivo. Vale ressaltar, no entanto, que aqueles que se obrigam, por força da lei ou do contrato, solidariamente à satisfação de determinadas obrigações, apesar de não nominados no título, possuem legitimidade passiva extraordinária para a execução. Solidariedade do casal por dívidas contraídas para a administração do lar e para as necessidades da família O Código Civil reconheceu a solidariedade entre os cônjuges em relação a determinadas dívidas, mesmo quando contraídas por apenas um dos consortes. É o que está disposto nos arts. 1.643 e 1.644:

Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro: I - comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica; II - obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir. Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges.

Nos arts. 1.643 e 1644 do Código Civil, o legislador reconheceu que, pelas obrigações contraídas para a manutenção da economia doméstica, e, assim, notadamente, em proveito da entidade familiar, o casal responderá solidariamente, podendo-se postular a excussão dos bens do legitimado ordinário e do coobrigado, extraordinariamente legitimado. Quando o art. 1.643 estabelece que existe solidariedade entre os cônjuges quanto às dívidas contraídas para fazer frente à economia doméstica, deve-se entender isso de forma ampla. Assim, estão abrangidas na locução "economia doméstica" as obrigações assumidas para a administração do lar e para a satisfação das necessidades da família, o que inclui despesas alimentares, educacionais, culturais, de lazer, de habitação etc. Logo, as despesas contraídas por um dos cônjuges para custear a educação do filho comum também podem ser enquadradas nos arts. 1.643, I e 1.644 do CC. Desse modo, deve-se entender que a dívida que surge de um contrato de prestação de serviços educacionais aos filhos é uma dívida comum do casal, havendo solidariedade entre eles. Há essa solidariedade mesmo havendo somente o nome de um dos cônjuges no contrato? SIM. Em se tratando de dívida contraída em benefício da família e no cumprimento do dever de ambos os pais matricularem os seus filhos no ensino regular, não importa que apenas o nome de um dos cônjuges esteja no contrato ou na confissão de dívida. Isso porque, conforme já vimos, o Código Civil prevê que existe, neste caso, uma solidariedade do casal. E se os pais estiverem separados/divorciados? Suponhamos que João não mais estivesse casado (ou nunca tivesse sido casado) com Maria, ainda assim teria legitimidade para figurar na execução? SIM. Por força do poder familiar. Os pais, detentores do poder familiar, têm o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, a manutenção do infante em ensino regular, pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho. A obrigação relativa à manutenção dos filhos no ensino regular é, sem dúvida alguma, de ambos os pais, o que é evidenciado pelos arts. 21, 22 e 55 do ECA:

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

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Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (...) Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.

No mesmo sentido é o Código Civil:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: (...) IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

Assim, como já dito, ambos os pais têm o dever de garantir o sustento e a educação dos filhos, compreendendo, aí, também a manutenção do infante em ensino regular (art. 55 do ECA), pelo que deverão, solidariamente, responder pelas mensalidades da escola em que matriculado o filho. Conforme pontua o Min. Paulo de Tarso Sanseverino:

“Essa mútua responsabilidade, própria das dívidas contraídas por apenas um dos pais para o sustento do filho, não deixa de estar presente pelo fato de a dívida ter sido contraída posteriormente à separação/divórcio, pois é no poder familiar que ela encontra sua gênese.”

PROCESSO COLETIVO Associação de defesa do consumidor não tem legitimidade para ajuizar ACP discutindo DPVAT

Importante!!!

Uma associação que tenha fins específicos de proteção ao consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT. Isso porque o seguro DPVAT não tem natureza consumerista, faltando, portanto, pertinência temática.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.091.756-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/12/2017 (Info 618).

Em que consiste o DPVAT? O DPVAT é um seguro obrigatório contra danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em via terrestre, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros. Ex.: dois carros colidem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez.

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Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente. O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais. Quem custeia as indenizações pagas pelo DPVAT? Os proprietários de veículos automotores. Trata-se de um seguro obrigatório. Assim, sempre que o proprietário do veículo paga o IPVA, está pagando também, na mesma guia, um valor cobrado a título de DPVAT. O STJ afirma que a natureza jurídica do DPVAT é a de um contrato legal, de cunho social. O DPVAT é regulamentado pela Lei nº 6.194/74. Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei? • no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima) • no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima) • no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso a cada vítima. Quem são os beneficiários do seguro DPVAT? Quem tem direito de receber a indenização? • no caso de morte: metade será paga ao cônjuge do falecido, desde que eles não fossem separados judicialmente, e o restante aos herdeiros da vítima, obedecida a ordem da vocação hereditária. Não havendo cônjuge nem herdeiros, serão beneficiários os que provarem que a morte da vítima os privou dos meios necessários à subsistência. • no caso de invalidez permanente: a própria vítima. • no caso de despesas de assistência médica e suplementares: a própria vítima. Isso está previsto no art. 4º, caput e § 3º da Lei nº 6.194/74 (Lei do DPVAT). Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o valor pago pela seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário? Sim. A pessoa poderá ajuizar uma ação de cobrança contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT. Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação hipotética: Uma associação chamada “Movimento das donas de casa e consumidores de Minas Gerais” ajuizou ação civil pública contra a “Sul América Seguros” alegando que esta seguradora, quando vai pagar as indenizações do DPVAT, não tem adotado os critérios corretos para o cálculo dos valores, de forma que tem pagado menos do que os beneficiários teriam direito. A seguradora alegou que a autora seria parte ilegítima para a causa. Isso porque o estatuto desta associação prevê que a sua finalidade é a defesa dos consumidores e a relação jurídica dos beneficiários com as seguradoras do DPVAT não é de consumo. Logo, o pedido formulado pela associação não teria relação com a sua finalidade estatutária. A tese da seguradora foi aceita pelo STJ? SIM.

Uma associação que tenha fins específicos de proteção ao consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT. STJ. 2ª Seção. REsp 1.091.756-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 13/12/2017 (Info 618).

DPVAT não é uma relação de consumo O seguro DPVAT não é baseado em uma relação jurídica contratual. Trata-se de um seguro obrigatório por força de lei, que tem por objetivo mitigar os danos advindos da circulação de veículos automotores.

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Em se tratando de obrigação imposta por lei, não há, por conseguinte, qualquer acordo de vontade e, principalmente, voluntariedade entre o proprietário do veículo e as seguradoras componentes do consórcio do seguro DPVAT, o que, por si, evidencia que não se trata de contrato. A estipulação da indenização securitária em favor da vítima do acidente, assim como as específicas hipóteses de cabimento (morte, invalidez permanente, total e parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares) decorrem exclusivamente de imposição legal, e, como tal, não comportam qualquer temperamento das partes envolvidas. Nesse contexto, não há, por parte das seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT, responsáveis por realizarem o pagamento, qualquer ingerência nas regras relativas à indenização securitária. Ao contrário do que ocorre no caso de seguro facultativo (esta, sim, sujeita ao CDC), a atuação das seguradoras integrantes do consórcio do seguro DPVAT não é concorrencial nem se destina à obtenção de lucro, na medida em que a respectiva arrecadação possui destinação legal específica. Tampouco seria possível falar em vulnerabilidade, na acepção técnico-jurídica, das vítimas de acidente de trânsito - e muito menos do proprietário do veículo a quem é imposto o pagamento do "prêmio" do seguro DPVAT - perante as seguradoras, as quais não possuem qualquer margem discricionária para efetivação do pagamento da indenização securitária, sempre que presentes os requisitos estabelecidos na lei. Em suma, não há relação de consumo entre as vítimas do acidente ou beneficiárias e as seguradoras do DPVAT, não se aplicando as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1.635.398-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/10/2017 (Info 614). Associação tem por finalidade a defesa do consumidor Como não há, no caso, uma relação de consumo, não se mostra correto aceitar que uma associação que tem fins específicos de proteção ao consumidor possa ter legitimidade para propor uma ação civil pública fazendo pedido relacionado com o tema. O requisito da “pertinência temática” constitui um dos critérios para verificação da chamada “representatividade adequada” do grupo lesado, traduzindo-se na necessidade de que haja uma relação de congruência entre as finalidades institucionais da associação (expressamente enumeradas no estatuto social) e o conteúdo da pretensão. No presente caso é muito clara a ausência de pertinência temática considerando que as finalidades institucionais da associação (defesa do consumidor) não estão relacionadas com o seguro DPVAT (que não tem natureza consumerista).

PROCESSO COLETIVO Súmula 601 do STJ

Súmula 601-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público.

STJ. Corte Especial. Aprovada em 07/02/2018, DJe 14/02/2018.

Legitimidade do Ministério Público para a ACP O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF:

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Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Desse modo, indaga-se: o MP possui legitimidade para ajuizar ACP na defesa de qualquer direito difuso, coletivo ou individual homogêneo? O entendimento majoritário está exposto a seguir:

Direitos DIFUSOS

Direitos COLETIVOS (stricto sensu)

Direitos INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

SIM O MP está sempre legitimado a

defender qualquer direito difuso.

(o MP sempre possui

representatividade adequada).

SIM O MP está sempre legitimado a

defender qualquer direito coletivo.

(o MP sempre possui

representatividade adequada).

1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM

(ex: saúde de um menor)

2) Se esses direitos forem disponíveis: DEPENDE

O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se houver relevância social).

Quatro conclusões importantes:

1) Se o direito for difuso ou coletivo (stricto sensu), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP (há posições em sentido contrário, mas é o que prevalece). 2) Se o direito individual homogêneo for indisponível (ex: saúde de um menor carente), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP. 3) Se o direito individual homogêneo for disponível, o MP pode agir desde que haja relevância social. Ex1: defesa dos interesses de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação. Ex2: defesa de trabalhadores rurais na busca de seus direitos previdenciários.

4) O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direito individual indisponível mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (tutela do direito indisponível relativo a uma única pessoa). Ex: MP ajuíza ACP para que o Estado forneça uma prótese auditiva a um menor carente portador de deficiência. Assim, o MP sempre terá legitimidade quando os direitos envolvidos: • revestirem-se de interesse social; ou • caracterizarem-se como individuais indisponíveis.

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Exemplos de direitos individuais homogêneos dotados de relevância social (Ministério Público pode propor ACP nesses casos): 1) MP pode questionar edital de concurso público para diversas categorias profissionais de determinada Prefeitura, em que se previa que a pontuação adotada privilegiaria candidatos que já integrariam o quadro da Administração Pública municipal (STF RE 216443); 2) na defesa de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (STF AI 637853 AgR); 3) em caso de loteamentos irregulares ou clandestinos, inclusive para que haja pagamento de indenização aos adquirentes (REsp 743678); 4) o Ministério Público tem legitimidade para figurar no polo ativo de ACP destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária (STF AgRg no AI 516.419/PR); 5) o Ministério Público tem legitimidade para propor ACP com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE firmado entre o Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal. O referido acordo, ao beneficiar uma empresa privada e garantir-lhe o regime especial de apuração do ICMS, poderia, em tese, implicar lesão ao patrimônio público, fato que legitima a atuação do parquet na defesa do erário e da higidez da arrecadação tributária (STF RE 576155/DF); 6) o MP tem legitimação para, por meio de ACP, pretender que o Poder Público forneça medicação de uso contínuo, de alto custo, não disponibilizada pelo SUS, mas indispensável e comprovadamente necessária e eficiente para a sobrevivência de um único cidadão desprovido de recursos financeiros; 7) defesa do direito dos consumidores de não serem incluídos indevidamente nos cadastros de inadimplentes (REsp 1.148.179-MG). Exemplos de direitos individuais homogêneos destituídos de relevância social (Ministério Público NÃO pode propor ACP nesses casos): 1) o MP não pode ajuizar ACP para veicular pretensões que envolvam tributos (impostos, taxas etc.), contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados (art. 1º, parágrafo único, da LACP). Ex: o MP não pode propor ACP questionando a cobrança excessiva de uma determinada taxa, ainda que envolva um expressivo número de contribuintes; 2) “O Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.” (STJ REsp 1109335/SE); 3) o MP não pode buscar a defesa de condôminos de edifício de apartamentos contra o síndico, objetivando o ressarcimento de parcelas de financiamento pagas para reformas afinal não efetivadas. E no caso de direitos dos consumidores? O Ministério Público poderá defender em juízo direitos individuais homogêneos dos consumidores? SIM. O Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública para tutelar não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também direitos individuais homogêneos. Trata-se de legitimação que decorre, de forma genérica, dos arts. 127 e 129, III da CF/88 e, de modo específico, do art. 82, I do CDC:

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público; (...) Art. 81. (...) Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

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Vimos acima que o Ministério Público somente tem legitimidade para defender direitos individuais homogêneos caso estes sejam indisponíveis ou tenham relevância social. E no caso dos direitos individuais homogêneos relacionados com direitos dos consumidores? Prevalece o entendimento de que “a proteção coletiva dos consumidores constitui não apenas interesse individual do próprio lesado, mas interesse da sociedade como um todo. Realmente, é a própria Constituição que estabelece que a defesa dos consumidores é princípio fundamental da atividade econômica (CF, art. 170, V), razão pela qual deve ser promovida, inclusive pelo Estado, em forma obrigatória (CF, art. 5º, XXXII). Não se trata, obviamente, da proteção individual, pessoal, particular, deste ou daquele consumidor lesado, mas da proteção coletiva, considerada em sua dimensão comunitária e impessoal. Compreendida a cláusula constitucional dos interesses sociais (art. 127) nessa dimensão, não será difícil concluir que nela pode ser inserida a legitimação do Ministério Público para a defesa de ‘direitos individuais homogêneos’ dos consumidores, o que dá base de legitimidade ao art. 82, I da Lei nº 8.078/90 (...)” (voto do falecido Min. Teori Zavascki no REsp 417.804/PR, DJ 16/05/2005). “A tutela efetiva de consumidores possui relevância social que emana da própria Constituição Federal (arts. 5º, XXXII, e 170, V).” (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). Assim, “o Ministério Público ostenta legitimidade ativa para a propositura de Ação Civil Pública objetivando resguardar direitos individuais homogêneos dos consumidores.” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1569566/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/03/2017). Os direitos dos consumidores muitas vezes são disponíveis (ex: direitos patrimoniais). Mesmo assim, o Ministério Público terá legitimidade para a ação civil pública em tais casos? O MP tem legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores mesmo que estes sejam direitos disponíveis? SIM. O Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública destinada à defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, ainda que disponíveis, pois se está diante de legitimação voltada à promoção de valores e objetivos definidos pelo próprio Estado (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). A relação de consumo pode se dar com o Poder Público. Em outras palavras, o Estado presta serviços públicos a uma infinidade de consumidores. Neste caso, o Ministério Público possui legitimidade para a defesa em juízo dos direitos individuais homogêneos desses consumidores? SIM. Com mais razão ainda. O Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública para tutelar não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também direitos individuais homogêneos, inclusive quando decorrentes da prestação de serviços públicos (STJ. 1ª Turma. REsp 929.792/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 18/02/2016). Ex: ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Município e contra a empresa concessionária do serviço público de transporte de passageiros questionando o reajuste da tarifa de ônibus, que teria sido abusivo, violando os direitos individuais homogêneos dos consumidores. A explicação da súmula já acabou. Vamos agora relembrar o que são direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos Gênero: os direitos ou interesses coletivos (lato sensu) são o gênero. Eles são chamados de direitos ou interesses transindividuais, metaindividuais ou supraindividuais. Espécies: esses direitos coletivos (em sentido amplo) são divididos em três espécies: a) difusos; b) coletivos (em sentido estrito); c) individuais homogêneos.

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DIFUSOS COLETIVOS

(em sentido estrito) INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Ex: direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ex: reajuste abusivo das mensalidades escolares.

Ex: determinado lote de um remédio causou lesão a alguns consumidores.

São classificados como direitos ESSENCIALMENTE COLETIVOS.

São classificados como direitos ESSENCIALMENTE COLETIVOS.

São classificados como direitos ACIDENTALMENTE COLETIVOS (isso porque são direitos individuais, mas tratados como se fossem coletivos).

São transindividuais (há uma transindividualidade real ou material).

São transindividuais (há uma transindividualidade real ou material).

Há uma transindividualidade ARTIFICIAL, formal ou relativa (são direitos individuais que, no entanto, recebem tratamento legal de direitos transindividuais).

Têm natureza INDIVISÍVEL.

Tais direitos pertencem a todos de forma simultânea e indistinta.

O resultado será o mesmo para todos os titulares.

Têm natureza INDIVISÍVEL. O resultado será o mesmo para aqueles que fizerem parte do grupo, categoria ou classe de pessoas.

Têm natureza DIVISÍVEL. O resultado da demanda pode ser diferente para os diversos titulares (ex: o valor da indenização pode variar).

Os titulares são pessoas: • indeterminadas e • indetermináveis. Não se tem como determinar (dizer de maneira específica) quem são os titulares desses direitos. Isso porque são direitos que não pertencem a apenas uma pessoa, mas sim à coletividade. Caracterizam-se, portanto, pela indeterminabilidade ABSOLUTA.

Os titulares são pessoas: • indeterminadas, • mas determináveis. Os titulares são, a princípio, indeterminados, mas é possível que eles sejam identificados. Os titulares fazem parte de um grupo, categoria ou classe de pessoas. Caracterizam-se, portanto, pela indeterminabilidade RELATIVA.

Os titulares são pessoas: • determinadas; ou • determináveis. Caracterizam-se, portanto, pela DETERMINABILIDADE.

Os titulares desses direitos NÃO possuem relação jurídica entre si. Os titulares são ligados por CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO. Os titulares se encontram em uma situação de fato comum.

EXISTE uma relação jurídica base entre os titulares. Os titulares são ligados entre si ou com a parte contrária em virtude de uma RELAÇÃO JURÍDICA BASE.

Os titulares não são ligados entre si, mas seus interesses decorrem de uma ORIGEM COMUM.

Outros exemplos: patrimônio histórico; moralidade administrativa; publicidade enganosa divulgada pela TV.

Outros exemplos: interesses ligados aos membros de um mesmo sindicato ou partido; integrantes de um mesmo conselho profissional (ex: OAB). O MP tem legitimidade para ACP cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares (Súmula 643-STF).

Outros exemplos: Ex: pílula de farinha como anticoncepcional: só tem direito a mulher que comprovar que tomou o remédio daquele lote.

Obs.: a definição legal dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos é fornecida pelo art. 81, parágrafo único do CDC.

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

IMUNIDADE DIPLOMÁTICA Não existe razão para reter o passaporte de agente diplomático que responde

a processo penal no Brasil se ele goza de imunidade de execução

A cautelar fixada de proibição para que agente diplomático acusado de homicídio se ausente do país sem autorização judicial não é adequada na hipótese em que o Estado de origem do réu tenha renunciado à imunidade de jurisdição cognitiva, mas mantenha a competência para o cumprimento de eventual pena criminal a ele imposta.

STJ. 6ª Turma. RHC 87.825-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

Princípio da territorialidade O art. 5º, caput, do Código Penal prevê o seguinte:

Art. 5º Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

Esse dispositivo consagra o chamado princípio da territorialidade, segundo o qual a lei brasileira aplica-se para os crimes cometidos no território nacional. Ocorre que o Brasil não adotou o princípio da territorialidade de maneira absoluta. Isso porque há exceções. Assim, dizemos que o nosso país adotou o princípio da territorialidade temperada ou mitigada. Imunidades diplomáticas Conforme se vê pelo art. 5º, é possível que as convenções, tratados e regras de direito internacional prevejam exceções ao princípio da territorialidade, ou seja, tais documentos podem estabelecer situações nas quais, mesmo o crime tendo sido cometido no Brasil, não se aplicará a lei brasileira. Como exemplo dessa exceção temos o caso das imunidades diplomáticas. O Brasil assinou um tratado internacional assegurando imunidade de jurisdição penal aos diplomatas, agentes diplomáticos e funcionários das organizações internacionais. Trata-se da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (aprovada pelo Decreto Legislativo 103/64, e promulgada pelo Decreto nº 56.435/65), cujo artigo 31 prevê:

Artigo 31 1. O agente diplomático gozará de imunidade de jurisdição penal do Estado acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e administrativa, a não ser que se trate de: (...) 4. A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante.

Imunidade de jurisdição e imunidade de execução No âmbito penal, a imunidade diplomática pode ser dividida em duas espécies: a) imunidade de jurisdição cognitiva: impede que o agente diplomático seja julgado pelo crime que cometeu no Brasil; b) imunidade de execução penal: impede que o Brasil execute a sanção penal que o agente diplomático recebeu. Apesar da redação do item 1 do artigo 31 da Convenção de Viena, entende-se que a imunidade diplomática abrange tanto a imunidade de jurisdição como a imunidade de execução.

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O agente diplomático pode renunciar à imunidade? NÃO. O destinatário da imunidade não pode renunciá-la. Isso porque ela é conferida em razão do cargo (e não da pessoa). Por outro lado, o Estado de origem do agente diplomático (chamado de Estado acreditante) poderá renunciar a imunidade dos seus agentes diplomáticos, conforme prevê o artigo 32, 1 e 2, do Decreto nº 56.435/1965:

Artigo 32 1. O Estado acreditante pode renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37. 2. A renúncia será sempre expressa. 3. Se um agente diplomático ou uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do artigo 37 inicia uma ação judicial, não lhe será permitido invocar a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção ligada à ação principal. 4. A renúncia à imunidade de jurisdição no tocante às ações civis ou administrativas não implica renúncia a imunidade quanto as medidas de execução da sentença, para as quais nova renúncia é necessária.

Desse modo, o agente diplomático não responderá, no Brasil, pelo crime que cometer aqui, salvo se o Estado que ele representa (Estado acreditante) renunciar à imunidade.

Imagine a seguinte situação hipotética: Juan é agente diplomático da Espanha, trabalhando em Brasília. Determinado dia, Juan praticou um homicídio aqui no Brasil. O Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação espanhol remeteu uma Nota Verbal ao Ministério de Relações Exteriores indicando a renúncia da imunidade de jurisdição do agente diplomático (Juan). No entanto, a Espanha fez menção expressa ao fato de que esta renúncia não representaria de nenhuma maneira renúncia à imunidade de execução, nos termos estabelecidos pela referida Convenção. Em outras palavras, a Espanha afirmou o seguinte: o agente diplomático pode ser julgado pelo Poder Judiciário brasileiro (houve renúncia à imunidade de jurisdição), mas ele não irá cumprir eventual pena no Brasil (eu não renuncio à imunidade de execução). O réu pode ser processado no Brasil e eventualmente condenado, mas a execução da pena se dará apenas pela Espanha. Diante dessa autorização, Juan foi denunciado pelo Ministério Público e responde a ação penal aqui no Brasil. O magistrado impôs ao réu a medida cautelar prevista no art. 319, IV, do CPP, proibindo-o de sair do Brasil sem autorização judicial, determinando a retenção de seu passaporte. O juiz fundamentou a sua decisão no perigo de fuga, o que representaria risco à aplicação da lei penal.

Agiu corretamente o juiz? NÃO. Embora a jurisdição brasileira seja competente para o processo de conhecimento, não será aqui que o réu irá cumprir eventual pena, caso seja condenado (persiste a imunidade de execução). Logo, não se mostra necessária e adequada a imposição de medida cautelar de proibição de se ausentar do país considerando que esta providência tem por objetivo garantir a aplicação da lei penal. Ocorre que a lei penal não será executada no Brasil.

Em suma:

A cautelar fixada de proibição para que agente diplomático acusado de homicídio se ausente do país sem autorização judicial não é adequada na hipótese em que o Estado de origem do réu tenha renunciado à imunidade de jurisdição cognitiva, mas mantenha a competência para o cumprimento de eventual pena criminal a ele imposta. STJ. 6ª Turma. RHC 87.825-ES, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/12/2017 (Info 618).

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DIREITO TRIBUTÁRIO

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Mesmo que a entidade remetente dos valores para o exterior seja imune,

ainda assim terá que pagar o IRRF previsto no art. 11 do DL 401/1968

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O art. 11 do Decreto-Lei nº 401/1968 prevê que “está sujeito ao desconto do imposto de renda na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo.”

Vale ressaltar que o contribuinte do imposto de renda previsto neste art. 11 é o vendedor (beneficiário dos valores residente no exterior). O remetente dos juros (e que deve pagar o imposto de renda retido na fonte - IRRF) é o sujeito passivo responsável por substituição, enquadrando-se nos conceitos previstos nos arts. 121, parágrafo único, II, e 128 do CTN.

Importante esclarecer que, se o adquirente do bem (e que está remetendo o dinheiro para o exterior) for uma entidade imune, mesmo assim terá que fazer o recolhimento do IRRF.

Ex: entidade beneficente de assistência social adquire, a prazo, uma máquina de uma empresa do exterior; ao remeter os valores para essa empresa, deverá reter, na fonte, o imposto de renda sobre os juros; mesmo esta entidade sendo imune, ela deverá pagar o imposto de renda retido na fonte na condição de responsável por substituição.

A imunidade tributária não afeta a relação de responsabilidade tributária ou de substituição e não exonera o responsável tributário ou o substituto.

Assim, em suma: a imunidade tributária de entidade beneficente de assistência social não a exonera do dever de, na condição de responsável por substituição, reter o imposto de renda sobre juros remetidos ao exterior na compra de bens a prazo, na forma do art. 11 do Decreto-Lei nº 401/1968.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.480.918-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/09/2017 (Info 618).

Imagine a seguinte situação hipotética: “Viva Bem” é uma entidade beneficente de assistência social. Esta entidade comprou, a prazo, de uma empresa da Alemanha, uma máquina para ser utilidade em suas finalidades essenciais. A empresa vendedora cobrou juros, como normalmente ocorre nas operações comerciais a prazo. Assim, todos os meses a entidade tem que remeter ao exterior o valor da prestação, bem como dos juros. Todas as vezes em que a entidade vai remeter os valores para o vendedor no exterior, a instituição bancária, por determinação da Receita Federal, exige a retenção do imposto de renda na fonte por parte da “Viva Bem”. Em outras palavras, o banco faz a emissão de um DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) para que a “Viva Bem” pague o IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte). Essa exigência de que a entidade faça o pagamento do IRRF está prevista no art. 703 do RIR/99 (Decreto nº 3.000/99) e no art. 11 do Decreto-Lei nº 401/1968:

Art. 11. Está sujeito ao desconto do imposto de renda na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo, ainda quando o beneficiário do rendimento for o próprio vendedor. Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo consideram-se fato gerador do tributo a remessa para o exterior e contribuinte o remetente.

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A “Viva Bem” ingressou, então, com ação declaratória alegando que, na qualidade de entidade beneficente de assistência social, goza de imunidade tributária, nos termos do art. 150, VI, “c”, da CF/88, motivo pelo qual não lhe pode ser exigido o recolhimento de IRRF relativamente à remessa de valores para o exterior. O pedido da entidade encontrou guarida no STJ? NÃO. O STJ entendeu que a entidade tinha sim o dever de fazer a retenção do imposto de renda. Vamos entender com calma. Como vimos acima, o art. 11 do DL 401/1968 prevê a incidência do imposto de renda sobre a remessa de juros ao exterior na compra de bens a prazo. A pergunta que surge é a seguinte: quem é o contribuinte deste imposto? O beneficiário dos valores residente no exterior. Como o fato gerador do imposto sobre a renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza (art. 43 do CTN), o contribuinte em tal hipótese é o beneficiário residente no exterior, por ser aquele que possui relação pessoal e direta com o fato gerador (art. 121, parágrafo único, I, do CTN); afinal, é ele quem teve um acréscimo patrimonial. Nesse sentido é o caput do art. 45 do CTN:

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.

Mas o parágrafo único do art. 11 do DL 401/1968 fala que o contribuinte do imposto é o remetente.... Segundo o STJ, houve um erro de técnica legislativa na redação deste art. 11, parágrafo único. Isso porque não se pode considerar como contribuinte do imposto de renda alguém que não está auferindo a renda, tendo apenas e tão somente remetido valores para o exterior. O comprador de mercadoria do exterior, que remete as quantias referentes aos juros, pelo pagamento a prazo, à empresa estrangeira vendedora, certamente não pratica o fato gerador do Imposto de Renda, porquanto não adquire qualquer disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou de proventos de qualquer natureza. Assim, essa previsão de que o remetente é contribuinte do imposto de renda viola o art. 45 do CTN (que possui status de lei complementar). Nas palavras do Min. Herman Benjamin: “A utilização do conceito contribuinte para caracterizar o remetente dos juros constitui erro de técnica legislativa, passível de correção interpretativa, na medida em que lei ordinária não poderia modificar conceito estabelecido no CTN.” E o remetente, qual é a sua natureza jurídica? O remetente dos juros é sujeito passivo responsável por substituição, enquadrando-se nos conceitos previstos nos arts. 121, parágrafo único, II, e 128 do CTN:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva

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obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

O próprio parágrafo único do art. 45 do CTN também permite essa figura do responsável tributário:

Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.

Desse modo, a entidade beneficente que comprou o bem e que está remetendo os juros para o exterior é considerada como “responsável por substituição” pelo recolhimento exigido pelo art. 11 do Decreto-Lei 401/1968. A imunidade tributária abrange a responsabilidade por substituição? A entidade imune está dispensada de fazer o recolhimento do imposto como responsável tributária? NÃO. “A imunidade tributária não afeta, tão-somente por si, a relação de responsabilidade tributária ou de substituição e não exonera o responsável tributário ou o substituto” (STF. 2ª Turma. RE 202.987, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 25/9/2009). Assim, em nosso exemplo, a imunidade não exclui a obrigação do responsável tributário (entidade remetente) de reter na fonte o tributo devido pelo denominado “contribuinte de fato” (a empresa que está recebendo os valores no exterior). Se a entidade imune ficasse dispensada de reter o imposto de renda sobre os valores remetidos ao exterior, na prática, quem seria beneficiada com a imunidade seria a empresa estrangeira, considerando que é ela que ostenta a figura de contribuinte. Em suma:

O art. 11 do Decreto-Lei nº 401/1968 prevê que “está sujeito ao desconto do imposto de renda na fonte o valor dos juros remetidos para o exterior devidos em razão da compra de bens a prazo.” A imunidade tributária de entidade beneficente de assistência social não a exonera do dever de, na condição de responsável por substituição, reter o imposto de renda sobre juros remetidos ao exterior na compra de bens a prazo, na forma do art. 11 do Decreto-Lei nº 401/1968. Ex: entidade beneficente de assistência social adquire, a prazo, uma máquina de uma empresa do exterior; ao remeter os valores para essa empresa, deverá reter, na fonte, o imposto de renda sobre os juros. STJ. 2ª Turma. REsp 1.480.918-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/09/2017 (Info 618).

IRPJ E CSLL Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL

Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

STJ. 1ª Seção. EREsp 1.517.492-PR, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, julgado em 08/11/2017 (Info 618).

IRPJ IRPJ é a sigla para Imposto de Renda de Pessoa Jurídica.

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A base de cálculo do IRPJ é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis (art. 44 do CTN). Em outras palavras, a base de cálculo do IRPJ é o lucro (real, presumido ou arbitrado) correspondente ao período de apuração. CSLL CSLL é a sigla para Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Segundo a Lei que rege a CSLL, a base de cálculo dessa contribuição “é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda” (art. 2º da Lei nº 7.689/88). Desse modo, a base de cálculo da CSLL também é o lucro, mas apurado antes da provisão para o IRPJ. Crédito presumido de ICMS Trata-se de um incentivo concedido pela legislação por meio do que se concede um crédito ao contribuinte para que ele pague menos ICMS. Assim, se a empresa contribuinte cumprir determinados requisitos previstos na legislação, ela poderá ter direito a esse “crédito”, pagando menos ICMS. Desse modo, pode-se concluir que a concessão de crédito presumido de ICMS possui natureza jurídica de incentivo fiscal. O crédito presumido de ICMS, por representar, indiretamente, um lucro para a pessoa jurídica, deverá ser incluído na base de cálculo do IRPJ e da CSLL? NÃO.

Crédito presumido de ICMS não integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. STJ. 1ª Seção. EREsp 1.517.492-PR, Rel. Min. Og Fernandes, Rel. Acd. Min. Regina Helena Costa, julgado em 08/11/2017 (Info 618).

A Constituição Federal possui diversos dispositivos que preveem medidas de incentivo fiscal com o objetivo de reduzir desigualdades regionais, alavancar o desenvolvimento social e econômico do país, inclusive mediante desoneração ou diminuição da carga tributária. A outorga de crédito presumido de ICMS insere-se nesse contexto, devendo ser instituída por legislação local específica do ente federativo tributante. Não se pode considerar o crédito presumido como lucro da empresa, para fins de tributação do IRPJ e da CSLL, sob pena de admitirmos a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou. Essa interpretação faria com que houvesse o esvaziamento ou a redução do incentivo fiscal que foi legitimamente outorgado pelo Estado-membro. Isso porque se, por um lado, a empresa pagaria menos ICMS, por outro, teria que pagar mais IRPJ e CSLL. O art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF/88, atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS - e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (...) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)

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XII - cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

A concessão de incentivo por Estado-membro, observados os requisitos legais, configura, portanto, instrumento legítimo de política fiscal para materialização dessa autonomia consagrada pelo modelo federativo. Nesse caminho, a tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação. Por fim, cumpre registrar, dada à semelhança com o presente caso, que o STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. Entendeu o Plenário da Corte que o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não compõe a base de cálculo para a incidência da contribuição para o PIS e da COFINS. STF. Plenário. RE 574706/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 15/3/2017 (repercussão geral) (Info 857).

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

AUXÍLIO-RECLUSÃO Se o segurado estava desempregado no momento da prisão, ele é considerado de baixa renda,

independentemente do último salário de contribuição

Importante!!!

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário pago aos dependentes do segurado que for preso, desde que ele (segurado) tenha baixa renda, não receba remuneração da empresa durante a prisão, nem esteja em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência.

Se o segurado, no momento em que foi preso, estava desempregado, a Portaria Ministerial determina que será considerado como critério para “baixa renda” o seu último salário de contribuição (referente ao último trabalho). Ex: João foi preso em 2015, momento em que estava desempregado; seu último salário de contribuição era de R$ 3.000,00; pela Portaria, mesmo João estando desempregado, não poderia ser considerado de baixa renda e seus familiares não teriam direito ao benefício.

O STJ concorda com essa previsão da Portaria? Esse critério do último salário de contribuição para o segurado preso desempregado é válido?

NÃO. Na análise de concessão do auxílio-reclusão, o fato de o recluso que mantenha a condição de segurado pelo RGPS estar desempregado ou sem renda no momento em que foi preso demonstra que ele tinha “baixa renda”, independentemente do valor do último salário de contribuição.

O critério econômico da renda deve ser aferido no momento da reclusão, pois é nele que os dependentes sofrem o baque da perda do provedor. Se, nesse instante, o segurado estava desempregado, presume-se que se encontrava em baixa renda, sendo, portanto, devido o benefício a seus dependentes.

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Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei nº 8.213/91), o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.485.417-MS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2017 (recurso repetitivo) (Info 618).

AUXÍLIO-RECLUSÃO

Em que consiste: - O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário - pago aos dependentes do segurado que for preso - desde que ele (segurado) tenha baixa renda - não receba remuneração da empresa durante a prisão - nem esteja em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência. Atenção: Se o segurado preso estiver recebendo auxílio-acidente, pensão por morte ou salário-maternidade, ainda assim seus dependentes poderão ter direito ao auxílio-reclusão. Isso porque a lei, por uma falha, não proibiu o pagamento nesses casos. Beneficiários: Chamo atenção novamente para o fato de que o auxílio-reclusão é um benefício pago aos dependentes do segurado preso. Quem recebe o dinheiro são os dependentes (mulher, filhos menores etc.) e não o preso. Para receber o auxílio-reclusão, os dependentes do segurado precisam ter baixa renda? NÃO. Trata-se de mais uma “pegadinha”. Segundo o art. 201, IV, da CF/88, para que seja pago o auxílio-reclusão, quem deve ter baixa renda é o segurado preso, não importando a renda dos dependentes. Isso não tem lógica, sendo muito criticado pela doutrina porque o benefício não é pago ao preso, mas sim aos seus dependentes. Eles é que deveriam ser pobres. Apesar disso, foi dessa forma que o legislador constituinte tratou do tema e o STF afirmou que é assim mesmo:

(...) O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 387.265/SC, sob o regime da repercussão geral, consolidou entendimento no sentido de que a renda a ser considerada para a concessão do auxílio-reclusão é a do segurado de baixa renda, e não a dos seus dependentes. (...) (STF. 2ª Turma. RE 580391 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 27/08/2013)

Não se confunda: • Quem recebe o benefício: os dependentes do segurado. • Quem precisa ter baixa renda para o benefício ser pago: o segurado preso. Qual valor é considerado baixa renda para fins de pagamento do auxílio-reclusão? A EC 20/98, que alterou o art. 201, IV, da CF/88 previu que, até que a lei discipline o auxílio-reclusão, esse benefício será concedido apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00, valor esse que deverá ser corrigido pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social (art. 13 da Emenda). Em outras palavras, a EC determinou que a lei estabelecesse um critério para definir o que é “baixa renda”. Enquanto a lei não fizer isso, o Governo deverá atualizar todos os anos o valor, que começou em R$ 360,00. Até hoje, essa lei não existe. Logo, todos os anos é publicada uma Portaria, assinada pelo Ministro da Fazenda, atualizando o valor.

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Para o ano de 2018, o valor foi atualizado para R$ 1.319,18 (Portaria MF nº 15, de 16 de janeiro de 2018). Assim, o auxílio-reclusão somente será pago se o último salário de contribuição do segurado antes de ser preso era igual ou inferior a essa quantia. Até aqui, tudo bem. Vamos agora dificultar um pouco: Esse teto atualizado todos os anos é absoluto ou pode ser relativizado? Se o valor do salário de contribuição superar um pouco esse limite, mesmo assim poderá ser concedido o benefício? Ex: João foi preso em 2018 e, nesta data, seu salário de contribuição era de R$ 1.330,00; seus familiares podem receber o auxílio-reclusão? SIM. O STJ recentemente decidiu que é possível a concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que recebia salário de contribuição pouco superior ao limite estabelecido como critério de baixa renda pela legislação da época de seu encarceramento. Assim, é possível a concessão do auxílio-reclusão quando o caso concreto revelar a necessidade de proteção social, permitindo ao julgador a flexibilização do critério econômico para deferimento do benefício pleiteado, ainda que o salário de contribuição do segurado supere o valor legalmente fixado como critério de baixa renda no momento de sua reclusão. Com bem assentado pelo Ministro Relator, “a análise de questões previdenciárias requer do Magistrado uma compreensão mais ampla, ancorada nas raízes axiológicas dos direitos fundamentais, a fim de que a aplicação da norma alcance a proteção social almejada.” (STJ. 2ª Tuma. REsp 1.479.564-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 6/11/2014. Info 552). Se o segurado, no momento em que foi preso, estava desempregado, a Portaria determina que será considerado como critério para “baixa renda” o seu último salário de contribuição (referente ao último trabalho). Ex: João foi preso em 2018, momento em que estava desempregado; seu último salário de contribuição era de R$ 3.000,00; pela Portaria, mesmo João estando desempregado, não poderia ser considerado de baixa renda e seus familiares não teriam direito ao benefício. O STJ concordou com essa previsão da Portaria? Esse critério do último salário de contribuição para o segurado preso desempregado é válido? NÃO. Na análise de concessão do auxílio-reclusão, o fato de o recluso que mantenha a condição de segurado pelo RGPS estar desempregado ou sem renda no momento em que foi preso demonstra que ele tinha “baixa renda”, independentemente do valor do último salário de contribuição. O critério econômico da renda deve ser aferido no momento da reclusão, pois é nele que os dependentes sofrem o baque da perda do provedor. Se, nesse instante, o segurado estava desempregado, presume-se que se encontrava em baixa renda, sendo, portanto, devido o benefício a seus dependentes. Os requisitos para a concessão do benefício devem ser verificados no momento do recolhimento à prisão, em observância ao princípio tempus regit actum. O tema foi apreciado pelo STJ em sede de recurso repetitivo, tendo sido fixada a seguinte tese:

Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei nº 8.213/91), o critério de aferição de renda do segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é a ausência de renda, e não o último salário de contribuição. STJ. 1ª Seção. REsp 1.485.417-MS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 22/11/2017 (recurso repetitivo) (Info 618).

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DIREITO INTERNACIONAL

HIPOTECA NAVAL É reconhecida a eficácia, no Brasil, de hipoteca de navio

registrada no país de nacionalidade da embarcação

A hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação tem eficácia extraterritorial, alcançando o âmbito interno nacional.

Ex: navio de nacionalidade liberiana foi hipotecado na Libéria; essa hipoteca produz efeitos aqui no Brasil, inclusive nas execuções propostas contra a empresa proprietária do navio e que gerem a penhora dessa embarcação.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.705.222-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2017 (Info 618).

Imagine a seguinte situação hipotética: O Banco BTG ajuizou execução de título extrajudicial contra a empresa OSX. Na execução foi penhorado um navio de propriedade da executada e que está atracado no Brasil. Ocorre que, um ano antes desta execução, o navio já havia sido hipotecado na Libéria, em favor da empresa Nordic. Vale ressaltar que este navio é de nacionalidade liberiana e esta hipoteca encontra-se registrada na Libéria. A Nordic interveio na execução requerendo seu direito de preferência (prelação) hipotecária em caso de alienação. Em outras palavras, ela afirmou o seguinte: se o navio for alienado, primeiro eu terei que ser paga e somente o que sobrar poderá ser destinado ao exequente. O exequente insurgiu-se contra o pedido alegando que essa hipoteca não seria eficaz no Brasil.

O debate jurídico, portanto, é o seguinte: essa hipoteca tem eficácia aqui no Brasil? SIM. Deve ser reconhecida a eficácia, no Brasil, de hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação. Vamos entender as razões do julgado.

O navio é um bem móvel. Mesmo assim ele está sujeito à hipoteca? SIM. As grandes embarcações e aeronaves, embora efetivamente sejam bens móveis pelo critério físico, no plano jurídico, em vista de sua importância econômica e com o objetivo de conferir maior segurança jurídica, estão sujeitas à hipoteca.

Regulamentação A hipoteca de navios se encontra disciplinada pelo art. 278 do Decreto nº 18.871/1929, que promulga a Convenção de Direito Internacional Privado de Havana (Código Bustamante), e pelos arts. 12 a 14 da Lei nº 7.652/88, que dispõem sobre o registro de propriedade marítima.

Hipoteca marítima tem efeitos extraterritoriais A Convenção de Direito Internacional Privado de Havana (Código Bustamante) estabelece que a hipoteca marítima e os privilégios e garantias de caráter real, constituídos de acordo com a lei do pavilhão (lei da bandeira do navio), têm efeitos extraterritoriais, até nos países cuja legislação não conheça ou não regule essa hipoteca ou esses privilégios. De igual modo, o art. 1º da Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras Relativas aos Princípios e Hipotecas Marítimas (Decreto nº 351/1935) prevê que as hipotecas sobre navios regularmente estabelecidas e registradas serão consideradas válidas e acatadas em todos os outros países contratantes.

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Essa hipoteca marítima deveria ter sido registrada também no Brasil? NÃO. Não cabe o registro, no Brasil, da hipoteca da embarcação de bandeira de outro país, pertencente à sociedade empresária estrangeira. Com efeito, na leitura da Lei nº 7.652/88 (que dispõe sobre o registro de propriedade marítima) e dos demais diplomas internos, nota-se um claro cuidado do legislador em não estabelecer disposição que confronte com as convenções internacionais a que o Estado aderiu, respeitando-se a soberania dos países em que estão registrados os navios e respectivas hipotecas, de modo a fornecer segurança jurídica aos proprietários e detentores de direitos sobre embarcações. O registro hipotecário é ato de soberania do Estado da nacionalidade da embarcação, estando sob sua jurisdição as respectivas questões administrativas.

Negar eficácia à hipoteca marítima internacional violas as convenções internacionais Desse modo, diante de tudo que foi exposto, conclui-se que negar eficácia à hipoteca seria desrespeitar diversas convenções internacionais, gerando insegurança jurídica, com possíveis restrições e aumento de custo para o afretamento de embarcações utilizadas no Brasil.

Em suma:

A hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação tem eficácia extraterritorial, alcançando o âmbito interno nacional. STJ. 4ª Turma. REsp 1.705.222-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2017 (Info 618).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O acordo de partilha de pensão por morte, homologado judicialmente, não altera a ordem legal do

pensionamento, podendo, todavia, impor ao órgão de previdência a obrigação de depositar parcela do benefício em favor do acordante que não figura como beneficiário perante a autarquia previdenciária. ( )

2) Os descontos em folha, juntamente com os descontos obrigatórios, podem alcançar o percentual de 70% das remunerações ou dos proventos brutos dos servidores militares. ( )

3) O falecimento do parceiro outorgante extingue o contrato de parceria rural. ( ) 4) É abusiva a prática comercial consistente no cancelamento unilateral e automático de um dos trechos da

passagem aérea, sob a justificativa de não ter o passageiro se apresentado para embarque no voo antecedente. ( )

5) As questões acerca do trade dress (conjunto-imagem) dos produtos, concorrência desleal e outras demandas afins, por não envolver registro no INPI e cuidando de ação judicial entre particulares, é inequivocamente de competência da Justiça estadual, já que não afeta interesse institucional da autarquia federal. No entanto, compete à Justiça Federal, em ação de nulidade de registro de marca, com a participação do INPI, impor ao titular a abstenção do uso, inclusive no tocante à tutela provisória. ( )

6) É necessária a apresentação de Certidão de Dívida Ativa (CDA) para habilitação, em processo de falência, de crédito previdenciário resultante de decisão judicial trabalhista. ( )

7) A conduta de emissora de televisão que exibe quadro que, potencialmente, poderia criar situações discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes configura lesão ao direito transindividual da coletividade e dá ensejo à indenização por dano moral coletivo. ( )

8) É cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão relacionada à definição de competência, a despeito de não previsto expressamente no rol do art. 1.015 do CPC/2015. ( )

9) A execução de título extrajudicial por inadimplemento de mensalidades escolares de filhos do casal pode ser redirecionada ao outro consorte, ainda que não esteja nominado nos instrumentos contratuais que deram origem à dívida. ( )

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10) Uma associação que tenha fins específicos de proteção ao consumidor possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT. ( )

11) O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público. ( )

12) A cautelar fixada de proibição para que agente diplomático acusado de homicídio se ausente do país sem autorização judicial não é adequada na hipótese em que o Estado de origem do réu tenha renunciado à imunidade de jurisdição cognitiva, mas mantenha a competência para o cumprimento de eventual pena criminal a ele imposta. ( )

13) A imunidade tributária de entidade beneficente de assistência social não a exonera do dever de, na condição de responsável por substituição, reter o imposto de renda sobre juros remetidos ao exterior na compra de bens a prazo, na forma do art. 11 do Decreto-Lei nº 401/1968. ( )

14) Crédito presumido de ICMS integra a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. ( ) 15) Para a concessão de auxílio-reclusão (art. 80 da Lei n. 8.213/1991), o critério de aferição de renda do

segurado que não exerce atividade laboral remunerada no momento do recolhimento à prisão é o último salário de contribuição. ( )

16) A hipoteca de navio registrada no país de nacionalidade da embarcação tem eficácia extraterritorial, alcançando o âmbito interno nacional. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. C 5. C 6. E 7. C 8. C 9. C 10. E

11. C 12. C 13. C 14. E 15. E 16. C