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1 DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: POSSIBILIDADE REAL OU UTÓPICA? Nayara Pasqualotto UTFPR – Pato Branco [email protected] Ana Paula Stasiak UNIOESTE – Francisco Beltrão [email protected] Danielle Pasqualotto administradora[email protected] Resumo O presente artigo faz uma breve discussão a respeito do desenvolvimento rural sustentável, bem como suas possibilidades de real efetivação. Para contemplação de tais questões, são abordados no trabalho, inicialmente o histórico e o conceito de desenvolvimento sustentável, seguindo de uma análise sobre o desenvolvimento rural sustentável. Por fim, são discutidas as reais possibilidades de se atingir um desenvolvimento equitativo no campo, contemplando todas as dimensões necessárias para a sustentabilidade. Desta forma, apresenta-se como alternativas reais para o desenvolvimento rural sustentável o fortalecimento da agricultura familiar, a aposta em novas formas de comercialização, o investimento na escala local de desenvolvimento, entre outras. Palavras-chave: Desenvolvimento rural sustentável. Agricultura familiar. Introdução O debate sobre “desenvolvimento” foi colocado em evidência por dois momentos nas últimas décadas no Brasil, sendo que o primeiro ocorreu entre os anos 1950 e 1970. Neste período, impulsionada pelo novo padrão e estilo de vida imposto pelos países dominantes, a expectativa pelo desenvolvimento estimulou iniciativas em diversas partes do mundo (NAVARRO, 2001). Devido ao grande percentual de população vivendo em áreas rurais e a relativa participação da agricultura na economia, o desenvolvimento rural tornou-se de interesse social e político. A concepção de desenvolvimento rural foi conduzida sob a óptica da modernização, visto que esta época foi marcada pelas inovações tecnológicas, científicas e de produção, comumente denominada Revolução Verde (NAVARRO, 2001).

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Page 1: DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: … · debate sobre desenvolvimento no Brasil ancorados no novo cenário político e econômico que surgia. Após a estabilização da economia

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DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: POSSIBILIDADE REAL OU UTÓPICA?

Nayara Pasqualotto

UTFPR – Pato Branco [email protected]

Ana Paula Stasiak

UNIOESTE – Francisco Beltrão [email protected]

Danielle Pasqualotto

[email protected]

Resumo O presente artigo faz uma breve discussão a respeito do desenvolvimento rural sustentável, bem como suas possibilidades de real efetivação. Para contemplação de tais questões, são abordados no trabalho, inicialmente o histórico e o conceito de desenvolvimento sustentável, seguindo de uma análise sobre o desenvolvimento rural sustentável. Por fim, são discutidas as reais possibilidades de se atingir um desenvolvimento equitativo no campo, contemplando todas as dimensões necessárias para a sustentabilidade. Desta forma, apresenta-se como alternativas reais para o desenvolvimento rural sustentável o fortalecimento da agricultura familiar, a aposta em novas formas de comercialização, o investimento na escala local de desenvolvimento, entre outras.

Palavras-chave: Desenvolvimento rural sustentável. Agricultura familiar.

Introdução

O debate sobre “desenvolvimento” foi colocado em evidência por dois momentos nas

últimas décadas no Brasil, sendo que o primeiro ocorreu entre os anos 1950 e 1970.

Neste período, impulsionada pelo novo padrão e estilo de vida imposto pelos países

dominantes, a expectativa pelo desenvolvimento estimulou iniciativas em diversas

partes do mundo (NAVARRO, 2001).

Devido ao grande percentual de população vivendo em áreas rurais e a relativa

participação da agricultura na economia, o desenvolvimento rural tornou-se de interesse

social e político. A concepção de desenvolvimento rural foi conduzida sob a óptica da

modernização, visto que esta época foi marcada pelas inovações tecnológicas,

científicas e de produção, comumente denominada Revolução Verde (NAVARRO,

2001).

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O segundo momento, perpassa a década de 1990 e, de acordo com as afirmações de

Navarro (2001), ressurge com um enfoque inverso ao dos anos 1950. De acordo com o

autor, a concepção de desenvolvimento foi colocada novamente em evidencia devido às

inquietudes da sociedade em relação às impossibilidades de desenvolvimento

acarretadas pela grande crise ambiental, social e econômica do período.

Para o sociólogo Sérgio Schneider (2007), esta década representou o ressurgimento do

debate sobre desenvolvimento no Brasil ancorados no novo cenário político e

econômico que surgia. Após a estabilização da economia e a baixa nos índices de

inflação no governo de Fernando Henrique Cardozo, houve a retomada das discussões a

respeito do desenvolvimento do país.

A organização social, através do surgimento de cooperativas, associações e ONG’s

(organizações não governamentais) começam a ganhar força, reivindicando melhorias

tanto em áreas urbanas como rurais. Desta forma, pode-se afirmar que “a sociedade civil

readquiriu e ampliou a diversidade de formas de expressão de sua complexidade política

o que, sem surpresa, acaba estimulando conflitos e disputas, e às vezes revelando suas

contradições” (SCHNEIDER, 2007, p.9).

Assim como Navarro (2001), Schneider (2007) também considera a crise ambiental que

surge na década de 1960 como uma das propulsoras para o enfoque sobre o

desenvolvimento rural no período. Neste contexto, o autor aborda sobre a emersão do

discurso a respeito do desenvolvimento sustentável, onde as questões ambientais

começam a ter peso na sociedade, motivando políticas públicas e pesquisas a fim de

amenizar as consequências da crise.

Desta forma, o presente artigo busca a realização de uma análise teórica sobre as

concepções acerca do desenvolvimento rural sustentável, suas possibilidades e desafios.

Para isso, serão abordados temas referentes ao conceito de sustentabilidade e

desenvolvimento, bem como os caminhos a serem percorridos para alcança-los.

Desenvolvimento sustentável

O conceito de “desenvolvimento” vem sendo adotado erroneamente a nível mundial. A

busca de crescimento econômico pelos países baseia-se na exploração irracional dos

recursos naturais e na desigualdade social. O desenvolvimentismo propagandeado pelo

neoliberalismo desconsidera agentes importantes: o meio ambiente e a sociedade.

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Os questionamentos sobre a sustentabilidade do desenvolvimento surgem a partir da

crise ambiental, que se origina da consciência ambiental iniciada na década de 1960.

Nessa década, junto com a consciência ambiental e a busca de um desenvolvimento

mais racional, surgem movimentos de “contracultura” que buscam reduzir

drasticamente, os níveis de consumo adotando-se estilos de vida mais simples ou

naturais (EHLERS, 1999).

Esses movimentos apoiados em eventos e obras que abordam a problemática ambiental

são discussões que vêm abarcando décadas em busca de soluções viáveis, capazes de

realizar o crescimento econômico aliado à conservação ambiental e equidade social. No

entanto, são propostas que questionam uma ordem estabelecida, onde valores

econômicos transformaram-se em prioridades.

Caporal e Costabeber (2007) apresentam um resumo de estudos e conferências sobre o

processo de desenvolvimento, nos quais é abordada a problemática da

insustentabilidade do sistema convencional (Quadro 1).

Quadro 1- Eventos e alertas de advertência sobre a insustentabilidade dos processos de desenvolvimento convencional.

Ano Obras/Eventos Repercussões/Alertas 1962 “Primavera

Silenciosa” (Rachel Carson) Impactos dos Agrotóxicos (organo-clorados)sobre a saúde e o meio ambiente (cadeia tróficas).

1970 a 1972

Primeiro trabalho do clube de Roma -“Blueprint for survival” (Dennis e Donella Meadows). -“Limites do crescimento (Meadows et.al)

Primeiros estudos oficiais (modelagem) É impossível o crescimento econômico infinito com recursos naturais finitos. Alertas para a necessidade de outro enfoque de desenvolvimento, menos agressiva ao meio ambiente.

1972 Conferência de Estocolmo

Sociedades ricas “descobrem” a existência de um só mundo. A culpa é dos subdesenvolvidos. Criação do PNUMA.

1973 “Smaillisbeautiful” (E.F. Shumacher) – Traduzido para “El pequeñoeshermoso” e “O negócio é ser pequeno”

O desenvolvimento pode ser sustentável se for baseado na pequena propriedade. É viável economicamente e mais integrado à natureza.

1974 Segundo trabalho do Clube de Roma

As crises atuais não são passageiras e suas soluções só podem ser

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-“La humanidad ante La encrucijada” (MihanhjiloMesarovic)

alcançadas no contexto do sistema mundial. A busca de soluções exige cooperação e a adoção de estratégias não tradicionais.

1976 Terceiro trabalho do Clube de Roma ( Jan Tinbergen)

As soluções requerem uma “nova ética global”, baseada na “cooperação”.

1980 Informe Global 2000 (encomendado pelo presidente Carter – EUA)

Diagnóstico: a vida no planeta está ameaçada. Conclusão: o modelo de desenvolvimento não é extensível. O estilo de vida do “norte” não pode chegar a todos, pois o planeta não suportaria.

1987 Informe Burtland (Nosso Futuro Comum) da CMMAD

Conceito oficial de Desenvolvimento Sustentável (proposições ainda centradas no crescimento econômico)

1992 Rio 92 (Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento)

Carta da Terra Agenda 21 (Código de Comportamento par o século XXI) Carta climática - Ações para evitar os efeitos da mudança em andamento. - Acordos sobre Biodiversidade.

1996 Conferência da Alimentação (Roma)

FAO e Banco Mundial: há alimentos para todos. O problema é de distribuiçãoe de capacidade de acesso aos alimentos. Meta: reduzir a fome de 50% dos famintos até2025.

1997 Rio + 5 Alerta: “nada mudou”. 2002 Rio +10 (Conferência

de Johanesburg) Retomada dos debates e avaliação dos resultados da Rio 92. Problemas gerados pela globalização.

Fonte: Adaptado de Caporal e Costabeber (2007)

De acordo com Leff (2005), o discurso sobre o desenvolvimento sustentável foi

oficializado e difundido amplamente com base na Conferência das Nações Unidas sobre

o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. No

entanto a consciência ambiental teria surgido na década de 1960, com a obra de Rachel

Carson “Primavera Silenciosa” e se expandiu nos anos 1970 com a conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente.

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Leis (1996), avalia que nenhuma conferência realizada antes da “Rio 92”, teve tanta

importância nas discussões relativas ao meio ambiente. Principalmente pela

representatividade composta por chefes de Estados e de organizações não

governamental.

No entanto, o autor afirma que a década de 1990 se destacou por apresentar outras

cúpulas realizadas pela ONU, como a Viena-93 (conferência mundial sobre os direitos

humanos) e a Cairo-94 (conferência internacional sobre a população), que produziram

importantes documentos e demonstraram preocupações sobre o tema, mas, não

garantiram nenhum mecanismo efetivo de alcance global para proteger os direitos

humanos, o meio ambiente e a população mundial.

Esses eventos a nível mundial mostram o surgimento tímido de uma nova

racionalidade, mesmo que os objetivos econômicos sejam priorizados em relação aos

aspectos ambientais e sociais. Uma questão relevante é que nesse contexto surge à

noção e conceito de desenvolvimento sustentável.

A Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) das

nações unidas, desenvolveu o conceito de desenvolvimento sustentável em 1987, o qual

definiu que o conceito de sustentabilidade envolve três condições básicas:

(1) a condição paretiana de que seja assegurada, pelo menos, a manutenção do bem-estar dos que hoje vivem nas economias avançadas; 2) o requisito de se dar absoluta prioridade ao atendimento das “necessidades básicas dos pobres de todo o mundo”; (3) a condição fundamental de que tudo isso seja feito “sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas necessidades (MUELLER, 1999, p. 514).

Nessa citação percebe-se a contradição imposta pela racionalidade capitalista, pois, ao

mesmo tempo em que se usa o discurso de desenvolvimento sustentável, busca-se a

manutenção das mesmas estruturas sociais. Onde, as condições de consumo se

mantenham e as desigualdades entre países também. Além disso, tal definição

apresenta-se com um enfoque e preposições centradas no crescimento econômico, a

qual visa à preservação dos recursos naturais, para que o processo de desenvolvimento

econômico possa continuar.

De acordo com Leff (2005), o conceito de desenvolvimento sustentável disseminado

pela “Rio 92”, foi sendo vulgarizado até fazer parte do discurso oficial e da linguagem

comum. Então, não se estabeleceu um sentido teórico e prático capaz de unificar as vias

de transição para a sustentabilidade.

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Para o autor, há a constituição de um neoliberalismo ambiental, o qual vê a

sustentabilidade aliada ao crescimento econômico, sendo que o mesmo procura

internalizar as condições ecológicas da produção, afirmando que o livre mercado é o

meio eficaz de assegurar o equilíbrio ecológico e a igualdade social. A degradação

ambiental causada pelos processos produtivos, distribuição e circulação seria revertida a

partir da tecnologia.

Essa lógica de desenvolvimento baseada na equação do crescimento, sociedade e meio

ambiente mediante a adoção de um otimismo tecnológico (excludente do ponto de vista

socioambiental) é denominado decorrente Ecotecnocrática (CAPORAL E

COSTABEBER, 2007). A qual dá base de sustentação à agricultura convencional.

Em oposição à corrente ecotecnocrática, surge quase ao mesmo tempo, a corrente que

Caporal e Costabeber (2007) denominam de corrente ecossocial, a qual é formada de

inúmeras ramificações como: o ecodesenvolvimento, os enfoques culturalistas e

ecossocialistas, economia ecológica e a teoria marxista ecológica.

Essa corrente “se caracteriza por suas reivindicações de mudanças estruturais profundas

na sociedade e de um novo pacto de solidariedade, permitindo a construção de um novo

projeto histórico e a busca de novos rumos nas estratégias de desenvolvimento”

(Caporal e Costabeber, 2007, p.84).

A partir da influência de diversas correntes, a corrente ecossocial parte da crítica do

processo de desenvolvimento liberal de exploração do meio ambiente e social, para

fornecer uma alternativa que tenha como enfoque a valorização étnica/cultural, assim

como, dos ecossistemas locais, através da adoção de tecnologias favoráveis as

condições culturais e locais para promoção de um desenvolvimento sustentável baseado

no tripé: econômico, social e ambiental.

Desta forma, parte-se do princípio de que não há desenvolvimento sustentável, baseado

apenas no crescimento econômico, onde os ecossistemas são vistos como “recursos”

naturais ilimitados, e a sociedade como “mão-de-obra” disponível para o mercado.

A efetiva construção de um desenvolvimento sustentável deve partir da

emancipação/equidade social e preservação/conservação do meio ambiente onde o

crescimento econômico esteja aliado ao bem estar social e a sustentabilidade ambiental,

mantendo sua capacidade produtiva ao longo do tempo, atendendo as necessidades das

atuais e futuras gerações.

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Desenvolvimento Rural Sustentável Muitos são os discursos acerca do desenvolvimento rural sustentável. É comum

encontrarmos estudos e obras que partem do princípio que a sustentabilidade do

desenvolvimento baseia-se apenas nas condições econômicas, onde os aspectos sociais e

os recursos naturais não são considerados importantes para o desenvolvimento rural

sustentável.

Porém, a concepção de desenvolvimento rural sustentável adotada no presente trabalho

visa necessária não somente as condições econômicas para que se possa alcançá-la, mas

também a dependência de fatores socioculturais e naturais, como educação, saúde,

qualidade de vida e os recursos naturais necessários para sua subsistência no campo sem

prejudicar as gerações futuras. Veiga (2001) salienta a importância desses aspectos

quando afirma que ambos oportunizam a ampliação de possibilidades de escolha,

expandindo assim as potencialidades humanas.

Assis (2006) aborda que com a eclosão da crise ambiental a partir da década de 1980,

foram realizados estudos explicando que os custos da produtividade vão além dos que

aparecem nos contabilizados pelos processos produtivos, o que aprofundou a crítica de

que o crescimento econômico não seria suficiente para obter o desenvolvimento. Para

tal, o autor coloca como alternativa a busca por um crescimento econômico qualitativo,

ou seja, a manutenção do conjunto de bens ecológicos, socioculturais e econômicos,

favorecendo a igualdade de oportunidades.

Neste sentido, o desenvolvimento sustentável tem como viés central o avanço na

qualidade de vida da população respeitando os limites de capacidade dos ecossistemas.

Desta forma, ao passo que se beneficiam do processo, as pessoas tornam-se

instrumentos de transformação, tornando-se fundamental para o sucesso que almejam

(ASSIS, 2006).

Partindo do entendimento que o desenvolvimento se dá a partir da realização de

potenciais econômicos, culturais e sociais em perfeita sintonia com os aspectos

ambientais de uma determinada sociedade, Costabeber e Caporal (2003, p.03) defendem

o desenvolvimento rural sustentável como um processo gradativo de mudança que

“encerra em sua construção e trajetória a consolidação de processos educativos e

participativos que envolvem as populações rurais, conformando uma estratégia

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impulsionadora de dinâmicas socioeconômicas mais ajustadas ao imperativo

ambiental”.

Contudo, independentemente da adoção de um conceito conciso sobre desenvolvimento

rural sustentável, torna-se necessário o entendimento sobre as estratégias que

possibilitem o alcance da sustentabilidade. Para isso, serão abordadas a seguir algumas

alternativas para a real efetivação da sustentabilidade no meio rural.

Possibilidades para o desenvolvimento sustentável no campo Ao analisarmos os caminhos a serem percorridos para que de fato ocorra um

desenvolvimento rural sustentável, fica clara a necessidade de que esses perpassem

pelas diferentes dimensões da sustentabilidade, que dentre as quais podem ser citadas a

dimensão social, ambiental, econômica, cultural, política e ética. Costabeber e Caporal

(2003) salientam a importância de cada dimensão nas estratégias para o

desenvolvimento rural sustentável, pois constatam que cada uma dará o suporte

necessário a outra, e ambas formarão o que se torna necessário para alcançar a equidade,

ou seja, o desenvolvimento sustentável.

Como estratégias de apoio ao desenvolvimento rural sustentável, Costabeber e Caporal

(2003) elencam os seguintes caminhos: a opção pela agricultura familiar, a aposta em

novas formas de comercialização e a dimensão local do desenvolvimento. O primeiro

ponto refere-se à questão de que a agricultura familiar tem a real capacidade de alcançar

a soberania e segurança alimentar, pois grande parte do que é produzido permanece nas

comunidades rurais como forma de autoconsumo.

Outra questão que evidencia a agricultura familiar como estratégia para o

desenvolvimento rural sustentável é que essa tem demonstrado maior capacidade para

alcançar os seguintes aspectos: “i) multifuncionalidade e policultivos; ii) eficiência

produtiva e eficiência energética e/ou ecológica; iii) conservação dos recursos naturais

não renováveis; iv) proteção da biodiversidade e sustentabilidade futura; v) manejo”

(COSTABEBER E CAPORAL, 2003, p.12).

No que se refere às apostas em novas formas de comercialização cabe ressaltar a

importância das práticas agroecológicas no processo, pois essas garantem renda sem

agredir de forma tão intensa o meio ambiente. Além disso, a perspectiva agroecológica

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representa um componente de forte sensibilidade social, pois essa escolhe a agricultura

familiar como o motivador dos processos de desenvolvimento rural.

Desta forma, Costabeber e Caporal (2003) evidenciam como alternativas de novas

formas de comercialização: a criação de redes de confiança entre os agricultores e

consumidores; o investimento na distribuição de alimentos através de feira-livres e

mercados locais; o incentivo ao comércio solidário, onde os agricultores recebam um

valor junto pelo produto; e o investimento no consumo institucional.

A dimensão local do desenvolvimento torna-se prioridade ao passo que as comunidades

rurais, bem como sua garantia de renda, tradições e qualidade de vida, formam a escala

de maior importância no processo para o desenvolvimento rural sustentável. Desta

forma, torna-se necessário que o processo de desenvolvimento contemple inicialmente

as comunidades locais para que depois se torne global.

Costsbeber e Caporal (2003) salientam a importância da criação de planos de

desenvolvimento rurais municipais e posteriormente regionais, os quais atendam as

reais necessidades da população presentes no espaço. Esses meios garantem além de

resultados positivos aos atores envolvidos, mas também o maior protagonismo das

famílias agricultoras.

Abordando possíveis soluções para o desenvolvimento rural, Veiga (2001) afirma que o

Brasil necessita de um arranjo institucional que auxilie as articulações intermunicipais a

elencar os principais problemas do meio rural, bem como delinear ações de

desenvolvimento. Desta forma, tem-se a necessidade de que o governo estimule

iniciativas que mais tarde possam ser financiadas a fim de obter um maior

desenvolvimento.

A diversificação das economias locais também é apontada por Veiga (2001) como um

passo importante para o desenvolvimento rural, visto que essa permite salubridade aos

trabalhadores e maior interação com o ambiente se comparada ás grandes propriedades

monocultoras. Esta estratégia garante ainda a pluriatividade do trabalho agropecuário,

fazendo com que muitos membros da família que haviam migrado para os centros

urbanos retornem com o objetivo de contribuir com as atividades.

Portanto, fica claro que muitos são os caminhos para alcançarmos o desenvolvimento

rural sustentável, e que esses devem ser pensados na perspectiva do local para o global,

pois nota-se que muitas das possibilidades encontradas por comunidades rurais de um

determinado município não se aplicam a outro.

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Assim, ao se pensar em estratégias de desenvolvimento para o campo, deve-se

considerar as dimensões necessárias para a real sustentabilidade, não deixando

interesses meramente econômicos prevalecerem sobre as questões ambientais, sociais e

culturais, pois somente contemplando tais dimensões é que conseguiremos expandir as

possibilidades humanas e garantir a igualdade de oportunidades.

Considerações finais

Um desenvolvimento rural sustentável é uma possibilidade real à medida que se

estabeleçam planos de ações a nível local, buscando a ampliação de oportunidades para

os agricultores familiares e a diversificação na produção e comercialização. O incentivo

através de políticas, que ampliem as oportunidades para a agricultura familiar através do

incentivo a permanência no campo é um dos grandes desafios a serem superados no

âmbito rural brasileiro. A adoção de medidas desenvolvimentistas adotada pelos

governos brasileiros durante o século XX priorizou a progressiva industrialização e

capitalização do campo, através da adoção do pacote tecnológico fornecido pela

Revolução Verde.

Nesse cenário a agricultura familiar é deixada de lado nas políticas públicas de

desenvolvimento, sendo que, de acordo com o censo agropecuário de 2006,

correspondiam a 84,4 % dos estabelecimentos brasileiros e muitos optaram a se adaptar

ao pacote tecnológico da Revolução Verde, mesmo que, esse não se adapte às suas

condições socioeconômicas. Outros segundo Costabeber e Caporal (2003), estão

excluídos do mercado, não obtendo renda de suas propriedades, mas, da venda de mão-

de-obra ou aposentadorias.

Assim, nota-se a necessidade de políticas que visem às condições locais de agricultores

familiares, e que os mesmos possam participar das decisões e planejamentos realizados

para o desenvolvimento rural em suas comunidades.

De acordo com Altieri (2004) e Costabeber e Caporal (2003), a Agroecologia fornece os

princípios para uma agricultura sustentável sendo que, busca ampliar as condições

sociais, a conservação ambiental e o crescimento econômico. Assim, o desenvolvimento

rural sustentável deve basear-se na Agroecologia para haver uma mudança no processo

produtivo, onde se amplie a geração de renda dos agricultores, através do uso de

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tecnologias apropriadas às condições socioeconômicas e ambientais locais e o baixo uso

de insumos.

Assim, o desenvolvimento rural sustentável deve estar baseado em ações que visem

promover o bem estar social, a preservação ambiental e o crescimento econômico, e

para isso, é necessário uma mudança de concepção de desenvolvimento, o qual não

esteja calcado apenas nos aspectos econômicos, e que abranjam as particularidades de

cada território, diferentemente da homogeneização de técnicas e modelos econômicos

promovidos pela “agricultura moderna”.

Referências

ALTIERI, M.A. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável.4 ed. Ed. UFRGS. Porto Alegre, 2004 ASSIS, R. L. Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil: perspectivas a partir da integração de ações públicas e privadas com base na agroecologia. Revista de Economia Aplicada, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 75-89, 2006. CAPORAL, F.R; COSTABEBER, J.A. Agroecologia e extensão rural: contribuições para a promoção do desenvolvimento rural sustentável, 3.ed. Brasília: MDA/SAF/DATER, 2007. COSTABEBER, J. A.; CAPORAL, F. R. “Possibilidades e alternativas do desenvolvimento rural sustentável”. In: Vela, Hugo. (Org.): Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural Sustentável no Mercosul. Santa Maria: Editora da UFSM/Pallotti, 2003. p.157-194. LEFF, E.: Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 4 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005 LEFF, E.; traduzido por CAPORAL, F.R . Agroecologia e saber ambiental. Rev. Agroecologia e desenv. Rur.Sust.Porto Alegre, v.3,n.1, p.36-50, jan/mar.2002. LEIS, H.R. O labirinto: ensaios sobre o ambientalismo e a globalização. São Paulo: gaia, 1996. MUELLER, C.C. Economia, Entropia e Sustentabilidade: visões de futuro da Economia da Sobrevivência. Est.econ. São Paulo, v.29, n.4, p.513-550, out./dez.1999. NAVARRO, Z. Desenvolvimento rural no Brasil: os limites do passado e os caminhos do futuro. In: Revista Estudos Avançados, São Paulo, USP, Vol. 16, Nº 44, p. 83-100, 2001. SCHNEIDER, S. Tendências e temas dos estudos sobre desenvolvimento rural no Brasil. XXII Congress of the European Society for Rural Sociology (Wageningen, The Netherlands), 20 - 24 August 2007

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VEIGA, J. E. . O Brasil Rural ainda não encontrou seu eixo de desenvolvimento. Estudos Avançados, São Paulo, v. 15, n. 43, p. 101-119, 2001.