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Boletim da SPM - nº25 Março de 1993 O que é uma demonstração? *  Keith Devlin Department of Mathematics and Computer Science Colby College, Waterville, Maine 04901, E.U.A.  A cena é familiar. O melhor estudante na aula de matemática (que, naturalmente, tenciona seguir filosofia e gestão de empresas) entalou o professor ao fim de três semanas. Estudante: Não percebo bem o que é ao certo uma demonstração. Professor: É exactamente o que eu disse na aula. Uma demonstração é um raciocínio lógico, sólido, que estabelece a verdade da afirmação em estudo. E: Mas como é que se sabe que um raciocínio é lógico e sólido? O que é que essas palavras significam? P: Meu Deus, com certeza que tu consegues reconhecer um raciocínio lógico quando o vês, não consegues? Não ficaste convencido com algum dos exemplos que eu apresentei na aula? E: Bem, eu fiquei convencido de que as demonstrações falsas que apresentou como exemplo eram realmente falsas. Em cada um dos casos, depois de ter chamado a atenção para o erro lógico, eu consegui perceber porque é que aquele raciocínio particular não era uma demonstração. Mas já não estou tão certo em relação aos exemplos que apresentou como sendo demonstrações  válidas. Admito que não cons egui encontrar ne nhum erro lógico, e os raciocínios pareciam de facto bastante convincentes. Mas como é que podemos ter a certeza de que o raciocínio era sólido e de que não existia algum erro escondido que nos escapou a todos? P: Bom, sabes, aquelas demonstrações já são conhecidas há centenas de anos, foram examinadas por montes de matemáticos muito inteligentes, e nunca ninguém descobriu nenhum erro. Com certeza que não podemos estar todos enganados, pois não? E: Provavelmente não. Mas não significa isso que a noção de demonstração  válida é uma noção socialmente definida, que o que torna uma demonstração  válida é que a maioria dos matemáticos concordam que ela é válida? P: Deus do céu, não. Para ser válida, uma demonstração tem que seguir as regras da lógica. Faz-se uma série de afirmações, cada uma das quais é consequência das anteriores de acordo com as regras da lógica. E: Quais regras da lógica? Nunca nos disse quais são. A mim pareceu-me que, para cada um dos seus exemplos, apresentava uma série de afirmações em que cada uma parecia razoável, dadas as anteriores. Mas onde estavam as regras da lógica? Onde é que está a diferença entre o que fez na aula e um raciocínio político engenhoso? P: Bem, claro que, para vos ser mais fácil seguir a demonstração, eu não escrevi todos os passos. Mas isso poderia ser feito. Os lógicos esclareceram isto no princípio deste século. Eles criaram uma linguagem formal em que se *  O que é uma demonstração? reproduzido da coluna "Computers and Mathematics" (ed. Keith Devlin), Notices of the American Mathematical Society , Vol. 39, Nº9, Novembro 1992, com a autorizaç o da America n Mathematical Society.

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  • Boletim da SPM - n25 Maro de 1993

    O que uma demonstrao?* Keith Devlin

    Department of Mathematics and Computer Science Colby College, Waterville, Maine 04901, E.U.A.

    A cena familiar. O melhor estudante na aula de matemtica (que, naturalmente, tenciona seguir filosofia e gesto de empresas) entalou o professor ao fim de trs semanas. Estudante: No percebo bem o que ao certo uma demonstrao. Professor: exactamente o que eu disse na aula. Uma demonstrao um raciocnio lgico, slido, que estabelece a verdade da afirmao em estudo. E: Mas como que se sabe que um raciocnio lgico e slido? O que que essas palavras significam? P: Meu Deus, com certeza que tu consegues reconhecer um raciocnio lgico quando o vs, no consegues? No ficaste convencido com algum dos exemplos que eu apresentei na aula? E: Bem, eu fiquei convencido de que as demonstraes falsas que apresentou como exemplo eram realmente falsas. Em cada um dos casos, depois de ter chamado a ateno para o erro lgico, eu consegui perceber porque que aquele raciocnio particular no era uma demonstrao. Mas j no estou to certo em relao aos exemplos que apresentou como sendo demonstraes vlidas. Admito que no consegui encontrar nenhum erro lgico, e os raciocnios pareciam de facto bastante convincentes. Mas como que podemos ter a certeza de que o raciocnio era slido e de que no existia algum erro escondido que nos escapou a todos? P: Bom, sabes, aquelas demonstraes j so conhecidas h centenas de anos, foram examinadas por montes de matemticos muito inteligentes, e nunca ningum descobriu nenhum erro. Com certeza que no podemos estar todos enganados, pois no? E: Provavelmente no. Mas no significa isso que a noo de demonstrao vlida uma noo socialmente definida, que o que torna uma demonstrao vlida que a maioria dos matemticos concordam que ela vlida? P: Deus do cu, no. Para ser vlida, uma demonstrao tem que seguir as regras da lgica. Faz-se uma srie de afirmaes, cada uma das quais consequncia das anteriores de acordo com as regras da lgica. E: Quais regras da lgica? Nunca nos disse quais so. A mim pareceu-me que, para cada um dos seus exemplos, apresentava uma srie de afirmaes em que cada uma parecia razovel, dadas as anteriores. Mas onde estavam as regras da lgica? Onde que est a diferena entre o que fez na aula e um raciocnio poltico engenhoso? P: Bem, claro que, para vos ser mais fcil seguir a demonstrao, eu no escrevi todos os passos. Mas isso poderia ser feito. Os lgicos esclareceram isto no princpio deste sculo. Eles criaram uma linguagem formal em que se

    * O que uma demonstrao?

    reproduzido da coluna "Computers and Mathematics" (ed. Keith Devlin), Notices of the American Mathematical Society, Vol. 39, N9, Novembro 1992, com a autoriza o da American Mathematical Society.

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