demonstracoes do teorema de tales

20
9 Teorema de Tales em livros-texto: que teorema escolher? O teorema de Tales é a outra proposição que será utilizada nesta Tese, como ferramenta de pesquisa. Porém, o objetivo agora não é partir da estrutura de redação do texto e do método de prova, originários no modelo euclidiano e desenvolver a investigação das mudanças ocorridas na demonstração, analisando cada obra da base documental. Esse procedimento já forneceu alguns resultados. No entanto, os livros ainda mostram evidências relativas à demonstração, no estudo da geometria plana, que devem ser levadas em conta, pelo seguinte motivo: a escolha do teorema de Pitágoras contempla um conteúdo tradicional da geometria plana escolar, a semelhança de figuras e, no livro-texto, o teorema de Tales aparece como proposição fundamental no estudo desse assunto. O procedimento, agora, é partir do que os livros-textos usados no ensino apresentam como teorema de Tales e chegar às obras históricas. Alguns pontos são mais evidentes quando se observa esse teorema nos livros: a centralidade da proposição, como mencionado acima, a incomensuralidade de grandezas e a questão do nome, porque teorema de Tales nomeia proposições diferentes. Daí a pergunta – qual proposição escolher? O último caso, a questão do nome, será o ponto de partida. A designação teorema de Tales consta dos seguintes livros: Perez y Marin e Paulo, geometria F.I.C., Roxo, Roxo, Thiré e Mello e Souza, e Sangiorgi e designa as proposições: T.1. Um feixe de retas paralelas determina sobre duas transversais segmentos proporcionais. (Sangiorgi, 1969, p. 146) T.2. Toda parallela a um dos lados de um triangulo determina outro triangulo semelhante ao primeiro. (Perez y Marin e Paula, s. d., p. 73) T.3. Dois triangulos equiangulos entre si têm os lados homólogos proporcionaes. (Roxo, 1931, p.293) T.4. Dois triângulos são semelhantes quando têm dois ângulos iguais cada um a cada um. (Roxo, idem, p. 292) A primeira proposição consta apenas do livro de Sangiorgi, a segunda, dos demais livros e as de número T.3 e T.4, apenas da obra de Roxo.

Upload: hugleibson-bernardo

Post on 03-Sep-2015

42 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

teorema de tales

TRANSCRIPT

  • 9 Teorema de Tales em livros-texto: que teorema escolher?

    O teorema de Tales a outra proposio que ser utilizada nesta Tese, como ferramenta de pesquisa. Porm, o objetivo agora no partir da estrutura de redao do texto e do mtodo de prova, originrios no modelo euclidiano e desenvolver a investigao das mudanas ocorridas na demonstrao, analisando cada obra da base documental. Esse procedimento j forneceu alguns resultados. No entanto, os livros ainda mostram evidncias relativas demonstrao, no estudo da geometria plana, que devem ser levadas em conta, pelo seguinte motivo: a escolha do teorema de Pitgoras contempla um contedo tradicional da geometria plana escolar, a semelhana de figuras e, no livro-texto, o teorema de Tales aparece como proposio fundamental no estudo desse assunto.

    O procedimento, agora, partir do que os livros-textos usados no ensino apresentam como teorema de Tales e chegar s obras histricas. Alguns pontos so mais evidentes quando se observa esse teorema nos livros: a centralidade da proposio, como mencionado acima, a incomensuralidade de grandezas e a questo do nome, porque teorema de Tales nomeia proposies diferentes. Da a pergunta qual proposio escolher?

    O ltimo caso, a questo do nome, ser o ponto de partida. A designao teorema de Tales consta dos seguintes livros: Perez y Marin e Paulo, geometria F.I.C., Roxo, Roxo, Thir e Mello e Souza, e Sangiorgi e designa as proposies:

    T.1. Um feixe de retas paralelas determina sobre duas transversais segmentos proporcionais. (Sangiorgi, 1969, p. 146)

    T.2. Toda parallela a um dos lados de um triangulo determina outro triangulo semelhante ao primeiro. (Perez y Marin e Paula, s. d., p. 73)

    T.3. Dois triangulos equiangulos entre si tm os lados homlogos proporcionaes. (Roxo, 1931, p.293)

    T.4. Dois tringulos so semelhantes quando tm dois ngulos iguais cada um a cada um. (Roxo, idem, p. 292)

    A primeira proposio consta apenas do livro de Sangiorgi, a segunda, dos demais livros e as de nmero T.3 e T.4, apenas da obra de Roxo.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 228

    O que dizer sobre a variedade de nomes? O que se pode afirmar que as diferentes proposies mostram uma correlao de conseqncia e isso deve ser levado em conta na hora de demonstrar.

    O livro de Roxo menciona Tales algumas vezes e, baseado em Smith (1958)1 o texto Thales de Mileto traz quais teoremas podem ser provavelmente atribudos ao antigo matemtico. Ele lista seis casos:

    1 Os ngulos na base de um triangulo issceles so iguaes.

    2 Quando duas rectas se cortam, os ngulos oppostos pelo vrtice so iguaes.

    3 Um triangulo fica determinado, quando se d um lado e os ngulos adjacentes.

    4 Os lados dos tringulos eqingulos entre si so proporcionaes. (Applicada medida da altura da pyramide pela sombra).

    5 Qualquer dimetro divide o circulo em duas partes iguaes.

    6 O ngulo subtendido pelo dimetro de um circulo em um ponto qualquer da circunferncia recto. (p. 28-29)

    Roxo elenca tambm os seguintes casos em que se usa a denominao teorema de Tales, embora no mencione nada sobre a origem desse uso.

    a) A soma dos angulos de um triangulo igual a dois ratos ou a 180. (p. 90)

    b) Toda parallela a um dos lados de um triangulo frma com os outros dois lados um triangulo semelhante ao primeiro. (p. 291)

    c) Dois tringulos equiangulos entre si tm os lados homlogos proporcionaes. (p. 293)

    Mas, sobre esse assunto, Patsopoulos e Patronis (2006) discorrem no estudo feito a partir das referncias ao nome de Tales em livros-texto. Segundo eles, antes do nome emergir nos livros textos apareciam apenas os teoremas atribudos a Tales. Na traduo do livro de Tacquet por Voulgaris (1805, p. 25) e no original (1722, p. 20) mencionado o caso no 3, acima; Benjamim Lesbos (1820, p. 90 e p. 21) menciona os casos no 2 e no 6 (idem, p. 60).

    A denominao teorema de Tales aparece em poucos livros franceses por volta dos anos 1880. Em 1882, Rouch e Comberousse se referem ao caso geral, retas paralelas determinam segmentos proporcionais sobre secantes quaisquer, e o nome ainda atribudo pelo menos a dois casos particulares: o caso c acima,

    1 O livro de Smith, History of Mathematic, tm a seguinte edio original, em dois

    volumes: volume I, 1 edio de 1923 e volume 2, 1 edio de 1925.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 229

    (Rouch, Camberousse, 1883) e proposio, a paralela aos lados de um tringulo divide proporcionalmente os outros dois lados, (Combettte, 1882). A denominao se estabelece de modo geral nos livros-texto franceses a partir dos anos 1920, em 1925 aparece no currculo francs e no livro de geometria descritiva de Cholet-Mineur, 1907 (idem, p. 60-61).

    Patsopoulos e Patronis indicam ocorrncias do nome teorema de Tales para o caso geral, em livros italianos de geometria analtica (Enrico, 1885, p. 34) e de geometria projetiva (Burali-Forti, 1912, p. 92). Na Inglaterra e Estados Unidos h apenas referncias s realizaes geomtricas de Thales, as quais tm origem no livro de Smith, que tambm aparece como fonte no Brasil com o livro de Roxo. Em livros-texto alemes, o nome atribudo ao teorema listado como caso a, acima, (Schwering, Krimphoff, 1894, p. 53). Em outros pases como Espanha, Rssia, Blgica o nome aparece como no caso da Frana e Itlia e na ustria, Repblica Checa e Hungria vigora o sentido usado na Alemanha. Na Grcia, primeiro aparece o caso alemo, em 1904, mas em 1927 o uso passa a ser o dos livros franceses (idem, p. 61).

    No caso do Brasil, considerando a amostra desta Tese, o registro do nome teorema de Tales aparece a partir de Perez y Marin e Paula. Consultando os programas do Colgio Pedro II, no Programma de Ensino para o ano de 1915, consta da 64. lio: Tringulos semelhantes. Theoremas. Theoremas de Thales que, coincidentemente, traz tambm pela primeira vez a denominao de outro teorema na 77. lio: Relaes entre superfcies. Theorema de Pythagoras (Beltrame, 2001). Pelo visto, a amostra de livros no Brasil registra vrias ocorrncias, sendo bem diversificada.

    Uma considerao importante que os autores do artigo fazem se relaciona com um ponto j exemplificado nesta Tese, com Legendre, que seguindo a tradio francesa de Ramus e Arnauld (Schubring, 2003; 2004), inverte a ordem de exposio do contedo em relao ao modelo euclidiano. Legendre apresenta a semelhana de tringulos, quando estuda a proporcionalidade, ao contrrio do que faz Euclides: nos Elementos, o teorema de Pitgoras a proposio 47 do Livro I e a teoria da proporcionalidade consta, depois, no Livro V.

    Considerando agora o teorema de Tales, a proporcionalidade das linhas tem seu equivalente na proposio 2, do Livro VI dos Elementos, portanto, posterior teoria da proporcionalidade, ordem que em Legendre tambm no obedecida.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 230

    Tal inverso no foi seguida em livros-texto alemes at os anos 1920, enquanto, na Itlia, Euclides era adotado nas escolas. Mas, segundo os autores, nas primeiras dcadas do ltimo sculo, o nome teorema de Tales se torna comum nos livros-texto franceses, sendo associado ao teorema do feixe de retas paralelas que foi essencial no desenvolvimento de um ramo novo de estudo, a geometria projetiva. Nessa poca, surge tambm um interesse por Tales, como matemtico, fato que pode explicar o uso da nomeao dos teoremas (idem, p. 62-63).

    Em concordncia com os autores, esta Tese tambm levanta um caso semelhante, no que diz respeito nomeao de questes propostas em livros-texto. Por exemplo, ao consultar os programas de ensino do Colgio Pedro II, no ano de 1915, quando aparece o contedo teorema de Tales, o programa prev contedos de geometria que devem ser seguidos de problemas e exerccios. Mas preciso se perguntar o que isso significa, exatamente? e buscar entendimento, por exemplo, a partir do prprio livro. Porque, como se mostrou, no livro-texto termos como esses nomeiam diferentes tipos de questes a resolver.

    9.1 Teorema de Tales: diferentes proposies em correlao

    O objetivo, agora, estabelecer uma correlao entre duas nomeaes que aparecem nos livros-texto, ou seja, o caso de Sangiorgi que se diferencia dos demais livros, inclusive do livro de Roxo. Para isso, o ponto de partida foi o fato de que os autores Sangiorgi e Roxo destacam teoremas fundamentais quando abordam os contedos da geometria plana. Em Roxo o teorema do feixe de retas paralelas aparece como teorema fundamental da proporcionalidade de segmentos e em Sangiorgi designado teorema de Tales.

    O teorema de Tales em Sangiorgi,

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 231

    Fig. 85 Teorema, Sangiorgi, p. 146

    Sangiorgi no apresenta a prova para o caso de segmentos incomensurveis. E observando a cadeia dedutiva da prova, o teorema referenciado, acima, como T.1 estabelece,

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 232

    Fig. 86 Teorema, Sangiorgi, p. 145

    As justificativas do teorema acima constam no livro da 3 srie. Mas Sangiorgi apresenta o teorema de Tales no tringulo. Com, T.2, o teorema de Tales, Sangiorgi conclui o teorema de Tales no tringulo, ou seja, um caso particular do primeiro.

    Fig. 87 Teorema, Sangiorgi, p. 150

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 233

    Mas o teorema fundamental da semelhana de tringulos em Sangiorgi o teorema de Tales nos outros autores e, assim, a correlao se estabelece.

    Fig. 88 Teorema, Sangiorgi, p. 159

    O encadeamento de proposies acima mostra que a semelhana dos tringulos verificada pela proporcionalidade dos lados correspondentes, que por sua vez se verifica a partir da correspondncia lados e ngulos, atendendo definio.

    A incomensuralidade est implcita na proporcionalidade dos lados correspondentes que ser a razo de semelhana dos dois tringulos. E assim, a forma determinada pelos ngulos se conserva e, poca de Euclides, os segmentos incomensurveis podiam ser descritos com as razes e comparados com o uso do mtodo da reduo ao absurdo. E como se ver, no prximo item, esse no o mtodo usado no livro-texto, mas sim o mtodo dos indivisveis. Essa questo j foi discutida na Parte I desta Tese, com o autor Legendre.

    Nos demais livros, a proposio acima que consta de Sangiorgi como teorema fundamental da semelhana de tringulos, chamada de teorema de

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 234

    Tales. Note, na demonstrao do teorema, acima, o encadeamento procurado: pelo teorema T.3, est garantida a proporcionalidade dos segmentos e T3 concludo a partir de T.1, o teorema de Tales, em Sangiorgi.

    A abordagem de Sangiorgi exemplifica um desenvolvimento do estudo dedutivo da semelhana de tringulos em livros destinados ao ensino-aprendizagem na escola fundamental, sendo necessrio considerar dois volumes da coleo, o livro da 4 srie e o da 3 srie. O Captulo 3: Semelhana, do livro da 4 srie, tem incio com o estudo da razo e proporo de segmentos e o autor apenas menciona a incomensuralidade, sem sistematizar esse caso.

    Em sntese, a tabela abaixo mostra as trs proposies nomeadas teorema de Tales e como elas so usadas nos livros-texto, considerando os autores Roxo (1931) e Sangiorgi (1960),

    Teoremas Autores Tfp Ts Tsp Sangiorgi (1960) teorema de Tales

    teorema fundamental dos tringulos

    teorema de Tales no tringulo

    Roxo (1931)

    teorema fundamental da semelhana

    teorema de Tales (nos outros livros tambm)

    caso particular do teorema fundamental

    Tfp: Um feixe de paralelas determina sobre duas transversais segmentos proporcionais. (Tfp (feixe de paralelas))

    Tsp: Toda paralela a um lado de um tringulo determina sobre os outros dois lados segmentos proporcionais. (Tsp (segmentos proporcionais))

    Ts: Toda paralela a um dos lados de um tringulo determina um segundo tringulo semelhante ao primeiro. (Ts (tringulos semelhantes))

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 235

    9.2 A demonstrao do teorema de Tales ou teorema fundamental dos tringulos nos livros-texto

    J foi visto que o teorema fundamental sobre tringulos em Sangiorgi, apresentado um pouco acima, o teorema de Tales nos outros livros. Inicialmente, ser apresentada a demonstrao em Roxo,

    Fig. 89 Teorema, Roxo, p. 291-192

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 236

    O livro de Roxo, Thir e Mello e Souza apresenta a seguinte demonstrao,

    Fig. 90 Teorema, Roxo, Thir e Mello e Souza, p. 223-224.

    A demonstrao do teorema de Tales nos Elementos de Geometria F.I.C.,

    Fig. 91 Teorema, Geometria F.I.C., p. 93-94

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 237

    Finalizando, a demonstrao em Perez y Marin e Paula,

    Fig. 92 Teorema, Perez y Marin e Paula, p. 78-79

    O que se pode concluir a partir dos livros-texto que as diferentes proposies nomeadas teorema de Tales se correlacionam e tratam de propriedades bsicas da semelhana de figuras, em particular da semelhana de tringulos. Adiante esse aspecto volta a ser explorado.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 238

    9.3 A incomensuralidade em demonstraes dos livros-texto

    O teorema de Tales em Sangiorgi, na abordagem de Roxo um teorema fundamental da semelhana de figuras e a proposio envolve as grandezas comensurveis e incomensurveis. Veja a demonstrao de Roxo.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 239

    Fig. 93 Demonstrao, Roxo, p. 275-277

    Enquanto Sangiorgi considera o tema incomensurvel fora do alcance dos contedos abordados, em Perez y Marin e Paula e na geometria F.I.C. esse caso no mencionado; Roxo, Thir e Mello e Souza explicam que se pode admitir a relao como verdadeira e Roxo o nico autor que demonstra os dois casos.

    Mas, o teorema que Sangiorgi nomeou Tales no tringulo, nos livros de Perez y Marin e Paula e nos Elementos de geometria F.I.C demonstrado para os dois casos. Na geometria F.I.C., a demonstrao como a seguir,

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 240

    Fig. 94 Teorema, Geometria F.I.C., p. 88-89

    O asterisco no final da demonstrao, acima, indica a nota referida no teorema no 144, sobre arcos,

    Fig. 95 Teorema, Geometria F.I.C., p. 49-50

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 241

    Perez y Marin e Paula tambm provam os dois casos,

    Fig. 96 Teorema, Perez y Marin e Paula, p. 67-69

    Em Legendre esse teorema consta do Livro III, Propores de figuras. O autor no menciona a incomensuralidade, como acontece nas outras demonstraes das obras histricas.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 242

    fig. 114

    Fig. 97 Teorema, Legendre, p. 77-78

    Em Hrigone o que foi designado como teorema de Tales no tringulo, corresponde proposio 2 do Livro VI, seguindo a ordem dos Elementos.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 243

    Fig. 98 Teorema, Hrigone, p. 256-257

    A seguir a explicao da notao usada no teorema acima,

    : ad perpendicular a bc ad pi I db : ad est para db ad pi db 2I2 ae pi ec : ad est para db assim como ae est para ec

    O teorema de Tales no tringulo, nos Elementos de Euclides tem o seguinte desenvolvimento,

    PROPOSIO 2, Livro VI dos Elementos de Euclides

    Se uma linha reta for traada paralela a um dos lados de um tringulo, ela cortar os lados do tringulo proporcionalmente. E se os lados do tringulo forem cortados proporcionalmente, a linha que une os pontos da seo ser paralela aos outros lados do tringulo.

    Pois seja DE traada paralela a BC, um dos lados do tringulo ABC. Eu digo que, assim como BD est para DA, CE est para EA. Pois sejam BE e CD unidas.

    1. parte Portanto, o tringulo BDE igual ao tringulo CDE, pois eles esto sob a mesma base DE e as mesmas paralela DE, BC. [I, 38]

    E o tringulo ADE outra rea. Mas iguais tm a mesma razo entre si. [V, 7] Portanto, o tringulo BDE est para o tringulo ADE assim como o tringulo CDE est para o tringulo ADE. Mas, assim como o tringulo BDE est para ADE, BD est para DA, pois estando sobre a mesma altura, a perpendicular traada de E at AB, eles esto um para o outro como as suas bases. [[VI, I]

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 244

    2 parte Tambm, pela mesma razo, como o tringulo CDE est para ADE, assim CE est EA. [V, II] Outra vez, sejam os lados AB, AC do tringulo ABC, cortados proporcionalmente de modo que, assim como BD est para DA, CE est para EA. E sejam unidos D, E. Eu digo que DE paralelo a BC. Pois, com a mesma construo, desde que BD est para DA, assim CE est para EA. Mas como BD est para DA, tambm o tringulo BDE est para o tringulo ADE. E assim como CE est para EA, o tringulo BDE est para o tringulo ADE, e como CE est para EA, o tringulo CDE est para o tringulo ADE. [V, II] Portanto, tambm como o tringulo BDE est para o tringulo ADE, assim o tringulo CDE est para o Tringulo ADE. Portanto, cada um dos tringulos BDE, CDE esto na mesma razo para com ADE. Portanto, o tringulo BDE igual ao tringulo CDE e eles esto sobre a mesma base DE. [V, 9] Mas, tringulos que esto sobre a mesma base tambm esto sobre as mesmas paralelas. Portanto, DE paralela a BC. Portanto, etc. Q. E. D.

    Fig. 99 Teorema, Elementos de Euclides, p. 194-195

    Observe, no teorema acima, que [I, 38] a proposio de entrada que confirma a igualdade dos dois tringulos: o tringulo BDE igual ao tringulo CDE, pois eles esto sob a mesma base DE e entre as mesmas paralelas DE, BC. Mas, na prova do teorema de Pitgoras pelo mtodo da equivalncia de reas, nos Elementos, a proposio [I, 41] um dos passos dedutivos da demonstrao que leva concluso do teorema, ao estabelecer: o paralelogramo o dobro do tringulo porque tm a mesma base e esto entre as mesmas paralelas. Essas duas proposies pertencem ao grupo de teoremas do Livro I dos Elementos que tratam da transformao e comparao de reas de paralelogramos e tringulos.

    Por outro lado, quando o teorema de Pitgoras demonstrado com base na semelhana de figuras, fica explcito que na base da prova est a razo dos segmentos que representam os lados do tringulo, que, nesse caso a razo de semelhana dos tringulos. Ou seja, a proporcionalidade o fator determinante como bem explicou Legendre, o quadrado da hipotenusa uma conseqncia da proporcionalidade dos lados nos tringulos eqingulos e, assim, as proposies fundamentais da Geometria se reduzam, por assim, dizer, a esta s, que os

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 245

    tringulos eqingulos tm os seus lados homlogos proporcionais (1808, p. 85). Chega-se assim s relaes mtricas em tringulos quaisquer, contedo presente na escola bsica e nos livros-texto dos dias atuais.

    A idia de medida permite trazer reflexes importantes associadas ao teorema de Tales. A experincia aritmtico-geomtrica que est na base da cincia da medida se manifesta de forma caracterstica no teorema de Tales. Brunschvicg (1922) diz que conveniente considerar como isso acontece:

    Unindo dois pontos sobre os dois lados BO, CO de um ngulo, se desloca paralelamente e no sentido do vrtice O do ngulo o segmento traado, de modo a obter uma srie de segmentos, os menores possveis (fig. 13).

    A posio ocupada por esses segmentos determina os pontos BI,..., BVI, obtidos por uma diviso da linha OB em sete partes equivalentes. Sobre o outro lado OC do ngulo, so determinados sete segmentos, OCVI,..., CvCVI que so equivalentes entre si.

    Traando de cada um desses pontos CVI, CV, etc., uma paralela OB, formada uma srie de paralelogramos cujos lados so respectivamente iguais, e uma srie de tringulos OBVICVI, etc. Ora, esses tringulos podem todos ser superpostos, bastando para isso uma dupla translao retilnea para que os lados dos tringulos coincidam com as direes do ngulo OCVIBVI.

    Mas, os lados CVIDVI, etc, so todos iguais ao lado OBVI, etc., porque do ponto O e do ponto B que partiram as direes dos lados que se superpem aos lados dos ngulos OCVIBVI. Ento inevitvel que o terceiro ngulo coincida.

    Ns podemos tomar sobre cada uma das retas OB, OC um segmento correspondente ao nmero de divises que se queira e medir a razo desse segmento com o total. Por exemplo, se ns temos,

    ns teremos 47

    IIIC OCO

    =

    e ns constituiremos a proporo do tipo propriamente geomtrica:

    III IIIC O B OCO BO

    =

    (p. 507-508)

    Nesse ponto, se pode apreender a virada que transformou a idia de matemtica, porque a proporo de ordem geomtrica que se estabelece por

    47

    IIIB OBO

    =

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB

  • 246

    intermdio das medidas numricas, ultrapassa o quadro das operaes feitas sobre os nmeros inteiros ou fracionrios e, por conseguinte, o quadro da aritmtica propriamente dita. Obtm-se a proporo,

    III

    III

    C O COB O BO

    =

    |que exprime a proporcionalidade dos lados OC e OCIII, OB e OBIII nos dois tringulos COB, CIIIOBIII, que independente de uma medida comum entre CO e BO, pela prpria construo da figura em que no se imps qualquer restrio s posies da linha CO em torno de O, ou do segmento BC traado entre um ponto BO e um ponto CO (idem, p. 508).

    Assim, os obstculos que poderia apresentar a expresso numrica das grandezas, que pareceram insuperveis durante sculos aos matemticos, tm no estabelecimento geomtrico dessas razes uma base suficiente para a constituio de uma mtrica universal ou, segundo a terminologia de Newton, de uma aritmtica universal, tudo o que se refere unidade como uma linha reta para uma outra reta se chama nmero (Wolff, Elementa aritmeticae, 1743, p. 18, cf. Brunschvicg, p. 509). E, a aritmtica universal implicada na teoria euclidiana das propores toma a forma de uma lgebra e, segundo Brunschvicg,

    A equao da linha reta, escreve Cournot, apenas a expresso algbrica do teorema de Tales, sobre a proporcionalidade dos lados nos tringulos equingulos, teorema cuja inveno ou enunciao formal marca o comeo da geometria e de toda a cincia exata (idem, p. 509).

    No entanto, Brunschvicg amplia a discusso sobre a proporcionalidade traduzida pelo teorema de Tales, quando afirma,

    o que faz o interesse capital da teoria da proporcionalidade no apenas ela ser um instrumento para a comparao de grandezas em geral, mas que ela ainda pe em evidncia uma funo do pensamento humano em geral. O esforo elementar da inteligncia consiste em determinar uma razo entre os termos introduzidos pela intuio ou j isolados pela anlise. Assim, a extenso do sistema da inteligncia consistir em compreender, depois, um par de relaes que j parecia adequado aos termos dados. (idem, p. 509)

    Mas tudo isso diz respeito interao entre intuitivo e intelectual, na constituio do estudo da geometria plana ou a n dimenses, isto , refere-se constituio do espao. Segundo Brunschvicg, o espao tem sua raiz na experincia e tem sua concluso na razo intelectual e marca o mais alto grau de poder criativo que o homem foi capaz de conceber e de exercer.

    DBDPUC-Rio - Certificao Digital N 0410357/CB