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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA MM __ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO. A D EFENSORIA P ÚBLICA DO E STADO DE S ÃO P AULO , pelos Defensores Públicos que esta subscrevem, vem a presença de V. Exa., com fundamento no art. 1º, inc. VI c/c 5º da Lei 7.347/85, e art. 4º, incs. VII e X da Lei Complementar 80/94, e art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei Complementar Estadual 988/06, c/c arts. 182 e 183 da CF88, arts. 5º e 6º da CF/88, arts. 1º e segts. da Lei 10.257/01 c/c arts. 1º e segts. da Lei 11.445/07, c/c art. 1º, “caput” e incs. II e III e art. 3º, incs. I e III da CF/88, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR , com pedido liminar, em face do MUNICÍPIO DE S ÃO P AULO , pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Exmo. Sr. Prefeito, Dr. Gilberto Kassab, com sede nesta Capital, no Viaduto do Chá, 15; Sé, E STADO DE S ÃO P AULO . pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo Exmo. Sr. Governador, Dr. José Serra, com sede nesta Capital, a Avenida Morumbi, 4.500, Morumbi, D EPARTAMENTO DE ÁGUA E E NERGIA E LÉTRICA (DAEE) , pessoa jurídica de direito público interno, autarquia estadual integrante da administração indireta, representado pelo Exmo. Sr. Superintendente, Dr.Ubirajara Tannuri Felix, com sede nesta Capital, a Rua Boa Vista, 170, Bloco 5 - 11º andar; Sé, DERSA D ESENVOLVIMENTO R ODOVIÁRIO S.A., pessoa jurídica de direito privado, sociedade de economia mista integrante da administração indireta, como concessionária de serviço público, representada pelo Exmo. Sr. Diretor- Presidente, Dr. Delson José Amador, com sede nesta Capital, a Rua Iaiá, 126; Itaim Bibi, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA MM __ª VARA DA FAZENDA

PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO.

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO

PAULO , pelos Defensores Públicos que esta subscrevem, vem a presença de V.

Exa., com fundamento no art. 1º, inc. VI c/c 5º da Lei 7.347/85, e art. 4º,

incs. VII e X da Lei Complementar 80/94, e art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei

Complementar Estadual 988/06, c/c arts. 182 e 183 da CF88, arts. 5º e 6º da

CF/88, arts. 1º e segts. da Lei 10.257/01 c/c arts. 1º e segts. da Lei 11.445/07,

c/c art . 1º, “caput” e incs. II e III e art . 3º, incs. I e II I da CF/88, propor a

presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR, com pedido l iminar, em face do

M UNICÍPIO DE SÃO PAULO , pessoa jurídica de direi to público interno,

representado pelo Exmo. Sr. Prefeito, Dr. Gilberto Kassab, com sede nesta

Capital , no Viaduto do Chá, 15; Sé, ESTADO DE SÃO PAULO . pessoa jurídica

de direito público interno, representado pelo Exmo. Sr. Governador, Dr. José

Serra, com sede nesta Capital, a Avenida Morumbi, 4.500, Morumbi,

DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA (DAEE) , pessoa jurídica de

direito públ ico interno, autarquia estadual integrante da administração

indireta, representado pelo Exmo. Sr. Superintendente, Dr.Ubirajara Tannuri

Felix, com sede nesta Capital, a Rua Boa Vista, 170, Bloco 5 - 11º andar; Sé,

DERSA – DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S.A., pessoa jurídica de direito

privado, sociedade de economia mista integrante da administração indireta,

como concessionária de serviço público, representada pelo Exmo. Sr. Diretor-

Presidente, Dr. Delson José Amador, com sede nesta Capital , a Rua Iaiá, 126;

Itaim Bibi, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

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NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO

I - DA LEGITIMIDADE ATIVA

- Da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

1. A Defensoria Pública do Estado de São

Paulo tem legit imidade ativa para propor a presente, eis que, como instituição

essencial à função jurisdicional, a qual incumbe a defesa dos necessitados

(art. 134 da CF/88 e art. 103 da CESP/89) é órgão da administração pública,

pelo qual se concretizam objetivos fundamentais da repúbl ica, como o de

construir uma sociedade l ivre, justa e solidária, e mais especialmente o de

erradicar a pobreza e a marginalidade, reduzindo as desigualdades sociais e

regionais (art. 3º, incs. I e III da CF/88 c/c art. 3º da Lei Complementar

Estadual 988/06).

2. Com efeito, a Defensoria Pública do

Estado de São Paulo é órgão estatal, que representa adequadamente, haja vista

suas próprias funções institucionais, os interesses dos necessitados no âmbito

do processo coletivo.

3. Decerto, no presente caso, há pertinência

temática entre a defesa dos interesses das pessoas pobres, que constitui o

núcleo funcional da atuação da instituição, e a questão colocada na presente

ação, que diz com violação a ordem urbanística que afeta Comunidades

pobres.

4. Decerto, constitui atribuição

institucional da Defensoria Pública promover ação civi l pública para a tutela

de qualquer interesse difuso, coletivo e individual (art . 5º, inc. VI, alínea ‘g’

da Lei Complementar Estadual 988/06), sendo que qualquer Defensor Público

cumpre executar as atribuições institucionais da Defensoria Pública, na defesa

judicial, no âmbito coletivo, dos necessitados (art. 50 da Lei Complementar

Estadual 988/06).

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NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO

5. Assim, a Defensoria Pública se afirma

como instituição dotada de legit imidade autônoma, para a condução do

processo, no que disser respeito ao interesse coletivo dos necessitados.

6. Conforme ensina a Prof. Cláudia

Carvalho Queiroz:

“É certo que a Lei n. 7.347/85 – que

disciplina a ação civi l pública – só confere legit imidade

autônoma, concorrente e disjuntiva para a condução do

processo coletivo ao Ministério Público, União, Estados-

membros, Municípios, autarquias, empresas públicas,

sociedades de economia mista ou associações constituídas

há, no mínimo, um ano e que tenham entre as suas

finalidades institucionais a defesa dos interesses difusos,

coletivos ou individuais homogêneos pleiteados.

Apesar da "suposta" taxatividade do

rol elencado no art. 5º. da supracitada lei, os elaboradores

do Código de Defesa do Consumidor, inspirados na "class

action" do direito norte-americano, introduziram, entre as

normas de proteção a parte mais vulnerável da relação de

consumo, a tutela coletiva, conferindo, por meio da

disposição inserta no Título III, no inciso III do art. 82 do

aludido diploma legal, legit imidade para o ajuizamento

das ações colet ivas às entidades e órgãos da

Administração Públ ica, direta ou indireta, ainda que sem

personal idade jurídica.

Deste modo, diante da determinação

contida no art. 117 da Lei n. 8.078/90 de aplicação, no

que for cabível, dos disposit ivos constantes no Título II I

do CODECON para a defesa dos direitos e interesses

difusos, coletivos e individuais, a doutrina e

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jurisprudência pátrias, embora de maneira ainda acanhada,

vêm firmando o entendimento de que, para fins de

publicização da ação civi l pública, deve-se ut i l izar um

cri tério pluralista, de forma a incluir entre os legit imados

para a propositura de tal ação até mesmo entidades ou

órgãos públicos sem personal idade jurídica.

Acrescente-se também que o art. 129,

§ 1º., da Constituição Federal assinala em termos

genéricos a legit imidade de "terceiros" para propor ação

civi l pública na defesa dos interesses metaindividuais.

Explicitando o entendimento supra,

Watanabe preleciona que:

Não se l imitou o legislador a

ampliar a legit imação para agir. Foi mais além.

Atribui legit imação ad causam a entidades e

órgãos da administração públ ica, direta ou

indireta, ainda que sem personalidade jurídica, o

que se fazia necessário para que os órgãos

públicos como o PROCON (Grupo Executivo de

Proteção ao Consumidor), bastante at ivos e

especializados em defesa do consumidor,

pudessem também agir em juízo, mesmo sem

personal idade jurídica.

Igualmente, Mancuso propõe que

"a melhor solução parece mesmo

ser a pluralista, isto é, a que abre uma

legit imação... di fusa a quem pretenda (e

demonstre idoneidade) para tutelar interesses

que são... metaindividuais."

Complementando a l ição, assevera

que:

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Presentemente, registra-se a

tendência a reconhecer legit imação para agir aos

grupos sociais de fato, não personificados. E

isso em função de duas considerações: a) a

natureza mesma da tutela aos interesses

metaindividuais conduz, de per si , a uma

legit imação... di fusa, de modo que pareceria

incoerente um excessivo rigor formal na

constituição de grupos ou associações que

pretendam ser portadores de tais interesses em

juízo; b) corolariamente, segue-se a desvalia da

exigência da personalidade jurídica como

pressuposto da capacidade processual em tem de

interesses difusos.

A bem da verdade, em tema de

interesses metaindividuais, o critério legit imante não

decorre da titularidade do direi to material requestado, mas

sim da idoneidade do seu portador, razão pela qual a Lei

Consumerista, acertadamente, outorgou legit imidade ativa

para a propositura de ações civis públicas a entidades ou

órgãos da administração públ ica direta ou indireta, ainda

que detentores de mera personalidade judiciária.

Assim sendo, nada obsta que a

Defensoria Pública, órgão públ ico essencial ao exercício

da função jurisdicional, proponha ações civis públicas

para defesa de interesses metaindividuais, sobretudo por

se tratar de instituição imbuída da função estatal de

prestar assistência jurídica integral e gratuita a todos

aqueles, individual ou colet ivamente considerados,

disponham de parcos recursos financeiros.

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Hugo Nigro Mazzil l i , apesar de

corroborar esse entendimento de possibil idade de inclusão

dos órgãos e entidades da administração pública entre os

legit imados ativos para propositura da ação civi l pública

ou coletiva, estabelece uma restrição, pontificando que:

Isso signif ica que órgãos públicos

especificamente destinados à proteção de

interesses transindividuais, ainda que sem

personal idade jurídica, autorizados pela

autoridade administrat iva competente, podem

ajuizar ações civis públicas ou coletivas, não só

em matéria defesa do consumidor, como também

do meio ambiente, de pessoas portadoras de

deficiência, de pessoas idosas, ou quaisquer

áreas afins, o que é conseqüência das normas de

integração entre a LACP e CDC. Esses órgãos

públicos não podem, sponte sua, ajuizar as

ações; dependem de autorização administrativa

competente (princípio hierárquico), que pode ser

específica ou genérica, mas, em qualquer caso,

sempre necessária.

Não obstante a proficiência do

magistério supra, discordamos da imprescindibil idade de

autorização da autoridade administrativa superior para

propositura de ações civis públicas por órgãos ou

entidades públicas, especialmente quando a mesma for

ajuizada pela Defensoria Pública.

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Após a publicação da Emenda

Constitucional de n. 45, em 31 de dezembro de 2004, o

legislador constituinte conferiu às Defensorias Públicas

autonomia administrativa, funcional e financeira, de forma

que não há como se vincular sua atuação a qualquer

autorização de autoridade superior, notadamente porque se

trata de órgão público absolutamente independente e sem

qualquer subordinação ao chefe da administração pública

direta.

Sobre o princípio da independência

funcional da Defensoria Pública, Marí l ia Gonçalves

Pimenta afirma que:

A instituição é dotada de autonomia

perante os demais órgãos estatais, estando imune de

qualquer interferência polít ica que afete sua atuação. E,

apesar do Defensor Público Geral estar no ápice da

pirâmide e a ele estarem todos os membros da DP

subordinados hierarquicamente, esta subordinação é

apenas sob o ponto de vista administrativo. Vale ressaltar,

ainda, que em razão deste princípio insti tucional, e

segundo a classificação de Hely Lopes Meirelles, os

Defensores Públicos são agente polít icos do Estado.

Bem assim, impende observar que,

consoante o preceito da unidade e da indivisibil idade, a

Defensoria Pública corresponde a um todo orgânico, não

estando sujeita a rupturas ou fracionamentos, de forma

que aos Defensores Públicos permite-se, no exercício do

mister de patrocinar a assistência jurídica gratuita aos

necessitados, substituir-se uns aos outros,

independentemente de qualquer autorização do Defensor

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NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO

Público Geral, haja vista que atuam sempre sob a ótica

dos mesmos fundamentos e finalidades.

Majore-se, ainda, que a jurisprudência

pátria vem acolhendo, sem maiores obstáculos, a

legit imidade da Defensoria Pública para propositura da

ação civi l pública, sendo válido colacionar os seguintes

arestos:

Direito Constitucional. Ação

Civil Pública. Tutela de interesses

consumeristas. Legitimidade ad causam do

Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria

Pública para a propositura da ação. A

legit imidade da Defensoria Pública, como órgão

público, para a defesa dos direitos dos

hipossuficientes é atr ibuição legal, tendo o

Código de Defesa do Consumidor, no seu art.

82, II I, ampliado o rol de legit imados para a

propositura da ação civi l pública àqueles

especificamente destinados à defesa de

interesses e direitos protegidos pelo Código.

Constituir ia intolerável discriminação negar a

legit imidade ativa de órgão estatal – como a

Defensoria Pública – as ações coletivas se tal

legit imidade é tranqüilamente reconhecida a

órgãos executivos e legislat ivos (como entidades

do Poder Legislativo de defesa do consumidor.

Provimento do recurso para reconhecer a

legit imidade ativa ad causam da apelante.

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Agravo de instrumento. Ação

Civil Pública. Defesa de direito coletivo.

Legitimidade ativa da Defensoria Pública.

Existência. Decisão que impede a interrupção do

fornecimento de energia elétrica motivada pelo

não pagamento das contas. Imperceptível a

necessária verossimilhança. Ausente a

razoabil idade, quando se premia a

inadimplência, pondo em perigo de colapso o

fornecimento de energia elétrica, levando,

assim, o risco de dano irreparável a toda a

coletividade. Recurso provido. Decisão cassada.

Ação Civil Pública – Defensoria

Pública – Legit imidade ativa – Crédito

educativo – Agravo de instrumento. Ação Civi l

Pública. Crédito Educativo. Legitimidade ativa

da Defensoria, para propô-la. Como órgão

essencial à função jurisdicional do Estado,

sendo, pois, integrante da Administração

Pública, tem a Assistência Judiciária

legit imidade autônoma e concorrente, para

propor ação civi l Pública, em prol dos

estudantes carentes, beneficiados pelo Programa

do Crédito Educativo. Assim, a decisão que

rejeitou a argüição de i legit imidade ativa,

levantada pelo Parquet, não lhe causou qualquer

gravame, ajustando-se, in casu, à restrição

acolhida na ADIN 558-8-RJ – Recurso reputado

prejudicado em parte e em parte desprovido.

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Irrefragável, pois, o reconhecimento

de legit imação ativa autônoma para a condução do

processo coletivo, concorrente e disjunt iva, à Defensoria

Pública, especialmente como forma de cumprimento do

comando constitucional de garantir aos necessitados o

pleno acesso à Just iça”. “A legit imidade da Defensoria

Pública para propositura da ação civi l pública”. Jus

Navigandi, Teresina, ano 10, n. 867, 17 nov. 2005.

Disponível em:

<http:// jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7566>.

7. E tanto é assim que, f inalmente, após

longo processo polít ico, foi conferida, finalmente, legit imidade a Defensoria

Pública para a propositura da ação civi l pública, nos termos da Lei 11.448/07,

que acrescentou a Lei 7.347/85, renumerando os demais, o inciso II. Verbis:

Art. 1º Esta Lei altera o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de

julho de 1985, que discipl ina a ação civi l pública,

legit imando para a sua propositura a Defensoria Pública.

Art. 2º O art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985,

passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º Têm legit imidade para propor a ação principal e a

ação cautelar:

I - o Ministério Públ ico;

II - a Defensoria Pública;

II I - a União, os Estados, o Distri to Federal e os

Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade

de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos

da lei civi l ;

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b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção

ao meio ambiente, ao

consumidor, à ordem econômica, à l ivre concorrência ou

ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico.

.... ... ... ... ... ... ... ... ... .. .... ... ... ... ... ... ... ... ... .. .... ... ..” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

8. Por f im, cabe salientar que a

legit imidade da Defensoria Pública para propor ação civi l pública em favor

dos necessitados foi reafirmada com a Lei Complementar 132/09, que

modificou a Lei Complementar 80/94, nos termos seguintes:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública,

dentre outras:

(.. .)

VII – promover ação civi l públ ica e todas as espécies de

ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos

difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o

resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas

hipossuficientes.

(.. .)

X - promover a mais ampla defesa dos direitos

fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direi tos

individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e

ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações

capazes de propiciar sua adequada e efet iva tutela;

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II – DOS FATOS

9. Desde o dia 08 de dezembro de 2009, a

Zona Leste de São Paulo tem enfrentado uma de suas maiores tragédias.

10. O evento, consistente na inundação dos

bairros adjacentes ao Rio Tietê, a montante da Barragem da Penha, fato de

repercussão nacional, deixou centenas de desabrigados, e outros milhares

expostos a graves ameaças a saúde física e espiritual.

11. A combinação entre os efeitos do ciclo

hidrológico e a morfologia da região, aliados às intervenções no corpo

d´água, bem como a forma desordenada de ocupação do solo urbano, e,

principalmente, à inoperância estatal, seja em relação a gestão do sistema de

saneamento, seja em relação ao seu planejamento, integram a fórmula

infalível para a produção da anunciada tragédia, nas proporções veri ficadas.

12. Muitas histórias de vidas tem sido

inteiramente carreadas pelas águas em minutos, horas, dias, e agora, mês,

redundando em prejuízos materiais, além de intenso sofrimento moral para

vastas camadas de moradores dos bairros atingidos.

13. É importante destacar, neste passo

inicial , que a elevada precipitação pluviométrica que incide historicamente

sobre São Paulo, no período de verão, não é fato desconhecido da ciência ou

das autoridades locais. E, frise-se, a precipitação ocorrida não foi

especialmente elevada.

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14. Decerto, tem-se que se considerar, como

fator para a eclosão dos fatos na forma e dimensão veri ficados, a

impermeabil ização do solo, decorrente, em parte, da ocupação das várzeas

pelas Comunidades pobres que, sem alternativa de moradia – e até com um

certo incentivo do Poder Público que disponibil izou infra-estrutura urbana no

local - acabou, ao longo destes últ imos trinta anos, promovendo,

progressivamente, o seu aterramento com a conseqüente diminuição da calha

do Rio Tietê.

15. No entanto, tal fator, embora relevante,

não constitui , por si só, explicação para os efeitos nefastos desta tragédia.

Decerto, historicamente, os principais fatores de aumento da vazão do Rio

Tietê foram as contínuas intervenções urbanísticas realizadas pelo Poder

Público desde o começo do século, na tentativa de “domar o rio”, através de

sua ret if icação, para permitir a expansão urbana e a respectiva implantação de

infra-estrutura, e o contínuo processo de degradação ambiental do Rio Tietê,

alvo de intensa ação poluidora a medida que o processo de urbanização

desordenada (impulsionada pela industrial ização) avançou, trazendo, a falta

de investimentos em saneamento básico, sua contaminação, por todo tipo de

dejetos industriais e domicil iares.

16. Tudo somado, o aterramento e

assoreamento do Rio Tietê, com a conseqüente diminuição da sua vazão,

tornou o seu entorno urbano, considerando, em especial, a expressividade dos

eventos pluviométricos sazonais que acontecem entre dezembro e março,

altamente expostos as inundações e as suas terríveis conseqüências.

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17. Não se nega que o Poder Público não

venha se esforçando na tentat iva de encaminhar soluções para garantir a

eficácia do sistema de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, e assim tentar

evitar os incalculáveis prejuízos ao meio ambiente, ao saneamento ambiental,

e, por extensão, a própria saúde pública, e, por outro lado, ao transporte,

enquanto elemento do sistema de desenvolvimento econômico: foram

canalizados rios serventes do Rio Tietê (Rio Cabuçu de Cima e Tamanduateí),

construídos reservatórios com função mista (Ponte Nova e Parait inga, em

Salesópolis; Birit iba, em Birit iba-Mirim) e, além de outros diversos pequenos

reservatórios (piscinões), e a ampliação e desassoreamento da calha do Rio

Tietê.

18. É bem verdade, por outro lado, que, não

obstante tais obras terem promovido de forma significativa o aumento da

vazão do Rio Tietê, eles vem tendo seu impacto reduzido, pois a quantidade

de resíduo lançada no Rio Tietê vem alcançando níveis alarmantes, o que

aponta para uma provável anulação dos seus benefícios. Decerto, só em 2008,

foram removidos 400 mil m3 de detritos do Rio Tietê.

19. A parte isto, o fato é que as várzeas do

Rio Tietê foram intensamente ocupadas pela população pobre, levadas pelo

incessante processo de exclusão sócio-terri torial que vem acompanhando o

crescimento desordenado das grandes cidades brasileiras, relegando

historicamente a população de baixa renda, face a ausência de alternativas

diante de uma polít ica de habitação de interesse social completamente

ineficaz, a ocupação de áreas de risco e de proteção ambiental.

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20. Assim é que o transbordamento do Rio

Tietê atingiu diversas comunidades ocupadas por população de baixa renda,

dentre elas Jardim Romano, Chácara Três Meninas, Vila das Flores, Jardim

São Mart inho, Vila Aimoré e Vila Itaim, afetando milhares de pessoas, ou,

mais ou menos exatamente, 9.907 pessoas.

21. Tal inundação provocou inúmeros danos

materiais e morais à população moradora de tais Comunidades. Decerto, a

inundação impôs a deterioração funcional das casas, por conta da danificação

da pintura, instalações de madeira (portas, janelas, portões, aduelas, piso),

instalação elétrica, e, em alguns casos, até danos estruturais, com a queda de

paredes e muros, além dos móveis integrantes dos lares (televisão, geladeira,

fogão, computador, sofá, cama, guarda-roupa, estante, etc), roupas e gêneros

alimentícios.

22. Por conta desta indescritível calamidade,

que talvez efetivamente só possa ser elucidada pelo testemunho das vít imas,

que começa pelo sentimento de impotência com relação à situação em si,

atravessado pela necessidade de sacrificar a tentativa de salvar bens

materiais, muitas vezes com significado afetivo, para preservar a própria

sobrevivência, passando pela angústia do abandono do Poder Público, eis que

não houve, a princípio, assistência imediata para remediar as necessidades de

subsistência, mas também aplacar o sofrimento psicológico decorrente da

tragédia, que, inclusive, só acabou por se intensificar, quando o Poder

Público, dando-se conta da gravidade do evento, passou a prestar algum

auxíl io, mas atribuindo a responsabil idade dos fatos as próprias Comunidades,

que teriam, supostamente, contribuído com a tragédia na medida em que

poluíam o Rio, ou a dramática imprevisibil idade da natureza, ou que se trata

de uma questão problemática histórica que só agora veio a ser enfrentada.

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23. Tais efeitos nefastos, porém, ainda vem

se multipl icando exponencialmente. De fato, após a enchente do Rio Tietê, as

Comunidades afetadas ficaram em constante contato com a água empoçada,

que exalava um mau cheiro pútrido e estava altamente contaminada, expondo-

as a uma plêiade de gravíssimas doenças infecto-contagiosas (que passam pela

leptospirose e cólera) durante cerca de 14 dias. Tudo isso em razão de uma

postura recalcitrante do Poder Público em encontrar soluções imediatas para a

drenagem das águas que, por conta do desnível desfavorável entre algumas

Comunidades e o Rio Tietê, da obstrução severa das “bocas de lobo”

entupidas e outros fatores ainda não completamente esclarecidos,

permaneceram sem escoamento natural, tornando tais Comunidades

verdadeiros reservatórios de água servida. Daí que, com uma nova onda de

fortes chuvas, o alagamento voltou tão pior que antes, submetendo, inclusive,

as populações afetadas a dolorosíssima e deprimente situação de passarem o

Natal e o Ano-Novo enfrentando as agruras desta nova enchente.

24. Nesse momento, o paroxismo do Poder

Público chegou ao seu clímax. Por estar supostamente paralisado diante dos

desafios que envolviam uma nova operação de drenagem e manejo de águas

pluviais, redobrou seus esforços em propor, pura e simplesmente, a remoção

imediata de quase toda a população at ingida. Para tanto ofereceu atendimento

habitacional de muita duvidosa qualidade, mesmo quando definit ivo, eis que

apontava para o reassentamento em áreas distantes, até mesmo fora do

Município, com uma infra-estrutura ainda pior, e que acabava por fraturar a

possibil idade da preservação das relações sócio-econômicas já estabelecidas

pela Comunidade no seu espaço de origem.

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25. Isto sem contar com a oferta

indiscriminada e maciça dos benefícios de auxíl io-aluguel, que envolve uma

ajuda financeira para o pagamento do aluguel enquanto se criam as soluções

de atendimento habitacional: com efeito, afora o fato de que tal valor (cerca

de R$ 300,00) ser absolutamente insuficiente para o pagamento de aluguel,

mesmo naquela região, além de não ter qualquer amparo legal ou

regulamentar, eis que não se trata do Bolsa-Aluguel ou Parceria Social, ou

qualquer outro programa de atendimento habitacional temporário conhecido.

26. Percebendo tais inconsistências, a

população das Comunidades afetadas tem se mostrado céticas com relação as

promessas do Poder Público, não tem aderido, substancialmente, ao

cadastramento que tem sido fei to, para atendimento habitacional, mesmo

diante do estímulo “as avessas”que representa a sua manutenção em condições

degradantes.

27. Com efeito, tal “transe” do Poder Público

é assaz incompreensível, diante, de um lado, das gravíssimas conseqüências a

saúde pública envolvidas pela continuidade desta situação de horror

paradoxal, e, de outro, da possibil idade mesma de se promover a drenagem

por bombeamento da água contaminada e empoçada, como aconteceu antes,

ainda que depois de passados 14 dias do primeiro evento de enchente.

28. Não é possível, decerto, que o Poder

Públ ico continue a postergar uma solução para o escoamento destas águas

contaminadas violando o direi to a vida e a saúde, e por tabela o direi to ao

saneamento ambiental, da população destas Comunidades, sob o

argumento de que, fatalmente, estas terão de ser removidas, especialmente

por conta do Projeto Várzeas do Tietê – Fase I, na medida em que, se tal

efetivamente tiver que acontecer, tal tem que ser resolvido mediante um

processo sustentável, que envolva gestão democrática, pela participação

da população no processo de escolha das áreas para reassentamento, nos

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exatos e precisos termos do art. 80, inc. XXVIII da Lei 13.430/02 (Plano

Diretor do Município de são Paulo) e não através de soluções prontas e

acabadas colocadas pelo Poder Públ ico, de forma impositiva e inegociável,

como vem sendo encaminhado, especialmente por conta dos Decretos de

declaração de interesse social, para desapropriação de 09 áreas para

construção conjuntos habitacionais (Decretos Municipais n°s 51.143/09 a

51.155/09).

29. Com efeito, ainda que não estejam

completamente esclarecidas as razões pelas quais o escoamento das águas

insiste em não ocorrer naturalmente, e de eventuais dificuldades técnicas

envolvidas, não é possível que esta situação de virtual calamidade pública não

seja resolvida de imediato, tomando-se, quando menos, repita-se, as mesmas

medidas que antes permitiram a drenagem e manejo destas águas servidas,

depois de 14 dias depois do primeiro evento de enchente, e, agora, de forma

contínua, até que sejam esclarecidas definit ivamente as razões da falta de

escoamento natural das águas, com, se o caso, seu adequado equacionamento.

30. Por conta disto, esta Defensoria Pública,

no âmbito do Procedimento de Tutela Coletiva NE-HABURB n° 61/2009, que

tem como objeto investigar as violações ao direito à moradia e à cidade das

Comunidades afetadas, propôs ao Poder Público as recomendações n° 01/09 e

02/09, a fim de orientar a atuação do Poder Público, mas também, por outro

lado, requisitar informações a respeito das providências que estariam sendo

tomadas.

31. No entanto, não houve resposta as

requisições de informações na maior parte dos pedidos, e, quando vieram, tais

se mostraram absolutamente insuficientes, lacunosas e vagas.

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32. Assim, não restou alternativa senão o

recurso ao Poder Judiciário, para ver restabelecido o respeito aos direitos

fundamentais à cidade sustentável dos cidadãos das Comunidades pobres

afetadas, esclarecendo-se que, oportunamente, tratar-se-á de propor a Ação

Civil Pública principal, que terá como objeto a responsabil ização civi l do

estado, e a obrigação de promover processo de planejamento, mediado pelas

exigências da gestão democrática da cidade, em que ocorra participação

popular, para se encontrar uma solução de compromisso entre o direi to ao

meio ambiente e à moradia, eventualmente dentro do próprio processo de

l icenciamento urbanístico e ambiental do Parque Várzeas do Tietê – Fase I,

projeto de saneamento ambiental do Estado de São Paulo, promovido pelo

DAEE e pelo DERSA, integrante do conjunto de medidas mitigatórias e

compensatórias do impacto ambiental do projeto de adequação viária da

Marginal Tietê, impostas pelo seu l icenciamento ambiental.

33. Com efeito, de um lado, o DAEE

promove uma licitação (Concorrência 012/DAEE/2009), que tem como objeto

a contratação de empresa a realização de Serviços Técnicos Especializados de

Levantamento da Situação Fundiária dos imóveis e do Gerenciamento Social

do Processo de Remoção e Reassentamento das Famíl ias na área de

abrangência do Programa Parque Várzeas do Tietê, nos Municípios de São

Paulo e Guarulhos, no Estado de São Paulo, e, de outro a DERSA promove

uma outra l icitação (Concorrência 015/2009), que tem como objeto, em

atendimento ao Convênio celebrado entre o Estado de São Paulo e a Prefeitura

do Município de São Paulo, visando o apoio mutuo para realização de obras e

medidas compensatórias ambientais decorrentes da implantação do projeto

“Adequação Viária da Marginal Tietê”, a viabil ização da execução das obras e

serviços de implantação de uma Estrada Parque com ciclovia, sendo que nesta

primeira fase, serão executadas obras num trecho de 25 km de extensão, ao

longo do rio Tietê, desde a barragem da Penha até a divisa com o município

de Itaquaquecetuba.

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II I – DO DIREITO

- Do Direito à Cidade Sustentável: o direito à cidade e o direito ao

saneamento ambiental

34. O Direito à cidade sustentável encontra

fundamento a partir da articulação entre o dever do Estado de promover as

funções sociais da cidade e da propriedade, de modo a ordenar o seu pleno

desenvolvimento, para garantia do bem estar da população, nos termos da

polít ica urbana definida pelo art. 182 da CF/88, e o dever de todos, inclusive

do Estado, de defender e preservar o meio ambiente equi l ibrado, para às

presentes e futuras gerações, nos termos do art. 225 da CF/88.

35. Assim é que à diretriz geral da polít ica

urbana, tal como definida na Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade,

regulamentadora do art. 182 da CF/88, que diz com a garantia das cidades

sustentáveis (art. 2º, inc. I), encontra seu lugar próprio.

36. Portanto, o Direito às Cidades

Sustentáveis se manifesta como ponto de encontro da compreensão de que o

espaço urbano, como meio ambiente construído, possui peculiaridades

próprias, que exigem atenção especial. Decerto, para que o espaço urbano

possa servir como suporte do bem estar das Comunidades urbanas, não só no

presente, mas no futuro também, exige-se nele a preservação de uma série de

funções sociais.

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37. O equilíbrio do meio ambiente

construído, com suas pecul iaridades, que exigem atenção especial para se

promover o bem estar das Comunidades urbanas, portanto, como se encontra

descrito nos dizeres do art. 2°, inc. I da Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade:

direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra estrutura

urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as

presentes e futuras gerações.

38. O saneamento ambiental, nesse sentido,

integra esse conjunto de peculiaridades do meio ambiente construído que

merecem atenção especial, a fim de se promover o bem estar sanitário das

Comunidades urbanas.

39. O saneamento ambiental, com efeito,

envolve-se com a preocupação da proteção do meio ambiente sob a

perspectiva antropocêntrica, na medida em que um meio ambiente equil ibrado

proporciona as condições que sustentam a própria vida e saúde das populações

urbanas, reconhecendo-se, desde logo, que os assentamentos humanos são

fontes de poluição, que precisam ter o seu processo de relacionamento com a

natureza controlado.

40. Assim é que o saneamento ambiental

envolve, nos termos do art. 3° da Lei 11.445/07:

a) abastecimento de água potável:

constituído pelas at ividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao

abastecimento público de água potável, desde a captação até as l igações

prediais e respectivos instrumentos de medição;

b) esgotamento sanitário: constituído pelas

atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte,

tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as

l igações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;

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c) l impeza urbana e manejo de resíduos

sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de

coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do l ixo doméstico e

do l ixo originário da varrição e l impeza de logradouros e vias públicas;

d) drenagem e manejo das águas pluviais

urbanas: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de

drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para

o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas

pluviais drenadas nas áreas urbanas;

41. E, por sua vez, o serviço de saneamento

ambiental deve ser prestado segundo certos princípios fundamentais, que

apontam para a sua sustentabil idade social, polít ica e econômica, no sentido

de garantir-se o aproveitamento dos seus benefícios para as atuais e futuras

gerações, conquanto o serviço em si envolva, para além de recursos naturais,

recursos humanos que dizem com a preservação da civi l ização, no sentido da

art iculação do uso dos pressupostos físicos que suportam a mera vida

biológica pelo processo de construção dos modos de vida social e polít ica, do

homem em comunidade, segundo o nosso estágio de desenvolvimento cultural.

Assim é que o art. 2° da Lei 11.445/07 defina que o saneamento ambiental, ou

básico, deva ser prestado mediante:

a) universalização do acesso;

b) integralidade, compreendida como o

conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos

serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na

conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e

resultados;

c) abastecimento de água, esgotamento

sanitário, l impeza urbana e manejo dos resíduos sólidos real izados de formas

adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente;

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d) disponibil idade, em todas as áreas

urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à

saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado;

e) adoção de métodos, técnicas e processos

que considerem as peculiaridades locais e regionais;

f) art iculação com as polít icas de

desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de

sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de

relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para

as quais o saneamento básico seja fator determinante;

g) eficiência e sustentabil idade econômica;

h) uti l ização de tecnologias apropriadas,

considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções

graduais e progressivas;

i) transparência das ações, baseada em

regulamentos de informações e processos decisórios institucionalizados;

j) controle social;

k) segurança, qualidade e regularidade;

l) integração das infra-estruturas e serviços

com a gestão eficiente dos recursos hídricos.

42. Avulta, neste passo, salientar, de

imediato, de um lado, o direito ao abastecimento de água, esgotamento

sanitário, l impeza urbana e manejo dos resíduos sólidos real izados de formas

adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente, e, de outro, o

direito à drenagem e ao manejo das águas pluviais adequados à saúde pública

e à segurança da vida e do patrimônio público e privado. Tais direitos são

elementares, e sobre estes se articulam os demais direitos ao saneamento

ambiental. De fato, e aí que o direito fundamental à vida e saúde (arts. 5° e 6°

da CF/88), enquanto relacionado a qualidade física dos espaços urbanos,

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necessária a preservação dos processos civi l izatórios na urbe, ganha sua

dimensão fundamental.

43. Ora, em assim sendo, tais direitos

elementares de saneamento ambiental devem ganhar uma carga especial do

direito f i l iado à vida e à saúde: nesse sentido, tais direitos devem ser

considerados part icularmente em relação a sua inviolabil idade: o direi to à

vida e a saúde, no l imite, se sobrepõem, ou, quando menos, se harmonizam

vantajosamente, no confl i to com quaisquer outros direitos, fundamentais ou

não. O direito à vida e à saúde simplesmente são absolutos no grau máximo,

de modo que são (quase) que completamente imunes a restrições.

44. Em assim sendo, o direito ao saneamento

ambiental também deve ser interpretado neste sentido, de modo que nem

mesmo, no l imite, o descumprimento da função sócio-ambiental da

propriedade, da forma da irregularidade urbano-ambiental, pode justi f icar, a

rigor, a vedação ao acesso ao respectivo serviço público de saneamento

ambiental, muito embora possa fortalecer uma solução de compromisso

através do re-arranjo do assentamento, desde que, evidentemente,

disponibil izada, segundo os ditames, diga-se logo, da gestão democrática do

espaço urbano.

45. Neste sentido, portanto, é que deve-se

entender agora, os princípios da universalização do acesso, e a integração

funcional dos diversos serviços de saneamento básico: o acesso universal e a

integração funcional são conseqüências diretas da inviolabi l idade do direito à

vida e à saúde enquanto relacionadas a qualidade física dos espaços urbanos.

Não há, em absoluto, recusa possível ao acesso ao serviço, num primeiro

momento, e a prestação na medida da necessidade e eficácia na medida da

possibil idade, num segundo.

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46. Aqui apenas um pequeno, mais

importante, parênteses: o princípio da integração funcional acaba por impor

soluções de saneamento ambiental independente da sua possibil idade atual:

em outras palavras, ainda que não exista solução de acesso, é necessário criá-

la: a l imitação da medida da possibil idade atinge só, em tese, a eficácia do

serviço, não a sua realização.

47. Portanto, assim é que se coloca a questão

do saneamento básico: parte do saneamento ambiental que cuida,

especificamente, de promover o controle dos fatores de poluição do sistema

urbano, a f im de minimizar o seu impacto ambiental e, dessa maneira,

promover as funções sociais da cidade, a fim de possibil i tar o bem estar de

todos, nos termos do art. 182 da CF/88.

- Da Polít ica Nacional de Saneamento Básico e Política Nacional de

Desenvolvimento Urbano

48. A polít ica de saneamento básico resta

disciplinada pela Lei 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o

saneamento básico, de forma articulada com a polít ica urbana, como atenção

especial específica para a necessidade da salubridade do espaço urbano tendo

em vista a sua sustentabil idade (art. 2º, inc. I da Lei 10.257/01 c/c art. 182 da

CF/88).

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49. Decerto, a polít ica de saneamento básico

resta integrada a polít ica de desenvolvimento urbano até como princípio

próprio, eis que o art. 2º, inc. V da Lei 11.445/07 impõe a art iculação das

polít icas de saneamento básico com as de desenvolvimento urbano e regional,

relativas à habitação, combate à pobreza e sua erradicação, de proteção

ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social

voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento

básico seja o seja fator determinante (art. 2°, inc. V da Lei 11.445/07).

50. Assim é que surge, como princípio da

polít ica de saneamento básico, os direi tos ao abastecimento de água,

esgotamento sanitário, l impeza urbana e manejo dos resíduos sólidos

realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio

ambiente, e à disponibil idade de, em áreas urbanas, de serviços de drenagem e

de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida

e do patrimônio públ ico e privado (art. 2°, incs. II I e IV da Lei 11.445/07).

51. Decerto, a ut i l ização inadequada dos

imóveis urbanos (art. 2º, inv. VI, alínea ‘a, da Lei 10.257/01 - Estatuto da

Cidade), através da instalação de equipamentos que promovam alterações no

curso e vazão dos corpos d´água e a impermeabil ização do solo, pela

implantação de assentamentos humanos, através de parcelamento do solo

excessivo ou inadequado em relação à infra estrutura urbana art. 2º, inv. VI,

alínea ‘c’, da Lei 10.257/01 - Estatuto da Cidade, que acaba dificultando a

infi l t ração pluviométrica, geram impactos ambientais relevantes, que

merecem cuidado na medida em que, voltando-se contra a própria

Comunidade, podem se constituir ameaças à saúde pública, à segurança à vida

e do patrimônio público e privado, impondo, por tabela, a deterioração das

áreas urbanizáveis, e a poluição e degradação ambiental (art. 2º, inv. VI,

alíneas ‘f” e ‘g’, da Lei 10.257/01 - Estatuto da Cidade.

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52. No entanto, mesmo tal ut i l ização

inadequada, como eventualmente se constata do uso do solo feito pelas

Comunidades pobres ocupantes das Várzeas do Rio Tietê, não pode justi f icar

a fal ta de acesso ao serviço de saneamento ambiental: decerto, pode

fortalecer, eventualmente, como se já se disse, uma solução de compromisso,

de compatibil ização entre o direito ao meio ambiente e à moradia das

Comunidades pobres, através do através do re-arranjo do assentamento, desde

que, evidentemente, disponibi l izada, segundo os ditames, diga-se logo, da

gestão democrática do espaço urbano (art. 2º, inc. II e IV da Lei 10.257/01),

sem prejuízo da tentativa de se promover, aliás, a regularização fundiária e

urbanística das ocupações de Comunidades de baixa renda, desde que

compatíveis com as exigências ambientais (art . 2º, inc. XIV da Lei 10.257/01,

c/c art. 54, § 1º da Lei 11.977/09, c/c art. 4º da Lei 4.771/65, c/c arts. 9 e

segts da Resolução CONAMA 369/06), particularmente em áreas de ZEIS (art.

4º, inc. V, letra ‘f ’, da Lei 10.257/01).

53. É neste sentido, portanto, que deve ser

interpretado o princípio da articulação das polí t icas de saneamento ambiental

e de desenvolvimento urbano: as polít icas de saneamento ambiental devem

estar a serviço das funções sociais da cidade e da conseqüente promoção do

bem estar de todos (art. 182 da CF/88), de modo a se promover a sua

sustentabil idade (art. 225 da CF/88 c/c art. 2º, inc. I da Lei 10.257/01),

impondo-se, no entanto, quando os assentamentos humanos acabem por

contrariar a própria função sócio-ambiental da propriedade (art. 5º, inc. XXIII

da CF/88), que ela aponte ora para uma solução de compromisso

compatibil izadora, seja com o re-arranjo do assentamento, segundo os ditames

da gestão democrática (art. 2º, inc. II e IV da Lei 10.257/01), seja com a

regularização fundiária e urbanística, atendidas as exigências ambientais (art.

2º, inc. XIV da Lei 10.257/01, c/c art. 54, § 1º da Lei 11.977/09, c/c art. 4º da

Lei 4.771/65, c/c arts. 9º e segts da Resolução CONAMA 369/06), mas nunca,

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de modo algum, ela serviria para justi f icar a falta de acesso ao serviço de

saneamento ambiental.

54. Com efeito, na concretização desse dever

de promover a sustentabil idade urbana com atenção especial ao saneamento

ambiental (ou básico), o Poder Públ ico tem que se valer dos instrumentos de

planejamento, na medida em que este concretiza o princípio da moralidade e

da eficiência na administração pública (art. 37, “caput” da CF/88), voltados

para a realização dos objetivos fundamentais da República, que dizem, em

especial, com o compromisso com o desenvolvimento, a erradicação da

pobreza e a promoção do bem-estar de todos (art. 3º, incs. II, III e IV da

CF/88), lembrando-se sempre que a atividade do planejamento de polít icas

públicas, como modalidade específica de intervenção do Estado no domínio

econômico, é obrigatória (art . 174 da CF/88), especialmente quando diz

respeito a função social da cidade e da propriedade (art. 182 e 183 da CF/88).

55. Percebe-se, portanto, que uma eventual

correção da não ut i l ização da propriedade segundo a sua função social,

quando disser respeito a Comunidades pobres, em respeito, particularmente ao

princípio do combate a pobreza (art. 3º, inc. II I c/c art. 23, inc. X da CF/88) e

do não-retrocesso dos direitos fundamentais (arts. 5º e 6º da CF/88), deve ser

fei ta de modo planejado, de modo a não comprometer a contínua

concretização dos direitos sociais fundamentais envolvidos no direito à

cidade: impõem-se, portanto, uma processual idade na solução corretiva,

mediada pela proporcionalidade: ou seja, impõem-se a realização de um

devido processo legal transformador, corretivo das inadequações da função

social da propriedade, levado a efeito através de instrumentos de

planejamento urbano, sempre, fr ise-se, acompanhado das exigências da gestão

democrática.

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56. Neste sentido, portanto, o planejamento

se insere como meio de realização do princípio da moralidade e da eficiência

na administração pública (art . 37, “caput” da CF/88), na medida em que o

Poder Público deve reconhecer a necessidade, a partir da própria premissa da

exigência de desenvolvimento (art. 3º, inc. II da CF/88), de definir objetivos

e ações estratégicas tendentes a promover a transformação da real idade, para

se realizar a justiça sócio-ambiental.

57. Com efeito, na medida em que se

reconhecer a necessidade de transformação da realidade, o Poder Público deve

assumir o compromisso ético e jurídico de conformá-la, valendo-se de

instrumentos que apontem para a responsabi l idade na condução deste

processo.

58. Ora, o planejamento é o instrumento por

excelência que atende a necessidade de se criar um “devido processo”

transformador, pois através dele o Poder Público assume a responsabi l idade

pública de encontrar os melhores meios para consecução dos objetivos e ações

estratégicas definidas pela lei, de modo a, inclusive, maximizar a eficácia

(econômica / social / ambiental) da atuação com o menor custo (econômico /

social / ambiental), a medida em que tais previsões, fundadas em estudos e

participação popular, são tornadas disponíveis para todos.

59. O contrario disto, ou seja, a formulação e

concretização de soluções não pensadas, ou, quando menos, não pensadas com

as Comunidades diretamente afetadas, pode expor estas soluções de

afogadilho a graves desvios, de modo a se criar, até, mais problemas que

soluções, ainda que eventualmente apenas deslocando o problema de lugar.

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60. Com efeito, na ausência de qualquer

planejamento, o risco de se, eventualmente, re-arranjar o assentamento em

local com oferta inadequada de equipamentos urbanos e comunitários,

transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da

população e às características locais (art . 2º, inc. V da Lei 10.257/01) cresce

exponencialmente, e, conseqüentemente, os riscos de inadequação dos gastos

públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, cresce na mesma medida

(art. 2º, inc. X da Lei 10.257/01).

61. Ou seja, o risco de se perpetuar o

urbanismo de risco, de modo a, na pior das hipóteses, promover a expulsão

sócio-territorial da população pobre para áreas ainda mais precárias do ponto

de vista de infra-estrutura urbana, e, na melhor, fazê-lo desconsiderando-se a

dinâmica das relações sócio-econômicas já estabelecidas no espaço de origem,

não é nada desprezível, pelo contrario, é muitíssimo provável.

62. Mas, independente disto, a importância

do planejamento mediante gestão democrát ica, em part icular, é fundamental

quase por si só: ela promove a dignidade da pessoa humana na exata medida

em que promove a cidadania (arts. 1º, incs. II e III da CF/88), sendo, de

longe, o principal fator de sustentabil idade urbana: de fato, é o que torna a

cidade espaço da l iberdade e da polít ica, e, conseqüentemente, das práticas

civi l izatórias, e, por oposição, o que impede a cidade de tornar-se espaço da

mera produção e consumo de mercadorias, do encontro e desencontro marcado

pela tão só necessidade de produzir e consumir para sobreviver, mas não

como homens, mas como máquinas.

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- Da Jurisdição Constitucional e dos Objetivos Fundamentais da República

63. Cabe ressaltar, agora, o objetivo

renovado da própria Jurisdição, que, nessa medida, torna-se elemento de

inclusão social, que tem sua legit imidade na medida que atua no sentido da

realização dos objetivos republicanos fundamentais (art. 3º da CF/88),

64. Com efeito, na l ição do Prof. Jonatas

Luiz Moreira de Paula,

“.. . a jurisdição é uma atividade que se

destina à formação e composição de uma sociedade l ivre,

justa e solidária, onde está garantido o desenvolvimento

social nacional, com a pobreza e a marginalização

erradicados e reduzidas as desigualdades sociais e

regionais, com a promoção do bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer

formas de discriminação.

Este é o t ipo de sociedade que se

busca formar; noutras palavras, a sociedade justamente

constituída, é o ‘todo’ que se busca construir mediante o

consórcio de esforços dos demais setores da sociedade e

do Estado, sendo a atividade jurisdicional um dos

elementos de formação.

Não se pretendeu quali f icar a

jurisdição como ‘instrumento’ de inclusão, visto que se

busca algo mais do que um simples caráter adjetivo do

direito processual ou da atividade jurisdicional. Neste

particular, a atividade jurisdicional, e implicitamente o

direito processual, assume um caráter material, à medida

em que passa a compor a ordem social.

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NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO

De igual forma, a jurisdição é algo

mais que um ‘meio’ de inclusão social, porque a atividade

jurisdicional esta incluída no comprometimento dos f ins

do Estado. Se fosse um simples ‘meio’ não se perceberia

este compromisso, mas uma simples atividade de mero

exercício, à margem dos fins do Estado.

Daí que, por ser elemento, significa

que a jurisdição integra o ambiente social complexo e

desigual e tem por essa razão essencial o cumprimento dos

fins delineados no art. 3º, da CF. Por isso, a atividade

jurisdicional é teleologicamente, uma at ividade material ,

tendo em vista que visa a promoção da just iça social,

alterando substancialmente o ambiente em que está

inserida.

Não cumprindo com os f ins

determinados no art. 3º, da CF/88, a jurisdição torna-se

‘elemento estranho’, uma parte que não colabora com o

‘todo’ e que não constrói. Assim ocorrendo, a jurisdição

padeceria de legit imidade no plano polít ico e atuaria em

simples conservação de direitos no plano do ordenamento

jurídico, estancando o desenvolvimento e a promoção

social” (A Jurisdição como elemento de inclusão social –

revitalizando as regras do jogo democrático, 1ª Edição,

2002, Ed. Manole, pág. 87-88).

65. É preciso dizer, neste passo, que a

legit imidade procedimental da jurisdição não deve signif icar arbítrio, com a

decisão judicial representando sua vontade de tornar seus valores dublando a

vontade do direito, mas sim um autêntico discurso sobre a autoridade, isto

sim, dos direitos fundamentais, que são os que efetivamente estão em jogo na

solução do problema posto em questão.

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NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO

66. Em verdade, o judiciário tem

legit imidade para o exercício do controle das políticas públicas, não obstante

não tenha investidura democrática. Decerto, sua legit imidade não é polít ica,

mas sim constitucional: sua missão é garantir o exercício das polít icas

públicas tal como elaboradas pelo legislador diante do administrador, a fim de

dar efetividade aos direitos fundamentais. Com efeito, na l ição do Prof.

Américo Bedê Freire Júnior

“Claro que existe legit imidade do juiz

para atuar além da lei, mas tal si tuação depende de uma

fundamentação adequada. Nesse diapasão, Aury Lopes Jr.

Afirma com propriedade que ‘a legit imidade democrática

do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, e

não da vontade da maioria. O juiz tem uma nova posição

dentro do Estado de Direito e a legit imidade de sua

atuação não é polít ica, mas constitucional, e seu

fundamento é unicamente a intangibil idade dos direitos

fundamentais. É uma legit imidade democrática, fundada

na garantia dos direitos fundamentais e baseada na

democracia substancial ’

Frise-se que, quando se reconhece a

legit imidade do juiz para atuar além da lei , isso não

significa que o juiz está colocado acima dela. Colocar o

juiz acima do legislador é repetir o erro que se crit ica

(superioridade do legislat ivo, ou do executivo) (grifo

nosso), apenas mudando o conteúdo subjetivo do erro. (. ..)

Não se quer uma nova ditadura, agora,

de juízes, pelo contrário, o que se pretende é a prevalência

dos direitos humanos e, para tanto, não se concebe o Juiz

Pilatos, ou seja, o que não pretende assumir sua

importantíssima missão na nova ordem constitucional.

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Como foi dito (...), há uma rediscussão

da própria noção de democracia, o que implica não ser,

necessariamente, o voto o único fator de legit imação.

Ademais, para uti l izar uma expressão

tão cara a doutrina norte-americana, os juízes são um

poder contramajoritário, para resist ir, como lembra John

Elster, comparando a Odisséia de Homero aos cantos das

sereias.

A regra da maioria não pode ser

absoluta, sob pena de superarmos a ditadura de um tirano

e criarmos a ditadura da maioria (mil t i ranos). Afirmar,

portanto, o caráter contramajoritário de um poder em nada

significa retirar a sua legit imidade, pois, repita-se,a

legit imidade dos juízes decorre da própria Constituição e

da fundamentação de suas decisões. Referente a isso

Thomas Fleiner pontifica:

‘A democracia existe para a maioria

étnica (ou econômica) (grifo nosso). O Estado uti l iza a

roupagem consti tucional e democrática para dissimular a

discriminação humilhante da maioria’

‘A democracia não deve ser

compreendida como forma estatal de dominação da

maioria, pois esta pode não ter razão. Os direitos

humanos, por exemplo, nunca devem ser sacri ficados em

favor dos interesses da maioria’

Ademais, devemos lembrar, com José

Adércio Leite, que ‘a concepção de democracia, como se

defende neste artigo, não se reduz a meros procedimentos

de seleção de dir igentes, nem a identidade necessária

entre a vontade da maioria ou da opinião públ ica com a

vontade de Deus. A vi tória eleitoral não importa a

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escravidão silenciosa dos derrotados, nem a apuração

momentânea e circunstancial de uma opinião pública, sem

apoio em reflexões e debates suficientemente informados,

reveladora apenas de emoção ou de slogans de

propagandas polít icas bem-sucedidas’

Há muito que já foi dito que a eleição

não corresponde a um cheque em branco e que, portanto, a

atuação parlamentar deve respeito à Constituição, devendo

o magistrado ter sensibil idade para permitir que a

Constituição seja respeitada pelas forças polít icas.

Nessa alheta, ainda é de lembrar as

ponderações de David Diniz ao destacar que, ‘centrando-

se o foco nos direi tos fundamentais, o papel do juiz –

tomando-se por referência o estado constitucional – é de

garantidor da intangibil idade dos direitos individuais do

cidadão e não de protetor dos interesses da maioria. Como

observa Pawlowski, o juiz que assegura autonomia privada

ao cidadão é essencial ao Estado de Direito na medida e

que garante que o princípio democrático não terminará em

ditadura da maioria’

É claro que tal missão, o controle da

polít ica pelo direito, não é fácil. Klaus Stern lembrou-se

em palestra:

‘Como minha pátria, o País no qual

tenho a honra de proferir esta palestra viveu tempos de

ditadura. Nós brasileiros e alemães, sabemos, portanto,

que, na história, sempre foi mais difíci l submeter o Poder

ao Direito do que o Direito ao Poder. Se criarmos agora

Estados Democráticos de Direitos, temos um elevado bem

a preservar’

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A atuação do juiz deve ser tal na

efetivação das normas constitucionais, especialmente dos

direitos fundamentais, mesmo que isso implique

desagradar maiorias ocasionais. Claro que deve ter todo o

cuidado nessa missão, pois, como alertou Germana

Moraes:

‘Grande, enorme, imensa, gigantesca é

a responsabil idade do juiz constitucional – ao atribuir

corpo e alma aos princípios, ao dar vida à Constituição:

cabe a ele l ibertar os princípios de sua sina escorpiônica –

de sua tendência auto-destrutiva, que ameaça a prática de

injustiça em nome da justiça de que eles (os princípios)

pretendem realizar. Cabe ao juiz constitucional estar

atento para que, em nome dos princípios constitucionais,

mais injustiças não sejam perpetradas.

Cabe também a ele, o juiz

constitucional, escapar das armadilhas do escorpião e de

ser ele próprio um. Relembrando a famosa fábula, quando

era transportado nas costas de um sapo, na travessia de

caudaloso rio, o lacraio pica o batráquio, provocando o

naufrágio dos dois.

É preciso cuidar para que não

soçobrem juntos juiz e princípios constitucionais’

Pretende-se uma postura mais ativa do

Poder Judiciário, visando preservar a Consti tuição de

polít icas indevidas ou de sua falta.

Cabe, por fim, trazer a bai la precisa

decisão do Min. Celso de Mello, assim resumida e

vaticinando o efet ivo controle judicial de polít icas

públicas: ‘ADPF – Polít icas Públicas – Intervenção

Judicial – Reserva do Possível (Transcrições) ADPF 45

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mc/df, rel. Min. Celso de Mello, ementa: Argüição de

descumprimento de preceito fundamental. A questão da

legit imidade constitucional do controle e da intervenção

do Poder Judiciário em tema de implementação de

polít icas públicas, quando configurada hipótese de

abusividade governamental. Dimensão polít ica da

jurisdição consti tucional atribuída ao STF.

Inoponibil idade do arbítrio estatal à efetivação dos

direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relat ivo

da l iberdade de conformação do legislador. Considerações

em torno da cláusula da reserva do possível. Necessidade

de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e

da intangibil idade do núcleo consubstanciador do mínimo

existencial. Viabil idade instrumental da argüição de

descumprimento no processo de concretização das

l iberdades posit ivas (direitos fundamentais de segunda

geração)” (O Controle Judicial de Polí t icas Públicas, RT

Editora, 1ª Edição, págs. 58-63).

IV- DO PEDIDO

67. Isto posto, requer-se de V. Exa.:

a) que determine a citação dos Corréus,

para que, querendo, responda à presente ação, sob pena de revelia;

d) a intimação do I. Representante do

Ministério Público, nos termos do art. 5º, § 1º da Lei 7347/85;

c) que julgue procedente a ação para que

1) determinar aos Correus, em particular

ao Município de São Paulo e o DAEE, que:

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- promovam a drenagem e manejo das águas pluviais nas

Comunidades afetadas, com o funcionamento de motobombas, especialmente

na Ruas Capachos, e demais local idades afetadas pela enchente, em período

integral, evitando-se alagamentos e, conseqüentemente riscos à saúde e a vida

dos moradores;

- executem a l impeza de toda a margem do Rio Tietê, com a

desobstrução de todos os obstáculos que impeçam o escoamento natural das

águas, mantendo-se apenas as moradias precárias que tenham condições

estruturais de segurança, da Barragem da Penha ate os l imites do Município

de São Paulo com o Município de Itaquaquecetuba;

- executem imediatamente o serviço de l impeza de bocas-de-lobo

e poços de visita; galerias de águas pluviais; córregos local izados próximos

do Jd. Romano, Chácara Três Meninas, Vila das Flores, Jardim São Martino,

Vila Aimoré e Vi la Itaim;

- executem efetivamente o serviço de varrição na Região do Jd.

Romano, Chácara Três Meninas, Vila das Flores, Jardim São Martino, Vila

Aimoré e Vila Itaim, evitando-se a poluição difusa, bem como problemas no

sistema de drenagem urbana;

- executem a efetiva fiscal ização para impedir o sistema cruzado

de esgotamento sanitário no sistema de drenagem urbana, com a adoção das

medidas cabíveis para a melhoria do serviço.

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2) determinar aos Corréus, em particular

ao Município de São Paulo e ao Departamento de Água e Energia Elétrica

(DAEE) que se abstenham de promover qualquer intervenção urbanística nas

Comunidades pobres afetadas pelas enchentes na Zona Leste, desde 08/12/09,

envolvendo o Jardim Romano, Chácara Três Meninas, Vi la das Flores, Jardim

São Martinho, Vila Aimoré e Vila Itaim, tendente a remoção da população

local, salvo em caso de situação de risco diante da instabil idade do solo das

margens do Rio Tietê, sem que antes se promova um processo de

planejamento, mediado pelas exigências da gestão democrática da cidade, em

que ocorra participação popular, para se encontrar uma solução de

compromisso entre o direito ao meio ambiente e à moradia, eventualmente

dentro do próprio processo de l icenciamento urbanístico e ambiental do

Parque Várzeas do Tietê – Fase I;

d) a concessão de l iminar, nos mesmos

termos do pedido principal, sob pena de multa diária, de acordo com o

art. 11 da Lei 7.347/85, de R$ 50.000,00, para:

68. Provará a Autora o alegado por todos os

meios de prova em direito admitidos, em especial, pelo depoimento pessoal

dos representantes legais da Ré, sob pena de confesso, oit iva de testemunhas,

a serem oportunamente arroladas, perícia, e pela juntada de documentos,

inclusive através da expedição de ofícios.

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69. Atribui-se à causa o valor de R$

100.000,00.

Termos em que,

P. deferimento.

São Paulo, 11 de janeiro de 2010.

Carlos Henrique A. Loureiro

Defensor Público

Coord. do Núcleo de Habitação e Urbanismo

Bruno Ricardo Miragaia de Souza

Defensor Público

Coord. Aux. do Núcleo de Habitação e

Urbanismo