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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA MM __ª VARA DA FAZENDA
PÚBLICA DA COMARCA DE SÃO PAULO.
A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO
PAULO , pelos Defensores Públicos que esta subscrevem, vem a presença de V.
Exa., com fundamento no art. 1º, inc. VI c/c 5º da Lei 7.347/85, e art. 4º,
incs. VII e X da Lei Complementar 80/94, e art. 5º, inc. VI, alínea ‘g’ da Lei
Complementar Estadual 988/06, c/c arts. 182 e 183 da CF88, arts. 5º e 6º da
CF/88, arts. 1º e segts. da Lei 10.257/01 c/c arts. 1º e segts. da Lei 11.445/07,
c/c art . 1º, “caput” e incs. II e III e art . 3º, incs. I e II I da CF/88, propor a
presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA CAUTELAR, com pedido l iminar, em face do
M UNICÍPIO DE SÃO PAULO , pessoa jurídica de direi to público interno,
representado pelo Exmo. Sr. Prefeito, Dr. Gilberto Kassab, com sede nesta
Capital , no Viaduto do Chá, 15; Sé, ESTADO DE SÃO PAULO . pessoa jurídica
de direito público interno, representado pelo Exmo. Sr. Governador, Dr. José
Serra, com sede nesta Capital, a Avenida Morumbi, 4.500, Morumbi,
DEPARTAMENTO DE ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA (DAEE) , pessoa jurídica de
direito públ ico interno, autarquia estadual integrante da administração
indireta, representado pelo Exmo. Sr. Superintendente, Dr.Ubirajara Tannuri
Felix, com sede nesta Capital, a Rua Boa Vista, 170, Bloco 5 - 11º andar; Sé,
DERSA – DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S.A., pessoa jurídica de direito
privado, sociedade de economia mista integrante da administração indireta,
como concessionária de serviço público, representada pelo Exmo. Sr. Diretor-
Presidente, Dr. Delson José Amador, com sede nesta Capital , a Rua Iaiá, 126;
Itaim Bibi, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:
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I - DA LEGITIMIDADE ATIVA
- Da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
1. A Defensoria Pública do Estado de São
Paulo tem legit imidade ativa para propor a presente, eis que, como instituição
essencial à função jurisdicional, a qual incumbe a defesa dos necessitados
(art. 134 da CF/88 e art. 103 da CESP/89) é órgão da administração pública,
pelo qual se concretizam objetivos fundamentais da repúbl ica, como o de
construir uma sociedade l ivre, justa e solidária, e mais especialmente o de
erradicar a pobreza e a marginalidade, reduzindo as desigualdades sociais e
regionais (art. 3º, incs. I e III da CF/88 c/c art. 3º da Lei Complementar
Estadual 988/06).
2. Com efeito, a Defensoria Pública do
Estado de São Paulo é órgão estatal, que representa adequadamente, haja vista
suas próprias funções institucionais, os interesses dos necessitados no âmbito
do processo coletivo.
3. Decerto, no presente caso, há pertinência
temática entre a defesa dos interesses das pessoas pobres, que constitui o
núcleo funcional da atuação da instituição, e a questão colocada na presente
ação, que diz com violação a ordem urbanística que afeta Comunidades
pobres.
4. Decerto, constitui atribuição
institucional da Defensoria Pública promover ação civi l pública para a tutela
de qualquer interesse difuso, coletivo e individual (art . 5º, inc. VI, alínea ‘g’
da Lei Complementar Estadual 988/06), sendo que qualquer Defensor Público
cumpre executar as atribuições institucionais da Defensoria Pública, na defesa
judicial, no âmbito coletivo, dos necessitados (art. 50 da Lei Complementar
Estadual 988/06).
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5. Assim, a Defensoria Pública se afirma
como instituição dotada de legit imidade autônoma, para a condução do
processo, no que disser respeito ao interesse coletivo dos necessitados.
6. Conforme ensina a Prof. Cláudia
Carvalho Queiroz:
“É certo que a Lei n. 7.347/85 – que
disciplina a ação civi l pública – só confere legit imidade
autônoma, concorrente e disjuntiva para a condução do
processo coletivo ao Ministério Público, União, Estados-
membros, Municípios, autarquias, empresas públicas,
sociedades de economia mista ou associações constituídas
há, no mínimo, um ano e que tenham entre as suas
finalidades institucionais a defesa dos interesses difusos,
coletivos ou individuais homogêneos pleiteados.
Apesar da "suposta" taxatividade do
rol elencado no art. 5º. da supracitada lei, os elaboradores
do Código de Defesa do Consumidor, inspirados na "class
action" do direito norte-americano, introduziram, entre as
normas de proteção a parte mais vulnerável da relação de
consumo, a tutela coletiva, conferindo, por meio da
disposição inserta no Título III, no inciso III do art. 82 do
aludido diploma legal, legit imidade para o ajuizamento
das ações colet ivas às entidades e órgãos da
Administração Públ ica, direta ou indireta, ainda que sem
personal idade jurídica.
Deste modo, diante da determinação
contida no art. 117 da Lei n. 8.078/90 de aplicação, no
que for cabível, dos disposit ivos constantes no Título II I
do CODECON para a defesa dos direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais, a doutrina e
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jurisprudência pátrias, embora de maneira ainda acanhada,
vêm firmando o entendimento de que, para fins de
publicização da ação civi l pública, deve-se ut i l izar um
cri tério pluralista, de forma a incluir entre os legit imados
para a propositura de tal ação até mesmo entidades ou
órgãos públicos sem personal idade jurídica.
Acrescente-se também que o art. 129,
§ 1º., da Constituição Federal assinala em termos
genéricos a legit imidade de "terceiros" para propor ação
civi l pública na defesa dos interesses metaindividuais.
Explicitando o entendimento supra,
Watanabe preleciona que:
Não se l imitou o legislador a
ampliar a legit imação para agir. Foi mais além.
Atribui legit imação ad causam a entidades e
órgãos da administração públ ica, direta ou
indireta, ainda que sem personalidade jurídica, o
que se fazia necessário para que os órgãos
públicos como o PROCON (Grupo Executivo de
Proteção ao Consumidor), bastante at ivos e
especializados em defesa do consumidor,
pudessem também agir em juízo, mesmo sem
personal idade jurídica.
Igualmente, Mancuso propõe que
"a melhor solução parece mesmo
ser a pluralista, isto é, a que abre uma
legit imação... di fusa a quem pretenda (e
demonstre idoneidade) para tutelar interesses
que são... metaindividuais."
Complementando a l ição, assevera
que:
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Presentemente, registra-se a
tendência a reconhecer legit imação para agir aos
grupos sociais de fato, não personificados. E
isso em função de duas considerações: a) a
natureza mesma da tutela aos interesses
metaindividuais conduz, de per si , a uma
legit imação... di fusa, de modo que pareceria
incoerente um excessivo rigor formal na
constituição de grupos ou associações que
pretendam ser portadores de tais interesses em
juízo; b) corolariamente, segue-se a desvalia da
exigência da personalidade jurídica como
pressuposto da capacidade processual em tem de
interesses difusos.
A bem da verdade, em tema de
interesses metaindividuais, o critério legit imante não
decorre da titularidade do direi to material requestado, mas
sim da idoneidade do seu portador, razão pela qual a Lei
Consumerista, acertadamente, outorgou legit imidade ativa
para a propositura de ações civis públicas a entidades ou
órgãos da administração públ ica direta ou indireta, ainda
que detentores de mera personalidade judiciária.
Assim sendo, nada obsta que a
Defensoria Pública, órgão públ ico essencial ao exercício
da função jurisdicional, proponha ações civis públicas
para defesa de interesses metaindividuais, sobretudo por
se tratar de instituição imbuída da função estatal de
prestar assistência jurídica integral e gratuita a todos
aqueles, individual ou colet ivamente considerados,
disponham de parcos recursos financeiros.
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Hugo Nigro Mazzil l i , apesar de
corroborar esse entendimento de possibil idade de inclusão
dos órgãos e entidades da administração pública entre os
legit imados ativos para propositura da ação civi l pública
ou coletiva, estabelece uma restrição, pontificando que:
Isso signif ica que órgãos públicos
especificamente destinados à proteção de
interesses transindividuais, ainda que sem
personal idade jurídica, autorizados pela
autoridade administrat iva competente, podem
ajuizar ações civis públicas ou coletivas, não só
em matéria defesa do consumidor, como também
do meio ambiente, de pessoas portadoras de
deficiência, de pessoas idosas, ou quaisquer
áreas afins, o que é conseqüência das normas de
integração entre a LACP e CDC. Esses órgãos
públicos não podem, sponte sua, ajuizar as
ações; dependem de autorização administrativa
competente (princípio hierárquico), que pode ser
específica ou genérica, mas, em qualquer caso,
sempre necessária.
Não obstante a proficiência do
magistério supra, discordamos da imprescindibil idade de
autorização da autoridade administrativa superior para
propositura de ações civis públicas por órgãos ou
entidades públicas, especialmente quando a mesma for
ajuizada pela Defensoria Pública.
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Após a publicação da Emenda
Constitucional de n. 45, em 31 de dezembro de 2004, o
legislador constituinte conferiu às Defensorias Públicas
autonomia administrativa, funcional e financeira, de forma
que não há como se vincular sua atuação a qualquer
autorização de autoridade superior, notadamente porque se
trata de órgão público absolutamente independente e sem
qualquer subordinação ao chefe da administração pública
direta.
Sobre o princípio da independência
funcional da Defensoria Pública, Marí l ia Gonçalves
Pimenta afirma que:
A instituição é dotada de autonomia
perante os demais órgãos estatais, estando imune de
qualquer interferência polít ica que afete sua atuação. E,
apesar do Defensor Público Geral estar no ápice da
pirâmide e a ele estarem todos os membros da DP
subordinados hierarquicamente, esta subordinação é
apenas sob o ponto de vista administrativo. Vale ressaltar,
ainda, que em razão deste princípio insti tucional, e
segundo a classificação de Hely Lopes Meirelles, os
Defensores Públicos são agente polít icos do Estado.
Bem assim, impende observar que,
consoante o preceito da unidade e da indivisibil idade, a
Defensoria Pública corresponde a um todo orgânico, não
estando sujeita a rupturas ou fracionamentos, de forma
que aos Defensores Públicos permite-se, no exercício do
mister de patrocinar a assistência jurídica gratuita aos
necessitados, substituir-se uns aos outros,
independentemente de qualquer autorização do Defensor
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Público Geral, haja vista que atuam sempre sob a ótica
dos mesmos fundamentos e finalidades.
Majore-se, ainda, que a jurisprudência
pátria vem acolhendo, sem maiores obstáculos, a
legit imidade da Defensoria Pública para propositura da
ação civi l pública, sendo válido colacionar os seguintes
arestos:
Direito Constitucional. Ação
Civil Pública. Tutela de interesses
consumeristas. Legitimidade ad causam do
Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria
Pública para a propositura da ação. A
legit imidade da Defensoria Pública, como órgão
público, para a defesa dos direitos dos
hipossuficientes é atr ibuição legal, tendo o
Código de Defesa do Consumidor, no seu art.
82, II I, ampliado o rol de legit imados para a
propositura da ação civi l pública àqueles
especificamente destinados à defesa de
interesses e direitos protegidos pelo Código.
Constituir ia intolerável discriminação negar a
legit imidade ativa de órgão estatal – como a
Defensoria Pública – as ações coletivas se tal
legit imidade é tranqüilamente reconhecida a
órgãos executivos e legislat ivos (como entidades
do Poder Legislativo de defesa do consumidor.
Provimento do recurso para reconhecer a
legit imidade ativa ad causam da apelante.
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Agravo de instrumento. Ação
Civil Pública. Defesa de direito coletivo.
Legitimidade ativa da Defensoria Pública.
Existência. Decisão que impede a interrupção do
fornecimento de energia elétrica motivada pelo
não pagamento das contas. Imperceptível a
necessária verossimilhança. Ausente a
razoabil idade, quando se premia a
inadimplência, pondo em perigo de colapso o
fornecimento de energia elétrica, levando,
assim, o risco de dano irreparável a toda a
coletividade. Recurso provido. Decisão cassada.
Ação Civil Pública – Defensoria
Pública – Legit imidade ativa – Crédito
educativo – Agravo de instrumento. Ação Civi l
Pública. Crédito Educativo. Legitimidade ativa
da Defensoria, para propô-la. Como órgão
essencial à função jurisdicional do Estado,
sendo, pois, integrante da Administração
Pública, tem a Assistência Judiciária
legit imidade autônoma e concorrente, para
propor ação civi l Pública, em prol dos
estudantes carentes, beneficiados pelo Programa
do Crédito Educativo. Assim, a decisão que
rejeitou a argüição de i legit imidade ativa,
levantada pelo Parquet, não lhe causou qualquer
gravame, ajustando-se, in casu, à restrição
acolhida na ADIN 558-8-RJ – Recurso reputado
prejudicado em parte e em parte desprovido.
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Irrefragável, pois, o reconhecimento
de legit imação ativa autônoma para a condução do
processo coletivo, concorrente e disjunt iva, à Defensoria
Pública, especialmente como forma de cumprimento do
comando constitucional de garantir aos necessitados o
pleno acesso à Just iça”. “A legit imidade da Defensoria
Pública para propositura da ação civi l pública”. Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 867, 17 nov. 2005.
Disponível em:
<http:// jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7566>.
7. E tanto é assim que, f inalmente, após
longo processo polít ico, foi conferida, finalmente, legit imidade a Defensoria
Pública para a propositura da ação civi l pública, nos termos da Lei 11.448/07,
que acrescentou a Lei 7.347/85, renumerando os demais, o inciso II. Verbis:
Art. 1º Esta Lei altera o art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de
julho de 1985, que discipl ina a ação civi l pública,
legit imando para a sua propositura a Defensoria Pública.
Art. 2º O art. 5o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985,
passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 5º Têm legit imidade para propor a ação principal e a
ação cautelar:
I - o Ministério Públ ico;
II - a Defensoria Pública;
II I - a União, os Estados, o Distri to Federal e os
Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade
de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos
da lei civi l ;
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b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção
ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à l ivre concorrência ou
ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico.
.... ... ... ... ... ... ... ... ... .. .... ... ... ... ... ... ... ... ... .. .... ... ..” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
8. Por f im, cabe salientar que a
legit imidade da Defensoria Pública para propor ação civi l pública em favor
dos necessitados foi reafirmada com a Lei Complementar 132/09, que
modificou a Lei Complementar 80/94, nos termos seguintes:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública,
dentre outras:
(.. .)
VII – promover ação civi l públ ica e todas as espécies de
ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos
difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o
resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas
hipossuficientes.
(.. .)
X - promover a mais ampla defesa dos direitos
fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direi tos
individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e
ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações
capazes de propiciar sua adequada e efet iva tutela;
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II – DOS FATOS
9. Desde o dia 08 de dezembro de 2009, a
Zona Leste de São Paulo tem enfrentado uma de suas maiores tragédias.
10. O evento, consistente na inundação dos
bairros adjacentes ao Rio Tietê, a montante da Barragem da Penha, fato de
repercussão nacional, deixou centenas de desabrigados, e outros milhares
expostos a graves ameaças a saúde física e espiritual.
11. A combinação entre os efeitos do ciclo
hidrológico e a morfologia da região, aliados às intervenções no corpo
d´água, bem como a forma desordenada de ocupação do solo urbano, e,
principalmente, à inoperância estatal, seja em relação a gestão do sistema de
saneamento, seja em relação ao seu planejamento, integram a fórmula
infalível para a produção da anunciada tragédia, nas proporções veri ficadas.
12. Muitas histórias de vidas tem sido
inteiramente carreadas pelas águas em minutos, horas, dias, e agora, mês,
redundando em prejuízos materiais, além de intenso sofrimento moral para
vastas camadas de moradores dos bairros atingidos.
13. É importante destacar, neste passo
inicial , que a elevada precipitação pluviométrica que incide historicamente
sobre São Paulo, no período de verão, não é fato desconhecido da ciência ou
das autoridades locais. E, frise-se, a precipitação ocorrida não foi
especialmente elevada.
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14. Decerto, tem-se que se considerar, como
fator para a eclosão dos fatos na forma e dimensão veri ficados, a
impermeabil ização do solo, decorrente, em parte, da ocupação das várzeas
pelas Comunidades pobres que, sem alternativa de moradia – e até com um
certo incentivo do Poder Público que disponibil izou infra-estrutura urbana no
local - acabou, ao longo destes últ imos trinta anos, promovendo,
progressivamente, o seu aterramento com a conseqüente diminuição da calha
do Rio Tietê.
15. No entanto, tal fator, embora relevante,
não constitui , por si só, explicação para os efeitos nefastos desta tragédia.
Decerto, historicamente, os principais fatores de aumento da vazão do Rio
Tietê foram as contínuas intervenções urbanísticas realizadas pelo Poder
Público desde o começo do século, na tentativa de “domar o rio”, através de
sua ret if icação, para permitir a expansão urbana e a respectiva implantação de
infra-estrutura, e o contínuo processo de degradação ambiental do Rio Tietê,
alvo de intensa ação poluidora a medida que o processo de urbanização
desordenada (impulsionada pela industrial ização) avançou, trazendo, a falta
de investimentos em saneamento básico, sua contaminação, por todo tipo de
dejetos industriais e domicil iares.
16. Tudo somado, o aterramento e
assoreamento do Rio Tietê, com a conseqüente diminuição da sua vazão,
tornou o seu entorno urbano, considerando, em especial, a expressividade dos
eventos pluviométricos sazonais que acontecem entre dezembro e março,
altamente expostos as inundações e as suas terríveis conseqüências.
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17. Não se nega que o Poder Público não
venha se esforçando na tentat iva de encaminhar soluções para garantir a
eficácia do sistema de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, e assim tentar
evitar os incalculáveis prejuízos ao meio ambiente, ao saneamento ambiental,
e, por extensão, a própria saúde pública, e, por outro lado, ao transporte,
enquanto elemento do sistema de desenvolvimento econômico: foram
canalizados rios serventes do Rio Tietê (Rio Cabuçu de Cima e Tamanduateí),
construídos reservatórios com função mista (Ponte Nova e Parait inga, em
Salesópolis; Birit iba, em Birit iba-Mirim) e, além de outros diversos pequenos
reservatórios (piscinões), e a ampliação e desassoreamento da calha do Rio
Tietê.
18. É bem verdade, por outro lado, que, não
obstante tais obras terem promovido de forma significativa o aumento da
vazão do Rio Tietê, eles vem tendo seu impacto reduzido, pois a quantidade
de resíduo lançada no Rio Tietê vem alcançando níveis alarmantes, o que
aponta para uma provável anulação dos seus benefícios. Decerto, só em 2008,
foram removidos 400 mil m3 de detritos do Rio Tietê.
19. A parte isto, o fato é que as várzeas do
Rio Tietê foram intensamente ocupadas pela população pobre, levadas pelo
incessante processo de exclusão sócio-terri torial que vem acompanhando o
crescimento desordenado das grandes cidades brasileiras, relegando
historicamente a população de baixa renda, face a ausência de alternativas
diante de uma polít ica de habitação de interesse social completamente
ineficaz, a ocupação de áreas de risco e de proteção ambiental.
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20. Assim é que o transbordamento do Rio
Tietê atingiu diversas comunidades ocupadas por população de baixa renda,
dentre elas Jardim Romano, Chácara Três Meninas, Vila das Flores, Jardim
São Mart inho, Vila Aimoré e Vila Itaim, afetando milhares de pessoas, ou,
mais ou menos exatamente, 9.907 pessoas.
21. Tal inundação provocou inúmeros danos
materiais e morais à população moradora de tais Comunidades. Decerto, a
inundação impôs a deterioração funcional das casas, por conta da danificação
da pintura, instalações de madeira (portas, janelas, portões, aduelas, piso),
instalação elétrica, e, em alguns casos, até danos estruturais, com a queda de
paredes e muros, além dos móveis integrantes dos lares (televisão, geladeira,
fogão, computador, sofá, cama, guarda-roupa, estante, etc), roupas e gêneros
alimentícios.
22. Por conta desta indescritível calamidade,
que talvez efetivamente só possa ser elucidada pelo testemunho das vít imas,
que começa pelo sentimento de impotência com relação à situação em si,
atravessado pela necessidade de sacrificar a tentativa de salvar bens
materiais, muitas vezes com significado afetivo, para preservar a própria
sobrevivência, passando pela angústia do abandono do Poder Público, eis que
não houve, a princípio, assistência imediata para remediar as necessidades de
subsistência, mas também aplacar o sofrimento psicológico decorrente da
tragédia, que, inclusive, só acabou por se intensificar, quando o Poder
Público, dando-se conta da gravidade do evento, passou a prestar algum
auxíl io, mas atribuindo a responsabil idade dos fatos as próprias Comunidades,
que teriam, supostamente, contribuído com a tragédia na medida em que
poluíam o Rio, ou a dramática imprevisibil idade da natureza, ou que se trata
de uma questão problemática histórica que só agora veio a ser enfrentada.
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23. Tais efeitos nefastos, porém, ainda vem
se multipl icando exponencialmente. De fato, após a enchente do Rio Tietê, as
Comunidades afetadas ficaram em constante contato com a água empoçada,
que exalava um mau cheiro pútrido e estava altamente contaminada, expondo-
as a uma plêiade de gravíssimas doenças infecto-contagiosas (que passam pela
leptospirose e cólera) durante cerca de 14 dias. Tudo isso em razão de uma
postura recalcitrante do Poder Público em encontrar soluções imediatas para a
drenagem das águas que, por conta do desnível desfavorável entre algumas
Comunidades e o Rio Tietê, da obstrução severa das “bocas de lobo”
entupidas e outros fatores ainda não completamente esclarecidos,
permaneceram sem escoamento natural, tornando tais Comunidades
verdadeiros reservatórios de água servida. Daí que, com uma nova onda de
fortes chuvas, o alagamento voltou tão pior que antes, submetendo, inclusive,
as populações afetadas a dolorosíssima e deprimente situação de passarem o
Natal e o Ano-Novo enfrentando as agruras desta nova enchente.
24. Nesse momento, o paroxismo do Poder
Público chegou ao seu clímax. Por estar supostamente paralisado diante dos
desafios que envolviam uma nova operação de drenagem e manejo de águas
pluviais, redobrou seus esforços em propor, pura e simplesmente, a remoção
imediata de quase toda a população at ingida. Para tanto ofereceu atendimento
habitacional de muita duvidosa qualidade, mesmo quando definit ivo, eis que
apontava para o reassentamento em áreas distantes, até mesmo fora do
Município, com uma infra-estrutura ainda pior, e que acabava por fraturar a
possibil idade da preservação das relações sócio-econômicas já estabelecidas
pela Comunidade no seu espaço de origem.
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25. Isto sem contar com a oferta
indiscriminada e maciça dos benefícios de auxíl io-aluguel, que envolve uma
ajuda financeira para o pagamento do aluguel enquanto se criam as soluções
de atendimento habitacional: com efeito, afora o fato de que tal valor (cerca
de R$ 300,00) ser absolutamente insuficiente para o pagamento de aluguel,
mesmo naquela região, além de não ter qualquer amparo legal ou
regulamentar, eis que não se trata do Bolsa-Aluguel ou Parceria Social, ou
qualquer outro programa de atendimento habitacional temporário conhecido.
26. Percebendo tais inconsistências, a
população das Comunidades afetadas tem se mostrado céticas com relação as
promessas do Poder Público, não tem aderido, substancialmente, ao
cadastramento que tem sido fei to, para atendimento habitacional, mesmo
diante do estímulo “as avessas”que representa a sua manutenção em condições
degradantes.
27. Com efeito, tal “transe” do Poder Público
é assaz incompreensível, diante, de um lado, das gravíssimas conseqüências a
saúde pública envolvidas pela continuidade desta situação de horror
paradoxal, e, de outro, da possibil idade mesma de se promover a drenagem
por bombeamento da água contaminada e empoçada, como aconteceu antes,
ainda que depois de passados 14 dias do primeiro evento de enchente.
28. Não é possível, decerto, que o Poder
Públ ico continue a postergar uma solução para o escoamento destas águas
contaminadas violando o direi to a vida e a saúde, e por tabela o direi to ao
saneamento ambiental, da população destas Comunidades, sob o
argumento de que, fatalmente, estas terão de ser removidas, especialmente
por conta do Projeto Várzeas do Tietê – Fase I, na medida em que, se tal
efetivamente tiver que acontecer, tal tem que ser resolvido mediante um
processo sustentável, que envolva gestão democrática, pela participação
da população no processo de escolha das áreas para reassentamento, nos
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exatos e precisos termos do art. 80, inc. XXVIII da Lei 13.430/02 (Plano
Diretor do Município de são Paulo) e não através de soluções prontas e
acabadas colocadas pelo Poder Públ ico, de forma impositiva e inegociável,
como vem sendo encaminhado, especialmente por conta dos Decretos de
declaração de interesse social, para desapropriação de 09 áreas para
construção conjuntos habitacionais (Decretos Municipais n°s 51.143/09 a
51.155/09).
29. Com efeito, ainda que não estejam
completamente esclarecidas as razões pelas quais o escoamento das águas
insiste em não ocorrer naturalmente, e de eventuais dificuldades técnicas
envolvidas, não é possível que esta situação de virtual calamidade pública não
seja resolvida de imediato, tomando-se, quando menos, repita-se, as mesmas
medidas que antes permitiram a drenagem e manejo destas águas servidas,
depois de 14 dias depois do primeiro evento de enchente, e, agora, de forma
contínua, até que sejam esclarecidas definit ivamente as razões da falta de
escoamento natural das águas, com, se o caso, seu adequado equacionamento.
30. Por conta disto, esta Defensoria Pública,
no âmbito do Procedimento de Tutela Coletiva NE-HABURB n° 61/2009, que
tem como objeto investigar as violações ao direito à moradia e à cidade das
Comunidades afetadas, propôs ao Poder Público as recomendações n° 01/09 e
02/09, a fim de orientar a atuação do Poder Público, mas também, por outro
lado, requisitar informações a respeito das providências que estariam sendo
tomadas.
31. No entanto, não houve resposta as
requisições de informações na maior parte dos pedidos, e, quando vieram, tais
se mostraram absolutamente insuficientes, lacunosas e vagas.
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32. Assim, não restou alternativa senão o
recurso ao Poder Judiciário, para ver restabelecido o respeito aos direitos
fundamentais à cidade sustentável dos cidadãos das Comunidades pobres
afetadas, esclarecendo-se que, oportunamente, tratar-se-á de propor a Ação
Civil Pública principal, que terá como objeto a responsabil ização civi l do
estado, e a obrigação de promover processo de planejamento, mediado pelas
exigências da gestão democrática da cidade, em que ocorra participação
popular, para se encontrar uma solução de compromisso entre o direi to ao
meio ambiente e à moradia, eventualmente dentro do próprio processo de
l icenciamento urbanístico e ambiental do Parque Várzeas do Tietê – Fase I,
projeto de saneamento ambiental do Estado de São Paulo, promovido pelo
DAEE e pelo DERSA, integrante do conjunto de medidas mitigatórias e
compensatórias do impacto ambiental do projeto de adequação viária da
Marginal Tietê, impostas pelo seu l icenciamento ambiental.
33. Com efeito, de um lado, o DAEE
promove uma licitação (Concorrência 012/DAEE/2009), que tem como objeto
a contratação de empresa a realização de Serviços Técnicos Especializados de
Levantamento da Situação Fundiária dos imóveis e do Gerenciamento Social
do Processo de Remoção e Reassentamento das Famíl ias na área de
abrangência do Programa Parque Várzeas do Tietê, nos Municípios de São
Paulo e Guarulhos, no Estado de São Paulo, e, de outro a DERSA promove
uma outra l icitação (Concorrência 015/2009), que tem como objeto, em
atendimento ao Convênio celebrado entre o Estado de São Paulo e a Prefeitura
do Município de São Paulo, visando o apoio mutuo para realização de obras e
medidas compensatórias ambientais decorrentes da implantação do projeto
“Adequação Viária da Marginal Tietê”, a viabil ização da execução das obras e
serviços de implantação de uma Estrada Parque com ciclovia, sendo que nesta
primeira fase, serão executadas obras num trecho de 25 km de extensão, ao
longo do rio Tietê, desde a barragem da Penha até a divisa com o município
de Itaquaquecetuba.
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II I – DO DIREITO
- Do Direito à Cidade Sustentável: o direito à cidade e o direito ao
saneamento ambiental
34. O Direito à cidade sustentável encontra
fundamento a partir da articulação entre o dever do Estado de promover as
funções sociais da cidade e da propriedade, de modo a ordenar o seu pleno
desenvolvimento, para garantia do bem estar da população, nos termos da
polít ica urbana definida pelo art. 182 da CF/88, e o dever de todos, inclusive
do Estado, de defender e preservar o meio ambiente equi l ibrado, para às
presentes e futuras gerações, nos termos do art. 225 da CF/88.
35. Assim é que à diretriz geral da polít ica
urbana, tal como definida na Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade,
regulamentadora do art. 182 da CF/88, que diz com a garantia das cidades
sustentáveis (art. 2º, inc. I), encontra seu lugar próprio.
36. Portanto, o Direito às Cidades
Sustentáveis se manifesta como ponto de encontro da compreensão de que o
espaço urbano, como meio ambiente construído, possui peculiaridades
próprias, que exigem atenção especial. Decerto, para que o espaço urbano
possa servir como suporte do bem estar das Comunidades urbanas, não só no
presente, mas no futuro também, exige-se nele a preservação de uma série de
funções sociais.
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37. O equilíbrio do meio ambiente
construído, com suas pecul iaridades, que exigem atenção especial para se
promover o bem estar das Comunidades urbanas, portanto, como se encontra
descrito nos dizeres do art. 2°, inc. I da Lei 10.257/01 – Estatuto da Cidade:
direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra estrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações.
38. O saneamento ambiental, nesse sentido,
integra esse conjunto de peculiaridades do meio ambiente construído que
merecem atenção especial, a fim de se promover o bem estar sanitário das
Comunidades urbanas.
39. O saneamento ambiental, com efeito,
envolve-se com a preocupação da proteção do meio ambiente sob a
perspectiva antropocêntrica, na medida em que um meio ambiente equil ibrado
proporciona as condições que sustentam a própria vida e saúde das populações
urbanas, reconhecendo-se, desde logo, que os assentamentos humanos são
fontes de poluição, que precisam ter o seu processo de relacionamento com a
natureza controlado.
40. Assim é que o saneamento ambiental
envolve, nos termos do art. 3° da Lei 11.445/07:
a) abastecimento de água potável:
constituído pelas at ividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao
abastecimento público de água potável, desde a captação até as l igações
prediais e respectivos instrumentos de medição;
b) esgotamento sanitário: constituído pelas
atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte,
tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as
l igações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente;
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c) l impeza urbana e manejo de resíduos
sólidos: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de
coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do l ixo doméstico e
do l ixo originário da varrição e l impeza de logradouros e vias públicas;
d) drenagem e manejo das águas pluviais
urbanas: conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de
drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para
o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas
pluviais drenadas nas áreas urbanas;
41. E, por sua vez, o serviço de saneamento
ambiental deve ser prestado segundo certos princípios fundamentais, que
apontam para a sua sustentabil idade social, polít ica e econômica, no sentido
de garantir-se o aproveitamento dos seus benefícios para as atuais e futuras
gerações, conquanto o serviço em si envolva, para além de recursos naturais,
recursos humanos que dizem com a preservação da civi l ização, no sentido da
art iculação do uso dos pressupostos físicos que suportam a mera vida
biológica pelo processo de construção dos modos de vida social e polít ica, do
homem em comunidade, segundo o nosso estágio de desenvolvimento cultural.
Assim é que o art. 2° da Lei 11.445/07 defina que o saneamento ambiental, ou
básico, deva ser prestado mediante:
a) universalização do acesso;
b) integralidade, compreendida como o
conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos
serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na
conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e
resultados;
c) abastecimento de água, esgotamento
sanitário, l impeza urbana e manejo dos resíduos sólidos real izados de formas
adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente;
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d) disponibil idade, em todas as áreas
urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à
saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado;
e) adoção de métodos, técnicas e processos
que considerem as peculiaridades locais e regionais;
f) art iculação com as polít icas de
desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de
sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de
relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para
as quais o saneamento básico seja fator determinante;
g) eficiência e sustentabil idade econômica;
h) uti l ização de tecnologias apropriadas,
considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções
graduais e progressivas;
i) transparência das ações, baseada em
regulamentos de informações e processos decisórios institucionalizados;
j) controle social;
k) segurança, qualidade e regularidade;
l) integração das infra-estruturas e serviços
com a gestão eficiente dos recursos hídricos.
42. Avulta, neste passo, salientar, de
imediato, de um lado, o direito ao abastecimento de água, esgotamento
sanitário, l impeza urbana e manejo dos resíduos sólidos real izados de formas
adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente, e, de outro, o
direito à drenagem e ao manejo das águas pluviais adequados à saúde pública
e à segurança da vida e do patrimônio público e privado. Tais direitos são
elementares, e sobre estes se articulam os demais direitos ao saneamento
ambiental. De fato, e aí que o direito fundamental à vida e saúde (arts. 5° e 6°
da CF/88), enquanto relacionado a qualidade física dos espaços urbanos,
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necessária a preservação dos processos civi l izatórios na urbe, ganha sua
dimensão fundamental.
43. Ora, em assim sendo, tais direitos
elementares de saneamento ambiental devem ganhar uma carga especial do
direito f i l iado à vida e à saúde: nesse sentido, tais direitos devem ser
considerados part icularmente em relação a sua inviolabil idade: o direi to à
vida e a saúde, no l imite, se sobrepõem, ou, quando menos, se harmonizam
vantajosamente, no confl i to com quaisquer outros direitos, fundamentais ou
não. O direito à vida e à saúde simplesmente são absolutos no grau máximo,
de modo que são (quase) que completamente imunes a restrições.
44. Em assim sendo, o direito ao saneamento
ambiental também deve ser interpretado neste sentido, de modo que nem
mesmo, no l imite, o descumprimento da função sócio-ambiental da
propriedade, da forma da irregularidade urbano-ambiental, pode justi f icar, a
rigor, a vedação ao acesso ao respectivo serviço público de saneamento
ambiental, muito embora possa fortalecer uma solução de compromisso
através do re-arranjo do assentamento, desde que, evidentemente,
disponibil izada, segundo os ditames, diga-se logo, da gestão democrática do
espaço urbano.
45. Neste sentido, portanto, é que deve-se
entender agora, os princípios da universalização do acesso, e a integração
funcional dos diversos serviços de saneamento básico: o acesso universal e a
integração funcional são conseqüências diretas da inviolabi l idade do direito à
vida e à saúde enquanto relacionadas a qualidade física dos espaços urbanos.
Não há, em absoluto, recusa possível ao acesso ao serviço, num primeiro
momento, e a prestação na medida da necessidade e eficácia na medida da
possibil idade, num segundo.
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46. Aqui apenas um pequeno, mais
importante, parênteses: o princípio da integração funcional acaba por impor
soluções de saneamento ambiental independente da sua possibil idade atual:
em outras palavras, ainda que não exista solução de acesso, é necessário criá-
la: a l imitação da medida da possibil idade atinge só, em tese, a eficácia do
serviço, não a sua realização.
47. Portanto, assim é que se coloca a questão
do saneamento básico: parte do saneamento ambiental que cuida,
especificamente, de promover o controle dos fatores de poluição do sistema
urbano, a f im de minimizar o seu impacto ambiental e, dessa maneira,
promover as funções sociais da cidade, a fim de possibil i tar o bem estar de
todos, nos termos do art. 182 da CF/88.
- Da Polít ica Nacional de Saneamento Básico e Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano
48. A polít ica de saneamento básico resta
disciplinada pela Lei 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o
saneamento básico, de forma articulada com a polít ica urbana, como atenção
especial específica para a necessidade da salubridade do espaço urbano tendo
em vista a sua sustentabil idade (art. 2º, inc. I da Lei 10.257/01 c/c art. 182 da
CF/88).
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49. Decerto, a polít ica de saneamento básico
resta integrada a polít ica de desenvolvimento urbano até como princípio
próprio, eis que o art. 2º, inc. V da Lei 11.445/07 impõe a art iculação das
polít icas de saneamento básico com as de desenvolvimento urbano e regional,
relativas à habitação, combate à pobreza e sua erradicação, de proteção
ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social
voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento
básico seja o seja fator determinante (art. 2°, inc. V da Lei 11.445/07).
50. Assim é que surge, como princípio da
polít ica de saneamento básico, os direi tos ao abastecimento de água,
esgotamento sanitário, l impeza urbana e manejo dos resíduos sólidos
realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio
ambiente, e à disponibil idade de, em áreas urbanas, de serviços de drenagem e
de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida
e do patrimônio públ ico e privado (art. 2°, incs. II I e IV da Lei 11.445/07).
51. Decerto, a ut i l ização inadequada dos
imóveis urbanos (art. 2º, inv. VI, alínea ‘a, da Lei 10.257/01 - Estatuto da
Cidade), através da instalação de equipamentos que promovam alterações no
curso e vazão dos corpos d´água e a impermeabil ização do solo, pela
implantação de assentamentos humanos, através de parcelamento do solo
excessivo ou inadequado em relação à infra estrutura urbana art. 2º, inv. VI,
alínea ‘c’, da Lei 10.257/01 - Estatuto da Cidade, que acaba dificultando a
infi l t ração pluviométrica, geram impactos ambientais relevantes, que
merecem cuidado na medida em que, voltando-se contra a própria
Comunidade, podem se constituir ameaças à saúde pública, à segurança à vida
e do patrimônio público e privado, impondo, por tabela, a deterioração das
áreas urbanizáveis, e a poluição e degradação ambiental (art. 2º, inv. VI,
alíneas ‘f” e ‘g’, da Lei 10.257/01 - Estatuto da Cidade.
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52. No entanto, mesmo tal ut i l ização
inadequada, como eventualmente se constata do uso do solo feito pelas
Comunidades pobres ocupantes das Várzeas do Rio Tietê, não pode justi f icar
a fal ta de acesso ao serviço de saneamento ambiental: decerto, pode
fortalecer, eventualmente, como se já se disse, uma solução de compromisso,
de compatibil ização entre o direito ao meio ambiente e à moradia das
Comunidades pobres, através do através do re-arranjo do assentamento, desde
que, evidentemente, disponibi l izada, segundo os ditames, diga-se logo, da
gestão democrática do espaço urbano (art. 2º, inc. II e IV da Lei 10.257/01),
sem prejuízo da tentativa de se promover, aliás, a regularização fundiária e
urbanística das ocupações de Comunidades de baixa renda, desde que
compatíveis com as exigências ambientais (art . 2º, inc. XIV da Lei 10.257/01,
c/c art. 54, § 1º da Lei 11.977/09, c/c art. 4º da Lei 4.771/65, c/c arts. 9 e
segts da Resolução CONAMA 369/06), particularmente em áreas de ZEIS (art.
4º, inc. V, letra ‘f ’, da Lei 10.257/01).
53. É neste sentido, portanto, que deve ser
interpretado o princípio da articulação das polí t icas de saneamento ambiental
e de desenvolvimento urbano: as polít icas de saneamento ambiental devem
estar a serviço das funções sociais da cidade e da conseqüente promoção do
bem estar de todos (art. 182 da CF/88), de modo a se promover a sua
sustentabil idade (art. 225 da CF/88 c/c art. 2º, inc. I da Lei 10.257/01),
impondo-se, no entanto, quando os assentamentos humanos acabem por
contrariar a própria função sócio-ambiental da propriedade (art. 5º, inc. XXIII
da CF/88), que ela aponte ora para uma solução de compromisso
compatibil izadora, seja com o re-arranjo do assentamento, segundo os ditames
da gestão democrática (art. 2º, inc. II e IV da Lei 10.257/01), seja com a
regularização fundiária e urbanística, atendidas as exigências ambientais (art.
2º, inc. XIV da Lei 10.257/01, c/c art. 54, § 1º da Lei 11.977/09, c/c art. 4º da
Lei 4.771/65, c/c arts. 9º e segts da Resolução CONAMA 369/06), mas nunca,
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de modo algum, ela serviria para justi f icar a falta de acesso ao serviço de
saneamento ambiental.
54. Com efeito, na concretização desse dever
de promover a sustentabil idade urbana com atenção especial ao saneamento
ambiental (ou básico), o Poder Públ ico tem que se valer dos instrumentos de
planejamento, na medida em que este concretiza o princípio da moralidade e
da eficiência na administração pública (art. 37, “caput” da CF/88), voltados
para a realização dos objetivos fundamentais da República, que dizem, em
especial, com o compromisso com o desenvolvimento, a erradicação da
pobreza e a promoção do bem-estar de todos (art. 3º, incs. II, III e IV da
CF/88), lembrando-se sempre que a atividade do planejamento de polít icas
públicas, como modalidade específica de intervenção do Estado no domínio
econômico, é obrigatória (art . 174 da CF/88), especialmente quando diz
respeito a função social da cidade e da propriedade (art. 182 e 183 da CF/88).
55. Percebe-se, portanto, que uma eventual
correção da não ut i l ização da propriedade segundo a sua função social,
quando disser respeito a Comunidades pobres, em respeito, particularmente ao
princípio do combate a pobreza (art. 3º, inc. II I c/c art. 23, inc. X da CF/88) e
do não-retrocesso dos direitos fundamentais (arts. 5º e 6º da CF/88), deve ser
fei ta de modo planejado, de modo a não comprometer a contínua
concretização dos direitos sociais fundamentais envolvidos no direito à
cidade: impõem-se, portanto, uma processual idade na solução corretiva,
mediada pela proporcionalidade: ou seja, impõem-se a realização de um
devido processo legal transformador, corretivo das inadequações da função
social da propriedade, levado a efeito através de instrumentos de
planejamento urbano, sempre, fr ise-se, acompanhado das exigências da gestão
democrática.
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56. Neste sentido, portanto, o planejamento
se insere como meio de realização do princípio da moralidade e da eficiência
na administração pública (art . 37, “caput” da CF/88), na medida em que o
Poder Público deve reconhecer a necessidade, a partir da própria premissa da
exigência de desenvolvimento (art. 3º, inc. II da CF/88), de definir objetivos
e ações estratégicas tendentes a promover a transformação da real idade, para
se realizar a justiça sócio-ambiental.
57. Com efeito, na medida em que se
reconhecer a necessidade de transformação da realidade, o Poder Público deve
assumir o compromisso ético e jurídico de conformá-la, valendo-se de
instrumentos que apontem para a responsabi l idade na condução deste
processo.
58. Ora, o planejamento é o instrumento por
excelência que atende a necessidade de se criar um “devido processo”
transformador, pois através dele o Poder Público assume a responsabi l idade
pública de encontrar os melhores meios para consecução dos objetivos e ações
estratégicas definidas pela lei, de modo a, inclusive, maximizar a eficácia
(econômica / social / ambiental) da atuação com o menor custo (econômico /
social / ambiental), a medida em que tais previsões, fundadas em estudos e
participação popular, são tornadas disponíveis para todos.
59. O contrario disto, ou seja, a formulação e
concretização de soluções não pensadas, ou, quando menos, não pensadas com
as Comunidades diretamente afetadas, pode expor estas soluções de
afogadilho a graves desvios, de modo a se criar, até, mais problemas que
soluções, ainda que eventualmente apenas deslocando o problema de lugar.
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60. Com efeito, na ausência de qualquer
planejamento, o risco de se, eventualmente, re-arranjar o assentamento em
local com oferta inadequada de equipamentos urbanos e comunitários,
transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da
população e às características locais (art . 2º, inc. V da Lei 10.257/01) cresce
exponencialmente, e, conseqüentemente, os riscos de inadequação dos gastos
públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, cresce na mesma medida
(art. 2º, inc. X da Lei 10.257/01).
61. Ou seja, o risco de se perpetuar o
urbanismo de risco, de modo a, na pior das hipóteses, promover a expulsão
sócio-territorial da população pobre para áreas ainda mais precárias do ponto
de vista de infra-estrutura urbana, e, na melhor, fazê-lo desconsiderando-se a
dinâmica das relações sócio-econômicas já estabelecidas no espaço de origem,
não é nada desprezível, pelo contrario, é muitíssimo provável.
62. Mas, independente disto, a importância
do planejamento mediante gestão democrát ica, em part icular, é fundamental
quase por si só: ela promove a dignidade da pessoa humana na exata medida
em que promove a cidadania (arts. 1º, incs. II e III da CF/88), sendo, de
longe, o principal fator de sustentabil idade urbana: de fato, é o que torna a
cidade espaço da l iberdade e da polít ica, e, conseqüentemente, das práticas
civi l izatórias, e, por oposição, o que impede a cidade de tornar-se espaço da
mera produção e consumo de mercadorias, do encontro e desencontro marcado
pela tão só necessidade de produzir e consumir para sobreviver, mas não
como homens, mas como máquinas.
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- Da Jurisdição Constitucional e dos Objetivos Fundamentais da República
63. Cabe ressaltar, agora, o objetivo
renovado da própria Jurisdição, que, nessa medida, torna-se elemento de
inclusão social, que tem sua legit imidade na medida que atua no sentido da
realização dos objetivos republicanos fundamentais (art. 3º da CF/88),
64. Com efeito, na l ição do Prof. Jonatas
Luiz Moreira de Paula,
“.. . a jurisdição é uma atividade que se
destina à formação e composição de uma sociedade l ivre,
justa e solidária, onde está garantido o desenvolvimento
social nacional, com a pobreza e a marginalização
erradicados e reduzidas as desigualdades sociais e
regionais, com a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
formas de discriminação.
Este é o t ipo de sociedade que se
busca formar; noutras palavras, a sociedade justamente
constituída, é o ‘todo’ que se busca construir mediante o
consórcio de esforços dos demais setores da sociedade e
do Estado, sendo a atividade jurisdicional um dos
elementos de formação.
Não se pretendeu quali f icar a
jurisdição como ‘instrumento’ de inclusão, visto que se
busca algo mais do que um simples caráter adjetivo do
direito processual ou da atividade jurisdicional. Neste
particular, a atividade jurisdicional, e implicitamente o
direito processual, assume um caráter material, à medida
em que passa a compor a ordem social.
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De igual forma, a jurisdição é algo
mais que um ‘meio’ de inclusão social, porque a atividade
jurisdicional esta incluída no comprometimento dos f ins
do Estado. Se fosse um simples ‘meio’ não se perceberia
este compromisso, mas uma simples atividade de mero
exercício, à margem dos fins do Estado.
Daí que, por ser elemento, significa
que a jurisdição integra o ambiente social complexo e
desigual e tem por essa razão essencial o cumprimento dos
fins delineados no art. 3º, da CF. Por isso, a atividade
jurisdicional é teleologicamente, uma at ividade material ,
tendo em vista que visa a promoção da just iça social,
alterando substancialmente o ambiente em que está
inserida.
Não cumprindo com os f ins
determinados no art. 3º, da CF/88, a jurisdição torna-se
‘elemento estranho’, uma parte que não colabora com o
‘todo’ e que não constrói. Assim ocorrendo, a jurisdição
padeceria de legit imidade no plano polít ico e atuaria em
simples conservação de direitos no plano do ordenamento
jurídico, estancando o desenvolvimento e a promoção
social” (A Jurisdição como elemento de inclusão social –
revitalizando as regras do jogo democrático, 1ª Edição,
2002, Ed. Manole, pág. 87-88).
65. É preciso dizer, neste passo, que a
legit imidade procedimental da jurisdição não deve signif icar arbítrio, com a
decisão judicial representando sua vontade de tornar seus valores dublando a
vontade do direito, mas sim um autêntico discurso sobre a autoridade, isto
sim, dos direitos fundamentais, que são os que efetivamente estão em jogo na
solução do problema posto em questão.
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66. Em verdade, o judiciário tem
legit imidade para o exercício do controle das políticas públicas, não obstante
não tenha investidura democrática. Decerto, sua legit imidade não é polít ica,
mas sim constitucional: sua missão é garantir o exercício das polít icas
públicas tal como elaboradas pelo legislador diante do administrador, a fim de
dar efetividade aos direitos fundamentais. Com efeito, na l ição do Prof.
Américo Bedê Freire Júnior
“Claro que existe legit imidade do juiz
para atuar além da lei, mas tal si tuação depende de uma
fundamentação adequada. Nesse diapasão, Aury Lopes Jr.
Afirma com propriedade que ‘a legit imidade democrática
do juiz deriva do caráter democrático da Constituição, e
não da vontade da maioria. O juiz tem uma nova posição
dentro do Estado de Direito e a legit imidade de sua
atuação não é polít ica, mas constitucional, e seu
fundamento é unicamente a intangibil idade dos direitos
fundamentais. É uma legit imidade democrática, fundada
na garantia dos direitos fundamentais e baseada na
democracia substancial ’
Frise-se que, quando se reconhece a
legit imidade do juiz para atuar além da lei , isso não
significa que o juiz está colocado acima dela. Colocar o
juiz acima do legislador é repetir o erro que se crit ica
(superioridade do legislat ivo, ou do executivo) (grifo
nosso), apenas mudando o conteúdo subjetivo do erro. (. ..)
Não se quer uma nova ditadura, agora,
de juízes, pelo contrário, o que se pretende é a prevalência
dos direitos humanos e, para tanto, não se concebe o Juiz
Pilatos, ou seja, o que não pretende assumir sua
importantíssima missão na nova ordem constitucional.
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NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO
Como foi dito (...), há uma rediscussão
da própria noção de democracia, o que implica não ser,
necessariamente, o voto o único fator de legit imação.
Ademais, para uti l izar uma expressão
tão cara a doutrina norte-americana, os juízes são um
poder contramajoritário, para resist ir, como lembra John
Elster, comparando a Odisséia de Homero aos cantos das
sereias.
A regra da maioria não pode ser
absoluta, sob pena de superarmos a ditadura de um tirano
e criarmos a ditadura da maioria (mil t i ranos). Afirmar,
portanto, o caráter contramajoritário de um poder em nada
significa retirar a sua legit imidade, pois, repita-se,a
legit imidade dos juízes decorre da própria Constituição e
da fundamentação de suas decisões. Referente a isso
Thomas Fleiner pontifica:
‘A democracia existe para a maioria
étnica (ou econômica) (grifo nosso). O Estado uti l iza a
roupagem consti tucional e democrática para dissimular a
discriminação humilhante da maioria’
‘A democracia não deve ser
compreendida como forma estatal de dominação da
maioria, pois esta pode não ter razão. Os direitos
humanos, por exemplo, nunca devem ser sacri ficados em
favor dos interesses da maioria’
Ademais, devemos lembrar, com José
Adércio Leite, que ‘a concepção de democracia, como se
defende neste artigo, não se reduz a meros procedimentos
de seleção de dir igentes, nem a identidade necessária
entre a vontade da maioria ou da opinião públ ica com a
vontade de Deus. A vi tória eleitoral não importa a
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escravidão silenciosa dos derrotados, nem a apuração
momentânea e circunstancial de uma opinião pública, sem
apoio em reflexões e debates suficientemente informados,
reveladora apenas de emoção ou de slogans de
propagandas polít icas bem-sucedidas’
Há muito que já foi dito que a eleição
não corresponde a um cheque em branco e que, portanto, a
atuação parlamentar deve respeito à Constituição, devendo
o magistrado ter sensibil idade para permitir que a
Constituição seja respeitada pelas forças polít icas.
Nessa alheta, ainda é de lembrar as
ponderações de David Diniz ao destacar que, ‘centrando-
se o foco nos direi tos fundamentais, o papel do juiz –
tomando-se por referência o estado constitucional – é de
garantidor da intangibil idade dos direitos individuais do
cidadão e não de protetor dos interesses da maioria. Como
observa Pawlowski, o juiz que assegura autonomia privada
ao cidadão é essencial ao Estado de Direito na medida e
que garante que o princípio democrático não terminará em
ditadura da maioria’
É claro que tal missão, o controle da
polít ica pelo direito, não é fácil. Klaus Stern lembrou-se
em palestra:
‘Como minha pátria, o País no qual
tenho a honra de proferir esta palestra viveu tempos de
ditadura. Nós brasileiros e alemães, sabemos, portanto,
que, na história, sempre foi mais difíci l submeter o Poder
ao Direito do que o Direito ao Poder. Se criarmos agora
Estados Democráticos de Direitos, temos um elevado bem
a preservar’
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A atuação do juiz deve ser tal na
efetivação das normas constitucionais, especialmente dos
direitos fundamentais, mesmo que isso implique
desagradar maiorias ocasionais. Claro que deve ter todo o
cuidado nessa missão, pois, como alertou Germana
Moraes:
‘Grande, enorme, imensa, gigantesca é
a responsabil idade do juiz constitucional – ao atribuir
corpo e alma aos princípios, ao dar vida à Constituição:
cabe a ele l ibertar os princípios de sua sina escorpiônica –
de sua tendência auto-destrutiva, que ameaça a prática de
injustiça em nome da justiça de que eles (os princípios)
pretendem realizar. Cabe ao juiz constitucional estar
atento para que, em nome dos princípios constitucionais,
mais injustiças não sejam perpetradas.
Cabe também a ele, o juiz
constitucional, escapar das armadilhas do escorpião e de
ser ele próprio um. Relembrando a famosa fábula, quando
era transportado nas costas de um sapo, na travessia de
caudaloso rio, o lacraio pica o batráquio, provocando o
naufrágio dos dois.
É preciso cuidar para que não
soçobrem juntos juiz e princípios constitucionais’
Pretende-se uma postura mais ativa do
Poder Judiciário, visando preservar a Consti tuição de
polít icas indevidas ou de sua falta.
Cabe, por fim, trazer a bai la precisa
decisão do Min. Celso de Mello, assim resumida e
vaticinando o efet ivo controle judicial de polít icas
públicas: ‘ADPF – Polít icas Públicas – Intervenção
Judicial – Reserva do Possível (Transcrições) ADPF 45
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mc/df, rel. Min. Celso de Mello, ementa: Argüição de
descumprimento de preceito fundamental. A questão da
legit imidade constitucional do controle e da intervenção
do Poder Judiciário em tema de implementação de
polít icas públicas, quando configurada hipótese de
abusividade governamental. Dimensão polít ica da
jurisdição consti tucional atribuída ao STF.
Inoponibil idade do arbítrio estatal à efetivação dos
direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relat ivo
da l iberdade de conformação do legislador. Considerações
em torno da cláusula da reserva do possível. Necessidade
de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e
da intangibil idade do núcleo consubstanciador do mínimo
existencial. Viabil idade instrumental da argüição de
descumprimento no processo de concretização das
l iberdades posit ivas (direitos fundamentais de segunda
geração)” (O Controle Judicial de Polí t icas Públicas, RT
Editora, 1ª Edição, págs. 58-63).
IV- DO PEDIDO
67. Isto posto, requer-se de V. Exa.:
a) que determine a citação dos Corréus,
para que, querendo, responda à presente ação, sob pena de revelia;
d) a intimação do I. Representante do
Ministério Público, nos termos do art. 5º, § 1º da Lei 7347/85;
c) que julgue procedente a ação para que
1) determinar aos Correus, em particular
ao Município de São Paulo e o DAEE, que:
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- promovam a drenagem e manejo das águas pluviais nas
Comunidades afetadas, com o funcionamento de motobombas, especialmente
na Ruas Capachos, e demais local idades afetadas pela enchente, em período
integral, evitando-se alagamentos e, conseqüentemente riscos à saúde e a vida
dos moradores;
- executem a l impeza de toda a margem do Rio Tietê, com a
desobstrução de todos os obstáculos que impeçam o escoamento natural das
águas, mantendo-se apenas as moradias precárias que tenham condições
estruturais de segurança, da Barragem da Penha ate os l imites do Município
de São Paulo com o Município de Itaquaquecetuba;
- executem imediatamente o serviço de l impeza de bocas-de-lobo
e poços de visita; galerias de águas pluviais; córregos local izados próximos
do Jd. Romano, Chácara Três Meninas, Vila das Flores, Jardim São Martino,
Vila Aimoré e Vi la Itaim;
- executem efetivamente o serviço de varrição na Região do Jd.
Romano, Chácara Três Meninas, Vila das Flores, Jardim São Martino, Vila
Aimoré e Vila Itaim, evitando-se a poluição difusa, bem como problemas no
sistema de drenagem urbana;
- executem a efetiva fiscal ização para impedir o sistema cruzado
de esgotamento sanitário no sistema de drenagem urbana, com a adoção das
medidas cabíveis para a melhoria do serviço.
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2) determinar aos Corréus, em particular
ao Município de São Paulo e ao Departamento de Água e Energia Elétrica
(DAEE) que se abstenham de promover qualquer intervenção urbanística nas
Comunidades pobres afetadas pelas enchentes na Zona Leste, desde 08/12/09,
envolvendo o Jardim Romano, Chácara Três Meninas, Vi la das Flores, Jardim
São Martinho, Vila Aimoré e Vila Itaim, tendente a remoção da população
local, salvo em caso de situação de risco diante da instabil idade do solo das
margens do Rio Tietê, sem que antes se promova um processo de
planejamento, mediado pelas exigências da gestão democrática da cidade, em
que ocorra participação popular, para se encontrar uma solução de
compromisso entre o direito ao meio ambiente e à moradia, eventualmente
dentro do próprio processo de l icenciamento urbanístico e ambiental do
Parque Várzeas do Tietê – Fase I;
d) a concessão de l iminar, nos mesmos
termos do pedido principal, sob pena de multa diária, de acordo com o
art. 11 da Lei 7.347/85, de R$ 50.000,00, para:
68. Provará a Autora o alegado por todos os
meios de prova em direito admitidos, em especial, pelo depoimento pessoal
dos representantes legais da Ré, sob pena de confesso, oit iva de testemunhas,
a serem oportunamente arroladas, perícia, e pela juntada de documentos,
inclusive através da expedição de ofícios.
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69. Atribui-se à causa o valor de R$
100.000,00.
Termos em que,
P. deferimento.
São Paulo, 11 de janeiro de 2010.
Carlos Henrique A. Loureiro
Defensor Público
Coord. do Núcleo de Habitação e Urbanismo
Bruno Ricardo Miragaia de Souza
Defensor Público
Coord. Aux. do Núcleo de Habitação e
Urbanismo