a garantia da ordem pública como fundamento da prisão cautelar

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  • ESCOLA DE FORMAO

    A garantia da ordem pblica como fundamento da priso cautelar:

    a Constituio como marco

    Monografia apresentada Sociedade Brasileira de Direito Pblico como trabalho de concluso do curso da Escola de Formao do ano de 2008.

    Autor: Joo Bosco Leite dos Santos Junior Orientador: Marta Rodriguez de Assis Machado

    Banca examinadora:

    Marta Saad e Jos Rodrigo

    So Paulo 2008

  • 2

    Resumo:

    O presente trabalho procurar responder, basicamente, a trs

    perguntas, a saber:

    a) Quais os contedos emprestados pelo Supremo ao fundamento da

    priso cautelar que se tem em mira garantia da ordem pblica?

    b) possvel sustentar a natureza cautelar das prises ancoradas na

    garantia da ordem pblica apreciadas pelo STF, ou, de outra sorte, as

    referidas custdias estariam voltadas promoo de necessidades

    estranhas quelas decorrentes do prprio funcionamento de processo

    penal, seja quanto aos seus meios (viabilizao do fluxo tranqilo da

    persecuo penal), seja quanto aos seus fins (asseguramento da

    efetivao dos resultados do processo)?

    c) A promulgao da Carta de 1988, que assegurou o direito fundamental

    a no considerao prvia de culpabilidade, consagrando, por esta feita, a

    natureza cautelar de todas as prises deflagradas antes do trnsito em

    julgado de sentena penal condenatria, motivou, no Supremo, alguma

    mudana de entendimento na matria que se tem em tela garantia da

    ordem pblica como fundamento da priso cautelar?

    Palavras-chave: Constituio Federal; Processo Penal; Medidas Cautelares; Prises Cautelares; Garantia da Ordem Pblica

  • 3

    Sumrio

    1. Introduo 5

    2. Breve Escoro Terico 8

    3. Captulo Metodolgico 13

    4. Do Perodo Pr-Constitucional 16

    4.1. Da Periculosidade do Agente (ou da suposio de que o agente tornar a

    delinqir) 19

    4.1.1. A Personalidade do Indivduo 29

    4.1.2. Os Antecedentes do Indivduo 30

    4.1.3. As Circunstncias do Crime 30

    4.1.4. A Personalidade e os Antecedentes do Individuo 31

    4.1.5. A Personalidade do Indivduo e as Circunstncias do Crime 32

    4.1.6. Os Antecedentes do Indivduo e os Motivos do Crime 34

    4.1.7. Os Antecedentes do Indivduo e as Circunstncias do Crime 34

    4.1.8. Elemento de convencimento no apontado 34

    4.1.9. A Presuno de Periculosidade do Traficante de Drogas Ilcitas 35

    4.2. Do Clamor Pblico 38

    4.2.1. O Clamor Pblico e a Credibilidade do Estado e da Justia 46

    4.2.2. O Clamor Pblico e a Segurana do Imputado 47

    4.2.2.1. Na Primeira Turma 48

  • 4

    4.2.2.2. Na Segunda Turma 51

    4.3. A Periculosidade do Agente e o Clamor Pblico 53

    4.4. Da Gravidade do Delito 55

    5. Do Perodo Constitucional 58

    5.1. Ainda a Periculosidade do Agente (ou da suposio de que o agente tornar

    a delinqir) 62

    5.2. O Clamor Pblico 65

    5.3. A Periculosidade do Agente e o Clamor Pblico 68

    5.4. A Gravidade do Delito 80

    6. Concluses 86

    Referncias 88

    Apndices 91

  • 5

    1. Introduo

    Poucas expresses presentes em nosso Cdigo de Processo Penal so to

    abertas quanto a que hora se pretende examinar, qual seja, garantia da ordem

    pblica.

    No obstante a existncia de esforos doutrinrios no sentido de deduzir

    diretamente da letra da lei possveis sentidos para essa frmula, entendemos

    no ser possvel apreender toda a sua singularidade sem que se atente para o

    que firmado pelos tribunais. Essa suposio, ainda que no assumida

    expressamente, visualizada em muitos trabalhos doutrinrios sobre o tema,

    nos quais se procede definio do que venha a ser a garantia da ordem

    pblica a partir das proposies preconizadas pelos juzes e pelos tribunais.

    Com efeito, contrariando-se o fluxo tradicional, observa-se, na matria, a

    doutrina se construindo a partir da jurisprudncia e no o contrrio.

    Como no poderia ser diferente, este trabalho possui limitaes, que nos

    cumpre destacar desde logo. Sem embargo, to importante como apresentar

    concluses sobre um problema de pesquisa apontar as concluses que no

    podem ser extradas da pesquisa desenvolvida.

    Desse modo, devemos deixar consignado, em primeiro lugar, que no

    pretendemos analisar como o Poder Judicirio, de modo geral, aborda a questo

    em tela, mas, de outra sorte, apenas como o seu rgo de cpula, o Supremo

    Tribunal Federal (STF), lida com o tema.

    Em segundo lugar, salientamos que nosso esforo analtico se concentrou

    apenas sobre decises colegiadas (acrdos) publicados no stio oficial do STF na

    internet. Logo, decises no publicadas no foram objeto de estudo, o que,

    entretanto, no dever representar problema relevante, j que o nmero de

    acrdos disponveis e analisados bastante expressivo (117 documentos).

    Por ltimo, ainda que no menos importante, devemos destacar a

    limitao decorrente do recorte temporal empreendido. Como possvel

  • 6

    depreender do ttulo do trabalho, escolhemos a promulgao da Constituio

    Federal como marco para o desenvolvimento da pesquisa. Essa escolha se

    justifica a partir daquela que a principal hiptese desse estudo, qual seja a

    existncia de relao entre a ordem poltico-social vigente e a concepo

    dominante de sistema penal, em geral, e de processo penal, em especial.

    dizer: o processo penal autoritrio est para o Estado autoritrio assim como o

    processo penal democrtico est para o Estado democrtico.

    Certamente, a promulgao da Carta de 1988 o mais importante feito do

    processo de redemocratizao do pas. Entretanto, no obstante a importncia

    do Texto Magno na conformao de uma nova estrutura social, entendemos que

    democracia no se promulga, mas, de outra sorte, se constri historicamente, e

    esse processo de edificao da democracia brasileira no pode ser compreendido

    sem que se tenha em conta a participao de seus atores, dentre os quais o

    Supremo se destaca.

    Pode parecer inconcebvel pretender aquilatar o grau de participao do

    STF na consolidao da nossa democracia a partir de critrio to estreito, a

    saber, a posio da corte sobre a decretao de prises cautelares fundadas na

    garantia da ordem pblica. Sem embargo, no esse o nosso objetivo.

    De outra sorte, supusemos que a porosidade da expresso garantia da

    ordem pblica impe ao intrprete, no esforo para dar contedo a tal frmula,

    um exerccio hermenutico que muito pode revelar sobre as concepes jurdico-

    penais que lhe orientam.

    Com efeito, de se esperar do hermeneuta de vis democrtico

    interpretaes mais rigorosas, restritivas, do dispositivo em comento, de modo a

    melhor tutelar o direito fundamental liberdade. Por outro lado, do intrprete de

    orientao autoritria no se espera seno interpretaes bastante elsticas da

    referida frmula, que se satisfar com os mais variados contedos. Isto, nem

    preciso comentar, se processa em desfavor do status libertatis do imputado.

    Assim, intentamos avaliar, a luz da jurisprudncia firmada pelo STF, em

    que medida o processo de redemocratizao do pas se fez acompanhar por

    avanos no tocante ao processo penal, cuja natureza pode ser, em linhas gerais,

  • 7

    vislumbrada a partir dos critrios utilizados para a decretao de prises

    cautelares. Para tanto, analisamos os acrdos prolatados no espao temporal

    compreendido entre os dias 05/10/1978 e 05/10/1998, ou seja,

    respectivamente, dez anos antes e dez anos depois da promulgao da Carta

    Magna.

    Obviamente, no possvel extrair desse trabalho concluses precisas

    sobre o entendimento do Supremo acerca da matria em perodos no cobertos

    pela pesquisa.

  • 8

    2. Breve escoro doutrinrio

    Antes de iniciarmos a anlise do grupo de acrdos selecionado

    importante que registremos, ainda que de forma breve, algumas consideraes

    sobre o papel das prises cautelares no processo penal.

    As prises cautelares so espcies de medidas cautelares previstas na

    legislao processual penal.

    Havendo, certamente, um lapso temporal entre a prtica do fato reputado

    delituoso e o provimento final da justia penal, possvel que em tal nterim se

    faam necessrias algumas providncias de cautela, seja para viabilizar o fluxo

    tranqilo da persecuo penal, seja para assegurar a efetivao dos resultados

    do processo.

    Dentre as tais medidas cautelares, destacam-se, pelo gravame imposto ao

    apontado agente, as prises cautelares.

    Utilizaremos a expresso priso cautelar para designar toda priso

    deflagrada antes do trnsito em julgado de sentena penal condenatria. Esta

    providncia decorre do direito fundamental no considerao prvia de

    culpabilidade, que, inscrito no Art. 5. , LVII da Carta Magna, constitui relevante

    inovao em relao s Cartas anteriores.

    Entendemos que o direito fundamental veiculado pelo Art. 5. , LVII, CF

    consagra a natureza cautelar de toda e qualquer priso decretada antes do

    trnsito em julgado de sentena penal condenatria, de tal sorte que, se a ordem

    constitucional anterior conviveu sem mais problemas com a imposio de

    sanes penais antes de transitada em julgado sentena penal condenatria

    exemplos de tais sanes penais antecipadas so as interdies provisrias de

    direitos e as medidas de segurana provisrias -, a ordem constitucional

  • 9

    naugurada em 05/10/1988 no se coaduna com a imposio de sanes penais

    antes de afirmada definitivamente a culpa do imputado 1.

    Com efeito, no h que se confundir a priso cautelar com a priso penal.

    dizer: a ordem jurdico-constitucional brasileira claramente incompatvel com

    antecipao de tutela penal, seja a que ttulo for, de modo que as prises

    cautelares funcionam como coeres voltadas a atender necessidades do prprio

    processo, seja quanto aos seus meios, seja quanto aos seus fins.

    Todas as medidas cautelares so marcadas pela nota da necessidade. Com

    as prises cautelares no poderia ser diferente 2. Desta feita, fundamentar um

    decreto de priso no seno declinar elementos que indiquem a necessidade

    dessa coero processual. E no s o Cdigo de Processo Penal, em seu Art. 315,

    como tambm a Constituio Federal, esta em seu Art. 5. , LXI c/c Art. 93, IX,

    exigem que sejam fundamentadas todas as decises que decretem prises.

    Como consabido, o referido Art.315, CPP trata especificamente de uma

    modalidade de priso cautelar, a saber, a priso preventiva. Entretanto, a

    doutrina se inclina, a partir de uma leitura constitucional do Cdigo de Processo

    Penal, no sentido de entender estendvel a todas as modalidades de priso

    cautelar o que exigido para a fundamentao do decreto de priso preventiva.

    Conforme Luiz Flvio Gomes:

    O eixo, a base, o fundamento de todas as prises cautelares no

    Brasil residem naqueles requisitos da priso preventiva. Quando

    presentes, pode o juiz fundamentadamente decretar qualquer

    priso cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de

    reincidente ou de quem no tem bons antecedentes, ou de crime

    hediondo ou de trfico, no pode ser decretada a priso antes do

    trnsito em julgado da deciso 3.

    Com efeito, a necessidade cautelar deve acompanhar toda priso levada a

    efeito antes do trnsito em julgado da sentena penal condenatria. Estando

    1 A. SCARANCE FERNANDES, Processo Penal Constitucional, 2. ed., rev. e atual., So Paulo, RT, p. 289. 2 M. L. KARAM, Priso e Liberdade Processuais, in Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 2, So Paulo, abr jun 1993, p. 84. 3 In Revista Jurdica, n. 189, Porto Alegre, Editora Sntese Ltda., jul 1994. Fonte bibliogrfica citada por Fernando da Costa Tourinho Filho.

  • 10

    refutada a possibilidade de antecipar-se a tutela penal, h que se consignar que

    tal cautela s se justifica a partir de necessidades decorrentes do prprio

    processo penal, seja para que se tutele o seu bom andamento tutela de meios

    -, seja, de outra sorte, para que se resguarde a efetivao de seus resultados

    tutela dos fins 4.

    Sem embargo, a priso durante o processo s se justifica se revestida de

    natureza cautelar, ou seja, se for necessria em face de elementos concretos da

    causa 5.

    Esses elementos concretos devem evidenciar a presena dos requisitos

    para a priso cautelar, que so dois, a saber:

    - o fumus boni iuris, ou fumaa do bom direito, que, de maneira geral, indica a

    viabilidade do direito alegado e, no processo penal condenatrio se concretiza

    pela constatao de elementos indicadores de existncia do crime e da autoria 6;

    - o periculum in mora, que se consubstancia no risco de diminuio ou anulao

    da eficcia do provimento jurisdicional, em face do retardamento devido

    natural lentido do processo 7. No processo penal, especificamente, convm

    falar em periculum libertatis, ou seja, no risco de que, com a demora do

    julgamento, possa o acusado, solto, impedir a correta soluo da causa ou a

    aplicao da sano punitiva 8.

    Jlio F. Mirabete, ao tratar da priso preventiva como dito, modalidade

    de priso cautelar que serve de padro para todas as demais -, aponta como

    fundamentos dessa coero processual a garantia da ordem pblica, a garantia

    da ordem econmica, a convenincia da instruo criminal e o asseguramento da

    aplicao da lei penal, conforme o previsto no Art. 312, CPP. Segundo o referido

    4 R. DELMANTO Jr. , As Modalidades de Priso Provisria e seu Prazo de Durao, Rio de Janeiro, Renovar, 1998, pp. 69 e 148. 5 A. SCARANCE FERNANDES, Processo Penal Constitucional, 2. ed., rev. e atual., So Paulo, RT, p. 289. 6 Ibid. 7 M. L. KARAM, Priso e Liberdade Processuais, in Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 2, So Paulo, abr jun 1993, p. 84. 8 A. SCARANCE FERNANDES, loc. cit.

  • 11

    autor, preocupa-se a lei, assim, com o periculum in mora (periculum libertatis,

    neste estudo), fundamento de toda medida cautelar 9.

    Sem embargo, facilmente se vislumbra a finalidade cautelar da priso

    preventiva nas expresses convenincia da instruo criminal e assegurar a

    aplicao da lei penal, presentes no referido Art. 312, CPP. A priso preventiva

    decretada por convenincia da instruo criminal funcionaria como ntida tutela

    de meios para o processo, ao passo que a priso decretada para assegurar a

    aplicao da lei penal denotaria tutela voltada aos fins do processo, com vistas

    eficcia de eventual condenao 10.

    Com efeito, parecem satisfeitas as necessidades cautelares do processo

    com a s possibilidade de deflagrao de coero processual com base em

    qualquer dos dois fundamentos supracitados.

    Mas, o que dizer dos outros dois fundamentos, quais sejam, a garantia da

    ordem pblica e a garantia da ordem econmica? Que tipo de tutela podem

    ensejar? Alm disso, no seria a ordem econmica parte da ordem pblica?

    Garantir esta no seria tambm garantir aquela? Se sim, o que justificaria a

    distino?

    Por certo, este trabalho no ser capaz de responder a todas essas

    questes. Concentrar-nos-emos na garantia da ordem pblica como fundamento

    das prises cautelares, o que no nos autorizar a qualquer considerao sobre o

    significado da garantia da ordem econmica como fundamento dessas medidas

    cautelares.

    J na distante dcada de 1940, Inocncio Borges da Rosa consignara que

    a expresso

    [...] como garantia da ordem pblica, constante deste artigo (

    poca, Art. 313, CPP, hoje, Art. 312, CPP), no tem significado

    especial; meramente explicativa e poderia muito bem ter sido

    omitida, visto como toda priso decretada em processo penal se

    9 J. F. MIRABETE, Processo Penal, 18. ed., So Paulo, Atlas, 2007, p. 390. 10 R. DELMANTO Jr. , As Modalidades de Priso Provisria e seu Prazo de Durao, Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 148.

  • 12

    destina a garantir a ordem pblica, que sempre perturbada, de

    maneira mais ou menos grave, com a prtica de infrao penal 11.

    Tratar-se-ia, ento, segundo o mestre gacho, de expresso intil, ociosa,

    que poderia ter sido omitida.

    Maria Lcia Karam, por sua vez, dissera, nos no to distantes idos de

    1993, que

    [...] o professor Weber Martins Batista chegou a observar que a

    medida decretada com garantia da ordem pblica no teria uma

    relao direta com o processo, mas sim se voltaria para a proteo

    de interesses estranhos a ele, tendo em suas palavras ntidos

    traos de medida segurana, o que, hoje, j se chocaria com o

    fato de, em boa hora, ter a lei penal brasileira extinguido a medida

    de segurana como resposta penal para imputveis: no havendo

    medida de segurana definitiva, muito menos poderia hav-la

    provisria 12.

    Por outra sorte, segundo a magistrada gacha, o legislador objetivou,

    com a inscrio de tal expresso no dispositivo que trata dos fundamentos da

    priso preventiva, finalidade estranha s possveis necessidades do processo.

    Como se v, de palavras inteis imposio de medidas de segurana

    sem provimento condenatrio vai uma grande distncia, o que demonstra a

    necessidade de explorar de outra forma (cremos que empiricamente) os

    problemas suscitados.

    De nossa parte, acreditamos que a anlise do que produzido pelo Supremo

    Tribunal Federal sobre o problema poder nos conduzir a algumas concluses

    esclarecedoras.

    Entretanto, antes disso, so necessrias algumas breves consideraes

    metodolgicas.

    11 I. BORGES DA ROSA, Processo Penal Brasileiro, vol. II, Porto Alegre, Livraria do Globo Barcellos, Bertaso e CIA., 1942, p. 286. 12 M. L. KARAM, Priso e Liberdade Processuais, in Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 2, So Paulo, abr jun 1993, p. 85.

  • 13

    3. Captulo Metodolgico

    O presente trabalho procurar responder, basicamente, a trs perguntas,

    a saber:

    a) Quais os contedos emprestados pelo Supremo ao fundamento da priso

    cautelar que se tem em mira garantia da ordem pblica?

    b) possvel sustentar a natureza cautelar das prises ancoradas na garantia da

    ordem pblica apreciadas pelo STF, ou, de outra sorte, as referidas custdias

    estariam voltadas promoo de necessidades estranhas quelas decorrentes do

    prprio funcionamento de processo penal, seja quanto aos seus meios

    (viabilizao do fluxo tranqilo da persecuo penal), seja quanto aos seus fins

    (asseguramento da efetivao dos resultados do processo)?

    c) A promulgao da Carta de 1988, que assegurou o direito fundamental a no

    considerao prvia de culpabilidade, consagrando, por esta feita, a natureza

    cautelar de todas as prises deflagradas antes do trnsito em julgado de

    sentena penal condenatria, motivou, no Supremo, alguma mudana de

    entendimento na matria que se tem em tela garantia da ordem pblica como

    fundamento da priso cautelar?

    Como j consignado no primeiro tpico deste trabalho (1. Introduo),

    analisamos os acrdos proferidos pelo STF no espao temporal compreendido

    entre os dias 05/10/1978 e 05/10/1998, ou seja, respectivamente, dez anos

    antes e dez anos depois da promulgao da Carta Magna.

    Para que pudssemos chegar a tais documentos, realizamos uma pesquisa

    no stio do Supremo na Internet 13, no dia 31/05/2008, inscrevendo no campo

    Pesquisa Livre (localizado no tpico Pesquisa de Jurisprudncia) a expresso

    ordem adj pblica, e no campo Data a expresso 05/10/1978 a

    05/10/1998. Assim procedendo, encontramos 259 acrdos, cujas ementas

    foram lidas a fim de que nos fosse possvel selecionar apenas as decises

    referentes a prises cautelares. Desta feita, chegamos aos 117 documentos

    13 www.stf.gov.br

  • 14

    analisados neste trabalho, dos quais 91 correspondem ao perodo pr-

    constitucional (05/10/1978 a 04/10/1988) e 26 se referem ao perodo

    constitucional (05/10/1988 a 05/10/1998).

    Selecionados os acrdos, realizamos a leitura de todos eles, o que nos

    permitiu produzir os apndices (Apndices I e II), nos quais possvel encontrar

    as razes de convencimento declinadas pelos ministros, em cada deciso, acerca

    da justificao das prises cautelares apreciadas, isso, evidentemente, no

    tocante a garantia da ordem pblica.

    Analisadas as argumentaes, agrupamos os acrdos de acordo com as

    razes de convencimento apresentadas, ou seja, de acordo com o contedo

    emprestado pelos ministros ao fundamento da priso cautelar que se tem

    apreo, a saber, a garantia da ordem pblica.

    Dado que o universo amostral que se tem em mira bastante amplo (117

    documentos), agrupados os acrdos conforme a motivao desenvolvida acerca

    da garantia da ordem pblica com fundamento da priso cautelar apreciada,

    destacamos de cada grupo de acrdos a deciso (ou as decises) que,

    apresentando argumentao mais desenvolvida, pudesse funcionar como

    representante do respectivo grupo. Deste modo, examinaremos a fundo, neste

    trabalho, no todas as decises, mas, somente as necessrias para que

    possamos apresentar ao leitor o entendimento geral do STF sobre a matria em

    tela, de modo que alguns acrdos sero apenas citados pela semelhana que

    possuem em relao s decises examinadas em profundidade.

    Entretanto, cabe reforar que, durante a pesquisa, analisamos todos os

    documentos citados, constando dos apndices (Apndices I e II) uma sntese de

    tudo quanto articulado pelos ministros no que se refere garantia da ordem

    pblica como fundamento da priso, o que possibilitar ao leitor avaliar

    criticamente as associaes feitas neste trabalho entre as decises apenas

    citadas e aquelas examinadas a fundo, ou seja, o leitor poder controlar os

    agrupamentos de acrdos realizados neste trabalho, agrupamentos pelos quais

    procuramos esboar o entendimento geral do STF sobre a garantia da ordem

    pblica como fundamento das prises cautelares.

  • 15

    Feitas essas breves consideraes metodolgicas, podemos seguir adiante.

  • 16

    4. Do Perodo Pr-Constitucional

    Antes de passarmos a analisar substantivamente os acrdos,

    importante que faamos algumas consideraes de plano sobre o grupo de

    decises selecionadas.

    Do perodo em questo foram analisados 91 acrdos, datando o mais

    antigo de 28/11/1978 e o mais recente de 23/09/1988. Por razes obvias, no

    ser possvel destacar analiticamente todas as decises, de tal sorte que desse

    amplo universo amostral emprestaremos relevo apenas queles acrdos que,

    pela qualidade da argumentao, melhor expressam o entendimento existente

    no Supremo poca. Entretanto, tomaremos o cuidado de citar todas as

    decises, articulando-as em grupos constitudos de acordo com fundamentao

    desenvolvida pelos ministros. Cabe ainda salientar que todos os acrdos, ainda

    que no destacados em profundidade nesse estudo, foram objeto de anlise

    durante a pesquisa, o que nos permitiu produzir o Apndice I deste trabalho,

    no qual sintetizamos toda a argumentao neles desenvolvida sobre o

    fundamento da priso cautelar que se tem em apreo a garantia da ordem

    pblica. Assim sendo, ser possvel ao leitor avaliar criticamente as associaes

    que fizemos entre as diversas decises, ainda que tenhamos nos furtado, neste

    trabalho, de analisar profundamente algumas delas, que apenas foram citadas

    pela semelhana que apresentam em relao aos acrdos examinados a fundo.

    Ainda guisa de consideraes gerais cumpre-nos destacar que dos

    referidos 91 acrdos, a ampla maioria 88 se refere a julgamentos de

    recursos em habeas corpus (recursos ordinrios), de tal sorte que encontramos

    apenas duas decises de habeas corpus (HCs 60255-0-PE e 61559-1-GO) e

    somente uma deciso de recurso extraordinrio (RE 107597-0-PR).

    Vale destacar tambm que sempre figura como autoridade coatora nos

    casos de HCs ou como recorrido nos casos de RHCs o Tribunal de Justia

    do respectivo estado de origem do habeas corpus ou do recurso em questo,

    com excees feitas ao nico recurso extraordinrio encontrado, no qual se tem

    como recorrente o Ministrio Pblico Estadual e como recorrido o apontado autor

  • 17

    do delito, bem como ao RHC 63026-0-SP, em que se tem como recorrido o

    extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR).

    Em 89 das decises analisadas a votao se deu por unanimidade. Com

    efeito, em apenas duas oportunidades observamos decises majoritrias (RHCs

    59116-7-RJ e 62326-3-PE), o que nos indica que o entendimento sobre a

    matria em questo a garantia da ordem pblica como fundamento da priso

    cautelar encontrava-se, no perodo em tela, razoavelmente pacificado, dada

    esta quase ausncia de tenso no Supremo. Tal assertiva ainda reforada pela

    pouca relevncia substantiva das dissidncias supramencionadas, que, em linhas

    gerais, no destoaram da compreenso dominante visualizada no tribunal, como

    veremos mais adiante.

    Devemos tambm salientar que a argumentao desenvolvida pelos

    pacientes (nos HCs) ou pelos recorrentes (nos RHCs) ataca acrdos pelos quais

    foram mantidas (ou decretadas) prises - decorrentes ou de decreto de priso

    preventiva (69 casos), ou de sentena de pronncia (11 casos), ou, ainda, de

    flagrante (11 casos) -, funcionando como padro argumentativo a alegao de

    ausncia de fundamentao da medida coercitiva levada a efeito pelo juzo de

    primeiro grau. A Procuradoria-Geral da Repblica (PGR), atuando como custos

    legis junto ao STF, propugnou pelo indeferimento total do pedido formulado pelo

    imputado em 77 dos 91 casos. Via de regra, o Supremo acolheu os fundamentos

    consignados no parecer da PGR 82 dos 91 casos.

  • 18

    Tabela 1 - Composio Total

    Motivao Quantidade

    Pedidos Deferidos 6

    Pedidos Indeferidos 83

    Pedidos no conhecidos 2

    Total 91

    Ainda antes de iniciarmos a anlise de fundo das decises importante

    que organizemos os acrdos, como foi dito acima, de acordo com a

    argumentao levada a efeito pelos ministros. Para tanto, agrupamos as

    referidas decises de acordo como os contedos emprestados pelo Supremo ao

    fundamento da priso cautelar que se analisa, qual seja a garantia da ordem

    pblica. Tais contedos, em linhas gerais, so: a periculosidade do agente (ou a

    suposio de que o agente torne a delinqir), o clamor pblico e a gravidade do

    delito, alm da credibilidade da Justia e da segurana do imputado, muito

    embora esses elementos, por vezes, no sejam inteiramente individualizveis,

    decorrendo uns dos outros 14, como se ver ao iniciarmos a anlise de fundo das

    decises.

    14 G. B. DE ALMEIDA, Afinal, quando possvel a decretao de priso preventiva para a garantia da ordem pblica, in Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 44, So Paulo, jul set 2003, p. 74.

  • 19

    Tabela 2 Composio dos pedidos indeferidos

    Motivao Quantidade

    Periculosidade do Imputado 40

    Clamor Pblico 20

    Periculosidade do Imputado e

    Clamor Pblico

    16

    Gravidade do Delito 7

    Total 83

    Cumpre ainda acrescentar que o esforo analtico empreendido para

    esboar a sistematizao de um to volumoso quanto complexo conjunto de

    decises, como o que se examinar nesse trabalho, estar recompensado caso

    consigamos oferecer ao leitor um resultado que, ainda que passvel de crticas,

    seja inteligvel. Assim, procuramos agrupar as decises a partir dos argumentos

    que nos pareceram preponderantes para a formao do convencimento dos

    ministros, o que no exclui a existncia de motivos outros, que, por sua

    marginalidade, nos furtamos de realar.

    4.1. Da Periculosidade do Agente (ou da suposio de que o agente torne

    a delinqir)

    Em 56 dos 91 casos analisados neste perodo, o STF examinou a

    legalidade de prises cautelares motivadas pela suposta periculosidade do

    imputado. O alto poder de convencimento do referido motivo flagrante, pois

    que o Supremo manteve as custdias em todos os casos observados.

    Como se v da Tabela 2, referente s oportunidades em que se decidiu

    pelo indeferimento do pedido formulado pelo paciente, em 40 dos casos a

  • 20

    periculosidade do imputado funcionou, isoladamente, como fundamento para a

    manuteno da priso, aparecendo, ainda, ao lado do clamor pblico em outras

    16 oportunidades em que o Supremo manteve a custdia. Neste tpico,

    examinaremos apenas os casos em que a periculosidade, isoladamente,

    fundamenta a priso cautelar.

    Para que possamos compreender tal quadro, destacaremos de alguns

    acrdos algumas passagens que julgamos ser esclarecedoras.

    No RHC 61517-1-PE, levado ao conhecimento da Segunda Turma no dia

    13/12/1983, o recorrente, processado pelo crime de homicdio, pleiteava o

    relaxamento de priso preventiva ancorada na garantia da ordem pblica e no

    asseguramento da aplicao da lei penal. Do decreto prisional possvel extrair a

    seguinte passagem:

    [...] o crime foi dos mais brbaros j praticados nesse municpio e

    pela maneira e nas circunstncias em que foi praticado

    demonstrou que os acusados so pessoas possuidoras de elevado

    grau de periculosidade [...]

    A ordem pblica necessita de tranqilidade, nossa cidade passa

    por momentos graves, pela onde de crimes, assaltos ultimamente

    praticados contra indefesos e com a priso dos acusados poder-se-

    viver mais descontrado sem o temor de ser assassinado ou

    assaltado na primeira esquina. 15

    Pelo que se v do teor do decreto de priso, no merecedor de reparos,

    segundo o Ministro-Relator, Djaci Falco, a coero processual foi deflagrada por

    conta do elevado grau de periculosidade do acusado, revelado pelas

    circunstncias em que foi praticado o crime, qualificado como brbaro pelo

    magistrado de primeiro grau.

    O Ministro Aldir Passarinho votou em seguida, deixando consignado que:

    Ao cuidar da verificao de periculosidade para fins de decretao

    de medida de segurana, diz o Cdigo Penal, no seu artigo 77:

    15 RHC 61517-1-PE, 1983, pp. 177-178.

  • 21

    Quando a periculosidade no presumida por lei, deve ser

    reconhecido perigoso o indivduo, se a sua personalidade e

    antecedentes, bem como os motivos e circunstncias do crime

    autorizam a suposio de que venha ou torne a delinqir.

    No caso, essa conceituao legal para a aplicao das medidas

    de segurana, mas, evidentemente, o conceito legal pode ser

    tomado para a verificao de periculosidade, inclusive para a

    custdia preventiva. E, no caso, ela foi devidamente justificada. 16

    Com efeito, resta bastante claro que o Ministro Aldir Passarinho toma de

    emprstimo ao Cdigo Penal o conceito de periculosidade utilizado na aplicao

    de medidas de segurana, considerando-o tambm aplicvel disciplina das

    prises preventivas.

    Uma questo ento se coloca: pertinente o paralelo realizado pelo

    ministro entre a aplicao de medida de segurana e a imposio de custdia

    preventiva, j que ambas teriam, segundo ele, o mesmo pressuposto, a saber, a

    verificao de periculosidade?

    Ensina-nos Frederico Marques que o processo de medida de segurana

    deve conter [...] as fases procedimentais que compem o processo

    condenatrio, bem como a imputao do estado perigoso, como causa petendi

    da imposio da providncia preventiva e sancionadora que decorre do juzo de

    periculosidade. 17

    Reformulando os ensinamentos do mestre, podemos dizer que a imposio

    de medida de segurana, como providncia sancionadora que , pressupe a

    existncia de um processo penal de conhecimento que tenha a condenao como

    provimento final.

    Acrescenta ainda o processualista ser indispensvel [...] que o acusado

    tome conhecimento ou tenha cincia de que se pretende aplicar, contra ele,

    16 RHC 61517-1-PE, 1983, p. 180. 17 Elementos de Direito Processual Penal, 4 Vol., 2 ed., Campinas, Millennium, 2000, p. 309.

  • 22

    medida de segurana, para que, assim, possa exercer seu direito de defesa e

    opor-se, dentro dos limites da lei, ao reconhecimento de sua periculosidade. 18

    De tudo isso, podemos concluir que a finalidade preventiva 19 perseguida

    pelos ministros do decreto prisional, endossado pelo Supremo, se extrai que

    com a priso dos acusados poder-se- viver mais descontrado sem o temor de

    ser assassinado ou assaltado na primeira esquina exigiria provimento

    condenatrio, alm do reconhecimento do estado perigo, o que, evidentemente,

    no se processa por meio de mero despacho judicial no bojo do qual se decreta

    uma priso preventiva, como na espcie.

    A utilizao da priso preventiva como medida de segurana (priso

    sano) mostra-se ainda mais flagrante no julgamento dos RHCs 62525-8-SP e

    63026-0-SP.

    No julgamento do RHC 62525-8-SP, levado a efeito no dia 07/12/1984,

    tambm pela Segunda Turma, o recorrente, preso em flagrante pela suposta

    prtica de furto, visava concesso de liberdade provisria, denegada pelo juzo

    a quo (TJ-SP) por entender presente, na espcie, circunstncias que autorizariam

    a decretao de priso preventiva, o que inviabilizaria a concesso do benefcio

    inscrito no pargrafo nico do artigo 310 do CPP.

    O Ministro-Relator, Moreira Alves, acolheu o parecer da Procuradoria-Geral

    da Repblica (PGR), no que foi acompanho pelos demais ministros.

    Do referido parecer, contrrio ao provimento do recurso, consta a seguinte

    passagem do acrdo recorrido, cujos fundamentos foram acolhidos pelo

    Supremo:

    Ensina Romeu Pires de Campos Barros que a garantia da ordem

    pblica estaria em perigo quando o ru, livre e solto, possa

    18 Elementos de Direito Processual Penal, 4 Vol., 2 ed., Campinas, Millennium, 2000, pp. 309 310. 19 Eduardo Reale Ferrari, assinala que no podemos nos esquecer de que a gnese da medida de segurana surgiu em face da necessidade de segregar os incorrigveis; verificando-se que a pena tinha pouca ou nenhuma eficcia perante os incorrigveis, elegeram, na medida de segurana, a sano legitimadora ao fim de proteo e de inocuizao, segregando o indivduo por critrio de preveno (Medidas de Segurana e Direito Penal no Estado Democrtico de Direito, So Paulo, RT, 2001, p. 60).

  • 23

    concluir crime interrompido ou praticar outro. Fala-se, tambm,

    em repercusso danosa e prejudicial ao meio social. Neste

    aspecto, conforme explica Frederico Marques, com apoio em

    Garofalo e Corelli, toma mesmo uma funo de medida de

    segurana (Processo Penal Cautelar, p. 197). (...)

    A funo de medida de segurana atribuda priso preventiva

    destinada garantia da ordem pblica deixa manifesta a

    necessidade de se apreciar a periculosidade do acusado para

    eventualmente, em caso positivo, decret-la. Da mesma forma, a

    existncia dessa periculosidade que pe em risco a ordem pblica,

    justifica a denegao da liberdade provisria, nos estritos termos

    do pargrafo do art. 310 do Cdigo de Processo Penal.

    A propenso do paciente a prticas delituosas, posta em realce

    pelos documentos de fls. 41/43 demonstrando que o paciente

    est respondendo, na mesma comarca de Bauru, a mais duas

    aes penais por delitos graves (art. 157, 2., I e II e art. 157,

    2., I e II e 3, c/c o art. 12, II, todos do Cdigo Penal)

    constitui evidente ameaa de que, solto, voltar ele a delinqir, de

    modo que sua priso preventiva poderia ser decretada para

    garantia da ordem pblica. Em conseqncia, no faz jus o

    paciente liberdade provisria pretendida (Cdigo de Processo

    Penal, art. 310, pargrafo nico). Pela mesma razo, no tem o

    paciente direito fiana (Cdigo de Processo Penal, art. 324, IV). 20

    Do trecho acima se extrai que a suposio de que solto o acusado voltar

    a delinqir, com a conseqente atribuio do estado perigo, decorre da

    existncia de mais duas aes penais nas quais o paciente, ento recorrente,

    responde por delitos graves (roubos). Quer nos parecer que a existncia das

    referidas aes penais configurariam, no entendimento do TJ-SP aproveitado

    pelo STF , antecedentes indicadores de periculosidade (Art. 77 da antiga Parte

    Geral do Cdigo Penal), o que autorizaria a decretao da priso preventiva, que

    tomaria mesmo uma funo de medida de segurana.

    20 RHC 62525-8-SP, 1984, PP. 231 233.

  • 24

    Argumentao semelhante foi desenvolvida no julgamento do RHC 63026-

    0-SP Rel. Min. Oscar Corra -, realizado no dia 21/05/1985, agora pela

    Primeira Turma, pelo qual o recorrente, preso em flagrante pela prtica das

    infraes tipificadas nos artigos Art. 288, 299, 171, 3. , CP, c/c Art. 155, IV, a

    da Lei n. 3807/60, pleiteava a concesso de liberdade provisria.

    Tambm nesta oportunidade, o Supremo decidiu pelo improvimento do

    recurso, acolhendo, nos termos do voto do relator, o parecer da PGR, no qual se

    considerou pertinente a fundamentao declinada pelo juiz de primeiro grau ao

    denegar o pedido de liberdade provisria formulado pelo ento recorrente. Desse

    despacho, chancelado pelo STF, extrai-se o seguinte trecho:

    Por outro lado, a probabilidade da formao de um grupo de

    indivduos, integrado por membros do Conselho Diretor e

    funcionrios do Hospital Matarazzo e por representantes da PCE,

    com o objetivo de fraudar a autarquia previdenciria, conforme se

    depreende do exame dos elementos que compe a investigao,

    consubstanciados no s nos depoimentos dos prprios indiciados,

    que confessaram com riqueza de detalhes a ocorrncia de graves

    irregularidades no que pertine adulterao das guias de

    internao de doentes do hospital, como tambm no termo de

    apreenso e laudo pericial preliminar desses documentos, constitui

    pressuposto necessrio para a configurao de uma das hipteses

    que possibilitam a decretao da priso preventiva, qual seja, a

    garantia da ordem pblica, visto como, segundo a lio de

    Tourinho Filho (ob. cit. vol. 3, pg. 444) em casos como esse ...a

    agregao provisria representa uma verdadeira medida de

    segurana de natureza processual. Ordem pblica prossegue o

    autor a paz, a tranqilidade social.

    Em liberdade, voltaria ele seqncia delitual. 21

    Como se pode depreender do trecho em relevo, assim como no julgamento

    do RHC 61517-1-PB, o magistrado extrai das circunstncias dos delitos a

    concluso de que em liberdade, o imputado voltar a delinqir, o que justificaria

    7 RHC 63026-0-SP, 1985, PP. 196 197.

  • 25

    a imposio de verdadeira medida de segurana de natureza processual,

    travestida, na espcie, de priso cautelar.

    Com efeito, as trs decises em destaque bem representam o

    entendimento que o Supremo tinha poca acerca da garantia da ordem pblica

    como fundamento das prises cautelares. Sem embargo, a priso processual, tal

    como fundamentada nos referidos casos, apresenta claros contornos de sano

    penal medida de segurana antecipada, com ntidas finalidades preventivas.

    Desta feita, no difcil visualizar a existncia de um processo penal

    cautelar, no bojo do qual se viabiliza a antecipao da tutela penal, mesmo que

    ao arrepio da presuno de inocncia dos imputados, que, muito embora no

    restasse expressamente consagrada na Carta de 1969 vigente poca -, era

    compatvel com os direitos e garantias nela especificados (Art. 153, 36, da

    Carta de 1969), sem contar ainda com a adeso do Brasil Declarao Universal

    dos Direitos do Homem, de 1948, que expressamente inclui a presuno de

    inocncia entre os direitos fundamentais da pessoa humana 22.

    Ora, diante de tal quadro no possvel sustentar que as referidas prises

    cautelares ancoradas na garantia da ordem pblica estivessem voltadas ao

    atendimento das necessidades do prprio processo, seja quanto aos seus fins,

    seja muito menos quanto aos seus meios. mais plausvel afirmar, na linha do

    que consignado por Weber Martins Batista, que tais prises processuais [...] no

    teriam uma relao direta com o processo, mas sim se voltariam para a proteo

    de interesses estranhos a ele [...] 23. Sem embargo, as prises processuais em

    tela funcionariam como medidas profilticas, inocuizadoras, impostas a fim de se

    evitar que o apontado autor voltasse a praticar novos delitos, e tudo isso se

    prescindindo do necessrio provimento condenatrio, indispensvel para que o

    Estado possa tomar providncias sancionadoras, como o caso da imposio de

    medidas de segurana.

    Devemos destacar ainda um outro dado bastante relevante. poca do

    julgamento do RHC 63026-0-SP, no qual, como vimos, foi mantida a custdia

    22 A. MAGALHES GOMES F., Presuno de Inocncia e Priso Cautelar, So Paulo, Saraiva, 1991, p. 1. 23 Cf. M. L. KARAM, Priso e Liberdade Processuais, in Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 2, So Paulo, abr jun 1993, p. 85.

  • 26

    preventiva ancorada na suposta periculosidade do agente, j estava em vigor a

    Nova Parte Geral do Cdigo Penal, com a redao determinada pela Lei

    7209/1984 (DOU 13.07.1984) 24, que aboliu o sistema do duplo binrio da ordem

    jurdico-penal brasileira. O referido sistema do duplo binrio possibilitava a

    imposio de medidas de segurana, [...] quer ao inimputvel quer ao

    imputvel, este submetido medida de tratamento aps o cumprimento da pena

    diminuda [...] 25.

    Com a edio da lei 7209/1984, as medidas de segurana passaram a ser

    destinadas, exclusivamente, aos inimputveis e aos semi-imputveis.

    Em outros termos, passou-se a no mais conferir o estado perigoso aos

    imputveis, dos quais apenas possvel reconhecer a culpabilidade, com a

    conseqente imposio de pena (e no de pena e medida de segurana, como

    ocorria com o imputvel reconhecido perigoso). o chamado sistema vicariante,

    que reserva as penas aos imputveis, as medidas de segurana aos inimputveis

    (Art. 26, caput c/c Art. 97, caput, CP/1984), e penas ou medidas de segurana,

    a critrio do juiz, ao semi-imputveis (Art. 26, p.u. c/c Art. 98, CP/1984), no

    mais sendo possvel a imposio cumulada de pena e medida de segurana.

    Voltando ao RHC 63076-0-SP, vimos que o recorrente teve a custdia

    mantida pelo Supremo sob a justificativa de lhe ter sido reconhecido o estado

    perigoso, funcionando tal coero, como conclumos, como verdadeira medida de

    segurana processual.

    Ora, como salientamos acima, a medida de segurana j havia deixado de

    ser resposta penal para imputveis. E como bem asseverou Maria Lcia Karam,

    em trecho transcrito no incio desse trabalho, [...] no havendo medida de

    segurana definitiva, muito menos poderia hav-la provisria [...] 26.

    Em sntese, no caso em apreo, o STF emprestou ao recorrente status no

    previsto legalmente, visto que o estado perigoso no mais poderia ser atribudo a

    24 Conforme Julio Fabbrini Mirabete, a Lei 7209/84 passou a viger seis meses aps a data da publicao (Processo Penal, 18. ed., So Paulo, Atlas, 2007, p. 26). 25 E. R. FERRARI, Medidas de Segurana e Direito Penal no Estado Democrtico de Direito, So Paulo, RT, 2001, p. 34. 26 M. L. KARAM, Priso e Liberdade Processuais, in Revista Brasileira de Cincias Criminais, n. 2, So Paulo, abr jun 1993, p. 85.

  • 27

    imputveis no acrdo em tela, assim como em todos os demais, no se

    considerou o recorrente irresponsvel ou inimputvel. Tal estado perigoso lhe foi

    conferido para se justificar a imposio de verdadeira medida de segurana

    processual (provisria), antecipando-se provimento final juridicamente

    impossvel (imposio de medida de segurana a imputvel). E tudo isso de

    modo sumrio, sem o devido processo penal condenatrio, ao arrepio dos

    direitos ampla defesa e ao contraditrio, inerentes aos processos acusatrios,

    como os que se tem na espcie.

    Por diversas outras oportunidades foram desenvolvidas pelos ministros

    argumentaes similares as que foram acima realadas.

    Vale consignar que, assim como nos trs acrdos examinados acima, os

    ministros, por regra, justificaram a imposio das custdias cautelares de modo

    bastante lacnico, muitas vezes apenas adotando, sem mais consideraes, os

    fundamentos inscritos no parecer da PGR, no acrdo recorrido, ou mesmo no

    despacho prisional.

    Desse modo, orientando-se pelo que disposto no artigo 77 do Cdigo Penal

    de 1940 27, os magistrados decidiam pela necessidade da custdia processual,

    indicando elementos personalidade; antecedentes; motivos; circunstncias

    que autorizariam a suposio de que o imputado tornaria a delinqir,

    reconhecendo-lhe, desse modo, o estado perigoso. importante salientar que o

    Cdigo Penal de 1940 continuou sendo o parmetro no Supremo para a

    justificao de tais coeres processuais, mesmo aps a edio da Nova Parte

    Geral do Cdigo Penal, em 1984.

    Segundo Luiz Regis Prado

    [...] a personalidade a ndole, o carter do indivduo; os

    antecedentes so os fatos anteriores da vida do agente, positivos

    ou negativos; os motivos so toda a soma de fatores que integram

    a personalidade humana e so suscitados por uma representao

    27 Verificao da periculosidade Art. 77. Quando a periculosidade no presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstncias do crime autorizam a suposio de que venha ou torne a delinqir.

  • 28

    cuja ideomotricidade tem o poder de fazer convergir para uma s

    direo dinmica todas as nossas foras psquicas; as

    circunstncias do crime so os fatores de tempo, lugar, modo de

    execuo. 28

    Nos nove tpicos seguintes, a fim de que o leitor possa visualizar com

    mais facilidade o grupo de acrdos que se tem em mira, tentamos agrupar as

    referidas decises conforme os elementos apontados pelos ministros como

    indicador da periculosidade do imputado, destacando, em cada grupo, uma ou

    outra deciso que bem represente o respectivo grupo. Devemos alertar que

    procedemos a tal sistematizao tomando por base os elementos que nos

    pareceram preponderantes para que os magistrados se convencessem do estado

    perigoso do imputado. Com efeito, em face do dficit argumentativo que

    caracteriza os votos produzidos no Supremo no perodo que se tem em tela,

    pretender individualizar completamente as razes de convencimento dos

    ministros tarefa quase irrealizvel.

    28 Curso de Direito Penal brasileiro, Volume 1 Parte Geral, Arts. 1. a 120, 6 ed. , So Paulo, RT, 2006, pp. 502 503.

  • 29

    Grfico 1 Composio dos indicadores de periculosidade nos casos em

    tela

    Antecedentes - 4Antecedentes e circuntncias - 1Antecedentes e motivos - 1Circunstncias - 11Personalidade - 4Personalidade e antecedentes - 3Personalidade e circunstncias - 2 Periculosidade presumida - 2Elemento de convencimento no apontado - 12

    4.1.1. A Personalidade do Indivduo

    Assim, nos julgamentos dos RHCs 56946-3-RJ e 58604-0-CE julgados

    pela Primeira Turma -, e dos RHCs 59198-1-SP e 66645-1-MT julgados pela

    Segunda Turma, todos improvidos, o reconhecimento da periculosidade do

    agente se deu por conta da verificao de personalidades desabonadoras.

    A ttulo ilustrativo, por oportunidade do julgamento do RHC 56946-3-RJ,

    de 27/03/1979, a Procuradoria-Geral da Repblica consignou, em parecer

    acolhido pelo Ministro-Relator, Soares Muoz, que a personalidade do paciente

  • 30

    est ornada com todos esses atributos negativos 29, a saber, torpeza,

    perverso, malvadez, cupidez e insensibilidade moral, revelados na prtica do

    ato (homicdio duplamente qualificado).

    Ao passo que a personalidade violenta do recorrente 30 funcionou como

    indicador de periculosidade no julgamento do RHC 58604-0-CE, de 24/02/1981.

    4.1.2. Os Antecedentes do indivduo

    J nos RHCs 58714-3-SP, 61175-3-ES, 62525-8-SP (examinado acima) e

    66211-1-SP os maus antecedentes foram apontados para se concluir pela

    periculosidade do agente.

    E, por fim, os antecedentes pouco recomendveis esto a sugerir que,

    solto, poder ele tornar a delinqir 31, o que se extrai do decreto prisional

    endossado pelo Supremo no julgamento do RHC 66211-1-SP, de 08/04/1988.

    4.1.3. As Circunstncias do Crime

    As circunstncias do delito justificaram a custdia no julgamento dos RHCs

    59134-5-PR, 59600-2-SP, 60092-1-PR, 60954-6-RJ, 61198-2-RJ, 61517-1-PE

    (examinado acima), 62380-8-PR, 62802-8-SE, 63026-0-SP (examinado acima),

    64205-5-SP e 66298-6-GO.

    No julgamento do RHC 59134-5-PR, de 22/09/1981, destacou-se que o

    fato (homicdio qualificado) se revestiu de barbarismo e foi cometido de maneira

    covarde e traioeira 32.

    29 RHC 56946-3-RJ, 1979, p. 231. 30 RHC 58604-0-CE, 1981, p. 114. 31 RHC 66211-1-SP, 1988, p. 387.

  • 31

    Nos julgamentos dos RHCS 60954-6-RJ (17/05/1983) e 61198-2-RJ

    (02/09/1983) apontou-se a audcia criminosa com que o fato (homicdio

    duplamente qualificado, em ambos os casos) foi praticado como indicador da

    presuno do cometimento de novos crimes, de modo a intranqilizar a

    sociedade 33.

    A prtica de roubos mediante concurso dos mesmos agentes e com

    emprego de armas 34 serviu para demonstrar a periculosidade dos agentes,

    justificando a priso preventiva, no RHC 64205-5-SP, de 09/09/1986.

    Em outros julgamentos se decidiu pela manuteno da custdia

    empregando-se, guisa de fundamentao, a indicao da combinao de dois

    ou mais dos elementos supramencionados personalidade, antecedentes,

    motivos e circunstncias -, que autorizaria, na espcie, a suposio de que o

    imputado, livre, tornaria a delinqir.

    4.1.4. A Personalidade e os Antecedentes do Indivduo

    Assim, nos RHCs 60495-1-PA, 60684-9-SP e 65291-3-RS, a personalidade

    e os antecedentes dos recorrentes serviram como indicadores de periculosidade.

    Desse modo, no julgamento do RHC 60684-9-SP, realizado em

    11/03/1983, pela Primeira Turma, decidiu-se pela manuteno da priso em

    flagrante, pois, existiram motivos que autorizariam a decretao de priso

    preventiva, como garantia da ordem pblica e por convenincia da instruo

    criminal. Na espcie, respondia o recorrente por homicdio qualificado e por

    homicdio tentado, tambm qualificado, figurando como vtimas,

    respectivamente, a sua ex-cunhada e a sua ex-esposa. Do voto do relator,

    Ministro Soares Muoz, extrai-se a seguinte passagem:

    32 RHC 59134-5-PR, 1981, p. 196. 33 RHC 60954-6-RJ, 1983, p. 233; RHC 61198-2-RJ, 1983, p. 104. 34 RHC 64205-5-SP, 1986, p. 100 - 111.

  • 32

    Em verdade, nada arreda a presuno de que o recorrente

    continue com suas ameaas ex-mulher e, bem assim, s

    testemunhas que devam ser inquiridas na instruo, pois o fato

    em si e seus antecedentes evidenciam tratar-se de homem

    violento e prepotente. 35

    A seguir, conclui o relator citando o magistrio de Weber Martins Batista,

    na tese Liberdade Provisria, da qual se extrai, ainda segundo o ministro, que

    [...] a decretao da priso com garantia da ordem pblica se

    impe para evitar que o autor do crime continue sua atividade

    criminosa. Ou porque se trata de pessoa propensa a isso, ou

    porque, em liberdade, encontraria os mesmos estmulos

    relacionados com a infrao cometida... (pg. 77). 36

    Nas passagens transcritas do voto possvel notar a preocupao

    preventiva do ministro, decidindo pela manuteno da custdia para evitar que

    o autor do crime continue sua atividade criminosa. Tal suposio estaria

    ancorada na pretensa personalidade violenta e prepotente do recorrente,

    evidenciada pelo fato em si e por seus antecedentes.

    4.1.5. A Personalidade do Indivduo e as Circunstncias do Crime

    Personalidade do indivduo e circunstncias do crime justificaram a priso

    nos RHCs 61842-1-RJ e 62137-6-MG.

    Para exemplificar, no RHC 62137-6-MG, levado apreciao da Primeira

    Turma em 21/08/1984, o recorrente, acusado de homicdio, pleiteava a anulao

    do despacho que ensejou a sua priso preventiva, apoiada esta na garantia da

    ordem pblica. Do voto do Ministro-Relator, Rafael Mayer, destaca-se o seguinte

    trecho:

    35 RHC 60684-9-SP, 1983, pp. 178-179. 36 Ibid., p. 180.

  • 33

    Demonstradas a certeza material do delito e indcios bastantes de

    sua autoria pelo paciente, o provimento judicial alinha as razes

    pelas quais tem como justificada a custdia cautelar, pela

    necessidade de garantia da ordem pblica. E se certo que a

    gravidade ou a hediondez do crime no autorizam por si a medida

    extrema, guarda correspondncia hiptese legal invocada a

    presuno, haurida das prprias circunstncias em que o crime foi

    cometido, de que ele torne a praticar, se continuar solto, outros

    crimes da mesma natureza, diante das provas que esto a indicar

    uma personalidade psicoptica, sem que sejam eximentes da

    custdia provisria, se necessria, a primariedade e bons

    antecedentes do indiciado 37.

    Na espcie, o relator votou pelo improvimento do recurso, no que foi

    acompanhado pelos demais ministros.

    interessante notar que, no trecho acima, o ministro destaca que a

    gravidade ou a hediondez do crime no autorizariam por si a medida extrema,

    isso, a nosso ver, de maneira acertada, pois, a gravidade (ou a hediondez) do

    delito matria relevante para a fixao da reprimenda penal, a processar-se em

    momento oportuno da instruo criminal, quando j condenado o ru.

    O ministro deixa tambm consignado em seu voto que a primariedade e os

    bons antecedentes do indiciado no so eximentes da custdia provisria, caso

    seja esta necessria, o que tambm nos parece correto, j que, configurada a

    necessidade cautelar da coero, pouco importa a primariedade e os bons

    antecedentes do imputado.

    Entretanto, tambm as circunstncias em que o crime foi cometido, bem

    como a suposta personalidade psicoptica do recorrente so elementos cuja

    avaliao deve se realizar quando da fixao da sano penal 38, no sendo

    pertinente deles extrair a necessidade da custdia processual, que assim

    deflagrada redunda em clara antecipao da tutela penal.

    37 RHC 62137-6-MG, 1984, pp. 286-287. 38 Tanto a lei penal antiga (Art. 42, CP/1940), quanto a lei penal nova (Art. 59, CP/1984), elencam os antecedentes e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstancias do crime como elementos aos quais o juiz dever atentar para fixar a pena. tambm de se observar que os referidos elementos funcionavam, a luz do Art. 77, CP/1940, como indicadores de periculosidade, o que autorizaria a imposio de medida de segurana, que, como a pena, espcie de sano penal.

  • 34

    4.1.6. Os Antecedentes do Indivduo e os Motivos do Crime

    Os maus antecedentes do recorrente, que responde vrios processos

    ligados ao trfico de txico 39, e os motivos do crime ligaes ao trfico de

    entorpecentes 40 -, foram os indicadores de periculosidade utilizados para

    fundamentar o improvimento do RHC 58770-4-RJ, julgado pela Primeira Turma,

    em 24/03/1981. Nota-se que a simples existncia de processos criminais em

    curso, contra o recorrente, foi suficiente para a configurao de maus

    antecedentes.

    4.1.7. Os Antecedentes do Indivduo e as Circunstncias do Crime

    A franca periculosidade do recorrente, acusado de roubo qualificado,

    restou patenteada pelos seus antecedentes criminais e pelas circunstncias do

    crime 41 o que justificou o improvimento do RHC 65357-0-PA, apreciado pela

    Segunda Turma, em 28/08/1987.

    4.1.8. Elemento de convencimento no apontado

    Em diversas outras oportunidades fundamentou-se a necessidade da

    priso cautelar apenas a partir da suposio de que solto, voltaria o imputado a

    delinqir, ou mesmo reconhecendo-lhe, diretamente, o estado perigoso, sem que

    fossem apresentados elementos personalidade; antecedentes; motivos;

    circunstncias que autorizassem tais concluses. Isso foi verificado nos RHCs

    57436-0-MG, 57571-4-PR, 58638-4-RJ, 58608-2-PB, 59838-2-RJ, 61316-1-SC,

    61307-1-RJ, 61559-7-GO, 64057-5-PR, 63905-4-RJ, 64969-6-RJ e 66327-3-PA.

    Com efeito, estas so, dentre as decises analisadas, as que mais carecem se

    39 RHC 58770-4-RJ, 1981, p. 103. 40 Ibid., p. 105. 41 RHC 65357-0-PA, 1987, pp. 313 314.

  • 35

    fundamentao, j que simplesmente apontar a periculosidade do imputado ou

    supor que este tornar a delinqir, mantendo-lhe preso, sem, para tanto,

    declinar argumentos que sustentem 42 tais consideraes algo de

    arbitrariedade flagrante.

    No julgamento do RHC 63905-4-RJ, por exemplo, o Ministro-Relator,

    Francisco Rezek, limitou-se a deixar consignado que um dos fundamentos da

    custdia dizia da necessidade de assegurar a ordem pblica, destacando o

    magistrado a periculosidade do ru 43. Nada mais...

    4.1.9. A Presuno de Periculosidade do Traficante de Drogas Ilcitas

    Nas duas oportunidades (RHC 59269-4-SP e RE 107597-0-PR) em que

    julgou sobre prises cautelares decretadas no bojo de processos penais em que

    havia imputao por crime previsto na Lei 6368/76 (Lei Antidrogas), o STF

    decidiu pela necessidade da custdia.

    Para tanto, a periculosidade do agente funcionou como fundamento, sem

    que fosse apontado qualquer elemento concreto que indicasse tal estado

    perigoso, pois que a periculosidade do traficante de drogas ilcitas seria

    presumida. o que se v do julgamento do RE 107597-0-PR, cujo exame nos

    permitir compreender tal quadro.

    Na espcie, o Ministrio Pblico paranaense recorria de acrdo do TJ-PR

    pelo qual se concedera liberdade provisria aos recorridos (marido e mulher),

    presos em flagrante por infrao ao Art. 12 44, Lei 6368/76. Em suas razes, o

    42 Cabe consignar que, mesmo que tais consideraes, a saber, sobre a periculosidade do imputado ou sobre a suposio de que ele tornar a delinqir, estivessem amparadas por elementos como personalidade e antecedentes do agente, motivos e circunstncias do delito, ainda sim seriam passveis de crticas, pelas razes que expusemos acima. 43 RHC 63905-4-RJ, 1986, p. 112. 44 Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depsito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substncia entorpecente ou que determine dependncia fsica ou psquica, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar:

  • 36

    parquet alegava, alm de dissdio pretoriano, negativa de vigncia dos Art. 12 e

    35 45 da referida Lei 6368/76, pois, a prtica do crime previsto no apontado Art.

    12, Lei 6368/76, revelaria periculosidade incompatvel com a liberdade provisria

    aps a condenao (Art. 35, Lei 6368/76), o que, por analogia indicaria,

    outrossim, a impossibilidade de concesso de liberdade provisria no caso de ter

    ocorrido flagrante 46, como se processara na espcie.

    O Ministro-Relator, Nri da Silveira, votou pelo provimento do recurso, no

    que foi acompanhado pelos demais ministros, deixando, para tanto, consignado:

    Compreendo que a presuno de periculosidade, nsita na prtica

    do crime do art. 12, da Lei n. 6368/1976, segunda a

    jurisprudncia desta Corte, na espcie, cabe ter-se presente, aos

    efeitos da priso provisria, to s, de referncia ao denunciado,

    proprietrio de farmcia, a quem, em realidade, a acusao imputa

    os atos referentes manipulao das substncias entorpecentes,

    seu acondicionamento e destinao ao comrcio ilcito, adotando,

    para tanto, inclusive, prticas fraudulentas. [...]

    Do exposto, conheo do recurso, efetivamente, comprovada a

    divergncia jurisprudencial. Dele conhecendo, dou-lhe provimento,

    em parte, para cassar o habeas corpus, to somente no que

    concerne ao paciente E. S., proprietrio da farmcia, a quem a

    denncia atribui o crime do art. 12, da Lei n. 6368/1976, com a

    falsificao de documentos destinados a encobrir o trfico de

    entorpecentes, sendo, assim, de manter-se a presuno de

    periculosidade e de prosseguir, se em liberdade, na prtica do

    ilcito penal, pelas circunstncias que envolvem sua ao.

    Relativamente mulher do paciente, M. A. S., co-r, a denncia

    lhe atribui o fato da entrega da substncia entorpecente, que se

    encontrava guardada, no interior da residncia do casal. Trata-se

    de pessoa de prendas domsticas, dedicada aos cuidados do lar,

    com filho doente e outro ainda sendo amamentado. Nada faz

    presumir, dessa maneira, mantendo-se em liberdade, realize a

    Pena recluso, de 3 (trs) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. 45 O ru condenado por infrao dos arts. 12 e 13 desta Lei no poder apelar sem recolher-se priso. 46 RE 107597-0-PR, 1987, pp. 591-592.

  • 37

    ao delituosa do marido, mxime diante das circunstncias

    pessoais consideradas no despacho, que concedeu, desde logo, a

    liminar, para que respondesse, em liberdade, ao processo 47.

    Como se nota do fragmento supra transcrito, o relator cassa o habeas

    corpus somente em relao a um dos recorridos o marido -, apontando

    elementos que, em tese, indicariam o maior grau de culpabilidade (Art. 29, CP)

    do referido recorrido [...] a acusao imputa os atos referentes manipulao

    das substncias entorpecentes, seu acondicionamento e destinao ao comrcio

    ilcito, adotando, para tanto, inclusive, prticas fraudulentas. Depreende-se do

    trecho acima que os elementos utilizados pelo ministro para justificar a medida

    dizem respeito apenas existncia do delito e sua autoria, o que configuraria

    to somente o fumus boni iuris. O periculum libertatis, por sua vez, decorreria

    dos mesmos elementos, pois, a periculosidade, que funcionaria como

    fundamento para medida, seria nsita prtica do delito previsto no Art. 12, lei

    6368/76. dizer, provada a existncia do crime e presente indcio suficiente de

    autoria, a custdia provisria seria automaticamente necessria, por conta da

    periculosidade do agente, que, aceita pacificamente pelo Supremo como

    fundamento para as prises cautelares, seria presumida por tratar-se de

    traficante de drogas ilcitas.

    Com efeito, uma vez mais se visualiza o STF trabalhando com instituio

    prpria da lei penal antiga (Parte Geral do Cdigo Penal/1940), a saber, a

    presuno de periculosidade. O Cdigo de 1940 enumerava situaes taxativas

    de presuno de periculosidade 48, suficientes para a aplicao de medidas de

    segurana, por esta feita, desincumbindo o magistrado de averiguar, nos casos

    em que tais situaes ocorressem, a periculosidade, ento pressuposta pelo

    legislador 49. Entretanto, como se pode perceber do rol abaixo (nota de rodap

    47 RE 107597-0-PR, 1987, pp. 604-605 48 Presuno de periculosidade Art. 78. Presumem-se perigosos: I aqueles que, nos termos do art. 22, so isentos de pena; II - os referidos no pargrafo nico do artigo 22; III - os condenados por crime cometido em estado de embriaguez pelo lcool ou substncia de efeitos anlogos, se habitual a embriaguez; IV - os reincidentes em crime doloso; V - os condenados por crime que hajam cometido como filiados a associao, bando ou quadrilha de malfeitores. 49 E. R. FERRARI, Medidas de Segurana e Direito Penal no Estado Democrtico de Direito, So Paulo, RT, 2001, p. 36.

  • 38

    47), presumir a periculosidade dos traficantes de drogas ilcitas foi passo que

    nem mesmo o legislador de 1940, de ntido vis autoritrio, ousou dar. Sem

    embargo, o recurso presuno de periculosidade configura mais um dos

    subterfgios utilizados pelo Supremo para chancelar custdias destitudas de

    fundamento cautelar, voltadas a funcionar como verdadeira medida de

    segurana provisria, como se processou na espcie.

    4.2. Do Clamor Pblico

    O clamor pblico resultante da prtica do delito justificou a manuteno da

    priso cautelar em 36 julgamentos. Como consta da Tabela 1, o clamor

    funcionou como fundamento para a custdia em 20 oportunidades, aparecendo,

    ainda, em 16 outros casos ao lado periculosidade do agente como motivo

    alegado pelo Supremo para manter a priso cautelar. Em apenas dois casos,

    como veremos abaixo, o STF decidiu pelo relaxamento de priso cautelar

    amparada no clamor pblico gerado pela prtica do delito.

    Diferentemente dos casos examinados acima, nos quais a necessidade de

    preveno quanto prtica de novos delitos pelo imputado deu a tnica das

    decises, nos casos que sero analisados a seguir visualizaremos a preocupao

    dos ministros em oferecer pronta resposta punitiva, de modo a aplacar os

    nimos de uma sociedade supostamente acossada pela criminalidade e descrente

    quanto efetividade da Justia.

    A demanda que ento se coloca liga-se no a defesa da sociedade quanto

    a futuros delitos, mas, de outra sorte, a anseios pelo funcionamento sumrio da

    Justia Criminal na distribuio de punies queles que delinqem.

    No captulo anterior observou-se que as circunstncias judiciais, subjetivas

    personalidade e antecedentes do agente e objetivas motivos e

    circunstncias do delito -, autorizavam o reconhecimento do estado perigoso do

    indivduo. dizer, estar-se-ia, na espcie, diante de um sujeito qualitativamente

  • 39

    distinto do honrado que cumpre as leis 50, estar-se-ia diante de um ser escravo

    de sua carga hereditria, enclausurado em si e separado dos demais, que mira o

    passado e sabe, fatalmente escrito, seu futuro: um animal selvagem e perigoso 51. E do indivduo perigoso no se haveria de esperar seno a repetida prtica de

    delitos, o que justificaria a cautela, voltada defesa social.

    No captulo presente, por sua vez, sero analisadas decises nas quais no

    foram externadas preocupaes quanto ao futuro de uma sociedade tripudiada

    por bandoleiros temveis 52. De outra sorte, examinaremos no o funcionamento

    sumrio da Justia para tutelar o futuro ameaado pela suposta reiterao

    delitiva -, mas sim para reprovar o passado, impondo pronta resposta punitiva

    aos imputados.

    importante consignar que trabalharemos com a expresso clamor

    pblico por esta estar prevista normativamente (Art. 323, V, CPP). Entretanto,

    outras expresses sinnimas so utilizadas nos acrdos, tais como clamor

    popular, repercusso pblica, conscincia pblica, revolta, etc.

    Vale acrescentar que, por regra, o clamor pblico apontado como

    resultado da gravidade do delito. Outras vezes, porm, o prprio clamor pblico

    indicado no como resultado, mas como causa, a saber, do descrdito na

    Justia, pretensamente desprestigiada por no responder prontamente s

    infraes penais, ou, ainda, da ameaa integridade pessoal do imputado,

    supostamente em perigo por conta da ira da comunidade em que se processou o

    fato delituoso.

    Assim, atravs do RHC 65001-5-PR, de 07/04/1987, buscava o recorrente,

    acusado de ser o mandante de crime de homicdio qualificado, o relaxamento da

    priso preventiva contra ele decretada, ancorada na garantia da ordem pblica e

    no asseguramento da aplicao da lei penal. O recurso foi improvido, em votao

    unnime, valendo destacar a seguinte passagem do voto do Ministro-Relator,

    Clio Borja:

    50 A. GARCA-PABLOS DE MOLINA, Criminologia una introduccin a sus fundamentos tericos para juristas, trad. port. de L. F. GOMES, Criminologia introduo a seus fundamentos tericos, 3 ed., So Paulo, RT, 2000, p. 70. 51 Ibid. 52 RHC 57571-4-PR, 1980, p. 136.

  • 40

    s fls. 56/57 encontram-se pginas de jornais da regio,

    noticiando o crime e a revolta por ele causada, no seio da

    populao. [...]

    Circunstncias h que legitimam a constrio do acusado ou

    indiciado, com vistas garantia da ordem pblica e da concreta

    aplicao da lei penal, tomados esses dois conceitos em seu

    sentido mais amplo, de manuteno ou estabelecimento da

    disciplina social e dos seus valores e de exata e imparcial apurao

    da verdade dos fatos 53.

    Do decreto prisional, constante do parecer da PGR, se extrai o seguinte

    trecho:

    Verifica-se pois, que as circunstncias que envolveram o

    homicdio, provocaram desde a data de ontem, clamor pblico e,

    considerando ainda a condio pessoal do mandante do crime e

    vereador daquela cidade, Osvaldo Santana, impe-se a segregao

    social de todos os envolvidos, como garantia da ordem pblica 54.

    Com se v, as circunstncias do delito, dentre as quais o envolvimento de

    um vereador, so apontadas como geradoras de revolta no seio da populao,

    ensejando ampla cobertura jornalstica, que, por sua vez, funciona como

    elemento para a formao do convencimento do ministro.

    No h como negar que, na espcie, a custdia cautelar assume claros

    contornos de pena antecipada, voltada manuteno ou estabelecimento da

    disciplina social e dos seus valores. Com efeito, a populao, segundo os

    jornais, clama por justia sumria, no que prontamente atendida, tendo lugar a

    antecipao da tutela penal em desfavor do recorrente, que resta punido mesmo

    antes de sua condenao.

    H que se destacar tambm a postura do ministro em relao expresso

    garantia da ordem pblica, que, segundo ele, deve ser tomada em seu sentido

    mais amplo, de manuteno ou estabelecimento da disciplina social e dos seus

    valores. Quer nos parecer que, considerando a porosidade j prpria da referida

    53 RHC 65001-5-PR, 1987, p. 105. 54 Ibid., p. 101.

  • 41

    expresso, tom-la em seu sentido mais amplo no seno viabilizar o exerccio

    do arbtrio por parte dos julgadores, para que possam decretar prises sem a

    indispensvel motivao, o que indicaria a pertinncia do que preconizado por

    Antonio Magalhes Gomes Filho, para quem o recurso ordem pblica,

    representando a superao dos limites impostos pelo princpio da legalidade

    estrita, teria a clara destinao de fazer prevalecer o interesse da represso em

    detrimento dos direitos e garantias individuais 55. Sem embargo, tal poder,

    assim sugerido pelo ministro, no se harmoniza com os ditames de um processo

    penal democrtico.

    Diversas outras prises cautelares foram mantidas sob a justificativa de

    ter o delito causado clamor pblico.

    No RHC 60089-1-CE, por exemplo, o recorrente, acusado da prtica dos

    delitos tipificados no Art. 121, p. 2., I e II, Art. 129, caput e Art. 129, p. 2, V

    c/c Art. 25 e 44, II, "c" e "d", CP/1940, alegando falta de fundamentao da

    medida constritiva argumento presente, por sinal, em todas as impetraes

    analisadas -, pleiteava o relaxamento de priso preventiva, decretada para

    garantia da ordem pblica. No julgamento, realizado no dia 30/06/1982, o

    Plenrio, em deciso unnime, decidiu pelo improvimento do recurso. Do voto

    do Ministro-Relator, Alfredo Buzaid, segundo o qual o magistrado de primeiro

    grau decretou fundamentadamente a custdia prvia, destaca-se a seguinte

    passagem do decreto prisional:

    A violncia com que se houveram os acusados, como se pode ver

    da prova coligida at o momento e a falta de oportunidade de

    defesa, pelo inopino da ao, conforme dizem os depoimentos at

    agora tomados, causaram grande impacto e comoo no seio da

    comunidade local que ainda lamenta e chora a perda de um de

    seus membros ilustres, de conduta ordeira e lanho no trato (fls.

    41) 56.

    Do trecho colhido do decreto prisional, cujas razes foram aproveitadas

    pelo Ministro-Relator, extrai-se que algumas circunstncias do delito emprego

    55 A. MAGALHES GOMES F., Presuno de Inocncia e Priso Cautelar, So Paulo, Saraiva, 1991, p. 67. 56 RHC 60089-1-CE, 1982, p. 200.

  • 42

    de violncia e falta de oportunidade de defesa do ofendido -, so apontadas

    como causa do grande impacto e da comoo no seio da comunidade local, o

    que justificaria a priso preventiva para garantia da ordem pblica. Como

    repetiria o Ministro Francisco Rezek em diversas oportunidades RHC 60973-2-

    PR, p. 200; RHC 61331-4-SP, p. 152; RHC 61394-2-SP, p. 201; RHC 61355-1-

    SP, p. 55 -, cuidar-se-ia de responder agresso que o crime, por suas

    caractersticas de violncia e vilania, desferiu sobre o meio social local. Com

    efeito, visualiza-se, na espcie, flagrante antecipao da tutela penal, desferida

    pronta retribuio ao suposto autor, sem que sejam declinados quaisquer

    argumentos voltados demonstrao da necessidade cautelar da medida.

    H que se destacar ainda a emotividade do magistrado de primeiro grau

    na considerao da atmosfera presente em sua comunidade, a qual ainda

    lamenta e chora a perda de um de seus membros ilustres, de conduta ordeira e

    lanho no trato. Sem embargo, tais consideraes esto a realar a natureza

    condenatria do despacho prisional levado a efeito pelo juiz, despacho este que,

    como foi dito, teve suas razes aproveitadas pelo Ministro-Relator, no que foi

    acompanhado pelos demais ministros.

    Nos RHCs 60045-0-RJ, 61624-1-SP, 63429-0-BA, 64535-6-SC e 65583-1-

    PR encontramos fundamentaes bastante similares s supramencionadas.

    Entretanto, cumpre acrescentar que algumas prises no foram

    justificadas a partir de consideraes sobre o alegado concreto clamor popular

    causado pelo delito. Em alguns casos, bastou para tanto a afirmao genrica de

    que o delito, por suas caractersticas, geraria, inevitavelmente, clamor pblico,

    dispensando-se, desse modo, a indicao de elementos como notcias de jornal

    que, concretamente, demonstrassem o grau de indignao social frente

    prtica do delito.

    Assim, no RHC 60910-4-SP, o recorrente, preso em flagrante por suposta

    prtica de roubo, visava concesso de liberdade provisria, pleito que no foi

    atendido pelo Supremo, cuja Primeira Turma, unanimidade, decidiu pelo

    improvimento do recurso, em julgamento realizado no dia 20/05/1983.

  • 43

    O Ministro-Relator, Oscar Corra, aceitou os fundamentos consignados no

    despacho denegatrio do pedido de liberdade provisria, prolatado pelo juiz de

    primeiro grau, do qual se colhe:

    Com efeito, o ru participou de dois roubos consumados e um

    tentado, todos com o emprego de arma de fogo.

    Tais delitos, vulgarmente chamados assaltos, provocam,

    indubitavelmente, o clamor pblico, sendo desaconselhvel que o

    ru seja posto em liberdade. Sua priso se justifica, ainda, como

    garantia da ordem pblica 57.

    Como se observa do excerto, h por parte do magistrado de primeiro grau

    cujas razes foram acolhidas pelo STF -, apenas o juzo abstrato de que os

    vulgarmente chamados assaltos, provocam, indubitavelmente, o clamor

    pblico, que figuraria como conseqncia necessria, automtica, da prtica do

    referido delito. dizer, a mera realizao do crime de roubo qualificado ensejaria

    a deflagrao da priso processual, cuja necessidade, nesses casos, seria

    presumida, prescindindo-se de fundamentao que a demonstrasse. Ora, v-se,

    indubitavelmente, o resgate da priso preventiva obrigatria, extirpada do

    ordenamento jurdico brasileiro desde 1967.

    Por sua vez, no julgamento do RHC 60926-1-RJ Rel. Aldir Passarinho -,

    improvido, foi mantido o decreto de priso expedido contra o recorrente, policial

    acusado da prtica de homicdio e de homicdio tentado (qualificados), constando

    do referido despacho (endossado pelo Supremo) que

    [...] a conscincia pblica est cansada e sofrida e farta de assistir

    passivamente quela impunidade quase certa que tem

    acompanhado durante anos as arbitrariedades policiais. A

    conscincia pblica quer e exige saber que policiais, ao praticarem

    fatos criminosos, no permaneam mansa e comodamente alheios

    ao Direito e margem da lei 58.

    Na espcie, a priso preventiva restou amparada pela suposio de que a

    sociedade exige pronta punio aos policiais que delinqem. Com efeito, a

    57 RHC 60910-4-SP, 1983, p. 161. 58 RHC 60926-1-RJ, 1983, p. 167.

  • 44

    pressuposta indignao pblica frente impunidade que cercaria tais delitos

    funcionaria, na viso do Supremo, como fundamento apto a respaldar a custdia

    preventiva.

    De outra sorte, decidiu-se pelo deferimento do pedido formulado pelo

    imputado em trs oportunidades, a saber: RHCs 62326-3-SE, 62786-2-BA e

    64420-1-RJ. No caso do RHC 62786-2-BA, vale consignar, o Supremo deu

    provimento ao recurso por reconhecer excesso de prazo na concluso da

    instruo criminal.

    Examinemos o julgamento do RHC 64420-1-RJ. Neste o recurso foi

    provido, relaxando-se a priso preventiva decretada contra recorrente, acusado

    de homicdio.

    Do parecer da PGR, no acolhido pelos ministros, se extrai o seguinte

    trecho do decreto prisional: Por outro lado, o crime abalou a cidade bem como a

    ordem pblica pelo clamor pblico da prtica do fato, em plena praia onde se

    encontravam dezenas de pessoas para o lazer [...] 59.

    Como se v, o despacho se apia no clamor pblico decorrente das

    apontadas circunstncias do delito da prtica do fato, em plena praia onde se

    encontravam dezenas de pessoas para o lazer.

    O Ministro-Relator, Aldir Passarinho, votou pelo provimento do recurso, no

    que foi acompanhado pelos demais ministros. Para tanto, deixou consignado

    que:

    Entretanto, a meu ver, a aluso de ter havido clamor pblico pelo

    crime praticado s por si no pode justificar a priso preventiva, e

    tanto isso certo que o outro ru, igualmente acusado, teve sua

    priso preventiva revogada.

    de observar-se ainda, que nada h, nos autos, que indique ter

    havido motivo torpe para a prtica do crime, e nem foi ele na

    calada da noite, ou indicando volte o paciente a delinqir 60.

    59 RHC 64420-1-RJ, 1987, p. 85. 60 Ibid., p. 88.

  • 45

    Como se depreende do fragmento acima, as referidas circunstncias do

    delito e o conseqente clamor pblico no foram suficientes para justificar a

    custdia. De outra sorte, o ministro ancorou sua deciso na inexistncia de

    motivos desabonadores, ressaltando ainda no ter sido o crime realizado na

    calada da noite, ou de forma a revelar a periculosidade do agente.

    O Ministro Francisco Rezek votou em seguida, acompanhado o relator,

    porm, deixando ressalvado que:

    Sr. Presidente, esta Turma tem jurisprudncia, duas ou trs vezes

    prestigiada nestes ltimos anos, no sentido de que, em

    circunstncias excepcionais, mesmo no havendo argumento de

    ndole operacional, pode justificar-se a custdia preventiva quando

    o crime, por suas caractersticas excepcionais de violncia e

    vilania, produz comoo social de tal monta que a falta da custdia

    ameaaria a credibilidade da justia penal. Ao que exps o

    eminente Ministro relator, o caso no esse. Aqui parece ter

    havido hipersensibilidade do magistrado criminal, na considerao

    da gravidade do crime 61.

    A ressalva do Ministro Rezek bem ilustrativa da natureza punitiva da

    priso decretada com apoio no clamor pblico gerado pelo delito. Como se

    observa, o ministro afirma a possibilidade de decretao de custdia preventiva

    mesmo no havendo argumento de ndole operacional, ou, em outros termos,

    mesmo que no seja demonstrada a necessidade da medida para o processo.

    Para tanto, basta que o crime, por suas caractersticas excepcionais de violncia

    e vilania, produza clamor pblico de tal monta que a falta da custdia ameace a

    credibilidade da justia penal. Com efeito, visualiza-se a Justia pretendendo

    amealhar credibilidade a partir de condenaes sumrias, fixadas sem o devido

    processo.

    Ao contrastarmos a deciso acima com as anteriormente examinadas, no

    somos capazes de apontar com preciso o elemento presente nesta que a

    diferencie daquelas, de modo a justificar na espcie, diferentemente do que se

    examinou nos outros casos, o provimento do recurso. Quer nos parecer que o

    fato da priso de um dos dois rus ter sido anteriormente relaxada pela prpria

    61 RHC 64420-1-RJ, 1987, p. 89.

  • 46

    magistrada de primeiro grau induziu os ministros a julgarem pela desnecessidade

    da medida coercitiva, apontado como insuficientes elementos clamor pblico

    decorrente das circunstncias do delito - que em outras oportunidades bastaram

    para justificar a custdia.

    4.2.1. O Clamor Pblico e a Credibilidade do Estado e da Justia

    Em outras oportunidades, o clamor pblico foi apontado no apenas como

    resultado da gravidade do delito, mas tambm como causa de possvel

    desprestgio do Poder Judicirio, caso no se respondesse sumariamente ao

    delito praticado. Essa quadro foi observado no julgamento dos RHCs 58670-8-

    SC, 60289-4-BA, 60973-2-PR, 63950-0-RN, 64935-1-ES e 65204-2-SP.

    No julgamento do RHC 60973-2-PR, que ser ainda muitas vezes

    mencionado neste trabalho, a recorrente, denunciada pela prtica de homicdio

    triplamente qualificado, pleiteava o relaxamento da priso preventiva contra ela

    decretada. Em sesso realizada no dia 27/05/1983, o Supremo, pela sua

    Segunda Turma, decidiu, em votao unnime, pelo improvimento do recurso.

    Do decreto de priso, presente no relatrio, extrai-se a seguinte

    passagem:

    de ser deferida a medida, para assegurar a aplicao da lei e

    convenincia da instruo criminal e ainda, por terem, os Rus,

    demonstrado alta periculosidade. [...]

    A ndole m de Cleide, aliada a ociosidade de Carlos Alberto, revela

    a necessidade da medida, que apesar de ser violenta, necessria

    nestes autos, para que se possa aplicar a lei e para a tranqilidade

    social 62.

    Na espcie, Cleide e Carlos Alberto foram denunciados pela morte do

    marido daquela.

    62 RHC 60973-2-PR, 1983, p. 199.

  • 47

    Do voto do Ministro-Relator, Francisco Rezek, destaca-se o fragmento

    abaixo, que viria a ser utilizado pelo ministro com motivao em diversos outros

    julgados:

    A ordem pblica, em cujo interesse essa medida foi determinada,

    conceito mais amplo do que pretende o recurso. No se cuida, no

    caso, de proteger as pessoas luz da idia, hipottica e abstrata,

    de que a paciente possa reproduzir, neste momento, a trama

    homicida que vitimou o seu marido, traio, por motivo torpe e

    por meio cruel.

    Cuida-se de responder agresso que o crime, por suas

    caractersticas de violncia e vilania, desferiu sobre o meio social

    local. Cuida-se de preservar a credibilidade do Estado e da Justia.

    Subsidiariamente, cuida-se at mesmo de garantir a incolumidade

    fsica do ru, que o crime ter colocado em risco, agravado de

    modo amplo quando a Justia entenda de coloc-lo em liberdade

    enquanto espera pelo julgamento 63.

    No primeiro pargrafo do excerto, como se observa, o ministro afasta a

    alegao a cerca da periculosidade da recorrente presente no decreto prisional,

    afirmando que no caso no se cuida de proteger a sociedade quanto suposta

    reiterao delitiva a vir a ser efetivada pela paciente. Cuidar-se-ia, por outra

    sorte, de responder prontamente violao causada pelo grave delito,

    aplacando-se o clamor pblico gerado pelo delito e, consequentemente,

    assegurando-se a credibilidade do Estado e da Justia e a prpria incolumidade

    fsica da imputada. Com efeito, visualiza-se o Supremo Tribunal Federal

    amealhando credibilidade a partir da antecipao sumria da tutela penal, ao

    arrepio do devido processo e, com se muito tal no fosse, privando o individuo

    de sua liberdade sob a insustentvel justificativa de lhe estar protegendo de

    agresses provenientes de terceiros.

    4.2.2. O Clamor Pblico e a Segurana do Imputado

    63 RHC 60973-2-PR, 1983, p. 200.

  • 48

    A segurana do imputado, que no tpico anterior ocupou posio marginal

    na argumentao desenvolvida no STF para justificar a priso cautelar 64,

    ganhar, nesse passo, relevo, funcionando como motivo preponderante para a

    manuteno das custdias.

    Entretanto, ao contrrio do que foi observado neste trabalho at este

    ponto, a pertinncia de se decretar prises cautelares ancoradas na necessidade

    de se resguardar a incolumidade do imputado (a ttulo de preservao da ordem

    pblica) no foi encarada de modo pacfico no tribunal. Assim, enquanto a

    Primeira Turma refutou o referido argumento em duas das trs oportunidades

    em que a matria foi por ela apreciada, a Segunda Turma julgou pela legalidade

    da custdia motivada por tal fundamento nos quatro casos que examinou. Alem

    disso, vale ainda acrescentar que na oportunidade em que a Primeira Turma

    julgou legtima a referida fundamentao, a deciso se processou por maioria de

    votos, o que revela uma clara resistncia deste rgo fracionrio a aceitar a

    segurana do agente como contedo emprestvel vaga expresso que se tem

    em mira, qual seja, garantia da ordem pblica.

    4.2.2.1. Na Primeira Turma

    Como afirmamos supra, a proteo incolumidade do imputado no foi,

    na Primeira Turma, bem recepcionada como motivao apta a sustentar a priso

    cautelar fundada na garantia da ordem pblica. Desse modo, no HC 60255-0-PE

    (1982) e no RHC 64054-1-RJ (1986) entendeu-se desfundamentadas as prises

    ancoradas na necessidade de se prover de segurana o apontado autor, sob a

    rubrica garantia da o