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LUIZ ANTONIO ANTUNES DA PRISÃO TEMPORÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO CENTO UNIVERSITÁRIO TOLEDO ARAÇATUBA 2007

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LUIZ ANTONIO ANTUNES

DA PRISÃO TEMPORÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

CENTO UNIVERSITÁRIO TOLEDO ARAÇATUBA

2007

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LUIZ ANTONIO ANTUNES

DA PRISÃO TEMPORÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Dissertação apresentada à banca examinadora do Centro Universitário Toledo de Araçatuba-SP, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Processual Penal, sob orientação do Professor Doutor Guilherme de Souza Nucci.

CENTO UNIVERSITÁRIO TOLEDO ARAÇATUBA

2007

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Banca Examinadora

_________________________________ _________________________________ _________________________________

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Dedicatória Aos amigos Walter Martins Muller e

Alessandro Tadeo Haggi Andreoti pelo

auxílio e companheirismo quando da

opção pela pesquisa jurídica e magistério

superior.

Aos meus pais, ainda e sempre a melhor

amizade que conheci.

Aos meus sobrinhos, pelas infindáveis

horas subtraídas a seus convívios.

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Agradecimentos Agradeço a Deus e a todos aqueles que de

alguma forma colaboraram para que os

obstáculos e os desafios tornassem apenas

momentos de superação e vitória, pois sempre

serão lembrados como ensinamentos, nunca

como fracassos.

Agradeço aos professores do curso de

mestrado e, em especial, ao Dr. Guilherme de

Souza Nucci pelo profissionalismo e dedicação

com que coordenou essa atividade de pesquisa.

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“Se o Direito nem sempre logra êxito na

consecução do valor proposto, é necessário, ao

menos, que haja sempre uma tentativa de

realizar o justo”. (Miguel Reale)

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R E S U M O

Este trabalho visa demonstrar a evolução da pena, do processo penal e do Poder Judiciário ao

longo do tempo. Faz uma análise sobre os regimes iniciais de cumprimento das penas e, em

seguida, trata das espécies de prisões cautelares contidas no Código de Processo Penal. A

prisão temporária, por ser matéria específica da pesquisa, está inserida em capítulos próprios

que tratam dos requisitos, fundamentos, prazos, atos legais e ilegais e meios impugnativos,

bem como dos argumentos doutrinários que ainda perduram em relação à sua

constitucionalidade ou não. Por fim, conclui-se que a prisão temporária, apesar das críticas, se

decretada após demonstrada a presença dos seus requisitos, é constitucional e de grande

importância na fase pré-processual, dando condições ao judiciário de chegar à instrução

processual e, consequentemente, à resposta estatal, com aplicação da sanção penal, ao

violador da norma.

Palavras-Chave: Prisão temporária, Cautelares, Constitucionalidade,

Inconstitucionalidade, Ilegalidade.

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A B S T R A C T

This paper tends to demonstrate the punishment, criminal procedure and Judicial Power

evolutions through the years. It makes an analysis about the initial regimes of punishment

fulfillments and, afterwards, it’s about the preventive detentions species contained at the Code

of Criminal Procedure. The temporary prison, that is an specific subject of the research, is

inserted in own chapters which are about the requisites, foundations, delays, legal and illegal

acts and impugnative means, as weel as of the doctrinaire arguments which still perdure with

regard to its constitutionality or not. At last, it follows that the temporary prison, in despite of

the critiques, if decreeded after demonstrated the presence of its requisites, is constitutional

and of great concern in the pre-processual period, giving conditions to the judiciary to come

to the processual instruction and, consequently, to the state answer, with the application of

penal sanction, to the norm violator.

Key-Words: Temporary arrest, provisional remedy, constitutionality, unconstitutionality,

illegality.

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S U M Á R I O

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

I CONTEXTO HISTÓRICO ..............................................................................................12 1.1 Síntese evolutiva do Poder Judiciário e do Processo Penal................................................ 12

1.2 O Processo Penal na Antigüidade em relação ao estudo de João Mendes

de Almeida Júnior..................................................................................................................... 12

1.3 As Ordenações do Reino no estudo de José Henrique Pierangeli ......................................16

1.4 O processo criminal no período colonial............................................................................ 19

1.5 O processo criminal no período imperial ........................................................................... 20

1.6 O processo penal no período republicano .......................................................................... 22

1.7 A prisão como pena ............................................................................................................ 24

1.8 Finalidade da prisão e distinção entre reclusão e detenção ................................................ 26

II. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS ESPÉCIES DE PRISÕES CAUTELARES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO............................................34 2.1 A restrição ao direito de ir e vir.......................................................................................... 34

2.2 Prisão em flagrante delito................................................................................................... 36

2.3 Prisão preventiva ................................................................................................................ 44

2.4 Prisão decorrente da decisão de pronúncia......................................................................... 51

2.5 Prisão decorrente de sentença condenatória recorrível....................................................... 54

III DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO TEMPORÁRIA .................................................57

3.1 Considerações gerais e conceito ......................................................................................... 57

3.2 Características e requisitos ................................................................................................. 59

3.3 Hipóteses não ensejadoras de prisão temporária ................................................................ 73

3.4 Momento inicial e final de decretação da prisão temporária.............................................. 76

3.5 Legitimidade para requerer a prisão temporária e seu prazo de duração ........................... 79

3.6 Autoridade competente e motivação para a concessão da medida..................................... 82

3.7 Práticas legais advindas com a prisão do indiciado............................................................ 87

3.8 Atos ilegais advindos da prisão do indiciado ..................................................................... 90

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3.9 Separação do preso temporário e plantão judiciário........................................................... 94

3.10 Meios legais de impugnação da prisão temporária........................................................... 95

3.10.1 Impugnação à decretação da prisão temporária pelo habeas corpus............................. 95

3.10.2 Impugnação ao indeferimento da prisão temporária pelo recurso em

sentido estrito ................................................................................................................ 97

3.10.3 Admissibilidade do mandado de segurança na esfera criminal................................... 100

IV DA CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA ..............................104

4.1 Anteprojeto de lei sobre prisão temporária....................................................................... 104

4.2 Argumentos doutrinários sobre a inconstitucionalidade da Lei 7.960/89 ........................ 106

4.3 Argumentos doutrinários quanto à constitucionalidade da Lei 7.960/89 ......................... 112

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 117

CONCLUSÃO ARTICULADA .......................................................................................... 121

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 125

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INTRODUÇÃO

A pesquisa, desenvolvida num estudo sistematizado, sob o método

bibliográfico e jurisprudencial, visa demonstrar os diversos argumentos sobre a

constitucionalidade, inconstitucionalidade e ilegalidade da prisão temporária, um dos

instrumentos cautelares mais utilizados pela Polícia Civil e Ministério Público na apuração

dos crimes hediondos e graves, uma vez que o Estado tem se utilizado do cerceamento da

liberdade daqueles que infringem as normas exigidas para garantir um mínimo de convívio

social equilibrado e harmônico.

Nessa batalha entre o cidadão e o Estado, verifica-se que aquele é o titular do

jus libertatis, inatingível e garantido constitucionalmente, enquanto este é o titular absoluto do

jus puniendi. As duas partes, aparentemente opostas, acabam se encontrando no exato

momento em que a norma é violada, uma vez que esta é o limite entre o direito de ambos.

Com a conduta violadora da norma, o Estado busca o cidadão, através do due process of law,

e aplica-lhe a sanção, fazendo com que respeite os limites exigidos para o convívio em

sociedade.

Para que o Estado possa aplicar a sanção é preciso pautar-se, nos

procedimentos jurídicos, sob os limites da legalidade, pois, se assim não for, gera-se ao titular

do jus libertatis a possibilidade de permanecer livre.

Muitas vezes, para se atingir o fim almejado pelo Estado em relação à

violação das normas, torna-se imprescindível fazer uso das medidas cautelares de privação da

liberdade. É nesse momento que há o conflito entre a presunção de inocência do cidadão

acusado e o direito do Estado em punir.

O conflito, que a princípio é aparente, será solucionado de forma a prevalecer

a inocência do acusado, antes da sentença penal condenatória ter transitado em julgado,

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exceto se houver ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, nos

casos autorizados por lei. Mesmo preso, nesse caso, não será considerado culpado por tratar-

se de medida cautelar de extrema necessidade e utilidade.

A legislação processual penal nos apresenta quatro espécies de prisão

cautelar, ou seja, a prisão em flagrante delito, a prisão preventiva, a prisão decorrente de

pronúncia e a prisão decorrente de sentença penal condenatória recorrível. A quinta espécie de

cautelar da privação da liberdade encontra-se na Lei nº 7.960/89, que criou a prisão

temporária, objeto de nosso estudo, publicada em 21 de dezembro de 1989.

A criação dessa modalidade de prisão já apontava para abusos que poderiam

vir a ocorrer, haja vista que sua finalidade, além do combate ao aumento da criminalidade

violenta, foi também a de legalizar a prisão para averiguação bastante praticada pela Polícia

como meio para investigar e apontar indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva.

Tanto isso é verdade, que o próprio legislador impôs o controle dessa espécie de prisão ao

Ministério Público (art. 2º, § 1º) e exigiu a fundamentação na sua concessão por parte do Juiz

de Direito (art. 98, IX, da CF c.c. art. 2º, da Lei nº 7.960/89).

Partindo de um contexto histórico sobre as prisões, busca-se mostrar que as

privações cautelares da liberdade devem pautar-se pelos contrastes das disposições legais,

presença dos requisitos, com o princípio da presunção de inocência inserido na Carta Magna,

sob pena de constituir constrangimento ilegal ao preso provisório e abuso de autoridade ao

delegado de polícia ou promotor de justiça por violação da finalidade, no caso em estudo, da

Lei nº 7.960/89.

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I. CONTEXTO HISTÓRICO

1.1 Síntese evolutiva do Poder Judiciário e do Processo Penal

Torna-se necessário, na pesquisa desenvolvida, contextualizar o histórico do

Direito Processual Penal brasileiro e início da prisão como medida cautelar. É sabido que o

Poder Judiciário sempre assegurou a soberania da justiça ao solucionar os conflitos existentes

entre indivíduos ou entre estes e a sociedade através da aplicação da lei ao caso concreto. Não

é tarefa fácil conciliar as garantias de ordem social com as relacionadas à liberdade do

indivíduo acusado da prática de crime, pois, neste conflito, o mesmo interesse que tem a

sociedade de se sentir segura, tem o acusado com relação à sua defesa no intuito de

permanecer livre.

1.2 O Processo Penal na antiguidade em relação ao estudo de João Mendes de Almeida Júnior

Num retrospecto sobre o Poder Judiciário, ressalta o autor que a maior parte

dos juízes indicados para o Tribunal Supremo vinham da classe sacerdotal por serem

considerados homens prudentes, confiáveis e distintos. Os juízes escolhidos para o Tribunal

Supremo ficavam incumbidos de julgar os crimes graves. Para as províncias, eram escolhidos

juízes que atuavam como prefeitos, tendo também como finalidade o julgamento dos crimes

leves, sendo aceita, por indicação desses juízes e para repressão das infrações de menores

conseqüências, a figura do delegado que atuava com chicotadas e bastonadas junto aos

infratores.

Naquele período, o Tribunal Supremo registrava todos os procedimentos

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processuais por escrito, desde a acusação até o ato final do processo. As penas aplicadas eram

pecuniárias, de morte (através de fogo, decapitação e estrangulamento), flagelo e

excomunhão. Não se admitia, nos julgamentos onde se aplicavam as penas mencionadas, o

depoimento de uma única testemunha, exigindo-se no mínimo duas ou três. Sendo o acusado

condenado, quem executava a sentença era o parente mais próximo da vítima.

No decorrer do tempo, o Judiciário organizou-se e surgiram os Tribunais

locais que eram formados por sete juízes sorteados entre os homens mais velhos do lugar.

Posteriormente, foi criado o Tribunal Superior, localizado em Jerusalém e composto por vinte

e três juízes escolhidos entre padres, chefes de família e levitas.

Assim, quando o acusado comparecia, quer ao Tribunal dos vinte e três ou

das pequenas cidades, as peças do processo eram lidas e inquiridas três testemunhas

acusadoras para, em seguida, os anciãos se manifestarem pela culpa ou pela inocência, sendo

tudo resumido por um dos juízes. Se a maioria fosse pela condenação, somente no dia

seguinte havia nova deliberação e, após, voltavam a tomar assento, sendo que os Juízes que

votavam pela condenação podiam mudar seus votos, os demais não. Se o voto da maioria

permanecesse pela condenação, aplicava-se a pena, caso contrário, o acusado era posto

imediatamente em liberdade.

Naquela época, não havia a prisão preventiva, pois a única cautela era a

prisão em flagrante. O acusado só poderia ser preso quando fosse conduzido ao Tribunal para

defender-se e ser julgado, tendo direito à instrução pública, exceto no momento do

julgamento, que era conferido e acordado em segredo.

Com a dominação romana, o sistema processual egípcio foi alterado e, em

Roma, a jurisdição criminal ficou a cargo do Rei que, em alguns casos, delegava a função de

processar e julgar aos comissários duúnviros e aos questores. Expulsos os Reis, a jurisdição

criminal passou para o Senado e para o Povo, sendo que, às vezes, delegavam-na aos cônsules

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que tinham atribuições permanentes de polícia.

Ao Senado competia conhecer da acusação de crime não relacionado à

morte, dos praticados por estrangeiros e dos crimes políticos praticados fora de Roma. As

Assembléias do povo, formavam-se por cúrias (com atribuições de investidura do comando e

conhecimento dos negócios relacionados à religião e aos angúrios), por tribos (com

atribuições de conhecer sobre as exceções e prevaricações dos magistrados, impondo no

máximo penas pecuniárias) e por centúrias (que conheciam das acusações de crimes capitais

e, em grau de apelação, decidiam as ações públicas). O Senado, assim como a Assembléia do

povo, podia delegar o seu poder, delegação essa que se multiplicou cada vez mais em

decorrência do crescimento do número de causas simples e também complexas. Além da

Assembléia do povo e do Senado, havia magistrado com jurisdição própria, porém restrita à

repressão de certos crimes como homicídio (em que o magistrado era o questor), lesa-pátria e

lesa-majestade (duúnviros) etc.

As delegações foram crescendo à medida que aumentavam o número de

causas, e as comissões, em princípio temporárias, foram se tornando freqüentes, até que

surgiram as quoestiones perpetuae, denominação dada em decorrência do caráter permanente

das comissões ou tribunais que se resumia no pretor ou questor (pessoa encarregada de

examinar as acusações) e nos judices jurati (simples cidadãos com aptidão legal e com mais

de trinta anos de idade). Esse tribunal, agora permanente, era público e funcionava no Fórum,

local onde todos os atos do processo eram feitos, desde a acusação até a decisão.

Com o fim da República e início do Império Romano, os crimes de adultério,

peculato, concussão, lesa-majestade, parricídio, violência privada e pública e as falsidades

passaram a ser considerados de ação pública. Todos os demais eram processados como sendo

de ação privada.

Com o início do Império, as quoestiones perpetuae foram, pouco a pouco,

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caindo em desuso em relação aos crimes capitais e de lesa-majestade, passando o julgamento

para competência do Senado. Esse órgão, aos poucos, foi ampliando sua jurisdição e

chamando a si a competência para julgar também os crimes de concussão, cabala, adultério e

envenenamento.

Com isso surgiu a jurisdição denominada proefectus urbi que passou a

processar e julgar todas as causas criminais, dominando por completo todas as atribuições dos

magistrados. Em decorrência disso, aboliu-se expressamente o sistema das quoestiones

perpetuae e cessou a participação dos cidadãos nos julgamentos criminais em Roma e nas

províncias, conservando-se, a partir daí, duas jurisdições permanentes e regulares em matéria

criminal, a proefectus urbi e a proefectus vigilum.

A proefectus urbi julgava os crimes cometidos em Roma e dentro da Itália

num raio de até cem milhas ao redor de Roma, sendo que, de suas decisões, cabia recurso de

apelação para o consistório imperial. Já a proefectus vigilum nada mais era do que a polícia

atuando preventiva e repressivamente contra os delitos de incêndio, fuga de escravos, furto,

roubo etc.

Fora das cem milhas ao redor de Roma e nas províncias, a jurisdição

criminal competia aos proesides e seus assessores. Esses se fixaram nas capitais das

províncias e eram auxiliados pelos legatis para a instrução das causas criminais. Os legatis,

além do auxílio na instrução das causas, tinham direito à repressão dos pequenos delitos e

inspeção das prisões com verificação das causas das detenções e ordem de soltura dos presos

contra os quais não houvesse acusação alguma.

Toda essa organização modificou-se pela instituição dos defensores

civitatum, magistrados que, pouco a pouco, foram adquirindo jurisdição criminal. A Igreja

começou a manifestar-se sobre a jurisdição criminal, tendo os bispos direito de inspeção sobre

os processos, prisões, causas das detenções, advertências aos magistrados e denunciação de

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suas negligências, incúrias e prevaricações. Logo, principiava a preparação para o domínio

das formas canônicas no processo criminal.

Com a invasão bárbara sobre a Península Ibérica, os visigodos, que eram

cristãos, trouxeram duas jurisdições: uma composta pela assembléia dos homens livres que

julgava os casos e crimes graves; outra delegada aos homens mais velhos que julgavam os

negócios menores. Os crimes contra a sociedade, tais como o dos traidores e dos trânsfugas,

eram punidos com a morte, sendo os culpados enforcados ou submergidos. Os crimes contra o

indivíduo, caso afetasse a pessoa, eram punidos pela composição ou dinheiro de proteção; se

afetasse a propriedade, eram punidos pela compensação ou dinheiro de retorno. Caso não

houvesse a composição ou compensação, o culpado era excluído da sociedade e o ofendido

podia declarar-lhe o duelo1.

1.3 As Ordenações do Reino no estudo de José Henrique Pierangeli

A história revela que depois de ter sido Portugal regido por um longo período

sob os mandos do Direito Romano e Canônico, além da aplicação dos usos e costumes,

verificou-se que, em decorrência da multiplicidade de leis, que se sucediam no tempo, havia

chegado o momento de se elaborar um Código.

No reinado de D. Afonso II, a monarquia começou a se fortalecer, mas

somente com a posse de D. Afonso III, em 1248, que esse fortalecimento tornou-se mais

nítido, passando a lei a expressar com exclusividade a vontade régia. Com a substituição

gradativa dos usos e costumes pelas leis durante o reinado de D. Afonso III, também chamado

de rei legislador, começaram-se a verificar os excessos legais, que só foram acentuados

posteriormente pelos sucessores, tendo D. Afonso V ordenado uma compilação das diversas

leis extravagantes elaboradas, passando a denominar-se Ordenações Afonsinas.

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Essas Ordenações foram divididas em cinco livros, sendo o quinto aquele

que cuida dos delitos, das penas e do processo penal, em que o legislador não teve em vista o

fim da pena e a sua proporção com o delito, mas ninguém, apesar das imperfeições, contesta a

importância dessas Ordenações que, inclusive, serviram de base para as demais.

Depois de aproximadamente cinqüenta e nove anos de vigência das

Ordenações Afonsinas, foi necessária uma revisão no intuito de adequá-las às leis

extravagantes e possibilitar a um número maior de pessoas o conhecimento de seu conteúdo

através da impressão de maior quantidade de cópias. A conclusão da revisão do primeiro livro

deu-se em 1512, sendo no ano seguinte concluída a do segundo e, somente em 1514,

concluiu-se a revisão dos demais. Não satisfeito, D. Manuel mandou inutilizar todos os

exemplares e nomeou nova comissão para elaboração da coletânea que foi publicada em 11 de

março de 1521, vigendo até 11 de janeiro de 1603, sob a denominação de Ordenações

Manuelinas, apresentando pequenas alterações em relação às anteriores, principalmente na

ordem da colocação dos títulos, distribuição dos artigos e parágrafos.

Com a elaboração de novas leis que alteraram os dispositivos das

Ordenações Manuelinas, cada vez mais difícil tornou-se a sua compreensão e aplicação, até

que, em 1537, D. Henrique – regente em decorrência da menoridade de D. Sebastião, herdeiro

e sucessor do trono – incumbiu Duarte Nunes Leão de compilar as leis posteriores e colocar

em ordem a legislação em vigor. A compilação foi aprovada pelo Alvará Real de 14 de

fevereiro de 1569 e denominada de Compilação de D. Duarte Nunes Leão, ou Ordenações

Sebastiânicas, ou Código Sebastiânico, que era dividido em seis partes. Uma delas estabelecia

o rito que os processos deviam observar, enquanto a quarta parte registrava a distribuição dos

delitos e suas espécies.

Em 1557, em Portugal, na regência de Felipe I, este ordenou reformas nas

1 O processo criminal brasileiro, p. 16-53.

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Ordenações Manuelinas, passando a denominar-se Ordenações Filipinas, não por capricho

pessoal, mas por necessidade, tendo sido concluída a reforma em 1595. Por motivos obscuros,

as Ordenações não foram promulgadas e, com a morte de Felipe I, ocorrida em 1598, houve

uma revisão introduzindo várias modificações no texto, sendo elas promulgadas em 11 de

dezembro de 1603 durante o reinado de Felipe II.

As Ordenações Filipinas prosseguiram na luta contra a justiça privada. A

pena de morte era cominada para a maior parte dos delitos. As chamadas penas vis, aplicadas

aos crimes infamantes, também estavam presentes, sendo elas o açoite, a mutilação, as galés

ou trabalhos públicos, o baraço e o pregão entre outras. Também eram contempladas as penas

de multa e a de degredo. Não vigia o princípio da legalidade, do que se conclui ter havido,

para alguns delitos, a aplicação da chamada pena crime arbitrária, por ficar ao talante do

julgador sua fixação de acordo com a qualidade da malícia e a prova apresentada.

Essas Ordenações não tiveram aplicação no Brasil, pois, quando em 1521

foram revogadas pelas Ordenações Manuelinas, nenhum núcleo colonizador havia se

instalado no nosso país. Só em 1532, Martim Afonso de Souza iniciou a colonização,

fundando a cidade de São Vicente. Vigiam, portanto, as Ordenações Manuelinas. De 1534 até

1536, as terras do Brasil foram divididas em capitanias hereditárias e entregues a donatários.

A esses foram delegados poderes quase absolutos, constituindo-se em lugares-tenentes do

reino, com poderes e obrigações bem definidos, mas que eram bastante abrangentes. Entre os

deveres, estava o de administrar a terra e fazer cumprir a lei, exercendo função de supremo

magistrado, cabendo-lhe a nomeação de juízes, tabeliães etc. O donatário tinha poder para

aplicar pena de morte, degredo ou multa.

Assim, observa-se que, embora formalmente, as Ordenações Manuelinas e as

compilações de Duarte Nunes de Leão vigorassem à época das capitanias hereditárias e dos

primeiros governos gerais [...], no Brasil vigoravam as determinações régias, aliadas às Cartas

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de Doação, com força semelhante à dos forais, por elas regulando a justiça local2.

1.4 O processo criminal no período colonial

Doutrina João Mendes de Almeida Júnior que a descoberta do Brasil, em

1500, ocorreu no reinado de D. Manuel em Portugal, quando então houve a divisão da colônia

brasileira em capitanias hereditárias. Por não alcançar estas os resultados desejados, em 1549,

no reinado de D. João III, criou-se um governo geral, com sede na cidade de Salvador e, em

1573, para facilitar a administração, a colônia foi novamente dividida em duas partes,

permanecendo um governo em Salvador e outro no Rio de Janeiro. Em 1609, cria-se um

Tribunal de Relação na Bahia denominado Tribunal da Relação do Brasil. Esse tribunal foi

suprimido em 1636 e restabelecido em 1662 durante o reinado de D. João IV. Em 1712, no

governo de D. João V, declarou-se que o Poder Judiciário, a partir daquela data, estava isento

de toda e qualquer dependência dos governos gerais.

No dia 20 de janeiro de 1745, publicou-se a primeira carta régia

determinando ao Corregedor do Crime da Corte que aplicasse a lei com bom senso,

interpretando-a em cada caso concreto. Em 1808 foi criado o Supremo Conselho Militar e de

Justiça, o Tribunal da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens, o lugar de

Juiz Conservador da Nação Britânica, a Intendência Geral de Polícia e o Superior Tribunal de

Justiça. Em abril de 1821, D. João VI deixou o Brasil sob a regência do Príncipe D. Pedro de

Alcântara e retornou para Portugal. D. Pedro continuou atuante em relação à separação das

justiças e independência política. Por aviso de 28 de agosto de 1822, o Príncipe Regente

mandou que os juízes do crime seguissem as bases da Constituição da Monarquia portuguesa

e das leis quanto à observação das regras, tanto para a formação da culpa, como para a

2 Processo penal: evolução histórica e fontes legislativas, p. 28-40 e 45-49 e Códigos penais do Brasil: evolução histórica, p. 51-58.

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procedência em relação à prisão antes da culpa formada3.

1.5 O processo criminal no período imperial

No dia 7 de setembro de 1822, o Brasil foi declarado como Estado.

Romeu Pires de Campos Barros, em decorrência da independência política

do Brasil, em 25 de março de 1824, leciona:

[...] ter sido decretado o primeiro Diploma Constitucional Imperial, que, em seu art. 179, parágrafos 8º e 10º, dispõe: ‘Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei. À exceção do flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for arbitrária, o juiz que a deu, e quem tiver requerido, serão punidos com as penas que a lei determinar’, exigindo a criação urgente de um Código Criminal4.

Este, segundo Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior,

[...] foi promulgado e publicado em 16 de dezembro de 1830, e reduzia o número de delitos punidos com morte de 70 para 3, quais sejam, a insurreição de escravos, o homicídio com agravante e o latrocínio. O elenco de penas continuava grande, incluindo as penas seguintes: morte, galés, prisão com trabalho, prisão simples, banimento, degredo, desterro, multa, suspensão do emprego e açoites para escravos5.

José Frederico Marques, comentando as Ordenações do Reino, leciona que o

legislador ali só teve em vista conter os homens por meio do terror. Penas crudelíssimas eram

cominadas a infrações muitas vezes sem maior importância. A desigualdade penal imperava,

pois a sanção era imposta conforme a qualidade ou condição da pessoa, sendo punidos

diferentemente nobres e plebeus6. Apesar do início das mudanças em relação às penas cruéis,

o Código Criminal do Império não se afastou muito das Ordenações.

Aníbal Bruno, comentando as Ordenações Filipinas, nos faz refletir sobre a

necessidade das penas cruéis naqueles períodos e o iter normal de sua evolução, uma vez que:

[...] para julgá-la é preciso situá-la naqueles começos do século XVII, em que foi

3 O Processo criminal brasileiro, p. 141-154. 4 Processo penal cautelar, p. 71. 5 Teoria da pena, p. 40. 6 Tratado de direito penal, p. 115.

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promulgada e dos quais reflete os princípios e os costumes jurídicos. Baseada na intimidação pelo terror, como era comum naqueles tempos, distinguiam-se as Filipinas pela dureza das punições, pela freqüência com que era aplicável a pena de morte e pela maneira de executá-la, morte por enforcamento, morte pelo fogo até ser o corpo reduzido a pó, morte cruel precedida de tormentos cuja crueldade ficava ao arbítrio do Juiz; mutilações, marca de fogo, açoites abundantemente aplicados, penas infamantes, degredos, confiscações de bens. Do seu rigor e crueldade pode-se julgar pela freqüência com que nela se repete o horrendo estribilho do morra por ello. A pena de morte era, por assim dizer, a punição normal dos crimes [...]. A esse quadro se juntava o horrível emprego de torturas para obter confissões e o arbítrio do juiz7.

Na lição de Luigi Ferrajoli,

[...] a história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos: porque mais cruéis e talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas e porque, enquanto o delito costuma ser uma violência ocasional e às vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, consciente, organizada por muitos contra um8.

Luiz Regis Prado argumenta

[...] que a prisão era outrora apenas um instrumento de custódia provisória do acusado, enquanto se desenrolava o processo ou se aguardava o início da execução da pena (...). A prisão somente surge como pena no Direito Canônico, através do recolhimento, em cela, dos religiosos que houvessem perpetrado delitos eclesiásticos, bem como daqueles submetidos a julgamento pelos tribunais da Igreja9.

A Lei de 3 de dezembro de 1841, regulada pelo Decreto nº 120, de 31 de

janeiro de 1842, ensina João Mendes de A. Júnior, trouxe grande controvérsia ao criar, na

Corte e em cada Província, um chefe de polícia com delegados e subdelegados nomeados pelo

Imperador. Os chefes de polícia eram escolhidos dentre os Desembargadores e Juízes de

Direito, enquanto os delegados e subdelegados dentre os juízes e cidadãos10.

Seguindo a doutrina de Romeu Pires de Campos Barros, verifica-se que:

[...] posteriormente veio também o Decreto nº 4.824, de 22 de setembro de 1871, que admitiu ao promotor, ao queixoso ou ao delegado, representar, solicitando a prisão preventiva ao Juiz competente, e a este era facultado decretá-la de ofício.

7 Direito penal, p. 84-85. 8 Direito e razão: teoria do garantismo penal, p. 310. 9 Curso de direito penal brasileiro, p. 345-346. 10 O processo criminal brasileiro, p. 191.

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Assim se encontrava a nossa legislação sobre a matéria, quando, com o advento da República em 15 de novembro de 1889, foi promulgada, em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituição desse período, que manteve, nos mesmos termos, as garantias concernentes à liberdade individual constante da Carta anterior, mas admitiu, consoante preceito inserto no art. 34, nº 23, aos Estados Federados legislar sobre o processo nas respectivas jurisdições, exceto com relação à prisão preventiva, visto tratar-se de garantia individual, e, portanto, não competente ao Estado por referir-se à matéria institucional, e aboliu as penas de galés, banimento judicial e a de morte, art. 72, §§ 20 e 2111.

1.6 O processo penal no período republicano

A Constituição de 16 de julho de 1934, em seu artigo 113, números 21 e 22,

dispõe, com relação à prisão, que “ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por

ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei. A prisão ou a detenção

de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente, que a relaxará, se não

for legal, e promoverá, sempre que de direito, a responsabilidade da autoria coatora” e

“ninguém ficará preso, se prestar fiança idônea, nos casos por lei estatuídos”12. A fiança,

portanto, é considerada garantia constitucional.

Na Constituição de 10 de novembro de 1937, o art. 122, nº 11, determina, em

relação à prisão, que: “À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão

depois da pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem

escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa

formada, senão pela autoridade competente em virtude de lei e na forma por ela regulada; a

instrução criminal será contraditória, assegurada antes e depois da formação da culpa, as

necessárias garantias de defesa”13. Essa Constituição foi elaborada num período ditatorial e

sem a participação popular, razão pela qual a comunicação da prisão e a fiança não eram mais

garantias constitucionais. Os Poderes Legislativo e Judiciário estavam sujeitos às intervenções

11 Processo penal cautelar, p. 72-73. 12 Alexandre Sanches Cunha. Todas as constituições brasileiras, p. 129. 13 Ibid., p. 188.

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do Poder Executivo14.

Com a promulgação da Constituição de 18 de setembro de 1946, aquela

situação anterior desaparece, pois essa foi elaborada por um poder Constituinte eleito pelo

povo, restabelecendo, com isso, a garantia constitucional da fiança e a comunicação da prisão,

conforme art. 141, §§ 20, 21 e 2215. Celso Ribeiro Bastos afirma que esta Constituição “se

insere entre as melhores, senão a melhor, de todas que tivemos. Tecnicamente é muito correta

e do ponto de vista ideológico traçava nitidamente uma linha de pensamento libertária no

campo político sem descurar da abertura para o campo social que foi recuperada da

Constituição de 1934”16.

Em 24 de janeiro de 1967, nova Constituição foi promulgada e diversas

emendas vieram a alterá-la. O seu artigo 150, § 12, apresentou o seguinte texto: “Ninguém

será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade competente. A lei

disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será

imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal17”.

A Constituição de 198818, em seu artigo 5º, prevê, no inciso LXI, que

“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de

autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime

propriamente militar, definidos em lei”, e, no inciso LXII, que “a prisão de qualquer pessoa e

o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao Juiz competente e à família do

preso ou à pessoa por ele indicada”, e por fim, no inciso LXVI, que “ninguém será levado à

prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

14 Art. 170. “Durante o estado de emergência ou o estado de guerra, dos atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os juízes e tribunais”. 15 §§§ 20, 21 e 22. “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou, por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei”. “Ninguém será levado a prisão ou nela detido se prestar fiança permitida em lei”. “A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente, que a relaxará se não for legal, e, nos casos previstos em lei, promoverá a responsabilidade da autoridade coatora”. 16 Curso de direito constitucional, p. 126. 17 Alexandre Sanches Cunha. Todas as constituições brasileiras, p. 347.

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1.7 A prisão como pena19

Durante toda evolução histórica do processo, verifica-se que as penas foram

diversas, dentre elas, as cruéis e a de morte. A pena privativa de liberdade praticamente não

existia na sociedade civilizada antiga. Na medida em que a sociedade foi se desenvolvendo,

cresceu também a necessidade de um meio hábil para punir. Pouco se conhece sobre as

prisões primitivas e a pena privativa de liberdade demorou a ser fixada definitivamente como

sanção autônoma e principal forma de punição. Tem-se notícia de que, no século V, o direito

canônico já previa a prisão como meio de sanção penal. Ela era aplicada, de início, por tempo

determinado e, depois, como detenção perpétua e solitária.

Em 1303, houve registro da existência de prisões na cidade de Florença,

iniciando, então, o enfraquecimento progressivo da pena de morte. Em 1395, a primeira

penitenciária foi construída para homens em Amsterdã. A burguesia da época, verificando sua

crescente necessidade, construiu no ano seguinte outra, destinada especificamente às

mulheres. Muitas prisões não tinham como fim a execução da pena, mas sim o aguardo da

instrução processual, a permanência do acusado no local da culpa, o meio para forçar o

pagamento de dívidas etc.

No final do século XVI, começou a surgir um movimento no sentido de

desenvolver a pena privativa de liberdade, construindo-se prisões destinadas especificamente

a este fim. Em 1552, em Londres, foi construída a House of Correction de Bridewell,

considerada a mais antiga prisão com esta destinação. A ela, outras seguiram, porém, até o

século XVIII, a prisão era considerada instrumento de custódia processual, razão pela qual a

instituição penitenciária permanecia como sendo de caráter excepcional.

18 BRASIL, Constituição da República Federativa, 33 ed., 2004, p. 11. 19 Item pesquisado pela doutrina de Odete Maria de Oliveira, Prisão: um paradoxo social, p. 29-44. Maria Kriker Borges, Pena e prisões: violência e criminalidade, p. 22-29. Luiz Regis Prado, Curso de direito penal brasileiro, p. 345-351.

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Com a criação, no século XVII, do Hospício de São Felipe Néri, em Florença

e, no século XVIII, do Hospício de São Miguel, em Roma, destinados à correção de jovens

delinqüentes que eram submetidos a trabalho diurno e isolamento noturno, bem como com o

sucesso que tal sistema alcançou, outros estabelecimentos foram sendo construídos no mundo

e sistemas semelhantes implantados, iniciando, assim, uma organização do sistema

penitenciário. Apesar da Itália ser pioneira, foi nos Estados Unidos que a prisão se

corporificou como forma de punição. Em 1790, na Filadélfia, iniciou-se o sistema prisional,

também conhecido como pensilvânico, onde o condenado permanecia em isolamento absoluto

e constante, tendo como dever a leitura bíblica, não havendo nenhum tipo de trabalho nem

visita de familiares ou de qualquer outra pessoa.

Surgiu, em 1821, um sistema contrário ao da Filadélfia, denominado Auburn,

em que era autorizado, desde o início do cumprimento da pena, o trabalho dos presos em suas

celas, podendo, numa segunda fase, realizar suas tarefas em grupo, mas em silêncio. No

período noturno, o isolamento celular era absoluto, sendo ainda vedado o direito ao

recebimento de visitas, à prática de exercícios físicos, educacionais ou ao lazer. Surgiu, em

1846, na Inglaterra, o sistema progressivo de prisão, adotado também pela Irlanda e Brasil,

porém, neste, com algumas modificações.

No Brasil, o Código Criminal do Império, promulgado em 16 de dezembro

de 1830, previu a prisão como forma de pena e, portanto, foi considerado inovador no direito

brasileiro apesar de não existir penitenciárias para sua execução, sendo os condenados

enviados para locais como porões de navios, fortalezas e ilhas. A Casa de Correção do

Distrito Federal, cuja fundação já havia sido cogitada pela Carta Régia de 1769, teve sua

construção iniciada apenas em 1834 e já em 1837 ali se encontravam, recolhidos em

cubículos, alguns sentenciados e escravos, o que demonstra ser esse o primeiro local

destinado ao recolhimento dos condenados pela prática de crimes.

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O Código Penal Brasileiro de 1940, adotando a progressividade do

cumprimento da pena, determinou que sua aplicação se daria ao condenado à pena de reclusão

que, inicialmente, passaria por um isolamento diurno, não superior a três meses (art. 30,

caput); em seguida, poderia trabalhar em companhia dos demais dentro do estabelecimento

penitenciário ou em obras e serviços públicos fora do estabelecimento, ficando isolado

durante a noite (arts. 29, §1º, e 30, §1º). Caso apresentasse bom comportamento, o condenado

poderia ser transferido para colônia penal ou estabelecimento similar, após cumprida metade

da pena, se essa fosse igual ou inferior a três anos; ou um terço, se fosse superior a três anos

(art. 30, §2º) e, se fosse condenado à pena de reclusão superior a três anos, seria beneficiado

com o livramento condicional, uma vez presentes os requisitos previstos no art 60.

Em 1984, com a reforma da Parte Geral do Código Penal e promulgação da

Lei nº 7.210 (Lei de Execução Penal), o sistema progressivo passou a exigir outros elementos,

tais como: motivação da decisão, oitiva prévia do Ministério Público, parecer da Comissão

Técnica de Classificação, exame criminológico quando necessário, bem como o cumprimento

de pelo menos um sexto da pena no regime anterior, além de apresentar o condenado mérito

indicativo da progressão.

1.8 Finalidade da prisão e distinção entre reclusão e detenção

Michel Foucault, numa visão crítica, afirma que “a prisão esteve, desde sua

origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos (...) deveria ser um instrumento

tão aperfeiçoado quanto a escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os

indivíduos”20. A prisão tem como finalidade prevenir a prática de outros crimes, retribuir o

mal causado a vítima, seus familiares ou ao Estado e, principalmente, recuperar o indivíduo

20 Microfísica do poder, p. 131.

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que cometeu um ato ilícito.

Para Tourinho Filho e Frederico Marques21, a prisão nada mais é do que a

privação da liberdade de ir e vir, mediante a clausura, em estabelecimento penal para esse fim

destinado, abrangendo a prisão decorrente de sentença penal condenatória e a prisão cautelar,

que não deflui de condenação. Contudo, registra-se ainda que nem toda prisão é providência

penal, vez que deparamos com outras oriundas do Direito Civil, Administrativo etc.

O termo prisão produz entendimentos diversos em nosso Direito, pois,

conforme expressa Guilherme de Souza Nucci,

[...] enquanto o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo as suas espécies, forma de cumprimento e regimes de abrigo do condenado, o Código de Processo Penal cuida da prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar, quando necessário, até o trânsito em julgado da decisão condenatória22.

A prisão resultante de sentença penal condenatória se apresenta sob várias

formas, sendo uma delas a pena, consistente na privação da liberdade do condenado em

decorrência da prática de um crime. Restringiremo-nos à pena privativa de liberdade nas

espécies reclusão e detenção, uma vez que a prisão simples é aplicada às contravenções

penais, conforme dispõe o artigo 6º do Decreto-Lei 3.688/1941.

De acordo com o Código Penal brasileiro, a pena de reclusão é a mais severa

e, por isso, aplicada aos delitos mais graves, podendo ser ela cumprida em regime fechado,

semi-aberto ou aberto. Quando a pena de reclusão imposta na sentença transitada em julgado

for superior a oito anos, o condenado deverá começar a cumpri-la em regime fechado, ou seja,

a execução da pena se faz em estabelecimento penitenciário de segurança máxima ou média,

havendo, de acordo com o preenchimento de alguns requisitos (cumprimento de parte da pena

e mérito do condenado), a possibilidade de progressão de um regime mais rigoroso para outro

21 Fernando da Costa Tourinho Filho. Processo penal, v.3, p. 331-333. José Frederico Marques. Elementos de

direito processual penal, v. IV, p. 20-21. 22 Código de processo penal comentado, p. 505.

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menos rigoroso, como regra.

Quando a pena de reclusão imposta for superior a quatro e não exceder oito

anos, não sendo reincidente o condenado, dependendo da maior ou menor reprovabilidade de

sua conduta, de sua vida pregressa, de sua personalidade, dos motivos, das circunstâncias e

conseqüências do crime, bem como do comportamento da vítima (art. 59, caput, do CP),

poderá o cumprimento da pena iniciar pelo regime semi-aberto, com possibilidade de

progressão ou regressão, ficando o condenado sujeito a trabalho em comum durante o período

diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (art. 35, § 1º, CP). O

trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes,

de instrução de segundo grau – hoje, ensino médio – ou superior (art. 35, § 2º, CP). Se o

condenado for reincidente, excedendo ou não a pena em oito anos, essa será iniciada no

regime fechado, nada impedindo, como regra, uma futura progressão. Sendo a pena imposta

igual ou inferior a quatro anos e não sendo reincidente o condenado, aquela será cumprida

integralmente no regime aberto, salvo possibilidade de regressão. Nesse regime, o condenado

deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer outra

atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga

(art. 36, § 1º, CP).

Tratando-se de pena de detenção, é preciso deixar evidente que a execução

somente pode ter início nos regimes semi-aberto ou aberto (art. 33, caput, CP). O

cumprimento da pena, quando reincidente o condenado, qualquer que seja a quantidade, se dá

no regime semi-aberto por ser considerado o mais severo para a detenção, salvo necessidade

de regressão. O mesmo ocorre se o condenado for primário e a pena aplicada superar quatro

anos (art. 33, caput, e § 2º, “b”, do CP), exceto havendo necessidade de transferência para

regime fechado.

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Comenta Guilherme de Souza Nucci que, em relação ao regime inicial de

cumprimento da pena detentiva, ao réu reincidente e portador de circunstâncias judiciais

desfavoráveis (art. 59 do CP), apesar de priorizar o entendimento no sentido de poder iniciar

no regime semi-aberto, e não no fechado, por prevalecer o caput do art. 33 do CP em

detrimento do § 2º do mesmo dispositivo, há posicionamento contrário entendendo que o § 2º,

letras “b” e “c”, do art. 33 do CP deve prevalecer sobre o caput, sendo então possível, nesse

caso, iniciar o condenado o cumprimento da pena detentiva em regime fechado23.

Quanto ao regime aberto, no caso de pena detentiva, sendo essa igual ou

inferior a quatro anos, poderá, desde o início, ser executada nesse regime, mantendo-se a

possibilidade de regressão (art. 33, § 2º, “c”, do CP).

A distinção entre reclusão e detenção se dá, inicialmente, pelos regimes de

cumprimento de penas. Enquanto na reclusão o condenado pode iniciar a pena no regime

fechado, na detenção, o regime inicial mais severo de execução é o semi-aberto, exceto no

caso do reincidente e portador de circunstâncias judiciais desfavoráveis, dependendo do

posicionamento doutrinário adotado, conforme já comentamos anteriormente. Entretanto, essa

não é a única distinção existente, sendo outras encontradas nos Códigos Penal e Processual

Penal, como por exemplo, a prevista no art. 92, II, CP, relacionada com os efeitos civis da

condenação quando o crime for doloso e apenado com reclusão, gerando a incapacidade para

o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela se praticado contra filho, tutelado ou curatelado

e desde que declarados na sentença (art. 92, parágrafo único, do CP).

Constata-se, conforme o disposto no art. 97, caput, do CP, que a medida de

segurança será de internação se o agente for inimputável e o fato previsto for punível com

reclusão, sendo possível o tratamento ambulatorial caso o fato seja punível com detenção.

Por fim, e para deixar evidente essas distinções que extrapolam o

23 Código penal comentado, p. 176-177.

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cumprimento de pena, temos o art. 69, 2ª parte, do CP, em que o legislador determinou que na

aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, executa-se primeiro a reclusiva.

Quanto ao processo penal, Guilherme de Souza Nucci menciona, como distinção, “a proibição

de fiança aos delitos apenados com reclusão, cuja pena mínima cominada for superior a dois

anos (art. 323, I, CPP), o que acaba gerando outros efeitos, como o caso da intimação da

sentença de pronúncia, que deve ser pessoalmente feita ao réu, quando se tratar de delitos

contra a vida apenados com reclusão (art. 414, CPP)”24.

Quanto à custódia ou captura, autores como José Frederico Marques25 e

Eduardo Espínola Filho26, em harmonia com João Mendes de A. Júnior27, ressaltam que os

franceses, com relação à prisão, usam o termo arrestation. Para conciliar a liberdade

individual com as exigências da segurança pública, a prisão recebe as denominações

arrestation facile ou détention difficile. Segundo Eduardo Espínola Filho, “os franceses

chamam arrestation a prisão de alguém, unicamente para obrigá-lo a comparecer perante a

autoridade, a fim de ser interrogado sobre o delito que lhe é imputado; e détention,

especialmente, détention préventive ou prealable, a conservação de alguém em prisão até o

julgamento, ou a prisão de indiciado para que fique detido até julgamento”28.

Verifica-se que ambos os termos indicam a privação da liberdade e são

formas de prisão. No Direito brasileiro a custódia ou captura é utilizada como meio indicativo

de fazer a pessoa comparecer perante a autoridade policial ou judiciária a fim de ser

interrogada ou em decorrência de uma ordem cautelar judiciária. Entretanto, não deixa de ser

uma espécie de prisão, vez que o agente comparece por obrigação legal e forçada, não por

mero convite ou vontade própria. O mesmo se deve registrar quanto à retenção que, segundo

24 Código penal comentado, p. 176. 25 Elementos de direito processual penal, v. IV, p. 21. 26 Código de processo penal brasileiro anotado, v. III, p. 361. 27 O processo criminal brasileiro, v. I, p. 284-293. 28 Código de processo penal brasileiro anotado, v. III, p. 361.

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Francisco da Silva Bueno29, nada mais é do que “ato ou efeito de reter, detenção, cárcere

privado”. Para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, retenção é o “ato ou efeito de reter”, e

reter é “prender, encarcerar, impedir de sair, deter” 30.

O uso dos termos custódia ou captura é no sentido de obrigar alguém a

comparecer perante a autoridade policial ou judiciária para ser interrogado, restringindo-lhe

momentaneamente a liberdade; do termo retenção como forma de conservar alguém na prisão

até julgamento e, por fim, das expressões reclusão, detenção e prisão simples como espécies

de pena privativa de liberdade definidoras do regime inicial de cumprimento de pena imposta,

após sentença condenatória transitada em julgado, decorrente da prática de infrações penais,

poria fim às tentativas de se justificar as prisões arbitrárias sob o manto de legalidade por

denominar esses atos, não de prisão, mas de custódia, retenção ou poder de polícia para

investigar ou para garantir a incolumidade de pessoas e coisas conforme argumentos

doutrinários31.

As distinções apresentadas pela doutrina nacional não estabelecem

parâmetros entre um e outro termo, o que acaba gerando interpretações diversas e confusas.

Há privação da liberdade aceitável e necessária para o desenvolvimento da investigação, mas

é inaceitável os argumentos que tentam justificar a inexistência da prisão nos casos de

custódia ou captura e retenção. As diferenças, mesmo que sucintas, existem e devem ser

analisadas para se evitarem arbitrariedades. Privar, momentaneamente, a liberdade de alguém

por ser necessária ao inquérito ou processo, como por exemplo, um depoimento, uma

acareação, um interrogatório, é legal e indispensável. Contudo, privar-se a liberdade como

meio necessário para facilitar a investigação ou a busca dos elementos de prova é considerado

prisão arbitrária, independentemente das interpretações dadas aos termos utilizados na

29 Dicionário escolar da língua portuguesa, p. 991. 30 Minidicionário da língua portuguesa, p. 479.

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legislação.

Observa-se que os entendimentos diversos sobre custódia e retenção são

justificados pelas seguintes legislações: Art. 126 do Decreto Estadual 4405-A/1928, que

expressa:

A autoridade policial [...] que encontrar, ou a quem for apresentado qualquer indivíduo mendigo, vicioso, ébrio ou louco perigoso, o porá em custódia, no posto policial mais próximo, ou na cadeia em compartimento especial, se for possível, enquanto não aparecer pessoa da família ou considerada, que se encarregue de contê-lo e curá-lo.

Art. 131 do mesmo Decreto: “Os turbulentos serão admoestados e, se não

quiserem atender a admoestação, serão postos em custódia, procedendo-se para com eles

como para com os ébrios e os loucos, ou agindo contra eles na forma legal [...]”. Art. 2º do

Decreto 19.903/1950: A “condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e

turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos

do regulamento policial [...]”. Art. 63, XLV da Lei Complementar 207/79: “Manter transação

ou relacionamento indevido com preso, pessoa em custódia ou respectivos familiares”. Por

fim, o art. 290, § 2º, do CPP, que estabelece: “Quando as autoridades locais tiverem fundadas

razões para duvidar da legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado

que apresentar, poderão pôr em custódia o réu, até que fique esclarecida a dúvida”.

Já a retenção vem mencionada no artigo 7º, item 5 da Convenção Americana

de Direitos Humanos, que o Brasil subscreveu, assim determinando: “Toda pessoa presa,

detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade

autorizada por lei a exercer funções judiciais [...]. Sua liberdade pode ser condicionada a

garantias que assegurem sua presença em juízo”.

Quanto à justificativa relacionada ao uso do poder de polícia para a prisão

ilegal, temos os argumentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro no sentido de que esse poderia

31 Wagner Adilson Tonini, Breve estudo sobre a averiguação e sua legalidade. SP: ADPESP nº 27, p. 39-40. Hélio Tornaghi, Compêndio de processo penal, p.142 e seg., apud João Milany da Cunha Lima, Prisão cautelar.

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33

ser conceituado sob dois pontos distintos: “pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal

do século XVIII, em que a atividade estatal limitava o exercício dos direitos individuais em

benefício da segurança; e pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, em que o

poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos

individuais em benefício do interesse público”32.

Todavia, a prisão cautelar de interesse a este trabalho é a de natureza

processual, apresentando-se sob as seguintes modalidades: prisão em flagrante, prisão

preventiva, prisão temporária, prisão resultante de pronúncia, prisão decorrente de sentença

penal condenatória recorrível, condução coercitiva de réu, vítima, testemunha, perito, ou de

outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia, sendo

cada uma delas analisada no próximo capítulo, exceto a condução coercitiva e prisão

temporária.

SP: Arquivos da Polícia Civil, v. XXVII, 1º sem., p. 173, 1976. 32 Direito administrativo, p. 94.

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34

II. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE AS ESPÉCIES DE PRISÕES CAUTELARES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

2.1 A restrição ao direito de ir e vir

O termo prisão significa medida de caráter punitivo relacionada à restrição

da liberdade de locomoção por ordem judicial. Ensina-nos Miguel Reale que:

[...] a punição do infrator da lei significa que o legislador considera necessária uma conduta. O Homem é livre de escolher este ou aquele caminho, mas, uma vez efetuada uma escolha em conflito com a lei, a sanção não resulta automaticamente da escolha feita, mas é a conseqüência da aplicação de outra norma jurídica em vigor, prevista para garantir o adimplemento da primeira33.

A medida de restrição do direito de ir e vir do cidadão pode ocorrer de

maneira definitiva – após sentença penal condenatória com trânsito em julgado – ou através

das prisões provisórias – não definitivas e, portanto, podem ser cassadas a qualquer momento

– sendo exigidos, nesta situação, os pressupostos fumus boni iuris e periculum in mora.

Esses pressupostos são difundidos como medidas cautelares na esfera civil

para obtenção da tutela antecipada, porém, no ramo do Direito Processual Penal usam-se

outras expressões, uma vez que crime não pode ser considerado como “fumaça do bom

direito”, mas sim probabilidade da ocorrência de um delito, o que resultaria num “fumus

commissi delicti”, ou seja, a provável ocorrência de um delito e os seus indícios de autoria é

que levam ao pressuposto do fumus delicti, e não a existência de um sinal – fumaça de um

bom direito – que deverá ser protegido pelo Estado.

O mesmo ocorre com o periculum in mora que não é, no processo penal, o

lapso temporal entre a conduta criminosa e a resposta estatal, podendo, em decorrência dela,

tornar eficaz a medida final, mas a possibilidade de fuga ou o perigo do réu permanecer em

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liberdade que resulta neste pressuposto e deve ser levado em consideração. É o periculum

libertatis do autor que se finda como pressuposto da medida cautelar penal, pois solto poderá

atuar de forma a impossibilitar a aplicação da sanção, impedir a instrução do processo ou

macular a manutenção da ordem pública e econômica, razão pela qual a expressão de ser

periculum libertatis e não periculum in mora como usual às medidas cautelares de natureza

civil.

É evidente que, quanto ao referido raciocínio, há doutrinadores34 usando as

expressões como sinônimas e sem qualquer alteração na legislação ou na compreensão do

tema, pois o que se deve levar em conta é a medida cautelar em si e não a generalidade e

subjetividade dos seus pressupostos, uma vez que, no nosso sistema, a liberdade é a regra.

Portanto, não é aceitável restringir, provisoriamente, a liberdade de alguém se se verificar

evidências de que, ao final, venha ele a ser absolvido ou, então, condenado por tempo igual ou

inferior ao da prisão provisória. Assim, como medida extrema, só deve ser imposta quando

absolutamente necessária, face ao grande mal que causa ao acusado.

O Código de Processo Penal Brasileiro prevê quatro formas de prisão

cautelar: prisão em flagrante (arts. 301 a 310); prisão preventiva (arts. 311 a 316); prisão

decorrente de pronúncia (art. 408, § 1º) e prisão em virtude de sentença penal condenatória

recorrível (arts. 393, I e 594). A quinta forma vem prevista na Lei nº 7960/89, que é a prisão

temporária. A cautela é de caráter processual, e como leciona Liberato Povoa e Marco Villas

Boas, “somente emana do juiz, visando à garantia imediata da tutela de um bem jurídico para

impedir as conseqüências do periculum in mora, assentando-se num juízo de plausibilidade da

condenação (fumus boni iuris) para garantia de aplicação da pena futura”35.

33 Filosofia do direito, p. 327-328. 34 Antonio Magalhães Gomes Filho, Presunção de inocência e prisão cautelar, p. 54; Ada Pellegrini Grinover; Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades no processo penal, p. 294; Antonio Scarance Fernandes, Processo penal constitucional, p. 279-283; Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, p. 420. 35 Prisão temporária: doutrina e prática, p. 33.

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A Constituição Federal de 1988, no intuito de repudiar o autoritarismo a que

foi submetido o país durante anos, passou a garantir o direito de ir e vir do cidadão, salvo no

caso de flagrante delito ou por intermédio de ordem escrita e fundamentada de autoridade

judiciária. O estudo das medidas cautelares mencionadas se faz necessário para demonstrar as

razões que justificam a aplicação de cada uma delas.

2.2 Prisão em flagrante delito

O termo flagrante é originário do latim, assim como inúmeros outros de

nosso vernáculo e ordenamento jurídico, mais precisamente da palavra “flagrans, flagrantis”

– derivado do verbo flagrare – cuja variante em nosso idioma tem o sentido de queimar,

arder36. Assim, etimologicamente, flagrante indica o que está ardendo, queimando, levando à

conclusão, no caso em estudo, que aquele que está em flagrante delito está cometendo um

ilícito penal ou acaba de fazê-lo, isto é, foi surpreendido de forma evidente durante o

transcorrer da prática delituosa, seja um crime, seja uma contravenção, pois a lei não os

distingue, referindo-se, quase sempre, a infração penal.

Não obstante a indicação de atualidade, por opção do legislador, que assim

entendeu melhor e mais correta, a situação de o sujeito encontrar-se em flagrante é estendida,

de forma a presumir tal situação. Isso ocorre nas hipóteses do artigo 302, III e IV, do Código

de Processo Penal, onde o infrator é perseguido ou encontrado, com instrumentos, armas,

objetos ou papéis, logo após a ação criminosa. Dessa forma, de imediato, a lei penal procura

atender aos anseios dos cidadãos e da sociedade, que se sentem violados em sua tranqüilidade.

Por tudo isso, a prisão em flagrante é tratada como prisão cautelar, mas

representa uma exceção à regra de que ninguém será preso senão por ordem escrita e

36 Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, v. 3, p. 375.

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fundamentada de autoridade judiciária competente (inciso LXI do art. 5º da CF), mesmo

porque, se exigisse obrigatoriedade de ordem judicial, restaria sensivelmente prejudicado o

início da persecução criminal, com a colheita de provas impostergáveis, em vista da demora

que tal imposição acarretaria e, certamente, não propiciaria a legítima defesa da ordem social.

Assim, diante da necessidade imediata, com os fundamentos principais de colheita de provas e

manutenção da segurança e ordem social, é que a Constituição Federal aceita a prisão sem

decisão judicial no caso de flagrante delito, mas determina, em seu inciso LXII, do artigo 5º,

que a prisão de qualquer pessoa deve ser comunicada imediatamente ao juiz competente.

Apesar disso, a mesma Carta Magna protege a liberdade de todos os

indivíduos ao dispor, ainda no artigo 5º, que contém os direitos e garantias individuais, por

sinal cláusula pétrea, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal” (inciso LIV). Isso quer dizer que, em tese, toda prisão está sujeita ao crivo do

contraditório e ampla defesa (artigo 5º, LV), cujas características pressupõem lide em juízo.

O artigo 5º, LXV, da CF diz que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada

pela autoridade judiciária”. Esta disposição é a mais eloqüente explanação do controle da

legalidade de toda e qualquer prisão, principalmente aquela ocorrida em flagrante, tendo em

vista que não é determinada pelo magistrado. Todavia, até mesmo a prisão determinada pelo

juiz pode ser revista, mediante recurso próprio, por autoridade judiciária de órgão superior.

Quanto à natureza jurídica da prisão em estudo, Tales Castelo Branco

entende ser ela “uma das modalidades de prisão penal cautelar administrativa”37. No dizer de

Fernando da Costa Tourinho Filho, “a prisão em flagrante se justifica como salutar

providência acautelatória da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria”38.

Guilherme de Souza Nucci afirma ser ela uma “medida cautelar de segregação provisória do

37 Da prisão em flagrante, p. 13. 38 Processo penal, p. 377.

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38

autor da infração penal”39 e, para José Frederico Marques “a prisão em flagrante é, ao mesmo

tempo, coação cautelar e ‘notitia criminis’, pois que é o conhecimento da prática de infração

realizada ao vivo, no próprio instante em que o delinqüente viola a lei penal”. Além disso, ela

“possui destacado aspecto de medida cautelar. Com a captura e detenção do réu, não só se

tutela e garante o cumprimento ulterior da lei penal, como ainda garantida fica a colheita

imediata de provas e elementos de convicção sobre a prática do crime”40. Enfim, a prisão em

flagrante é uma prisão cautelar, iniciada, em geral, no âmbito da polícia judiciária, que

transnuda para uma prisão processual, ainda de caráter cautelar, depois de referendada pela

autoridade judiciária competente.

Tanto a prisão em flagrante é cautelar, que, se não estiverem presentes os

requisitos desta, a autoridade judiciária deverá relaxá-la por falta de elementos essenciais.

Romeu Pires de Campos Barros menciona a exigência de dois requisitos essenciais para a

configuração da prisão em flagrante: a atualidade e a visibilidade. O primeiro é a prova por si

só da prática do delito, enquanto o segundo nada mais é do que ter alguém assistido à

consumação do delito41. Assim, tratando-se de medida excepcional de autodefesa estatal,

pode-se entender por flagrante o que está ocorrendo. Segundo o ensinamento de Hélio

Tornaghi, “flagrância sugere, em primeiro lugar, atualidade e, em segundo, evidência. Diz-se

que é flagrante não só o que é atual, mas ainda o que é patente, inequívoco”42. Se, no

momento da lavratura do auto, a própria autoridade policial verificar a ausência de um desses

requisitos, dentre outros que possam ficar demonstrados, tais como a não existência de

infração punível, não ser a autoria atribuída ao indiciado, entre outros fatores, poderá ela

mesma tornar insubsistente, ao final, a prisão e encaminhar os autos para apreciação do

39 Código de processo penal comentado, p. 524. 40 Elementos de direito processual penal, p. 78 e 70. 41 Processo penal cautelar, p. 118-119. 42 Manual de processo penal (prisão e liberdade), p. 468.

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39

magistrado.

Com relação à não existência de infração penal é preciso fazer um parêntese

para melhor elucidação do tema. Não se pode negar que o agente policial, devido à carência

de conhecimento jurídico, pode deparar-se com um fato atípico, mas para ele, a princípio,

típico, o que o leva a conduzir as partes e testemunhas à presença da autoridade policial. Esta,

por não ter outros meios suficientes para constatar, antes da inquirição das partes e

testemunhas, se realmente o fato é ou não um ilícito penal, inicia a lavratura do auto e, ao

final, constatando a atipicidade ou inexistência de autoria – vez que fica demonstrado, por

exemplo, ter sido um terceiro, não identificado, quem colocou uma porção de substância

entorpecente no interior do veículo do suposto indiciado, ligando, em seguida e

anonimamente, para a polícia, noticiando-lhe o caso – fundamentadamente, deve despachar

tornando o flagrante insubsistente.

Outra hipótese é a relacionada com uma das causas de exclusão da ilicitude,

previstas no art. 23, caput e incisos, do Código Penal. Apesar do Código de Processo Penal,

em seu art. 310, caput, possibilitar somente ao juiz a concessão de liberdade provisória ao réu,

mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, nada mais correto do que

poder a autoridade policial tornar insubsistente o auto de prisão do suposto “autor” de crime

nessas mesmas condições, pois a prisão em flagrante, na definição de José Frederico Marques,

“não é ato Judiciário. Trata-se de medida cautelar administrativamente realizada. É um

procedimento de autodefesa estatal de natureza cautelar, o qual pode ser praticado por

qualquer do povo e é sempre obrigatório para a autoridade policial e seus agentes, nos termos

do que estatui o Código de Processo Penal, no art. 301”43. Fernando da Costa Tourinho Filho

também entende que “a prisão em flagrante, a rigor, é mero ato administrativo, levado a cabo,

‘grosso modo’, pela Polícia Judiciária, incumbida que é de zelar pela ordem pública. Mesmo

43 Estudos de direito processual penal, p. 223.

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quando levada a cabo por particulares ou pelo Juiz, não perde o caráter de ato

administrativo”44.

Assim, não há razão para a autoridade policial, ao verificar que o investigado

praticou o fato considerado típico acobertado por uma das excludentes de ilicitude, por meio

de despacho fundamentado, não poder tornar insubsistente o flagrante enquanto ato

administrativo. Sua fundamentação deve ser pautada pelo disposto no art. 304, § 1º, do

Código de Processo Penal, pois, somente quando houver fundada suspeita da prática de crime,

sem benefício das excludentes previstas no art. 23 do Código Penal, é que se justifica a prisão.

Atuando o agente, por exemplo, em legítima defesa, não há que se cogitar de crime, uma vez

que o Código Penal assim determina. Não se pode prender quem agiu autorizado pela lei, vez

que não praticou nenhum delito.

Logo, se resultar infundada a suspeita contra o autuado, devido a

depoimentos do condutor e das testemunhas, verificando-se presente uma das causas

excludentes da ilicitude, deve a autoridade policial tornar insubsistente a prisão e, em seguida,

para não descumprir o preceito constitucional inserto no art. 5º, LXII, comunicar o juiz

competente e os familiares do autuado, dando prosseguimento às investigações e tendo como

peça inicial do inquérito o próprio auto de prisão em flagrante.

Some-se a tal fato a necessidade de sempre obedecer aos limites e garantias

legais, a fim de não se atentar contra a ordem constitucional vigente (Art. 5º, LXII, “a prisão

de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz

competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada” e LXV, “a prisão ilegal será

imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”). Assim, a exigência da comunicação

imediata ao juiz competente é apenas uma forma de se evitar as prisões arbitrárias, passando a

ser um meio de controle da legalidade da prisão em flagrante efetuada na fase pré-processual.

44 Prática de processo penal, p. 5.

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41

A prisão em flagrante está disciplinada pelos requisitos materiais contidos

nos artigos 301 e seguintes do Código de Processo Penal, sendo que este primeiro demarca o

sujeito ativo da medida cautelar. Ele autoriza a qualquer do povo, facultativamente, prender

alguém em situação de flagrante delito, no entanto, impõe obrigatoriedade às autoridades

policiais e seus agentes, sob pena de sofrerem sanções tanto administrativas quanto penais.

Daí falar-se em flagrante facultativo ou obrigatório. Quando uma pessoa desobstruída de

dever legal, realiza a prisão em flagrante de terceiro, não infere em infração ao artigo 146 do

Código Penal (constrangimento ilegal), tendo em vista haver previsão legal (art. 301 do

Código de Processo Penal) para tanto, restando, pois, a atividade acobertada por uma

excludente de ilicitude, no caso o exercício regular de um direito (artigo 23, III, parte final,

Código Penal).

O artigo 302 do Código de Processo Penal aponta quatro hipóteses de prisão

em flagrante, porém a doutrina reduziu-as a três tipos – quando está cometendo a infração

penal ou acaba de cometê-la, quando é perseguido logo após a prática da infração em situação

que o faça presumir ser o autor e quando é encontrado com instrumentos, armas, objetos ou

papéis que, da mesma forma, presuma ser ele o autor – sendo o primeiro denominado de

flagrante real, próprio ou perfeito, o segundo, de quase-flagrante, flagrante impróprio ou

imperfeito, e o último, de flagrante ficto ou presumido.

Ainda há as hipóteses de flagrante protelado, preparado ou provocado,

forjado e esperado. O flagrante protelado é uma criação da Lei nº 9.034/95, trazida para

enfrentar organizações criminosas, entidades nascidas para levar a prática de delitos às

últimas conseqüências, tratando o crime como um negócio. Neste caso, o inciso II do artigo 2º

da lei autoriza uma ação controlada, consistente no retardamento pelo policial da prisão até o

momento mais adequado para a sua realização, do ponto de vista da formação de provas e

demais elementos da prática delituosa, devendo assim ser realizado um acompanhamento

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minucioso da ação em curso.

O flagrante preparado ou provocado é, na verdade, uma ficção e apresenta-

se como crime impossível (art. 17 do Código Penal), uma vez que o agente provoca um

terceiro a praticar uma infração penal para, ao final, prendê-lo. Assim, nota-se que a intenção

do agente provocador é dúbia, ou seja, ao mesmo tempo em que induz ou instiga o indivíduo a

cometer o delito, atua no sentido de prendê-lo e evitar o resultado. Como se vê, o caso não é

de consumação do delito, pois a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal diz que “não há

crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Não

resta dúvida que, apesar da súmula estar se referindo ao policial, nada impede a identidade do

fato ao particular que age no mesmo sentido, tornando impossível a consumação do delito.

Já o flagrante forjado é inaceitável por cuidar de alguns casos em que

pessoas, invariavelmente policiais, inserem objetos ou materiais ilícitos em pertences do

agente, como, por exemplo, arma ou substância entorpecente, de forma a caracterizar a posse

e a prática da infração. No caso, a atuação do policial exclui totalmente a conduta do agente e,

conseqüentemente, a tipicidade.

No flagrante esperado os requisitos do crime estão presentes e ele pode, ou

não, se consumar, pois não há agente provocador. A polícia toma conhecimento que haverá

uma conduta típica e ilícita num determinado local. Posta-se nas proximidades e aguarda

vigilante a ação do agente. Havendo esta, atua no sentido de prendê-lo, mas não sabe, a

princípio, se o local é realmente aquele e quem é a pessoa que irá agir, ou melhor, não sabe

nem se haverá conduta ilícita, razão da validade da prisão se o delito for praticado.

Quanto aos requisitos relacionados à forma legal da prisão em flagrante,

exigidos para a sua perfeita confecção e validade, após a entrada em vigor da Lei nº 11.113,

de 13 de maio de 2005, que alterou a elaboração do auto como peça inteiriça e de texto

corrido, em que se inquiria condutor; testemunhas que o acompanhavam; vítima, se existente

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43

e, por fim, procedia-se ao interrogatório do acusado, quando então todos assinavam o termo

(art. 304, caput, Código de Processo Penal), expedindo-se, em seguida, nota de culpa; temos

atualmente a colheita imediata do depoimento do condutor, que assinará termo próprio,

ficando a autoridade policial obrigada a dar-lhe cópia desse termo e recibo de entrega do

preso. Em seguida, passa-se à oitiva das testemunhas, que assinam o termo, e interrogatório

do acusado para, só no final, proceder-se à elaboração do auto (art. 304, caput, do Código de

Processo Penal com nova redação).

Para Manoel Messias Barbosa, o termo “auto”, usado pelo legislador no

caput do artigo 304 do Código de Processo Penal, significa que,

[...] ouvidas as partes, formando seu convencimento jurídico, a autoridade policial confirmará a prisão efetuada pelo condutor e determinará a lavratura do auto de prisão em flagrante, que será assinado pela autoridade, pelo conduzido e subscrito pelo escrivão que datilografou ou digitou e imprimiu o auto. Caso não tenham sido ouvidas testemunhas da infração, o auto deverá ser assinado pela autoridade, pelo conduzido e pelas testemunhas de apresentação do autuado45.

Em relação à oitiva de testemunhas, a lei não determina a quantidade. O

entendimento é de se exigir no mínimo duas, isso porque o parágrafo segundo exige duas

testemunhas de leitura do auto quando não houver aquelas a que se refere o caput, não

impedindo a falta delas a lavratura do auto de prisão. De entender-se que o parágrafo segundo

refere-se apenas às ocasiões em que houver menos de duas testemunhas, excluído o condutor.

Recebendo a autoridade o conduzido, e resultando contra ele fundada a

suspeita, mandará recolhê-lo à prisão, salvo se se livrar solto ou prestar fiança, dependendo da

infração cometida (artigo 304, § 1º do Código de Processo Penal). Em seguida, e em até 24

horas do momento da prisão, ser-lhe-á entregue nota de culpa assinada pela autoridade

policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas (artigo 306 do

mesmo diploma legal). A lei determina, ainda, que o preso, no caso de livrar-se solto, será

posto em liberdade, após o término do respectivo auto (artigo 309). Já neste caso, a

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inobservância pode acarretar a responsabilidade do agente público sob a forma de abuso de

autoridade. Esses requisitos formais são estritamente necessários, uma vez que a falta de

qualquer deles faz com que o auto de prisão em flagrante perca sua força prisional, gerando a

imediata liberdade do preso.

Os requisitos da cautelar, fumus commissi delicti e periculum libertatis, estão

depositados na prisão em flagrante da seguinte maneira: o primeiro, na possibilidade de

condenação do indiciado frente à materialidade delitiva imediatamente coletada e indícios de

autoria, uma vez que o flagrante é a maior prova do delito; o segundo, na probabilidade de

fuga ou perigosidade do réu permanecer em liberdade.

Com a Lei nº 9.099/95, a lavratura do auto de prisão em flagrante deixa de

ser realizada desde que a infração apresente pena máxima não superior a dois anos46 e se

comprometa a comparecer em juízo, sendo apenas reduzido a termo referido compromisso,

atendendo ao parágrafo único do artigo 69 daquela Lei, e lavrado termo circunstanciado dos

fatos, com a oitiva do autor, vítima, e, se houver, das testemunhas apresentadas, requisitando-

se os exames periciais que se fizerem necessários.

2.3 Prisão preventiva

A prisão preventiva, segundo Júlio Fabbrini Mirabete, “é uma medida

cautelar, constituída da privação de liberdade do indigitado autor do crime e decretada pelo

juiz durante o inquérito ou instrução criminal face a existência de pressupostos legais, para

resguardar os interesses sociais de segurança”47.

Acordando com a garantia da Constituição Federal, que, no artigo 5º, LXI,

45 Inquérito policial, p. 68. 46 A Lei nº 11.313, de 28 de junho de 2006, no seu artigo 1º, alterou o artigo 61 da Lei nº 9.099/95, elevando a pena máxima para 2 anos nos crimes de menor potencial ofensivo, cumulada ou não com multa.

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45

exige ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente para a prisão de

alguém, salvo as exceções previstas neste mesmo inciso, o instituto da prisão preventiva é dos

mais importantes, muitas vezes essencial, para o desenrolar da persecução criminal, ou seja,

tanto no âmbito do inquérito policial como da ação penal, para que o Estado atinja os seus

objetivos de aplicação do ordenamento penal repressivo.

Assim, apesar de ser tida como medida odiosa diante da possibilidade de erro

judicial perante o estado de inocência do indivíduo, estando em conformidade com a

Constituição Federal (art. 5º, LXI), a prisão preventiva encontra abrigo na legislação

processual (artigos 311 a 316) e, independentemente das restrições, é aceita como um mal

necessário, cuja justificação maior está na efetiva aplicação da sanção penal. Em se acolhendo

de modo absoluto o princípio da presunção de inocência, não se poderia utilizar contra o

indiciado ou réu qualquer meio de coação contra a liberdade. Por isso a Carta Magna não

vedou a prisão antes de transitar em julgado a sentença, exigindo, no entanto, ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária.

A prisão preventiva não é e não poderia ser obrigatória. Todavia, nas normas

originais do nosso Estatuto Processual havia previsão desta modalidade de prevenção. Ela era

imposta pelo mandamento legal independentemente de fundamentação por parte do juiz,

desde que presentes no caso concreto os seus requisitos determinadores. Esses casos eram a

prova da existência do crime, indícios suficientes de autoria e pena abstrata cominada igual ou

superior a dez anos de reclusão.

Nota-se que o fundamento dessa prisão voltava-se tão somente ao periculum

in mora, presumindo, de forma absoluta, uma situação de perigo em face de o infrator querer

se esquivar da sanção penal, em vista do grande tempo de pena imposta ao crime.

Ensina José Frederico Marques ter sido a decisão que decretava ou não a

47 Processo penal, p. 369.

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prisão preventiva obrigatória inaudita altera parte, ou seja, sem ouvir o réu, pois era medida

jurisdicional em atenção ao conflito existente entre o poder cautelar do Estado e o direito de

liberdade do réu48.

Eliminando a modalidade obrigatória, restringindo a prisão preventiva aos

casos que devem ser minuciosamente analisados pelo magistrado, identificando e

fundamentando a presença de seus requisitos, como toda prisão cautelar, perfaz-se num

cárcere ad custodiam, de natureza processual e provisória, cuja aplicação acautelatória deve

ser estritamente direcionada a casos específicos e limitados, para se atingir a finalidade do

processo criminal, ou seja, a aplicação da sanção penal.

Para a prisão preventiva é necessária a presença dos requisitos das cautelares,

que são a instrumentalidade, a provisoriedade, a revogabilidade e a facultatividade. A

instrumentalidade dessa prisão está presente sempre que a medida for conveniente à instrução

criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Além do mais, trata-se de uma medida

provisória, vez que é decretada antes da sentença penal condenatória. Já a revogabilidade, de

acordo com o artigo 316 do Código de Processo Penal, está intrinsecamente ligada à

facultatividade do juiz, pois determina o dispositivo legal ser possível a revogação da prisão

preventiva se durante o processo for verificada falta de motivo para sua subsistência, assim

como poderá ser decretada novamente se surgirem outros motivos que a justifiquem. Em que

pese tamanha clareza na sua redação, não se pode negar que, em atenção aos princípios

constitucionais, o termo “poderá” deve ser interpretado como “deverá”, tendo o juiz, nesse

caso, a obrigação de revogar ou conceder novamente a cautelar em uma ou outra hipótese.

De acordo com o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, as

exigências para a concessão da prisão preventiva devem se ater a dois pressupostos cautelares,

o fumus delicti – prova de existência do crime e indício suficiente de sua autoria – e o

48 Elementos de direito processual penal, p. 59-60.

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periculum libertatis – garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da

instrução criminal ou para asseguramento da aplicação da lei penal – sendo que o primeiro

está ligado à infração cometida e sua autoria, e o segundo se relaciona com a possibilidade de

fuga ou perigosidade de estar em liberdade o acusado.

Ressalta Antonio Scarance Fernandes que:

[...] a necessidade da prisão por garantia da ordem pública revela-se nos casos em que o acusado vem reiterando a ofensa à ordem constituída. A custódia para assegurar a aplicação da lei penal normalmente é utilizada para evitar a fuga, o desaparecimento do acusado. A prisão por conveniência da instrução criminal serve para garantir a prova49.

A Lei nº 8.844/94 acrescentou uma quarta hipótese ao art. 312 do Código de

Processo Penal que é a prisão para garantia da ordem econômica, tendo como finalidade

coibir o crescente índice de crimes dessa natureza.

No que tange à prisão por garantia da ordem pública, Antonio Magalhães

Gomes Filho tece algumas críticas quanto à sua justificativa ante a teoria da cautelaridade por

entender que:

[...] à ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em ‘exemplariedade’, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, em prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a possível ocorrência de outras, relacionadas à supressão de provas ou dirigidas contra a própria pessoa do acusado. Parece evidente que nessas situações a prisão não é um ‘instrumento a serviço do instrumento’, mas uma antecipação da punição, ditada por razões de ordem substancial e que pressupõe o reconhecimento da culpabilidade. O apelo à exemplariedade, como critério de decretação da custódia preventiva, constitui seguramente a mais patente violação do princípio da presunção de inocência, porquanto parte justamente da admissão inicial da culpabilidade, e termina por atribuir ao processo uma função meramente formal de legitimação de uma decisão tomada a priori. [...] Essa incompatibilidade se revela ainda mais grave quando se tem em conta a referência à função de pronta reação do delito como forma de aplacar o alarme social; aqui se parte de um dado emotivo, instável e sujeito a manipulações, para impor à consciência do juiz uma medida muito próxima à idéia

49 Processo penal constitucional, p. 284.

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de justiça sumária. Com relação ao discurso que procura justificar a prisão cautelar pela finalidade de prevenção especial, atribuindo-lhe o caráter de medida de segurança aplicada não com base em uma presunção de culpabilidade, mas sim tendo em vista a periculosidade do agente, ainda que considerada meramente acessória às demais finalidades do instituto, trata-se de mero jogo de palavras, que não consegue esconder a ofensa à regra constitucional. É que na raiz dessa colocação está evidente o reconhecimento da responsabilidade do sujeito pela prática do crime de que está sendo acusado; teme-se que, depois de haver praticado esse delito, cuja existência e autoria são dadas desde logo como certas, venha a praticar outros50.

Em relação a esta crítica torna-se necessária uma análise com mais cautela.

Trata-se de prisão preventiva, por isso, presentes seus requisitos e demonstrada a necessidade

de garantir a ordem social, tornar-se-ia indispensável prevalecer o bom senso na verificação

de cada caso concreto. Se reiteradamente o agente vem praticando delitos, porém, sem grande

repercussão no meio social que vive, não se justificaria a decretação de sua prisão sob este

fundamento. Mas, se o delito é grave e a sociedade está se sentindo ameaçada, nada mais

correto do que preservá-la, retirando o agente deste meio social. Assim, se há, reiteradamente,

a prática de roubos ou latrocínios, justificar-se-á a prisão preventiva como meio de manter a

ordem social. O abalo a esta ordem pode ocorrer pela divulgação da prática criminosa, pela

periculosidade demonstrada pelo agente na maneira cruel como executa os delitos ou pelos

antecedentes criminais. O juiz, ao analisar referidos pontos, deve fundamentar sua decisão e

conceder a prisão para garantir a ordem pública, dando com isso, o respaldo legal que a

sociedade espera do Judiciário. Só assim fugiríamos das críticas mencionadas quanto a

exemplariedade e prevenção especial.

A prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial

ou da instrução criminal – art. 311 do CPP – não sendo cabível aos crimes culposos,

contravenções penais, crimes em que o réu se livra solto, independentemente de fiança, e nos

casos em que o réu agiu acobertado por causa excludente de ilicitude51. Contudo, nota-se ser

50 Presunção de inocência e prisão cautelar, p. 67-68. 51 Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Prisão preventiva – Decreto anterior à conclusão do inquérito policial – Admissibilidade – Aplicação do art. 311 do CPP – Habeas corpus – Processual penal – A prisão

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cabível a custódia nos crimes punidos com detenção nas hipóteses previstas no art. 313, II e

III, do Código de Processo Penal52.

A legitimidade para pedir a prisão preventiva é do representante do

Ministério Público e do querelante, mediante requerimento, e da autoridade policial, mediante

representação, podendo o juiz, de ofício, também decretá-la, apesar de Guilherme de Souza

Nucci afirmar ocorrer a quebra da imparcialidade na decretação de ofício pelo juiz53. É

admissível ainda, segundo o Superior Tribunal de Justiça54, a prisão preventiva sem inquérito

policial, sendo que nesse caso o representante do Ministério Público, de posse de elementos

probatórios suficientes, deve oferecer a denúncia e requerer a custódia cautelar de pronto. A

oportunidade permanece até o encerramento da instrução criminal, consoante o artigo 311 do

Código de Processo Penal55. Terminada esta, somente procederá à prisão cautelar após a

sentença, desde que recorrível.

Quanto à instrução criminal, Fernando da Costa Tourinho Filho entende que

a “custódia cautelar só pode ser decretada até o oferecimento das ‘alegações finais’ que

encerram a fase instrutória. Melhor diria: até a fase do art. 499 do Código de Processo

Penal”56. Contudo, verifica-se que o momento para a decretação da prisão preventiva não é

questão pacífica no ordenamento jurídico brasileiro e também não tem sido tarefa fácil

preventiva, segundo se depreende do art. 311 do CPP, poderá ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, inclusive mediante representação da autoridade policial. Recurso de habeas corpus improvido” (RHC 65.001-5 – rel. Célio Borja – DJU 8.5.87 – RT 619/386). 52 Art. 313: “Em qualquer das circunstâncias previstas no artigo anterior” (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal – Grifo nosso), “será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: II – punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarece-la; III – se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal”. A referência se dá ao art. 64, I, da nova Parte Geral do mesmo Código. 53 Código de processo penal comentado, p. 543. 54 “A falta de inquérito policial não impede a decretação da custódia cautelar, desde que fundamentada em peças informativas da existência do crime e indícios de autoria apresentados pelo órgão acusatório. Suficientemente fundamentado e tendo em conta a gravidade das alegações, descabe argüir a invalidade do decreto de prisão provisória. Recurso conhecido, mas improvido” (RHC 3682 – rel. Anselmo Santiago – DJU 07.11.94, p. 30.031). 55 Art. 311: “Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial”.

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determinar qual o período de duração da prisão de natureza cautelar, até porque, em

decorrência do princípio da presunção de inocência, quanto menor o prazo de restrição da

liberdade, mais adequada à Constituição estará a decisão judicial.

Dessa forma, não havendo na legislação fixação de prazo, diversas

interpretações têm surgido quanto a sua duração e momento de decretação com fundamento

na razoabilidade ou proporcionalidade do prazo para julgamento, não podendo superar o

máximo de tempo previsto para a execução da pena.

Doutrinadores como Damásio Evangelista de Jesus57 e Luiz Flávio Gomes58,

orientados por julgados, afirmam que o prazo máximo de duração da medida cautelar é de

oitenta e um dias quando se trata de procedimento ordinário do Código de Processo Penal. O

critério leva em conta a soma dos prazos previstos para os diversos procedimentos.

Na verdade o prazo de duração da prisão preventiva, quando fundamentada

na conveniência da instrução criminal, não deve superar a fase do art. 499 do Código de

Processo Penal, uma vez que, carreados aos autos os meios de prova que poderiam se perder

com a liberdade do acusado, não mais se justificaria sua prisão, exceto se outro motivo estiver

presente a partir dessa fase.

Quanto à garantia da ordem pública, da ordem econômica ou para assegurar

a aplicação da lei penal, o prazo é extensivo ao término da instrução, podendo ser decretada

em qualquer fase anterior ao julgamento, tendo como limite o máximo da pena a ser

executada, tanto que a Lei Processual Penal, em seu artigo 316, autoriza que “no correr do

processo”, “se sobrevierem razões que justifiquem”, o juiz poderá “de novo decretá-la”,

donde se extrai, com tranqüilidade, que a preventiva poderá ser decretada não mais somente

até o término da instrução criminal, se presentes motivos que a justificam.

56 Processo penal, v.3, p. 425. 57 Código de processo penal anotado, p. 250. 58 Crime organizado: Enfoques criminológicos, jurídicos (Lei 9.034/95) e político-criminal, p. 178.

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Caberá, porém, fazer a ressalva quanto à hipótese de decretação com

fundamento na conveniência da instrução criminal, em razão dessa já ter se findado. O que

não se admite são interpretações legislativas que impeçam, frente a robustas provas de

existência do crime e indícios suficientes de autoria, a garantia da ordem pública ou

econômica ou não seja assegurada a aplicação da lei penal.

2.4 Prisão decorrente da decisão de pronúncia

A pronúncia é a decisão em que se apura a materialidade do crime e os

indícios da responsabilidade do acusado, admitidos para os crimes dolosos contra a vida,

consumados e tentados, e conexos com esses. Sendo assim, a pronúncia revela o acatamento

pelo juiz, da acusação formulada pelo representante do Ministério Público ou querelante,

convencido da existência de crime e indícios de autoria por parte do acusado, aceitando poder

vir ele a ser condenado diante das provas carreadas no curso da instrução.

Não se trata de julgamento prévio, de mérito, mas apenas de juízo de

admissibilidade realizado após a instrução do processo, para ser o julgamento realizado pelo

Tribunal do Júri. Entretanto, para não incorrer em nulidade, deve a decisão de pronúncia ser

fundamentada, tal como toda e qualquer decisão judicial (artigo 93, IX, CF), o que, segundo

Guilherme de Souza Nucci, “significa não somente uma imposição a ser cumprida, mas uma

garantia imperiosa do réu, que é conhecer as razões que o levaram a sofrer qualquer tipo de

constrangimento e também da sociedade de acompanhar a imparcialidade dos órgãos

judiciários em seus pronunciamentos”59.

Essa modalidade de prisão, de acordo com o entendimento do STJ e STF,

não está sujeita a prazo pré-determinado, mas sim ao tempo necessário para o julgamento da

59 Código de processo penal comentado, p. 642.

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causa pelo Tribunal do Júri60. Assim, finda a fase de instrução, o juiz, se estiver convencido

da não existência material do crime ou de não ter sido o acusado o autor, pode impronunciá-

lo, desclassificar o crime para outro de competência do Juízo singular, ou absolvê-lo

liminarmente em caso de excludentes de ilicitude. Se pronunciado, e admitida total ou

parcialmente a acusação, o juiz presidente do Tribunal do Júri, segundo dispõe o artigo 408, §

1º, “recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua

captura”.

Atenuando o disposto no §1° do art. 408 do Código de Processo Penal temos

os parágrafos 2° e 3° do mesmo dispositivo legal que facultam ao juiz, como exceção a regra,

a adoção de outra medida que não a prisão, no caso do réu pronunciado, se primário e

apresentar bons antecedentes ou o crime por ele praticado admitir fiança.

Existem, então, duas situações distintas, a do § 1° e as dos §§ 2° e 3° do art.

408 do Código de Processo Penal. A despeito disso, há na jurisprudência julgados61 que

divergem dessas duas situações, uma vez que alguns são favoráveis à não prisão cautelar

quando o réu é primário e apresenta bons antecedentes, enquanto outros definem ser possível

a restrição da liberdade mesmo diante da primariedade e ausência de antecedentes criminais.

Dessa forma, o artigo 408, § 1º, do Código de Processo Penal, presume a

necessidade da prisão do pronunciado em face do processo, uma vez que expressamente

60 “A prisão cautelar processual está prevista na Constituição (art. 5º, LXI) e não se choca com o princípio da presunção de culpa (art. 5º, LVII) da mesma Carta Política, podendo ser decretada para atendimento de qualquer dos pressupostos do art. 312 do CPP. Se a prisão decorre de sentença de pronúncia, não está sujeita a prazos preestabelecidos, podendo estender-se até final julgamento da causa, sem que tal importe em constrangimento ilegal. Consolidada jurisprudência do STF. Recurso improvido” (STJ – RHC – rel. Fláquer Scartezzini – RT 670/345). “A prisão decorrente de sentença de pronúncia não está sujeita a prazo, inexistindo, portanto, constrangimento ilegal se mantida a custódia até o julgamento do acusado pelo Tribunal do Júri” (STF – HC – rel. Octávio Gallotti – j. 03.03.98 – RT 756/502). 61 “A incidência da regra prevista no § 2° do art. 408 do CPP (redação dada pela Lei 5.941/73) depende de ser o réu primário e de ter bons antecedentes. Faltando qualquer desses requisitos, é de manter a prisão provisória ou decretá-la conforme o caso (STF – RHC – rel. Rafael Mayer – RT 596/444).“Embora tenha o réu permanecido solto durante a instrução, pode o juiz, pronunciá-lo, determinar sua prisão, caso necessária a medida para assegurar que o julgamento pelo Tribunal do Júri se faça sem constrangimento contra testemunhas. A simples primariedade e ausência de antecedentes não impedem a custódia provisória, decorrente da necessidade do processo” (TJMT – HC – rel. Carlos Avallone – RT 671/357).

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determina ser dever do juiz, ao pronunciar o réu, determinar a sua prisão ou mantê-lo detido,

se estiver recolhido. Tal dispositivo, isoladamente, não pode ser tido como constitucional.

Faz-se necessário a presença de quaisquer dos requisitos da prisão preventiva – garantia da

ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a

aplicação da lei penal, art. 312 do CPP – cuja comprovação é obrigatória, havendo de ser

fundamentada pelo magistrado.

A prisão do réu prevista no § 1º do artigo 408 é, portanto, a regra quando se

fala em pronúncia. A exceção, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça62, fica a cargo do

§ 2º, que faculta ao juiz a determinação da prisão do réu se for ele primário e de bons

antecedentes.

Do modo como está disposto no Código de Processo Penal, adotando pura e

simplesmente o § 2º como regra e o § 1º como exceção, o juiz deve fundamentar o motivo que

o levou a manter o réu preso ou decretar-lhe a prisão provisória. Ainda que seja reincidente, o

magistrado deve ter o livre arbítrio de julgar relevante a permanência do réu em liberdade.

Isso somente não se justifica se presentes os requisitos da prisão preventiva ou se ficar

demonstrada a periculosidade do réu, quando então pode o juiz determinar sua custódia, sendo

esse o entendimento jurisprudencial em relação a essa espécie de cautelar e também à

decorrente de sentença condenatória recorrível63.

62 “O § 2º do art. 408 do CPP tem caráter de exceção, consistindo a regra na expedição de mandado de prisão, no caso de pronúncia, a teor do disposto no § 1º, in fine, do mesmo artigo. A aplicação de norma exceptiva, porém, não obsta a prisão do réu pronunciado, em momento posterior, desde que se evidencie necessária, em decorrência de fato superveniente” (RHC – rel. Costa Leite – RT 678/374). 63 “À luz da nova ordem constitucional, que consagrou o princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, LVII), a faculdade de recorrer em liberdade objetivando a reforma da sentença penal condenatória é a regra, somente se impondo o recolhimento ou conservação à prisão nas hipóteses em que enseja a prisão preventiva, na forma inscrita no art. 312, do CPP, devendo nesses casos ser fundamentada a necessidade da medida excepcional”. (TA/MG, HC nº 0.438.031-4, Câmara Especial de Férias, rel. para o acórdão juiz Antonio Armando dos Anjos, j. 14.01.04, m.v.); “Homicídio qualificado. Prisão preventiva confirmada na sentença de pronúncia como garantia de ordem pública, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Paciente que no longo período em que permaneceu solto, por força liminar concedida pelo STJ, compareceu a atos processuais, foi aprovado em concurso público para o cargo de médico e prestou serviços à comunidade. Denegado o writ e cassada da liminar, evadiu-se para furtar-se a constrição que reputou ilegal e que fora restabelecida na sentença de pronúncia fundada no artigo 408, § 1º, no CPP, cujo comando estabelece que ‘o juiz deve recomendar o réu na prisão em que se achar o expedir ordem necessárias à sua captura’. Aplicável, na hipótese, o § 2º do artigo 408 do mesmo Código, já que o paciente é primário, registra bons antecedentes e não mais persiste o requisito da necessidade consubstanciado nas referidas hipóteses do

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2.5 Prisão decorrente de sentença condenatória recorrível

A prisão em virtude de sentença condenatória recorrível também possui

natureza cautelar e objetiva resguardar o resultado em definitivo do processo, face ao

provável perigo de fuga do réu, para se eximir da aplicação da sanção penal que, em primeiro

grau, já lhe fora imposta.

Dispõe o artigo 393 do Código de Processo Penal que a sentença

condenatória recorrível tem o condão de mandar prender o réu ou conservá-lo na prisão, tanto

com relação às infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis, se não prestou fiança. Ocorre

que referida norma não pode ser entendida como uma determinação que exige seu

cumprimento obrigatório, mas sim como uma explicitação do que pode vir a ocorrer.

No mesmo sentido, e agravando a situação do réu, dispõe o artigo 594 do

Código de Processo Penal que não poder ele apelar sem recolher-se à prisão, ou sem prestar

fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes. O mesmo se verifica no art. 408, § 2º, do

Código de Processo Penal, conforme já citado. Isto significa que, se o acusado não for

primário e de bons antecedentes, há apenas uma presunção juris tantum de necessidade da

medida. Contrario sensu, sendo ele primário e de bons antecedentes, a expressão “pode” no

texto legal não desperta discricionariedade no juiz, que “não deve” decretar a prisão.

Essa questão é bastante discutida. Para Nucci,

[...] não fere o princípio da presunção de inocência estabelecer como regra o recolhimento à prisão para poder recorrer, desde que a lei indique, através de requisitos objetivos e subjetivos, a necessidade do recolhimento cautelar. A idéia central, nessa questão, é no sentido do acusado ser uma ameaça à sociedade,

artigo 312 do CPP, que num momento remoto legitimaram a medida excepcional. Impõe-se a prevalência de seu direito subjetivo de permanecer em liberdade até o julgamento no Tribunal Popular. A fuga, para não sujeitar-se à prisão que se afigura ilegal, não é fundamento para a segregação cautelar. Igualmente não a justifica a simples circunstância de tratar-se de crime qualificado como hediondo. É possível aditar, nesta Corte, as razões expostas ao tribunal a quo, desde que não se modifique o pedido. O hábeas corpus, ao contrário dos recursos especial e extraordinário, não tem como requisito o prequestionamento. (HC nº 82.585-1/PA, 2ª Turma, rel. min. Maurício Corrêa, j. 13.05.03, v.u, DJU 01.08.03, p. 141, nº 2.371).

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colocando em risco a ordem pública, quando, condenado por delito doloso, sujeito à pena privativa de liberdade, a ser cumprida no regime fechado ou semi-aberto, sendo reincidente ou possuidor de maus antecedentes64. Essa é, inclusive, a orientação do STJ65.

Para Roberto Delmanto Júnior, da forma como está previsto, o art. 594 do

CPP atenta não só contra a presunção de inocência como ao duplo grau de jurisdição66. O

[TACrim-SP], atual Tribunal de Justiça, já decidiu nesse sentido em alguns acórdãos67.

Apesar das doutas opiniões mencionadas, não basta, para a prisão, a simples

reincidência ou maus antecedentes, é preciso estar caracterizada a necessidade da custódia,

caso contrário, será nítida a sua inconstitucionalidade. Nesse sentido, lembra Grinover que “a

falta de efetiva apreciação da necessidade da cautela importará, também quanto à prisão

decorrente de sentença condenatória recorrível, vício de fundamentação, capaz de fazer incidir

a sanção de nulidade por desatendimento aos preceitos constitucionais já indicados”68.

Assim, para que o réu seja preso em virtude de condenação recorrível, é

preciso ainda que haja a imposição de uma pena privativa de liberdade por infração em que

ele não se livra solto ou não admita prestação de fiança ou benefício do sursis, além, é claro,

de não ter sido reconhecida na sentença a sua primariedade e seus bons antecedentes. É bom

ressaltar ainda que o réu preso em flagrante, preventivamente ou por pronúncia, tem cessada a

restrição de sua liberdade, por esses motivos, no momento em que advém a decisão, seja ela

condenatória – uma vez que a partir daí temos a prisão pena – ou absolutória, cessando os

64 Guilherme de Souza Nucci, Código de processo penal comentado, p. 856. 65 “Não fere o princípio da presunção de inocência a determinação de que o sentenciado se recolha à prisão para aguardar o julgamento de recursos que, em regra, são desprovidos de efeito suspensivo” (STJ – HC 10.313-SP, 5ª Turma – rel. Edson Vidigal, 09.11.1999, DJ 13.12.1999, p. 165). Súmula 09 do STJ: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”. 66 As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 202. 67 “Se durante a instrução criminal o réu manteve a liberdade, porque a custódia era desnecessária, impossível a prisão durante o recurso baseado simplesmente em maus antecedentes reconhecidos na sentença” (TACRIM-SP, atual TJ/SP, – RT 658/297). “Segundo revelam os autos, o paciente, embora não tinha bons antecedentes, permaneceu em liberdade durante toda a instrução. Não foi preso em flagrante e não se entendeu necessária sua prisão preventiva. E, em liberdade, não deu causa de qualquer embaraço quanto ao processamento da ação penal. De justiça, portanto, deferir-se a ele, pelo menos, o direito de continuar em liberdade até o julgamento definitivo da ação penal” (TACRIM-SP, atual TJ/SP, – HC 198.476/7). 68 Ada Pellegrini Grinover et al., As nulidades no processo penal, p. 298.

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motivos ensejadores da prisão de qualquer natureza.

Logo, a prisão provisória, em quaisquer das modalidades analisadas,

constitui meio elementar utilizado pelo Estado em decorrência da atualidade da conduta ilícita

e para evitar ofensa à ordem pública ou econômica, para garantir a instrução criminal e para

assegurar a efetiva aplicação da norma penal, razão pela qual é considerada necessária. Dentre

as cautelares de natureza processual, a prisão temporária, que foi promulgada para legalizar a

anterior prisão para averiguação, muito utilizada pela Polícia Judiciária, por ser cautela

concedida na fase pré-processual, apresenta requisitos diversos das anteriores e que precisam

ser analisados visando apurar se essa prisão é ou não constitucional.

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III. DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO TEMPORÁRIA

3.1 Considerações gerais e conceito

A Exposição de Motivos da Lei nº 7.960/89 menciona que o alto índice de

criminalidade e o clima de pânico que se estabelece entre a população de quase todas as

cidades, aliada à certeza da impunidade que campeia célere na consciência das pessoas,

exigem medidas firmes e decididas, entre elas a da prisão temporária, que foi editada pela

Medida Provisória nº 111, de 24 de novembro de 1989 e, em 21 de dezembro do mesmo ano,

substituída pela lei, sendo considerada medida cautelar de cunho provisório e utilizada como

instrumento hábil de garantia da conclusão do inquérito e, conseqüentemente, do processo

penal, razão de apresentar caráter essencialmente processual e não penal como ocorre com a

prisão-pena.

Mesmo sendo provisória, afeta o direito de liberdade do indivíduo e, por isso,

deve ser revestida de limites e cuidados constitucionais previstos em alguns incisos69 do art.

5º da Constituição Federal. Exatamente por isso doutrinam Ada Pellegrini Grinover, Antonio

Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho que:

[...] não se pode duvidar, assim, da intenção do constituinte em submeter todas as formas de prisão de natureza cautelar à apreciação do Poder Judiciário, seja previamente, seja pela necessidade de convalidação imediata da prisão em flagrante, inclusive com apreciação do cabimento da liberdade provisória. Por outro lado, ao estabelecer que ‘ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal’ (art. 5º, LVI), o texto fundamental ressalta que a ordem judicial exigida não pode ser resultado de uma apreciação puramente discricionária do juiz, mas de decisão adotada após um procedimento qualificado por garantias mínimas, que possibilitem uma análise dos pressupostos da medida cautelar com imparcialidade e tendo em conta as razões dos integrantes do contraditório, ainda que este – em face da urgência – nem sempre possa ser exercido prévia e plenamente. Daí a

69 LXI - “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”. LXII – “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente”. LXV – “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. LXVI –ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

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necessidade indeclinável de obediência às formalidades essenciais previstas em lei para a adoção de cada uma das espécies de prisão, pois, como já se observou, a regulamentação das formas processuais constitui garantia das partes e da correta prestação jurisdicional70.

Vale ressaltar que a prisão temporária não se confunde com as demais

prisões processuais que antecedem a sentença condenatória definitiva, pois os pressupostos

daquela diferem dos exigidos para estas. Não é admissível, por exemplo, para a concessão da

prisão temporária, que se demonstre a necessidade de prender alguém para garantir a ordem

pública, uma vez que a prisão temporária só se legitima nos crimes previstos pela lei que a

criou, quando imprescindível para as investigações policiais, quando o indiciado não tiver

residência fixa ou quando não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua

identidade. Outrossim, é possível converter-se a prisão temporária em preventiva desde que

haja fundamentação legal para isso.

Na verdade, o propósito da prisão temporária não foi só o da contenção do

alto indicie de criminalidade, mas também o de substituir a antiga prisão para averiguações

utilizada pela polícia para a prática investigativa. Com a promulgação da Constituição Federal

em 05/10/88 estabelecendo que toda prisão só pode ser decretada por ordem escrita e

fundamentada da autoridade judiciária, a autoridade policial não mais teve como continuar

praticando a prisão para averiguações que, apesar de ilegal, a partir daí passou também a ser

expressamente vedada constitucionalmente, devendo, quando necessária, ser solicitada por

escrito ao juiz que passa a verificar da sua necessidade ou não em cada caso.

Assim, essa prisão nada mais é do que a restrição do direito de ir e vir,

imposta por período determinado, à pessoa sobre a qual recaem indícios da prática de um

ilícito grave, assegurando uma eficaz busca dos elementos de prova na fase pré-processual.

Para Guilherme de Souza Nucci a prisão temporária “é uma modalidade de

prisão cautelar, cuja finalidade é assegurar uma eficaz investigação policial, quando se trata

70 As nulidades do processo penal, p. 283.

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de apuração de infração penal de natureza grave”71.

3.2 Características e requisitos

Por ser a prisão temporária espécie de medida cautelar, é imprescindível a

presença de duas características essenciais, a excepcionalidade da medida – observada de

acordo com alguns preceitos constitucionais (art. 5º, LIV, LVII, LXI, LXII, LXV e LXVI) – e

a sua instrumentalidade – garantidora da realização completa e eficaz do processo penal –,

resultando, portanto, da necessidade conjunta dessas duas características para se examinar a

restrição temporária da liberdade individual.

Sobre o assunto, Maurício Zanóide de Moraes diz que a excepcionalidade,

[...] é alcançada ao se analisar de modo restrito tanto os dispositivos legais que tratam daquela matéria prisional quanto às situações fáticas subsumíveis àquelas normas. Esse critério da excepcionalidade vale, portanto, antes mesmo do exame casuístico da matéria na medida em que restringe a interpretação das normas que tratam da prisão cautelar. Isso influencia de maneira direta a verificação casuística do critério da instrumentalidade, o qual, nas medidas cautelares de caráter pessoal, deve ser analisado pela coexistência dos requisitos do periculum libertatis e do fumus commissi delicti72.

Para Romeu Pires de Campos Barros, é através da instrumentalidade que se

assegura a concretização do processo, tendo a cautela a finalidade de servir o Juízo e impedir

prejuízo processual. A concretude resguarda tanto o processo de conhecimento como o de

execução. Já a provisoriedade ou excepcionalidade reveste-se de caráter temporário,

terminando seus efeitos quando ausente estiver qualquer de seus pressupostos ou quando

houver decisão definitiva73.

A prisão temporária só é cabível se demonstrados seus requisitos e

fundamentos ao juiz no momento da representação ou requerimento que, de acordo com o

71 Código de processo penal comentado, p. 541. 72 Prisão temporária, In Leis especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 2869.

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artigo 1º, incisos I a III, da Lei nº 7.960/89, ocorrem quando aquela for:

I – imprescindível para as investigações do inquérito policial; II – o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III – houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2º); b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1º e 2º); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1º e 2º); e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (revogado pelo art. 5º da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, §1º); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com o art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei 2.889, de 1º de outubro de 1956), em qualquer de suas formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 33, caput e § 1º, I, II e III da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei 7.492, de 16 de julho de 1986).

Passemos a uma análise de cada um dos itens mencionados.

I – Ser a prisão imprescindível para a investigação do inquérito policial.

Bastante vago é o significado do termo imprescindibilidade, uma vez que, na

prática, os magistrados e representantes do Ministério Público contentam-se com a simples

referência, na representação elaborada pelo delegado de polícia, de que a prisão do

investigado é imprescindível para a investigação do crime, porém, nunca questionam sobre o

que é imprescindível.

Para Fauzi Hassan Choukr existe imprescindibilidade sempre que:

[...] para as apurações do crime haja necessidade da cooperação do indiciado, porém, muitas vezes, essa cooperação se torna indispensável. Embora não seja necessária a colaboração ativa do indiciado, pode acontecer que ele seja objeto de prova, como na acareação, na reconstituição do crime ou como no reconhecimento. Em razão dessa cooperação não seria razoável que a polícia tivesse de procurá-lo a cada momento em que dele necessitasse, sendo então, sua presença indispensável74.

73 Processo penal cautelar, p. 44-45. 74 Garantias constitucionais na investigação criminal, p. 203.

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Insuficientes são os argumentos mencionados, até porque não se pode

esquecer das regras contidas no Código de Processo Penal e na própria Constituição Federal,

sendo oportuna a lição de Roberto Delmanto Júnior ao afirmar que:

A prisão temporária não é cabível quando o indiciado não está colaborando com a investigação, pois [...] a lei não confere a ninguém o poder de forçá-lo a participar de reconstituição, de falar ou de fornecer material grafotécnico, amostra de sangue, de cabelo etc; quanto ao reconhecimento, bastaria uma condução coercitiva. Se e quando couber, eventualmente, poder-se-ia cogitar, dependendo do caso, de crime de resistência ou de desobediência [...] desde que não se esbarre no direito à ampla defesa, ao silêncio e de não se auto-incriminar. Caso estivesse destruindo provas, coagindo ou peitando testemunhas, ou seja, obstruindo as investigações, já estaria, em tese, presente um dos requisitos da prisão preventiva75.

Mas há uma hipótese em que é possível a decretação da prisão temporária

por imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial que não esbarra nos

requisitos da prisão preventiva. Instaurado o inquérito para apurar a prática de um dos crimes

elencados no inciso III, constata-se que as investigações não prosseguem em decorrência da

constante recusa das pessoas em prestarem depoimentos, ou, comparecendo para tal, nada

acrescentarem devido ao medo de uma repressão futura. Tem-se como suspeitos os

integrantes de uma quadrilha ou bando, quando então, representa-se pela prisão temporária no

sentido de possibilitar a busca dos elementos de prova contra eles, ou alguns deles, até

porque, a finalidade da prisão temporária é dar condições à autoridade policial para proceder

diligências quanto à autoria e materialidade do crime.

Nesse caso os integrantes da quadrilha ou bando não estão ameaçando, pois

se assim fosse seria possível a concessão da prisão preventiva, mas as testemunhas,

acreditando ser possível essa atitude, se recusam a expressar o que sabem sobre a autoria do

crime, preferindo afirmar que nada presenciaram. Diante desse fato, não há outra

possibilidade, a não ser a representação pela prisão temporária, ou então, a conclusão do

inquérito por ausência de meios para se buscar a verdade e apresentar provas capazes de dar

75 As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 158-159.

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ao Estado condições para oferecer a ação penal e, futuramente, aplicar a sanção. Caso não se

proceda dessa forma, haverá o caos quanto à segurança e aumento da criminalidade por pura

falta de condições de se aplicar a lei, além do mais, o inciso III da Lei nº 7.960/89 fala em

“fundadas razões (...) de autoria ou participação”, o que nos leva à conclusão da não

necessidade de uma prova plena quanto à autoria, bastando dados indicadores de ter sido a(s)

pessoa(s) “A”, “B”, “C” etc o(s) autor(es).

Esse raciocínio, no entanto, aparentemente esbarra em alguns obstáculos,

sendo um deles registrado por Liberato Póvoa e Marco Villas Boas, ao afirmarem que:

A decretação da prisão temporária com base nesse inciso somente pode fugir da inconstitucionalidade se já existir no inquérito pelo menos prova da materialidade e da autoria, bem como elementos indiciários de atuação maléfica do indiciado durante o inquérito policial, ocultando provas, aliciando ou ameaçando testemunhas; enfim, prejudicando o andamento do feito. A medida, nessa hipótese, tem como escopo assegurar o procedimento inquisitório que mais tarde poderá ou não transformar-se em processo. Somente nesse caso, de entrave pelo acusado à atuação policial, justificar-se-ia o decreto, não se olvidando nunca que a legitimidade de tal decisão está na existência de elementos indiciários que apontem o indiciado como autor do delito já comprovado materialmente, o que somente pode ser apurado no inquérito policial76.

Depara-se, portanto, com duas situações geradoras de opiniões diversas.

Havendo prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria, de acordo com o

artigo 312 do Código de Processo Penal, já é o suficiente para decretação da prisão preventiva

e, sendo assim, não se justificaria a prisão temporária quando o investigado estivesse

ocultando provas, aliciando ou ameaçando testemunhas, recusando-se a comparecer à

Delegacia para submeter-se a reconhecimento, acareação etc. Por outro lado, entendemos as

“fundadas razões de autoria ou participação”, expressas no inciso III, do art. 1º, da Lei n.º

7960/89, como sendo exigências diversas da prova da existência do crime previstas para a

prisão preventiva, ou seja, mesmo sem provas contundentes de autoria ou participação no

crime, o indiciado poderá ser preso temporariamente, bastando, contra ele, recair as fundadas

razões.

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Se assim não for, inadmissível e inexistente são as hipóteses de

imprescindibilidade, podendo considerá-la como sem efeito na legislação ou, quando utilizada

para fundamentação da prisão temporária, ser considerada inconstitucional.

Além de todas as análises anteriormente discorridas, para que o inciso I –

“imprescindibilidade” – possa ser considerado constitucional, torna-se indispensável ainda a

verificação, dentro dessa linha de raciocínio, do princípio da proporcionalidade e seus

subprincípios, lecionando Canotilho que o princípio da proibição de excesso, inicialmente,

estava relacionado à limitação do Poder Executivo, restringindo a liberdade individual para

com a administração pública, vindo, posteriormente, a ser “erigido à dignidade de princípio

constitucional”, atingindo também outros ramos do Direito. O primeiro subprincípio é o da

adequação, e “impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser

apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Conseqüentemente, a exigência de

conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público é apto para e

conforme os fins justificativos da sua adopção. Trata-se, pois, de controlar a relação de

adequação medida-fim”. O segundo subprincípio é o da exigibilidade ou necessidade, onde

“exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível

adotar outro meio menos oneroso para o cidadão”. E por fim, o princípio da

proporcionalidade em sentido restrito que se resume à análise da necessidade e adequação da

medida, uma vez que, neste caso, “deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção

é proporcional à carga coativa da mesma [...]. Meios e fim são colocados em equação

mediante um juízo de ponderação, com o objetivo de se analisar se o meio utilizado é ou não

desproporcionado em relação ao fim”77.

Assim, diante do que é levado ao conhecimento do magistrado, através da

representação da autoridade policial ou requerimento do representante do Ministério Público,

76 Prisão temporária: doutrina e prática, p. 60. 77 J.J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 261, 264 e 265.

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deve o mesmo verificar se a medida cautelar pode se adequar ao fato narrado e, adequando-se,

se ela é necessária naquele momento, isto é, se não há outra medida menos gravosa para ser

imposta e que solucionaria, da mesma forma, o problema. Feito isso, torna-se evidente a

análise da proporcionalidade, em que o juiz deverá verificar se a prisão temporária não irá

trazer um sacrifício maior a um bem do acautelado em relação ao bem que se pretende

proteger. Não havendo essa desproporcionalidade, nada impede a concessão da prisão

temporária por ser imprescindível à investigação na fase pré-processual.

Não sendo essa a linha de raciocínio, difícil é sustentar a possibilidade da

presença do periculum libertatis e do fumus commissi delicti fundamentados apenas nos

incisos I e III do art. 1º da Lei nº 7.960/89, uma vez que a imprescindibilidade, fora dos casos

mencionados anteriormente, é de difícil justificativa e, isoladamente, pode perfeitamente não

demonstrar o periculum in mora, sendo necessário acréscimo de uma das hipóteses do inciso

II ao lado do inciso I, por ser aquele, segundo Roberto Delmanto Júnior,

[...] o que traz alguma justificativa cautelar, pela existência de indícios de frustração da eventual aplicação da lei penal, em virtude do fato do acusado não ter residência fixa ou não fornecer elementos para sua identificação. Observe-se, inclusive, que a falta de identificação, além de ameaçar a execução de eventual condenação, acaba, de maneira reflexa, prejudicando as próprias investigações. Todavia, uma vez realizada a identificação, a prejudicialidade às investigações, neste aspecto, restaria superada78.

II - O indiciado não ter residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.

Existem dois fundamentos, o que diz respeito a não ter o indiciado residência

fixa e, em seguida, o relacionado com o não fornecimento, pelo indiciado, dos elementos

necessários ao esclarecimento de sua identidade, até porque tem ele direito de permanecer

calado (art. 5º, LXIII, da CF/88).

Quanto à primeira parte – inexistência de residência fixa – Fauzi Hassan

78 As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração, p. 160.

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Choukr afirma ser

[...] condição que, por si só, não bastaria à decretação da prisão temporária (quando muito imaginada em termos de prisão preventiva), especialmente em casos de crimes graves, ou manutenção do flagrante, lembrando que mesmo a existência de residência fixa não é impeditiva da decretação da prisão temporária consoante manifestação jurisprudencial79, ou mesmo a preventiva80. Neste ponto é de ser frisado, por derradeiro, que a lei processual penal historicamente nunca se preocupou com a distinção civilista entre domicílio e residência81.

Esse raciocínio torna-se interessante se na análise for verificado que a

restrição à liberdade, antes da sentença penal condenatória transitada em julgado,

fundamentada na ausência de residência fixa e na prática de um dos crimes elencados no

inciso III, do art. 1º, da lei em estudo, não seria suficiente para a decretação da prisão

temporária, uma vez que a existência de residência fixa não tem o condão de suprimir a

custódia.

Logo, se a medida cautelar for adequada ao fato e o juiz verificar a

necessidade de sua concessão, justificável e proporcional está a prisão cautelar, porém, se o

magistrado observar que há outra medida menos gravosa e que não vai prejudicar a aplicação

futura da lei, não há porque, baseado só na ausência de residência fixa como requisito

caracterizador do periculum libertatis, decretar a prisão temporária. Veja: se um andarilho se

compromete a permanecer num albergue sob vigilância de um funcionário até o término da

fase pré-processual em que figura como indiciado, ou se um ator circense, na mesma

79 “Primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita – Irrelevância – Decretação – Possibilidade: Inteligência: Lei nº 7.960/89. A primariedade, os bons antecedentes, a residência fixa e ocupação lícita, por si sós, não têm o condão de impedir que alguém seja recolhido temporariamente (Habeas Corpus nº 259.012/8, j. em 16/05/1994, 11ª Câmara, Relator: Xavier de Aquino, RJD[TACrim], atual Tribunal de Justiça, 22/443)”. 80 “Prisão Preventiva – Decretação apoiada em elementos colhidos no procedimento policial confirmando a materialidade do grave crime praticado e a existência de indícios de autoria – Agente primário, com bons antecedentes, emprego e residência fixa – Irrelevância – Manutenção da custódia – necessidade: Se a prisão preventiva do acusado apoiou-se em elementos colhidos no procedimento policial que deixaram patente a materialidade do grave crime praticado e a existência de veementes indícios de autoria, confirmando a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, a ensejar a decretação da medida, faz-se necessária a manutenção do agente no cárcere, mesmo que ele seja primário, tenha bons antecedentes, emprego e residência fixa, pois tais circunstâncias não têm o condão de elidir a necessidade da custódia (HC. nº 257.196/1, j. 14/04/1994, 1ª Câmara, Rel.: Eduardo Goulart, RJD[TACrim], atual Tribunal de Justiça, 22/461)”. 81 Processo penal à luz da constituição. p. 101 e 102.

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condição, se prontifica a aguardar o final das investigações numa hospedagem, ausente está

um dos elementos necessários à decretação da cautelar.

A análise isolada da primeira parte do inciso II pode, dependendo do caso

concreto, não ser suficiente para caracterizar o periculum libertatis, sendo necessário uma

conciliação da inexistência de residência fixa com o não fornecimento dos dados

esclarecedores de sua identidade, evitando, como isso, uma desproporcionalidade entre o

sacrifício da liberdade em razão da inexistência de residência fixa. Além do mais, se houver

necessidade da prisão, essa deve ser a preventiva, uma vez que a finalidade é assegurar a

instrução criminal ou a aplicação da lei penal (art. 312 do CPP). Assim, em relação à prisão

temporária, necessária no curso da investigação policial, vislumbra-se que o caso poderá ser

resolvido fixando-se um local como residência, pelo prazo necessário ao término da

investigação, sem necessidade de ser decretada a medida cautelar, pois assim não se restringe

o direito de ir e vir do investigado e satisfaz plenamente a matéria legal que é a busca dos

elementos de prova na fase pré-processual, podendo, se for necessário, estender a fixação

provisória da residência até o final da instrução criminal ou, se necessária, decretar-se a prisão

preventiva se presentes seus elementos.

Na outra ponta da redação do inciso II está o não fornecimento de elementos

necessários ao esclarecimento da identidade do indiciado.

A redação do requisito contido nesse inciso sempre foi criticada no sentido

de fazer constar situações jurídicas distintas e ainda divididas pela conjunção “ou”, o que

dificulta ainda mais sua aplicação. Compreensível, porém não pacífico, seria se a prisão

temporária fosse cabível quando o indiciado não tivesse residência fixa “e” não fornecesse

elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade, isto é, se as duas situações

estivessem cumulativamente presentes num único contexto. A ausência de residência fixa e a

não identificação do indiciado poderia ser fundamento indispensável à decretação da prisão

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cautelar quando houvesse fundadas razões do indivíduo ter sido o autor de um, ou mais, dos

crimes elencados no rol do inciso III.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, II e LXIII, dá direito à pessoa de não

fazer prova contra si mesmo e de permanecer calada quanto aos fatos que lhes são imputados.

Desses preceitos constitucionais podem surgir entendimentos contraditórios em que, numa

interpretação extensiva, chegar-se-ia à conclusão de que o direito ao silêncio atingiria,

inclusive, o de não fornecer a qualificação pessoal no momento do interrogatório, ficando a

cargo do Estado, através de seus representantes (no caso a polícia), usar dos meios legais para

fazê-lo, pois, o que não se admite é o indiciado mentir sobre sua qualificação, tanto que o art.

307 do Código Penal pune quem assim age.

É aqui que se discute, e onde há controvérsia, sobre as conjunções “ou” e

“e”. Não resta dúvida de que as duas situações acabam facilitando a decretação da medida

cautelar quando o indiciado tem residência fixa, porém, recusa a identificar-se. Apesar de ser

um direito seu permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII, CF) e não fazer prova contra si mesmo

(art. 5º, II, CF), a simples não identificação poderia gerar situação estranha, pois em algumas

regiões a identificação dessa pessoa pelo IIRGD (Instituto de Identificação Ricardo

Gumbleton Daunt) levaria dias ou até meses, não surtindo qualquer efeito à decretação da

prisão temporária devido ao prazo limitado de sua duração.

O meio para solucionar esse impasse seria aquele descrito por Fauzi Hassan

Choukr, que afirma:

[...] nenhum direito no Estado democrático é ilimitado e também não o seria o direito ao silêncio. Se é correto a partir dos textos humanitários internacionais e mesmo diante da Constituição, que o acusado (neste momento, o indiciado) não é obrigado a fazer prova contra si mesmo, também é correto que não pode ele, em primeiro lugar, mentir sobre sua qualificação, ou identidade, porque este é um mínimo freio (...) que salvaguarda a possibilidade do Estado exercitar a persecução penal. Neste sentido, o Código Penal, em seu artigo 30782, tem norma punitiva a

82 Art. 307 do Código Penal: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui elemento de crime mais grave”.

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respeito, cuja constitucionalidade permanece intacta, até como uma forma de salvaguarda de terceiros, embora decisões existam83 afirmando que não há menor importância em trocar-se a identidade entre pessoas da mesma família (sic). Será necessário, entretanto, que exista uma mínima possibilidade de prejuízo na fraude perpetrada, sob pena de descaracterização do delito. Mas o tipo do artigo 307 incrimina a conduta daquele que mente sobre sua qualificação para, por exemplo, não se ver identificado por fato anteriormente cometido e que lhe rendeu condenação, que é hipótese distinta do não fornecimento dos elementos necessários à completa individualização da autoria a ensejar a custódia cautelar. Do ponto de vista da pureza conceitual, não se poderia exigir a fala do indiciado por ofensa ao princípio do direito ao silêncio. Aliás, há uma contradição intrínseca à própria redação, vez que o indiciamento pressupõe o conhecimento dos dados mínimos do indiciado (mesmo na assombrosa forma do indiciamento indireto). Assim, se eles já existem, e o ato formal (e motivado) do indiciamento já ocorreu, sua identidade já está aclarada, restando verdadeiramente afronta ao princípio constitucional mencionado a analisada disposição84.

Esclarecedora, no entanto, é a lição de Guilherme de Souza Nucci ao afirmar

que é preciso, inicialmente, fazer uma distinção entre interrogatório de qualificação e

interrogatório de mérito, pois:

o primeiro relaciona-se ao instante em que o juiz colhe o nome, a naturalidade, o estado, a idade, a filiação, a residência, os meios de vida ou profissão e o lugar onde o réu exerce a atividade, bem como se sabe ler e escrever (art. 188, caput, CPP); o segundo é a parte concernente à imputação propriamente dita, quando o magistrado dá ciência da acusação e obtém do réu, se o desejar, a sua versão dos fatos e as provas que pretende produzir (art. 188, I a VIII, CPP). Pode o réu exercitar o seu direito ao silêncio somente no que se refere ao interrogatório de mérito, mas não quanto ao interrogatório de qualificação”, ressaltando, nesse último caso, a não admissão do “direito de mentir do acusado, falseando seus dados de identificação, quando houver nítida intenção de fraudar ou implicar outra pessoa [..] O direito à ampla defesa não é ilimitado, nem pode ser exercido abusivamente. As implicações, nessa situação, são graves, podendo levar um inocente ao cárcere e ferindo a segurança jurídica que o processo necessita conter85.

Com relação aos preceitos constitucionais, fica evidente os direitos que o

indiciado ou acusado possui na fase de seu interrogatório, no entanto não se pode deixar de

consignar outras situações que surgem na fase de interrogatório pré-processual, tais como: a)

silêncio total quanto à identidade do indiciado; b) falsear dados de sua identidade e c) silêncio

quanto à sua identidade cumulada com a não identificação civil.

83 “Não se vislumbra vantagem ao agente que, durante a fase policial, atribui a si a identidade do irmão e, também, nenhum prejuízo a este último se tanto um, como outro não possuem antecedentes desabonadores” (Apelação nº 5777.203/5, julgado em 07/05/1990, 3ª Câmara, Relator – Gomes de Amorim, RJDTACrim 8/111, atual Tribunal de Justiça). 84Processo penal à luz da Constituição. p. 99 a 101. 85 Código de processo penal comentado, p. 345 e 354.

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Na primeira hipótese, prevalecendo o entendimento de não ser absoluto o

direito ao silêncio e à não auto-incriminação, por não se estender à qualificação do indiciado,

o meio legal para sanar o conflito é a representação pela decretação da prisão temporária se o

crime praticado estiver elencado no rol do inciso III da Lei nº 7.960/89, para, em seguida e

dentro do prazo de restrição da liberdade do indiciado, buscar-se sua identificação através das

comparações monodactilar ou decadactilar realizadas pelo IIRGD (Instituto de Identificação

Ricardo Gumbleton Daunt).

Na segunda hipótese – falsear dados de sua identidade –, notando as

autoridades policial ou judicial que o indiciado ou acusado está omitindo ou falseando dados

necessários à sua identificação de modo a prejudicar terceiro inocente, responderá ele pelo

crime tipificado no art. 307 do Código Penal. Não é difícil constatar quando o indiciado, na

fase de interrogatório policial, está falseando seus dados, bastando questioná-lo várias vezes,

e alternadamente, sobre relação de parentesco e afinidade, bem como de seus dados pessoais,

para vislumbrar-se a contradição entre suas respostas. Nesse caso, se persistir com a

informação falsa ou parcial, além de incurso nas penas do artigo 307 do Código Penal,

também é possível a concessão da medida cautelar para identificá-lo. Nessas duas hipóteses

tornam-se necessários esforços em conjunto da autoridade requisitante e do IIRGD (Instituto

de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt) para se concluir a identificação dentro do prazo

legal de duração da prisão temporária.

Por fim, e aqui de difícil solução, é a hipótese do indiciado silenciar sobre

sua qualificação e ainda não existir registro de sua identificação civil, o que impossibilita a

comparação mono e decadactilar. Não raro, em algumas regiões do país, a não identificação

civil da pessoa. Vindo ela a praticar um dos crimes elencados no rol do inciso III e recusando-

se a manifestar verbalmente quanto ao seu nome, filiação, naturalidade, residência etc, ou

manifestando no sentido de nada saber, não há como realizar a identificação por comparação,

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pois não há o que comparar. Nesse caso, o único meio que se vislumbra possível é o da

qualificação por suas características físicas e coleta de suas impressões digitais para formação

da identificação criminal, sendo cabível a prisão temporária e, em seguida, a preventiva, ou

então, a decretação imediata da medida cautelar preventiva para assegurar a aplicação da lei

penal, se houver, é evidente, prova da existência do crime e indícios suficiente de autoria (art.

312 do CPP).

III - Quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos crimes elencados.

O legislador, ao arrolar expressamente nesse inciso os crimes ensejadores da

prisão temporária, demonstrou que a restrição da liberdade só é possível “quando houver

fundadas razões [...] de autoria ou participação do indiciado” em um ou mais dos crimes

mencionados, não se admitindo extensão, até porque, se assim fosse, teria usado a expressão

“crimes”, sem relacioná-los. Se optou por essa forma é porque só na incidência deles estará

caracterizado o fumus commissi delicti, podendo aceitar como exceção as hipóteses de

concursos material, formal ou crime continuado, em que os feitos são cumulados, envolvendo

crimes descritos no rol do inciso III com outros não mencionados.

Apresentados e discutidos os três fundamentos do diploma legal, resta a

análise sobre a necessidade de estarem eles presentes isoladamente ou cumulativamente, uma

vez que a redação desse artigo vem gerando divergências interpretativas quanto à necessidade

da presença concomitante ou não dos três incisos mencionados, o que propicia pelo menos

quatro entendimentos: a) a prisão temporária é cabível em qualquer das três situações

elencadas pelo art. 1º da lei, cujos requisitos são alternativos, ou um ou outro; b) só pode ser

decretada se concorrerem as três hipóteses ao mesmo tempo, onde os requisitos são

cumulativos; c) deve ser exigida a combinação de pelo menos dois dos requisitos, mas sempre

deve estar presente o inciso III, ou seja, combinação entre os incisos I e III ou II e III; d) as

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três hipóteses devem ser ajustadas aos casos que ensejam a prisão preventiva.

A primeira posição é adotada por Tourinho Filho86 e Mirabete87, sendo que

ambos classificam a prisão temporária como draconiana, medida de retrocesso, porém,

demonstram ser favoráveis à alternatividade dos requisitos.

Roberto Maurício Genofre é adepto da segunda posição, que sustenta a

cumulatividade dos três requisitos, fundamentada no sentido de ter sido a lei elaborada para

reforçar o combate à criminalidade violenta e para casos de necessidade extrema, devendo

pelo menos um dos crimes elencados no inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/89 sempre estar

presente, por ser de exigência fundamental, e, ao lado deste, os demais requisitos contidos nos

incisos I e II cumulativamente88. Esse entendimento recebeu críticas severas no sentido de que

essa interpretação levaria ao absurdo, bastando uma simples comprovação de residência para

impossibilitar a qualquer suspeito a decretação da prisão temporária.

Antonio Scarance Fernandes, adepto da terceira posição, diz que é preciso

verificar se o art. 1º da Lei nº 7.960/89 “contempla, em seus três incisos, as exigências do

fumus boni iuris e do periculum libertatis, ajustando a prisão temporária ao princípio

constitucional da presunção de não culpabilidade”. Assim, o fumus boni iuris sempre está

presente no inciso III por exigir fundadas razões de autoria ou participação do indiciado em

um ou alguns dos crimes nele elencados, só podendo admitir outros tipos penais se legalmente

autorizados, como ocorre com a Lei nº 8.072/90. Já o periculum libertatis encontra-se nos

incisos I e II, uma vez que naquele a prisão torna-se necessária para a boa condução da

investigação e sucesso no futuro processo, enquanto no inciso II a prisão é importante quando

se trata de indiciado que não tem residência fixa ou não fornece elementos necessários ao

esclarecimento de sua identidade. Portanto, se presente o requisito contido no inciso I ou no

inciso II, acompanhado do III, presentes estão os requisitos necessários para a decretação da

86 Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, p. 350-351. 87 Júlio Fabbrini Mirabete, Processo penal, p. 378.

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medida cautelar89.

Comungam dessa idéia, Damásio E. de Jesus90, Antonio Magalhães Gomes

Filho91, Ada Pellegrini Grinover92 e Patrícia dos Santos André, sendo que para esta a “análise

do cabimento da prisão temporária dever-se-á atentar para a presença indispensável dos

requisitos do inciso III do artigo 1º da Lei n 7.960/89 e, ao depois, pela presença alternada ou

cumulativa dos requisitos previstos nos incisos I e II do mesmo dispositivo legal”93.

Por fim, registra-se a posição daqueles que defendem a combinação das

exigências do art. 1º da Lei nº 7.960/89 com as hipóteses que ensejam o decreto de prisão

preventiva (art. 312 do Código de Processo Penal), como Vicente Greco Filho, ao afirmar

que:

[...] é preciso combiná-las entre si e combiná-las com as hipóteses de prisão preventiva, ainda que em sentido inverso, somente para excluir a decretação. Por exemplo, não teria cabimento que toda vez que o indiciado não tivesse residência fixa ou que não fornecesse elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade a prisão fosse automaticamente decretada. Pode ser decretada, mas se-lo-á se for imprescindível às investigações do inquérito ou necessária à ordem pública ou à aplicação da lei penal94.

Filiamo-nos à terceira posição por entendermos que as medidas cautelares

devem evidenciar sempre a presença dos pressupostos ou requisitos denominados fumus

commissi delicti e periculum libertatis, sem os quais torna-se impossível a decretação de

qualquer prisão antecipativa da condenação com trânsito em julgado.

Assim, no caso do art. 1º da Lei nº 7.960/89, verifica-se que o fumus

commissi delicti está contido no inciso III e o periculum libertatis nos incisos I e II. Logo,

tornam-se necessários sempre as fundadas razões de autoria ou participação do indiciado em

um, ou mais, dos crimes contemplados no inciso III e, junto com ele, a verificação da

88 Crimes hediondos, prisão temporária e derrogação do art. 10 do CPP, p. 2. 89 Processo penal constitucional, p. 290-291. 90 Novas questões criminais, p. 107. 91 Presunção de inocência e prisão cautelar, p. 81. 92 As nulidades no processo penal, p. 299. 93 Prisão temporária: medida cautelar para crimes leves? p. 396. 94 Manual de processo penal, p. 240 - 241.

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existência de imprescindibilidade para a investigação ou de não ter o indiciado residência fixa

ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.

Para a concessão da prisão temporária durante a fase pré-processual, é

preciso que o indiciado tenha praticado um ou mais dos crimes mencionados no inciso III e

que sua prisão seja imprescindível para as investigações (inciso I) e/ou enquadra-se o

indiciado numa das hipóteses do inciso II.

Nesse sentido, inclusive, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo95.

3.3 Hipóteses não ensejadoras de prisão temporária

Pela leitura dos artigos 4º e 12 do Código de Processo Penal observa-se que o

inquérito policial tem por finalidade a apuração da infração penal e individualização da

autoria, fornecendo elementos necessários à propositura de futura ação penal, uma vez que é o

inquérito o fundamento da quase totalidade das denúncias formuladas pelos representantes do

Ministério Público. Para apurar a existência de infração penal, torna-se necessário buscar

informações quanto ao fato criminoso e, para isso, inquirem-se testemunhas; a vítima quando

determinada ou existente também é ouvida; requisitam-se exames periciais; realizam-se

buscas e apreensões; acareações; reconhecimentos etc.

95 “Prisão temporária – Revogação – Fundamentação – Falta de justa causa para a prisão não explicitada – Ordem concedida – Por outro lado, no que diz respeito aos seus pressupostos, a prisão cautelar não se revela cabível. A Lei nº 7.960 de 1989, no seu artigo 1º, enumera em três incisos as hipóteses de cabimento. No inciso I prevê a necessidade, ou seja, a imprescindibilidade da prisão para as investigações do inquérito policial. O inciso II, por sua vez, permite a custódia quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade. O terceiro inciso condiciona a prisão à presença de fundados indícios de participação ou autoria em determinados crimes, que a própria lei traz rol taxativo, Consoante o melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, adotado por esta Colenda Câmara, para o cabimento da prisão temporária, devem estar presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. Em relação a este último (urgência), abrangendo os incisos I e II, não é preciso o concurso de ambas as circunstâncias, bastando apenas uma delas para o seu ensejo. Necessário, contudo, que se conjugue o inciso III com um dos demais (I ou II). Ora, sendo a prisão temporária uma prisão cautelar, deve ter caráter urgente” (TJSP – 4ª Câmara Criminal – HC 275.316/3 – Rel. Passos de Freitas – JTJ – LFX 217/345).

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Quanto à autoria, é preciso, para que haja ação penal, que aquela esteja demonstrada e exista

relação de causalidade entre sua conduta e o resultado por ele almejado, ficando a autoridade

policial responsável por indicar, com os elementos de provas colhidos, esta relação.

Para realização de todos os atos mencionados, inclusive interrogatório do

indiciado, a autoridade policial, necessita da presença do suposto autor da infração penal na

delegacia. Tendo ele cometido um dos crimes mencionados no inciso III do art. 1º da Lei nº

7.960/89 e comparecendo à delegacia sempre que solicitado, mesmo possuindo maus

antecedentes, não há que se cogitar em concessão da prisão temporária. Entretanto, se

demonstrar periculosidade ao meio social ou ameaça a uma das testemunhas, cumulado com

materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, vislumbram-se os requisitos

ensejadores da medida preventiva e não temporária. Vale ressaltar ainda que nem sempre a

presença do indiciado na delegacia é necessária, no entanto, imaginando sê-la, e ele

comparecendo, não há que se falar em representação pela prisão temporária.

Sendo o crime imputado ao autor, diverso daqueles descritos no rol do inciso

III do art. 1º da Lei nº 7.960/89, que são taxativos e não exemplificativos, também não se

autoriza a prisão temporária, pois é inadmissível a prisão de réu que, tendo residência fixa e

profissão definida, vem a ser acusado, por exemplo, pela prática de crime de furto, uma vez

que esse crime não consta no rol geral previsto no inciso mencionado.

Também não se admite a concessão da custódia quando o fundamento se

pauta exclusivamente pelos incisos I e II do art. 1º da mencionada lei. Exige-se que além da

imprescindibilidade para as investigações, da ausência de residência fixa ou não fornecimento

dos elementos necessários ao esclarecimento da identidade do indiciado, tenha esse praticado,

em tese, um dos crimes elencados no rol do inciso III, presente assim o periculum libertatis e

o fumus commissi delicti, requisitos indispensáveis à concessão da medida.

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Portanto, para a decretação da prisão temporária, necessário se faz, pelo

menos, a conjugação de dois dos requisitos do art. 1º da Lei nº 7.960/89. O requisito do inciso

III é indispensável em todos os casos, uma vez que tal prisão somente é cabível nas infrações

enumeradas naquele dispositivo. Assim, pode ser decretada a prisão temporária com base nos

incisos I e III, II e III, ou com fundamento em todos eles.

Outra situação que não enseja a prisão temporária está relacionada com

aqueles crimes considerados de difícil elucidação. Não se aceitam os argumentos de que o

indiciado deve estar preso porque a restrição de sua liberdade facilitará as investigações. A

prisão cautelar só ocorrerá, excepcionalmente, quando estiver demonstrada a presença de seus

requisitos, caso contrário, chegar-se-ia à hipótese de prender alguém para, a partir daí, iniciar

as investigações.

Existia, e hoje ainda pode existir, representação de prisão temporária em que

o setor competente, para investigar, não conseguindo colher elementos probatórios indicativos

da autoria e materialidade do crime, elaborava simples relatório, com indicação de suspeitas

embasadas, muitas vezes, no fato de estar o indivíduo adquirindo bens com certa freqüência,

ou apresentar folha de antecedentes extensa sobre o mesmo tipo penal da investigação, ou

para aproveitar-se do crime em investigação e tentar colher provas relacionadas a outro crime,

ou ainda para facilitar e diminuir o caminho investigativo e a autoridade policial, valendo-se

dele, representava pela decretação da prisão temporária, vindo o representante do Ministério

Público opinar favoravelmente e o magistrado conceder a cautela, quando então se iniciava,

na verdade, as investigações, só que agora não do local do crime para a autoria, mas desta

para o local do crime, tornando-se, portanto, ilegais todos os procedimentos realizados.

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3.4 Momento inicial e final de decretação da prisão temporária

Questão bastante polêmica está relacionada ao momento da decretação da

prisão temporária. Há discussão em torno da admissibilidade somente a partir da instauração

do inquérito policial, mas discute-se também sobre a possibilidade de ser concedida com o

registro do boletim de ocorrência.

O objeto do inquérito policial, pela definição legal contida nos artigos 11, §

3º, e 42 do Decreto nº 4.824, de 22 de novembro de 1871, não mais em vigor, é verificar se

realmente existiu uma infração penal, em que circunstância ocorreu e quem foi o autor. Na

legislação processual atual, inexiste conceito expresso, registrando o art. 4º, caput, do Código

de Processo Penal, que o inquérito presta-se a apurar infrações penais e sua autoria. Contudo,

pode-se defini-lo como instrumento hábil para, através da investigação criminal, buscar-se

elementos de prova que individualize a autoria e a infração penal demonstrando suas

circunstâncias e resguardando provas que possibilitem uma futura ação penal.

A autoridade dá início ao inquérito através de despacho fundamentado,

declarando a instauração do feito e isso ocorre através de portaria, requisição judicial ou

ministerial, requerimento, representação ou auto de prisão em flagrante. O meio mais usual é

a portaria, quase sempre precedida de um boletim de ocorrência. Este, no Estado de São

Paulo, foi criado pelo Decreto nº 25.410, de 30 de janeiro de 1956, como sendo o documento

utilizado para o registro da notícia de fatos que devem ser apurados através do exercício da

atividade de Polícia Judiciária, porém, além dessa função principal, nada impede sua

utilização para registro de fatos atípicos penalmente, mas que podem ter relevância em outros

ramos do Direito.

Pela análise do conteúdo da Lei nº 7.960/89, verifica-se que diversos termos

utilizados pelo legislador dão a entender que sua intenção foi possibilitar a concessão da

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prisão temporária somente na fase de inquérito policial que, como já referido, inicia-se através

de um dos meios mencionados anteriormente96, e isso é perceptível pelas expressões

“investigações do inquérito policial” (art. 1º, I), “indiciado” (art. 1º, II e III), “nota de culpa”

(art. 2º, § 4º), todos próprios dos autos de inquérito policial.

Além disso, a prisão temporária, para ser analisada pelo magistrado, deve

estar em consonância com as normas processuais, razão da indispensabilidade do inquérito

policial, não bastando o simples boletim de ocorrência, que não demonstra, por si só, a

presença dos requisitos necessários à concessão da prisão cautelar. É evidente que, para o

oferecimento da denúncia, nos casos de ação penal pública, o inquérito policial não é

indispensável, podendo o representante do Ministério Público fazê-lo diretamente ser tiver

quaisquer outras peças de informações da autoria e da infração penal, consoante o art. 12 do

Código de Processo Penal. Da mesma forma, presentes estas peças informativas e sendo

suficientes para convencer e demonstrar ao magistrado a necessidade da medida em

decorrência de sua excepcionalidade e razoabilidade, nada obsta sua concessão sem o

inquérito instaurado. Não havendo as peças, torna-se necessária a existência de um inquérito

em que, através da investigação, buscam-se os elementos indiciários suficientes para a

fundamentação legal do pedido.

O último momento que se possibilita a decretação da prisão temporária, pela

leitura da Lei nº 7.960/89, é aquele relacionado ao recebimento da denúncia oferecida pelo

representante do Ministério Público ao magistrado. De acordo com o art. 46 do Código de

Processo Penal, após a conclusão do inquérito, o representante do Ministério Público tem

prazo de 5 dias para oferecer a denúncia, estando o réu preso, e 15 dias estando o réu solto ou

afiançado, evidentemente se não for caso de devolução dos autos para outras investigações.

Nesse lapso temporal, apesar de já concluído o inquérito, ainda é possível

96 O inquérito policial pode iniciar através de portaria, requisição judicial ou ministerial, requerimento, representação ou auto de prisão em flagrante.

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decretar-se a prisão temporária, uma vez que o relatório não finda a possibilidade persecutória

do Estado podendo haver devolução para novas diligências se imprescindíveis para o

oferecimento da denúncia. Com o recebimento desta, o indiciado passa a ser acusado,

mudando sua situação inicial e fugindo assim dos termos usados pela Lei nº 7.960/89, o que

nos possibilita concluir pela possibilidade de representação até o momento do recebimento da

denúncia. Recebida a denúncia só será possível a representação pela prisão preventiva se

estiverem presentes os requisitos exigidos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.

Inadmissível é o retorno dos autos de inquérito policial, para novas

diligências, após a autoridade policial tê-lo concluído e representado pela decretação da prisão

preventiva por ter se expirado o prazo legal da temporária anteriormente concedida. É sabido

que a medida preventiva só será autorizada quando houver prova da existência material da

infração e quando os indícios apontarem, com seriedade, a autoria delitiva. Esses elementos

são suficientes para o oferecimento da denúncia, portanto, se o juiz, baseado neles e com

manifestação favorável do representante do Ministério Público, concede a prisão preventiva,

não há porque o promotor não oferecer a peça inaugural. Retornando os autos para novas

diligências é porque a existência material da infração não está provada ou não há indícios

suficientes de autoria, impedindo, assim, a concessão da cautelar.

Concedida essa, não há como negar-se ao oferecimento, por parte do

representante do Ministério Público, ou recebimento, por parte do juiz, da denúncia. O art. 46

do Código de Processo Penal é claro ao estabelecer que “o prazo para oferecimento da

denúncia, estando o réu preso, será de cinco dias, contado da data em que o órgão do

Ministério Público receber os autos do inquérito policial”. Não menos direto é o art. 312 do

mesmo Diploma Processual ao afirmar que “a prisão preventiva poderá ser decretada como

garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou

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para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios

suficientes de autoria”. Decretada a prisão preventiva após findo o prazo concedido à prisão

temporária, tendo o inquérito sido concluído, seu retorno caracteriza prisão ilegal, devendo o

acusado, ou nesse caso ainda indiciado, ser colocado imediatamente em liberdade.

3.5 Legitimidade para requerer a prisão temporária e seu prazo de duração.

A legitimidade para representar ou requerer, de acordo com o art. 2º, caput,

da Lei nº 7.960/89, é direcionada à autoridade policial e ao representante do Ministério

Público. Não se admite que o juiz conceda-a de ofício, embora assim possa fazê-lo com a

prisão preventiva, uma vez que aquela só é possível para uma investigação policial, recaindo

sobre um mero suspeito da prática de um crime grave, ficando a cargo do magistrado apenas a

análise da necessidade e urgência da prisão, concedendo-a, ou não, através de despacho

fundamentado, podendo, de ofício, determinar que o preso lhe seja apresentado, evitando com

isso abusos ou excessos por parte da autoridade policial e seus agentes.

O legislador andou bem ao retirar o juiz da possibilidade de conceder de

ofício a prisão temporária, facultando-lhe apenas na preventiva, uma vez que nesta já há prova

da infração penal e apontamentos da autoria por indícios suficientes, e não mera suspeita

como pode ocorrer na prisão temporária.

Mesmo a Constituição Federal estabelecendo, nos arts. 5º e incisos; 129, I e

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14497, que o modelo processual penal brasileiro é acusatório, insistimos que, na verdade, ele é

misto, principalmente porque o inquérito policial, quase sempre, é a base legal para o

oferecimento da denúncia ou queixa, sendo ele inquisitório e tendo como finalidade, além da

apuração das infrações penais e de sua autoria (art. 4º, caput, Código de Processo Penal),

preparar ou instruir a ação penal, fundamentar a aplicação de medidas cautelares e subsidiar o

juiz na individualização da pena, diante da identificação exata do indiciado, através da

individual datiloscópica e do boletim de vida pregressa, nos termos do artigo 6º do diploma

processual penal. E mais, o juiz não tem noção e preparo para investigar, nem tempo

disponível para deixar a presidência dos processos e sair em busca de elementos de prova,

sendo esse trabalho de competência de outros setores estatais.

Além disso, como bem salienta Eduardo Espínola Filho,

[...] já conhecidos os motivos que têm tornado esse instituto de presença obrigatória em todos os códigos de processo penal, bem se compreende, ao juiz, como órgão orientador do processo, preocupado em prover de forma a correr a causa normalmente os seus trâmites, preenchendo o alto intuito de verificação integral da verdade, não só deve ser dada, e exclusivamente, a faculdade de apreciação da necessidade e conveniência da decretação dessa importante medida, como, igualmente, é de ser reconhecida a iniciativa de, ex officio, ordenar a captura e custódia do indiciado, quando a reunião dos requisitos legais fundamente a adoção de tal atitude (...). E, além disso, o representante da justiça pública não pode ficar indiferente à eventualidade de, solto, continuar o delinqüente a desenvolver uma atividade perniciosa à segurança e à tranqüilidade da sociedade98.

Deferido pelo magistrado o pedido de prisão temporária formulado pela

autoridade policial ou pelo representante do Ministério Público, terá ela o prazo de cinco dias

de duração, podendo haver uma prorrogação por igual período em caso de extrema e

97 Art. 5º, LIII – “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente’; LIV – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; LXI – “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. Art. 129, I – “São funções institucionais do Ministério Público: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Art. 144 – “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis: V – polícias militares e corpos de bombeiros militares”.

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comprovada necessidade. A lei fixou, portanto, o prazo máximo de duração da prisão, mas

isso não significa que o juiz está obrigado sempre a conceder a medida por esse prazo, nada

impedindo que, dependendo do caso concreto, venha ele a decretá-la por prazo inferior.

A exegese do artigo 2º, caput, da Lei nº 7.960/89, é no sentido do prazo

máximo e não mínimo de duração, uma vez que a prisão se dá no curso da investigação e,

portanto, se preso o indiciado, após um ou dois dias chega-se à conclusão de não ser ele o

autor do crime, ou sendo, já ter coletado, nesse período, todos os elementos probatórios

necessários, e, nesse último caso, não prescindindo necessária a prisão preventiva, não há

porque deixá-lo mais três ou quatro dias preso pelo simples motivo de não ter atingido o prazo

de cinco dias, até porque a finalidade da prisão já foi atingida e, portanto, o retardamento

desse ato caracteriza abuso de autoridade99.

De acordo com a Lei nº 8.072/90, nos crimes considerados hediondos, no

tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, no crime de tortura e no de terrorismo, o prazo

de prisão temporária pode chegar a trinta dias, também prorrogáveis por igual período se

comprovada a necessidade extrema (art. 2º, § 3º). Como na hipótese da Lei nº 7.960/89, o

prazo de duração da prisão poderá ser menor que trinta dias por ter a lei fixado apenas o prazo

máximo. Evidentemente que a prorrogação do prazo, tanto em um como no outro caso, só

poderá ocorrer por uma vez, não se admitindo que ocorra indefinidamente, até porque o

legislador fixou, por ser medida cautelar, prazo determinado da prisão, começando a

contagem a partir da efetiva captura do indiciado e não da data da expedição da ordem.

Superado o motivo que levou a autoridade policial a representar pela prisão

temporária do indiciado, deverá ela, se ainda não decorreu o prazo temporal concedido pelo

juiz, informá-lo da desnecessidade da privação da liberdade, com os motivos circunstanciados

da investigação e argumentos sobre a liberação antes do prazo, para, só depois de expedido o

98 Código de processo penal brasileiro anotado, v. III, p. 437-438.

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alvará de soltura, colocar o preso em liberdade, uma vez que, apesar da Lei nº 7.960/89 em

nenhum de seus dispositivos mencionar a necessidade da soltura pelo juiz, foi este quem

ordenou a prisão. Vale ressaltar que, esgotado o prazo da prisão temporária concedida pelo

juiz, desnecessário é aguardar alvará judicial de soltura, devendo, nesse caso, a própria

autoridade policial colocar o investigado em liberdade, pois a ordem foi concedida somente

para o prazo mencionado no mandado de prisão, portanto, já cumprida.

3.6 Autoridade competente e motivação para a concessão da medida

Seguindo os critérios estabelecidos pelo Código de Processo Penal brasileiro

e Leis de Organização Judiciária dos Estados, temos a competência fixada em razão do lugar,

da matéria e da pessoa. A competência em razão do lugar encontra-se disciplinada no art. 70

do Código de Processo Penal100. A competência em razão da matéria está relacionada à

natureza da infração e é determinada pelas leis de organização judiciária da cada Estado,

ressalvada a competência do Júri para os crimes dolosos contra a vida e os que lhe forem

conexos. Por fim, a competência em razão da pessoa é regida pela função exercida, o que dá

ao indivíduo direito de foro especial.

Além dessas competências fixadas, há ainda a possibilidade de ser ela

determinada pela prevenção, onde é competente para julgar aquele juiz que primeiro atuou no

processo ou na fase pré-processual. Sendo as autoridades igualmente competentes, a

prevenção se dá nos casos em que o crime tiver sido praticado nas divisas de duas ou mais

jurisdições, ou quando for incerto o limite territorial destas; quando a infração for permanente

ou continuada, desenvolvendo-se em duas ou mais comarcas; quando tiver o réu mais de um

99 Art. 4º, “i”, Lei nº 4.898/65: “Prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade”. 100 Art. 70 do CPP: “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”.

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domicílio ou não souber seu paradeiro, sendo desconhecido o lugar da infração; e, quando,

havendo conexão de infrações ou continência de causas, não for possível firmar-se a

competência em razão do lugar, da matéria ou da pessoa.

O art. 83 do Código de Processo Penal, ao definir a competência por

prevenção usa as expressões “prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa”,

ainda que anterior a ele. Eduardo Espínola Filho afirma que, “para haver prevenção, é mister

pratique legitimamente a autoridade judiciária, no exercício da sua função, ato ou medida

concernente ao processo”101.

Guilherme de Souza Nucci esclarece que

[...] ato do processo é decisão jurisdicional pertinente à ação penal em andamento [...] Medida a este relativa significa a possibilidade de não haver processo instaurado e, durante a fase de investigação, o magistrado ser chamado a proferir decisão de caráter jurisdicional, como a concessão de mandado de busca e apreensão, a decretação de uma prisão preventiva ou até a decretação de uma medida assecuratória102.

Diferente é a solução dada por Liberato Póvoa e Marco Villas Boas, pois para eles,

[...] a competência sempre se firmará pela prevenção, ou seja, aquele que primeiro atuar no processo, mesmo na fase do inquérito policial, seja em razão do deferimento ou não de qualquer medida, seja habeas corpus ou mesmo pedido de explicações, estará prevento [...] Assim, sendo a prisão temporária uma medida judicial de natureza provisória e de cunho administrativo, com sede no inquérito policial, o seu deferimento ou indeferimento torna prevento o Juízo, devendo o inquérito policial ser distribuído ao prolator daquela decisão, quando de sua remessa ao Judiciário pela autoridade policial, mesmo nos casos em que pairar dúvida quanto ao Juízo competente103.

A questão, como se vê, não é tão pacífica assim, lecionando, inclusive, Fauzi Hassan

Choukr que:

[...] por disposição de lei de organização judiciária, o Juiz Corregedor da Polícia Judiciária é competente para sua decretação (ou não), implicando dizer que, se reconhecida a prevenção, todos os feitos que contivessem aludida decisão deveriam

101 Código de processo penal brasileiro anotado, p. 247. 102 Código de processo penal comentado, p. 217-218. 103 Prisão temporária: doutrina e prática, p. 67-68.

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ser, necessariamente, deslocados para aquele Juízo. A jurisprudência104 já decidiu pelo não reconhecimento deste tema, embora muito mais por questões de administração forense do que por fundamentos processuais, em sede processual, o qual seria resolvido dentro dos postulados da dicotomia competência absoluta – competência relativa. Sendo tal competência de índole territorial, seu caráter relativo sempre sobressairia, com seu reconhecimento apenas em época processual oportuna sob pena de preclusão105.

A falta de consenso doutrinário relacionado à competência por prevenção

para decretar a prisão temporária também se verifica na jurisprudência106, porém, achamos

mais adequada a não prevenção do Juízo, pois a prisão temporária de um investigado pode

resultar em infundadas as suspeitas que sobre ele recaiam e, nesse caso, não lograr, com o

inquérito policial, os elementos necessários para ensejar a denúncia e futura ação penal. Além

disso, a autoridade policial passaria a ter um meio hábil de escolher a que juiz o seu inquérito

seria remetido quando concluído.

Logo, a concessão pela autoridade judicial da prisão temporária não deve ser

considerada como prática ou medida de algum ato do processo e, inclusive, pode não ter

nenhuma relação com ele se não for possível, durante as investigações, colher-se prova da

existência do crime e indícios suficientes de autoria, impossibilitando-se o início da ação

penal. Além do mais, haveria excesso de processos aos Juízes Corregedores da Polícia

Judiciária, onde esse existe, ou aos juízes das Comarcas onde as autoridades policiais os

procurassem para despacho concessivo da prisão temporária. Já o juiz plantonista, por atuar

somente na ausência do titular, não pode tornar-se competente para o processo, por

prevenção, por ter concedido a prisão temporária, sendo competente o titular a que ele

substituiu.

Quanto à motivação, o § 2º do artigo 2º da Lei nº 7.960/89, determina que “o

despacho que decretar a prisão temporária deverá ser fundamentado e prolatado dentro de 24

104 “Prisão temporária decretada por Juiz Corregedor da Polícia Judiciária – Ato meramente administrativo – Conflito procedente – Competência do Juiz suscitante (JTJ 186/326)”. 105 Processo penal à luz da Constituição, p. 108-109.

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(vinte e quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do

requerimento”. Assim, a autoridade competente para conceder a prisão cautelar, ao receber o

pedido, deverá despachar no sentido de autorizá-la, ou denegá-la, dependendo da análise dos

requisitos necessários à sua existência, ou ainda, numa terceira hipótese, se verificar a prática

de abuso de autoridade, deverá comunicar ao representante do Ministério Público para

providências no sentido de apurar crime.

Ocorre que a Constituição Federal em seu artigo 93, IX, dispõe que “todos os

julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as

decisões, sob pena de nulidade [...]”. O § 2º do artigo 2º da Lei nº 7.960/89, observando o

disposto na Constituição, também exigiu a fundamentação, porém do “despacho”, e não da

“decisão”. Por tratar-se de prisão cautelar, a mesma Constituição Federal, no seu art. 5º, LXI,

deixa claro que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada de autoridade judiciária competente [...]”.

É pela fundamentação, segundo Antonio Magalhães Gomes Filho, que

[...] se expressam os aspectos mais importantes considerados pelo magistrado ao longo do caminho percorrido até a conclusão última, representando, por isso, o ponto de referência para a verificação da imparcialidade, do atendimento às prescrições legais e do efetivo exame das questões suscitadas pelos interessados no provimento [...]. No caso da prisão cautelar, a exigência de fundamentação não é ditada somente por razões de ordem política ou jurídica, mas sobretudo em face de um imperativo moral [...]. Na fundamentação das decisões sobre prisão cautelar é indispensável, quanto ao fumus commissi delicti que o juiz demonstre a tipicidade do fato e a sua real existência, apontando as provas dos autos através das quais se formou a sua convicção; além disso, os indícios suficientes de autoria desse fato atribuído ao indiciado ou réu devem ser revelados pelo juiz, motivando as razões de seu convencimento [...]. No que toca ao periculum libertatis [...] indispensável que se demonstre cabalmente a ocorrência de fatos concretos que indiquem a necessidade da medida por exigências cautelares de tipo instrumental ou final. Além disso, bem se percebe que semelhante demonstração não pode ser feita nos moldes de concisão que constituem prática arraigada entre nós, nem através de fórmulas consistentes na simples repetição das palavras da lei [...]107.

Com relação à expressão “despacho”, utilizada pelo legislador no dispositivo

106 Juiz que decretou Prisão temporária no exercício da função de Corregedor da Polícia Judiciária – Inexistência de prevenção (STJ – 5ª T. – REsp. - 153.707/SP – Rel. José Arnaldo – j. 14/04/98 – DJU-25/05/98) e JTJ – 186/326.

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legal, Maurício Zanóide de Moraes a considera um equívoco e argumenta tratar-se

[...] de decisão e não de despacho. A diferença clássica entre essas duas espécies de ato jurisdicional é que a decisão é ato judicial no qual se resolve algo capaz de interferir na esfera jurídica dos interesses, enquanto o despacho também é ato judicial, porém meramente ordinatório e sem qualquer conteúdo quanto a afetar o indivíduo, como exemplo de despacho tem-se: a determinação de vistas dos autos para os interessados, a expedição de guias ou certidões, enfim, atos de mero expediente. A crítica ao ponto indicado da redação legal mostra sua pertinência de modo mais significativo se observarmos que ao assim agir o legislador ficou em flagrante incoerência, pois denominou um ato como de despacho e, no mesmo dispositivo, exigiu-lhe uma fundamentação jurisdicional somente verificável em um ato capaz de gerar efeitos jurígenos. Portanto, e como inevitavelmente deverá existir um conteúdo fundamentado no ato que determina ou não a prisão temporária, inegável tratar-se de uma decisão e não de um simples despacho108.

Sendo a prisão temporária uma cautelar de natureza pessoal e demonstrado

na representação ou no requerimento a necessidade, a instrumentalidade e a urgência da

medida, o juiz competente está obrigado a verificá-los e decidir fundamentadamente sobre a

concessão ou denegação, não bastando mencionar apenas, e, por exemplo, que a restrição da

liberdade é medida imprescindível para as investigações do inquérito policial. É preciso mais.

A autoridade deve esclarecer porque a prisão temporária é imprescindível para as

investigações, até porque a decisão é pública e o magistrado não tem o poder discricionário de

fundamentá-la ou não, pois a fundamentação representa uma demonstração ao indiciado e a

toda sociedade de que a prisão é necessária e não arbitrária.

Além disso, o legislador fixou um prazo para essa decisão fundamentada, ou

seja, o juiz deve fazê-lo dentro de vinte e quatro horas após o recebimento da representação

ou do requerimento. É bom salientar ainda que o Judiciário sempre deu respostas rápidas e

coerentes com a legislação em vigor. Por isso, e para facilitar o trabalho do magistrado, a

representação da autoridade policial e o requerimento do representante do Ministério Público

deve ser completo, especificando o dia e a hora da prisão, como as investigações se

procederam até aquele momento, os motivos da prisão e as razões pelas quais o indiciado

107 Presunção de inocência e prisão cautelar, p. 80-82. 108 Prisão temporária, p. 2881 e 2882.

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precisa ser preso provisoriamente e o tipo penal que em tese está incidindo em decorrência da

conduta praticada pelo investigado. Com isso evita-se a morosidade e decisões infundadas ou

apenas com repetição de termos descritos na lei. A decisão do magistrado se baseará nos

dados e informações levados a ele pela representação ou requerimento, sendo os titulares

destas os grandes responsáveis pela boa motivação da decisão judicial.

3.7 Práticas legais advindas com a prisão do indiciado.

Os §§ 4º e 5º do artigo 2º referem-se ao mandado de prisão, ficando

determinado, pelo primeiro, que “decretada a prisão temporária, expedir-se-á mandado de

prisão em 2 (duas) vias, uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de

culpa”. É através dessa que o indiciado fica sabendo por que está sendo preso e qual o motivo

de sua prisão. O mandado de prisão só pode ser assinado pelo juiz, não se admitindo a

expedição pelo representante do Ministério Público ou qualquer outra autoridade, e mais, a

ordem judicial deve ser escrita e não verbal.

Não raro, encontramos ordem escrita de autoridade judicial, sem mandado de

prisão formal, decidindo na própria representação ou requerimento formulado pela decretação

da prisão temporária reclamada pelo prazo legal (cinco ou trinta dias), servindo aquela como

mandado de prisão.

O artigo 285, caput do Código de Processo Penal dispõe que “a autoridade

que ordenar a prisão fará expedir o respectivo mandado”. Este mandado deve estar revestido

dos requisitos elencados no parágrafo único do mesmo dispositivo, ou seja, lavra do escrivão

e assinatura do juiz; designação da pessoa que deve ser presa; indicação da infração penal que

motivou a prisão e indicação de quem irá executá-la.

Assim analisando, pode-se afirmar que a ordem expedida na própria

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representação ou requerimento seria eivada de irregularidades e, portanto, nula. Porém, diante

do caráter de urgência que caracteriza a prisão temporária e havendo outros dispositivos

processuais penais possibilitando a requisição da prisão por via postal ou telefônica109, torna-

se perfeitamente aceitável a praxe processual da decisão conforme mencionado.

Nesse sentido leciona Eduardo Espínola Filho:

A captura pode se impor com tanta urgência que a expedição do mandado importe em sacrificar o formalismo demasiado, a eficiência de medida de tal relevo e tão indispensável aos interesses da justiça. E, pois, muito se justifica que, por telefone ou por telegrama, possa ser, legalmente, ordenada a captura, quando a ordem seja transmitida com o caráter de absoluta autenticidade [...]110.

O § 5º do art. 2º da Lei nº 7.960/89 determina que “a prisão somente poderá

ser executada depois da expedição de mandado judicial”. Assim, só com a ordem judicial

expedida por escrito é que será possível concretizar-se a prisão temporária.

Efetuada a prisão, de acordo com o § 6º do art. 2º da Lei nº 7.960/89, “a

autoridade policial informará o preso dos direitos previstos no art. 5º da Constituição

Federal”.

A liberdade é considerada um bem inestimável do cidadão e, por isso, a

Constituição atual, no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – estatui diversos

109 Art. 289, § º - “Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por telegrama, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como, se afiançável a infração, o valor da fiança. No original levado à agência telegráfica será autenticada a firma do juiz, o que se mencionará no telegrama”. Art. 298 – “Se a autoridade tiver conhecimento de que o réu se acha em território estranho ao da sua jurisdição, poderá, por via postal ou telegráfica, requisitar a sua captura, declarando o motivo da prisão e, se afiançável a infração, o valor da fiança”. Art. 299 – “Se a infração for inafiançável, a captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por via telefônica, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta”. 110 Código de processo penal brasileiro anotado, v. III, p. 366.

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dispositivos111 relacionados à liberdade e a restrição à liberdade. Quanto a esta, por ser

exceção à regra, o legislador constituinte se preocupou em prever uma medida corretiva

quando da ameaça de prisão ilegal e determinou no inciso LXVIII do art. 5º que o habeas

corpus será utilizado sempre que alguém receber ameaça ou lesão ao direito de locomoção.

O momento da prisão é também o indicado para a apresentação do preso em

Juízo, se assim determinar o juiz, uma vez que pelo § 3º do art. 2º, este “poderá, de ofício, ou

a requerimento do representante do Ministério Público e do advogado”, além de determinar

que o preso lhe seja apresentado, “solicitar informações e esclarecimentos da autoridade

policial e submetê-lo a exame de corpo de delito”.

A possibilidade da apresentação do preso ao juiz é para evitar a prática da

tortura por parte da polícia quando da captura do investigado. Assim, o juiz poderá realizar a

inspeção visual e constatar se não houve violação à integridade física e mental do indiciado.

Além disso, pode ainda questionar o preso sobre a atuação policial com relação à sua captura,

zelando pelo cumprimento integral da lei. Caso o juiz não exija essa apresentação pessoal ou

física, poderá determinar que o preso seja submetido a exame de corpo de delito.

Esse exame, na verdade, é realizado mesmo no caso do magistrado silenciar

a respeito, pois torna-se uma garantia de legalidade à atuação da polícia judiciária, e hoje,

principalmente no Estado de São Paulo, é pouco provável o recolhimento de um preso,

principalmente o provisório, sem antes ser submetido a referido exame. Por fim, o juiz pode

ainda solicitar à autoridade policial responsável pela prisão, que lhe preste informações e

111 Art. 5º, II – “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; III – “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; IV – “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedados o anonimato”; LXI – “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”; LXII – “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”; LXIII – “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”; LXIV – “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”; LXV – “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”; LXVI – “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

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esclareça como e em quais circunstâncias a prisão foi efetuada.

O legislador possibilitou ao juiz, de várias maneiras, esclarecer e evitar

quaisquer meios ou artifícios que pudessem levar a polícia a praticar torturas física ou

psicológica, ou qualquer coação ao indiciado preso temporariamente, até porque é possível o

preso não apresentar ofensa à integridade física e o laudo, inclusive, concluir pela negativa de

ofensas, mas ter o agente sofrido condutas consideradas ilícitas, o que poderá o juiz constatar

mais facilmente através das informações e esclarecimentos.

3.8 Atos ilegais advindos da prisão do indiciado

A prisão temporária, apesar de prevista em lei, não conseguiu eliminar por

completo o mal advindo com a prática pré-processual, pois na maioria das vezes os

dispositivos legais são executados de forma ilegal, assunto, inclusive, pouco discutido na

doutrina. Fernando da Costa Tourinho Filho assevera que:

[...] No governo Costa e Silva e no Governo Geisel (períodos de exceção) houve várias tentativas visando à criação da prisão para averiguações, coisa, aliás, que na prática existia e continua existindo. Contudo, aqueles que por ela propugnavam não lograram êxito... Passado o período da ditadura, o governo democrático a instituiu com o nome de ‘prisão temporária’112.

Não só nos períodos de exceção se vislumbrou a prática de atos arbitrários

relacionados à prisão, também no regime do Império já se tentava acabar com eles, tanto que

João Mendes de Almeida Júnior descreve ter o Executivo repelido as prisões arbitrárias e

recomendado o respeito às garantias constitucionais. O então Ministro da Justiça, Francisco

José Furtado, através do Aviso de 2 de janeiro de 1865, manifestou aos presidentes das

províncias que seria necessário evitar e coibir os abusos contra a liberdade individual

praticados por prisões preventivas fora dos casos que as leis permitissem, atuando todos em

112 Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo penal, v. 3, p. 347.

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consonância com a ordem dada pelo Imperador, que exigia das autoridades policiais e

criminais a decretação da prisão antes da culpa formada, somente em casos de flagrante delito

e contra os indivíduos indiciados em crime inafiançável. As prisões para investigações

policiais seriam manifestamente ilegais, logo, ou o indivíduo estava indiciado em algum

crime inafiançável e, nesse caso, deveria ser declarado o crime que lhe era imputado, ou não

estava e, portanto, a autoridade não poderia prendê-lo antes da culpa formada sem ofensa das

leis113.

Guilherme de Souza Nucci afirma ser a prisão para averiguação,

[...] um procedimento policial desgastado pelo tempo, pelo incremento dos direitos e garantias individuais e, sobretudo, sepultado pela Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5º, LXI, preceitua dever ocorrer a prisão somente em decorrência de flagrante e por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária. Assim, não mais tem cabimento admitir-se que a polícia civil ou militar detenha pessoas na via pública, para ‘averiguá-las’, levando-as presas ao distrito policial, onde, como regra, verifica-se se são procuradas ou não114.

Ainda neste sentido é a lição de Rui Stoco:

A prisão para averiguações era prática contumaz da autoridade policial, quase sempre com o beneplácito ou – senão isso – com visão condescendente da autoridade judiciária. Contudo, com o advento da Constituição Federal promulgada em 5.10.88, tendo em vista o disposto no art. 5º, LXI, ninguém mais será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária. Desse modo, a chamada ‘prisão para averiguações’ não mais pode ser admitida ou tolerada, a qualquer pretexto115.

A indevida retenção do suspeito dá ensejo à caracterização do crime de abuso

de autoridade tipificado no artigo 4º, “a”, da Lei nº 4.898/65116. A Constituição Federal,

segundo Celso Ribeiro Bastos, só permite a prisão para averiguação nas transgressões

militares e quando houver suspensão momentânea das garantias constitucionais, por força do

estado de defesa ou de sítio117. Corroborando com tais entendimentos, várias decisões são

113 O processo criminal brasileiro, p. 290. 114 Código de processo penal comentado, p. 507-508. 115 Abuso de autoridade, In Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial, p. 22-23. 116 “Prender ou mandar prender alguém sem as formalidades legais ou com abuso de poder” 117 Comentários à Constituição do Brasil, p. 292.

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encontradas na jurisprudência nacional118.

Com a promulgação e publicação da Carta Magna em vigência, toda

privação do direito de ir e vir, antes da sentença penal condenatória, sem ordem legal e sem

elementos cabais de prova, é considerada prisão para averiguação. Na prática, após a notícia

de um crime, pode ocorrer de policiais encontrarem o suspeito e o conduzem à Delegacia de

Polícia para prestar informações sobre o fato, ali permanecendo por horas, privado do seu

direito de ir e vir, aguardando o resultado das investigações que se desenvolvem a partir

destas informações. Muitas vezes o advogado, por estar acompanhando seu cliente, também

permanece “preso”, chegando a solicitar para outros profissionais e amigos que o substitua em

audiências que serão realizadas naquele dia, uma vez que está impossibilitado de deixar o

prédio da Delegacia devido a não liberação de seu cliente, mesmo após já ter sido reduzido a

termo as declarações deste sobre o ilícito.

Após a busca dos elementos de provas, auxiliada pelas informações do

investigado, a autoridade policial representa ao juiz para que este decrete a prisão temporária,

pois agora, depois de praticamente um dia de investigação, que só foi possível devido auxílio

do indiciado, há provas suficientes de materialidade e autoria. Pelos documentos

encaminhados junto com a representação do delegado de polícia, é possível, às vezes, tanto o

juiz como o representante do Ministério Público, detectarem a irregularidade, porém, ainda

assim, concedem a prisão, até porque o defensor daquele o acompanhava e não se manifestou

quanto à ilegalidade.

118 “A nossa lei penal não conhece a figura da prisão para averiguação. Só é legal a prisão em flagrante delito, por força de prisão preventiva ou administrativa, a decorrente de pronúncia ou de condenação... Fora desses casos a prisão efetuada constitui violência arbitrária” (RT 376/333). “Abuso de autoridade. Lei 4.898/65, art. 3º, “a” e “i”. Provada a detenção irregular, com a desculpa de ter sido para ‘averiguações’ – figura inexistente na lei – respondem os réus, um policial militar e um delegado, pela alínea “a” do art. 3º da Lei 4.898/65. Não socorrem-lhes alegações de que a vítima estava ‘bêbada’ ou ‘perturbando a tranqüilidade alheia’, já que as providências formais não foram tomadas” (RT 654/336). “Prisão para averiguações caracterizada – Policial que, a pretexto de esclarecer crimes, conduz menor inimputável à delegacia, onde o retém por várias horas – Constrangimento físico à liberdade que não tem amparo legal e viola as garantias constitucionais – Excludente do estrito cumprimento de dever legal repelida – Inteligência dos arts. 4º, “a”, da Lei 4.898/65 e 23, III, do CP” (RT 664/295). “Caracteriza o delito de abuso de autoridade a injustificável prisão para averiguações feita por Delegado de Polícia, sem razão plausível, em total desrespeito à integridade física e moral do cidadão que se vê tolhido no seu direito de locomoção por várias horas, exposto à execração pública” (RT

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Essa atuação policial, quando realizada, é inaceitável, mesmo permanecendo

o indiciado em sala da unidade policial acompanhado de seu advogado, pois, para a restrição

da liberdade há sempre a necessidade de se formalizar primeiro o inquérito policial para, só a

partir daí, dar-se início à investigação sobre a autoria do crime, uma vez que a prisão deve ser

sempre um instrumento para a persecução penal e não meio para iniciar a investigação e só

depois, com estes fundamentos, instaurar-se o inquérito policial e representar pela prisão

cautelar.

Práticas nesse sentido devem ser reprimidas com a utilização da Lei nº 4.898,

de 09 de dezembro de 1965. Não se pode concordar com decisão que ignora119 a existência da

referida lei, principalmente o disposto na alínea “a” do art. 4º – “ordenar ou executar medida

privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder” – e

determina o cômputo da prisão antecipada no prazo de cinco ou trinta dias permitidos

legalmente pela medida cautelar realizada sem ordem judicial e, portanto, com abuso por

parte da autoridade policial responsável pela mesma.

3.9 Separação do preso temporário e plantão judiciário

Dispõe a lei que o preso, em decorrência de prisão temporária, deverá ser

colocado em local diverso dos demais. É o que se conclui da leitura do artigo 3º, em que o

legislador estabeleceu que “os presos temporários deverão permanecer obrigatoriamente

separados dos demais detentos”. Porém, essa separação, apesar de ocorrer quando da prisão,

deixa de atingir os objetivos previstos pela legislação. Sabemos que as Cadeias Públicas

muitas vezes não são dotadas de celas separadas, ficando o preso temporário em companhia

744/627). 119 “Processo penal – Prisão temporária – Excesso de prazo – Pedido de prisão preventiva – “Se o pedido de prisão temporária é formulado após estar o indiciado preso, esse período de prisão – no caso de um dia – é computado no prazo de cinco dias da prisão provisória” (TRF 1ª Reg. – 3ª Turma – HC 93.01. 29272-6/PI – Rel. Tourinho Neto – DJU 16/11/1993)”.

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de outros que também cumprem medidas cautelares ou prisão de natureza civil, mas todos em

celas que integram o conjunto carcerário da cadeia.

O preso, nessas condições, acaba tendo contato, mesmo que por poucos dias,

com os demais que aguardam julgamento ou estão cumprindo pena na própria cadeia pública,

o que não é raro, e isso traz sérios efeitos criminógenos, como por exemplo, o contágio com o

condenado por crime, a humilhação e estigmatização social resultante da prisão. O juiz, antes

de conceder a prisão cautelar, precisa estar atento a essa realidade e não se esquecer que a

restrição da liberdade individual deve ser revestida sempre do caráter da excepcionalidade,

razão pela qual sua decretação só se dará em situação de absoluta necessidade, pois seus

efeitos podem ser mais prejudiciais do que o benefício alcançado com a restrição da liberdade.

Quanto ao plantão judiciário, pelo art. 5º, da lei em estudo, verifica-se que a

intenção do legislador era fixá-lo de forma permanente, vinte e quatro horas, em todas as

Comarcas e Seções Judiciárias, no entanto, este objetivo não foi alcançado.

Valdir Sznick comenta, em relação ao assunto,

[...] que aqui está um exemplo de o legislador querer modificar hábitos e fatos com a lei. Até hoje, apesar de várias leis, não existe plantão e muito menos permanente de 24 horas. O que existe é um plantão judiciário – sábados, domingos e feriados, por algumas horas (no máximo – para atender casos de urgência). Esse dispositivo é ainda letra morta. Pode entrar em vigor, mas mesmo a falta de mais elementos para o Judiciário e Ministério Público impede a execução desse plantão que, também, por razões de tradição, não seja bem visto pelo Poder Judiciário. Estando, porém, em uma lei de certa severidade, é possível que esse plantão seja instalado. Esse plantão é importante não só no exame da prisão temporária, mas para examinar pedidos de liberdade provisória e fiança120.

Vale ressaltar que no Estado de São Paulo, em decorrência do Provimento nº

1154/06, nas Comarcas de São Paulo e seu interior (art. 3º) há plantões judiciários

estruturados material e fisicamente, permanecendo, aos sábados, domingos e feriados, das

9h00 às 13h00 (art. 15), em funcionamento com Magistrados, Diretor de Divisão ou Oficial

120 Liberdade, prisão cautelar e temporária, p.510.

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Maior, Escreventes e Oficiais de Justiça (art. 17). Este plantão, no entanto, é competente

apenas para analisar e decidir casos específicos, elencados no art. 1º do provimento, dentre

eles, o exame de representação da Autoridade Policial, visando à decretação da prisão

preventiva ou temporária (alínea “g”).

3.10 Meios legais de impugnação da prisão temporária

Pelo que dispõe a Constituição Federal, artigo 5º, LXVIII, o único remédio

judicial que tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a coação à liberdade de

locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder, e que está adequada à prisão

temporária, é o habeas corpus. Assim, concedendo ilegalmente o magistrado a cautelar, ter-

se-ia que impetrar a ação constitucional. Quanto ao indeferimento do pedido, numa

interpretação extensiva ao inciso V do artigo 581 do Código de Processo Penal, verifica-se a

possibilidade de interposição de recurso em sentido estrito, uma vez que, em termos recursais,

não há previsão expressa para referido ataque na norma processual mencionada, sendo seu rol

taxativo; descartando-se qualquer possibilidade de apelação dada sua natureza e ausência de

sentença condenatória, conforme preceitua o artigo 593 do Estatuto Processual, restando

ainda, a análise sobre a viabilidade do mandado de segurança na esfera criminal para garantir

ou proteger direito líquido e certo em decorrência de ato de autoridade pública, conforme

segue-se nos sub-itens seguintes.

3.10.1 Impugnação à decretação da prisão temporária pelo habeas corpus.

No Brasil, segundo Alexandre de Moraes, o habeas corpus foi introduzido

com a vinda de D. João VI, através do Decreto de 23/05/1821, inserido no Código de

Processo Criminal de 29/11/1832 e levado à regra constitucional na Carta de 1891.

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Atualmente encontra-se em nossa Constituição definido como sendo “uma garantia individual

em uma ordem dada pelo juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à

liberdade de locomoção em sentido amplo – o direito do indivíduo de ir, vir e ficar”121.

Contra a decisão que decreta a prisão temporária ou determina sua

prorrogação é cabível, portanto, habeas corpus, por tratar-se de ação de natureza

constitucional com o fim de evitar ilegalidade ou abuso de poder voltado à restrição da

liberdade de ir e vir. Essa ação de conhecimento, e não recurso, está inserida no artigo 5º,

LXXVII, da Constituição Federal, ao determinar que “são gratuitas as ações de habeas corpus

e habeas data, e na forma da lei os atos necessários ao exercício da cidadania”, tendo como

finalidade a cessação da prisão considerada ilegal, o trancamento do inquérito policial ou a

ação penal, quando inexista justa causa para prosseguimento de qualquer um deles e, para

impedir o indiciamento sem meios de provas indicativas de autoria e materialidade delitiva,

entre outras medidas.

A ordem impetrada, nos casos em que tenha cabimento, será passada

imediatamente, seja qual for a autoridade coatora. A impetração do habeas corpus pode ser

feita por qualquer pessoa e, uma vez recebida a petição, se o investigado estiver preso, o juiz

poderá determinar que seja imediatamente apresentado, em dia e hora que designar, só não o

fazendo se o paciente estiver gravemente enfermo ou sob a guarda do pretenso coator (artigo

657 do CPP), nada impedindo de o juiz ir ao local em que o mesmo está. Em seguida o juiz

poderá determinar a realização de outras diligências que entender necessárias e interrogará o

paciente, decidindo dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas. Na prática, após receber a

petição, o juiz, quase sempre, requisita informações da autoridade coatora, dentro de prazo

razoável por ele fixado, e, em seguida, decide, não havendo necessidade, neste caso, de

manifestação do representante do Ministério Público.

121 Direito constitucional, p.111-112.

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Ocorre, no entanto, que o remédio heróico é viável somente na teoria, pois na

prática é de uma inocuidade absoluta devido à exigüidade do prazo para sua apreciação. Nos

casos dos crimes hediondos, onde a prisão temporária pode ser concedida pelo prazo de 30

dias, prorrogável por igual período, pode ser que o exame da decisão em grau superior seja

tempestivo e repare a injustiça de um decreto irregular, mas, tendo em vista que os Tribunais

estão sempre abarrotados de processos, raríssima é essa possibilidade.

Sendo assim, verifica-se aqui mais um ponto crítico da prisão temporária,

isto é, a impossibilidade de revisão pelos órgãos superiores, dando ao juiz de primeiro grau a

certeza de que sua decisão será única, independentemente da maneira como venha a decidir.

3.10.2 Impugnação ao indeferimento da prisão temporária pelo recurso em sentido estrito

O recurso em sentido estrito é cabível, de acordo com o artigo 581 do Código

de Processo Penal, contra decisão, despacho e sentença, nos casos por ele taxativamente

elencados; entendendo-se por despacho os atos decisórios, uma vez que, pela natureza de ato

de movimentação processual, não é possível recurso em despacho.

Se o magistrado nega o pedido de decretação da prisão temporária, é

possível, contra esta decisão, a interposição de recurso em sentido estrito dirigido ao Tribunal

competente?

A princípio, numa análise do dispositivo acima mencionado, a resposta é

negativa por não encontrar, no rol, a previsão expressa para referido ataque, sendo o recurso

em sentido estrito cabível contra as decisões interlocutórias do magistrado, desde que

previstas expressamente em lei, o que não ocorre com a prisão temporária, exceto nos casos

de decisão de absolvição sumária, que analisa o mérito da causa e é terminativa; de decisão

que nega o habeas corpus e de decisão que julga extinta a punibilidade do agente, pois

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termina o processo ao afastar o direito de punir do Estado.

Destaca-se, ainda, qualquer possibilidade de utilizar-se a apelação, dada a

sua natureza e manifesta ausência de sentença definitiva de condenação ou absolvição,

conforme preceitua o artigo 593 do Código de Processo Penal.

Como se vê, a apelação é recurso cabível contra decisões definitivas que

extinguem o processo, com ou sem apreciação do mérito. Porém, como leciona Guilherme de

Souza Nucci, pode transformar-se num

recurso de aplicação ambígua, justamente porque, conforme o caso, dá margem à confusão com o recurso em sentido estrito, permitindo-se a interpretação de apelação até mesmo contra decisões interlocutórias. O ideal seria reservar o agravo para as decisões interlocutórias, não terminativas, e a apelação para as decisões terminativas, com ou sem julgamento de mérito. O disposto nos artigos 581 e 593 demonstram a falta de uniformidade na previsão de uso dos dois recursos. Tanto o recurso em sentido estrito é usado para contrariar decisões extintivas do processo (ex.: impronúncia ou absolvição sumária), como a apelação acaba sendo utilizada para impugnar decisões interlocutórias (ex.: homologatórias de laudo de insanidade mental ou que autorizam o levantamento do seqüestro)122.

Todavia, em relação ao recurso em sentido estrito, mesmo havendo um rol

taxativo previsto no artigo 581 do Código de Processo Penal, já se admitiu seu emprego

contra decisão que indeferiu requerimento de prisão temporária123.

Ada Pellegrini Grinover e outros lecionam no sentido de que:

[...] há forte tendência jurisprudencial em não se admitir sequer a interpretação extensiva. Mas, vez ou outra, tem ocorrido algum alargamento por analogia ou por interpretação extensiva, nos casos em que é evidente a inaceitabilidade da interpretação mais rígida. Assim, antes de ser alterado o inciso V, era aceito o recurso para impregnar decisão que concedia liberdade provisória, por ser situação semelhante à do relaxamento da prisão em flagrante [...]124.

Comungamos com a lição de Vicente Greco Filho ao afirmar que no rol

122 Código de processo penal comentado, p. 849. 123 NULIDADE – Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público – Ausência de contra-razões do recorrido – Ocorrência. Em se tratando de recurso em sentido estrito interposto pelo Representante do Ministério Público, contra decisão que indefere requerimento de prisão temporária, cumpre ao Juiz determinar a intimação do indiciado, para, querendo, constituir defensor e oferecer contraminuta, sob pena de violação das regras constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa (Recurso em Sentido Estrito n.º 637.433/5, j. 06/02/1991, 10ª Câmara, rel. Sérgio Pitombo, RJDTACrim 11/227, atual Tribunal deJustiça). 124 Recursos no processo penal, p. 168.

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taxativo do artigo 581 do Código de Processo Penal não se pode aplicar a analogia para

ampliar seu alcance, uma vez que em matéria recursal não se admite inserir hipóteses não

contempladas.

Todavia, como qualquer norma jurídica, podem as hipóteses receber a chamada interpretação extensiva. Esta não amplia o rol legal; apenas admite que determinada situação se enquadra no dispositivo interpretado, a despeito de sua linguagem mais restrita. A interpretação extensiva não amplia o conteúdo da norma; somente reconhece que determinada hipótese é por ela regida, ainda que a sua expressão verbal não seja perfeita125.

Apesar de prevalecer o entendimento de ser o rol do artigo 581 do Código de

Processo Penal taxativo, assim, incabível o recurso em sentido estrito quando o magistrado

indefere pedido de decretação da prisão temporária, ousamos discordar e afirmar que, por

interpretação extensiva ao inciso V, do artigo 581, face a não interpretação rígida de

taxatividade do dispositivo legal, o recurso é cabível também para o indeferimento da prisão

temporária. Grinover, Gomes Filho e Scarance Fernandes argumentam ser viável o recurso

“quando o juiz: indefere o requerimento de prisão preventiva ou a revoga, não quando ele

defere o requerimento, ou, de ofício, a decreta”126.

O Código de Processo Penal brasileiro admite interpretação, seja extensiva

ou analógica. Interpretar é dar sentido à vontade da lei, dos termos nela inseridos. Nucci

define a interpretação extensiva como “ampliação do conteúdo da lei, efetivada pelo aplicador

do direito, quando a norma disse menos do que deveria. Tem por fim dar-lhe sentido razoável,

conforme os motivos para os quais foi criada”127. Vê-se assim que o legislador, ao inserir no

artigo 581, V, do Código de Processo Penal, a possibilidade do recurso em sentido estrito

como remédio legal quando do indeferimento de requerimento da prisão preventiva ou

relaxamento da prisão em flagrante, deu ao interprete condições para ampliar o conteúdo da

125 Manual de processo penal, p. 320. 126 Ada Pellegrini Grinover et.al. Recurso em sentido estrito, p. 176. 127 Guilherme de Souza Nucci. Código de processo penal comentado, p. 64.

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lei alcançando também a prisão temporária, uma vez que esta tem a mesma natureza daquelas

e também priva a liberdade como o faz as demais referidas no tipo legal.

O prazo para a interposição de recurso, de acordo com o artigo 586 do

Código de Processo Penal, é de 5 (cindo) dias. Quando da subida do recurso por instrumento,

a parte indicará as peças dos autos de que pretenda traslado (artigo 587, caput e § 3º, do

Código de Processo Penal), extraído, conferido e concertado no prazo de 5 (cinco) dias.

Dentro de 2 (dois) dias, contados da interposição do recurso, ou do dia em que o escrivão,

extraído o traslado, o fizer com vista ao recorrente, este oferecerá as razões e, em seguida,

será aberta ao recorrido por igual prazo (artigo 588 do Código de Processo Penal). Com a

resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de 2 (dois) dias,

reformará ou sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que lhe

parecerem necessários (artigo 589 do Código de Processo Penal). Quando for impossível ao

escrivão extrair o traslado no prazo da lei, poderá o juiz prorrogá-lo até o dobro (artigo 590 do

Código de Processo Penal).

3.10.3 Admissibilidade do mandado de segurança na esfera criminal

Consiste o mandado de segurança em uma ação civil impugnativa, de caráter

constitucional, utilizada para garantir ou proteger direito líquido e certo, perante lesão ou

ameaça de lesão proveniente de ato de autoridade pública ou pessoa jurídica investida no

poder público128.

Vê-se que o mandado de segurança foi instituído para garantir a liberdade do

particular contra o arbítrio do poder público relacionado às atividades civis, surgindo, antes, o

128 CF, art. 5º, LXIX: “Conceder-se-á necessidade de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

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habeas corpus, direcionado às atividades jurisdicionais criminais129.

Visa principalmente à invalidação de atos de autoridade ou à supressão de

efeitos de omissões administrativas capazes de lesar direito individual, próprio, líquido e

certo. O objeto do mandado de segurança será sempre a correção de ato ou omissão de

autoridade, desde que ilegal e ofensivo a direito líquido e certo do impetrante.

Quanto a utilização do mandado de segurança apenas para garantir ou

proteger direito líquido e certo de natureza civil, há que se fazer algumas considerações.

Desde sua adoção pelo ordenamento positivo brasileiro – “na Constituição de 1934 e que não

encontra instrumento absolutamente similar no direito estrangeiro”130 – até os dias atuais, foi-

se percebendo a necessidade de ampliação do rol de atos a que se destina o mandado de

segurança. É evidente que os argumentos pela não aplicação da segurança contra ato

jurisdicional penal são bastante consistentes, uma vez que não há previsão no Código de

Processo Penal e ainda existe o habeas corpus como remédio impugnativo contra atos da

autoridade pública.

O mandado de segurança, tratando-se de uma ação constitucional que visa

tutelar as liberdades individuais frente aos arbítrios do Poder Público não pode ser

interpretado restritivamente. Portanto, no silêncio do legislador, é de aplicá-lo quando

verificada uma ilegalidade ou abuso de poder perpetrado por um juiz ou tribunal em matéria

penal, principalmente nos casos em que o habeas corpus não é cabível ou não atinge o efeito

necessário e desejado pelo impetrante. Na lição de Antonio Scarance Fernandes, “apesar do

uso mais acentuado do habeas corpus, o mandado de segurança tem servido, com eficácia,

para cobrir o espaço deixado em aberto pelo habeas corpus” 131. Júlio Fabbrini Mirabete

afirma que “tendo o mandado de segurança fundamento constitucional, tanto pode ser

129 Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 15ª ed, p.609 e José Cretella Júnior, Tratado de direito administrativo, v. III, p. 370: O mandado de segurança é ação civil de rito sumário especial. 130 Alexandre de Moraes, Direito constitucional, p.131. 131 Mandado de segurança em matéria criminal, p. 121.

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impetrado contra ato da autoridade civil como criminal desde que implique violação de direito

líquido e certo”132.

Apesar de o legislador originário, na Carta Magna de 1988, deixar expressa a

exclusão do mandado de segurança aos direitos tutelados pelo habeas corpus sempre que

alguém se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, em

face de ilegalidade ou abuso de poder, de doutrinadores133 o considerar de natureza civil e da

jurisprudência134 apresentar entendimento na mesma linha de raciocínio, é oportuno ressalvar

que há posicionamentos em sentido contrário, em que outros doutrinadores135 defendem ser de

natureza penal o mandado de segurança impetrado no juízo criminal, quando estiver em

discussão matéria processual penal, objetivando restringir a liberdade individual ou quando o

mandado tiver por conteúdo matéria penal, sua natureza jurídica, por aplicação, será de ação

penal.

Leciona Nucci, em relação ao direito material de outra natureza que não o de

liberdade pessoal, que,

[...] Em se tratando de direito do órgão acusatório, que se manifesta em nome da sociedade, não haveria mesmo como ingressar com habeas corpus, cuja missão é proteger o indivíduo contra violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir ou situação correlata. Assim, quando o juiz determina a soltura de um réu, agindo contra disposição legal, por exemplo, cabe mandado de segurança, impetrado pela acusação136.

Se não bastasse, não podemos deixar de registrar que o Código de Processo

Penal (Decreto-Lei n. 3689/41) é anterior à edição da Lei n. 1533/51, razão de sua omissão

em relação ao mandado de segurança, o mesmo ocorrendo quando de suas alterações; e,

132 Processo penal, p. 784. 133 Hely Lopes Meirelles. Direito administrativo brasileiro, p. 609; José Cretella Júnior. Tratado de direito administrativo, v. II, p. 370 e Alexandre de Moraes, Direito constitucional, p. 132. 134 Processo Penal. Recurso Especial. Mandado de Segurança. Embargos de Declaração. Tempestividade. I – O mandado de segurança não perde a natureza de ação civil, ainda que impetrado no âmbito do processo penal. STJ – Superior Tribunal de Justiça. Processo: 200100037356 UF: SC. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data: 16/10/2001. Relator: Ministro Félix Fischer. 135 José Damião Pinheiro Machado Cogan. Mandado de segurança na justiça criminal e ministério público, p. 71-73; Heráclito Antonio Mossin. Mandado de segurança em matéria penal, p. 36-37.

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ainda, há que se mencionar a hipótese do habeas corpus e do recurso em sentido estrito

apresentar ineficácia para o caso concreto em decorrência do prazo exíguo para se buscar

resposta do judiciário, como é o caso da prisão temporária, ficando as partes desprotegidas

por uma tutela legal.

Em que pese o silêncio do Código de Processo Penal, não há como esquecer

que o mandado de segurança é instrumento cabível, também, contra atos ilegais ou abusivos

da autoridade jurisdicional penal, sobretudo em razão de que a Constituição Federal vigente,

no inciso LXIX, do seu artigo 5º, prevê a ação de segurança sem fazer qualquer restrição ao

âmbito de sua aplicação. Ademais, por se tratar de garantia constitucional, não se pode

pretender conferir efeito restritivo à sua interpretação.

Portanto, sem embargos do quanto sustentado pela maioria da doutrina e

jurisprudência, comungamos com o ensinamento segundo o qual o remédio constitucional,

quando impetrado em juízo criminal, assume a natureza de ação penal, seja porque a Lei nº

1533/51, ao alterar o Código de Processo Civil, não restringiu a aplicabilidade do mandado de

segurança às causas cíveis, seja porque a pretensão deduzida no mandado de segurança ora

analisada é de natureza penal, sendo este elemento que distingue a ação civil da ação penal e

não o elemento liberdade individual.

A prisão temporária, por ser medida acauteladora, de restrição por tempo

determinado do direito de ir e vir, decretada pelo juiz na fase de investigação a respeito de

crimes graves, trouxe à tona debates sobre sua constitucionalidade, uma vez que veio, através

de medida provisória, legalizar a prisão para averiguações, podendo, com isso, ofender

princípios constitucionais. Sendo assim, é imprescindível uma análise específica sobre sua

constitucionalidade ou inconstitucionalidade, com argumentos doutrinários sobre cada

posicionamento jurídico.

136 Guilherme de Souza Nucci. Código de processo penal anotado, p. 951.

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IV. DA CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA

O que diferenciou a prisão para averiguação da prisão temporária foi a

necessidade de autorização judicial, pois esta também é a privação da liberdade antes da

sentença penal condenatória e, muitas vezes, é deferida mesmo sem a demonstração do fumus

boni iuris e até do periculum in mora, visando a busca dos elementos de prova ou o não

desaparecimento deles através da ação do suspeito da prática criminosa.

Sendo considerada modalidade de prisão cautelar, após sua promulgação,

diversos foram os debates relacionados à sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, até

porque ela surgiu para legalizar as prisões para averiguações.

4.1 Anteprojeto de lei sobre prisão temporária

O anteprojeto foi apresentado ao Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, do Ministério da Justiça, em setembro de 1989, tendo como argumento para sua

elaboração a criminalidade violenta, que vinha intranqüilizando a sociedade e os governantes,

fenômeno verificado não só no Brasil, mas no mundo. Esse aumento da criminalidade, aliás,

vem ocorrendo em razão de diversas causas, dentre elas, destacam-se as questões familiares,

econômicas, políticas e, principalmente, o crescente índice populacional, que acaba gerando

desemprego e, daí para o crime, a linha divisória se torna tênue, chegando a ponto de haver a

profissionalização, inclusive bastante rentável, da prática criminosa.

Diante dessa rentabilidade financeira, os delinqüentes se fortalecem com suas

organizações e com seus aparatos bélicos de enorme poder ofensivo, distanciando-se cada vez

mais do Poder Público, que ainda permanece tímido com seu poder de reação para o combate

a esse tipo de criminalidade, tornando-se mais cômodo atribuir a responsabilidade dos índices

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de criminalidade aos Direitos Penal e Processual Penal.

Engana-se quem afirma que a luta contra a criminalidade é de

responsabilidade única e exclusiva do Direito Penal, pois o fenômeno complexo do delito

deve ser objeto de várias medidas em nível governamental, com pontos de atuação definidos

e com recursos materiais disponíveis para o investimento.

Damásio Evangelista de Jesus diz que:

[...] O direito penal, atuando de maneira isolada, não se mostra instrumento hábil à redução da criminalidade, fruto de causas complexas e múltiplas. Há muito se abandonou a idéia de que a lei penal, e só ela, seria suficiente para impedir a prática de infrações penais... . Não obstante essa constatação, o direito penal e o meio de que se vale, o direito processual penal, não podem ficar inertes. Ao mesmo tempo em que o Governo toma medidas de caráter social, visando, em todos os ramos de sua atuação, melhorar as condições de vida do cidadão e, assim, contribuindo para a redução da criminalidade, é imperioso que, no plano legislativo criminal, sejam tomadas providências urgentes. O clima de pânico que se estabelece em nossas cidades, a certeza da impunidade que campeia célere na consciência de nosso povo, forjando novos criminosos, exigem medidas firmes e decididas. Dentre elas, encontra-se a prisão temporária137.

Destarte, o objetivo visado pelo anteprojeto não foi somente o social,

político, familiar e o aumento da criminalidade violenta, mas, cumulativamente, a legalização

da prisão para investigações que sempre foi praticada apesar de indevida. Quanto ao assunto,

assevera Valdir Sznick que:

[...] apesar do seu embasamento legal e das justificativas de combate à violência – já que funciona apenas para os crimes graves – na verdade o objetivo único foi o de dar à Polícia maior alcance no que se refere às prisões, as chamadas ‘prisões para averiguações’, que eram ilegais, mas que a autoridade policial teimava em fazê-las e o Poder Judiciário a fechar os olhos como se a mesma não existisse138.

Assim, com a Lei nº 7.960/89, a prisão temporária nasceu em decorrência da

conversão da Medida Provisória 111, de 14 de novembro de 1989, visando não só o combate

ao aumento do índice de criminalidade, mas também a regularização da prisão para

averiguação.

137 Novas questões criminais, p. 106. 138 Liberdade, prisão cautelar e temporária, p. 485.

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106

O nosso propósito é demonstrar, separadamente e a seguir, o que dizem

alguns doutrinadores a respeito da inconstitucionalidade e também da constitucionalidade da

Lei nº 7.960/89, focando os argumentos de cada um sobre os temas, uma vez que há, como

fundamento, a violação do princípio da presunção de inocência (art.5º, LVII, da CF), o

surgimento da Lei através de uma medida provisória, o apoio da Lei baseada no art.5º, LXI,

da CF, onde se admite a prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária

competente etc.

4.2 Argumentos doutrinários sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 7.960/89

Para José Afonso da Silva, a inconstitucionalidade só ocorre quando não há

conformidade entre os atos legislativos e os preceitos constitucionais, pois,

[...] o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a Constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais quando a Constituição assim o determina constitui também conduta inconstitucional139.

Hans Kelsen diz que

[...] a norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquelas é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora. Se começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica estadual, a Constituição representa o escalão de Direito positivo mais elevado140.

139 Curso de direito constitucional positivo, p. 48. 140 Teoria pura do direito, p. 247.

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Assim, a Constituição ocupa o ápice da pirâmide jurídica, ou seja, ela é a lei

das leis e, portanto, qualquer lei ordinária deve ser elaborada seguindo seus princípios, pois

se afrontá-los, a lei ordinária não poderá ter eficácia.

O artigo 102, incisos e alíneas, da Constituição Federal, determina a

competência do Supremo Tribunal Federal para o julgamento da constitucionalidade, ou não,

de lei, ato normativo e tratado, além de relacionar, no artigo 103 e parágrafos, quais as

pessoas ou setores capazes de propor a ação de inconstitucionalidade141.

141 Art. 102, I, “a”, “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: “processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”. No inciso III, alíneas “a”, “b” e “c”, temos que ao STF também compete “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal e; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição”.Temos ainda, no artigo 103, o elenco das pessoas ou setores capazes de propor ação de inconstitucionalidade, sendo que nos parágrafos 1º a 4º, o legislador constituinte nos estabelece os procedimentos ao afirmar, no §1º, que “o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal”. O § 2º impõe que “declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”. Em seguida, no § 3º, diz que “quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado”. Sendo assim, “a ação declaratória de constitucionalidade poderá ser proposta pelo Presidente da República, pela mesa do Senado Federal, pela mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da República” (§4º).

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Nota-se, portanto, que a Constituição adota e reconhece, como formas de

inconstitucionalidade, a decorrente de ação e a decorrente de omissão. A

inconstitucionalidade por ação, na definição de José Afonso da Silva “ocorre com a produção

de atos legislativos ou administrativos que contraria normas ou princípios da Constituição”.

Sendo os atos legislativos ou administrativos compatíveis com as normas ou princípios

constitucionais, aqueles são considerados constitucionais, caso contrário, são considerados

inconstitucionais. É o que se denomina de compatibilidade vertical das normas jurídicas do

país. Já a inconstitucionalidade por omissão é verificada “nos casos em que não sejam

praticados atos legislativos ou executivos requeridos para tornar plenamente aplicáveis

normas constitucionais. Muitas dessas, de fato, requerem uma lei ou uma providência

administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática.

A Constituição, por exemplo, prevê o direito de participação dos trabalhadores nos lucros e na

gestão das empresas, conforme definido em lei, mas, se esse direito não se realiza, por

omissão do legislador em produzir a lei aí referida e necessária à plena aplicação da norma, tal

omissão se caracterizará como inconstitucional”142.

O princípio de presunção de inocência, segundo Fernando da Costa

Tourinho Filho, nasceu há mais de cem anos quando da promulgação da Constituição

Francesa, vindo a se espalhar pelo mundo, até que em 1948 foi proclamado pela Declaração

Universal dos Direitos do Homem. No Brasil esse princípio, apesar de seguido, só foi

consagrado em texto no ano de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, ao dispor,

no artigo 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de

sentença penal condenatória”. De acordo com tal princípio, enquanto a sentença penal

condenatória não transitar em julgado, o réu será considerado inocente e sua prisão não

ocorrerá, exceto a título de cautela. Portanto, toda prisão processual efetuada antes da

142 Curso de direito constitucional positivo, p. 48-49.

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sentença condenatória com trânsito em julgado, para ser considerada constitucional, deve

revestir-se de natureza cautelar e estar presente todos seus requisitos e condições143.

Assim, a prisão temporária pode ser considerada medida cautelar

inconstitucional se não ficar demonstrada a real necessidade de restringir a liberdade do

indivíduo. Contudo, grande é a dificuldade, na prática, de solucionarmos alguns problemas

encontrados no dia-a-dia. O primeiro deles está relacionado a como conciliarmos o respeito à

liberdade individual antes do trânsito em julgado da sentença condenatória com a

periculosidade demonstrada pelo indivíduo acusado da prática de crime grave. O segundo, da

mesma forma, está relacionado a como conciliarmos a prisão do indivíduo durante a fase de

investigação com o interesse geral da sociedade quanto à repressão da violência criminosa

que se eleva a cada dia.

Ainda seguindo a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho, a solução

seria adotarmos o sistema implantado pela legislação francesa em que os interesses são

conciliados através da instituição do chamado “contrôle judiciaire”, ou seja, o magistrado

não retira totalmente a liberdade do indivíduo, uma vez que são adotadas, em princípio,

formas alternativas de obtenção do fim desejado, variando de acordo com o grau de

intensidade do crime e personalidade do criminoso. As restrições são impostas e controladas

pelo juiz instrutor que irá proibir a saída do delinqüente dos limites territoriais por ele

determinado ou impedir que venha a freqüentar determinados lugares, não se relacionar com

certas pessoas, comparecer a todos os atos do processo etc. Haveria uma restrição da

liberdade, porém, em espaço maior e sob controle total do magistrado. Não adotamos sistema

idêntico, optando por legislação com restrição absoluta da liberdade individual, razão pela

qual a Lei nº 7.960/89 seria considerada inconstitucional por ferir o princípio de que ninguém

poderá ser considerado culpado enquanto não houver uma sentença condenatória com

143 Processo penal, v.1, p. 62-63.

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trânsito em julgado (art. 5º, LVII, da CF)144.

Para Antonio Magalhães Gomes Filho, com a Constituição Federal de 1988

ficou evidente que:

[...] Todas as formas de prisão cautelar penal devem ser submetidas “à apreciação do Poder Judiciário, seja pela forma prévia, seja pela convalidação imediata da prisão em flagrante [...]. O texto constitucional fixou balizas para o exercício da atividade correspondente, ao garantir: ‘que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5º, LIV). Assim, infere-se que a restrição ao direito de liberdade do acusado precisa resultar, não simplesmente de uma ordem judicial, mas basicamente de um provimento resultante de um procedimento qualificado por garantias mínimas, tais como a imparcialidade do Juiz, a publicidade, a igualdade processual, o contraditório, o duplo grau de jurisdição etc”. Essas garantias não podem ser descartadas, devem ser redimensionadas, de sorte que, mesmo nessas condições excepcionais, seja possível assegurar a ‘cognição adequada’, que também integra a noção de ‘devido processo’, através da qual o juiz analisa os pressupostos da medida cautelar com imparcialidade e tendo em conta as possíveis razões dos integrantes do contraditório, ainda que este só possa vir a ser exercido plenamente a posteriori145.

Rui Cascaldi opinou pela inconstitucionalidade da prisão temporária, por

ofensa ao princípio do estado de inocência (art. 5 º, LVII, CF) e também pelo fato do

legislador ter a intenção de criar um novo tipo de prisão, mais simples, com pressupostos e

condições diversos dos mencionados no artigo 312 do Código de Processo Penal,

autorizadores da prisão preventiva146.

Sobre o tema da inconstitucionalidade de lei oriunda de medida provisória,

observa Carlos D. S. A. Reis que:

A conversão [...] não tem o condão de convalidar a inconstitucionalidade de uma, algumas ou de todas as suas disposições. Se, por exemplo, não havia relevância ou urgência, mas mesmo assim a medida provisória foi indevidamente convertida em lei, nem por isso deixa de ser inconstitucional. Em última análise, a opinião segundo a qual, convertida em lei a medida provisória, estaria sanada sua inconstitucionalidade, insinua a impossibilidade do Judiciário examiná-la. Mas isto não teria sentido jurídico, pois desta maneira, o Parlamento, indiretamente, vedaria ao Judiciário a apreciação de uma parte da legislação, frustrando uma das precípuas funções deste poder. Deste modo, far-se-ia tabula rasa até do art. 5º, XXXV da Constituição: lesões ou ameaças a direitos, eventualmente provocadas por medidas provisórias convertidas em lei pelo Congresso, não poderiam ser apreciadas judicialmente. Se pode o Judiciário declarar a inconstitucionalidade das leis, também pode fazê-lo quanto a medidas provisórias chanceladas pelo

144 Processo penal, v. 3, p. 347-348. 145 Presunção de inocência e prisão cautelar, p. 78. 146 Prisão temporária: inconstitucionalidade, p. 259-261.

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Legislativo147.

Maria Lúcia Karan afirma que a prisão temporária é medida inconstitucional

porque a lei que a instituiu é decorrente da conversão de uma medida provisória oriunda do

Presidente da República e,

[...] tratando-se de instrumento de coerção pessoal, a atingir o direito de liberdade, não poderia a prisão temporária ser objeto de medida provisória, mas tão somente de lei em sentido estrito (ou seja, o ato normativo procedente do Poder Legislativo e elaborado segundo a forma e o processo constitucionalmente estabelecido): tem-se aqui decorrência básica do princípio da legalidade, que, naturalmente, limita o poder do Estado não só em matéria penal substantiva, mas também no que diz respeito ao direito processual penal, notadamente neste campo da liberdade148.

Sobre o assunto – inconstitucionalidade decorrente da conversão de medida

provisória em lei – e sobre a ofensa ao princípio da presunção de inocência, comenta Dyrceu

Aguiar Dias Cintra Junior que, no primeiro caso, há uma invasão do Poder Executivo no

âmbito de atuação do Legislativo, em que a Constituição Federal reserva exclusividade para

edição de mecanismos relativos à restrição pessoal da liberdade. Essa restrição só seria

permitida em decorrência de uma lei ordinária do Poder Legislativo e não através de medida

provisória originária do Executivo, enquanto no segundo – ofensa ao princípio da presunção

de inocência –, a inconstitucionalidade da Lei nº 7.960/89 ocorre principalmente se o

entendimento for no sentido de ter vindo ela ocupar alguma lacuna não alcançada pela prisão

preventiva, pois, se for necessário todos os pressupostos e condições desta, não há porque

decretar a prisão temporária podendo utilizar-se da preventiva. Não presente as mesmas

condições da prisão preventiva, não há como o magistrado fundamentar sua decisão no

sentido de autorizar a restrição da liberdade e, se assim o fizer, estará agindo em desacordo

com a Constituição Federal149.

147 Medidas provisórias: controle jurisdicional de seus pressupostos, p. 101-102. 148 Prisão e liberdade processuais, p. 83. 149 Prisão temporária, p. 186-188.

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4.3 Argumentos doutrinários quanto à constitucionalidade da Lei 7.960/89

A Constituição Federal, no seu artigo 5º, LVII, estabelece que “ninguém será

considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Infere-se

desse dispositivo que não se pode atribuir culpa a outrem sem antes haver uma pena concreta

e já transitada em julgado, uma vez que ainda há possibilidade de absolvição.

Todavia, analisando o inciso LXI do artigo 5º da Constituição Federal,

observa-se redação em sentido contrário, permitindo a prisão antes de sentença com trânsito

em julgado nos casos de “flagrante delito ou ainda por ordem escrita e fundamentada de

autoridade judiciária competente (...)”, o que leva a argumentações no sentido de ser a prisão

temporária plenamente constitucional por tratar-se de uma espécie de prisão cautelar tendente

a assegurar o êxito da persecução extrajudicial, desde que oriunda de ordem escrita e

motivada da autoridade judiciária competente.

Verifica-se então um conflito aparente de normas constitucionais que deve

ser solucionado de maneira a não se falar em inconstitucionalidade de um ou de outro. Para

isso é necessário afirmar que, como regra geral, não haverá culpado até o trânsito em julgado

de sentença penal condenatória; assim como não haverá prisão senão em flagrante delito, ou

por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, não sendo considerado

culpado aquele que for preso numa dessas hipóteses, uma vez que só nelas poderá haver

prisão sem sentença penal condenatória, em caráter cautelar, sob pena de ferir o direito de

liberdade e de inocência até prova em contrário, o que significa dizer, em casos de extrema

necessidade e utilidade.

Esta, inclusive, é a lição de Jorge Miranda ao afirmar ser impossível a

inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias, sendo aceitável,

[...] a inconstitucionalidade material por discrepância entre certas normas constitucionais e

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outras normas nascidas em virtude de revisão constitucional” [...]. Se a Constituição como conjunto de preceitos e princípios tem de ser tomada como um todo harmônico, haverá que procurar definir as relações entre eles [...]; e apenas, quando pelos processos lógicos de trabalho dos juristas não for possível superar um conflito de normas, será, porventura legítimo recorrer a interpretação correctiva ou a interpretação ab-rogante [...]. O eventual somatório de princípios e normas de matriz diferente ou de sentido discrepante tem de se entender como expressão real da vontade constituinte, cabendo ao intérprete reconstituir as relações entre eles num todo logicamente articulado, mas não substituir-se ao órgão de revisão na eliminação desta ou daquela norma divergente dos princípios150.

As prisões cautelares, compreendendo toda e qualquer privação do direito de

ir, vir e ficar, decretadas pelo juiz criminal antes do trânsito em julgado de uma sentença

condenatória, são consideradas como execuções cautelares pessoais – em oposição às de

natureza real, como as buscas e apreensões, seqüestros, arrestos etc – justificando-se como

medidas necessárias ao asseguramento da aplicação futura da lei penal.

Assim, a prisão cautelar tem natureza processual e somente poderá ser

emanada de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, ou na hipótese do

flagrante, quando mantido no curso da ação penal, visando a garantia imediata da tutela de um

bem jurídico para impedir as conseqüências do periculum libertatis, assentando-se num juízo

de plausibilidade da aplicação da pena futura.

Ainda sobre o assunto, leciona Walter Maierovitch que:

[...] na realidade, a Lei 7.960/89 não afrontou a Constituição da República. Ao contrário, apoiou-se nela. Encontrou permissivo no art. 5º, LXI, que admitiu a prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Como se nota do exame do dispositivo constitucional, encontramos, ao lado da nominada prisão em flagrante, inominada cautela de privação da liberdade: prisão por ordem judicial. A Lei 7.960/89, portanto, apenas especializou uma forma de providência cautelar, chamando-a de prisão temporária151.

Alexandre de Moraes diz que a presunção de inocência, como garantia

processual penal, é um dos princípios basilares do Estado de Direito por visar à tutela da

liberdade pessoal.

Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos

150 Manual de direito constitucional, p. 316, 320 e 321. 151 Walter Fangamello Maierovitch. Prisão temporária, p. 325.

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ao total arbítrio estatal. A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que não obstante a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Dessa forma, permanecem válidas as prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsitos em julgado152.

No estudo de Jorge Henrique Schaefer Martins, a prisão temporária é

constitucional se observado alguns aspectos legais, dentre eles: o princípio do devido

processo legal, a motivação da decisão judicial e a impossibilidade da prisão quando ao

acusado são dados os benefícios legais. Quanto ao devido processo legal, o legislador

constitucional teria dado à autoridade judiciária a competência para analisar a possibilidade

de validade da prisão em flagrante e também da decretação da prisão provisória, desde que

decorrentes de procedimentos qualificados por garantias mínimas como a imparcialidade do

juiz, a publicidade, o contraditório etc. Se o juiz atuar dessa forma e decidir de acordo com as

normas estabelecidas, dando ao indiciado o direito de contestar a decisão, estará observado o

preceito constitucional. Quanto à motivação, deve o juiz analisar se estão presentes os

pressupostos e requisitos legais e deixar claras as razões que o levaram a decidir pela medida

de coerção máxima, mesmo não tendo ele absoluta condição de analisar em sua totalidade a

questão que lhe foi apresentada, até porque foi requerida ainda na fase investigativa de um

delito, e, portanto, ainda indefinidos os indícios. Por último, temos a impossibilidade da

prisão provisória, pelo fato de ter o indiciado ou acusado direito a outros benefícios legais,

havendo, portanto, restrição que possibilita a obtenção da liberdade em instâncias superiores.

Assim atuando o juiz, não há que se falar em confronto entre sua decisão de decretação da

prisão temporária com o princípio da presunção de inocência, a exemplo do que acontece

com outras modalidades de prisão provisória. Existem duas regras no mesmo dispositivo (art.

5º, LXI, da Carta Magna – prevendo a possibilidade da prisão em flagrante ou por força de

152 Direito constitucional. p. 106-107.

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ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente e art. 5º, LVII, da CF –

dispondo sobre a presunção de inocência), as quais, em uma análise apressada, poder-se-iam

ter como conflitantes, visto disporem sobre assunto idêntico, de maneira diversificada.

Contudo, ocorre a prevalência da regra de natureza especial, que explicita a situação

específica, isto é, a possibilidade de ocorrência de prisão sem a existência de sentença

condenatória transitada em julgado, mormente pelo fato de esclarecer o modo pelo qual tal se

pode verificar153.

Alberto Silva Franco informa que

[...] a legitimidade jurídico-constitucional das normas legais que disciplinam a prisão cautelar em nosso sistema normativo deriva, claramente, da regra inscrita na própria Carta Federal, que admite (inobstante a excepcionalidade de que se reveste) o instituto da tutela cautelar penal (art. 5º, LXI). O direito constitucional positivo brasileiro, ao proclamar a intangibilidade do status libertatis das pessoas, prescreve que ‘ninguém será preso...’ (art. 5º, LXI). Para dar conseqüência a esse princípio fundamental, a Carta Política (art. 5º, LXI) discrimina, em rol exaustivo, as hipóteses legitimadoras de privação de liberdade individual: a) situação de flagrância penal e b) existência de ordem escrita e motivada de autoridade judiciária competente. O maior grau de intensidade da proteção jurídica dispensada ao jus libertatis revela-se cláusula que submete a prisão de alguém à existência de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Essa limitação constitucional ao poder do Estado cede, apenas, em face de cinco situações absolutamente excepcionais: 1) flagrância penal (art. 5º, LXI), 2) transgressão militar (art. 5º, LXI), 3) ocorrência de crime militar em sentido estrito (art. 5º, LXI), 4) prática de crime contra o Estado, na vigência do estado de defesa (art. 136, § 3º, II) e 5) detenção em edifícios não destinados a acusados ou condenados por crimes comuns, desde que instaurado o estado de sítio (art. 139, II)154.

Em alguns julgados155, é possível constatar que a prisão cautelar não visa

153 Prisão temporária e a lei de tóxicos, p. 16-17. 154 Crimes hediondos – notas sobre a Lei 8.072/90, p. 116-117. 155 “O princípio constitucional da presunção de inocência, consagrado no art. 5º, LVII, da CF, não revogou a prisão processual. Esta, como cediço, tem natureza cautelar, que não leva em conta a culpabilidade do réu, mas sim atende à finalidade do processo, como medida necessária à garantia da ordem pública, para facilitar a colheita de prova e assegurar a aplicação da lei penal” (TJSP – HC – Rel. Péricles Piza – RT 665/282). “O art. 5º, LVII, da Constituição Federal diz que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória – o que não é o mesmo que dizer que todo homem é considerado inocente até prova de sua culpabilidade. Quer dizer que, embora acusado, não pode ser considerado definitivamente culpado e à evidência que tal situação não exclui os casos de prisão provisória admitidos expressamente pela Constituição, e entre eles, a prisão em flagrante delito e preventiva, ambas decretadas pelo juiz e com previsão constitucional (art. 5º, LXI), em regra secular, que se sucede em nossas Constituições com muito maior intensidade que a da ausência de culpabilidade até o trânsito em julgado da condenação. Sendo ambas as normas de natureza constitucional e sendo o art. 5º, LVII, de caráter geral, não pode ela prevalecer sobre as regra do art. 5º, LXI, que é especial, atinente às modalidades de prisão processual. E é certo que, em tema de conflito de normas, a lei especial derroga a lei geral” (TJSP – HC – Rel. Fortes Barbosa – RT 658/293).

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aplicar punição à pessoa, mas apenas atender à finalidade do processo.

Para Ada Pellegrini Grinover

[...] não é inconstitucional a prisão temporária, no que diz respeito a autoridade competente para decretá-la, que é a judiciária, nos expressos termos do disposto no art. 5º, LXI, CF. Do mesmo modo, a prisão temporária não infringe a Constituição quanto à sua configuração de prisão cautelar, a uma de cujas formas a Lei Maior alude, no mesmo inc. LXI do art. 5º, ao referir-se à prisão em flagrante delito. Mas uma coisa é certa, a prisão cautelar deve obedecer a rigorosas exigências, diante do preceito constitucional segundo o qual ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’ (art. 5º, LVII, CF): em face do estado de inocência do acusado, a antecipação do resultado do processo representa providência excepcional, que não pode ser confundida com a punição, somente justificada em casos de extrema necessidade. Por isso, antes de mais nada, a restrição antecipada do direito de liberdade do acusado deve obedecer aos requisitos necessários para a decretação de qualquer provimento cautelar: o fumus boni iuris, entendido como a plausibilidade do direito invocado pelos interessados na medida cautelar; e o periculum in mora, que no caso de prisão cautelar se configura como periculum libertatis: ou seja, a demonstração de que a liberdade do acusado pode por em risco os resultados do processo, quer com relação ao seu desenvolvimento regular, quer quanto à concreta efetivação da sanção penal que venha a ser imposta156.

Outro não é o ensinamento de Eduardo Luiz Santos Cabette ao criticar a

prática da prisão temporária por parte da Polícia, do Judiciário ou do Ministério Público. Se

comparada com a legislação de outros países157, a Lei nº 7.960/89 é mais severa e pode

chegar aos 60 dias de prisão cautelar no caso dos chamados crimes hediondos. Sendo assim,

a decretação desta medida exige uma interpretação em maior consonância com o princípio da

presunção de inocência. A convivência entre esse princípio e as custódias cautelares

encontra-se praticamente pacificada na doutrina, desde que estabelecidos rígidos critérios

para a concessão dessa coerção no estrito interesse público da apuração das infrações penais

e de acordo com a absoluta necessidade e excepcionalidade158.

156 Constitucionalidade da prisão temporária. p. 24. 157 Afirma Eduardo Luiz Santos Cabette, em seu artigo denominado A prática perversa da prisão temporária, que “nos Estados Unidos, embora haja a possibilidade de ser efetuada sem ordem judicial pela autoridade policial, deve ser examinada pelo Judiciário em 24 horas. Na França, a prisão temporária é de 48 horas, prorrogável até 72 horas. Na Espanha, essa prisão tem o prazo de 24 horas, podendo chegar ao máximo de 72 horas por renovação requerida ao Juiz”. 158 A prática perversa da prisão temporária. p. 5.

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CONCLUSÃO

A Lei nº 7.960/89 foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro através de

uma medida provisória, o que, inicialmente, deu lastro a discussões sobre sua

inconstitucionalidade. Há consenso doutrinário que a medida provisória deve ser utilizada em

caso de relevância e urgência, quando então, o Presidente da República a edita e ela passa a

ter vigência, com força de lei, pelo prazo de trinta dias, devendo ser submetida de imediato

ao Congresso Nacional que se reunirá em cinco dias para deliberar sobre o tema. Se, nos

trinta dias, a contar da sua edição, ela não for convertida em lei, perderá sua eficácia e o

Congresso Nacional deverá disciplinar as relações jurídicas efetivadas nesse período.

Admitida a medida provisória, a Comissão Mista, formada por sete

Deputados Federais e sete Senadores, dará parecer sobre a constitucionalidade e o mérito da

mesma que, aprovada, será convertida em lei e promulgada pelo Presidente do Senado, pois

consagrou-se no Poder Legislativo, devendo ser, em seguida, remetida ao Presidente da

República para publicá-la.

Verifica-se, então, que a medida provisória, como todas as leis, é submetida

ao controle de constitucionalidade, ficando o Presidente da República, quando da edição da

medida, responsável pela análise dos requisitos de relevância e urgência, e, posteriormente, o

Congresso Nacional, que pode deixar de convertê-la em lei, por ausência dos pressupostos

constitucionais.

Nota-se que, a princípio, o controle preventivo de inconstitucionalidade, em

relação ao momento da realização de uma espécie normativa, é dos poderes Executivo e

Legislativo. O Judiciário realiza, a posteriori, o controle repressivo, buscando expurgar do

ordenamento jurídico norma maculada pela inconstitucionalidade.

Assim, vale ressaltar que não prospera a alegação de inconstitucionalidade

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da Lei nº 7.960/89 por ser ela oriunda de uma medida provisória, portanto, de iniciativa do

Poder Executivo – que não tem competência para legislar – e não do Poder Legislativo.

Este, como se pode observar, é quem realiza o controle preventivo de

constitucionalidade da medida e, numa segunda etapa, sua relevância e urgência, podendo,

caso vislumbre o contrário, rejeitar a medida provisória, não a convertendo em lei. Em

seguida, temos o Judiciário como poder legítimo para a realização do controle repressivo.

Logo, se assim não agiram, é porque não há que se falar em inconstitucionalidade da lei e

nem em invasão da esfera de competência do Poder Legislativo.

Quanto à existência concomitante dos incisos LVII e LXI, ambos contidos

no art. 5º da Constituição Federal, não se considera meio suficiente para declarar

inconstitucional uma lei ordinária, pois há um conflito aparente de normas constitucionais

plenamente solucionável através de interpretações que visam buscar a harmonia do texto com

sua finalidade, de modo a evitar contradições.

A prisão temporária, por ser admitida só na fase pré-processual para

investigação de crimes graves – art. 1º, III, da Lei nº 7.960/89 – desde que imprescindível

para a investigação ou quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer

elementos necessários aos esclarecimentos de sua identidade – art. 1º, I e II, é considerada

medida processual de natureza cautelar, tendo sua constitucionalidade subordinada a

parâmetros que devem ser observados159. Logo, se concedida por ordem judicial

fundamentada na configuração dos pressupostos e condições legais, em respeito ao inciso

LVII, do art. 5º, da Constituição Federal, não se vislumbra inconstitucionalidade, pois é

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conveniente afirmar que passa a inexistir o confronto entre a decisão judicial que concede a

prisão temporária, com o princípio da presunção de inocência, assim como ocorre com a

prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia e de

sentença recorrível.

É preciso, quando do recebimento da representação sobre prisão temporária,

para que não haja discussão sobre a inconstitucionalidade, que o representante do Ministério

Público, em sua manifestação, e o juiz, ao decidir, demonstrem a presença dos requisitos

periculum libertatis e fumus commissi delicti. Este está inserido no inciso III do artigo 1º da

Lei nº 7.960/89 e sempre deve estar presente, enquanto aquele encontra-se numa das

hipóteses dos incisos I e II do mesmo dispositivo legal. A decretação da restrição temporária

da liberdade, por exemplo, sob o argumento de registrar contra o investigado a prática de

vários furtos qualificados, é inconstitucional devido a ausência do fumus commissi delicti,

assim como é inconstitucional se demonstrada a existência de um dos crimes mencionados

no inciso III, mas com o fundamento na imprescindibilidade para a investigação sem

demonstrar o que é imprescindibilidade.

Num Estado Democrático de Direito pressupõe-se a existência de uma

Constituição e a observância inequívoca de seus princípios. A Constituição é dotada de

ordens normativas fundamentais e supremas, e é nessa supremacia constitucional que o

direito do Estado de Direito reside e encontra sua primeira e decisiva expressão. Com isso, a

Constituição passa a garantir a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do homem,

na sua qualidade de ser humano, cidadão e trabalhador.

159 “Art. 5º - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontra serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido,

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As restrições antecipadas, provisórias ou cautelares, dentre elas a prisão

temporária, devem restringir-se ao modelo jurídico constitucional e atender a seus fins, sob

pena dessa prisão não se justificar. A proibição provisória do direito de ir e vir não tem por

objetivo punir a pessoa, mas constituir instrumento destinado ao desenvolvimento da

atividade processual penal, razão de sua compatibilidade com a Constituição Federal.

As medidas cautelares emanadas de “ordem escrita e fundamentada da

autoridade judiciária competente” são constitucionais (artigo 5º, LXI, CF). Na prisão

temporária, o cerceamento da liberdade com fundamentação e decisão judicial demonstrando

a presença dos requisitos do fumus commissi delicti e periculum libertatis e, é

constitucionalidade e atende aos princípios basilares da Carta Magna.

Oportuna é a lição de Pedro Armando Egídio de Carvalho, ao reescrever o

inciso LXI do art. 5º da CF no sentido de que “qualquer pessoa, com ou sem documento,

pobre ou rica, mal ou bem vestida, preta ou parda ou amarela ou vermelha ou branca, homem

ou mulher, jovem ou velha, só poderá ser presa no caso de estar em flagrante delito ou por

ordem escrita e explicada de um juiz que tenha o direito de mandar prender. Não existe

prisão para saber se alguém é ou não criminoso”160.

A utilização da lei, constitucional, de maneira ilegal deve ser coibida

severamente quando demonstrada a privação da liberdade de investigado, sem ordem

judicial, para, a partir dele, iniciarem-se as buscas dos elementos probatórios e, só depois,

formular representação ao juiz de direito solicitando-lhe a decretação da prisão temporária

para investigar.

quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. 160 Reescrever o art. 5º da Constituição da República, p. 159.

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CONCLUSÃO ARTICULADA

1. O Poder Judiciário, antigamente representado por sacerdotes, por serem considerados

prudentes, confiáveis, distintos, foi evoluindo e organizando-se, criando Tribunais

locais formados por juízes sorteados entre os homens mais velhos, e um Tribunal

Superior, composto por juízes escolhidos entre padres, chefes de família e levitas.

Nesse período não existia prisão cautelar, exceto o flagrante delito, sendo o acusado

privado em sua liberdade somente quando conduzido ao Tribunal para se defender e

ser julgado.

2. Com a dominação romana, houve alteração no sistema processual, e o judiciário ficou

a cargo do Rei que, em alguns casos, delegava a função de processar e julgar aos

comissários e questores. Numa fase posterior, com a eliminação do Rei no Poder

Judiciário, o Senador e as assembléias do povo, mediante poder de delegação,

passaram a julgar.

3. Com o aumento das causas que necessitavam de apreciações, surgiram as quoestiones

perpetuae, denominação dada em decorrência do caráter permanente dos Tribunais,

agora públicos e funcionando no Fórum, local onde todos os atos do processo eram

realizados. Finalizada a República e com o início do Império Romano as quoestiones

perpetuae foram caindo em desuso e surgiram as proefectus urbi e vigilum.

4. Ainda na esteira evolutiva do processo penal, a Lei das Sete Partidas operou uma

importante transformação processual com a passagem do procedimento acusatório

para o inquisitivo, tendo o juiz atuação de maneira efetiva no processo quanto à busca

dos meios de prova para a apuração do delito, não mais permanecendo inerte. As

ordenações do Reino, Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, foram implantadas, operando

a última, por mais de dois séculos no Brasil, revogada totalmente somente em 1830

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com o advento do Código Criminal do Império.

5. Aplica-se, como sanção penal, a pena de morte e as cruéis, não vigendo o princípio da

legalidade, contendo os homens por meio do terror. Imperava a desigualdade penal

quando da aplicação das penas aos nobres ou plebeus. A prisão era apenas um

instrumento de custódia provisória do acusado. Somente em 25/03/1824 é que tivemos

a primeira Constituição garantindo o direito à liberdade individual, uma vez que

proibia a prisão sem culpa, exceto nos casos declarados em lei. Outras Constituições

foram promulgadas e, com exceção da de 10/11/1937, todas as garantias

constitucionais em relação ao indivíduo foram mantidas.

6. No Código de Processo Penal vigente encontram-se as definições e requisitos

imprescindíveis para a decretação das cautelares denominadas prisão em flagrante

delito; prisão preventiva; prisão decorrente da decisão de pronúncia e prisão

decorrente de sentença condenatória recorrível. Em todas deve-se analisar os

requisitos e princípios constitucionais a elas inerentes.

7. A prisão temporária, por ser espécie de medida cautelar, deve apresentar, como

característica essencial, caráter de excepcionalidade e instrumentalidade, adicionado a

eles os fundamentos previstos no artigo 1º, I a III, ou seja, demonstração do periculum

libertatis inseridos nos incisos I e II, e do fumus commissi delicti, rol de ilícitos

descritos no inciso III.

8. Sendo o crime diverso ao do rol, que é taxativo, não há como decretar a prisão

temporária; o mesmo ocorrendo quando o fundamento do pedido se pautar apenas

pelos incisos I e II; ou ser o crime de difícil elucidação, em que a prisão facilitará a

investigação.

9. A decretação da medida cautelar só pode ser solicitada após a existência de portaria,

peça inicial do inquérito, podendo ocorrer a representação apenas com o boletim de

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ocorrência se, junto a ele, outras peças de informação da autoria e da infração penal se

figuram presentes. O prazo final para a decretação da medida é até o oferecimento da

denúncia. Com o recebimento desta o indiciado passa a ser acusado, não elencado pela

Lei nº 7.960/89.

10. A legitimidade para representar ou requerer a cautelar é direcionada somente à

Autoridade Policial e ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, prorrogado por

mais cinco, ou trinta dias, prorrogado por outros trinta em sendo o crime inserido

como hediondo.

11. A concessão da medida não previne a competência, uma vez que, para prevenção

torna-se necessário que o magistrado pratique, no exercício de sua função, ato ou

medida concernente ao processo, o que não ocorre com a decretação da prisão

temporária que, por ser medida direcionada à investigação, nem em processo poderá

resultar se não houver coleta de provas em relação à existência do crime e indícios

suficientes de autoria, impossibilitando, assim, o oferecimento da denúncia e início da

ação penal.

12. O meio legal de impugnação da prisão temporária, pelo que se verifica na Constituição

Federal e legislação processual, é o habeas corpus, porém, admite-se ainda o recurso

em sentido estrito ou o mandado de segurança, ficando este como meio para se buscar

uma resposta judiciária quando aqueles forem ineficazes.

13. A Lei nº 7.960/89 criou a prisão temporária, colocando fim à prisão para averiguação,

através da medida provisória 111, de 14/11/89, e com o intuito de combater o aumento

do índice de criminalidade, surgindo as discussões sobre sua inconstitucionalidade.

14. Os argumentos pela inconstitucionalidade, devido a lei decorrer da conversão de uma

medida provisória oriunda do Presidente da República, é no sentido de que o direito de

liberdade só pode ser privado por lei, tendo com decorrência básica o princípio da

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legalidade, limitador do poder Estatal em matéria penal e processual penal, evitando-

se a invasão do Pode executivo no âmbito de atuação do Legislativo. A presunção de

inocência é outro argumento pela constitucionalidade, principalmente se a lei veio

para ocupar alguma lacuna não alcançada pela prisão preventiva, sendo necessários

todos os pressupostos e condições desta para a decretação daquela. O magistrado deve

observar se estão presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum libertatis,

não se admitindo a restrição do direito de ir e vir para se buscar tais requisitos, razão

da inconstitucionalidade.

15. A Lei nº 7.960/89 é constitucional mesmo tendo sua origem numa medida provisória,

uma vez que o Poder Legislativo, nesse caso, é quem realiza o controle preventivo de

constitucionalidade e, a relevância e urgência da medida, podendo rejeitá-la se

identificar inconstitucionalidade. O controle repressivo fica a cargo do Poder

Judiciário, após promulgação da lei, que poderá expurgá-lo do ordenamento jurídico

se maculada pela inconstitucionalidade, o que não ocorreu em relação à lei pelos

poderes competentes, razão de sua constitucionalidade.

16. Presentes o requisito do fumus commissi delicti (art. 1, III, da Lei nº 7.960/89) e o do

periculum libertatis (inciso I ou II ou ambos), a prisão é constitucional. A não

observação de seus preceitos pode gerar a ilegalidade do pedido, podendo a autoridade

que o fez ser responsabilizada administrativa e criminalmente.

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