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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO REGIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO Rua Marechal Deodoro da Fonseca, n.º 3131 - CEP 15010070 - telefone (17) 3211-9813 - http://www.defensoria.sp.gov.br EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - SP “Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana - a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo bem- estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. (Ministro Marco Aurélio – ADPF – 54 MC/DF) ROSANGELA MARIA DE LACERDA VENTURA, brasileira, casada, balconista, portadora do RG nº 32.994.900-7/SSP-SP, CPF: 220.481.338-94, e RAFAEL GEORGE FERNANDES VENTURA, brasileiro, casado, motorista, portador do RG nº 28.675.378-9/SSP-SP, CPF: 285.968.088- 84, residentes e domiciliados, na R. 23, n.º 1080, bairro Bela Vista, Santa Fé do Sul, pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, vem respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 798 e seguintes do Código de Processo Civil e artigos 34, V e VI, e 678 e ss. do Regimento Interno deste Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, propor a presente MEDIDA CAUTELAR INOMINADA COM PEDIDO DE LIMINAR em face da decisão denegatória de alvará para interrupção da gestação, proferida nos autos 118/2011 pelo Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de São José do Rio Preto-SP, pelas razão de fato e de direito a seguir expostas. 1

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DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO REGIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Rua Marechal Deodoro da Fonseca, n.º 3131 - CEP 15010070 - telefone (17) 3211-9813 - http://www.defensoria.sp.gov.br

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR

PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO

PAULO - SP

“Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana - a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.

(Ministro Marco Aurélio – ADPF – 54 MC/DF)

ROSANGELA MARIA DE LACERDA VENTURA,

brasileira, casada, balconista, portadora do RG nº 32.994.900-7/SSP-SP, CPF:

220.481.338-94, e RAFAEL GEORGE FERNANDES VENTURA, brasileiro,

casado, motorista, portador do RG nº 28.675.378-9/SSP-SP, CPF: 285.968.088-

84, residentes e domiciliados, na R. 23, n.º 1080, bairro Bela Vista, Santa Fé do

Sul, pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, vem respeitosamente,

perante Vossa Excelência, com fulcro no artigo 798 e seguintes do Código de

Processo Civil e artigos 34, V e VI, e 678 e ss. do Regimento Interno deste

Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, propor a presente

MEDIDA CAUTELAR INOMINADA

COM PEDIDO DE LIMINAR

em face da decisão denegatória de alvará para interrupção da gestação,

proferida nos autos 118/2011 pelo Juízo da 1.ª Vara Criminal da Comarca de

São José do Rio Preto-SP, pelas razão de fato e de direito a seguir expostas.1

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1. BREVE RESUMO DOS FATOS E OBJETO DA MEDIDA

CAUTELAR

Os requerentes são casados e possuem uma filha de 07 (sete)

anos de idade, sendo que a requerente Rosângela atualmente está em sua

segunda gestação.

A gravidez da requerente estava sendo acompanhada pelos

médicos da Santa Casa na cidade de Santa Fé do Sul – SP, município da

residência de sua família. No entanto, na data do dia 06 de dezembro de 2010,

no 2° Laudo médico de 18 semanas e 01 dia de gestação (exame de ultrassom),

o médico Dr. Hassan Y. Moussa Filho atestou “Sinais de anencefalia” e

encaminhou a paciente à cidade de São José do Rio Preto-SP para repetir os

exames e realizar acompanhamento no Hospital de Base.

Sendo assim, no início deste ano a gestante realizou novos

exames no referido Hospital, tendo a confirmação nos exames de ultrassom e

ressonância magnética de que o quadro é realmente de anencefalia, conforme

documentos em anexo.

No laudo de ressonância magnética realizado em 12 de janeiro

de 2011 e assinado pelos médicos Dra. Débora Esperancini Tebar e Dr. Gustavo

Andreosi Galoppini, consta a seguinte conclusão: “Não se observam os

hemisférios cerebrais bem como a calota craniana e as estruturas da fossa

posterior, representando anencefalia”.

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No laudo de 18 de janeiro de 2011 o médico do HB, Dr. Paulo

Eduardo Borduqui Silva concluiu também que “A Sra. Rosangela Maria de

Lacerda, portadora do CPF n° 220.481.338-94, encontra-se atualmente com

gestação de 24 semanas, com feto anencéfalo (ausência da abóboda craniana e

hemisférios cerebrais, com presença de mínima quantidade de tecido

encefálico), cuja condição é incompatível com a vida extra-uterina”. Os exames

que confirmam a malformação fetal são Ultrassonografia e Ressonância

Magnética, com laudos em anexo.

Portanto, além do exame realizado na cidade de Santa Fé do

Sul pelo médico da Santa Casa, há outros dois laudos assinados por mais três

médicos especialistas do Hospital de Base de São José do Rio Preto

confirmando que o feto é anencéfalo.

Os próprios médicos do Hospital de Base realizarão a

interrupção da gravidez, assim que obtida a autorização judicial.

Assim é que os requerentes, cientes do grave quadro,

manifestam de forma segura e inequívoca a intenção de realizar a interrupção da

gravidez (cf. termos de declaração juntadas), até porque não faz sentido algum,

sob a ótica jurídica ou mesmo médica, prolongar uma gestação em que inexiste a

possibilidade de sobrevida do feto.

Os médicos também informaram que o grave problema de

formação fetal é irreversível e que na eventualidade do feto atingir o termo,

inexiste possibilidade de vida extra-uterina, não havendo nenhuma possibilidade

de tratamento intra ou extra-uterino. Além disso, relataram que a continuidade 3

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da gravidez acarretaria sério risco para a saúde física e mental da paciente,

portanto, eles aconselharam-na a interromper a gravidez o mais rápido possível.

De fato, é necessário interromper o estado gestacional de forma

urgente a fim de se minimizar o sofrimento vivenciado pelo casal, mormente

pela primeira requerente, que notoriamente já está com sua higidez psicológica

extremamente abalada pela dor da perda de seu filho. Enquanto seu ventre

cresce, vem sempre a lembrança sua e de sua família de que ali não haverá vida.

A dor da família aumenta a cada dia e os danos psicológicos com a manutenção

dessa gravidez são incalculáveis.

Ressalta-se que a gestante Rosangela já está realizando

acompanhamento por psicóloga da Equipe do Centro Interdepartamental de

Medicina Fetal – CIMEFE do Hospital de Base de São José do Rio Preto,

conforme laudo em anexo atestando que a paciente “apresenta, no momento,

bom enfrentamento, aceitação e está em processo de resignação, fatores que a

colocam em contato com a realidade, podendo assim, estar mais segura e

consciente de sua decisão por interromper a gestação, o que acredita que

aliviará e reduzirá maior sofrimento pessoal e familiar”.

Nesse passo, protocolizou-se pedido de alvará judicial para

interrupção imediata da gravidez ao MM. Juízo “a quo”.

O parecer do Ministério Público foi favorável ao pedido de

alvará judicial, destacando que “...se o citado codex permite o aborto

humanitário, ou seja, aquele feito em gravidez resultante de estupro, em que o

feto é perfeito e sadio, tendo por fundamento a preservação dos sentimentos da 4

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mãe, não há dúvidas quanto a licitude do aborto de feto anencéfalo, o qual

sequer possui expectativa de vida e, não bastasse, acarreta conseqüências

psicológicas de alto gravame à grávida”.

Porém, não obstante o parecer ministerial, a comprovada

situação fática e necessidade por atestados e exames médicos, viu-se o pleito

negado, no dia 20 de janeiro de 2011, em razão da “ausência de previsão legal”,

conforme cópia da decisão acostada. Frise-se que o MM. Juiz considerou que

por não se tratar das hipóteses legais previstas no art. 128, inciso I, do Código

Penal, a autorização não seria possível.

Além disso, talvez por um lapso a autoridade judicial

considerou apenas o primeiro laudo realizado que atestou sinais de anencefalia,

ignorando os outros dois laudos que comprovam essa condição e a inviabilidade

da vida extra-uterina. Ou seja, desconsiderou o fato de a anencefalia ter sido

atestada por pelo menos quatro médicos, sendo um da cidade de Santa Fé do Sul

(Hospital Santa Casa) e outros três médicos do Hospital de Base da cidade de

São José do Rio Preto.

Ao negar a autorização pleiteada sob esse argumento, o MM

Juiz “a quo” praticamente declara a ilegalidade da interrupção da gravidez de

feto anencéfalo, considerando tal procedimento como sendo aborto punido pela

legislação criminal.

No entanto, resta claro, diante da impossibilidade de vida

extra-uterina, que a antecipação do parto em casos de fetos anencéfalos não

caracteriza aborto, tal como tipificado no Código Penal, conforme veremos 5

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a seguir no item 3.

Portanto, diante dos fatos apresentados e argumentos

jurídicos que serão expostos, a r. decisão do MM Juiz da 1° Vara Criminal de

São José do Rio Preto não merece prosperar, devendo ser reformada por este

Egrégio Tribunal de Justiça, sob pena de impor aos pais maior sofrimento pela

perda do filho esperado e também pela saúde física e psíquica da gestante.

2. DO CABIMENTO (EXCEPCIONAL) DA PRESENTE MEDIDA

CAUTELAR E COMPETÊNCIA PARA SEU JULGAMENTO –

PRECEDENTES.

Não se desconhece ser entendimento nesta Corte que também

vem aceitando a via do mandado de segurança contra decisão judicial para os

casos como o ora tratado bem como deferido medida cautelar para atribuir efeito

ativa à decisão indeferitória em instância a quo.

Assim é que a medida cautelar de cunho satisfativo não pode

ser havida como aberrante da viabilização jurisdicional da pretensão deduzida1.

Conforme estabelece o disposto no artigo 800, parágrafo

único, do Código de Processo Civil, “Interposto o recurso, a medida cautelar

será requerida diretamente ao tribunal”.

Comentando o dispositivo em apreço, Humberto Theodoro

Junior comenta que “Um caso em que a competência do relator é indispensável

1 Apelação n° 516.299-4/5-00-Araraquara - Relator(a): Sebastião Carlos Garcia - Data de registro: 20/09/2007 - Outros números: 0.516.299-4/5-00, 994.07.106184-9 .

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é aquele em que o juiz de primeiro grau nega precisamente a tutela cautelar (...).

Interposta a apelação ou o agravo, pode a parte, em caso de urgência, requerer

diretamente ao relator providências cautelares imediatas, enquanto se espera o

julgamento do recurso.”

Por tal razão, cumpre distribuir a presente medida com

URGÊNCIA ao futuro Relator da apelação, para que aprecie e conceda a

liminar, a fim de evitar a ocorrência de severos prejuízos à requerente gestante.

O Regimento Interno do Tribunal prevê o processamento da

cautelar, nos termos do artigo 678 e seguintes.

Após a edição da Lei 10.444/02, que incluiu o parágrafo

sétimo ao artigo 273 do Código de Processo Civil, verifica-se a fungibilidade

entre os institutos da Tutela Antecipada e da Tutela Cautelar, mormente quanto

à forma de processamento. Dessa forma, totalmente despicienda se mostra

qualquer discussão acerca do cabimento da presente medida por se tratar de

antecipação de tutela.

O que se verifica é que, no caso em tela, ainda que se entenda

ser caso de tutela antecipada, estão presentes os seus requisitos, quais sejam:

perigo de dano irreparável e prova inequívoca da verossimilhança da alegação,

conforme exaustivamente demonstrado na inicial que segue anexa e no item

supra.

3. DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E DO FUMUS BONI IURIS

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O fumus boni iuris a amparar a tese dos requerentes

consubstancia-se na (i) impossibilidade de vida extra-uterina; (ii) dignidade da

pessoa humana e liberdade e autonomia individuais da gestante, além de sua

saúde física e principalmente psicológica.

Resta claro, diante da impossibilidade de vida extra-uterina,

que a antecipação do parto em casos de fetos anencéfalos não caracteriza aborto,

tal como tipificado no Código Penal. O aborto é descrito pela doutrina

especializada como a “interrupção da gravidez com a conseqüente morte do feto

(produto da concepção)”. Vale dizer: a morte deve ser resultado direto dos

meios abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal

como a potencialidade de vida extra-uterinado feto. Não é o que ocorre na

antecipação do parto de um feto anencefálico. Com efeito, a morte do feto

nesses casos decorre da má formação congênita, sendo certa e inevitável ainda

que decorridos os nove meses normais da gestação. Falta a hipótese o suporte

fático exigido pelo tipo penal.

A discussão jurídica acerca da interrupção da gravidez de um

feto viável envolve ponderação de bens supostamente em tensão: de um lado, a

potencialidade de vida do nascituro; e, de outro, a liberdade e autonomia

individuais da gestante, além de sua saúde física e principalmente psicológica.

Como já referido, no caso do feto anencéfalo há certeza científica de que o feto

não tem potencialidade de vida extra-uterina – é algo que foi unânime na

audiência pública do STF relativa à ADPF 54.

Diante disso, o foco de atenção há de se voltar para o estado

da gestante. O reconhecimento de seus direitos fundamentais não é a causa da 8

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lesão a bem ou direito de outrem – por fatalidade, não há viabilidade de outra

vida, sequer um nascituro, cujo interesse se possa eficazmente proteger. Neste

sentido, Aurélio Buarque de Holanda, em seu “O Novo Dicionário da Língua

Portuguesa”, 2ª edição, 36ª impr., assim define nascituro: “O ser humano já

concebido, cujo nascimento se espera como fato futuro e certo”. No renomado

“Aulete”, que está disponível no sítio digital da UOL gratuitamente, nascituro é

definido nos seguintes termos: (nas.ci.tu.ro) a. 1. Que está prestes a nascer; 2.

Jur. Diz-se do ser humano já concebido, com nascimento dado como certo sm.

3. Aquele que está prestes a nascer 4. Jur. Indivíduo já concebido, cujo

nascimento é dado como certo [F.: Do lat. nasciturus].

No caso só a morte é certa, anterior ou imediatamente após

o parto. Não há nascituro, nesses termos, portanto. Para exemplificarmos a idéia

jurídica de morte, a Lei n.º 9.437/97, que regula transplante de órgãos,

estabelece como momento da morte humana o da morte encefálica:

“Art. 3.º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou

partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento

deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica,

constatada por dois médicos não participantes das equipes de

remoção e transplante, mediante a utilização de critérios

clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho

Federal de Medicina.”

Assim, a nosso ver é extreme de duvidas que a gestante de

feto anencéfalo optante pela antecipação terapêutica do parto está protegida por

direitos e valores constitucionais que imunizam a sua conduta da incidência da 9

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legislação ordinária repressiva, principalmente o valor supremo constitucional

da dignidade da pessoa humana, que deve orientar todo ordenamento jurídico

pátrio.

Nesse sentido, vale à pena reproduzir lição do insuperável

Nelson Hungria, escrita muito antes da possibilidade de se identificar a

anencefalia, mas que é perfeitamente aplicável2:

“Não esta em jogo a vida de outro ser, não

podendo o produto da concepção atingir normalmente vida

própria, de modo que as conseqüências dos atos praticados se

resolvem unicamente contra a mulher. O feto expulso (para se

caracterize aborto) deve ser produto fisiológico, e não

patológico; se a gravidez se apresenta como um processo

verdadeiramente mórbido, de modo a não permitir sequer uma

intervenção cirúrgica que possa salvar a vida do feto, não há

falar-se em aborto, para cuja existência é necessária a

presumida possibilidade de continuação da vida do feto.”

Exatamente neste sentido o Poder Judiciário já têm

examinado essa questão em varias ocasiões. Na realidade, nos últimos anos,

decisões judiciais em todo o país tem reconhecido às gestantes o direito de se

submeterem a antecipação terapêutica do parto em casos como dos fetos

anencéfalos. Podemos exemplificar: em São Paulo, TJSP, JTJSP 232/291, 1ª C.

Crim., MS n. 309.340-3, rel. Davi Haddad, j. 22.5.2000; TJSP, 3ª C. Crim., MS

n. 375.201-3, rel. Dês. Tristão Ribeiro, j. 21.3.2002; em Minas Gerais: TAMG,

2 Comentários ao Código Penal, vol. V, 1958, pp. 297-298.

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3ªC. Cível, Ap. cível n. 264.255-3, rel. Juiz Duarte de Paula; TAMG, 1ª C.

Cível, Ap. n. 219.008-9, rel. Juiz Baia Borges; no Rio Grande do Sul: TJRS,

2ªC. Crim., MS n. 70005577424, rel. Dês. Jose Antonio Cidade Pitrez ; dentre

outros.

Seguem algumas decisões transcritas:

“Afigura-se admissível a postulação em juízo de pedido pretendendo a

interrupção de gravidez, no caso de se constatar a má-formação do feto,

diagnosticada a ausência de calota craniana ou acraniana fetal, com

previsão de óbito intra-craniano ou no período neonetal. Apesar de não se

achar prevista dentre as causas autorizadas do aborto, dispostas no art.

128 do CP, a má-formação congênita exige a situação anômala específica à

adequação da lei ao avanço tecnológico da medicina que antecipa a

situação do feto” (TAMG-AC-Rel Duarte de Paula- RT 762/147)

“Diante da solicitação de autorização para realização de aborto, instruída

com laudos médicos e psicológicos favoráveis, deliberada com plena

conscientização da gestante e de seu companheiro, e evidenciado o risco à

saúde desta, mormente psicológica, resultante do drama emocional a que

estará submetida caso leve a termo a gestação, pois comprovado

cientificamente que o feto é portador de anencefalia (ausência de cérebro)

e de outras anomalias incompatíveis com a sobrevivência extra-ulterina,

outra solução não resta senão autorizar a requerente a interromper a

gravidez”. (TJSC-AC-Rel. Jorge Mussi-RT 756/652).

“Aborto – Autorização Judicial – Gravidez – Interrupção – Anencefalia.

Tendo em vista o dever do Estado de assegurar o bem comum, promovendo

a saúde e atendendo aos fins sociais da lei, admissível a interrupção da

gravidez comprovando-se que o feto é portador de malformação congênita,

caracterizada por anencefalia – ou ausência de cérebro -, afecção

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irreversível que impossibilita totalmente a sobrevivência extra-uterina,

hipótese em que, ao direito da gestante, não cabe opor interpretação

restritiva da legislação penal” TAMG – AC 219.008-9 – 1a Câmara – Rel.

Juiz Alvim Soares – DJMG 22.08.96 - RJ 228/138.

O Pretório Excelso já se manifestou pelo Eminente Ministro

Joaquim Barbosa, no voto do HC nº 84025:

“Portanto, é importante frisar, não se discute no presente

requerimento a ampla possibilidade de se interromper a gravidez. A

questão aqui é bem diferente, pois se refere à interrupção de uma gravidez

que está fadada ao fracasso, pois seu resultado, ainda que venham a ser

envidados todos os esforços possíveis, será, invariavelmente, a morte do

feto. Segundo a literatura médica especializada, o bebê não viverá mais do

que alguns dias porque é portador de uma anomalia gravíssima: a

anencefalia, ou ausência de cérebro. Não é preciso ser um especialista no

assunto para entender que sem o órgão vital que comanda as funções

básicas do corpo humano e também os sentimentos e as emoções, é

absolutamente impossível a vida extra-uterina independente. Por outro

lado, os estudos multidisciplinares indicam que as reações emocionais dos

pais após o diagnóstico de malformação fetal abrangem, conjuntamente ou

não, os seguintes sentimentos: ambivalência, culpa, impotência, perda do

objeto amado, choque, raiva, tristeza e frustração. É facilmente perceptível

a enorme dificuldade de se enfrentar um diagnóstico de malformação fetal.

E é possível imaginar a quantidade de sentimentos dolorosos por que

passam aqueles que de súbito se vêem diante do dilema moral de

interromper uma gestação, unicamente porque nada se pode fazer para

salvar a vida do feto. Seria reprovável uma decisão pela interrupção da

gestação nesse caso? (...)

Em se tratando de feto com vida extra-uterina

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inviável, a questão que se coloca é: não há possibilidade alguma que esse

feto venha a sobreviver fora do útero materno, pois qualquer que seja o

momento do parto ou a qualquer momento em que se interrompa a

gestação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a morte do feto ou do

bebê. A antecipação desse evento morte em nome da saúde física e psíquica

da mulher contrapõe-se ao principio da dignidade da pessoa humana, em

sua perspectiva da liberdade, intimidade e autonomia privada? Nesse caso,

a eventual opção da gestante pela interrupção da gravidez poderia ser

considerada crime? Entendo que não Sr. Presidente. Isso porque, ao

proceder à ponderação entre os valores jurídicos tutelados pelo Direito, a

vida extra-uterina inviável e a liberdade e autonomia privada da mulher,

entendo que no caso em tela, deve prevalecer a dignidade da mulher, deve

prevalecer o direito de liberdade desta de escolher aquilo que melhor

representa seus interesses pessoais, suas convicções morais e religiosas,

seu sentimento pessoal”.(GRIFOS NOSSOS)

Entretanto, nesse caso a prestação jurisdicional foi de tal

maneira morosa que o parto foi realizado e a morte do feto ocorreu algumas

horas depois. Para que tal fato angustiante e triste não volte a se repetir é

imprescindível a celeridade do Poder Judiciário.

Concluindo esta seção, interessa registrar a ponderada e

lúcida síntese do eminente Desembargador do E. TJSP, Lustosa Goulart, em

decisão concessiva de liminar para interrupção da gravidez em caso análogo:

“Prosseguir a gravidez, com vida extra-uterina inviável, quando os

pais manifestam vontade incontroversa de interrompê-la, seria impor a eles

sofrimento atroz, além de submeter a mulher a riscos desnecessários no que

pertine à sua saúde física e mental.

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Apesar de o Código Penal não prever expressamente

a hipótese de aborto eugenésico, há que se considerar que, por datar de

1940 o dispositivo que trata do assunto, não poderia o legislador prever o

avanço da medicina que, por exames específicos, gera diagnósticos

confiáveis e que permitem ao Julgador formar o seu convencimento

apoiado em dados concretos e seguros” (TJSP – MS 311.212-3/1 – decisão

concessiva de liminar proferida em 12.04.00).

Ora, estando com a saúde e, por conseguinte, com a vida

ameaçada em razão da continuidade da presente gestação e, tendo como

fundamento constitucional o valor da dignidade da pessoa humana, nada

mais justo do que a concessão de alvará judicial para interrupção da

gravidez do feto anencéfalo.

4. DO PERICULUM IN MORA

No presente caso está cabalmente demonstrado, em grau de

cognição sumária, conforme documentos que acompanham a presente inicial, a

existência de provas a conferir veracidade às afirmações tecidas, especialmente

no que tange à URGÊNCIA do caso e a EXTREMA necessidade da autorização

pleiteada.

De fato, é comprovada a associação entre a anencefalia fetal, a

frequência de complicações na gravidez e aumento da morbimortalidade da mãe.

Isso sem falar no sofrimento psíquico, que pode levar a um quadro de estresse

pós-traumático – um transtorno mental cujos sintomas podem persistir por toda

a vida da mulher.

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A literatura científica demonstra que estas gestantes têm maior

propensão a desenvolver hipertensão arterial ou polidrâmnio. No documento da

FEBRASGO, as entidades afirmam considerar antiético negar ao casal

progenitor a possibilidade de evitar essa situação. Salientam ainda

recomendação da FIGO aos países nos quais a prática é legalmente aceitável de

que seja oferecida a antecipação terapêutica do parto sempre que uma

malformação congênita incompatível com a vida for identificada durante a

avaliação pré-natal3.

Em parecer sobre o assunto a FEBRASGO – Federação

Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia atesta4: “As

complicações maternas são claras e evidentes. Deste modo a prática

obstetrícia nos tem mostrado que: A) A manutenção da gestação de feto

anencefalo tende a se prolongar além de 40 semanas. B) Sua associação com

polihidrâminio (aumento do volume no liquido amniótico) é muito freqüente. C)

Associação com doença hipertensiva especifica da gestante (DHGE). D)

Associação com vasculopatia periférica de estase. E) Alterações do

comportamento e psicológicos de grande monta para a gestante. F) Dificuldades

obstétricas e complicações no desfecho do parto de anencefalos de termo. G)

Necessidade de apoio psicoterápico no pós-parto e no puerpério. H) Necessidade

de registro de nascimento e de sepultamento desses recém nascidos, tendo o

cônjuge que se dirigir a uma delegacia de policia para registrar o óbito. I)

Necessidade de bloqueio da lactação. J) Puerpério com maior incidência de

hemorragias maternas por falta de contratilidade uterina. K) Maior incidência de

infecções pós-cirurgicas devido ás manobras obstetrícias do parto de termo”.

3 A íntegra do documento da SBPC está disponível em www.febrasgo.org.br. 4 www.febrasgo.org.br.

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Guaracy Lourenço da Costa noticia, inclusive, o risco à vida da

gestante com a continuação da gravidez, pois “o anencéfalo, permanecendo em

geração dentro do útero materno, embora de forma improfícua, irá crescer e

causar inúmeros transtornos ao físico e à vida materna, a saber: primeiro que a

exposição dos tecidos cerebrais sem a cobertura óssea protetora, leva o corpo

fetal a ter seguidas e comprovadas convulsões, percebidas pela mãe como uma

das sensações mais horríveis que se possa imaginar (...). Segundo que, pelos

mesmos motivos da exposição dos tecidos nervosos, ocorre a liberação de

enzimas tóxicas, passíveis de caírem, via aniótico-placentária, na circulação

materna, podendo comprometer suas próprias funções vitais. Terceiro que a

visualização feita pela mãe do monstro que ela vier a parir é das mais horríveis

e repugnantes que se possa imaginar, levando a descompensações emocionais e

mentais notáveis”5.

Assim, dúvidas não há de que o risco da não-interrupção

necessária colocará a requerente sob risco de morte, em virtude das

complicações da gestação.

A antecipação de tutela vem ao encontro da necessidade de

transpor dois obstáculos à adequada entrega da prestação jurisdicional, a saber, a

duração e o custo do processo, que, como é evidente, fazem-se sentir de forma

muito mais intensa no caso daqueles economicamente menos favorecidos.

Assim, num primeiro momento, teve o legislador, a intenção de

resguardar situações de urgência. Daí porque, por exemplo, o inciso I do artigo

5 “Abortamento provocado na gestação de feto anencéfalo”, Boletim IBCCRIM – n.º 24 – Dezembro/1994, p. 08, grifado.

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273 do CPC permite a antecipação de tutela quando houver risco de dano

irreparável ou de difícil reparação.

Conforme palavras de Antonio Santos Abrantes Geraldes: “Entre

uma decisão, porventura mais segura, mas tardia e outra, mais célere e eficaz,

apesar de fundada num critério de julgamento menos rigoroso e, por isso,

potenciador de maiores riscos de insegurança, o legislador não hesitou em dar

prevalência à celeridade, em situações em que os prejuízos emergentes da

demora do processo definitivo superem os que resultem da concessão da

medida cautelar”.6

Afirma Bedaque que: “Em substituição ao longo processo de

cognição plena, com todas as garantias a ele inerentes, surge a idéia de uma

tutela mais rápida, com cognição limitada, que possibilite à parte obter

antecipadamente o resultado da atuação jurisdicional. Afirma-se, mesmo, que o

futuro do processo civil será dominado pelos provimentos urgentes e

provisórios”.7

Soa inegável estar previsto na Constituição Federal, no artigo 5º,

inciso XXXV, tanto a proteção contra a lesão de direito, restaurando-o, como

em face da ameaça, o que, de fato, abrange as medidas antecipatórias de tutela e

as ações cautelares.

A antecipação da tutela prescinde da certeza e segurança

resultante de uma tutela lastreada em cognição plena e exauriente. Exatamente

6 Temas da reforma do processo civil. Coimbra: Almedina, 1998. V. III, p. 87 (procedimento cautelar comum). 7 José Roberto dos Santos Bedaque. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 4ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 119.

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por isso, a decisão antecipatória de tutela pode ser modificada ou revogada a

qualquer tempo (art. 273, §4º), não devendo, ademais, gerar uma situação

irreversível (art. 273, §2º), de modo que concedida a tutela mediante decisão

interlocutória, o processo deverá prosseguir até final julgamento (art. 273, § 5º).

Assim, a tutela antecipada pode ser deferida em face de prova

inequívoca do direito perseguido, sendo imprescindível, ainda, o convencimento

do juiz acerca da verossimilhança do pedido, o que, aliás, exige a máxima

probabilidade do direito da parte que pugna por esta espécie de provimento.

Sobre o tema vale aqui registrar o magistério de Ernane Fidélis dos Santos:

"As condições gerais da antecipação são a existência de prova

inequívoca e o convencimento do juiz da verossimilhança da

alegação, isto é, da procedência do que se pede. Prova inequívoca

não é prova preconstituída, mas a que permite, por si só ou em

conexão necessária com outras também já existentes, pelo menos em

juízo provisório, definir o fato, isto é, tê-lo por verdadeiro. Exemplos:

a qualidade de funcionário público do autor com a respectiva

declaração do direito pleiteado, a prova contratual do negócio e dos

efeitos reclamados, a transcrição provando a propriedade, o acidente

informado por exame pericial com o cálculo dos danos, a lesão por

auto de corpo de delito etc. A antecipação pode ser dada a qualquer

momento do processo, mas, se não houver prova inequívoca, isto é, a

que, desde já e por si só, permita a compreensão do fato, com juízo de

certeza, pelo menos provisória, não será possível, mormente quando

o entendimento do juiz dependa da colheita de outros elementos

probatórios, para, depois, em análise do conjunto, extrair a

conclusão. Por isso é que se afasta, na antecipação, para tal fim,

qualquer possibilidade de justificação prévia. No processo cautelar,

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para a concessão da cautela, exige-se apenas o fumus boni iuris, isto

é, a simples possibilidade de ser a pretensão satisfeita. Na

antecipação, há de haver verossimilhança, isto é, juízo de

convencimento da definição jurídica pleiteada, apenas que não

definitivo. Por isso não se diz apenas verdadeiro (vero), mas

verossímil.(...)" ( Manual de Direito Processual Civil. vol. 1. 9ª Ed.

Saraiva. p. 345/346).

No presente caso, mostra-se plenamente cabível tal medida,

salientando que se não decidida com a primazia do princípio da celeridade e

efetividade da prestação jurisdicional, é passível a ocorrência de danos

irreparáveis pela demora do julgado, podendo culminar seqüelas

irreversíveis no direito nuclear da gestante, ou seja, A SUA PRÓPRIA

VIDA.

A verossimilhança das alegações encontra-se nas peças

processuais cujas cópias seguem anexas à presente, e, ainda, em toda

fundamentação acima exposta.

Não é demais lembrar que caso não seja concedida a tutela

pleiteada eventual dano será de IMPOSSÍVEL reparação, haja vista a

gravidade da situação.

Urge salientar que tal medida demonstra ser de extrema

necessidade e urgência, haja vista que a manutenção da r. decisão do MM Juiz

“a quo” em negar a autorização da interrupção da gravidez coloca em risco a

saúde e até mesmo a vida da autora, além de gerar sofrimentos incalculáveis ao

casal.

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5. DA LIMINAR

Ante ao exposto, vê-se que o r. ato judicial vergastado é

contrário ao melhor direito encontrando dissonância com as normas

constitucionais, internacionais e infraconstitucionais do nosso ordenamento

jurídico, bem como em face da jurisprudência deste Sodalício e do Supremo

Tribunal Federal.

Portanto, no caso sub examine, mais do que a fumaça do bom

direito, temos a certeza do direito da requerente, pois não podemos olvidar que o

fumus boni iuris consiste, conforme abalizada doutrina, na comprovação da

existência da plausibilidade do direito afirmado.

A seu turno, o periculum in mora, entendido como um

provável perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, atual ou iminente,

encontra-se preenchido no presente caso, haja vista que a produção de efeitos

imediatos pela decisão (já que os recursos de apelação, embora possua

efeito suspensivo ativo), com a não interrupção da gestação (indispensável

para se assegurar a saúde da gestante), pode ensejar a violação definitiva à

sua integridade física, psíquica, moral e, quiçá, no perecimento prematuro

de sua própria vida pelo agravamento dos riscos.

Sendo assim, considerando as razões expostas, requer-se,

excepcionalmente, seja concedida a MEDIDA LIMINAR ora postulada para

nos termos acima pleiteados autorizar a adoção do procedimentos médicos

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necessários para interrupção da gravidez da requerente ficando sem efeito a

decisão de primeiro grau que a tanto havia indeferido, oficiando-se à origem

com urgência (processo n° 118/2011 da Primeira Vara Criminal da Comarca de

São Jose do Rio Preto), tudo nos termos da presente ação.

6. DOS PEDIDOS

Ex positis, presentes os requisitos legais, requer-se seja a

presente medida cautelar excepcionalmente8 conhecida e processada para:

a) a distribuição da presente ao Desembargador Relator

competente, que ficará prevento para apreciação da Apelação (artigo 678 do

Regimento Interno do Tribunal de Justiça).

b) conceder a MEDIDA LIMINAR conforme item 5 supra;

c) ao final, que seja julgado PROCEDENTE O PEDIDO,

concedendo-se definitivamente a medida cautelar satisfativa pleiteada até o

julgamento final da ação principal;

d) com fundamento no art. art. 128, I da LC nº 80/94, requer

seja este a DEFENSORIA PÚBLICA INTIMADA PESSOALMENTE de

todos os atos e decisões praticados no feito, mesmo que tal se dê mediante carta

instruída com cópia da decisão, com aviso de recebimento, a ser enviada em seu

nome na sede da Defensoria Pública Regional de São Jose do Rio Preto/SP, 8 O STJ tem aberto preciosas exceções, mormente nos casos em que presente forte risco de dano irreparável e a relevância do direito sustentado, ou ainda do caráter teratológico da decisão, para deferir liminar em medida cautelar, atribuindo efeito suspensivo a recurso especial ainda não interposto (MC n°. 6.427, 22.05.03, Min. Antônio Pádua Ribeiro; MC n°. 6.826, 18.12.03, Min. José Delgado; Ag. Reg. na MC n°. 6.417, ac. 26.06.03, RSTJ, 172/383, Min. Sávio de Figueiredo; MC nº. 13.103, 07.08.07, Min. Herman Benjamin; MC nº. 10.739, 17.11.05, Min. Ari Pargendler; Ag. Reg. na MC nº. 10.388, 06.10.05, Rel. Min. Luiz Fux).

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contando-se-lhe os PRAZOS EM DOBRO;

e) nos termos do artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição

Federal, da lei Complementar Federal 80/94 e Estadual 988/06, bem como do

artigo 13, § único, da Lei n°. 11.636/07 e Regimento Interno deste Tribunal, que

sejam reconhecidos e observados os benefícios da JUSTIÇA GRATUITA já

concedidos em primeira instância aos requerentes, conforme documentos

anexos, ou, então, subsidiariamente, a sua concessão nesta instância para a

dispensa de eventuais custas e despesas processuais, por serem os requerentes

assistidos pela E. Defensoria Pública.

Requer provar o alegado por todos os meios de prova em

direito admitidos, ainda que não especificados em lei, desde que sejam

moralmente legítimos, inclusive com os documentos ora coligidos, notadamente

com cópias da inicial e de todos os documentos que instruíram, da decisão

proferida em primeira instância e do protocolo da interposição do recurso de

apelação.

Contudo, entendendo Vossa(s) Excelência(s) pela

imediata juntada de outras peças e documentos, requer-se desde já seja

oficiado, com urgência, ao Juízo de 1.ª Instancia, requisitando-as.

Dá-se à causa, para os efeitos legais, o valor de R$1.000,00

(mil reais).

São José do Rio Preto, 21 de janeiro de 2011.

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JÚLIO CÉSAR TANONE

5° Defensor Público

RAFAEL BESSA YAMAMURA

9° Defensor Público

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