de um diÁrio velho, preambular de outro · dia, aliás infinitamente repetida e variada, comédi a...

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DE UM DIÁRIO VELHO, Kspirlto dc (fileira... qne repre- senta êste espirito? I'm srntlmcn- to de alvoroço, de alerta, de defe- sa, a excitação dada por uma afron- ta, um linlhúrln de consciência? Kcprcfrenta... sube-so bem o quê! O qne certo, porém, é qne pela vida fora nos vnmoa regularmente apercebendo dos seus acessos, d.i HUIV erupç doa «eu» ataques, da -ii i Incitação liellroan, e qne oa vo- mos aempre aufnrundu. K geralmente em nome d.e idiuils liem falaciosos o 'do bem ínfima» comodidades. Km nome disso, maa em razão da nim- sa Innrganlzocão moral, da nossa i K ii .1 i-.i ii i í. l e insegurança «le poderes e de valorea. So eu i-< sabido dizer lalo de uma fornia niuls graciosa o menoa I-iii.i|i . i: O desabafo enliiliri. é in- suportável. Maa usamo-lo, até sem querermos. \ / / Havia lira tom discreto, que não KCl S. allldn li-"» . «V«'l.!::.nli- iu'11- donto e discreto para náo ser In- sultuoso, manifeatn om pahivras, ex- pressões do rosto «• dc gostos, atmonferus de casas, etc. que nu* Insinuava donde que mo tmtendo, n in condlclonol- 111*11 tf superiores e Inferdoros. A convenção quo subtil e correctamen- to, muito naturalmente «o exalava dessa atmosfera educativa, cheia dn cómoda impregnação social, insplrou- mo sempre o respeito pel»H «supo- riorcs , cutegorizou-me de «Inferior». Ksta categoria nRo era, porém, de todo molesta. O ulnferíor», necessá- rlo ao «superior», não era brutnl- mente deNestlinado por Ante. O pro- fessor, o burocrata, o homem-rlro, o l ih de sociedade, etc, eram in- dulcentes para o seu inferior. A su- perioridade estava muito dividida o morigerava-sc qnnnt.> a efeitos coerci- tivo*, con Ion i.i . .i si . a bem dizer, eom formalidades. Ao «Inferior», nas huas relações eom o «superior» bas- tava um ligeiro tom de reverencia e aparente medlií» na ambição. Noto, porém, com aflição, qae tu- do isto, tão amavelmente composto, mo vai decompondo... que O nosso eixo soeinl se movimenta e perde o seu antigo equilíbrio. Hoje, a mi nba Inferioridade tem de se reco- nhecer o confessar estrutural e nao condicional, acidental. Kstrutural! V.u devo admitir a extensa», intima invaginação, Ingcnltlsmo .i minha in- ferioridade; em suma, dc a conside- rar uma inferioridade insu,r >erável. Entrou nos usos soelafs a distinção do castan mentais. Formum-se utl- lltàrlumente as mentalidades; «In- ferior» não é acidentalmente In- ferior, nem o «superior» cultiva bo- naehelroiiumente " sua superioridade. Pobre de mim, e do nutro*! Kstn- mos reduzidos a inferioridade Irre- rorronte. Para nós mni> ncahuns ii^.iinis. nem sequer fa conflnnca de nos roçarmos pelos superiores. J a - mais a ilusão de que a clõnela 6 universal, de que a Instruçfto é igualitária e llbernllzávol, do qne ii .i<" lii hierarquias do espirito, ete. Diz-mc certo amigo ou Inimigo meu, desconhecido, sem nome, cn- col>erto, teimoso, Invenefvel, meu senhor o mentor: serás Irremedia- velmente pobre, está provado que nao tens alma para mais, & tua condição é n de fpobre! Mas a tua pobreza níio será amável nem tran- quila. <?i :«»•«. grata a Deus o nos poetas; ninguém te poderá dar no- mes romo o de piedosa e abnegada. Trabalharás, concedo-te quo traba- lhos, mas sem nobreza, confundlndn- te com todos os Impotentes o mal dotados; serás necessariamente do número dos bumlldes e dos fracos; haverá eternamente humildes e fra- cos. Serás do número destes e tam- bém do dos irrequietos, dos Incultos e irrequietos. A placidez e a cultu- ra te confundirão, le farão chorar as lágrimas da desordem punida. i .l.is estarão estampadas na faoe bela de orna medalha, « as tuas ridículas qualidade* de exlstAncla na outra. Mas tudo para bem, tudo para qne haja moral e sociedade, tudo para que a humana Inteligência não ador- meça o declino na indolência, na contemplação d* panoramas sem va- riedade. Al, aquele velho... E se eru venho algum dia a cair numa daquelas ratoeiras burocrátl- cas? O velho e o outro, o novo, procu- ravam livros a minha frente, ao melo da sola. E creio qne ficaram con- tentes com um, achado, f bom, é hom, dizia o velho, recebendo-o da mão do novo; o que agora não te- nho é tempo para o lêr. Procura- vam, «o que entendi, subsídios para uma nova reforma. Ao de uma Janela, recatada, mandada sentar para esperur, eu sentia um pacato diabolismo inte- rior, entre benévolo e satírico, dla- Iplioientc vendo-os traqueia tarefa e ridícula, conhecendo, desde que tempos! o livro achado... um livro pobre, «sem ideas, Inútil, de amado- rismo pedagógico. Mos o bibliófilo novo, com uma grande testa nua, ampliada pela calva frontal, sério, condescendente, continuava sempre a remexer em livros, a folhear elegantemente primeiras folhas, a abrir tomos e a fechtar tomos, colocando-os sobre uma mesa redonda, central... O tipo do «parvenu». Cientista ou literário? Certamente bom rapaz, bom .rapaz; bom rapaz com pouco talento, como M. dizia de outro, fisicamente pi recldo com esto. Mas o velho, não deve merecer história! A sua história será a das suas funções. Conheci-o três anos. Já em várias esferas so fala- va dele respeitosamente. Fui levada a dar-lhe um ror de explicações sA- hre trabalhos de crianças, que o não Interessavam. Maa em virtude de êle ser uma figura representa- tiva... Os sla sua corte, obviando à minha imprevidente leviandade, de momento jme educaram protocolar- mente. Tfldn aquela grave e breve comé- dia, aliás infinitamente repetida e variada, comédia das dignidades e das funções, creve ter ficado a vi- ver à sAlta nalgunms memórias, mas deve estar também a ser refresca- da e .ii i n 111/ id.i onde quer que * sua necestdade surja... Lamento não ter aparecido o romancista, nem sequer o historia- dor desta qualidade do factos. Náo se prestariam frutuosamente à cri- tica e ao romance? Dariam as obras monótonas, delicadas, banais * trá- gicas, som reptos, que os leitores ainda conhecem mal, vlvendo-as tan- to, realisticamente... Admiro que os profissionais das letras não tenham ainda dignamente nem suficiente- mente explorado tais temas. Será o quadro social que os atemoriza, a burocracia, que Ales consideram «tabu ?». / / Quanto ca estimava escrever com «brio», com animação, eom aspereza, com brutalidade, até! Tantas veres me surpreendo a que- rer saltar a teia de delicadeza* o de aproximações que o estilo da mliida análise teoe, o em que se enreda... A Idesejar fazer pinturas largas e rápidas, em vez de cuidadosas mi- niaturas... Desejo qne aiirnlflca, so- bretudo, saciedade dos pequenos âm- bitos, das vidas contrafeitas, mes- quinhas. Disse Isto, e logo parei, logo me detive a pensar: O que finalmente, os vidas mes- quinhas? Devo defini-las. Mas de- finir... Desgraçada necessidade esta, a da definição! Permanente suspen- são do espirito! No entanto, ae nSo defino, como convenço, como me convenço, até? A definição é uma base da dialéctica. Temos de partir sempre de uma definição, lmplírita on explicita no discurso, tenha este que formalismo tiver; partirmos de- la, apolarmo-nos nela. Mas rir tinha definido vidas mesquinhas: contrafeitos. 'Contra- feitas: Insuficientes; contrafeitas: páreas. Mns . ii ouso criticar cho- rar aa vidas mesquinhas? Náo as canto nem as louvo? As vidas ^padrões, tâo curiosamente docu- mentais dos mil buracos melo Igno- rados do mundo? NSo, nfio as canto, tenho-as vivido, ilrploro-as. conheço-»* demais. Sair desse mesquinho, anulá-lo, anular a mlnhn inutilidade, excedê- la. ultrapassar o meu invariável eo- tldiano, morto, magro, acanhado, é qne me interessava. Mas sozinha, por mim só, n.i.. posso, não acl. Nfio me Interessava a grandeza, n upa renda 'ou até o facto, repugnam- me aa exibições. Queria, apenas, s. nl ii m. vencendo uma pobreza de ambiente, uma secura, uma insuficiên- cia de espirito c de interesses, Ínti- mos uns, gerais outros, que me des- qualificam e me oprimem! In tenho a real sensação, a noção de que sou oprimida, de que sou sujeita a um melo muito pobre .- mal formado! Cm meio «assoupissont», que sempre prendeu, nunen dilatou o espirito. / / Esta língua nfio é minha... Ksta língua nfio deve ser J á a minha, .• nfio o é. Tem uma violência juvenil, quási forcada, que me não quadra. Isto devia eu tê-lo dllo multo tempo, quando dlsê-lo significasse lancar-me com coragem em aventu- ras, em conquistas do espirito. Hoje, ainda agora mesmo, vendo os meus afilhadinhos, achava que a vida tem três prasos, e que eu en- cetava o terceiro, ft muitíssima ri- dículo nés enganarmo-nos! Coisas, e a t é um sentido íntimo, nos Infor- mam de que tal é aNsIm e não de outro modo, que a vida e o seu vigor decrescem em nos, por exem- plo. Para quê, pois, usar o estilo, os .arrebatamentos e as fórmulas da desesperada, ma» da fé? Fazer criti- caa violentas, exceder, pela ambição, um «stato quo» natural? / / Fls esba manhã certos confrontou entre um conto que 11 e a pessoa do carroceiro com quem ontem con- vorsel. Chovia. Sal do eléctrico no« Cami- nhos do Ferro e metl-me debaixo do telheiro da estação, onde costu- mam estacionar as carroças, mas á ponta, polo modo que tenho dns patas dos cavalos e dos bois. Medo multo antigo, pouco bucólico, mas enfim, real. !>••• HW um carroceiro: chegiie-Ne mais para aqui, eu tomo conta no cavalo, não esteja a apanhar chuva nos pés. Reparei no cavalo, que estava açai- mado. Kra um belo cavalo preto, corpulento, eom o pêlo dc um lu- zidio lascivo « agradável. O carroceiro começou a falar do seu cavalo. Mordia, era um mau aniirsal. J á se tinham dado com êle muitos casos. Até com um senhorn. Atlroo-lho os dentes a um braço! Mas ela não o obrigou a pagar o casaco .roto, era boa. I)e uma vez um sujeito é que o ameaçou com n policia. Etc. A mata-ma ta do carroceiro era o defeito do animal e a policia. Dis- farçar êste defeito, fugir à policia. Pensamentos multo simples, uma conversa patente, sem subterfúgios. O carroceiro tinha uma hfloa estú- pida, ipequena e carnuda, aberta para cima, e os olhos redondos e piscos. No >rntanto, nâo me era re- pugnante nem nntlpátlco. Conslde- rcl-o um amigo do ocasião. Bom modo, uii.„ni.i, gAsto de falar... Iloje leio êste conto, agradável, literariamente interessante, subtil, e "por ter conversado com aquele carroceiro, francamente por Isto, reconheci, percebi melhor certo tom, certa vibração da artificialidade li- terária, ftsto conto é curioso, 6 gra- cioso, é Inteligente, mas está eivado dn psicologia do seu autor... earre- jrado dc finura critica, do excessi- va finura critica, embora material- mente velada, posta às costas de um banal britador de pedra. A mo- ral dtste canto i gratuita, c Igual- mente gratuitas as frouxas curiosi- dades do seu protagonista, i tam- bém é cheio de atitudes fotográficas. nêlc, no entanto, um fotográfico claro, refrescante e Incondicional- mente aceitável: o dos lugares. Aquele onde o britador mais se de- morou. Os montes de pedra, o Jar- dim da vivenda ao lodo. Coisas clr- -cunscrlfias pelos olhos de uma cu - IN-ça Inclinada. Interessantes, por Isso. Mas a mim própria me <prcgunto, tendo lido êste conto e conversado com o carroceiro (preguntas pura me esclarecer, à custa embora dos meus juízos) se o romance ou o rumunes- co literário se pode o se deve filiar puramente no acuso dos conhecimen- tos, das observações, o em certo po- der dlvlnatórlo do romanrlsta? ou seja, no fortultlsmo dos conheci- mentos e na Invenção psíquica, Hvre, do escritor? Se o romance, cimentado com estas bases, que me paréoem limitadas e esporádicas, multo variáveis, chegará a adquirir um carácter ou sequer uma aparên- cia de legitimidade e de formalida- de suficientes? Êste conto tem, certumente, rele- vo literário, observações c lógica, é acessível o aceitável, é até uma ,pcça do espirito... me faz penssr, no entanto, que corrompo u realidade ohjrctlta df que se serve, que não é cabiilmente Justo. Êste carácter de parcialidade espiritual, de Inva- são Individualista, 6 corrente hoje na literatura, e tem a sua filosofia. Percebo-o, percebe-o quem quer quo seja. r. a representação c a Imposi- ção do «Individuo», da sua verdade e dos seus Interesses, através de to- dos e de tudo, é uma defesa particular do homeim, uma oposição à gros- seira massa da «totalidade», opres- sora ou oprimida. Através d'o pró- prio romance, o seu autor Individua- liza-se, extiroma-so das suas cria- ções, fazciido-se distinguir entre elaa. Mas tal procenso, frequentemente brilhante, não deixa de se me afi- gurar falível, de* abusado, estreito, projrcta grandes sombras sobro o comum da humanidade, d-esflgura-a ou uté a empobrece, Insensivelmen- te. Knsombra-a. A psicologia Indlvldisal, ao servi- ço do romance, não deveria voltar a ceder um pouco mais de terreno à realidade fislea, aos caracteres ge- rais, às descrições desinteressadas? Não quero rom Isto dizer que n no- vo romance devesse pender para o paisagismo c n exterioridade, sim- plória, vosla e dcscompllcada, como nos parece geralmente ser... Mas que voltasse a abrlr-se um (pouco ni ii- ao geral, finlco ou pNiqiilco. / / Tenho meio lido um livro de I*a- «-renco. Cm livro Irritante o multo menos seguro que a sua «Lady Cliat- terlay». Cheio dc realidades físicas, como acabo de exigir... A burguesia a aristocracia Inglesas, uma vila mineira, Londres dos artistas, so- ciedades de ricos e de Intelectuais, o campo, festejos populares, vida e morte, sensusllsmo físico - mental, ete. Neste livro Lawrenee movimen- ta grande» corpos materiais c uma extrema varledndc de Interesses. Mas... movimenta-os artificialmente, f abusivamente d.aléctlco, e pes- soal cm excesso. Os seus ambicio- sos e os seus amorosos, os seus de- cadentes o os seus críticos, são as snas simples «marlonottes», A sua al- ma, as -ii i- exigências, as suas Im- potência*, as suas Invenções, Impõem- •e-nos, a despeito do tudo, com uniu convicção fronxa o formal. Que exigir, na verdade, do roman- ce? Generalidade? Talvez. Mns além disso? O ronsanelsta cria o romance; não podo, certamente, nem seria útil, deixar de o repassar da sua cultu- ra o das suas paixões, dos seus gos- tos e du sua filosofia, de se decan- tlar moralmente nele. Mas quando êlo etxcede tudo Isto e lhe dl uma vibração largamente mundanal... PREAMBULAR DE OUTRO por JOÃO FALCO quando o torna permeável a u m sen oontrárlo ou a uni seu excedente, ••• Hl.111•. lo nosso, sentimo-nos nêlc, sentimos A terra firmo... / / < I ii hommo sl slmple», dc Henri i: uih.li. 'que 11 há três anoi, ó um livro superior. Nele encontrei a dór do escritor, a sua observação de sl, desencantada, pessimista, amarga, cáustica, e a dõr do mundo. Cada figura é um símbolo, uma Idade, um temperamento. O mofo é o quo é, sem desfiguração, tão limitado e objectivo, tão apreciado a subjecti- vo, quanto a adaptação do Indivi- duo a éle o jpodo dar. A névoa de loucura, do ssdlsmo geral, do miséria aceite, que corre êste livro, do ponta a ponta, torna-o amável...Oh! tão intimo! Ridiculariza até o lei- tor, nem sei bem como. O autor so- fre IH i.- ao seu modo, o nós vêmo- lo sofrer, sofrer rindo-se de nós. A sua admirável frase sdjbre o grande artista: via todo «rm rooge et en or!...» / / Ora cu tli--. . gratuitamente, como um crítico de encomenda, precipita- do, qne o «Individualismo» literário é uma posição crítica, uma posi- ção adversa e oposta a uma corrente moral, social, cerrada; uma, como outra... Fico sempre repesa de tudo Í u.IH to afirmo; nada mo parece mais gelru e Incerto que uma afirma- ção. Receio todas as afirmações c todas as •entenças. A sentença é ,i norma, a ordem nos soltjados que não nrbltrum a sua pessoal condu- ta, nem a criticam; a afirmação é fre- quentemente um toque ou uma mar- ca o> suficiência. O «Individualismo» literário! Fa- lem deles os estudiosos da litera- tura; nanja eu, sua amadorn, nnn- Ja eu, pequeno oficial do ofício. A lavadelrla não sabe fnlur das qua- lldudes dos sabões, nem o padeiro do valor das farinhas. Realmente, roda qual quo se contente com os hábitos que tem. / / Pnsso de longe em longe por estes homens afrontados de papeis, o o itiii* me Insnlram é dó. Dó? Nfto é um dó simpático, terno. £ uma es- inéclo de compaixão sem efeitos, desprimorosa até o Impessoal, vas- ta, desinteressada. A cara que ontem aquele levantou para mim! Conheci-o naquele mo- mento, não é antipático. Mas fez-me esperar pelo menos um» hora num corredor, não o procurando eu por Interesses particulares. A esperar la pensando: estos contínuos, estes guardiões desocupados, eoaaheço-os In tnntos anos! Vêem tnnta gente, indiferentes! um e«r>írlto nestes Ingares; quem o soubesse surpreen- der o analisar ta fundo... A alma familiar de tudo Isto é, afinal, a dos contínuos? Devo ser a menos deformada, a que povoa característi- ca e uniformemente a cnsa. Tudo o resto é mudável, transitório, e falsamente Impassível. Oh contínuos são de uma Impassibilidade natural, feita pelo espaço, que os obriga n voltas multo curtas, entremeadas de grandes estações sentadas; feita pela soa discreta ociosidade, etc. Maa a cara qne aquele senhor di- rector ontem me mostrou! Uma ca- ra que se levantava dos papeis, balofa, pisada. Vmm cara larga, sem lunetas nem ócnlos. mnls acolhedo- ra quo reservada. Mas tão cansada! O seu mole estender de mão, nue es- tranhei (porque havia aquele homem de me estender a mão?) como se estranham, de-repento, os automa- tismos Inesperados, devassados; as •nas palavras medidas a desinteressa- da*!... Saí e fui pensando: a vida, a des- consolada vida dos manejadorcs de «ordens escritas!» Qne Inglório maqulnlamo o homem fabrlcon para a sua socialização: a ordem escrita... Quantos escravos não gera! Quan- tos entes dcspersonalixa tpor ela em oada hora, exgotado*, arrasados, mecanizados... / / Hlnto-rae aúbltamente ferida, agas- tada, desconsiderada. Não! aúbita- mente não... Dou corpo, coragem a velhas sensações de revolta. Tenho pensamentos crus, malévolos. ,Mas pouco a pouco reconheço que nin- guém mo molestou. Kstou entro os desinteressantes, os Insignificantes, os baixos. K nao mo fizeram notar, notel-o eu, fortuitamente, Hofro do que muitos outros so- frem, do desqualificação. Mas pouco a pouco, diA a dia, vou retomando o mnu natural. Desamarro o burro, torno a falar e a ouvir; animo tam- bém a minha Inosgotávrl o indeter- minada curiosidade, a Iralnha dls- trucliva o desinteressada curiosida- de. Keeconheço, a trespelto de vege- tar numa espécie de buraco sem vi- da, sozinha, que as criaturas sa es- condem, se encobrem, se defendem todas umuH das outras. Porquê? A minha pregunta é estúpida. Ou então deveria incluir resposta, ser imediatamente seguida da resposta, por hipótese. Mas não inclui. Percebo, e nisto me fico, que as criaturas cultivam os seus mistérios, so furtam umas às outras, correndo as suas rotas obscuras. Que so su- bordinam a Interesses que não con- fessam, que veladamente mantêm e dvfendom. Haa tanto gostava de conhecer, dc bem conhecer Isso que as conforma, a catas, t o não sei quê que lhes sub- tiliza ou altera a estrutura! i-: g e n t e que vejo viver, e que por Isso mesmo me Interessa, a quem não posso querer mal. / / LI ontem à noite um estudo so- bre Nietzsche e umas notas sobre a reforma da educação na Alemanha. Duas coisas de Interesse. Pego hoje nesta revista francesa de higiene (mental e leio um bonito estudo sobre as glândulas endócri- nas. Quo prazer o de se seguir a bela, correcta, parcimoniosa e ame- na exposição! Quási Insensivelmen- te ín.ti. quo uma útil seqâêncla de pequenos Juízos conduzlndo-nos o espirito, uma perfeita colocação do palavras, etc. Km todo o estudo, economia mentul e clareza o segu- rança de verbo. Valores gratíssimos num trabalho cientifico, mais ainda, e mais indispensáveis que nnm li- terário, de expressão e sensibilida- de. O novo tipo do educação alemã, definido naquelas notas, é qste me parece desdenhar francamente da cultura do espírito, atacá-la até, retlrando-lhe os direitos do útil o de Indispensável. A base da educação deverá ser ffsira e não mental, não cultural, é o que Isto diz. No entanto, seguindo, lendo por gosto êste belo trabalho de divulga- ção cientifica de um francês a aque- le outro estudo sobre Nletzche de orna francesa, não posso duvidar nem descrer dos valores do csrpírl- to... De que grosseria e de que abdi- cação do entendimento mo devia eu armar para os renegar, para os di- minuir? A soma do Ideai, a dose de análise, de crítica • mesmo de boa exposição destes estudos mostram- me que u exercfelo do espírito náo é Inútil, nem estéril, i Julgo, tam- bém, qne um país, uma geração ou uma sociedade que o rebaixem, se brutalizam « enfraquecem. / / fcste verfio del-me a um tra- balho um pouco pueril. Juntei, em ar de .raronto», ama» incertos lem- i.i .ín. .... da minha mi ..... . Incertas, é como dizer, soltas. Tentava-me a literatura biográfico. Maa logo pua de parte o Intento, nfio me sentia madura para êle. Bem o percebi, suspendendo-o sem Interesse de o retomar, o melhor o [percebo hoje lendo êste admirável, suave, dl&fano i" rui... Tonio Kroger, de T. Mann. A história da minha Infanda e da minha adolescência, que me an- dou ii 11" tempos viva no espirito, nfio sei porque disparatado ambição de a descrever e de me chorar, nuturul- mente, desde os meus mais recua- dos sobressaltos de coração, essa história, desse-lhe eu a feiçio a a aparência descritiva que lho desse, para nfio ficar reduzida a nm drama estreito o piegas, pedia-me uma observaçfio rememorativa, ujn espec- tatorísmo, um delicado sentido de presença e de dlatanda, de paixão e de crítica, temperando-se, uma serenidade e uma audácia anulitlea tais... isto para nfio me pintar irrea- lístlcomcnte, nem aos outros... que eu liem sei ultrapassarem de muito o* meus ,: Não me tentam os roman- rlnhos brancos. , as baladas da bela adormecida, desconeertam-me também, excedem-me mesmo as novelos de factos. Nfio me Interes- sam oa quadros pitorescos, violen- tos, nem os de confusas inclas-tln- tas; desinteressa-me francamente a HI1.II4ÍII I..!.. gratuita, a lendo, « o banal, esgotado retrncesslvisiuo romântico «los belas deformações vo- luntários. Projectada no men passado Infan- til, on retirado dele para o Justifi- car e evocar, nfio me apetecia figu- rar de anjo voador sem pés sem peso, humanidade nem ma- terialidade, fantáatlco germe de um futuro aer Incompleto o sem pe- cado, como geralmente sn nos apre- sentam os Infantes dus auto-blogm- flas. Mas como pintar-me, e nuquele di- luído tempo do minha enervada e ve- xada adolescência, o meu lapso de vida mala Inseguro e mais dramático, como pintar-mc nem exagerada- mente defeltuoaa nem perfeita, com a ipeasoal substância humano que mo coube em sorte e que a criação ora carregou, ora atenuou? K como dor um tom justo, nunca de- masiado subjectivo nem descolorido, as épocas, as pessoa», aos lugures? Pessoas tio curiosos! Mas sem estos pinturas bem fritas, adeus biogra- fia, evocação, realidade! Lu não queria dar-me no recreio da biografia Jantasistu, pueril, de frouxo e Insuficiente contorno. Mas o não querer não basta; não che- ga a ser activo querer, uiunlfesto o .i' .In... 'Não é a qualidade de po- der.., K coitado do urtistu que presume de mais de sl, que não tem o con- tinência e o sentido dos seus pró- prios limites! Sn eu me pu/.esse ás voltas com a história da minha infanda ado- lescência, que gostava eu de ser, ou como sini.tr ín.• em relação a ela? Como o campino no encalço do seu boi manhoso, um campino destemi- do que cortasse as voltus do fugiti- vo, que o defrontasse, que o vences- se, sem que por momentos lhe vies- se a Idrn de que corria atrás de um borrego ou de um vitelo. Mas todo a compreensão dos mi- nhas conveniências me nfio anima, não contem em sl a niinlma eficácia! Dá-me talvez uma atitudfx .«mi.-- dliUt. I,ltcràriumcnto é pouco... / / Passar horas ao frio e ao sol, por amabilidade, ouvindo os cnsos du vida alheia, contados dramaticamen- te, convictamente, faz-nos pensar que a vida é toda do remendos, do actos sobrepORtoh una aos outros, ligados, cozidos com absoluta falta de arte! Eu não tinha esperado ou- tra coisa do meu dia? Tinha. Nada do maravilhoso, mas regular, enfim! l*oÍs aquele remendo ulterou-o. Trouxe-me ao menos umas gotas mais de experiência humana? pos- sível quo sim. Mas para quê? riLutir-am s ii i " 'i ii "<•» 'i i: i ii. li i. n i, •„ u 1. i \MM \1%>M R U M O por MANUEL FILIPE Os países sào segundos, os segundos do espaço onde eu nasci. Com os dedos cobertos de estrelas que iluminarão o meu caminho, vou. Nada acabará para mim. Amanhã é uma cidade mais bela, mais vermelha que as outras, onde a partida é uma chegada e o repouso um túmulo. A linha do horizonte brilha como uma barra de aço, como um fio que é preciso cortar para não repousar jamais.

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DE UM DIÁRIO VELHO, Kspirlto d c (fileira.. . qne r e p r e ­

senta ês te e s p i r i t o ? I ' m s r n t l m c n -to de a lvoroço , de a l e r t a , d e defe­s a , a e x c i t a ç ã o dada por u m a afron­t a , um linlhúrln de consc i ênc ia? Kcprcfrenta. . . sube-so lú bem o quê ! O qne 'é c e r t o , porém, é qne pela vida fora nos vnmoa r e g u l a r m e n t e apercebendo dos seus acessos , d.i

HUIV erupç doa «eu» a t a q u e s , d a

- i i i Incitação liellroan, e qne oa vo-mos aempre aufnrundu. K gera lmente em nome d.e idiuils liem falaciosos o 'do bem ínfima» comodidades . Km n o m e disso, maa em razão da n i m -s a Innrganlzocão m o r a l , d a nossa i K i i . 1 i - . i i i i í.l e insegurança «le poderes e de valorea.

So eu i-< sabido dizer lalo de u m a fornia niuls grac iosa o menoa I - i i i . i | i . i : O desabafo enliiliri. é in­suportáve l . Maa usamo- lo , a t é sem q u e r e r m o s . \

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Havia lira tom d i scre to , que não KCl S . allldn li-"» . « V « ' l . ! : : . n l i - iu'11-donto e d i scre to p a r a náo s e r In­sultuoso, manifeatn om pahivras , e x ­pressões do r o s t o «• d c gostos , atmonferus d e c a s a s , e t c . que nu* Insinuava donde que m o tmtendo, n i n condlclonol-111*11 t f super iore s e Inferdoros. A convenção quo subti l e c o r r e c t a m e n -to , muito n a t u r a l m e n t e «o e x a l a v a dessa a tmos fera educa t iva , cheia dn cómoda i m p r e g n a ç ã o social , insplrou-m o s e m p r e o respe i to pel»H «supo-riorcs , cutegor izou-me de «Inferior». Ksta c a t e g o r i a nRo e r a , porém, de todo moles ta . O ulnferíor», necessá-rlo ao «super ior» , não e r a brutnl-mente deNestlinado por Ante. O p r o ­fessor , o b u r o c r a t a , o h o m e m - r l r o ,

o l i h de sociedade, e t c , e r a m in-d u l c e n t e s p a r a o seu inferior. A su­per ior idade e s t a v a mui to dividida o m o r i g e r a v a - s c qnnnt.> a efeitos coerc i ­t ivo*, con Ion i.i . .i s i . a bem dizer, eom formal idades . Ao «Inferior», n a s huas re lações eom o «super ior» b a s ­t a v a um l igeiro tom de reverenc ia e a p a r e n t e medlií» na a m b i ç ã o .

Noto, porém, com afl ição, q a e tu­do i s to , tão amave lmente compos to , mo vai decompondo . . . que O nosso e i x o soeinl se movimenta e perde o seu a n t i g o equil íbrio. Hoje , a mi nba Infer ior idade tem de se r e c o ­nhecer o confessar e s t r u t u r a l e nao condic ional , ac identa l . K s t r u t u r a l ! V.u devo a d m i t i r a e x t e n s a » , intima invag inação , Ingcnl t l smo .i minha in ­f er ior idade ; em s u m a , d c a conside­r a r u m a infer ior idade insu,r>erável. Entrou nos usos soelafs a d is t inção do castan menta i s . F o r m u m - s e utl-l l tàr lumente a s menta l idades ; • «In­fer ior» j á não é ac identa lmente In­fer ior , nem o «superior» cult iva bo-naehelroi iumente " sua super ior idade . P o b r e de mim, e do nutro*! Kstn-mos reduzidos a infer ior idade I r r e -r o r r o n t e . P a r a nós mni> n c a h u n s • i i ^ . i i n i s . nem sequer fa conflnnca de nos r o ç a r m o s pelos super iores . J a ­mais a ilusão d e que a clõnela 6 universa l , de que a Instruçfto é igua l i tár ia e l lbernllzávol, do qne i i . i < " l i i h i erarquias do e sp ir i to , e te .

Diz -mc c e r t o amigo ou Inimigo meu , desconhecido, sem nome, c n -col>erto, te imoso , Invenefvel, meu senhor o m e n t o r : s erás Irremedia­velmente pobre , es tá provado que nao tens a lma p a r a m a i s , & tua condição é n de fpobre! Mas a t u a pobreza níio s e r á amáve l nem t r a n ­qui la . <?i :«»•«. g r a t a a Deus o nos p o e t a s ; ninguém te poderá d a r no­mes r o m o o d e piedosa e a b n e g a d a . T r a b a l h a r á s , concedo-te quo t r a b a ­lhos, mas sem nobreza , confundlndn-te com todos os Impotentes o mal d o t a d o s ; s erás neces sar iamente do n ú m e r o dos bumlldes e dos f r a c o s ; haverá e t e r n a m e n t e humildes e f r a ­cos . Serás do n ú m e r o destes e t a m ­bém do dos i rrequie tos , dos Incultos e i rrequie tos . A placidez e a cu l tu­r a t e confundirão , le f arão c h o r a r as l ágr imas d a desordem punida.

i .l.is e s t a r ã o e s t a m p a d a s n a faoe b e l a de orna meda lha , « as t u a s r id ículas qual idade* d e exls tAncla n a o u t r a . Mas tudo p a r a bem, tudo p a r a qne haja mora l e sociedade, tudo p a r a que a h u m a n a Inte l igência não a d o r ­m e ç a o decl ino n a indolência , na c o n t e m p l a ç ã o d* p a n o r a m a s s e m va­r iedade .

Al, aquele velho. . . E s e eru venho a lgum dia a c a i r

numa daquelas r a t o e i r a s b u r o c r á t l -c a s ?

O velho e o o u t r o , o novo , p rocu ­r a v a m livros a minha f r e n t e , ao melo da so la . E cre io qne f i caram con­tentes com um, achado, f bom, é hom, dizia o velho, recebendo-o d a m ã o do n o v o ; o que a g o r a não t e ­n h o é t empo p a r a o l êr . P r o c u r a ­v a m , « o que entendi , subsídios p a r a u m a nova r e f o r m a .

A o pé de u m a J a n e l a , r e c a t a d a , mandada s e n t a r p a r a esperur , eu sent ia um paca to diabol ismo in te ­r i o r , e n t r e benévolo e sa t í r i co , dla-Ipl io ientc vendo-os traqueia t a r e f a vã e r id ícu la , conhecendo, desde que t e m p o s ! o l ivro achado . . . u m livro pobre , «sem ideas , Inúti l , de a m a d o ­r i smo pedagógico .

Mos o bibliófilo novo, com uma g r a n d e t e s t a n u a , ampl iada pela calva fronta l , sér io , condescendente , cont inuava sempre a r e m e x e r em l ivros , a fo lhear e l egantemente pr ime iras folhas, a a b r i r tomos e a fechtar t o m o s , colocando-os sobre u m a m e s a redonda, c e n t r a l . . . O tipo do «parvenu» . Cient i s ta ou l i t e r á r i o ? C e r t a m e n t e bom r a p a z , bom .rapaz; bom rapaz com pouco ta lento , como M. dizia de o u t r o , f i s icamente pi rec ldo com es to .

Mas o velho, não deve m e r e c e r h i s t ó r i a ! A sua his tór ia s erá a d a s suas funções . Conheci-o há t r ê s a n o s . J á em v á r i a s es feras so fala­va dele re spe i to samente . F u i l evada a d a r - l h e um ror de expl icações sA-hre t r a b a l h o s d e c r i a n ç a s , que o não I n t e r e s s a v a m . Maa em v ir tude de êle ser u m a f igura r e p r e s e n t a ­t iva . . . Os sla sua c o r t e , obviando à minha imprevidente lev iandade, de momento jme e d u c a r a m p r o t o c o l a r -mente .

Tfldn aquela g r a v e e breve comé­dia, a l iás inf in i tamente repet ida e v a r i a d a , comédia d a s d ignidades e das funções , creve t e r f icado a vi­ver à sAlta na lgunms memór ias , m a s deve e s t a r também a s e r re f re sca ­d a e .ii i n 111/ id.i onde quer que * sua neces tdade s u r j a . . .

L a m e n t o n ã o t e r aparec ido j á o r o m a n c i s t a , n e m sequer o h is tor ia­dor d e s t a qual idade do factos . Náo s e pres tar iam frutuosamente à c r i ­t i ca e a o r o m a n c e ? D a r i a m a s o b r a s monótonas , de l i cadas , banais * t r á ­g icas , som reptos , que os le i tores a inda conhecem mal , vlvendo-as t a n ­to , r ea l i s t i camente . . . A d m i r o que os profissionais das l e tras não tenham a inda d i g n a m e n t e n e m sufic iente­mente exp lorado tais t e m a s . Será o q u a d r o social que os a t emor iza , a b u r o c r a c i a , que Ales cons ideram «tabu ? » .

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Quanto c a e s t i m a v a e s c r e v e r com «brio», com an imação , eom aspereza , com bruta l idade , a t é !

T a n t a s veres m e surpreendo a que­r e r s a l t a r a te ia de delicadeza* o de a p r o x i m a ç õ e s que o est i lo da mliida anál ise teoe, o em que se enreda . . . A Idesejar fazer p i n t u r a s l a r g a s e r á p i d a s , em vez de cuidadosas m i ­n i a t u r a s . . . Desejo qne aiirnlflca, so ­bre tudo , sac iedade d o s pequenos â m ­bi tos , das vidas contra fe i tas , m e s ­quinhas.

Disse Is to , e l o g o p a r e i , logo m e det ive a p e n s a r : O que f inalmente, os vidas m e s ­qu inhas? Devo defini- las. Mas de­finir. . . D e s g r a ç a d a necess idade es ta , a da def inição! P e r m a n e n t e suspen­são do e s p i r i t o ! No e n t a n t o , a e nSo defino, como convenço, c o m o me convenço , a t é ? A definição é u m a b a s e d a d ia léct ica . Temos d e p a r t i r s e m p r e de u m a definição, lmplír i ta on expl ic i ta no d i s c u r s o , t en h a es te

que formal i smo t i v e r ; p a r t i r m o s de­la, a p o l a r m o - n o s nela .

Mas r i r J á t inha definido vidas mesqu inhas : contrafe i tos . 'Contra­fe i tas : Insuf ic ientes; c o n t r a f e i t a s : páreas .

Mns . i i ouso c r i t i c a r cho­r a r aa vidas m e s q u i n h a s ? Náo a s canto nem a s louvo? As vidas ^padrões, t â o cur iosamente docu­mentais dos mil buracos melo Igno­r a d o s do m u n d o ?

NSo, nfio as c a n t o , t enho-as vivido, i l rp loro-as . conheço-»* demais .

Sa ir desse mesquinho, anulá- lo , a n u l a r a mlnhn inuti l idade, excedê-la . u l t r a p a s s a r o meu invariável eo-t ldiano, m o r t o , m a g r o , acanhado , é qne me in teres sava . Mas soz inha, por mim só, n . i . . posso, não ac l . Nfio me Interessava a grandeza , n upa r e n d a 'ou a t é o facto , r epugnam-

me aa ex ib ições . Queria , apenas , s. nl i i m. vencendo u m a pobreza d e ambiente , u m a s e c u r a , uma insuficiên­cia de e sp ir i to c de interesses , Ínti­mos uns, gera i s o u t r o s , que m e des­quali f icam e me o p r i m e m ! I n tenho a rea l s ensação , a noção de que sou opr imida , d e que sou suje i ta a um melo muito pobre .- ma l f o r m a d o ! C m meio «assoupissont», que sempre prendeu , nunen dilatou o espir i to .

/ / E s t a l íngua nfio é minha . . . Ksta

l í n g u a nfio deve ser J á a minha, .• nfio o é. T e m u m a violência juvenil , quási forcada , que me não q u a d r a . I s t o devia eu tê- lo dl lo há multo t empo, quando dlsê-lo s ignif icasse l a n c a r - m e com c o r a g e m em aventu­r a s , em conquistas do esp ir i to .

H o j e , a in d a a g o r a m e s m o , vendo os meus afi lhadinhos, achava que a vida tem t r ê s prasos , e que eu en­c e t a v a o t erce iro , ft mui t í s s ima ri­dículo nés e n g a n a r m o - n o s ! Coisas, e a t é um sent ido ínt imo, nos Infor­m a m d e que ta l é aNsIm e não de outro modo , que a vida e o seu v igor decrescem em nos, por e x e m ­plo. P a r a quê, pois, u s a r o esti lo, os

. a r r e b a t a m e n t o s e as fórmulas d a fé d e s e s p e r a d a , m a » da fé? F a z e r c r i t i -caa violentas, e x c e d e r , pela a m b i ç ã o , um «s ta to quo» n a t u r a l ?

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F l s esba m a n h ã cer tos confrontou e n t r e um conto que 11 e a pessoa do c a r r o c e i r o com quem ontem con-vorsel .

Chovia. Sal do e léc tr ico no« Cami­nhos do F e r r o e met l -me debaixo do te lhe iro d a e s t a ç ã o , onde costu­m a m e s t a c i o n a r as c a r r o ç a s , mas c á á ponta , polo modo que tenho dns p a t a s dos cavalos e dos bois . Medo multo ant igo , pouco bucólico, mas enfim, r e a l .

!>••• HW um c a r r o c e i r o : chegiie-Ne mais p a r a aqui, eu tomo conta no cava lo , não e s t e j a a a p a n h a r chuva nos pés.

Repare i no cava lo , que es tava a ç a i ­mado . K r a um belo cavalo p r e t o , corpulento , eom o pêlo d c um lu­zidio lascivo « a g r a d á v e l .

O c a r r o c e i r o começou a fa lar do seu cavalo . Mord ia , e r a um mau aniirsal. J á se t inham dado com êle mui tos casos . Até com um senhorn. At lroo- lho os dentes a um b r a ç o ! Mas e la não o obrigou a p a g a r o casaco .roto, e r a boa. I )e u m a vez um suje i to é que o ameaçou com n policia. E t c .

A m a t a - m a t a d o c a r r o c e i r o e r a o defe i to do animal e a policia. Dis­f a r ç a r ês te defeito, fugir à policia.

Pensamentos multo s imples , u m a c o n v e r s a patente , sem subterfúgios . O c a r r o c e i r o t i n h a u m a hfloa es tú­pida, ipequena e c a r n u d a , a b e r t a p a r a c i m a , e os olhos redondos e piscos . No >rntanto, nâo me e r a r e ­pugnante nem nntlpát lco . Conslde-rc l -o um a m i g o do ocasião. Bom modo , uii.„ni.i, gAsto de fa lar . . .

I l o j e leio ê s t e conto , a g r a d á v e l , l i t e rar iamente in teressante , subti l , e "por t e r conversado com aquele c a r r o c e i r o , f r a n c a m e n t e por I s to , reconheci , percebi melhor cer to tom, c e r t a v i b r a ç ã o d a art i f ic ia l idade li­t e r á r i a , ftsto conto é cur ioso , 6 g r a ­c ioso, é Inte l igente , mas es tá eivado dn psicologia do seu a u t o r . . . e a r r e -jrado dc f inura c r i t i c a , do excess i ­

va f inura c r i t i c a , e m b o r a m a t e r i a l ­mente velada, pos ta às costas de um banal b r i t a d o r de pedra . A m o ­r a l d t s t e canto i g r a t u i t a , c Igual­m e n t e g r a t u i t a s a s f r o u x a s curios i ­dades do seu pro tagon i s ta , i t a m ­bém é cheio de a t i tudes fotográf icas . H á nê lc , no e n t a n t o , um fotográfico c l a r o , re frescante e Incondicional­mente ace i táve l : o dos lugares . Aquele onde o br i tador mais se de­m o r o u . Os montes de pedra , o J a r ­dim d a vivenda a o lodo. Coisas c l r -

-cunscrlfias pelos olhos de u m a cu -IN-ça Inclinada. I n t e r e s s a n t e s , por Isso.

Mas a mim p r ó p r i a me <prcgunto, t endo lido êste conto e conversado com o carroce iro ( p r e g u n t a s pura me e s c l a r e c e r , à cus ta e m b o r a dos meus juízos) se o r o m a n c e ou o rumunes-co l i t erár io se pode o se deve filiar p u r a m e n t e no acuso dos conhecimen­tos , d a s observações , o em cer to po­d e r dlvlnatórlo do r o m a n r l s t a ? ou se ja , no fortult lsmo dos conheci­mentos e na Invenção psíquica, Hvre, do e s c r i t o r ? Se o r o m a n c e ,

c imentado com es tas bases , que me paréoem l imitadas e esporádicas , multo variáveis , c h e g a r á a adquir ir um c a r á c t e r ou sequer u m a aparên­cia d e legit imidade e de formal ida­de suf ic ientes?

Êste conto t e m , cer tumente , re le­vo l i t erár io , observações c lógica, é acessível o ace i táve l , é a t é u m a ,pcça do espir i to . . . Só me faz penssr , no entanto , que corrompo u real idade o h j r c t l t a d f que se s erve , que não é cabiilmente J u s t o . Ê s t e c a r á c t e r de parc ia l idade espir i tual , de Inva­são Individualista, 6 c o r r e n t e hoje n a l i t e r a t u r a , e tem a s u a filosofia. P e r c e b o - o , percebe-o quem quer quo seja . r. a r e p r e s e n t a ç ã o c a Imposi­ção do «Individuo», da sua verdade e dos seus In teresses , a t r a v é s de to ­dos e de tudo, é uma defesa part icu lar do homeim, uma oposição à g r o s ­se ira m a s s a d a «total idade», opres ­s o r a ou opr imida . Através d'o pró­

prio r o m a n c e , o seu a u t o r Individua-liza-se, extiroma-so d a s suas c r i a ­ções , fazciido-se d is t inguir entre e laa. Mas tal procenso, frequentemente br i lhante , não d e i x a de se me afi­g u r a r falível, de* abusado , es tre i to , p r o j r c t a grandes sombras sobro o comum d a humanidade , d-esflgura-a ou uté a empobrece , Insensivelmen­te . K n s o m b r a - a .

A psicologia Indlvldisal, ao servi ­ço do r o m a n c e , não deveria vo l tar a c e d e r um pouco mais de t e r r e n o à real idade fislea, aos c a r a c t e r e s g e ­r a i s , às descrições des in teres sadas? Não quero rom Isto dizer que n no­vo romance devesse pender p a r a o pa i sag i smo c n ex ter ior idade , s im­plória, vosla e dcscompl lcada , como nos parece gera lmente ser . . . Mas que voltasse a abr lr - se um (pouco ni i i - a o g e r a l , finlco ou p N i q i i l c o .

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Tenho meio lido um livro de I*a-«-renco. C m livro I r r i t a n t e o multo menos seguro que a sua « L a d y Cliat-t e r l a y » . Cheio dc real idades físicas, c o m o acabo de e x i g i r . . . A burgues ia • a ar i s tocrac ia Inglesas , uma vila mine ira , L o n d r e s dos a r t i s t a s , so­ciedades de r icos e de Inte lectuais , o campo, festejos populares , vida e m o r t e , sensus l l smo físico - m e n t a l , e te . Neste livro L a w r e n e e movimen­ta grande» corpos mater ia i s c u m a e x t r e m a varledndc de Interesses . Mas . . . movimenta-os art i f ic ia lmente , f abus ivamente d .a léct lco , e pes­soal c m exces so . Os seus ambic io­sos e os seus amorosos , os seus de­cadentes o os seus cr í t i cos , são a s snas simples «marlonottes» , A sua al­m a , as -ii i- ex igênc ias , as suas Im­potência*, a s suas Invenções, Impõem-•e-nos , a despeito do tudo, com uniu convicção f r o n x a o formal .

Que e x i g i r , n a verdade , do r o m a n ­c e ? Genera l idade? Talvez . Mns além d i s s o ?

O ronsanelsta c r i a o r o m a n c e ; não podo, c e r t a m e n t e , nem ser ia útil , d e i x a r de o r e p a s s a r d a sua cul tu­r a o d a s suas p a i x õ e s , dos seus gos ­tos e du sua filosofia, de se decan-tlar m o r a l m e n t e nele. Mas quando êlo etxcede tudo Isto e lhe d l u m a v ibração l a r g a m e n t e mundanal . . .

PREAMBULAR DE OUTRO p o r J O Ã O F A L C O

quando o t o r n a permeáve l a u m sen oontrár lo ou a uni seu e x c e d e n t e , ••• H l . 1 1 1 • . l o nosso, sent imo-nos nêlc , sent imos A t e r r a f irmo. . .

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< I ii hommo sl s lmple» , d c Henr i i: u i h . l i . 'que 11 há t r ê s a n o i , ó um livro super ior . Nele encontre i a dór do e s c r i t o r , a sua observação de sl, d e s e n c a n t a d a , pess imis ta , a m a r g a , c á u s t i c a , e a dõr do mundo . Cada f igura é um s ímbolo , uma Idade, u m t e m p e r a m e n t o . O mofo é o quo é, sem d e s f i g u r a ç ã o , tão l imitado e object ivo , t ã o a p r e c i a d o a subjec t i ­vo, quanto a a d a p t a ç ã o do Indivi­duo a éle o jpodo d a r . A névoa d e l o u c u r a , do s sd l smo g e r a l , do misér ia ace i te , que c o r r e ês te l ivro , do ponta a ponta , t or na - o amáve l . . .Oh! tão in t imo! Rid icu lar iza a t é o lei­t o r , nem sei bem como. O a u t o r so­fre IH i.- a o seu modo, o nós vêmo-lo s o f r e r , so frer r indo-se de nós.

A sua a d m i r á v e l f r a s e sdjbre o g r a n d e a r t i s t a : via t odo «rm r o o g e et en o r ! . . . »

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Ora cu t l i - - . . g r a t u i t a m e n t e , como um cr í t i co de encomenda , prec ip i ta ­do, qne o «Individualismo» l i t e rár io é uma posição c r í t i c a , uma posi­ção a d v e r s a e oposta a uma c o r r e n t e m o r a l , social , c e r r a d a ; uma , c o m o o u t r a . . . F i c o s empre repesa de tudo

Íu.IH to a f i r m o ; nada m o parece mais gelru e Incerto que u m a a f i rma­

ção . Rece io todas as a f i rmações c todas a s • e n t e n ç a s . A s e n t e n ç a é ,i n o r m a , a o r d e m nos soltjados que não nrbl trum a sua pessoal condu­t a , nem a c r i t i c a m ; a a f i r m a ç ã o é fre­quentemente um toque ou u m a m a r ­c a o> suf ic iência .

O «Individualismo» l i t e r á r i o ! F a ­lem deles os estudiosos d a l i t era­t u r a ; n a n j a eu , sua a m a d o r n , nnn-J a eu , pequeno oficial do ofício. A lavadelrla não sabe fnlur d a s q u a -lldudes dos sabões , nem o padeiro do valor das far inhas . R e a l m e n t e , r o d a qual quo se contente com os hábitos que t e m .

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Pnsso lá d e longe em longe por es tes homens a frontados de papeis , o o itiii* me Insnlram é dó. D ó ? Nfto é um dó s impát ico , t e r n o . £ uma es-inéclo de c o m p a i x ã o sem efeitos, despr imorosa a t é o Impessoal , v a s ­t a , d e s i n t e r e s s a d a .

A c a r a que ontem aquele levantou p a r a m i m ! Conheci-o naquele mo­

mento , não é an t ipá t i co . M a s fez-me e s p e r a r pelo menos u m » hora num c o r r e d o r , não o p r o c u r a n d o eu por Interesses p a r t i c u l a r e s . A e s p e r a r la pensando: estos cont ínuos , es tes guardiões desocupados , eoaaheço-os In tnntos a n o s ! Vêem tnnta gente , indi ferentes ! H á um e«r>írlto nestes I n g a r e s ; quem o soubesse surpreen­d e r o a n a l i s a r ta fundo. . . A a lma fami l iar d e tudo Isto é, af inal , a dos c o n t í n u o s ? Devo ser a menos d e f o r m a d a , a que p o v o a c a r a c t e r í s t i ­c a e un i formemente a cnsa. Tudo o r e s t o é m u d á v e l , t r a n s i t ó r i o , e fa l samente Impassível . Oh cont ínuos são de u m a Impassibi l idade n a t u r a l , fe i ta pelo e spaço , que os obr iga n voltas mul to c u r t a s , e n t r e m e a d a s de g r a n d e s e s tações s e n t a d a s ; fe i ta pela s o a d i scre ta ociosidade, e t c .

Maa a c a r a qne aquele senhor di­r e c t o r ontem me m o s t r o u ! U m a c a ­r a que se levantava dos papeis , balofa, p isada. Vmm c a r a l a r g a , sem lunetas nem ócnlos . mnls acolhedo­r a quo r e s e r v a d a . M a s t ã o c a n s a d a !

O seu mole e s t e n d e r de m ã o , nue es ­t ranhe i (porque havia aquele homem de me es tender a m ã o ? ) como se e s t r a n h a m , de -repento , os a u t o m a ­t i smos Inesperados , devassados ; a s • n a s pa lavras medidas a des interessa­da*!...

Saí e fui pensando: a vida, a des­consolada vida dos m a n e j a d o r c s de «ordens e s c r i t a s ! »

Qne Inglório maquln lamo o homem fabrlcon p a r a a sua soc ia l i zação: a ordem e s c r i t a . . .

Quantos e s c r a v o s não g e r a ! Quan­tos entes dcspersona l ixa tpor e la em

oada hora , exgo tado* , a r r a s a d o s , mecanizados . . .

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Hlnto-rae aúbl tamente ferida, a g a s ­t a d a , descons iderada . N ã o ! aúb i ta -m e n t e não. . . Dou c o r p o , coragem a velhas sensações de revo l ta . T e n h o pensamentos c r u s , malévolos . ,Mas pouco a pouco reconheço que nin­guém mo molestou. Kstou entro os des in teres santes , os Ins igni f icantes , o s ba ixos . K nao mo fizeram n o t a r , notel-o eu, for tu i tamente ,

Hofro do que muitos outros so ­frem, do desqual i f icação. Mas pouco a

pouco, d iA a dia, vou re tomando o mnu n a t u r a l . D e s a m a r r o o b u r r o , torno a falar e a o u v i r ; animo t a m ­bém a m i n h a Inosgotávrl o inde ter ­m i n a d a cur ios idade , a Iralnha dls-trucl iva o des in teressada cur ios ida­de .

Keeconheço, a trespelto d e vege­t a r numa espécie de buraco sem vi­da , soz inha, que as c r i a t u r a s s a es ­condem, se encobrem, se defendem todas u m u H d a s o u t r a s . P o r q u ê ?

A minha p r e g u n t a é es túpida . Ou então dever ia incluir r e s p o s t a , s e r i m e d i a t a m e n t e s egu ida d a respos ta , por hipótese. Mas não inclui.

P e r c e b o , e nisto m e f ico , que as c r i a t u r a s cu l t ivam os seus mis tér ios , so fur tam umas às o u t r a s , correndo a s suas r o t a s o b s c u r a s . Que so su­bord inam a Interesses que não con­fessam, que ve ladamente m a n t ê m e dvfendom.

H a a t a n t o gos tava de conhecer , d c bem conhecer Isso que a s conforma, a c a t a s , t o não sei quê que lhes sub-tiliza ou a l t e r a a e s t r u t u r a !

i-: gente que vejo v iver , e que por Isso mesmo me Interessa , a quem não posso q u e r e r m a l .

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LI ontem à noite um es tudo so ­bre Nietzsche e umas notas sobre a r e f o r m a d a e d u c a ç ã o n a Alemanha . Duas coisas d e Interesse .

Pego hoje n e s t a rev i s ta f rancesa d e higiene (mental e leio um bonito es tudo sobre as g lândulas endócr i ­nas . Quo p r a z e r o d e se segu ir a bela , c o r r e c t a , parc imoniosa e a m e ­n a e x p o s i ç ã o ! Quási Insensivelmen­te ín . t i . quo h á uma útil s eqâênc la de pequenos Juízos conduzlndo-nos o esp ir i to , u m a perfe i ta co locação do p a l a v r a s , e t c . Km todo o es tudo, economia mentul e c lareza o segu­r a n ç a de verbo. Valores gra t í s s imos num t r a b a l h o cientif ico, mais a inda , e mais indispensáveis que nnm li­t e r á r i o , de e x p r e s s ã o e sensibil ida­de .

O novo tipo do e d u c a ç ã o a lemã, definido naquelas n o t a s , é qste me p a r e c e desdenhar f r a n c a m e n t e d a cu l tura do espír i to , a t a c á - l a a t é , re t l rando- lhe os d ire i tos do úti l o d e Indispensável . A base da e d u c a ç ã o deverá s e r ffsira e não menta l , não c u l t u r a l , é o que Isto diz.

No entanto , seguindo, lendo por gosto êste belo t r a b a l h o de d ivulga­ção c ienti f ica de um francês a a q u e ­le outro es tudo s o b r e Nletzche de orna francesa , não posso duv idar nem d e s c r e r dos valores do csrpírl-t o . . . De que g r o s s e r i a e d e que abdi­c a ç ã o do entendimento mo devia eu a r m a r p a r a os r e n e g a r , p a r a os di­m i n u i r ? A s o m a do Idea i , a dose de anál ise , de c r í t i c a • mesmo de b o a expos i ção destes es tudos m o s t r a m -me que u exercfelo do espír i to náo é Inútil , n e m estér i l , i Julgo, t a m ­bém, qne u m pa í s , u m a g e r a ç ã o ou u m a soc iedade que o r e b a i x e m , se bruta l i zam « en fraquecem.

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fcste verfio de l -me a um t r a ­balho um pouco pueril . J u n t e i , em a r d e . r a r o n t o » , a m a » incertos l em-i . i . í n . . . . . d a minha mi . . . . . . I n c e r t a s , é como dizer , so l tas . T e n t a v a - m e a l i t e r a t u r a b iográf ico . Maa logo pua de p a r t e o Intento , nfio me sent ia m a d u r a p a r a êle. B e m o percebi , suspendendo-o sem Interesse de o r e t o m a r , o m e l h o r o [percebo hoje lendo ê s t e admiráve l , suave , dl&fano

i " r u i . . . Tonio K r o g e r , de T. Mann.

A h i s tór ia d a m i n h a I n f a n d a e d a m i n h a adolescência , que me an­dou i i 11" tempos viva no esp ir i to , nfio sei porque d i s p a r a t a d o ambição de a descrever e d e me c h o r a r , nuturul-m e n t e , desde os meus mais r e c u a ­dos sobressa l tos de c o r a ç ã o , essa h i s tór ia , desse- lhe eu a f e i ç io a a a p a r ê n c i a descr i t iva que lho desse , p a r a nfio f icar reduzida a nm d r a m a es tre i to o piegas, ped ia-me uma observaçfio r e m e m o r a t i v a , ujn e spec -t a t o r í s m o , um del icado sent ido de p r e s e n ç a e de d l a t a n d a , d e p a i x ã o e de c r í t i c a , t e m p e r a n d o - s e , uma seren idade e u m a a u d á c i a anulitlea ta i s . . . i s to p a r a nfio me p i n t a r i r r e a -l í s t l comcnte , nem aos o u t r o s . . . que eu liem sei u l t r a p a s s a r e m de muito o* m e u s , :

Não m e t e n t a m os r o m a n -rlnhos b r a n c o s . , as ba ladas d a bela adormec ida , desconeer tam-me t a m b é m , e x c e d e m - m e m e s m o a s novelos de factos . Nfio me Interes ­s a m oa quadros pi torescos , violen­t o s , nem os d e confusas inclas-t ln-t a s ; des in teres sa -me f r a n c a m e n t e a H I 1 . I I 4 Í I I I . . ! . . g r a t u i t a , a lendo, « o J á bana l , e sgotado retrncess lvis iuo r o m â n t i c o «los belas deformações vo­luntár ios .

P r o j e c t a d a no m e n passado Infan­til , on r e t i r a d o dele p a r a o Just i f i ­c a r e evocar , nfio me apetec ia figu­r a r de anjo voador sem pés sem peso, humanidade nem m a ­ter ia l idade , fantáat lco g e r m e d e um futuro aer Incompleto o sem pe­cado, c o m o gera lmente sn nos a p r e ­s e n t a m os Infantes dus a u t o - b l o g m -flas.

Mas como p i n t a r - m e , e nuquele di ­luído t empo do m i n h a enerv a da e ve­x a d a adolescência , o meu lapso de vida mala Inseguro e mais d r a m á t i c o , como p i n t a r - m c nem e x a g e r a d a ­m e n t e defeltuoaa nem perfe i ta , com a ipeasoal s u b s t â n c i a h u m a n o que

m o coube em sor te e que a c r i a ç ã o o r a c a r r e g o u , ora a t e n u o u ? K c o m o dor um tom j u s t o , n u n c a d e ­masiado subject ivo nem descolorido, as épocas , as pessoa», aos lugures? Pes soas t i o cur iosos ! Mas sem es tos p inturas bem fr i tas , adeus b iogra ­fia, evocação , rea l idade!

Lu não quer ia d a r - m e no recre io d a b iograf ia Jantas i s tu , pueri l , d e f rouxo e Insuficiente contorno . Mas o não querer não b a s t a ; não che­ga a s e r ac t ivo q u e r e r , uiunlfesto o

. i ' . In . . . 'Não é a qual idade de po­d e r . . ,

K co i tado do urtistu que presume de mais de sl, que não tem o con­t inênc ia e o sentido dos seus pró ­prios l imi tes !

Sn eu me pu/.esse ás voltas com a h is tór ia d a m i n h a i n f a n d a • a d o ­lescência , que gos tava eu d e ser , ou c o m o sini . tr ín.• em re lação a e l a ? Como o campino no encalço do seu boi manhoso , um campino des temi ­do que c o r t a s s e as voltus do fugit i ­vo, que o de fro nta s se , que o vences­se , s e m que por momentos lhe vies­se a Idrn d e que c o r r i a a t r á s de um borrego ou de um vitelo.

Mas todo a c o m p r e e n s ã o dos mi ­nhas conveniências me nfio a n i m a , não contem em sl a niinlma ef icác ia! D á - m e talvez u m a atitudfx . « m i . - -dliUt. I , l t cràr iumcnto é pouco. . .

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P a s s a r horas a o frio e a o sol, por amabi l idade , ouvindo os cnsos du vida alheia, contados d r a m a t i c a m e n ­t e , conv ic tamente , faz-nos p e n s a r que a vida é toda do remendos , do ac tos s o b r e p O R t o h una aos o u t r o s , l igados , cozidos com abso luta falta de a r t e ! E u não t i n h a esperado ou­t r a co i sa do meu d i a ? T inha . N a d a do maravi lhoso , m a s r e g u l a r , enf im! l*oÍs aquele r e m e n d o ul terou-o . T r o u x e - m e ao menos u m a s gotas mais de exper i ênc ia h u m a n a ? pos­sível quo s im. Mas p a r a q u ê ?

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R U M O por M A N U E L FILIPE

Os países sào segundos,

os segundos do espaço

onde eu nasci.

Com os dedos cobertos de estrelas

que iluminarão o meu caminho,

vou.

Nada acabará para mim.

Amanhã é uma cidade

mais bela, mais vermelha que as outras,

onde a partida é uma chegada

e o repouso um túmulo.

A linha do horizonte

brilha

como uma barra de aço,

como um fio que é preciso cortar

para não repousar

jamais.