de Índio a guarda nacional cidadania e direitos indígenas

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História Indígena

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    De ndio a guarda nacional: cidadania e direitos indgenas no Imprio (Vila de Itagua, 1822-1836)

    Vnia Maria Losada Moreira

    Depois de outorgada a Constituio de 1824, os ndios da vila de Itagua foram considerados cida-dos pelo novo regime e, mais tarde, alistados como praas em duas armas da Guarda Nacional. Por razes estranhas lei, contudo, ao serem classificados como cidados e guardas nacionais foram priva-dos de possurem legalmente as terras que ocupavam de forma legtima. O objetivo deste artigo pro-blematizar este episdio, ocorrido logo aps a Independncia, especialmente a correlao entre etnici-dade, cidadania e territorialidade.

    No atual estgio de desenvolvimentos das pesquisas sobre os ndios durante o regime imperial pre-maturo tentar definir o que aconteceu com os ndios de Itagua como tpico ou atpico, pois ainda no existe um acmulo de conhecimento sobre a situao dos ndios depois da Independncia. Trata-se, contudo, de um caso bastante significativo. De um lado, porque temos testemunhos histricos sobre eles durante o perodo ps-independncia, o que nem sempre acontece em relao a outros grupos ou comunidades. De outro, porque, neste episdio, pode-se verificar o surgimento e a utilizao de um argumento que, embora no tivesse amparo na legislao, acabou criando razes profundas no imagin-rio, nos costumes e no sistema poltico nacional: o argumento de que ou se ndio, ou se cidado brasileiro, e s aos ndios estavam garantidos os direitos legais sobre as terras que ocupavam.

    O artigo est dividido em duas partes.1 Na primeira, fao uma reflexo sobre o debate indigenista no perodo ps-independncia, enfocando principalmente a contribuio de Jos Bonifcio de Andrada e Silva, dos constituintes de 1823 e da Constituio de 1824 para a definio dos direitos e deveres dos ndios no Imprio do Brasil. Na segunda, analiso o caso dos ndios da vila de Itagua, que no tiveram seu patrimnio territorial regularizado por serem classificados como guardas nacionais.

    Da Constituinte Constituio: o novo pacto poltico e os ndios

    No contexto da emancipao poltica, as ideias de Jos Bonifcio de Andrada e Silva sobre a civiliza-o dos ndios bravos so um marco incontornvel, quando o assunto a construo do indigenismo propriamente nacional. Sua posio na estrutura poltica do perodo, ocupando espaos no Estado, no Parlamento e na imprensa,2 e a abrangncia de seus argumentos fizeram dele uma referncia na questo indgena. A influncia de Bonifcio est presente, por exemplo, no Regulamento para a civilizao dos ndios botocudos nas margens do rio Doce, de 28 de janeiro de 1824, um dos primeiros documentos sobre os ndios produzidos no Primeiro Reinado. O regulamento foi assinado por Joo Severino Maciel da Costa, que substituiu Bonifcio frente da Secretaria de Estado dos Negcios do Imprio, e direcio-nava-se provncia do Esprito Santo, tendo como objetivo precpuo aldear e civilizar os ndios Boto-cudos que, desde 1808, sofriam os rigores da guerra ofensiva decretada por D. Joo VI.3

    Mas a influncia de Jos Bonifcio no campo do indigenismo nacional no resulta tanto da aceitao ou da execuo com sucesso de seus ideais. Afinal, suas proposies no foram incorporadas Consti-tuio outorgada em 1824 e, at a promulgao do Regulamento das misses de catequese e civilizao dos ndios, em 1845, durante o Segundo Reinado, foram poucas as aes institucionais sistemticas que buscaram pr em prtica pelo menos algumas de suas sugestes para ressocializar os ndios egres-sos dos sertes. Apesar disso, foi sombra dos Apontamentos para a civilizao dos ndios bravos do Imprio do Brasil 4 que se desenvolveu a poltica e o debate indigenista no Imprio e mesmo na Rep-

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    blica, pois a proposta de Bonifcio era no apenas mais apropriada ao discurso oficial de um Estado que se dizia e queria-se civilizado, mas tambm a que mais bem equacionava a transio do indigenismo colonial para o propriamente nacional, aparentemente no propondo rupturas significativas.

    Bonifcio apresentou suas ideias sobre a civilizao dos ndios bravos primeiro s Cortes de Lis-boa, em 1821. Nessa ocasio, tambm Francisco Muniz Tavares, de Pernambuco; Domingos Borges de Barros, da Bahia; e Jos Caetano Ribeiro da Cunha e Francisco Ricardo Zane, do Par, levaram s Cortes Gerais de Lisboa projetos sobre os ndios.5 Consumada a Independncia, ele reapresentou a pro-posta com algumas modificaes, em 1823, Assembleia Constituinte do Imprio, recebendo parecer favorvel, que foi aprovado em 18 de junho do mesmo ano. Alm disso, ficou decidido que o texto seria publicado para discusso na Assembleia e para a instruo da Nao.6 O documento Apontamentos para a civilizao dos ndios bravos do Imprio do Brasil , resumidamente, um programa de assimila-o e ressocializao da populao indgena brava por meio de mtodos brandos, que deve ser lido e interpretado de acordo com as preocupaes de Bonifcio naquele momento de estruturao do Bra-sil como uma Monarquia constitucional e independente de Portugal. Trata-se, alm disso, de um docu-mento bem-circunstanciado, dividido em duas partes principais.

    Na primeira parte, Bonifcio demonstra bom conhecimento sobre a legislao colonial relativa aos ndios, bem como sobre os bices sociais, polticos e histricos que impediram ou frustraram a plena consecuo dos ideais assimilacionistas que animavam as ordens legais. Tambm apresenta domnio sobre os processos efetivamente implantados pela Coroa para a civilizao da populao autctone, comentando a diversidade de povos e culturas encontrados pelos portugueses no momento inicial da conquista; as guerras e os acordos; a experincia missionria colonial; e o Diretrio pombalino. A pri-meira parte dos Apontamentos configura-se, portanto, como uma slida memria sobre a civilizao dos ndios, a partir da qual o autor legitima sua posio no interior do debate indigenista e, mais ainda, assenta os argumentos bsicos de seu prprio ponto de vista sobre a questo.

    Dessa parte inicial, trs pontos merecem ser destacados, pois constituem a espinha dorsal de seu projeto civilizacional. Em primeiro lugar, a convico de que os ndios estavam no estado selvtico.7 Mais ainda, nessa condio primitiva, os homens eram dotados do lume natural da razo8 e capa-zes, por isso mesmo, de civilizar-se. Bonifcio acreditava, portanto, na perfectibilidade do indgena. Em segundo, a necessidade de criao de novos aldeamentos ou de reativao de antigos, onde os ndios retirados dos sertes e das florestas pudessem ser reunidos, fixados, controlados e ressocializados (civi-lizados). Em terceiro, o entendimento que a melhor forma de civilizar os indgenas era por meio do mtodo brando, que inclua um leque bastante variado de aes, como a educao, o trabalho, a agri-cultura, o comrcio, o convvio com os brancos, os casamentos mistos, dentre outros.

    Versado nas ideias iluministas, Bonifcio resumia sua profunda convico na perfectibilidade humana com a seguinte afirmao: o homem primitivo nem bom, nem mal naturalmente, um mero autmato, cujas molas podem ser postas em ao pelo exemplo, educao e benefcios.9 Seu apreo pela educao como meio civilizacional fez dele um franco admirador da ao jesutica entre os ndios. Segundo sua opinio, o Imprio deveria imitar e aperfeioar os mtodos da Companhia de Jesus, expurgando a teocracia e incentivando o intercmbio econmico e matrimonial entre ndios e no ndios, especialmente com brancos e mulatos. Coerente com tais ideias, no poupou de crticas severas os mtodos violentos de civilizao e, indiretamente, a guerra ofensiva (guerra justa) decre-tada pelo prncipe regente D. Joo, em 1808, contra os Botocudos , pois foi ignorncia crassa, para no dizer brutalidade, querer domesticar e civilizar ndios fora das armas, e com soldados e oficiais pela maior parte sem juzo, prudncia e moralidade.10

    Na segunda parte dos Apontamentos, Jos Bonifcio exps, por meio de 44 itens, os principais meios que a razo e a experincia ensinavam para melhor alcanar a civilizao dos indgenas.11 No topo de suas consideraes, ele exps, em primeirssimo lugar, a Justia, no esbulhando mais os ndios, pela fora, das terras que ainda lhes restam, e de que so legtimos senhores.12 Seguem-se a essa

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    orientao muitas outras versando sobre o comrcio; os matrimnios; a formao e a administrao de aldeias; as bandeiras para buscar ndios bravos e povoar novas ou antigas aldeias; os missionrios; a educao; os mercados e as feiras; a vacinao e a preveno de doenas; os tipos de trabalhos mais ade-quados aos ndios em razo de sua ndole e seu estado civilizatrio; os vencimentos e os contratos de trabalho; e as formas de garantir que os direitos indgenas fossem observados. No 20 item, por exem-plo, pode-se ler a seguinte orientao de Bonifcio: Nas grandes aldeias centrais, alm do ensino de ler, escrever e contar, e catecismo, se levantaro escolas prticas de artes e ofcios....13

    So muitas as sugestes apresentadas por Bonifcio na segunda parte do documento, e, embora no haja a inteno, neste artigo, de avaliar todos os aspectos de seu projeto, importante fazer algu-mas consideraes de carter geral. A primeira observao que, apesar da simpatia de Bonifcio pelos ndios, ele era um homem do seu tempo e construiu um ponto de vista bastante etnocntrico sobre eles. Para Bonifcio, a populao indgena era, na melhor das hipteses, uma espcie de pgina em branco, sem cultura, Estado, religio e vida social realmente aprecivel, que poderia ser facilmente moldada segundo o padro cultural e comportamental europeu. Os ndios tambm eram, para ele, inconstan-tes, preguiosos e traioeiros.14 A segunda observao diz respeito sua predileo pelo mtodo brando de civilizao dos ndios, que, preciso frisar, no supunha a ausncia do uso da fora. Sua proposta previa a reduo dos ndios bravos ao modo de vida sedentrio dos aldeamentos. Isso signi-ficava, na prtica, um intenso processo de transformao na vida tradicional das populaes indgenas, como o trabalho na lavoura, o trabalho para o Estado, a catequese, a participao nas redes de comrcio e a aprendizagem de ofcios e das primeiras letras. Assim, no 10 item, adverte Bonifcio:

    Para que estes missionrios [dos aldeamentos] sejam respeitados pelos ndios, e possam coibir prontamente os tumultos e desordens que estes fizerem depois de aldeados, estabelecer-se-o nas distncias necessrias e adequadas pequenos presdios militares, cujos comandantes obraro de acordo com os mesmos mission-rios, e lhes daro todo favor e auxlio requerido.15

    A ltima observao refere-se posio do indigenismo de Bonifcio ante a herana colonial. A ideia de reunir e segregar os ndios em um s local (as aldeias), para tornar mais efetiva sua catequiza-o e civilizao, foi testada primeiramente por Manuel da Nbrega e Anchieta, em So Vicente, em substituio pregao missionria itinerante. A partir de 1556, a reforma das misses foi implemen-tada em toda a costa brasileira, sendo sistematizada e justificada em duas correspondncias escritas por Nbrega: Dilogo sobre a converso do gentio (1556) e Plano civilizador (1558).16 A superao do modelo civilizacional jesutico deu-se com a poltica indigenista de D. Jos I e Pombal que, por meio de um conjunto de leis, no apenas expulsou os jesutas do Brasil, mas criticou severamente a segregao dos ndios em aldeias, mandando criar vilas ou povoados nesses estabelecimentos. O objetivo central do indigenismo ilustrado de Pombal era viabilizar, dentre outras medidas, os casamentos mistos entre ndios e portugueses (miscigenao) e a equiparao poltica e jurdica dos ndios e seus descendentes aos demais vassalos do rei (nacionalizao).17

    Embora esses dois grandes modelos civilizacionais tivessem muito em comum, eram vistos como antagnicos, pois desde as campanhas pombalinas contra a Companhia de Jesus, propagandeou-se a existncia de uma oposio de interesses entre os jesutas e o Estado, como se este quisesse a integra-o do ndio ordem social colonial, enquanto aqueles procuravam isol-los nas aldeias, onde suposta-mente vigorava uma teocracia.18 Diante desse quadro, os Apontamentos de Bonifcio ficam a meio caminho, procurando combinar, de forma conciliatria, algumas ideias centrais de Nbrega e Pombal. Assim, Bonifcio recupera a importncia da criao de aldeamentos como espaos de educao, civili-zao e catequese, mas tambm insiste na miscigenao e na nacionalizao dos ndios. Prope uma espcie de segregao parcial e temporria dos ndios nos aldeamentos, frisando ser a meta o fim das diferenas tnicas, sociais e polticas entre os ndios e a nao. Na concluso dos Apontamentos, no 44 item, pode-se ler a seguinte orientao:

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    Procurar com o andar do tempo, e nas aldeias j civilizadas, introduzir brancos e mulatos morigerados para misturar as raas, ligar os interesses recprocos dos ndios com a nossa gente, e fazer deles todos um s corpo da nao, mais forte, instruda e empreendedora (...)19

    Caberia ao Estado amparar os ndios at a sua completa integrao social e cultural. Alm disso, a proposta de Bonifcio era bastante clara sobre o direito de os ndios ascenderem na escala social propor-o que fossem educados e civilizados, podendo ocupar cargos nas Cmaras de suas respectivas vilas, cursar o ginsio como pensionistas do Estado e ingressar nos colgios eclesisticos para se ordenarem.20

    As ideias de Bonifcio sobre os ndios, seus direitos e deveres, embora no fossem novas ou revolu-cionrias, eram avanadas o suficiente para desagradar a elite agrria, ansiosa por ampliar os seus neg-cios e lucros mediante a apropriao territorial sem limites e restries. Em outras palavras, no se tinha grande simpatia pelo indigenato, isto , pelos direitos dos ndios, especialmente o direito territorial asse-gurado pelas leis e pela jurisprudncia colonial, e muito bem-lembrado por Bonifcio em seus apon-tamentos. Assim, o indigenismo de Bonifcio contribua para isol-lo ainda mais no cenrio poltico ps-Independncia.21

    As convices mais ntimas sobre os ndios alimentadas por parte da elite agrria e escravista do Imprio ganharam expresso mais sistematizada um pouco depois, na conjuntura que marcou a discus-so e a implementao da Lei de Terras, de 1850. Nesse momento, arvorando-se em porta-voz de cor-rentes polticas com assento no Parlamento, Francisco Adolpho de Varnhagen defendeu a tese que os ndios eram selvagens e capazes de perfectibilidade apenas quando impulsionados pelo uso da fora, prescrevendo, sem rodeios, que eles no tinham direito terra e que deveriam ser submetidos ao traba-lho compulsrio, para o bem da lavoura e o desenvolvimento do pas.22

    Em tom acusatrio, Varnhagen qualificava de filo-tapuias todos que adotavam um ponto de vista favorvel incluso dos ndios no pacto poltico imperial, tocando no ponto mais crucial do debate indigenista do perodo. O incmodo de Varnhagen quanto ao fato de a gerao da Independncia e, pouco depois, de os romnticos terem elegido o ndio como um dos smbolos da nacionalidade era ape-nas o aspecto mais pitoresco da questo.23 O que de fato preocupava Varnhagen, e estava em jogo no debate indigenista, desde a Independncia, era qual o lugar poltico e social que os ndios ocupariam no jovem Imprio do Brasil, isto , seus direitos e obrigaes. Quanto a isso, Varnhagen era absolutamente claro. No Memorial Orgnico, publicado primeiramente em 1849/1850, ele afirmou:

    Ora, os nossos ndios, ou so cidados brasileiros ou no: para serem no cumprem nenhuma das obri-gaes das leis, e andam vadiando e com as orelhas e beios furados, em vez de serem guardas nacionais e vestir uniforme etc. No sendo ou no estando nesse gozo, por incapacidade moral, como diz a constitui-o, no pode a lei o direito civil ver neles mais que uma gente estranha ao pacto social, que abusa da piedade que com eles se tem, no s por estarem nos matos e impossibilitarem que estes se transitem e se cultivem, mas at para darem assaltadas cruis nas nossas fazendas suas vizinhas, que nalgumas partes se tem visto obrigadas a ceder-lhes o campo. As provncias em que h ainda muitos milhares deles, que so as do Par, Mato Grosso e Goyazes, se no esto piores de que quando aboliram as bandeiras que lhe davam caa, esto talvez no mesmo estado (...) Mas o que diremos quando ainda na provncia do Esprito Santo, to vizinha do Rio de Janeiro, h ndios bravos? Conta certa exposio oficial que os ndios do Mocury gostam muito da carne dos negros, aos quais chamam de macacos do cho. E no vergonha no meio de um pas civilizado aturar tais canibais!?24

    As ideias de Varnhagen, alm de divergirem profundamente das de Bonifcio, tambm no eram novas, embora poucos ousassem proferi-las de forma to pblica. Na Assembleia Constituinte, o debate sobre o captulo que definiria quem seriam os cidados do novo Imprio do Brasil antecipou algumas das objees de Varnhagen, revelando aspectos importantes sobre o projeto poltico da gerao da Inde-pendncia sobre os ndios. Nessa discusso, a reflexo sobre a questo indgena limitou-se ao debate se os ndios poderiam ser considerados membros da sociedade brasileira e, por conseguinte, cidados bra-

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    sileiros, ou se, ao contrrio, eram apenas habitantes do Brasil. Para o deputado Montezuma, ser Brasi-leiro, ser Membro da Sociedade Braslica: portanto todo Brasileiro Cidado Brasileiro: convm sim dar a uns mais direitos, e mais deveres do que a outros; e eis aqui Cidados ativos, e passivos.25 Pouco depois explicou, com mais detalhes, quem fazia parte da Sociedade Brasileira:

    (...) falamos aqui dos Sditos do Imprio do Brasil, nicos que gozam dos cmodos de nossa Sociedade, e sofrem seus incmodos, que tm direitos, e obrigaes no Pacto Social, na Constituio do Estado. Os ndios esto fora do grmio da nossa Sociedade, no so sditos do Imprio, no o reconhecem, nem por consequncia suas autoridades desde a primeira at a ultima, vivem em guerra aberta conosco, no podem de forma alguma ter direitos, porque no tem, nem reconhecem deveres ainda os mais simples, (falo dos no domesticados) logo: como consider-los Cidados Brasileiros? Como consider-los Brasileiros no sen-tido poltico? No minha opinio que sejam desprezados (...) Legislemos para eles; porm nesse sentido: ponhamos um captulo prprio, e especial para isso em nossa Constituio; sigamos o exemplo dos Vene-zuelenses. Mas consider-los j neste capitulo! Isto novo.26

    Montezuma, como outros homens de seu tempo, fazia uma clara distino entre ndios bravos e ndios domesticados, dando a entender que apenas os ndios bravos ou selvagens no faziam parte da sociedade e nem eram sditos do Estado. Por isso, a incluso dos ndios (bravos) no captulo da Constituio que definiria quem seria considerado cidado parecia-lhe no apenas algo muito novo, mas tambm absurdo. Contudo, as leis coloniais diziam bem ao contrrio. A legislao pombalina, por exemplo, franqueou a todos os ndios da Amrica portuguesa a condio de sditos e vassalos, mesmo queles definidos como brbaros que, supostamente, viviam sem lei e sem religio nas matas, flo-restas ou sertes.27

    Os ndios brbaros eram definidos pela Coroa, alis, como sditos e vassalos especiais, pois, tal como os rfos e os miserveis, tinham limitaes socialmente reconhecidas e desfrutavam, por isso mesmo, de certos direitos privativos.28 No caso dos ndios, o tratamento diferenciado se justificava pre-cisamente pelo seu suposto grau zero ou, na melhor das hipteses, inferior de civilizao. Agindo assim, a Coroa impunha sua soberania s sociedades indgenas independentes e aos territrios conquis-tados, prescrevendo-lhes, em contrapartida, um conjunto de deveres e direitos que pacientemente deve-ria ser implementado.

    Tambm os escravos foram excludos da condio de cidados durante a discusso do assunto na Constituinte. Mas, a justificava assentou-se em outra ordem de argumento. De acordo com Montezuma, os motivos eram bem conhecidos por todos, pois os escravos eram propriedade de algum, e assim tra-tados e reconhecidos pelas leis. Desse modo, perguntava: como cham-los brasileiros no sentido pr-prio? (...) Senhores, os escravos no passam de habitantes do Brasil.29 Outros, como o deputado Frana, preferiam fazer a distino entre brasileiros e cidados brasileiros, de acordo com a qualidade da nossa populao, mas reproduzindo a mesma lgica de excluso de ndios e escravos do pacto poltico e social. Assim, para o deputado, os filhos dos negros, crioulos cativos, so nascidos no Territrio do Bra-sil, mas, todavia no so Cidados Brasileiros. Devemos fazer essa diferena: Brasileiro o que nasce no Brasil, e Cidado Brasileiro aquele que tem direitos cvicos.30 Quanto aos ndios, argumentou:

    Agora pergunto eu, um Tapuia habitante do Brasil? . Um Tapuia nascido no Brasil? . Um Tapuia livre? . Logo cidado brasileiro? No, (...) pois os ndios no seu estado selvagem no so, nem se pode considerar como parte da grande famlia Brasileira; e so todavia livres, nascidos no Brasil, e nele habitan-tes. Ns, verdade, que temos a Lei que lhes outorgue os Direitos de Cidado, logo que eles abracem nosso costumes, e civilizao, antes disso porm esto fora de nossa Sociedade.31

    A excluso dos tapuias isto , dos ndios considerados bravos, selvagens e at mesmo inimi-gos dos civilizados e dos escravos da classe de cidados, segundo o argumento de que no eram brasileiros no sentido prprio, no era uma operao poltica fcil de ser feita. Como argumentou Keila Grinberg, o conceito de cidadania era polissmico no perodo e, para alguns deputados, cidados

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    eram os indivduos que tinham direitos, e era reconhecido por muitos que os escravos tinham direi-tos, principalmente o de serem protegidos pelo Estado.32 Se era difcil excluir os escravos e os libertos do pacto social que estava sendo costurado, mais ainda era fazer isso em relao aos ndios, mesmo os tapuias. Afinal, eles eram autctones, livres, e, mais ainda, desfrutavam, desde o perodo colonial, da condio de sditos e vassalos do Estado.

    Se bem observado o projeto de Bonifcio e o debate constituinte, notar-se- que a reflexo refe-riu-se, fundamentalmente, ao ndio tido como selvagem ou tapuia. A preocupao com os ndios que viviam de forma independente em relao ao Imprio era justificvel, pois pouco antes da Indepen-dncia, em 1818, eles foram estimados em 800 mil indivduos para uma populao total calculada em 3,6 milhes de pessoas.33 Menos compreensvel a negligncia da elite poltica imperial em relao aos ndios domesticados, contabilizados na populao total do Imprio que, de acordo com o Censo de 1872, ainda representavam um contingente populacional importante. Em algumas provncias, como So Paulo e Minas Gerais, eles ultrapassavam a casa de 30 mil pessoas, enquanto que no Mato Grosso, Par, Piau e Esprito Santo os ndios domesticados representavam parte importante da populao total daquelas provncias.34

    Qual seria o estatuto jurdico e poltico de uma populao nominada e considerada indgena que no se confundia, contudo, com os ndios bravos, tapuias ou selvagens? Essa populao ind-gena era considerada civilizada e parte da sociedade brasileira, mas tambm no se confundia com os escravos, os libertos ou com os luso-brasileiros. A questo, embora importante e polmica, no foi enfrentada de maneira direta pelo discurso poltico do perodo.

    Na Constituio outorgada em 1824 havia um profundo silncio sobre os ndios em geral e seus direitos, pois em nenhum pargrafo eles foram citados nominalmente.35 Isso significou a ausncia de um captulo especial sobre a civilizao dos ndios bravos, tal como esperava Bonifcio e outros constituintes. Tal questo, alis, s seria retomada pelo Estado Imperial bem mais tarde, em 1845, quando o governo de D. Pedro II promulgou o Regulamento das misses de catequese e civilizao dos ndios (Decreto n. 426, de 24 de julho de 1845), para lidar com a inconclusa tarefa de trazer os povos indgenas independentes para o grmio da civilizao.36 Tambm no se fez nenhuma distino entre brasileiros e cidados brasileiros no sentido de excluir os indgenas (civilizados ou selvagens) do acesso condio de cidados. Contudo, restringiu-se a cidadania populao livre, ficando os direitos polticos reservados aos cidados ativos definidos de acordo com critrios de renda.37

    Vises divergentes sobre a cidadania: terra, trabalho, liberdade e indianidade

    Apesar de a nova Constituio ignorar os ndios e a questo indgena, o Primeiro Reinado desenvol-veu uma poltica indigenista prpria, distinguindo claramente, alm disso, os ndios bravos dos ndios civilizados, de acordo com o grau de integrao sociedade imperial prevalecente entre eles. Assim, enquanto os Botocudos do Esprito Santo receberam um regulamento especifico,38 recomendando seu aldeamento e civilizao, j que eram selvagens, os ndios (civilizados) da vila de Itagua, na provn-cia do Rio de Janeiro, foram considerados cidados, orientando-se que as leis gerais do Imprio fos-sem aplicadas a eles.39

    A poltica indigenista do Primeiro Reinado demonstra, portanto, uma clara disposio em consi-derar os ndios cidados, desde que eles fossem classificados como civilizados. Mas como se ver a seguir, o contedo concreto da cidadania oferecida aos ndios durante o governo de D. Pedro I esteve longe de ser a mesma usufruda pela boa sociedade40 e, mais que isso, daquela sonhada e reivindicada pelos prprios ndios.

    Os ndios de Itagua pertenciam antiga aldeia de So Francisco Xavier de Itinga, depois renomeada So Francisco Xavier de Itagua, fundada pelos jesutas no incio do sculo XVII, com ndios Carijs da Lagoa

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    dos Patos. Juntamente com as aldeias de So Loureno, So Barnab e So Pedro, a aldeia de Itagua foi um dos quatro mais importantes e duradouros aldeamentos da Companhia de Jesus no Rio de Janeiro.41

    Entre o fim do sculo XVIII e o comeo do XIX, a documentao coligida por Joaquim Norberto de Souza e Silva atesta que a aldeia de Itagua estava sofrendo srias ameaas. Primeiramente, devido ao crescente desgaste e aos conflitos entre o administrador da fazenda Santa Cruz e o capito-mor dos ndios, que acabou gerando a expulso dos ndios de suas roas e sua disperso.42 Aps esses aconteci-mentos, o jovem ndio Jos Pires Tavares foi recolhido e educado por Igncio de Andrade Souto Mayor Rendon, aprendendo a ler, a escrever, alm dos rudimentos do latim. Posteriormente, foi indicado pelo mesmo capito Rendon para o cargo de capito-mor dos ndios.43 Data desse perodo o incio da luta dos ndios para reaverem suas terras, tal como fica registrado nas peties, requerimentos e atestados que o capito-mor Jos Pires Tavares dirigiu rainha D. Maria I, solicitando, dentre outras coisas, a:

    (...) restituio da alda, com a igreja, paramentos, alfaias, casa do parocho, com tudo que nella havia; indemnisao de todas as perdas e danos; fornecimento de sustento por um anno pela Fazenda Santa Cruz; doao das terras que lhes foram assignadas pelos jesutas para a sua alda, remidas do fro, que a elles paga-vam, concedendo-se-lhes novas terras para maior largueza e extenso s suas roas, lenhas, criaes e culturas; confirmao da patente de capito-mor que lhe passara o marquez de Lavradio, com soldo (...)44

    O quanto desse pedido foi atendido no se sabe. Mas, o certo que a aldeia de So Francisco Xavier de Itagua foi restituda aos ndios e, ao seu lado, instalado o engenho de Itagua, impossibilitando a expanso da aldeia tal como desejava o capito-mor. Poucos anos depois faleceu Jos Pires Tavares e, para piorar a situao, em 1806, o engenho foi vendido com a clusula expressa de que os ndios seriam removidos de sua aldeia, gerando novas disputas por terra. Parte dos ndios foi transferida para uma localidade no especificada; outra ficou na aldeia, a despeito da ordem de remoo; e ainda outra, sem terra, migrou para a aldeia de Mangaratiba. Nesse perodo, os ndios tambm tentaram ocupar as ter-ras na ilha de Itacuruss (antiga Sapimiaguera), que haviam sido compradas pelos jesutas, em 1718, em nome dos ndios. Mas, a transferncia da aldeia para l foi tida como impraticvel, pois as terras dos ndios haviam sido arrendadas e julgou-se difcil tirar os foreiros, indenizando suas benfeitorias.45 Sabe-se tambm que, em 1812, outro ndio da aldeia de Itagua, chamado Thomaz Lopes, requereu ao prncipe regente terras para criao. Como ele, os demais ndios estavam sem terras. D. Joo procurou resolver a situao, expedindo aviso concedendo terras da fazenda Santa Cruz aos ndios para que eles pudessem fazer suas plantaes coletivamente, mas indeferindo o pedido de Thomaz Lopes que queria terras para si.46 Alm disso, o governo joanino criou, pouco depois, uma freguesia na aldeia de Itagua, que foi transformada em vila, em 1820.

    Foi nessa conjuntura de crescente esbulho do patrimnio territorial dos ndios de Itagua que, em setembro de 1824, o imperador D. Pedro I considerou cidados todos os ndios residentes na impe-rial fazenda de Santa Cruz ao p da Vila de Itaguahy,47 de acordo com a novssima Constituio do Imprio. E justamente por serem cidados, deveriam pagar foro para permanecer nas terras da fazenda imperial, como qualquer outro indivduo de igual posio e qualidade.48 Joaquim Norberto de Souza e Silva considerou isso mais um golpe baixo contra os ndios, seu patrimnio e seus direitos, j que eles estavam sendo obrigados a pagar pelas terras recebidas de D. Joo VI. Tambm reconheceu que os ndios ficaram entusiasmados com o foro de cidados, 49 no dando, contudo, ateno ao fato.

    O entusiasmo dos ndios por se tornarem cidados muito revelador, no entanto, sobre os interesses sociais e polticos que eles acalentavam naquele tempo de mudana poltica. Assim, menos de dois anos depois da ordem do imperador, eram os prprios ndios da vila de Itagua que reclamavam a condio de cidados, afirmando que estavam livres de tutella, pelo tit. 2, art. 6 e 1 da constituio poltica do imprio do Brazil [...].50 Mais ainda, denunciavam e pediam providncias contra os abusos de seu ex-capito-mr, que alm de no os deixar pagar os foros devidos, continuava praticando (...) com elles a

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    sua antiga autoridade e abusivo predomnio, determinando-os pelo mesmo teor em seus servios, e extra-ordinrias diligncias, como se fosse phantastica ou falsa aquella prestigiosa graa de liberdade (...).51

    A tutela foi, apesar das variaes histricas, uma instituio muito presente na experincia social da populao indgena e, mais que isso, um dos instrumentos legais mais utilizados para explorar o seu trabalho. O exemplo mais emblemtico dos desvios que muitas vezes acompanhavam o exerccio da tutela a administrao particular, pesquisada por John Manuel Monteiro:

    Assumindo o papel de administradores particulares de ndios considerados como incapazes de adminis-trar a si mesmos , os colonos [de So Paulo] produziram um artifcio no qual se apropriaram do direito de exercer pleno controle sobre a pessoa e propriedade dos mesmos sem que isso fosse caracterizado juridi-camente como escravido.52

    Equiparados aos miserveis e aos rfos, os ndios foram tidos, em diferentes momentos, como incapazes de se autogovernarem, prevendo-se, por isso mesmo, o exerccio da tutela, tanto sobre suas pessoas como sobre os seus bens e o seu comrcio.53 Padres, moradores, juzes de rfos, capites-mores e diretores de ndios foram alguns dos tutores ou dos responsveis pelos ndios mais frequentes e tam-bm aqueles que tiveram melhores condies de controle sobre seu trabalho. Sob o estatuto da tutela, portanto, no poucas vezes, formas mal disfaradas de cativeiro eram legitimadas e permitidas.

    Quanto ao pagamento de foro, se as leis fossem observadas, os ndios no deveriam ser obrigados a nenhum desembolso. Afinal, eles foram expulsos de terras que haviam recebido de forma legtima no sculo XVII e era mais uma arbitrariedade faz-los pagar foro pelas novas terras recebidas de D. Joo, a ttulo de reparo, e que, pela negligncia do prprio Estado, no estavam totalmente regularizadas. Mais ainda, fazer com que ndios pagassem foro pelas terras que ocupavam era uma ruptura significativa em relao jurisprudncia colonial. Pois, no pagar foro pelas terras ocupadas e nem ser transferidos de tais terrenos, mesmo quando as terras fossem concedidas na forma de sesmarias a algum, era uma prerrogativa dos ndios garantida pelo princpio do indigenato, que o Alvar de 1 de abril de 1680 fez questo de salientar.54

    Neste episdio, fica bastante configurado que os ndios se apropriaram da categoria de cidados e trataram de organizar sua prpria agenda poltica. Afinal, o modo como eles reivindicaram a qualidade de cidado e o sentido que atriburam a sua nova identidade poltica no coincidia com a do Estado Imperial. Concretamente, D. Pedro I imps aos ndios a perda de antigos direitos em nome de novos deveres e obrigaes. Os ndios procuraram reverter esse quadro de prejuzos se apropriando do voca-bulrio poltico da poca e do outro, de acordo com seus prprios interesses e objetivos.

    Eles agiram segundo uma lgica bastante prpria, correlacionando os novos deveres (pagamento de foro) com novos direitos (o fim da tutela). Mostraram-se, verdade, receptivos ao pagamento de foro e, at mesmo, exigiram o direito de poderem cumprir tal dever e obrigao. Mas, s agiram desse modo porque enxergaram no horizonte a prestigiosa graa da liberdade que a condio de cidados lhes poderia garantir, isto , o fim da tutela, desdobrando a questo da cidadania para campos e situa-es no previstas, talvez, por D. Pedro I, no momento quando se decidiu por aquele despacho.

    O episdio tambm ajuda a entender certos meandros das relaes intertnicas tecidas no processo de gestao da nao brasileira. A identidade tnica um fenmeno relacional e, como demonstrou Barth, pode ser reproduzida, ou no, de acordo com as circunstncias histricas e sociais.55 Na conjun-tura ps-Independncia, o Estado imperial estimulou a dissoluo da identidade tnica dos ndios (i. e., ndios aldeados ou ndios de Itagua) em nome de outra: a identidade poltica de cidado. Essa uma questo importante, pois, nos processos de construo, reproduo ou dissoluo das identidades (tnicas ou polticas), o Estado costuma exercer um papel importante, baseado no poder de atribuir aos indivduos ou aos grupos sociais direitos e deveres que podem reforar, ou no, determinadas identida-des e classificaes sociais e polticas.56

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    Assim, personificado na figura do imperador, o Estado assumiu o discurso e o projeto poltico de assimilao social e poltica dos ndios ao nomin-los de cidados, fazendo a eles duas imposies: as leis mais gerais do Imprio, inerentes condio de cidado, atribuindo-lhes uma nova identidade pol-tica, bem como novos deveres, obrigaes e direitos; e o fim dos privilgios e direitos vinculados legis-lao indigenista e identidade indgena (indigenato) que eram assegurados pela Coroa portuguesa no Antigo Regime colonial. Em poucas palavras, o Estado procurou acabar com a identidade tnica dos ndios isto , a de ndios aldeados em nome de outra, a de cidados, mais abrangente e vinculada ao projeto nacional, mas no garantindo aos ndios o direito de propriedade das terras que ocupavam e das quais eram legtimos possuidores.

    A condio subalterna dos ndios tambm est perfeitamente ilustrada nos acontecimentos ocorridos em Itagua. Em uma das ltimas notcias que se tem sobre eles, de 1834, o juiz de rfos Joo Jos Figueira informou ao presidente da provncia do Rio de Janeiro que, depois de os ndios perderem a propriedade e os rendimentos das terras da ilha de Sapimiaguera, compradas pelos jesutas em nome dos ndios, eles estavam cultivando as terras recebidas de D. Joo VI, mas que permaneciam como propriedade da nacio-nal fazenda de Santa Cruz. Informou ainda que, desde ento, os ndios viviam desse modo,

    (...) sem que a conservatria entrasse nunca no conhecimento destes bens, por serem de propriedade nacio-nal, e menos hoje se poderia entrar em tal averiguao por estar extincto o nome desta aldeia e se acham os ndios que a ela pertenciam, com praa na guarda nacional, tanto em uma como em outra arma, e s os menores e velhos que della esto excusos; e por tal motivo j no so considerados sino como guardas nacionaes, e no como ndios aldeados.57

    O alistamento dos ndios na Guarda Nacional uma informao importante. A criao da corpora-o ocorreu em 1831 e tinha como um de seus pilares o princpio do cidado armado, pronto a defen-der a nao. A base do alistamento era o municpio e seus membros eram convocados para realizarem uma srie variada de servios pblicos locais e sempre que as foras policiais se mostrassem incapazes de garantir a ordem contra rebelies e outras desordens. Para usufruir os direitos polticos da cidadania e ingressar na Guarda Nacional, a constituio de 1824 determinava um rendimento mnimo modesto, de 100 mil-ris ao ano, mas que parece ter sido suficiente para excluir uma parcela da populao pobre e livre do direito de ser eleitor e votar.

    O alistamento dos ndios na Guarda Nacional incita certas especulaes. Pois, como observou Jos Murilo de Carvalho, milicianos e votantes eram virtualmente os mesmos indivduos.58 A partir desse dado pode-se formular a hiptese de que os ndios no apenas serviam na Guarda Nacional, como atesta a documentao, mas tambm participavam dos processos eleitorais, exercendo a cidadania de forma mais abrangente, positiva e ativa. Mais ainda, existia uma hierarquizao da populao pobre e livre imperial, verificvel principalmente nos processos de recrutamento para o servio militar no Exr-cito e na Armada, quando eram selecionados indivduos sem honra, isto , homens classificados pelas autoridades como delinquentes, desordeiros e/ou vadios. Assim, pode-se especular que os ndios no se confundiam com a populao pobre e livre que no estava habilitada a votar, nem tampouco ao servio na Guarda Nacional, e que acabava caindo, por isso mesmo, nas malhas do servio militar com-pulsrio. Desse ngulo, a transformao dos ndios em guardas nacionais sinalizaria que eles, depois da Independncia e mesmo sendo pobres, estariam ocupando um lugar de relativa honra na escala social e potencialmente exercendo uma cidadania ativa no cenrio poltico eleitoral.

    Tudo isso, contudo, so especulaes. Mais ainda, apesar da Guarda Nacional ser uma milcia cidad, no se deve superestimar a participao nela como indicativo de que os ndios de Itagua goza-vam, no incio do Imprio, dos direitos e prerrogativas dos cidados ativos e tampouco dos privilgios que o costume reservava aos cidados pobres, porm honrados. Pois bem sabido que os servios prestados Guarda Nacional no eram remunerados, exigindo dos praas e do oficialato a continui-dade de suas atividades econmicas e ofcios para prover a prpria existncia e de seus dependentes.

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    A remunerao s estava prevista quando se destacava o indivduo para cumprir tarefas longe de sua municipalidade e por um longo perodo de tempo. Era notrio que o servio litrgico prestado na Guarda Nacional podia comprometer as atividades econmicas e ocupacionais tanto dos oficiais como dos milicianos. Tornou-se comum, por isso mesmo, as tentativas de evadir-se do cumprimento dos ser-vios devidos Guarda Nacional, que terminavam recaindo nos setores sociais mais pobres e desprote-gidos dos distritos.59

    Joaquim Norberto de Souza e Silva interpretou o documento escrito pelo juiz como um testemu-nho importante, utilizando-o como um marco histrico sinalizador do fim da aldeia de Itinga,60 interrompendo nessa data sua narrativa histrica sobre os ndios de Itagua. No se deve confundir, no entanto, o fim da existncia jurdica de uma aldeia com o fim de um grupo social que partilhava uma histria e uma identidade comum e, menos ainda, com o desaparecimento fsico dos ndios. Os ndios e a comunidade indgena no desapareceram e, ao que tudo indica, em 1834, eles ainda estavam culti-vando as terras recebidas por D. Joo VI, at porque os ndios guardas nacionais, as crianas pequenas, as mulheres e os velhos precisavam garantir o sustento e a prpria vida. A narrativa do juiz no fala de morte, desaparecimento ou migrao da populao indgena. Ao contrrio, afirma que eles estavam l, bem vivos, servindo como guardas nacionais, com exceo dos velhos, crianas e, como no poderia deixar de ser, tambm das mulheres.

    O que o documento nos permite perceber, portanto, no o desaparecimento fsico dos ndios, mas a mudana radical do estatuto jurdico daquela populao, que deixava de ser vista e considerada como ndios aldeados, para transformar-se em cidados, j que s os cidados poderiam ser guardas nacio-nais. Alm disso, neste episdio de 1834, fica bem claro que o juiz se recusou a regularizar a situao das terras dos ndios, segundo a justificativa de que eles no eram mais ndios aldeados. Eles tinham se tornado guardas nacionais e estavam alistados em duas armas. Perderam, por isso, o direito s terras que ocupavam na qualidade de ndios. Em outras palavras, ao transitarem para a condio de cidados, os ndios tornaram-se, aos olhos do juiz, guardas nacionais sem direito a terra!

    No demais lembrar que, at 1832, a administrao dos bens dos ndios era da alada dos ouvi-dores das comarcas, que eram tambm os conservadores dos ndios.61 O decreto de 3 de junho de 1833 transferiu a administrao dos bens dos ndios para a alada dos juzes de rfos das respectivas muni-cipalidades.62 Assim, vindo de quem deveria zelar pelos bens dos ndios, o desinteresse do juiz de rfos em averiguar e garantir os direitos e as propriedades dos ndios de Itagua, presente nos argumentos por ele mesmo apresentados, s pode ser qualificado como uma improbidade. Alis, o prprio presidente provincial reconheceu e lamentou, pouco depois, em 1836, o descaso dos juzes de rfos em zelarem pelos interesses e patrimnio dos ndios.63

    Importante notar, alm disso, que o ofcio do juiz de rfo instaura um insidioso discurso de preca-rizao da relao do ndio com seu patrimnio territorial, vinculando seus direitos de posse e proprie-dade a uma indianidade que s seria acessvel aos indivduos residentes em aldeamentos reconhecidos pelo Estado. Esse argumento do juiz de rfos no tinha base legal, pois inexistia legislao que indi-casse que a atribuio dos direitos de cidados aos ndios tivesse como contrapartida a ab-rogao do direito sobre o patrimnio conseguido durante o Antigo Regime colonial. Apesar disso, a argumenta-o do juiz atendia aos interesses de todos aqueles que cobiavam as terras indgenas, em um contexto histrico e social caracterizado por uma acirrada disputa pela terra na regio de Itagua.

    A recusa do juiz de rfos em regularizar o patrimnio territorial dos ndios pode ser considerado um passo importante no sentido de expropri-los definitivamente da propriedade de suas terras. Afinal, quela altura, os ndios viviam na terra de forma precria, sem garantias formais e polticas de perma-nncia naqueles terrenos. Visto desse ngulo, os acontecimentos de Itagua demonstram que aqueles ndios experimentaram o significado mais concreto de ser cidado do novo Imprio do Brasil, a partir de duas situaes fundamentais: prestando servios ao Estado em obras e funes pblicas, como guar-

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    das nacionais;64 e ingressando nos limites da precariedade que caracterizavam a vida de uma populao rural livre, pobre e sem garantias formais de posse e propriedade territorial.65

    A prestigiosa graa da liberdade que a condio de cidado acenava mostrou-se quimera para os ndios, pois a transio da condio de ndios para a de cidados fazia-se custa do esquecimento de direitos historicamente construdos, sobretudo em relao s terras que eles ocupavam e das quais tinham ttulos legtimos, tornado precria a posse, a permanncia e a propriedade territorial. Mais ainda, trocava-se a antiga autoridade e tutela exercida pelos capites-mores de ordenana pela nova autoridade dos oficiais da Guarda Nacional e dos juzes de paz que, ao que tudo indica, passaram a con-trolar, organizar e explorar a fora de trabalho dos ndios de Itagua.

    Consideraes finais

    Para parte significativa da elite imperial, no resta dvida que a identidade de cidado deveria ser um privilgio de poucos e cumprir a mesma funo que a antiga identidade portuguesa exercera na sociedade colonial, isto , demarcar a diferena e a distncia entre as elites e os setores subalternos da sociedade, formados por escravos, negros, ndios, libertos e mestios.66 No entanto, a Constituio no assegurou a condio de cidado apenas boa sociedade.

    Coube prtica poltica e social do perodo a reverso da tendncia liberal e democratizante do texto constitucional. Nesse processo, o Estado exerceu papel importante, assegurando a reproduo das hierarquias sociais que vigoraram no perodo colonial, transformando os direitos inerentes cidada-nia, de fato, em privilgio de poucos, ao mesmo tempo em que imps os deveres da nao popu-lao do Imprio. Apesar disso, no irrelevante tentar compreender como os diferentes extratos da sociedade e da populao aprenderam e buscaram alargar a concepo estreita de cidadania que vigo-rou na prxis poltica e social do Imprio. Pois, como sublinhou Jos Murilo de Carvalho, o cidado poltico no nasceu adulto em lugar nenhum, exigiu perodo de aprendizado, mais ou menos longo ou mais curto, dependendo do pas.67

    Algumas concluses gerais podem ser tiradas, a partir do episdio narrado e analisado neste texto, sobre as relaes de poder entre os ndios e o Estado durante o processo inicial de formao da nacio-nalidade brasileira. Em primeiro lugar, no Brasil oitocentista, uma simplificao reduzir a popula-o indgena aos membros das sociedades tribais que viviam de forma relativamente independente do governo imperial. Afinal, tambm existiam diversos indivduos e diversas comunidades que se perce-biam e eram percebidos simultaneamente como parte da sociedade e como ndios. Em segundo, a con-dio subalterna dos ndios no os impedia, necessariamente, de agir politicamente na nova conjuntura institucional instaurada pelo processo de Independncia. Ao contrrio, eles souberam mobilizar a favor de seus interesses at mesmo o discurso poltico e ideolgico de seus interlocutores, apropriando-se e dando significado prprio ao conceito de cidados do Imprio.

    Finalmente, importante frisar que o Primeiro Reinado adotou um discurso e uma prtica de assi-milao da populao indgena bem ao gosto do pensamento poltico do sculo XIX, que imaginava as naes como entidades polticas, sociais e culturais unas e indivisas.68 Fez isso, contudo, impondo aos ndios de Itagua apenas os novos deveres e obrigaes inerentes condio de cidados. Em outras palavras, eles foram destitudos das garantias legais de posse e uso das terras que ocupavam, perdendo, diante das autoridades do Estado, o status de ndios aldeados e os direitos vinculados ao indigenato, e sendo progressivamente reclassificados como cidados e guardas nacionais sem terra prpria.

    Apesar disso, no se deve concluir, baseado no episdio, que os ndios da vila de Itagua desapa-receram, ou perderam sua identidade tnica, como em um passe de mgica. No resta dvida que as condies materiais de reproduo social do grupo estavam cada vez mais abaladas devido cres-cente dificuldade de eles permanecerem na terra de forma coletiva e estvel. Mas, a despeito de todas essas dificuldades, importante notar que eles tambm possuam uma cultura poltica bastante slida,

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    construda, aprendida, transmitida e praticada ao longo da histria como ndios aldeados e sditos da Coroa portuguesa.69 E foi justamente esse capital poltico que eles mobilizaram quando peticionaram ao Estado Imperial o fim da tutela e a prestigiosa graa da liberdade que a condio de cidados pro-metia, procurando transitar da antiga condio de sditos e vassalos da Coroa portuguesa para o novo status de cidados do Imprio do Brasil.

    Notas

    1 Este artigo resultado de pesquisa que conta com o apoio da Fundao Carlos Chagas de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).2 Para um balano sobre Jos Bonifcio, ver COSTA, Emlia Viotti da. Jos Bonifcio: mito e histria. In: Da Monarquia Repblica: momentos decisivos. So Paulo: Grijalbo, 1977, p. 53-108; e RIBEIRO, Gladys Sabina. Nao e cidadania no jor-nal O Tamoio. Algumas consideraes sobre Jos Bonifcio, sobre a Independncia e a Constituinte de 1823. In: RIBEIRO, Gladys Sabina (Org). Brasileiros e Cidados. So Paulo: Alameda, 2008. p. 37-64.3 Regulamento para a civilizao dos ndios botocudos nas margens do rio Doce Portaria. In: OLIVEIRA, Jos Joaquim Machado de. Notas, apontamentos e notcias para a histria da provncia do Esprito Santo. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico do Brazil, t. XIX, n 22, p. 161-348, 1856. p. 221-224.4 SILVA, Jos Bonifcio de Andrada e. Apontamentos para a civilizao dos ndios bravos do Imprio do Brasil. In: CAL-DEIRA, Jorge (Org). Jos Bonifcio de Andrada e Silva. So Paulo: Ed. 34, 2002. p. 183-199.5 MOREIRA NETO, Carlos de Arajo. Os ndios e a Ordem Imperial. Braslia: CGDOC/Funai, 2005. p. 247.6 CUNHA, Manuela Carneiro da. Poltica indigenista no sculo XIX. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 133-154. p.138.7 SILVA, Jos Bonifcio de Andrada e. Op. cit., p. 184.8 Idem, p. 187.9 Idem, p. 186-187. Sobre os ndios do Brasil no repertrio das ideias do sculo XVIII, cf. Melo Franco, Afonso Arinos de. O ndio Brasileiro e a Revoluo Francesa As Origens Brasileiras da Teoria da Bondade Natural. 3. ed. Rio de Janeiro: Top-books, sd.10 SILVA, Jos Bonifcio de Andrada e. Op. cit., p. 191.11 Idem, p. 188.12 Idem, p. 190.13 Idem, p. 193.14 Idem, p. 183 e 194.15 Idem, p. 191.16 Ver EISENBERG, Jos. As Misses Jesuticas e o Pensamento Poltico Moderno. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000. p. 91.17 Sobre o corpo legislativo referente aos ndios durante a administrao pombalina, ver Domingues, ngela. Quando os ndios eram Vassalos. Colonizao e Relaes de Poder no Norte do Brasil na Segunda Metade do Sculo XVIII. Lisboa: Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, 2000. p. 25-51.18 bem conhecido o papel estratgico dos aldeamentos e misses, especialmente os jesuticos, para a segurana dos encla-ves coloniais contra os ataques de ndios inimigos, as insurreies de escravos e os ataques de estrangeiros e quilombolas. Cf. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes. So Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 123-124. Apesar disso, a poltica pombalina passou a considerar as misses jesuticas como uma ameaa aos interesses portugueses, simplificando as relaes historicamente constitudas entre a Companhia de Jesus e a Coroa. Cf. MAXWELL, Kenneth. Marques de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p. 54.19 SILVA, Jos Bonifcio de Andrada e. Op. cit., p.198.20 Ver especialmente itens 33 e 44 em SILVA, Jos Bonifcio de Andrada e. Op. cit., p. 195 e 198.21 Como observou Emlia Viotti, as ideias de Bonifcio sobre a mulher, a liberdade religiosa, a gradual emancipao dos escravos e o uso racional e produtivo das terras fez com que ele perdesse rapidamente o apoio dos proprietrios de terras e dos altos comerciantes. Cf. COSTA, Emlia Viotti da. Op. cit., p. 71.22 VARNHAGEN, Francisco Adolpho de. Os ndios Bravos e o Sr. Lisboa, Timon 3. Lima: Imprensa Liberal, 1867. p. 52.23 Sobre o culto natureza e ao ndio como elementos centrais na formulao do nacionalismo romntico no Brasil, ver COUTINHO, Afrnio. A Literatura no Brasil Era Romntica. 6.ed. So Paulo: Global, 2002. p. 24. Sobre a verso sacrifi-cial do indianismo, ver BOSI, Alfredo. Um mito sacrificial: o indianismo de Alencar. In: BOSI, Alfredo. Dialtica da Coloni-

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    zao. 4. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 176-193. Sobre a tentativa de Varnhagen de invalidar os argumen-tos romnticos em defesa dos ndios, negando-lhes o estatuto de populao autctone, ver CEZAR, Temstocles. A retrica da nacionalidade de Varnhagen e o mundo antigo: o caso da origem dos tupis. In: GUIMARES, Manoel Luiz Salgado (Org.). Estudos sobre a Escrita da Histria. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. p. 29-41.24 VARNHAGEN, Francisco Adolpho de. Memorial orgnico. In: MOREIRA NETO, Carlos de Arajo. Os ndios e a Ordem Imperial. Braslia: CGDOC/Funai, 2005. p. 338.25 Dirio da Assembleia Geral Constituinte, e Legislativa do Imprio do Brasil, Seo de 23 de setembro de 1823, p. 90. Disponvel em . Acesso em 23 out. 2009. Nesta e em outras citaes do mesmo corpo documental, optou-se pela modernizao ortogrfica, respeitando, con-tudo, as nfases, as expresses de poca e a pontuao. 26 Ibidem.27 ALMEIDA, Ver Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indgenas Identidade e Cultura nas Aldeias Coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 105. Ver tambm DOMINGUES, ngela. Op. cit., p. 25-62.28 DOMINGUES, ngela. Op. cit., p. 43.29 Dirio da Assembleia Geral Constituinte, e Legislativa do Imprio do Brasil, Seo de 23 de setembro de 1823, p. 109. Dis-ponvel em . Acesso em 13 out. 2009.30 Idem, p. 90.31 Ibidem. 32 Cf. GRINBERG, Keila. O Fiador dos Brasileiros Cidadania, Escravido e Direito Civil no Tempo de Antnio Pereira Rebou-as. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002. p. 110-111.33 Cf. OLIVEIRA, Joo Pacheco de. Ensaios em Antropologia Histrica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999. p. 142.34 Idem, p. 138.35 Cf. MOREIRA NETO, Carlos de Arajo. Op. cit., p. 247.36 Para uma anlise desse corpo legal, ver MOREIRA NETO, Carlos de Arajo. Op. cit., p. 254-257.37 Para um balano da cidadania no Brasil oitocentista, ver CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania: tipos e percursos. Revista Estudos Histricos, n. 18, p. 1-21, 1996.38 Regulamento para a civilizao dos ndios botocudos nas margens do rio Doce Portaria de 28 de janeiro de 1824. In: OLIVEIRA, Jos Joaquim Machado de. Op. cit, p. 221-224.39 Portaria de 9 de Setembro de 1824. In: SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Memria histrica e documentada das aldeias de ndios da provncia do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico do Brazil, t. XVII, 3. Srie, n. 14, p. 108-552, 1854, p. 412.40 De acordo com Ilmar Mattos, s a boa sociedade conjugava em si os principais atributos que organizavam as hierarquias sociais do Imprio: a liberdade e a propriedade. Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. A Formao do Estado Imperial. So Paulo: Hucitec, 1990. p. 115. 41 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op. cit., p. 87.42 SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Op. cit, p. 186.43 ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Op. cit., p. 239.44 SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Op. cit., p. 180.45 Idem, p. 190-193.46 Aviso rgio de 24 de outubro de 1824 [sic1812] permitindo dar terras da fazenda de Santa Cruz para a cultura dos ndios da aldeia de Itaguay. In: SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Op. cit., p.382.47 Portaria de 9 de Setembro de 1824. In: SILVA, Joaquim Norberto de Souza e Op. cit., p. 412.48 Portaria de 9 de Setembro de 1824. In: SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Op. cit., p. 413.49 SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Op. cit., p.193.50 Requerimento dos ndios de Itaguahy. In: SOUZA E SILVA, Joaquim Norberto de. Op. cit., p. 413. 51 Idem.52 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: ndios e bandeirantes nas origens de So Paulo. So Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 137.53 DOMINGUES, ngela. Op. cit., p. 43.54 De acordo com o Alvar de 1 de abril de 1680, (...) na concesso de sesmarias se reserva sempre o prejuzo de terceiros, e muito mais se entende, e quero que se entenda, ser reservado o prejuzo e o direito dos ndios, primrios e naturais senho-

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    res dellas. Cf. MENDES JNIOR, J. Os Indgenas do Brasil, seus Direitos Individuais e Polticos. So Paulo: Typographia Hennies Irmos, 1912. p. 35.55 BARTH, Fredrik. Grupos tnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade. So Paulo: Fundao Editora da Unesp, 1998, p. 185-128. p. 209.56 Como explica Jos Maurcio Arruti, a nominao oficial pode ser definida como um processo de instituio de uma categoria jurdica ou administrativa que, englobando uma populao heterognea com base em determinadas caractersticas comuns, a institui como sujeito de direitos e deveres coletivos, ao mesmo tempo como objeto de ao do Estado. Cf. ARRUTI, Jos Maurcio. Mocambo: antropologia e histria do processo de formao quilombola. Bauru/SP: Edusc, 2006. p. 52.57 Apud SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Op. cit., p.194.58 CARVALHO, Jos Murilo de. Dimensiones de la ciudadana em el Brasil del siglo XIX. In: SABATO, Hilda (Coord). Ciudadana poltica y formacin de las naciones. Perspectivas histricas de Amrica Latina. Mxico: FCE, COLMEX, FHA, 1999. p. 333.59 Sobre a cooperao litrgica prestada pelos guardas nacionais ao Estado, os tipos de servios realizados e o funcionamento da corporao, ver URICOECHEA, Fernando. O Minotauro Imperial. A Burocratizao do Estado Patrimonial Brasileiro no Sculo XIX. Rio de Janeiro/So Paulo: Difel, 1978. Sobre o peso desse servio entre setores mais pobres, cf. p. 204.60 SILVA, Joaquim Norberto de Souza e. Op. cit., p.194.61 Sobre as autoridades que tutelavam o patrimnio dos ndios, ver CUNHA, Manuela Carneiro da. Prlogo. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Legislao Indigenista no Sculo XIX. So Paulo: Edusp, 1992, p. 1-34. p. 14.62 03/06/1833: Decreto Encarrega da administrao dos bens dos ndios, aos juzes de rfos dos municpios respectivos. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Op. cit., p. 156.63 Rio de Janeiro (provncia). Presidente (Soares de Souza). Relatrio de 18 de outubro de 1836. Disponvel em . p. 8.64 A prestao de servios ao Estado como um dos significados mais concretos da cidadania para os pobres livres do Imprio foi analisada por Jos Murilo de Carvalho, em Cidadania: tipos e percursos. Op. cit. Em direo paralela, o estudo de Beatriz Mamigonian mostra que tambm os africanos livres ficaram sujeitos ao Estado Imperial, prestando diferentes servios. Cf. MAMIGONIAN, Beatriz. A harsh and gloomy fate. Liberated Africans in the service of the Brazilian State, 1830s-1860s. In: CURRY, Dawne; DUKE, Eric & Smith, MARSHANDA (Ed.). Extending the Diaspora. New Histories of Black People. Urabana/Chicago: University of Illinois Press, s/d., p. 22-45. Sobre a requisio de ndios para a prestao de servios ao Estado, incluindo o Exrcito e a Armada, ver CUNHA, Manuela Carneiro da. Prlogo. Op. cit., p. 1-34; e MOREIRA, Vnia Maria Losada. Caboclismo, vadiagem e recrutamento militar de ndios na provncia do Esprito Santo (1822-1875). Dilogos Latinoamericanos, n. 11, p. 94-120, 2005.65 J foi devidamente demonstrado que o processo histrico de organizao do mercado de trabalho livre durante o Imp-rio e a Primeira Repblica se fez custa do cativeiro da terra. Cf. MARTINS, Jos de Souza. O Cativeiro da Terra. 6.ed. So Paulo: Hucitec, 1996, especialmente a primeira parte. Sobre a precariedade como um dos elementos definidores da condi-o de vida e trabalho dos livres e pobres do Imprio, ver LIMA, Henrique Espada. Sob o domnio da precariedade: escravi-do e os significados da liberdade de trabalho no sculo XIX. Topoi, v. 6, n. 11, p. 289-326, jul.-dez. 2005. p. 292.66 Como argumentaram Istvn Jancs e Joo Paulo Pimenta: No era simples para as elites luso-americanas despirem-se de algo to profundamente arraigado como a identidade portuguesa, expresso sinttica de sua diferena e superioridade diante dos muitos para quem essa posio estava fora de alcance. Saberem-se portugueses constitua o cerne da memria que esclarecia a natureza das relaes que mantinham com o restante do corpo social nas suas ptrias particulares, aquela massa de gente de outras origens com a qual, sobre a qual ou contra a qual caberia organizar o novo corpo poltico. Cf. JANCS, Istvn & PIMENTA, Joo Paulo. Peas de um mosaico (ou Apontamentos para o estudo da emergncia da iden-tidade nacional brasileira). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem Incompleta. A Experincia Brasileira (1500-2000). So Paulo: Editora Senac, 1999, p. 127-175. p. 173.67 CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania: tipos e percursos. Op. cit., p. 6.68 Como observou Hobsbawm, o nacionalismo veio antes das naes, criando-as simbolicamente e instituindo a ideia ou a equao, segundo a qual nao = Estado = povo. Pior ainda, a nao passou a ser definida como uma realidade uma e indivisvel. Cf. HOBSBAWM, Eric. Naes e Nacionalismos desde 1780. 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    Resumo

    A transio do Brasil para a condio de nao independente gerou uma reviso na poltica indigenista colonial com o objetivo de definir os parmetros que o Imprio deveria adotar em relaes aos ndios. Personagem destacado nesse processo foi Jos Bonifcio de Andrada e Silva, que apresentou Assembleia Constituinte de 1823 uma detalhada pro-posta sobre o assunto. A dissoluo da Assembleia Constituinte interrompeu o debate sobre os ndios e a Constituio outorgada em 1824 abriu margem para consider-los cidados. O objetivo deste artigo analisar as estratgias indge-nas e estatais no processo de definio dos direitos e das obrigaes inerentes condio de cidados, logo aps a Inde-pendncia, tomando como objeto de reflexo o perodo da Constituinte e a experincia dos ndios da vila de Itagua, no Rio de Janeiro.Palavras-chave: populao indgena; cidadania; poltica indigenista; Primeiro Reinado; Jos Bonifcio de Andrada e Silva.

    Abstract

    The transition of Brazil to the condition of independent nation induced a revision of the colonial Indian policy with the objective of defining the parameters that the Empire had to adopt regarding the Indian population. An important actor in this process was Jos Bonifcio de Andrada e Silva who presented a detailed proposal on this issue to the 1823 Constitu-ent Assembly. The dissolution of the Constituent Assembly interrupted the debate, but the 1824 Constitution opened the possibility of considering Indians as citizens of the empire. This articles means to analyze the strategies of the Indians and of the State in the process of defining the rights and obligations inherent to the condition of citizen, immediately after the Independence, studying the Constituent period and the experience of the Indians of Itagua Village in Rio de Janeiro.Keywords: Indian population; citizenship; Indian policy; First Reign; Jose Bonifcio de Andrada e Silva.