da proibiÇÃo da demissÃo em massa desmotivada … · 3.4 demissao em massa e intervenÇÃo...

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FRANCYNI SCHIAVON BREDA DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA EM FACE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL MARÍLIA 2011

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FRANCYNI SCHIAVON BREDA

DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA

EM FACE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO

BRASIL

MARÍLIA

2011

1

FRANCYNI SCHIAVON BREDA

DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA

EM FACE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO

BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa

de Mestrado em Direito da

Universidade de Marília, como

exigência parcial para a obtenção do

grau de Mestre em Direito, sob

orientação do Prof. Dr. Lourival José

de Oliveira.

MARÍLIA

2011

2

Autora: FRANCYNI SCHIAVON BREDA

Título: DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA EM FACE DA

VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,

área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,

sob orientação do Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.

Aprovada pela Banca Examinadora em: _____/_____/_____

_______________________________________

Prof. Dr. Lourival José de Oliveira

Orientador

______________________________________

Prof. (a) Dr. (a)

_____________________________________

Prof. (a) Dr. (a)

3

Dedico este trabalho ao meu querido esposo Luís

Gustavo, pela dedicação, amor e carinho em todos os

momentos de minha vida.

4

Agradeço sempre a Deus por mais uma oportunidade;

Ao meu amado esposo pela compreensão e auxílio nos meus estudos;

Aos meus pais pelo carinho e formação da minha educação;

Aos meus irmãos, cunhadas e sobrinhos pelos laços de amor;

Ao Professor Lourival pelo desempenho e dedicação nas nossas orientações;

Aos queridos Professores do Mestrado, pelos ensinamentos;

Aos meus queridos amigos que ao longo do mestrado conquistei;

Aos meus eternos amigos;

E a Unimar pela excelência nos seus cursos;

5

―Perder o trabalho é como perder a morada. É perder

a razão que justifica nossa existência. É sair de cena,

é ser exilado, é deixar de participar, com outros, do

aprontamento do mundo, do aprontamento de

heranças para os que virão. Perder o trabalho é como

morrer.‖

Dulce Critelli

6

DA PROIBIÇÃO DA DEMISSÃO EM MASSA DESMOTIVADA

EM FACE DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO NO

BRASIL

Resumo: A Constituição Federal em seu artigo 170 apresentou como primado da ordem

econômica a valorização do trabalho humano. Consequentemente, situações como a demissão

em massa desmotivada contraria frontalmente o valor do trabalho humano. O artigo 7º, inciso

I, do Texto Magno estabeleceu que a relação de emprego é protegida contra a despedida

arbitrária ou sem justa causa o que significa que a demissão desmotivada ou arbitrária, seja no

plano individual ou coletivo, é inconstitucional. A não regulamentação do referido dispositivo

não é motivo suficiente para defender a sua não aplicação imediata. Partindo-se de uma

interpretação sistêmica e única da Constituição Federal, levando-se em conta os princípios

que fundamentam a República Federativa do Brasil, assim como considerando a proteção ao

trabalho como um Direito Social, ou seja, fundamental, com característica de auto

aplicabilidade, tem-se como conclusão a desnecessidade de regulamentação do artigo 7º,

inciso I da Constituição Federal, o que o torna auto aplicável. Priorizou-se também neste

estudo a função social da propriedade e a ética empresarial de forma a construir um conjunto

argumentativo que possibilitou demonstrar a necessidade de revisão nas decisões judiciais

proferidas sobre demissão em massa, descortinando o entendimento que, apesar de não existir

legislação positivada que proíba referida forma de demissão, a sua aceitação se faz

completamente divorciada dos princípios e finalidades estabelecidas no texto constitucional, o

que a torna nula de pleno direito.

Palavras-chave: Demissão em Massa. Manutenção da relação de emprego.Valorização do

Trabalho Humano.

7

THE PROHIBITION OF MASS RESIGNATION DISCOURAGED BY FACE VALUE

OF HUMAN LABOR IN BRAZIL

Abstract: The Federal Constitution in the Article 170 presents primacy of the economic

recovery of human work. Consequently, situations such as unmotivated mass layoffs flies in

the face value of human labor. The Article 7º, paragraph I, the Great Text established that the

employment relationship is protected from arbitrary dismissal without just cause or meaning

that unmotivated or arbitrary dismissal, whether on an individual or collective, is

unconstitutional. The deregulation of the device is not enough to defend its immediate

implementation. Starting from a single and coherent interpretation of the Constitution, taking

into account the principles that underlie the Federative Republic of Brazil, as well as

considering the protection of labor as a social law, or fundamental, with the characteristic of

self applicability , has been completed is unnecessary as the regulation of the Article 7º,

section I of the Federal Constitution, which makes self-applicable. Prioritized in this study is

also the social function of the property and business ethics in order to construct a set of

argument that demonstrate the possible need to revise the judgments about mass layoffs,

unfolding the understanding that, although there is no law that prohibits positively valued that

form of resignation, its acceptance becomes completely divorced from the principles and

purposes set out in the constitutional text, which makes it null and void.

Keywords: Mass resignation. Maintaining the employment relationship. Enhancement of

Human Work.

8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

1 DA ORDEM ECONÔMICA E A PROTEÇÃO DO TRABALHO HUMANO............12

1.1 A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO..........................................................12

1.2 DA LIMITAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E A PROTEÇÃO AO

TRABALHO HUMANO.........................................................................................................20

1.3 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PROTEÇÃO DO TRABALHO

HUMANO................................................................................................................................30

1.3.1 Evolução da Função Social da Propriedade...................................................................31

1.3.2 Da Ética Empresarial.....................................................................................................34

1.3.3 Função Social da Empresa e os valores da ordem econômica.......................................36

1.4 DOS OBJETIVOS PERSEGUIDOS ATRAVÉS DA PROTEÇÃO AO TRABALHO

HUMANO................................................................................................................................40

2 DAS PROTEÇÕES CONSTITUCIONAIS CONTRA A DEMISSÃO

DESMOTIVADA...................................................................................................................44

2.1 DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO...............44

2.2 DA INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA AO ARTIGO 7º, I DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL................................................................................................................................49

2.3 DA MANUTENÇAO DA RELAÇÃO DE TRABALHO ENQUANTO DIREITO

FUNDAMENTAL...................................................................................................................66

2.4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO DE

TRABALHO............................................................................................................................74

3 DA PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM MASSA E VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO HUMANO.......................................................................................................87

3.1 CONCEITO DE DEMISSÃO EM MASSA E OS PRINCÍPIOS DO DIREITO

COLETIVO DO TRABALHO................................................................................................87

3.1.1 Princípios do Direito Coletivo do Trabalho....................................................................91

3.2 DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E DEMISSÃO EM MASSA....................................100

3.2.1 Demissão em massa.....................................................................................................105

3.3 DOS INSTRUMENTOS PARA A PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM

MASSA..................................................................................................................................111

3.3.1 Convenção Coletiva do Trabalho e Acordo Coletivo do Trabalho...............................111

3.3.2 Ação Civil Pública........................................................................................................114

3.4 DEMISSAO EM MASSA E INTERVENÇÃO ESTATAL: INCENTIVOS E

POLÍTICAS PÚBLICAS.......................................................................................................119

CONCLUSÕES....................................................................................................................130

REFERÊNCIAS..................................................................................................................133

9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

art. - artigo

CC - Código Civil

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CF/88 - Constituição Federal de 1988

EC - Emenda Constitucional

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

In - em

ISO - Organização Internacional para Padronização

nº - número

OIT - Organização Internacional do Trabalho

SEBRAE - Serviço Brasileiro de Apoio as Micros e Pequenas empresas

TRT - Tribunal Regional do Trabalho

TST - Tribunal Superior do Trabalho

10

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal vigente destaca em seu bojo princípios basilares que

norteiam todo o sistema jurídico brasileiro. Especificamente, os princípios da dignidade da

pessoa humana, da valorização do trabalho humano, da função social da empresa e da livre

iniciativa, os quais servem para promover um melhor entendimento quanto à proteção e

valorização do trabalho humano no Brasil.

O problema em questão é que embora a Constituição Federal preze por todas as

garantias que assegurem a manutenção da relação do emprego, o seu artigo 7º, inciso I, até o

momento, carece de regulamentação complementar, o que deixa lacunas para que as empresas

realizem demissões em massa imotivadas de seus empregados, sem respeitar os princípios

elencados constitucionalmente e as finalidades inseridas pela mesma Constituição, como por

exemplo, a redução das desigualdades sociais através da valoração do trabalho humano.

Na tentativa de balizar o problema, em 17 de setembro de 1992 a Convenção nº

158 da OIT fora ratificada pelo Brasil e, posteriormente denunciada em 20 de novembro de

1996, pelo Decreto nº 2.100, de 20 de dezembro de 1996. Referida Convenção era uma

alternativa para a regulamentação do artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, no tocante à

dispensa arbitrária ou sem justa causa. A sua própria denúncia foi um procedimento que até o

presente momento é contestado junto ao Supremo Tribunal Federal através de Ação Direta de

Inconstitucionalidade, o que demonstra o desinteresse, não importando o procedimento a ser

adotado de proteção contra a demissão desmotivada.

Além da Convenção nº 158 da OIT, o estudo traz inúmeros outros preceitos

constitucionais e legais que buscam suprir a ausência de normas legais existentes em relação

ao artigo 7º, inciso I da Constituição Federal, inclusive com o artigo 8º da Consolidação das

Leis do Trabalho.

Destarte, é importante frisar que a valorização do trabalho humano deve ser

mantida. Nos moldes constitucionais as empresas devem voltar-se para uma gestão que não

preze somente o lucro, mas também promova a função social, como por exemplo, enaltecer a

dignidade da pessoa que ali labora, valorizando o seu trabalho.

O tema apresentado é importante para tornar eficazes os objetivos perquiridos

constitucionalmente no artigo 3º, vez que sem a valorização do trabalho não é possível reduzir

as desigualdades sociais e regionais e garantir um desenvolvimento nacional sustentável.

11

Nesse contexto, o desempenho do trabalhador não pode se transformar em meios

de capitação de riqueza. Enfoca-se que as empresas diante a obrigatoriedade de cumprimento

da função social, devem buscar a forma mais adequada para atuar juntamente com o

desenvolvimento nacional.

Diante deste quadro como entender constitucionalmente a demissão em massa

desmotivada? Estaria esta modalidade de rescisão do contrato de trabalho proibido

constitucionalmente? Ainda, haveria na hipótese de não proibição, a possibilidade de

estabelecer procedimentos prévios demissionários como requisito da sua própria validade?

Além da regulamentação da demissão em massa imotivada propriamente dita,

outro ponto de suma importância a ser abordado é sobre os meios aplicáveis para se evitar

essa demissão em massa. Destaca-se que é possível, através dos princípios do Direito Coletivo

a garantia de todo o procedimento a ser seguido em caso de despedidas imotivadas.

Questões como função social da empresa, a valorização do trabalho humano, os

objetivos sociais a serem alcançados através da reconstrução de um trabalho digno somam-se

ao esforço de tentar construir um entendimento capaz de proporcionar de forma efetiva o

atendimento ao princípio da continuidade da relação de trabalho, considerando que a

demissão em massa desmotivada pode dar ensejo a crises sociais de difícil mensuração.

Atendendo-se ao princípio da utilidade do trabalho científico propôs-se a

construção de políticas públicas capazes de antever situação como as demissões em massa

desmotivadas, a fim de não deixar que elas ocorram.

O presente estudo justifica-se no plano teórico ou fático, tendo sido utilizado

pesquisas bibliográficas, jurisprudenciais e a adoção do método dedutivo. O esforço foi no

sentido de buscar alternativas de acordo com os parâmetros constitucionalmente erigidos para

a proteção do trabalho humano.

12

1 DA ORDEM ECONÔMICA E A PROTEÇÃO DO TRABALHO HUMANO

O trabalho humano não pode mais ser visto como no passado, isto é, a forma de

castigo não é mais aceita. A Constituição Federal vigente garante a dignidade da pessoa

humana como resultado do desenvolvimento econômico.

Nesses moldes, o tema a ser apresentado permeia exclusivamente os princípios da

valorização do trabalho humano, da livre iniciativa, da função social da propriedade,

destacando-se a ética empresarial, bem como os objetivos perquiridos constitucionalmente.

1.1 A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO

A valorização do trabalho humano é pressuposto irrefutável para atingir

finalisticamente os objetivos contidos no artigo 3º da Constituicao Federal, vez que o trabalho

valorizado vem de encontro à erradicação das desigualdades regionais e sociais.

Buscou-se constitucionalmente proteger o trabalho humano. Como marco inicial

cabe a citação da Constituição mexicana de 1917,valendo citar neste sentido Amador Paes de

Almeida:

A 31 de janeiro 1917, a Constituição mexicana estabelecia, pela primeira

vez, normas constitucionais de proteção ao trabalhador, limitando a jornada

diária em oito horas, vedando o trabalho insalubre às mulheres e aos

menores de dezesseis anos. Estabelecia como predecessor do repouso

semanal remunerado, um dia de descanso, para cada seis dias de trabalho.

Assegurava à gestante, nos três meses anteriores ao parto, trabalho que não

exigisse considerável esforço físico. E, pioneiramente, estabelecia o salário

mínimo vital à sobrevivência do trabalhador.

Segue-se-lhe a Constituição de Weimar, de 1919, que colocava o trabalho

sob proteção do Estado, assegurando liberdade de associação para a defesa e

melhoria das condições de vida do trabalhador. Instituía, outrossim, um

sistema de seguro de vida para a proteção à maternidade e previdência contra

as conseqüências econômicas da viuvez, da velhice, da invalidez e dos

acidentes, proclamando, outrossim, que a todo trabalhador dar-se-ia a

oportunidade de adquirir, mediante seu trabalho, o necessário à subsistência.1

1 ALMEIDA, Amador Paes de. CLT comentada. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 3.

13

A Declaração dos Direitos Humanos de 1948 é também um marco importante para

amparar a valorização do trabalho humano como leciona Flávia Piovezan:

A partir da aprovação da Declaração Universal de 1948 e a partir da

concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida, começa

a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a

adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos

fundamentais. A Declaração de 1948 confere lastro axiológico e unidade

valorativa a este campo do Direito, com ênfase na universalidade,

indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. Como leciona

Norberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais

universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando

cada Constituição incorpora Declaração de Direitos), para finalmente

encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais.2

A Declaração Tripartite de Princípios sobre as empresas multinacionais foi um dos

meios para preservar a valorização do trabalho humano, por fazer recomendações aos

governos, as organizações de empregados e empregadores e as multinacionais.Objetiva essa

declaração direcionar as multinacionais em uma gestão voltada à promoção do emprego,

igualdade de oportunidades e tratamento para com os empregados, coibição do trabalho

infantil, promoção das negociações coletivas, banimento da discriminação no trabalho e

outros.

Nas Constituições Brasileiras já era possível notar a presença da valorização do

trabalho humano. A Constituição de 1946, em seu art. 145 ditava que a ordem econômica

―deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de

iniciativa com a valorização do trabalho humano‖3. No mesmo sentido a Constituição de 1967

e também a Emenda Constitucional de 1969, referiam-se à valorização do trabalho humano.

A Constituição Federal de 1988 inseriu no artigo 1º, como princípios fundamentais

os valores sociais do trabalho e no artigo 170, incluiu a valorização do trabalho humano com a

livre iniciativa ao tratar da ordem econômica.

O intuito do constituinte foi proteger juridicamente o trabalho, tendo em vista que

é através dele que se garante a concretização de um sistema capitalista, bem como as garantias

pessoais mínimas de sobrevivência do ser humano. Isso porque, o trabalho é uma ferramenta

importantíssima para a transformação e elaboração de uma sociedade rodeada de princípios

2 PIOVESAN, Flávia. Primazia da norma mais benéfica à proteção dos Direitos Humanos. In: TORRES, Ricardo

Lobo; KATAOKA, Eduardo Takemi; GALDINO, Flávio. (Orgs). Dicionário de princípios jurídicos. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2011. p. 1023-1036. 3BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível em <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm> . Acesso em 01 ago. 2009.

14

dignos capazes de atender ao mínimo esperado e exigido para conceder uma vida digna a

todos. Ao assegurar os direitos fundamentais do empregado, consequentemente, minimiza-se

os impactos tais como, carência alimentar, precarização da moradia, educação e saúde.

O princípio da valorização do trabalho humano transcende à vontade do indivíduo,

pois, assim como todo indivíduo adquire a personalidade ao nascer com vida, a valorização do

trabalho nasce no momento em que se constata a relação de emprego, independentemente do

tipo de trabalho laborado.

Nos dizeres Débora Brito Moraes e Lourival José de Oliveira:

A valorização do trabalho humano significa proporcionar ao ser humano um

trabalho que lhe dê orgulho em desempenhá-lo, lhe dê prazer, de forma que

o trabalhador realmente se sinta feliz ao iniciar uma jornada de trabalho. E

que, desta forma, não tenha o trabalho apenas como meio de sobrevivência,

porque desta forma retira do ser humano qualquer resquício de dignidade.

Petter ensina que ‗Valorizar o trabalho, então, equivale a valorizar a pessoa

humana, e o exercício de uma profissão pode e deve conduzir à realidade de

uma vocação do homem‘.4

Nessa linha, o trabalho deve ser realizado como uma forma prazerosa e não como

uma forma de punição. No momento em que o trabalho é valorizado, consequentemente o ser

humano é posto em um patamar de igualdade na relação empregatícia.

A autora Rosilaine Chaves Lages conceitua a valorização do trabalho no aspecto

da própria garantia a relação de emprego, veja-se:

O conceito de trabalho na expressão ‗valorização do trabalho‘ deve ser

compreendido como trabalho juridicamente protegido, ou seja, emprego. É o

emprego elemento condutor que promove a inserção do trabalhador no

sistema capitalista globalizado, e só deste modo é possível garantir-lhe um

patamar concreto de afirmação individual, familiar, social, ético e

econômico.

Portanto, a correta leitura constitucional do princípio da valorização do

trabalho está ligada intrinsecamente com o emprego, por ser a única forma

coerente com os demais imperativos principiológicos constitucionais, como

o princípio da justiça social e da busca do pleno emprego, conforme

preceitua o art. 170, VIII da Constituição Federal de 1988. 5

O contrato de trabalho serve para determinar as obrigações e delimitar a esfera de

atuação de ambos contratantes como bem explica Pedro Romano Martinez:

4 MORAES, Débora Brito; OLIVEIRA, Lourival José de. Aspectos sobre valorização do trabalho humano.

Disponível em: <www.diritto.it/all.php?file=24024.pdf> Acesso em 20 jan. 2010. 5 LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:

homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 115.

15

O contrato de trabalho, como qualquer negócio jurídico, deve determinar

direitos e deveres para ambas as partes e não apenas os direitos de uma

delas, o trabalhador. É errôneo encarar o contrato de trabalho como girando

em torno do trabalhador, nem tal acontece no diploma citado. Assim, sendo,

o contrato de trabalho deve ser visto em função das duas partes, indicando os

respectivos direitos e obrigações.6

Outro ponto a ser ressaltado no decorrer do trabalho apresentar-se-á em tópico

específico, trata-se da dignidade da pessoa humana, estando esta atrelada ao princípio da

valorização do trabalho humano, vez que o trabalho humano não pode ser visto como uma

forma de castigo, mas sim que lhe dê prazer e condições para se ter uma vida digna. Ana

Paula Tauceda dita que:

Não constitui tão somente uma regra juridicamente ordenada, mas antes um

―cordão umbilical‖ em que o sistema é realimentado pelo Princípio

Constitucional Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana que, a nosso

ver, inegavelmente, ocupa local e função (informadora, normativa e

interpretadora) em primazia às demais normas, vinculando-se a

posicionamentos hermenêuticos que reconheçam a pessoa humana,

especialmente na figura do trabalhador, como pilar estruturante do Sistema. 7

João Carlos Teixeira alude que o trabalho não é mercadoria, devendo ser protegido

contra as leis mercadológicas, veja-se:

Ao mesmo tempo em que a dignidade da pessoa humana figura como o

fundamento das normas internacionais de proteção dos direitos humanos, a

Organização Internacional do Trabalho (OIT), conciliando e reconhecendo

os valores da dignidade da pessoa humana e do trabalho humano, consagra

como princípio fundamental do direito internacional do trabalho que o

trabalho não é mercadoria.

O princípio fundamental de direito internacional laboral de que o trabalho

não é mercadoria visa à proteção do trabalho humano contra as vicissitudes

do mercado de trabalho. Considerando que o sistema de produção capitalista

não é capaz de gerar postos de trabalho para todas as pessoas aptas a laborar,

verifica-se nesse sistema que a oferta de mão-de-obra tende a ser maior do

que a demanda, o que inexoravelmente levaria à desvalorização do trabalho

humano. Assim, visando à proteção da dignidade humana e o valor ético do

trabalho nesse contexto de mercado de trabalho, faz-se necessária a

intervenção estatal, para estabelecer padrões mínimos de condições de

6 MARTINEZ, Pedro Romano. Princípios do direito do trabalho – princípios, regras e interpretação das normas

jurídicas e convencionais. In: NAHAS, Thereza (Coord.) . Princípios de direito e processo do trabalho: questões

atuais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 1-29. 7TAUCEDA, Ana Paula apud LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da

valorização do trabalho regulado: homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr,

2010. p. 111.

16

trabalho, como remuneração mínima, saúde e higiene no trabalho.8 (grifo do

autor)

Sem a intervenção estatal não há o que se falar em garantias ao trabalhador, porque

infelizmente a empresa ante à procura de empregos explora essa condição favorável de

mercado, não cumprindo com as mínimas condições que se espera ter para um emprego

digno. Como bem expõem Rodolfo Capón Filas:

A necessidade de proteger o trabalho em suas diversas formas tem como

fundamento a dignidade humana e deve ser buscada na própria essência do

homem. Lembra o autor que o trabalho não é uma realidade em si, como o

capital, mas uma realidade no homem. Desta forma, não existe o trabalho,

mas sim o homem que trabalha. Assim, o ‗homem que trabalha‘ deve ser

protegido legalmente porque sua sorte interessa a toda sociedade a tal ponto

que essa mesma sociedade pode ser valorada de acordo com seus níveis

éticos elementares a partir do modo como trata a quem trabalha.9

Portanto, somente haverá o cumprimento do princípio da dignidade da pessoa

humana quando o mínimo existencial for garantido pelo Estado, conferindo ao ―ser‖ o status

de pessoa humana, até porque é dever do Estado efetivar os valores sociais do trabalho como

discorre Rosilaine Chaves Lages ao dizer que:

Nesse diapasão, é dever precípuo do Estado efetivar os valores sociais do

trabalho estabelecidos na Constituição da República brasileira, mormente

dando prioridade `a relação de emprego, buscando a minimização das

injustiças sociais, mediante a concretização do princípio da justiça social.10

O trabalho, constitucionalmente, deve ser protegido pelo Estado, declarando que o

Poder Público deve incentivar as empresas e ao mesmo tempo fiscalizá-las, a fim de que

promovam um ambiente de trabalho capaz de atender às necessidades dos trabalhadores de

forma a garantir que os mesmos tornem-se criativos, valorizados e possam reproduzir esta

situação no ambiente externo.

Caso não se promova iniciativas voltadas para as finalidades acima elencadas, não

somente o ambiente empresarial sofrerá prejuízos, mas também a sociedade como um todo.

Menciona Pedro Romano Martinez, no parágrafo abaixo que:

8TEIXEIRA, João Carlos. Direito do trabalho se integra ao bem-estar social. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2008-mar-02/direito_trabalho_integra_bem-estar_social?>. Acesso em:

07 ago. 2009. 9 FILAS,Rodolfo Capón apud PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito constitucional do

trabalho. Salvador: Editora Podivm. 2009. p. 72.

17

O favor laboratis deve ser hoje entendido numa perspectiva histórica, sem

uma aplicação prática, o direito do trabalho não foi estabelecido para

defender os trabalhadores contra os empregadores, ele existe em defesa de

um interesse geral, onde se inclui toda a comunidade. A comunidade, de que

fazem parte trabalhadores e empregadores, beneficia da mútua colaboração e

da paz social. A idéia de que no direito do trabalho se pretende favorecer o

trabalhador contra o empregador dificulta inclusive a criação de novos

empregos, pelo receio que os empregadores têm das conseqüências que daí

poderão advir.(grifo do autor)11

As pessoas em busca de uma vida digna necessitam de um trabalho para a sua

mantença. O ciclo do ―suor‖, ―produção‖ e de ―realização‖ inserem-se no mundo jurídico em

especial na Constituição Federal, impedindo que a exploração e a desvalorização do trabalho

se sobreponham à dignidade da pessoa humana.

Mas como deve ser a organização de uma sociedade que almeje qualidade de vida

com a produção e o consumo exacerbado?

Não é fácil conseguir de maneira harmônica conciliar a valorização do trabalho e a

livre iniciativa, por isso que a Constituição Federal em seu artigo 170 inseriu na ordem

econômica o capital e o trabalho juntos, para tentar equilibrar os dois direitos garantidos

constitucionalmente.

Deve-se lembrar que a lei por si só é inerte. Se o Estado não tem uma postura

dinâmica e garantidora dos diversos direitos, a organização é falha e consequentemente

haverá a descrença do cidadão, que tanto almeja seus direitos e justiça.

Destaca-se que, o novo conceito esperado do Estado e da sociedade é que ―não é o

homem que deve servir à economia, e sim a economia que deve servir ao bem estar do

homem‖. 12

Outro ponto a ser explorado é a ética empresarial, que surge nesse cenário da

valorização do trabalho humano em busca de efetivá-lo.

Como ressalta Ferrell, Fraedrich, Ferrell, citados por Fernanda Gomes dos Santos:

―Ética empresarial compreende princípios e padrões que orientam o comportamento no

mundo dos negócios.‖ 13

10

LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:

homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 113. 11

MARTINEZ, Pedro Romano. Princípios do direito do trabalho – princípios, regras e interpretação das normas

jurídicas e convencionais. In: NAHAS, Thereza (Coord.) . Princípios de direito e processo do trabalho: questões

atuais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 1-29. 12

MORAES, Débora Brito; OLIVEIRA, Lourival José de. Aspectos sobre valorização do trabalho humano.

Disponível em: <www.diritto.it/all.php?file=24024.pdf> Acesso em 20 jan. 2010. 13

FERREL, O.C.; FRAEDRICHI, John; FERREL, Linda. 2001. apud SANTOS, Fernanda Gomes dos Santos.

Responsabilidade social e demissões em massa: um olhar de relações públicas no relacionamento com o público

interno. Disponível em: <

18

Nesse sentido, as empresas têm o dever de cumprir com o devido padrão social

exigido por toda a sociedade com relação aos seus empregados. Não há como desmembrar a

ética das condutas empresariais por estar inserida na sua essência.

As empresas devem prezar ao máximo as condições dignas de um ambiente de

trabalho, tornando-o sadio, mantendo a preocupação com a saúde de quem ali labora, dando

prazer aos seus empregados no momento em que estão dentro e fora da empresa.

Cada vez mais os consumidores dão preferências para empresas que se preocupam

com a responsabilidade social. Desta forma, as empresas que não se adequarem aos novos

padrões serão aos poucos excluídas do mercado, tendo em vista que a confiança posta pela

empresa é o que determinará um crescimento com sucesso.

Fernanda Gomes dos Santos afirma que:

[...] a responsabilidade social nas empresas só poderá ser incorporada ao

processo diário de tomada de decisão se as organizações incluírem em sua

filosofia e sua estratégia de ação, preocupações de natureza ética. A conduta

ética nas organizações também é definida na transparência das empresas, nas

relações com seus públicos e na preocupação que possuem com o impacto

das suas atividades na sociedade. Essa relação de confiança contribui para o

sucesso das empresas, sucesso que se reverte de forma financeira, graças à

imagem que se tem das empresas e está relacionada à responsabilidade

social. 14

Várias empresas brasileiras e mundiais já demonstram a sua credibilidade pelo

papel social desenvolvido, como por exemplo, a Accor Brasil, a Achè, a Avon, O Boticário,

Carrefour, Hospital Albert Einstein, Bradesco, que estão filiadas ao Instituto Ethos.15

Na medida em que há o desemprego, ocorre a desvalorização do trabalho e

consequentemente a queda do crescimento econômico, pois o trabalhador é também um

consumidor.

Pode-se elencar fatores que contribuem para o aumento de desemprego,

destacando-se especialmente a troca de mão de obra humana por máquinas. A título de

exemplo, um caixa eletrônico de um banco, hoje um aparelho corriqueiramente usado pela

sociedade em busca de agilidade, enquanto um caixa eletrônico faz em torno de duas mil

http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3%

95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010. 14

SANTOS, Fernanda Gomes dos Santos. Responsabilidade social e demissões em massa: um olhar de relações

públicas no relacionamento com o público interno. Disponível em: <

http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3%

95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010. 15

INSTITUTO ETHOS. Disponível em: < http://www.ethos.org.br/sistemas/empresas_

entidades/empresas_associadas/lista_geral/index.asp> . Acesso em: 09 abr. 2010.

19

operações, um funcionário caixa faz duzentas transações. É essa diferença gritante de serviço

que as empresas em busca de economia e agilidade de serviço, optam pela substituição da

mão de obra humana.16

Fatores como crises mundiais também dão causa ao aumento de

desempregados.

Diante esse fato é necessário incluir políticas públicas que atraiam as empresas

para tornarem parceiras na busca de oferta e mantença de emprego e não de desemprego, que

é o que vem ocorrendo.

Cumpre salientar que as mudanças surgem após as graves atrocidades, inovações,

dentre outros fatos. Assim, cada geração vem sendo reconstruída a cada fato ocorrido, porém,

cada vez mais enfraquecida. Um exemplo clássico é o que ocorre com o meio ambiente, ou

seja, a sua destruição. Ante a isso, surge o princípio do poluidor pagador, o qual garante o

direito de se poluir, mas com uma oneração.

Nesse aspecto que o enfraquecimento se torna mais evidente, porque o correto

seria não poluir e não o que hoje é aceito: ―poluo, mas pago por isso‖.

Da mesma forma, ocorre com a valorização do trabalho humano. É preciso

evidenciar fatos como o trabalho escravo, maus tratos, ambientes totalmente indignos,

demissões imotivadas, para estabelecer medidas que tentam bloquear tais condutas

empresariais e que às vezes ficam impunes ou pagam multas e ainda continuam praticando o

ato.

Enfim, como ressalta a doutrinadora Dinaura Godinho Pimentel Gomes:

É por isso que, na esfera das relações de trabalho, o Direito atual deve atuar

de forma mais dinâmica, inovando e transformando, porque o trabalho torna

o homem mais homem, ao possibilitar-lhe o pleno desenvolvimento de sua

personalidade, de onde resulta sua valorização como pessoa humana. (grifos

do autor)17

Esse atuar de forma dinâmica deve ser ressaltado sempre no mundo jurídico,

quando as relações versarem sobre a vida. Portanto, nas relações trabalhistas, um dos agentes

envolvidos sempre será um ser humano, cabendo a aceleração do direito para acompanhar

com as expectativas almejadas pela sociedade.

Logo, se o ambiente de trabalho é um dos fatores responsáveis pela personalidade

do trabalhador, como ficaria a personalidade de uma pessoa que passa a maioria da vida

16

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 40.

20

dentro de um local, laborando sem o mínimo de condição exigida para se ter um trabalho

digno?

Por isso, é fundamental a presença do Estado para impor decisões que auxiliem os

empresários a gerirem suas empresas com mais flexibilidade no aspecto social. Como bem

menciona Scheilla Regina Brevidelli:

É preciso repensar a relação homem-trabalho... É preciso repensar a

empresa... E os dois focos sobre os quais devem se centrar as mudanças e os

questionamentos estão na transparência da própria organização empresarial e

no impacto social de suas ações (expressos pela expansão e desenvolvimento

da personalidade do empregado, conformação a valores sociais e respeito a

interesses que transbordam os limites da empresa).(grifo do autor) 18

O princípio da valorização do trabalho humano, portanto garante que o trabalho

não fique a mercê dos empregadores. Nota-se que a preocupação principal é com o próprio ser

humano que ali trabalha. É valorizando-o que haverá uma sociedade mais justa e igualitária.

A manutenção da relação de emprego é um dos principais requisitos para a

valorização do trabalho humano, vez que o trabalho só é valorizado se em contrapartida

houver a estabilidade empregatícia, isto é, nada adianta estar empregado se o receio de uma

demissão coletiva permear nas relações empregados e empregadores, até porque a valorização

do trabalho vincula-se `a própria permanência no emprego.

1. 2 DA LIMITAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA E A PROTEÇÃO

AO TRABALHO HUMANO

Os conflitos a cerca do trabalho vem de longas décadas, principalmente após a

Revolução Industrial.

O Estado Liberal surge após a Revolução Francesa de 1789, no fim do século

XVIII, visando ao sistema capitalista de produção, deixando a autonomia privada a vontade

nas celebrações contratuais, bloqueando a presença do Estado na ordem econômica,

protegendo a liberdade, a propriedade e a vida.

Por outro lado, o Estado Social surgiu após a Revolução Industrial, preocupando-

se com a preservação do trabalho humano, exigindo a interferência do Estado em todo modo

de produção.

17

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 28. 18

BREVIDELLI, Scheilla Regina. A função social da empresa: olhares, sonhos e possibilidades. Disponível em:

< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1152> . Acesso em: 11 ago. 2009.

21

Foi em função das injustiças advindas pelo capitalismo que surgiu Direito Social

como bem menciona João Carlos Teixeira:

As injustiças geradas pelo capitalismo fazem eclodir a revolta da classe

trabalhadora que se une em sindicatos para reivindicar melhores condições

de trabalho, nascendo assim o Direito Social, como hoje é conhecido, ainda

no âmbito do Estado Liberal. O confronto ideológico entre o Estado Liberal

e o Estado Comunista, no qual disseminaram-se idéias fascistas e

nacionalistas, fez eclodir a segunda Guerra Mundial, que, ao final, revelou

ao mundo as atrocidades cometidas contra a humanidade, o que levou a

criação das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

que serviu de base para o nascedouro do Constitucionalismo

contemporâneo.19

Esse direito fundamental de terceira dimensão tem a necessidade de compor a

fraternidade, assim, as constituições são fraternas, ou seja, solidárias, trazendo em seu bojo o

direito à paz, a preocupação com o meio ambiente, a preservação do patrimônio histórico-

cultural, a autodeterminação dos povos, a preocupação com a base (família, povo e nação) o

surgimento dos direitos difusos e outros valores fundamentais à existência do ser humano que

ainda outras constituições não mencionavam.

O princípio da livre iniciativa fora postulado em 1776, como expõe Eros Roberto

Grau:

O princípio da liberdade de iniciativa econômica - originariamente postulado

no édito de Turgot, de 9 de fevereiro de 1776 - inscreve-se plenamente no

decreto d‘ Allarde, de 2-17 de março de 1791, cujo art. 7º determinava que, a

partir de 1º de abril daquele ano, seria livre a qualquer pessoa a realização de

qualquer negócio ou exercício de qualquer profissão, arte ou ofício que lhe

aprouvesse, sendo contudo ela obrigada a se munir previamente de uma

‗patente‘ (imposto direto), a pagar taxas exigíveis e a se sujeitar aos

regulamentos de polícia aplicáveis. 20

Não se pode afirmar que a livre iniciativa é um princípio absoluto, pois há

restrições desde o seu surgimento, mesmo quando o Estado Liberal não interferia na ordem

econômica até o presente momento.

Restrições estas que se encontram ancoradas pela própria Constituição Federal,

quando, por exemplo, pratica-se a desvalorização do trabalho humano, conduta diversa a que

assegura a Constituição Federal.

19

TEIXEIRA, João Carlos. Direito do trabalho se integra ao bem-estar social. Disponível em: <

http://www.conjur.com.br/2008-mar-02/direito_trabalho_integra_bem-estar_social?>. Acesso em: 07 ago. 2009.

22

Na definição de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, tem-se que a livre

iniciativa:

[...]

é uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar

incluída. De fato o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não

lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal.

Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à

realização de um objetivo. Aqui a liberdade de iniciativa tem conotação

econômica. Equivale ao direito de todos têm de lançarem-se ao mercado da

produção de bens e serviços por sua conta e risco. Aliás, os autores

reconhecem que a liberdade de iniciar a atividade econômica implica a de

gestão e a de empresa.21

A livre iniciativa se estende não somente à relação empresária, abrangendo tanto a

forma produtiva, individuais bem como as coletivas. Encontra-se, no artigo 5º, inciso XVIII e

artigo 174, §§ 3º e 4º da Constituição Federal o modo de iniciativa cooperativa e nos artigos

173, 177 e 192, inciso II, possível notar a presença da iniciativa autogestionária e da iniciativa

pública.

A livre iniciativa é limitada, quando se constata o abuso de Princípios Sociais. É o

que reafirma José Afonso da Silva, ao dizer que:

[...] num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da

justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que

‗liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo

poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e

necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo‘. É legítima,

enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando

exercida com objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário.22

A globalização surge para expandir o mercado e a intensificação do comércio.

Diante esse fenômeno o mundo tornou-se mais capitalista, atacando o Estado Social. Amauri

Mascaro Nascimento ressalta que:

A globalização da economia, fenômeno que não é novo, já que mesmo antes

da Primeira Guerra Mundial havia comércio internacional e investimentos

privados em outros países, passou a interessar ao direito do trabalho com o

aumento da sua amplitude, a interligação entre os países, a maior facilidade

de circulação de bens, mercadorias e trabalhadores sem fronteiras e o

20

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros

Editores. p. 203. 21

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva,

1990. v.7. p. 16 22

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 760.

23

extraordinário progresso tecnológico e dos sistemas de comunicação, tudo

facilitando o desenvolvimento de uma nova realidade, que afetou as relações

de trabalho.

Em Denver, Colorado, em 1997, reuniram-se os chefes de Estado e de

Governo do ‗Grupo dos Oito‘ – principais países industrializados – e

publicaram um comunicado apontando a globalização como principal fator

de crescimento da prosperidade mundial nos últimos anos. Nem todos os

especialistas de direito do trabalhador concordam com isso. Para alguns, a

globalização é um fator perverso de imposição de imperativos da economia

em detrimento do avanço social das populações, cada vez mais pobres. 23

A competitividade que as empresas almejam dentro do mercado globalizado torna

cada vez mais distante o cumprimento do aspecto social. As medidas como redução de mão-

de-obra humana em busca de novas máquinas para custear e aumentar a produção é um dos

meios que reflete diretamente na concorrência desse comércio, ou seja, a preocupação da

gestão empresarial é reduzir custos de produção para ―sobreviver‖ nesse tipo de comércio.

Como exemplo, o setor agrícola brasileiro, responsável por um alto índice de

exportação, está no rol de setores que vem perdendo a essencialidade do trabalho humano em

busca de maior competitividade.

O corte de cana que antes era feito somente de forma manual, hoje está sendo

trocado pela inovação de máquinas, causando um aumento notório de desemprego nesse setor.

Amauri Mascaro Nascimento elenca fatores que sugiram após a globalização, leia-se:

Os reflexos da globalização sobre os empregos foram em mais de um

sentido: a) o da sua redução geral; b) o da sua ampliação setorial,

decorrência das transformações da sociedade industrial para a pós-industrial,

com a criação de novos setores produtivos, que advieram das tecnologias

modernas e do crescimento do setor de serviços, hoje maior do que o

industrial, com a transferência dos setores industriais de países

desenvolvidos para os emergentes; c) a descentralização das atividades da

empresa para empreendedores periféricos, por meio das subcontratações; d)

a informalização do trabalho da pessoa física, com o crescimento do trabalho

autônomo e o uso de formas parassubordinadas de contratação do trabalho;

e) a requalificação profissional do trabalhador, com a valorização do ensino

geral e profissional.24

Será que é possível enfrentar os reflexos da globalização nos contratos de trabalho,

considerando as propostas neo-liberais especialmente, a da não intervenção do Estado nas

relações de trabalho?

23

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 42. 24

Ibidem. p. 45.

24

Quiçá fosse um começo, criar uma nova ordem econômica e social com o fim de

estabelecer novas metas a serem cumpridas pelas empresas, tanto no plano interno como no

plano externo para tentar amenizar as dificuldades que o aspecto social vem sofrendo, devido

aos efeitos que a globalização descontrolada causa. ―O fato de a economia girar em torno de

grandes grupos econômicos transnacionais compromete consideravelmente a capacidade do

Estado-nação de construir uma sociedade mais justa.‖25

A atual globalização está refletindo na exclusão e desigualdade, afetando todos os

países, como por exemplo, o aumento do desemprego e a insegurança no emprego, como

afirma Wilfredo Sanguineti Raymond:

Cualquiera que sea La perspectiva desde la que se la contemple, La

globalización aparece siempre ante el observador como un fenómeno

ambivalente o condictorio, portador a la vez de riesgos y oportunidades para

todos los sujeitos que en Ella se ven inmersos. Desde luego, el espacio donde

esta dualidad se aprecia com más curdeza es el económico, donde la

creciente interrelación de lãs finanzas, el comercio y los mercados, a la par

que abre nuevas oportunidade para el crecimiento y la properidad, está

dando lugar a nuevas formas de exclusión y desigualdad desconocidas en el

passado, lãs cuales afectan de manera particular a todas aquellas naciones,

sectores indivíduos que carecen de lãs aptitudes requeridas para integrarse de

manera efectiva en tales procesos. Las bolsas de exclusión social, desempleo

y precariedad laboral se multiplican, así, en todos los países, sean estós

desarrollados o no, mientras lãs economías se expanden y lãs empresas

multinacionales, sus colaboradores locales y los demás sujeitos con

capacidad para integrarse em el mercado global obtienen benefícios cada vez

mayores.26

A globalização desenfreada atua diretamente não só na extinção do emprego e sua

manutenção, mas também na própria alma do empregado, diante a sua exploração exacerbada,

como adverte Mozart Victor Russomano:

[...] a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional

globalizado exige a baixa de preços, que só se obtém com cortes de custos.

O corte de custos sociais é mais facilmente realizáveis que outros cortes que

ferem e reduzem interesses econômicos relevantes na condução da política

do Estado, que movem o mecanismo da produção de bens e serviços. A

redução dos direitos sociais é um talho que sangra a carne viva e a alma do

25

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 118. 26

RAYMOND, Wilfredo Sanguineti . La tutela de los derechos fundamentales del trabajo em las cadenas de

producción de las empresas multinacionales. In: AVILÉS, Antônio Ojeda et al. Temas centrales del derecho del

trabajo del siglo XXI. Lima: ARA Editores, 2009. p. 203-235.

25

trabalhador. Mas, na concepção neoliberal, isso faz parte do jogo impiedoso

do mercado econômico. 27

Milton Santos enfatiza que a globalização é perversa, leia-se:

De fato, se desejamos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado

é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção

enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num

só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como

fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como

perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra

globalização. 28

É nesse momento que a presença do Estado deve intervir na livre iniciativa,

ponderando-a com outros valores, como por exemplo, o da valorização do trabalho humano

para atenuar a colisão de normas constitucionais e não deixar que o trabalhador seja absorvido

pelo processo produtivo.

Nos dizeres de Amartya Sen:

La ética capitalista, con sus puntos fuertes y sus debilidades, es uma cultura

esencialmente mundial del siglo XX y no solamento una contrucción

internacional. Abordar las condiciones de la vida de trabajo, así como los

interesses y los derechos de los trabajadores em general, exige igualmente

transceder las limitaciones próprias de las relaciones internacionales, más

allás de las fronteras nacionales y de las relaciones mundiales.29

Nesse contexto, face às leis mercadológicas deve-se urgentemente proteger

mundialmente os direitos trabalhistas, a fim de romper as transposições das multinacionais e

empresas para outros países em busca de mão de obra barato para evitar à própria degradação

do ser humano, isto é, o empregado.

A primeira Constituição Brasileira a tratar da Ordem Econômica de forma

sistemática de princípios e normas foi a Constituição de 1934, a qual dispunha em seu artigo

115, que a ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da Justiça e de

acordo com as necessidades da vida nacional, possibilitando a todos existência digna.

27

RUSSOMANO, Mozart Victor apud ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antonio Galvão Peres. O

direito do trabalho na empresa e na sociedade contemporâneas. São Paulo: LTr, 2010. p. 54. 28

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17. ed. Rio de

Janeiro: Record, 2008. p. 18. 29

SEN, Amartya. apud ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antonio Galvão Peres. O direito do

trabalho na empresa e na sociedade contemporâneas. São Paulo: LTr, 2010. p. 70.

26

A Constituição Federal de 1988 em seu Título VII, Da Ordem Econômica e

Financeira, no Capítulo I, Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, artigo 170, dispõe

que a ordem econômica será fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

assim, ambos serão princípios constitucionais, devendo ser analisadas como um todo e não

separadamente.

Deve-se lembrar que a Constituição Federal não pode ser vista como normas

isoladas e sim como um sistema, ordenado de valores com vistas a atingir determinados

objetivos, em sendo o principal deles a dignidade da pessoa humana.

A justiça social mencionada no artigo 170 da Constituição Federal deixa claro que

o constituinte ao inseri-la na ordem econômica, pretendeu alcançar a busca do bem comum.

Logo, pode-se afirmar que a Constituição Federal tem objetivos capitalistas e sociais.

No sentido estrito, a livre iniciativa de certa forma é a afirmação do capitalismo,

não há como desmembrá-los, pois para os empresários há a necessidade de se produzir em

alta escala e também aumentar seu capital. Mas, sob o enfoque no sentido amplo pode ser

vista como ―expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo

trabalho.‖30

Outro ponto a destacar, é que a livre iniciativa foi inserida na Constituição Federal

em seu artigo 1º, inc. IV, como sendo um dos seus Princípios Fundamentais e também no

artigo 170 como fundamento da ordem econômica. Porém, mesmo estando em artigos

diferentes, somatizam-se cumprindo o mesmo fim, como ressalta Amauri Mascaro do

Nascimento:

Princípios e direitos fundamentais são conceitos que se relacionam com

características diferentes, mas que acabam por cumprir o mesmo fim, mais

amplo nos princípios, uma vez que se destinam a presidir o ordenamento

jurídico como um todo, estabelecendo as principais diretrizes que o devem

regular, enquanto direitos fundamentais são relacionados para a pessoa e

sua esfera subjetiva de proteção da qual a ordem jurídica não pode se

afastar. É claro que pode um princípio ser invocado por alguém que o quer

ver aplicado no caso concreto, perspectiva sob a qual os princípios seriam a

fonte da qual o direito fundamental é a faculdade nela fundamentada.31

30

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros

Editores. p. 206. 31

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 382.

27

O artigo 170 da Constituição Federal, afirma-se o artigo 1º, inc. IV, mas, sem

mencionar o ―valor social‖ da livre iniciativa. Por isso que o legislador constituinte inseriu no

artigo 170 o princípio da valorização do trabalho humano ladeada com a livre iniciativa,

justamente para a ponderação e efetivação do primeiro princípio dentro da ordem econômica.

Se assim não o fosse, a livre iniciativa poderia desprezar o aspecto social

almejado pela Constituição Federal de 1988, que visa a uma mistura de Estado Liberal com

Estado Social.

Para manter a segurança jurídica optou o Estado Democrático de Direito pela

conjuntura de ambos os princípios, priorizando o ―bem maior‖, qual seja, a dignidade da

pessoa humana sobre qualquer outro bem.

Sergio Pinto Martins afirma que:

Dessa forma, quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou

garantias fundamentais, o intérprete deve utiliza-se do princípio da

concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar

os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação

aos outros, realizando uma redução proporcional de âmbito de alcance de

cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro

significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua

finalidade precípua). 32

O Estado deve intervir para que os empresários não almejem somente lucros e sim

transformem-se em verdadeiros empreendedores, que se preocupam com o bem estar das

pessoas que ali trabalhem, com as opiniões e reclamações dos consumidores, com a ética

profissional e com o meio ambiente, cumprindo com o que determina o artigo 1º, inc. IV da

Constituição Federal, o aspecto social.

Expõe Arnaldo Sussekind, que é preciso conciliar os princípios da livre iniciativa

com a valorização do trabalho humano para efetivar o princípio da justiça social, leia-se:

O Estado moderno, que deve regular a ordem econômica e social de maneira

que sejam respeitados os princípios de justiça social conciliando a liberdade

de iniciativa com a valorização do trabalho como condição da dignidade

humana inclui nos próprios textos constitucionais os preceitos mínimos de

proteção ao trabalho, sublinhado com essa atitude a preponderância dos

preceitos de ordem publica atinentes ao Direito do Trabalho.33

32

MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008. p.117. 33

SÜSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de direito do trabalho. 20. ed. São Paulo: LTr, 2002. v.1. p.200.

28

A preocupação com o bem estar social coletivo supera qualquer outro princípio,

quando este diz respeito a direitos inferiores ao da dignidade da pessoa humana, pois o ser

humano está acima de bens materiais, de lucros.

José Afonso da Silva ressalta que:

A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do

trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro

lugar, quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de

mercado, de natureza capitalista, pois a livre iniciativa, que, especialmente,

significa a garantia da iniciativa privada, é um princípio básico da ordem

capitalista. Em segundo lugar, significa que, embora capitalista, a ordem

econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre os demais

valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de

princípio, essa prioridade tem sentido de orientar a intervenção do Estado na

economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho, que, ao lado da

livre iniciativa, constitui um dos fundamentos não só da ordem econômica,

mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV).34

A livre iniciativa sob o prisma Constitucional é aceita somente no caráter de

estabelecer as condutas de liberdade no exercício de qualquer atividade econômica, não

podendo ser mais entendida como qualquer liberdade.

Isso devido a outros valores que de certa forma devem ser respeitados como a

valorização do trabalho humano. Assim, essa liberdade de iniciativa é limitada para a

efetivação de um bem maior que o lucro, ou seja, a dignidade do ser humano.

Fica claro a idéia de que o artigo 170 da Constituição Federal ao tratar da

valorização do trabalho humano reforça a tese de direito fundamental.

Mas qual o sentido que o legislador alcançou ao inserir na ordem econômica a

valorização do trabalho, juntamente com a livre iniciativa, observando o princípio da busca do

pleno emprego?

Se o trabalho é a base para o aumento do fator de produção, bem como os

trabalhadores fazem parte da classe consumerista, mesmo aqueles que só compram o

necessário para a sua subsistência, logo o ciclo trabalho, consumo e bens de produção são

exercitados conjuntamente. Seria como se fossem um quebra cabeça, faltando uma peça não

há como formá-lo.

Defende Lima Gonçalves:

aos poucos cristaliza-se a idéia de que a otimização do lucro não pode

permanecer o objetivo único da atividade empresarial; salienta-se que a

34

SILVA, José Afonso. Comentários contextuais à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 709.

29

empresa existe para o cumprimento de objetivos de natureza econômica e de

natureza social.35

Se a empresa é responsável pela cadeia produtiva que o ser humano necessita,

seus fins devem ser sociais, não há como separar o aspecto social do ser humano, pois está

intrinsecamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A atuação empresarial desenvolvida sozinha sem a interferência estatal para

limitar sua esfera, certamente o lucro seria o único fator preponderante para seu desempenho.

Se assim o fossem, não haveria a possibilidade de o Estado regular o mercado interno e

externo, em sendo que as empresas comandariam seu modo de produção, logo ter-se-ia um

mercado auto-regulavél.

E essa auto regulação influenciaria diretamente no Estado Social, pois se o Estado

não interfere no mercado, como poderá intervir nas condutas empresariais?

A interferência do Estado na economia traz um benéfico a toda coletividade. Se o

Estado intervém para equilibrar e regularizar todas as atividades empresariais, seja por meio

de fiscalização, incentivos ou planejamento, caberá aos empresários respeitar tais imposições,

sob pena de ser responsabilizados pelo afrontamento à determinação legal da Constituição

Federal.

Nesses termos, a segurança jurídica sobressairá tanto para os empresários que

terão as mesmas garantias, isto é, respeitando-se o princípio da igualdade, banalizando a

concorrência desleal, bem como para com a sociedade que não sofrerá com as conseqüências

maléficas de uma atividade empresarial auto-regulável.

Para ilustrar, como exemplo, se não houvesse a interferência estatal em toda a

ordem econômica como ficaria as empresas concorrentes, os trabalhadores e os consumidores

diante à fusão de várias marcas conhecidas de um determinado produto? Poderia causar uma

vasta insegurança jurídica.

Outro exemplo que atinge diretamente a coletividade versa sobre medicamentos,

não há como o Estado ficar inerte, ele deve intervir nos preços, nas indústrias farmacêuticas,

para dar acesso à sociedade desses medicamentos, pois se trata de resguardar um bem maior,

que é a ―vida.‖

Explica Luiz Marcelo Figueiras de Góis que:

35

GONÇALVES, 1984, p. 232 apud SANTOS, Fernanda Gomes dos Santos. Responsabilidade social e

demissões em massa: um olhar de relações públicas no relacionamento com o público interno. Disponível em:

<http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3

%95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010.

30

Assim procedendo, o empregador tem respeitada a valorização de sua livre -

iniciativa, pois só ele terá o direito de optar pela estratégia de negócios e

oportunidade de extinção de um determinado estabelecimento ou setor da

empresa. Mas essa livre- iniciativa agora se torna responsável, na medida em

que ela impõe à empresa assumir o compromisso com a preservação da

dignidade humana de seus empregados materializada por intermédio da

inclusão social dos mesmos por meio do emprego. (grifo do autor)36

Nesse contexto, deve-se garantir a livre iniciativa se a gestão empresarial for

voltada ao cunho social, enaltecendo os princípios da valorização do trabalho, da dignidade da

pessoa humana e da manutenção das relações laborais.

Dinaura Godinho Pimentel Gomes demonstra que a livre iniciativa deve sempre

vincular-se aos ditames da justiça social, leia-se:

Desse modo, mesmo reconhecida e assegurada como desdobramento de

liberdade, a livre iniciativa deve ser exercida com sensibilidade e com acesso

a alternativas de conduta e de resultado, sempre vinculada aos ditames da

justiça social. A empresa deve ser assim proceder, de acordo como vem

realçada pelo ordenamento jurídico brasileiro, como organização de pessoas

para um fim comum, de modo a relacionar a dignidade da pessoa humana à

liberdade de iniciativa, bem como às condições materiais de subsistência

compatíveis com a consequente valorização do trabalho humano.37

Tem-se a presença forte do princípio da livre iniciativa nas relações econômicas,

para tanto essa liberdade de iniciativa amparada constitucionalmente nunca pode ser

explorada de maneira absoluta, e sim relativa, diante um interesse maior que o Estado deve

resguardar a existência digna de todos, nem que para isso deva-se limitar a atuação da

atividade econômica para garantir outros princípios.

1.3 DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA PROTEÇÃO DO TRABALHO

HUMANO

Para iniciar esse tópico, faz-se necessário um breve conceito de empresa como era

vista nos séculos passados e como hoje ela deve ser.

Antes, o papel desempenhado na gestão empresarial era meramente lucrativo. Não

importava como era seu modo de produção como seus empregados trabalhavam, quais os

danos causariam ao meio ambiente, se seu desempenho traria algum benéfico para a

36

GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

p. 125. 37

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 134.

31

sociedade, quais os impactos maléficos de um produto ou serviço mal executado trariam para

os consumidores, dentre outros.

Mas hoje, a empresa não pode ser mais vista nos moldes capitalistas, é mais do

que uma simples empreendedora que só a visa lucros. Espera-se extrair das empresas também

uma visão de cunho social, onde seu modelo de gestão tem de estar atrelado às relações éticas.

Pode-se dizer que a empresa toma forma de democracia, vez que assume o

compromisso de desempenhar suas funções, garantindo o desenvolvimento econômico e

social. Nesses moldes, afirma Luiz Carlos Amorim Robortella e Antônio Galvão Peres que o

progresso econômico e social da sociedade depende cada vez mais das empresas, veja-se:

O progresso econômico da sociedade, incluído no catálogo de direitos

humanos fundamentais de terceira geração, cada vez mais depende da livre

iniciativa e, portanto, da empresa e dos empreendedores. É realçada a função

social da empresa, com a valorização de suas atividades de interesse social,

tendo conteúdo econômico as iniciativas junto à comunidade, voltadas à

solidariedade humana, ao respeito à dignidade dos trabalhadores em geral,

dos empregados e dos consumidores.38

Como bem ressalta Scheilla Regina Brevidelli:

A empresa é hoje o grande protagonista do mundo do trabalho e isto

significa dizer que sobre ela se constroem relações de sobrevivência e da

própria formação e expansão da personalidade. O trabalho, depois da família

e da escola, é o locus do aprendizado de relações interpessoais e de

superação de desafios intelectuais e emocionais, cuja carga simbólica é

suporte da própria formação da personalidade. O salário não é apenas fonte

de subsistência: ele também é o veículo da realização de sonhos e de

aspirações pessoais.39

Nesse sentido, a empresa é o espelho de quem ali labora, pois ela será responsável

pela formação do caráter do empregado. Reflete a idéia que a relação de trabalho é ir além do

desempenho da função, é a própria identidade do empregado, caracterizando muito mais o

aspecto emocional do que o braçal.

1.3.1 Evolução da Função Social da Propriedade

38

ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim; PERES, Antonio Galvão Peres. O direito do trabalho na empresa e na

sociedade contemporâneas. São Paulo: LTr, 2010. p. 182. 39

BREVIDELLI, Scheilla Regina. A função social da empresa: olhares, sonhos e possibilidades. Disponível em

< http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1152> . Acesso em: 11 ago. 2009.

32

A propriedade privada foi o alvo que as pessoas buscavam para a sua própria

subsistência no aspecto material. Com o passar dos anos, ela deixa de ser o centro das

atenções, importando muito mais um bom salário e com as garantias asseguradas pelo Estado,

como a educação, saúde e lazer.

Pode-se dizer que a função social aparece por pronunciamentos da Igreja Católica.

Na doutrina cristã de São Tomás de Aquino, havia a previsão do uso da terra a todos,

preocupando-se com o bem estar comum.

Com base nessa concepção tomista surgiram as encíclicas papais:11 1.

Rerum Novarum – do Papa Leão XIII, de onde se extrai que ‗o proprietário

que tenha recebido bens em abundância não é possuidor absoluto, mas

simples administrador da Providência Divina, que lhe assegurou bens para

seu próprio proveito e também para o benefício de todos os demais‘; 2.

Quadragésimo Anno – do Papa Pio XI, que reconhecia a necessidade de se

harmonizar a intervenção de forma que esta faça valer a função social; 3. La

Solemita e Oggi – do Papa Pio XII -, que reconheciam a propriedade privada

como fundamental para que se pudesse obter uma justiça social e previam

que a expropriação deveria ser medida de sanção àqueles que não dessem à

propriedade um uso harmonioso com o interesse comum; 4. Mater et

Magistra – do Papa João XXIII - , que reconhecia que a propriedade privada

tem, naturalmente intrínseca, uma função social, de tal forma que quem

desfruta de tais direitos deve exercitá-los em benefício próprio e para

utilidade de todos os demais, havendo uma espécie de hipoteca social que

incidiria sobre toda propriedade; 5. Populorum Progressivo – do Papa Paulo

VI -, que se manifestou contra o fato de aqueles que possuam a mais

conservem para si os excessos, em detrimento dos que nada possuem. 12

(grifo do autor)40

Com a Revolução Francesa vigora-se a plenitude da propriedade, apresentando-a

de maneira exclusivamente individual.

Segundo Fábio Konder Comparato:

A função social da empresa – que suponho já estivesse embrionariamente

postulada na contribuição de Courcelle-Seneuil, na afirmação da função

social do comerciante, do proprietário e do capitalista – aparece

indiretamente no art. 42 da Constituição Italiana: ‗ É livre a iniciativa

econômica privada. Não pode, todavia, desenvolver-se em contraste com a

utilidade social ou de modo a causar dano à segurança, à liberdade, à

dignidade humana. A lei determina os programas e os meios de fiscalização

destinados à direção e coordenação da atividade econômica, pública e

privada, para fins sociais‘. Nele resulta consagrada, em sua integralidade – o

segundo inciso da disposição autorizando a imposição de limites negativos e

o terceiro a imposição de limites positivos à iniciativa econômica, portanto a

função social da empresa. O princípio está também consagrado no direito

40

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. (Coord.). Função social no direito civil. São Paulo: Atlas, 2007. p.

5- 6.

33

positivo brasileiro. O art. 154 e parágrafo único do art. 116 da Lei 6.404/76

referem, de modo expresso, respectivamente, a função social da empresa e a

função social da companhia. O princípio da função social da propriedade

ganha substancialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos

bens de produção, ou seja, na disciplina jurídica da propriedade de tais bens,

implementada sob compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre

a qual os efeitos do princípio são refletidos com maior grau de intensidade é

justamente a propriedade, em dinamismo, dos bens de produção. Na

verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em

dinamismo, estamos a aludir à função social da empresa. (grifo do autor)41

Com influência da Constituição Mexicana e da Constituição de Weimar, a

Constituição Brasileira de 1934 foi a pioneira a inserir o interesse social e coletivo no

exercício da propriedade, conforme artigo 113, nº17.

Felipe Alberto Verza ressalta que:

Apesar de decorrente do princípio da função social da propriedade, o

princípio da função social da empresa surgiu na legislação brasileira em

1976, portanto antes da Constituição de 1988, com a Lei 6.404 de 15 de

dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas), estando expresso em

seus artigos 116 e 154, como vemos: Art. 154. O administrador deve exercer

as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no

interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função

social da empresa.

O princípio da função social da empresa é reforçado pela aplicação ao direito

da empresarial dos Princípios Orientadores do Código Civil de 2002, como

exposto no capítulo 3, uma vez que eles auxiliam na consecução da referida

função social, como por exemplo, ao receptar, através do princípio da

socialidade, a função social da empresa, ao balancear economicamente os

contratos através do princípio da eticidade, ou ao trazer a norma mais

próxima ao caso concreto, como no princípio da operabilidade.42

Percebe-se que a tendência que vem sendo seguida pela sociedade e exigida por

esta é a inclusão cada vez mais do aspecto social em todas as atividades que por ventura

beneficiarem-nas como, por exemplo, hoje existe a função social não só diante a propriedade,

e nas empresa, bem como nos tributos, contratos, no aspecto familiar e outros.

Se assim não fosse não haveria a constatação de ser a Constituição Federal de

1988, um grande alicerce e fundamento da função social a ser seguida pelas outras legislações

infraconstitucionais.

41

COMPARATO, Fábio Konder, apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 12.

ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores.2007. p. 237. 42

VERZA, Felipe Alberto. Função social da empresa. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6967&p=2>. Acesso em: 07 abr. 2010.

34

1.3.2 Da Ética Empresarial

Não há como separar a função social da empresa da ética empresarial. Primeiro,

porque no novo molde capitalista a empresa importa-se com o seu modo de produção, desde a

preocupação com o bem estar dos seus empregados, com o meio ambiente, fornecedores, bem

como também com toda a sociedade que interferem e que necessitam dessa produção de bens

e serviços. Segundo, pelo fato de todos esses aspectos de preocupação e de conduta positiva

caracterizarem a própria ética nas relações empresariais.

A imagem que se busca em uma empresa não é somente àquela demonstrada por

uma boa propaganda, trata-se da imagem real que é sentida pelos consumidores, empregados,

acionistas, fornecedores, entre outros.

A empresa deve existir para a satisfação das necessidades humanas que o Estado

não consegue suprir. O modo de agir empresarial é visto por toda a sociedade, por isso, a

empresa deve agir com ética empresarial para conquistar cada vez mais o mercado

consumidor.

Destoa da ética empresarial, aquela empresa que para manter-se no mercado

concorre deslealmente, isto é, mão de obra escrava, sonegação de impostos, fraudes contra

credores, produtos ou bens inadequados para o consumo, destruição do meio ambiente e

demais condutas imorais.

O que se busca é transparência na execução de seus produtos ou serviços. A ética

deve estar presente, tanto de forma direta, bem como indireta no processo produtivo. Pode-se

dizer que a essência da ética empresarial é a busca da harmonia da empresa com os valores

morais exigidos pela sociedade.

Adela Cortina conclui em seus pensamentos que a empresa é uma organização e

nesse contexto será responsável por tecer uma reconstrução de uma sociedade moldada na

ética, leia-se:

La empresa es uma organización, y sucede que, como ya hemos comentado,

las organizaciones constituyen El núcleo básico a partir Del cual se

organizan las sociedades en los países postcapitalistas. La clave de tales

sociedades no es ya tanto la família o El Estado-nacíon, como las

organizaciones. Una ética de las organizaciones es, pues, indispensable para

35

reconstruir El tejido de uma sociedad, para remoralizarla, en el sentido que

hemos ido exponiendo a lo largo del libro.43

A confiança é um processo que se conquista a longo prazo, é adquirida passo a

passo e derrubada às vezes em um único deslize empresarial, que na maioria das vezes é

caracterizada pela falta de ética.

Sharon Cristine Souza demonstra que:

As bases da ética empresarial são, portanto, a confiança e a cooperação,

recursos morais da sociedade civil que funcionam porque os indivíduos têm

a convicção do modo como todos devem se comportar e sabem o que cada

um espera dos demais. São os sustentáculos da confiança impulsionando a

utilização do diálogo e consenso para a solução dos problemas. Graças à

confiança os indivíduos podem ser reconhecidos como autônomos, capazes

de agir e se comprometer. Entender a empresa como integrante da sociedade

civil é uma maneira de poder encaixá-la como destinatária desses recursos

morais, mesmo se levando em consideração a distribuição assimétrica de

poder em sua estrutura.44

A criação de um código de ética de uma empresa pode ser um dos meios para se

trilhar a transparência desta, porém, esse código que dita princípios éticos a serem seguidos

não pode ficar somente no papel, tem de realmente ser efetivado.

Os tratamentos dados aos empregados são os reflexos da própria política de gestão

empresarial. Portanto, se estes são os espelhos, impossível seria um consumidor que é

altamente exigente comprar um produto que para seu desenvolvimento foi necessário, por

exemplo, o uso da mão de obra escrava, infantil, sem as mínimas condições para sua

produção.

Sem falar, na crise econômica que afetou o Brasil no ano de 2008, que tanto foi

usada como artifício empresarial para demitir em massa empregados, demonstrando-se uma

total imoralidade empresarial.

43

CORTINA, Adela. Ética de la empresa. Madri: Editorial Trotta. 2008. p. 82.

44

SOUZA, Sharon Cristine Ferreira. Controle jurídico de políticas públicas de incentivo para empresas

socialmente responsáveis. 2009. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Estadual de Londrina,

Londrina. p.100.

36

Importante frisar que várias empresas buscam orientações sobre como agirem com

responsabilidade social. Uma alternativa são as certificações através de organizações criadas

para atestarem os seus produtos com excelência em qualidade.

A título de exemplo, o ISO, International Organization for Standardization, uma

organização internacional para padronização que traça metas para as empresas cumprirem,

padronizando-as a nível internacional.

É emitido um certificado para a empresa que se adequar às exigências da norma.

Estas empresas que possuem esse certificado ganham um diferencial na credibilidade do

consumidor, consequentemente garante um espaço maior no mercado frente à globalização.

No ano de 2010, entrou em vigor o ISO 26.000, qual trata da responsabilidade

social. Desta forma, o aspecto social será visto no plano internacional, trazendo a gestão

social para o norte das relações empresariais.

Portanto, a busca pela construção de uma sociedade mais justa e moral demonstra

uma preocupação maior com as relações empresariais diante do novo papel que estas

desempenham, qual seja, a promoção do bem comum. Nesse sentido, as empresas devem-se

moldar de confiança para desempenhar não somente a característica de rentabilidade, mas

primordialmente garantir que seus fins assegurem as garantias sociais.

1.3.3 Função Social da Empresa e os Valores da Ordem Econômica

A função social da empresa é primordial para o desempenho das atividades

econômicas no âmbito das relações de trabalho, pois parte do princípio que a empresa

somente poderá ser plena desde que atue nos parâmetros voltados ao cunho social.

Para Carla Marshall, este princípio limita e impõem ‗‗ barreiras ao livre direito de

propriedade; devera ser reconhecido um fundo social em beneficio de toda a sociedade.‘‘ 45

Segundo Gilberto Bercovici:

A função é o poder de dar à propriedade determinado destino, de vinculá-la a

um objetivo. O qualitativo ―social ‖ indica que esse objetivo corresponde ao

45

MARSHALL, Carla. Direito constitucional: aspectos constitucionais do direito econômico. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2007. p. 147.

37

interesse coletivo, não ao interesse do proprietário. A função social

corresponde, para Fábio Konder Comparato, a um poder-dever do

proprietário, sancionável pela ordem jurídica. Desta maneira, há um

condicionamento do poder a uma finalidade. A função social da propriedade

impõe ao proprietário o dever de exercê-la, atuando como fonte de

comportamentos positivos. 46

A Constituição Federal de 1988 assegura em seus artigos 5º, caput e inciso XXII e

170, inciso II, o direito à propriedade privada, porém, essa propriedade privada sofre

restrições caso não atenda a sua função social.

Não restam dúvidas de que a intenção do constituinte ao inserir no artigo 5º, inciso

XXIII e 170, inciso III, o princípio da função social foi a de garantir em primeiro lugar os

interesses e necessidades da coletividade, sobrepondo o próprio direito à propriedade privada

– direito individual.

Com a positivação do princípio da função social da propriedade, o caráter social

pairou sobre a propriedade. Desta forma, a visão que se tem após a Constituição Federal de

1988 é que o capital, a propriedade em geral deve trabalhar para o bem comum de toda a

sociedade sob pena de perder sua essência, seu fim almejado constitucionalmente. Decorre da

idéia que a atividade empresarial deve estar condicionada à justiça social.

Outra observação, não se deve distinguir empresa de propriedade privada, pois a

propriedade mencionada nos artigos 5º, caput e inciso XXII e 170, inciso II, têm caráter geral,

estendendo-se a empresa.

Analisando o artigo 170 da Constituição Federal, pode-se extrair que o próprio

pleno exercício da atividade empresarial configura a função social da empresa. Desta maneira,

por exemplo, quando uma empresa paga seus impostos, bem como mantém e gera empregos

dignos, concorre de forma leal, inibindo a produção que venha causar danos irreparáveis ao

meio ambiente, estará cumprindo com a sua função social.

Pode se concluir que a função social da propriedade nas relações empresariais tem

como principal objetivo a construção de uma sociedade mais igualitária ou que seja menos

desequilibrada.

Nos dizeres de Ana Frazão de Azevedo Lopes:

Na parte em que vincula a atividade econômica ao objetivo de realização da

justiça social, a função social da empresa assume, na ordem econômica,

exatamente o papel de fundamento que confere unidade de sentido aos

46

BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de

1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 147.

38

demais princípios. Segundo Fábio Konder COMPARATO (1991,p.19), é em

função desse objetivo último de realização da justiça social que devem ser

compreendidos e harmonizados os demais princípios expressos no art. 170.

(grifo do autor)47

Destaca-se que a função social da empresa é um princípio que preza pelo

direcionamento de gestão que atenda às finalidades sociais almejadas por toda a sociedade.

Então, não há em se falar em aniquilamento às liberdades e direitos empresariais, pois o

objetivo da função social é o direcionamento das condutas empresariais no tocante ao

compromisso e as responsabilidades sociais desenvolvidas por estes.

Se a função social confere sentido aos demais princípios, logo, o princípio da livre

iniciativa será resguardado, se a empresa, por exemplo, não objetivar somente o lucro, mas

sim propiciar a justiça social.

Os princípios mencionados no artigo 170 da Constituição Federal devem ter por

finalidade assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social,

nesse sentido deve-se interpretar que a função social da empresa estenderá a todos, isto é , a

coletividade, e não somente àquelas pessoas que dela se beneficiam, como, consumidores,

fornecedores, trabalhadores, dentre outros.

Ressalta Scheilla Regina Brevidelli:

Pensar na empresa como uma função social e conformá-la em seu

funcionamento na consideração para com o alter e o interesse coletivo e

social não é apenas pensar em sua reforma estrutural, mas pensar na

mudança de ponto de partida de várias relações jurídicas sobre as quais se

constroe a malha social. Todo o significado do mundo do trabalho, a

essência mesma da relação de trabalho e a proteção do trabalhador pode ter

uma nova dimensão e parâmetro dentro desse novo pensar da empresa. A

questão do trabalho e até mesmo da efetividade do processo do trabalho

perpassa sobre a maneira como se estruturam as empresas, como o direito as

conforma e como permite ou não ‗brechas‘ para que as obrigações

empresariais contraídas e os deveres contratuais não sejam cumpridos,

favorecendo a instabilidade social, a concentração de riquezas e aumentando

o fosso da injustiça social. Sob este aspecto a questão do trabalho transborda

muito além das mudanças da legislação trabalhista e da estrutura mesma em

que se assenta hoje a Justiça do Trabalho. Pensar hoje em justiça no mundo

do trabalho é pensar numa empresa conformada à função social e em meios

de adesão espontânea às normas e limites impostos pelo direito. (grifo do

autor)48

47

LOPES, Ana Frazão de Azevedo. Empresa e sociedade: função social e abuso de poder econômico. São

Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 280. 48

BREVIDELLI, Scheilla Regina. A função social da empresa: olhares, sonhos e possibilidades. Disponível em:

< http//:jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1152>. Acesso em: 11 ago. 2009.

39

É importante frisar que além da função social da propriedade, as novas gestões

empresariais têm iniciativas sociais particulares e sem qualquer imposição legal, tais como, a

preocupação com as condições de trabalho, com questões relacionadas à sociedade, com

clientes e fornecedores. Essa preocupação trata-se da responsabilidade social, isto é, busca-se

através desta uma melhor aparência de imagem no mercado consumidor, assim as empresas

atuam no auxílio aos problemas sociais.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama esclarece a diferença entre a função social e

a responsabilidade social, leia-se:

Estabelecidas essas principiantes considerações, incumbe contrapor os dois

conceitos em estudo, citando-se como uma primeira diferença o fato de a

responsabilidade social concernir a gestos voluntários ou espontâneos do

empresário, sem qualquer espécie de imposição legal, enquanto que a função

social da empresa incide sobre a atividade empresarial de modo cogente, até

por força do prelecionado quanto ao art. 170 CF. Assim, em matéria de

cidadania empresarial, ainda cabe a cada empresário definir sua política de

atuação de acordo com sua vontade e suas possibilidades, coadunando-se

essa margem de discricionariedade com a própria variedade de

empreendimentos empresariais, compreendidos desde as microempresas até

aquelas de grande porte, obviamente com distintos potenciais em termos de

disponibilidade de recursos, além daqueles de capital eminentemente

nacional ou estrangeiro. 49

Observa-se que a responsabilidade social não pode ser concretizada, quando a

empresa não oferece a seus empregados os devidos cuidados que podem abalar tanto

fisicamente quanto psicologicamente. Deve a empresa ater-se para as normas e parâmetros

que são fixados legalmente.

Exemplificando, a gestão empresarial terá de promover a máxima segurança e

saúde no meio ambiente do trabalho, equilibrar as relações entre empregados e empregadores,

fornecer equipamentos e dar palestras a fim de evitar ao máximo acidente de trabalho, dentre

outras atividades que colaborem com o crescimento intelectual.

Portanto, fica claro a idéia que a empresa só estará cumprindo com a função social,

se respeitar os valores da ordem econômica como a valorização do trabalho humano, garantir

o respeito com os consumidores, banir condutas que degradem o meio ambiente, buscar pela

redução das desigualdades sociais e regionais, lutar pela busca pelo pleno emprego, respeitar a

livre concorrência, e demais valores exigidos na ordem econômica.

49

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. . Função social no direito civil. São Paulo: Atlas, 2007. p. 104 –

105.

40

É imprescindível que para a concretização do desenvolvimento econômico na

busca da efetividade dos objetivos elencados na Constituição Federal, a presença da função

social das atividades econômicas se faz mister para estabelecer uma ordem econômica menos

impactante para a sociedade, isto é, pretende através da função social alcançar a ordem

econômica descrita no plano constitucional.

1.4 DOS OBJETIVOS PERSEGUIDOS ATRAVÉS DA PROTEÇÃO AO TRABALHO

HUMANO

O artigo 3º da Constituição Federal preza como objetivo fundamental, a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a garantia do desenvolvimento

nacional equilibrado, a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das

desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É nesses moldes do artigo 3º da Constituição Federal, que a proteção do trabalho

humano se insere, pois será protegendo o trabalho humano que se garantirá a melhoria da

qualidade de vida das pessoas. Sem a referida proteção, não há o que se falar em

desenvolvimento econômico, social, cultural e também político.

Por essa razão, o objetivo maior da ordem jurídica trazida no bojo constitucional é

a justiça social, logo deverá ter o máximo de respaldo na preservação dos direitos e garantias

fundamentais dos trabalhadores.

Para Luiz Marcelo Figueiras de Góis, os direitos fundamentais não podem ser

restringidos em face aos direitos privados, leia-se:

Como se vê, a doutrina majoritária utiliza a preocupação da Constituição

Federal com a minimização de desigualdades e com a promoção da justiça

social para reforçar a tese da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Qualquer limitação à invocabilidade desses direitos no trato privado poderia

dificultar a concretização do compromisso humanitário e progressista

41

assumido pela nossa República, fugindo, assim, da proposta constitucional

abraçada por nosso país. 50

É preciso que ordem econômica e social mantenham um razoável equilíbrio entre

o trabalho humano e as forças de produção, pois, para a efetividade do artigo 170 da

Constituição Federal faz-se necessária a manutenção desse equilíbrio, diante a intenção do

constituinte na elaboração desse dispositivo, a qual foi inserir no Título VII - Da Ordem

Econômica e Financeira, a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa ladeadas

conforme os ditames da justiça social.

Pelo bem estar social de todos, que o Estado deve por meio de planos nacionais e

regionais inserir medidas protetivas que assegurem o modo de ser do trabalho e que garanta a

sua plenitude contratual.

Como bem mencionam Thiago Degelo Vinha e Maria de Fátima Ribeiro:

Nessa esteira, a Ordem Social, prevista no Capítulo VIII da Constituição

Federal também funciona como um instrumento normativo para se alcançar

os princípios inseridos nos arts. 1º e 3º, na medida em que tem como base o

primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social (art.

193). Observa-se que a positivação desses valores é influencia dos Estados

Socialistas, servindo como uma espécie de freio aos ideais liberais que

regem as relações comerciais. Basear a Ordem Social no Trabalho, nada

mais é do que possibilitar ao trabalhador, `a parcela mais frágil da

sociedade, o direito de viver com dignidade. Nessa vertente, a Ordem Social

objetiva fornecer a todos os indivíduos um completo bem-estar,

possibilitando-lhes o acesso à seguridade social, à saúde, à educação, à

cultura, ao desporto, à ciência, à tecnologia entre outras formas de

integração social.51

A proteção ao trabalho humano é um fator preponderante para o desenvolvimento

equilibrado de um país. Em um país onde a massa de demitidos é vasta, o

subdesenvolvimento prevalecerá sobre o desenvolvimento, porque o trabalho é uma das

50

GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

p. 64. 51

VINHA, Thiago Degelo; RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos socioeconômicos dos tributos e sua utilização

como instrumentos de políticas governamentais. PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES. Edilson Carlos.

(Coords.). Tributação, justiça e liberdade. Curitiba: Juruá, 2005. p. 657-683.

42

formas de prover a subsistência humana, e assim pode-se dizer que de forma direta o trabalho

tem como objetivo a preservação da organização social e econômica de uma nação.

Yves Lacoste classifica a amplitude de desemprego como um dos fatores que

ditam um país subdesenvolvido veja-se:

O signo subdesenvolvimento, como leciona Yves Lacoste, difundiu-se

amplamente logo após a Segunda Guerra Mundial, falando-se que os países

em tal situação não proporcionam à sociedade o ‗necessário‘ para a sua

sobrevivência. Para tanto, suscita o autor francês alguns critérios para

aferir-se se um Estado é subdesenvolvido ou não, dentre os quais:

insuficiência alimentar, forte proporção de analfabetos, doenças de massas,

recursos negligenciados, fraqueza das classes médias, industrialização

incompleta, amplitude do desemprego, subordinação econômica e

desigualdades sociais violentas.52

Esses critérios que caracterizam um país subdesenvolvido podem ser encontrados

facilmente em um país como o Brasil, onde a distribuição da renda é totalmente irregular, os

índices de analfabetismos ainda são grandes, a fome que tanto amedronta a população, o

índice de desemprego, dentre outros aspectos.

Focando o aspecto do desemprego nacional, dados comprovam que ―a taxa de

desemprego, avaliada pelo IBGE chegou a 7,2% no primeiro mês de 2010, mostrando um

aumento de 0,4% em relação à dezembro de 2009.‖ 53

Expõem Amauri Mascaro do Nascimento:

É elevado o número de pessoas no mundo desempregadas ou

subempregadas. As estimativas são de crescimento contingente, e o direito

do trabalho ainda não encontrou meios eficazes de enfrentar o problema que

caracteriza o período contemporâneo com a nova questão social, resultante

do crescimento do exercício de excedentes atingidos pela redução da

necessidade de trabalho humano, substituído pela maior e mais barata

52

LACOSTE, Yves apud ELALI, André; Incentivos fiscais, neutralidade da tributação e desenvolvimento

econômico: a questão da redução das desigualdades regionais e sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva;

ELALI, André; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coords.). Incentivos fiscais: questões pontuais nas esferas

federal, estadual e municipal.[S.l]: MP Editora, 2007. p. 45. 53

TAXA de desemprego no Brasil – janeiro 2010. Disponível em: < http://sobreisso.com/2010/02/26/taxa-de-

desemprego-no-brasil-janeiro-2010/> . Acesso em: 06 abr. 2010.

43

produtividade da tecnologia, fenômeno desintegrador que não poupou nem

mesmo os países de economia mais consistente. (grifo do autor)54

Não há desenvolvimento se não houver uma preocupação com a inclusão por meio

da geração de emprego de qualidade, bem como também uma melhor remuneração.

Nessa esteira, o desenvolvimento abrange muito mais do que a caracterização de

emprego. Estar-se-ia sim frente ao crescimento e não ao desenvolvimento, porque para haver

desenvolvimento é necessário que o emprego seja de boa qualidade, que haja uma melhor

remuneração, que dê condições de ambiente sadio para com o empregado, sem exploração da

mão de obra, sem a degradação do próprio ser humano tanto no aspecto físico, quanto no

aspecto psíquico.

É possível notar que a Constituição Federal de 1988 inseriu normas que se

preocupam com os direitos sociais como, por exemplo, ao estabelecer que o salário mínimo

seja capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família como:

moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência

social.

Assim, não restam dúvidas de que o Estado de bem-estar social está inserido na

Constituição Federal de 1988, agora resta saber se o Estado vem cumprindo com essas

garantias.

Como dizer, que os direitos dos empregados com relação à demissão em massa são

protegidos, ou que serão resgatados pelos princípios constitucionais, uma vez que não há uma

aplicação efetiva dos princípios constitucionais que protejam efetivamente a demissão

coletividade?

Se os direitos sociais são normas de ordem pública, imperativas e invioláveis,

logo o Estado deve dar a devida providência. Como bem menciona Luciana Francisco Pereira:

Direitos sociais são normas de ordem pública, imperativas e invioláveis.

Assim, sugere-se o seguinte conceito de direitos sociais: direitos subjetivos

que têm os indivíduos de reclamarem ao Estado a realização de providências

efetivas que lhes criem o ambiente adequado ao desenvolvimento de sua

condição humana.

54

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 41- 42.

44

Afinal os direitos sociais não excluem os direitos individuais, antes servem

de meio para sua integral realização, logo, todos os que integram as camadas

da sociedade são sujeitos de direito, titulares de todos os direitos subjetivos

que o Estado Democrático de Direito assegura.55

Portanto, a Constituição Federal só será eficaz, quando efetivar os direitos sociais,

nem que para isso seja preciso repaginar valores. Os princípios são a base de todo

ordenamento jurídico, assim, não podem ser ignorados e nem serem vistos como meras

observações teóricas, mas sim como uma aplicação imediata ao caso concreto.

2 DAS PROTEÇÕES CONSTITUCIONAIS CONTRA A DEMISSÃO

DESMOTIVADA

Nesse capítulo serão abordados a importância do princípio da continuidade do

contrato de trabalho, bem como a aplicação do artigo 7º, inciso I da Constituição Federal no

tocante à demissão em massa imotivada. Muito embora referido dispositivo não trate

literalmente desta forma de extinção contratual.

Também será apresentada a manutenção da relação de trabalho, enquanto direito

fundamental e a sua relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.

2.1 DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO

O primeiro ponto a discutir a respeito do princípio da continuidade do contrato de

trabalho é sobre a sua própria conceituação, pois é impossível não aplicá-lo em todos os tipos

de atividades que envolvam o trabalho propriamente dito, independente ser este autônomo,

eventual, contínuo, e demais formas. Isto porque, uma vez caracterizado o trabalho humano,

deverá ser assegurado à sua continuidade para garantir o cumprimento das normas

constitucionais.

55

PEREIRA, Luciana Francisco. A dignidade do trabalho e os direitos sociais constitucionais trabalhistas frente

à mão-de-obra escrava. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?

n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5069> . Acesso em: 06 abr. 2010.

45

O princípio da continuidade do contrato do trabalho, ou, como conceituam, o

princípio da continuidade da relação de emprego é um dentre outros princípios mais

importantes do Direito do Trabalho, tendo em vista assegurar ao empregado a manutenção do

pacto laboral.

Desde as décadas 30 e 40 no Brasil, o princípio da continuidade do contrato de

trabalho vem sendo aplicado ao sistema jurídico. A partir da Constituição Federal de 1988, a

sua amplitude nas relações de emprego ganha mais força, diante do papel a ser desempenhado

pelas empresas nos moldes da função social.

Segundo o doutrinador Maurício Godinho Delgado:

O princípio da continuidade da relação de emprego, no Direito do brasileiro,

teve larga aplicabilidade no modelo jurídico trabalhista estruturado nas

décadas de 1930 e 40 do século XX. O sistema celetista tradicional era um

verdadeiro elogio ao mencionado princípio. De um lado, previa significativo

e crescente contingenciamento econômico-financeiro às dispensas sem justas

causa em contratos superiores a um ano, por meio de uma indenização

rescisória, que se calculava segundo o período contratual do empregado

(caput dos arts. 477 e 478, CLT), hoje revogados tacitamente); de outro lado,

a partir do décimo ano de contrato (período encurtado para nove anos pela

prática jurisprudencial trabalhista da época: antigo Enunciado n. 26, TST), a

dispensa injusta tornava-se juridicamente inviável, em face da estabilidade

no emprego assegurada pela regra heterônoma trabalhista (arts. 492/500,

CLT).

A excessiva rigidez do sistema estabilitário celetista, associada à política

econômica liberal implementada pelo governo autoritário instaurado em

1964 (liberalismo econômico viabilizado por autoritarismo político), tudo

conduziu à fixação de uma fórmula jurídica alternativa à CLT – o sistema do

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Criado pela Lei n. 5.107, de 1966,

para produzir efeitos a contar de 1º de janeiro de 1967, o FGTS liberalizou o

mercado de trabalho no país. Não apenas retirou limites jurídicos às

dispensas injustas no Direito brasileiro (no sistema do Fundo não seria

possível, juridicamente, o alcance da velha estabilidade celetista), como

também reduziu, de modo significativo, o obstáculo econômico-financeiro

para as rupturas de contratos inferiores a dez anos, substituindo-o pelo

mecanismo dos depósitos de FGTS, acrescidos de um percentual rescisório,

em casos de dispensa injusta. (grifo do autor) 56

Percebe-se que o sistema de Fundo de Garantia não foi a de garantir a criação de

empregos, pelo contrário, com a criação deste houve a liberalidade aos empresários para

demitirem, quando desejarem.

Amauri Mascaro do Nascimento conclui de acordo com os pensamentos de

Américo Plá Rodriguez, que a continuidade faz parte dos valores do direito do trabalho:

56

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1100 – 1101.

46

Sustenta que a segurança é uma natural aspiração do homem que trabalha. O

princípio da continuidade, para o jurista uruguaio, ‗expressa a tendência

atual do direito do trabalho de atribuir a maior duração à relação laboral sob

todos os pontos de vista e em todos os aspectos‘. É ‗estabelecido em favor

do trabalhador‘, de modo que não tem nenhuma implicação quanto aos

chamados contratos por toda a vida, vedados pelo direito do trabalho. Assim,

o princípio da continuidade, significando que a relação entre empregado e

empregador deve ter como regra a maior duração possível, não elimina o

direito do empregado de pedir demissão. Outorga-lhe, isto sim, certos

direitos de permanência no emprego, como concretização da idéia de

segurança. Esta idéia não se pode limitar a prover para o futuro, por meio de

medidas previdenciárias tendentes a dispensar amparo ao homem por

ocasião da sua inatividade, mas também deve dispor para o presente

garantido o contrato de trabalho para o empregado. (grifo do autor)57

No mesmo sentido, entende Maurício Godinho Delgado ao dizer que:

I) Princípio da Continuidade da Relação de Emprego – Informa tal

princípio que é de interesse do Direito do Trabalho a permanência do

vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e

dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração que é

a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo

teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a

ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em

determinada sociedade. (grifo do autor)58

É fato notório a existência efetiva desse princípio da continuidade nas relações de

emprego. O problema é que até o presente momento não há nenhuma lei que assegure a

efetividade na continuidade dos contratos de trabalho.

Veja-se, que o artigo 7º, em seu inciso I, da Constituição Federal até menciona que

a relação de emprego será protegida contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, porém,

carece de legislação complementar a respeito.

Para Maurício Godinho Delgado, com o aviso prévio proporcional ao tempo de

serviço, aumentou-se a demissão imotivada:

A Constituição de 1988 inclinou-se a reinserir o princípio da continuidade da

relação empregatícia em patamar de relevância jurídica, harmonizando, em

parte, a ordem justrabalhista à diretriz desse princípio. Assim, afastou a

anterior incompatibilidade do instituto do FGTS com qualquer eventual

sistema de garantias jurídicas de permanência do trabalhador no emprego –

afastamento implementado ao estender o Fundo a todo e qualquer

57

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 592. 58

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 209.

47

empregado (art. 7º , III, CF/88: exceto o doméstico). Ao lado disso, fixou a

regra da ‗relação de emprego protegida contra despedida arbitrária e sem

justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização

compensatória, dentre outros direitos‘ (art, 7º, I, CF/88). Lançou,

adicionalmente, a idéia de ‗aviso prévio proporcional ao tempo de serviço‘,

‗nos termos da lei‘ (art. 7º, XXI, CF/88), indicando o reforço da noção de

contingenciamento crescente à prática de ruptura desmotivada do contrato

empregatício. (grifo do autor)59

A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 assegura a

relação do contrato de trabalho, ao dizer em seu art. XXIII, 1, que todo homem terá direito ao

trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção

contra o desemprego. Mesmo com a ratificação desta, percebe-se que as práticas das

demissões imotivadas vigoram normalmente no país, afetando diretamente o princípio da

continuidade das relações de emprego, da dignidade da pessoa humana, enquanto empregado

e membro de uma sociedade bem como o princípio da proteção.

De acordo com a Súmula 212 TST, o princípio da continuidade do contrato de

trabalho constitui uma presunção favorável ao empregado. No mesmo sentido, o artigo 8º da

CLT, ao mencionar que na ausência de legislação e cláusula contratual pertinente ao caso

concreto, as autoridades administrativas e a justiça do trabalho deverão decidir, baseando-se

nos princípios.

Deve-se ressaltar que o princípio da continuidade do contrato de trabalho reflete

também nas próprias garantias trabalhistas, que ao longo dos anos os empregados conquistam

como: promoção e vantagens, o seu próprio profissionalismo e experiência com aquela

atividade desempenhada e até mesmo em face à sociedade pela própria caracterização como

de estar efetivamente empregado.

Este princípio também tem sua concretude no artigo 443 da Consolidação das Leis

do Trabalho, o qual determina que o contrato de trabalho poderá ser acordado por prazo

determinado ou por prazo indeterminado. No parágrafo 2º deste, enumeram-se três hipóteses

de contrato por prazo determinado, quais sejam:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou

expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou

indeterminado.

[...]

§ 2º. O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:

59

Ibidem. p. 210.

48

a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação

do prazo;

b) de atividades empresariais de caráter transitório;

c) de contrato de experiência.

Nessa esteira, nota-se que a intenção do legislador foi a de determinar como regra

geral contratos de trabalho por prazo indeterminado e excepcionalmente serão tidos os

contratos por prazo determinados.

Isto porque, o trabalho é a forma de se garantir a segurança econômica ao

empregado por caracterizar uma das fontes que mais mantêm a subsistência do ser humano,

não podendo, em regra ser algo que não tenha uma continuidade.

É claro que o empregador não será obrigado a manter a relação empregatícia até o

empregado, por exemplo, falecer ou pedir demissão, pois em se tratando de um contrato, pode

ser extinto a qualquer tempo pelas partes. Nos dizeres de Amauri Mascaro do Nascimento, o

contrato pode ser extinto, se as partes assim decidirem, veja-se:

Na extinção do vínculo preponderam também os aspectos volitivos. O

empregado pode sempre rescindir o contrato pedindo demissão de acordo

com os seus interesses. O empregador pode despedi-lo, salvo diante de

proibições legais (estabilidade).

Portanto, o vínculo de emprego é uma relação jurídica (aspecto

socionormativo) de natureza contratual, pela forma de sua constituição, pelo

modo do seu desenvolvimento, neste reduzindo-se muito a liberdade das

partes, e pelas características da sua desconstituição.

O contrato é a fonte que instaura o vínculo, mas que pode também

determinar alguns dos seus efeitos. A relação de emprego é uma relação

social que se transforma em jurídica porque disciplinada pelo direito.A

vontade, manifestada de modo escrito, verbal ou meramente tácito, está

sempre na base de toda relação jurídica entre empregado e empregador.60

Mas, quando prevalece a função social da empresa, bem como a dignidade do ser

humano que ali labora, de acordo com os artigos 1º e 170 da Constituição Federal, deve-se

ater para a continuidade do contrato de trabalho, em sendo a demissão a última medida a ser

tomada pelo empregador.

Principalmente se for empresas que tenham incentivos fiscais, dentre outros

benefícios estatais em suas atividades econômicas. Seria incompatível admitir demissão de

empregados com empresas incentivadas pelo Estado, pois esses auxílios são justamente para

que as empresas atuem com uma gestão direcionada à sua função social, e assim, protegendo

a continuidade dos contratos de trabalho.

49

Nos casos de demissão em massa, conclui-se que não só o desempregado será

afetado, mas o aspecto negativo causado pela demissão refletirá diretamente na sociedade,

bem como na família que necessita dos proventos em função do emprego.

Deve-se entender que o princípio da continuidade da relação de emprego,

transcende a própria vontade do indivíduo, como discorre Maurício Godinho Delgado:

A leitura que o princípio da continuidade da relação de emprego faz da

ordem jurídica é que a extinção contratual transcende o mero interesse

individual das partes, em vista de seus impactos comunitários mais amplos.

Nessa direção, o Direito do Trabalho, por seus institutos e normas, tende a

privilegiar a permanência da relação empregatícia, contingenciando as

modalidades de ruptura do contrato de trabalho que não se fundem em causa

jurídica tida como relevante.61

Feita tais ressalvas, considera-se que a demissão em massa abala toda a estrutura

do sistema estatal, diante o aumento da seguridade social e da previdência social arcada pela

ocorrência das demissões, atingindo a própria estrutura do fundamento da ordem econômica,

ocasionando aspectos negativos, pois é impossível falar em um Estado que preza pela

democracia, pela dignidade do ser humano, por uma sociedade menos desigual, conforme

artigos 1º, 3º e 170, da Constituição Federal, aceitar o ato de demitir em massa.

Sob essa análise pode-se extrair que o constituinte originário ao dispor que o

primado do trabalho é a base da ordem social idealizou-se como objetivo o bem estar das

pessoas e a justiça social, caracterizando uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Nesse

contexto, a demissão em massa encontra limites face ao princípio da continuidade do contrato

de trabalho.

Por fim, outro ponto a destacar é a própria Convenção nº 158 da OIT, a qual será

explanada com maior ênfase nos itens a seguir, mas que por ora deve ser ressaltada como um

dos meios que assegura a concretização do princípio da continuidade do contrato de trabalho

por proibir a dispensa imotivada, dando concretude ao princípio da continuidade do contrato

de trabalho.

2.2 DA INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA AO ARTIGO 7º, I DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

60

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 583. 61

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1.100.

50

Antes da Constituição Federal de 1988, a realidade das normas constitucionais

eram outras, quase não apareciam no ordenamento constitucional os direitos fundamentais.

Cármen Lúcia Antunes Rocha relata que:

A Constituição de 1988 inaugura nova fase do constitucionalismo brasileiro

e não apenas nova como "mais uma", mas principalmente uma fase que não

encontra paralelo no quanto anteriormente experimentado social e

politicamente.

Como acentuado por Ulysses Guimarães, diferentemente das sete

Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a

primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e

sua esperança. É a Constituição Cidadã. ... O homem é o problema da

sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem casa, portanto sem

cidadania. (grifo do autor)62

Efetivamente, a Constituição Federal vigente enalteceu de direitos e princípios

fundamentais. Porém, faz necessária uma interpretação sistemática, adequando-se às

realidades atuais, diante o lapso temporal de vinte anos de vigência da mesma constituição.

Nessa linha, como deverá ser entendido e aplicado os direitos fundamentais

elencados constitucionalmente, principalmente, quando estão ladeados a uma globalização

desenfreada? Quem deverá adaptar-se às normas aos anseios por uma sociedade?

Uma das possíveis respostas restará ao Poder Judiciário, que em suas decisões

poderá ser mais flexível, conduzindo-as para que os direitos fundamentais não sejam abolidos.

Desta feita, por exemplo, é possível o Poder Judiciário decidir que os interesses econômicos

não prevaleçam sobre os direitos dos trabalhadores.

Vale citar o artigo 7º, inciso I da Constituição Federal, o qual menciona:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que

visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa

causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização

compensatória, dentre outros direitos;

De acordo com esse dispositivo é direito do trabalhador manter uma relação

empregatícia assegurada contra despedida arbitrária ou sem justa causa, equiparando-se à

demissão imotivada.

62

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a eficácia

dos direitos fundamentais. Disponível em: < http://www.cjf.jus.br/revista/numero3/artigo10.htm > . Acesso em

19 set. 2010.

51

Para esclarecer, despedida arbitrária é aquela que não se funda em motivo

disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, conforme artigo 165 da CLT. Entende por

despedida sem justa causa, a demissão efetuada pelo empregador sem motivo dado pelo

empregado.

Nos dizeres de Jorge Luiz Souto Maior:

O inciso I, do art. 7º, em questão, faz menção, é verdade, à indenização

como forma de concretizar a garantia constitucional e o artigo 10, inciso I,

do ADCT, estipulou a indenização de 40% sobre o saldo do FGTS, para

valer enquanto não votada a Lei Complementar, mencionada no inciso I, do

art. 7º. No entanto, há de se reconhecer que a Constituição ao proibir a

dispensa arbitrária acabou por criar uma espécie qualificada de dispensa.

Desse modo, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos termos do

art. 482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo,

sob pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista no inciso I, do

art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à dispensa sem justa causa, que não

se considere arbitrária, visto que esta última está proibida, dando margem

não à indenização em questão, mas à restituição das coisas ao estado

anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou, não sendo

isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.63

A questão a ser discutida é que o artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal até o

presente momento inexiste qualquer legislação complementar a respeito do assunto, e com

isso, demissões coletivas ocorrem corriqueiramente sem qualquer intervenção estatal a fim de

banir tal conduta. O desinteresse do Estado em realizar políticas públicas voltadas para a

segurança da relação empregatícia desestrutura todo o ordenamento jurídico na aplicação

desse dispositivo.

Como bem ressalta Eros Grau,

O texto constitucional – é certo -, entre outras tantas, exibe a virtude de

impor ao Poder Judiciário o dever de dar aplicação aos direitos e garantias

fundamentais. Resolve-se, ai, a questão da efetividade jurídica (formal), mas

não, porém, a da efetividade material. O problema da efetividade material

das decisões judiciais que imponham ao Estado a realização de políticas

públicas – não o alcance imediato dos fins, é óbvio, mas ação, e não omissão

- é também atormentador, ainda que o seu descumprimento, qual o atentado

contra o exercício dos direitos sociais, constitua crime de responsabilidade

do Presidente da República (art. 85, III e IV). (grifo do autor)64

63

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 - dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável.

Disponível em : <http://jusvi.com/artigos/1901>. Acesso: 01 set. 2010. 64

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros

Editores. p. 327-328.

52

Analisando a Constituição Federal de uma forma sistemática, não seria necessária

uma Legislação Complementar para regulamentar a despedida arbitrária ou sem justa causa.

Primeiro, porque o artigo 1º da Constituição Federal, em seus incisos III e IV, os

quais se referem à dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho,

respectivamente, dão suporte para que o trabalho mencionado no ―caput‖ do artigo 7º seja

considerado como um direito fundamental.

Segundo, pelo fato de considerar o trabalho como base da ordem social, conforme

artigo 193 da Constituição Federal, logo, deve-se interpretar como um direito fundamental,

pois, o trabalho além de dignificar o ser humano, também é o responsável pela própria

sobrevivência humana, por ser um dos principais meios de capitação de reservas para

mantença pessoal e familiar.

No próprio capítulo dos princípios gerais da atividade econômica, a valorização do

trabalho humano insere-se como um dos fundamentos da ordem econômica, em sendo

impossível retirar o seu aspecto como direito fundamental no tocante à existência digna de

todos.

Contudo, esse argumento de que o trabalho é um direito fundamental e

consequentemente deverá ter aplicação imediata, ainda causa várias distorções no meio

jurídico, pois para alguns doutrinadores não se trata de norma fundamental.

Na opinião de Flávia Moreira Guimarães Pessoa, o trabalhador a ser resguardado

contra demissão imotivada, não pode ser aplicado a todas as categorias de trabalhadores por

desconsiderar as condições peculiares de cada um, leia-se:

Questiona-se se o disposto no art. 7º, inciso I, constitui direito fundamental

do trabalhador, independentemente de sua qualificação como empregado.

Nesse aspecto, convém observar que a adoção de mecanismos que busquem

evitar a despedida abusiva ou sem justa causa vem ao encontro dos

princípios básicos de proteção da dignidade do trabalhador. Afinal, sua força

de trabalho é a sua forma de sobrevivência. Contudo, deve-se ter em mente

que, a partir do momento em que se repute o direito como universal para

todas as categorias de trabalhadores, estar-se-ia a desconsiderar as condições

peculiares de cada tipo, em especial em relação às relações de trabalho

autônomo. Por tais motivos, pode-se concluir que o inciso não expressa um

direito fundamental do trabalhador lato sensu. (grifo do autor)65

Por sua vez, Maurício Godinho Delgado entende que a tendência do legislador foi

a de repelir a dispensa arbitrária, veja-se:

65

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito constitucional do trabalho: uma abordagem à luz dos

direitos fundamentais. Salvador: Editora Juspodivm, 2009. p. 83-84.

53

É bem verdade que a doutrina e jurisprudência dominantes após 5.10.1988

tenderam a compreender que os dois preceitos acima (isto é, as regras dos

incisos I e XXI do art. 7º constitucional) não teriam o condão de produzir

efeitos imediatos, na qualidade de normas programáticas que seriam.

Contudo, mesmo nessa leitura do texto de 1988 não compromete o

reconhecimento de que a nova Constituição efetivamente buscou recolocar o

princípio da continuidade da relação empregatícia em patamar de relevância

jurídica, harmonizando, em parte, a ordem justrabalhista à diretriz desse

princípio. Mas importante: o Texto Máximo repele a dispensa arbitrária

(art. 7º, I), que seria aquela efetivada sem o suporte em uma fundamentação

minimamente relevante.

Mesmo a leitura que defende a absoluta esterilidade da garantia de emprego

mencionada no inciso I do art. 7º constitucional é, tecnicamente, passível de

questionamento. Afinal, a teoria tradicional sobre eficácia/ineficácia

jurídicas de regras constitucionais já é, hoje, ineludivelmente anacrônica, por

supor que o pacto juspolítico básico de uma nação (a Carta Constitucional)

possa quedar-se inerte de modo abrangente novas constituições, tende a

apreender, necessariamente, certa eficácia às normas constitucionais – ainda

que diferenciada, em intensidade, a eficácia contida, produzindo, pelo

menos, certo efeito jurídico básico, que seria o de invalidar dispensas

baseadas no simples exercício potestativo da vontade empresarial, sem um

mínimo de justificativa socioeconômica ou técnica ou até mesmo pessoal em

face ao trabalhador envolvido. (grifo do autor).66

O artigo 7º, inciso I, se for interpretado sistematicamente com o artigo 1º, incisos

III e IV, deve-se aplicar o que preceitua o artigo 5º, inciso LXXVIII, § 1º, ambos da

Constituição Federal, o qual dispõe que as normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais terão aplicação imediata. Estar-se-á frente a uma norma de eficácia plena, não

necessitando de qualquer legislação para regulamentá-la.

Outros dispositivos infraconstitucionais asseguram a não demissão desmotivada ou

sem justa causa como por exemplo, os artigos 421 e 422 do Código Civil, por resguardarem

os princípios da função social do contrato e o da boa-fé. Nessa linha, não restam dúvidas

quanto à aplicação imediata do artigo 7º, inciso I da Constituição Federal, uma vez que o

princípio da individualidade e o direito absoluto, não são mais plenos, conforme a

Constituição Federal e o Código Civil atual, não podendo sobressaírem aos interesses da

sociedade.

Portanto, os dois dispositivos acima mencionados aplicam-se às relações

trabalhistas com o fito de proteger a parte mais fraca quanto ao desequilíbrio contratual que

66

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1117- 1118.

54

possa surgir, bem como a aplicação da boa-fé para repelir qualquer tipo de contratação

abusiva.

Para amenizar os impactos sofridos pelo empregado diante da demora da

promulgação dessa Lei Complementar, o legislador constituinte nos Atos das Disposições

Constitucionais Transitórias, em seu artigo 10, dispôs um aumento na multa rescisória do

fundo de garantia do tempo de serviço e também proibiu a demissão para membro de cargo de

direção interna de prevenção de acidentes, desde o registro até um ano após o final de seu

mandato, bem como a preservação do emprego para gestantes desde sua confirmação até

cinco meses após o parto.

Será que essa multa disposta no artigo 10 da ADCT, seria uma forma de

compensar o empregado pela demissão ocorrida, enquanto a Lei Complementar não seja

promulgada? Ou, seria um direito distinto da demissão, incorporando ao próprio direito do

trabalhador, pois, caso esta Lei Complementar seja promulgada, essa norma do artigo 10 da

ADCT será revogada ou não? Outro questionamento a respeito é que seria possível o

judiciário estipular outra indenização nos moldes do artigo 186 do Código Civil?

Sergio Pinto Martins entende que não é possível o judiciário estipular indenizações

de acordo com artigo 186 do Código Civil, tendo em vista tratar de matéria distinta do direito

do trabalho, leia-se:

O artigo 10 menciona que se os organismos que irão examinar a dispensa do

trabalhador ‗chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é

injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses

organismos não tiverem habilitados ou não considerarem possível, devido

às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a

readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de

uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada

apropriada‘. Não estão os nossos organismos judiciais habilitados a anular a

dispensa e determinar a reintegração dos empregados no emprego, salvo nas

hipóteses da existência de garantia de emprego ou estabilidade, como as

mencionadas anteriormente. A indenização de que trata o artigo 10 tem de

ser interpretada sistematicamente em consonância com a determinada no

artigo 12. Dependerá, também, daquilo que for estabelecido pela legislação e

práticas nacionais. No momento, a indenização é a do FGTS mais a

indenização de 40% sobre os depósitos do referido fundo. Não será possível

ao juiz fixar indenização por responsabilidade civil, justamente pelo fato de

não se tratar de indenização do Direito Civil, nem haver responsabilidade

civil, mas trabalhista. Se amanhã o legislador instituir outra indenização, ou

até mesmo esta for prevista na norma coletiva, o juiz irá aplicá-la. Do

contrário, não poderá arbitrar outra indenização, pois não há previsão legal

nesse sentido. (grifo do autor)67

55

Mas, será que realmente o juiz do trabalho não pode arbitrar indenizações que não

estejam previamente legalizadas? Esse posicionamento do doutrinador acima mencionado não

confrontaria com o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, o qual assegura a todos a

apreciação do Poder Judiciário no caso de lesão ou ameaça a direito, bem como a aplicação do

artigo 8º da CLT, que garante na falta de disposições legais ou contratuais, o uso de

jurisprudências, analogia, equidade, princípios e normas gerais de direitos, uso e costumes e

direito comparado.

Não restam dúvidas que em face desse arsenal disposto, a Justiça do Trabalho

poderá invocar nas suas decisões outros direitos, entre eles, o Direito Civil.

Outro ponto a destacar é o Enunciado 3, I, aprovado na 1ª Jornada de Direito

Material e Processual na Justiça do Trabalho na data de 23 de novembro de 2007, o qual

determinar que as Convenções da OIT, mesmo não ratificadas, serão tidas como fontes do

Direito do Trabalho, veja-se:

3. FONTES DO DIREITO – NORMAS INTERNACIONAIS.

I – FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO.

CONVENÇÕES DA OIT NÃO RATIFICADAS PELO BRASIL. O Direito

Comparado, segundo o art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, é fonte

subsidiária do Direito do Trabalho. Assim, as Convenções da Organização

Internacional do Trabalho não ratificadas pelo Brasil podem ser aplicadas

como fontes do direito do trabalho, caso não haja norma de direito interno

pátrio regulando a matéria.68

Nessa linha, contrapõem-se ao posicionamento do doutrinador Sérgio Pinto

Martins, o entendimento de Jorge Luiz Souto Maior, ao aludir que:

Para responder a essa indagação é necessário recordar que nenhuma regra

legal precisa existir para que os juízes do trabalho, julgando os conflitos com

poder de discernimento, estabeleçam o valor da indenização devida em cada

caso concreto, como se faz há muito, aliás, na Justiça comum no julgamento

das causas que têm por fundamento o artigo 186 do Código Civil -

dispositivo que prevê a obrigação de indenizar daquele que causar dano a

outrem e que é base jurídica, diga-se de passagem, para as ações de

indenização por acidente do trabalho. Tal dispositivo não estabelece o valor

da indenização e ninguém nunca negou sua eficácia porque um Decreto

executivo não o tivesse regulamentado. A fixação do valor é feita por

arbitramento, segundo critérios de verificação do dano sofrido, da

67

MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008. p.207-208. 68

ANAMATRA, enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho

23/11/2007. Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprova dos. cfm>.

Acesso em: 20 out. 2010.

56

necessidade de quem pede a reparação e da possibilidade econômica do

condenado. E nem se diga que o artigo 186 do Código Civil não pode ser

invocado neste tema porque se trata de um preceito não inserido na ordem

legislativa trabalhista, e que a Justiça do Trabalho não teria competência

para aplicá-lo. Ora, o preceito mencionado está posto no Código Civil

porque é neste Diploma que se encontram as regras de teoria geral do direito,

teoria esta que se aplica, sem sombra de dúvida, em todos os ramos do

direito não-penal, como é o caso do direito do trabalho.69

No mesmo sentido, Enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e

Processual na Justiça do Trabalho na data de 23 de novembro de 2007, comprovam que na

omissão de lei, o Poder Judiciário poderá atuar na efetivação da norma constitucional, leia-se:

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS – FORÇA NORMATIVA.

I – ART. 7º, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EFICÁCIA

PLENA. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. DIMENSÃO

OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEVER DE

PROTEÇÃO. A omissão legislativa impõe a atuação do Poder Judiciário na

efetivação da norma constitucional, garantindo aos trabalhadores a efetiva

proteção contra a dispensa arbitrária.

II – DISPENSA ABUSIVA DO EMPREGADO. VEDAÇÃO

CONSTITUCIONAL. NULIDADE. Ainda que o empregado não seja

estável, deve ser declarada abusiva e, portanto, nula a sua dispensa quando

implique a violação de algum direito fundamental, devendo ser assegurada

prioritariamente a reintegração do trabalhador.70

Observa-se também, que a convenção n. 158 da OIT, ratificada pelo Decreto

Legislativo de 17 de setembro de 1992 e, posteriormente denunciada em 20 de novembro de

1996, pelo Decreto n.2.100, de 20 de dezembro de 1996, seria uma alternativa para

regulamentar o artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, quanto à dispensa arbitrária ou sem

justa causa.

Essa Convenção cuida da proteção ao trabalho em face às dispensas imotivadas.

Amauri Mascaro do Nascimento enumera alguns dos principais assuntos tratados por esta, os

quais são:

a) Não se porá fim a relação de trabalho, a menos que exista uma causa

justificada relacionada com a capacidade ou conduta do trabalhador ou

baseada nas necessidades de funcionamento da empresa (art. 4º).

69

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 - Dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável.

Disponível em <http://jusvi.com/artigos/1901> Acessado 01 set. 2010. 70

ANAMATRA, enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho

23/11/2007. Disponível em <http://www.anamatra.org.br/jornada/enunciados/enunciados_aprova dos. cfm> .

Acesso em 20 out. 2010.

57

b) Não constituem causa justificada para a dispensa do empregado a filiação

sindical, a participação em entidades sindicais foras das horas de trabalho ou,

com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho, a

candidatura do empregado a cargo de representação dos trabalhadores, a

apresentação de reclamação trabalhista, a raça, cor, sexo ou estado civil, as

cargas familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, a origem

nacional ou social do empregado e a ausência do serviço durante período de

maternidade ou enfermidade (arts. 5º e 6º).

c) O empregado não deve ser despedido sem ter a oportunidade de se

defender das acusações que lhe são feitas (art. 7º).

d) O empregado deve ter o direito de recorrer a um Tribunal do Trabalho ou

árbitro contra o ato da dispensa (art. 8 º).

e) O órgão encarregado de julgar a dispensa, se não estiver autorizado por lei

nacional a anulá-la ou a reintegrar o trabalhador, deve ter o poder de ordenar

o pagamento de uma indenização ou outra reparação apropriada.

f) Havendo dispensas coletivas por motivos econômicos, técnicos,

estruturais ou análogos, o empregador deverá informar oportunamente à

representação dos trabalhadores, manter negociações com essa representação

e notificar a autoridade competente, cientificando-a da sua pretensão, dos

motivos da dispensa, do número de trabalhadores atingidos e do período

durante o qual as dispensas ocorrerão. 71

Um dos caos causado por esta Convenção n. 158 da OIT no Brasil foi que, o artigo

7º, inciso I da Constituição Federal, dispõe que será protegida a relação de emprego contra

despedida arbitrária ou sem justa causa nos termos de uma Lei Complementar e não poderá

ser fruto de uma Convenção da OIT por critérios formais, diante da própria regulamentação

legislativa, onde as Convenções da OIT são recepcionadas como sendo hierarquia de Lei

Ordinária.

Como ficaria a própria hierarquia da Constituição Federal em relação às

Convenções da OIT, onde há entendimentos que existe supremacia da Constituição Federal

sobre demais normas e tratados, assim, deverá respeitar o que determina em seu artigo 7º,

inciso I ?

É crível que os Tratados Internacionais são as principais fontes de direito

internacional. Porém, para ingressarem no ordenamento jurídico brasileiro, deverão passar

pela aprovação dos Poderes Executivos e Legislativos, sujeitando-se ao controle de

constitucionalidade.

71

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 967.

58

Mas, como aplicar Tratados Internacionais no plano interno, quando estes

versarem sobre direitos humanos? Será enquadrado no ordenamento interno meramente como

lei ordinária, ou será um dispositivo constitucional, em face de sua supremacia, ou terá um

caráter especial, porém, infraconstitucional?

Essas diversas posições acima elencadas geram discussões e indecisões na

aplicação dos tratados internacionais no meio jurídico.

Analisando o artigo 5º, § 2º da Constituição Federal, o qual determina que os

direitos e garantias expressos na Constituição Federal, não excluirão outros que proverem do

regime e dos princípios por ela adotados, bem como de tratados internacionais ratificados,

estar-se-á frente a uma aceitação dos tratados internacionais como natureza constitucional.

Desta forma, defende-se a aplicação dos tratados internacionais que versarem

sobre direitos humanos de forma imediata, conforme artigo 5º, §1º da Constituição Federal.

Nesses moldes, não haveria a necessidade do procedimento estabelecido na Constituição

Federal para a aprovação dos Tratados Internacionais.

Vários doutrinadores seguem essa corrente, como afirma Luiz Flávio Gomes e

Valério de Oliveira Mazzuoli:

Há anos existe muita polêmica sobre o status normativo (nível hierárquico)

do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito interno brasileiro.

Um forte setor da doutrina (Flávia Piovesan, Antonio Cançado Trindade,

Valério Mazzuoli etc.) sustenta a tese de que os tratados de direitos humanos

(Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional de

Direitos civis e políticos etc. ) contariam com status constitucional, por força

do art. 5º, §2º, da CF (― Os direitos e garantias expressos nesta Constituição

não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,

ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

parte‖). Essa tese, aliás, foi acolhida (dentro da nossa Suprema Corte) pelo

Min. Celso de Mello (HC 87.585-TO).72

Esse posicionamento asseguraria a eficácia da Convenção n. 158 da OIT, o que

significaria a sua aplicação imediata.

O segundo posicionamento estabelece que a ratificação dos tratados internacionais

como um procedimento que difere do poder de emendar a Constituição. Assim, mesmo que os

tratados internacionais versem sobre direitos humanos equivaleria às leis ordinárias, pelo

motivo do ―quórum simples‖. Sustenta esse posicionamento, Ana Cristina Brenner, ao

mencionar que:

59

Ora, considerando-se que os tratados internacionais são referendados por

decreto legislativo e aprovados por maioria simples, não seria razoável

entender que pudessem ser equiparados ou mesmo revogar uma norma

constitucional , a qual exige, para ser modificada, maioria qualificada (três

quintos) do Congresso, em dois turnos. Isso, evidentemente, acabaria por

proporcionar um abalo à rigidez da Constituição e, por conseguinte, restaria

comprometido o princípio da segurança jurídica.(...)pode-se referir também

que, a par do quorum qualificado, há limites materiais que balizam a reforma

da constituição, na medida em que algumas questões sequer podem ser

discutidas pelo constituinte reformador. Sendo assim, acaso admitíssemos

estarem os decretos legislativos que incorporam tratados no mesmo nível

hierárquico das normas constitucionais, dito princípio poderia restar

afetado.73

Para os que defendem esse entendimento, não seria crível aceitar a incorporação

dos tratados internacionais automaticamente, por destoar do que preceituam os artigos 49,

inciso I e artigo 84, VIII, ambos da Constituição Federal, os quais expõem que caberá ao

Congresso Nacional referendar sobre os Tratados Internacionais, e ao Presidente da República

em celebrá-los.

O problema referente a esse posicionamento é que ao interpretar um tratado

internacional como lei ordinária, revogariam as leis anteriores e consequentemente as leis

posteriores revogariam os tratados internacionais vigentes.

Interpretam-se também os tratados internacionais como sendo normas

infraconstitucionais de caráter especial. Nesse caso, os tratados internacionais não seriam

revogados por lei posterior, tendo em vista a sua especialidade.

Esses diversos posicionamentos apresentados divergem em face das decisões dos

Tribunais, que defendem a tese segundo o qual os Tratados Internacionais não são revogados

por novas leis, mas, o que ocorre é a própria preferência pelos Tribunais das normas que mais

se assemelham ao caso concreto, diante da antinomia que os tratados podem gerar no

ordenamento interno em face da lei ordinária posterior.

Com relação ao primeiro posicionamento aqui descrito, que defende os Tratados

Internacionais que versarem sobre direitos humanos serão enquadrados como natureza de

norma constitucional, infelizmente não é aceito nos Tribunais. Vale citar o exemplo, abaixo

descrito:

72

GOMES, L.; MAZZUOLI, V. Tratados internacionais: valor legal, supralegal, constitucional ou

supraconstitucional?. Revista de Direito, Brasil, v. 12, n. 15, p. 7-20, 2009. Disponível em:

<http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rdire/article/view/895/625>. Acesso em: 22 set. 2010. 73

BRENNER, Ana Cristina. Emenda Constitucional n.° 45/04 e a posição hierárquica das normas

internacionais sobre direitos humanos na ordem jurídica interna. Disponível em:

60

30054544 – REINTEGRAÇÃO – CONVENÇÃO Nº 158 DA OIT –

IMPOSSIBILIDADE – ARTIGO 7º, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO –

NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR – Conquanto a Lei Maior, em

seu artigo 5º, § 2º, consigne que os direitos e garantias por ela previstos não

excluem outros decorrentes de tratados internacionais, também não afasta a

circunstância de que referidos atos, ao se incorporarem ao direito positivo

pátrio, devem guardar estrita harmonia com a ordem constitucional, tanto no

âmbito formal, quanto no material. Nesse contexto, considerando que os

tratados e convenções internacionais, ao se incorporarem à ordem jurídica

interna, situam-se no plano hierárquico correspondente ao das leis ordinárias,

não há como se admitir que referidos atos tratem de matéria reservada

constitucionalmente ao crivo de lei complementar. Por essa razão, não se

revela compatível com a realidade constitucional brasileira a tese sustentada

pelo reclamante, no sentido da viabilidade de sua reintegração com

fundamento na Convenção nº. 158 da OIT, na medida em que referido ato

versa sobre a matéria prevista no artigo 7º, inciso I, da Constituição, cujo

tratamento no plano infraconstitucional está exclusivamente reservado à lei

complementar. Recurso de revista não conhecido. (TST – RR 403494 – 4ª T.

– Rel. Min. Milton de Moura França – DJU 31.08.2001 – p. 643) JCF.7

JCF.7.I JCF.5 JCF.5.274

De todo modo, retornando ao artigo 5º, §2º da Constituição Federal, não restaria

dúvidas quanto à eficácia e aplicabilidade do posicionamento que interpreta os Tratados

Internacionais como sendo uma norma constitucional. Primeiro porque, este dispositivo é

claro ao dizer que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem

outros que provenham através de um tratado internacional, e segundo, pelo fato de tratar de

direitos humanos, logo, um direito fundamental, que constitucionalmente por si próprio já

encontra definido e protegido. Terceiro, diante à própria Emenda Constitucional nº 45/04, que

incorporou a Constituição Federal o § 3º, ao artigo 5º, estabelecendo o ―quórum‖ de

aprovação, que se respeitado, localizará o tratado internacional incorporado no mesmo nível

hierárquico de Emenda Constitucional.

É possível aceitar o posicionamento que os Tratados Internacionais estão até

mesmo acima da própria constituição, pois caso a Constituição Federal atual seja revogada

por outra, e essa nova não mencione direitos humanos, por exemplo, tais direitos incorporados

através de um Tratado Internacional ratificado não poderia desaparecer, diferentemente até de

uma cláusula pétrea, que pode deixar de vigorar.

<http://www.tex.pro.br/.../aemendaconstitucional_anacristinabrenner.htm> . Acesso em: 17 set. 2010. 74

BRASI, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista. Jurisprudência do TST, 31.08.2001. Disponível

em: < http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-

brs?d=BLNK&s1=403494&s2=ju01.base.&u=http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/brs/nspit/n_nspitgen_un.htm

l&p=1&r=1&f=G&l=0> Acesso em 30 fev 2010

61

Até mesmo pelo fato da sociedade banir o retrocesso, pois uma vez adquirido um

direito fundamental, este não pode mais ser revogado. A jurisprudência abaixo reforça essa

tese, ao admitir a prevalência dos direitos humanos do trabalho sobre demais princípios

constitucionais, leia-se:

24013598 – DIREITOS HUMANOS DO TRABALHADOR –

PREVALÊNCIA SOBRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PREVISTO

NO ART. 37, II, CF, APLICADO AO ESTADO – Os direitos humanos

enunciados em tratados internacionais possuem natureza de norma

constitucional, na esteira do art. 5º, § 2º, CF. Ao lado dos princípios

fundamentais da dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho,

insculpidos no art. 1º, CF, visam salvaguardar os direitos do ser humano e

não as prerrogativas do Estado. Assim, o princípio da legalidade trazido no

art. 37, II, CF, subordina-se àqueles primeiros, não podendo desgarrar-se,

sob pena de violação a normas internacionais ratificadas por nosso país.

(TRT 15ª R. – Proc. 31599/01 – (8046/02) – 3ª T. – Relª Juíza Luciane

Storel da Silva – DOESP 04.07.2002 – p. 28) JCF.37 JCF.37.II JCF.1 JCF.5

JCF.5.2

Pode-se dizer que essa proteção aos direitos humanos transcendem o próprio

direito estatal, como bem menciona Antônio Augusto Cançado Trindade:

Os fundamentos últimos da proteção dos direitos humanos transcendem o

direito estatal, e o consenso generalizado formado hoje em torno da

necessidade da internacionalização de sua proteção corresponde a uma

manifestação cultural de nossos tempos, juridicamente viabilizada pela

coincidência de objetivos entre o direito internacional e o direito interno

quanto à proteção da pessoa humana. Como, também neste domínio, a um

Estado não é dado deixar de cumprir suas obrigações convencionais sob o

pretexto de supostas dificuldades de ordem constitucional ou interna, com

maior razão ainda não haver desculpa para um Estado de não se conformar a

um tratado de direitos humanos no qual é Parte pelo simples fato de seus

tribunais interpretarem, no plano do direito interno, o tratado de modo

diferente do que se impõe no plano do direito internacional.75

Portanto, diante desse contexto objetiva o artigo 5º, §2º, que os direitos e garantias

expressos na Constituição Federal, não excluirão outros que proverem do regime e dos

princípios por ela adotados, bem como de Tratados Internacionais ratificados, foi a de garantir

que os Tratados Internacionais referentes aos direitos humanos uma vez ratificados serão

incorporados no ordenamento interno, independentemente de processo legislativo.

75

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direito internacional e direito interno: sua interação na proteção dos

direitos humanos. Disponível em: < www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/.../introd.htm >. Acesso em:

17 set. 2010.

62

Reforça também este posicionamento o artigo 4º, inciso II, da Constituição

Federal, ao dizer que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações

internacionais pela prevalência do princípio dos direitos humanos.

Expõe Valério de Oliveira Mazzuoli que:

Aprovando um tratado internacional, o Poder Legislativo se compromete a

não editar leis a ele contrárias. Pensar de outra forma seria admitir o absurdo.

Aprovado o tratado pelo Congresso, e sendo este ratificado pelo presidente

da República, suas disposições normativas, com a publicação do texto,

passam a ter plena vigência e eficácia internamente. E de tal fato decorre a

vinculação do Estado no que atine à aplicação de suas normas, devendo cada

um dos seus Poderes cumprir a parte que lhes cabe nesse processo: ao

Legislativo cabe aprovar as leis necessárias abstendo-se de votar as que lhe

sejam contrárias; ao Executivo fica a tarefa de bem e fielmente regulamentá-

las, fazendo todo o possível para o cumprimento de sua fiel execução; e ao

Judiciário incumbe o papel preponderante de aplicar os tratados

internamente, bem como as leis que o regulamentam, afastando-se da

aplicação de leis nacionais que lhes sejam contrárias.

Se o Congresso Nacional dá sua aquiescência ao conteúdo do compromisso

firmado, é porque implicitamente reconhece que, se ratificado o acordo, está

impedido de editar normas posteriores que o contradigam. Assume o

Congresso, por conseguinte, verdadeira obrigação negativa, qual seja, a de se

abster de legislar em sentido contrário às obrigações assumidas. Admitir,

pois, que o Legislativo possa editar lei, revogando o tratado anteriormente

firmado, é reconhecer, nas palavras da Dra. Mirtô Fraga ‗o predomínio das

Assembléias, em oposição a comando superior que declara harmônicos e

independentes os Poderes do Estado‘. E, se porventura editadas, tais leis

jamais terão o condão de afastar a aplicação interna do tratado concluído

anteriormente.76

Cabe lembrar que em busca da pacificação a cerca dos posicionamentos

anteriormente citados, o legislador perante EC/45, acrescentou no artigo 5º da Constituição

Federal, o parágrafo 3º, dispondo que os Tratados e Convenções Internacionais que versam

sobre direitos humanos e forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em sendo

dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão aceitos em caráter de

emendas constitucionais.

Outro caos surgiu ao inserir esse parágrafo, face aos Tratados Internacionais que

foram ratificados anteriormente a EC/45. O que seria uma possível solução gerou-se mais

conflitos com relação à hierarquia dos Tratados Internacionais. Até o Conselho de Defesa dos

Direitos da Pessoa Humana manifestou-se a respeito, como expôs Juliano Lago Sebben:

76

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Supremo Tribunal Federal e os tratados internacionais. Disponível em: <

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2460> . Acesso em 17 set. 2010.

63

O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, por ocasião do

exame realizado sobre a PEC 29/2000, bem observando as conseqüências

advindas do acréscimo do parágrafo 3.º, ao artigo 5.°, da Carta Magna,

chegou a sugerir que do texto da proposta de emenda fosse suprimida a parte

final, ou seja, opinou no sentido de que a redação do dispositivo fosse

limitada ao que segue:

Os tratados internacionais de proteção de direitos humanos ratificados pelo

Estado brasileiro têm hierarquia constitucional.

Uma vez que o texto sugerido pelo mencionado conselho tivesse sido

adotado pelo legislador reformista, a celeuma que ora se estabeleceu teria

sido evitada e, ao mesmo tempo, a idéia de equivalência de normas

tratadistas sobre direitos humanos teria sido, por fim, alocada na posição que

defendemos por correta, qual seja, a de hierarquia de norma constitucional.77

Resta saber diante à explanação desses vários posicionamentos, se realmente

haveria necessidade de acrescentar esse § 3º, no artigo 5º da Constituição Federal. Ora, ao

interpretar o §2º desse dispositivo, de forma sistemática com o artigo 1º, o qual se fundamenta

pelo princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, bem como o

artigo 4º, inciso II, que prevalece os direitos humanos nas relações internacionais, não seria

necessário criar-se norma, regulamentando a hierarquia de um Tratado Internacional que

versar sobre direitos humanos.

Nessa confusão de aplicação ou não dos Tratados Internacionais, a Convenção n.

158, foi denunciada e vários posicionamentos doutrinários surgiram contra ou a favor da

constitucionalidade desta Convenção.

Para Octavio Bueno Magno, citado por Sergio Pinto Martins, a Convenção n. 158

é inconstitucional ao dizer que:

Octavio Bueno Magno ensina que a dispensa arbitrária ou sem justa causa só

pode ser disciplinada por lei complementar, conforme inciso I, do artigo 7º

da Constituição. Entende que a Convenção nº 158 dá prioridade à

reintegração, porém a lei complementar pode prever o pagamento de

indenização, dizendo que o Decreto nº 1.855/96 é inconstitucional.78

77

SEBBEN,Juliano Lago. Tratados internacionais sobre direitos humanos e sua hierarquia normativa no

sistema constitucional brasileiro. Disponível em: < http://www.investidura.com.br/biblioteca-

juridica/artigos/direito-constitucional/130489-tratados-internacionais-sobre-direitos-humanos-e-sua-hierarquia-

normativa-no-sistema-constitucional-brasileiro.html> . Acesso em: 17 set. 2010. 78

MAGNO, Octavio Bueno apud MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo:

Atlas, 2008. p.180-181.

64

Ao contrário do que preceitua Sergio Pinto Martins, pois entende ser

constitucional pelos motivos exposto abaixo:

Entendo que a Convenção nº 158 da OIT não é inconstitucional, pois não

colide com o inciso I do artigo 7º da Constituição, em razão de que o artigo

10 da referida norma internacional remete o intérprete à legislação e prática

nacionais. Verifica-se que a legislação de cada país é que irá determinar: (a)

a reintegração do empregado no emprego; (b) o pagamento de indenização;

ou (c) outra reparação apropriada. O próprio sistema adotado pelo inciso I do

artigo 7º da Constituição exclui a estabilidade, determinado que a lei

complementar irá prever indenização compensatória pela dispensa arbitrária.

Isso quer dizer que o nosso sistema jurídico não determina a reintegração do

empregado ou a estabilidade absoluta de o empregador não poder dispensar

o empregado, mas protege a dispensa abusiva por meio de pagamento de

indenização. Dessa forma, o empregado não terá, portanto, direito a

reintegração, mas a pagamento de indenização, remetendo o intérprete do

artigo 10 da Convenção nº 158 à legislação ordinária de cada país, que irá

tratar do tema. Se a própria norma internacional determina que a ‗legislação

e práticas nacionais‘ é que irão estabelecer a reintegração ou pagamento de

indenização, o inciso I do artigo 7º, da Lei Maior apenas confirma tal

orientação. Especificando que o nosso sistema prevê pagamento de

indenização e não de reintegração, salvo nos casos da Lei nº 9.029/95. A

indenização da despedida pode ser entendida em nosso país como a do

FGTS ou os 40% que incidem sobre depósitos do FGTS, pois, enquanto não

for promulgada a lei complementar de que trata o inciso I do artigo 7º da Lei

Magna, o porcentual da indenização sobre os depósitos do FGTS passa a ser

de 40% (art. 10, I, do ADCT). Se o Estado, portanto, entender de determinar

o pagamento de indenização e não de reintegração, inexistirá direito a

estabilidade, mas ao regime do FGTS. Apenas em determinadas questões

especiais, poder-se-á falar em garantia de emprego (membro da CIPA,

gestante etc.). Assim, não se pode considerar a Convenção nº 158 da OIT

inconstitucional, pois não se atrita com o inciso I do artigo 7º da

Constituição, sendo que este apenas confirma a orientação da norma

internacional, posto que as convenções da OIT apenas fixam ―os princípios

de ordem geral, entregando-se ao legislador nacional o encargo de dispor

sobre as particularidades de cada assunto, pois, a experiência diplomática

revela que é mais fácil o acordo nos pontos gerais do debate do que os

detalhes por meio dos quais se chega à execução prática dos princípios‖. 7 A

norma internacional não desce a detalhes, pois cada país tem as suas

peculiaridades e especificidades, sendo impossível fixar normas fixas e

uniformes por meio das convenções da OIT. (grifo do autor)79

Deve-se levar em consideração, o que o ―caput‖ do artigo 7º da Constituição

Federal menciona que além daqueles direitos elencados, serão aceitos outros direitos que

garantam uma melhor condição social. Ao incorporar este critério, não restariam dúvidas que

os direitos mencionados nos incisos do artigo 7º, são meramente exemplificativos, assim,

79

MARTINS, Sergio Pinto. Direitos fundamentais trabalhistas. São Paulo: Atlas, 2008. p.181-182.

65

outros direitos podem ser previstos por Leis Ordinárias, Leis Complementares, por Tratados

Internacionais, e outros.

O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal deve ser interpretado

sistematicamente ao ―caput‖ do artigo 7º. Desse ponto de vista, não haveria necessidade de

denunciar a Convenção n. 158 da OIT, face à morosidade do Poder Legislativo em editar a

Lei Complementar. Deveria sim, aplicar essa Convenção pelos princípios que dela provêm

estando em perfeita sintonia com os princípios constitucionais, tais como, princípios da

continuidade da relação do emprego, da valorização do trabalho humano, da dignidade da

pessoa humana. Nos dizeres de Konrad Hesse, só surtirá efeitos a interpretação que

condicionar a realidade. Veja-se:

[...]

A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma

excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições

reais dominantes numa determinada situação.

Em outras palavras, uma mudança das relações fáticas pode — ou deve —

provocar mudanças na interpretação da Constituição. Ao mesmo tempo, o

sentido da proposição jurídica estabelece o limite da interpretação e, por

conseguinte, o limite de qualquer mutação normativa. A finalidade (Telos)

de uma proposição constitucional e sua nítida vontade normativa não devem

ser sacrificadas em virtude de uma mudança da situação. Se o sentido de

uma proposição normitiva não pode mais ser realizado, a revisão

constitucional afigura-se inevitável. Do contrário, ter-se-ia a supressão da

tensão entre norma e realidade com a supressão do próprio direito: Uma

interpretação construtiva é sempre possível e necessária dentro desses

limites. A dinâmica existente na interpretação construtiva constitui condição

fundamental da força normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua

estabilidade. Caso ela venha a faltar, tornar-se-á inevitável, cedo ou tarde, a

ruptura da situação jurídica vigente. (grifo do autor)80

Resta claro a idéia que a Convenção n. 158 da OIT, não preza pela não dispensa do

empregado, mas por via desta, assegura-se a dispensa motivada e não imotivada como vem

ocorrendo. Até porque, se privar o direito do empregador em despedir, restaria um confronto

com demais princípios também assegurado constitucionalmente, como por exemplo, o

princípio da livre iniciativa elencado nos artigos 1º, inciso IV e 170, ambos da Constituição

Federal.

Registre-se, entretanto que a Convenção n.158 da OIT, em fevereiro de 2008 foi

novamente encaminhada para apreciação do legislativo, mas até o presente momento não

houve qualquer manifestação a respeito sobre nova ratificação.

66

Importante frisar que o Código Civil da suporte suficiente para o Judiciário

argumentar suas decisões na coibição das demissões em massa, vez que o artigo 187 discorre

que também cometerá ato ilícito o titular de um direito que, no seu exercício exceder

manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, bem como pela boa-fé

ou pelos bons costumes.

Assim, conforme ensina Luiz Marcelo Figueiras de Góis:

A nosso ver, a Convenção n. 158 nada mais faz do que concretizar o

conceito aberto de ― limite social e econômico‖ de que trata o art. 187 do

Código Civil.

Dito de outro modo, a partir da edição do novo Código Civil, a ratificação

(ou, mais precisamente, a revogação de sua denúncia) daquela Convenção

pelo Brasil tornou-se mesmo desnecessária para que os juristas tenham um

mecanismo capaz de coibir a despedida arbitrária. O art. 187 em questão já

condiciona o exercício do direito ‗potestativo‘ de demitir aos seus fins

econômicos e sociais. Assim, antes de desfazer o vínculo de emprego, o

empregador precisa adotar as medidas que busquem a sua manutenção,

sendo a opção pela dispensa encarada apenas como último recurso .81

Por fim, uma interpretação voltada ao cunho social que se auferi do artigo 7º,

inciso I, da Lei Maior, não restaria dúvidas a respeito se há ou não necessidade de

regulamentação desse dispositivo por uma Lei Complementar, pois, de acordo com o ―caput‖

do mesmo artigo mencionado, já são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, em busca da

melhoria de sua condição social, a segurança da relação de emprego, contra despedida

arbitrária ou sem justa causa, levando a entender que a Lei Complementar regulamentaria a

indenização compensatória e outros direitos e não necessariamente a despedida arbitrária ou

sem justa causa. Nesse sentido, as demissões em massa imotivadas seriam confrontadas, isto é

banida por esse entendimento.

2.3 DA MANUTENÇAO DA RELAÇÃO DE TRABALHO ENQUANTO DIREITO

FUNDAMENTAL

Os direitos fundamentais foram sendo reconhecidos constitucionalmente de forma

gradativa e histórica, surgindo daí várias gerações de direitos, tais como, direito de primeira,

segunda, terceira ou quarta geração. Como ressalta José Joaquim Gomes Canotilho:

80

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. ( Die normative Kraft der Verfassung,). Tradução de

Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1991. p. 22-23. 81

GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

p. 125.

67

A partir da década de 60, começou a desenhar uma nova categoria de

direitos humanos vulgarmente chamados direitos de terceira geração. Nesta

perspectiva, os direitos do homem reconduzir-se-iam a três categorias

fundamentais: os direitos de liberdade, os direitos de prestação (igualdade) e

os direitos de solidariedade. Estes últimos direitos, nos quais se incluem o

direito ao desenvolvimento o direito ao patrimônio comum da humanidade

pressupõem o dever de colaboração de todos os estados e não apenas o

actuar activo de cada um e transportam uma dimensão colectiva

justificadora de um outro nome dos direitos em causa: direitos dos povos.

Por vezes, estes direitos são chamados direitos de quarta geração. A

primeira seria a dos direitos de liberdade, os direitos das revoluções

francesas e americana; a segunda seria a dos direitos democráticos de

participação política; a terceira seria a dos direitos sociais e dos

trabalhadores; a quarta a dos direitos dos povos. A discussão internacional

em torno do problema da autodeterminação, da nova ordem econômica

internacional, da participação no património comum, da nova ordem de

informação, acabou por gerar a idéia de direitos de terceira (ou quarta

geração): direitos à autodeterminação, direito ao patrimônio comum da

humanidade, direito a um ambiente saudável e sustentável, direito à

comunicação, direito à paz e direito ao desenvolvimento. (grifo do autor)82

Com isso, a constituição vigente direcionou a ordem econômica por vários

princípios e direitos de várias gerações, prescrevendo como indispensável à busca do pleno

emprego, que em seu dinamismo potencializa o desenvolvimento econômico.

Essa garantia pela busca do pleno emprego enquadra-se tanto como sendo um

princípio constitucional como um direito fundamental. Nesse aspecto, Amauri Mascaro do

Nascimento, diferencia princípio de direito fundamental, ao dizer que:

Princípios e direitos fundamentais são conceitos que se relacionam com

características diferentes, mas que acabam por cumprir o mesmo fim, mais

amplo nos princípios, uma vez que se destinam a presidir o ordenamento

jurídico como um todo, estabelecendo as principais diretrizes que o devem

regular, enquanto direitos fundamentais são direcionados para a pessoa e sua

esfera subjetiva de proteção da qual a ordem jurídica não pode se afastar. É

claro que pode um princípio ser invocado por alguém que o quer ver

aplicado no caso concreto, perspectiva sob a qual os princípios seriam a

fonte da qual o direito fundamental é a faculdade nela fundamentada.83

82

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 6 reimp. Coimbra: Edições

Almedina, [21-]. p. 386. 83

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 382.

68

Importante destacar que embora sejam termos de significados distintos, ambos

complementam-se na concretude das condições de uma vida digna. Nos dizeres de J.J.

Canotilho:

A primeira função dos direitos fundamentais - sobretudo dos direitos,

liberdades e garantias - é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade

perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coactivos).

Os direitos fundamentais cumprem função de direitos de defesa dos

cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-

objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos,

proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica

inidividual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer

positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir

omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte

dos mesmos (liberdade negativa).(grifo do autor)84

A aplicação da busca do pleno emprego, como sendo um princípio constitucional

elencado no artigo 170, inciso VIII da Constituição Federal, poderia até ser dispensável, face

ao próprio enquadramento constitucional como um direito fundamental, conforme dispõem os

artigos 1º e 6º, isto é, esses dispositivos por si sós bastariam na efetividade a busca pelo pleno

emprego ao mencionarem os valores sociais do trabalho e ao dispor o trabalho como um

direito social.

Percebe-se que o legislador constituinte reafirmou a busca pelo pleno emprego

como um princípio constitucional, justamente para prevenir qualquer dúvida a respeito de sua

aplicabilidade ou não nas atividades econômicas.

Afirmando a busca pelo pleno emprego como um direito fundamental, estar-se-á

frente a um Estado social, e nomeando-a como um princípio constitucional, surgem

perspectivas no âmbito político e econômico.

O artigo 1º, inciso IV da Constituição Federal menciona valores sociais do

trabalho e mais adiante no artigo 170, apresentam-se a valorização do trabalho humano como

84

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 6 reimp. Coimbra: Edições

Almedina.[21-]. p.407-408.

69

um dos fundamentos da ordem econômica, isso demonstra que o constituinte preocupou para

que os valores sociais prevaleçam sobre os valores econômicos, a fim de se fazer justiça

social.

Nesses moldes, entende-se por busca do pleno emprego, um princípio direcionado

a planos econômicos, bem como atitudes de empreendedores no cumprimento da função

social empresarial, tanto no aspecto de segurança na manutenção da relação de emprego, e na

qualificação da mão de obra empregada, pois não basta ter postos de trabalho, se não houver

mão de obra qualificada para executar determinada tarefa.

A função social da empresa baseia-se principalmente na manutenção da relação

laboral, não há como disseminar a empresa das garantias para com seus empregados e a

sociedade. Nessa esteira, Luiz Marcelo Figueiras de Góis afirma que:

Ademais, a necessidade de funcionalização da empresa e da propriedade

impõe ao empregador a utilização de seu empreendimento com propósitos

que ultrapassem a ótica individualista, assumindo um compromisso de

solidariedade com a coletividade que o cerca. A concretização desses valores

se faz não só por meio da preservação de postos de trabalho, mas passa

necessariamente pela manutenção dos próprios empregos sempre que isto for

viável. (grifo do autor)85

Vale lembrar que a busca pelo pleno emprego com o sentido de não só aumentar

postos de trabalho insere-se a partir da Constituição Federal de 1988, pois antes se usava o

termo expansão de oportunidade de emprego, como diz Lafayete Josué Petter:

A Constituição Federal anterior falava em expansão das oportunidades de

emprego. A expressão atual, busca pelo pleno emprego, há de ser tida com

um significado próximo da anterior, claro, nesta análise insular e sem cotejo

com os demais preceitos coevos. Entretanto, o constituinte escolheu

expressão mais contundente, talvez inspirado na dura realidade dos tempos

modernos, onde a economia funciona melhor, segundo a ideologia mais

aceita, onde um certo nível de desemprego estrutural faz parte do receituário

ortodoxo do sucesso. Certo é que a busca do pleno emprego significa um

85

GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

p. 124.

70

movimento no sentido de propiciar trabalho a todos quantos estejam em

condições de exercer uma atividade produtiva.86

(grifo do autor)

Para Eros Grau, pleno emprego significa:

Em outros termos – ‗a expansão das oportunidades de emprego produtivo‘ –

esse princípio já fora contemplado entre aqueles da ordem econômica na

Emenda Constitucional nº 1/69, no seu art. 160, VI. Em razão de ser esse, o

imediatamente acima transcrito, o seu enunciado, tomava-se-o, em regra,

como se estivesse referido, exclusivamente, ao pleno emprego do fator

trabalho.

‗Expansão das oportunidades de emprego produtivo‘ e, corretamente, ‗pleno

emprego‘ são expressões que conotam o ideal Keynesiano de emprego pleno

de todos os recursos e fatores da produção. O princípio informa o conteúdo

ativo do princípio da função social da propriedade . A propriedade dotada

de função social obriga o proprietário ou o titular do poder de controle sobre

ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a

realizar o pleno emprego.

Não obstante, consubstancia também, o princípio da busca do pleno

emprego, indiretamente, uma garantia para o trabalhador, na medida em que

está coligado ao princípio da valorização do trabalho humano e reflete

efeitos em relação ao direito social ao trabalho (art. 6º, caput).(grifo do

autor)87

Nos dizeres de Roseli Rêgo Santos, o termo pleno emprego é discutido no tocante

a sua aplicabilidade quanto à realidade social, leia-se:

Atualmente discute-se a adequação do termo pleno emprego à realidade

social. Numa acepção mais restrita, o pleno emprego seria definido como

uma situação em que todos aqueles que estivessem aptos a trabalhar estariam

sujeitos a uma relação de emprego. Hoje, com as mais diversas formas de

exercício de atividade laboral e de vinculação com os agentes titulares dos

meios de produção, a expressão pleno emprego revela um sentido restritivo,

sendo mais adequado diante dessa nova realidade socioeconômica, a

substituição de seu termo por pleno trabalho ou plena atividade. Sendo

assim, neste trabalho, as referências ao pleno emprego se dão em sentido

86

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.

170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 298. 87

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros

Editores. p. 253-254.

71

amplo e estão relacionadas ao direito ao trabalho remunerado. A discussão

sobre o pleno emprego ou o direito ao trabalho remunerado surge no

momento em que o direito à propriedade já se encontrava consolidado nos

países de sistema de produção capitalista.88

Logo, o princípio da busca do pleno emprego, inserido constitucionalmente no

artigo 170, inciso VIII da Constituição Federal, não pode ser interpretado meramente a ofertas

de postos de trabalho.

Exige-se uma interpretação realçada pela função social da empresa e pelas

diretrizes estabelecidas através das políticas públicas no campo de um planejamento

econômico voltado para o cunho social, a fim de obter um desenvolvimento sustentável,

conforme preceitua o artigo 3º, ao instituir como objetivos fundamentais a garantia de um

desenvolvimento nacional, e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Como bem ressalta Lafayete Josué Petter:

A doutrina vê nele uma condição utópica jamais atingível. Certo é, contudo,

que as necessárias alterações substanciais de uma economia, como a

brasileira, são efetuadas nas fronteiras do curto, do médio e do longo prazo.

De modo que a concretização deste princípio constitucional depende da

formulação de políticas econômicas com alcance temporal variado. A

otimização dos capitais para o fim da criação de mais postos de trabalho tem

amplas possibilidades. Postos de trabalho temporário são criados em curto

espaço de tempo. Exemplificativamente, a decisão governamental de

incrementar a construção de casas populares, com aproveitamento da mão-

de-obra disponível na localidade beneficiada, por certo conduziria ao

surgimento de muitos postos de trabalho. Ao contrário, empregos na

indústria siderúrgica não se criam de um dia para o outro. Como adverte

Cavalcanti, ‗cálculos para o Brasil dão conta de que, nas quinhentas maiores

empresas do país, cada novo posto de emprego custa um investimento

adicional de 97 mil dólares‘. Este é um dado a ser levado em consideração.

Pequenos empreendimentos têm aporte menor de capital inicial e de recursos

e potencialmente geram mais postos de trabalho. Além disso, no mais das

vezes, a mão-de-obra necessária não precisa ser tão qualificada ou

especializada, o que de todo favorece o ingresso de novas pessoas no

88

SANTOS, Roseli Rêgo. O princípio da busca do pleno emprego como aplicação da função social da empresa

na Lei de Falências e Recuperação. Disponível em:

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/.../roseli_rego_santos.pdf>. Acesso em: 01 out. 2010.

72

mercado, pois a realidade nacional é, ainda, a falta de educação e de preparo

profissional específico.89

Nesse sentido, a dificuldade da implementação do princípio da busca do pleno

emprego paira sobre o êxito das políticas públicas. Na opinião de José C. de Assis, citado por

Roseli Rêgo Santos:

José Carlos de Assis (2000, p. 119), defende que o instrumento fundamental

para a promoção do pleno emprego é mudança de política econômica

monetária e de política fiscal, que depende da mobilização constante da

opinião pública e da capacidade das lideranças políticas de implementar uma

ação concreta.90

Volta-se aqui novamente a dispor que não é crível aceitar o retrocesso aos direitos

conquistados. A falta de efetividade das Constituições brasileiras vem sendo marcadas pela

insinceridade e frustração de vontade política, como diz Luís Roberto Barroso e Ana Paula

Barcellos:

A falta de efetividade das sucessivas Constituições brasileiras decorreu do

não reconhecimento de força normativa aos seus textos e da falta de vontade

política de dar-lhes aplicabilidade direta e imediata. Prevaleceu entre nós a

tradição européia da primeira metade do século, que via a Lei Fundamental

como mera ordenação de programas de ação, convocações ao legislador

ordinário e aos poderes públicos em geral. Daí porque as Cartas brasileiras

sempre se deixaram inflacionar por promessas de atuação e pretensos

direitos que jamais se consumaram na prática. Uma história marcada pela

insinceridade e pela frustação.).(grifo do autor)91

89

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.

170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 297-

298. 90

ASSIS, José Carlos de apud SANTOS, Roseli Rêgo. O princípio da busca do pleno emprego como aplicação

da função social da empresa na Lei de Falências e Recuperação. Disponível em:

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/.../roseli_rego_santos.pdf>. Acesso em: 01 out. 2010. 91

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova

interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro:

Renovar, 2008. p.327-378.

73

Nesse aspecto, o princípio da busca do pleno emprego só será efetivado, quando

objetivar a manutenção da relação do emprego, porque embora o ordenamento jurídico

preceitue um sistema econômico de livre iniciativa, ao mesmo tempo condiciona-o a

assegurar existência digna a todos, com fim de promover justiça social. Deve-se ater para a

ponderação de valores no caso de colisões de princípios. Como anotam os autores acima

mencionados:

IV. A ponderação de valores, interesses, bens ou normas consiste em uma

técnica de decisão jurídica utilizável nos casos difíceis, que envolvem a

aplicação de princípios (ou, excepcionalmente, de regras) que se encontram

em linha de colisão, apontando soluções diversas e contraditórias para a

questão. O raciocínio ponderativo, que ainda busca parâmetros de maior

objetividade, inclui a seleção das normas e dos fatos relevantes, com a

atribuição de pesos aos diversos elementos em disputa, em um mecanismo

de concessões recíprocas que procura preservar, na maior intensidade

possível, os valores contrapostos.92

Por isso que as demissões em massa são repelidas em face ao princípio da busca

do pleno emprego. Primeiro, porque caberão às empresas nos moldes do artigo 170 inciso III,

da Constituição Federal cumprir com a devida função social, neste contexto, deverá valorizar

o trabalho humano, a dignidade da pessoa humana, tanto no aspecto criação de posto de

trabalho, bem como na manutenção da relação de emprego e na qualificação da mão de obra.

Em segundo, pelo fato de as atividades econômicas serem imprescindíveis para concretude

dos artigos 1º e 3º ambos da Constituição Federal. Essa afirmativa será explanada com maior

ênfase no último capítulo ao tratar da proteção contra demissão em massa e a valorização do

trabalho humano.

Não pode haver atividade empresarial distanciada da função social, logo, a

própria manutenção e qualificação dos empregados fazem parte das obrigações empresariais.

Portanto, enseja-se à aplicação do princípio da busca do pleno emprego no âmbito da

atividade econômica.

92

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova

interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro:

Renovar, 2008. p.327-378.

74

Lafayete Josué Petter, abordando essa questão da função social, menciona que:

Quando o art. 186 da Constituição Federal estabelece que a função social da

propriedade rural é cumprida, entre outros requisitos, quando há observância

das disposições que regulamentam as relações de trabalho, de onde se extrai

que a proteção que o Direito confere à propriedade e à situação de dominus

tem relação com o acatamento da legislação laboral, devido ao fato de ela

estar funcionalizada, portanto, tendo um dever-poder a cumprir, não se vai

ao ponto de determinar maior número de contratações. Por outro lado, caso

verificada a situação proprietária onde a atividade econômica se desenvolva

com a utilização de intensa mão-de-obra, tal fato é merecedor de toda a

proteção que o sistema jurídico lhe pode conferir, se possível, até no sentido

promocional da expressão. A função social da propriedade tem muitos

caminhos a descobrir na atividade econômica. Se a atuação do Estado na

economia faz-se preponderantemente de modo subsidiário e seu

planejamento é apenas indicativo para o privado, a busca do pleno emprego

desafia a formulação de políticas públicas, mas também a devida valoração,

em casos concretos, quando, consoante ensinamento colhido no Capítulo 2, o

exegeta, nos limites do sistema, haverá de perscrutar a mais justa resposta,

entre tantas possíveis, de modo a dar efetividade e concretude a um dos mais

esmaecidos princípios da atividade econômica, o da busca do pleno

emprego. Ele se harmoniza com o fundamento da ordem econômica da

valorização do trabalho humano e traduz-se em caminho na conquista da

justiça social. (grifo do autor)93

Roseli Rêgo Santos defende que a busca do pleno emprego é um condicionamento

endógeno para o exercício empresarial, veja-se:

Em relação a segunda vertente, os condicionamentos do exercício da

empresa podem ser endógenos ou exógenos. Seriam endógenos os

relacionados às condições de trabalho e às relações com empregados, como

por exemplo, a contribuição Lei 11.101/2005, Art. 60. Parágrafo único. O

objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do

arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária,

observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei. para a promoção do

pleno emprego. Seriam exógenos os interesses dos consumidores, dos

concorrentes e os de preservação ambiental da comunidade em que a

empresa atua. O pleno emprego seria, portanto um condicionamento

endógeno ao exercício da atividade empresária, por interferir na estrutura de

organização interna da empresa. O empresário ao exercer a atividade

econômica e contribuir para a manutenção ou criação de novos postos de

trabalho estaria garantido seu direito à livre iniciativa, e à livre exploração de

93

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.

170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 299.

75

seus bens de produção, condicionando o exercício desses direitos à

promoção da justiça social através da função social da empresa.94

Conclui-se, que a busca pelo pleno emprego caracteriza uma obrigação

empresarial e caso este venha a descumprir, poderá ter seu direito a livre iniciativa limitado.

Nos dizeres de Lafayete Josué Petter:

De se notar, no exame da Constituição Federal, mormente considerados seus

objetivos fundamentais, a existência de um direito ao desenvolvimento. E se

a pessoa humana é o sujeito central deste direito, não se pode tomá-la como

simples fator de produção. Ao contrário, deverá ela haurir frutos que

propiciem sua existência digna, fim da ordem econômica, cabendo especial

responsabilidade ao poder público na realização e concretização deste

desenvolvimento. Insere-se neste contexto o exame do princípio

constitucional econômico da busca do pleno emprego, que tem galgado

elevada e maior importância com o passar dos anos, entre tantas razões,

também pela constatação de que os postos de trabalho cedem lugar,

constantemente, para a eficiência tecnológica, ofuscando o raciocínio

segundo o qual o aumento da produção implicaria necessariamente em maior

emprego de mão-de-obra.95

(grifo do autor)

Dentro desse contexto a manutenção da relação de emprego é primordial para

fazer valer o princípio da dignidade da pessoa humana, valorizando o empregado e

propiciando alternativas de aperfeiçoamento de mão-de-obra, bem como qualificações e

criação de novos postos de trabalho, com o fito de garantir a estabilidade empregatícia

evitando possíveis demissões em massa.

2.4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO DE

TRABALHO

Os princípios jurídicos, especialmente o principio da dignidade da pessoa humana,

sustentam todo o ordenamento jurídico. Isto porque, é através dos princípios que as decisões

94

SANTOS, Roseli Rêgo. O princípio da busca do pleno emprego como aplicação da função social da empresa

na Lei de Falências e Recuperação. Disponível em:

<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/.../roseli_rego_santos.pdf >. Acesso em: 01 out. 2010.

76

judiciais, e a própria convivência em uma sociedade, torna-se mais digna, mais próxima da

realidade e necessidades de que os seres humanos necessitam para viver em meios aos

desafios gerados pela própria relação entre pessoas mais poderosas e pessoas mais fracas,

tanto no aspecto econômico, cultural e social.

A proteção dos direitos humanos é principalmente notada em meio ao poder das

monarquias, como diz Jane Reis Gonçalves Pereira:

Não é difícil compreender a razão por que historicamente conferiu-se

destaque à proteção dos direitos humanos em face ao Estado: estes surgiram

e afirmaram-se precisamente como reação ao poder das monarquias

absolutistas. No limiar do constitucionalismo, do Estado provinham as

ameaças mais graves à liberdade e a dignidade do homem. Assim, a

emergência dos direitos humanos no contexto de superação do Absolutismo

fez com que estes, em sua primeira expressão, fossem identificados com a

idéia de limitação do poder estatal.96

Deve-se ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana, envolve não só

o indivíduo, enquanto único, mas também interpretá-lo como uma qualidade comum a todos

os seres humanos, a própria coletividade. Como bem menciona Rizzatto Nunes,

Percebe-se, então que o termo dignidade aponta para, pelo menos, dois

aspectos análogos mais distintos: aquele que é inerente à pessoa, pelo

simples fato de ser, nascer pessoa humana; e outro dirigido à vida das

pessoas, à possibilidade e ao direito que têm as pessoas de viver uma vida

digna.

Ora, toda pessoa tem dignidade garantida pela Constituição,

independentemente de sua posição e conduta social. Até um criminoso

inconteste tem dignidade a ser preservada. 97

Pode-se afirmar que tal princípio, está inserido na Constituição, bem como

extraídos dos próprios Tratados Internacionais, como por exemplo, Declaração Universal de

95

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.

170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 295. 96

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas do direito fundamental nas

relações jurídicas entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional:

ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3ª ed. revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 119-192

77

Direitos Humanos de 1948, Pactos de Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, ambos de 1966, a Proclamação da Conferência Internacional de Direitos

Humanos de Teerã, de 1968. Desse modo, interfere diretamente no próprio ordenamento, pois

sua interpretação se estende aos outros princípios constitucionais, os quais deverão estar em

perfeita harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nessa linha Dinaura Godinho Pimentel Gomes, dita que:

Inegavelmente, em face da íntima vinculação, o princípio da dignidade da

pessoa humana, como valor unificador de todos os direitos fundamentais,

apresenta-se como elemento referencial para a aplicação e interpretação das

normas constitucionais e infraconstitucionais, razão por que é indispensável

a compreensão prévia de seu significado e conteúdo, além de sua própria

eficácia.(grifo do autor)98

Mais adiante a autora cita alguns argumentos enumerados por Konrad Hesse em

relação à valorização na aplicação dos princípios:

Justamente para direcionar a tarefa do intérprete, em coordenar e valorizar

seus pontos de vista, Hesse aponta ser imprescindível a observância de

princípios de interpretação constitucional, dentre os quais se destacam, desde

logo, os seguintes: princípios da unidade da Constituição: princípio da

concordância prática: princípio da correção funcional; princípio da

valorização da relevância dos pontos de vista; princípio da força normativa

da Constituição; princípio da máxima efetividade; princípio da interpretação

conforme a Constituição; princípio da exclusão da interpretação, conforme a

Constituição, a seguir explicitados.

1) Pelo princípio da unidade da Constituição. uma norma deve ser vista em

conexão com as demais normas constitucionais, ou seja, com os princípios e

regras estruturantes da Constituição, para se evitarem contradições de uns

com outros. Em outras palavras, uma regra constitucional deve ser

interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos)

diante de outras, e, sobretudo, diante dos princípios jurídicos-políticos

constitucionalmente estruturantes. Isso obriga o intérprete a considerar a

Constituição em sua globalidade, procurando harmonizar os espaços de

tensão existentes. O intérprete deve considerar as normas constitucionais,

não de forma isolada e dispersa, mas como preceitos integrados em um

sistema unitário de regras e princípios.

97

NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 2

ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 52. 98

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p.202.

78

2) No que concerne ao princípio da concordância prática, Hesse a

harmonização dos bens jurídicos protegidos, de modo a evitar uma

precipitada ponderação de bens ou abstrata ponderação de valores em favor

de um, porém em manifesto prejuízo de outros. Vale dizer, o princípio da

harmonização ou concordância prática induz a ―ponderações‖ nem sempre

livres de carga política. Significa que não se deve fazer ponderações voltadas

a uma só direção, haja vista que, ―subjacente a este princípio, está a idéia do

igual valor dos bens constitucionais e não uma diferença de hierarquia que

impeça, como solução, um sacrifício de uns em relação aos outros, e

imponha o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de

forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática, entre estes

bens‖. (grifo do autor)99

Nesse sentido, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, no

tocante à sua aplicabilidade, terá privilégios sobre demais princípios constitucionais, tendo em

vista enquadrar-se aos princípios supranacionais.

O artigo 1º da Constituição Federal demonstra que a constituição é um meio de

organização estrutural do poder estatal, mas que também será através de seus princípios a

própria limitação desse poder estatal, em busca de um Estado Democrático de Direito.

É notório que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui um princípio

que se somatiza a todos os outros princípios fundamentais elencados no artigo 1º da

Constituição Federal. Impossível cingir, por exemplo, a soberania, cidadania, os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e da dignidade da pessoa

humana.

Segundo Rodrigo Pires da Cunha Boldrini, citado por Flávia Moreira Guimarães

Pessoa, há cinco aspectos que caracterizam essa relação entre os direitos fundamentais:

A relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos

fundamentais pode ser apontada a partir de cinco aspectos, conforme

enfatiza Boldrini (2003, p.2). No primeiro, a dignidade da pessoa humana

pode ser vista como unidade de valor de uma ordem constitucional e,

principalmente, como unidade de valor para os direitos fundamentais. No

segundo, é concebida como elemento de habilitação de um sistema positivo

dos direitos fundamentais. Sob esse prisma, a proteção e a promoção da

dignidade do homem confere legitimidade a um Estado e a uma sociedade

que tenham a pessoa humana como fim e como fundamento máximo.

Dentro do terceiro aspecto, a relação entre direitos fundamentais e dignidade

da pessoa humana seria uma relação entre teoria e prática no interior da

99

Ibidem. p.207.

79

ordem constitucional. Num quarto, evidencia-se a perspectiva da pessoa

humana como parâmetro na dedução de direitos fundamentais implícitos,

seguindo a concepção de que a própria dignidade consistiria em um direito

fundamental na medida em que se manifestasse stricto sensu. Por fim, há o

aspecto da dignidade da pessoa humana como limite e função do Estado e da

sociedade, na dupla vertente de que tanto um quanto outro devem respeitar e

promover a dignidade.(grifo do autor)100

Com a inclusão do princípio da dignidade da pessoa humana nas condutas

administrativas, legislativas e judiciárias, revela-se um Estado social que antes não existia, e

melhor, pois está calcado também nas diretrizes de um Estado Liberal.

Nota-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é o núcleo fundamental

para a caracterização de um Estado Democrático de Direito. Nas palavras de Luís Roberto

Barroso e Ana Paula Barcellos:

Os princípios fundamentais expressam as principais decisões políticas no

âmbito do Estado, aquelas que vão determinar sua estrutura essencial.

Veiculam, assim, a forma, o regime e o sistema de governo, bem como a

forma de Estado. De tais opções resultará a configuração básica da

organização do poder político. Também se incluem nessa categoria os

objetivos indicados pela Constituição como fundamentais à República e os

princípios que regem em suas relações internacionais. Por fim, merece

destaque em todas as relações públicas e privadas o princípio da dignidade

da pessoa humana (art. 1, III), que se tornou o centro axiológico da

concepção de Estado democrático de direito e de uma ordem

mundialidealmente pautada pelos direitos fundamentais.101

Além de fazer parte dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil

e ter um liame direto com os outros princípios espalhados por todo ordenamento

constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana insere-se no artigo 170, ―caput‖ da

Constituição Federal, ao dizer que a ordem econômica tem for fim assegurar a todos uma

existência digna. Isso porque a dignidade da pessoa humana é um princípio que abrange

100

BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha apud PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. Curso de direito

constitucional do trabalho: uma abordagem à luz dos direitos fundamentais. Salvador: Editora Juspodivm, 2009.

p. 30-31. 101

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da História: a nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A nova

interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. rev. Rio de Janeiro:

Renovar, 2008. p.327-378.

80

diversas esferas, como os direitos individuais, direitos sociais, bem como os direitos

econômicos.

Demonstra-se que o intuito do legislador constituinte foi a de garantir uma

adequação e equilíbrio entre direitos que garantam o próprio individuo, enquanto ser humano

em face da própria atividade econômica. Não há como dinamizar a economia se não houver

este equilíbrio, pois, se a economia prevalecer, estar-se-á frente a um crescimento e não a um

desenvolvimento sustentável.

Faz parte da própria segurança jurídica na esfera econômica, que o princípio da

dignidade da pessoa humana, além de alcançar toda a segurança para que o indivíduo tenha

uma melhor qualidade de vida, serve também para limitar outros direitos, quando tornam-se

invasivos, como por exemplo, limitar a própria livre iniciativa, quando extrapolar a

valorização do trabalho humano.

Outro ponto a ser destacado, que vem alancear diretamente o princípio da

dignidade da pessoa humana é a flexibilização, que a princípio seria uma forma de melhorar

as relações trabalhistas e não uma forma de degradar os direitos trabalhistas.

Mesmo estando disposta na Constituição Federal, nos seus artigos 7º, incisos VI,

XIII e XIV, a flexibilização como está sendo aplicada conjuntamente com a globalização

destoa dos princípios constitucionais e do direito do trabalho que garantem a própria

dignidade do trabalhador.

Para Rosilaine Chaves Lages, o próprio Estado desconjunta o sistema trabalhista,

vez que no ato de sua imposição por lei ou decretos bani ou reduz benefícios, leia-se:

Ocorre que a flexibilização é prejudicial enquanto medida de desarticulação

de legislação trabalhista é instrumento de desregulamentação das relações

laborais, tendentes a atingir fins outros que não os colimados pelo Direito do

Trabalho, pois que consiste simplesmente na derrogação de benefícios

trabalhistas preexistentes ou sua substituição por outros inferiores, (...)

imposta unilateralmente pelo Estado, por meio de lei ou decreto (...). 102

102

LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:

homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 123.

81

Em relação ao desemprego a flexibilidade atua de forma conjunta para o seu

aumento. Na Europa essa afirmativa vem sendo comprovada, como menciona Janaina Vargas

Hilário:

Ademais, os resultados obtidos, em países da Europa, demonstram de forma

inequívoca que a flexibilização, ditada pelos ideólogos do neoliberalismo,

como forma de se obter a pretendida adaptação das normas de proteção dos

trabalhadores às imposições da globalização econômica não gera empregos

(GOMES, 2005). Ao contrário, deflagra a deterioração da qualidade de

empregos que restam e acentua a exclusão, aumentando o número de

milhões de desempregados que recorrem cada vez mais às experiências da

informalidade.103

Nessa linha, a flexibilização, além de desregulamentar as relações laborais,

confronta diretamente a justiça social e a igualdade regional, propiciando os interesses

particulares, impedindo o desenvolvimento coletivo tão almejado pela sociedade democrática.

Com maestria, Ingo Wolfgang Sarlet define que:

[...] ninguém será capaz de negar que entre nós – e lamentavelmente cada

vez mais – a dignidade da pessoa humana (de alguns humanos mais do que

outros) é desconsiderada, desrespeitada, violada e desprotegida, seja pelo

incremento assustador da violência contra a pessoa, seja, pela carência

social, econômica e cultural e grave comprometimento das condições

existências mínimas para uma vida com dignidade e, neste passo, de uma

existência com sabor de humanidade.104

Importante frisar,

qu

e se torna dificultoso em um mundo globalizado ―desenfreado e desorganizado‖ correlacioná-

103

HILÁRIO, Janaina Vargas. A tutela do direito ao trabalho digno frente à globalização econômica.

Disponível em: <http://www2.uel.br/revistas/direitopub/pdfs/VOLUME_5/num_2/A%20Tutela%20do%20

Direito%20ao%20Trabalho%20Digno%20Frente%20a%20Globalizacao%20Economica.pdf>. Acesso em: 19

out. 2010. 104

SARLET, Ingo Wolfgang apud LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da

valorização do trabalho regulado: homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr,

2010. p. 130.

82

lo com a proteção a manutenção ao emprego. Ressalta Dinaura Godinho Pimentel Gomes,

que:

Ao longo dos tempos, só após sofridas lutas e conquistas, o princípio de

proteção ao hipossuficiente foi consagrado nos ordenamentos jurídicos, para

conferir a ele superioridade jurídica em face da superioridade econômica do

empregador, em seu tríplice aspecto: 1) in dúbio pro operário; 2) aplicação

da norma mais favorável ao empregado, e da 3) observância da condição

mais benéfica, no sentido de uma nova norma trabalhista nunca diminuir ou

excluir direitos adquiridos do empregado. Aliados a esse princípio básico,

critério orientador do Direito do Trabalho, outros princípios de fundamental

importância também informam a concreção de regras, tais como: os

princípios da irrenunciabilidade, da continuidade, da primazia da realidade

sobre aspectos formais da relação, da razoabilidade e da boa-fé, entre outros

merecedores de destaque.

Em contraposição, a flexibilização e a desregulamentação, nos moldes hoje

determinadas, têm por escopo justamente afastar o Estado desta modalidade

de relação contratual e, consequentemente, em detrimento desses mesmo

princípios e regras que resguardam aquele mínimo da dignidade, duramente

conquistado, conforme denunciam as contundentes palavras de Russomano,

ora destacadas no preâmbulo do presente capítulo.

Na verdade, tais imposições, advindas do neoliberalismo e da globalização

trazem, pois, como resultado, o amargo retorno a pré-modernidade, o que

evidencia a volta da barbárie, ou , mais precisamente, impõe uma nova

forma de regulação feudal, a ignorar completamente o longo percurso da

conquista desses direitos.105

Esse retrocesso aos direitos adquiridos jamais podem ocorrer, principalmente,

quando se trata de um direito fundamental, que envolve a própria qualidade de vida do ser

humano. Porque, as conquistas são lentas, mas ao mesmo tempo uma vez conquistadas nunca

retroagem ao passado. É inaceitável admitir um retrocesso ao princípio da dignidade da

pessoa humana. Nos dizeres de Luiz Salvador:

Não podemos permitir o retrocesso social, pugnando pelo avanço dos

direitos sociais, humanos, trabalhistas e previdenciários a todos os

trabalhadores, buscando-se uma simetria de direitos em todo o continente,

até para que o sistema produtivo de cada país não tenha a concorrência

desleal com o sistema produtivo de outro país "parceiro" dentro de um

sistema de mercado plural de inclusão, onde não só as mercadorias tenham

livre circulação, mas também os trabalhadores, com direitos plurais

assegurados a efetivação da dignidade da pessoa humana.

105

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 92-93.

83

Nesse sentido, urge a unificação de todos os movimentos preocupados com

os novos rumos que está imprimindo o capitalismo de resultado meramente

econômico, sem responsabilidade social, pela preservação e prevalência da

moderna concepção do trabalho digno defendido pela OIT, como um bem

inalienável, uma dádiva, uma benesse, um leniente necessário a valorização

e dignificação da pessoa humana.106

O princípio da proteção a manutenção do emprego assegura esse não retrocesso,

porque além de proteger, tem como interesse a paz social, o bem comum, encontrando raízes

na própria dignidade da pessoa humana.

Vale lembrar que o desemprego, o trabalho informal, a falta de políticas públicas

voltadas para o aperfeiçoamento da mão-de-obra, configuram a própria degradação da pessoa

humana, enquanto trabalhador. Afirma Benedito Calheiros Bomfim:

Com o outorgar ao empregador, embora não taxativamente, o direito de

despedida arbitraria o poder potestativo de extinção do contrato de trabalho,

nosso direito positivo investiu contra a dignidade do trabalhador, deixando

seu maior bem - o direito ao trabalho e à continuidade da prestação de

serviço, – à mercê, ao alvedrio do empregador. O empregado, parte fraca na

relação de trabalho, quedou-se em situação de dependência e humilhação.

De fato, não há respeito à condição social e moral do assalariado, à sua

individualidade, se, na prática, efetivamente, não se lhe garante a

manutenção da relação laboral, ou o real acesso imediato a novo emprego,

além da irredutibilidade salarial. Vivendo sob o risco da privação do

emprego, o trabalhador sofre instabilidade emocional, sente-se ferido em sua

auto-estima, vê se tratado como simples peça descartável da engrenagem

empresarial, tão ao gosto do neoliberalismo. Colocado sob constante ameaça

de desemprego, com os inevitáveis reflexos psicológicos decorrentes dessa

instabilidade, sente-se inseguro, apreensivo, intranqüilo, em permanente

tensão na execução do serviço. (grifo nosso)107

Na mesma linha, Cármen Lúcia Antunes Rocha entende que:

Verifica-se, pois, que sem que as políticas públicas sejam adotadas

considerando-se os fins estabelecidos constitucionalmente como próprios,

pode-se conduzir a ordem econômica em direção ao desemprego evitável e

106

SALVADOR, Luiz. Dignidade humana: as novas formas de trabalho na América Latina e as tutelas

asseguradoras da dignidade humana. Disponível em: http://br.monografias.com/trabalhos910/dignidade-

humana/dignidade-humana.shtml> . Acesso em 19 out. 2010. 107

BOMFIM,Benedito Calheiros. A despedida arbitrária e a dignidade do trabalhador. Disponível em:

<http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1211290538174218181901.pdf> . Acesso em: 20 out. 2010.

84

aviltante para o ser humano, e comprometedor da realização integral dos

objetivos sociais.

(...)

Por isso é que se tem a denúncia reiterada de que o desemprego que decorra

de negativa dos objetivos nacionais – nos quais se toma o homem como

centro da organização político-econômica, ou do acatamento dos princípios

da ordem econômica e social – é provocado pelo Estado, e as políticas que a

ele conduzam são, portanto, nulas, porque agressivas ao princípio da

dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e determinantes da

exclusão social. A que se põe em detrimento do homem-trabalhador,

membro de uma sociedade na qual a relação trabalho/emprego ainda não se

desfez, nem tende a ser inteiramente desfeita de imediato. As necessidades

tecnológicas que levam à extinção de empregos e a impedimento do trabalho

precisam ser consideradas conjugadamente com os imperativos éticos de

uma convivência digna, na qual o homem não seja conduzido à vergonha de

não poder trabalhar e, por conta disso, de não se impor respeitosamente

como cidadão atuante em benefício de todos. (grifo nosso)108

O trabalho é um bem jurídico tutelado por todo o ordenamento constitucional. No

artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal é inserido como um dos princípios fundamentais,

ao dizer que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, os valores sociais do

trabalho, e no Capítulo II, elencando-o como um dos direitos sociais, e no artigo 170, onde

determina que a ordem econômica será fundada na valorização do trabalho humano.

Fica demonstrado que o empregado não pode ficar a mercê das leis de mercado. É

claro que são inevitáveis tais mudanças, porém, deve-se ressaltar que não é o homem que

deve servir para com a economia, mas sim a economia deve respeitar os limites

constitucionais em face ao ser humano.

Volta-se a mencionar que a questão é o desinteresse do Poder Legislativo e Poder

Executivo, em atuarem com políticas públicas que absorvam esse impacto causado pela

globalização desregulamentada, pois, infelizmente percebe-se que as políticas públicas atuais

favorecem mais os empregadores do que os empregados. Como bem ressalta Dinaura

Godinho Pimentel Gomes:

Incumbe ao Governo, com a cooperação de grupos representativos da

sociedade civil, principalmente dos grupos empresariais de grande porte,

nacionais e transnacionais, desenvolver políticas públicas voltadas, de um

108

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social.

Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/32229/31455>

Acesso em: 20 out. 2010.

85

lado, ao fomento da economia de forma a propiciar o crescimento do País

em seus diversos setores e, de outro, à qualificação da mão de obra e à

capacitação profissional dos trabalhadores, mormente diante das inovações

tecnológicas, como meios de se combater o desemprego.

O que é inaceitável é o fato de a atuação legislativa permanecer na

dependência de escolhas trágicas entre tomada de posições de caráter

econômico em favor de ‗poucos‘ e valores de natureza social de alcance

geral da comunidade. Em contraposição a essa realidade, mesmo que

progressivamente, deve ser implementado, desde logo, o acesso do cidadão à

educação de qualidade, direcionada à sua formação cultural e política. É essa

uma das formas para se possibilitar a efetiva participação jurídico-política da

sociedade, por meio de grupos de interesses, não só no ato de tomada das

decisões governamentais de maior relevância, como no processo de

concretização de direitos, mais precisamente, daqueles assegurados por

normas constitucionais.109

Não há desenvolvimento se não ocorrer programas que atuem no combate ao

desemprego, a demissão em massa, a manutenção do emprego, a violência, a precariedade nos

saneamentos básicos, a qualidade da educação, saúde e demais necessidades.

André Gors defende a idéia que cabe a política a função de distribuir o trabalho

para todos, veja-se:

Uma das funções de uma política do tempo é precisamente repartir as

economias de tempo de trabalho conforme princípios não da racionalidade

econômica, mas da justiça. Tais economias resultam da obra de toda a

sociedade. A tarefa política é distribuí-las na escala de toda a sociedade de

maneira a que cada um e cada uma seja beneficiado.110

O autor austro-francês enfatiza o tema ao dizer que a redução, por exemplo, da

jornada de trabalho, seria uma alternativa para o aumento do número de empregos, porém,

relata que essa redistribuição dos empregados deve presidir de uma política planejada, tanto

quanto a sua previsão e formação. Para ele, “hoje, não há indústria, nem administração, nem

serviços público, nem empresa digna do nome que não deva planificar com quatro anos de

antecedência suas necessidades qualitativas e quantitativas de mão de obra.‖111

109

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 97. 110

GORZ, André. Metamorfose do trabalho: critica da razão econômica. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2007. p.

186. 111

GORZ, André. Metamorfose do trabalho: critica da razão econômica. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2007. p.

186.

86

Nessa esteira, inaceitável será a empresa que demitir em massa seus empregados.

Estar-se-á frente a uma conduta contrária do que almeja a Constituição Federal, ao inserir a

função social da empresa ladeada com a valorização do trabalho humano e consequentemente

a dignidade da pessoa humana. Dinaura Godinho Pimentel Gomes ressalta que:

A dispensa coletiva, como ato socialmente injustificado, deixa de ser

caracterizada decorrente do exercício do poder de organização, ínsito no

poder de direção do empregador, por afrontar normas constitucionais que

resguardam a dignidade da pessoa humana e condicionam o exercício da

livre iniciativa à função social da empresa, no sentido de ‗assegurar: a todos

existência digna, conforme ditames sociais’ (CF, art. 173, caput). Assim, o

ato da dispensa coletiva não apenas causa privação do emprego como afasta

a empresa de sua função social, proclamada e exigida pelo ordenamento

jurídico vigente, além de atentar contra a função social do contrato (CC, art.

421). (grifo do autor)112

Por isso, frisa-se que a demissão em massa imotivada não pode ser aceita, cabendo

ao Estado resguardar acima de tudo o princípio da dignidade da pessoa humana e da

valorização do trabalho humano.

Cabe lembrar que o interesse pela preservação da dignidade da pessoa humana é

mundial, sua presença espalhou-se por vários Tratados Internacionais, como elenca Amauri

Mascaro Nascimento,

A Carta das Nações Unidas (1945) proclama a sua ‗fé nos direitos

fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana ‗. A

Declaração Universal dos Direitos dos Homem (1948) diz que ―o

reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família

humana e dos direitos iguais e inalienáveis constituem o fundamento de

liberdade, da justiça e da paz mundial‖ e que ―todos os seres humanos

nascem livres e iguais em dignidade e direitos‖. A Lei Fundamental da

Alemanha (1949) declara que a ―dignidade do homem é intangível‖. A

Constituição da Espanha (1978) dispõe que ‗a dignidade da pessoa, os

direitos invioláveis que lhes são inerentes, o livre desenvolvimento da

personalidade (...) são o fundamento da ordem política e da paz social‘. A

Constituição da Itália (1947) declara que ‗todos os cidadãos têm a mesma

dignidade social e são iguais perante a lei‖. A Constituição de Portugal

(art.1º) dispõe que ―a República é fundada sobre a dignidade da pessoa

humana e a vontade popular‘. A Constituição da Bélgica (art. 23) dispõe que

112

GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Direito do trabalho e dignidade da pessoa humana, no contexto da

globalização econômica: problemas e perspectivas. São Paulo: LTr, 2005. p. 134.

87

―cada um tem o direito de ter uma vida conforme a dignidade humana‖. A

Constituição do Brasil (1988), artigo 1º declara que a República tem como

fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o

pluralismo político. (grifo do autor) 113

Felizmente, uma decisão do TRT da 15ª Região, entendeu que a dispensa

imotivada fora utilizada de forma abusiva, sobretudo com o fundamento de prevalecer o

princípio dos direitos humanos, leia-se:

EMENTA: DISPENSA IMOTIVADA. DIREITO POTESTATIVO

UTILIZADO DE FORMA ABUSIVA E FORA DOS PARÂMETROS DA

BOA FÉ. NULIDADE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 7o. I, DA CF/88, DOS

ARTS. 421, 422 e 472 DO NOVO CÓDIGO CIVIL, DA CONVENÇÃO

158 DA OIT E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO E DO DIREITO

INTERNACIONAL DO TRABALHO. Todos os trâmites para validade da

Convenção n. 158, da OIT, no ordenamento nacional foram cumpridos. Os

termos da Convenção são, inegavelmente, constitucionais, pois a

Constituição brasileira, no artigo 7º, I, veda a dispensa arbitrária ou sem

justa causa, e o que faz a Convenção 158 é exatamente isto. O parágrafo 2º,

do art. 5º, da CF/88, estabelece que os tratados internacionais – gênero do

qual constituem espécies as Convenções da OIT – são regras

complementares às garantias individuais e coletivas estabelecidas na

Constituição. Assim, a Convenção 158, estando de acordo com o preceito

constitucional estatuído no artigo 7º, inciso I, complementa-o. Além disso, a

Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 4o, que nas relações

internacionais, a República Federativa do Brasil rege-se, dentre outros

princípios, pela prevalência dos direitos humanos (inciso II) e não se pode

negar ao direito do trabalho o status de regulação jurídica pertencente aos

direitos humanos. Assim, um instrumento internacional, ratificado pelo

Brasil, que traz questão pertinente ao direito do trabalho, há de ser aplicado

como norma constitucional, ou até mesmo, supranacional. Mesmo que os

preceitos da Convenção 158 precisassem de regulamentação (o que não se

acredita seja o caso) já se encontrariam na legislação nacional os parâmetros

dessa "regulamentação". A Convenção 158, da OIT, vem, de forma

plenamente compatível com nosso ordenamento jurídico, impedir que um

empregador dispense seu empregado por represálias ou simplesmente para

contratar outro com salário menor (...). (grifo nosso)114

A indicação que se faz a respeito é que aos poucos se cristaliza a idéia que os

Tribunais Regionais do Trabalho atuem em suas decisões aplicando os princípios

constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho humano

113

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 409-410. 114

SALVADOR, Luiz. Despedida imotivada: TST flexibiliza o direito social, permitindo a despedida de

empregados concursados. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6351>. Acesso em: 13

out. 2010.

88

para tornarem eficaz a aplicação do artigo 7, inciso I da Constituição Federal até que surja a

Lei Complementar.

3 DA PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM MASSA E VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO HUMANO

Nesse último capítulo serão apresentados os meios eficazes de proteção à demissão

coletiva, como por exemplo, a negociação coletiva, através do acordo coletivo ou da

89

convenção coletiva de trabalho, a ação civil pública como forma de reprimir ou prevenir atos

de demissão coletiva imotivada, bem como a intervenção estatal por meio de incentivos

empresariais e as políticas públicas voltadas para a proteção do trabalho humano.

3.1 CONCEITO DE DEMISSÃO EM MASSA E OS PRINCÍPIOS DO DIREITO

COLETIVO DO TRABALHO

O trabalho é um instrumento para a transformação e construção de uma sociedade

fundada em princípios éticos e morais, que são capazes de atender o mínimo esperado e

exigido para auferir uma vida digna para todos.

Ao assegurar os direitos fundamentais dos empregados, consequentemente,

minimiza-se os impactos causados pelo desemprego, por exemplo, as inseguranças providas

pela carência financeira, tais como, falta de alimentação, educação, saúde e moradia. Nesse

contexto, a Constituição Federal garante a devida proteção contra atos demissivos abusivos.

Mesmo com esse aparato constitucional que assegura o vínculo trabalhista, as

empresas atualmente demitem grupos de pessoas, alegando dificuldades financeiras, que em

alguns casos nem seria necessária a demissão em massa, mas sim um meio de usar a crise

como um ato artificioso e fraudulento; ou por uma reestruturação organizacional, como fusão

e incorporação e por novos espaços tecnológicos.

José Ricardo Prieto cita algumas empresas que utilizaram dessas práticas de

demissões em massa como:

No Brasil, a demissão alegadamente responsável costuma ser usada,

sobretudo por empresas transnacionais quando levam a cabo processos de

fusão e em momentos de grandes ‗reestruturações‘, quando o capital se

rearranja para aumentar seus lucros e invariavelmente desencadeia processos

de demissões em massa. O que as direções buscam é polir sua imagem junto

ao público em momentos nos quais mostram da forma mais escancarada sua

verdadeira natureza de exploração e chantagem.

Empresas como Volkswagen, Kaiser, Adams, Renault e Avon já se valeram

deste estratagema. Mas os primeiros programas de ‗outplacement

coletivo‘que foram implementados em nosso país aconteceram no final de

1999 e no início do ano 2000, levados a cabo pelo oligopólio de telefonia no

início dos processos de enxugamento de pessoal que foram feitos após a

privatização das telecomunicações brasileiras. Foi por esta via que a Brasil

Telecom se desfez de nada menos do que 5.569 trabalhadores da antiga

Telebrás, e depois espalhou por meio de seu departamento de relações

públicas que deixou ‗todo mundo satisfeito‘. E com a compra da BrT pela

Telemar/Oi, na maior negociata monopolista vista no Brasil nos últimos

tempos (devidamente avalizada pela gerência Luiz Inácio), um novo

90

programa para botar gente na rua com jeitinho pode estar por vir. Por

enquanto, a Oi está demitindo à moda antiga mesmo.115

Demissão é o ato pelo qual cessa as funções e obrigações entre empregado e

empregador. Nessa definição, demissão em massa ou coletiva é compreendida pela cessação

de vários contratos de trabalho ao mesmo tempo.

Maurício Godinho Delgado diferencia despedida individual de despedida coletiva,

dizendo que:

A despedida individual é a que envolve um único trabalhador, ou que,

mesmo atingindo diferentes empregados, não configura ato demissional

grupal, ou uma prática maciça de rupturas contratuais (o chamado lay-off). A

ocorrência de mais de uma dispensa em determinada empresa ou

estabelecimento não configura, desse modo, por si somente, despedida

coletiva: pode tratar-se de um número de dispensas individuais.

Já a despedida coletiva atinge um grupo significativo de trabalhadores

vinculados ao respectivo estabelecimento ou empresa, configurando uma

prática maciça de rupturas contratuais (lay-off). (grifo do autor)116

Embora não haja nenhuma lei que estipule um número de empregados para a

configuração da despedida coletiva, basta a prática da demissão imotivada que produza graves

lesões no âmbito social para emoldurar no caso de demissão em massa.

Na prática, o empregador no Brasil contrata e demite seus empregados de forma

injustificada, isto é, desmotivada. Mesmo sendo o trabalho um direito fundamental e que

concentra reflexos positivos no meio social, infelizmente, a manutenção do emprego não é

respeitada como deveria.

As demissões em massa atingem diretamente o princípio constitucional da

valorização do trabalho humano, vez que através desse princípio o trabalho deve ser

desempenhado de forma estável, dignificando o ser que ali labora.

Por isso, é importante a atuação dos sindicatos nas negociações coletivas, que

intervirá em uma melhor fixação das condições laborais, amenizando os impactos que uma

demissão em massa possa refletir em uma sociedade.

Por meio da negociação coletiva estipulam-se as condições para essa demissão,

determinando, por exemplo, se todos os empregados ali envolvidos deverão ser demitidos ou

se realmente será necessária essa demissão. Como cita Paulo Roberto Lemgruber Ebert:

115

PRIETO,José Ricardo. Mais uma gambiarra para destruir direitos trabalhistas. Disponível em: <

http://www.anovademocracia.com.br/no-53/2211-mais-uma-gambiarra-para-destruir-direitos-trabalhistas>

Acesso em: 20 jan. 2010. 116

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 1.156.

91

De fato, quando uma determinada organização empresarial opta pela

promoção de um grande número de despedidas para adequar-se às novas

conjunturas econômicas, tecnológicas ou mercadológicas, tal medida afeta a

coletividade dos trabalhadores e as relações entabuladas entre estes últimos e

a empresa naquele aspecto fundamental que possibilita e pressupõe a própria

existência das demais condições de trabalho: o vínculo empregatício.

Disso decorre o dever imposto às empresas no sentido de informar a

entidade representativa dos trabalhadores a respeito dos intentos

despeditórios e de consultá-la previamente à implementação daquela

providência drástica, possibilitando, nesse sentido, a discussão bilateral em

torno das eventuais medidas alternativas à dispensa coletiva ou, se realmente

impossível a manutenção dos vínculos empregatícios, das compensações a

serem oferecidas aos obreiros afetados.

Do contrário, estar-se-á conferindo aos empresários a prerrogativa de agir

unilateralmente no sentido de glosar o principal aspecto atinente às relações

de trabalho, em nítido prejuízo da coletividade obreira, frustrando-se, dessa

forma, o desígnio de igualdade material entre empresa e sindicato

profissional que subjaz ao princípio da negociação coletiva e que

condicionou toda a evolução histórica do conceito.117

Deve-se interpretar os direitos sociais mencionados na Constituição Federal, no

artigo 7º, os quais têm por escopo melhorar as condições sociais do empregado,

sistematicamente aos primados da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho,

elencados no artigo 1º, incisos III e IV, e com o princípio da busca pelo pleno emprego,

disposto no artigo 170, inciso VIII, para garantir a redução das desigualdades regionais e uma

sociedade livre, justa e solidária, conforme disposto no artigo 3º, incisos I e III.

Com todos esses preceitos constitucionais, não há como demitir sem antes se

submeter aos procedimentos prévios da negociação coletiva, pois, por meio desta surgirão

resultados menos impactantes e degradantes para com os empregados e a sociedade.

Vale destacar o princípio da função social da empresa, disposto na Constituição

Federal artigo 5º, inciso XXIII e 170, inciso III, princípio este que destoa da demissão em

massa por objetivar que as empresas atuem de forma voltada ao cunho social e não só

patrimonial. Parte do princípio que não deve haver demissão em massa sob alegações de

estabilidade econômica, quando na verdade não há dados que comprovem esse índice e sim

uma gestão voltada somente ao lucro.

117

EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de

participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível

em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01 dez. 2010.

92

Ainda mais que com o aumento do desemprego a enorme oferta de mão de obra no

mercado gera as flexibilizações negativas, propensas a novas contratações, com valores

inferiores de salários, bem como fixação de condições de trabalho por parte do empregador,

incidindo em propostas patronais tendenciosas e unilaterais, sempre com objetivo voltado ao

lucro, destoando de todo o ordenamento constitucional.

Estatisticamente, a demissão em massa é um fator preocupante nas sociedades

como ressalta Fernanda Gomes dos Santos:

Os números da demissão no mundo são alarmantes. Desde o final da década

de 80, crescem os processos de demissão em massa. Em 1989, mais de 550

mil pessoas foram involuntariamente desligadas de seus empregos no

Canadá e 350 mil no Japão. Na Europa Central e Oriental, entre 1990 e

1991, mais de 3,7 milhões de pessoas perderam empregos nos setores

industrial, agrícola e de construção civil.

No Brasil, as empresas começaram a enxugar seus quadros de pessoal de

forma sistemática a partir da década de 90. Entre 1991 e 1994, cerca de 35

grandes empresas realizaram demissões em massa e muitas dessas

organizações eram modelos em práticas administrativas. Em 2003, a

Eastman Kodak divulgou a eliminação de 4,5 mil a seis mil postos de

trabalho porque não tinha alcançado as previsões de lucro no ano devido à

retração nas vendas de filme fotográfico no varejo. O número de demissões

equivale de 6,4% a 8,6% da força de trabalho da companhia no mundo todo

até o final de 2002. Em 2003, a Volkswagen do Brasil anunciou a dispensa

de quase quatro mil funcionários, com o intuito de cortar 16% de sua força

de trabalho no Brasil e contornar os efeitos das crises no setor automotivo

brasileiro onde a queda das vendas no Brasil foi da ordem de 21,3% no

primeiro semestre. Vemos também que o desemprego é uma constante que

aumenta a cada ano. A Organização Internacional do Trabalho (OIT)

divulgou recentemente que, 185,9 milhões de pessoas no mundo não tinham

emprego no ano de 2003, o que equivale a toda uma população brasileira

sem trabalho. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), a taxa média de desemprego no Brasil foi de

12,3% em 2003. 118

De acordo com esses índices a impressão que se tem é que o Estado em

contrapartida está se abstendo de programar políticas públicas eficientes, que contribuam para

o aumento e permanência de empregos, a fim de reduzir as demissões em massa.

Não é crível aceitar, por exemplo, que as empresas utilizem da crise financeira

para demitirem, quando na verdade podem através de suas gestões atuarem de forma diversa,

118

SANTOS, Fernanda Gomes dos. Responsabilidade social e demissões em massa: um olhar de relações

públicas no rela no relacionamento com o público interno. Disponível em: <

http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RESPONSABILIDADE%20SOCIAL%20E%20DEMISS%C3%

95ES%20EM%20MASSA.pdf > Acesso em: 20 jan. 2010.,

93

uma vez que, os fatores econômicos não condizem com a transparência e a responsabilidade

que as empresas deverão manter para com seus empregados.

O Estado deve atuar de forma direta contra essas condutas, até porque é impossível

combater a erradicação das desigualdades regionais, conforme artigo 3º da Constituição

Federal com um aumento alarmante de desempregados.

Portanto, a demissão em massa deve ser abolida das práticas empresariais, tendo

em vista ser o trabalho o fator preponderante para existência digna a todos, erradicando-se as

desigualdades regionais que possam surgir em meio a um país subdesenvolvido como é o

Brasil.

3.1.1 Princípios do Direito Coletivo do Trabalho

Considerando que a relação de emprego deve ser protegida contra as demissões em

massa imotivadas, os princípios do Direito Coletivo do Trabalho são de suma importância por

condicionar as relações de emprego nos moldes constitucionais, frente às desigualdades

existentes entre empregado e empregador.

Comenta Miguel Reale que os princípios são as bases do direito e que é uma

verdade implícita e necessária, veja-se:

Na realidade, não precisava dizê-lo, porque é uma verdade implícita e

necessária. O jurista não precisaria estar autorizado pelo legislador a invocar

princípios gerais, aos quais deve recorrer sempre até mesmo quando

encontra a lei própria ou adequada ao caso. Não há ciência sem princípios,

que são verdades válidas para um determinado campo do saber, ou para um

sistema de enunciados lógicos. Prive-se um ciência de seus princípios, e tê-

la-emos privado de sua substância lógica, pois o Direito não se funda sobre

normas, mas sobre os princípios que as consolidam e as tornam significantes. 119

O artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho consagra os princípios gerais do

direito ao mencionar que na ausência de disposições legais ou contratuais, as autoridades da

Justiça do Trabalho decidiram com base nos princípios gerais de direito. A Lei de Introdução

ao Código Civil também contempla o uso dos princípios, quando a lei for omissa, em seu

artigo 4º.

Nesse contexto, Nayron Divino Toledo Malheiros, afirma que:

119

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. v, I. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 1975. p.57

94

No campo das fontes do direito do trabalho podemos classificá-las de

diversas formas, ela podem ser Formais quando possuem caráter baseado no

Direito Positivo sendo que estas podem ser diretas (a constituição, leis em

geral, decretos, portarias, regulamentos, instruções, costumes, as sentenças

normativas, os acordos e convenções coletivas, os regulamentos de empresa

e os contratos de trabalho) ou indiretas (jurisprudência, doutrina, princípios

gerais do direito e o direito comparado), e temos também as fontes materiais

que são um complexo de fatores que ocasionam o surgimento de normas,

envolvendo fatos sociais e valores que o direito procura realizar e proteger

Também podemos fazer a distinção entre as fontes heterônomas e as

autônomas.

Heterônomas – são aquelas fontes impostas por um agente externo, temos

como exemplo a constituição, leis, decretos, sentença normativa.

Autônomas - são aquelas fontes criadas pelas próprias partes interessadas,

como, por exemplo, contrato de trabalho, o acordo coletivo, a convenção.120

Os princípios do Direito Coletivo objetivam demonstrar a própria afirmação da

figura do ser coletivo obreiro e as relações de trabalho que envolva os empregadores e a

organização dos trabalhadores.

Diferentemente dos princípios do Direito Individual em que o empregado é

individualizado, no âmbito coletivo, a extensão apresentada compreende empregados e

empregadores, pressupondo uma relação entre os dois sujeitos de direito.

Porém, mesmo com essa diferença, o Direito Individual e o Direito Coletivo do

Trabalho se correlacionam. Nas palavras de Maria Cecília Máximo Teodoro:

Os princípios do universo individual alimentam os princípios do universo

coletivo, ambos haurem-se da seiva comum – o trabalho humano - , ambos

comunicam-se e interligam-se interna e externamente na meta maior de se

encontrar uma harmonia entre o capital e o trabalho, preocupados com a

dignidade da pessoa humana.

[...]

Assim, não há como se implementar uma pesquisa sobre os princípios de

Direito do Trabalho sem que se atente para a natureza dual, que envolve

valores individuais e coletivos unos e coesos.

A fragmentação de objetivos importaria em enfraquecimento de uma das

mais importantes e efetivas formas de consolidação de normas protetivas e

valorizadoras do trabalho do homem na sociedade contemporânea.121

Vale citar como princípios do Direito Coletivo do Trabalho, o da liberdade

associativa e sindical, da autonomia sindical, o da interveniência sindical na normatização

120

MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. Princípios e fontes do direito do trabalho. Disponível em:

<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1184>. Acesso em: 09 fev. 2011. 121

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.

São Paulo: LTr, 2007. p. 71- 72.

95

coletiva, o da equivalência dos contratantes coletivos, o da lealdade e transparência nas

negociações coletivas e o princípio da adequação setorial negociada.

Maurício Godinho Delgado relacionou esses princípios acima mencionados em

três grupos, veja-se:

Em tal quadro, os princípios do Direito Coletivo do Trabalho podem ser

classificados em três grandes grupos, segundo a matéria e objetivos neles

enfocados. Trata-se, pois, do grupo de diretrizes assecuratórias das

condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro; das

diretrizes que regem as relações entre os seres coletivos obreiros e

empresariais, no contexto da negociação coletiva; finalmente, o grupo de

diretrizes que informam as relações e efeitos perante o universo e

comunidade jurídicos das normas produzidas pelos contratantes coletivos.

(grifo do autor)122

Para o autor, o primeiro grupo elencado, ou seja, diretrizes assecuratórias das

condições de emergência e afirmação da figura do ser coletivo obreiro viabilizam a existência

da própria organização coletiva dos trabalhadores. Faz parte desse grupo o princípio da

liberdade associativa e sindical e da autonomia sindical.

Em relação ao segundo grupo, que regem as relações entre os seres coletivos

obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva, os princípios têm por fim reger

as relações grupais providas pelo próprio Direito Coletivo. Enquadra-se nesse rol, o princípio

da interveniência sindical na normatização coletiva, o da equivalência dos contratantes

coletivos, bem como o da transparência nas negociações coletivas.

O terceiro grupo, informa as relações e efeitos perante o universo e comunidade

jurídicos das normas produzidas pelos contratantes coletivos, os quais visam a clarear as

relações e os efeitos das normas do Direito Coletivo, proveniente das negociações coletivas,

com as normas do Direito Individual do Trabalho. Elencam-se nesse grupo, os princípios da

criatividade jurídica da negociação coletiva e o da adequação setorial negociada.

O Princípio da Liberdade Associativa e Sindical está calcado no artigo 5º, inciso

XX, da Constituição Federal, ao dizer que: ―ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a

permanecer associado‖.

Pode ser cingido em liberdade de associação e liberdade sindical. Nesse contexto,

por liberdade sindical de associação, assegura a iniciativa de reunião desde que seja pacífica

e lícita e que comuniquem através de aviso prévio às autoridades. Por liberdade sindical,

122

DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 42.

96

exprime a própria liberdade de criar e extinguir sindicatos, bem como a decisão dos

indivíduos de filiarem ou desfiliarem do mesmo.

Maurício Godinho Delgado e Renato Saraiva, dispõem que:

Liberdade Associativa e Sindical: Se divide em dois – liberdade de

associação, mais abrangente; e liberdade sindical.

O principio da liberdade de associação assegura conseqüência jurídico-

institucional a qualquer iniciativa de agregação estável e pacifica entre

pessoas, independentemente de seu segmento social ou dos temas causadores

da aproximação. Não se restringe, portanto, à área e temáticas econômico-

profissionais (onde se situa a idéia de liberdade sindical).

Art. 5º, XVI e XVII da CF/88 (todos podem reunir-se pacificamente, sem

armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização,

desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o

mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade

competente.../... é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a

de caráter paramilitar.)

A liberdade associativa tem uma dimensão positiva (prerrogativa de livre

criação e/ou vinculação a uma entidade associativa) ao lado de uma

dimensão negativa (prerrogativa de livre desfiliação da mesma entidade).

Art. 5º, XX, CF/88 (ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a

permanecer associado.)

O principio da Liberdade Sindical engloba as mesmas dimensões positivas e

negativas já referidas, concentradas no universo da realidade do

sindicalismo. Abrange, desse modo, a liberdade de criação de sindicatos e de

sua auto-extinção (com a garantia de extinção externa somente através de

sentença judicial regularmente formulada). Abrange, ainda, a prerrogativa de

livre vinculação a um sindicato assim como a livre desfiliação de seus

quadros. Art. 8º, V da CF/88 – (ninguém será obrigado a filiar-se ou manter

filiado a sindicato.)123

(grifo do autor)

A autonomia sindical é outro princípio do Direito Coletivo do Trabalho, o qual

assegura a própria existência e garante a auto-gestão das organizações associativas e sindicais

dos trabalhadores, sem qualquer interferência, tanto por parte empresarial, bem como estatal.

Nos dizeres de Maurício Godinho Delgado:

Tal princípio sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas

e sindicais dos trabalhadores, sem interferências empresariais ou do Estado.

Trata ele, portanto, da livre estruturação interna do sindicato, sua livre

atuação externa, sua sustentação econômica-financeira e sua desvinculação

de controles administrativos estatais ou em face do empregador .(grifo do

autor)124

123

DELGADO, Maurício Godinho; SARAIVA, Renato. Direito do trabalho coletivo. Disponível em: <

http://www.scribd.com/doc/23333886/DIREITO-DO-TRABALHO-COLETIVO>. Acesso em: 01 nov. 2010.

97

E mais, para Maria Cecília Máximos Teodoro:

O princípio da autonomia sindical é de grande importância, principalmente

pelo percurso histórico do sindicalismo no Brasil, que em seu nascedouro

encontrava-se fortemente atrelado e controlado pelo Estado. Assim, essa

diretriz representa um grito de liberdade das associações sindicais obreiras e,

como tal, deve ser privilegiado e desenvolvido.125

Quanto ao Princípio da Interveniência Sindical na Normatização Coletiva pode-se

afirmar que este princípio determina que somente será válido o processo negocial, se houver a

interferência do sindicato.

O artigo 8º, inciso III e VI, da Constituição Federal, dita que:

ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais

da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas e, é

obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de

trabalho.

Assim, não há em o que se falar em negociação coletiva do trabalho, se não

constar a presença do sindicato nesta negociação, deste modo, qualquer negociação feita pelo

empregado e empregador não terá validade para fins coletivos, em sendo interpretada como

uma simples cláusula contratual. Até porque, a lei foi claro ao conduzir somente poderes aos

sindicatos em criar normas jurídicas coletivas, não estendendo esse poder aos empregadores.

Defende Maurício Godinho Delgado e Renato Saraiva, que:

A presente diretriz atua, pois, como verdadeiro principio de resistência

trabalhista. E corretamente, pois não pode a ordem jurídica conferir a

particulares o poderoso vinculo de criação de normas jurídicas (e não

simples clausulas contratuais) sem uma consistente garantia de que os

interesses sociais mais amplos não estejam sendo adequadamente

resguardados. E a presença e a atuação dos sindicatos têm sido consideradas

na história do Direito do Trabalho uma das mais significativas garantias

alcançadas pelos trabalhadores em suas relações com o poder empresarial.126

Com relação ao Princípio da Equivalência dos Contratantes Coletivos, este

assegura a igualdade dos contratantes, isto é, empregado e empregador para fins de equilibrar

as negociações.

124

DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 51. 125

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.

São Paulo: LTr, 2007. p. 74. 126

DELGADO, Maurício Godinho; SARAIVA, Renato. Direito do trabalho coletivo. Disponível em: <

http://www.scribd.com/doc/23333886/DIREITO-DO-TRABALHO-COLETIVO> Acesso em: 01 nov. 2010.

98

Este princípio equipara-se ao princípio da equivalência material exigido nas

obrigações contratuais. Não restam dúvidas que tal princípio provém da garantia da igualdade

entre as partes, isto é, refere-se ao próprio princípio da isonomia. Nesse contexto Rodolfo

Pamplona Filho, reforça essa afirmativa, ao dizer que:

Por fim, no que diz respeito aos novos princípios sociais contratuais, há de se

incluir o princípio da equivalência material entre as partes.

Embora não explicitado expressamente como os princípios anteriores, tal

princípio se encontra consagrado em diversos dispositivos, consistindo na

idéia básica de que, nos contratos, deve haver uma correspondência, a saber,

equivalência, de obrigações entre as partes contratantes.

O princípio inspirador desse princípio contratual é, sem sombra de dúvida, o

princípio da isonomia, pois, sabendo-se utópica a idéia de igualdade real

entre as partes, é preciso tutelar mais um dos contratantes, tratando-os

desigualmente na medida em que se desigualam.

Tal concepção influenciou, por certo, a construção da autonomia dos

microssistemas jurídicos, como a disciplina trabalhista e a consumista, em

que o reconhecimento da desigualdade fática dos sujeitos impôs um

tratamento diferenciado para, juridicamente, tê-los como equivalentes

materialmente.127

O Princípio da Lealdade e Transparência na Negociação Coletiva fundamenta-se

na boa-fé e clareza diante à negociação. As negociações coletivas são equiparadas aos

negócios jurídicos, uma vez que a aplicabilidade do princípio da boa-fé destaca-se nas

decisões providas pelas negociações coletivas.

Desta forma, encontram-se respaldos jurídicos nos artigos 187 e 422 do Código

Civil, ao dispuserem que cometerá ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,

extrapola os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons

costumes e no tocante a resguardarem até a conclusão do contrato, bem como em sua

execução os princípios de probidade e boa-fé.

Nessa linha, a intenção a ser negociada deve se pautar por propostas e concessões

garantidas de boa fé, vedando qualquer ato que configure condutas unilaterais, que por sua

vez tende a alterar o objeto da negociação. As negociações coletivas devem ser explícitas,

prestando as devidas informações, e não ignorar as questões de interesses das partes, pois só

assim, cumprirá com a transparência exigida.

Como menciona Paulo Roberto Lemgruber Ebert:

127

PAMPLONA, Rodolfo Filho. Esboçando uma teoria geral dos contratos. Disponível em: <

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6726 >. Acesso em: 02 nov. 2010.

99

Do exposto nas presentes linhas, observa-se que a cláusula geral da boa-fé

aplicável à negociação coletiva e pautada pelos fins sociais e econômicos

desta, tem por conteúdo negativo a vedação de qualquer conduta ou omissão

passível de causar desequilíbrio na equação de forças existente entre a

empresa e o sindicato obreiro, de modo a colocar uma parte em posição de

inadequada preponderância sobre a outra.

Sob o ângulo oposto, a cláusula geral de boa-fé subjacente ao princípio da

negociação coletiva impõe, positivamente, a adoção de comportamentos

imbuídos do real intuito de discutir os aspectos pertinentes às relações de

trabalho que interessam tanto à empresa quanto à generalidade dos

trabalhadores e de buscar soluções acordadas, de modo a zelar pela

manutenção da igualdade material entre os referidos atores sociais.

Assim, diante do conteúdo do dever geral de boa-fé a permear o princípio do

estímulo à negociação coletiva, tem-se que os atos e negócios jurídicos

decorrentes da atuação das partes em desalinho com aquele desígnio de

igualdade material serão nulos de pleno direito, por expressa disposição do

art. 187 do Código Civil.128

Nessa esteira, a sonegação de informações, ou qualquer outro ato que venha

insurgir contra o princípio da boa-fé nas negociações coletivas, como por exemplo, simulação,

coações, de qualquer uma das partes, configurará uma negociação nula de pleno direito.

O Princípio da Criatividade Jurídica da Negociação Coletiva justifica que os

processos negociais tem o condão de criar normas jurídicas próprias, desde que sejam

compatíveis com as normas estatais.

No tocante ao Princípio da Adequação Setorial Negociada, visa a estipular os

critérios a serem seguidos pelas negociações coletivas, a fim de adequar-se às normas estatais

existentes. Este princípio será o mais importante entre os demais para viabilizar o estudo do

tema do trabalho.

Pode-se dizer que o Princípio da Adequação Setorial Negociada é um princípio

que ganhou espaço nas relações trabalhistas com o advento da Constituição Federal de 1988,

portanto, a sua aplicabilidade é relativamente nova. Como afirma Maria Cecília Máximo

Teodoro:

Com o advento da Constituição da República de 1988, criaram-se as bases,

realmente, mais sólidas para a produção de normas jurídicas, via negociação

coletiva, como meio de democratizar o Direito do Trabalho e deslocar a

128

EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de

participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível

em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01 nov. 2010.

100

solução do conflito entre o capital e o trabalho para um âmbito mais próximo

dos seus principais atores.

Desta feita, trata-se a adequação setorial negociada de princípio

justrabalhista relativamente novo, uma vez que os fatores articuladores de

sua estrutura surgiram com o advento da CR/88, que procurou estabelecer

uma maior valorização para a negociação coletiva, a partir da observação,

pelo seu sindicato, a categoria profissional estaria em condições técnicas e

econômicas próximas às do sindicato profissional correspondente ou mesmo

de determinada empresa, que, ainda que atuando individualmente, deve ser

considerada um ser coletivo.129

O primeiro ponto a destacar diante o Princípio da Adequação Setorial Negociada

trata-se da própria negociação coletiva válida, isto é, as partes deverão ser coletivas, não

podendo, por exemplo, o empregado individualizado, ou vários empregados serem

legitimados para celebrar qualquer norma coletiva, pois, terão de estar representados pelos

seus respectivos sindicatos.

Outro aspecto é que através desse princípio acima mencionado, o dissabor que um

contrato individual de trabalho possa trazer pelo fato de ser um contrato de adesão é

suprimido em face à bilateralidade que deve existir nas negociações coletivas.

Feitas tais ressalvas, a negociação coletiva, (a qual terá maior ênfase nos próximos

tópicos) é realizada, e desta provém uma norma jurídica. Nesses termos, como deverá

relacionar uma norma autônoma, isto é, fruto de uma negociação coletiva com uma norma

estatal, heterônoma, elaborada pelo Estado no exercício de seu poder legiferante?

As discussões a respeito desse tema permeiam as opiniões doutrinárias,

difundindo-se em entendimentos que a norma autônoma deve prevalecer à norma heterônoma,

e por outro lado entendimentos que uma norma autônoma não deve prevalecer à norma

heterônoma, pelo fato de temer a supressão das garantias asseguradas pela norma heterônoma.

Como diz Claudio Penedo Madureira:

Como dito, assume relevância a capacidade normativa dos agentes sociais,

que se implementa por meio dos acordos e convenções coletivas e que é

própria do Direito do Trabalho. Essa atividade normativa autônoma,

fundamenta aquilo que, em doutrina, convencionou-se chamar normas

negociais (ou ‗negociado‘). Ocorre que essas normas autônomas, ditas

negociais, não são as únicas existentes no sistema. Com elas concorrem, e,

por vezes, a elas se contrapõem, normas jurídicas estatais, que, segundo os

doutrinadores compõem o chamado ‗legislado‘.

129

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.

São Paulo: LTr, 2007. p. 78.

101

Há quem afirme, de um lado, que a norma autônoma, como máxima

expressão da liberdade de negociação entre os agentes sociais (‗negociado‘),

deve prevalecer sobre as normas estatais heterônomas. De outro lado,

posicionam-se aqueles que, temendo a supressão das garantias conferidas

pela lei aos trabalhadores, advogam a prevalência do legislado130

No intuito de resolver esse conflito de normas, vislumbra-se à aplicação do

princípio da norma mais favorável e duas teorias surgem para tentar explicar qual será o

melhor critério a ser escolhido, quais sejam a teoria da acumulação e a teoria do

conglobamento.

Explica Maria Cecília Máximo Teodoro que a teoria da acumulação ―sustenta que

podem ser extraídas de cada diploma as disposições mais favoráveis, somando as vantagens

de cada uma delas, ainda que tenham natureza diversa.‖131

Essa teoria acima mencionada é bastante criticada pelo fato de causar a ruptura de

todo um sistema, indicando um favorecimento ao trabalhador, violando a harmonia até então

pactuada nas negociações coletivas, tornando-as instáveis e inseguras.

A outra teoria que atualmente é a mais aceita pela doutrina, ou seja, a teoria do

conglobamento, não aceita o recorte de uma norma ou outra. Por sua vez, considera o caráter

unitário de cada norma. Nos dizeres de Maria Cecília Máximo Teodoro:

Pela teoria do conglobamento, denominada de incindibilidade ou do

conjunto, ‗considera-se o caráter unitário de cada regime, realizando o

procedimento comparativo entre o mesmo universo temático‘, excluindo a

possibilidade de aplicar simultaneamente as normas mais favoráveis de um

conjunto normativo e de outros, desconsiderando o referido caráter

unitário.132

Vale lembrar que o princípio da adequação setorial negociada só poderá prevalecer

se a norma elaborada pela negociação coletiva não for de caráter de direitos de

indisponibilidade absoluta, como por exemplo, determinar em uma negociação a isenção do

pagamento do salário mínimo a determinado grupo de empregados.

Nesses moldes, a aplicação da teoria do conglobamento só será eficaz se as normas

autônomas forem mais amplas que os direitos já existentes das normas heterônomas e, normas

que não atinjam os direitos indisponíveis absolutamente.

130

MADUREIRA, Claudio Penedo. Negociado x legislado. Disponível em:

<http://jus.uol.com.br/revista/texto/5473/negociado-x-legislado >. Acesso em: 03 nov. 2010. 131

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.

São Paulo: LTr, 2007. p. 88. 132

Ibidem. p 89.

102

3.2 DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA E DEMISSÃO EM MASSA

As relações entre empregado e empregador, nem sempre resultam de interesses

iguais. Nesse contexto, os conflitos trabalhistas em face à pretensão oposta surgem no meio

jurídico e por sua vez carecem de uma solução plausível de seriedade para efetivar a justiça

perquirida pelas partes.

Maria Cristina Haddad de Sá classifica os conflitos coletivos do trabalho em

econômicos e jurídicos, veja-se:

Classificam-se os conflitos coletivos de trabalho em econômicos e jurídicos.

Estes objetivam aplicar ou interpretar a norma já existente ou prestes a ser

elaborada; já aqueles têm por fim a criação das normas coletivas de trabalho

ou de melhores condições salariais.

Em se tratanto de conflito coletivo de trabalho, podemos obter dois tipos de

soluções: a) as diretas: a negociação coletiva, objeto do nosso estudo, a

greve e o lockout, sendo este último proibido por nossa legislação; b) as

indiretas, que compreendem: a conciliação, a mediação, a arbitragem e a

jurisdição.133

No estudo em questão, interessa a solução direta, isto é a negociação coletiva, que

se originou pela omissão estatal referente às questões sociais, no período liberalista. No

dizeres de Amauri Mascaro Nascimento:

A origem das negociações coletivas é atribuída à fase da qual o Estado era

omissivo diante da questão social, diante da sua política liberalista, com o

que surgiu a espontânea necessidade de organização dos trabalhadores em

torno das organizações sindicais. Com a força da greve, os trabalhadores

conseguiram levar seus empregadores a concessões periódicas,

especialmente de natureza salarial, estendendo-se para outros tipos de

pretensões, hoje as mais generalizadas.

Formou-se assim um direito do trabalho autônomo, que para alguns é

denominado direito profissional; para outros, como Gurvitch, direito social,

na Itália contemporânea merecendo aceitação a teoria da autonomia coletiva

dos particulares. 134

(grifo do autor)

A negociação coletiva está elencada nos moldes do artigo 7º, inciso XXVI da

Constituição Federal, o qual reconhece para efeitos legais as convenções coletivas e os

acordos coletivos do trabalho. É fundamentada também na Consolidação das Leis do

133

SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p. 34.

103

Trabalho, no artigo 616, § 4º, ao dispor que primeiro deverá esgotar as vias providas pela

formalização da Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo para posteriormente ingressar com

um processo de dissídio coletivo de natureza econômica.

Os dispositivos acima mencionados demonstram-se uma grande transformação

social do Brasil, pois, a negociação coletiva evolui-se para as conquistas sociais trabalhistas,

dando oportunidade de expressão principalmente para com os empregados.

Outro ponto a destacar é que a negociação coletiva é a própria expressão da

democracia pluralista, isto é, será através das negociações coletivas que proveram novas

normas editadas não pela vontade estatal, mas sim pelas partes que convencionarem.

Essas novas normas prezam principalmente a dignidade da pessoa humana, os

valores sociais do trabalho que em muitas vezes não são garantidos pelo legislativo, diante de

sua inércia e morosidade em produzir normas, bem como pelo fato que nas negociações

coletivas o interesse das partes demonstra-se mais próximo à realidade e às necessidades dos

assuntos específicos ali tratados, diferentemente de uma democracia monista, que regula

interesses gerais.

Para Ari Possidonio Beltran a autonomia sindical é fundamentada nos princípios

da liberdade e democracia, os quais garantem a faculdade de criar normas próprias, regulando

seus próprios interesses, veja-se:

Há de se destacar na órbita do Estado democrático à autonomia coletiva, que

consiste no reconhecimento – que a ordem jurídica outorga aos grupos

sociais organizados – de regular seus próprios interesses. Trata-se de

expressão da democracia pluralista, em que, em oposição ao monopólio do

Estado na produção do jurídico (monismo), há a diversificação de fontes de

produção do Direito (pluralismo). Em tal contexto, a autonomia sindical é

fundamentada nos princípios da liberdade e da democracia. Não se

confunde, é claro, com a soberania, que pertence ao Estado, mas a despeito

de estar limitada pela ordem estatal, ostenta a faculdade de criar normas

próprias, independentemente daquela. A autonomia coletiva está, pois, nos

seguintes planos: a) autonomia institucional (auto-organização e auto-

regulação interna); b) autonomia normativa (autonomia coletiva em sentido

estrito, com amplo poder de negociação e contratação); c) autonomia

representativa (poder de representação dos interesses do grupo); e,

finalmente, d) autotutela coletiva (poder de defesa dos interesses do grupo

por meio de ação direta, sendo a greve a mais poderosa forma de

exteriorização conflitiva que visa ao atendimento de reivindicações

econômicas ou profissionais). 135

134

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 259.

104

A negociação coletiva está definida no artigo 2º, da Convenção n.154, da

Organização Internacional do Trabalho, adotado em Genebra, em 1981, durante a 67ª Reunião

da Conferência Internacional do Trabalho, que dispõe:

Para efeito da presente Convenção, a expressão ‗negociação coletiva‘

compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um

empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias

organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações

de trabalhadores, com o fim de:

fixar as condições de trabalho e emprego; ou regular as relações entre

empregadores e trabalhadores; ou regular as relações entre os empregadores

ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou

alcançar todos estes objetivos de uma só vez136

Percebe-se que o objetivo dessa Convenção n. 154 da OIT é a de estimular a

prática de negociações coletivas, isto porque, será através de uma negociação coletiva que as

relações trabalhistas fruem de maneira mais próxima a realidade dos envolvidos,

prevalecendo à flexibilidade por anseios almejados.

Pode ser conceituada a negociação coletiva, como o mecanismo pelo qual as

partes, empregado e empregador, devidamente representados pelos seus sindicatos,

solucionam conflitos até então existentes, fixando novas condições e adequações para as

partes envolvidas.

Para João de Lima Teixeira Filho:

A negociação coletiva de trabalho pode ser singelamente definida como o

processo democrático de autocomposição de interesses pelos próprios atores

sociais, objetivando a fixação de condições de trabalho aplicáveis a uma

coletividade de empregados de determinada empresa ou de toda uma

categoria econômica e a regulação entre as entidades estipulantes.137

Nos dizeres de Maria Cecília Máximo Teodoro:

A negociação coletiva consiste no poder de auto-regulamentação conferido

aos entes coletivos - sindicato obreiro e empresa ou sindicato patronal –

135

BELTRAN, Ari Possidonio Beltran apud MEDEIROS, Mauro. A interpretação da convenção coletiva do

trabalho. São Paulo: Ltr, 2003. p.74. 136

INSTITUTO AMP. Decreto Legislativo nº 22, de 1992. Dispõe sobre Negociação Coletiva

<http://www.institutoamp.com.br/oit154.htm>. Acesso em: 02 dez. 2010. 137

TEIXEIRA FILHO, João de Lima apud SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no

Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p. 38.

105

para, por meio de concessões recíprocas, elaborarem cláusulas aplicáveis às

relações individuais de trabalho das categorias envolvidas na transação.138

No entender de Amauri Mascaro Nascimento, as ― negociações coletivas são uma

técnica que trabalhadores e empregados podem usar para a autocomposição dos seus conflitos

coletivos de trabalho.‖139

A própria lei confere a liberdade das partes interessadas de convencionarem

através de seus órgãos representativos privados, mas, deve-se ressaltar que essa liberdade é de

caráter relativo como explica Pedro Vidal Neto:

É igualmente inconcebível que a autonomia negocial coletiva seja absoluta.

Autonomia é, sempre, um poder de decisão em determinada esfera de

competência. A ampliação de sua área aumenta seu perímetro mas não pode

remover seus limites. O inevitável choque de autonomias contrapostas

muitas vezes compromete interesses maiores e valores superiores. Se, na

concepção plenamente vitoriosa do pluralismo jurídico, a legislação não

deve ser a única fonte de direito, não pode, porém ser dispensada como

processo de produção normativa. A lei é, afinal a expressão da soberania da

Nação e deve ter em vista a utilidade comum, o interesse geral. Ao menos as

primeiras determinações de estruturas e princípios para a explicitação da

Constituição devem ser feitas pela lei e só podem ser feitas por ela. 140

A negociação coletiva possui caráter jurídico, uma vez que está amparada pelos

dispositivos tanto da Constituição Federal, artigo 114, § 2º, e na Consolidação das Leis

Trabalhistas, no artigo 616, § 4º, e, portanto, caráter obrigatório, diante os imperativos legais

mencionados. Desta feita, obrigam-se as partes ao seu cumprimento.

Não só no Brasil, mas em outros países esse caráter obrigatório é aplicado.

Sublinha Amauri Mascaro Nascimento que:

A negociação coletiva na maioria dos países é obrigatória por força de lei,

como a Ley Federal del Trabajo, do México (art.387), a Consolidação das

Leis do Trabalho, do Brasil (art. 616), o Código de Trabajo, da Costa Rica

(art. 56), a Ley de Trabajo, da Venezuela (art. 50) e outras. Há países em que

a contratação, e não apenas a negociação, é obrigatória.141

(grifo do autor)

138

TEODORO, Maria Cecília Máximo. O princípio da adequação setorial negociada no direito do trabalho.

São Paulo: LTr, 2007. p. 79. 139

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 258. 140

VIDAL NETO, Pedro apud SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São

Paulo: LTr, 2002. p. 37. 141

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho:

relações individuais e coletivas do trabalho. 24. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1354.

106

Diferentemente do Brasil, vale lembrar, que as demissões em massa, em países

como a França e a Espanha, determinam procedimentos específicos para esse tipo de

demissão, como é o caso de determinar a obrigatoriedade de motivar essa demissão coletiva;

as formas de atenuação das conseqüências causadas pela demissão; estabelecimentos de

condutas de acordo com o número de empregados; entre outros procedimentos. Paulo Roberto

Lemgruber Ebert, diz que:

No plano das legislações domésticas dos Estados, importa fazer menção, a

título exemplificativo, ao art. 51, §§ 2° e 4°, do Real Decreto n° 23/95, da

Espanha (‗Estatuto de los Trabajadores‘), e ao artigo 1.233 do Código do

Trabalho francês, que, no fito de viabilizar a ampla negociação entre os

atores sociais anteriormente à implementação de despedidas coletivas,

estabelecem procedimentos minuciosos a serem observados pela empresa e

pelas entidades obreiras, bem como deveres atinentes à justificação dos

motivos e à informação recíproca.

Em apertada síntese, o dispositivo espanhol condiciona as dispensas

coletivas à autorização da autoridade estatal e à prévia realização de

negociação com as entidades obreiras, que deverá versar, necessariamente,

sobre os motivos a ensejarem a dissolução dos vínculos empregatícios, sobre

a implementação de eventuais medidas alternativas e, em último caso, sobre

as formas de atenuação das consequências. (...)

No caso francês, o art. 1.233 do Código do Trabalho (‗Code du Travail‘)

estabelece procedimentos diferenciados a variarem de acordo com o número

de trabalhadores vinculados às empresas que pretendem efetuar despedidas

coletivas. (...)

Em qualquer hipótese, o referido dispositivo exige que a empresa encaminhe

à entidade obreira, juntamente com a convocação para a primeira reunião,

ofício contendo as razões a fundamentarem o plano de demissão coletiva, a

relação dos afetados, as categorias atingidas e os critérios para o

estabelecimento da ordem das dispensas, bem como o cronograma para a

implementação do programa e as medidas econômicas vislumbradas. 142

Conclui-se que a função exercida pela negociação coletiva aproxima as

necessidades das partes empregado e empregador, com vistas a solucionar por meio dela o

conflito existente, bem como acelerar seu resultado, tendo em vista a morosidade do Poder

Judiciário e até mesmo a celeridade pelo fato da demanda ser coletiva e não individual.

3.2.1 Demissão em Massa

142

EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de

participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível

em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01 nov. 2010.

107

De todo o exposto com relação à negociação coletiva, a qual garante a

bilateralidade das medidas a serem tomadas pelas partes empregado e empregador, faz-se

necessário a imprescindibilidade da negociação coletiva no ato de demissões em massa.

A Constituição Federal assegura esse direito como já fora mencionado no tópico

anterior, nos artigos 7º, inciso XXVI e 114, § 2º e na Consolidação das Leis Trabalhistas, no

artigo 616, § 4º. Nota-se também que a Convenção nº 158 da OIT em seu artigo 13 assegura a

consulta prévia aos sindicatos e os devidos procedimentos efetuados pela negociação coletiva,

veja-se:

1. Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por motivos

econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos;

a) Proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em

tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos

previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados

pelo menos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos:

b) em conformidade com a legislação e a prática nacionais, oferecerá aos

representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível,

uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão

ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as

conseqüências adversas de todos os términos para os trabalhadores

interessados, o mais breve que possível, uma oportunidade para realizarem

consultas sobre as medidas que deverão ser adotados para evitar ou limitar

os términos e as medidas para atenuar as conseqüências adversas de todos os

términos para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos

empregos para os mesmos. 143

Embora o Brasil tenha denunciado a Convenção nº 158 da OIT, na omissão

legislativa, os Tratados Internacionais e as Convenções Coletivas serão fontes de acordo com

o artigo 8º da CLT, aplicando-se, portanto a Convenção nº 158 da OIT nos casos de demissão

em massa.

A não regulamentação das demissões em massa no ordenamento brasileiro não

obsta à obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas dispensas coletivas. Isso porque, a

Constituição Federal tem fundamentos suficientes para assegurar a obrigatoriedade do

procedimento das negociações coletivas, pois o artigo 7º inciso XXVI é claro ao reconhecer

as convenções e acordo coletivos, validando-os, bem como o artigo 8º, inciso VI, ao

determinar a presença dos sindicatos nas negociações coletivas.

143

INSTITUTO AMP. Decreto nº 2.100, 20 de dezembro de 1996. Convenção n.158 OIT <

http://www.institutoamp.com.br/oit158.htm. >. Acesso em: 02 dez. 2010.

108

A Convenção nº 154 da OIT, ratificada pelo Brasil estimula a prática das

negociações coletivas, dando suporte à bilateralidade contratual e à boa-fé que tanto é prezado

no meio jurídico.

Na mesma linha, a interpretação do artigo 170 da Constituição Federal estende-se

nas negociações coletivas, uma vez que a ordem econômica é fundada na valorização do

trabalho humano, priorizando os valores sociais do trabalho, jungindo ao princípio da

dignidade da pessoa humana, em busca da construção de uma sociedade solidária, que reduza

as desigualdades sociais e regionais e que garanta melhores condições de existência digna a

todos.

A questão é que nem todas as empresas no ato de demissão em massa respeita

esses procedimentos a serem seguidos e isso acarreta na ausência ou fraudulência das

negociações coletivas, prejudicando a parte hipossuficiente.

Destaca-se nesse contexto, a boa-fé objetiva que permeia todo o procedimento pré,

durante e pós as negociações coletivas. Na inércia de sua realização, a unilateralidade

sobressai e consequentemente as prática de condutas desleais materializam-se. Por isso, é de

suma importância respeitar a aplicação da negociação coletiva nos casos de demissão em

massa para obter a manutenção do equilíbrio das partes envolvidas, empresa e sindicato

obreiro, fazendo valer os fundamentos constitucionais.

É dever das partes envolvidas, sejam sindicatos ou empregadores, agirem nos

moldes delineados pela boa-fé, atuando com respeito mútuo para chegar a uma decisão, a um

acordo, que satisfaça às necessidades pleiteadas.

A boa-fé objetiva encontra-se fundamentos nos artigos 187 e 422 do Código Civil,

ressaltando que cometerá ato ilícito, o titular de um direito que exceder os limites fixados pelo

seu fins econômico e social, ferindo a boa-fé e os bons costumes; e deverão aguardar a

conclusão e execução de seus contratos, respeitando os princípios de probidade e boa-fé.

Percebe-se que esses dois dispositivos acima mencionados, asseguram não só o

princípio da boa-fé contratual, mas também vários deveres de condutas a ser seguidos, como,

por exemplo, a lealdade, a transparência nos contratos, a colaboração mútua das partes.

Cita Luiz Marcelo Figueira de Góis, que as negociações coletivas nem sempre são

satisfatórias, leia-se:

Com efeito, tais negociações são sempre tensas, arrastadas, lentas. O que se

vê nessas ocasiões, geralmente, é uma entre três situações: (I) sindicatos

fazendo reivindicações descabidas e postulando por garantias incumpríveis

pelo empregador, acreditando que assim estão fazendo um bem para a

109

coletividade representada; (II) sindicatos pelegos – geralmente pouco

representativos – que, em troca de promessas de contribuições adicionais aos

seus cofres, aderem aos interesses patronais; ou (III) sindicatos oportunistas,

que utilizam esses momentos de crise para fazer campanhas políticas de seus

membros, sob o argumento da defesa dos seus representados.

[...]

Nesta situação, a assinatura de um instrumento coletivo de trabalho que não

ofereça ao menos a garantia de empregos para os trabalhadores em troca da

maleabilidade quanto ao paradigma de proteção representaria precarização

das condições de trabalho, sendo passível de anulação pelos tribunais. Não

confere, portanto, uma solução jurídica segura aos momentos de crise

econômica.144

Nesse aspecto a questão é o próprio sistema sindical, que é formado às vezes por

corruptos e há o desinteresse em realmente efetivar as regras a serem seguidas pelos

empregadores, tornando-se assim, ineficazes para os fins que foram criados.

Importante é frisar que o principal objetivo da boa-fé nas negociações coletivas é

a igualdade das partes. Que tem por fim repelir qualquer ato unilateral que venha prejudicar

uma das partes, a obscuridade que possam surgir e fazer jus aos pedidos das partes, não os

omitindo nos atos das negociações. Portanto, a materialização de qualquer ato que destoe da

boa-fé, será nulo de pleno direito, conforme dispõem o artigo 187 do Código Civil.

Como é caso dos empregados demitidos pela Embraer (Empresa Brasileira de

Aeronáutica) de vasta repercussão na sociedade, onde essa empresa demitiu 4.000 (quatro

mil) empregados sem respeitar o devido procedimento a ser seguido, isto é, inexistência da

negociação coletiva. Sob fortes argumentos, o Desembargador-Relator José Antonio Pancotti

declarou a nulidade da dispensa coletiva, reputando-a abusiva por falta de boa fé objetiva.

Alguns trechos dessa decisão foram transcritos:

PROC. TRT/CAMPINAS 15ª REGIÃO Nº. 00309-2009-000-15-00-4

DISSÍDIO COLETIVO JURÍDICO-SDC

Trata-se de dissídio coletivo de natureza jurídica, com pedido de liminar,

instaurado pelo SINDICATO DOS METARLÚGICOS DE SÃO JOSÉ DOS

CAMPOS E REGIÃO, SINDICATO DOS METÁRLUGICOS DE

BOTUCATU e FEDERAÇÃO DOS METARLÚGICOS DE SÃO PAULO

contra a EMPRESA BRASILEIRA DE AERONÁUTICA – EMBRAER e a

ELEB EMBRAER LTDA, sob a alegação de que as suscitadas promoveram

gigantesco corte nos postos de trabalho ao argumento de haver necessidades

de redução dos custos perante a crise cíclica da economia.

[...]

Os princípios são estruturalmente iguais aos valores. Introduz-se novamente

a moral no Direito e a idéia de justiça volta a estar presente na interpretação

144

GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

p. 95.

110

jurídica. Neste contexto, a realização dos direitos fundamentais passa a ser o

centro das preocupações dos juristas.

Acerca dos valores que são substrato de idéias que se cristalizam em

princípios jurídicos, ensina José Afonso da Silva :

Valor, em sentido normativo, é tudo aquilo que orienta (indica diretriz) a

conduta humana. É um vetor (indica sempre um sentido) que guia, atrai,

consciente ou inconscientemente, o ser humano. O valor comporta sempre

um julgamento, e, pois, uma possibilidade de escolha entre caminhos

diferentes. Isso porque a cada valor corresponde um desvalor. Nesse sentido,

a democracia é um valor político; a ditadura, um desvalor. Os valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV) são, assim, os elementos que lhe

dão o rumo do bem-estar social. 145

Não restam dúvidas de que a decisão do magistrado foi a mais correta, isto porque,

essa demissão em massa afrontou princípios constitucionais e dispositivos infraconstitucionais

como os artigos 1º, incisos III e IV; 3º, incisos I e III; 5º, inciso XXIII; 7º, incisos I e XXVI,

8º, incisos III e VI; 170, inciso III, da Constituição Federal, artigo 187 do Código Civil, artigo

616, § 4º da Consolidação das Leis Trabalhistas.

De acordo com o artigo 1º, incisos III e IV da Constituição Federal, a República

Federativa do Brasil será fundada pela dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do

trabalho. Nesse contexto, a demissão por si só já é um ato que destoa desses princípios

perquiridos, ainda mais no caso em tela, onde milhares de pessoas foram demitidos sem as

devidas cautelas.

Outro ponto a destacar, é que o artigo 3º, incisos I e III da Constituição Federal,

têm como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária, com fim de reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Ocorrendo, demissões em massa será plausível essa construção, isto é, será que em um país

como o Brasil de uma vasta área territorial consegue-se manter, ou melhor, construir uma

sociedade pautada de princípios éticos, morais, capazes de atender às necessidades de todos

sem a continuidade nas relações de emprego?

Mais adiante, o Desembargador-Relator José Antonio Pancotti continua sua

decisão dizendo que:

145

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 15º região. Acórdão. Dissídio Coletivo Jurídico. Nº. 00309-2009-

000-15-00-4 . Disponível em:

<http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=944968.

>Acesso em: 01 out. 2010. Acesso em: 15 dez. 2010.

111

Estes fundamentos do Estado de Direito Democrático desdobram-se e/ou

estão definidos, de forma particular, no Título VII - Da Ordem Econômica -

e criam mecanismos de proteção e garantia do sistema capitalista, definem

política de contenção de abusos do poder econômico (art. 170 a 192); e na

definição Da Ordem Social instituem mecanismos de desenvolvimento

social, proclamam a necessidade de redução da desigualdade social e da

pobreza, através de ações que garantam ao cidadão: acesso ao trabalho,

previdência social, saúde, educação, assistência social, proteção ao meio

ambiente, cultura, família, criança, adolescente, idoso etc. (arts. 6º, 7º e 193

a 232).

Neste espectro de princípios basilares explícitos na Constituição da

República encontram-se os fundamentos para sustentar que as demissões

coletivas de trabalhadores por empresas, quer sejam por inovações

tecnológicas, automações, crises econômicas etc., quer por supressão de

estabelecimentos, por seus impactos econômicos e sociais, não são imunes a

uma rede de proteção dos trabalhadores atingidos. Esta proteção deve ter

outros parâmetros que não aqueles que o Direito do Trabalho expressamente

concede aos trabalhadores que sofrem demissões individuais.146

Nesse sentido, como efetivar a função social da empresa elencada nos dispositivos

5º, inciso XXIII e 170 inciso III, Constituição Federal, em uma gestão voltada ao lucro, que

demite unilateralmente desrespeitando os devidos procedimentos a serem seguidos para ao

menos obter uma solução mais pacífica?

Até porque, o artigo 170 da Constituição Federal ao dizer que a ordem econômica

será fundada na valorização do trabalho humano, limita o poder da livre iniciativa, quando

este atingir o núcleo basilar, isto é, a dignidade da pessoa humana.

O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal, também da respaldos suficientes para

afastar as demissões em massa, por prezar pelas melhorias das condições sociais e assegurar a

efetividade das relações contratuais de emprego, protegendo-o contra despedida arbitrária ou

sem justa causa, como fora o caso da Embraer, que omitiu a realização de negociação

coletiva, não observando o inciso XXVI deste dispositivo, e o artigo 8º, incisos III e VI, que

dedicam na inserção dos sindicatos nas tratativas das negociações coletivas, bem como artigo

616, § 4º, da Consolidação das Leis Trabalhistas, o qual determina o esgotamento das vias

providas pela formalização da Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo, que no caso em tela

não houve.

146

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 15º região. Acórdão. Dissídio Coletivo Jurídico. Nº. 00309-2009-

000-15-00-4 . Disponível em:

<http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=944968.

>Acesso em: 01 out. 2010. Acesso em: 15 dez. 2010.

112

Por fim, o Desembargador-Relator José Antonio Pancotti declara a nulidade da

dispensa coletiva pela incidência da má-fé por parte do empregador, leia-se:

Neste contexto, havendo pedido dos suscitantes de que se declare a nulidade

da dispensa coletiva, reputo-a abusiva por falta de boa fé objetiva, nos

termos do art. 422 do Código Civil, por ausência de negociação prévia,

espontânea e direta entre as partes, que revela falta de lealdade da conduta,

na medida em que houve tentativa de conciliação tão-somente com mediação

judicial e, assim mesmo, por força de uma liminar de suspensão dos efeitos

das demissões.

O decreto de abusividade tem por fundamento os princípios gerais e os

princípios fundamentais consagrados na Constituição da República, como a

dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa (no art. 1º, III e IV); a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária; a garantia do desenvolvimento econômico; a erradicação da

pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e

regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (no art. 3º, I, II,

III e IV); a independência nacional e a prevalência dos direitos humanos (art.

4ª, I e II).147

Assim, a empresa atuou de forma unilateral, alanceando diretamente a boa-fé

contratual, materializando o ato da desigualdade das partes, dando suporte para a sua

nulidade, conforme dispõe o artigo 187 do Código Civil.

Não só os dispositivos acima mencionados garantem o direito à nulidade desse ato

de demissão, as Convenções n. 154 e 158 da OIT, dão respaldos na prevalência dos direitos

humanos do art. 4º, inciso II da Constituição Federal. Atuam amplamente na garantia das

relações empregatícias, tendo em vista que a primeira estimula a prática das negociações

coletivas e a outra determina a consulta prévia aos sindicatos e aos devidos procedimentos

efetuados pela negociação coletiva.

Conclui-se que a negociação coletiva é um direito fundamental, pois, correlaciona-

se diretamente ao princípio da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho por

conquistar decisões positivas que asseguram a bilateralidade contratual, protegendo interesses

que dignifiquem os trabalhadores, almejando uma melhor condição social.

Nesse contexto de direito fundamental, a negociação coletiva alicerça a sua própria

existência, destoando-se desses princípios, não poderá ser considerada como válida, pois

respaldará na má-fé.

147

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 15º região. Acórdão. Dissídio Coletivo Jurídico. Nº. 00309-2009-

000-15-00-4 . Disponível em:

113

3.3 DOS INSTRUMENTOS PARA A PROTEÇÃO CONTRA A DEMISSÃO EM MASSA

Embora, no Brasil as relações trabalhistas não sejam adequadas como deveriam

nos moldes constitucionais, as demissões em massa carecem da devida procedimentalização,

tendo em vista ser ramo específico do Direito Coletivo do Trabalho e que, enfoca-se de

normas de ordem pública.

De acordo com a Constituição Federal e das próprias Convenções e Tratados

Internacionais da OIT, as demissões em massa são instrumentalizadas pelas negociações

coletivas, podendo ser concretizadas pela Convenção Coletiva ou por Acordo Coletivo, e

também pela Ação Civil Pública, quais serão explanadas nos tópicos que a seguir.

3.3.1 Convenção Coletiva do Trabalho e Acordo Coletivo do Trabalho

As Negociações Coletivas são instrumentalizadas através das Convenções

Coletivas do Trabalho e do Acordo Coletivo do Trabalho. Esses dois instrumentos são

resguardados pelo artigo 7º, inciso XXVI da Constituição Federal o qual reconhece as

Convenções e Acordos coletivos de trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho conceitua a Convenção Coletiva do

Trabalho e o Acordo Coletivo do Trabalho, ao dizer em seu artigo 611, ―caput‖ e § 1º:

Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo,

pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e

profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das

respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

§ 1º - É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais

celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente

categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no

âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de

trabalho.

Maurício Godinho Delgado demonstra que a Convenção Coletiva do Trabalho é o

resultado das negociações entre entidades sindicais:

A convenção coletiva resulta, pois, de negociações entabuladas por entidades

sindicais, quer a dos empregados, que a dos respectivos empregadores.

<http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=944968.

>Acesso em: 01 out. 2010. Acesso em: 15 dez. 2010.

114

Envolve, portanto, o âmbito da categoria, seja a profissional (obreiros), seja

a econômica (empregadores). Seu caráter coletivo e genérico é, assim,

manifesto.148

E ainda, para o autor acima citado:

Por meio do próprio texto da Consolidação, poder-se-ia definir acordo

coletivo de trabalho como o pacto de caráter normativo pelo qual um

sindicato representativo de certa categoria profissional e uma ou mais

empresas da correspondente categoria econômica estipulam condições de

trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas empresas, às relações

individuais de trabalho.149

Maria Cristina Haddad de Sá diferencia esses dois termos, veja-se:

Percebe-se, portanto, que a negociação coletiva é o caminho através do qual

deverão as partes interessadas, devidamente representadas, percorrer para

chegar a um ajuste final. Se esse ajuste se aplicar a toda uma categoria,

estaremos diante de uma convenção coletiva de trabalho; se, por outro lado,

se aplicar a apenas uma ou algumas empresas de uma mesma categoria

estipulante, estaremos diante de um acordo coletivo de trabalho.150

Fica claro a distinção entre esses dois institutos, onde as Convenções Coletivas do

Trabalho tem caráter específico de produzirem normas jurídicas aplicadas de forma genérica,

enquanto nos Acordos Coletivos, configura-se apenas as cláusulas obrigacionais, aplicáveis às

partes envolvidas, empregados e empregadores. Com relação à presença do sindicato patronal,

nos Acordos Coletivos não é obrigatória a sua presença.

Guilherme José Purvin de Figueiredo demonstra através dos pensamentos de

Harold Dunning, que:

Tratando das convenções ou contratos coletivos de trabalho, destaca que o

tratamento dos assuntos relacionados com as condições físicas do trabalho

pode muitas vezes contribuir para melhor relação entre trabalhadores e

empregadores, conduzindo ao aumento de produtividade. No Brasil ainda

não há a tradição de inserção destas cláusulas que raramente constituem

objeto de reivindicações coletiva em nosso país. 151

Deve-se observar os motivos que causaram a demissão em massa, uma vez que

somente será possível analisar uma solução plausível se diagnosticar a origem da causa. Por

148

DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 136. 149

Ibidem. p. 137. 150

SÁ, Maria Cristina Haddad de. Negociação coletiva de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2002. p. 40-41.

115

exemplo, no caso de demissão em massa, onde a empresa justifica que precisa fazer cortes no

quadro de empregados por questões financeiras, as Negociações Coletivas, por via das

Convenções Coletivas, ou Acordos Coletivos poderão solucionar essa questão

hipoteticamente, como: negociar redução da jornada de trabalho e consequentemente

diminuição nos salários, determinando um período até que essa crise financeira melhore,

resguardando a garantia da relação de emprego; ou determinar que o corte de empregados

sejam feitos de forma reduzidas, e que depois de cessada a crise financeira a empresa

recontrate os empregados demitidos, priorizando a mão-de-obra já existente.

É claro que a relação de emprego deve ser preservada nas condições contratuais

pré existentes, mas em casos como esses acima citados, em busca de uma solução temporária,

às vezes medidas que diminuem ou suprem benefícios por um período determinado é melhor

do que os reflexos negativos causados por uma demissão.

Como cita Luiz Marcelo Figueira de Góis:

Nessa perspectiva, passa a ser interesse do Direito do Trabalho criar

mecanismos de proteção à sobrevivência da empresa ao lado dos existentes

para proteger os empregados, de modo a conferir aos atores trabalhistas

condições de se adequarem em situações-limite, com vistas à preservação

dos postos de trabalho. Trata-se, aliás, de iniciativa já adotada em países

como a Espanha, onde Estatuto de los Trabajadores (arts. 41 e 47) prevê a

possibilidade do ajuste das condições de trabalho em situações em que seja

necessário ‗mejorar La situación de la empresa a través de uma más

adecuada organización de sus recursos, que favorezca su posición

competitiva em El mercado o uma mejor respuesta a lãs exigências de la

demanda‘.(grifo do autor)152

Mesmo que o artigo 468 da CLT determine que as alterações contratuais só serão

lícitas se por ventura não causarem prejuízos aos empregados, não obsta em momento

extraordinário, a redução de direitos para assegurar a relação empregatícia. Por isso,

imprescindível a realização das Negociações Coletivas, sejam estas mediante Convenção

Coletiva ou Acordo Coletivo do Trabalho.

Apreciando os instrumentos da Convenção Coletiva do Trabalho ou do Acordo

Coletivo, percebe-se que a democracia é efetivada, vez que esses instrumentos são capazes de

combater a unilateralidade contratual e consequentemente, evitar os abusos no poder

151

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Ação civil pública e justiça do trabalho. In: MILARÉ, Edis

(Coord.). A ação civil pública após 25 anos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. cap. 17, p. 273-293 152

GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. A caminho de um direito trabalhista-constitucional. São Paulo: LTr, 2010.

p. 131.

116

econômico, fazendo valer os objetivos fundamentais da Constituição brasileira. Isto é, a

construção de uma sociedade, livre, justa e solidária, garantindo um desenvolvimento

nacional, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, somatizando-os aos princípios da

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.

Paulo Roberto Lemgruber Ebert deduz que:

No caso específico das dispensas coletivas, a interpretação dos direitos

fundamentais elencados no artigos 7º, XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição

Federal, à luz dos primados da dignidade da pessoa humana, do valor social

do trabalho e da solidariedade impõe, com ainda mais força, a realização

obrigatória de negociação entre a empresa e as entidades obreiras naqueles

supostos, eis que as jubilações a serem implementadas têm o condão de

afetar diretamente a subsistência de grupos inteiros de trabalhadores,

havendo, aí, o potencial risco de degradação da condição social destes

últimos.

Destaque-se, nesse sentido, que a participação do sindicato obreiro nas

tratativas prévias à implementação das despedidas coletivas tende a obter das

empresas, quando não a manutenção de todos ou de alguns vínculos

empregatícios, pelo menos a adoção de medidas compensatórias voltadas

para a redução dos impactos sociais das jubilações. Nisso reside, justamente,

o liame entre negociação coletiva e os primados da dignidade da pessoa

humana, do valor social do trabalho e da solidariedade, que acabará por

justificar a própria existência daquele direito fundamental titularizado pelas

entidades de trabalhadores.153

Desse modo, o uso dos instrumentos Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo do

Trabalho, evitam ou tentam amenizar os impactos causados pela demissão em massa. Nesse

contexto, pode-se afirmar que tais instrumentos norteiam por uma democracia voltada ao

cunho social, valorizando a pessoa que ali labora.

3.3.2 Ação Civil Pública

A Constituição Federal de 1988, ao perfilhar a dignidade da pessoa humana e o

valor social do trabalho como princípios fundamentais e ao dispor que a ordem econômica

será fundada na valorização do trabalho humano e nos princípios da função social da

propriedade e do pleno emprego, tutelou os interesses da coletividade.

153

EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O direito à negociação coletiva e as despedidas em massa: os deveres de

participação do sindicato profissional nas tratativas prévias e de atuação das partes segundo a boa-fé. Disponível

em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13005> . Acesso em: 01fev. 2011.

117

Nesse contexto, a Lei 7.347/85 da Ação Civil Pública ganhou espaços no âmbito

coletivo. Isto porque, a Ação Civil Pública estendia somente para defesa de danos causados ao

meio ambiente, ao consumidor e bens de valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos e

paisagísticos.

A Ação Civil Pública é um instrumento que está disposto no ordenamento jurídico

brasileiro desde 1981, como dita Ersio Miranda:

O primeiro texto legal a dispor sobre a ação civil pública em nosso

ordenamento jurídico-positivo foi a Lei Complementar Federal 40, de 14 de

dezembro de 1981, antiga Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que

a par de traçar normas gerais para organização do Ministério Público dos

Estados, prescreveu, em seu art. 3º, III, ser função institucional do Órgão

Ministerial a promoção da ação civil pública, nos termos da Lei.154

A Constituição Federal no artigo 129, inciso III, assegura a aplicabilidade da Ação

Civil Pública ao dizer que dentre as funções elencadas nesse dispositivo, o Ministério Público

promoverá a Ação Civil Pública para proteger o patrimônio público e social, bem como do

meio ambiente e de interesses difusos e coletivos.

A utilização da Ação Civil Pública é de suma importância no meio jurídico, por

evitar nos casos trabalhistas causas de acidente de trabalho, garantir a proteção do meio

ambiente de trabalho, e a própria punição de lesões ocasionadas neste meio. É um instrumento

eficaz para apurar a greve dos empregados e também nos casos de demissão em massa

imotivadas e abusivas.

Hely Lopes Meirelles conceitua a Ação Civil Pública como um instrumento hábil

para reprimir ou impedir danos, leia-se:

A ação civil pública é o instrumento processual adequado para reprimir ou

impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor

artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações da ordem

econômica (art. 1º), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade. 155

O artigo 91 do Código de Defesa do Consumidor conceituou os interesses sejam

estes difusos, coletivos ou individual homogêneos, veja-se:

154

MIRANDA, Ersio. Ação civil pública trabalhista. Disponível em:

<http://jus.uol.com.br/revista/texto/3360/acao-civil-publica-trabalhista/6>. Acesso em: 22 jan. 2011. 155

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança: ação popular, ação civil pública, mandado de injunção,

habeas data, ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. 22. ed. atual. e ampl.

São Paulo: Malheiros, 2000. p. 153-154.

118

a)Interesses difusos – de natureza indivisível, transindividuais, em que não

há possibilidade de determinação dos atingidos pela lesão;

b)Interesses coletivos – transindividuais, de natureza indivisível, relativos

aos integrantes de uma categoria ou grupo de pessoas;

c)Interesses individuais homogêneos – que têm uma origem comum.

No caso em tela, a proteção constitucional a ser apresentada recai sobre os

interesses coletivos, tendo em vista serem os empregados demitidos em massa, isto é, um

grupo de pessoas.

A Lei Complementar 75/93 em seu artigo 83, inciso III, da respaldos jurídicos para

a promoção da Ação Civil Pública, veja-se:

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das

seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para

defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais

constitucionalmente garantidos;

A Ação Civil Pública é apresentada pelo Ministério Público, bem como entidades

legitimadas que tenham por objetivo a tutela de interesses coletivos. Nesse contexto, ressalta-

se que a Ação Civil Pública pode ser proposta na Justiça do Trabalho, pelo Ministério Público

do Trabalho, nos moldes do artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, quanto os

Sindicatos, de acordo com o artigo 129, parágrafo 1º; e artigo 8º, inciso III, e, artigo 5º, da

Lei nº 7.347/85.

Menciona Ersio Miranda:

Como parte, incumbe ao Ministério Público do Trabalho, consoante o

disposto no art. 83, da Lei Complementar 75/83: promover as ações que lhe

sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis trabalhistas; promover

a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para a defesa de

interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais

constitucionalmente garantidos; propor as ações cabíveis para declaração de

nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que

viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais

indisponíveis dos trabalhadores; propor as ações necessárias à defesa dos

direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das

relações de trabalho; recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando

entender necessário, nos processos em que for parte, bem como pedir revisão

dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do

Trabalho; instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem

jurídica ou o interesse público assim o exigir, promover o mandado de

injunção, quando a competência for da Justiça do Trabalho.156

156

MIRANDA, Ersio. Ação civil pública trabalhista. Disponível em <

http://jus.uol.com.br/revista/texto/3360/acao-civil-publica-trabalhista/6> Acesso em: 22 jan. 2011.

119

Outro ponto a destacar é que a Ação Civil Pública na esfera trabalhista pode ser

concretizada como tutelas inibitórias a fim de prevenir futuras lesões aos empregados, como

dispõe Marcius Cruz da Ponte Souza:

No âmbito de ação civil pública trabalhista, são comumente pleiteadas

tutelas inibitórias, que visam prevenir a ocorrência de novas condutas lesivas

ao direito dos trabalhadores e tem por objeto o cumprimento de obrigações

de fazer, não fazer e de suportar. São garantidas mediante a cominação de

multas (astreintes) a fim de coagir o réu a obedecer aos ditames da lei e da

ordem judicial. A astreinte é estipulada, como regra, por dia de atraso e por

trabalhador e deve ser suficientemente elevada a fim de desmotivar novas

práticas ilegais.157

A Carta Magna de 1988 é repleta de princípios que asseguram o trabalho como

digno. Desde seu preâmbulo, no artigo 1º, a garantia da relação do emprego é moldada na

dignidade da pessoa humana e na valorização do trabalho e mais adiante, no artigo 3º objetiva

o emprego como uma forma de colaborar com a redução das desigualdades regionais,

prezando por uma sociedade mais justa. Em seu artigo 7º, ―caput‖ e inciso I enaltece os

direitos sociais do trabalho e o artigo 170 prioriza a valorização do trabalho como forma de

promover a justiça social a todos.

Destaca-se nesse contexto que a Ação Civil Pública é um instrumento hábil para

reprimir a demissão em massa imotivada, efetuada principalmente pelas empresas que de

certa forma são incentivadas pelo Estado em contrapartida não cumprem com a devida função

social.

Recentemente, o Ministério Público do Trabalho da cidade de Londrina estado do

Paraná, ingressou com uma Ação Civil Pública contra União Metropolitana de Ensino

Paranaense ( PROCESSO ACP.03634/2009)158

diante o fato dessa instituição de ensino

demitir vastamente seus empregados (professores) sob o argumento de ―necessidade de

dispensa‖ de professores com plano de carreira por auferirem salários elevados.

Com fortes argumentos, o Ministério Público destacou a ilegalidade dessas

demissões fundamentando-se nos princípios dos artigos 1º, 3º, 7º, 170, ambos da Constituição

Federal e pelo princípio da lealdade e transparência nas Negociações coletivas, que no caso

em tela não houve.

157

SOUZA, Marcius Cruz da Ponte. A ação civil pública no âmbito do processo do trabalho. Disponível em <

http://jus.uol.com.br/revista/texto/13301/a-acao-civil-publica-no-ambito-do-processo-do-trabalho/3 > Acesso em

01 fev. 2011. 158

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 9º Região. Ação Civil Pública 03634/2009. Disponível em:<

http://www.trt9.jus.br.> Acesso em: 01 fev. 2011.

120

Não restam dúvidas de que o Ministério Público do Trabalho agiu perfeitamente

de acordo com as garantias constitucionais que asseguram a relação empregatícia e nos

moldes dos Tratados e Convenções Internacionais que garantam esse direito à manutenção do

emprego, vez que a demissão em massa, é ramo do Direito Coletivo, logo deve ser

procedimentalizada por negociações coletivas que não visem a fraudar lei imperativa, pois se

assim for, restará um negócio jurídico nulo, conforme dispõe o artigo 166 do Código Civil.

Respaldando-se no fato que é dever do Estado proteger os direitos fundamentais

dos trabalhadores, a existência da Ação Civil Pública é um instrumento eficaz para prevenir

ou reprimir atos contra a ordem econômica. A questão é que essa intervenção do Ministério

Público nem sempre é eficaz, tendo em vista o abuso da ordem econômica, como por

exemplo, nos atos da demissão em massa. Como bem ressalta Lafayete Josué Petter:

O art. 1 da Lei 8.884/ 1994 é nuclear: esta lei dispõe sobre a prevenção e a

repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos princípios

constitucionais, além de identificar a coletividade como a titular dos bens

jurídicos que visa proteger. Este importante preceito, colocado logo no

principiar do estatuto normativo, tem relevantíssimas consequências. São

elas: a) é função do Ministério Público, seja estadual ou federal, assim como

de outros legitimados, velar pela integridade dos bens jurídicos protegidos

pela lei proteção da ordem econômica, para, em assim procedendo, preservar

os valores e princípios da própria Constituição Federal (CF, art. 170 e ss); b)

cabe ao Poder Judiciário, no enfrentamento de questões potencialmente

disciplinadas pela Lei. 8.884/1994, adotar um posicionamento que se

entremostre valioso para a preservação da ideologia constitucionalmente

adotada no respeitante à ordem econômica; c) nem os Ministérios Públicos

têm desenvolvido uma abrangente atuação no respeitante à matéria, nem o

Judiciário tem se valido de tão importante diploma normativo para a solução

de casos concretos. Ao contrário, essas decisões, quando existem, são por

vezes reafirmatórias de um pensamento ultrapassado, absenteísta, quando a

citada lei prevê poderosos instrumentos de intervenção (art. 24 - em casos

extremos pode-se, inclusive, v.g., adotar o caminho da cisão da sociedade,

transferência do controle acionário etc.); d) como o atual SBDC não atua de

modo eficaz na proteção administrativa princípios e valores

consubstanciados na ordem constitucional econômica, e tomando-se em

consideração o que acima se disse, fica fácil perceber por que o Brasil tem

sido um fértil campo para a propagação de casos de abuso de poder

econômico de toda ordem; e) esta conclusão é explicativa quanto à falta de

desenvolvimento, ao menos em uma de suas importantes causas.159

Nesse contexto, a Ação Civil Pública só será um instrumento hábil e eficaz contra

as demissões em massa se pautar na proteção à ordem econômica, priorizando a valorização

159

PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.

170 da Constituição Federal. 2.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p.338-

340.

121

do trabalho humano e a dignidade da pessoa humana em meio às leis mercadológicas para

solidificar os objetivos perquiridos constitucionalmente no artigo 3º da Constituição Federal.

3.4 DEMISSAO EM MASSA E INTERVENÇÃO ESTATAL: INCENTIVOS E POLÍTICAS

PÚBLICAS

Após a explanação da problemática das demissões coletivas enfoca-se nesse

momento, quais seriam as possíveis soluções plausíveis para tentar amenizar os impactos

causados por ela na sociedade, bem como quais seriam as saídas para a manutenção da

relação de emprego existente.

Apresenta-se como meio a coibir a demissão em massa, por exemplo, os

programas públicos voltados às melhorias das condições de vida do ser humano, programas

de gestões que equilibram as forças do lucro resguardando o aspecto social, programas de

incentivos fiscais como garantia de efetividade nas relações de emprego e as próprias

negociações coletivas em busca de uma flexibilização positiva.

O tema a ser destacado nesse tópico especificamente serão as políticas públicas

por serem responsáveis pela concretização dos anseios da sociedade brasileira, em sendo

executadas através de programas de intervenção estatal.

A intervenção do Estado na economia de acordo com a Constituição Federal,

artigos 173 e 174, pode ser realizada como agente econômico ou como agente normativo –

regulador. Em relação às formas de intervenção, André Ramos Tavares define que:

A intervenção estatal no domínio econômico pode ocorrer de maneira direta

ou indireta, adotadas as expressões nos termos a seguir expostos.

A intervenção estatal indireta refere-se à cobrança de tributos, concessão de

subsídios, subvenções, benefícios fiscais e creditícios e, de maneira geral, à

regulamentação normativa de atividades econômicas, a serem primariamente

desenvolvidas pelos particulares.

Na intervenção direta o Estado participa ativamente, de maneira concreta, na

economia, na condição de produtor de bens ou serviços, ao lado dos

particulares ou como se particular fosse. Trata-se, nesta última hipótese, do

Estado enquanto agente econômico.(grifo do autor)160

Para o estudo em questão, interessa a intervenção estatal indireta, conforme dispõe

o artigo 174: ―Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá

na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, em sendo este

determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.‖

160

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006. p. 55.

122

Sob o aspecto de agente normativo-regulador, o Estado exerce a função de

fiscalizar, incentivar e planejar. A fiscalização reside no fato do Estado intervir nas atividades

empresariais para preservar os atos empresarias das condutas que destoam da função social,

como por exemplo, equilibrar a livre concorrência a fim de banir condutas desleais e

prejudiciais. Quanto aos incentivos e o planejamento, pode-se dizer que ambos são

instrumentos capazes de realizar os fins sociais da ordem econômica, assegurando existência

digna a todos.

As políticas públicas a serem apresentadas versam sobre a modalidade agente

normativo-regulador, destacando-se as Políticas Públicas de Emprego. Segundo Lígia da

Nóbrega Fernandes, as Políticas Públicas de Emprego servem para combater o desemprego,

leia-se:

Política Pública de Emprego constitui então um conjunto de ações que são

empreendidas pelo Estado para combater ou frear o desemprego. Essas ações

têm como objetivos combater os efeitos do desemprego e geralmente são

colocadas em prática em momentos de distúrbios sócio-político-econômicos.

As políticas públicas de emprego apresentam-se principalmente em dois

formatos diferenciados:

Políticas públicas passivas, que se caracterizam como ações que visam

reduzir e/ou neutralizar os efeitos nocivos do desemprego, (FERREIRA,

2002, p. 47) ‗correspondendo principalmente às indenizações de salário-

desemprego e às aposentadorias antecipadas‘.

As políticas públicas ativas, por sua vez (FERREIRA, 2002, p. 47),

‗correspondem aos programas de formação profissional e políticas de

promoção de emprego‘. Têm como objetivo diminuir o fenômeno do

desemprego criando condições de acesso para os trabalhadores inserirem-se

no mercado de trabalho formal.161

Será por meio do planejamento que se estabelecerá a organização da livre

iniciativa com a valorização do trabalho humano, formulando políticas públicas plausíveis

para um desenvolvimento regional sustentável.

Para atingir os objetivos perquiridos constitucionalmente estipulados no artigo 3º,

e dinamizar o artigo 170, ambos da Constituição Federal se deve lançar as políticas públicas

voltadas ao favorecimento da manutenção do vínculo de emprego. Isso porque, as políticas

públicas garantem ao máximo o princípio da dignidade da pessoa humana e da valorização do

trabalho humano. Destoando, desses princípios a política pública será considerada uma

política de privilégios individuais.

161

FERNANDES, Lígia da Nóbrega. Política Pública de emprego: um recorte da realidade norte-rio-grandense.

Disponível em <www.joinpp.ufma.br/jornadas/.../Ligia_da_Nobrega_Fernandes188.pdf> Acesso em 12 fev.

2011

123

Explica Thiago Lima Breus que os Direitos Fundamentais apresentam-se ainda

como teorias, leia-se:

Entretanto, passadas quase duas décadas da promulgação do texto

constitucional, a efetivação dos Direitos Fundamentais – em especial dos

Direitos Fundamentais sociais, seja por meio do próprio Poder Executivo,

do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário – ainda se apresenta como um

grave problema social e teórico. Nessa perspectiva alguns questionamentos

advieram no sentido de que como seria dar eficácia às normas que definem a

ordem constitucional social.

(...)

E isso se deve, em parte porque os direitos sociais, voltados à realização das

metas e objetivos designados pela Constituição, dependem de opções

políticas que implicam o dispêndio de recursos, cada vez mais escassos, mas

também, em parte, porque inexiste um maior aprofundamento teórico acerca

das políticas públicas, que são os instrumentos de que dispõe o Estado, na

forma da Administração Pública, para a realização dos Direitos

fundamentais sumariados na Constituição. 162

(grifo nosso)

Constata-se que o Brasil aderiu tardiamente aos programas voltados ao cunho

social como declara Remígio Todeschini:

Tardiamente, o Brasil veio de fato incrementar os vários programas e ações

dos serviços públicos de emprego. As leis já declaravam, desde a

Constituição de 1934, a proteção aos desempregados sem justa causa, sendo

que a Constituição de 1946, inscreveu a assistência aos desempregados no

Título da Ordem Econômica e Social. Nos anos 1940, criou-se uma estrutura

paralela de educação profissional, financiada pelo Estado e sob a

administração dos empresários do setor de Comércio e Indústria, para a

aprendizagem profissional de jovens e qualificação dos trabalhadores da

indústria e comércio [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial –

SENAI e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – SENAC.]

Somente 20 anos mais tarde, é que a Lei n. 4.923 de 1965 normatizou o

auxílio-desemprego para os desempregados por motivo de fechamento

parcial ou total de uma empresa de forma muita restrita. 163

O autor ainda menciona que desde a crise do emprego no início do século XX, a

Organização Internacional do Trabalho preocupava-se com a assistência aos desempregados.

A proteção aos desempregados foi uma das preocupações centrais da

Organização Internacional do Trabalho – OIT, em 1919, por ocasião de seu

162

BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos

direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p.

201-203. 163

TODESCHINI, Remígio. A construção do sistema público de emprego. In: TODESCHINI, Remígio;

VASQUES-MENEZES; Ione, SORATTO, Lúcia (orgs). Desafios do sistema público de emprego, trabalho e

renda. São Paulo: LTr, 2010. cap. 1, p.17-32

124

surgimento, em face da grave crise de emprego existente no início do século

XX. A II Convenção da OIT, de 1919, estabeleceu que, além da necessidade

de os países-membros darem proteção aos desempregados (seguro contra o

desemprego), deveriam oferecer-lhes serviços de intermediação de mão de

obra (com agências públicas de colocação). A partir daí, nos diversos países-

membros, começaram a surgir os Serviços Públicos de Emprego com o

intuito de reforçar ações e programas de assistência ao desempregado,

intermediação de mão de obra, informações e estatísticas sobre o mercado de

trabalho e qualificação profissional – as chamadas funções tradicionais dos

Serviços Públicos de Emprego (RICCA, 1995). 164

Nesse contexto, a preocupação em adequar os desempregados comprova que o

objetivo a ser perquirido pelo Estado é a redução do impacto negativo causado a sociedade.

Até porque a Constituição Federal em seu artigo 3º assegura a construção de uma sociedade

justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, reduzindo as desigualdades sociais

e regionais.

Thiago Lima Breus demonstra que as políticas públicas por sua vez não dependem

exclusivamente da ―viabilidade econômica, mas também da sua coerência jurídica e

institucional,‖165

por exemplo, as políticas públicas que requerem um lapso temporal maior

para sua concretude.

Na França, por exemplo, a política social aplicada gera vários questionamentos

quanto a sua eficiência. Demonstra Cristina De Robertis que:

Esta política social levanta, atualmente, muitas interrogações. É preciso

retomar um trabalho? Sim, mas qual trabalho? Que tipo de trabalho? As

demissões em massa do último mês – há demissões constantemente nas

usinas, na França – não nos deixam imaginar que haverá uma abertura do

mercado de trabalho para os beneficiários do RSA. Haverá, assim, a

incitação a retomar qualquer trabalho, parcial, precário, temporário,

desqualificado, sob contrato de duração determinada. Aliás, os

desempregados serão retirados do pólo emprego se eles recusarem duas

proposições de trabalho razoável. Quem vai julgar o que é razoável?

A Renda de Solidariedade Ativa ainda não mostrou seu valor, mas as vozes

críticas se levantam para dizer que trará, certamente, uma maior

flexibilidade, uma justificação para salários baixos, para a jornada em tempo

parcial, empregos precários, e também, que não fará nada além de

institucionalizar a precariedade e puxará a queda dos salários. Esta é uma das

maiores críticas dos sindicatos, principalmente de que a RSA tenha puxado

os salários, uma vez que os empregadores vão contar com este complemento

dado pelo dinheiro público, pela sociedade, para, finalmente, não oferecer

164

TODESCHINI, Remígio. A construção do sistema público de emprego. In: TODESCHINI, Remígio;

VASQUES-MENEZES; Ione, SORATTO, Lúcia (orgs). Desafios do sistema público de emprego, trabalho e

renda. São Paulo: LTr, 2010. cap. 1, p.17-32 165

BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional: problemática da concretização dos

direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p.

209.

125

salários mais altos. Oito milhões de pessoas já viviam sob o limiar da

pobreza na França em 2006, há três anos portanto, ou seja, 13% da

população. A explosão do desemprego agrava esta situação e a RSA corre o

risco de institucionalizar ainda mais a precariedade. Isto vem ao encontro do

que foi dito de manhã, peço desculpas por repetir, mas eu não sabia o que

seria falado hoje de manhã.166

Outro ponto a destacar é que as políticas públicas devem ser planejadas por meio

de lei que estabelecerá as diretrizes e bases, compatibilizando com os planos existentes,

conforme dispõem o artigo 174 e seu § 1º da Constituição Federal.

Por meio do planejamento que se analisará a necessidade de sua implementação,

isto é, primeiro diagnostica a causa da criação dessa política pública para posteriormente, criar

o programa a ser desenvolvido e sua execução. Até porque para haver qualquer política

pública o orçamento público tem que ser suficiente, tendo em vista que não adianta lançar

políticas públicas se o país não tem recursos para colocá-la em prática.

Rosilaine Chaves Lage relata que ―é dever do Estado garantir a todas as pessoas o

acesso ao trabalho digno e regulado, mediante a promoção de políticas publicas e eficientes e

a normatização das relações trabalhistas.‖167

Embora o Estado seja considerado o maior encarregado de se fazer cumprir esses

direitos fundamentais, não pode olvidar que a empresa é moldada pela função social, isto

indica um compromisso que estende aos que ali laboram e toda a coletividade, em sendo que

os interesses públicos se somatizam aos interesses privados, determinando que as

transformações sociais sejam realizadas pelo Estado, mas também pela própria sociedade.

Vale destacar que as ações e programas voltados a incentivar a relação de emprego

são soluções que conduzem as gestões empresariais a atuarem de forma mais reflexiva

principalmente, quando tais empresas tornam-se multinacionais e o caráter familiar que às

vezes essa empresa possuía para com seus empregados fica a mercê da nova gestão que clama

por lucros e quebras de metas.

No governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as políticas de investimentos

estatais e determinados programas colaboraram para geração de empregos e rendas, como cita

Carlos Alberto Grana:

A política de valorização social do trabalho e renda do governo Lula, as

políticas de investimentos das estatais e o Programa de Aceleração do

166

ROBERTIS, Cristina. As políticas públicas e os programas sociais atuais nos dois países. Disponível em:

<www.sescsp.org.br/sesc/images/upload/conferencias/514.rtf> Acesso em 10 fev. 2011. 167

LAGES, Rosilaine Chaves. A importância da efetividade do princípio da valorização do trabalho regulado:

homenagem ao professor Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: LTr, 2010. p. 115.

126

Crescimento – PAC, o Bolsa-Família, a política de valorização do salário

mínimo a partir de 2005, o maior acesso a universidades por meio do ProUni

e a construção de escolas técnicas federais, por exemplo, propiciaram

oportunidades de emprego e renda.168

Recentemente no ano de 2008 a efetiva participação da delegação do Brasil na

Conferência da OIT, certificou-se da aplicação do texto da Declaração da OIT/2008 nas ações

tripartides do país. É um forte indício que o Estado terá uma obrigação maior em relação às

relações trabalhistas. Enfatiza Oscar Ermida Uriate que:

Adoptada en la Conferencia de 2008, esta Declaración de la OIT reedita

conceptos y objetivos que habían sido abandonados, criticados o

simplesmente desplazados durante la hegemonia neoliberal: a) vuelve

proclamar el antes denostado conceptos-objetivo del pleno empleo

caracterizándolo, em tanto << empleo pleno y productivo>>, junto con el

trabajo decente, como elemento central de las políticas económicas y

socialesxx; b) promueve la adopción de medidas laborales que garanticen <<

a todos uma justa distribuición de los frutos del progreso>> y c) el fomento

de la eficácia de la legislación y las instituciones laborales.169

A Convenção n. 158 da OIT como já fora mencionada é uma das alternativas para

a manutenção da relação de emprego por determinar que a extinção dessa relação somente

será possível se existir causa justificada para tal conduta e até mesmo pela bilateralidade de

manifestação do empregado quanto a sua despedida.

No mesmo sentido, a Convenção n. 154 da OIT que estimula a prática das

negociações coletivas e que por sua vez, ameniza os impactos causados por uma futura

demissão coletiva.

Como expõem Marcos Fernandes Gonçalves:

Em tempos de crise, uma das primeiras medidas tomadas pelas empresas, a

título de ―redução de encargos‖ é a demissão de trabalhadores. Reagindo a

essa estratégia capitalista, trabalhadores brasileiros, organizados em suas

respectivas categorias, optam por reduzir salários em troca de não perder o

emprego. Resistência obreira que encontra guarida no ordenamento jurídico.

Com efeito, embora o artigo 7º, VI, da Constituição Federal, consagre o

princípio da irredutibilidade salarial, abre, ao mesmo tempo, possibilidade de

reduzir salários, mediante acordo ou convenção coletiva.

Os Sindicatos desempenham papel fundamental nessa negociação, cuja

defesa dos interesses dos trabalhadores é consubstanciada no artigo 8º, III,

da Constituição Federal. Sem dúvida, uma das maneiras de enfrentar a crise

168

GRANA, Carlos Alberto apud. TODESCHINI, Remígio; VASQUES-MENEZES; Ione, SORATTO, Lúcia.

Desafios do sistema público de emprego, trabalho e renda. São Paulo: LTr, 2010. p. 162. 169

URIATE, Oscar Ermida . Políticas laborales después del neoliberalismo. In: AVILÉS, Antônio Ojeda; et al.

Temas centrales del derecho del trabajo del siglo XXI. Lima: ARA Editores, 2009. p. 405-425.

127

que se anuncia é a mesa de negociação entre empregados e empregadores,

ainda que isso custe redução dos salários. 170

Até o presente momento, no Brasil não há nenhuma política pública direcionada

exclusivamente à demissão em massa.

É preciso desenvolver políticas públicas que priorizem medidas que consigam

combater a demissão em massa, articulando diversos aspectos como, por exemplo, formular

diretrizes às gestões empresariais auxiliando-as a tomarem iniciativas distintas ao ato de

demitir no caso de ciclos financeiros instáveis, desenvolverem cursos que qualifiquem a mão

de obra, evitando possíveis demissões por falta de mão de obra qualificada.

Para sugestão, pode-se estipular um plano de emergência em casos de crises

econômicas nacionais e mundiais que visem diminuir tributos para resguardarem os postos de

trabalho, ou determinar férias coletivas ainda que estas não estejam vencidas, ou redução de

jornada de trabalho, bem como uso de banco de horas.

Os sindicatos também devem participar na inclusão das políticas públicas de

emprego para que estas políticas realizem de forma dinâmica priorizando a permanência da

relação de emprego.

A título de exemplo, o SEBRAE desenvolveu um Programa Pró-Emprego (Lei nº

13.992, de 15 de fevereiro de 2007) em Santa Catarina que objetiva a geração de emprego. As

empresas que aderirem a este programa são favorecidas por tributos de ICMS diferenciado. O

intuito desse programa é incentivar os empreendedores para fazer valer o interesse sócio-

econômico.

O SEBRAE além de desenvolver programas voltados aos empregados oferece

cursos on line gratuitos para empresas com vistas a, aperfeiçoamento da gestão como, por

exemplo, Aprender a Empreender, Como Vender Mais e Melhor, Análise e Planejamento

Financeiro e D´Olho na Qualidade

O PEQ - Programa Estadual de Qualificação e Requalificação Profissional,

também é uma forma de qualificação profissional, isto é, oferece cursos gratuitamente para

qualificação de mão-de-obra, especialmente para desempregados ou aqueles que estão em

vias de perder o emprego, pequenos, microprodutores e trabalhadores autônomos.

O Programa Estadual de Fomento ao Desenvolvimento Regional de São Paulo,

Decreto nº 56.413/2010 apoiado pelo SEBRAE prevê investimentos estadual para a melhoria

170

GONÇALVES, Marcos Fernandes. Negociação coletiva e pacto social como alternativas ao desemprego em

tempos de crise. Disponível em: < http://www.juslaboral.net/2009/01/negociao-coletiva-e-pacto-social-

como.html> Acesso 11 de fev. 2011

128

da competitividade da economia, bem como na geração de emprego e renda. Demonstra-se

este programa uma saída para o desenvolvimento regional de São Paulo.

O orçamento participativo é uma solução de imediato para municípios que possam

sofrer os reflexos de uma possível demissão em massa, leia-se:

O Orçamento participativo constitui-se em um processo no qual a sociedade

tem a oportunidade de opinar, debater e deliberar sobre matérias inerentes a

despesas públicas surge como método eficaz no resgate e prática da

cidadania. Esta modalidadede orçamento praticada no Brasil desde a década

de 80 é hoje adotada em mais de 70 municípios brasileiros independente de

partido político e é utilizada como parâmetro em países da Europa, servindo

como modelo à experiência da cidade de Porto Alegre/RS que já utiliza esse

método há 14 anos. Diante disso, esta pesquisa objetiva revelar aspectos

importantes do Orçamento Participativo que possam contribuir para a

elaboração do Orçamento-Programa e demonstrar como a sociedade poderá

participar ativamente da gestão pública municipal. 171

O Sistema Nacional de Emprego-SINE por via de suas agências públicas de

emprego no Brasil oferecem serviços gratuitos que podem auxiliar os empregados nos

momentos de dificuldades. O problema em questão é que tais agências sempre estão

sobrecarregadas e consequentemente, o êxito em conquistar novos postos de trabalho é muito

baixo.

Ressalta-se novamente que as políticas públicas só terão sentido de ―ser‖, quando

atuarem conjuntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana. Nos dizeres de

Carmem Lúcia Antunes Rocha:

Nessa linha assevera que não há verdade constitucional e que não há suporte

institucional para políticas públicas que não sejam destinadas ao pleno

cumprimento daquele valor maior transformado em princípio constitucional:

a dignidade da pessoa humana. (grifo do autor) 172

Nessa linha, o Estado democrático só será um ―Estado Constitucional‖ se pautar

pelos objetivos perquiridos nos artigos 1º, 3º, 7º, e 170 da Constituição Federal, vinculando-se

aos primados dos princípios constitucionais sempre atrelados a dignidade da pessoa humana,

171

SEBRAE, Orçamento participativo : nova participação da sociedade na gestão pública municipal. Disponível

em <http://www.sebrae.com.br/customizado/desenvolvimento-territorial/o-que-e/planejamento-participativo-e-

gestao-compartilhada> Acesso em 30/03/2011 172

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes apud BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado Constitucional:

problemática da concretização dos direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea.

Belo Horizonte: Fórum, 2007.p. 193.

129

valorização do trabalho humano, ao desenvolvimento regional e ao pleno emprego. Sem isso,

não é possível falar em garantias de relação de emprego.

Até porque, os princípios como expõe Walter Claudius Rothenburg justificam as

implementações das políticas públicas e até mesmo a sua própria complementação, veja-se:

Ademais, servem os princípios para inestimáveis fins argumentativos, como

critérios de seleção dos topoi (Canotilho, referido por Bonavides 1994:256;

Viehweg 1979) ou mesmo como autênticos tópicos (fornecendo conteúdos

decisórios), podendo assim desempenhar suas relevantes funções. Os

princípios têm ‗aptidão como causa de justificação‘ e os problemas de

contradição, complementação e competitividade (Lorenzetti 1998:317)

constituem, na verdade técnicas de soluções.(grifo do autor)173

Ademais, os incentivos estatais assumem o compromisso de auxílio aos custos

empresariais, que vão desde financiamentos até isenções fiscais. Alude Carla Marshall que as

empresas são responsáveis por receber os maiores estímulos por parte do Estado, leia-se:

O agente econômico privado que deverá merecer maior estímulo constitui-se

na empresa. Tal agente recebeu do legislador constituinte papel de destaque,

bem como proteção, obviamente dentro de opções feitas, como é o caso da

empresa de pequeno porte, prevista no art. 179, a qual deve ser ‗incentivada

pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias,

previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio

de lei‘. 174

Para André Ramos Tavares:

Fala-se em incentivos para denominar o implemento de determinada

atividade econômica pelo Estado. Esta continua sendo exercida pela

iniciativa privada, mas benefícios ou vantagens concebidos pelo Estado

incidem na autonomia dos particulares, guiando-a ao interesse público. Por

isso, o incentivo não pode redundar em impedimento para outras atividades

ou para determinado grupo de agentes econômicos. O benefício de uns não

pode provocar a derrocada de outros.175

173

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: SAFE. p.78. 174

MARSHALL, Carla. Direito constitucional: aspectos constitucionais do direito econômico. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2007. p. 165. 175

TAVARES, André Ramos. Direito constitucional erconômico. 2. ed. São Paulo: Método. 2006. p. 312-313.

130

Conforme o artigo 174, § 1º da Constituição Federal, ― a lei estabelecerá as

diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual

incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.‖

Ao incentivar a economia propicia um melhor desenvolvimento regional, isto

porque, através das empresas a economia é transformada em estímulos sociais, vez que a

empresa que recebe incentivos estatais deverá em contrapartida atender a sua função social.

Como menciona André Elali:

Nessa visão, é notória a importância da intervenção estatal por meio da

tributação com objetivos regulatórios, já que é atribuição sua estimular

determinadas atividades econômicas para que se busque a ordem proposta

pela Constituição da República. É, valer dizer, indiscutível o papel da

tributação na busca do desenvolvimento econômico, devendo, para tanto,

pautar-se pelos princípios constitucionais econômicos, tributários, sem que

se ponha de lado toda a teorização econômica que pode auxiliar o direito a

melhorar o nível de eficiência da economia nacional.176

Nesses moldes, não carece incentivos empresas que não respeitam a dignidade da

pessoa humana e a valorização do trabalho, as que distanciam da busca do pleno emprego,

demitindo seus empregados imotivadamente sem observar os preceitos legais exigidos, e que

não tenham uma postura ética para com seus empregados, consumidores e fornecedores.

Em tempos de crises econômicas mundiais as empresas diminuem seus custos e

consequentemente, promovem demissões. Diante esse fato, cabe ao governo utilizar dos

incentivos fiscais para neutralizar os aspectos negativos gerados por ela. Soluções como

incentivar empresas para atrair novos investimentos, redução de tributos para certos produtos

a fim de aumentar o consumo, vinculando-se o empreendedor na manutenção da relação do

emprego são situações que favorecem a permanência no emprego.

De todo o exposto, além das políticas públicas sugeridas para a manutenção do

vínculo empregatício, deve-se elaborar um Projeto de Lei voltado aos atos de demissões em

massa, regularizando-a como, por exemplo, estipular quando ocorrerá tal demissão, em quais

casos deve haver essa demissão e como gerir os reflexos negativos surgidos por esta situação

para que de uma melhor forma as relações empregado e empregador permeiem em uma

176

ELALI, André; Incentivos fiscais, neutralidade da tributação e desenvolvimento econômico: a questão da

redução das desigualdades regionais e sociais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; ELALI, André; PEIXOTO,

Marcelo Magalhães (coords.). Incentivos fiscais: questões pontuais nas esferas federal, estadual e

municipal.[S.l]: MP Editora, 2007. p. 37-66

131

sociedade democrática de direito, fazendo valer os preceitos dos artigos 1º, 3º, 7º e 170 da

Constituição Federal.

132

CONCLUSÃO

Uma das principais características da Constituição Federal de 1988 é trazer

dispositivos que indicam uma constituição pautada em um modo de produção capitalista, mas

que ao mesmo tempo preocupa-se com a dignidade da pessoa humana e a valorização do

trabalho humano.

Com isso, buscando se adequar e a regulamentar o modo de organização social, a

Constituição Federal em seu artigo 170 dispõe que a Ordem Econômica está fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, o que garante a instituição e manutenção

do emprego bem como a atividade empresarial.

Porém, a relação de emprego deve ser tutelada, com a finalidade de preservar a

própria dignidade humana no intuito de evitar excessos e abusos econômicos.

No entanto, a empresa deve atuar nos lindes da ética empresarial, da transparência,

e da boa-fé, enfrentando os desafios de uma globalização desregulamentada, evitando ao

máximo condutas que destoem da função social, como por exemplo, dispensas coletivas

imotivadas.

O artigo 7º, inciso I, da Constituição Federal declara que a relação de emprego

deve ser protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos moldes da Lei

Complementar. Em face da morosidade do Poder Legislativo, até o presente momento esta lei

não fora editada, resultando várias demissões desmotivadas no Brasil.

Ocorre que a demissão em massa atinge não só a pessoa do empregado, mas

também a família do desempregado, a própria sociedade e principalmente a economia.

Em virtude desse fato, mesmo o artigo 7º, inciso I da Constituição Federal,

carecendo de legislação complementar, não é crível nos dias atuais aceitar o retrocesso dos

direitos sociais adquiridos.

Para isto, faz mister ressaltar que a Constituição Federal em seus artigos 1º, 3º, 7º,

―caput‖, 170 e 193, dão suportes suficientes para enaltecer a manutenção do emprego. Assim,

mesmo que o artigo 7º, inciso I, não esteja regulamentado como deveria, haja vista que se

trata de uma omissão grave, a dispensa coletiva não pode ocorrer como um simples ato

empresarial, como se a empresa fosse livre para demitir no momento e quando importasse

para o seu interesse econômico.

Quando se trata de demissão em massa desmotivada, a situação é ainda mais

grave, considerando os resultados danosos imediatos causados à sociedade. Não é possível

admitir, diante das proteções despendidas pela constituição quanto ao trabalho humano, na

133

condição de valor erigido e protegido, finalidade da própria ordem econômica, a demissão em

massa desmotivada.

Outra questão são as empresas que recebem incentivos ou subsídios por parte do

Estado, sejam financiamentos, isenções, ou demais modalidades, que com mais segurança

ainda não podem gerir suas condutas voltadas somente pelo lucro. Tal incentivo é justamente

para que em contrapartida a empresa atinja as metas voltadas ao cunho social e a manutenção

da relação de emprego.

Outro ponto a destacar é que as Convenções da OIT nº 154 e 158, e a Declaração

dos Direitos Humanos 1948, também prezam pela não dispensa coletiva imotivada, bem como

qualquer outra Convenção ou Tratados que não sejam ratificados pelo Brasil, mas que sirvam

para suprir as lacunas legais ou contratuais mencionadas no artigo 8º da Consolidação das

Leis do Trabalho.

Nesse contexto, os artigos 1º, 3º, 7º, ―caput‖, 170, 193 da Constituição Federal e as

Convenções e Tratados Internacionais acima mencionados conduzem o entendimento para a

não demissão em massa imotivada. Assim, mesmo que o artigo 7º, inciso I, da Constituição

Federal careça de regulamentação específica, não obsta o Poder Judiciário de fundamentar

suas decisões, baseando-se nesses dispositivos e anulando as demissões imotivadas que

possam surgir.

Em países desenvolvidos como França e Espanha não é aceitável a demissão

coletiva sem antes observar o procedimento adequado a ser seguido e a motivação que

ensejou a demissão em questão, bem como a solução menos impactante para com os

empregados demitidos.

No Brasil é necessário o procedimento via Negociação Coletiva, seja esta por

Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo. A Negociação Coletiva é um direito fundamental

por correlacionar ao princípio da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho,

permeando a bilateralidade contratual, favorecendo uma flexibilização positiva nas relações

empregatícias.

Através da Negociação Coletiva poderão as partes fixar melhores condições de

trabalho, como por exemplo, fixar medidas plausíveis para evitar uma possível demissão

coletiva ou medidas que atenuem os efeitos maléficos causados por esta.

Nesta esteira, para ocorrer uma demissão em massa as empresas devem observar o

procedimento a ser seguidos pelas Negociações Coletivas. Na ausência da observância deste

procedimento, a Ação Civil Pública é um instrumento hábil para garantir a proteção na

manutenção da relação de emprego e com isso prevenir eventuais demissões em massa

134

imotivadas, por reprimir ou impedir qualquer dano que venha atingir a ordem econômica e os

interesses coletivos dos trabalhadores.

Por meio das políticas públicas, o Estado deve intervir na economia de modo a

nortear as relações empresariais com vistas à concretização dos anseios da sociedade. Nesse

sentido, por exemplo, os programas públicos que garantam melhores condições de vida do ser

humano, e os programas de incentivos fiscais são soluções plausíveis para efetivar os

princípios constitucionais que assegurem a manutenção da relação de emprego.

No entanto, até o presente momento ainda não foi desenvolvida nenhuma política

pública efetiva que vise de maneira concreta a afastar a demissão em massa imotivada.

Essas políticas públicas seriam uma forma prática de intervenção do Estado na

relação de emprego, garantindo a efetivação do preceituado no artigo 7º, inciso I da

Constituição Federal.

Por conseguinte, o desemprego gera aspectos negativos tanto para o empregado,

sua família e a sociedade. Nesse diapasão, as necessidades mínimas existenciais serão

suprimidas se a manutenção do emprego permear a relação empregado e empregador.

135

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