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Da autuação ilegítima da Receita Federal do Brasil na glosa de despesas médicas deduzidas na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física O inciso II do artigo 8.º da Lei n.º 9.250 de 26 de dezembro de 1995, determina que são dedutíveis da Declaração Anual de Ajuste do Imposto de Renda Pessoa Física as despesas efetuadas, “no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e dentárias”. Ocorre que a Receita Federal, movida pela sanha arrecadatória, ano após ano, vem glosando tais despesas dos contribuintes que amparados pela legislação federal deduzem do seu Imposto de Renda as despesas médicas. Imputando inidoneidade dos recibos apresentados pelo contribuinte, a Receita Federal do Brasil emite notificações de lançamento determinando que o contribuinte recolha aos cofres públicos o imposto de renda suplementar (determinado pela glosa das despesas médicas), acrescido de multa de ofício e juros de mora, que, no mais das vezes, superam o valor do próprio imposto. É cediço que o lançamento fiscal, espécie de ato administrativo, goza de presunção de legitimidade; essa circunstância, todavia, não dispensa a Fazenda Pública de demonstrar, no correspondente auto de infração, a metodologia seguida para o arbitramento do imposto.

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Page 1: Da autuação ilegítima da Receita Federal do Brasil na glosa de despesas médicas deduzidas na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física

Da autuação ilegítima da Receita Federal do Brasil na glosa de despesas médicas deduzidas na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física

O inciso II do artigo 8.º da Lei n.º 9.250 de 26 de dezembro de 1995, determina que

são dedutíveis da Declaração Anual de Ajuste do Imposto de Renda Pessoa Física as

despesas efetuadas, “no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos,

fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as

despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e

próteses ortopédicas e dentárias”.

Ocorre que a Receita Federal, movida pela sanha arrecadatória, ano após ano, vem

glosando tais despesas dos contribuintes que amparados pela legislação federal

deduzem do seu Imposto de Renda as despesas médicas.

Imputando inidoneidade dos recibos apresentados pelo contribuinte, a Receita

Federal do Brasil emite notificações de lançamento determinando que o

contribuinte recolha aos cofres públicos o imposto de renda suplementar

(determinado pela glosa das despesas médicas), acrescido de multa de ofício e

juros de mora, que, no mais das vezes, superam o valor do próprio imposto.

É cediço que o lançamento fiscal, espécie de ato administrativo, goza de presunção

de legitimidade; essa circunstância, todavia, não dispensa a Fazenda Pública de

demonstrar, no correspondente auto de infração, a metodologia seguida para o

arbitramento do imposto.

A respeito, assim se pronunciou Célio Armando Janczeski (Célio Armando Janczeski,

Direito Processual Tributário, Florianópolis, AOB/SC Editora, 2005, p. 73 e 77): “A

aplicação das presunções e indícios no direito tributário deve ser feita com especial

cautela, já que se afastando da segurança e certeza jurídica, que respaldam os

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princípios da legalidade e da tipidicidade, enveradam-se no perigoso campo da

imprecisão, dubiedade e incerteza.”

A Receita Federal do Brasil, do alto de sua presunção de legitimidade, lança

cobrança aos contribuintes que – frise-se, baseados em legislação federal deduzem

do seu Imposto de Renda as despesas médicas – sem apresentar prova conclusiva

da afirmação de inidoneidade dos recibos apresentados.

Não se pode admitir que a Receita Federal do Brasil afirme que não houve a

prestação de serviços que deram origem à emissão dos recibos de pagamento

referidos, não podendo basear sua alegação de falsidade em meras presunções ou

suposições.

O Poder Judiciário brasileiro tem combatido ferozmente tal prática, considerando a

autuação da Receita Federal do Brasil como ilegítima, senão vejamos:

“IMPOSTO DE RENDA – AUTUAÇÃO ILEGÍTIMA

Tributário – Imposto de Renda Pessoa Física – Autuação – Glosa de valores – Recibos

de despesas odontológicas tidos por inidôneos pelo Fisco – Ausência da prova da

não- realização do serviço constante dos recibos – Indício afastado pelos

documentos constantes dos Autos – Ilegitimidade da autuação.

1 – O Fisco, para glosar as despesas odontológicas deduzidas pelo autor e,

conseqüentemente, autuá-lo e constituir o crédito tributário, fundamentou-se tão-

somente no fato da existência da emissão de recibos sem a efetiva contraprestação

dos serviços pelo mesmo profissional de saúde a outros contribuintes, afirmando

serem inidôneos aqueles apresentados pelo recorrido, sem, no entanto, apresentar

provas da ausência da realização dos serviços. 2 – Supor que um fato tenha

ocorrido ou que sua materialidade tenha sido efetivada não é o mesmo que exibir a

prova concreta de sua existência, mediante prova direta. 3 – A aplicação de

presunções e indícios no Direito Tributário deve ser feita com especial cautela,

tendo em vista que, ao fazê-la, afasta-se da segurança e certeza jurídicas, que

respaldam os Princípios da Legalidade e da Tipicidade preponderantes do Direito

Tributário. 4 – Não demonstrando a Fazenda Nacional a ausência da prestação dos

serviços odontológicos, objeto do recibo utilizado pelo contribuinte para efetuar a

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dedução em sua declaração de rendimentos, e a existência de cópias de fichas de

tratamento que fazem parte do processo administrativo fiscal e das demais

informações constantes de documentos juntados aos Autos, há que ser mantida a

sentença que julgou procedente o pedido do autor. 5 – Apelação e Remessa Oficial

improvidas.” (TRF-1ª Região – 8ª T.; ACi nº 1999.34.00. 000163-0-DF; Rel. Juiz

Federal convocado Cleberson José Rocha; j. 5/8/2008; v.u.)

“TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO. IRPF. ESTORNO. DESPESAS MÉDICAS. MOTIVO.

INEXISTÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DO CONTRIBUINTE OU SEUS DEPENDENTES COMO

BENEFICIÁRIOS DOS SERVIÇOS. ILEGALIDADE.

(…) 2. A veracidade dos recibos objeto da declaração de rendimentos pode e deve

ser fiscalizada pela Receita Federal, através de investigações próprias que não pode

nem deve simplesmente glosá-las sob a alegação de serem imprestáveis “… para

comprovação de dedução a título de despesas médicas, vez que omitem a

identificação do paciente …”. 3. Restando identificado o autor/contribuinte como

pagador das despesas médicas deduzidas, sendo inquestionável a identificação do

prestador dos serviços, que, inclusive, emitiu ao contribuinte outras faturas no

mesmo exercício, por semelhantes serviços, nas quais indica o autor ou seus

dependentes como beneficiários, a presunção é totalmente desfavorável às

alegações do fisco. (…) 5. Apelação e remessa oficial a que se nega

provimento.” (AC 1999.38.00.015385-2/MG, Rel. Juiz Federal Osmane Antônio dos

Santos, Oitava Turma, DJ de 18/05/2007, p.140)

“TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. AUTUAÇÃO.

GLOSA DE VALORES. RECIBO DE DESPESAS ODONTOLÓGICAS TIDOS POR

INIDÔNEOS PELO FISCO. AUSÊNCIA DA PROVA DA NÃO REALIZAÇÃO DO SERVIÇO

CONSTANTE DO RECIBO. INDÍCIO AFASTADO PELOS DOCUMENTOS CONSTANTES

DOS AUTOS. ILEGITIMIDADE DA AUTUAÇÃO. PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO

PERICULUM IN MORA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

1. O processo cautelar tem o objetivo de assegurar o resultado útil do processo

principal, sendo indispensável a presença simultânea do periculum in mora e do

fumus boni iuris para a sua procedência. Presentes os dois requisitos, julga-se

procedente o pedido. 2. Mostra-se legítima a suspensão da exigibilidade do crédito

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tributário, resultante da glosa de valores deduzidos pelo contribuinte em sua

declaração de rendimentos de 1992 a título de prestação de serviços odontológicos

e a conseqüente autuação pelo Fisco, e enquanto está se discutindo aludido crédito

no processo principal, porquanto o fundamento utilizado para tanto foi tão-somente

a alegação de que o profissional de saúde havia expedido recibos a outros

contribuintes, sem a efetiva prestação dos serviços. 3. A aplicação de presunções e

indícios no direito tributário deve ser feita com especial cautela, tendo em vista que

ao fazê-lo afasta-se da segurança e certeza jurídicas, que respaldam os princípios

da legalidade e da tipidicade preponderantes no direito tributário. 4. Apelação e

remessa oficial improvidas.” (AC 1998.34.00.028366-5/DF, Rel. Juiz Federal Roberto

Carvalho Veloso (conv), Oitava Turma, DJ de 25/04/2008, p.475)

Não se quer, nem se pode afirmar que a Receita Federal não deve fiscalizar a

veracidade dos recibos objeto da declaração de rendimentos, através de

investigações próprias. O que não se pode admitir é a simples e ilegítima glosa de

tais recibos sob a alegação de serem imprestáveis para comprovação de dedução a

título de despesas médicas, sem qualquer suporte fático de sua idoneidade.

Ora, os recibos de pagamento são é documentos contábeis, previsto no

ordenamento jurídico, apto a certificar a quitação de determinado valor,

prescindindo absolutamente de qualquer outro documento que o acompanhe para

que adquira validade jurídica ou força comprobatória.

Tem-se, desta forma, demonstrado a ilegitimidade da autuação de Receita Federal

do Brasil, que (i) glosa as despesas médicas deduzidas na Declaração de Ajuste do

Imposto de Renda Pessoa Física, (ii) considera imprestável os recibos apresentados

pelo contribuinte, sem qualquer justificativa, (iii) lança cobrança de imposto de

renda suplementar, acrescida de multa de ofício e juros de mora (o que beira o

confisco) e ainda, no mais das vezes (iv) imputa ao contribuinte a prática de crime

contra a ordem tributária.

6 º TURMA 

ACÓRDÃO Nº 17-27886 de 01 de Outubro de 2008

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ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física - IRPF 

EMENTA: GLOSA FONTE. EXISTÊNCIA DE DIRF COMPROVANDO OS VALORES DECLARADOS. Comprovados os valores do imposto de renda retido na fonte, por meio de DIRF, é de se afastar a glosa. DESPESAS COM PAGAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL OU ACORDO HOMOLOGADO. Para revestir-se da natureza de despesa dedutível, a pensão alimentícia deve ter sido paga em decorrência de decisão judicial ou acordo homologado pela justiça. Na ausência do cumprimento deste requisito legal, os valores pagos não são dedutíveis da base de cálculo do imposto. LIVRO CAIXA. AUTÔNOMO. COMPROVAÇÃO PARCIAL São dedutíveis as despesas necessárias ao auferimento de receitas do profissional autônomo, desde que devidamente comprovadas. Tendo havido comprovação parcial das despesas, afasta-se parcialmente a glosa efetuada. 

Ano-calendário: : 01/01/1999 a 31/12/1999