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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE HISTÓRIA DO DIREITO CONCUBINÁRIO E HOMOAFETIVO NO BRASIL Por: Sueli Gallo Dutra TURMA T202629 Orientador Prof. Diva Nereida Marques Machado Maranhão Tijuca / 2007

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

HISTÓRIA DO DIREITO CONCUBINÁRIO

E HOMOAFETIVO NO BRASIL

Por: Sueli Gallo Dutra

TURMA T202629

Orientador

Prof. Diva Nereida Marques Machado Maranhão

Tijuca / 2007

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

HISTÓRIA DO DIREITO CONCUBINÁRIO

E HOMOAFETIVO NO BRASIL

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Psicologia

Jurídica

Por: Sueli Gallo Dutra

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me deu forças e saúde

para estudar.

Aos meus pais, que muito se

sacrificaram para me proporcionar uma

boa formação na minha vida

acadêmica.

Ao meu filho, que me incentiva a

continuar estudando.

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DEDICATÓRIA

Dedico, com todo meu amor e gratidão,

aos meus pais, que fizeram germinar ao

longo de minha vida sementes de amor,

de paz e sempre valorizaram muito meus

estudos.

Dedico, com muito amor e admiração, ao

meu querido filho, pois, estudando, estarei

lhe ensinando através do exemplo a

importância aos estudos.

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RESUMO

A monografia visa conhecer os direitos e deveres dos concubinos no

direito de família, no direito sucessório e no direito previdenciário e demonstrar

a importância da criação do direito homoafetivo no Brasil, aceitando a mudança

em que a família moderna deixou de ter um caráter procriativo para ter uma

perspectiva de família eudonista, aquele que se justifica exclusivamente pela

busca da felicidade, amor, companheirismo e realização pessoal de seus

indivíduos.

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METODOLOGIA

O presente trabalho será o resultado da pesquisa no Direito de Família,

na Constituição Federal, nas Leis Ordinárias, na Psicologia Jurídica, na

Sociologia Jurídica, através de uma reflexão crítica dos textos legais, doutrina ,

jurisprudência e publicações disponibilizadas em sites pela internet ,estudando

as leis sobre união estável e direito homoafetivo no Brasil.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Aspectos históricos e legais do concubinato 10

CAPÍTULO II - Legislação brasileira do concubinato 31

CAPÍTULO III – Direito homoafetivo 48

CONCLUSÃO 55

BIBLIOGRAFIA 56

ÍNDICE 58

EVENTOS CULTURAIS 60

FOLHA DE AVALIAÇÃO 61

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INTRODUÇÃO

A lei do Divórcio, quando aprovada em 1977, trouxe, dentre várias

inovações no sistema jurídico brasileiro, a implementação de uma nova

expressão substituindo a palavra desquite. A desquitada era aquela que era

malvista pela sociedade.

Nesse mesmo sentido, são as expressões concubinato e união estável.

A palavra concubinato, antes de ter sentido técnico-jurídico, é a indicação de

um modo de vida ou um estado, a marca de um (pré) conceito que se vem

formando ao longo do tempo. O legislador parece querer expurgar a carga de

preconceito sobre a palavra concubinato, substituindo-a na Constituição de

1988, pela expressão união estável no art. 226.

Antes do atual texto constitucional, Moura Bittencourt1) já usava essas

expressões como sinônimas:

“Em poucas palavras, concubinato é a união estável no mesmo ou em

teto diferente, do homem com a mulher, que não são ligados entre si por

matrimônio”.

Para Clóvis Beviláqua, família “é o conjunto de pessoas ligadas pelo

vínculo de consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais

restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes porém, designam-

se por família somente os cônjuges e a respectiva progênie”.2)

Para Caio Mário da Silva Pereira, em sentido genérico e biológico,

família é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum.

1) Moura Bittencourt, Edgard de. Concubinato. São Paulo: Leud, 1975, p. 40 2) Beviláqua, Clóvis. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p. 16

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Em sentido mais estrito, a família é considerada como o conjunto de

pessoas unidas pelos laços do casamento e da filiação3).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem em seu art. XVI, 3,

estabeleceu: “A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem

direito à proteção da sociedade e do Estado.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em 1969

na Costa Rica, define em seu art. 17: “A família é o elemento natural e

fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado”.

A idéia tradicional de família, para o Direito brasileiro, é de que ela se

constitui de pais e filhos unidos após um casamento regulado pelo Estado.

Mas, a partir de 1988, a Constituição Federal (art. 226) ampliou esse conceito,

reconhecendo o Estado “como entidade familiar, a comunidade formada por

qualquer dos pais e seus descendentes”, bem como a união estável entre

homem e mulher. Isso significa uma grande evolução na ordem jurídica

brasileira em relação ao conceito de família.

3) Silva Pereira, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. 5, p. 17 e seg.

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CAPÍTULO I

ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DO CONCUBINATO

1.1 – Aspectos históricos do concubinato no Brasil

A união livre entre homem e mulher sempre existiu e sempre existirá.

Entendemos aqui por união livre aquela que não se prende às formalidades

exigidas pelo Estado, ou seja, uniões não-oficiais e com uma certa

durabilidade. Podemos denominá-las também por concubinato. Estas uniões,

registra a história, às vezes acontecem também como relações paralelas às

relações oficiais. Muitas vezes a história do concubinato é contada como

história de devassidão e ligando-se o nome concubina à prostituição, à mulher

devassa ou à que se deitava com vários homens, ou mesmo a amante, a outra.

Adahyl Lourenço Dias, citando vários autores, escreve:

“A velha história grega está crivada de concubinatos célebres, na devassidão da vida íntima dos filósofos, escultores, poetas, notadamente Friné, belíssima entre as belas, que arrastou Praxíteles, servindo-lhe de modelo às suas arquiteturas de Vênus, ao mesmo tempo que se tornava amante de Hipérides, notável orador que defendeu no pretório, por acusação de impudícia [ ... ]. Destacam-se, em a voz da história, célebres concubinas, que tiveram nobre atuação na cultura dos gregos, notadamente Aspásia, que ensinou retórica, em aulas próprias, a grande número de alunos, inclusive velhos gregos [ ... ]. Antes de viver com Péricles, Aspásia tornara-se concubina de Sócrates, e depois da morte deste, de Alcebíades ...”.4)

4) Dias, Adahyl Lourenço. A concubina e o direito brasileiro. Apud CANTU, Cesare, PARENT-DUCHATELET, DUFOUR e outros. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 19.

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Segundo Edgard de Moura Bittencourt, entre os gregos, a

concubinagem não acarretava qualquer desconsideração e era, em certa

medida, reconhecida pelas leis. 5)

Em Roma não era diferente. No início do império, o concubinato era

comum e freqüente, inclusive entre homens e mulheres de grande moralidade,

mas não produzia quaisquer efeitos jurídicos.

“No Baixo Império torna-se o concubinato um casamento inferior, embora lícito. Com os imperadores cristãos começa a receber o reconhecimento jurídico. Distingüem eles os filhos nascidos de concubinato (liberi naturales), que se podem legitimar per subseqüens matrimo-nium dos vulgo quaesiti ou spuriti, oriundos de uniões sexuais passageiras. Favore-se, assim, a transformação do concubinato em matrimônio através da legitimação dos filhos.”6)

Sobre o concubinato na Idade Média até a Moderna, Caio Mário da

Silva Pereira diz que,

“apesar de combatido pela Igreja, nunca foi evitado, nunca deixou de existir. E se os canonistas o repudiavam de iure divino, os juristas sempre o aceitaram de iure civile. Quem rastrear a sua persistente sobrevivência, por tantos séculos, verá que em todas as legislações em todos os sistemas jurídicos ocidentais houve tais uniões, produzindo seus efeitos mais ou menos extensos”.7)

A referência sobre o concubinato na Idade Moderna nos é dada por

Moura Bittencourt quando anuncia que

“A união não-matrimonial só desponta como elemento de negociação jurídica a partir da instituição do casamento civil, no século XVI, e nos séculos posteriores acentuou-se a tendência de legislar-se sobre essa matéria. Anteriormente a essa conquista de institucionalização do matrimônio, as ligações estranhas a este não se apresentavam como problema: existia uma disciplina legal a respeito, tal como no Direito romano, em que o concubinato era considerado casamento inferior, de segundo grau, e como no regime das ordenações filipinas,

5) Moura Bittencourt, Edgard de. Op. cit., p. 40. Apud LAROUSSE. Concubinagem. 6) Chamoun, Ebert. Instituições de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 171. 7) Silva Pereira, Caio Mário. Concubinato: sua moderna conceituação. Revista Forense, v. 190, p. 13-17.

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em que a ligação extramatrimonial prolongada gerava direitos em favor da mulher”.8)

Na Idade Contemporânea começam a operar mudanças a partir da

primeira metade do Século XIX, quando os tribunais franceses apreciam e

consideram as pretensões das concubinas. Esta relação passa a ser vista sob

dois aspectos: sociedade com caráter nitidamente econômico e como

obrigação natural quando, rompida a relação, havia promessa de certas

vantagens à ex-companheira.

Segundo Moura Bittencourt, o julgado de 1883, do Tribunal de Rennes,

é o marco inicial da atual doutrina e concepção sobre o concubinato:

“Sem nada a reclamar que se prendesse à vida concubinária, a concubina alegou haver entrado com bens próprios para a formação do acervo do companheiro falecido. Não podendo firmar-se inteiramente na prova por ela apresentada, o tribunal admitiu os elementos fornecidos como prova supletiva e mandou pagar-lhe a quarta parte dos bens deixados pelo morto, a título de serviços prestados e da contribuição de seus bens no acervo comum”.9)

A partir daí, as decisões dos tribunais franceses passaram a ter a

mesma orientação, tornando a jurisprudência o referencial dos princípios da

sociedade em participação, sociedade universal de ganhos ou sociedade de

fato e do enriquecimento sem causa. Um julgado da Corte de Paris, de 13 de

junho de 1972, já havia revolucionado o sistema de prova sobre esta matéria,

admitindo presunções, acompanhadas de começo de prova escrita. Este

julgado, além de abrandar o sistema de prova, consagrou o critério da

sociedade de fato.10)

O marco importante da Idade Contemporânea, no aspecto jurídico e

que é diferenciador de outros tempos, é que os fundamentos de proteção à

8) Moura Bittencourt, Edgard de. Op. cit., p. 23. Apud Pontes de Miranda. 9) Moura Bittencourt, Edgard de. Op. cit., p. 126. 10) Moura Bittencourt, Edgard de. Op. cit., p. 126.

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concubina eram vinculados somente a uma relação comercial entre o homem e

a mulher, mas sempre à margem da relação concubinária. A partir desses

julgados franceses, instalou-se uma nova concepção jurídica para o

concubinato. Segundo Moura Bittencourt, foi por esta época que Leroy

registrou a tendência de os tribunais reconhecerem que a sociedade “resulta

unicamente do fato da vida em comum, sem exigir nenhuma prova para o

contrato”. Por volta de 1910 a jurisprudência francesa começou a reconhecer a

validade na promessa de indenizar, desconsiderando o precedente sedução do

homem contra a mulher, e já apoiava na teoria da obrigação natural.11)

Pela primeira vez a expressão concubinato passou a integrar uma lei

civil, estabelecendo que “o concubinato notório” era fato gerador de

reconhecimento de paternidade ilegítima. Essa lei abriu caminho para várias

outras e contribuiu decisivamente para a evolução doutrinária e jurisprudencial

sobre o concubinato. Segundo Moura Bittencourt, a França é a pátria do Direito

Concubinário, donde podemos deduzir a importância histórica e influência

desta posição francesa especialmente sobre o Direito brasileiro.

No Brasil, como em todos os países do mundo, o concubinato nunca foi

tipificado como crime. Nossos textos legais não o regulavam, mas, também,

não o proíbem. É o que se pode constatar desde as Ordenações Filipinas.

Mesmo as proibições de doações feitas à concubina, dispostas em nosso

Código Civil, segundo a maioria dos doutrinadores e também jurisprudência,

não se constitui propriamente uma “repulsa ao concubinato, mas, sim, uma

defesa do patrimônio da família”.12) Mesmo que essa afirmação possa em

alguns aspectos parecer contraditória, denota, de qualquer forma, uma não-

proibição, não-interdição do Estado a esse tipo de relação.

Aqui, o desenvolvimento e evolução do tema concubinato são muito

recentes, apesar de uma existência como fato social marcante. Muitos civilistas

11) Idem. Op. cit., p. 127. Apud LEROY. 12) RT 125/616.

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omitiram ou excluíram de seus estudos esse assunto, alegando ser

juridicamente irrelevante. Outros proclamaram a imoralidade dessas relações e

outros simplesmente relegaram-nas ao plano do ilegítimo, desviando-as para o

Direito Social. A própria jurisprudência chegou a esse ponto quando, em 1947,

em um acórdão do Supremo Tribunal Federal, cujo relator foi o Ministro

Hahnemann Guimarães, afirmou: “A ordem jurídica ignora a existência do

concubinato”. 13)

Entretanto, a grande evolução histórica do concubinato no Brasil é a

que está neste momento se fazendo. Em outras palavras, o assunto, que tem

sido tratado até hoje no campo do Direito das Obrigações, muda os rumos para

o Direito de Família, especialmente a partir da Constituição de 1988, que

inscreveu expressamente o concubinato (união estável) como uma das formas

de família; a Lei n. 8.971, de 29/12/94, que regula o direito dos companheiros a

alimentos e a sucessões; a Lei n. 9.278 de 13/5/96, tentando regulamentar o §

3º do art. 226 da Constituição Federal; e outras que certamente surgirão.

1.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DO CONCUBINATO EM OUTROS

PAÍSES

O Código Napoleônico adotou uma posição abstencionista em relação

ao concubinato, influenciando com isto vários países europeus e americanos

no século XIX. Apesar disso, é a França, através de seus julgados a partir do

final do século passado, a pátria do concubinato e pólo irradiador dessas

concepções para diversos países.

O Código Civil italiano de 1942, modelado no francês, em seu art. 269,

prevê também a possibilidade de declaração judicial de paternidade quando a

mãe e o pretenso pai hajam notoriamente convivido como cônjuges ao tempo

da concepção.

13) RT 112/417.

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Na dissolvida URSS, desde a década de 30, a legislação sobre Direito

de Família já tinha um código próprio, intitulado Código do Matrimônio, de

Família e da Tutela. Pelo próprio título pode-se perceber que o matrimônio é

apenas uma das formas de família. Nesse diploma civil, a conversão da união

livre é permitida e autorizada, retroagindo seus efeitos jurídicos à data em que

efetivamente se iniciou a vida em comum (art. 3º). Nesse código estão

regulados os direitos patrimoniais e alimentares recíprocos entre concubinos,

estendendo-lhes os mesmos direitos do regime patrimonial parcial de bens.

É interessante observar que o Código de Família soviético reconhece

como entidade familiar as uniões estáveis registradas pelo Estado e estimula o

seu registro, ou seja, a sua conversão em matrimônio, como pretendeu o nosso

legislador constituinte de 1988:

“Caso o matrimônio não haja sido registrado, o tribunal admitirá como provas de coabitação marital: o fato da habitação; a existência desta com economia comum; a exteriorização de relações de caráter matrimonial entre terceiras pessoas; em correspondência pessoal e outros documentos, assim como, segundo as circunstâncias do caso, o sustento material recíproco e a mútua educação dos filhos.”14)

Os arts. 18 e 19 desse diploma, tratam da dissolução do matrimônio,

tanto registrado como não-registrado, estabelecendo que pode dissolver-se por

mútuo consentimento ou por vontade de um deles. Da mesma forma

estabelece este Código o direito ao sustento, tanto durante o matrimônio como

após sua dissolução, às pessoas que se encontram em relações maritais de

fato, mesmo que não estejam registradas.

14) Oliveira, José Francisco Basílio de. O concubinato e a Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 33.

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Em Cuba, os dispositivos legais sobre a família também estão

separados do Código Civil, constituindo-se em um código próprio, que é a Lei

n. 1.289, de 14 de fevereiro de 1975. A seção terceira desse diploma se intitula

Do matrimônio não formalizado, que em seus artigos estabelece:

“A existência de união matrimonial entre um homem e uma mulher, com aptidão legal para contraí-la e que reúna os requisitos de singularidade e estabilidade, surtirá todos os efeitos próprios do matrimônio formalizado legalmente, quando for reconhecido por tribunal competente.”

“Quando a união matrimonial estável não for singular, porque um dos dois estava unido em matrimônio anterior, o matrimônio surtirá plenos efeitos legais em favor da pessoa que houver atuado de boa-fé e dos filhos havidos da união.”

O Direito cubano regula a união livre e estimula, como na extinta

URSS, a sua conversão em casamento, deixando claro que esta produz os

mesmos efeitos de um casamento registrado.

Vários ordeamentos jurídicos de países latino-americanos reconhecem

textualmente os casamentos de fato. No México, onde os Estados-Membros

têm legislação própria, vários Estados estabeleceram normas para o regime

concubinário. O Código Civil mexicano para o Direito Federal e Territórios

Federais – que é de 1928 e já estabelecia que concubina fazia parte da ordem

hereditária – tratava sobre alimentos quando a convivência tivesse durado

cinco anos.

Na Venezuela, o Código Civil (1942) fala expressamente sobre

concubinato, reconhecendo suas conseqüências patrimoniais. Na Guatemala,

através de uma lei de 1947, instalou-se o Estado das Uniões de Fato,

reconhecendo e equiparando ao casamento as conseqüências patrimoniais

daquelas uniões, que foi absorvida pelo Código Civil promulgada em 1963. No

Panamá, segundo a Constituição de 1946, todas as uniões de fato com

duração por mais de dez anos terão os mesmos efeitos jurídicos do casamento

civil. Na Colômbia, as conseqüências da sociedade patrimonial entre os

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concubinos começam a gerar efeitos a partir de dois anos de convivência, mas

com efeito retroativo à data do início. Isto é que está previsto em uma norma de

1978.

Na Bolívia, informa-nos Álvaro Villaça Azevedo 15) o anteprojeto do

Código Civil, de autoria de Angel Osório, tratou longamente sobre concubinato.

Facultava à concubina, se abandonada pelo homem, o direito de pedir

alimentos para ela e os filhos. Depois, a Constituição de 1947 reconheceu o

matrimônio de fato, nas uniões concubinárias, desde que a convivência tivesse

mais de dois anos. Em 1972 veio o Código de Família e regulamentou as

uniões livres ou de fato, assegurando aos concubinos, em seu art. 169, em

caso de dissolução da sociedade, o pedido de alimentos com base na

necessidade e se não houver dado culpa à separação.

Há uma preocupação em estabelecer e proteger a parte mais fraca, em

geral a concubina. Isto percebe-se mais claramente entre os países latino-

americanos, onde a situação da mulher ainda alcança níveis de inferioridade e

dependência, ao contrário dos países europeus, em que há muito a mulher saiu

do lar para o trabalho e dispõe de mecanismos de proteção estatal em termos

de Previdência Social, que não dispõem os latino-americanos.

1.3 - ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO CONCUBINATO

No Brasil, é a jurisprudência que vem, ao longo de sua história, melhor

esclarecendo o que vem a ser este instituto.

Embora discutíveis no Direito brasileiro e no Direito estrangeiro,

podemos apontar como elementos que integram ou que caracterizam o

concubinato ou união estável, a durabilidade da relação, a construção

15) Azevedo, Álvaro Villaça. Do concubinato ao casamento de fato. Cejup, 1986, p.30.

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patrimonial em comum, affectio societatis, coabitação, fidelidade, notoriedade,

a comunhão de vida, enfim, tudo aquilo que faça a relação parecer com um

casamento. É a posse de estado de casado.

No Direito brasileiro, atualmente, já não se toma o elemento de

coabitação como requisito essencial para caracterizar ou descaracterizar o

instituto do concubinato, mesmo porque, hoje em dia já é comum haver

casamentos onde os cônjuges vivem em casas separadas talvez como uma

fórmula para a durabilidade das relações. A proteção jurídica é da união em

que “os companheiros vivem em comum por tempo prolongado, sob o mesmo

teto ou não, mas com aparência de casamento.”16)

O Supremo Tribunal Federal, na Súmula 382, já se posicionou sobre

isto, esclarecendo que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é

indispensável à caracterização do concubinato.

Outro elemento caracterizador é o da notoriedade. Para o jurista

português Cunha Gonçalves, a ligação concubinária há de ser notória, porém,

pode ser discreta. Há situações de aparente incompatibilidade, onde

conhecimento ou divulgação faz-se dentro de um círculo restrito de amigos e

pessoas da íntima relação de ambos.17) Entretanto, não é também elemento

essencial para a caracterização do instituto e poderá perfeitamente, em caso

de necessidade, provada a relação por testemunhos de pessoas do círculo

mais restrito e íntimo de amizade.

Caio Mário destaca também, como traço importante, o requisito da

fidelidade.

Curiosamente, a doutrina em geral exige a fidelidade somente por parte

da mulher. 16) Bittar, Carlos Alberto. Os novos rumos de direito de família. In: O direito de família e a Constituição Federal de 1988, p. 20. 17) Cunha Gonçalves, Luiz da. Tratado de Direito Civil. Coimbra, v. 2, p. 310.

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Com relação à dependência econômica da mulher, apesar de, em

alguns casos, apresentar-se como elemento de auxílio à caracterização do

concubinato, é preciso reconhecer que hoje em dia muitos relacionamentos se

estabelecem entre homens e mulheres independentes economicamente.

Finalmente é necessária uma certa continuidade, durabilidade da

relação. Não há um prazo, com rigor absoluto, para determinar a partir de

quando a relação se caracterizaria como concubinato. No Brasil, convencionou-

se que o prazo é de cinco anos. Embora a jurisprudência após a Constituição

Federal/88 começasse a apontar uma outra direção em matéria de tempo para

a caracterização do concubinato, a Lei n. 8.971, de 29/12/94, definiu que esse

prazo é o de cinco anos, mas, havendo prole será menor. Na verdade, o que

interessa é a estabilidade de relação. Isso pode se definir em dois anos ou

mesmo não acontecer com dez anos de relacionamento. Foi nesse sentido,

que a Lei n. 9.278 publicada no Diário Oficial da União de 13/05/96, veio

estabelecer que não há um prazo rígido para a caracterização do concubinato.

Revogado, portanto o prazo de cinco anos estabelecido na lei anterior. Mesmo

com essa revogação, o costume já consagrado tem servido como referencial à

caracterização dessas uniões.

1.4- CONCUBINATO, ALIMENTOS E INDENIZAÇÃO POR SERVIÇOS

PRESTADOS

O Direito brasileiro, até o advento da Lei n. 8.971/94, sempre negou

concessão de alimentos aos concubinos, baseando-se em que a lei é expressa

e taxativa sobre os vínculos que fazem nascer tal obrigação: parentesco e

casamento. Encontramos várias decisões nesse sentido. A partir da

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Constituição de 1988, instalou-se uma polêmica em torno do assunto dividindo

as opiniões mais respeitáveis.

Yussef Said Cahali, por exemplo, em sua obra Dos Alimentos,

sustentava que a obrigação alimentar não se estende aos participantes de

uniões livres, ainda que more uxorio, pois seu fundamento é o da solidariedade

familiar. A inexistência dessa obrigação se deve ao fato de que o concubinato

não cria um estado civil nem modifica a condição jurídica das pessoas. Aí não

reside vínculo de parentesco nem de casamento.18) Com ele vários outros

autores.

Nesse sentido, também já decidiu, em 1990, o Tribunal de Justiça de

São Paulo:

“A nova Carta Constitucional evitou a equiparação do concubinato ao casamento, pela proeminência que deu a este instituto. Assim, a obrigação alimentar entre os concubinos escapa ao âmbito da norma do art. 226 § 3º da C.F.. O dispositivo cria função de assistência para o Estado, não para o companheiro frente à companheira e vice-versa.” (8a. CCTJSP, AP. n. 119798-1, v. un. em 7/3/90, rel. Des. Fonseca Tavares, RT 653/105).

Há algumas correntes contrárias; mesmo antes da Lei n. 8.971/94, já

havia decisões favoráveis à concessão de alimentos aos concubinos, como a

que se segue:

“Ora, analisando-se o pedido de dissolução da sociedade de fato (principal), com o de alimentos (acessório), fácil é deduzir a afinidade existente entre eles, pelo que, podem ambos ser reunidos no mesmo processo, máxime, quando os alimentos são requeridos por pessoa acometida de derrame cerebral, que se tornou inválida e teve acentuadamente reduzida a sua capacidade de trabalho, deve ser amparada por quem, por 12 anos manteve (com ele) um

18) Cahali, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1993, p. 160.

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relacionamento como se casados fossem. Além do mais, não se pode olvidar que pelo art. 226, § 3º da C.F. em vigor, a família é instituída não apenas pelo casamento, mas, também, por uma convivência estável entre o homem e a mulher. Em tais condições, entendo que acertada esteve a Juíza ao estabelecer alimentos provisionais para o autor (agravante), diante da prova documental e testemunhal ...” (3a. CCTJRS. RJTJRS 136/139).

Sem dúvida, uma das questões mais difíceis e polêmicas dentre as

inovações trazidas pela atual Constituição é a que se refere a alimentos entre

concubinos.

A dificuldade em aceitar as uniões estáveis como família, mesmo

aquelas com mais de dez ou vinte anos de estabilidade e expressão de

verdadeiro amor, pode ser vista e sentida nas decisões e jurisprudência que se

formou sobre o assunto. Antes do reconhecimento legal do concubinato pela

Constituição de 1988, não se podia nem mesmo reivindicar alimentos em

decorrência de relação concubinária. Entretanto, sempre se buscou e discutiu o

assunto, embora com outros nomes como indenização por serviços prestados,

indenização, etc.

Isso constitui uma imoralidade, vez que indenização por serviços

prestados estaríamos diante de uma relação trabalhista, o que não é o caso.

Também não se poderia cobrar pelo afeto, sob pena de estar o direito

admitindo o que é admissível. De qualquer forma, era uma tentativa dos

tribunais de reparar injustiças embora com estas nomeações.

Entendo que é justa a concessão de alimentos em decorrência de uma

união estável, sob o argumento de que estaria sendo mais honesto e menos

contraditório, que indenizar as partes por serviços inindenizáveis. Mas é

preciso caracterizar que trata-se apenas de uma possibilidade de concessão, a

exemplo de que acontece com alimentos em decorrência do casamento. O

simples fato da existência dessas relações não significa que delas

necessariamente decorrerão alimentos. É preciso o requisito também da

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necessidade, da possibilidade, e mais, de uma relação de dependência

econômica existente entre as partes na constância da relação.

Sobre essa questão de alimentos entre cônjuges, houve muitas

mudanças sociais e econômicas, onde realmente não justifica conceder

alimentos à mulher apenas porque esteve casada por um determinado período.

É preciso que exista a necessidade e a impossibilidade de obtê-los por sua

própria conta.

Diferente dessas situações são aquelas em que a mulher nunca

trabalhou fora do lar, nunca esteve no mercado de trabalho. Sempre foi “do lar”,

dedicada à educação dos filhos e às vezes sendo proibida pelo marido de

trabalhar fora de casa e ter seus próprios rendimentos. Após uma longa vida

conduzida dessa maneira, após uma separação, não poderia mais sem a

habilitação profissional e outros requisitos, entrar no mercado de trabalho.

Nesses casos, nada mais justa é a concessão de alimentos.

1.4.1- A IDÉIA DE CULPA E ALIMENTOS

A tendência mais moderna do Direito é abandonar a teoria da culpa

objetiva para a determinação de dissolução de vínculos conjugais.

Embora o Direito brasileiro não tenha, expressamente, abandonado a

idéia de culpa, como o fez, por exemplo a Alemanha, começa a fazê-lo pouco a

pouco. A Lei n. 8.408 de 14/02/92, que introduziu mudanças à lei do Divórcio,

estabeleceu que após um ano de separação de fato pode-se, sem apresentar

motivos, pedir a separação judicial. Tal fato foi um grande avanço legislativo

para o rompimento de vínculos conjugais sem se cogitar de culpa.

Com a Lei n. 8.971/94, encerrou-se a discussão sobre a concessão ou

não de alimentos aos companheiros. A partir desse texto, as dúvidas

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deslocaram-se à semelhança de casamento para a averiguação da culpa, ou

seja, só se obriga ao pensionamento aquele que deu causa à separação. Não

sendo assim, os companheiros estariam em situação vantajosa àqueles

formalmente casados. Não se pode presumir a culpa em um texto legislativo

que não a prevê. Desatrelados da equívoca postura de fazer depender o direito

a alimentos da boa conduta de quem os reclama, ganha o casamento e o

concubinato. Como esclarece João Baptista Villela, “um raciocínio que, a ser

procedente, deveria o Estado a negar comida aos encarcerados porque se o

são é porque delinqüiram e, portanto, não tiveram bom comportamento.” 19)

Assim se nos desprendêssemos da idéia de culpa nas separações ou

divórcios, a discussão de alimentos se deslocaria somente para o enfoque da

necessidade/ possibilidade que é o critério mais justo.

1.4.2- FIXAÇÃO DE ALIMENTOS NAS RELAÇÕES CONCUBINÁRIAS

A união estável não é um instituto que se equivale ao casamento. A

Constituição é clara quando menciona união estável e casamento como duas

modalidades de entidade familiar. São distintas, embora em muitos pontos se

assemelhem.

Para o casamento sempre houve regras claras estabelecidas em textos

normativos, inclusive para a fixação de alimentos. O concubinato, em razão de

sua própria natureza, como sendo espaço do não-instituído, do não-oficial e

informal, nunca teve um estatuto que o regulasse. Somente após a CF/88, com

a evolução jurisprudencial e uma mudança nos costumes é que surge um texto

normativo estabelecendo expressamente o direito de alimentos aos concubinos

(companheiros): a Lei n. 8.971/94.

19) Villela, João Baptista. Alimentos e sucessão entre companheiros; apontamentos críticos sobre a Lei n. 8.971/94. Revista IOB, 1995.

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A referida lei, em seu art. 1º, estabelece o critério para a fixação de

alimentos remetendo à lei de alimentos (n. 5.478/68), após dizer que para

formar o pólo passivo e ativo não poderão ser casados. In verbis:

“A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n. 5.478 de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que comprove a necessidade”.

Nesse raciocínio é que devemos buscar o critério da

necessidade/possibilidade. Aí deverá ser considerada a relação de

dependência econômica e a impossibilidade, momentânea, ou não, de a

pessoa prover sua própria subsistência. Não é o simples fato da existência de

uma união estável que justifica por si só o pedido de alimentos. Não é qualquer

companheiro(a) que terá direito a verba alimentícia com a dissolução de uma

união estável. Na base desse pedido, assim como no casamento, em sua mais

moderna concepção, deverá estar demonstrada a necessidade em razão de

uma relação de dependência econômica entre os parceiros e a dificuldade ou

impossibilidade de sua subsistência. Os casos mais comuns e que melhor

exemplificam tal necessidade são aqueles em que uma das partes, em geral a

mulher, passou sua vida dedicada aos filhos e companheiro, inclusive dando

suporte a que o varão sustentasse o lar. Não é justo que com a dissolução

daquela sociedade, a parte economicamente mais fraca e que não sabe outro

ofício, e que já não pode mais entrar no mercado de trabalho, pague o preço do

desamparo.

1.4.3- ALIMENTOS E A LEI N. 9.278/96

Seguindo uma evolução e uma tendência, a Lei n. 9.278/96 veio

reforçar ainda mais o preceituado na Lei n. 8.971/94 sobre concessão de

alimentos aos companheiros ou conviventes. O art. 2º, II, estabelece como

direitos e deveres dos conviventes a “assistência moral e material recíproca”.

Mais adiante, o art. 7º complementa: “Dissolvida a união estável por rescisão, a

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assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes

ao que dela necessitar, a título de alimentos.”

Esta nova lei, além de reforçar completamente a anterior, mencionando

a expressão “dissolvida por rescisão”. Embora não acrescente muito, parece

tê-la usado para distingüir das dissoluções ocorridas pela morte de um dos

conviventes. Ademais, tendo sido alterado o prazo para a caracterização

dessas uniões, ficou afetado também esse pressuposto para a concessão de

alimentos, como já mencionado.

1.5- CONCUBINATO E PREVIDÊNCIA SOCIAL

Um dos ramos do Direito que mais contribuiu e evoluiu para

estabelecimento de normas acerca do concubinato foi o previdenciário. Talvez

porque no plano da Previdência Social o conceito de assistência ou de

previdência seja mais um conceito econômico que propriamente jurídico,

porque representa quaestio facti, e não quaestio juris.20)

Em 1912, o Decreto n. 2.681, que regula a responsabilidade civil das

estradas de ferro e que hoje estende-se a toda espécie de transportes, já

assegurava à concubina, em seu art. 22, indenização por morte do

companheiro. Depois, em 1919, o Decreto n. 3.724, que dispunha sobre

acidente de trabalho, da mesma forma assegurava indenização a todas as

pessoas que viviam às expensas do falecido. A partir daí, vários outros

diplomas legais passaram a estabelecer o direito da concubina em receber

pensões e indenizações. Ainda que não dissessem expressamente a palavra

concubina ou mesmo companheira, ditavam a fórmula “pessoas sob a

dependência econômica do associado”. Mas foi mesmo o Decreto n. 20.465, de

1931, que, substituindo as expressões viúva e esposa pela expressão mulher,

20) Dias, Adahyl Lourenço. A concubina e o direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 211.

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firmou o entendimento de que a concubina poderia também ser beneficiária da

Previdência Social. Seguiu-se a isto o Decreto n. 24.615, de 1932, criando o

Instituto dos Bancários, a Lei n. 367, de 1936, criando o IAPI, o Decreto n.

5.493, de 1940, do Instituto dos Comerciários, e vários outros.

Marco importante na evolução histórica do concubinato e Previdência

Social foi a Consolidação das Leis Trabalhistas, 1943, quando disciplinou a

declaração e registro dos dependentes. Nessa mesma linha evolutiva veio, em

1945 o Decreto-Lei n. 7.526, mais conhecido como “Lei Orgânica dos Serviços

Sociais do Brasil”, traduzindo em seu art. 2º os princípios sociais de amparo a

todos aqueles que dependam economicamente do falecido. Esse decreto foi o

primeiro passo para uma tentativa de unificação das normas previdencárias,

mas não chegou a entrar em vigor.21)

Somente mais tarde, 26 de agosto de 1960, surge a Lei Orgânica da

Previdência Social, que recebeu o n. 3.087. Depois os Decretos-Leis n. 66 e 72

de 21/11/66 e a Lei n. 5.890, de 8/6/73, que alteraram dispositivos da Lei da

Previdência e unificaram os institutos de aposentadoria e pensões, criando o

Instituto Nacional de Previdência (INPS). Foi esta última lei que, rompendo

preconceitos, adotou o prazo de cinco anos para que a “companheira”, em

comunhão de vida e habitação se tornasse beneficiária da Previdência Social.

Ela foi posteriormente regulamentada pelo Decreto n. 72.771, em 6/9/73. Seu

sentido, segundo noticiou o jornal Folha de S. Paulo de 26/8/60, é o de

“aprofundar-se na proteção ao grupo familiar – célula básica da organização

social”.

Em 23/1/84 o Decreto n. 89.313 alterou profundamente a Consolidação

das Leis da Previdência Social – CLPS. Acrescentou, ao assunto que nos

interessa, que no prazo de cinco anos para caracterização e requisito da

concubina como beneficiária torna-se desnecessário, se daquela relação

houver filhos (art. 10, 14º e 6º; art. 11, 1º, 2º, 3º e 4º).

21) Moura, Bittencourt, Edgard de. Op. cit., p. 385.

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É interessante observar, aqui, como o prazo de cinco anos estipulado

pela Previdência vem sendo absorvido e adotado pelos outros ramos do Direito

para a caracterização da união como estável. Ressalte-se, entretanto, que este

prazo não é rígido, podendo ser alterado em algumas situações, como aliás já

o prenunciou a própria lei acima mencionada, para os casos, por exemplo, em

que houver filhos daquela relação.

Com a Constituição Federal de 1988, muito se alterou sobre a

Previdência Social, exigindo-se nova regulamentação. Veio então a Lei n.

8.213 de julho de 1991 e o Decreto n. 611, de 21/7/1992, fazendo tal

regulamentação. Ambos os diplomas legais trouxeram novas expressões e

palavras, ampliando a compreensão sobre o assunto. Por exemplo, veja-se os

seguintes artigos do Regulamento dos Benefícios da Providência Social,

Decreto n. 611/92:

“Art. 13. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho de qualquer condição menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.

§ 5º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que mantenha união estável com o segurado ou segurada.

§ 6º Considera-se união estável aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar.”

Podemos afirmar que as leis previdenciárias têm tido um papel

importante no sentido de desfazer o conceito desonroso que tem sido dado

historicamente ao concubinato. Além de reconhecerem a questão sob o seu

aspecto social e econômico vêm, conseqüentemente, normatizando e

reconhecendo os efeitos jurídicos do concubinato, influenciando outros ramos

do Direito, inclusive quanto ao prazo de coabitação como determinante de

estabilidade de uma união.

Para o Direito previdenciário, concubina é aquela que coabita, more

uxorio. É a companheira que vive como se casada fosse. Agora por força da

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Constituição de 1988, mais que antes, os direitos concubinários são por igual

para o homem e a mulher.

Como podemos observar dos artigos acima transcritos, os concubinos,

que recebem também o nome de companheiros, estão amparados pelas leis

previdenciárias. É claro que esse amparo encontra limites na lei. Não poderia o

Direito, por exemplo, admitir como dependentes ou beneficiários da

Previdência Social vários companheiros (as) ao mesmo tempo, ou

companheiro, paralelamente ao casamento de direito e de fato. Isto seria um

estímulo à poligamia, o que a nossa ordem jurídica rechaça.

É diferente dos casos em que a Previdência Social e mesmo a

jurisprudência têm aceitado, como beneficiário, companheiros de pessoas

casadas formalmente, mas que de fato não estão mais casadas, ou seja,

quando o verdadeiro casamento é aquele da relação concubinária.

A prova da relação autorizada da dependência, para efeito dos

benefícios previdenciários, pela atual legislação, faz-se através de documentos

ou ”qualquer outro elemento que possa levar à convicção do fato a comprovar”.

Inclui-se aí, obviamente, a inscrição post mortem se as pessoas já não

estavam designadas pelo segurado.

Mesmo sob a égide da lei anterior, a jurisprudência, que se vem

formando sobre, principalmente, acidente de trabalho e trânsito, tem sido no

sentido de aceitar a tese da prevalência da companheira sobre a esposa, em

casos de separação de fato desta. Vejamos algumas decisões que são

ilustrativas sobre o assunto e contêm a síntese dos elementos que interessam

à questão, inclusive, sobre Previdência Privada:

“Tratando-se de benefícios acidentários pleiteados por concubina de obreiro falecido, que não a incluiu como sua beneficiária perante o INSS, aplicam-se os princípios gerais da inscrição post mortem se comprovada a vida em comum pelo tempo legal por documentos e testemunhas e presumida a dependência econômica. O art. 11, § 1º

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da CLPS não é exaustivo, mas meramente exemplificativo, na indicação dos meios para comprovação do fato” (2a. CC. do 2º TACSP, Ap. s/rev. n. 211.081-8, v. un. em 14/7/1988, rel. Juiz Acayaba de Toledo, RT 633/139).

“A concubina tem legitimidade para pleitear indenização por morte do companheiro, decorrente de acidente de trânsito, ainda que casado o de cujus, se vivia sob sua dependência econômica e, ainda mais, se na declaração de imposto de renda daquele figurava com a qualificação de esposa” (2a. CC. Esp. do 1º TACSP, ap. n. 437.549-2, v. un. em 11/7/1990, rel. Juiz Jacobina Rabello, RT 61/99).

“Se o instituidor do seguro estiver vivendo com outra mulher, como se casado fosse, e separado definitivamente de sua esposa, não há como admitir-se seja a instituição do benefício a concubina ofensiva ao disposto no art. 1.474 do CCB.

Entretanto, se o instituidor do seguro mantiver dois lares concomitantes, ou seja, com a companheira e a própria esposa legítima, é inegável que esta ocorrência caracteriza verdadeiro adultério, que é infringente da proibição legal contida no mencionado preceito. Existindo, todavia, filhos em comum com a concubina e economicamente dependentes do pai, a eles deve ser atibuída metade do respectivo prêmio instituído” (2a. CC. TJMG, Ap. n. 60.890, m. v. em 29/3/83, rel. Des. Ayrton Maia, RT 586/176).

“Pecúlio a favor da companheira com a qual o de cujus conviveu durante vários anos more uxorio. Benefício instituído por homem casado mas separado há muito tempo de sua esposa. Admissibilidade, até como forma de recompensa, pelos serviços domésticos por ela prestados. Distinção que já tem sido feita, no STF, entre concubina e companheira. Precedentes”(2a. T. DO STF n. 104.618-0, m.v. em 8/4/1986, rel. p/ ac. Aldir Passarinho, RT 610/249).

É importante dizer ainda que, anterior também à mais recente disciplina

da Previdência Social, os Tribunais Superiores já se posicionavam

semelhantemente aos atuais textos legais sobre o assunto. Vejamos:

Supremo Tribunal Federal: Súmula 35: “Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.”

O (ex) Tribunal Federal de Recursos: Súmula 159: “É legímita a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos”.

Súmula 253: “A companheira tem direito a concorrer com outros dependentes à pensão militar, sem observância da ordem de preferência”.

Súmula 122: “A companheira, atendidos os requisitos legais, faz jus à

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pensão do segurado falecido, quer em concorrência com os filhos do casal, quer em sucessão a estes, não constituindo obstáculo a ocorrência do óbito antes da vigência do Decreto-Lei n. 66, de 1966.”

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CAPÍTULO II

LEGISLAÇÃO SOBRE O CONCUBINATO

NO BRASIL

O Código Civil Brasileiro não trata do concubinato. Faz apenas

algumas menções a ele, mas no sentido de coibi-lo. É o que se pode constatar

pelos arts. 248, IV, e 1.719, III, por exemplo. As outras menções, ou mesmo

aquelas em que se pode por analogia entender e interpretar como referentes

ao assunto, estão mencionadas na parte final deste livro onde se faz a

transcrição de todos os textos legislativos sobre o assunto.

Com a evolução dos costumes, a exigência de referir-se a este tipo de

relação tornou-se inevitável. Foi assim que, aos poucos, foram surgindo na

legislação ordinária vários dispositivos que, querendo ou não, tiveram que

absorver esta realidade. É a vitória do fato sobre o Direito. A seguir, a

referência e inserção da união estável em vários diplomas legais

2.1- LEI DE REGISTRO PÚBLICO A Lei n. 6.015, de 31/12/73, com as alterações introduzidas pela Lei n.

6.216, de 1975, e inspirada em lei anterior, em seu art. 57, §§ 2º a 6º, dá à

mulher o direito de usar o patronímico de seu companheiro, desde que a união

tenha mais de cinco anos de duração e houver expressa concordância do

companheiro § 3º, art. 57. A redação do art. 57, § 2º, com as alterações de

1975 introduzidas pela Lei n. 6.216, assim está:

“A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios da família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas”.

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Devemos observar que o § 2º do art. 57 da Lei de Registros Públicos,

inspirado em leis anteriores, foi importante passo para o reconhecimento dos

efeitos jurídicos do concubinato. Entretanto, esbarrava em limites e restrições

para uma adoção mais ampla do patronímico em face de uma sistemática

jurídica que tinha como referencial a indissolubilidade do vínculo matrimonial, o

que veio mudar somente dois anos depois de sua vigência com a Lei do

Divórcio em 1977.

A propósito, a Primeira e a Segunda Câmaras do Tribunal de Justiça

de São Paulo já decidiram, por unanimidade, esclarecendo ainda mais, e até

ampliando, a compreensão do texto da Lei n. 6.015/73:

“Admite-se a adição do patronímico do companheiro, ainda que um dos concubinos seja separado e reúna os requisitos para a conversão da separação em divórcio. A lei prevê, para autorizar o uso e registro do patronímico do companheiro, pela mulher, a condição de solteiros, desquitados ou viúvos” (1a. CC. TJSP, Ap. n. 54.673-1 em 26/3/1985, rel. Des. Rangel Dinamarco, RT 598/58).

“Admite-se a adoção do patronímico do companheiro pela amásia se as provas dos autos levam a crer que aquele sempre permitira que ela o usasse, inclusive em transações comerciais e bancárias, sendo razoável que se entenda que a possibilidade de regularização da união concubinária, por via do casamento, tenha sido frustrada por um fato inesperado, ou seja: a morte do companheiro” (2a. CC. TJSP, Ap. n. 52.980-1 em 19/3/1985, rel. Des Moretzohn de Castro, RT 598/56).

2.2- LEI DO INQUILINATO

A Lei n. 6.649 de 16/5/79, em seu art. 12, dizia que, em caso de morte

do locatário, continuariam o direito à locação ajustada ao cônjuge sobrevivente,

aos herdeiros necessários e às pessoas que estivessem vivendo sob a

dependência econômica do locatário falecido, desde que residissem com ele.

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Note-se aí, à semelhança das leis previdenciárias, a expressão

“dependência econômica”, deixando espaço para entendimento diverso e

amplo, podendo entender-se como dependente econômico, qualquer pessoal

além do cônjuge e herdeiros necessários, inclusive a concubina.

Assim também entendiam os tribunais que, em diversos julgados, não

só admitiam, como também ampliavam o entendimento da lei locatícia, com

clara menção do aceite das repercussões e efeitos jurídicos deste tipo de

relação. A 6a. Câmara do 2º TACSP, em 10/9/1986, em 10/9/1986, a propósito

decidiu:

“Não se pode negar legitimidade à concubina que foi abandonada pelo companheiro e que continuou no imóvel locado para se opor à resilição contratual, já que está equiparada ao cônjuge que permanece no prédio, quer pelo que se deve entender por pessoas que viviam na dependência econômica do locatário, quer em face da tendência social da lei e da jurisprudência, a não deixar ao desabrigo a relação concubinária duradoura”(Ap. n. 195.072-5, rel. Juiz Soares Lima, RT 612/145).

Após a Constituição Federal de 1988, a jurisprudência ampliou ainda

mais os limites da Lei n. 6.649/79, rompendo preconceitos através de

importantes decisões que influenciariam fortemente a nova Lei do Inquilinato, a

exemplo da decisão da 8a. Câmara do 2º TACSP de 6/2/1990:

“O fato de o concubino passar a residir em companhia da concubina não representa violação contratual, nem configura cessão, sublocação ou empréstimo da coisa locada, uma vez que o concubinato visa regularizar a situação de pessoas não casadas, mas que convivem como se casadas fossem, cumprindo cada qual as obrigações decorrentes desse relacionamento.

A Constituição Federal (art. 226, § 3º) impõe o reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar” (Ap. c/rev. n. 254.863-0, v. un., rel. Juiz Erik Ferreira, RT 652/116).

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A atual Lei do Inquilinato, de 18/10/91, sob o n. 8.245, absorveu toda a

evolução transcorrida e traduziu claramente em seu texto as mudanças sobre o

assunto concubinato, usando inclusive a expressão “companheira”, a exemplo

e influência, mais uma vez, do Direito previdenciário, e que também vem sendo

aceito e adotado pela jurisprudência. Assim ficou o texto:

“Art. 12. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução de sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel.

Art. 47. Quando ajustada verbalmente, ou por escrito, com prazo inferior a 30(trinta) meses, findo o prazo estabelecido a locação prorroga-se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel:

III – Se for pedido para uso próprio, do seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio”.

2.3- LEI SOBRE IMPOSTO DE RENDA

Dos tributos, o imposto sobre a renda é o que atinge mais diretamente

a família. Para o Direito Tributário pouco importa a legalidade do matrimônio,

se casado civilmente ou não. Interessa é a soma das parcelas e esforços que

se constituam em rendas. Portanto, a relação de “dependência econômica” de

um companheiro ao outro pode interferir no imposto sobre a renda de pessoas

físicas, autorizando descontos.

Assim é que estabelece a Lei n. 4.242 de 1963, que em seu art. 44

permite ao contribuinte, separado judicialmente e sem obrigação com a ex-

mulher, abater em seu IR os encargos com sua companheira, mas desde que a

convivência ultrapasse cinco anos, que não haja impedimento para o

casamento e a companheira conste como beneficiária.

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Atualmente, a situação da concubina na relação com o imposto de

renda está regulada pelo Decreto n. 1041 de 11/1/94, que em seu art. 83, 1º, a,

diz expressamente que o companheiro ou companheira poderão ser

considerados como dependentes para efeito de dedução do rendimento

tributável (cf. item 18.12).

2.4 A LEI N. 8.069/90 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)

Embora não exista um estatuto para o concubinato, pois o seu traço

essencial talvez seja mesmo o de algo que não quer se instituir, os seus efeitos

jurídicos se fazem presentes em vários ramos do Direito, como já se

demonstrou. Repercussões importantes do reconhecimento desses efeitos

jurídicos estão também no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069

de 13/7/90).

Nesse Estatuto, o art. 41, § 1º, como que adotando o novo conceito de

família pós-Constituição/88, estabelece que a adoção pode ser feita pelos

cônjuges ou concubinos, marcando com isto uma não-discriminação, para

efeitos de adoção, entre casamento civil ou não. Assim ficou o referido texto:

“Art. 41 ...

§ 1º - Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado ou concubino do adotante e os respectivos parentes”.

Da mesma forma, os arts. 25 e 26 traduzem, reafirmando o novo conceito de família, enunciado na CF/88:

“Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”. “Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura pública ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação.”

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Este não era o entendimento da Lei n. 6.697/79 (antigo Código de

Menores) e dos julgados anteriores à Constituição Federal e ao ECA, mesmo

que a união fose estável há muitos e muitos anos.

EM 27/4/88 uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vem

confirmar a impossibilidade que havia de se adotar crianças por pessoas que

não fossem casadas civilmente e que “a companheira não se equipara à viúva

para os efeitos do art. 33 do Código de Menores”.

Adoção plena – Pedido formulado por companheira do falecido pai adotivo de menor. Inadmissibilidade. Situação que não se equipara à de viúva para os efeitos do art. 33 da Lei n. 6.697/79. Deferimento como adoção simples, uma vez presentes os requisitos para tal forma de colocação em lar substituto (CSMag. TJRJ, proc. n. 3/88, v. un. em 27/4/88, rel. Des. Nicolas Mary Jr., RT 638/170.

2.5- LEI N. 8.009/90 CONCUBINATO E BEM DE FAMÍLIA

Dentre as diferentes classes de bens enumeradas no CCB encontra-se

no art. 70, o bem de família. Designa a propriedade, destinada pelo chefe de

família, para ser estabelecido o domicílio conjugal com o benefício de ficar

isenta de qualquer execução por dívida, posterior à sua instituição.

Considerando o art. 226 § 5º da Constituição Federal, que estabelece a

isonomia conjugal, podemos entender que a destinação deste bem, que deverá

ser feita pelo chefe de família, deixa de ser prerrogativa exclusiva do homem,

para estendê-la também à mulher.

A Lei n. 8.009, de 29/3/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do

bem de família, utiliza em seu art. 1º a expressão “entidade familiar”. É a

incorporação dos novos princípios e dispositivos constitucionais que abre e

amplia o conceito de família, ao considerar a união estável como entidade

familiar.

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Sob esta nova orientação devemos considerar que os concubinos, ou

companheiros de uma estável união, poderão também fazer reserva do imóvel

de sua residência, de acordo com o art. 73 do CCB, para beneficiarem-se do

instituto da impenhorabilidade garantido pela Lei n. 8.009/90 (cf. item 18.13).

2.6 CONCUBINATO E O DIREITO SUCESSÓRIO

O Código Civil Brasileiro prevê a proteção à família a que se chamou

de “legítima”, repelindo qualquer possibilidade de proteção jurídica a outro tipo

de família. Até então, quase não se fazia distinção entre concubinato enquanto

união estável e meras relações adulterinas ou passageiras. Essas referências

proibitivas ao concubinato mostraram-se, principalmente na parte do Direito

sucessório, causa mortis ou mesmo em vida. Não cabe aqui fazer uma análise

dos fundamentos do Direito Sucessório e de Família, mas não se pode

esquecer que aí se faz presente também a grande influência do elemento

econômico enquanto interesse de manutenção de todo um sistema.

A realidade atual sobre as relações concubinárias é outra, não resta

dúvida. O Direito Concubinário, a jurisprudência e a doutrina, evoluíram,

impulsionando, inclusive, o surgimento das Leis n. 8.971/94 e 9.278/96 (cf.

Cap. 18). Destaquemos algumas decisões e julgados sobre esse assunto e que

são pilares dessa evolução, especialmente após a CF/88.

“Direito Civil – Sucessão – Legado – Validade de instituição de legado à companheira – Distinção entre companheira e concubina – Inteligência do art. 1.719 do CCB.

Refletindo as transformações vividas pela sociedade dos nossos dias, impõe construção jurisprudencial a distinguir a companheira da simples concubina, ampliando inclusive com suporte na nova ordem constitucional, a proteção à primeira, afastando a sua incapacidade para receber legado em disposição de última vontade, em exegese

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restritiva do art. 1.719, II do CCB” (4º T. do STJ, Resp. n. 196, RS, v. un. em 8/8/1989, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, RT 651/170).

O Ministro Sálvio de Figueiredo, no voto proferido nesta decisão, onde

foi relator, posiciona-se como jurista de nosso tempo, atento à realidade,

fornecendo-nos importantes elementos, inclusive salientando Pontes de

Miranda quando dizia que o jurista “há de interpretar as leis com o espírito ao

nível de seu tempo, isto é, mergulhado na viva realidade ambiente, e não

acorrentá-la a algo do passado, nem perdido em alguma paragem, mesmo

provável, do distante futuro”. Destaque-se desse importante voto e decisum a

clareza e responsabilidade do julgador e jurista:

“Em resumo, quero dizer que não se pode interpretar a redação do art. 1.719, III do CCB de acordo com os princípios legislativos implantados pelo codificador de 1916, mas sim em conformidade com o sistema jurídico que hoje vigora, no qual a lei e os tribunais dispensam bem diverso tratamento ao concubinato, cuja existência jurídica reconhecem, e lhe atribuem efeitos, seja garantindo à concubina o direito à meação, ou à indenização por serviços prestados, seja assegurando direitos no campo de previdência social e dos serviços privados. Tal alteração normativa, de origem legislativa e jurisprudencial, impõe submeter-se a outros princípios que não os vigorantes ao tempo da codificação – a proibição de o homem casado legar à concubina. Basta dizer que ela tem ação para pleitear bens de valor equivalente ou mesmo superior ao legado.

Esta colocação encaminha-se para uma interpretação restritiva da regra do art. 1.719, III, do CCB, cujos limites não devem ultrapassar a necessidade de proteção da família legítima, que é o bem jurídico que se quer resguardar. Assim, onde não houver lesão à família legalmente constituída, não incide a norma proibitiva e o ato é válido ...”

Nesta mesma decisão, o voto do Ministro invoca também as lições do

Ministro do STJ, Athos Gusmão Carneiro, que dizia:

“Cumpre definir – neste último quartel do século XX, em que se renovam concepções de vida, afirmam-se outros costumes e padrões de conduta socialmente aceitos, modificam-se as estruturas e os ditames familiares – cumpre definir, para este momento, o exato alcance da regra do art. 1.719, III do CCB, pela qual não pode ser nomeada herdeira nem legatária a concubina do testador casado”.

Realmente as motivações do Código de 1916 já não encontram

respaldo e ressonância na família atual. Embora os dispositivos civis que fazem

menção ao concubinato não estejam revogados expressamente e sejam de

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ordem proibitiva, a jurisprudência encarregou-se de fazer uma nova leitura para

adequá-los à atual realidade, a exemplo do que se transcreveu acima.

Como resultado dessa evolução, em 29/12/94 foi publicada a Lei n.

8.971, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. O art.

2º desta lei veio preencher uma lacuna e corrigir injustiças, como aqueles

casos em que a companheira, após o falecimento do varão, sem testamento e

que não tinha ascendentes, descendentes, cônjuge ou colateral até terceiro

grau, via-se totalmente desamparada. Nesse caso, o Estado recebia tais bens

(art. 1.603, V, do CCB) e a mulher, que, mesmo tendo vivido um longo período

dedicada ao companheiro, contribuindo para a aquisição do patrimônio, nada

recebia, ou, no máximo a metade destes bens, se provado o esforço comum

em sua sociedade de fato. A partir deste art. 2º, basta a prova da relação por

um período de cinco anos ou, nos termos da Lei n. 9.278/96, a caracterização

da união estável, para que se habilite no inventário ou mesmo promova tal

processo na qualidade de inventariante. Assim, o art. 1.603 do CCB ficou

alterado pelo inciso III do art. 2º da Lei n. 8.971/94, que coloca o(a)

companheiro(a) em terceiro lugar na ordem da vocação hereditária.

Embora o referido art. 2º não o diga expressamente, podemos

entender, por analogia ao art. 1.603 do CCB, que os companheiros-herdeiros

não se enquadram na categoria de herdeiros necessários. Portanto, a nova

classe de sucessores aí criada está na ordem da vocação hereditária como

legítimos, e não como necessários. Assim sendo, poderão, por ato de última

vontade, estar excluídos da herança sem necessidade de se cogitar sobre

indignidade.

2.7- LEI N. 8.971/94: HERANÇA E ALIMENTOS AOS CONCUBINOS

A Lei n. 8.971, sancionada em 29/12/94 pelo então Presidente Itamar

Franco, tem sua origem no Senado Federal em 7/4/92, sob o n. 37, de autoria

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do Senador Nelson Carneiro. Veio regular o direito dos companheiros a

alimentos e à sucessão causa mortis.

Ao ser publicada causou espanto, indignação, admiração e muita

controvérsia. Fala-se que a partir deste texto legislativo a concubina passou a

ter privilégios sobre a mulher casada; que o casamento ficou desprestigiado.

Instalou-se um medo de desmoronamento da instituição casamento. Ora, o

casamento foi, é e sempre será a instituição, por excelência, protegida e

reconhecida pelo Estado. O fato de se reconhecer outras formas de famílias,

como vem sendo feito em decisões e textos normativos, significa apenas um

desdobramento da CF/88. Não é de forma alguma desrespeito ao casamento.

Apenas vem-se cumprindo o imperioso dever do Estado de permitir que as

pessoas sejam livres para optarem por esta ou aquela forma de constituição de

família. Este é um imperativo ético do Estado.

2.7.1 A ESTABILIDADE DAS RELAÇÕES

Quando o art. 1º estabelece o período de cinco anos como o tempo

necessário para aquisição dos direitos apontados pela lei, baseou-se,

principalmente, em textos normativos da Previdência Social e de que este

tempo é o suficiente para a estabilidade das relações. Entretanto, quando

afirma “... ou dele tenha prole ...”, abre uma brecha à que as relações

esporádicas autorizem também o direito a alimentos e sucessão hereditária. É

óbvio que o legislador não quis dizer isto. Mas o disse no texto. Como a fonte

do Direito não é só a lei, a sua interpretação será de acordo com os princípios

gerais do Direito, a eqüidade, os costumes. E como dizia Montesquieu em sua

célebre obra “O Espírito das Leis” devemos também considerar este algo mais:

o espítito das leis. Assim, o art. 1º da Lei n. 8.971/94 deve ser interpretado

como a tentativa de definir o que vem a ser a estabilidade de uma relação

homem/ mulher, ou seja, a partir de qual momento podemos considerar uma

união como estável. Há quem entenda que cinco anos não é suficiente. Outros,

que a partir de dois anos já se pode dizer que há essa estabilidade. Se

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verificarmos esse prazo na legislação de outros países (cf. Cap. 5), veremos

que é bastante variável e não há regra absoluta para definir essa estabilidade.

Considerando que esta lei surge é a partir do art. 226 da CF, que veio

dar proteção às uniões estáveis, obviamente que a proteção jurídica aí

assegurada é somente para as relações entre homens e mulheres com uma

“certa” estabilidade. Digo “certa”, uma vez que em nenhum tipo de constituição

de família se pode afirmar ou garantir cem por cento de estabilidade. Ela é

sempre relativa. Até mesmo no casamento. Da mesma forma em que é

perfeitamente defensável que com cinco anos a união pode não ser estável.

Portanto, quando a lei diz “... ou dele tenha prole ...”, está dizendo que cinco

anos não é um prazo rígido, ou seja, que nem sempre é necessário o prazo de

cinco anos para a “aquisição de estabilidade”. Se houver filhos, pressupõe-se

um lapso de tempo menor. É também uma questão de lógica e bom senso, se

é que as relações humanas possuem estes elementos integralmente. Mas

basta considerarmos em cada caso suas características, e se aquela relação

constituía-se, por exemplo, em um projeto de vida em comum, e aí poderemos

ver com clareza que as uniões esporádicas não se enquadram nesse referido

artigo.

Indagação ainda sobre a estabilidade é se é necessário que a relação

seja contínua, ou se a sua interrupção por um curto período interrompe o prazo

para a aquisição desses direitos. Entendemos que os argumentos aqui

expostos respondem também a essa questão, uma vez que o interesse central

é a caracterização de uma estabilidade, cuja referência vem sendo tomada

como sendo a de cinco anos.

2.7.2 NÃO HÁ CULPA NA CONCESSÃO DE ALIMENTOS

Embora a Lei n. 8.971/94 não tenha previsto e nem sequer

referenciado sobre a idéia de culpa, os julgadores têm insistido nessa

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discussão. Argumenta-se que o Estado estaria privilegiando essas uniões

estáveis aos casamentos oficiais, se assim não o fizesse, uma vez que este

elemento é discutido nas ações litigiosas de divórcio e separação judicial. Mas

será que existe mesmo um culpado pelas dissoluções desses vínculos? Para

João Baptista Villela, “um dos mais constrangedores sinais de atraso na

legislação brasileira sobre o divórcio, é conter ainda regras baseadas no

princípio da culpa (Verschrsldensprinzip)”. Portanto, não se deve falar em

culpa na discussão da concessão de alimentos ao concubinos.

2.7.3 HERANÇA DE COMPANHEIROS E CASADOS

Instalou-se uma verdadeira “revolta” entre as pessoas casadas, ou que

pretendem se casar, com o entendimento de que a partir de agora é mais

“vantajoso” não se casar, uma vez que os concubinos passaram a ter mais

direitos que os casados. Grande equívoco. O Estado sempre preferirá a família

formalmente constituída. Sempre foi assim e sempre será. O que a Lei n.

8.971/94 quis foi apenas conceder direito sucessório aos concubinos,

corrigindo injustiças e equiparando-os nesse sentido aos casados, como já

vinha delineando a jurisprudência. Entretanto, a conjugação do art. 1.611, § 1º,

do CCB, com art. 2º, I e II da referida lei, nota-se que os companheiros têm

uma vantagem em relação aos casados. Como corrigir isto ou, como interpretar

esses dispositivos em harmonia com nosso ordenamento jurídico e não

privilegiar aqueles que não quiseram ou não puderam se casar?

Aqui mais uma vez podemos recorrer a João Baptista Villela, que tão

bem refletiu sobre essa questão, registrando:

“É preciso dar à disposição nova o sentido que a faça compatível com os horizontes constitucionais. O único meio de chegar a uma interpretação constitucionalmente conforme é ter como alterada a posição relativa dos casados por modo a que tenham os mesmos direitos dos companheiros entre si. Portanto, a situação descrita no art. 2º, I e II, deve considerar-se estendida a todos os que estão

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formalmente casados, qualquer que seja o seu regime de bens. Trata-se de uma típica aplicação, em direito interno, da chamada Meistbegünstigungsklausel ou “cláusula de maior favorecimento”, usual no comércio internacional. Dada a circunstância de o casamento ter na Constituição precedência sobre a união estável, todas as vantagens deferidas a esta, por lei ordinária, supõem-se extensivas àquele, se a não tiver por outro título”.22)

2.7.4 USUFRUTO

A Lei n. 8.971/94 inovou expressivamente as relações em direitos

sucessórios, como já apontado anteriormente. Há aspectos que necessitam ser

detalhados e certamente serão talhados pela jurisprudência e pela doutrina.

Nesse campo é também suscitado como dúvida a natureza jurídica do

usufruto previsto no art. 2º, I e II. Vidual ou legal? Será necessário seu registro

como previsto no art. 167, I, 7 da Lei n. 6.015/73?

Voltamos aí uma questão conceitual, ou seja, se o assunto é de Direito

de Família ou não. Aliás, esta é a grande virada do Direito concubinário: deixa

o campo das obrigações para ser tratado como Direito de Família, como

insistentemente já mencionado neste trabalho. Com esse raciocínio, não resta

dúvida de que não será necessário o registro em cartório desse usufruto. Trata-

se, portanto, da hipótese prevista no art. 715 do CCB.

2.8- LEI N. 9.278/96

A Lei n. 9.278, publicada no DOU de 13/5/96, aparece como mais uma

tentativa de se fazer um Estatuto para o concubinato. Tem origem no Projeto n.

1.888, de 1991, de autoria da então Deputada Bete Azize, como uma

22) Villela, J.B. Alimentos e sucessão entre companheiros: apontamentos críticos sobre a Lei 8.971/94. Revista IOB. 1a. quinzena de abril de 1995, n. 7/95, p. 119.

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reivindicação de proteção, principalmente às mulheres. Após anos em

tramitação, o projeto original sofreu modificações, emendas , substitutivos e

finalmente foi aprovado com alguns vetos.

Como um sintoma, esta lei parece refletir uma desorganização dos

Poderes Legislativo e Executivo, aprovando um projeto desconexo com a

recente lei anterior sobre esse mesmo assunto (Lei n. 8.971/94).

2.8.1- OS SUJEITOS DA RELAÇÃO CONCUBINÁRIA

O art. 1º já começa instalando polêmica quando deixa em aberto dois

aspectos que a lei anterior definia rígida e claramente: quem são os sujeitos da

relação concubinária e o prazo necessário para a caracterização destas uniões

(cf. Cap. 9).

A Lei n. 8.971/94 preceituava que somente os solteiros, viúvos,

separados judicialmente ou divorciados estariam sob sua égide. A lei atual não

estabelece tais requisitos, deixando margem ao entendimento de que até

mesmo pessoas casadas receberiam sua proteção. Entretanto, quando essa lei

apropria-se de conceitos como entidade familiar e união estável, está se

referindo ao conceito de família. Como tal, em nosso ordenamento jurídico só

se concebe a família constituída monogamicamente. Repelidas, portanto, as

uniões adulterinas e incestuosas, que não podem receber a proteção do

Estado. Para manter a coerência e a ordem jurídica, os sujeitos da união

estável devem estar desimpedidos e não praticando adultério. Caso contrário,

seria a admissão da poligamia em nosso ordenamento jurídico.

2.8.2- DIREITOS E DEVERES DOS CONVIVENTES

O art. 2º é uma infeliz tentativa de equiparação das uniões estáveis ao

casamento, quase uma cópia do art. 231 do Código Civil brasileiro, suprimindo

a expressão fidelidade. Infeliz, pois tenta estabelecer regras para tais relações

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como se fossem um casamento, ou seja, tenta impor regras do casamento para

quem não o escolheu, ou exatamente quis fugir dele.

2.8.3- REGIME DE BENS NA UNIÃO ESTÁVEL

O art. 5º dispõe sobre o patrimônio como as regras do regime da

comunhão parcial de bens. Presume-se que os bens adquiridos na constância

da união, a título oneroso, pertencem a ambos, porque adquiridos com esforço

comum. Entretanto, é importante ressaltar que esse esforço comum é tão

somente uma presunção. Sendo assim, pode-se demonstrar o contrário, ou

seja, provar que os seus, ou determinados bens, não foram frutos do trabalho

e/ou da contribuição de ambos. Esta é uma das diferenças básicas entre o

casamento e a união estável: nesta é imprescindível o esforço comum (direto

ou indireto); naquele não se discute isto.

2.9- CONVERSÃO DO CONCUBINATO EM CASAMENTO

A Constituição de 1988 estabelece em seu art. 226 § 3º “para efeito da

proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher

como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Não obstante o art. 8º da Lei n. 8.278/96 dispor sobre a matéria, não há

ainda uma compreensão exata do significado e do sentido da expressão

conversão em casamento, nova no nosso Direito, embora já exista a expressão

aproximada de “conversão de separação judicial em divórcio”.

Mas como será tal conversão? Será judicial ou administrativamente?

Qual o sentido de se fazer este procedimento se, havendo o elemento volitivo

para o casamento basta que as partes não existindo impedimento legal,

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dirijam-se ao Cartório de Registro Civil e, cumprindo as formalidades legais,

procedam ao casamento.

Em Cabo Verde e Cuba adotam a forma judicial; Panamá e União

Soviética (ex) regulamentam pela via administrativa.

Em Cabo Verde, a lei n. 69 de 1967 estabelece os requisitos de vida

em comum, capacidade para casar, eficácia retroativa ao início da convivência,

jurisdição voluntária e requerimento por ambas as partes; em Cuba é o Código

de Família (arts. 18 e 19) que trata especificamente do matrimônio não

formalizado e a possibilidade de sua conversão, com efeitos retroativos ao

início da união, que se provará de acordo com o declarado em sentença judicial

ou manifestação dos cônjuges e testemunhos, declarada em ata de

formalização do matrimônio.

No Panamá, a lei de 11/12/56 determina apenas o prazo de dez anos

consecutivos de convivência para que as partes requeiram ao registro civil a

inserição do matrimônio de fato. Assim é também no Código de Família da ex-

União Soviética, que estimula o registro dos casamentos de fato, convertendo-

os em casamentos de direito.

Embora não tenha tido aprovação, o assunto “conversão em

casamento” já havia sido tratado em projeto de lei apresentado em 4/8/66 pelo

Senador Nelson Carneiro.

Em 19/9/91, no mesmo sentido foi apresentado, pela Deputada Beth

Azize o Projeto Lei n. 1.888 para regulamentar o art. 226 da CF.

O primeiro projeto tratava de reconhecimento da conversão

judicialmente e o segundo pela via administrativa.

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O fato desses e outros projetos sobre a matéria não terem sido

aprovados nesse aspecto é sinal de que a questão não é tão simples.

Devemos refletir se ao estabelecer formas de conversão, o Estado não estaria

intervindo demais em um instituto que em exatamente negar, fugir de

determinadas regras.

No nosso ordenamento jurídico, de acordo com o art. 256 do Código

Civil, as partes podem estipular o que quiserem em relação aos bens. Assim,

sobre os efeitos patrimoniais pelo período da união estável antes do

casamento, poderiam estar resguardadas pelo pacto antenupcial, onde as

partes teriam ampla liberdade de estabelecer o que lhes aprouvesse. Mas não

podemos esquecer de que a realidade brasileira nos mostra que há um

percentual muito baixo que opta por fazer pactos ante nupciais. Logo, embora

tenha um raciocínio lógico-jurídico, não atenderia a uma realidade no Direito

brasileiro.

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CAPÍTULO III

DIREITO HOMOAFETIVO

O direito ao casamento para os casais de mesmo sexo já existe nos

Países Baixos, na Bélgica, na Holanda, na Dinamarca, e, recentemente, na

Espanha e a Suécia já anunciou a criação de uma comissão parlamentar que

em breve deverá criar o estatuto dessa matéria.

A França foi o primeiro país do mundo a excluir da lei penal o crime da

sodomia. A Lei de 15/11/1999, relativa ao Pacto Civil de Solidariedade(PaCS),

reconhece a união estável entre os casais homo e heterossexuais, mas a

França ainda não admite o casamento entre homossexuais.

Para a igreja, o respeito aos homossexuais não pode ser interpretado

como aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal

das uniões homossexuais. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou

equipará-las ao matrimônio, significaria ofuscar valores fundamentais que

fazem parte do patrimônio comum da humanidade. A igreja não pode abdicar

de defender tais valores para o bem dos homens e de toda a sociedade.

Atualmente, no Brasil, com a consolidação do princípio constitucional

da dignidade da pessoa humana, os julgadores têm interpretado a lei de forma

mais abrangente, o que vem atenuando a imagem de um Judiciário

extremamente conservador e inflexível. Esta tendência vem sendo aceita pela

Constituição Federal de 1988, no art. 1º, inciso III , quando menciona que o

Brasil é um Estado Democrático de Direito, tendo como um dos fundamentos a

dignidade da pessoa humana.

A lei de Introdução ao Código Civil dispõe que “quando a lei for omissa,

o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios

gerais do direito”. Esses dispositivos nunca foram tão citados como nos dias

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atuais, em diversos julgamentos inéditos que envolvem novas questões

enfrentadas pelo Direito de Família.

A família moderna deixou de ter um caráter procriativo para uma

perspectiva de família eudonista, ou seja, aquele que se justifica

exclusivamente pela busca da felicidade, amor, companherismo e realização

pessoal de seus indivíduos.

A união homoafetiva é um assunto que tem levantado grandes

discussões no meio jurídico. Não obstante ainda não existir regulamentação no

Brasil para a matéria, alguns julgados têm reconhecido essa nova constituição

de entidade familiar, dando tratamento analógico a essas uniões, conforme é

atribuído à união entre homem e mulher.

O conceito jurídico da união estável entre homem e mulher para os

homossexuais é muito discutida na doutrina e na jurisprudência. Existem

posições favoráveis, como a da Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, Maria Berenice Dias, afirmando que tais relacionamentos

constituem exatamente uma união estável. O que se sustenta é que, se é para

tratar por analogia, muito mais se assemelham uma união estável do que a

uma sociedade de fato, porque a affectio que leva essas duas pessoas a

viverem juntas, a partilharem os momentos bons e maus da vida é muito mais a

affectio conjugalis do que a affectio societatis.

A relação homoafetiva é um fato social, não se pode dizer que ela não

existe. É necessário ter consciência e começar a quebrar esses preconceitos.

O Judiciário não pode se omitir, é uma questão de Justiça. Em determinados

casos, como no direito de sucessão seria uma injustiça que um companheiro

que convive uma relação homoafetiva durante quinze ou vinte anos não tenha

os seus direitos sucessórios reconhecidos.

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Existem, também, os posicionametos contrários a esse entendimento,

como o do procurador do Banco Central em Brasília, Dr. Paul Medeiros Krause:

“O homossexualismo é neurose, não é amor verdadeiro, não é relação

autêntica, é negócio jurídico inexistente, por não possuir lastro na natureza

humana e na lei natural. Carece de existência real e de juridicidade intrínseca.

Ofende a moral objetiva imutável e válida para todos os seres humanos. Além

disso, o seu objeto é jurídico e materialmente impossível ( inclusive pelo art.

226, parágrafo 3º, da CF/88), pois não existe nem pode haver união real entre

pessoas do mesmo sexo. Isso configura um negócio jurídico nulo ( art. 166, II,

do Código Civil ), ferindo o art. 104, II, do C.C. Ainda que não figurasse um

negócio jurídico inexistente, configuraria um negócio jurídico nulo (art. 104, II

do C.C.) “.

Nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, em especial na

Inglaterra, país conservador e monárquico, o tema também foi bastante

debatido até a regulamentação deste tipo de união.

No que tange ao Brasil, o que se observa são algumas decisões

isoladas, alguns tipos de doutrinadores reconhecendo a possibilidade e outros

defendendo a impossibilidade da regulamentação.

Na sociedade, o tema é constantemente levantado, tanto nos meios de

comunicação, como em manifestações, e até mesmo em uma conversa mais

informal, mostrando, assim, maior flexibilização da sociedade pelo assunto.

Seguindo essa nova tendência, outro assunto muito discutido é a

viabilidade jurídica ou não da adoção por casais homosexuais. O Ministério

Público do Rio Grande do Sul adota uma posição contrária, enquanto que o

Ministério Público do Rio de Janeiro é mais flexível a esta possibilidade.

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Recentemente, o juiz Sandro Pithan, da Vara da Infância e Juventude e

do Idoso, decidiu favoravelmente a questão trazida por duas mulheres que

vivem em união homoafetiva há cinco anos, o que possibilitou a adoçãode uma

criança de um ano e seis meses, sendo este o primeiro caso na Justiça do Rio

de Janeiro.

A Defensora Pública Eufrásia Maria Souza das Virgens atuou no caso

e explicou na Revista Mural de junho/2006 que a habilitação para a adoção foi

feita apenas por uma das adotantes e que, durante o processo, o juiz percebeu

o relacionamento homoafetivo e em sentença, permitiu, de ofício, o aditamento

da outra companheira no pólo ativo, permitindo, assim, que ambas

participassem do processo de adoção.

Para a Defensora, embora o Código Civil fale expressamente que a

adoção só pode ser feita por pessoas que convivam como marido e mulher na

condiçao de união estável, a proibição da adoção por casais que convivam em

relacionamento homoafetivo não decorre da Constituição. Proibir que casais

que vivam esse tipo de relação adotem, seria uma afronta aos princípios

constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e da igualdade de

todos perante a lei e, principalmente, ao interesse da criança, pois, no Rio de

Janeiro, existem muitas crianças vivendo em abrigos e , à medida em que elas

vão crescendo, a adoção vai ficando cada vez mais difícil. As companheiras já

possuem a guarda da criança e os relatórios são favoráveis às adotantes.

Em caso semelhante, no Rio Grande do Sul, em apelação promovida

pelo MP, o Tribunal de Justiça decidiu , por unanimidade, pela adoção. A

relatora, desembargadora Maria Berenice Dias entendeu que como entidade

familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do

mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e

intenção de constituir família..., no processo de adoção de duas crianças

envolvendo uma professora universitária e uma fisioterapeuta, que mantém um

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relacionamento nos moldes de entidade familiar há oito anos. Na ementa do

acórdão, a desembargadora afirma que é hora de abandonar de vez

preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de bases científicas, adotando-

se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente

é assegurada aos direitos da criança e do adolescente( art. 227 da Constituição

Federal), e conclui o referido acórdão com a confirmação da sentença de 1º

grau, autorizando que no assento de nascimento das crianças, conste que são

filhas da professora e da fisioterapeuta, sem declinar a condição de pai ou

mãe.

Em relação a esses julgados, Paul Medeiros Krause afirma que

evidencia-se que os julgados pretensamente avançados do TJ do Rio Grande

do Sul são muito frágeis em suas teses e denotam que os eminentes

desemdargadores desconhecem do que estão tratando, e continua afirmando

que em verdade, alguns tribunais brasileiros têm legislado usurpando

competência do Congresso Nacional e suprimindo, arbitrariamente, da

sociedade o direito de participar de decisões importantes sobre o seu destino.

O que dá fundamento e limite ao direito positivo é o direito natural objetivo. O

direito não pode conter uma regra que seja contrária ao bem comum e à

própria existência da sociedade. Nesse sentido, julgaram o TJ do Rio de

Janeiro- Processos 2003.710.008125-2 e 2005.710.001858-3 e o TJ do Rio

Grande do Sul- Apelação nº 70013801592.

O direito ao nome constitui um direito da personalidade, previsto no art.

58 da Lei nº 6015/73 - Lei de Registros Públicos: “prenome será definitivo,

admitindo-se, todavia a sua substituição por apelidos públicos e notórios”.

Outra forma de mudança do nome pouco conhecida é a do art. 56 da referida

lei ,sem necessidade de autorização judicial, cuja redação afirma:

“o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”.

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Deste modo, a definitividade é a regra, permitindo sua mudança

apenas nessas hipóteses.

Qualquer outra forma de alteração do nome deverá submeter-se ao art.

57 da Lei nº 6015/73. Neste artigo, somente com autorização judicial e após

audiência do Ministério Público, será permitida a alteração do nome. No que diz

respeito à troca de nome de transexual, observa-se que não é raro aparecerem

processos solicitando a troca do nome das pessoas submetidas à cirurgia de

transgenitalização(cirurgia de alteração de sexo). A Resolução nº 1482 de

10/09/1997, do Conselho Federal de Medicina, exige do indivíduo participar de

acompanhamento por equipe multidisciplinar durante dois anos, a fim de

submeter-se à cirurgia de redesignação sexual.

O art. 6º da CF/88 assegura o direito à saúde, encargo que é imposto

ao próprio Estado e que a incoincidência da identificação do transexual provoca

desajuste psicológico, não se podendo falar em bem-estar físico, psíquico ou

social, é quase pacífico nos tribunais que o direito à adequação do registro,

após a realização da cirurgia, é uma garantia à saúde, e a negativa de

modificação torna-se uma afronta ao imperativo constitucional. Em julgamento

inédito no Brasil, o TJ do Rio Grande do Sul admitiu que “o fato de o Apelante

ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode

constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração do nome”.

Na Apelação nº 70013909874, a desembargadora Maria Berenice Dias

autoriza a modificação do prenome e do gênero masculino para feminino do

Apelante, mas a proposta foi vencida pelo voto dos desembargadores Sérgio

de Vasconcelos Chaves e Luiz Felipe Brasil Santos, que deram provimento

parcial ao apelo, sendo autorizado a alteração do prenome, mas a alteração do

sexo somente será possível após a cirurgia.

O direito ao nome é um direito personalíssimo, devendo ser

assegurado também ao transexual, porém a mudança do sexo jurídico pode

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trazer sérios problemas em relação à insegurança jurídica nos negócios

praticados pelo indivíduo.

Os desvios sexuais , em geral, são vistos como uma afronta à moral e

aos bons costumes, sendo alvo de profunda rejeição social.

O IV Congresso Brasileiro de Medicina Legal, realizado em São Paulo,

em 1974, classificou como mutilante e não como corretiva a cirurgia para troca

de sexo.

Recentemente, com a Resolução 1482 de 10/09/1997, o Conselho

Federal de Medicina autorizou, a título experimental, a cirurgia de transexuais.

Foi reconhecido que a transformação é terapêutica, não havendo lei que a

defina como crime, inxiste afronta à ética médica.

Após a realização da cirurgia, que extirpa os órgãos genitais aparentes,

adaptando o sexo anatômico à identidade psicossocial, surge o problema da

alteração do nome e da identificação do sexo no registro civil. O sistema

jurídico brasileiro consagra o princípio da imutabilidade do nome.

Decisão inédita do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul faz

expressa referência à possibilidade do casamento. Esse precedente de uma

vez por todas indica a solução mais justa e correta, pois nada justifica subtrair

do transexual o direito de casar. Está chegando a época de reconhecer que o

casamento é possível, por maiores que possam ser os preconceitos.

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CONCLUSÃO

O concubinato, fenômeno tão antigo quanto as primeiras

manifestações gregárias do ser humano, adquiriu na sociedade contemporânea

ampla extensão e importância decididamente singular. Esta importância tem

sido cada vez mais absorvida pelo Direito. Podemos observar isto,

principalmente, pelas decisões dos tribunais, que são os grandes responsáveis

pelo estabelecimento dos parâmetros de proteção a estes casamentos

informais, já que a normalização, através de textos legislativos, esbarra em

dificuldades e contradições. A tendência e as tentativas de se estabelecer os

efeitos do concubinato são sempre no sentido de equipará-lo a um casamento

oficial.

De um casamento informal, ou seja, de um concubinato, atualmente,

em nosso ordenamento jurídico, estabelecem-se relações pessoais e

patrimoniais com conseqüentes efeitos jurídicos, não mais ignorados pelos

julgadores.

Ao analisar a questão do direito homoafetivo, observa-se que é preciso

um estudo aprofundado não só do legislativo, como também dos operadores de

direito e da sociedade, como forma de não permitir que questões importantes a

esse respeito, como o caso da adoção fique dependendo de critérios

individuais, subjetivos e discricionários de um magistrado. Ignorar a questão

homoafetiva é um erro, posto que estamos diante de uma grande parcela de

indivíduos que vivem às margens da sociedade, respeitar as diferenças é uma

forma de se buscar cada vez mais a harmonia social.

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Diante de toda essa discussão, é importante ressaltar que não se pode

temer debates de temas relevantes ao mundo jurídico, fundado nos princípios

basilares de um Estado democrático de Direito. É preciso procurar soluções

para esses casos, sem banalizar a matéria, uma vez que é uma realidade

social. Esses conflitos devem ser solucionados equilibrando interesses e

observando o bem comum de toda a sociedade.

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BITTENCOURT, Edgard de Moura. Concubinato. São Paulo. Leud, 1975.

BORRILLO Daniel. O indivíduo homossexual, o casal de mesmo sexo e as

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CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

Congregação para a Doutrina da Fé. Considerações sobre os Projectos de

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DIAS, Adahyl Lourenço. A concubina e o direito brasileiro. São Paulo. Saraiva,

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GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil. Coimbra.

OLIVEIRA, José Francisco Basílio de. O concubinato e a Constitução

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PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro.

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VILLELA, João Baptista. Alimentos e sucessões entre companheiros:

apontamentos críticos sobre a lei 8.971/94. Revista IOB, 1a. quinzena, nº 7/95,

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ÍNDICE Folha de rosto 2 Agradecimento 3 Dedicatória 4 Resumo 5 Metodologia 6 Sumário 7 Introdução 8 Capítulo I- Aspectos históricos e legais do concubinato 10 1.1- Aspectos históricos do concubinato no Brasil 10 1.2- Aspectos históricos do concubinato em outros países 14 1.3- Elementos caracterizadores do concubinato 18 1.4- Concubinato, Alimentos e Indenização 20 1.4.1- A idéia de culpa e alimentos 22 1.4.2- Fixação de alimentos 23 1.4.3- Alimentos e a Lei 9278/96 25 1.5- Concubinato e Previdência Social 25 Capítulo II- Legislação sobre o concubinato no Brasil 31 2.1- Lei de Registro Público 31 2.2- Lei do Inquilinato 32 2.3- Lei sobre Imposto de Renda 34 2.4- Lei 8069/90- ECA 35 2.5- Lei 8009/90- Concubinato e Bem de Família 36 2.6- Concubinato e o Direito Sucessório 37 2.7- Lei 8971/94 39 2.7.1- A estabilidade das relações 40 2.7.2- Não há culpa na concessão de alimentos 41 2.73- Herança de companheiros e casados 42 2.7.4- Usufruto 43 2.8- Lei 9278/96 43 2.8.1- Os sujeitos da relação concubinária 44 2.8.2- Direitos e Deveres dos conviventes 44 2.8.3- Regime de bens na união estável 45 2.9- Conversão do concubinato em casamento 45 Capítulo III- Direito Homoafetivo 48 Conclusão 55 Bibliografia 57 Índice 59 Eventos Culturais 60 Folha de Avaliação 61

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EVENTOS CULTURAIS

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da instituição: Universidade Cândido Mendes Título da monografia: História do Direito Concubinário e Homoafetivo no Brasil Autor: Sueli Gallo Dutra Data da entrega: Avaliado por: Conceito:

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