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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO A EVOLUÇÃO DA REABILITAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL IAN ANDREZZO DUTRA Biguaçu [SC], julho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO

A EVOLUÇÃO DA REABILITAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL

IAN ANDREZZO DUTRA

Biguaçu [SC], julho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO

A EVOLUÇÃO DA REABILITAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL

IAN ANDREZZO DUTRA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito

parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora M.Sc. Eunice Anisete de Souza Trajano

Biguaçu [SC], julho de 2008

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A Maury,

e às Luízas.

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AGRADECIMENTOS

Às abnegadas Professoras Eunice Trajano

e Helena Pítsica, que tornaram este trabalho possível.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a Orientadora de toda

e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu [SC], 1º de julho de 2008

Ian Andrezzo Dutra

Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente Monografia de Conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Ian Andrezzo Dutra, sob o título “A Evolução

da Reabilitação Criminal no Brasil”, foi submetida a 19 de junho de 2008 à Banca

Examinadora composta pelas Professoras Eunice Anisete de Souza Trajano, M.Sc.

(Presidenta), Helena Nastassya Paschoal Pítsica, M.Sc., e Marilene do Espírito Santo,

Especialista, e aprovada com a nota 10,0 (dez).

Biguaçu [SC], 1º de julho de 2008

Professora M.Sc. Eunice Anisete de Souza Trajano

Orientadora e Presidenta da Banca

Professora M.Sc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica

Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica - NPJ

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ELENCO DE REDUÇÕES

Amp. Ampliada (diz-se de edição de obra)

Art (s). Artigo (s)

Atual. Atualizada (diz-se de edição de obra)

Aum. Aumentada (diz-se de edição de obra)

CF Constituição Federal

Cf. Confronte ou Confira

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

Dec. Decreto

Ed. Edição

LEP Lei de Execução Penal

N. Número

Reest. Reestruturada (diz-se de edição de obra)

Rev. Revista (diz-se de edição de obra)

P. Página

Seç. Seção

Tir. Tiragem

Tít (s). Título (s)

V. Vide

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SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO....................................................................................................1

1 PERÍODO COLONIAL – O DIREITO PENAL DAS ORDENAÇÕES PORTUGUESAS E A REABILITAÇÃO CRIMINAL....................................3 1.1 DA LIDIMIDADE DA LEVANTADURA HISTÓRICA..........................................3 1.1.1 UMA HISTÓRIA DE REPARAÇÃO....................................................................4 1.2 DO DIREITO PENAL DO BRASIL COLONIAL...................................................6 1.2.1 O DIREITO PENAL DO DENOMINADO BRASIL HOLANDÊS...............................8 1.3 UM VELHO INSTITUTO....................................................................................9 1.3.1 DA REABILITAÇÃO CRIMINAL NAS ORDENAÇÕES......................................10 1.4 AS ORDENAÇÕES, SEU DIREITO PENAL, E REABILITAÇÃO........................14 1.4.1 ORDENAÇÕES AFONSINAS...........................................................................16 1.4.1.1 DA REABILITAÇÃO CRIMINAL NAS ORDENAÇÕES AFONSINAS...............17 1.4.1.2 O DIREITO PENAL DAS AFONSINAS............................................................18 1.4.2 ORDENAÇÕES MANUELINAS.........................................................................21 1.4.2.1 DA REABILITAÇÃO CRIMINAL NAS ORDENAÇÕES MANUELINAS............22 1.4.2.2 O DIREITO PENAL DAS MANUELINAS........................................................23 1.4.3 ORDENAÇÕES FILIPINAS..............................................................................26 1.4.3.1 DA REABILITAÇÃO CRIMINAL NAS ORDENAÇÕES FILIPINAS..................27 1.4.3.2 O DIREITO PENAL DAS FILIPINAS...............................................................29

2 PERÍODO IMPERIAL – UM DIREITO PENAL BRASILEIRO, E A REABILITAÇÃO CRIMINAL........................................................................32 2.1 O DEPERECIMENTO DO DIREITO PENAL DAS FILIPINAS..........................32 2.2 O PODER MODERADOR E A REABILITAÇÃO CRIMINAL............................37 2.3 O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO..............................................................41 2.3.1 DA REABILITAÇÃO NO CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO............................44 2.4 O DIREITO PENAL CRIOULO COMPLETA SEIS DECÊNIOS..........................46

3 PERÍODO REPUBLICANO – DIREITOS E REABILITAÇÕES CRIMINAIS.......................................................................................................50 3.1 O CÓDIGO PENAL DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL...............................50 3.1.1 A REABILITAÇÃO NO CÓDIGO PENAL DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.................................................................................................................53 3.2 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS PENAIS............................................................59 3.2.1 A REABILITAÇÃO CRIMINAL NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS PENAIS.........62 3.3 O CÓDIGO PENAL DE 1940..............................................................................64

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3.3.1 A REABILITAÇÃO NO CÓDIGO PENAL DE 1940............................................67 3.3.1.1 A REABILITAÇÃO DO CÓDIGO PENAL DE 1940 EM SUA REDAÇÃO PRIMITIVA.............................................................................................................68 3.3.1.2 A REFORMA DA REABILITAÇÃO CRIMINAL PELA LEI N. 5.467, DE 1968...76 3.3.1.3 A REFORMA PENAL DE 1984 E A REABILITAÇÃO.......................................82

CONCLUSÃO....................................................................................................93

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .....................................................95

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RESUMO

Ideada pelo gênio romano, a Reabilitação Criminal, nascida restitutio in integrum, na

Antigüidade notabilizou-se entre as medidas de soberania, com que eram agraciados os

infratores, por motivos nem sempre os mesmos. Transportada para o Direito francês, que lhe

acelerou o desenvolvimento, daí espraiou-se para diversos sistemas jurídicos, afinal

alcançando o nacional, ressentido de semelhante medida. Por reunir os elementos que

caracterizaram as diferentes fases da Evolução da Reabilitação Criminal no Brasil, esta

monografia pretende situar seus efeitos em quantas foram as conjunturas jurídicas pátrias sob

as quais se fez o instituto mais ou menos presente. Para tanto, a divisão deste trabalho atendeu

a primeira de nossa história: Colônia, Império e República, correspondendo a cada período

um Capítulo. O inicial, desse modo, compreende os primeiros trezentos e tantos anos do

Brasil, em que subserviu sobretudo à metrópole portuguesa, diante de cuja contextura o

exame em busca da primeira fisionomia da Reabilitação fez-se rasteiro. Naturalmente menor,

o segundo Capítulo cobre os sessenta e sete anos de Império brasileiro, honrados por

admirável Código Criminal a ditar o primeiro sistema repressor da nação liberta dos travões

portugueses. O terceiro e último Capítulo insinua-se pelo atual período de nossa história, já

informado por mais de um século de fértil produção jurídica, quando pôde a Reabilitação

enfim prosperar. A peroração, mister é destacar, segue apartada, à maneira de Conclusão.

Finalmente, o produto dessa atividade equilibra-se sobre base lógico-indutiva, e resulta de

pesquisa na qual foi preferido o método indutivo.

Palavras-chave: Direito Penal. Reabilitação Criminal. Evolução do Direito no Brasil.

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ABSTRACT

Designed by roman genius, the Criminal Rehabilitation, initially restitutio in integrum,

in the ancient times highlighted among the sovereign measures reserved for law breakers, for

various reasons. In the french law, was very well treated, for wich reason it was embraced by

many other legal systems, including the brazilian, who also needed a similar measure.

Collecting the basic elements that marked the different stages of evolution of the Criminal

Rehabilitation in Brazil, this monograph aims to situate the effects of this measure in the

accordance with the legal systems that have adopted it. For this purpose, the division of work

was made in agreement with the division of the great brazilian history: Cologne, Empire and

Republic period, deserving each one a Chapter. The first of them, because it includes more

than three hundred early years of Brazil, where it remained escravized by the portuguese

colonizers, brings a very carefully exam in search for the first Criminal Rehabilitation. The

second Chapter, smaller than the others, naturally, comprises the sixty-seven years of the

Empire of Brazil, when an excellent Criminal Code done the first repressive order of the

country, which then was free. The third and final Chapter walks by the current period of the

brazilian history, which already has more than one hundred years and many legal works,

when finally the Criminal Rehabilitation could thrive. The final part of this research is

separated from the others, and can be considered a conclusion of entire work. Finally, the

result obtained, founded in logical-inductive base, came from an study that was developed by

inductive method.

Keywords: Criminal Law. Criminal Rehabilitation. Evolution of law in Brazil.

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INTRODUÇÃO

I – Concebidas a desoras, as linhas que aqui seguem sobre a Reabilitação decerto irão

desaprazer ao estudioso da Ciência Penal. Afeito à meditação serena e demorada em suas

incursões pelo terreno do delito, da punibilidade, da pena, da culpabilidade, e mais institutos

que a conformam, se lhe depara agora arrumadela das mais ordinárias dos registros e

elementos que dão notícia sobre a evolução de um daqueles, no Brasil.

Para tanto, a divisão desse trabalho atendeu a primeira de nossa história: Colônia,

Império e República, de seu sistema penal partindo a análise da Reabilitação. Situada,

pretendêramos que melhor pudesse justificar-se em meio ao canhoneio a que a doutrina sói

submeter-lhe.

A cada período correspondeu um Capítulo:

O inicial compreende os primeiros trezentos e tantos anos de nossa história, em que

subservimos à metrópole portuguesa das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, e,

ligeiramente, aos batavos, animados pela conquistação do nordeste brasileiro. O

esquadrinhamento da Reabilitação Criminal nessa tessitura fez-se rasteiro, em busca de

quaisquer laivos que compusessem sua primeira fisionomia. Friável, a forma conseguida não

espelha só a mediocridade do autor desprendado: não havia mesmo lugar para a Reabilitação

no Direito Penal das Ordenações portuguesas;

Naturalmente menor, o segundo Capítulo cobre os sessenta e sete anos de Império

brasileiro, dos quais quarenta e nove foram dedicados ao segundo reinado da nação

independente, então guarnecida de admirável Direito Penal. Com o deperecimento do sistema

das Ordenações Filipinas, danado pelo clarão da racionalidade que lhe esboroara além-mar,

afinal teve a cultura brasileira a ocasião de acudir à justiça e ao Direito com um Código

Criminal, em continuidade ao trabalho encetado pela liberal Constituição de 1824 – modelo

para a reorganização jurídica do velho Portugal, como aquele. Nesses primeiros seis decênios

de Direito Penal indígena, contudo, novos obstáculos sustiveram o evolver da Reabilitação

em terras brasileiras, que, à custa ainda de outras medidas, pouco avançou;

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O terceiro e último Capítulo insinua-se pelo atual período de nossa história, informado

por mais de um século de fértil produção jurídica, no qual o câmbio da ordem penal constitui

retoque de quase todo movimento político que tomou a si as rédeas do país, de modo nem

sempre democrático. Os sistemas penais de 1890, 1940 e 1984 – todos republicanos, mas nem

todos pertencentes à mesma República –, o comprovam. E a Reabilitação Criminal, de mero

debuxo que fora até o advento dessa forma de governo, afinal granjeou a preocupação do

Brasil desasnado.

A peroração, mister é destacar, segue apartada do último Capítulo, à maneira de

Conclusão.

II – Tratando-se este trabalho de atividade acadêmica, reputam-se imprescindíveis as

seguintes observações:

O autor dele desincumbe-se com o objetivo institucional de obter grau de bacharel em

Direito perante a Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; com o geral de desvelar os

sucessos que assinalaram a evolução da Reabilitação Criminal no Brasil; e com o específico

de justificar os caracteres do instituto ante os sistemas revogados e vigente de Direito Penal

pátrio.

O método indutivo foi empregado na fase de investigação do tema em apreço, e o

produto dessa atividade equilibra-se sobre base lógico-indutiva.

No curso de toda a pesquisa, foram levadas a efeito as técnicas do referente e da

pesquisa bibliográfica.

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CAPÍTULO 1

PERÍODO COLONIAL – O DIREITO PENAL DAS

ORDENAÇÕES PORTUGUESAS E A REABILITAÇÃO CRIMINAL

1.1 DA LIDIMIDADE DA LEVANTADURA HISTÓRICA

O tempo, esse sobranceiro, que não condescende ou é dado a volteios, cedeu o passo

ao homem no instante em que este contemplou o que de rematado havia. E então seguiram

juntos.

Daí a História; daí a lida com o tempo, compreendido em horas, séculos, eras, épocas.

E o período, que bem serve ao volver, dista uns dos outros, sem o qual não seriam nem uns,

nem outros; tanto mais quanto serve ao presente, que passa a ser entendido, e ao porvir, que se

quer melhor.

Não se afigura possível – como se tem dito! – a real assimilação, a assimilação em sua

inteireza, de tal ou qual elemento ou instituto do saber humano, senão através do cotejo, da

acaroação de seus momentos. Ainda que um represente o mero instante anterior: é razão,

contudo, do que se lhe seguiu, sob seu influxo.

Que dizer, então, do Direito, que rebentara naturalmente muito dantes de ser

anunciado como dogma, de ser posto como tal?; do Direito, de fundas raízes, que tem nos

pendores humanos o alicerce de sua existência?; desses mesmos pendores, que alteram cursos,

que cunham sua marca no fluxo contínuo do tempo, separando-o em episódios?

Sobretudo o Direito, como expressão ingênita do convívio social, o Direito não pode

ser compulsado por mãos trôpegas, vacilantes – inevitáveis, entretanto, sob o luzir um só

archote, bruxuleante, tíbio, mesquinho, quase tragado pela escuridão.

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Pode o Direito ser arrostado hoje, sem depor a bagagem que traz a tiracolo? Para

Miguel Reale,

a historiografia é o espelho no qual o homem temporalmente se contempla, adquirindo plena consciência de seu existir, de seu atuar. Qualquer conhecimento do homem, por conseguinte, desprovido da dimensão histórica, seria equívoco e mutilado. O mesmo se diga do conhecimento do direito, que é uma expressão do viver, do conviver do homem.1

Posto que informada por outros recursos, não há compreensão verdadeira do Direito,

ou de instituto jurídico, sem levantadura histórica.

1.1.1 Uma História de Reparação

A dimensão histórica é poderoso recurso contra retrocessos sociais. À iminência de

seus pestíferos efeitos, ou sob seus sinais, adverte a História, ao mesmo tempo em que

descobre as medidas e soluções que os achanaram, ou, ao menos, que malograram na empresa

de os achanar.

Em relação ao Direito Penal, dada sua gravidade, esse atributo tresdobra em

importância. Como bem expende Aníbal Bruno,

o Direito Penal, como qualquer Direito, não é uma construção isolada no tempo. É um produto histórico, que deriva de longa evolução de instituições penais e contém em si mesmo, em potencial, elementos de transformações futuras. E como fenômeno historicamente condicionado, incorporado a uma extensa tradição, a forma que assume em um momento determinado só pode ser bem entendida, no seu sentido geral e em cada uma das suas instituições, quando posta em referência com os seus antecedentes históricos. Daí a influência que pode ter sobre as construções do Direito Penal e o seu bom entendimento a história dos vários institutos e sistemas penais. E essa visão da continuidade histórica do fenômeno penal mantém viva aos olhos do criminalista a realidade político-social em que o Direito assenta, o que pode ainda contribuir para coibir a lógica jurídica nos seus extravios para o formalismo.2

1 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito: situação atual. 5. ed., rev., reest. e aum. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 80. 2 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 3. ed., 2. tir. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 45.

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Fosse relevada essa perspectiva em certas épocas, precavendo-se à consolidação de

certos regimes, na idéia de certos povos, fosse a perspectiva histórica fiel da balança perante

quantos virgens páramos descortinaram-se às vistas dos governos, muitos direitos penais

nefários, inidôneos, ou atrasados e ilegítimos, porque inadequados à sua época, muitos

haveriam sido devidamente relegados.

Esse apenas um dos préstimos de se analisar a evolução do Direito Penal, ou de

instituto que o informa. Outro, de menor fôlego, conforma-se em coligir e anotar as várias

formas, os vários momentos, desse quadro irrompendo a exata posição, a adequação, ou falta

de, de que se examina.

A Reabilitação Criminal, aqui, recebe esse último.

Se a história do direito penal é a história da humanidade, como pretendeu Edgard

Magalhães Noronha, ditando a epígrafe de um sem número de ensaios sobre o tema,3 a da

Reabilitação – entendido o instituto amplamente, como relocação do infrator por entre as

mais extremas margens do Direito – avista o empenho da humanidade em reparar o direito

penal.

É a situação que basta para se compreender por que não pode a Reabilitação, de

qualquer época, ser perscrutada senão engastada à contextura do sistema penal respetivo. Pela

mesma razão, esta justificará a imprevisão ou estreiteza da medida, quando assim houver se

dado; justificada está, porém, a revista do Direito Penal algures sem alusão direta à

Reabilitação Criminal.

Essa metanóia não seria mesmo revelada sem o arranjo de todas as suas construções,

sem o ir-se na esteira de sua evolução.

Entra o presente exame pelas Ordenações vigentes em Portugal ao tempo em que o

Brasil formava um Reino Unido, primeiros registros legais desse torrão americano, porque do

direito que cá se praticara até essa formação, do direito ensaiado pelos brasileiros adâmicos se

não tem retrato rigoroso que permita o garimpo em busca da Reabilitação Criminal.

3 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 34. ed., atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 20.

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1.2 DO DIREITO PENAL DO BRASIL COLONIAL

O período colonial do Brasil, grosso modo, vai de seu descobrimento à sua

emancipação; de 1500 a 1822. Então se não podia falar em Direito brasileiro, considerada a

servidão do novo mundo à metrópole portuguesa. Esta, ao longo daquele intervalo, governou

segundo os ditames de três Ordenações, nesta ordem: Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. As

primeiras foram baixadas em 1446,4 e assistiram ao descobrimento do Brasil. Foram

substituídas em 15215 pelas Manuelinas, em cuja vigência os contornos da Nova Lusitânia

4 A datação de 1446 é praticamente unânime entre tantos quantos se dignaram a consigná-la. Zaffaroni e Pierangeli, no entanto, com destaques nossos, concedem que “o trabalho só ficou concluído em 28.07.1446, na vila da Arruda. Determinou-se, então, que uma junta revisasse o trabalho executado [...]. Algumas alterações foram introduzidas e as Ordenações, com o nome de Afonsinas, vieram a público, provavelmente, no mesmo ano de 1446, ou, no ano seguinte, por ordem do Infante D. Pedro, em nome de D. Afonso V” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 192-3). Em todas as edições (paginadas estas: 1. ed., 3. tir., p. 71; 3. ed., 2. tir., p. 68; 16. ed., p. 105; 19. ed., p. 104; 20. ed., p. 104; 21. ed., p. 107; 22. ed., p. 111; 23. ed., p. 111) de sua Teoria Geral do Processo, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco marcam o ano de 1456, no que entendemos tratar-se de piolho (São Paulo: Malheiros, 1976, 1983, 2000, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, respetivamente). Entre os muitos que não na questionaram: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil: tomo VI: arts. 476-495. Rio de Janeiro: Forense, 1974 ou 1975. p. 191; BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa: volume XXIX: 1902: tomo III: réplica. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1953. p. 220; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal: 1º volume. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 180; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: volume 1: introdução ao direito civil: teoria geral de direito civil. 21. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 81; DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2. ed. rev., atual. e amp., 2. tir. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 180. 5 A datação de 1521 é a que geralmente consta dos apanhados históricos que correm impressos; assinala o texto definitivo das Manuelinas, a partir do qual seriam finalmente observadas, desde sua primeira aparição. Aníbal Bruno (BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 170, nota de rodapé 1) relata que, “concluída a obra, foi impressa em 1512, depois em edição mais correta, em 1514, e, revista [...] por mais sete anos, foi finalmente publicada em 1521, recebendo o nome de Ordenações Manuelinas.” Zaffaroni e Pierangeli (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 194-5) inteiram o relato: “[...] a reforma legislativa, realizada às pressas, não satisfez a expectativa de D. Manuel que, por tal razão, mandou inutilizar todos os exemplares, com exceção daquele encontrável na Torre de Tombo [...]. Dessarte, quando se fala nas Ordenações Manuelinas, está-se referindo às Ordenações publicadas a 11.03.1521, justamente aquelas que tiveram aplicação durante grande parte do século e que foram impressas por Jacobo Cromberger, o Alemão.” Não há verdadeiramente engano, pois, quando se refere um Magalhães Noronha (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 55) ao ano de 1512; um José Câmara, ao ano de 1514 (in BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa: volume XVI: 1889: tomo I: queda do império: diário de notícias. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947. p. 381, nota de rodapé 27, parte final); um Mirabete, ao que tudo indica, também a 1512 (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral: arts. 1º a 120 do CP: volume 1. 23. ed. rev. e atual. até 31 de dezembro de 2005 por Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2006. p. 24) etc.

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não foram além de ponteados. Em 1603,6 no entanto, as Filipinas arrogariam a ordenação de

todas as quinas do Reino, inclusive ultramarinas.

Todas regularam o direito e o processo penal através de seu Livro V, já por força de

tradição, já porque entregavam às matérias praticamente os mesmos conteúdo e estruturação.7

Do sistema penal das Ordenações Afonsinas não há nota tenha sido efetivamente

executado em terras brasileiras, sobretudo pela desorganização em que se encontrava a

Colônia durante os verdes anos que se seguiram à Descoberta.8 Os mesmo motivos

conduziram a aplicação rarefeita do sistema das Manuelinas,9 embora já se houvesse

consciência quando fosse desrespeitado, ou, pelo comum, acerado.

O Direito Penal do Brasil Colonial baralha com o sistema deitado pelo Livro V das

Ordenações Filipinas,10 e copiosamente modificado até que fosse em definitivo supurado pela

6 A datação de 1603 não sofreu contradita, que saibamos: FARIA, Antonio Bento de. Codigo penal brasileiro: volume I: noções gerais: interpretação da lei penal: extradição internacional e interestadual. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 72; NOGUEIRA, Ricardo Raymundo. Prelecções sobre a historia de direito patrio: feitas pelo doutor Ricardo Raymundo Nogueira ao curso do quinto anno juridico da universidade de Coimbra no anno de 1795 a 1796. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1866. p. 31; TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed., 13. tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 56; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: volume I: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 15 etc. 7 Anotam Zaffaroni e Pierangeli, com nossos destaques, que “os autores são unânimes em exaltar a importância das Ordenações Afonsinas, principalmente em razão de seu pioneirismo e da época em que ela surgiu, constituindo-se no ponto de partida para a posterior evolução do direito português, inclusive para as duas outras ordenações que a sucederam, as quais mantiveram, na essência, o plano das primitivas e se limitaram a introduzir alterações em diferentes lugares” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 194). 8 Assis Toledo coloca que, “na verdade, em relação ao Brasil, as Afonsinas não chegaram a ter aplicação, por ausência de uma organização estatal adequada” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 2007. p. 56). “As Ordenações Afonsinas”, dizem Zaffaroni e Pierangeli, “nenhuma aplicação tiveram no Brasil, pois, até 1521, quando de sua revogação, nenhum núcleo colonizador havia se instalado aqui” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 201). Ao passo que, para Aníbal Bruno, “as Ordenações Afonsinas podem interessar apenas por aquilo com que influíram na elaboração das Manuelinas. Estas é que foram real e efetivamente a legislação do início do regime colonial no Brasil” (BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 172). 9 Consoante Assis Toledo, “as Manuelinas, publicadas em 1521, tiveram, por sua vez, aplicação escassa, até que foram substituídas pelas Filipinas [...]” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 2007. p. 56). 10 Remata Magalhães Noronha que “foram, porém, as Filipinas nosso primeiro estatuto, pois os anteriores muito pouca aplicação aqui poderiam ter, devido às condições próprias da terra que ia surgindo para o mundo. Tudo estava por fazer e organizar” (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 55). Segundo Zaffaroni e Pierangeli, “pode-se, pois, fixar, com absoluta

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só promulgação do Código Criminal do Império (Lei de 16 de dezembro de 1830). Este seu

termo final. Em verdade já não era escrupulosamente observado há tempos, culminando sua

desacomodação por aqui com a Independência e, logo, com a Carta de 1824, sequiosa por um

Código Criminal “fundado nas sólidas bases da Justiça, e Eqüidade” (art. 179, XVIII).11

Desde a Revolução Francesa, porém, cujo ideário liberal espirrara para todos os cantos do

mundo, fora o sistema penal das Filipinas amofinado sem jamais restabelecer-se.

Essas Ordenações implantaram nos domínios portugueses o que a História de nossa

Ciência houve por bem qualificar como Direito Penal de terror, tamanha a fragosidade de

suas sanções. Eram sistemas de seu tempo, no entanto, próprios do afervorado Direito Penal

da Idade Média, verdadeiro lábaro das paixões religiosas.

Em terreno tão adverso não poderia grelar senão um átimo da Reabilitação Criminal,

como se verá oportunamente. Esta não medraria até que o Brasil se fizesse soberano.

1.2.1 O Direito Penal do denominado Brasil holandês

Houve época em que parte do Brasil esteve sob o domínio direto da Holanda, então

animada a conquistar colônias, devido a aperturas comerciais.

Américo Jacobina Lacombe reconstitui os acontecimentos:

O primeiro povo que disputou a Portugal a posse do Brasil foi o francês [...]. Quando os reis espanhóis assumiram o governo de Portugal, um outro povo passou a ameaçar o Brasil: o holandês. A Holanda era um dos domínios pertencentes à Casa d’Áustria sob o domínio de Filipe II. Havia muito, porém, que estavam os holandeses revoltados contra a coroa espanhola [...].

certeza, que dentre as três Ordenações do Reino, só as Filipinas tiveram efetiva aplicação no nosso país, principalmente depois da criação da Relação da Bahia, ao tempo de Filipe II, em 07.03.1609, quando se organizou, efetivamente, a administração da justiça. Embora suprimido em 1636, em 1652 foi esse Tribunal restabelecido” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 201). 11 BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886. p. 32-4.

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Enquanto teve Portugal rei próprio, as transações entre os holandeses e os portos portugueses se fizeram com grande vantagem para o comércio de ambas as nações [...]. A Filipe II de Espanha, porém, que foi Filipe I de Portugal, o fechamento dos portos portugueses pareceu excelente arma para combater seus súditos flamengos rebeldes. Viram-se, assim, os holandeses levados a conquistar colônias, a fim de obter diretamente os produtos com que comerciavam [...]. Os holandeses atingiram o período mais brilhante na conquista da chamada então Nova Holanda com a chegada do governador João Maurício, conde de Nassau-Siegen (1637) [...]. Os conquistadores estenderam seu domínio por todo o Nordeste, desde o Maranhão, onde ocuparam São Luís, até o Sergipe.12

Natural é que pretendessem os holandeses implantar suas leis nessa região. Em 15

anos de dominação, porém, não poderiam fazer muito. São vagos os registros acerca da

organização jurídico-penal imposta pelos batavos ao povo do Nordeste; certo, contudo, que

bem não havia organização, mas regras de ocasião, necessariamente adaptadas às

circunstâncias tão diferentes da Colônia. Assim, se não indaga de eventual contribuição desse

sistema extraordinário à Reabilitação Criminal brasileira.

Desse asserto não destoa o magistério de Luiz Regis Prado:

A vigência das leis portuguesas foi interrompida na região do Nordeste do país pela dominação holandesa (1630-1645). O Direito Penal do Brasil holandês – conjunto de normas jurídicas aplicadas pelos flamengos nos territórios ocupados – foi um acidente histórico prontamente esquecido, por força da reação de cunho nacionalista dos brasileiros, em nada contribuindo para a formação de nosso Direito Penal.13

1.3 UM VELHO INSTITUTO

Não é despropositado afirmar que a doutrina ainda se não resolveu quanto às origens

da Reabilitação Criminal no Brasil, arqueando-se a questão com as marcas de sensíveis

disparidades. Antes, contudo, de revelar terreno paludoso, de percurso impraticável, o exame

sobre a questão evidenciou desacertamento: há quem procure a Reabilitação rente às raízes da

restitutio in integrum, há quem o faça próximo às das lettres de réhabilitation, há quem

revolva o terreno da graça, e há, finalmente, quem as persiga todas, porque, a seu modo,

12 LACOMBE, Américo Jacobina. História do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1979. p. 83 e 86. 13 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 6. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 115.

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contribuíram para a evolução do instituto. Ao invés não teria cada sido identificada como a

Reabilitação de seu tempo, ou tipo de Reabilitação.14

“É um velho instituto, que tem atravessado a história do Direito Penal, com

fisionomias diversas, relacionado ou não com o direito de graça”15, professa Aníbal Bruno. E

logo se lobriga o desacerto aludido.

Temos, porém, que esta recolha deve ser tão abrangente quanto possível, acima de

tudo por abalançar-se a medir de perto evolução de instituto cujas transformações mais

refletem reação que fluidez. Então aqui integramos aquele último grupo, espécie de

contentadiços; então aqui seguramente se poderá falar em Reabilitação Criminal nas

Ordenações portuguesas, no Direito Penal do Brasil Colonial.

1.3.1 Da Reabilitação Criminal nas Ordenações

Alcançado o equívoco da Reabilitação Criminal, já esta se insinua em meio às

Ordenações Afonsinas, como perdão, ou graça, em sentido amplo. Cuida o Título LXXXVI

de seu Livro V “Do perdão, que el-rei fez aos que foram a Tânger, e estiveram no palanque

até o recolhimento do Infante Dom Henrique”;16 o CI, “Do que for acusado por algum crime,

e livre por sentença de el-rei”, predicando “que não seja mais acusado por ele”.17 Também os

14 Daí por que, ao que parece, perseguindo a restitutio in integrum, afiança Magalhães Noronha que a reabilitação “não foi conhecida no direito português reinol” (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 309), e Heleno Fragoso, que “nosso Código Criminal, de 1830, era inteiramente omisso a respeito” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 13. ed. rev. e atual. por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 395), enquanto René Ariel Dotti, menos exigente, reconhece que, “em nossos costumes, a reabilitação era também concedida como expressão de graça, prevista no Livro V das Ordenações Filipinas. Segundo a Constituição imperial, o favor era deferido sob a forma de perdão, outorgado pelo Poder Moderador exercido pelo Príncipe Regente (art. 101, §8º). Essa era também a visão do instituto perante o Código Criminal do Império (art. 66)” (DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 613). 15 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 3º: pena e medida de segurança. 4. ed., 1. tir. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 220. 16 PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p. 321-4. Faz referência à carga desautorizada de conscritos portugueses a essa cidade marroquina, tendente à sua conquista, no ano de 1437. Como graça em sentido amplo, o caso mais parece ser de anistia, ou oblívio. 17 PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 359-60.

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Ouvidores da Corte poderiam livrar o acusado neste caso, segundo o desenvolvimento do

Título.18

A primeira previsão se não corresponde a qualquer outra constante das Ordenações

portuguesas. A do Título CI foi, aditada, decalcada às seguintes, pondo o perdão de par com a

sentença, a prol de livrança (Manuelinas, Livro V, Título LXXIII;19 Filipinas, Livro V, Título

CXXX20).21

Resvala ainda na Reabilitação o Título LXX do Livro V das Afonsinas, que preside a

execução da pena de morte em seu sistema:22 a certa altura garante ao condenado tempo para

razoavelmente confessar seus pecados. Afoita-se, contudo, quem desdenha a esmola, ou a

supõe modesta: para uma teocracia, não há mera Reabilitação espiritual; há redenção, há

salvação; para uma teocracia, a Reabilitação espiritual por meio de resipiscência podia

significar muito.

A matéria equivale à do Título LX do Livro V das Manuelinas,23 e à do Título

CXXXVII do Livro V das Filipinas.24 Àquelas já a confissão rematava sua rubrica.25

18 Ao justapor a graça à sentença, o Título CI também amenta o perdão judicial, encistado ao sistema penal vigente como causa extintiva de punibilidade (Código Penal, art. 107, IX) (cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Organização Luiz Flávio Gomes. 10. ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 273-4). 19 PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p. 225-9. 20 PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. p. 1304-6. 21 Mereceu o perdão posição topograficamente destacada ao Título CXXX, Livro V, das Filipinas (cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1304-6). Talvez a razão de o ter reconhecido apenas ali René Ariel Dotti (v. nota de rodapé 14, in fine). 22 A rubrica: “Quando for dada sentença de morte, seja perlongada a execução até vinte dias” (PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 279-80). 23 PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 199-200. 24 PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.313-5. 25 “Dentro de quanto tempo se farão as execuções das penas corporais, e que os condenados sejam primeiro confessados” (PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 199).

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As Ordenações Manuelinas ainda liaram-se inusitadamente à Reabilitação, por força

do Título V de seu Livro V,26 onde coadjuva questão afeta à moderna temática do direito

penal de registro,27 em pioneirismo que não foi ignorado pelas Ordenações seguintes.28

Quanto à Reabilitação espiritual também inovaram as Manuelinas: agora poderiam os

condenados à morte testar (Livro V, Título XCIV),29 o que lhes não era dado pelas

Ordenações anteriores (Livro V, Título LV).30 Mas não no fariam desembaraçadamente:

legariam apenas em favor de causas sacras e pias enumeradas. Se a condenação, no entanto,

derivasse de traição, sodomia, ou heresia (Livro V, Título XCIV, in fine), estava o apenado

proibido de dispor de seus haveres;31 por conseguinte, a alma se não desprofanaria; para a

época, um verdadeiro condenado de corpo e alma.32

Durante largo tempo, nenhuns dos decretos, ou leis, ou alvarás, ou instruções, ou

estatutos baixados após o aparecimento das Manuelinas, considerável parte coligida por

Duarte Nunez do Lião, sob o escudo de Dom Sebastião, em publicação de 1569,33 dirigiram

qualquer achega ao que hoje poderíamos admitir como tipo de Reabilitação, ou Reabilitação

26 A rubrica: “Como passará folha dos que forem presos por feito crime” (PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 26-8). 27 O apelido é declarada crítica proveniente dos que consideram a antecedência, o rol dos culpados, ou símil alocação marginalizante, verdadeiros estorvos à proposta, comungada por muitos países, de reinserção social do infrator. Zaffaroni e Pierangeli atestam que “as disposições que se referem ao direito penal de registro são sumamente importantes, considerando que um dos objetivos da legislação contemporânea é de evitar a estigmatização do condenado, até onde isso for possível” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 778). 28 Ordenações Filipinas, Livro V, Título CXXV: “Como se correrá a folha dos que forem presos por feito crime” (PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.294-6). 29 PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 292-3. 30 PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 201. 31 PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 293. 32 A matéria foi ignorada pelas Filipinas. 33 PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

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histórica. Inclusive a notável Lei de Reformação da Justiça, saída à antevéspera das Filipinas,

em 1582,34 quedou de mesma forma indiferente à Reabilitação.35

As Ordenações Filipinas, além das disposições que recepcionaram, conforme já

anotado, dotaram o museu da Reabilitação com regulamento sobre “como se perdoará aos

malfeitores, que derem outros à prisão” (Título CXVI),36 em cuja estrutura desponta singular

sistema de compensações.

Entre os aditamentos às Filipinas, dois, e apenas dois informam o ficheiro da

Reabilitação Criminal. Durante os lustros que medeiam o aparecimento das Ordenações de

1603 e a revogação de seu Livro V, em terras brasileiras, pelo advento de um Código

Criminal indígena, apenas a Reabilitação espiritual recebeu novas migalhas: o Decreto de 27

de maio de 1645, que dispôs “sobre embargos de condenados à morte”,37 procurou garantir

dia para que pudessem tratar de suas almas (in fine), embora antes colimasse coibir o manejo

abusivo do recurso, conforme se verificara. E, afetando os mesmos embargos, porém mais

sinceramente elado à causa espiritual, o Decreto de 6 de julho de 1752,38 após reconhecer que

os condenados à pena capital têm “menos tempo do que é preciso para se disporem a morrer

com a devida conformidade e paciência cristã”, em razão da esperança nutrida até a execução,

pela interposição de recurso, determinou sejam os embargos julgados “no mesmo tempo” de

eventual súplica deduzida ao rei. Em não sendo modificada a sentença, por qualquer das

medidas, “não será mais admitido requerimento algum, que se encaminhar a impedir a

execução da dita sentença; porque irremissivelmente se há de executar na manhã do dia

seguinte, ainda que seja feriado, não sendo domingo, ou dia santo dos que a Igreja manda

guardar, porque se for, se fará a execução no dia que se lhe seguir, em que não houver este

embaraço”. 34 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume I: livro I: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. p. 241-52. 35 Três décadas mais tarde, o alvará de 6 de dezembro de 1612 sairia com o mesmo título de Lei de Reformação da Justiça (cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.340-4). 36 PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.272. 37 PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.344. 38 PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.344-5.

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Sistematicamente, esses aditamentos não deixavam de emprestar efetividade à garantia

de razoável tempo para confissão, tradicional nas Ordenações portuguesas (v. acima).

Ao aditamento de 1752 sobreveio o retumbante ensaio político de Beccaria, e, nele

inspirado, um novel Direito Penal. Indolentes, as Filipinas conformaram-se até seu ocaso com

as mostras de Reabilitação que respigamos. Feito hercúleo para uma legislação que resistiu ao

Setecentos e ao Oitocentos como a principal fonte de Direito de muitos povos.

1.4 AS ORDENAÇÕES, SEU DIREITO PENAL, E REABILITAÇÃO

As Ordenações desassombradamente timbraram a História do Direito. Obras

grandiosas, “se constituíram na mais importante codificação realizada até então”,39

“sucederam à fase fragmentária dos forais e às abundantes leis gerais sem ordem nem

sistematização”,40 alastraram suas regras através dos mais remotos pontos do planeta, e

asseguraram durante muito tempo o domínio português sobre eles.

Tão logo fulgiram as primeiras centelhas iluministas, o abominoso Direito Penal das

Ordenações foi asperamente criticado por espíritos inflamados pelo movimento

revolucionário.

Não seria jamais esquecido, porém. Para Bento de Faria, configurava como práticas

delituosas extravagâncias e despautérios.41 Aníbal Bruno verbera que “as Ordenações

portuguesas são um exemplo dessa legislação, contra a qual se havia de levantar, com toda a

força de sua íntima simpatia humana, a voz de Beccaria.”42 A Cezar Roberto Bitencourt o

Direito Penal das Ordenações “orientava-se no sentido de uma ampla e generalizada

39 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 191. 40 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 170. 41 Cf. FARIA, Antonio Bento de. Codigo penal brasileiro: volume I: noções gerais: interpretação da lei penal: extradição internacional e interestadual. 1942. p. 72. 42 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 175.

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criminalização, com severas punições.”43 Heleno Fragoso anota que “caracterizava-se

também pela fantástica influência do clero.”44 Por Mello Freire, expoente português do

Iluminismo, foi essa legislação penal reputada “inconseqüente, injusta, e cruel.”45 No juízo de

Luiz Regis Prado, “o delito era confundido com pecado ou vício; a medida da pena vinculava-

se à preocupação de conter os maus pelo terror e a sua aplicação dependia da qualidade das

pessoas.”46

Entre os estudiosos da História do Direito Penal, só logrou igual aceitação a idéia de

que eram as Ordenações coetâneas.47 Nemine discrepante, bem ilustraram os dogmas,

sentimentos e métodos de sua época, tanto que durante séculos não foram expressivamente

contestadas, mesmo por quem nada devia à coroa portuguesa.

Com igual acerto o mesmo pode ser afirmado em relação à Reabilitação, ou seu

vislumbre. Era medida de que se serviam os condenados para não sucumbir por completo

perante o beatério. Conquanto pudesse, raro em raro, ser identificada com outro conteúdo, as

mais de suas aparições às Ordenações exprimiam licença real a purgatório. Daí o falar aqui,

muita vez, em Reabilitação espiritual (v. tópico 1.3.1 acima).

43 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral: volume 1. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 57. Bitencourt, à feição da maior parte dos que se propuseram a extratar a história do Direito Penal luso-brasileiro, pinta os rigores das Ordenações apenas à vista das Filipinas. Vigorado por mais tempo que as anteriores, e praticamente inaugurado a organização jurídica no Brasil, é compreensível sejam analisadas com mais detença. Não menos compreensível, por lado outro, é que as censuras lançadas às Filipinas retrotraiam às suas maiores, pois que não alteraram substancialmente a estrutura do Direito Penal que igualmente as traspassara. 44 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 56. 45 FREIRE, Pascoal José de Mello. Codigo criminal intentado pela rainha D. Maria I. 2. ed. castigada dos erros - corrector o licenciado Francisco Freire de Mello, sobrinho do autor. Lisboa: Typographo Simão Thaddeo Ferreira, 1823. p. II da Introdução. 46 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 2006. p. 114. 47 Cf. FARIA, Antonio Bento de. Codigo penal brasileiro: volume I: noções gerais: interpretação da lei penal: extradição internacional e interestadual. 1942. p. 72; BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 174; PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 194; NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 55-6; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 56 e 58; TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 2007. p. 56-7.

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A proeminência das Ordenações na formação do Direito brasileiro nunca foi

contestada. Mas a marca indelével que imprimiram à História, o ardume de seu Direito Penal,

o caráter espiritual da embrionária Reabilitação, enfim, tudo que aqui se afirmou, não pode

ser adequadamente compreendido, quando menos, sem breve revisitação sistêmica e

abrangente ao cenário de cada um desses corpos de leis, através da qual tais fatores

efetivamente se engranzam e justificam.

Deflagremos essa benfazeja atividade.

1.4.1 Ordenações Afonsinas

Segundo ensinança de Fernando da Costa Tourinho Filho,

o primeiro Código português recebeu o nome de ‘Ordenações Afonsinas’, em homenagem a D. Afonso V, em cujo reinado foi concluída a obra. Sua confecção, desde o seu início, durou cerca de quarenta e cinco anos. Surgiu, exatamente, no ano de 1446 e foi considerado um verdadeiro monumento de sabedoria. O Livro V, com cento e vinte e um títulos, versava sobre os crimes, as penas e o Processo Penal.48

As Afonsinas abeberaram nas grandes fontes jurídicas de seu tempo, mas não

rejeitaram as seminais águas do antigo filão romano. À ingente tarefa de sua geração se

atrelou durante cerca de quarenta anos a fina flor dos jurisconsultos portugueses, bem que se

não duvide tenham-na perfilhado talentos de outras partes. Baixadas em 1446, logo

espiritaram o ideal da Codificação às civilizações vizinhas.49

Zaffaroni e Pierangeli expendem que

tiveram por padrão, ou modelo, a doutrina do Corpus Juris, e, quanto ao método e à disposição das matérias, seguiram as Decretais do Papa Gregório IX. Assim, apresentam um claro conteúdo do direito romano de Justiniano e do direito canônico, como fontes principais: o direito civil de Justiniano, conhecido pelo nome de Leis Imperiais; o canônico que se tornou célebre na Europa, logo após a primeira

48 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal: 1º volume. 2007. p. 180. 49 As Afonsinas constituíram o “primeiro código europeu completo”, de acordo com Regis Prado (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 2006. p. 112). Assim nas vêem Fragoso (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 56), Aníbal Bruno (BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 170, nota de rodapé 1) e Zaffaroni e Pierangeli (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 193).

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metade do século XII; sob a denominação de direito comum, com as doutrinas dos glosadores e intérpretes; o código visigótico, na versão do Fuero Juzgo; as leis das Sete Partidas; as leis editadas a partir de Afonso II; as resoluções das cortes, celebradas desde Afonso IV, as concordatas de D. Diniz, D. Pedro e D. João, além de alguns costumes e forais.50

Da ideologia racionalista que muito desabusaria a humanidade não havia sequer

olores. A cosedura não avançara metro senão apaixonada. Centúrias se demorariam até que

olhos mais cientes descessem à figura do desacomodado à lei. Considerações mais serenas,

exempli gratia, que arrostassem os fenômenos criminógenos a partir de fatores sociais, logo

eram obumbradas pela hirta religiosidade, para a qual a vontade divina e o pecado tudo

explicavam.51

Dentro nesse quadro lucilava a Reabilitação, crivada pela mesma deificação.

1.4.1.1 Da Reabilitação Criminal nas Ordenações Afonsinas

A primeira das Ordenações diz com a Reabilitação através de três dos cento e vinte e

um Títulos que consubstanciam seu Livro V, consoante o apanhado deitado ao tópico 1.3.1

acima.

É o razoável tempo para confissão, garantido pelo Título LXX,52 oásis em meio à

disciplina da execução da pena de morte. Seria recepcionado pelas Ordenações seguintes,

como se viu, e constitui a mais pura expressão da Reabilitação espiritual.

50 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 193 51 Silva Ferrão reflete sobre a influência direta da Igreja no Direito luso-brasileiro daqueles séculos: “As disposições dos cânones da Igreja não podiam deixar de ter então, como tiveram por muito tempo, grande influência e vigor nos fatos, denominados – crimes morais – ou – religiosos –, em que se considerava preciso punir não só o crime, mas o pecado, como se a missão dos homens, no estado social fosse prestar auxílio à onipotência divina, e justiça do Céu!” (FERRÃO, Francisco António Fernandes da Silva. Theoria do direito penal applicada ao codigo penal portuguez: comparado com o codigo do Brazil, leis patrias, codigos e leis criminaes dos povos antigos e modernos: offerecida a s. m. i. o sr. D. Pedro II: imperador do Brazil: volume 1. Lisboa: Typographia Universal, 1856. p. XLVI). 52 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 279-80.

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A anistia, concedida a quem participara da invasão a Tânger (Título LXXXVI),53

rasteja a Reabilitação à medida que ambas, sob certo prisma, quadram à casta do perdão, ou

graça, em sentindo amplo.

Finalmente, admitia seu Título CI o livramento do acusado, mediante sentença do

próprio Monarca, ou de Ouvidor da Corte.54 Assim jogava a hipótese com a graça lato sensu.

Dessa última construção ainda evolaram fumaças que se espreguiçariam até alcançar a

moderna estrutura do perdão judicial.

O acanhamento dessas medidas se conservaria durante muito tempo, e cedo tais não

encontrariam maiores aberturas. “A reforma completa da penalidade”, aponta Levy Maria

Jordão, “a reabilitação da humanidade aos olhos da consciência estava reservada para o século

XVIII.”55

1.4.1.2 O Direito Penal das Afonsinas

Ao Direito Penal dedicaram as Ordenações Afonsinas todo o seu Livro V, o qual,

como que por tradição, seria também seu repositório às Ordenações seguintes.

Constituído por 121 Títulos, esse Livro albergou matérias de ordem material e

procedimental, dentre as quais destacam-se: Dos hereges (Título I);56 Dos que dizem mal del-

rei (Título III);57 Da mulher casada, que se saiu de casa de seu marido para fazer adultério

53 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 321-4. 54 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 359-60. 55 JORDÃO, Levy Maria. Commentario ao codigo penal portuguez: tomo I. Lisboa: Typographya de José Baptista Morando, 1853. p. XVI. 56 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 2-5. 57 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 21-2.

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(Título XII);58 Dos que cometem pecado de sodomia (Título XVII);59 Dos barregueiros

casados (Título XX);60 Do que mata, ou fere alguém sem porquê (Título XXXII);61 Do que

disse testemunho falso, e do que fez dizer (Título XXXVII);62 Dos Feiticeiros (Título XLII);63

Dos que arrancam os marcos sem consentimento das partes, nem autoridade da Justiça

(Título LX);64 Quando for dada sentença de morte, seja perlongada a execução até vinte dias

(Título LXX);65 Dos que entram em casa de alguém, por lhe fazer mal, e aí morrem, ou são

desonrados (Título LXXIII);66 Do que se enforca, ou cai de árvore, e morre (Título

LXXIX);67 Em que caso os cavaleiros, fidalgos, e semelhantes pessoas devem ser presos

(Título XCIV);68 Que todas as apelações de feitos crimes de todo o reino venham aos

Ouvidores, que andam na corte com el-rei (Título XCVIII);69 Dos que encobrem os

malfeitores (Título C);70 Do que for acusado por algum crime, e livre por sentença del-rei,

58 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 44-5. 59 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 53-4. 60 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 72-85. 61 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 126-7. 62 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 142-4. 63 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 152-4. 64 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 237-8. 65 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 279-80. 66 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 284-5 67 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 294-5. 68 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 344-8. 69 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 352-3. 70 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 355-9.

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que não seja mais acusado por ele (Título CI);71 Que não prendam por dívida (Título

CVIII);72 Do que é ferido, ou roubado de noite a desoras (Título CX);73 Daqueles que

ajudam a fugir, ou a encobrir os cativos, que fogem (Título CXIII);74 e Das cartas

difamatórias, que se lançam encobertamente por mal dizer (Título CXVII).75

René Ariel Dotti observa que “muitas práticas punitivas já eram incompatíveis com

determinados progressos daqueles tempos.”76 Prevaleceu, contudo, o conceito de que as

Afonsinas fielmente atenderam aos ideais de então.77

Sobre o sistema de penas das Ordenações de D. Afonso V78 excogita o mesmo autor

que,

no tocante às medidas que afetam a liberdade, a servidão penal raramente aparece como pena no regime das Ordenações. Ela no entanto era admitida como, por exemplo, no caso de um mouro ou um judeu que pretendia se fazer passar por cristão. Em tal hipótese, o rei poderia determinar a sua entrega como escravo a qualquer pessoa [...]. A prisão, embora prevista com freqüência, tinha em regra um caráter preventivo e consistente em evitar a fuga do autor do crime até ser julgado. Essa mesma e antiga característica da detenção física, como espécie da prisão provisória dos dias presentes, era comum na Antigüidade e no Direito Romano [...]. Ao lado, porém, de uma função preventiva, a prisão também era aplicada no regime das Ordenações Afonsinas como um meio de coerção para obrigar o autor ao pagamento da pena pecuniária. Mas ela em raros casos surgia como típica reação de natureza repressiva, imposta, por exemplo, por uma noite para aqueles que

71 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 359-60. 72 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 368-9. 73 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 372-3. 74 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 375-7. 75 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 384-6. 76 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 180. 77 Cf. tópico 1.4, acima, no que é informado pela nota de rodapé 47. 78 Foi o monarca “amador de justiça e de ciência, e honrou muito os que a sabiam”, de acordo com o cronista-mor Ruy de Pina (PINA, Ruy. Chronica de el-rei D. Afonso V: volume III: bibliotecha de classicos portuguezes. Lisboa, 1902. p. 151).

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presenciassem jogos (Tít. 41º, 8); por quinze dias para quem jogasse ou fizesse tavolagem; por três dias para quem violasse, pela segunda vez, as leis sobre as coisas de uso proibido (Tít. 43º, 4).79

Magalhães Noronha asserta que “não se pode falar, nesse diploma, em técnica

legislativa. Seus títulos eram descritivos. Longas orações definiam os crimes. Imperava o

casuísmo etc.”80

Demais, lamenta Alberto Carlos de Menezes, alguns dos forais de que se serviu o

Livro V “se conservavam escritos em linguagem latino-bárbara, e desacostumada.”81

Mas o enleamento das definições, e a conseguinte insegurança, se não alterariam

perante as Ordenações seguintes. Subsistiriam por mais três séculos até o preconício de

Feuerbach.

1.4.2 Ordenações Manuelinas

Conforme o seguro relato de Zaffaroni e Pierangeli,

em 1505, portanto, 59 anos após a promulgação das Ordenações Afonsinas, D. Manuel I, o Venturoso, mandou revisá-las. Para essa tarefa, o rei encarregou o chanceler-mor, Rui Boto, o licenciado Rui da Grã, que era desembargador do Paço e corregedor cível da corte, e João Cotrim, com a determinação de alterar, suprimir e acrescentar, na compilação anterior, o que entendessem necessário [...]. Todavia, a reforma legislativa, realizada às pressas, não satisfez a expectativa de D. Manuel que, por tal razão, mandou inutilizar todos os exemplares, com exceção daquele encontrável na Torre de Tombo. Em seguida, o monarca nomeou nova comissão, composta pelos desembargadores Cristóvão Esteves, João Cotrim e João de Faria, sob a presidência do primeiro. Só o nome de Cristóvão Esteves não encontra qualquer resistência entre os historiadores.82

79 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 180-1. 80 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 56. O comentário é deduzido perante as Ordenações Filipinas, de acordo com o que se disse à nota de rodapé 43. 81 MENEZES, Alberto Carlos de. Plano de reforma de foraes, e direitos bannaes: fundado em hum novo systema emphyteutico nos bens da coroa, de corporações, e de outros senhorios singulares: dividido em nove partes: com hum novo arredondamento de comarcas para os foraes do patrimonio da coroa. Lisboa: Impressão Regia, 1825. p. 26. 82 PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 194-5.

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Publicadas pela primeira vez em 1512, foram refundidas em edição de 1514, mas seu

texto definitivo custaria ainda um tanto; em 1521, porém, as Manuelinas estavam à altura do

reino português.

O Brasil as não podia receber, contudo. Os entraves à sua aplicação em terras tão

distantes e recém-descobertas são flagrantes: desorganização e desorganização. Já de início as

Manuelinas colidiriam com o sistema das donatarias a atalhar qualquer tentativa de respeito

absoluto a seus ditames, mesmo com a instalação que aqui se verificou de um Governo-Geral,

em meados do século XVI.

À guisa do que se dera, com motivos ainda maiores, em relação às Afonsinas, as

Manuelinas “não chegaram a ser eficazes, em razão das peculiaridades reinantes na imensa

colônia”, esclarece Cezar Roberto Bitencourt.

Na realidade, havia uma inflação de leis e decretos reais destinados a solucionar casuísmos da nova colônia; acrescidos dos poderes que eram conferidos com as cartas de doação, criavam uma realidade jurídica muito particular. O arbítrio dos donatários, na prática, é que estatuía o Direito a ser aplicado, e, como cada um tinha um critério próprio, era catastrófico o regime jurídico do Brasil Colônia.83

Não tardaria até que as Ordenações fossem novamente substituídas.

1.4.2.1 Da Reabilitação Criminal nas Ordenações Manuelinas

As Ordenações de D. Manuel I avançaram a passo em direção à Reabilitação

Criminal. Das quatro hipóteses que se a ela avizinham, duas já antojavam às Afonsinas (v.

tópico 1.3.1 acima).

Nestas inspiradas, as Manuelinas encerraram no Título LXXIII de seu Livro V a

possibilidade de livramento84 – se nos afigurando caso de graça lato sensu; ao Título LX

83 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral: volume 1. 2006. p. 57. 84 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 225-9.

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recepcionaram a confissão ao tratar da execução das penas corporais85 – expressão de

Reabilitação espiritual (inclusive figurando alusão à medida já no cabeçalho).

Com essa última qualidade também aparece a Reabilitação diante do Título XCIV, o

qual autoriza o condenado à pena capital legar em favor de causas edificantes.86

Por derradeiro, o Título V do mesmo Livro fez soar os ecos do direito penal de

registro, hoje ensurdecedores.87

Falasse embora Duarte Nunez do Lião em “perpétua mudança e variedade”,88 exato é

que a Coleção de sua lavra as não revelaria ao pé da Reabilitação.

Até o advento das Ordenações Filipinas não haveria qualquer outra inovação no

particular. Mas esta também não dissiparia o bafio, senão levemente.

1.4.2.2 O Direito Penal das Manuelinas

Constituiu manifesto arremedo do Direito Penal das Ordenações anteriores, posto que

alterado em alguns pontos, como nota de evolução que, a medo, se revelava. Em seu Livro V

hospedou cento e treze Títulos, os quais compunham a fonte primária do Direito e do

Processo Penal.

Dentre as novas figuras penais, e outras disposições previstas, destacam-se – quer por

sua importância, quer por sua peculiaridade, ou ineditismo: Do homem que se veste em trajos

85 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 199-200. 86 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 292-3. 87 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 26-8 88 PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. Os dizeres encontram-se nas linhas segunda e terceira do proêmio da obra, endereçado “ao Muito Alto e Muito poderoso Rei Dom Sebastião nosso senhor”, com “perpétua felicidade”.

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de mulher, ou mulher em trajos de homem, e dos que trazem máscaras (Título XXXI);89 Dos

furtos, e que não tragam gazuas, nem outros artifícios pera abrir portas, nem as fechem de

fora (Título XXXVII);90 Dos excomungados, e da pena que hão de pagar (Título XLVI);91

Dos vadios (Título LXXII);92 Em que casos o condenado à morte poderá fazer testamento

(Título XCIV);93 Dos que compram colmeias pera matar as abelhas delas (Título XCVII);94

e Dos que fazem música de noute (Título CIII).95

Defronte ao sistema de penas do Livro V, René Ariel Dotti anota que

também ao tempo das Manuelinas a chamada servidão penal é rara como nas hipóteses em que se submetia o infrator à situação de cativeiro (Títs. 77º e 82º). A prisão é encontrada como medida de coerção pessoal até o julgamento e a condenação (Tít. 42º), sendo menos freqüente a prisão por dívida, enquanto que a privação da liberdade como sanção propriamente dita é pouco utilizada. Em alguns casos, como pena, é fixada em quinze ou trinta dias, sem desconto; em outras vezes, a sua duração é arbitrária (Títs. 14º, 1; 37º, 6 e 103º; 78º; 88º; 11; 10º, 9, 72º e 101º).96

E diante da situação seguinte à publicação das Manuelinas, dispõe

foram divulgadas várias leis, decretos, alvarás, cartas-régias, resoluções, provisões, assentos da Casa de Suplicação, regimentos, estatutos, instruções, avisos e portarias que foram compilados por determinação de D. Henrique. Foi incumbido de tal tarefa, Duarte Nunes de Leão a fim de se ordenar a multiplicidade dos éditos em vigor. A coleção tratou na sua IV parte ‘dos delitos e do acessório a eles’.97

89 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 90. 90 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 109-14. 91 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 158. 92 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 224-5. 93 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 292-3. 94 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 295-6. 95 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 303-4. 96 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p.181. 97 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p.181.

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Do que essa quarta parte da Coleção inovou ao sistema penal, merecem primeiramente

destaque, porque desagravaram a situação do acusado, a Lei IX de seu Título XX – que

impunha não aplicassem “os desembargadores as penas a seu arbítrio”, conquanto tornasse a

previsão às penas pecuniárias, somente98 – e a Lei III de seu Título XXI – que autorizava aos

carcereiros darem de comer aos escravos presos, se os respetivos senhores o não fizessem.99

Ausente, porém, qualquer vestígio de Reabilitação Criminal. Ao revés, estava a

Coleção envolta por severidades: a mesma parte IV prescrevia os delitos dos escravos (Título

V);100 ocupava-se dos trajos dos estudantes (Título XVII, Lei XII);101 das mulheres solteiras

que ganham por seus corpos (Título XIX);102 das dívidas que impediam o retorno de degredo

(Título XXI, Lei IX).103

E marcada também por desigualdades, como a franquia aos degredados assinalados ou

de qualidade de se retirarem sem cadeias aos pescoços (Título XXII, Lei I).104

As desigualdades, o compadrio, e o privilégio nunca abandonariam as Ordenações.

“Mantém-se a mais injusta diferença de classes para o efeito da aplicação das penas, que

variavam segundo o réu era nobre ou plebeu, homem honrado, ou de estado, ou homem

vil.”105

98 PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 172. 99 Cf. PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 173. 100 Cf. PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 121-2. 101 Cf. PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 165-6. 102 Cf. PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 170-1. 103 Cf. PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 174. 104 Cf. PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 175. 105 MATTA, José Caeiro da. Direito criminal português: volume 1. Coimbra: Typographya França Amado, 1911. p. 264. Trata-se, contudo, de outro caso de que à nota de rodapé 43 consignamos.

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1.4.3 Ordenações Filipinas

As Ordenações Filipinas se depararam com um incipiente regime político-

administrativo no Brasil, semeado sobretudo no litoral, no grande triângulo. Situação bem

diferente persistia no Oeste dos virgens pastiçais. Estruturalmente, todavia, nunca estivera o

Brasil mais apto a guardar a nova ordem jurídica.

Aníbal Bruno refere que

Felipe II, de Espanha, que passara a reinar sobre Portugal com o nome de Felipe I, ordenou, ‘para emendar a confusão das leis e obter a estima dos portugueses’, nova estruturação dos velhos Códigos, incumbindo de organizá-la os desembargadores do Paço Paulo Afonso e Pedro Barbosa, com a colaboração de Damião de Aguiar e Jorge Cabedo. Revistas, enfim, por outros juristas, são as Ordenações Filipinas decretadas em 1603, já sob o reinado de Felipe II, e, restaurada a monarquia portuguesa, revalidadas pela lei de 29 de janeiro de 1643, continuando em vigor por mais de dois séculos ainda.106

Das Filipinas quase nada restaria com a promulgação do Código Civil de 1916 (Lei n.

3.071, de 1º de janeiro de 1916), já pelo princípio da codificação, já por previsão expressa de

revogação (art. 1.807).107 Após três séculos de vigência, desapareciam, praticamente; “de

regras sociais passavam à categoria de documentos históricos”.108 A revogação do Livro V

das Ordenações, contudo, se dera com a entrada em vigor do Código Criminal do Império

(Lei de 16 de dezembro de 1830).109

106 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 170-1, nota de rodapé 1. 107 Cf. BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Codigo Civil dos Estados Unidos do Brazil. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1916: volume 1: actos do poder legislativo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917. p. 242. 108 BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos estados unidos do Brasil comentado: volume II. ed. histórica, 5. tir. Rio de Janeiro: Rio, 1980. p. 1.051-2. 109 A vigência, no Oitocentos adentro, do Direito Penal das Ordenações Filipinas, azou este desafogo de Aníbal Bruno: “O insólito é que tal legislação tenha persistido entre nós até tão longo do tempo a que correspondia. Estranha e absurda ela se apresenta é quando a vemos regendo ainda no clima do liberalismo jurídico do primeiro quarto do século XIX, quando as suas abusões e rigores se chocavam com a consciência jurídica da época. Humilhante para a cultura dos dois povos é que ela tenha podido prevalecer até então, com as suas normas extravagantes do campo próprio do Direito Penal, na sua confusão de moral, religião e Direito, como era corrente nas leis penais da Idade Média, injustas na distinção de tratamento entre fidalgos e plebeus, desumanas e por vezs (sic) ridículas nas suas penas. Então é que ela merece ser julgada sob as negras cores com que a vê, justamente, Baptista Pereira, que a define como ‘um misto de despotismo e de beatice, uma legislação híbrida e feroz, inspirada em falsas idéias religiosas e políticas’” (BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 175-6).

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A propósito, capitula Assis Toledo que “as Filipinas, em cujo Livro V se encontra a

codificação penal do Reino, é que foram aplicadas, com toda a sua dureza, durante o Brasil

colonial e, depois disso, até a edição e início de vigência do Código Criminal do Império, de

1830.”110

Mas já em 1824, porém, o referido Livro V fora eclipsado pela Constituição do

Império do Brasil, ciosa por um Código Criminal “fundado nas sólidas bases da Justiça, e

Eqüidade” (art. 179, XVIII).111

As Ordenações Filipinas foram profusamente aditadas, e submetidas a toda sorte de

modificações. Nenhuma, porém, notabilizou-se como a intentada por D. Maria I, através do

gênio de Mello Freire, catedrático da Universidade de Coimbra.112 Seus Códigos de Direito

Público e de Direito Criminal, todavia, jamais entraram em vigor, “ou porque não resistiram

às críticas das comissões revisoras, ou porque só eram lembrados com receio, diante dos fatos

da Revolução Francesa.”113

Esse Projeto de Código Criminal, que sensivelmente traduzia muitos dos protestos

revolucionários de seu tempo, serviu de modelo ao primeiro Código Penal brasileiro, cujo

artífice, cumpre destacar, bacharelara-se em Coimbra.

1.4.3.1 Da Reabilitação Criminal nas Ordenações Filipinas

Originariamente, quatro tímidas Reabilitações descerraram-se do texto do Livro V das

Filipinas. Aditadas estas, concorreriam aquelas com duas outras (v. tópico 1.3.1 acima).

110 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 2007. p. 56. 111 Cf. BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 32-4. 112 “Ele tinha apenas completado a idade de dezanove anos, quando foi graduado Doutor em Leis com geral satisfação de toda a Universidade, que já desde então começava a entrever de quanta glória lhe seria algum dia a associação deste novo Aluno” (STOCKLER, Francisco de Borja Garção. Elogio historico de Pascoal José de Mello Freire dos Reis: pronunciado na assembléa publica da academia r. das sciencias de 17 de Janeiro de 1799, e dedicado a sua alteza real o principe D. Joao nosso senhor. Lisboa: Typographya da Academia R. das Sciencias, 1799. p. 6). 113 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 56.

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Primeiramente cuidaram as Filipinas de “como se perdoará aos malfeitores, que derem

outros à prisão” (Título V), em cuja disciplina penetrou singular sistema de compensação. Era

caso de graça lato sensu, e a única hipótese inédita de Reabilitação.114

Seguiram as Manuelinas ao tratar de “como se correrá a folha dos que forem presos

por feito crime” (Título CXXV),115 questão fundamente entranhada à Reabilitação hodierna.

Não nas seguiram, porém, em relação à possibilidade de o condenado à morte testar

em benefício de causas elevadas, visando à expiação.116 A esse respeito foram omissas as

Filipinas.

O Título CXXX suscitava outro caso de graça, em sentido amplo, expresso por meio

de livramento, mediante sentença, ou perdão.117 A hipótese teve seu berço nas primeiras

Ordenações.118

Também com ressaibo afonsino repousa o Título CXXXVII em meio ao Livro V das

Filipinas. Regulamentava a execução das penas corporais, e admitia a confissão.119 Era a

conta para a Reabilitação espiritual.

Dentre os inúmeros aditamentos e modificações que sobrevieram às Filipinas,

aparecidas em 1603, dois Decretos disseram com essa mesma Reabilitação, ao cuidar do

114 PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.272. 115 PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.294-6. 116 Cf. PORTUGAL. Ordenações manuelinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1797. 1984. p. 292-3. 117 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1304-6. 118 Cf. PORTUGAL. Ordenações afonsinas: livro V: reprodução fac-símile da edição feita na Real Imprensa da Universidade de Coimbra, no ano de 1792. 1984. p. 359-60. Cf., ainda, nota de rodapé 18. 119 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição eita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.313-5. f

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recurso de embargos de condenado à morte.120 Datando o segundo de 1752, logo se constata

que a pena capital sobreviveu aos primeiros luzeiros do movimento reformador. Em verdade

resistiria por mais algumas décadas, se bem que soslaiada.

Diria Francisco Freire de Mello que

em Portugal passa-se um ano e mais sem se executar a pena de morte. Quando se executa sempre se dá primeiramente parte a El-Rei se está no distrito da execução. Não permite a humanidade dos nossos Soberanos, que se execute esta terrível pena sem eles a saberem, e a causa, porque morre um filho seu.121

1.4.3.2 O Direito Penal das Filipinas

O Direito Penal das Ordenações Filipinas não foi menos terrível que o das anteriores.

Assistiria florescer, todavia, o descontentamento de alguns, ao passo que sumulava a vontade

geral das cortes.122

Composto por 143 Títulos, seu Livro V mais se conformou em limar o Direito

Criminal conhecido, sem embargo de lhe achegar as infrações de parto suposto (Título

LV),123 e dos que compram pão para revender (Título LXXVI);124 o instituto do perdão,

120 Decretos de 27 de maio de 1645 (PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.344), e de 6 de julho de 1752 (PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.344-5). 121 MELLO, Francisco Freire de. Discurso sobre delictos e penas, e qual foi a sua proporção nas differentes epocas da nossa jurisprudencia: principalmente nos tres seculos primeiros da monarchia portugueza. Londres: T. C. Hansard, 1816. p. 50. 122 Poucos o veriam propriamente deslocado, ou despido da condição de rigoroso ícone de seu tempo, como José Dias Ferreira, com grifos nossos: “[...] as ordenações compiladas por mandado de D. Filippe I, sendo, com pequenas alterações, a reprodução das ordenações manuelinas, como estas já o eram das ordenações afonsinas, nem representavam as necessidades da época, nem eram já acomodadas à civilização dos povos” (FERREIRA, José Dias. Codigo civil portuguez annotado: volume 1. Lisboa: Imprensa Nacional, 1870. p. V). Cf. o que se disse a respeito ao tópico 1.4 acima. 123 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.204-5. 124 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição eita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.222-4. f

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como recompensa à delação (Título CXVI);125 a disciplina da punição para menores

infratores (Título CXXXV);126 a vedação a arbitrariedade na aplicação das penas (Título

CXXXVI)127 etc.

Ainda, a originalidade da relevância penal de uma impressão de livro sem a licença do

Rei (Título CII)128 denunciava o intento – eclipsado, porém, por velhas e conhecidas

previsões – de gravar ao Direito Criminal filipino o sigilo de seu tempo.129

Em último caso se não distinguiam substancialmente as Filipinas das Ordenações

anteriores. Os acrescentos referidos não teriam o condão de descobrir um novo Direito Penal.

E que se não indague das medievais distinções de classes, pois todas estavam lá, bem

aconchegadas.

A barbaria, esses excessos, todos se exibem no substrato a que Manuel Dias da Silva

reduziu o Direito Penal das Ordenações Filipinas:

[...] em 1603, no reinado de Filippe, foram promulgadas outras Ordenações que são, em grande parte, cópia das antecedentes [...]. O carácter desta legislação penal é o ser bárbara e cruel [...].

125 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.272. 126 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.311. 127 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.311-3. Essa vedação, que primeiro aparecera na Coleção de 1569 (Quarta Parte, Título XX, Lei IX) (PORTUGAL. Leis extravagantes e repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião: reprodução fac-símile da edição princeps das Leis Extravagantes impressa em 1569. 1987. p. 172), verdadeiramente foi recepcionada pelas Filipinas. Cf. ao tópico 1.4.2.2 o que se disse a respeito. 128 Cf. PORTUGAL. Ordenações filipinas: volume III: livros IV e V: reprodução fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870. 1985. p. 1.249. 129 Concebido o processo de impressão em série por Gutenberg em meados do Século XV d.C., infração ligada a seu uso não foi tardiamente assentada nas Ordenações Filipinas, como se poderia supor a princípio, haja vista, primeiro, a distância entre os povos e a velocidade com que grassavam, à época, as descobertas; depois, o tempo decorrido até que fosse aceita e consolidada a referida prática, tivessem as pessoas acesso aos maquinários, fossem reputadas daninhas certas obras etc. Isso sem levar em conta o vulto de trabalho dispensado a uma Ordenação reinol, a demora para sua conclusão, para a chancela real.

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No livro V destas ordenações fizeram-se, é certo, algumas alterações, mas tão insignificantes que não influíram no sistema nem mudaram a natureza da legislação Manuelina e Afonsina [...]. Subsistem as distinções medievais de classes para o efeito de aplicação das penas que variavam, consoante o réu era nobre ou plebeu, homem honrado, de estado, ou homem vil.130

130 SILVA, Manuel Dias da. Elementos de sociologia criminal e direito penal: lições do anno lectivo de 1906-1907 na 14ª cadeira da faculdade de direito da universidade de Coimbra. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1906. p. 327-9.

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CAPÍTULO 2

PERÍODO IMPERIAL – UM DIREITO PENAL

BRASILEIRO, E A REABILITAÇÃO CRIMINAL

2.1 O DEPERECIMENTO DO DIREITO PENAL DAS FILIPINAS

Muitos dissabores curtidos pelos súditos da portuguesa Coroa setecentista tinham um

gosto esquisito, e engendravam efeitos não menos invulgares em seus espíritos: o habitual

azedume do sistema penal filipino tornara-se mais que indigesto, era não raro também

ilegítimo e injustificável; a maça que desventrava o infrator, e o subjugava, agora estumava a

alguns, levando-os a engrossar a fileira dos descontentes.

Conquistas essas de filosofias e movimentos que não eram propriamente nascentes,

mas emergentes, longamente sedimentados a partir do conatural anelo liberal do indivíduo,

que recuperara da arca da Antigüidade um conceito mais exato de si.

Baixadas em 1603, as Ordenações Filipinas cessariam de ditar a matéria penal do

Brasil apenas em 1830, com o aparecimento do denominado Código Criminal do Império (Lei

de 16 de dezembro), marco do Direito Penal crioulo, e do ideal da codificação por aqui. Em

Portugal, semelhante sucesso verificar-se-ia apenas em 1852, ano de seu primeiro Código

Penal (Decreto de 10 de dezembro),131 mas com proporções ainda maiores: era o fim do

131 Ideada antes, viu-se a reforma da legislação penal portuguesa na contingência de socorrer-se de sua antiga colônia, tão longo foi o caminho percorrido até a edição do Código de 1852. Outros sistemas também a inspiraram, decerto, e em acordo com o testemunho de Levy Maria Jordão: “Em 1821 depois da revolução política que inaugurou o sistema liberal nomearam as Cortes uma comissão para confeccionar o código criminal, a qual nada chegou a fazer. Em 1823 pela Carta de Lei de 14 de Fevereiro foi votado pelo corpo legislativo um prêmio de quinze mil cruzados e uma medalha a quem o fizesse; e para o mesmo fim foi votado em 1835 outro de vinte mil cruzados pela Carta de Lei de 25 de Abril. Apesar destes estímulos não houve resultado algum; como porém o Sr. José Manoel da Veiga tivesse oferecido um projeto de código, o Governo por Portaria de 19 de Dezembro de 1836 o mandou rever por uma comissão, que o aprovou, sendo mandado observar por Dec. de 4 de janeiro de 1837, logo que fosse integralmente publicado; razões porém que ignoramos fizeram que não tivesse lugar essa publicação oficial, o que é tanto mais para sentir quanto é certo que muito merecimento tem esse trabalho do Sr. Veiga. Finalmente pelo Dec. de 10 de Dezembro de 1845 foi nomeada de novo uma comissão, a qual concluiu o seu projeto em 30 de Setembro de 1852, sendo publicado e adotado como lei do estado pelo Dec. de 10 de Dezembro do mesmo ano [...].

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Direito Penal filipino.132 Verdadeiramente decrepitara há algum tempo, e seu estertor serviu

de bálsamo a muitos.

Vários fatores concorreram em maior ou menor proporção para tal derrocada, e os

principais ficariam bem conhecidos pela posteridade.

O Iluminismo, que nascera ainda no século XVII como censura ao chamado Antigo

Regime, insurgiu-se ao longo da História especialmente contra o poder absoluto da realeza, de

que foi emblemático representante Luís XIV, de França. Em 1793, outro filho da Casa de

Bourbon seria destronado e decapitado em férvido episódio da Revolução Francesa, que

sacudiria os sanguinosos regimes da época, até de longes territórios. Poucas legislações penais

então sobreviveram sem considerar seus reclamos. Sortes como a de Tiradentes rarearam-se, e

as doutrinas que as pregavam sem rebuço escasseariam de forma acelerada.

A Nova Inglaterra independente se federalizaria em Estados Unidos, e, liberal,

adotaria em sua primeira e única Constituição (artigo IV, seção 4)133 o regime que em terras

brasileiras se elevaria como espetro da branca túnica do mineiro desgraçado. Ainda no século

XVIII, correu mundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela

As suas fontes foram os códigos de França, de Espanha, do Brasil, da Áustria, e de Nápoles: é raro o artigo que se não encontre em algum desses códigos, mais ou menos bem aplicado, e donde por vezes é quase verbalmente extraído” (JORDÃO, Levy Maria. Commentario ao codigo penal portuguez: tomo I. 1853. p. XVII e XVIII). 132 “Bárbara e desnaturada fora a nossa legislação penal antiga; bárbara e desnaturada, como os costumes daquelas eras, eras, que, louvores a Deus e aos esforços dum povo por natureza livre, no presente são contadas como triste memória do passado, e que há muito morreram para o futuro; porque um povo, que por glorioso brasão, por lustroso timbre, tem a inata aspiração à liberdade, não poderia hoje suportar a crueldade e a vingança, em vez da justiça; a severa inflexibilidade de uma lei vexatória e tirânica, em vez do bem entendido rigor da pena, do sentimento moral e religioso, que o cristianismo viera implantar no meio dos homens, trazendo do céu à terra esse meio divino, para nele temperar e purificar as leis da sociedade humana” (D’ALBUQUERQUE, A. M. Seabra. in PINTO, Basilio Alberto de Sousa. Lições de direito criminal portuguez: redigidas segundo as prelecções oraes do excelentíssimo senhor Basilio Alberto de Sousa Pinto: impressas com sua permissão por A. M. Seabra D’Albuquerque. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1861. p. IX-X). 133 Constituição dos Estados Unidos de 17 de setembro de 1787, art. IV, seç. 4ª: “Os Estados Unidos assegurarão a todos os Estados da União a forma republicana de governo, e protegerão cada um deles, assim contra a invasão, como contra violências intestinas, à requisição do corpo legislativo, ou do poder executivo, quando o corpo legislativo não puder ser convocado – The United States shall guarantee to every State in this Union a Republican Form of Government, shall protect each of them against invasion, and, on application of the Legislature, or of the Executive (when the Legislature cannot be convened) against domestic violence” (reprodução e vernaculização do dispositivo por Rui Barbosa, in BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa: volume XLVII: 1920: tomo III: o art. 6º da Constituição e a intervenção de 1920 na Bahia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1975. p. 26-7).

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Assembléia Nacional Constituinte francesa. Transporte de férvido liberalismo, seus ideais

logo enfezaram o rigor do Direito Penal filipino.

Os maiores cavaleiros do humanismo, porém, brandiam pena, não espada. Nomes

como Beccaria, Montesquieu, Kant, Rousseau, Bentham, Hegel, Diderot e Voltaire

desgastaram a coluna central desse e de assemelhados sistemas penais, até que finalmente

fossem truncados pelos regimes que se consolidavam sob a estrela da liberdade.

Em 1789, o Projeto de Código Criminal do jurisconsulto Pascoal José de Mello Freire

muito se aproximou de arrebatar das Ordenações Filipinas a regulamentação do Direito Penal

de Portugal e de suas colônias. Mas não foi convertido em lei. Através das legislações que

inspirou, no entanto, se faria presente.134

Em 1813, Feuerbach entregaria à Baviera o mais avançado Código Penal de seu

tempo, que, logo, constituir-se-ia na súmula dos predicados de que ressentia o Direito Penal

filipino. Vivamente sugestionado pelas idéias liberais que convulsionaram os últimos anos do

século anterior, a técnica e a cientificidade jurídicas pela primeira vez ombreavam-se com a

política criminal esposada. De mais a mais, rutilou em cenário a cuja testa apontava o Código

de Napoleão, de 1810.135

O furriel não sabia, não podia saber, mas suas ambições o ligariam para sempre à

história do Brasil, para onde se dirigiu a família imperial portuguesa, fugida.

134 “A perspectiva de progresso no campo das relações humanas e sociais, tendo à frente as generosas petitions of rights e o humanismo refletido na obra de Beccaria (1764), determinaram o movimento para reformar a legislação portuguesa. Em 1778 foi constituída uma Comissão à qual se juntou Pascoal de Melo Freire em 1783 e que foi encarregada de elaborar os projetos de Códigos de direito público e direito criminal. Os trabalhos foram apresentados em 1789 e continham revolucionárias mudanças no sistema vigente. Muito embora o Projeto Freire fosse abandonado, a história do direito penal luso-brasileiro consagrou os esforços daquele jurisconsulto que tanto lutou contra a ‘carnífica tortura’ alimentada pelo Livro V das horrendas Ordenações” (DOTTI, René Ariel. Reforma penal brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 141). 135 “O texto que, na legislação penal comparada, se contrapõe ao Code Napoleón, podendo ser a ele equiparado tecnicamente – e até mesmo superando-o – posto que representa a autêntica linha liberal da legislação penal, é o código da Baviera, de 1813, redigido por Johann Paul Anselm Ritter von Feuerbach. O texto incorpora as idéias de seu autor, particularmente com relação à pena [...]. Trata-se de um texto com linguagem extraordinariamente polida e técnica para a sua época, com conceitos bem construídos, que reduzem a arbitrariedade judicial, altamente racional e demarcatório de uma linha político-penal em que o homem é colocado em primeiro plano, o que se evidencia na própria classificação das infrações por bens jurídicos, começando com os delitos contra as pessoas” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 203).

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Pouco depois, em 1821, a revolução constitucionalista havida em Portugal fez com

que Pedro I, que permanecera no Brasil como Príncipe Regente, jurasse as Bases da Carta que

pelo lavor das cortes portuguesas se fizesse. O ato constituiu outro duro golpe desfechado

contra o Direito Penal filipino, que passou então a viger em desengano.

René Ariel Dotti discrimina os direitos individuais do cidadão declarados pelas Bases,

todos confessadamente liberais:

a) liberdade individual, segurança pessoal, direito de propriedade, segredo epistolar e direito de petição; b) liberdade de pensamento, com as seguintes especificações: quando exercida através da imprensa, submetia-se ao controle de um Tribunal especial destinado a coibir os abusos e quando envolvesse dogmas da religião católica e aspectos morais, ficavam sob a censura dos bispos; c) igualdade de todos perante a lei, salvo determinadas exceções que iriam confirmar a regra visando eliminar privilégios; d) as penas somente poderiam ser estabelecidas nos casos de absoluta necessidade e deveriam ser proporcionais à gravidade do delito; e) eram abolidas todas e quaisquer penas infamantes e cruéis, tais como a declaração de infâmia, a tortura, os açoites, o baraço e o pregão e a marca de ferro em brasa; f) acesso aos empregos públicos, atendendo-se ao critério do merecimento em função do talento e das virtudes do candidato.136

No ano seguinte, a Independência do Brasil seria uma realidade. E, segundo o mesmo

autor:

As notáveis mudanças que se operaram nos diversos campos de existência da nossa grande nação se projetariam também nas práticas do Direito Criminal. Mas a revogação das Ordenações Filipinas não foi imediata. Uma lei promulgada pela Assembléia Constituinte, em 20.10.1823, determinou que se observasse ainda a legislação portuguesa, enquanto se aguardavam a elaboração do novo Código e a revogação dos diplomas em vigor. No entanto, já se manifestavam os ideais de uma Reforma a se colocar em harmonia com a nova sociedade brasileira que se desenvolvia sob o manto da liberdade nacional. Alguns princípios fundamentais do Direito Penal europeu do último quartel do século das luzes já ganhavam defensores entre os juristas brasileiros como Fernandes Pinheiro, José Clemente Pereira e Bernardo Pereira de Vasconcellos. A irretroatividade da lei penal, a igualdade de todos perante a lei, a personalidade da pena e a utilidade pública da lei penal foram alguns desses princípios que mais tarde iriam basear a legislação criminal propriamente brasileira.137

Já como Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil, o Príncipe Regente de antanho

doaria a sua primeira Constituição, em 1824, após dissolver a Assembléia que fora

especialmente convocada para elaborá-la. Solenemente o Brasil aguardava uma nova ordem

136 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 185. 137 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 184.

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penal. E o projeto que se lançou não poderia ser mais alvissareiro: “um Código [...] Criminal,

fundado nas sólidas bases da Justiça, e Eqüidade” (art. 179, XVIII).138

A Carta não deixou, entretanto, de modificar desde logo o Direito Penal vigente, por

força de inúmeras disposições constantes, máxime, de seu art. 179, aporte dos “direitos civis,

e políticos dos cidadãos brasileiros”.139

Ainda é René Ariel Dotti quem reaviva essa conjuntura:

Antes de reordenado o sistema positivo através da compilação de leis harmonizadas com os novos tempos políticos e institucionais, a Carta de 25.3.1824 proclamara importantes princípios que deveriam informar as novas leis penais e de processo penal. O art. 179, §18, determinava que se organizasse o ‘quanto antes um código civil e criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e eqüidade’. Através de outros parágrafos, o mesmo dispositivo proclamou a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos tendo por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade. Além das garantias gerais no campo das liberdades públicas e dos direitos individuais, a Carta Política declarou, formalmente, a abolição dos açoites, da tortura, da marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis; proibiu o confisco de bens e a declaração de infâmia aos parentes do réu em qualquer grau; proclamou que nenhuma pena passaria da pessoa do delinqüente e que ‘as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e a natureza de seus crimes’ (§§19, 20 e 21). Por outro lado, foram solenemente declarados: a) a proibição de perseguição por motivo religioso (§5º); b) a inviolabilidade do domicílio (§7º); c) a proibição de se prender e conservar na prisão alguém sem prévia culpa formada (§§8º, 9º e 10); d) o princípio da personalidade da pena (§20). De relevo acentuar que alguns dos princípios penais, consignados na Constituição, foram expressamente desenvolvidos na legislação penal posterior, compreendendo o Código Criminal e o Código de Processo. Vale destacar alguns deles pela sua repercussão social e humana: a) o princípio da irretroatividade da lei penal declarado juntamente com o da irretroatividade de qualquer outra espécie ou natureza de leis (§3º). Tal detalhamento tornava-se indispensável para garantir o novo regime de garantias. À nova ordem constitucional, repugnava a rotina da lei de ter eficácia retroativa, de modo a sacrificar a liberdade e a segurança jurídica; b) o princípio da igualdade de todos perante a lei (art. 179, §13). A legislação anterior desconhecia inteiramente tal princípio, ficando ao arbítrio do juiz aplicar ou desconsiderar a lei conforme a natureza e a condição das pessoas [...]; c) o princípio da individualização da responsabilidade, em virtude do qual ‘nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. Portanto, não haverá, em caso algum, confiscação de bens; nem a infâmia do réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja’ (art. 179, §20). Segundo a legislação anterior, a pena de infâmia pelo crime praticado pelos pais se transmitia aos filhos e netos. Os descendentes dos réus do crime de lesa-majestade eram declarados infames para sempre e submetidos a múltiplas perdas e restrições de direitos. O Título VI do Livro V das Ordenações Filipinas tratava do referido

138 BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 32-4. 139 BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 32-5.

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delito e impunha terríveis sanções: os filhos eram excluídos da herança paterna; condenava-se o autor à pena de perpétua infâmia; proibia-se a honra da cavalaria e outras dignidades [...]; d) o princípio da utilidade pública da pena (art. 179, §2º), apesar da falta de uma compreensão homogênea em torno da expressão ‘utilidade pública’. Os historiadores admitem que a mudança no Brasil após 1821, e desenvolvida nos anos seguintes, não se limitou a conduzir o país à Independência; ela proporcionou as condições fundamentais para a aquisição de uma soberania nacional. Daí por que falar-se de uma verdadeira ‘revolução liberal’.140

O Direito Penal filipino ruiu na terceira década do século XIX, entre nós, por obra do

Código Criminal do Império do Brasil (Lei de 16 de dezembro de 1830). Daí a dois anos, o

Código do Processo Criminal de Primeira Instância com Disposição Provisória Acerca da

Administração da Justiça Civil (Lei de 29 de novembro de 1832) revogaria as disposições

processuais do Livro V das Filipinas, seu último sopro de vigência.

Estava acabado.

E, quem ouviria, nesse instante, ao fragor do exício, ao estalo do Direito Penal

crioulo?

Para um mundo novo, uma nova era.

2.2 O PODER MODERADOR E A REABILITAÇÃO CRIMINAL

Dispõe o art. 98 da Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de

1824:

O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.141

140 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 185-7. 141 BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 20.

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Por influência de Benjamin Constant, “tão importante na formação de D. Pedro [...],

com um prestígio inigualado entre os teóricos liberais da Europa”,142 a Carta de 1824 abrigou

la clef de toute organisation politique, o Poder Moderador, que, naturalmente, não fora

admitido pelo Projeto de Constituição apresentado pela Assembléia Geral e Constituinte,

antes de sua dissolução, no ano passado. Tangida pela radical proposta libertadora, a grande

maioria dentre os que a compunham era infensa a participação desse alcance pelo rei, nos

negócios do Estado que nascia. Via-a como uma ingerência daninha, uma ameaça aos mais

caros interesses do novo século.143

Sobre o Poder Moderador fez Pontes de Miranda este grave comentário:

No Império, que adotara o regime parlamentar, o monarca exercia o Poder Moderador [...]. A fonte fora Benjamin Constant, no seu livro sobre política constitucional. Criara-se na pessoa do rei aquele poder neutro, que o publicista francês aconselhava, preservativo e reparador, sem ser hostil [...]. O Poder Moderador, depois de estabelecer-se no Brasil, penetrou na Carta constitucional portuguesa, art. 71, e constituiu, doutrinariamente, inovação memorável da história constitucional do Brasil. Os estadistas do Império tinham plena consciência da originalidade, consistente na concentração dos poderes marcados no art. 101 da Constituição imperial: nomear senador um dos três candidatos eleitos pelo povo; convocar extraordinariamente a assembléia geral; sancionar os decretos e soluções da assembléia geral, prorrogá-la ou adiá-la; dissolver a Câmara dos Deputados; nomear e demitir os ministros; suspender o magistrado que tinha de ser responsabilizado; perdoar as penas e conceder anistia. Convenhamos em que se ia muito longe nos poderes de moderação.144

Não faltou, no entanto, quem no aplaudisse, como expediente de que lança mão um

patriarca mavioso, em busca de congraçamento entre seus menores. Mas preponderariam,

entre os olhares despedidos à inovação, a desconfiança e o comedimento.

142 COSTA, Pedro Pereira da Silva. D. Pedro I: coleção A Vida dos Grandes Brasileiros: supervisão de Afonso Arinos de Mello Franco e Américo Jacobina Lacombe: volume 9: supervisão de Afonso Arinos de Mello Franco. São Paulo: Três, 1974. p. 173. 143 Cf. COSTA, Pedro Pereira da Silva. D. Pedro I. 1974. p. 149-150. 144 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967: com a Emenda n. I, de 1969: tomo I: arts. 1º - 7º. 2. ed., rev., 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 279-81. Sobre esse Poder, cf., ainda: FIGUEIREDO, António Candido de. Rudimentos de direito publico portuguez: accommodados ao programma official para uso dos alumnos de instrucção secundaria. Lisboa: Livraria Ferreira, 1884. p. 32-5; BARBALHO, João. Constituição federal brazileira: commentarios. Rio de Janeiro: Typographia da Companhia Lito-Typographia, 1902. p. 49; TAVARES, José. O poder governamental no direito constitucional portuguez: lições para o curso do 2.º anno de direito no mez de maio de 1909. Coimbra: Imprensa Academica, 1909. p. 5-9.

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Agudamente anotava Alberto dos Reis, diante da Constituição portuguesa de 1838,

que se valera também da brasileira como peanha, mas sem admitir o Poder Moderador (art.

34):145

Desde que há possibilidade de conflitos e antagonismos entre os três poderes, é forçoso admitir, pondera-se, um órgão próprio para dirimir esses conflitos e remover esses antagonismos: confiar tal atribuição a algum dos poderes interessados no litígio seria atentar contra os mais rudimentares princípios de organização jurídica. De resto, a necessidade do poder moderador resulta da própria unidade orgânica do Estado. O Estado constitui um organismo, cuja unidade tem a sua expressão e personificação no chefe supremo; este não pode ser mera figura decorativa e ornamental; há de ter uma função própria correspondente à natureza e carácter da sua representação: é a função moderadora ou unificadora. A admissão do poder moderador obedece, a nosso ver, a um conceito vicioso de organismo. Nos organismos vivos nada há que se compare ao que pretende ser o poder moderador nos organismos sociais; nenhum órgão se eleva acima dos outros para corrigir os desvios em que possam incorrer; a unidade orgânica resulta da ação e reação dos vários órgãos uns sobre os outros; toda a vez que um aparelho se afasta da sua função, as perturbações que o próprio desvio lhe causa e a reação dos outros aparelhos com ele relacionados asseguram a restauração do equilíbrio orgânico. O mesmo deve suceder nos organismos políticos. A única garantia eficaz contra os conflitos e abusos está na reação duns órgãos sobre os outros e da consciência coletiva do país sobre todos eles. Tudo o mais são soluções artificiais que apenas dão em resultado o predomínio violento dum dos poderes sobre os outros. Senão veja-se o que sucede entre nós. A instituição do poder moderador tem como conseqüência imediata entregar-se de fato ao poder executivo a resolução dum conflito em que ele pode ser interessado. Com efeito, o ato do poder moderador só nominalmente tem uma origem diversa do ato do poder executivo; na realidade das coisas os dois atos emanam das mesmas entidades, revestem os mesmos caracteres e implicam a mesma responsabilidade. Finalmente, a admissão do poder moderador deixa em aberto a lacuna que se pretende preencher. Se um conflito surgir entre o próprio poder moderador e um dos outros poderes do Estado, a que órgão há de confiar-se a solução do incidente? Pelo que deixamos dito vê-se, pois, que a teoria tripartita das funções da soberania é ainda a que melhor se adapta ao conceito orgânico do Estado.146

145 Art. 34º Os poderes políticos são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. §1º O Poder Legislativo compete às Cortes com a Sanção do Rei. §2º O Executivo ao Rei, que o exerce pelos Ministros e Secretários de Estado. §3º O Judiciário aos Juízes e Jurados na conformidade da lei (PORTUGAL. Constituição politica da monarchia portugueza: edição official. Lisboa: Imprensa Nacional, 1838. p. 9). 146 REIS, Alberto dos. Sciencia politica e direito constitucional: lições feitas ao curso do 2º anno juridico de 1906 - 1907. Coimbra: Imprensa Academica, 1907. p. 161-2. Marnoco e Souza deparou-se com a mesma aporia: “E, se a possibilidade de conflitos entre os poderes do Estado exige um poder especial para os resolver e afastar, então como se hão de resolver os conflitos e divergências que venham a surgir entre o poder moderador e qualquer outro poder do Estado?”. E concluía, severamente: “A admissão do poder moderador unicamente serve para tirar a independência aos outros poderes do Estado [...]. O poder moderador é ainda um resto do antigo absolutismo dos príncipes, que as constituições liberais precisam de eliminar. A ação que ele exerce sobre todos os outros é deletéria, e, sob a aparência enganadora de uma função de coordenação, encobre aspirações de domínio e tirania” (SOUZA, António José Ferreira Marnoco e. Direito político: poderes do Estado: sua organização segundo a sciencia politica e o direito constitucional português. Coimbra: França Amado, 1910. p. 75).

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A função moderadora manifestar-se-ia conforme o art. 101 da Carta brasileira de

1824, sempre através do Imperador; no caso do inc. VIII, “perdoando, e moderando as penas

impostas aos Réus condenados por sentença”.147

Houve quem identificasse a hipótese como Reabilitação Criminal, “sob a forma de

perdão”. Forçosamente, faria o mesmo diante do Código Criminal do Império, quando aí se

deparasse com o art. 66, alusivo a esse poder imperial.148

Como René Ariel Dotti:

Segundo a Constituição imperial, o favor era deferido sob a forma de perdão, outorgado pelo Poder Moderador exercido pelo Príncipe Regente (art. 101, §8º). Essa era também a visão do instituto perante o Código Criminal do Império (art. 66).149

E Marco Antônio de Menezes:

“A Constituição de 1824, em seu artigo 101, §8º, trata a reabilitação como forma de

perdão e como faculdade do poder moderador exercido pelo monarca, transportando-se daí

para o Código Criminal do Império, no artigo 66 [...].”150

Amparado embora pela equivocidade quanto às origens e às linhas reitoras do

instituto,151 esse entendimento fatalmente faz-se alvo aos estudiosos que só admitem

Reabilitação com longes da restitutio in integrum, e que constituem a maioria.

147 BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 20-1. 148 Art. 66. O perdão, ou minoração das penas impostas aos réus, com que os agraciar o Poder Moderador, não os eximirá da obrigação de satisfazer o mal causado em toda a sua plenitude (BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1876. p. 153). 149 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 613. 150 MENEZES, Marco Antônio. A reabilitação criminal no passado e no presente: uma visão histórico-jurídica. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br>. Acesso em abril de 2008. 151 Equivocidade essa en passant salientada ao tópico 1.3 da presente monografia. Aloysio de Carvalho Filho a não desperceberia: “De efeitos restritos à abolição das incapacidades civis, oriundas da condenação penal, passa à própria condenação, fazendo-a desaparecer, como se fosse uma anistia; de mero favor dos governantes, transfigura-se em ato judicial, fundamentado nos elementos e provas de processo adequado; dos delinqüentes primários estende-se aos reincidentes, das penas criminais às correcionais, dos condenados que cumpriram pena aos que, em conseqüência da graça ou prescrição, não a cumpriram; dessa

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Conforme o bosquejo da Constituição de 1824, confunde-se o perdão com graça lato

sensu, bem estremada da restitutio na desinteligência em que se antepõem direito subjetivo e

favor, ato judicial e ato político-administrativo.152

2.3 O CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO

A 16 de dezembro de 1830, D. Pedro I sancionava o Código Criminal do Império do

Brasil. Nesse ano, protraíra as atividades da Assembléia Geral, conforme lhe autorizava a

Carta vigente (art. 101, V),153 com o nítido objeto de que fosse o trabalho finalmente

concluído. Ao mesmo tempo, atendia parcialmente a ordem constitucional das mais

decantadas (art. 179, XVIII),154 pondo fim a grande expectativa: há mais de três anos

Bernardo Pereira de Vasconcellos tivera seu Projeto preferido ao de José Clemente Pereira,

para servir de estrado à Codificação.155

A obra sancionada, composta por 313 artigos, divide-se em quatro grandes Partes. A

primeira, que funciona como parte geral, tem Dos Crimes, e das Penas como mote (arts. 1º a

maneira, a reabilitação vence, através de várias leis, que os tribunais interpretam e esclarecem, sucessivas etapas, mas, sempre presente, sob maiores ou menores limites, reservas, condições ou formalidades, ao ex-condenado, estímulo para o bem, aceno de esperança em dias melhores, na plenitude de reputação social” (CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao código penal: volume IV: arts. 102 a 120. 5. ed., atual. por Jorge Alberto Romeiro. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 276-7). 152 “De qualquer forma, a ‘graça’, tal como a conhecemos, e muito menos nos seus primórdios, não é direito subjetivo, senão prêmio, aqui sim, do Estado, que a concede quando, a seu juízo e critério, entende necessário ou conveniente aos seus interesses. E, quando digo Estado, pretendo alcançar a classe governante tal como nos é dado conhecer a estrutura que aí está: o Poder Executivo. Não se trata daquele delineado por Montesquieu. Ao Poder Judiciário não é dada a liberdade de agir assim, pois ao juiz cabe analisar o fato e aplicar o direito a ele inerente e não atender a interesses políticos. A ‘graça’, então, nunca foi ato judicial, mas ato político-administrativo. Em síntese, os interesses que norteiam o instituto da ‘graça’ não são, e não eram técnico-jurídicos, mas meramente políticos [...]” (FALCONI, Romeu. Reabilitação criminal: coleção Elementos de Direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 59). 153 Cf. BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 20-1. 154 Cf. BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 32-4. 155 Cf. PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 65-8; DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 187-9; BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 177-8; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 58-9; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 2006. p. 115.

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67);156 as demais, por sua vez, cuidam dos crimes em espécie: respetivamente, dos crimes

públicos (arts. 68 a 178),157 dos crimes particulares (arts. 179 a 275)158 e dos crimes policiais

(arts. 276 a 313)159 – compreendida na Quarta as Disposições Gerais (v. esclarecimento

abaixo). Cada Parte subdivide-se em Títulos, e alguns destes em Capítulos, e Disposições

Comuns, desmanchando-se uns e outros dos primeiros em Seções.

Textualmente há duas Disposições Gerais: as primeiras, entretanto, previstas ao cabo

do Título II da Parte Primeira, estão relacionadas tão-somente com a disciplina sobre a pena

(inclusive declaram sua imprescritibilidade – art. 65);160 as outras, que terminam a Parte

Quarta, e o Código, é que tratam de intertemporalidade, de vigência etc., e praticamente

constituem, ante seu destacamento no arcabouço do diploma, uma quinta parte.161

A geração desse ingente trabalho, e as linhas que o transformaram em modelo para o

Direito Penal coetâneo, seriam consideradas por Candido Mendes de Almeida, um século

depois:

No ano de 1830, foi promulgado o Código Criminal, depois de brilhante e demorada discussão no parlamento, começada em junho de 1826, prevalecendo, por pequena maioria, a manutenção da pena de morte, abolida, porém, para os crimes políticos. Apesar, de manter, também, a pena perpétua de galés, isto é, com correntes ligando dous condenados, e não admitir a prescrição, o Código Criminal de 1830, representou um grande progresso ao direito brasileiro, levando mesmo vantagens aos códigos contemporâneos, considerado trabalho notável pela erudição jurídica,

156 Cf. BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 142-53 157 Cf. BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 154-77. 158 Cf. BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 177-92. 159 Cf. BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 193-99. Muitos dos crimes policiais previstos na Parte Quarta encontram correspondência na vigente Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941), o que de certo modo não fugiu à acuidade de Zaffaroni: “La ultima parte del código estaba dedicada a las contravenciones (crímenes policiales)” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general: tomo I. Buenos Aires: Ediar, 1998. p. 374-5). 160 Art. 65. As penas impostas aos réus não prescreverão em tempo algum (BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 153). 161 Cf. BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 198-9.

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pureza gramatical e ainda pelo tino prático das suas disposições, algumas das quais constituíram inovações na ciência penal, como a relativa à responsabilidade sucessiva nos crimes por abuso de liberdade de comunicação de pensamento, mais tarde adotada no Código da Bélgica. Reconheceu o princípio das penas relativamente determinadas; e com o processo de diferenciação quantitativa e qualitativa, a que sujeitou a aplicação da pena, deu testemunho de certo respeito pelo preceito da individualização. Elogiado pelos criminalistas mais eminentes da época, entre os quais o belga Haus, que afirmou ser a melhor codificação que conhecia, foi o Código brasileiro de 1830 traduzido em francês por Victor Foucher, que assim o vulgarizou no mundo culto, tendo servido de modelo a vários códigos na América e na Europa, especialmente o Código da Rússia.162

Foi obediente à Constituição de 1824, de cujo art. 179 brotara seu gérmen,

auspicioso.163 E deu muita forma e muito colorido a essa que foi a primeira a servir ao Direito

Penal brasileiro – que não nasceu bem cativo à Reabilitação, como se verá.

Mas nem o Código Criminal do Império, que encantou a tantos, se veria sem censores.

Logo à suma autoridade de Tobias Barreto tocaria indigitar-lhe os vícios e defeitos a que

certamente não estava alheio, e que, lento e lento, comprometiam o prestígio de nossa justiça

penal.

Diria:

Não estou muito de acordo que ele tenha sido bom para o tempo mesmo de sua promulgação; mas dado que assim fosse, isto não é uma razão peremptória contra quem quer que hoje lhe note imperfeições e despropósitos. Se é perdoável a um escritor brasileiro de 1830, mesmo porque atualmente ninguém mais o lê, o acanhado das suas idéias, a estreiteza de seu horizonte, outro tanto não pode dar-se com o legislador daquela época. Postergada e esquecida a produção literária, não é muito que se procure salvar do naufrágio, ao menos, o nome do autor, desculpando a sua ignorância. Mas como esquecer a lei, fechar os olhos a todos os seus defeitos, e atender somente para o meio social e o estado de cultura dos homens, que a fizeram, se a lei é hoje tão viva, como nos primeiros dias da sua execução, se a desculpa fundada no tempo, em que ela foi feita, não nos livra dos maus resultados das suas lacunas? Limito-me a perguntar, e não me demoro em saber qual seja a resposta, pois que nenhuma pode ser dada, merecedora de atenção.164

162 ALMEIDA, Candido Mendes de. Relatorio do delegado oficial do Brasil na comissão internacional penal e penitenciaria: decimo congresso penal e penitenciario internacional realisado em Praga em agosto de 1930: sessões e resoluções: contribuição do Brasil: sessões e resoluções da conferencia penal e penitenciaria brasileira realisada no Rio de Janeiro em junho de 1930: Ministerio da Justiça e Negocios Interiores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. p. 160-1. 163 Cf. BRASIL. Constituição politica do imperio do Brazil. Collecção das leis do imperio do Brazil de 1824: parte 1ª. 1886. p. 32-5. 164 BARRETO, Tobias. Menores e loucos e fundamento do direito de punir: obras completas: tomo V: direito. Aracaju: Edição do Estado de Sergipe, 1926. p. 43-4.

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E José Henrique Pierangeli, dentre os penalistas modernos, sem prejuízo do panegírico

que rende à situação global da obra:

É evidente que essa legislação possuía defeitos, como, aliás, já vaticinara a Comissão nomeada pela Câmara, ao ofertar o seu parecer [...]. Não definia a culpa, mencionando apenas o dolo (arts. 2º e 3º), conquanto no art. 6º a ela se referisse, capitulando logo mais adiante crimes culposos (arts. 125 e 153), olvidou o homicídio e as lesões corporais culposas. Essa omissão só veio a ser suprida através da Lei 2.033, de 1871. Contudo, é de se ressaltar que o silêncio do Código, na época em que veio a lume, pouco ou nada significava, pois a importância dos crimes culposos só surgiu com o advento das máquinas, com os meios de transporte e da evolução da indústria, quando, então, situações perigosas passaram a se apresentar e reclamar o que hoje denominamos de cumprimento do dever objetivo de cuidado. Também estaria a merecer críticas por ter sucumbido às idéias predominantes na época, em que se valorizava a pena de morte, principalmente como meio de submissão do braço escravo, sobre o qual repousava, em grande parte, a nossa incipiente economia. Com isso espalhou-se a desigualdade no tratamento entre homens, mas, é bem verdade, o escravo era apenas rês que pertencia ao seu senhor. Tudo isso, embora a Constituição consagrasse o princípio da igualdade de todos perante a lei [...].165

2.3.1 Da Reabilitação no Código Criminal do Império

A ossatura do Direito Penal brasileiro fora descansada em 1824, pela Constituição

Política do Império do Brasil, de índole liberal. Os princípios que desta surdiam, direta ou

indiretamente atinentes à prisão e à pena, é que mantiveram a compostura da matéria até o

advento do Código Criminal. O cadente sistema filipino, por seu lado, já lhe não podia

embargar de adolescer. E o próspero horizonte que se distendia ao fundo dessa organização

bisonha, e que irmanava a todos os brasileiros, infundia em seus primeiros críticos um projeto

inaudito de Direito e de Justiça.

Essa ambiência mais sujeita a medidas como a Reabilitação, todavia, mesmo a não

traria logo perfeita e acabada, com toda a expressão da clássica restitutio in integrum – que a

desentranhara da idéia comum de graça, como exemplar especial. Afinal ainda eram severas

as sanções previstas pelo Código Criminal do Império, e o individualismo que logo ditaria a

reserva do Estado, o despojaria por muito tempo dos valores sob os quais precisa antes

amadurecer a idéia da Reabilitação.

165 PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 71.

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Na realidade, o Direito Penal do Império não refugaria prontamente a qualquer medida

que, sem atentar contra os princípios liberais dominantes, fizesse oposição ao cabalístico

sistema filipino. Mesmo assim, significativas contribuições no campo da Reabilitação

adviriam apenas com a República entrada em anos, chegando mesmo a não reconhecê-la no

âmbito do Código Criminal do Império a maioria de seus estudiosos.166

Nomes como Romeu Falconi e René Ariel Dotti, contudo, vislumbraram o instituto

em nosso primeiro estatuto criminal.

O primeiro diante do art. 59, que trata da pena de perda do emprego:167

[...] quero contestar a afirmação categórica de omissão sobre o instituto de reabilitação. [...] pretendo demonstrar, ou pelo menos chamar a atenção para o fato de que [...] houve certo desprezo quanto à maneira de interpretar a norma jurídica, não a adaptando ao seu tempo e ao conjunto intrínseco e extrínseco de valores cultuados naquela quadra social. Percebe-se, claramente, a existência da pena acessória no Código Criminal do Império. Assim, aquele que viesse a ‘perder o emprego’, por força de sentença, não teria direito ao reconhecimento dos serviços prestados. Ao que parece, havia até mesmo efeito retroativo da lei, que tinha efeito ex tunc. Entretanto, cumpre observar a real possibilidade de o condenado ser agraciado com uma verdadeira restitutio in integrum no que diz respeito ao emprego que exercia. E a lei vai mais longe ao dizer: ‘da mesma ou de diversa natureza’, o que ensejava ao beneficiado reivindicar os benefícios da fungibilidade, em matéria funcional. É precisamente na seqüência da locução, que se vislumbra de modo claro, o reconhecimento da reabilitação. Lê-se no texto, em sua seqüência: ‘Salvo havendo declaração de inhabilidade’. Ora, se houve o cuidado do legislador em afirmar a decretação de inabilitação, há de se admitir, como fez o sistema normativo penal de

166 Heleno Cláudio Fragoso é incisivo: “Nosso Código Criminal, de 1830, era inteiramente omisso a respeito” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 395). Outros simplesmente não fazem qualquer referência a Reabilitação existente antes do advento da República, ao analisar a evolução do instituto no Direito brasileiro, como Luiz Regis Prado (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 2006. p. 677-8), Aloysio de Carvalho Filho (CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao código penal: volume IV: arts. 102 a 120. 1979. p. 268 e s.), Magalhães Noronha (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 309) etc. 167 Art. 59. A pena de perda do emprego importará a perda de todos os serviços, que os réus houverem prestado nele. Os réus, que tiverem perdido os empregos por sentença, poderão ser providos por nova nomeação em outros da mesma, ou de diversa natureza, salvo, havendo expressa declaração de inabilidade (BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 152).

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então, a reabilitação. De sorte que somente aqueles que fossem apenados com sanção acessória da perda da função poderiam sempre pleitear a reabilitação.168

Já o mestre curitibano vale-se do art. 66 da Codificação,169 alusivo ao Poder

Moderador de perdoar as penas:

Segundo a Constituição imperial, o favor era deferido sob a forma de perdão, outorgado pelo Poder Moderador exercido pelo Príncipe Regente (art. 101, §8º). Essa era também a visão do instituto perante o Código Criminal do Império (art. 66).170

De notar que, no primeiro caso, a hipótese mais se aproxima da restitutio in integrum,

sem as características da qual se não há falar em Reabilitação, segundo Falconi.171

No segundo caso, a identidade do instituto com o perdão, que nada tem a ver com a

restitutio, calha à dominante concepção de que tem a Reabilitação a natureza de graça.172

2.4 O DIREITO PENAL CRIOULO COMPLETA SEIS DECÊNIOS

O Direito Penal do Brasil nasceu com o Código Criminal do Império, em 1830.

Alvorecera pelos idos de 1824, com a Constituição, e até dantes, mas agora estava pronto.

Singular e valoroso, era do Brasil, era crioulo.173

Esse Código vigorou durante 60 anos, os primeiros de nosso Direito Penal, quase toda

a Monarquia. Ao luzir a República, foi revogado por outro Código Penal (Decreto n. 847, de 168 FALCONI, Romeu. Reabilitação criminal. 1995. p. 81-2. 169 Art. 66. O perdão, ou minoração das penas impostas aos réus, com que os agraciar o Poder Moderador, não os eximirá da obrigação de satisfazer o mal causado em toda a sua plenitude (BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 153). 170 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 613. 171 Cf. FALCONI, Romeu. Reabilitação criminal. 1995. p. 48-50 e 57-71. 172 Cf. DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 614. 173 “O Código de 1830 constituiu a etapa inicial do direito penal brasileiro (pois, antes dele, mesmo após a Independência, em 1822, vigorava no Brasil o líber terribilis das Ordenações Filipinas, tomadas de empréstimo a Portugal). Foi, aliás, o primeiro Código autônomo da América Latina” (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal: volume I: tomo I: arts. 1º a 10. 5. ed., atual. por Heleno Cláudio Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 47, nota 12, in limine).

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11 de outubro de 1890), já bastante modificado.174 Mais do que a lei, porém, mudara o Direito

que esta pretendera dispor em artigos e incisos.

Nesses 60 anos, muito deveu a Ciência Criminal brasileira às Academias de Direito,

criadas por Lei de 11 de agosto de 1827.175 E com a instrução acadêmica surgiram os

primeiros mestres; e o Brasil viu florescer a doutrina,176 e os grandes jurisconsultos do

Império, de formação completa.

174 “Dentre as leis penais posteriores ao Código, até o advento do primeiro Código republicano, de 1890, foram promulgadas várias leis, dentre as quais merecem ser mencionadas as seguintes: 1) Lei de 4 de setembro de 1850, que cuidou da repressão do crime de tráfico de africanos; 2) Lei de 18 de setembro de 1851, sobre os crimes militares; 3) Lei de 20 de setembro de 1871, que define os crimes culposos e trata do estelionato, (sic) 4) Lei de 4 de agosto de 1875, acerca do direito penal internacional; 5) Lei de 15 de outubro de 1886, que refere-se a crimes de dano, incêndio e outros. Com a abolição da escravidão, pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, várias alterações atingiram o Código Criminal. Em face da nova realidade social, em 4 de outubro desse mesmo ano, Joaquim Nabuco apresentou projeto em que buscava a adaptação da lei penal à nova situação. O projeto sequer chegou a ser discutido, mas o deputado João Vieira de Araújo apresentou ao Ministro da Justiça um ‘anteprojeto de nova edição do Código Criminal’, tendo sido indicada para estudar o trabalho apresentado uma comissão [...]. Dita comissão, através de ofício datado de 10 de outubro de 1889, opinou no sentido de que, em lugar de uma simples revisão, se fizesse a reforma completa da legislação penal, posto que se impunha ‘a urgente necessidade de reformar-se o atual regime de repressão’. Diante de tais considerações, o Conselheiro Cândido de Oliveira, Ministro dos Negócios da Justiça, encarrega Batista Pereira de organizar o projeto reformista, missão que aceitou. Contudo, em 15 de novembro de 1889, era proclamada a República, e com ela uma nova ordem jurídico-política se instalou” (PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 73-4). Paula Ramos refletia, já em 1875: “Há mais de quarenta e quatro anos vivemos sob o regímen desse monumento legislativo de penalidade que honra nossa pátria e seus autores. Será porém chegado o tempo de rever a obra dos sábios de 1830? Estaremos preparados para tão importante trabalho pelas lições da experiência, e reclamos instantes dos costumes e da civilização que, segundo Bonneville, são as melhores e mais sábias conselheiras de quaisquer modificações e reformas penais? Não hesitamos diante da afirmativa. A tendência irresistível para a revisão das leis criminais é um dos característicos do presente século, como asseguram todos os modernos criminalistas [...]. É facto que a ninguém é lícito contestar; depois de 1830, época em que foi promulgado nosso Código, quase todas as nações da Europa têm trabalhado na revisão completa de sua legislação criminal [...]. Se pois é manifesta a tendência da época que atravessamos; se nosso Código não é isento de imperfeições e lacunas, que a experiência aliás tem de sobejo apontado, é de crer que os legisladores brasileiros não deixarão, quanto antes, de atender a semelhante aspiração nacional” (RAMOS JÚNIOR, Antônio de Paula. Commentario ao codigo criminal brasileiro. Rio de Janeiro: editora não informada, 1875. p. VII-IX). 175 BRASIL. Lei de 11 de agosto de 1827 – Crêa dous Cursos de sciencias jurídicas e sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1827: parte primeira. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878. p. 5-7. 176 As grandes obras da fase inicial do Direito Penal crioulo viriam à tona somente a partir da segunda metade desses 60 anos, a maioria em forma de comentários ao Código vigente. Em escrito datado de 1858, Braz Florentino observa a escassez da doutrina brasileira sobre a sua Ciência: “Há vinte e sete anos que o Código Criminal do Brasil foi promulgado, e a despeito do seu reconhecido mérito e excelência, que o colocam a par das mais belas concepções legislativas dos tempos modernos, a despeito mesmo do interesse vital que naturalmente devera inspirar o estudo de suas disposições em um país que progride e aspira às honras da liberdade, nenhum trabalho tem aparecido sobre ele até o presente, além das Observações do distinto magistrado o Sr. Dr. Mendes da Cunha; prova de que o gosto pelo estudo das ciências jurídicas não tem tido entre nós a animação e o desenvolvimento que fora para desejar-se” (SOUZA, Braz

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A liberdade de imprensa, dentre tantas conquistas liberais da humanidade por esses

tempos, no Brasil se deparou com regulamentação razoável, meditada.177 O sistema de dia-

multa, que instituiu, afamar-se-ia através de outras legislações.178 A individualização da pena,

tardiamente interessada, muito prosperou com a competente disposição sobre circunstâncias

atenuantes e agravantes (arts. 15 a 20).179

Os ares, porém, não eram favoráveis à Reabilitação Criminal.

O bafejo individualista aflado pelo Iluminismo, que circunvolvia a Política

cosmopolita, e que naturalmente fora encanado para o primeiro Código Penal do Brasil,180 se

Florentino Henriques de. Lições de direito criminal. 2. ed. augmentada com uma lição sobre o art. 1º do codigo criminal. Paris: J. P. Aillaud Guillard e C., 1872. p. 329). 177 “É do mais alto interesse de atualidade qualquer questão, que se refira à liberdade da imprensa. Esta belíssima instituição, que constitui uma das mais importantes conquistas da civilização moderna, tem chegado em nosso país a uma desmoralização tal, que assusta os espíritos mais intrépidos. A imprensa é, como disse um notável escritor, o sintoma quotidiano do estado do país; e quando descendo a mais torpe licenciosidade nas mãos dos libelistas e difamadores, ela ataca com cínica audácia todas as reputações e todos os caracteres, é sinal, de que a corrupção lavra pelo corpo social; e os pródromos das grandes anarquias se vão manifestando pela desorganização e decomposição moral” (BARROSO, José Liberato. Questões praticas de direito criminal. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1866. p. 53). 178 O mundo conheceu-o como sistema nórdico, contudo, em razão do desenvolvimento que teve nas legislações dessa região: “El origen del sistema del día-multa se halla [...] en el Código de Brasil de 1830, siendo totalmente injusta la denominación de ‘sistema nórdico’, puesto que en los países nórdicos se lo menciona más de setenta años después de su vigencia em los países de lengua portuguesa. Lo correcto sería llamario sistema brasileño” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general: tomo V. Buenos Aires: Ediar, 1988. p. 215). Cf., ainda: PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 2006. p. 613; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 316; PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 72. 179 Cf. BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830 – Manda executar o Codigo Criminal. Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1830: parte primeira. 1876. p. 145-8. 180 Urgira a codificação do Direito nacional com a Independência, certo que não ignorava o governo a representatividade desse lavor perante o consórcio internacional. A ordenação do Direito, todavia, em princípio acorre à própria efetividade. Em relação ao Direito Penal, a idéia da codificação se consolidou com o princípio da legalidade, creditado a Feuerbach. “Foi com o Iluminismo, a partir do postulado nullum crimen sine lege, que se veio construindo a Ciência do Direito Penal, pois do princípio da reserva legal deflui a exigência da lei prévia e também a de sistematização racional da lei penal com vistas a garantir a segurança jurídica. A ordenação sistemática da lei penal permite a sua cognoscibilidade, dando conformidade ao aglomerado caótico, tornando apreensíveis os princípios comuns, em razão da estruturação das matérias, estabelecendo de forma geral as condições de incidência das normas incriminadoras. A lei penal ordenada de forma geral e abstrata fixa, também, as condições de eficácia das normas incriminadoras, como por exemplo, no tempo, no espaço, a co-autoria como forma de realização da conduta, bem como o modo de cumprimento das sanções penais, pena e medida de segurança, impedindo dessa forma o arbítrio. Surge, portanto, o processo de codificação como conseqüência do princípio da legalidade e da garantia individual diante do Estado. E a codificação permite o desenvolvimento da Ciência do Direito Penal pela

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não dispersaria suficientemente com o passar dos anos. Não obstante, houve quem ali bispasse

a Reabilitação, como restou mostrado.

E mesmo com o advento do regime republicano, a atmosfera individualista se

conservou por muito. A Reabilitação que consta de forma expressa do diploma de 1890 (art.

86) nada tem de social; designa a “reintegração do condenado em todos os direitos que houver

perdido pela condenação, quando for declarado inocente [...]”.181 Não se preocupa com o

delinqüente, com a ressocialização. Esta, aliás, com a excepcionalidade da pena de morte

(Constituição de 1891, art. 72, §21)182 assumiu a dianteira dos problemas nacionais.

O estrépito social, entretanto, se antecederia ao primeiro centenário do Direito Penal

brasileiro.183

identificação dos princípios que se desumem do Código e pelo recorte da matéria disciplinada em institutos, cuja natureza e implicações com outros institutos passam a ser examinados” (REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral: volume I. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 59-60). 181 BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 2.676. 182 Cf. BRASIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1891: partes I e II: de 24 de fevereiro a 30 de junho: volume I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892. p. 17-9. 183 Rui Barbosa utilizou-se da campanha presidencial à sucessão de Rodrigues Alves para desasnar seus compatrícios: “A concepção individualista dos direitos humanos tem evolvido rapidamente, com os tremendos sucessos deste século, para uma transformação incomensurável nas noções jurídicas do individualismo restringidas agora por uma extensão, cada vez maior, dos direitos sociais. Já se não vê na sociedade um mero agregado, uma justaposição de unidades individuais, acasteladas cada qual no seu direito intratável, mas uma entidade naturalmente orgânica, em que a esfera do indivíduo tem por limites inevitáveis, de todos os lados, a coletividade. O direito vai cedendo à moral, o indivíduo à associação, o egoísmo à solidariedade humana” (BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa: volume XLVI: 1919: tomo I: campanha presidencial. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1956. p. 81).

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CAPÍTULO 3

PERÍODO REPUBLICANO –

DIREITOS E REABILITAÇÕES CRIMINAIS

3.1 O CÓDIGO PENAL DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil,184 “reconhecendo

a urgente necessidade de reformar o regímen penal”, entregou ao país, em 1890, por meio do

Decreto n. 847, de 11 de outubro, um novo Código Penal.185

Vindo à luz antes mesmo que a República brasília completasse seu primeiro ano, antes

que tivesse sua primeira Constituição, esse estatuto, durante toda a sua vigência, e até mesmo

depois, exceleu nas páginas da doutrina como “o pior Código Penal de nossa história”.186

184 Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, art. 4º. Enquanto, pelos meios regulares, não se proceder à eleição do Congresso Constituinte do Brasil, e bem assim à eleição das legislaturas de cada um dos Estados, será regida a nação brasileira pelo Governo Provisório da República; e os novos Estados pelos governos que hajam proclamado ou, na falta destes, por governadores delegados do Governo Provisório (BRASIL. Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889 – Proclama provisoriamente e decreta como a forma de governo da Nação Brazileira a Republica Federativa, e estabelece as normas pelas quaes se devem reger os Estados Federaes. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: primeiro fasciculo: 15 de novembro a 31 de dezembro de 1889. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 1). 185 “O Governo Provisório aproveitou-se da excepcional autoridade que se atribuía em virtude das funções extraordinárias que estava exercendo, para levar a efeito algumas reformas que eram desde muito reclamadas pela opinião” (POMBO, José Francisco da Rocha. História do Brasil: volume V: a República. Rio de Janeiro: W. M. Jackson Inc., 1959. p. 349). 186 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral: volume 1. 2006. p. 58. Magalhães Noronha ajuíza: “Infelizmente o novo estatuto estava longe de seu antecessor e logo se viu alvo de veementes e severas críticas. Carvalho Durão foi um dos que mais o criticaram. João Monteiro chegou a chamá-lo ‘o pior de todos os códigos conhecidos’ [...]. As críticas que lhe foram feitas, sem dúvida, exageravam, mas, a par das qualidades apontadas, os defeitos eram numerosos” (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 59). Segundo Aníbal Bruno, “o primeiro Código Penal da República foi menos feliz do que o seu antecessor. A pressa com que foi concluído prejudicou-o em mais de um ponto, e nele a crítica pode assinalar, fundadamente, graves defeitos, embora muitas vezes com excesso de severidade. Não tardou a impor-se a idéia da sua reforma, e menos de três anos depois da sua entrada em vigor já aparecia o primeiro projeto de Código para substituí-lo” (BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 180). “Não teve, porém, esse Código o mesmo sucesso do anterior”, justifica Assis Toledo, “provavelmente pela pressa com que foi feito e promulgado ou, talvez, por não ter sido bem aceito e convenientemente aplicado.

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Fora ainda a principal fonte da Consolidação das Leis Penais (baseada em obra

individual de Vicente Piragibe, convolada em lei pelo Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro

de 1932), até que, carcomido em sua autoridade, se visse definitivamente revogado pelo

Código de 1940 (Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro).187

As críticas que sobre ele desabaram foram numerosas e contundentes. E a tal ponto que mal entrara em vigor teve início o movimento para reformá-lo [...]” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 2007. p. 60). Recebeu o estatuto penal de 1890, até mesmo, censura oficial. Logo ao primeiro item da Exposição de Motivos do Código de 1940, assinada pelo Ministro Francisco Campos, assoma: “Com o atual Código Penal nasceu a tendência de reformá-lo. A datar de sua entrada em vigor começou a cogitação de emendar-lhe os erros e falhas. Retardado em relação à ciência penal do seu tempo, sentia-se que era necessário colocá-lo em dia com as idéias dominantes no campo da criminologia e, ao mesmo tempo, ampliar-lhe os quadros de maneira a serem contempladas novas figuras delituosas com que os progressos industriais e técnicos enriqueceram o elenco dos fatos puníveis” (in FARIA, Antonio Bento de. Código penal brasileiro: volume II: primeira parte: parte geral: arts. 1 a 41. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 5). Zaffaroni e Pierangeli, no entanto, redargúem de forma notável às críticas que se derramaram contra o Código de 1890: “O Código de 1890 foi sumamente criticado, mas cremos que essas críticas não possuem tanto fundamento como se tem apregoado. Freqüentemente refere-se a ele como possuidor de um texto arcaico e defeituoso, e essa afirmação não tem sido objeto de uma revisão séria. Muitas dessas críticas exsurgem mais como fruto da vaidade e da incompreensão [...]. É óbvio que a República nasceu sob o signo ideológico do positivismo, e o Código Baptista Pereira não correspondia a essa ideologia. Isto explica as críticas de que foi alvo, particularmente quando chegaram ao Brasil as influências de Ferri e de toda a escola criminológica italiana. Obviamente, as tendências elitistas e racistas não poderiam ver no código de 1890, algo diferente do que a materialização do liberalismo que elas satanizavam. Justifica-se, dessarte, a crítica sobre ser ‘o pior de todos os códigos conhecidos’ (João Monteiro)” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 210-1). Nélson Hungria, a quem se reconhece a impavidez de bater-se pelo ignoto valor desse Código, testemunha que, “através do livro de Galdino” – faz referência ao primeiro tomo do Direito Penal Brasileiro deste autor, tirado em 1921 –, “o Código de 90, que tão injustamente fora chamado ‘o pior Código Penal do mundo’, aparecia-nos sob aspectos novos, reabilitado de muitas acusações que lhe faziam, explicado nos seus pontos obscuros ou incompreendidos, reintegrado no verdadeiro sentido dos seus dispositivos, cientificamente reajustado ao seu sistema orgânico e habilmente remoçado por uma exegese adaptativa. Ressurgiram, com o excelente tratado, cuja publicação foi rematada em 1924, o estudo e o gosto em torno do direito penal. Viera ele demonstrar que o nosso primeiro Código Penal republicano não era tão atrasado e defeituoso como se assoalhava: os que com ele lidavam, na prática judiciária, é que revelavam, via de regra, um profundo descaso pela cultura jurídico-penal, um quase total alheamento ao complexo estudo do direito penal como disciplina jurídica, resultando daí que, ao invés de uma interpretação orientada no sentido de uma possível correção de equívocos e falhas, o que se fazia era uma crítica intolerante e subversiva, tão do gosto dos que levam pouca munição de ciência nos alforges” (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal: volume I: tomo I: arts. 1º a 10. 1977. p. 57, nota 12 – cont.). 187 Não houve propriamente revogação do Código de 1890 com a entrada em vigor da Consolidação. Este o teor do quinto considerando que encima o Decreto n. 22.213, de 1932 (os grifos são nossos): “Considerando que, sem desarticular o sistema do Código atual nem alterar as disposições em vigor, é de todo conveniente seja adotada uma consolidação das leis penais”; e o do parágrafo único de seu art. 1º: “A Consolidação, assim aprovada e adotada, não revogará dispositivo algum da legislação penal em vigor, no caso de incompatibilidade entre os textos respectivos” (BRASIL. Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932 – Aprova a Consolidação das Leis Penais, da autoria do Sr. desembargador Vicente Piragibe. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1932: volume V: atos do govêrno provisorio: novembro e dezembro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933. p. 371-2). Zaffaroni e Pierangeli o atinaram, com nossos destaques: “Com o suceder dos anos, muitas leis extravagantes foram editadas, com o que tornou-se difícil a aplicação do código. Isto levou o Desembargador Vicente Piragibe a redigir uma consolidação das leis penais, para o seu próprio uso, e que veio a ser sancionada, como texto oficial, através do Dec. 22.213, de 14.12.1932. Com esta estrutura, o código de 1890 teve vigência

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A azáfama presente aos trabalhos dedicados à revalidação da ordem, e ao

assentamento da política imposta, naqueles primeiros tempos de República, em grande parte

foi responsável pelo insucesso do primeiro Código Penal desse regime.188

Heleno Cláudio Fragoso, como a maioria, julgou-o um desserviço às letras jurídicas

nacionais, aclimadas que estavam à louvaminha até mesmo da crítica alienígena, que muito

agradara-se do Código de 1830:

Elaborado às pressas, antes do advento da primeira Constituição Federal republicana, sem considerar os notáveis avanços doutrinários que então já se faziam sentir, em conseqüência do movimento positivista, bem como o exemplo de códigos estrangeiros mais recentes, especialmente o Código Zanardelli, o CP de 1890 apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em relação à ciência de seu tempo. Foi, por isso mesmo, objeto de críticas demolidoras, que muito contribuíram para abalar o seu prestígio e dificultar sua aplicação.189

Informado por 412 artigos, o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil divide-se

em quatro Livros: o primeiro, que compreende os arts. 1º a 86, cura Dos Crimes e das

Penas;190 o segundo, e mais vasto, que termina com o art. 363, Dos Crimes em Espécie;191 o

terço, Das Contravenções em Espécie, até o art. 404;192 e, por último, hão lugar as

Disposições Gerais.193

até 31.12.1941” (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 2004. p. 210). 188 Sintomaticamente, o Livro II do Código, reservado aos crimes em espécie, tutela em primeiro lugar os que atentam contra a forma de governo instituída (Títulos I e II) (Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676-84). 189 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 60. 190 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.664-76. 191 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676-728. 192 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.728-35. 193 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.735-7.

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Ainda, seu Livro II foi desmiudado em Títulos, Capítulos e Seções,194 o Livro I,

apenas em Títulos,195 e o Livro III, em Capítulos.196 O Livro IV, ao invés, se não fragmenta;

distingue-se dos anteriores por sua macicez.197

O Código de 1890, enfim, foi assim resumido por Magalhães Noronha:

“Era ele de fundo clássico. Procurou suprir lacunas da legislação passada. Definiu

novas espécies delituosas. Aboliu a pena de morte e outras, substituindo-as por sanções mais

brandas, e criou o regime penitenciário de caráter correcional.”198

3.1.1 A Reabilitação no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil

O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (Decreto n. 847, de 11 de outubro de

1890) refere-se à Reabilitação, primeiro, em seu art. 72, 3º, como causa extintiva da

condenação:199

Art. 72. A condenação extingue-se por estas mesmas causas,200 e mais:

194 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676-728. 195 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.664-76. 196 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.728-35. 197 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.735-7. 198 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 59. 199 BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.674. 200 Remete o caput do art. 72 às causas arroladas pelo anterior, extintivas, precipuamente, conforme a dicção do Código, da ação penal: Art. 71. A ação penal extingue-se: 1º Pela morte do criminoso; 2º Por anistia do Congresso; 3º Pelo perdão do ofendido; 4º Pela prescrição (BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.674).

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1º Pelo cumprimento da sentença; 2º Por indulto do poder competente; 3º Pela reabilitação.201

Defronte a essa previsão, Fernando Nery atentou que o instituto, no sistema penal da

primeira República, ao lado do Indulto, secunda o Cumprimento da Sentença, como causa

extintiva da condenação:

Assim como para a extinção da ação penal o modo regular e normal é a condenação ou absolvição do réu, assim também para a extinção da condenação o modo regular e normal é o cumprimento da sentença, a sua execução, e esta se dá quando finda o tempo pelo qual o delinqüente foi privado de certos direitos [...]. Assim como existem para a extinção da ação penal circunstâncias especiais, que fazem sustar o seu prosseguimento, assim também para a extinção da condenação podem concorrer causas diversas, libertando o condenado antes do prazo legal, exarado na sentença. Estas causas são as mesmas da extinção da ação, e mais o indulto do poder competente e a reabilitação.202

O art. 86 do Código, que põe termo à sua Parte Geral, assim disciplina a

Reabilitação:203

Art. 86. A reabilitação consiste na reintegração do condenado em todos os direitos que houver perdido pela condenação, quando for declarado inocente pelo Supremo Tribunal Federal em conseqüência de revisão extraordinária da sentença condenatória.

Fala esse diploma em extinção, sem considerar, ou admitir, a concepção da ação como direito autônomo e abstrato, que nascera da testilha estabelecida pelos alemães Theodore Muther e Bernhard Windscheid, sobre a natureza desse direito. Seria sobremodo desenvolvida pelos discípulos que houveram, em todo o mundo. No Brasil, contudo, constata-se certa relutância em aceitá-la. Não permite essa concepção, em seu estádio atual, a extinção da ação; ao revés, sustenta sua imprescritibilidade. Ter-se-ia, então, extinção da punibilidade, quando da ocorrência de qualquer das hipóteses do art. 71. Assim se posicionou o Código Penal de 1940, antes (art. 108) (Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941. p. 209) e a partir da Reforma de 1984 (art. 107) (Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Organização Luiz Flávio Gomes. 2008. p. 273-4). Escusável, porém, considerado o verdor desse modelo, a posição da lei brasileira à época – e até pouco depois (cf. Código Civil de 1916, art. 75) (Cf. BRASIL. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Codigo Civil dos Estados Unidos do Brazil. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1916: volume 1: actos do poder legislativo. 1917. p. 16). 201 Nossos destaques. 202 NERY, Fernando. Lições de direito criminal: programa do Dr. Esmeraldino Bandeira: 2º volume. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: A. J. de Castilho, 1923. p. 603-4. 203 BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676.

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§1º A Reabilitação resulta imediatamente da sentença de revisão passada em julgado. §2º A sentença de reabilitação reconhecerá o direito do reabilitado a uma justa indenização, que será liquidada em execução, por todos os prejuízos sofridos com a condenação. A Nação, ou o Estado, são os responsáveis pela indenização.

Estabelece, como efeito primário da Reabilitação, a reintegração do condenado em

todos os direitos que houver perdido pela condenação (caput, 1ª parte).204 Mas não há falar

em restitutio in integrum: apenas o inocente, assim declarado pelo Supremo Tribunal Federal,

em conseqüência de revisão extraordinária da sentença condenatória (caput, 2ª parte),205 seria

reabilitado. O modelo romano, que logrou diferençar-se dos mais atos de indulgência

soberana, em razão mesmo de sua natureza, pressupõe a culpa do condenado.206 Trasladado

para o sistema francês, em 1670, foi preferido por inúmeras legislações, notadamente, após

ser confirmado pelo Código Penal de 1791,207 sempre a favor do infrator.

Galdino Siqueira o paragonou com o modelo do Código brasileiro de 1890:

O código não acolheu o instituto da reabilitação como foi organizado em legislações estrangeiras, especialmente na francesa, onde assumiu feição própria, servindo de modelo a outros países. Se na legislação romana, durante a república, a reabilitação era uma aplicação especial da restitutio in integrum, emanava do povo, como ato de soberania, e sob o império, emanava do senado e depois do imperador, como ato de clemência, de graça, carácter este que conserva no direito intermédio e em legislações modernas, como a alemã, na França, após a revolução, a evolução do instituto foi para assumir

204 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676. 205 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676. 206 A Damásio de Jesus, porém, pareceu ser o caso de restitutio: “Em face do CP de 1890, o instituto da reabilitação configurava espécie de restitutio in integrum, exigindo um processo que tinha por fim a reparação de erro ou injustiça da sentença (art. 86)” (JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral: 1º volume. 28. ed. rev., 3. tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 651). 207 Cf. SILVA, Antônio José da Costa e. Codigo penal dos Estados Unidos do Brasil commentado: volume 2. Ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. p. 426; FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto; FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Código penal comentado. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 161; DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 615. Alguns autores, entretanto, identificaram o instituto com os moldes da restitutio in integrum somente a partir do Código de 1791: ROSA, Antônio José Miguel Feu. Direito penal: parte geral. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 525; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Código penal comentado. 9. ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Perfil, 2007. p. 284.

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a natureza de ato de justiça, e tornar-se função judiciária, assim amoldando-se aos modernos princípios sobre a pena e as funções judiciárias [...]. Assim, em nosso direito, é o inocente que reabilita-se, pelo solene reconhecimento da injustiça de que foi vítima; no direito francês, é o culpado que cumpriu a pena justamente imposta que, na reabilitação social, vai encontrar um poderoso estímulo para corrigir seus vícios e um prêmio de valor inestimável à regeneração de seus costumes (Whitaker).208

Quando entrou em vigor o primeiro Código republicano, a revisão extraordinária da

sentença condenatória, a que se refere o caput de seu art. 86,209 achava-se regulada pelo

Decreto n. 848, também de 11 de outubro de 1890, que organizara a Justiça Federal (art. 9º,

III).210 Promulgada a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, a matéria não deixou de ser

expressamente recepcionada, com alterações (arts. 59, III, e 81).211 Enquanto, por exemplo,

208 SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro: segundo o codigo penal mandado executar pelo decr. n. 847 de 11 de outubro, de 1890 e leis que o modificaram ou completaram, elucidados pela doutrina e jurisprudencia: volume I: parte geral. 2. ed. correcta e augmentada. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1932. p. 762-3. 209 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676. 210 Cf. BRASIL. Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890 – Organiza a Justiça Federal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 2.745-6. O Código Penal dos Estados Unidos do Brasil tivera a vigência sincrônica inicialmente prevista para “seis meses depois de sua publicação na Capital Federal” (art. 411) (BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.736), conforme se supunha, já sob a égide de uma Constituição da República. Mas o Decreto n. 1.127, de 6 de dezembro do mesmo ano de 1890, “tendo em consideração [...] que o código penal [...], além de haver consolidado e modificado, de acordo com os princípios mais adiantados da ciência e progressos do país, as disposições esparsas da anterior legislação criminal e suprido muitas lacunas do código promulgado em 1830, aboliu penas condenadas pela opinião geral da Nação, estabeleceu outras mais brandas e proporcionadas à culpa, bem assim regímen penitenciário mais adaptado à emenda e correção dos delinqüentes; que reconhecido haver a reforma penal bem consultado os interesses da justiça social e os deveres de humanidade, manifesta-se o sentimento de que o longo prazo único, fixado no art. 411, para o começo da execução em todo o território da República, prive ainda por muitos meses os lugares mais próximos, em que a nova lei já é assaz conhecida, dos benefícios dela resultantes”, adiantou a vigência do Código – determinando então fosse progressiva –, em muitos Estados (art. 1º) (BRASIL. Decreto n. 1.127, de 6 de dezembro de 1890 – Marca prazo para terem execução o codigo penal brazileiro e o decreto n. 1030 de 14 do mez findo. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brasil: decimo segundo fasciculo: de 1 a 31 de dezembro de 1890. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. p. 3.991-2 ). Até a Constituição, de fevereiro de 1891, que o modificaria, em alguns pontos, o Decreto n. 848, de outubro de 1890, regulou, com exclusividade, a revisão (cf. BRASIL. Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890 – Organiza a Justiça Federal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.745-6). 211 Cf. BRASIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1891: partes I e II: de 24 de fevereiro a 30 de junho: volume I. 1892. p. 13-4; 20.

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aquele estatuto excetua o expediente aos condenados por contravenção (art. 9º, III, §1º),212 a

lei fundamental lho garante, ao prescrever a revisão dos processos findos, em matéria crime

(art. 81, caput)213 – que se não opõe a matéria contravencional, mas a açambarca, na tradição

do Direito luso-brasileiro.214 Mais tarde, a Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, que

completaria a organização da Justiça Federal da República, modificou aquele Decreto em

muitas questões, atingindo a própria revisão (arts. 54, VIII, 74 e 78).215 Esta, ainda como

meio para a Reabilitação, seria mais uma vez recepcionada, pelo sistema da Constituição de

1934 (arts. 76, 3º, e 78, caput).216 Três anos depois o Estado Novo desabava sobre o Brasil,

silente a respeito, e assim perduraria até o câmbio definitivo da ordem penal de 1890.

Revoltariam revisão e Reabilitação em 1940, desadunadas.

O §1º do art. 86 declara que “a reabilitação resulta imediatamente da sentença de

revisão passada em julgado.”217 Da inocência, declarada em sentença de revisão, é que

dimanava a reintegração do condenado nos direitos que perdera. Não era a Reabilitação efeito

da revisão, “porque esta”, assevera Macedo Soares, “é o recurso, o meio, de que serve-se o

condenado para obter aquela.”218

212 Cf. BRASIL. Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890 – Organiza a Justiça Federal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. p. 2.745-6. 213 Cf. BRASIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1891: partes I e II: de 24 de fevereiro a 30 de junho: volume I. 1892. p. 20. 214 O Supremo Tribunal seguiu essa orientação, segundo o depoimento de Macedo Soares: “Parece [...] que a maioria do Tribunal considera revogada aquela disposição do decreto n. 848, pela generalidade do art. 81 da Constituição, promulgada, aliás, em 1891, depois daquele decreto” (SOARES, Oscar de Macedo. Codigo penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil commentado. 4. ed. correcta e consideravelmente augmentada, contendo em appendice a legislação criminal publicada até á presente data. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1908. p. 199). 215 Cf. BRASIL. Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894 – Completa a organisação da Justiça Federal da Republica. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1894: partes I e II: volume I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895. p. 33-4; 38-9; 40. 216 Cf. BRASIL. Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil. Diario da Assembléa Nacional: anno II: n. 159: 17 de julho de 1934. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1934. p. 5.171. 217 BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676. 218 SOARES, Oscar de Macedo. Codigo penal da Republica dos Estados Unidos do Brasil commentado. 1908. p. 198.

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O direito a uma justa indenização, a que fazia jus o reabilitado, por força do §2º do

art. 86,219 suscitou sérias controvérsias acerca da responsabilidade do Estado, obrigado pela

parte final do dispositivo. A mencionada Lei n. 221, de 1894, previu quando essa

responsabilidade seria afastada:

Art. 84. A indenização garantida pelo art. 86 do Código Penal não será devida pela União ou pelo Estado: 1º Se o erro ou injustiça da condenação do réu reabilitado proceder de ato ou falta imputável ao mesmo réu, como a confissão ou a ocultação da prova em seu poder; 2º Se o réu não houver esgotado todos os recursos legais; 3º Se a acusação houver sido meramente particular. Parágrafo único. A União ou o Estado terá em todo o caso ação regressiva contra as autoridades e as partes interessadas na condenação; que forem convencidas de culpa ou dolo.220

Em 1898, o Decreto n. 3.084, de 5 de novembro, consolidou as leis referentes à Justiça

Federal.221 Acabou por reunir a disciplina da revisão, da indenização e de outras questões

adjacentes à Reabilitação, em definitivo incluída em nosso Direito, desde a edição do

primeiro Código Penal da República.

Afinal, este o compêndio que dela fez José Frederico Marques, ao volver ao antigo

sistema de 1890:

No sistema do Código Penal de 1890, a reabilitação era o resultado da revisão criminal impetrada contra condenações constantes de processos findos. Reformada,

Fernando Nery aventa a mesma lição de Macedo Soares, para defender esse entendimento (NERY, Fernando. Lições de direito criminal: programa do Dr. Esmeraldino Bandeira: 2º volume. 1923. p. 606). Já Galdino Siqueira sustenta que a Reabilitação “é um efeito imediato de provimento do recurso de revisão [...]. Como efeito imediato da decisão deste recurso, a reabilitação se verifica quando o condenado for declarado inocente, caso em que será reintegrado em todos os direitos de que foi despojado pela sentença” (SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brazileiro. p. 763). 219 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676. 220 BRASIL. Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894 – Completa a organisação da Justiça Federal da Republica. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1894: partes I e II: volume I. 1895. p. 40-1. 221 BRASIL. Decreto n. 3.084, de 5 de novembro de 1898 – Approva a Consolidação das Leis referentes á Justiça Federal. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1898: parte II: volume II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1900. p. 779-1.208.

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por injusta ou errônea, a sentença de condenação, o réu era reabilitado com a restauração plena de seu anterior status dignitatis.222

3.2 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS PENAIS

A desarrumação da ordem penal, quarenta anos após a sanção do Código de 1890, ante

as centenas de leis a ela dirigidas, até esse período, impossibilitou o aferro aos seus preceitos,

e até mesmo sua aplicabilidade.223 E como a implantação de um novo sistema penal, através

do Código que se preparava, se não daria para breve, o que fora vaticinado pelo próprio

governo, este resolveu sancionar uma Consolidação das Leis Penais. Para tanto se serviu,

diante de outras opções,224 do trabalho de Vicente Piragibe, originalmente intitulado Código

Penal Brasileiro, completado com as leis modificadoras em vigor, que esse plasmara para

melhor desempenhar sua judicatura junto à Corte de Apelação do Distrito Federal, ao que

parece, sem com isso pretender a gravura de seu nome à história do Direito Penal brasileiro.

João José Leal é preciso em seu escorço:

Nascido velho, o Código Penal de 1890 foi sendo complementado e alterado por um número expressivo e importante de leis especiais. Ao final de alguns anos, diante do insucesso das diversas tentativas de se fazer aprovar um novo Código, criara-se uma verdadeira balbúrdia legislativa, o que dificultava em muito a correta compreensão do direito repressivo, então vigente no país. Procurando ordenar adequadamente o sistema positivo repressivo, o desembargador Vicente Piragibe compilou e organizou as diversas leis penais, incluindo o próprio

222 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal: volume III. Campinas: Millennium, 2002. p. 516. 223 Guilherme de Souza Nucci imputa à “criação de inúmeras leis penais desconexas” a causa do aparecimento da Consolidação (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 3. ed. rev., atual. e amp., 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 65). Diz mais Vitorino Prata Castelo Branco: “Sofreu [...]” (o Código de 1890) “reformas, por leis autônomas, ficando desatualizado de todas, porém, foi feita uma consolidação pelo Desembargador Piragibe, a qual acabou sendo oficializada, em 1932” (BRANCO, Vitorino Prata Castelo. Direito penal: parte geral. São Paulo: Sugestões Literárias, 1970. p. 41). 224 O trabalho de Piragibe não foi o único do gênero, como se infere da observação de Zaffaroni, Nilo Batista, Alagia e Slokar: “O carrascal de leis penais extravagantes, com ou sem alteração no texto do código [...], levou alguns autores – como Eugênio Cunha e Alvarenga Netto – a publicarem compilações para uso forense. O mais completo desses trabalhos, um Código Penal Brasileiro, completado com as leis modificadoras em vigor, de autoria do Des. Vicente Piragibe, que com paciência beneditina preservou a estrutura articulada do código, enxertando-lhe os acréscimos e alterações, seria oficializado como Consolidação das Leis Penais, através do dec. n. 22.213, de 14.dez.932” (ALAGIA, Alejandro; BATISTA, Nilo; SLOKAR, Alejandro; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito penal brasileiro: primeiro volume: teoria geral do direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 456).

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código, unificando-as [...]. O trabalho desse jurista, embora de natureza particular, acabou sendo oficializado pelo decreto n. 22.213, de 14.12.1932, tendo contribuído de forma significativa para uma melhor compreensão e para facilitar a aplicação do direito repressivo então vigente.225

O Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932, que, na expressão de seu cabeçalho,

aprova a Consolidação das Leis Penais, da autoria do Sr. desembargador Vicente

Piragibe,226 foi assinado por Getúlio Vargas, Presidente da República, e Francisco Antunes

Maciel, que assumira no mês anterior a pasta da Justiça. Os considerandos que encimam o

Decreto são eloqüentes, e despeitoram a grave situação da ordem penal à época, além de

instruírem a aplicação do trabalho que veicula:227

Considerando que o Código Penal Brasileiro, promulgado pelo decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, tem sofrido inúmeras modificações, quer na classificação dos delitos e intensidade das penas, quer com a adoção de institutos reclamados pela moderna orientação da penalogia; Considerando que essas modificações constam de grande número de leis esparsas, algumas das quais já foram, por sua vez, profundamente alteradas, o que dificulta não só o conhecimento como a aplicação da lei penal; Considerando que, não sendo lícito invocar a ignorância do direito devem as leis estar ao alcance de todos, já pela clareza, já pela divulgação, o que, com rigor maior, cumpre seja observado em relação às leis penais, em virtude da particular incidência destas sobre a liberdade individual; Considerando que, malogradas as várias tentativas de reforma do Código Penal Brasileiro, a que ora se empreende ainda tardará em ser convertida em lei, não obstante a dedicação e competência da respectiva Subcomissão Legislativa; Considerando que, sem desarticular o sistema do Código atual nem alterar as disposições em vigor, é de todo conveniente seja adotada uma consoliadção (sic) das leis penais; Considerando que esse objetivo pode ser alcançado com o trabalho “Código Penal Brasileiro, completado com as leis modificadoras em vigor”, da autoria do Sr.

225 LEAL, João José. Curso de direito penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris & Editora da Furb, 1991. p. 67-8. Álvaro Mayrink da Costa indica o mesmo intuito de compatibilização da matéria penal em vigor: “Face ao grande número de leis complementares e da verdadeira colcha de retalhos que se transformou a codificação de 90, sumiu a idéia de sua revogação [...]. Para compatibilizar a matéria penal em vigor, o Des. Vicente Piragibe foi encarregado de reunir num só corpo o Código e as disposições complementares, surgindo a Consolidação das Leis Penais, aprovada e adotada pelo Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932” (COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 64). 226 Cf. BRASIL. Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932 – Aprova a Consolidação das Leis Penais, da autoria do Sr. desembargador Vicente Piragibe. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1932: volume V: atos do govêrno provisorio: novembro e dezembro. 1933. p. 371. 227 BRASIL. Decreto n. 22.213, de 14 de dezembro de 1932 – Aprova a Consolidação das Leis Penais, da autoria do Sr. desembargador Vicente Piragibe. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1932: volume V: atos do govêrno provisorio: novembro e dezembro. 1933. p. 371-2.

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desembargador Vicente Piragibe, Juiz da Corte de Apelação do Distrito Federal, com exercício em uma das câmaras criminais desse alto tribunal judiciário; Considerando que a própria Subcomissão legislativa do Código Penal, em parecer emitido sobre o mencionado trabalho, reconhece a sua utilidade prática e se pronuncia pela sua aprovação oficial, pensando, do mesmo modo, o Instituto dos Advogados, o Club dos Advogados e a unanimidade dos desembargadores das Câmaras Criminais da Corte de Apelação do Distrito Federal; Considerando que o autor da obra consente na sua adoção, independentemente de qualquer indenização ou prêmio, ressalvados apenas os seus direitos autorais, quanto à edição já publicada e as reedições futuras: Decreta [...].

A Consolidação das Leis Penais, todavia, “não refreou o movimento reformista”,

como anota João Mestieri,228 e, por sua própria condição, não pôde resolver de todo os

problemas da ordem penal vigente, para os quais antes se faziam necessárias medidas inéditas

entre nós, muitas delas já em curso no Direito estranho. Considerável parte das críticas

destinadas ao Código de 1890 enveredou para a Consolidação, tendo em vista como

praticamente manteve o texto daquele, porém vazado de modo que se aboletassem os

preceitos resultantes das matérias que dele extravasavam, ou mesmo constantes das leis que

inovaram a ordem penal por ele iniciada.229

Somente com o advento do Código Penal de 1940 desaparecia o sistema à frente do

qual estavam o Código Penal de 1890, e a Consolidação das Leis Penais,230 esta

sucessivamente atualizada por seu autor, que, “nas edições posteriores de sua obra, trazia em

apêndice os novos diplomas legislativos”, de acordo com José Frederico Marques.231

228 MESTIERI, João. Manual de direito penal: parte geral: volume I. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 52. 229 “Surgindo em 14 de dezembro de 1932, a Consolidação de Vicente Piragibe, composta de quatro livros e quatrocentos e dez artigos, passou a ser, de maneira precária, o estatuto penal brasileiro” (JORGE, Wiliam Wanderley. Curso de direito penal: parte geral: volume I. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 98) (nossos grifos). 230 Cf. GARCEZ, Walter de Abreu. Curso básico de direito penal: parte geral: com noções de criminologia. São Paulo: José Bushatsky, 1972. p. 99. Cf., demais, o que se disse à nota de rodapé 187. 231 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal: volume I: propedêutica penal e norma penal. 1. ed. atual. Campinas: Bookseller, 1997. p. 124.

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3.2.1 A Reabilitação Criminal na Consolidação das Leis Penais

A Consolidação, optando por manter a estrutura do Código de 1890, inscreveu a

Reabilitação em seu art. 86, completando-o com as principais disposições extravagantes sobre

revisão e indenização – modificadas consoante as exigências para sua coabitação, sob a

capitania da matéria já codificada:232

Art. 86. A reabilitação consiste na reintegração do condenado em todos os direitos que houver perdido pela condenação, quando for declarado inocente pelo Supremo Tribunal Federal, em conseqüência de revisão extraordinária da sentença condenatória. §1º A reabilitação resulta imediatamente da sentença de revisão passada em julgado. §2º A sentença de reabilitação reconhecerá o direito do reabilitado a uma justa indenização, que será liquidada em execução, por todos os prejuízos sofridos com a condenação. A Nação ou o Estado são responsáveis pela indenização. §3º Tem lugar a revisão: 1º Quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal; 2º Quando no processo em que foi proferida a sentença condenatória não se guardaram as formalidades substanciais estabelecidas em lei; 3º Quando a sentença condenatória tiver sido proferida por juiz incompetente, suspeito, peitado ou subornado, ou quando se fundar em depoimento, instrumento ou exame julgados falsos; 4º Quando a sentença condenatória estiver em formal contradição com outra, na qual foram condenados, como autores do mesmo crime, outros réus; 5º Quando a sentença condenatória tiver sido proferida na suposição de homicídio, que posteriormente se verificou não ser real, por estar viva a pessoa que se dizia assassinada; 6º Quando a sentença condenatória for contrária à evidência dos autos; 7º Quando, depois da sentença condenatória, se descobrirem novas e irrecusáveis provas da inocência do condenado. §4º Na revisão não podem ser agravadas as penas da sentença revista. §5º A indenização garantida pelo art. 86 não será devida pela União ou pelo Estado: 1º Se o erro ou injustiça da condenação do réu reabilitado proceder de ato ou falta imputável ao mesmo réu, como a confissão ou a ocultação da prova em seu poder; 2º Se o réu não houver esgotado todos os recursos legais; 3º Se a acusação houver sido meramente particular.

232 In PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 340-1.

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§6º A União ou o Estado terá em todo o caso ação regressiva contra as autoridades e as partes interessadas na condenação, que forem convencidas de culpa ou dolo.

O caput e os §§1º e 2º são os mesmos do Código.233 O §3º corresponde ao §1º do art.

74 da Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894, com ligeiras modificações.234 O §4º obedece à

idéia insculpida no §7º desse artigo, até hoje respeitada.235 E os §§5º e 6º reproduzem o art. 84

da mesma fonte.236

Além do que anotamos ao tópico 3.1.1 do presente trabalho, vis-à-vis ao sistema penal

de 1890, a que se ligou o trabalho de Piragibe, sem maiores inovações, de se considerar a

crítica de Romeu Falconi ao seu posicionamento em relação à Reabilitação:

Do tema em si: Reabilitação Criminal, nada de novo em relação ao Código suprimido. Apenas alguns novos parágrafos (do 3º ao 6º). Mas, inobstante sua pretensão de norma revolucionária, havia o ranço da norma velha, tratando da ‘revisão’ e não da ‘reabilitação’. Desses parágrafos, o terceiro trazia sete hipóteses para a revisão e, por via de conseqüência, a concessão da restitutio in integrum. Dizia da revisão para os casos de sentenças contrárias à lei, processos com nulidades formais, juízo incompetente, antinomia normativa, crime de homicídio inexistente, sentença contrária à prova dos autos e, finalmente, a prova nova. O §4º vetava a reforma da sentença in malus. Já o §5º cuidava do que era regulado, anteriormente, no §2º, a questão da indenização. Mas, aqui, corrigiu-se o equívoco entre os vocábulos Estado e Nação, falando-se em União e Estado, em clara alusão ao federalismo, parece-me. Agora, dá-se versão contrária, não indenizando os casos

233 Cf. BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890 – Promulga o Codigo Penal. Decretos do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil: decimo fasciculo: de 1 a 31 de outubro de 1890. 1890. p. 2.676. 234 Cf. BRASIL. Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894 – Completa a organisação da Justiça Federal da Republica. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1894: partes I e II: volume I. 1895. p. 38. 235 Cf. BRASIL. Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894 – Completa a organisação da Justiça Federal da Republica. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1894: partes I e II: volume I. 1895. p. 38-9. Cf. arts. 617, 2ª parte, e 626, parágrafo único, do atual Código de Processo Penal (Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942. p. 117-8). 236 Cf. BRASIL. Lei n. 221, de 20 de novembro de 1894 – Completa a organisação da Justiça Federal da Republica. Collecção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1894: partes I e II: volume I. 1895. p. 40-1. Magalhães Noronha observa, com nossos destaques, que a Reabilitação “entre nós surgiu com a Consolidação das Leis Penais de Vicente Piragibe, tendo como finalidade corrigir possíveis injustiças cometidas pela jurisdição penal” (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 309), o que não deixa de causar certa estranheza, sobretudo porque segue o autor a comentar a situação do instituto “no regime do Código de 1890”.

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de ‘rehabilitação’ em que o ‘rehabilitado’ tenha dado azo ao erro judiciário, ou mesmo quando a ‘rehabilitação’ chegar antes de o beneficiado haver esgotado todos os recursos processuais de que dispunha. Finalmente, Piragibe tratou de garantir ao Estado o direito de regressão. Se critiquei o Código de 1890, pelo atraso em relação ao instituto questionado, o que dizer da obra de Vicente Piragibe, que vem com 50 anos de vantagem em relação àquele. Tivéssemos acompanhado a França (1885), a Inglaterra (1907), Espanha (1915) etc., e poderíamos ter algo mais atual, pelo menos. Entretanto, ficou o desembargador Piragibe parado no tempo. Perdeu a oportunidade de passar para a história do Direito Penal como jurista moderno e inovador, preferindo ser um mero escriba de tendência conservadora.237

Era, ainda, causa extintiva da condenação (art. 72, 3º).238

3.3 O CÓDIGO PENAL DE 1940

A Exposição de Motivos, que, assinada por Francisco Campos,239 Ministro da Justiça e

Negócios Interiores, acompanhara o Projeto do Código Penal, encaminhado a Getúlio

Vargas, Presidente da República, em 1940, não traria outra consideração em seu preâmbulo:

Com o atual Código Penal nasceu a tendência de reformá-lo. A datar de sua entrada em vigor começou a cogitação de emendar-lhe os erros e falhas. Retardado em relação à ciência penal do seu tempo, sentia-se que era necessário colocá-lo em dia com as idéias dominantes no campo da criminologia e, ao mesmo tempo, ampliar-lhe os quadros de maneira a serem contempladas novas figuras delituosas com que os progressos industriais e técnicos enriqueceram o elenco dos fatos puníveis.240

A 31 de dezembro de 1940, o Diário Oficial da União publicou o Decreto-Lei n.

2.848, que fora baixado a 7 pelo mesmo Presidente, usando do Poder extraordinário previsto

no art. 180 da Constituição de 1937.241

237 FALCONI, Romeu. Reabilitação criminal. 1995. p. 87. 238 Cf. PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 338. 239 Foi redigida por Nélson Hungria, membro da Comissão Revisora do Anteprojeto Alcântara Machado, conforme a revelação de Heleno Cláudio Fragoso, atualizador de sua obra (in HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal: volume I: tomo I: arts. 1º a 10. 1977. p. 11-2). 240 In FARIA, Antonio Bento de. Código penal brasileiro: volume II: primeira parte: parte geral: arts. 1 a 41. 1942. p. 5 241 Art. 180. Enquanto não se reunir o Parlamento nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União (in FARIA, Antonio Bento de. Codigo penal brasileiro: volume I: noções gerais: interpretação da lei penal: extradição internacional e interestadual. 1942. p. 332).

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Esse Código “marca o advento do período científico”,242 ainda em curso no Direito

Penal brasileiro.

Nasceu do anteprojeto de Alcântara Machado, Professor de Direito da Universidade de

São Paulo, que em poucos meses se desincumbiu do trabalho que, por meio de seu Ministro

da Justiça, lhe solicitara o Presidente. Entregou-lho pronto em agosto de 1938, com 390

artigos. Dois anos depois, apresentaria o Professor uma versão final de seu trabalho, quando

as discussões em torno ao projeto do Código, no qual se transformara seu anteprojeto, já se

encontravam em fase adiantada.243

Uma Comissão, constituída pelo Ministro da Justiça, revisaria aquele primeiro

anteprojeto durante o biênio seguinte à sua apresentação. Vencida essa etapa, uma versão

definitiva do Código Penal caía às mãos do Presidente, a 4 de novembro de 1940:

Sem desmerecer no valor do trabalho de que se desincumbira o Professor Alcântara Machado, julguei de bom aviso submeter o projeto a uma demorada revisão, convocando para isso técnicos que se houvessem distinguido não somente na teoria do direito criminal como também na prática de aplicação da lei penal. Assim, constituí a Comissão revisora com os ilustres magistrados Vieira Braga, Nelson Hungria e Narcélio de Queiroz e com um ilustre representante do Ministério Público, o Dr. Roberto Lira. Durante mais de um ano a Comissão dedicou-se quotidianamente ao trabalho de revisão, cujos primeiros resultados comuniquei ao eminente Dr. Alcântara Machado que, diante deles, remodelou o seu projeto, dando-lhe uma nova edição. Não se achava, porém ainda acabado o trabalho de revisão. Prosseguiram com a minha assistência e colaboração até que me parecesse o projeto em condições de ser submetido à apreciação de Vossa Excelência.244

242 LYRA, Roberto. Expressão mais simples do direito penal: introdução e parte geral: com o texto atualizado da legislação: remissões às matérias especial, contravencional, processual, constitucional, administrativa, trabalhista, civil, comercial e outras: índices cronológicos e remissivos: quadros sinóticos. Rio de Janeiro: José Konfino, 1953. p. 33. 243 Cf. DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 199-201; MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral: arts. 1º a 120 do CP: volume 1. 2006. p. 25; PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 77-9; TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 2007. p. 62-3; NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 61-2; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 2006. p. 118. 244 Exposição de Motivos, n. 1 (in FARIA, Antonio Bento de. Código penal brasileiro: volume II: primeira parte: parte geral: arts. 1 a 41. 1942. p. 6). Cf., ainda, sobre a elaboração do Código Penal de 1940: MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 41-2; PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 77-80. BRANCO, Vitorino Prata Castelo. Aulas de direito penal: de acordo com a nova parte geral do código penal brasileiro: para uso dos professores e alunos das faculdades de direito. 2.

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O Código Penal de 1940, como se reconheceu, foi influenciado, sobretudo, pelo

Codice Rocco, o Código Penal itálico de 1930 (Régio Decreto n. 1.398, de 19 de outubro) –

ainda em vigor, mas consideravelmente alterado, como o nosso –, talhado sob o fascismo de

Benito Mussolini.245 Elaborado em pleno Estado Novo, contudo, encarnou o Código

brasileiro muitos valores estranhos à ditadura desse regime, como apontado por Pinheiro

Torres:

[...] é de se ressaltar que o Código de 1940, oriundo de um projeto preparado durante um período revolucionário, quando o Estado era a força maior, tenha dado maior importância à figura humana, relegando os crimes contra o Estado ao último lugar da lista, em ordem de importância. Saído de um Código que considerara de maior relevância os crimes religiosos, teve o código de 1940, oriundo inicialmente do projeto Alcântara de 1937, essa grandeza de reconhecer, como preponderantes, os direitos individuais.246

Ninguém melhor do que Roberto Lyra, membro da Comissão revisora do Anteprojeto

Alcântara Machado, para proceder à desfiadura do Código Penal de 1940, em sua

conformação primitiva:

O Código divide-se em duas partes – geral e especial. A parte geral divide-se em 8 títulos: I (sic) Da aplicação da lei penal; II – Do crime; III – Da responsabilidade; IV – Da co-autoria; V – Das penas; VI – Das medidas de segurança; VII – Da ação penal; VIII – Da extinção da punibilidade. A parte especial divide-se em 11 títulos: I – Dos crimes contra a pessoa; II – Dos crimes contra o patrimônio; III – Dos crimes contra a propriedade imaterial; IV – Dos crimes contra a organização do trabalho; V – Dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos; VI – Dos crimes contra os costumes; VII – Dos crimes contra a família; VIII – Dos crimes contra a incolumidade pública; IX – Dos crimes contra a paz pública; X – Dos crimes contra a fé pública; XI – Dos crimes contra a administração pública.

ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986. p. 47; BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral: tomo 1º: introdução: norma penal: fato punível. 1978. p. 183. 245 O Código helvécio de 1937 foi outro estalão que avultou no conceito dos operários de 1940, como reconheceriam, entre outros, Magalhães Noronha (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 62), Fragoso (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 63), Luiz Alberto Machado (MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal: parte geral. 1987. p. 42) e José Salgado Martins. Este comentou, ao reconhecer que “nosso Direito positivo [...] tem no Código italiano de 1930 e no Código helvético de 1937 as suas fontes mais próximas, no campo da legislação estrangeira”: “O primeiro, apesar da influência fascista que repercutiu no setor dos crimes políticos, é um magnífico código, do ponto de vista técnico. O Código suíço é outro diploma penal que realizou, com equilíbrio, o dualismo do moderno Direito Penal, representado pela pena e pela medida de segurança” (MARTINS, José Salgado. Direito penal: introdução e parte geral. São Paulo: Saraiva, 1974. p. X). 246 TORRES, Paulo R. Pinheiro. Noções de direito penal. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1973. p. 40-1. Igualmente, Magalhães Noronha: “É o Código de 1940 obra harmônica: soube valer-se das mais modernas idéias doutrinárias e aproveitar o que de aconselhável indicavam as legislações dos últimos anos. Mérito seu, que deve ser ressaltado, é que, não obstante o regime político em que veio à luz, é de orientação liberal” (NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal: volume 1: introdução e parte geral. 1999. p. 62-3).

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Os títulos subdividem-se em capítulos e o capítulo I do título V da parte geral, como o capítulo VI do título I da parte especial, em seções.247

Do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, resta apenas a Parte Especial,

embora consideravelmente modificada. A Geral foi cabalmente substituída por força da Lei n.

7.209, de 11 de julho de 1984, após muitas alterações.248

3.3.1 A Reabilitação no Código Penal de 1940

O instituto foi previsto pelo Código Penal de 1940 desde sua redação primitiva (arts.

108, VI, 119 e 120).249 Alterado pela Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968, uma nova

Reabilitação despontou de seu texto (arts. 119 e 120),250 conservando embora a mesma

247 LYRA, Roberto. Expressão mais simples do direito penal: introdução e parte geral: com o texto atualizado da legislação: remissões às matérias especial, contravencional, processual, constitucional, administrativa, trabalhista, civil, comercial e outras: índices cronológicos e remissivos: quadros sinóticos. 1953. p. 38. Rogério Greco adita: “O nosso atual Código Penal é composto por duas partes: geral (arts. 1º a 120) e especial (arts. 121 a 361). É a parte geral do Código destinada à edição das normas que vão orientar o intérprete quando da verificação da ocorrência, em tese, de determinada infração penal. Ali encontramos normas destinadas à aplicação da lei penal [...]; cuida de conceitos fundamentais à existência do delito [...]; elenca causas que excluem o crime, afastando sua ilicitude ou isentando o agente de pena; dita regras que tocam diretamente à execução da pena infligida ao condenado, bem como a aplicação de medida de segurança ao inimputável ou semi-imputável; enumera causas de extinção da punibilidade; enfim, ocupa-se de regras que são aplicadas não só aos crimes previstos no próprio Código Penal, como também a toda legislação extravagante [...]. A parte especial do Código, embora contenha normas de conteúdo explicativo [...], ou mesmo causas que excluam o crime ou isentem o agente de pena, é destinada, precipuamente, a definir os delitos e a cominar as penas. No Código Penal ainda percebemos que sempre ao lado dos artigos, de forma destacada, encontramos determinadas expressões que se destinam à sua maior inteligibilidade [...]. A indicação marginal ou rubrica variará de acordo com cada infração penal ou instituto da parte geral ou especial do Código, podendo também ser utilizada na legislação extravagante” (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume I: parte geral: arts. 1º a 120 do CP. 7. ed. rev. e atual. até 8 de agosto de 2006. Niterói: Impetus, 2006. p. 8-9). 248 “Código Penal de 1940 – Ainda é o vigente, na parte especial” (MEHMERI, Adilson. Noções básicas de direito penal: curso completo. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 22). “Em 1984, a parte geral – que trata dos princípios básicos do Direito Penal – do Código é integralmente reformada, por meio da Lei n. 7.209, de 11 de junho (sic) [...]” (TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral: arts. 1º a 120: volume 1. São Paulo: Atlas, 2004. p. 66). 249 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 209; 211-2. 250 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1968. p. 15.

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natureza da anterior – causa extintiva da punibilidade. Em menos de um vicênio, porém, o

Código seria profundamente reformado, e a Reabilitação com ele.

Analisemo-las.

3.3.1.1 A Reabilitação do Código Penal de 1940 em sua Redação Primitiva

Entre as causas extintivas da punibilidade, no sistema do Código Penal de 1940,

aparece a Reabilitação:251

Art. 108. Extingue-se a punibilidade: [...] VI – pela reabilitação;

Mas essa previsão não poderia ser examinada senão em confronto com a do art. 119,

que, ao regular o instituto, se valendo para tanto de três rubricas, limita seu alcance a pena de

interdição de direito (caput, 1ª parte, e §2º):252

Reabilitação Art. 119. A reabilitação extingue a pena de interdição de direito, e somente pode ser concedida após o decurso de quatro anos, contados do dia em que termina a execução da pena principal ou da medida de segurança detentiva, desde que o condenado: I – tenha dado durante esse tempo provas efetivas de bom comportamento; II – tenha ressarcido o dano causado pelo crime, se podia fazê-lo; §1º Se o condenado é reincidente, o prazo mínimo para a reabilitação é de oito anos; Penas que a reabilitação não extingue §2º A reabilitação não pode ser concedida em relação à incapacidade para o exercício de pátrio poder, tutela, curatela ou autoridade marital, se imposta por crime contra os costumes, cometido pelo condenado em detrimento de filho, tutelado ou curatelado, ou por crime de lenocínio contra a própria mulher. Prazo para renovação do pedido

251 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 209. 252 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 211-2.

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§3º Negada a reabilitação, não pode ser novamente requerida senão após o decurso de dois anos.

Assim, a Reabilitação extinguia a punibilidade do agente, porém apenas no que

concernia à pena acessória de interdição de direito, da qual cuidava o art. 69 do Código;253

bem diferente do tratamento que recebera no sistema de 1890, como observado por Reale

Júnior:

Visava efetivamente a cancelar a pena acessória, não se confundindo com a restitutio in integrum cabível com referência à condenação injusta, uma vez reconhecida a injustiça da condenação em revisão criminal provida pelo Supremo Tribunal Federal, tal como dispunha o Código Penal de 1890 em seu art. 86.254

Mas a sensível evolução do instituto, entretanto, foi obcecada por um pesar

experimentado por toda a comunidade jurídica: a curteza de seu alcance apontava à abertura

da idéia que o justificava, de sua ratio – afinal era o condenado seu destinatário, ele quem se

reabilitava; mas apenas em relação a pena de interdição de direito. E a resignação inicial dos

Tribunais, diante da letra da lei, causou à doutrina a resolução de estender-lhe o alcance.

Romeu Falconi é lancinante:

[...] cumpre salientar que o Código Penal do Estado Novo adotou modelos experimentados na Suíça e na Itália. No início, somente as penas acessórias, as restritivas de certos direitos, é que poderiam ser alcançadas pelo instituto da reabilitação criminal. Bem de ver tratar-se de quase um arremedo do que precisa ser um instituto de tal magnitude em matéria de Política Criminal. Por demais precavido, o legislador de 1940 pouco ou nada fez em prol da verdadeira e real Reabilitação Criminal; dando ao reabilitado um crédito minguado, acabou por criar ao instituto ‘letra morta’, deixando-o como norma vigente, mas não eficaz. Conforme a preleção de Hans Kelsen. O resultado foi o que se viu: acabou o Código, neste particular, sendo atropelado pelos anseios de alterações tendo de se curvar a uma lei especialmente elaborada para o fim pretendido.255

253 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 199-201. 254 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral: volume II. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 154. 255 FALCONI, Romeu. Reabilitação criminal. 1995. p. 96. O silêncio do dispositivo em relação ao condenado beneficiário de sursis, ou de livramento condicional, mereceu da doutrina críticas de mesmo tom, como assinala Regis Prado: “O Código Penal de 1940 – redação pretérita – elencou a reabilitação entre as causas extintivas da punibilidade (art. 108, VI), mas circunscrevia seu alcance unicamente às penas de interdição de direito (art. 69) [...]. O tratamento dispensado à reabilitação por aquele diploma penal foi objeto de severas críticas doutrinárias, motivadas em grande parte pela limitação do âmbito de atuação do referido instituto à pena acessória de interdição de direito e pela ausência de previsão da

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E mesmo entre as interdições de direitos, escapavam aos efeitos da Reabilitação, de

acordo com o §2º do art. 119,256 a incapacidade para o exercício de pátrio poder (art. 69, II),

tutela, curatela (art. 69, III), ou autoridade marital (art. 69, II),257 se imposta por crime contra

os costumes (qualquer dos previstos no Título VI da Parte Especial do Código),258 cometido

pelo condenado em detrimento de filho, tutelado ou curatelado, ou por crime de lenocínio

contra a própria mulher (mediação para servir a lascívia de outrem – art. 227, favorecimento

da prostituição – art. 228, ou rufianismo – art. 230259).260

Essa limitação recebeu a atenção de Salgado Martins:

A reabilitação não alcança a pena acessória que consistiu na imposição de incapacidade para o exercício de pátrio poder, tutela, curatela ou autoridade marital, quando o crime contra os costumes de que ela se originou, foi cometido pelo condenado em detrimento de filho, tutelado ou curatelado, ou quando o crime de lenocínio foi contra a própria mulher.261

reabilitação dos beneficiários por sursis ou livramento condicional” (PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120. 2006. p. 678). 256 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 211. 257 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 199-200. 258 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 235-9. 259 O crime de casa de prostituição (erradamente considerado de lenocínio pelo Código Penal – v. a rubrica original e disposição do Capítulo V do Título VI da Parte Especial) não pode ser praticado contra a própria mulher, porquanto, antes, atenta contra a moralidade pública. A manutenção de casa de prostituição, ou sítio destinado a encontros para fim libidinoso, não exige a exploração sexual, ou sequer prejuízo, de alguém, como se nota da descrição típica do art. 229 do Código Penal. Ocorrendo, constituirá mera circunstância desse crime, ou outro delito, ou irrelevante penal. A sociedade é a vítima nesse caso, e não uma dada pessoa – senão mediatamente. O inverso se dá no crime de rufianismo (art. 230), por exemplo, em que prepondera a tutela da pessoa. Mas dessa observação diverge um Damásio de Jesus: “Sujeitos passivos são as pessoas que praticam a prostituição, ou, não a exercendo, entregam-se à lascívia alheia [...]. Também é sujeito passivo do crime de casa de prostituição a sociedade, uma vez que o delito ofende os bons costumes” (JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial: 3º volume: dos crimes contra a propriedade imaterial a dos crimes contra a paz pública. 15. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 173). 260 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 237-8. 261 MARTINS, José Salgado. Sistema de direito penal brasileiro: introdução e parte geral. Rio de Janeiro: José Konfino, 1957. p. 494.

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O inc. I do art. 119 motivou as mais enérgicas discussões em derredor do bom

comportamento, que exige, como prova de regeneração do condenado.262 O melindre e o

subjetivismo da questão, contudo, foram de certo modo mitigados pelo art. 744 do Código de

Processo Penal de 1941 (Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro), que instituiu meios

específicos de comprovação do bom comportamento (incisos I a IV):263

Art. 744. O requerimento será instruído com: I – certidões comprobatórias de não ter o requerente respondido, nem estar respondendo a processo penal, em qualquer das comarcas em que houver residido durante o prazo a que se refere o artigo anterior;264

II – atestados de autoridades policiais ou outros documentos que comprovem ter residido nas comarcas indicadas e mantido, efetivamente, bom comportamento; III – atestados de bom comportamento fornecidos por pessoas a cujo serviço tenha estado; IV – quaisquer outros documentos que sirvam como prova de sua regeneração; V – prova de haver ressarcido o dano causado pelo crime ou persistir a

impossibilidade de fazê-lo.

Agregou Bento de Faria seu conceito à construção doutrinária levantada ao bom

comportamento: Bento de Faria, por seu lado, acrescenta: “A – reabilitação – tem cabimento em se tratando de – qualquer delito, excluídos os referidos no §2º, pouco importando que se trate de uma ou mais condenações, ainda quando alguma seja decorrente de sentença estrangeira que tenha sido aqui homologada. Tem por objeto não só as penas acessórias previstas no Código Penal, mas também quaisquer outras da mesma natureza estabelecidas em leis especiais. Não se refere, porém, às medidas de segurança, simplesmente porque estas já devem ter cessado para permitir a sua concessão [...]. Sendo a constatação da regeneração moral do condenado não poderia ser pedida com referência a uma só das condenações, havendo mais de uma. Há de, pois, abranger todas elas [...]” (FARIA, Antonio Bento de. Código penal brasileiro: volume II: parte segunda: parte geral: arts. 42 a 120: expulsão de estrangeiros. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho, 1942. p. 269). 262 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 211. 263 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 264 Art. 743. A reabilitação será requerida ao Juiz da condenação, após o decurso de 4 ou 8 anos, pelo menos, conforme se trate de condenado ou reincidente, contados do dia em que houver terminado a execução da pena principal ou da medida de segurança detentiva, devendo o requerente indicar as comarcas em que haja residido durante aquele tempo (BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134).

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O – bom comportamento – não se infere de circunstâncias, mas há de ser provado por forma a convencer do arrependimento e do propósito de continuar a vida honesta e de trabalho, sem riscos para a coletividade, e sempre mantido, sem solução de continuidade [...]. O comportamento, portanto, cumpre seja incensurável; não é dedutível de meras presunções, mas, concludentemente, provador por – atestações de autoridades policiais ou de pessoas, acima de qualquer suspeição, ou por atos que notoriamente o revelem, ou por depoimentos de testemunhas ouvidas com a intervenção do Ministério Público, ou por documentos dignos de fé, ou por serviços prestados à sociedade – provas essas que ficarão sujeitas à livre apreciação do Juiz.265

O ressarcimento do dano causado pelo crime (Código Penal, art. 119, II;266 Código de

Processo Penal, art. 744, V267) não foi requisito menos discutido. O legislador, contudo, ao

dispensá-lo a quem comprovadamente não tivesse condição, andou bem. Fora daí, mesmo que

a vítima não houvesse buscado a reparação, segundo as instruções dos arts. 63 e seguintes do

Código de Processo Penal,268 até a data do requerimento da Reabilitação, não havia

justificativa para se dispensar o cumprimento do requisito, como resolvido pela doutrina –

aqui na expressão de Gomes Neto:

265 FARIA, Antonio Bento de. Código de processo penal: volume III: arts. 668 a 811: da execução: da execução das penas em espécie: das relações jurisdicionais com autoridade estrangeira. 2 ed. atual. Rio de Janeiro: Record, 1960. p. 94. O comentário de Reale Júnior é atual, e irrespondível: “[...] não basta para a reabilitação a comprovação da inexistência de não estar respondendo a processo penal, conforme exigência constante do art. 744, I, do Código de Processo Penal. O bom comportamento exigido é mais do que a ausência de processo criminal, e sim a efetiva demonstração de conduta social boa, de reconhecimento de ser na comunidade uma pessoa de comportamento ilibado. Esta prova, cada vez mais difícil na grande cidade, na qual cada um vive isolado, muitas vezes profissional autônomo, ignorando o próximo e ignorado, é de ser obtida por atestados das autoridades policiais, bem como por declarações de pessoas as quais se presta serviço, como empregado ou empresário ou profissional liberal. O inciso II do art. 744 do Código de Processo Penal indica toda a concepção de classe preconceituosa ao exigir do condenado que apresente atestados de pessoas ‘a cujo serviço tenha estado’, como se o crime fosse obra apenas de subalternos, a serem reconhecidos boas pessoas por seus superiores. O inciso IV do art. 744 do Código de Processo Penal refere-se a qualquer documento comprobatório de sua regeneração. A expressão é inadequada, pois o crime doloso e em especial o culposo muitas vezes se constitui em fato isolado no conjunto de uma biografia correta, a não exigir regeneração. O bom comportamento, no entanto, pode ser atestado por companheiros de trabalho, pelos clientes, pelos fornecedores, pelos empregados, pelos patrões, em suma, por meio daqueles que convivem com o reabilitando ou têm com o mesmo relações de emprego ou de negócio” (REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral: volume II. 2004. p. 157-8). 266 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 211. 267 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 268 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 45-6.

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Apenas é digna de observação a exigência do inciso V, de que o recorrente, além de outras, faça também prova de haver ressarcido o dano causado pelo crime ou de não poder fazê-lo. Neste caso, se não tiver havido ação civil para cobrança do dano, material ou moral, nos termos do art. 63 e seguintes [...], o reabilitando, desde que possa fazê-lo, é obrigado a pagar os danos decorrentes do crime, não obstante não tenha havido ação própria para isto. E terá que juntar ao pedido de reabilitação o respectivo comprovante.269

O requerimento de Reabilitação somente poderia repetir-se depois de dois anos, na

hipótese de negativa (Código Penal, art. 119, §3º).270 Porém, o art. 749 do Código de

Processo Penal ressalva a possibilidade de novo pedido, a qualquer tempo, “se o

indeferimento tiver resultado de falta ou insuficiência de documentos”,271 defendendo a

doutrina por muito tempo que o mesmo se verificasse diante da insatisfação do requisito

temporal.272 Decretada a revogação da Reabilitação, no entanto, de ofício pelo juiz, ou a

requerimento do Ministério Público (Código de Processo Penal, art. 750),273 por motivo de

condenação irrecorrível à pena privativa de liberdade, não mais podia ser concedida (Código

Penal, art. 120).274

O art. 745 do Código de Processo Penal prevê que “o juiz poderá ordenar as

diligências necessárias para apreciação do pedido, cercando-as do sigilo possível e, antes da

269 GOMES NETO, Francisco Antônio. Teoria e prática do código de processo penal com formulários: volume 3: arts. 442 – 811. Rio de Janeiro: José Konfino, 1958. p. 284. “O ressarcimento é indispensável”, robora José Rodrigues Pinheiro, “não havendo razão para decisões em contrário, somente se aceitando como recusa a comprovada impossibilidade econômica” (PINHEIRO, José Rodrigues. Comentários à nova parte geral do código penal. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 116). 270 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 211-2. 271 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 272 Cf. TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal: volume 2. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 454. 273 Art. 750. A revogação da reabilitação (Código Penal, art. 120) será decretada pelo juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público (BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134). 274 Art. 120. A reabilitação é revogada e não pode mais ser concedida, se o reabilitado sofre nova condenação, por sentença irrecorrível, à pena privativa de liberdade (BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: olume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 212). v

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decisão final, ouvirá o Ministério Público”.275 Como se constata, trata-se de uma faculdade do

magistrado responsável pelo feito – “poderá”. Ao órgão do Ministério Público resta opinar

pela concessão, ou denegação, da Reabilitação.

Câmara Leal é preciso:

Se o juiz entender que as provas oferecidas não são suficientes, ou suspeitando de que sejam graciosas algumas delas, ou escrupulizando decidir o pedido sem uma verificação da verdade dos fatos alegados, ordenará as diligências que entender necessárias para a apreciação do pedido. Essas diligências devem ser feitas em segredo, que o juiz recomendará às autoridades ou serventuários a que se dirigir. Depois de realizadas as diligências e juntos aos autos os documentos que as autentiquem, o juiz mandará dar vista ao Ministério Público, para emitir o seu parecer sobre o pedido. O representante da justiça pública, à vista do requerimento e das provas oferecidas ou coligidas por meio das diligências ordenadas, dará o seu parecer, opinando pela concessão ou denegação da reabilitação, segundo achar de direito, fundamentando a sua promoção.276

Haverá recurso oficial na hipótese de concessão, de acordo com o art. 746 do Código

de Processo Penal.277 Se o caso for de denegação, não há outro remédio para o condenado

fora apelar, pela via residual, ante o caráter decisivo dessa decisão (art. 593, II),278 como

justifica ainda Câmara Leal:

O Código não estabelece nenhum recurso, expressamente declarado, contra a decisão que denega a reabilitação. Será que dessa decisão não caberá recurso? A nosso espírito liberal repugna que possa o juiz proferir uma sentença em matéria de tal relevância, sem que as partes possam recorrer dessa sentença.

275 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 276 LEAL, Antonio Luiz da Câmara. Comentários ao código de processo penal brasileiro: volume IV: arts. 563 a 811. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1948. p. 367-8. 277 Art. 746. Da decisão que conceder a reabilitação haverá recurso de ofício (BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134). 278 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 114.

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Denegada a reabilitação, desde que não seja por motivo de falta ou insuficiência de documentos, o requerente não poderá renovar o pedido se não após o decurso de dois anos (art. 749). Quer dizer que essa denegação tem um caráter definitivo, ou com força de definitivo. Nesse pressuposto, não tendo o art. 581 incluído, entre os casos de recurso em sentido estrito, o da decisão que denega a reabilitação, parece caber a apelação com fundamento no art. 593, n. II, do Código de Processo Penal [...]. Da decisão pela qual o juiz conceder a reabilitação deverá recorrer ex-officio para o Tribunal de Apelação [...]. Esse recurso necessário não foi incluído pelo legislador no dispositivo do art. 574, donde se vê que esse preceito não é completo, não compreendendo todos os casos de recurso ex-officio.279

O Instituto de Identificação e Estatística, ou órgão congênere, responsável pela

estatística judiciária criminal (art. 809),280 será comunicado da Reabilitação (art. 747),281

para que seja esta “averbada no registo geral, cancelando-se na folha de antecedentes a

condenação que fora imposta ao reabilitado.”282

O art. 748 do Código de Processo fez parecer que a Reabilitação avançasse um tanto,

além do limite demarcado pelo art. 119 do Código Penal, dado que “a condenação ou

condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem

em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal”.283

Outras autoridades, ou mesmo magistrado, que não exerça a judicatura criminal, não terão

acesso aos antecedentes do reabilitado. Essa restrição do enunciado milita em seu favor.

As principais fontes do Código Penal de 1940, os Códigos italiano de 1930 e suíço de

1937, tiveram sua Reabilitação sob as lâminas precisas de Roberto Lyra:

279 LEAL, Antonio Luiz da Câmara. Comentários ao código de processo penal brasileiro: volume IV: arts. 563 a 811. 1948. p. 368. 280 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 143-4. 281 Art. 747. A reabilitação, depois de sentença irrecorrível, será comunicada ao Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere (BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134). 282 LEAL, Antonio Luiz da Câmara. Comentários ao código de processo penal brasileiro: volume IV: arts. 563 a 811. 1948. p. 369. 283 BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134.

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No Código suíço, são características da reabilitação: 1º, somente é aplicável a certas penas acessórias; 2º, não se estende à totalidade da pena a que se aplica, pois se exige o decurso de certo tempo da incapacidade; 3º, é preciso que o condenado, por sua conduta, tenha merecido a reabilitação; 4º, a reabilitação é medida judiciária. Na Itália, são pressupostos da reabilitação judicial: 1º, sentença de condenação proferida por juiz comum ou especial; 2º, execução da pena principal ou sua extinção; 3º, execução ou revogação da medida de segurança; 4º, provas efetivas e constantes de boa conduta; 5º, vencimento de prazo, a partir do dia em que a pena principal tenha sido extinta, por execução ou de outro modo.284

E de Hélio Tornaghi:

No Código Penal italiano, que serviu de modelo ao nosso, a reabilitação atinge também os efeitos da condenação (art. 178) e nisso a lei brasileira não seguiu a italiana. O Código suíço, que também serviu de inspiração para o nosso, depois de referir-se às penas acessórias (arts. 76 a 79), admite (no art. 80) o cancelamento, no livro de registro, da respectiva sentença.285

3.3.1.2 A Reforma da Reabilitação Criminal pela Lei n. 5.467, de 1968

A Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968, alterou sensivelmente a Reabilitação Criminal

do Código de 1940.

O art. 119, não mais dividido em rubricas, manteve-se como sede de suas diretrizes:286

Art. 119. A reabilitação alcança quaisquer penas impostas por sentença definitiva. §1º A reabilitação poderá ser requerida decorridos 5 anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena principal ou terminar sua execução e do dia em que terminar o prazo da suspensão condicional da pena ou do livramento condicional, desde que o condenado: a) tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; b) tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;

284 LYRA, Roberto. Comentários ao código de processo penal: volume VI: arts. 668 a 811. Rio de Janeiro: Forense, 1944. p. 379. 285 TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal: volume 2. 1980. p. 449-50. 286 BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15.

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c) tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida. §2º A reabilitação não pode ser concedida: a) em favor dos presumidamente perigosos pelos n. I, II, III e V do art. 78 deste Código, salvo prova cabal em contrário; b) em relação à incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela, curatela ou autoridade marital se imposto por crime contra os costumes, cometidos pelo condenado em detrimento de filho, tutelado ou curatelado, ou por crime de lenocínio. §3º Negada a reabilitação, não pode ser novamente requerida senão após o decurso de 2 anos.

Então alcançaria a Reabilitação “quaisquer penas impostas por sentença definitiva”

(art. 119, caput),287 ampliando-se sobremaneira os efeitos do instituto que ressurtia impotente

da redação intata do Código Penal de 1940.288

Era um grande momento para a Reabilitação Criminal do Brasil, como relata Romeu

Falconi:

A data de 5 de julho de 1968 tem relevância para o instituto ora em discussão. Por meio da Lei n. 5.467, vigente a partir de então, houve evidente vontade de alcançar algo de positivo no campo da reinserção do ex-apenado no contexto social, a principiar pela manifestação de respeito ao passado do cidadão [...]. Na edição do Código de 1940 [...], sequer a unanimidade das interdições de direitos estava coberta pela norma jurídica, posto que, dos três incisos, apenas um era amparado e, ainda, assim, parcialmente. Com a nova redação do artigo 119, o instituto tomou foros de totalidade [...]. Quase tudo que não era permitido antes, passou a sê-lo a partir de então. Abandonou-se o critério restritivo de servir o instituto apenas para as penas acessórias, e, assim mesmo, umas poucas, para ampliar os horizontes, visando alcançar também as penas principais, sem qualquer restrição quanto ao tipo legal ofendido.289

287 BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 288 Cf. tópico 3.3.1.1, acima. Em manifestação isolada, aduz Fragoso, com nossos grifos: “Em 1968, a Lei n. 5.467 alterou o art. 199, CP, dispondo que a reabilitação alcança quaisquer penas, e manteve, basicamente, os efeitos que o direito até então em vigor estabelecia” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. 1991. p. 395). 289 FALCONI, Romeu. Reabilitação criminal. 1995. p. 96-7. Roberto Lyra Filho e Luiz Vicente Cernicchiaro partilharam da mesma satisfação diante do estiramento dos efeitos da Reabilitação: “Advirta-se que a matéria sofreu grande alteração com a redação dada pela Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 [...].

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Para Damásio de Jesus, grande influência teve no espírito do legislador as críticas

formuladas pela doutrina e jurisprudência em face da Reabilitação do Código Penal de 1940

em sua redação primitiva:

Mostrou-se o legislador sensível às críticas formuladas pelos julgadores e doutrinadores a respeito da restrição legal antiga. Inúmeros acórdãos, dando interpretação elástica ao disposto no antigo art. 748 do CPP, estendiam os efeitos da reabilitação além da extinção de algumas penas acessórias de interdições de direitos, impondo silêncio sobre as condenações anteriores na folha de antecedentes do reabilitado e em certidões extraídas dos livros do juízo, salvo se requisitadas por juiz criminal.290

O prazo para o requerimento, no entanto, foi aumentado: cinco anos do dia em que

fosse extinta, ou cumprida, a pena principal, ou terminasse o prazo do sursis, ou do

livramento condicional, conforme o caso (art. 119, §1º).291 Já o reincidente teria de aguardar

dez anos para validamente requerer a sua Reabilitação, de acordo com art. 120 do Código

Penal, igualmente modificado pela Lei n. 5.467, de 1968:292

Art. 120. A reabilitação será revogada de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, se a pessoa reabilitada for condenada, por decisão definitiva, ao cumprimento de pena privativa de liberdade.

Hoje, o instituto é de maior amplitude. Alcança quaisquer penas impostas por sentença definitiva (art. 119) [...]. Vários acórdãos admitiam a reabilitação para o fim de não ser mencionada nenhuma pena na folha de antecedentes do condenado. A boa exegese, todavia, estava com a interpretação restritiva. A atual disposição ensejou tratamento menos parcimonioso de política criminal, e o fez bem. Em 1940, restringia-se em liberar o condenado às interdições de direito impostas na sentença, com o acréscimo dessa sanção não figurar na folha corrida” (CERNICCHIARO, Luiz Vicente; LYRA FILHO, Roberto. Compêndio de direito penal. São Paulo: José Bushatsky, 1972. p. 280-1). 290 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral: 1º volume. 28. ed. rev., 3. tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 651. Observe-se, porém, que o art. 748 do Código de Processo é o mesmo desde 1941, ano em que este foi baixado. O alcance de seu enunciado é que fora diminuído durante o período anterior à Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968, de maneira a compatibilizá-lo com o sistema da Reabilitação ditado pelo primitivo art. 119 do Código Penal. 291 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 292 BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. “No sistema legal revogado”, dizem Sebastião Oscar Feltrin e Patricia Cristina Kuriki, sobre a Reabilitação da Lei n. 5.467, de 1968, “o prazo para a reabilitação era de 5 anos para os condenados primários e de 10 anos para os reincidentes” (FELTRIN, Sebastião Oscar; KURIKI, Patricia Cristina. Da Reabilitação. In FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 469).

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Parágrafo único. Os prazos para o pedido de reabilitação serão contados em dobro no caso de reincidência.

O período de prova, da suspensão condicional da execução da pena privativa de

liberdade, ou do livramento condicional, não revogado, não seria considerado na contagem do

prazo para o requerimento da Reabilitação Criminal, como se constata do §1º do art. 119

modificado.293

Exigiu-se do condenado tivesse domicílio no país até o requerimento (art. 119, §1º,

a),294 bem como demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado

(art. 119, §1º, b).295 Agora, além de eximir-se da obrigação de reparar o dano engendrado pelo

crime, na hipótese de comprovada impossibilidade financeira, poderia juntar ao requerimento

documentação que comprovasse a renúncia da vítima, ou novação da dívida (art. 119, §1º,

c).296

Os presumidamente perigosos, de que cuidavam os incisos I, II, III e V do art. 78 do

Código,297 só poderiam reabilitar-se mediante prova que afastasse por completo essa

293 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. “Essa lei do Senador Guido Mondin não contemplou como período de prova para a concessão da reabilitação o tempo decorrido na suspensão condicional da pena, por exemplo, o que não me parece ter sido providência das mais justas” (FALCONI, Romeu. Reabilitação criminal. 1995. p. 98). 294 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. “A importância político-criminal da exigência de que o reabilitando tenha tido domicílio no País é de difícil compreensão. E, a nosso juízo, representa uma limitação indevida e desnecessária no ius libertatis do indivíduo, que, cumprida ou extinta a pena, tem o direito de locomover-se por onde, como e quando quiser. Temos sérias dúvidas quanto à constitucionalidade dessa obrigatoriedade” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral: volume 1. 2006. p. 833). 295 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 296 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 297 Art. 78. Presumem-se perigosos: I – aqueles que, nos termos do art. 22, são isentos de pena; II – os referidos no parágrafo único do art. 22; III – os condenados por crime cometido em estado de embriaguez pelo

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presunção (art. 119, §2º, a).298 Os condenados por crime de lenocínio não seriam mais

beneficiários da Reabilitação, fosse ou não seu cônjuge a vítima (art. 119, §2, b).299

A seleção de beneficiários, contudo, sempre atentou contra a própria razão de ser do

instituto, aqui belamente apresentada por Hélio Tornaghi:

A própria existência do instituto se deve à vontade de excitar nas pessoas de má vida um desejo de emenda e recuperação e de estimulá-las, com a promessa de um prêmio, a um esforço reconstrutivo, para o reingresso na comunhão social, livres de qualquer prevenção dos outros e das próprias inibições. Mais do que o interesse particular do condenado, sem dúvida relevante, existe aí um interesse de ordem pública na restauração e cura de cédulas do tecido social.300

A interposição de novo requerimento, antes do biênio seguinte a denegação do

benefício, continuou excepcionalmente possível, pelos motivos do art. 749 do Código de

Processo – indeferimento fundado em falta ou insuficiência de documentos –,301 que não foi

derrogado pelo §3º do art. 119 do Código Penal, determinado pela Lei n. 5.467, de 1968,302

álcool ou substância de efeitos análogos, se habitual a embriaguez; IV – os reincidentes em crime doloso; V – os condenados por crime que hajam cometido como filiados a associação, bando ou quadrilha de malfeitores [...] (BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 202). O art. 22, referido: Art. 22. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 190). 298 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 299 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 300 TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de processo penal: volume 2. 1980. p. 451. 301 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 302 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil

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que apenas confirmou a redação primitiva do parágrafo, estabelecida originariamente para

vigorar em harmonia com o mencionado artigo da codificação processual, nos anos 40.303

Pretendesse impedir novo requerimento antes de dois anos de eventual denegação, fundando-

se o condenado na ressalva do art. 749 do Código de Processo,304 ou a reforma de 1968 o teria

modificado, ou faria a vedação constar do Código Penal.

A revogação do benefício não mais impediria nova concessão, desde que satisfeitos os

requisitos legais, pois desaparecida a vedação constante da primitiva redação do art. 120 do

Código Penal.305 Tendo-a diante de si, o intuito do legislador foi claro ao optar por a não

repetir, ou seguir, nesse particular.306

No âmbito do Código de Processo Penal, o art. 743 foi o mais atingido pela reforma da

Reabilitação ditada pela Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968,307 principalmente em razão do

aumento dos prazos para o requerimento do benefício (Código Penal, novos arts. 119, §1º, e

120, parágrafo único).308 O art. 744 passou a carecer de previsão que exigisse a prova de

de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 303 Ainda, sobre o prazo de carência para a renovação do pedido, no sistema de 1968, René Ariel Dotti: “O §3 do art. 119 do CP, com a redação determinada pela Lei n. 5.467/68, fixava o prazo de 2 (dois) anos para o interessado renovar o pedido quando a reabilitação fosse negada. Tratava-se de exigência incompatível com a generosa natureza do instituto, principalmente quando o indeferimento decorresse de inépcia da inicial e não dos pressupostos de mérito” (DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. 2005. p. 617). 304 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 305 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 212. 306 “A revogação da reabilitação [...] pode ser decretada a requerimento do Ministério Público ou de ofício pelo juiz, não existindo restrição na lei a que o reabilitado que vem a ser condenado por novo crime e por isso tem sua reabilitação revogada, possa obter segunda reabilitação, desde que preenchidos os requisitos legais. O óbice só existiu no Código Penal até a Lei n. 5.467/68” (FELTRIN, Sebastião Oscar; KURIKI, Patricia Cristina. Da Reabilitação. In FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 2007. p. 470-1). 307 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 308 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15.

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domicílio no país durante o cômputo para o requerimento, e outra que permitisse a exibição

de documento comprobatório da renúncia da vítima, ou novação da dívida, em relação à

indenização do prejuízo causado pelo crime,309 conforme as exigências do §1º, a e c, do art.

119 do Código Penal.310 A demonstração efetiva e constante de bom comportamento público

e privado, em último caso, sempre decorrera da satisfação dos incisos I a IV do art. 744 do

Código de Processo,311 que continuaram, pois, a bem servir ao requisito do art. 119, §1º, b, do

Código Penal.312

Mercê da Lei n. 5.467, de 1968, a previsão do art. 748 do Código de Processo Penal313

afinal seria obedecida conforme seu primário e mais largo sentido, o qual fora amesquinhado

pela consideração que dele inafastavelmente se fazia em consonância com o primeiro art. 119

do Código Penal.314

3.3.1.3 A Reforma Penal de 1984 e a Reabilitação

A Reforma Penal de 1984, responsável pelo Direito Penal em curso no Brasil, foi

efetivada pelas Leis n. 7.209 e 7.210, promulgadas a 11 de julho daquele ano, com vigência

309 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 310 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 311 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 312 Cf. BRASIL. Lei n. 5.467, de 5 de julho de 1968 – Dá nova redação aos artigos 119 e 120 do Código Penal, que dispõem sobre a reabilitação criminal. Coleção das Leis da Republica Federativa do Brasil de 1968: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1968. p. 15. 313 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 314 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1940: volume VII: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1940. p. 211-2.

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para o seguinte (arts. 5º315 e 204, 1ª parte,316 respetivamente). A primeira, substituiu a Parte

Geral do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal (art. 1º);317 a outra,

instituiu a Lei de Execução Penal, derribando a serôdia concepção de Direito

Penitenciário.318

Ibrahim Abi-Ackel, Ministro da Justiça à época, apresenta, em sua Exposição de

Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, a razão da Reforma, a par dos trabalhos que

se desenvolveram a fim de realizá-la:

A pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime, ainda os mesmos concebidos pelos juristas na primeira metade do século. Essa, em síntese, a razão pela qual instituí, no Ministério da Justiça, comissões de juristas incumbidas de estudar a legislação penal e de conceber as reformas necessárias. Do longo e dedicado trabalho dos componentes dessas comissões resultaram três anteprojetos: o da Parte Geral do Código Penal, o do Código de Processo Penal e o da Lei de Execução Penal. Foram todos amplamente divulgados e debatidos em simpósios e congressos. Para analisar as críticas e sugestões oferecidas por especialistas e instituições, constituí as comissões revisoras, que

315 Art. 5º Esta lei entrará em vigor seis meses após a data de sua publicação (BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1984. p. 67). 316 Art. 204. Esta lei entrará em vigor concomitantemente com a lei de reforma da Parte Geral do Código Penal, revogadas as disposições em contrário, especialmente a Lei n. 3.474, de 2 outubro de 1957 (BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 – Institui a Lei de Execução Penal. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1984. p. 105). 317 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 38. 318 Dos três Projetos de Lei que tramitaram no Congresso Nacional, de 1983 a 1984, com a matéria originariamente pretendida para a Reforma, o de n. 1.655, com um novo Código de Processo Penal, não logrou ser convertido em lei, como os outros dois (n. 1.656 e 1657). A 17 de novembro de 1989, quando já se encontrava no Senado, era definitivamente retirado das pautas legislativas, por solicitação do Poder Executivo, autor dos três Anteprojetos, depois Projetos de Lei (cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral: arts. 1º a 120 do CP: volume 1. 2006. p. 26; NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de direito processual penal. 28. ed., atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 11; MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à lei n. 7.210, de 11-7-1984. 11. ed., rev. e atual. até 31 de março de 2004, 6. reimp. São Paulo: Atlas, 2007. p. 21-4; MEHMERI, Adilson. Noções básicas de direito penal: curso completo. 2000. p. 22-3).

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reexaminaram os referidos anteprojetos e neles introduziram as alterações julgadas convenientes. 319

A Nova Parte Geral do Código Penal320 regula, por meio de seus arts. 93 a 95, a nova

Reabilitação, não mais considerada causa extintiva da punibilidade:321

Art. 93. A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação. Parágrafo único. A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo. Art. 94. A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: I – tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; II – tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado;

319 BRASIL. Exposição de Motivos n. 211, de 9 de maio de 1983. Diário do Congresso Nacional: seção I: ano XXXVIII: suplemento “a” ao n. 080: sexta-feira: 1º de julho de 1983. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1983. p. 15. José Henrique Pierangeli ralha, sem rebuço: “A reforma operada, ainda quando não passava de um anteprojeto já recebia críticas vindas de vários setores da sociedade. É incrível que até mesmo pessoas sem qualquer formação jurídico-penal se atreviam a estabelecer críticas ao sistema de penas adotado. Essas vozes vindas de todos os quadrantes do país não chegaram a nos causar qualquer surpresa, pois bem poucos atualmente estão familiarizados com a evolução da ciência do direito penal, embora se atrevam até a escrever sobre o assunto” (PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. 2001. p. 88). 320 Gérson Pereira dos Santos assim encarou-a: “Com todo o risco que possa representar para a unidade do sistema adotado pelo Código, a renovação instaurada pela Lei n. 7.209, de 13 de julho de 1984, pretende preservá-la, malgrado revisando inúmeras posições históricas e dogmáticas” (SANTOS, Gérson Pereira. Inovações do código penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 12). Luiz Alberto Machado, em contrapartida, denuncia: “O Ministro da Justiça Abi-Ackel, pela Portaria 1.043, de 27.11.80, constituiu comissão [...] para a elaboração do novo anteprojeto de Código Penal. Pronta, a parte geral foi publicada para o recebimento de sugestões. Pouquíssimas foram aceitas. Remetido ao Congresso, foi aprovado, na Câmara Federal, pelo inconstitucional ‘voto de liderança’ previsto no art. 176, parte final, do Regimento Interno, transformando-se na Lei federal 7.209, de 11.6(sic).84, colocando em vigor a nova parte geral do Código Penal a partir de 13.5(sic).85” (MACHADO, Luiz Alberto. Direito criminal: parte geral. 1987. p. 42). 321 BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 59-60. Aduz a Exposição de Motivos, item 82: A reabilitação não é causa extintiva da punibilidade e, por isso, ao invés de estar disciplinada naquele Título, como no Código vigente, ganhou Capítulo próprio, no Título V. Trata-se de instituto que não extingue, mas tão-somente suspende alguns efeitos penais da sentença condenatória, visto que a qualquer tempo, revogada a reabilitação, se restabelece o statu quo ante. Diferentemente, as causas extintivas da punibilidade operam efeitos irrevogáveis, fazendo cessar definitivamente a pretensão punitiva ou a executória (BRASIL. Exposição de Motivos n. 211, de 9 de maio de 1983. Diário do Congresso Nacional: seção I: ano XXXVIII: suplemento “a” ao n. 080: sexta-feira: 1º de julho de 1983. 1983. p. 21).

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III – tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida. Parágrafo único. Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários. Art. 95. A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa.

O caput do art. 93 expressamente assegurou “ao condenado o sigilo dos registros

sobre o seu processo e condenação”,322 que, até a Reforma, decorria do art. 748 do Código de

Processo Penal.323 Atinge a Reabilitação, porém, apenas os efeitos extrapenais da condenação

listados pelo art. 92 do Código Penal,324 “vedada reintegração na situação anterior, nos casos

dos incisos I e II do mesmo artigo” (art. 93, parágrafo único).325

É Tomaz M. Shintati quem melhor esclarece a atuação da Reabilitação sobre esses

efeitos secundários da condenação penal:

322 BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 59. 323 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. “Esse sigilo não que dizer propriamente um cancelamento definitivo dos registros forenses: é apenas a não-comunicação dos mesmos registros, quando for pedida folha de antecedentes, ou uma certidão cartorária, ou mesmo uma certidão das execuções criminais” (NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Efeitos da condenação, reabilitação e medidas de segurança. In JESUS, Damásio E. de. Curso sobre a reforma penal: promoção Procuradoria-Geral de Justiça: Associação Paulista do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 136) 324 Alerte-se que o inciso I foi alterado pela Lei n. 9.268, de 1º de abril de 1996: Art. 92. São também efeitos da condenação: I – a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 anos nos demais casos; II – a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III – a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença (BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Organização Luiz Flávio Gomes. 2008. p. 270). 325 BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 59-60.

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Na nova Parte Geral do Código Penal, a reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 – que, na lei anterior [...], constituíam penas acessórias –, vedada, porém, a reintegração no cargo, função pública ou mandato eletivo, no exercício do qual tenha o condenado praticado o crime, bem como vedada a volta ao exercício do pátrio poder, da tutela ou curatela em relação ao filho, tutelado ou curatelado contra o qual o crime tenha sido cometido (parágrafo único do art. 93 do CP). Assim, obtida a reabilitação: a) o condenado estará habilitado para a investidura só em outro cargo, função pública ou mandato eletivo, estando vedada ‘a reintegração no cargo, função pública ou mandato eletivo, no exercício do qual o crime tenha ocorrido... (parágrafo único do artigo 93)’ (Exposição de Motivos, n. 81); b) o condenado estará habilitado a exercer o pátrio poder, tutela ou curatela só em relação aos demais filhos, tutelados ou curatelados, ‘vedada ao (sic) volta ao exercício do pátrio poder, da tutela ou da curatela em relação ao filho, tutelado ou curatelado contra o qual o crime tenha sido cometido (parágrafo único do artigo 93)’ (Exposição de Motivos, n. 81), sendo, dessa forma, permanente a incapacidade civil em relação à vítima; c) o condenado estará habilitado a voltar a dirigir veículo, já que, nesse caso, o parágrafo único do art. 93 do CP não veda a reintegração à situação anterior.326

Alteração drástica se verificou quanto ao prazo para a Reabilitação: dois anos,

contados “do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução”,

tanto para o primário, como para o reincidente.327 Outra inovação: computar-se-á o período de

326 SHINTATI, Tomaz M. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 351. Jair Leonardo Lopes completa, em franca crítica: “Bem se vê que o seu alcance é restrito aos casos dos efeitos mencionados (art. 92 e seus incisos) e não reabilita coisa alguma, porque não reintegra na situação anterior, salvo quanto à inabilitação para dirigir veículo, com o que continua sendo discriminatório e inútil” (LOPES, Jair Leonardo. Nova parte geral do código penal: inovações comentadas. Belo Horizonte: Del Rey, 1985. p. 92). E, na mesma linha, Guilherme de Souza Nucci: “[...] tal como foi idealizado e de acordo com o seu alcance prático, trata-se, em verdade, de instituto de pouquíssima utilidade. [...] poder-se-ia argumentar com a recuperação de direitos perdidos em virtude dos efeitos da condenação, mas o próprio Código reduz a aplicação ao art. 92, III (‘inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso’)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. rev., atual. e amp., 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 474). 327 BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 60. “[...] deparamos com mais uma das aberrações da nova legislação: o prazo passa a ser de apenas dois anos (art. 94, caput), ao contrário dos cinco anos atuais [...]” (aguardava-se a vigência da Lei n. 7.209, de 1984). “A Exposição de Motivos diz que esse prazo é mais do que suficiente para demonstrar que o condenado se readaptou ao convívio social. Creio mendaz tal assertiva. O prazo atual, como se sabe, é de cinco anos para o condenado primário, e de dez para o reincidente. Pela nova Parte Geral, o prazo é o mesmo, para primários e reincidentes, tratando-se igualmente os desiguais, a dano da sociedade, e incentivando-se a reincidência” (NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho. Efeitos da condenação, reabilitação e medidas de segurança. In JESUS, Damásio E. de. Curso sobre a reforma penal: promoção Procuradoria-Geral de Justiça: Associação Paulista do Ministério Público. 1985. p. 137).

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prova da suspensão condicional da pena, ou do livramento condicional, desde que não tenha

havido revogação (art. 94, caput).328

Não há mais seleção de beneficiários. Qualquer condenado, independentemente da

infração cometida, poderá ser reabilitado, desde que atenda às exigências legais. E, tendo o

pedido denegado, poderá renová-lo, a qualquer tempo, desde que “seja instruído com novos

elementos comprobatórios dos requisitos necessários” (art. 94, parágrafo único),329 enquanto

no sistema anterior o condenado teria de aguardar, em regra, dois anos para renová-lo.

Orlando Soares não diverge:

Negada a reabilitação, poderá o pedido ser renovado a qualquer tempo, desde que instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários; anteriormente, a renovação do pedido somente poderia ocorrer, decorridos dois anos, como dispunha o §3º, do art. 119, do Código Penal.330

A Reabilitação ainda será revogada de ofício, pelo juiz, ou a requerimento do

Ministério Público. Mas, para isso, exige agora o art. 95 do Código Penal que o reabilitado

seja condenado irrecorrivelmente a pena que não seja de multa – privativa de liberdade, ou

restritiva de direito –, como reincidente – antes de transcorrido o denominado período

328 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 60. Assinala, no entanto, Luiz Regis Prado: “Fixado para o sursis ou para o livramento condicional período de prova superior a dois anos, não será possível a concessão da reabilitação antes do término do prazo estipulado” (PRADO, Luiz Regis. Elementos de direito penal: volume 1: parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 248). Ainda, Guilherme de Souza Nucci: “[...] caso o sursis ou o livramento condicional tiverem prazos maiores que 2 anos, é natural que o condenado tenha de esperar o final para requerer a condenação” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 2007. p. 476). 329 BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 60. 330 SOARES. Orlando. Comentários ao código penal: parte geral. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1985. p. 199. Romeu de Almeida Salles Junior, tampouco: “Se, eventualmente, a reabilitação for negada, a própria lei (art. 94, parágrafo único) prevê a possibilidade de renovação, a qualquer tempo, com a devida instrução do pedido” (SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 9. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 125).

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depurador referido pelo inc. I do art. 64 do mesmo estatuto.331 Ausente qualquer dessas

exigências, não será lícita a revogação do benefício.

Esse novo regramento derrogou o art. 743 do Código de Processo Penal: dele apenas

subsiste a regra da competência do juiz da condenação para conhecer do requerimento de

Reabilitação,332 visto como esta “só se concede após o término da execução da pena [...]. Se a

condenação tiver sido proferida por tribunal, ainda assim a competência será do juízo de

primeira instância responsável pela condenação.”333 Ao art. 744, afora os reparos já anotados

no tópico 3.3.1.2, acima, falta agora nota sobre o meio de comprovação de período de prova

não revogado,334 em harmonia com o caput do art. 94 do Código Penal.335

A subsistência do recurso de ofício previsto pelo art. 746336 é assaz polêmica:

autorizados argumentos há no sentido da revogação do dispositivo, muitos amparados na atual

posição dogmática da Reabilitação, como foi reconhecida pela Reforma – tese referida por

Sebastião Oscar Feltrin e Patricia Cristina Kuriki:

331 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 60. “Prescrição da reincidência: não prevalece a condenação anterior se, entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração penal posterior, tiver decorrido período superior a 5 anos (período depurador), computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não houver revogação (CP, art. 64, I). Uma vez comprovado o benefício do art. 64 do CP, o agente readquire a sua condição de primário, pois se operou a retirada da eficácia da decisão condenatória anterior” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral: volume 1. 8. ed., rev. e atual. de acordo com as Leis n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), 10.763/2003, 10.826/2003 e 10.886/2004. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 441-2). 332 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134 333 BONFIM, Edilson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 774. 334 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 335 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 60. 336 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134.

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Na vigência do Código Penal de 1940, em que a reabilitação era tratada como causa de extinção da punibilidade, não havia dúvida quanto ao cabimento do recurso ex officio das decisões que deferiam a reabilitação, ao lado do recurso voluntário em sentido estrito, pelo interessado ou pelo Ministério Público (art. 581, VIII, do CPP). Com a Reforma Penal introduzida pelas Leis n. 7.209 e 7.210/84, parte da jurisprudência passou a entender que é dispensável o recurso necessário, só remanescendo o voluntário.337

Outros, tempos depois, passaram a sustentar que o art. 746 do Código de Processo

Penal338 não foi recepcionado pela Constituição de 5 de outubro de 1988, que prevê a

titularidade exclusiva do Ministério Público sobre a ação penal pública (art. 129, I)339 –

posição considerada por Carlos Vico Mañas, Sérgio Mazina Martins e Tatiana Viggiani

Bicudo:

Tema sempre polêmico é o que diz respeito ao recurso de ofício da decisão concessiva da reabilitação, pois, pese a literalidade da lei processual penal, há quem entenda, e com boas razões, que, na nossa atual sistemática, o recurso de ofício é incompatível com a titularidade da ação penal pública incondicionada, que se reserva, com exclusividade, ao Ministério Público (CF, art. 129, I).340

Não tem a pujança das demais, contudo, a opinião de que foi o art. 746 do Código de

Processo341 revogado pela Lei de Execução Penal, visto ter esta instituído o agravo em

execução penal (art. 197).342 Como só há falar em Reabilitação após a extinção da pena, ou

337 FELTRIN, Sebastião Oscar; KURIKI, Patricia Cristina. Da Reabilitação. In FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 2007. p. 468. 338 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 339 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei [...] (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. Diário da Assembléia Nacional Constituinte: ano II: suplemento ao n. 308: quarta-feira, 5 de outubro de 1988. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1988. p. 20). 340 BICUDO, Tatiana Viggiani; MAÑAS, Carlos Vico; MARTINS, Sérgio Mazina. Reabilitação e outros temas. In FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Código de processo penal e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência: volume 5: parte processual penal: arts. 668 a 811. 2. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 894. 341 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 342 Art. 197. Das decisões proferidas pelo juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo (BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 – Institui a Lei de Execução Penal. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 104).

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término de sua execução (art. 94, caput),343 a matéria é absolutamente estranha ao juízo da

execução, além de que não foi sequer mencionada pela Lei n. 7.210, de 1984.344

Contudo, o art. 748 do Código de Processo Penal,345 e mesmo todo o regulamento dos

arts. 93 a 95 do Código Penal,346 foram reconsiderados diante do art. 202 dessa Lei:347

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

Este dispositivo teria derrocado o instituto da Reabilitação Criminal, tal como está

posto, segundo muitas vozes.348 Outras tantas, porém, cuidaram de diferençá-lo da medida

343 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 60. 344 Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 1817-8; JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 547. 345 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 346 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 59-60. 347 BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 – Institui a Lei de Execução Penal. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 104. 348 Duas delas: “Os efeitos acrescidos à condenação, pelo art. 92, não merecem aplausos, nem a reabilitação, tal como disciplinada no Código (arts. 92[sic]-95), tem qualquer alcance prático. Quanto a esta, o seu mais importante efeito, que seria o de assegurar ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação, é obtido, atualmente, de modo imediato e eficaz, por aplicação do art. 202, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP), desde que tenha sido cumprida ou extinta a pena” (LOPES, Jair Leonardo. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 248). “Com a Reforma Penal, a reabilitação perdeu sua condição de causa de extinção da punibilidade para ser tratada em capítulo próprio. Dispõe o art. 93 caput [...]” (transcreve o dispositivo). “Apesar dos termos deste dispositivo, a verdade é que a reabilitação não é mais causa de extinção da punibilidade, mas simples causa suspensiva de certos efeitos penais da condenação e, mesmo assim, de forma secundária e praticamente inócua. Sua utilização tem sido mínima e até mesmo desnecessária, como no caso do ‘sigilo dos registros sobre o processo e a condenação’, que já decorre automaticamente da extinção ou da execução da pena: [...]” (transcreve o art. 202 da Lei de Execução Penal). “Este dispositivo, de eficácia automática, revela-se muito mais favorável ao condenado e torna o instituto da reabilitação completamente obsoleto, que exige a instauração de um processo judicial para cancelar qualquer referência ao registro criminal do condenado” (LEAL, João José. Direito penal geral. 3. ed., rev. e atual. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004. p. 569-70).

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prevista na Lei de Execução Penal, demonstrando ainda haver contribuição de sua parte ao

condenado.

Disse um dos responsáveis pela Reforma de 1984:

O primeiro efeito, lato sensu, da condenação é o do registro do réu no rol dos culpados com a indicação da existência do processo nos distribuidores criminais e da ocorrência da condenação no Juízo da Execução. O art. 202 da Lei de Execução Penal estabelece que [...]. É esta uma automática proteção do condenado, visando que o crime pelo qual já se pagou com o cumprimento da condenação não venha a constar de certidões ou atestados, para viabilizar a sua reintegração na sociedade. Já com a reabilitação, objeto de apreciação judicial, assegura-se o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação, ou seja, apaga-se o fato delituoso e sua conseqüência processual, para que o condenado seja tratado no meio social como se o crime não tivesse ocorrido, pois do contrário não haveria a reabilitação pretendida frente à sociedade [...]. Outra conseqüência da reabilitação consiste na supressão dos efeitos da condenação mencionados nos incisos I e II do art. 92 do Código Penal, isto é, a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, bem como a incapacidade para o exercício do pátrio poder (poder familiar segundo o novo Código Civil), tutela ou curatela, sem, no entanto, reintegração na situação anterior.349

O art. 749 do Código de Processo Penal350 encontra-se revogado, em razão do

parágrafo único do art. 94 do Código Penal, que permite a renovação do pedido de

Reabilitação a qualquer tempo, desde que “instruído com novos elementos comprobatórios

dos requisitos necessários”.351

349 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral: volume II. 2004. p. 158-9. Ainda nesse sentido: “O disposto no art. 202 da Lei de Execução Penal não substitui, porém, o instituto da reabilitação. Em primeiro lugar, o sigilo não é tão amplo como o decorrente da reabilitação, já que não prevalece quando se trata de instruir processo pela prática de nova infração penal ou em outros casos expressos em lei. Isso significa que qualquer autoridade pública ou particular pode obter o registro da condenação, ainda que cumprida ou extinta a pena, nessas hipóteses, enquanto, tendo ocorrido a reabilitação, só se excetua o sigilo quando a folha de antecedentes, ou a certidão, ou o atestado for requisito por ‘juiz criminal’ (art. 748, do CPP). Em segundo lugar, somente a reabilitação exclui, salvo hipótese de revogação, os efeitos da condenação previstos no art. 92 do Código Penal” (MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à lei n. 7.210, de 11-7-1984. 2007. p. 839). 350 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 351 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 60.

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Finalmente, a remissão constante do art. 750 daquela codificação352 deve ser

desconsiderada, tendo em vista o atual posicionamento da Reabilitação no texto do Código

Penal (arts. 93 a 95).353

352 Cf. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1941: volume VI: atos do poder executivo: decretos-leis de outubro a dezembro. 1942. p. 134. 353 Cf. BRASIL. Lei n. 7.209, de 11 de julho de 1984 – Altera dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências. Coleção das Leis da República Federativa do Brasil de 1984: volume V: atos do poder legislativo: atos legislativos do poder executivo: leis de julho a setembro. 1984. p. 59-60.

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CONCLUSÃO

A Reabilitação Criminal fala à alma dos povos civilizados, que não incorrem na

temeridade de preferir a imperecível marginalização do infrator à proposta de emendar-lhe os

vícios e infrenes pendores para a delinqüência, tratado dos quais deveria regressar ao seio

social. Desde que proscrita a inumana satisfação do delito por meio da eliminação de seu

responsável, é falto de critério o sistema que descura da Reabilitação.

No Brasil, a evolução do instituto atesta sua tardia adesão a essa proposta, por razões

diversas, em dano próprio.

As Ordenações de Portugal, que também ditaram o primeiro Direito de suas colônias,

em verdade não previram a Reabilitação, senão mui distantemente. Mesmo com o advento do

Código Criminal do Império, editado sob o favônio da Independência, e da liberal

Constituição que a garantira, a situação pouco mudou. Fez-se concutir à nação soberana,

porém, a necessidade de se franquear ao condenado todos os meios para que não tornasse a

renitir em seu erro de outrora, ou em semelhante erro, visto como a inadaptabilidade social

dos egressos e a reincidência já delatavam à consciência brasileira certos problemas

insolúveis pela sanção penal. Mas esse juízo não foi capaz de demovê-la de sua quietação, e

em seis décadas quase nada se fez a respeito.

Em época na qual os sistemas estrangeiros já haviam-lhe dedicado boas construções,

foi a Reabilitação finalmente positivada no ordenamento brasileiro. O modelo português, por

exemplo, no-la alvitrara como medida própria para a reintegração do condenado nos direitos

perdidos por força da condenação; da justa condenação. Embalde: a Reabilitação Criminal

prevista pelo primeiro Código da República, cuja essência manteve-se íntegra até o câmbio

definitivo da ordem penal, cinqüenta anos depois, serviu durante todo esse período apenas aos

inocentes. Estes, porém, clamam por reparação, clamam por acerto, clamam sobretudo por

justiça, sequer duvidando da recuperação dos direitos perdidos, quando por erro são

condenados. E como não eram diversos os fins da medida no sistema de 1890, manteve-se o

Brasil sem Reabilitação.

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Em 1937, a ditadura pôs cobro nas atividades que se arrastavam com a finalidade de

dotar o país de uma nova ordenação repressora. Estabelecendo-se mais desembaraçado plano,

porém menos democrático que o anterior, puderam os trabalhos iniciados sob o novo regime

ser entregues a nação ao dilúculo da década seguinte. Dessa vez, todavia, comporia a nova

ordem penal também um Código de Processo, que, como o de direito material, consagrou à

Reabilitação relevantes previsões (se afrontadas com as do sistema penal revogado). “Mas a

sensível evolução do instituto, entretanto, foi obcecada por um pesar experimentado por toda

a comunidade jurídica”, anotávamos há pouco: “a curteza de seu alcance apontava à abertura

da idéia que o justificava, de sua ratio – afinal era o condenado seu destinatário, ele quem se

reabilitava; mas apenas em relação a pena de interdição de direito”. Com o passar dos anos, os

deletérios efeitos da marginalização do condenado, de regresso à sociedade, espertaram a

resolução comum de estender-se o alcance da Reabilitação. Antes de completar três décadas,

no ano de 1968, alterava-se o regime codificado do instituto, em favor desse propósito. Ainda

assim fez-se pouco, sendo válido o mesmo juízo em relação à Reforma que se seguiria.

A tardança dessa consciência fez mal ao Brasil, como fez mal a todos os que

insistiram em ver na medida repressiva verdadeiramente a única a resposta para o delito.

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