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CONCUBINATO Capítulo 5 CONCUBINATO i Sumário: 5.1. Considerações gerais. 5.2. O concubinato nas Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96. Conceituação. 5.3. Direitos e deveres dos concubinos. 5.4. Partilha do patrimônio havido pelo esforço comum e comunhão de bens. 5.5. Indenização por serviços domésticos. 5.6. Partilha de bens havidos após a separação de fato e concubinato. 5.7. Concubina e sucessão. 5.8.Concubina na Previdência. 5.9. Concubina e vedações do Código Civil. 5.10. Concubina e patronímico do consorte. 5.11. Concubina e legislação do Imposto de Renda. 5.12. Concubinos e alimentos. 5.13. Concubinos na legislação civil extravagante. 5.14. Aspectos processuais. 5.1. Considerações gerais Vamos iniciar a abordagem do tema registrando a evolução da tutela do concubinato no direito brasileiro. Tradicionalmente protegido por força de preceito constitucional, o casamento regularmente celebrado constitui a família legítima. Ao lado dele, contudo, surge uma família constituída livremente pela união de duas pessoas de sexos opostos. É o concubinato união livre, sem o casamento. Família que se constituía à margem da lei, mas que, gradativamente, vem obtendo cidadania no meio jurídico. A nova Constituição do Brasil, em seu art. 226, § 6º, estabelece: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. O texto Constitucional, assim, após prever o amparo da família pelo Estado, estabelece duas modalidades de instituição de cunho familiar: a constituída pelo casamento e a união estável. Quanto a essa última, prevendo a facilidade, através de lei, de sua conversão em casamento. Vê-se, assim, que a nova Constituição expressamente estatuiu a união estável como instituição de direito de família, o que representa mais do que consagrar o que já vinha sendo aceito pelos Tribunais, cujas decisões tutelavam tão-só a sociedade de fato. Mas, ao mesmo tempo, prevendo a conversão em casamento, demonstra que não quis igualar, em seus efeitos, o casamento e a união estável. Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 considerávamos de toda i Vimos utilizando de longa data a expressão concubinato e a mantemos na obra. Sabe-se que certa corrente na doutrina e na jurisprudência distingue concubinos de companheiros. E que a expressão conviventes foi introduzida no direito brasileiro pela Lei nº 9.278/96, assim como a união estável veio com a Constituição Federal de 1988. A manutenção da nomenclatura, portanto, tem caráter eminentemente didático e não afasta as discussões doutrinárias em torno das várias denominações que, no fundo, se referem à mesma entidade, embora vista sob o prisma de diferentes leis.

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Page 1: CONCUBINATO Capítulo 5 · 2014-06-07 · concubinato no direito brasileiro. Tradicionalmente protegido por força de preceito constitucional, o casamento regularmente celebrado constitui

CONCUBINATO Capítulo 5 CONCUBINATO i

Sumário: 5.1. Considerações gerais. 5.2. O concubinato nas Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96. Conceituação. 5.3. Direitos e deveres dos concubinos. 5.4. Partilha do patrimônio havido pelo esforço comum e comunhão de bens. 5.5. Indenização por serviços domésticos. 5.6. Partilha de bens havidos após a separação de fato e concubinato. 5.7. Concubina e sucessão. 5.8.Concubina na Previdência. 5.9. Concubina e vedações do Código Civil. 5.10. Concubina e patronímico do consorte. 5.11. Concubina e legislação do Imposto de Renda. 5.12. Concubinos e alimentos. 5.13. Concubinos na legislação civil extravagante. 5.14. Aspectos processuais.

5.1. Considerações gerais

Vamos iniciar a abordagem do tema registrando a evolução da tutela do concubinato no direito brasileiro. Tradicionalmente protegido por força de preceito constitucional, o casamento regularmente celebrado constitui a família legítima. Ao lado dele, contudo, surge uma família constituída livremente pela união de duas pessoas de sexos opostos. É o concubinato – união livre, sem o casamento. Família que se constituía à margem da lei, mas que, gradativamente, vem obtendo cidadania no meio jurídico. A nova Constituição do Brasil, em seu art. 226, § 6º, estabelece: “Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. O texto Constitucional, assim, após prever o amparo da família pelo Estado, estabelece duas modalidades de instituição de cunho familiar: a constituída pelo casamento e a união estável. Quanto a essa última, prevendo a facilidade, através de lei, de sua conversão em casamento. Vê-se, assim, que a nova Constituição expressamente estatuiu a união estável como instituição de direito de família, o que representa mais do que consagrar o que já vinha sendo aceito pelos Tribunais, cujas decisões tutelavam tão-só a sociedade de fato. Mas, ao mesmo tempo, prevendo a conversão em casamento, demonstra que não quis igualar, em seus efeitos, o casamento e a união estável. Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988 considerávamos de toda

i Vimos utilizando de longa data a expressão concubinato e a mantemos na obra. Sabe-se que certa corrente na doutrina e na

jurisprudência distingue concubinos de companheiros. E que a expressão conviventes foi introduzida no direito brasileiro pela

Lei nº 9.278/96, assim como a união estável veio com a Constituição Federal de 1988. A manutenção da nomenclatura, portanto,

tem caráter eminentemente didático e não afasta as discussões doutrinárias em torno das várias denominações que, no fundo, se

referem à mesma entidade, embora vista sob o prisma de diferentes leis.

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conveniência que a lei definisse a união estável, mas nem por isso, se vedava, a nosso ver, que a doutrina e a jurisprudência conceituassem o novo instituto. A união estável se identifica com o próprio concubinato, que é, em sua essência, uma união responsável, duradoura, não se confundindo com aventuras ou meros relacionamentos amorosos. A união estável em nada se confunde com o casamento. O casamento é ato jurídico; a união estável é situação de fato, com relevância jurídica. O casamento pode existir sem união estável das pessoas. É possível que duas pessoas se conheçam e imediatamente formalizem o casamento, separando-se logo após. Essas circunstâncias, por si só, não invalidam o casamento, que produz todos os efeitos legais. A união estável constitui-se de forma totalmente diferente. Ela não começa com formalidades, nem papel escrito. Pode ser até objeto de ajuste escrito, os famosos contratos de boa convivência, de união concubinária ou outros títulos sugestivos. Mas o mencionado contrato não faz prova da união estável que, muito antes de resultar do ajuste, existe em função da circunstância de duas pessoas viverem juntas, com responsabilidade, compromisso e amparo recíproco. A princípio, entendíamos que a união estável, referida na Constituição, era a de pessoas desimpedidas, posto que o texto prevê a facilidade da conversão em casamento. Após acurada reflexão sobre o tema, evoluímos no sentido de sustentar que, estando um dos cônjuges separado de fato, nada impede que se defira tutela jurídica à união em que se envolva. Essa colocação, de natureza constitucional, é da maior relevância, pois a disciplina que o legislador ordinário pretenda dar à união estável, de forma a ajustá-la à nossa realidade social depende, substancialmente, da interpretação que se dê ao citado § 6º do art. 226. Com efeito, se a interpretação do texto constitucional levar à conclusão de que só há união estável entre pessoas desimpedidas, pois, somente assim se poderia cogitar da conversão em casamento, vedado seria à legislação ordinária prover amparo à união que envolvesse pessoas casadas, ainda que separadas de fato. Redimimo-nos do ponto de vista rigorista que adotamos após a promulgação da Constituição de 1988ii e sustentamos hoje, que, havendo separação de fato, tal circunstância autoriza o reconhecimento da união estável uma vez que, se a separação de fato leva à possibilidade de divórcio e, com esse, se permite novo casamento, a lei poderia, pois facilitar a conversão em casamento, também das

ii “A Nova Constituição e seus reflexos no Direito de Família”, RF, vol. 304/97.

A tese tem sustento jurisprudencial, como se vê da decisão, a seguir do TJMG:

“ CONCUBINATO ENTRE PESSOAS CASADAS, MAS SEPARADAS DE FATO-NÃO CONCOMITÂNCIA COM O

CASAMENTO- RECONHECIMENTO CABÍVEL DA UNIÃO ESTÁVEL.

_ A separação de fato de pessoa casada civilmente não impede o reconhecimento de união estável, more uxório, para os

fins legais contemplados no § 3º do art. 226 da CF\88, desde que ela tenha resultado filho ou que a separação de fato,

tenha ocorrido há mais de 2 anos, tornando o concubinato honesto, e possibilitando a dissolução do divórcio autorizado

pelo § 6º do mesmo artigo constitucional.

_ O que a lei e a constituição não contemplam é o concubinato adulterino, concomitantes ao casamento mantido

resultando a bigamia defesa.”

(Apelação Cível nº 133.065\3. Relator Desembargador Orlando Carvalho, 1ª Câmara Cível, TJMG, em 15-12-1998,

DJ_MG de 30-03-1999).

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pessoas casadas, porém separadas de fato, especialmente quando o decurso do prazo de separação é superior há dois anos. É nosso pensamento, pois, que a lei ordinária, sem violentar a Constituição, pode tutelar o concubinato de pessoas casadas, desde que existente separação de fato do concubino impedido. Consumada a união estável, dela resultam conseqüências jurídicas, agora, em face da nova Constituição, no âmbito do direito de família, embora a assertiva tenha enfrentado certa resistência nos Tribunais. A jurisprudência, antes do advento das Leis nºs 8.971 e 9.278, vinha se firmando no sentido de que união estável gerava apenas efeitos obrigacionais, não se erigindo em instituição no âmbito do direito de família. A matéria teve esse enfoque em julgados que apreciavam a competência jurisdicional: Decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:

Prescrevendo a CF, no art. 226, § 3º, que ‘para efeito de proteção do Estado é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’ , não chegou ao ponto de igualar o casamento ao concubinato. Ao contrário, mandando que se facilitasse a conversão do concubinato em casamento, manteve a distinção entre um e outro e implicitamente realçou a superioridade do último sobre o primeiro. A natureza das relações, para efeitos patrimoniais, entre concubinos é, indubitavelmente, de caráter obrigacional, tão-somente, não podendo ser erigido o concubinato à condição de status familiae. Portanto, competente para julgar ação relativa a concubinato é o Juízo da Vara Cível, e não o de Família e Sucessõesiii”. Para nós, a união estável sempre foi instituição de direito de família. Só que, à falta de regulamentação dos direitos dos concubinos, não havia como deferir-lhes tutela jurídica, senão em nível de sociedade de fato, em discussões que, naturalmente, eram veiculadas no Cível. Essa concepção de entidade familiar e o enfoque da necessidade de lei regulamentadora foi, também, destacada pelo Des. Murilo José Pereira: “Em se tratando de entidade familiar o concubinato acarreta para a mulher direitos próprios da família resultante do casamento, mas para que esses direitos se corporifiquem, necessário se faz a edição de lei complementar ou ordinária, onde tais direitos sejam especificadosiv”. Dentro da nossa linha de argumentação, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a adoção feita por concubinos. Ora, tal previsão não tem nenhuma pertinência com a sociedade de fato; é a própria proteção ao concubinato ou união

iii AI nº 125.110-1, 5ª Câm., j. 05.04.1990, Rel. Des. Jorge Tannus, RT, vol. 656/89. No mesmo sentido, quanto à competência,

RT, vol. 647/60. Noutro sentido, porém, parece trilhar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO DE

COMPE- TÊNCIA. JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. CONVIVÊNCIA MARITAL. DIREITO DE FAMÍLIA. SEGUNDA

SEÇÃO. A justificação judicial formalizada para fazer prova sobre união de fato (concubinato) envolve tema do direito de

família, e, como tal, está incluída na competência da 2ª Seção, deste STJ (art. 9º, § 2º, IV, do Regimento Interno)” (STJ, CC nº

660, Corte Especial, 10.05.1990, Revista do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, vol.19/23). V. RT vol.

672/170, TJ-PR, 4ª Câm. Cível, pela competência da Vara de Família.

iv Revista da Amagis, vol. XIX/147.

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estável, como instituição, dentro do espírito que levou o legislador constitucional a prever essa entidade familiar. Logo após o advento da Constituição de 1988 indagava-se se, reconhecida a união estável, deveria o intérprete buscar as soluções dadas pela legislação ao casamento e aplicá-las à nova situação jurídica. A princípio, se, de um lado, considerávamos dispensável o conceito de união estável, para a aplicação da regra prevista no art. 226, §3º, da Constituição Federal, de outro, reconhecíamos a imperiosa necessidade de uma legislação ordinária a definir, no âmbito do direito de família, em que situações se poderia estender a relação direitos/obrigações dos cônjuges aos concubinos. Somente a lei ordinária poderia dizer se os concubinos teriam dever de fidelidade e coabitação; direito e dever a alimentos; direito à sucessão, etc. Antes do advento das Leis nºs 8.971 e 9.278 censurávamos, nesta própria obra, o comodismo em se aguardar o legislador e dizíamos que os Tribunais deveriam se antecipar a ele, começando por admitir, entre os concubinos, os deveres de fidelidade e coabitação, seguindo-se a obrigação de prestar alimentos. E, daí, vários outros horizontes poderiam ser descortinados: a questão da herança; o regime de bens; o uso do nome (que já tinha certa disciplina) e tantas outras questões. O que se via e assistia, contudo, dominantemente, era uma posição rigorista de negar evolução ao instituto do concubinato. Nas disputas sobre a ocupação do lar concubinário, por exemplo. Concordávamos que, a princípio, se negasse a cautelar de separação de corpos, entre os concubinos, sob o fundamento de que não havia, entre eles, dever de coabitação. Mas, se ambos viviam sob o mesmo lar e não se entendiam, ainda que sob o prisma da tutela possessória, um haveria que ter instrumentos de defesa contra o outro. Outrossim, os casais de concubinos formavam uma família, com filhos, encargos, deveres e responsabilidades. E os filhos naturalmente cobravam (como cobram),dos pais, respeito de um relação ao outro. E não bastavam apenas leis para atribuir direitos aos concubinos. Era mister também disciplinar a comprovação do concubinato. Apesar de havermos sustentado que, ao início da convivência, a prova documental, a despeito de produzir efeitos, não atesta a existência de união estável, certo é que de toda conveniência será a prova documental da existência dessa instituição ou situação, em sua vigência ou a posteriori. Haverá necessidade de a lei definir uma forma mais simples de provar essa situação (talvez uma simples averbação no registro civil), mas, se feita após a dissolução da vida em comum, convém admitir a justificação judicial, embora se tenha por sustentável o cabimento da ação declaratória. No quadro atual do direito brasileiro, com o advento das Leis nºs 8.971 e 9.278, a união estável adquiriu inequívoca cidadania como instituição de família, e, com o tempo, perderá bastante o interesse em torno da discussão cível da sociedade de fato, com a substituição dessa pela comunhão de bens. Há, contudo, a possibilidade de se aventar a inaplicabilidade das leis existentes quando um dos concubinos é casado, ainda que separado de fato. Como há também situações que se sujeitam à disciplina anterior às mencionadas leis e que, pois, terão de ser solucionadas segundo o direito aplicável à época em que se constituíram. Nesses

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casos, os estudos relativos à Súmula nº 380, do Supremo Tribunal Federal, continuam tendo interesse, motivo por que as unidades que cuidam do assunto foram mantidas na obra. Vamos tecer, agora, algumas considerações sobre a situação do concubinato, no âmbito do direito civil, com abstração da regra constante do art. 226, § 6º, da Constituição e das Leis nºs 8.971 e 9.278. Há, aqui, inicialmente, que se distinguir duas situações. A do concubinato de pessoas desimpedidas, que não gozava de proteção legal e a do que envolvesse pessoa casada, onde, além de não ter tutela jurídica, incidiam vedações. Clareando conceitos: Duas pessoas solteiras, de sexo diferente, viviam juntas, com a intenção de constituição de família. Nenhuma lei censurava essa união, perfeitamente lícita. Mas, por outro lado, nenhum texto legal também a amparava. Não era uma união proibida, mas também não se reconheciam direitos aos concubinos. Outra forma de união era a que envolvia pessoas casadas. Além de não haver, na lei, previsão de direitos, existiam, ainda, vedações, como a proibição de se fazer doação à concubina. O homem casado, pois, que se unia a uma mulher, era proibido de doar-lhe bens ou de indicá-la como beneficiária de seguro de vida ou em testamento. No direito civil não se protegia o concubinato em si mesmo, senão em raras oportunidades, mas se levavam em consideração os efeitos patrimoniais decorrentes da união concubinária. A simples união livre entre o homem e a mulher não tinha a menor relevância jurídica, no âmbito do direito civil. Não podia a concubina, por exemplo, insurgir-se por ter sido abandonada pelo amásio, nem lhe exigir o dever de fidelidade ou qualquer outro decorrente do casamento. Pelos mesmos motivos, pouca ou nenhuma importância tinha, por si só, o contrato celebrado entre duas pessoas, pactuando a união livre do concubinato. Os deveres ali estabelecidos valiam segundo as regras do direito obrigacional e, fora disso, não eram exigíveis, a princípio. Não é que o documento não tivesse nenhum valor. Acontece que se a sociedade entre os concubinos é de fato, a convenção dela, por escrito, não passa de início de prova. Não se partilhava, por exemplo, o patrimônio do concubino, com base no contrato existente, que não autorizava, por si, sequer a condenação de um dos concubinos na indenização por serviços domésticos. Ainda que o instrumento prevesse tais trabalhos domésticos seria apenas início de prova, embora dotado de bastante importância. Os alimentos pactuados por pessoa casada também não geravam efeitos jurídicos. O pagamento de alimentos à concubina, por convenção contratual, feito por homem casado, constituía doação, incorrendo na vedação do Código Civil. Se os alimentos fossem pactuados, no entanto, por pessoas livres, desimpedidas, não nos parece que se pudesse desconhecer o valor jurídico do documento firmado pelas partes, principalmente se elaborado como forma substitutiva de partilha de bens havidos em sociedade de fato e como meio de prevenir litígio. Mas tal acordo não teria os privilégios que a lei assegura à prestação de alimentos, devidos com fundamento no direito de família. O simples fato de a mulher viver concubinada, assim, qualquer que fosse o decurso de tempo, não lhe dava qualquer direito. Se, ao decurso da vida em

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concubinato, não prestasse serviço doméstico ao amante, nem colaborasse para o crescimento de seu patrimônio, mas simplesmente, atuasse como mulher, no sentido da satisfação sexual e união afetiva, não lhe sobraria direito a postular, ao fim da sociedade concubinária. Diversamente ocorria no direito previdenciário onde o concubinato sempre foi reconhecido como instituição de direito de família. Classificando o concubinato preleciona o Professor Milton Fernandes: “Já obteve apoios significativos a classificação da mancebia em pura e impura. Ocorre a primeira quando as pessoas são desimpedidas para o casamento e mantêm apenas uma união concubinária. É o que se dá com solteiros, viúvos ou judicialmente separados. Ela será impura quando houver obstáculo matrimonial para ambos ou um dos parceiros ou qualquer deles ou os dois tiverem outros amantesv”. E sobre a proteção do concubinato impuro preleciona o mesmo jurista: “Entendo que se o concubino está separado de fato de seu cônjuge, podem reunir-se os elementos essenciais à existência da mancebia e assim configurar-se a sociedade de fato. Não ocorreria a hipótese se a amante vivesse ainda com seu marido ou mulher. Nesse caso haveria impossibilidade factual de caracterizar-se uma união com os requisitos indispensáveis à concubináriavi”. O entendimento, que não é uniforme, mas nos parece francamente dominante, tem forte corrente de adeptos, como se depreende, parcialmente, do voto proferido pelo Ministro Soares Muñoz, no julgamento do RE nº 88.306-GO: “Senhor Presidente, admito a sociedade de fato entre homem casado, separado de fato da esposa, e sua companheira. Em torno dessa situação é que se formou a chamada jurisprudência paulistavii”. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível nº 73.220, admitiu a dissolução de sociedade de fato, no caso de mulher casada, separada de fato do maridoviii. É preciso, no entanto, fazer outra importante distinção: concubinato e sociedade de fato. Na verdade, o que é instituição é a união estável ou o concubinato, não a sociedade de fato. É natural que existam simultaneamente, num mesmo relacionamento, um concubinato e uma sociedade de fato. Mas pode existir uma união estável (entidade familiar), sem que exista uma sociedade de fato (conjunto de esforços que leva à constituição de um patrimônio comum). Do mesmo modo, pode haver uma sociedade de fato, entre homens, entre homossexuais, entre homem e mulher sem que, disso, resulte uma entidade familiarix.

v Revista da Amagis, vol. II/51, artigo sobre: “Efeitos Jurídicos da Dissolução do Concubinato”.

vi Artigo citado, p.58.

vii 1ª Turma, em 10.04.1979, RTJ, vol. 90/1.205. No mesmo sentido, manifestação da 1ª Turma: RE nº 102.530-RJ, Rel.

Min. Rafael Mayer, em 12.04.1985. RTJ, vol. 113/1.312. V., ainda, RF, vol. 312/114.

viii

JM., vol. 101/131. ix No julgamento do Recurso Especial nº 148.897-MG, Rel. Min. Ruy Rosado do Aguiar, admitiu-se sociedade de fato

entre homossexuais (DJU de 06.04.1998).

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Embora de difícil configuração é possível que o homem casado, ainda que vivendo com sua mulher, tenha uma concubina. Imagine-se um motorista que vive em constantes viagens e, durante a semana, mora com a concubina, na cidade em que trabalha, formando uma unidade familiar e, nos fins de semana, acha-se com a família legítima, dentro dos mesmos objetivos. Pode-se, no entanto, por apego à moral e aos bons costumes, repelir a tutela jurídica a essa situação, enquanto concubinato. Não se pode confundir, no entanto, essa entidade familiar atípica com a sociedade de fato. A sociedade de fato pode existir entre quaisquer pessoas. Não é porque um homem é casado e vive com sua mulher que poderá constituir um patrimônio com a concubina e se enriquecer indevidamente em detrimento dela. O mesmo se diz da união de homossexuais. Pode não se admitir, entre eles, uma entidade familiar, embora o direito esteja, sobre o assunto, evoluindo bastante. Mas a possibilidade de existência de sociedade de fato é inequívoca. Decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça, dentro da distinção que fazemos: “Concubinato. Sociedade de fato. Homem casado. A sociedade de fato mantida com a concubina rege-se pelo Direito das Obrigações e não pelo de Família. Inexiste impedimento ao que o homem casado, além da sociedade conjugal, mantenha outra, de fato ou de direito, com terceiro. Não há cogitar da pretensa dupla meação. A censurabilidade do adultério não haverá de conduzir a que se locuplete, com o esforço alheio, exatamente aquele que o praticax”. Há, contudo, decisões, com cujo teor não comungamos, em sentido contrário. Assim decidiu a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, com um voto vencido: “Concubina. Partilha patrimonial. Réu casado. Compreensão da Súmula nº 380. A ação de partilha patrimonial promovida por concubina não pode prosperar se o réu é casado, visto que tanto conduziria ao despropósito da dupla meação. A Súmula nº 380, interpretada à luz da jurisprudência que lhe serviu de base, e daquela que lhe sobreveio, refere-se a concubinos desimpedidosxi”. Geralmente nos utilizamos, de forma mais ou menos indiscriminada, das expressões concubina e companheira, assim como conviventes e integrantes de uma união estável. No fundo, todas as expressões se referem às mesmas pessoas, embora, cada qual, em decorrência de uma regra jurídica, o que pode levar, em tese, a que uma pessoa seja convivente e não seja companheira, por exemplo. Vários doutrinadores, porém, pretendem estabelecer uma distinção terminológica entre concubina e companheira. Preleciona Arnoldo Wald:

x R. Esp. nº 47.103-6-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 10.02.1995, apud DJ/MG de 17.02.1995.

xi RE nº 103.775-RS, Rel. Min. Francisco Rezek p/ o acórdão, em 17.09.1995, RTJ, vol. 117/1.264. No mesmo sentido,

REsp. nº 5.202-CE, 4ª Turma, STJ, em 11.12.1990, Lex Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais

Regionais Federais, vol. 28/104. (No caso do acórdão, contudo, consta que o homem mantinha regularmente o seu

casamento.).

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“Reiterando dois julgados anteriores, o Supremo Tribunal Federal, no RE nº 83.930, de que foi Relator o Min. Antônio Neder, distinguiu concubina de companheira. A concubina seria aquela mulher com quem o cônjuge adúltero tem encontros periódicos fora do lar. A companheira seria aquela com quem o varão separado de fato da esposa, ou mesmo de direito, mantém convivência more uxorioxii”. Compulsando a íntegra do acórdão citado, destacamos a sua ementa e elucidativo voto do Min. Relator: “1. Código Civil, arts. 1.177 e 1.474. 2. Seguro de vida. Caso em que o instituidor é homem casado que se afastou do lar conjugal e a beneficiária é a mulher solteira com a qual ele conviveu durante muitos anos, more uxorio, até o falecimento. Distinção entre concubina e companheira para efeito de afastar a incidência do sobredito art. 1.474. Interpretação teleológica dessa regra para lhe fixar o sentido que permite a distinção. Precedentes do STF. 3. Divergência jurisprudencial. Deve ser demonstrada em termos analíticos, como determina o art. 305 do Regimento Interno da Corte. Súmula, verbete 291. 4. Recurso Extraordinário a que a Primeira Turma nega provimento”. E do voto do Relator: “III – Quanto à ofensa dos arts. 1.177 e 1.474 do Código Civil, é de se dizê-la não configurada. Sem dúvida, o acórdão local, seguindo a sentença, diferençou, em ambas essas regras, a proibição de o cônjuge adúltero favorecer a concubina e a permissão de o cônjuge adúltero amparar a companheira. Um intérprete rigorista poderá vislumbrar eufemismo nessa diferença. Todavia, em linguagem jurídica é de se admitir a diferenciação, porque, na verdade, o cônjuge adúltero pode manter convívio no lar com a esposa e, fora, ter encontros amorosos com outra mulher, como pode também separar-se de fato da esposa, ou desfazer desse modo a sociedade conjugal, para conviver more uxorio com outra. Na primeira hipótese, o que se configura é um concubinato segundo o seu conceito moderno, e obviamente a mulher é concubina; mas, na segunda hipótese, o que se concretiza é uma união de fato (assim chamada por lhe faltarem as justae nuptiae) e a mulher merece havida como companheira; precisando melhorar a diferença, é de se reconhecer que, no primeiro caso, o homem tem duas mulheres, a legítima e outra; no segundo, ele convive apenas com a companheira, porque se afastou da mulher legítima, rompeu de fato a vida conjugal. Estabelecendo tal distinção ao interpretar pelo método teleológico as duas mencionadas regras, o acórdão recorrido não as contrariou, porquanto se restringiu a

xii Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família, 4ª ed., Ed. RT, p. 44. O acórdão citado (RE nº 83.930) encontra-

se publicado na RTJ, vol. 82/930. No RE nº 106.663-6-PE (não conhecido), Rel. Min. Rafael Mayer, a 1ª Turma do STF,

em 18.02.1986, acolheu a distinção entre concubina e companheira para afastar a incidência do art. 1.719, III, do Código

Civil, no caso de companheira do homem casado, há muito separado de fato da esposa (RF, vol. 295/248).

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salientar o sentido, a vontade que uma e outra contêm. Sim, porque os arts. 1.177 e 1.474 do Código Civil protegem a família juridicamente constituída e subsistente, e não a que, na realidade, se acha desfeita. No ponto, é de afirmar-se que a vida é mais poderosa do que as ortodoxias jurídicas”. Filiamo-nos inteiramente ao lúcido e atual voto do Ministro Antônio Neder. O direito é dinâmico. A separação de fato é uma realidade e a distinção pretendida entre concubina e companheira, como bem diz o Min. Relator, ainda que não passasse pela análise de um intérprete rigorista, permitiria atribuir-se à vida, aos problemas sociais latentes, uma importância maior que às ortodoxias jurídicas. Contudo, essa disposição inovadora parece não ter guarida segura no entendimento dominante nos Tribunais. O próprio Supremo Tribunal Federal, em acórdão mencionado no corpo dessa obra, deu ênfase à situação jurídica, reconhecendo a inconsistência da separação de fato para autorizar a disposição testamentária a favor de concubina ou companheira de homem casado. A nosso ver, a distinção terminológica entre concubina e companheira, embora com pouco respaldo científico, para o intérprete mais rigorista, permite a atualização da lei e, com ela, a verdadeira realização do direito, nos moldes exigidos pelo mundo atual. 5.2. O concubinato nas Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96. Conceituação Em cumprimento ao disposto no art. 226, § 6º, da Constituição Federal, duas leis vieram regulamentar o instituto da união estável e, pois, conceituá-lo, de forma direta ou indireta. Primeiro, a Lei nº 8.971, de 29.12.1994, que, em seu art. 1º, estabeleceu: “A companheira comprovada de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva”. Com a vigência da Lei nº 8.971 surge, pela primeira vez, o direito a alimentos entre os companheiros, dentro do conceito adotado pela lei. A união concubinária deve envolver homem ou mulher solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos. Nesses casos, o concubinato é lícito e não incide em nenhuma das vedações do Código Civil, nem conflita de modo algum com o texto constitucional. Assumindo a nomenclatura adotada por forte corrente doutrinária e jurisprudencial, a lei titula os integrantes da união estável como companheiros e não concubinos. Se o reclamado a prestar alimentos, à letra fria da lei, há que ser solteiro, separado, divorciado ou viúvo, igual situação deverá ser ostentada pelo reclamante, embora isso não esteja expresso. Suponhamos que, em caso de necessidade, uma mulher separada de fato postulasse alimentos a seu companheiro solteiro. Os alimentos seriam devidos. Depois, invertendo-se a situação de necessidade, esse homem solteiro resolvesse postular alimentos da companheira, mulher separada de fato. Não poderia fazê-lo, ante a interpretação literal do parágrafo único do art. 1º da lei. Essa exegese leva ao absurdo, pois é princípio elementar em matéria de alimentos a reciprocidade. Daí por que parece-nos que o legislador quis tutelar o concubinato de

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pessoas desimpedidas. Deixou a lei de referir-se, no entanto, aos casos de concubinato que envolvam separação de fato de pessoa casada, deixando a matéria para a discussão doutrinária e jurisprudencial.

Em assim sendo, na vigência da Lei nº 8.971/94, ou os casos que envolvam cônjuge separado de fato serão, por analogia, compreendidos na regra prevista no caput do art. 1º, o que, diga-se, é perfeitamente justo, mas arranha frontal e literalmente a lei, ou continuarão com a tutela que lhe assegurava o direito anterior: só indenização por serviços domésticos efetivamente prestados. Quando a lei diz “poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968”, na verdade, está a assegurar o direito a alimentos aos concubinos. Melhor seria que a lei assegurasse, primeiro, o dever de mútua assistência, pois é dele que decorrem os alimentos, cuja exigência se faz através do rito especial da Lei nº 5.478/68, quando a prova da obrigação alimentar é comprovável de plano. De qualquer modo, é inequívoco o direito a alimentos na relação de companheiros e, pois, o precedente dever de mútua assistência. E, se existente esse, também se justificariam os deveres de coabitação e fidelidade, em linha de princípio. Filiando-se à orientação da antiga lei previdenciária, referido diploma exige, para a caracterização da união concubinária, visando aos alimentos e à sucessão, a vida em comum por mais de cinco anos ou a existência de filhos. O número de anos exigido busca assegurar amparo a uma família que, em razão do decurso de tempo, demonstra estar seriamente constituída. Ou seja, quem vive com outra pessoa por cinco anos, como se casados fossem, adquire direito a alimentos. A lei contém, contudo, uma outra previsão, também inspirada na antiga lei previdenciária, de que a existência de prole, ou filhos, caracteriza a existência de concubinato e dispensa o prazo de cinco anos. Sinceramente, não achamos que, aí, o legislador andou bem. É possível que duas pessoas tenham filho sem que vivam em concubinato. O simples fato de haver filhos em comum não pode caracterizar uma união estável e gerar a obrigação alimentar. Quando a lei fala em prole ela está, naturalmente, dispen- sando o prazo de cinco anos para o reconhecimento do concubinato, mas é mister que o filho tenha sido gerado na união estável. As condições, a nosso ver, sob pena de afrontar o texto constitucional, têm de ser cumulativas: é preciso que se prove o concubinato ou união estável (aí, independentemente de tempo) e a existência de filho. Quem tem filho fora de uma união estável ou concubinato não tem direito a alimentos, na condição de concubino. Mas a jurisprudência pode vir a orientar-se no sentido de que, com a existência de filhos, admite-se a presunção relativa da condição de companheira. Distinto e inconfundível é o sagrado direito do filho. A lei, outrossim, fala em “companheira comprovada”. Como se comprovar o concubinato se ele é uma situação de fato? Como admitir a aplicação da Lei nº 5.478/68, se a prova da condição de companheira, para a adoção do rito especial da lei, deve vir com a petição inicial? Entendemos, aí, como aliás vimos sustentando de longa data, que hoje se justifica, no direito brasileiro, a pretensão à ação declaratória de união estável, em Vara de Família, assim como a justificação judicial dessa condição. Seria de todo conveniente que o legislador houvesse enfrentado a questão da prova da união concubinária e, inclusive, da possibilidade de averbação da existência dessa no registro civil. Mas

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não o fez. Como podem os companheiros, então, ter a prova pré-constituída da existência da união estável? A nosso ver, de vários modos. Primeiro, uma escritura declaratória, firmada pelos próprios interessados, o que é possível enquanto vivem juntos e se inviabiliza com a dissolução da união. Não havendo esse reconhecimento espontâneo, abre-se a oportunidade para o interessado fazer a prova da existência da união concubinária, quer por meio de justificação judicial, quer através de ação declaratória; a primeira, de cabimento indiscutível, mas de validade duvidosa (a justificação não vale pela sua homologação, mas pelo conteúdo dos fatos justificados) e, a última, de cabimento discutível, mas de validade ampla. Dispondo o interessado de prova da união concubinária, pois, pode ajuizar a ação de alimentos, na forma da Lei nº 5.478/68. E se não dispuser dessa prova? Não vislumbramos a impossibilidade da pretensão, porque a prova pode ser feita das mais variadas formas, inclusive no curso da ação. Daí nos resta sustentar que, não havendo prova pré-constituída da união estável, tal prova poderia ser feita no curso da ação que, desta forma, tomaria o rito ordinário, com a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela constante do pedido inicial, na forma da Lei nº 8.952/94, que alterou a redação do art. 273 do CPC. A lei condiciona o exercício desse direito, que é recíproco entre companheiro e companheira, ao fato de que o pretendente não tenha constituído nova união. Matéria, pois, de defesa para aquele que, acionado, quer eximir-se da obrigação preexistente. Parece-nos também que a obrigação se deve extinguir nos mesmos casos em que, para o ex-cônjuge, se extingue, como a conduta desonrosa, embora inexista na união concubinária, a rigor, o dever de fidelidade. Mas não se pode dar à companheira mais do que à mulher, nem desprezar, para efeito de alimentos, o mínimo de conduta do necessitado. Outrossim, a lei exige expressamente a prova de necessidade, donde não se poder presumi-la, a favor do pretendente. Quando a lei fala em prova de necessidade dos alimentos está, naturalmente, deslocando os companheiros para a regra prevista no art. 400 do Código Civil. Não podem os companheiros pretender alimentos nas mesmas condições dos cônjuges, ou seja, de forma a manter o mesmo nível de vida ostentado anteriormente ao desfazimento da união. Só fazem jus ao essencial. É fácil compreender. A companheira viveu em clima de grande conforto, mas possui rendimentos ou bens suficientes para sobreviver. Não teria como, à letra fria do art. 1º da nova lei, provar a sua necessidade. Essa exegese, contudo, embora mais técnica, não nos parece que possa resistir à pressão de uma interpretação mais ampla e liberal, voltada às particularidades de cada situação. A inscrição do companheiro ou companheira no INSS, na condição de dependente faz, a nosso ver, prova da união estável, mas não dispensa a prova do lapso de tempo mínimo de cinco anos, embora, conjugada com a existência de filhos, faça prova suficiente dessa união. Essa era a questão dos alimentos entre os companheiros, por ocasião da vigência da Lei nº 8.971/94. E, ao disciplinar o direito aos alimentos, a lei conceituou, para seus efeitos, a união estável. Posteriormente, adveio a Lei nº 9.278/96, que trouxe um novo conceito de união estável, agora, ao que nos parece, com validade ampla e geral. Dispõe o art. 1º da referida lei: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e

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contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”. O conceito de união estável até então era estabelecido predominantemente pela doutrina e pela jurisprudência. A Lei nº 8.971/94 conceituou-a para seus específicos efeitos, enquanto a nº 8.213/91, que trata dos benefícios da previdência social, em seu art. 16, § 3º, deixou a tarefa para o regulamento. O novo conceito de união estável decorre de lei e vale para todos os fins legais. A união estável é reconhecida como entidade familiar, em respeito à previsão constitucional e não apenas como uma figura de direito das obrigações. O anteprojeto da Lei nº 9.278/96 falava de convivência não adulterina, nem incestuosa. As expressões foram excluídas da lei. A omissão do legislador abre a possibilidade de se reforçar a tese de que o homem casado, desde que separado de fato de sua mulher, pode formar uma união estável. Note-se que, nesse particular, a jurisprudência vem evoluindo no sentido de tutelar a união de pessoas casadas, porém separadas de fato, no pressuposto de que a família desagregada não mais pode ser merecedora de tutela legal, especialmente em detrimento de uma unidade familiar que se cria à margem dela. Nesse sentido, a opinião de Rainer Czajkowski: “De notar que esta restrição não mais subsiste. A restrição foi revogada pela Lei nº 9.278, que define a entidade familiar (art. 1º), e possibilita os alimentos entre os conviventes (art. 7º), sem qualquer menção ao estado civil dos mesmosxiii”. A convivência deve existir entre homem e mulher. Não se pode falar, pois, em união estável entre pessoas do mesmo sexo, embora em tais casos se possa admitir (o que é inteiramente diverso) a existência de sociedade de fato. Sabe-se, no entanto, que os homossexuais lutam pelo reconhecimento do direito de formarem uma entidade familiar e várias legislações já vêm tutelando tais uniões. Aliás, a sociedade de fato pode existir, já afirmamos, perfeitamente, num relacionamento adulterino, porque ela não se confunde com a união estável. Repetindo, sociedade de fato não é uma instituição, mas resultado do somatório de esforços, de que resulta patrimônio comum. A convivência deve ser duradoura, pública e contínua. São elementos básicos que caracterizam o clássico concubinato, cuja terminologia, embora inadequada, está consagrada na ciência jurídica. A convivência sob o mesmo teto é forte elemento caracterizador do concubinato, embora não seja essencial a ele. A expressão “pública”, inserida na lei, é representada, exatamente, pelo fato de viverem juntos e/ ou se apresentarem juntos na vida social, como uma unidade familiar. Para que se caracterize a união estável é mister que a convivência seja contínua, posto que a interrupção afeta a essência desse tipo de relacionamento. Outrossim, deve ser duradoura, embora o projeto não defina o tempo mínimo para a sua caracterização. Ao se referir ao objetivo de constituição de família, a lei afasta da tutela legal as uniões simplesmente amorosas, os contatos eventuais, nos quais o fim não é a constituição de família, mas a satisfação de desejos inerentes à pessoa.

xiii União livre à luz da Lei nº 8.971 e da Lei nº 9.278/96, Ed. Juruá, p.48. Não há união estável se um dos conviventes é

casado, mesmo que separado judicialmente, RT, vol. 725/322.

Concubinato. Descaracterização. Convivência simultânea com a esposa e outra mulher, RT, vol. 725/322.

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Nesse sentido a anotação de Segismundo Gontijo: “Por isso que penso dever o magistrado, no exame judicial do caso concreto, perquirir com maior preocupação a existência do animus familiae dos companheiros para e durante a uniãoxiv”. Notas do anteprojeto: O anteprojeto do Ministério da Justiça para regulamentar o disposto no art. 226, § 6º, da Constituição Federal, dispõe o seguinte: Art. 1º É reconhecida como união estável a convivência, por período superior a cinco anos, sob o mesmo teto, como se casados fossem, entre um homem e uma mulher, não impedidos de realizar matrimônio ou separados de direito ou de fato dos respectivos cônjuges. Parágrafo único. O prazo previsto no caput poderá ser reduzido a dois anos quando houver filho comum. A nosso ver, melhora bem a redação do anteprojeto em relação à Lei nº 9.278, ao exigir prazo de convivência (que é um critério), ao reduzir o prazo em caso de prole (o que é justo) e ao estabelecer a exigência sob o mesmo teto, evitando-se, assim, abusos e a concomitância fática, que a moral reprime, do casamento com a união estável. Embora se saiba que o requisito da convivência sob o mesmo teto não é essencial, do ponto de vista doutrinário, para caracterizar o concubinato, parece feliz a exigência do legislador, especialmente para maior segurança nas relações jurídicas. Entendemos, apenas, que a lei deveria ter estabelecido um prazo mínimo para a separação de fato do cônjuge casado que constitui união estável. No mais, as considerações feitas quanto ao art. 1º da Lei nº 9.278/96 são válidas para o conceito previsto no anteprojeto. 5.3. Direitos e deveres dos concubinos Embora o concubinato seja, em princípio, uma relação descompromissada, a lei criou obrigações pecuniárias para os conviventes e, pois, estabeleceu, também, para eles, direitos e deveres. Dispõe o art. 2º da Lei nº 9.278:

“São direitos e deveres iguais dos conviventes:

I – respeito e consideração mútuos;

II – assistência moral e material recíproca; III – guarda, sustento e educação dos filhos comuns”. O art. 2º da lei simplesmente transfere para o âmbito da entidade familiar por ele regulada os direitos e deveres que já existem no casamento, salvo o de coabitação, numa linguagem, no entanto, mais atual. Enquanto o Código Civil fala nos deveres de fidelidade e mútua assistência, a nova lei fala nos deveres de respeito e consideração mútuos e assistência moral e material recíproca. Parece natural que se duas pessoas resolvem se unir com o objetivo de constituição de família, devam, uma à outra, respeito e consideração mútuos, o que implica, a nosso ver, implicitamente, no dever de fidelidade. Embora não tenha vindo ele expresso na lei, respeitar e ter consideração ao outro, parece-nos, é também ser-lhe fiel, embora a omissão da lei possa autorizar a ausência do dever de fidelidade em respeito à vontade dos concubinos. A assistência material cria, entre os conviventes, a obrigação alimentar, quando

xiv

Jornal da ABM nº 35, encarte.

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ocorrer a separação de fato, por infração aos deveres da lei. Surge, ainda, para os conviventes, os deveres de guarda, educação e sustento dos filhos comuns, naturalmente menores, o que parece resultar do bom senso e ser exeqüível, independentemente de texto expresso de lei formal. O dever de coabitação parece incompatível com o texto, pois, além de não previsto, expressamente, a união estável admite a convivência sem o mesmo tetoxv.

Nota do anteprojeto:

Dispõe o art. 2º do anteprojeto: Decorrem da união estável os seguintes direitos e deveres para ambos os companheiros, um em relação ao outro: 1. Lealdade. 2. Respeito e consideração. 3. Assistência moral e material. Os comentários expendidos sobre o art. 2º da Lei nº 9.278/96 são aplicáveis aqui. O anteprojeto reforça ainda mais a exigibilidade de respeito entre os companheiros ao estabelecer o dever de lealdade, que, contudo, não abrange necessariamente a fidelidade. 5.4. Partilha do patrimônio havido pelo esforço comum e comunhão de bens Vamos iniciar o estudo do tratamento dispensado aos bens havidos no curso da união concubinária antes e depois das Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96. Iniciaremos com o exame do direito que vigia por ocasião da ausência desses diplomas legais, quando o que se tutelava era, tão-somente, a sociedade de fato. Como vimos, a legislação ordinária não protegia o concubinato, em si mesmo, como instituição, senão os efeitos advindos da relação concubinária, dentre os quais a partilha do patrimônio havido pelo esforço comum de ambos os companheiros, matéria de construção pretoriana e que acabou por resultar na Súmula nº 380, do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”. E, segundo a Súmula nº 382 da mesma Corte: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxore, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Unem-se homem e mulher sem um vintém. Trabalham juntos. Compram uma casa, com os recursos e esforços de ambos. Seria sumamente injusto que o imóvel viesse a caber apenas um dos concubinos, em nome de quem foi registrado. É esse o sentido da Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal. A sociedade de fato, figura do direito comercial (ou das obrigações civis), é uma forma de descaracterização à proteção do concubinato, que não era aceito como instituição de direito de família. Outra particularidade importante a ser ressaltada: a Súmula nº 380 somente alcança o patrimônio havido pelo esforço comum dos concubinos. Para que se pleiteie a partilha judicial e a dissolução da sociedade de fato é mister que a mulher tenha efetivamente contribuído para a formação desse patrimônio.

xv

Explica-se pela possibilidade de configurar-se a união estável mesmo residindo os companheiros, em locais

diferentes, tendência que a jurisprudência tem aceito, nos termos da Súmula nº 382 do Supremo Tribunal

Federal” (Euclides Benedito de Oliveira, Nova Regulamentação da União Estável. Inovações da Lei nº 9.278,

de 10.05.1996, Tribuna da Magistratura, Apamagis, junho de 1996).

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Merece transcrição a primeira parte da ementa do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, de que foi Rel. o Min. Aldir Passarinho, no RE nº 99.286-RJ: “Civil. Concubinato e sociedade de fato. Partilha de bens. O simples concubinato não autoriza, só por si, a divisão de bens entre os concubinos. Para tanto necessário se faz que seja comprovado, por parte do que pretende a divisão, que efetivamente contribuiu para a formação do patrimônio, tendo havido sociedade de fatoxvi”. São inúmeros outros acórdãos no mesmo sentidoxvii. E o ônus da prova, evidentemente, tem cabido a quem alega a existência da sociedade de fato. É importante fique bem claro nos autos quais são os bens a serem partilhados ou, se remetida a partilha à execução de sentença, qual o período em que os bens adquiridos serão objeto de partilha nos autos. Os serviços domésticos, prestados pela concubina, não autorizam, a princípio, a partilha do patrimônio, mas asseguram uma indenização, como se verá, a seguir. É bastante elucidativo, na análise da jurisprudência a respeito da Súmula nº 380 do Supremo Tribunal Federal, o pensamento então divergente do Ministro Leitão de Abreu: “Tenho sustentado que a vida em comum, more uxore, implica a presunção de que o patrimônio adquirido durante a existência de sociedade de fato entre os concubinos resulte do esforço comum. Predomina, entretanto, a opinião de que, para incidência da Súmula nº 380, é mister comprove o concubino que, efetivamente, contribuiu para a formação do patrimônio, cuja partilha pretendaxviii”. O Supremo Tribunal Federal, por sua 1ª Turma, em acórdão de que foi Rel. o Min. Antônio Neder, bem sintetizou a pretensão à partilha do patrimônio comum, contrastando-a com a indenização por serviços domésticos. Merece transcrição a ementa do acórdão:

“Deve distinguir-se no concubinato a situação da mulher que contribui, com o seu esforço ou trabalho pessoal, para formar o patrimônio comum, de que o companheiro se diz único senhor, e a situação da mulher que, a despeito de não haver contribuído para formar o patrimônio do companheiro, prestou a ele serviço doméstico, ou de outra natureza, para o fim de ajudá-la a manter-se no lugar comum. Na primeira hipótese, a mulher tem o direito de partilhar com o companheiro o patrimônio que ambos formaram; é o que promana dos arts. 1.363 e 1.366 do Código Civil, do art. 673 do Código de Processo Civil de 1939, este ainda vigente no pormenor por força do art. 1.218, VII, do Código de Processo Civil de 1973, e do verbete 380 da Súmula desta Corte, assim redigido: ‘Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum’. Na segunda hipótese, a mulher tem o direito de receber do companheiro a retribuição devida pelo serviço doméstico a ele prestado, como se fosse parte num contrato civil de prestação de serviços, contrato esse que, ressabidamente, outro não é senão o

xvi

2ª Turma em 15.06.1984, RTJ, vol. 112/322.

xvii

V. JM, vol. 82/130; RTJ, vol. 90/1.022; RF, vol. 274/258; RTJ, vol. 89/181.

xviii

Voto no RE nº 91.090-SE, em 21.08.1979, 2ª Turma, RTJ, vol. 93/440.

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bilateral, oneroso e consensual definido nos arts. 1.216 e seguintes do Código Civil, isto é, como se não estivesse ligada, pelo concubinato, ao companheiro. 2. Quantum da remuneração devida à companheira. Como se calcula no caso. 3. Recurso extraordinário providoxix”. Para a comprovação de haver contribuído para a formação do patrimônio, cuja partilha se pleiteia, na sociedade de fato, preferencialmente os serviços da concubina devem ser prestados fora do lar, embora o entendimento não seja uniforme. A indenização pleiteada pelo concubino, geralmente a mulher, deve corresponder à sua participação na formação do patrimônio comum e não necessariamente à meação. Sendo desimpedidos os concubinos, o melhor é que o imóvel seja inscrito em nome de ambos, caso em que ocorrerá a figura do condomínio do Código Civil (direito das coisas), extinguível com a venda da coisa e partilhamento do preço, se indivisível. Mais recentemente acórdão do STJ vem dispensando essa prova da contribuição do concubino. Confira-se: “Concubinato. Partilha. Prova da efetiva participação. Para ao reconhecimento do direito da concubina à partilha dos bens adquiridos após o estabelecimento da união estável, não se exige prova da efetiva contribuição para a formação do patrimônio comum. Recurso especial não conhecido por falta de demonstração de dissídio nos termos exigidosxx”. Outro, admite que os serviços prestados tenham se limitado ao âmbito do lar: “Concubinato. Sociedade de fato. Partilha de bens havidos mediante esforço comum. Para a ocorrência da sociedade de fato, não há mister que a contribuição da concubina se dê necessariamente com a entrega de dinheiro ao concubino; admite-se para tanto que a sua colaboração possa decorrer das próprias atividades exercidas no recesso do lar (administração da casa, criação e educação dos filhos). Precedentes. Recurso especial conhecido pela alínea c e provido parcialmentexxi”. A questão evoluiu com o advento da Lei nº 8.971, que, em seu art. 3º, prescreveu: “Quando os bens deixados pelo (a) autor (a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do (a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens”. Referida lei não afastou os efeitos da Súmula nº 380. Criou uma opção somente exercitável após a morte do companheiro e diz respeito exatamente à metade dos bens, exigindo, no entanto, apenas prova de colaboração. O direito então criado, além de guardar conotação com efeitos sucessórios, não se confunde com a comunhão de aqüestros, que pode ser reconhecida em vida e nem com o regime de comunhão de bens, que independe de prova de

xix RE nº 79.079, em 10.11.1977, RTJ, vol. 84/487.

xx R. Esp. nº 59.259-3, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 14.08.1995, apud DJ-MG de 18.08.1995.

xxi R. Esp. nº 20.202-8-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª T., em 09.08.1994, RSTJ, vol. 69/240.

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colaboração na formação do patrimônio que se pretende partilhar. O novo direito para os companheiros é estabelecido não em razão da união, mas da colaboração; não em vida, mas em razão da morte. Se ocorre a dissolução da sociedade concubinária, assim, por vontade dos interessados, ou de algum deles, o pretendente à meação não precisa aguardar a morte do outro para postular o reconhecimento de seu direito. Mesmo porque os bens podem ser alienados ou, mesmo em caso de dívida, arrestados ou penhorados em execução. A medida judicial autorizada pela Súmula 380 subsiste. O art. 3º da lei poderia ter trazido alguma importância em termos legislativos se criasse, pelo simples fato da união, o direito à meação dos bens nela havidos. Tal como redigido, pouco acrescenta a nosso direito, pois obriga o companheiro a comprovar sua colaboração, o que, sabidamente, não pode ser feito nos autos do inventário, salvo acordo entre os interessados. Mais uma vez a questão de prova. Não basta a prova do concubinato, aqui, para assegurar o direito à meação. É preciso outra prova, a de que houve colaboração do companheiro. Feita a prova dessa colaboração, a companheira tem condições de se habilitar no inventário, para receber a metade dos bens (e não o percentual que pudesse corresponder a essa colaboração). Essa prova poderá ser feita através de escritura declaratória firmada pelos interessados ou, não havendo, justifica- ção judicial e ação declaratória. Em síntese, a principal vantagem da Lei nº 8.971/94 foi permitir, em caso de ação proposta contra o espólio do de cujus, a simples prova da colaboração para ensejar o direito à meação do patrimônio do falecido, quando essa colaboração, antes da lei, poderia ser insuficiente para assegurar o direito à partilha ou ao percentual estabelecido. Com a Lei nº 9.278/96 nova evolução, já não se cogitando, mais, de contribuição ou colaboração do concubino para formação do patromônio. Dispõe o art. 5º da citada lei: “Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contratual contrária em escrito. § 1º Cessa presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente à união. § 2º A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito”. A nova lei, à semelhança do que sucede com a comunhão de aqüestros no casamento, traz a presunção de que os bens havidos no curso da união estável e a título oneroso são comuns a ambos os conviventes. Nada mais justo e louvável. A administração dos bens dos conviventes, diz o texto, compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Naturalmente que esse contrato escrito somente poderá obrigar terceiro se tiver recebido a devida publicidade, através do registro próprio. A lei criou uma situação de complexo desfecho. Instituiu, na verdade, a favor do concubino, um direito real, posto que incidente sobre o próprio bem, mas, ao mesmo tempo, não cuidou do registro, indispensável à caracterização desse direito. Não vislumbramos impossibilidade de se proceder, no registro de imóveis,

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à averbação desse condomínio atípico criado pela lei, mas reconhecemos as dificuldades existentes, à falta de previsão na Lei de Registros Públicos. De qualquer modo, no entanto, não vemos como um terceiro de boa-fé possa ser atingido pela invocação de condomínio com base no artigo em exame, à falta de publicidade no registro imobiliário. Ensina Rainer Czajkowski: “O disposto neste art. 5º, por outro lado, visa a regulamentar as relações patrimoniais entre os parceiros, e não as relações destes com terceiros. Um terceiro não está obrigado a averiguar, até porque falta registro, se a presunção de condomínio existe ou não. Ressalvados os casos de evidente convivência de fato more uxorio, o terceiro que contrata com um dos parceiros, não precisa estar ciente e nem levar em conta a união estável. Se um parceiro, em face do negócio com terceiro, prejudicou o outro, a questão é entre os parceiros, sem envolver o terceiroxxii”.

Nota do anteprojeto:

Regime legal de bens. Art. 3º Salvo estipulação contrária, os bens móveis e imóveis adquiridos onerosamente por qualquer dos companheiros, na constância da união estável, obedecerão às disposições sobre o regime de comunhão parcial estabelecidas no Código Civil e leis posteriores, abrangendo direitos, deveres e responsabilidades. As doações, feitas por um deles ao outro, presumem-se adiantamentos da respectiva meação. Regime convencional. Art. 4º As partes poderão, a qualquer tempo, reger as suas relações patrimoniais, de modo genérico ou específico, por escritura pública de atribuição de titularidade de bens e obrigações, devendo o respectivo instrumento ser registrado no registro de imóveis do seu domicílio e, se for o caso, averbado no respectivo ofício do local onde os imóveis forem localizados. Parágrafo único. As estipulações contidas na escritura somente se aplicarão para o futuro, regendo-se os negócios jurídicos anteriormente realizados pelos companheiros segundo o disposto nesta lei, sem prejuízo da liberdade das partes de partilhar os bens, de comum acordo, no momento da dissolução da entidade familiar. Relações com terceiros. Art. 5º Nos instrumentos que vieram a firmar com terceiros, os companheiros deverão mencionar a existência da união estável e a titularidade do bem objeto de negociação. Não o fazendo, ou sendo falsas as declarações, serão preservados os interesses de terceiros de boa-fé, resolvendo-se os eventuais prejuízos em perdas e danos entre os companheiros e aplicando-se as sanções penais cabíveis. O anteprojeto, diferentemente da Lei nº 9.278/96 procurou disciplinar a situação dos terceiros diante dos bens objeto de comunhão pelos companheiros. Se de boa-fé não serão prejudicados; eventuais prejuízos que um dos companheiros causar ao outro deverão ser ajustados, a nível de direito pessoal, entre os dois. No mais, os bens havidos no curso da união, tal como ocorre na comunhão parcial,

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Ob. Cit., p. 123.

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pertencerão a ambos os companheiros que poderão, por instrumento escrito e registrado, dispor, para o futuro, sobre o regime de bens pretendido.

5.5. Indenização por serviços domésticos

A prestação de serviços domésticos pelo concubino, quase sempre a mulher, não autoriza, de início, a partilha do patrimônio comum, mas obriga o beneficiário dos serviços à indenização. Não se deve confundir, evidentemente, a indenização dos serviços domésticos com o relacionamento íntimo entre os concubinos. Pode haver perfeitamente o concubinato, sem que a mulher preste quaisquer serviços ao amante. Aí, nenhuma indenização poderá reclamar, pois, como se viu, o concubinato em si mesmo, não tinha amparo legal no direito civil, que não permite, também, o comércio do sexo, que é contrário à moral e aos bons costumes. O que se indeniza são os serviços domésticos, isto é, de dona de casa, efetivamente prestados ao amásio, como forma, inclusive, de evitar ilícito locupletamento. No julgamento do RE nº 102.135-RJ, pelo Supremo Tribunal Federal, registrou o Rel. Min. Soares Muñoz: “O direito à indenização assenta exclusivamente na prestação de serviços no lar, perfeitamente indenizáveis, uma vez que os trabalhos de cozinheira, lavadeira e copeira são remuneráveis pecuniariamente e dissociáveis da mancebia em si. Seria, aliás, como assinala o acórdão paradigma, imoral e antijurídico não indenizá-los, acoroçoando a locupletação do homem em detrimento do trabalho da mulher. Ante o exposto, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento para julgar procedente a ação, relegada para a execução a fixação da indenização devida, e pagas pelo vencido as custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em 15% da condenação, com o que se atende às recomendações constantes do art. 20, § 3º, do Código de Processo Civilxxiii”. Vários ângulos comportam exame, do ponto de vista da justiça, ou não, dessa orientação jurisprudencial. A companheira presta serviços domésticos, mas recebe, em contrapartida, casa e assistência material do companheiro. A esposa, em verdade, tem direito a alimentos, a concubina não. Mas os alimentos são prestados sem efeito retroativo, enquanto a indenização de serviços domésticos atinge prestações pretéritas. Realmente, é possível que uma esposa acabe por receber menos que uma concubina, mesmo com a prestação de idênticos serviços domésticos. Antes do advento das Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96, contudo, dominava o entendimento no sentido de deferir a indenização por serviços domésticos, embora existam decisões negando-a.

Qual o critério a ser adotado na indenização por serviços domésticos? Segundo voto proferido pelo Min. Antônio Neder, no julgamento do RE nº 79.079, o valor mensal do salário não pode ser superior ao salário mínimo e “deve ser o da remuneração média do serviço doméstico registrado em tal Município no transcurso da correspondente prestação e na conformidade, é claro, do que fora

xxiii

1º Turma, em 27.04.1984, RTJ, vol. 110/434.

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apurado mediante arbitramento, na execuçãoxxiv”. A lição coaduna-se com a regra do art. 1.218 do Código Civil: “Não se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-á por

arbitramento a retribuição, segundo o costume do lugar, o tempo do serviço e sua qualidade”.

Não se quer dizer, contudo, que a indenização só se possa fazer em liquidação por arbitramento. Ao contrário, é conveniente que se faça nos autos, na fase de conhecimento, a prova do valor mensal dos serviços domésticos, segundo o costume do lugar e sua qualidade, de modo que a sentença possa ser proferida com condenação líquida ou, quando muito, sujeita a simples cálculos. Com a previsão do direito aos alimentos, em decorrência das Leis nºs 8.971 e 9.278, pode-se afirmar que, onde há direito a alimentos, não há falar-se em indenização por serviços domésticos. Se duas pessoas compõem uma entidade familiar não se pode falar, entre elas, em contrato de locação de serviços do Código Civil. Ficam, pois, ressalvados os casos anteriores às aludidas leis, bem como as situações que os alimentos não sejam devidos, por falta de amparo legal.

Decidiu mais recentemente o Superior Tribunal de Justiça: “Direito civil. Concubinato. Indenização à mulher por serviços domésticos. Cabimento. Precedentes. Recurso desprovido. – As duas Turmas que integram a Segunda seção desta Corte, à qual incumbe a matéria concernente ao Direito Privado, já assentaram o entendimento de que, nos casos em que não haja a comprovação da sociedade de fato entre os concubinos, que garantiria a meação do patrimônio, é possível ser deferida à mulher a indenização por serviços domésticos efetivamente prestados durante a vida em comumxxv”. 5.6. Partilha de bens havidos após a separação de fato e concubinato Vimos que o concubinato, mesmo quanto fruto de união vedada em lei, de pessoas casadas, é protegido, em certas ocasiões, principalmente no caso do concubino impedido de se casar estar separado de fato de sua esposa. Ocorre comumente que o concubino, separado de fato da esposa, constitua patrimônio junto com o consorte. Como fica a posição desses bens, havidos no curso da separação de fato, em relação ao cônjuge, na separação judicial? Apreciando os embargos no Recurso nº 95.258-6-MG, o Rel. Min. Moreira Alves inadmitiu-os, em relação ao acórdão, cuja ementa teve o seguinte teor: “Divórcio. Partilha. Regime de comunhão de bens. Bens adquiridos após a separação de fato. No regime de comunhão universal de bens, ainda que sobrevenha separação de fato do casal, como na espécie, os bens adquiridos após essa separação, ainda que com o produto do trabalho do marido, são bens da comunhão até a dissolução do casamento. Recurso extraordinário conhecido e providoxxvi”.

xxiv

1ª Turma, em 10.11.1977, RTJ, vol. 84/487. xxv Recurso Especial nº 151.238-PB, DJU, de 10.05.1999, apud DJ-MG, de 11.06.1999.

xxvi Lemi, vol. 184/220. O RE nº 95.258-MG foi julgado em 26.10.1982, 1ª Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, RTJ, vol.

103/1.236.

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No mesmo caso, objeto do recurso extraordinário, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, originariamente, havia adotado a mesma tese: “DIVÓRCIO – SEPARAÇÃO DE FATO – LEI Nº 6.515/77, ART. 40 – INTELIGÊNCIA – BENS – INCOMUNICABILIDADE – VOTO VENCIDO. Basta a prova da separação voluntária, por prazo superior a cinco anos, para autorizar o divórcio. A ‘causa’ a que se refere o art. 40, § 1º, da Lei nº 6.515/77, é a própria separação de fato, com abstração da idéia de culpa. Não há falar-se em incomunicabilidade de bens sobrevindos após a simples separação de fato, visto que somente com o trânsito em julgado da sentença, proferido em Juízo contencioso, em se tratando de divórcio não consensual, é que se extingue a sociedade conjugal, quando então, será feita a partilha da massa e seus acréscimos. V.v. É injusto impor a partilha dos bens adquiridos depois de desfeito o matrimônio, após a cessação da vida em comum por mais de cinco anos, manifestamente confessada e admitida por ambos os cônjuges (Des. Paulo Tinoco)xxvii”. No RE nº 109.111-B, a 2ª Turma do STF, sendo Rel. o Min. Carlos Madeira, em 29.08.1986, entendeu que não se comunicam os bens e direitos adquiridos por qualquer dos cônjuges após decisão de separação de corposxxviii. A regra constante do art. 246 do Código Civil, contudo, torna injusta essa orientação, no tocante à partilha dos bens havidos pelo marido após a separação de fato do casal. Isso porque os bens reservados da mulher, frutos de seu trabalho, não se comunicam. Assim, se uma mulher compra um imóvel, com salário de sua atividade profissional, tal bem não entra na comunhão, embora, de início, ela dependa de autorização marital para aliená-lo. Mas como vimos, o mesmo não ocorre em relação aos bens adquiridos pelo trabalho exclusivo do marido. Suponhamos uma longa separação de fato, em que homem e mulher constituíram patrimônio com seu esforço exclusivo. Somente entram no monte partilhável os bens havidos pelo marido? É sumamente injusto. Ou se partilham todos os bens, caso em que se vulnerará a regra constante do art. 246 do Código Civil, ou não se partilha bem algum. A posição que sustentamos encontra agora maior respaldo, ante a provável incompatibilidade da regra do art. 246 do Código Civil com a igualdade entre os cônjuges, prevista na Constituição. Confirmando decisão proferida pelo ilustre Juiz da 3ª Vara de Família da Comarca de Juiz de Fora, Dr. Israel Carone Rachid, entendeu a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em acórdão de 04.09.1990, de que foi

xxvii 1ª Câmara Cível, em 04.08.1980, Rel. Des. Rubens Eulálio, Lemi, vol. 157/231. No mesmo sentido outra decisão do

TJ-MG, na Apelação Cível nº 74.705/3, DJ-MG de 28.10.1989. Decidiu, no entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande

do Sul, por sua 1ª Câmara Cível: “... irrelevância do fato de o concubino varão ser casado, pois à mulher legítima não

assiste direito à meação em imóvel que o varão vem a adquirir anos após a separação de fato, através do trabalho próprio e

de sua companheira” (Ap. nº 584.00815-5, Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, em 11.09.1984, RF, vol. 288/257).

xxviii Revista da Amagis, vol. XI/504 (Ementa). No mesmo sentido, Ap. Cív. nº 68.766, 1ª Câm. Cív. TJ-MG, JM., vol.

94/166.

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Relator o Des. Lúcio Urbano: “BENS RESERVADOS – NORMAS CONSTITUCIONAIS – ART. 5º, I, E § 5º DO ART. 266 – SOCIEDADE CONJUGAL – ART. 263 DO CC – APLICAÇÃO EM FAVOR DO HOMEM E DA MULHER – PARTILHA – EXCLUSÃO DE BENS. Em face da igualdade existente entre homem e mulher em direitos e obrigações referentes à sociedade conjugal instituída pela Lei Maior, é inegável que o item XII do art. 263 do CC se aplica tanto em favor da mulher como do homem, permitindo que os bens por este adquirido, exclusivamente com seu esforço, sejam considerados reservados, excluídos da partilha no caso de separação ou divórcioxxix”. Como fica, no entanto, a posição da concubina, diante dessa disputa entre os cônjuges? Como partilharem-se, na separação judicial, os bens havidos, no decurso da separação de fato, com o concurso do trabalho e esforço da concubina? Como pode a esposa receber a metade dos bens, se a concubina pode ter direito, por exemplo, à meação? A orientação, evidentemente, não poderá ser outra: com relação aos bens adquiridos sob esforço comum, a metade ou cota-parte diferente caberá à concubina, em razão de sua participação. O restante pertence ao cônjuge. E, com relação a esse restante, é que a esposa legítima terá direito à sua meação. Há decisão, no entanto, inadmitindo que o marido, na partilha, pretenda a exclusão de parte pertencente à sua concubinaxxx. Quanto aos bens, contudo, não adquiridos com a participação da concubina, aí observar-se-á a partilha legal entre o marido e sua mulher, com todas as objeções já ofertadas. 5.7. Concubina e sucessão Ressalvando-se o direito aos depósitos previstos na Lei nº 6.858/80, a concubina não tinha outros, em decorrência da morte de seu consorte, antes do advento da Lei nº 8.971/94. O que a concubina pretendia, por ocasião do óbito de seu companheiro, era o reconhecimento da sociedade de fato e, pois, parte dos bens deixados pelo de cujus. Segundo prevê ao art. 1.001 do Código de Processo Civil, aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no inventário, requerendo-a antes da partilha. Resta saber se a concubina pode ser admitida para pleitear sua meação em razão

xxix DJ-MG de 07.02.1991, p. 2. V., ainda, JM., vol. 116/190, acórdão da 5ª Câm. Cív. do TJ-MG, com voto vencido, no

sentido de que, mesmo em face da atual Constituição, não existe bem reservado para o marido.

Recurso especial nº 77.676-DF, DJU de 13.04.1998: “Civil. Família. Fruto Civil do Trabalho. Ruptura do vínculo conjugal. Bem

adquirido com o produto de indenização trabalhista percebida após a ruptura do vínculo conjugal não se comunica. Inteligência

do art. 263, XIII do Código Civil. Recurso conhecido e provido”.

Bem reservado – Casamento celebrado sob a égide da Constituição Federal de 1988 – Inadmissibilidade – Inteligência do art.

246 do Código Civil em face da regra hospedada no art. 226, § 5º, da Carta Política. Se o casamento foi celebrado sob a égide da

Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 não há que se falar em reserva de bem adquirido na sua constância, eis que o art.

246 do Código Civil há de ceder em face da regra hospedada no art. 226, § 5º, da Carta Política vigente” (TJ-DF – 5ª TC – Ac. nº

91.383 – Rel. Des. Romão C. Oliveira – DJ 17.02.1997, p. 1.700.

xxx TJ-MG, 2ª Câm. Civ., em 19.04.1983, Rel. Des. Werneck Cortes, Lemi, vol. 190/2.104.

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de sociedade de fato com o cônjuge falecido, nos autos do inventário e se sua interveniência obriga à reserva de quinhão a seu favor, nas mãos do inventariante. A nosso ver, de início, com abstração das regras da Lei nº 8.971/94, não sendo a concubina herdeira, incabível sua habilitação nos autos do inventário, a esse título. Conseqüentemente não há falar-se em reserva de quinhão a seu favor. Decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua 1ª Câmara Cível, nesse sentidoxxxi, não sendo outra a observação de Theotônio Negrão: “Art. 1.001: 2. À concubina que pretende o reconhecimento de sociedade de fato com o autor da herança, não beneficia o disposto no artigo supra (RT 568/53, RJTJESP 48/207). Em caso especial, por haver receio de frustração do julgado, tal medida lhe foi concedida (RF 256/266); mais normal seria a invocação do art. 798, mediante ajuizamento de medida cautelarxxxii”. Mas nada impede, por consenso das partes, a reserva do quinhão da concubina, nos autos do inventário, partilhando-se os demais bens. Como também a concubina pode participar da partilha, havendo acordância dos demais interessados, situações em que o Fisco poderá, naturalmente, exigir o imposto devido em razão de cessão de herança, à falta de prova regular da contribuição da concubina para a constituição do patrimônio inventariado. Com o advento da Lei nº 8.971/94 a situação se modificou substancialmente, em face ao disposto no seu art. 2º, elegendo a concubina, expressamente, como herdeira do falecido: “As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do (a) companheiro (a) nas seguintes condições: I – o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste ou comuns; II – o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III – na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança”. Entendemos que, não sendo a questão sucessória disciplinada pela Lei nº 9.278/96, permanece vigente o art. 2º da Lei nº 8.971/94, que cuida do direito dos concubinos à sucessãoxxxiii.

xxxi Agravo nº 42.745, em 28.02.1984, Rel. Des. Octávio Stucchi, Adcoas, 1984, verb. 98.275.

xxxii Código de Processo Civil, 13ª ed., Ed. RT, p. 300.

xxxiii De um modo geral os doutrinadores acenam para a sobrevivência do art. 2º da Lei nº 8.971/94. Euclides Benedito de

Oliveira, no trabalho citado, argumenta: “Permanecem em vigor, no entanto, as disposições da lei anterior, artigo 2º, sobre

herança e usufruto, eis que intangidas pela Lei nº 9.278, que o limitou, no plano sucessório, ao reconhecimento de mais

um direito aos companheiros, o da habitação sobre o imóvel destinado à residência da família”. Há, no entanto,

doutrinadores que sustentam o contrário. O Des. Paulo Roberto de Azevedo Freitas, em trabalho sobre “O Novo Regime

Jurídico da União Estável”, Jornal do Magistrado, AMB, setembro de 1996, encarte, conclui: “Enfim e ao cabo, a Lei nº

9.278/96, porque regula inteiramente o instituto união estável, inclusive efeitos sucessórios, revoga globalmente a Lei nº

8.971/94, com base na Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 1º, terceira parte”.

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Sustentamos, no entanto, que o conceito de união estável da Lei nº 8.971/94 deve ser substituído pelo da Lei nº 9.278/96, que, ademais, é de caráter geral e não teria razões para que não fosse invocado em matéria sucessória. A matéria, contudo, não é tranqüila, sendo também sustentável que o direito à sucessão previsto no art. 2º da Lei nº 8.971/94 se aplica às pessoas referidas no art. 1º da referida lei, a cujo respeito já tecemos considerações precedentemente. A lei modificou a ordem de vocação hereditária, prevista no art. 1.603 do Código Civil, passando os companheiros a serem herdeiros na ausência de descendentes e ascendentes, ou seja, na mesma situação dos cônjuges. O art. 2º, I e II, da Lei nº 8.971, assegura aos concubinos o direito ao usufruto da quarta parte ou da metade dos bens do de cujus, enquanto não constituir nova união, segundo existem ou não filhos na sucessão. Isto é, terá o direito de fruir das utilidades de parte do patrimônio do companheiro, sem prejuízo da transmissão da nua-propriedade, enquanto não constituir nova união. A Lei nº 9.278/96 acrescentou, em matéria sucessória, o direito real de habitação a favor do concubino sobrevivente, ao dispor, em seu art. 7º, parágrafo único: “Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”. Independentemente dos direitos assegurados pela nova lei, continuam em vigor os dispositivos da Lei nº 6.858/80, que assegura aos dependentes previdenciários, inclu sive à companheira, os direitos a saldos de salários, PIS, Pasep, FGTS e restituições de imposto de renda. Não custa afirmar que todas as vezes em que falamos de direito de uma companheira em relação a um companheiro estamos, em cumprimento ao preceito constitucional da igualdade, presumindo que a situação inversa seja também verdadeira. Mas, voltando ao direito hereditário da companheira. Sabe-se que, no processo de inventário, a condição de herdeiro se prova documentalmente e questões de alta indagação, inclusive aquelas que exijam prova mais complexa, são remetidas para as vias ordinárias. Tanto a Lei nº 8.971, quanto a 9.278, criaram direitos a favor dos concubinos ou conviventes, mas não se disciplinaram a comprovação da condição de companheiro ou convivente. Como a companheira poderá, nos autos do inventário, pretender a sua admissão como herdeira, se o falecido, por exemplo, deixar irmãos e esses se opuserem ao seu pleito? Pode ela possuir documentos, como inscrição como dependente no Imposto de Renda ou na Previdência Social. Mas seriam tais documentos suficientes? A nosso ver caberá ao Juiz, diante do caso concreto, verificar o grau de credibilidade e a força probante dos documentos apresentados pela companheira, admitindo-a como herdeira e remetendo os demais interessados para as vias ordinárias ou, se julgar insuficientes os elementos apresentados, remeter a própria companheira para as vias ordinárias. Em qualquer caso, uma decisão definitiva virá através de procedimento próprio, mas a admissão ou não da concubina, como herdeira, dependerá da prova da união estável de que dispuser. Também não há razões para remeter a concubina para as vias ordinárias se os herdeiros legais, que seriam os beneficiários na sua ausência, concordarem com a sua condição de herdeira. Decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em acórdão recente:

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“Sucessão – Companheira do de cujus – Habilitação e inventariança – Impossibilidade – Ação própria – Requisitos da Lei nº 8.971/94. A companheira do de cujus não poderá habilitar-se no inventário como meeira e participar da partilha dos bens que alega adquiridos com esforço comum, enquanto não obtiver o reconhecimento judicial de seus direitos através de ação própria, e não no próprio inventário, onde inexiste, ainda, o seu direito material à sucessão. Se algum direito lhe possa advir, amparado pela Lei nº 8.971/94, é seu o ônus da provaxxxiv”. Parece razoável exigir-se que, para efeitos sucessórios, a prova da união estável exista na época do óbito. A admissibilidade da condição de companheira do homem separado de fato tem, nessa seara, um complicador. É que, na falta de descendentes e ascendentes, a mulher é herdeira se, ao tempo da morte, não estava dissolvida a sociedade conjugal (art. 1.611 do Código Civil). Sabe-se que a separação de fato não dissolve a sociedade conjugal. Então, se a mulher não perde a condição de herdeira, como admitir-se a mesma condição para a companheira de homem casado, separado de fato? A solução é reconhecer-se o direito hereditário às duas. Nota ao anteprojeto: Direitos Sucessórios: Do Usufruto. Art. 7º Desde que vigente a união estável no momento do falecimento, o companheiro sobrevivente terá direito, inafastável pela vontade das partes, enquanto não constituir nova união: a) ao usufruto da quarta parte do patrimônio líquido do falecido durante a união estável, se concorrer com os seus descendentes; b) ao usufruto da metade do patrimônio líquido do falecido adquirido durante a vigência da união estável, se concorrer com os seus ascendentes; c) ao usufruto da totalidade do patrimônio líquido do falecido adquirido durante a união estável, se o de cujus não tiver parentes em linha reta vivos; d) ao direito real de habitação ou ao direito de sucessão na locação de imóvel destinado à família no qual ambos os companheiros moravam. Parágrafo único. No caso de existirem herdeiros legítimos do de cujus, se o companheiro sobrevivente tiver sido contemplado, em testamento, com bens de valor igual ou superior àqueles sobre os quais recairia o usufruto, em virtude desta lei, não lhe serão atribuídos os direitos assegurados pelo presente artigo, salvo se o testador determinar que sejam cumulados com a verba testamentária. Da Vocação Sucessória. Art. 8º Não havendo testamento, nem ascendentes ou descendentes vivos do de cujus, defere-se a sucessão ao companheiro. Não há dúvidas de que o anteprojeto é melhor do que a Lei nº 8.971/94. Fez bem ao estabelecer que somente há direito sucessório quando a união estável existir na época do óbito. Mas o mesmo texto que prevê o amparo à mulher que se une a homem separado de fato defere a sucessão à companheira na ausência de ascendentes e descendentes quando, repita-se, sem separação legal, o cônjuge não

xxxiv Agravo nº 50.449/8, 2ª Câm. Cív., em 05.03.1996, Rel. Des. Abreu Leite, DJ-MG de 07.11.1996.

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perde a condição de herdeiro. 5.8. Concubina na previdência Antes da vigência do atual Plano de Benefícios da Previdência Social, o concubinato era amparado pela legislação previdenciária de forma ampla, desde que a concubina vivesse na dependência econômica do segurado há mais de cinco anos, ou tivesse filhos com o mesmo, circunstância que dispensava prazo e designação como dependente. E a pensão previdenciária vinha sendo concedida à companheira, inclusive de homem casado, não separado judicialmente de sua mulher. A legislação previdenciária sempre se voltou para a realidade social, sem as preocupações éticas do direito civil. A nova Constituição, adotando o princípio da igualdade entre o homem e a mulher, passou a amparar tanto a concubina, quanto o concubino, no que foi seguida pela legislação previdenciária. Aí, um notável avanço. Ocorre, contudo, que o Plano de Benefícios da Previdência Social definiu companheira ou companheiro como sendo “a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal” (art. 16, § 3º, da Lei nº 8.213/91). O Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048, de 06.05.1999), no art. 16, § 6º dispõe: “Considera-se união estável aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar, quando forem solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, ou tenham prole em comum, enquanto não se separarem”. Entendemos que o novo conceito advindo da Lei nº 9.278/96 atinge a esfera previdenciária e, pois, há que ser adotado pelo direito previdenciário.

5.9. Concubina e vedações do Código Civil

O Código Civil estabelece restrições à pessoa da concubina, para o efeito de ser beneficiária de seguro de vida, receber doações e herdar em testamento.

Dispõem os arts. 1.177, 1.474 e 1.719, III, do referido Código: “A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal (art. 178, § 7º, nº VI e 248, nº IV)”.

“Não se pode instituir beneficiário pessoa que for legalmente inibida de receber a doação do segurado”.

“Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários: III – A concubina de testador casado”.

Comecemos pela doação. É anulável, pois, a doação feita à concubina pelo homem casado. E, evidentemente, a doação feita pela mulher casada a seu concubino. Todavia, não pleiteada a anulação, no prazo decadencial, o ato jurídico se convalida. A regra proibitiva do art. 1.177 do Código Civil não alcança o doador solteiro, livre para fazer doações à sua concubina, no caso companheira, dentro da melhor terminologia científica. A doação proibida compreende quaisquer espécies de bens, inclusive dinheiro e alcança a restituição a totalidade do bem doadoxxxv.

xxxv

RE nº 89.587, Rel. Min. Moreira Alves, em 22.09.1978, 2ª Turma, RF, vol. 265/178.

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O art. 248, IV, autoriza a mulher casada a livremente reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos à concubina. O art. 1.719, III, proíbe seja nomeada herdeira ou legatária a concubina de testador casado. Mas não o filho adulterino do testador e sua concubina (Súmula nº 447 do STF). No caso de a companheira adquirir imóveis com o numerário fornecido pelo amásio, não há como reverter ao patrimônio do casal bem que dele não saiu. O que se pode pleitear, apenas, é a reposição das doações em dinheiro. Nesse sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal: “Doação. Doação à concubina. Reversão ao patrimônio do casal. Tendência jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal excluindo a possibilidade de reivindicação do bem imóvel doado à concubina, facultada, porém, a anulação e reposição das doações em dinheiro. Apelação. Efeito devolutivo (limites). Julgado que se restringe à apreciação das condições da ação, induzindo ao seu prosseguimento e julgamento do mérito pela sentença. Recurso extraordinário não conhecidoxxxvi”. Também não pode a concubina de homem casado ser beneficiária de seguro de vida. No concubinato de pessoas livres para o casamento a estipulação é válida a favor da concubina. A restrição valeria para o concubinato de pessoas impedidas. É sabido que o tempo não derroga a lei, mas a evolução verificada no direito brasileiro, no sentido da proteção ao concubinato, recomenda cuidados especiais na aplicação das disposições do Código Civil citadas. Essas proibições do Código Civil podem ser vistas de uma forma mais rigorosa, de tal modo que somente restariam vencidas após a separação de direito do homem casado. Nesse sentido, quanto à nomeação de legatária em testamento, já decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Não pode ser nomeada legatária a concubina do testador casado. O fato de ser a concubina teúda e manteúda, por longos anos, não revoga a proibição legal, art. 1.719, III, do Código Civil. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes Públicos, art. 175 da Constituição Federal. É lícito ao Juiz interpretar a lei, porém não lhe é facultado revogá-la ou deixar de aplicá-la. Recurso extraordinário conhecido e providoxxxvii”. Há, contudo, uma corrente, mais liberal e realista, que se ajusta, inclusive, à nova concepção constitucional da união estável, como entidade familiar, e que entende que as vedações do Código Civil somente se aplicam no caso do homem casado que vive em companhia da esposa, excluídos aqueles casos de separação de fato. Nesse sentido, inúmeras decisões, cujas ementas são transcritas, a seguir:

xxxvi RE nº 88.873-0-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Rafael Mayer, em 11.11.1980, Lemi, vol. 165/211.

xxxvii RE nº 95.836-3-RS, Rel. Min. Cordeiro Guerra, 2ª Turma, em 31.08.1982, Lemi, vol. 184/2.1.

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“TESTAMENTO-CONCUBINA. Não incide a regra proibitiva, do art. 1.719, III, do Código Civil, quando a sociedade conjugal do testador já se encontra dissolvida de jure ou de fato, neste segundo caso pela voluntária separação dos cônjuges, passando posteriormente o marido a viver more uxorio durante longos anos com a beneficiária do testamentoxxxviii”. “SEGURO-CONCUBINA. Os arts. 1.177 e 1.474, do Código Civil, protegem a família juridicamente constituída e subsistente, e não a que, na realidade, se acha desfeitaxxxix”. “Testamento público – Testador Separado de Fato – Legado à Companheira – Ausência de Ilegalidade – Art. 1.719, III, do Código Civil. Inaplicabilidade. A companheira com quem vive maritalmente o homem separado de fato, irreversivelmente, da mulher legítima pode ser nomeada legatária do companheiro testador, não sendo de se lhe aplicar a restrição do art. 1.719, III, do Código Civil, aplicável somente à concubina, a amante do lar clandestino, a outra mulher com quem o homem casado mantém encontros ocultos, simultaneamente com a vida conjugalxl”. “DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. LEGADO. VALIDADE DE INS- TITUIÇÃO DE LEGADO À COMPANHEIRA. DISTINÇÃO ENTRE COMPANHEIRA E CONCUBINA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.719 DO CÓDIGO CIVIL. – Refletindo as transformações vividas pela sociedade de nossos dias, impõe-se construção jurisprudencial a distinguir a companheira da simples concubina, ampliando, inclusive com suporte na nova ordem constitucional, a proteção à primeira, afastando a sua incapacidade para receber legado em disposição de última vontade, em exegese restritiva do art. 1.719, III, do Código Civil. – Impede dar à lei, especialmente em alguns campos do direito, interpretação construtiva, teleológica e atualizadaxli”. 5.10. Concubina e patronímico do consorte O art. 57, da Lei de Registros Públicos, nos § 2º a 6º, cuida da possibilidade de a mulher adotar o patronímico de seu companheiro, desde que vivam em comum há mais de cinco anos, ou, da união, haja filhos em comum, desde que o consinta o companheiro. A permissibilidade legal somente alcança os impedidos para o casamento, em razão de ser um dos companheiros separados judicialmente, sem tempo ou pressupostos suficientes para se divorciar. É o que se infere da regra legal. O concubinato não é proibido, nesses casos, mas também não se permite o

xxxviii Embs. Apelação nº 29.849, Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, em 22.11.1979, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, TJ-RS,

RF, vol. 275/246.

xxxix Apelação nº 14.411, Rel. Des. Reynaldo Alves, 3ª Câm. Cív., TJ-SC, em 03.07.1979, RF, vol. 274/239.

xl Ap. Cível nº 31.868-3, 2ª Câmara Cível, TJ-MG, em 21.03.1995, Rel. Des. Sérgio Lellis Santiago, DJ-MG de

19.09.1995.

Negado. Concubina. A vedação do art. 1.719, III do Código Civil não abrange a companheira de homem casado, mas

separado de fato. E como tal se considera a mulher que com ele mantém união estável, convivendo como se casados

fossem. (STJ, REsp. nº 73.234/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 15.12.1995, DJU de 06.05.1996).

xli STJ, R. Esp. nº 196-RS, apud Sálvio de Figueiredo Teixeira, Direitos de Família e do Menor, 3ª ed., Del Rey, p. 403.

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casamento. A regra, ao nosso ver, não se aplica ao concubinato de pessoas solteiras, onde não há proibição do casamento. Outrossim, prevê a lei a averbação do patronímico do companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios. Logo, não é possível à mulher retirar o seu patronímico natural, ao adotar o do companheiroxlii. Outra condição imposta por lei, para a adoção do patronímico do companheiro, é que a ex-esposa tenha deixado de usar o patronímico do marido, em virtude de condenação judicial ou renúncia espontânea.

5.11. Concubina e legislação do Imposto de Renda

Segundo o disposto no art. 77, do Decreto nº 3.000, de 26.03.1999 (Regulamento do Imposto de Renda), na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto, poderá ser deduzida do rendimento tributável a quantia equivalente a 90 reais por dependente (Lei nº 9.250, de 1995, art. 4º, inciso III). E o § 1º estabelece que poderão ser considerados como dependentes, observado o disposto nos arts. 4º, § 3º e 5º, parágrafo único (Lei nº 9.250, de 1995, art. 35): II – o companheiro ou a companheira, desde que haja vida em comum por mais de cinco anos, ou por período menor se da união resultou filhos.

5.12. Concubinos e alimentos

Antes do advento das Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96, por maior que fosse a duração do concubinato, não poderia a concubina pleitear, para si, pensão alimentícia, fundada no direito de família, por não ser considerada parente do amásio, nem sua mulher, regularmente eleita pelo casamento. Sobre a questão dos alimentos, a favor da concubina, inclusive os resultantes de acordo, regido pelo direito das obrigações, merece transcrição importante trecho de decisão do Supremo Tribunal Federal, no RE nº 102.877-7-SP, de que foi Relator o Min. Djaci Falcão: “Como é sabido, a obrigação alimentar ou pressupõe a existência de relação de parentesco, como está expresso nos arts. 396 e 397 do Código Civil, a valorizar o princípio da solidariedade familiar, ou assenta no dever de mútua assistência entre os cônjuges (v. art. 231, III, do Código Civil, e art. 19 da Lei de Divórcio). Daí, decorre que entre concubinos não há direito à prestação alimentar. Outra exegese importa equiparar, para tal efeito, o casamento e o concubinato. A legislação previdenciária concede à companheiro a devida proteção”. Na linha desse entendimento os acórdãos trazidos a confronto, e nos quais se lê: “Concubina não tem ação para pleitear alimentos do ex-companheiro. A obrigação alimentar é condicionada pela lei civil às relações de parentesco e à exigência de vínculo conjugal” (TJSP, RT 510/122). “O concubinato é um estado de fato, insuscetível de equiparação ao casamento e só reconhecível no campo jurídico para efeitos restritos em que não se incluem os alimentos ” (TJRJ) (fls.). O recurso merece conhecimento, não só pela vulneração do Direito Positivo, como em virtude do dissenso de julgados.

xlii Apelação nº 44.754, 2ª Câm. Cív., TJ-MG, Rel. Des. Geraldo Henriques, em 28.03.1978, JM, vol. 71/38.

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No caso a ex-concubina recebeu o imóvel localizado à R. D. Meirado, 67, Freguesia do Ó, na capital paulista, conforme acordo firmado em 1977 (fls.). No referido documento ficou estipulado que a signatária se dava “por paga e satisfeita”, nada mais tendo a reclamar, “inclusive pensão” (fls.). Em 1978 ingressou com a referida ação de alimentos, em que houve conciliação. É oportuno frisar que, na espécie não se cogita de acordo de natureza contratual, de caráter remuneratório, regido pelo Direito das Obrigações, mas de alimentos regidos por normas de Direito. Correta a sentença, ao exonerar o recorrente da obrigação alimentar em relação à filha M.M. e ao considerar insubsistente obrigação alimentar divisada pela recorrida, ex-concubina, que, na verdade, apenas representava filha menorxliii”. No agravo de instrumento nº 92.515-1, a 1ª Câmara do TJ-SP, em 24.11.1987, Rel. Des. Luiz de Azevedo, desacolheu pedido de homologação de acordo de alimentos entre concubinos, tendo havido um voto vencido, determinando a instrução do pedidoxliv. Com o advento da Constituição Federal de 1988, e a previsão da união estável, como entidade familiar, novamente discutiu-se a possibilidade de se deferir alimentos à companheira. Enquanto o texto constitucional, contudo, não era regulamentado, os Tribunais, na sua predominância, continuavam negando alimentos na relação de companheiros. Sobre o tema, merece ser transcrito acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível nº 5.016/88, em 23.05.1989, decisão por maioria, sendo Relator o Des. Renato Maneschy: “Alimentos. No estágio atual do nosso Direito, o direito aos alimentos decorre da relação de parentesco ou do casamento. A eles não tem direito a concubina. O preceito contido no § 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988, se dirige ao Estado e não ao companheiro, de sorte a criar por si só para este, em relação à concubina, uma obrigação alimentar (DP). Ementa do voto vencido do Des. Carlos Alberto Menezes. Direito: União estável. Interpretação do § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. O que se tratava como sociedade concubinária, produzindo efeitos patrimoniais, com lastro na disciplina contratual das sociedades de fato, passa ao patamar de união estável, reconhecida constitucionalmente como entidade familiar.

A união estável é a manifestada pela vida em comum more uxorio, por período que revele estabilidade e vocação de permanência familiar, com o uso em comum do patrimônio.

Dá-se a proteção do Estado com o direito positivo que edita. Reconhecendo a união estável como entidade familiar para efeito de proteção do Estado a Constituição Federal permite, expressamente, que as leis protetoras da família protejam, também, a união estável. Desse modo, possível o pensionamento.

Provimento da apelação para condenar o réu ao pagamento da pensão de um Piso Nacional de Salárioxlv”.

xliii 2ª Turma, em 14.09.1984, RT, vol. 595/272-273.

xliv

RT, vol. 628/103.

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A matéria sofreu substancial transformação com o advento da Lei nº 8.971/94, que, pela primeira vez, estabeleceu a previsão de alimentos entre os companheiros.

Na unidade nº 5.2., quando apresentamos o conceito de concubinato nas Leis nºs 8.971/94 e 9.268/96, indiretamente cuidamos do direitos aos alimentos na primeira das referidas leis, cujo art. 1º, caput, transcrevemos:

“A companheira comprovada de homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1960, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva”.

A regra legal transcrita foi, contudo, a partir da vigência da Lei nº 9.278/96, por ela revogada, uma vez que, noutros termos, disciplinada a matéria alimentar, em seu art. 7º, que dispõe: “Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta lei será prestada pelos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos”. Ao viverem juntos os conviventes têm o dever de mútua assistência. Dissolvida essa convivência comum, tal dever se transforma em obrigação de prestar alimentos. O texto não diz expressamente que, no caso de rescisão, o convivente que a ela der causa não terá direito a alimentos, mas isso parece resultar do próprio sistema jurídico e de uma exegese sistemática da lei, que erige direitos e obrigações dos conviventes, no art. 2º.xlvi Também não dispõe sobre alimentos quando a dissolução for feita por distrato, amigável, caso em que os próprios interessados deverão dispor a respeito. Utilizando dos subsídios do projeto que levou à Lei nº 9.278/96, e que teve vetados os artigos 3º, 4º e 6º, somente ocorre a figura da rescisão quando a ruptura da convivência ocorre por quebra de deveres pelas partes. Difere-se, assim, da denúncia, figura prevista no projeto (e objeto de veto), que seria uma forma de dissolução imotivada. Depreende-se, pois, segundo a intenção do legislador, que não haveria literalmente obrigação alimentar nos casos de denúncia, mas, apenas, nos de rescisão. O ordenamento jurídico diverge aqui do existente com relação ao

xlv Diário Oficial do Rio de Janeiro de 24.08.1989. No mesmo sentido, vide acórdão publicado na RT, vol. 653/105.

O entendimento, contudo, parece não estar pacificado. “Alimentos. União estável rompida anteriormente ao advento da

Lei nº 8.971, de 29.12.1994. A união duradoura entre homem e mulher, com o propósito de estabelecer uma vida em

comum, pode determinar a obrigação de prestar alimentos ao companheiro, necessitado, uma vez que o dever de

solidariedade não decorre exclusivamente do casamento, mas também da realidade do laço familiar. Precedente da Quarta

Turma. Recurso Especial conhecido e provido; a fim de que, afastada a extinção do processo sem conhecimento do

mérito, a causa prossiga em seus ulteriores termos de direito” (Recurso Especial nº 102.819-RJ, Rel. Min. Barros

Monteiro, DJU de 12.04.1999, apud DJ-MG de 07.05.1999).

xlvi “O parceiro que dá causa ao rompimento da união, infringindo alguns dos deveres elencados no art. 2º, não deve ter a

pretensão alimentar acolhida” (Rainer Czajkowski, ob. cit., p. 133) “Não se fala em ‘culpa’, mas a ilação é de que sua

ocorrência afaste o direito à pretensão alimentícia, pela quebra do dever básico da convivência, e pela similitude com a

hipótese de separação judicial de casados, em que somente o cônjuge responsável atende àquela obrigação” (Euclides

Benedito de Oliveira, trab. cit., p. 21).

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casamento, posto que a denúncia, com a saída do lar pelo convivente, é, a nosso ver, considerada como ato lícito. Não obstante todas essas considerações, decorrentes da exegese conjugada do art. 7º da Lei e art. 6º, §§ 3º e 4º, do projeto, não se pode afastar a possibilidade de uma orientação jurisprudencial deferindo alimentos nos casos de denúncia, desde que o reclamante não tenha infringido os deveres de convivência, o que nos parece mais justo e consentâneo com o espírito norteador da união estável, desde que, naturalmente, verificado o requisito da necessidade. Mas, tecnicamente, o legislador utilizou-se do conceito de rescisão, cuja fonte é o anteprojeto. Os alimentos serão prestados ao convivente que deles necessitar. Se não houver necessidade, pois, não há falar-se em alimentos. Outrossim, esses alimentos deverão restringir-se às necessidades do reclamante. O dimensionamento dessas necessidades por certo será objeto de celeumas e discussões.

Notas ao anteprojeto:

Art. 6º Dissolvida a união estável, o Juiz poderá, considerando o disposto no art. 2º e demais circunstâncias, determinar sejam prestados alimentos por um dos companheiros ao outro, que deles necessitar, nos termos da Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto o credor não constituir nova entidade familiar. Tal como na Lei nº 9.278/96 o anteprojeto fala em prestação de alimentos ao companheiro necessitado. Apenas ao necessitado. Não importa aqui, o título da dissolução da união estável, mas é natural que os alimentos somente possam ser postulados pelo companheiro que não deu causa à dissolução. O próprio art. 6º se reporta ao 2º, sendo, pois, o cumprimento dos deveres da união estável circunstância a ser considerada no deferimento dos alimentos. Além disso, com a constituição de nova entidade familiar, por união estável ou casamento, o beneficiário perde os alimentos. É lógico que os alimentos somente seguirão o rito processual da Lei nº 5.478/68 se houver prova pré-constituída da união estável. Em caso contrário, terão de ser postulados segundo o procedimento ordinário.

5.13. Concubinos na legislação civil extravagante

Após o advento da Constituição Federal de 1988, vários diplomas legais passaram a prever a entidade familiar resultante da união de companheiros. Assim, a Lei nº 8.245/91, que dispõe sobre as locações, em seu art. 12, prevê que, “Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel”. Vê-se, portanto, que o companheiro é considerado pessoa da família, para efeitos locatícios. A mesma lei, em seu art. 11, I, quando cuida da morte do locatário, considera sub-rogados nos seus direitos e obrigações “nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que vivam na dependência econômica do de cujus, desde que residentes no imóvel”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 42, § 2º, estabelece que “a adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade

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da família”. Para efeito de adoção, pois, os concubinos formam uma família. E a Lei nº 6.194, de 1974, que dispõe sobre o seguro obrigatório, com as alterações da Lei nº 8.441, de 13.07.1992, dispõe, em seu art. 4º, § 1º, que, para o efeito de recebimento do seguro, a companheira será equiparada à esposa, nos casos admitidos pela legislação previdenciária, e o companheiro será equiparado ao esposo quando tiver com a vítima convivência marital atual por mais de cinco anos, ou, convivendo com ela, do convívio tiver filhos.

5.14. Aspectos processuais

Como se viu nos itens precedentes as Leis nºs 8.971 e 9.278 trouxeram, para o direito brasileiro, direitos aos companheiros. Faltou, aos citados diplomas legais, no entanto, disciplinar a forma de comprovação documental dessa condição. Com efeito, o concubinato nasce da circunstância de duas pessoas viverem juntas, com o objetivo de constituição da família. Mas, como prová-lo? Inúmeras são as situações em que essa prova se fará necessária: morre o companheiro e sua companheira pretende habilitar-se no inventário; um casal vive em concubinato e, em razão de separação, há necessidade de um postular alimentos contra o outro. São dois reflexos da união estável: na sucessão e nos alimentos. Mas, repita-se, como provar o concubinato a fim de postular os alimentos ou pleitear sucessão? Entendemos que a prova da união, durante a sua existência, pode ser feita por uma escritura declaratória, firmada pelos interessados, embora não se tenha um registro público dessa situação. Como também se pode, em face da resistência no reconhecimento da união estável, processar-se a uma justificação judicial ou, mesmo, ajuizar-se uma ação declaratória (embora muitos sustentem o seu descabimento). Essa ação declaratória de união estável não tem valia, especificamente, para um determinado efeito jurídico. Faz prova dessa condição de estado, substituindo, por similitude, uma certidão de casamento, por exemplo. Feita a prova da união estável, valerá para efeito de alimentos, sucessão, previdência, etc. Um complicador ocorre, no entanto, no que tange aos efeitos sucessórios: se a união estável, para efeito de sucessão, deve existir por ocasião do óbito, nenhuma prova precedente, ainda que com o reconhecimento do próprio falecido, ainda em vida, teria validade plena. Não se confunda, aqui, a prova da união estável com a prova da sociedade de fato. A sociedade de fato é uma figura do direito das obrigações e seu processamento deve ser efetuado nas Varas Cíveis; já a união estável é uma entidade familiar e se submete às regras de direito de família, pois constitui uma ação de estado. As questões de guarda e visitação dos filhos estão entregues às Varas de Famíliaxlvii e devem ser tuteladas através do devido processo legal. Não se pode

xlvii “Competência. União estável.Competência do juízo de família para dirimir conflitos de interesses dela decorrentes.

Aplicação das disposições das Leis ns. 8.971/94 e 9.278/96, art. 9º(Apelação cível nº 35.973-0, 4ª Câmara Especial TJ-SP,

Relator Silva Leme, 16.01.1997, v.u. apud Jornal da APAMAGIS). Em Minas Gerais o Tribunal de Justiça, no julgamento

da Dúvida de Competência nº 76.121-3, em 13.08.1997, decidiu que as questões relativas à união estável deverão ser

apreciadas pelas Varas de Família.

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desconhecer os direitos e deveres que, para os concubinos, decorrem do nascimento dos filhos. A falta de regras legais para solução das questões de guarda e visitação dos filhos de concubinos não eximem o magistrado de decidir no caso concreto. Na falta da lei, há que se buscar o direito; na ausência de ações nominadas em nosso direito processual, há que se buscar as inominadas, capazes de permitir a realização da pretensão de direito material. Não se podia, até pouco tempo atrás, nas questões de guarda entre concubinos, levar em consideração o conceito de responsabilidade pela separação, a princípio, posto que, entre eles, não havia os deveres de fidelidade e coabitação. Buscava-se, pois deixar o menor onde melhor conviesse aos seus interesses, com a tendência natural de ficar a criança com a mãe nos primeiros anos de vida, salvo se tal medida se mostrasse inconveniente aos seus interesses. Com a nova legislação, prevendo direitos e deveres, já se pode, por analogia, disciplinar o direito à guarda dos filhos de concubinos seguindo-se as mesmas regras existentes para o casamento, com as particularidades próprias da união estável. Também o aspecto relativo à ocupação do lar concubinário não pode ficar sem tutela judicial. O imóvel pode pertencer a um dos concubinos, a terceiro ou ter sido havido pelo esforço dos dois. Pode mesmo pertencer aos dois, nos termos da Lei nº 9.278, porque havido durante a convivência dos companheiros. Os bens móveis podem pertencer a um ou outro ou serem frutos da convivência comum. Se ocorre a separação, quem fica no imóvel e com quem ficam os bens móveis? A jurisprudência, antes da vigência das Leis nºs 8.971 e 9.278, dominava no sentido de que, entre os concubinos, não cabia cautelar de separação de corpos, ao fundamento de que inexistia, na espécie, dever de coabitação, embora exista acórdão do Superior Tribunal de Justiçaxlviii admitindo a medida e no âmbito do direito de família. Com as novas leis quer-nos parecer ser cabível a cautelar de separação de corpos, no âmbito do direito de família, embora se discuta o dever de coabitação. Mas, mesmo assim, a cautelar de separação de corpos não se limita ao âmbito do direito de família e nem se restringe a impedir a caracterização de abandono do lar conjugal. Se a todo direito material se assegura um meio processual à sua satisfação, certo se afigura que, entre os concubinos, em caso de divergência, um tenha o direito de permanecer no lar e, o outro, o dever de sair. Não importa que se considere tal cautelar como nominada ou inominada, mas o certo é que ela tem de existir, mesmo porque o problema social existe e precisa de solução. A questão da ação principal é outra. Ou se admite, na espécie, a cautelar como satisfativa, ou se insere uma ação principal, que seria, a superficial exame, a declaratória de dissolução de união estável. Deixamos aqui uma distinção relevante. Dúvidas não há do cabimento da ação de dissolução de sociedade de fato, em nosso direito, donde não se poderia negar, a

xlviii

“ Separação de corpos. União estável. Medida cautelar. A companheira tem o direito de requerer o agastamento do

companheiro do lar, pois os valores éticos que a medida visa proteger estão presentes no casamento e fora dele. Recurso

conhecido e provido” (Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 09.09.1996, apud APAMAGIS, Tribuna da

Magistratura, 01.02.1998).

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nível de cautelar, o arrolamento de bens ou a medida possessória, para que o concubino recupere bens seus que passaram a integrar a convivência concubinária. Tais ações, naturalmente, são veiculadas no cível. Insere-se, aqui, a ação possessória do concubino proprietário do imóvel para retomar a parte ocupada pela concubina, em razão de comodato, após findar-se a vida comum. Mas há também questões que não envolvem a instituição da sociedade de fato, mas, apenas, o concubinato. Uma mulher se une a um homem, cada qual leva seus bens para o domicílio comum e juntos alugam um imóvel. Dissolve-se a união concubinária. Qual dos concubinos fica no imóvel e qual sai? Como recuperar os bens que cada qual levou para o lar concubinário? Não se pode negar a tutela judicial aos concubinos, inclusive a cautelar de “separação de corpos” que, nesses casos, ou terá caráter satisfativo ou servirá para uma ação principal, que pode ser a própria dissolutória de união estável, como entidade familiar. Resta saber se o reconhecimento da união estável pela Previdência Social continua a produzir os efeitos legais, especialmente para fins da Lei nº 6.858/80. Vislumbre-se o que acontecia. O INSS reconhecia a condição de companheira e, com base nesse reconhecimento, a companheira participava, nos termos da Lei nº 6.858/80, do recebimento do PIS, Pasep, FGTS, etc. Ou seja, um reconhecimento previdenciário, de âmbito restrito, tinha repercussão no direito civil. Com o advento da Lei nº 9.278 a situação atinge o seu patamar correto. O reconhecimento da união estável deve ser feito a nível de ação de estado, em Vara de Família, e vale, naturalmente, para efeitos previdenciários. Além das ações que versem sobre a união estável, no âmbito de direito de família, o direito civil conhece tradicionalmente duas: a dissolução de sociedade de fato com partilha dos bens havidos pelo esforço comum e indenização por serviços domésticos, movidas contra o concubino ou, se falecido, seu espólio ou seus herdeiros. Tem sido comum a parte apresentar pedidos sucessivos, isto é, não acolhida a dissolução da sociedade de fato, seja o réu condenado na indenização de serviços domésticos. O prazo de prescrição para as ações de indenização de serviços domésticos é de 20 anos, nos termos do art. 177, caput, do Código Civil, não se lhe aplicando a regra da prescrição qüinqüenal, prevista no art. 178, § 10, V, do mesmo Códigoxlix.

Nota do anteprojeto:

Conversão em casamento Art. 9º Os companheiros poderão, de comum acordo e a qualquer tempo requerer a conversão da união estável em casamento, desde que cabível, mediante petição ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio, juntando documentos previstos no art. 180 do Código Civil, devendo as testemunhas

xlix RE nº 102.069-SP, 1ª T., em 26.10.1984, Rel. Min. Rafael Mayer, RTJ, vol. 112/410. RE, nº 96.843-1-SC, Rel. Min.

Moreira Alves, 2ª Turma, em 11.05.1982, Lemi, vol. 178/2.1. Julgados, vol. 45/252.

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certificar a existência da união estável e sua duração, sob as penas da lei, dispensando-se os proclamas e editais. Disposições Gerais e Transitórias Art. 10. A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, é modificada nos seguintes termos: a) o art. 167, inciso I, alínea 12, passa a ter a seguinte redação: “12. das convenções antenupciais e dos pactos de titularidade de direitos e obrigações decorrentes de união estável”. b) o art. 167, inciso II, alínea 1, passa a ter a seguinte redação: “1) das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal e dos pactos de titularidade de direitos e obrigações decorrentes de união estável, nos registros referentes a imóveis ou a direitos reais pertencentes a qualquer dos cônjuges ou dos companheiros, inclusive os adquiridos posteriormente ao casamento ou à existência de união estável”. Art. 11. No prazo de noventa dias, as leis de organização judiciária e os regimentos dos tribunais farão as adaptações necessárias decorrentes da presente lei. Art. 12. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. Art. 13. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente as Leis nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994 e 9.278, de 10 de maio de 1996.

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