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CURSOS D’ ÁGUA E MEIO URBANO: EM BUSCA DO REENCONTRO 2

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CURSOS D’ ÁGUA E MEIO URBANO:EM BUSCA DO REENCONTRO

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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

Os impactos apresentados no capítulo anterior chegam a

parecer irreversíveis, principalmente em se tratando de um

país em desenvolvimento como o Brasil. No entanto, é notá-

vel o interesse crescente pelo tema da recuperação de áreas

degradadas, não só no meio acadêmico – a mídia tem vei-

culado notícias sobre córregos em processo de despoluição,

implementação de parques lineares, remoção de população

das áreas ribeirinhas ou de proteção de mananciais, demons-

trando, assim, preocupação com as áreas de risco para a po-

pulação e para o ambiente urbano.

Críticas à inadequação dos sistemas de drenagem urbana já

não soam surpreendentes, e passam a apresentar refl exos na

legislação, como é o caso de exigência de porcentagem de

área drenante nos lotes e de piscininhas nos condomínios

verticais (caixas de detenção de águas pluviais), soluções

inovadoras abordadas mais adiante.

Há também os cursos de educação ambiental integrando a

grade curricular de várias entidades educacionais, com o ob-

jetivo de abrir os horizontes das novas gerações, ao mesmo

tempo em que os cursos de gestão ambiental são disputados,

pois os órgãos ambientais têm sido mais rigorosos na apro-

vação de empreendimentos.

O objetivo deste capítulo é, então, explorar as concepções

que entendem a necessidade de integrar aspectos ecológicos

ao desenvolvimento urbano, e vêem a reconciliação com os

rios urbanos como uma possibilidade de viabilizar gestões

que proporcionem o enriquecimento do espaço urbano, sob

os aspectos da hidrologia, da biodiversidade de fl ora e fauna,

do equilíbrio da drenagem e da melhoria da qualidade de

vida dos cidadãos.

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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

A adoção dessas proposições não se dá repentinamente, mas como fruto de décadas de

movimentos ocorridos em escala mundial, de pesquisas, de normatizações e de experimen-

tação.

O enfoque que se pretende privilegiar aqui diz respeito ao aspecto projetual, oriundo de

uma base teórica que se adéqua às circunstâncias do sítio de intervenção.

2.1 Redesenhando a paisagem a partir dos cursos d’ água

Como apresentado no capítulo anterior, as intervenções de saneamento ou de drenagem

urbanas envolvendo bacias hidrográfi cas vêm se mostrando inefi cientes e até mesmo catas-

trófi cas, abrindo espaço para refl exões e debates no sentido de questionar as soluções tradi-

cionalmente adotadas pela engenharia. Esses questionamentos apontam para soluções em

que os leitos dos rios devem estar articulados às propostas projetuais para o tecido urbano.

Assim como as áreas urbanas se caracterizam como uma trama em que se assentam usos de

solo de grande abrangência, também as áreas lindeiras aos cursos d’água urbanos integram

o contingente de áreas urbanas de variadas densidades ocupacionais que preenchem várias

funções sociais e ecológicas. Particularmente nas áreas urbanas, os componentes do “triân-

gulo de sustentabilidade” - aspectos ecológico, social e econômico - são interdependentes.

Por esse motivo, os planos de recuperação de rios urbanos freqüentemente apresentam um

potencial de melhoria urbana, ocasionando e incrementando funções sociais ao longo e no

entorno dos cursos d’água (URBEM1, 2004).

Efetivamente para as gerações da segunda metade do século XX, que vivenciaram a degra-

dação ambiental, a antevisão de planos de recuperação dos sistemas fl uviais se apresenta

como uma nova postura que vem despontando a partir dos últimos 30 anos. “Após anos de

exploração dos rios urbanos, através de uso intenso e posterior negligência, constatamos

que eles são valiosos econômica e socialmente”, diz o prefácio do documento Ecological

Riverfront Design, produzido em 2004 pela Associação Americana de Planejamento, que se

propõe a difundir uma nova visão para as orlas fl uviais urbanas.

Costa (2006, p. 11), que vem se dedicando a estudar sistemas fl uviais brasileiros, corrobora

os documentos europeu e norte-americano, assim concluindo:

1 URBEM – Urban River Basic Enhancement Methods entidade da European Comission cujo objetivo é estabelecer um quadro de referência de recuperação de rios urbanos, capaz de orientar os interessados, e levar em consideração as características regionais.

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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

[...] já sabemos que não é mais aceitável pensar em retifi car um rio, revestir seu leito vivo com calhas de concreto, e substituir suas margens vegetadas por vias asfaltadas, como uma alternativa de projeto para sua inserção na paisagem urbana. Estas propostas, que tinham como uma de suas bases conceituais a busca do controle das enchentes urba-nas, são muito criticadas não só pela sua fragilidade sócio-ambiental no resultado fi nal do projeto, como também pela pouca efi ciência no controle destas mesmas enchentes.

Essa abordagem, que soa como inovadora no século XXI, já foi defendida por técnicos no

fi nal do século XIX e início do século XX, os quais postulavam desde então uma visão abran-

gente do ambiente urbano em sua prática profi ssional, buscando soluções urbanísticas que

integravam infra-estrutura às condições do ecossistema existente.

Dois exemplos de profi ssionais que atuaram nos Estados Unidos e no Brasil nessa linha são

brevemente apresentados no item a seguir.

2.1.1 Importantes precursores da inclusão da dimensão paisagística em projetos de saneamento e drenagem: Olmsted nos EUA e Saturnino Brito no Brasil

O fi nal do século XIX e início do século XX foram marcados pelo período do higienismo na

Europa e em diversas cidades do continente americano, que vinham sofrendo com o intenso

crescimento populacional resultante dos refl exos da Revolução Industrial2.

Nesse período, várias cidades foram redesenhadas e novos hábitos introduzidos por especia-

listas, então denominados higienistas e sanitaristas. Como principais formuladores das con-

cepções organicistas da cidade, defendiam o saneamento da cidade, para que a população

fosse saudável, sendo que os fl uxos deveriam ser restabelecidos nas águas e na ventilação.

Para obtenção desse objetivo, ruas eram alargadas dando lugar a bulevares, edifi cações e

morros eram removidos e pântanos eram drenados (ANDRADE, 1992). A funcionalidade e a

estética caminhavam lado a lado nesse processo.

Em 1833, o Select Commitee on Public Walks , na Inglaterra, publicou um artigo propug-

nando que a melhor maneira de assegurar espaços abertos nas cidades populosas era criar

passeios públicos e lugares de exercício para promover a saúde e a qualidade de vida da

população3.

2 A Revolução Industrial, a partir do século XVIII, modifi ca o ambiente construído em decorrência do aumento demo-gráfi co e das transformações da produção. Algumas desvantagens de ordem física, tais como congestionamento do tráfego, insalubridade e feiúra, tornam intolerável a vida das classes subalternas e, a partir de certo momento, a vida das classes dominantes. (BENEVOLO, 2001)

3 www.wirral.gov.uk acessado em Janeiro de 2008

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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

A cidade de Birkenhead, próxima a Liverpool, foi a primeira a propor o desenvolvimento de

um parque com base nesses novos parâmetros. A administração local adquiriu 226 acres

considerados não produtivos para a agricultura, reservando aproximadamente a metade

dessa área à recreação e o restante a ser comercializado para habitações, Surgia, assim, o

parque Birkenhead, projetado pelo arquiteto inglês Joseph Paxton e inaugurado em 1847

(LAURIE, 1976).

Frederick Law Olmsted4 (1822-1903), considerado o mentor da arquitetura e planejamento

da paisagem nos Estados Unidos, em breve estadia na Inglaterra, em 1850, vivenciou esse

movimento de introdução de parques urbanos5, que tinham um caráter mitigador das con-

dições precárias de vida urbana pós Revolução Industrial. Lá, conheceu o parque Birkenhead,

que muito o impressionou. Laurie (ibid.) transcreveu em sua obra um trecho do livro Walks

and talks of an american farmer in England 6, de autoria de Olmsted, publicado em 1852,

no qual este revela seu entusiasmo pelo parque, declarando-se “assombrado pela maneira

pela qual a arte havia sido aplicada, obtendo da natureza tamanha beleza”. Tal fato levou-o

a estabelecer uma analogia entre o parque e um oásis, que se propunha a receber a popula-

ção no denso meio urbano industrial.

De volta aos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, assumiu sua trajetória pro-

fi ssional, vislumbrando que poderia dar um passo adiante do sanitarismo, agregando pro-

jetos de intervenção na paisagem das cidades americanas que incluíssem sistemas de áreas

verdes de recreação e de circulação (HALL, 1995).

Dentre esses projetos, destaca-se um signifi cativo exemplo descrito por Spirn (1995), que

reúne área de recreação associada a um sistema de proteção de enchentes e melhoria da

qualidade das águas em Boston – o Back Bay Fens –, antes uma área pantanosa, estagna-

da por aterros, contaminada por esgoto e sujeita a inundações. Desenvolvido por volta de

1880, esse projeto previa a interceptação do esgoto, a criação de bacias de detenção7 de

águas pluviais com vegetação adequada às oscilações da cota de nível e à salinidade e que

acabassem com a estagnação através da ação das marés; estas, reguladas por comportas,

oxigenariam a área pantanosa duas vezes ao dia.

4 Olmsted foi o responsável pela criação de vários parques emblemáticos nos Estados Unidos tais como o Central Park de NovaYork, projeto vencedor de um concurso em 1958 e que teve colaboração de Andrew Jackson Downing, paisa-gista americano e de Calvert Vaux, inglês.Promoveu também o conceito dos parques nacionais e desenvolveu projetos de campos universitários e bairros planejados.

5 A intensa urbanização impede a eliminação de refugos e o desenvolvimento das atividades ao ar livre. Ocorrem as epidemias, que obrigam os governantes a corrigirem, pelo menos, os problemas de higiene. Na Inglaterra, tem início a abertura dos Parques reais para o público, a criação de praças e áreas verdes, na tentativa de minimizar os impactos negativos oriundos da Revolução Industrial. (BENEVOLO, 2001)

6 Passeios e revelações de um fazendeiro americano na Inglaterra.

7 Bacias de detenção – áreas projetadas para reter água nas estações de chuva, normalmente secas no período de estia-gem enquanto que as bacias de retenção contêm um volume substancial de água permanentemente. (CANHOLI, 2005)

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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

O rio Muddy, que permeava essa área, passou a fl uir através do pântano com o aprofunda-

mento do canal e com suas margens reniveladas em cotas mais altas. Estas margens foram

apropriadas para a implantação de alamedas ajardinadas, conectadas através de pontes, em

que circulavam pedestres e veículos. Assim foi criado o Riverway, com caráter de várzea na-

tural em ambiente urbano, propiciando à população superfícies adequadas à recreação.

Efetivamente, o que se revelou aí foi a capacidade de Olmsted de entendimento das condi-

ções naturais da região, interpretando-as e manejando-as através de um plano e de um pro-

jeto que envolviam princípios de hidráulica, os ciclos das marés, conhecimento de botânica

e a exploração do potencial de apropriação de espaços para recreação.

Spirn (ibid., p.165) relata que Olmsted não incluía esse trabalho na categoria de parque, mas

de Plano Geral para a Melhoria Sanitária do Rio Muddy, assim o defi nindo:

O propósito original do esquema aqui exposto é diminuir os transtornos existentes,

evitar perigos ameaçadores e proporcionar um projeto permanente, salutar e gracioso

para a drenagem do Vale do Rio Muddy. Isto deverá ser alcançado principalmente pela

terraplanagem, estreitamento e aprofundamento do canal e dos lagos existentes e pela

exclusão das marés e dos esgotos.

O parque era tido, portanto, como um subproduto de um trabalho mais amplo. Em Mi-

lwaukee, no estado de Wisconsin, cidade atualmente com 600 000 habitantes, a população

está a salvo do risco de enchentes graças à ação clarividente da Comissão de Parques do

Condado. Na década de 1930, quando a cidade estava em processo de desenvolvimento, a

Comissão implantou o plano de parques lineares, concebido também por Olmsted - um cin-

turão verde ao longo de todos os rios e tributários, visando proteger a cidade em expansão

das inundações dos rios Milwankee, Menomonee e Kinnicknnic (RILEY, 1998).

No Brasil, a modernização das cidades e a fase de higienismo no início do século XX têm como

expoente o engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito. Andrade (op. cit.,1992)8, em

sua pesquisa sobre o engenheiro, apresenta suas obras e o eixo que as norteou, relatando

que Brito defendia a mesma solução preconizada por Pasteur9: um sistema de condução do

esgoto por duto exclusivo, separado do de águas pluviais, em direção ao destino fi nal - o

mar.

Nas suas propostas para as cidades de Santos, Recife, São Paulo, João Pessoa e outras cida-

des brasileiras, Brito tinha como referência os urbanistas franceses, particularmente Pierre

8 Os dados sobre Brito basearam-se no trabalho de Andrade (1992).

9 Pasteur –cientista francês (1822 1895) cuja atuação trouxe grandes contribuições para a química e a medicina.

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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

L’Enfant10, autor do plano urbanístico para Washington. Impressionava-o a componente

estética vinculada à percepção do sítio demonstrada por L’Enfant ao defi nir o plano urba-

nístico da nova capital dos Estados Unidos.

Brito iniciou suas atividades de sanitarista em 1893, formulando a concepção de bairros-jar-

dim, antes mesmo dos urbanistas Howard e Parker11, em 1896, quando introduziu a criação

do “novo arrabalde” em Vitória, ES. Dedicava atenção muito especial ao sítio, valorizan-

do sua condição natural, por exemplo, os manguezais, posteriormente alvos de destruição.

Além de sua clareza em termos conceituais, adotava em sua metodologia de trabalho a

precisão de dados sobre a área a ser trabalhada. Tinha, para tanto, como instrumento valioso

de trabalho, o levantamento topográfi co, e exigia que este fosse rigorosamente executado.

O desenvolvimento dos planos contava com detalhamento e representação gráfi ca, de modo

a garantir o sucesso de sua implantação, contemplando a dimensão estética e a viabilidade

espacial e econômica.

Além disso, Brito defendia o controle planejado do desenho das cidades em expansão, criti-

cando o informalismo dos interesses particulares, sendo que, em sua visão de como planejar

o desenvolvimento urbano, abarcava o meio físico (hidrografi a, relevo), clima, condições

de salubridade, principalmente para equipamentos urbanos específi cos, como mercado ou

matadouro. Quanto às diretrizes de saneamento, ressaltava a importância das condições at-

mosféricas, solos, águas, equipamentos urbanos, águas ornamentais, limpeza pública, coleta

e destinação do lixo, iluminação pública, abastecimento de água, captação de águas pluviais

e coleta de esgotos.

Saturnino de Brito preocupava-se com a morfologia dos leitos fl uviais, propondo a preser-

vação das matas ciliares, a proteção das cabeceiras e o replantio, quando a devastação já

tivesse ocorrido, dirigindo críticas à retifi cação de canais. Apontava que a intervenção nos

leitos, retifi cando-os, poderia ocasionar inundações, e propunha barragens nas cabeceiras

para controle da ação das chuvas torrenciais. Quanto às redes de esgoto, defendia que

deveriam ser fechadas para impedir poluição do ar e do solo, sendo que a rede de coleta de

águas pluviais deveria ter tubulação separada.

Os esgotos domésticos deveriam ser conduzidos por um coletor central até a uma usina de

depuração, para aí serem tratados por processos sucessivos, de decantação e de fi ltração da

água decantada. Só então seriam lançados aos cursos d’água. Brito aconselhava lavagens

regulares das redes de esgoto e a incineração do lixo coletado, aliando as condições especí-

fi cas de cada local à técnica e racionalidade.

10 Pierre L’Enfant - urbanista francês que foi contratado em 1791 por George Washington para desenvolver o plano urbanístico da nova capital norte americana (Anacostia Waterfront Initiative Framework Plan, 2003, p.12).

11 Howard e Parker - urbanistas ingleses atuantes no fi nal do séc. XIX e início do séc.XX idealizadores das cidades jardim.

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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

Em 1896, integrou a Comissão Sanitária do Estado, instalada em Campinas, propondo a

articulação da infra-estrutura e desenho urbano - canais de drenagem para evitar a estag-

nação das águas, acompanhados de avenidas e ruas, com a inserção das dimensões estética

e sanitária do plano de melhoramento urbano.

Em 1900, Brito publicou a obra Esgotos das cidades, defendendo o sistema separador ab-

soluto de esgoto, e em 1903, Saneamento em Campos, monografi a urbana, que tratava de

planejamento e desenho urbano, enfatizando o planejamento integrado e a importância da

higiene para a habitação proletária.

Seu lema para a cidade de Santos, onde atuou entre 1905 e 1914, era sanear, embelezar e

prever a expansão da cidade em um único plano. Brito construiu, então, canais de concreto

armado para as águas pluviais, dutos separados para coleta de esgoto e estações elevató-

rias distritais, além de peças para esgotos domiciliares. O plano de expansão adotado para

a cidade foi considerado muito avançado para a época, dotando-a de avenidas largas com

os canais de drenagem no centro, calçadas arborizadas, pontes e passadiços e, ainda, ave-

nidas parque que cortavam em diagonal o traçado reticulado de ruas e avenidas. Os canais

eram navegáveis por pequenas embarcações. Evitava longas ruas retas com o recurso de

interrupções através de pequenas praças onde locava equipamentos, tais como as estações

elevatórias de esgoto e conjuntos de mictórios. Criou ainda o parque da orla e, junto a ele,

a Avenida Beira Mar, também avenida parque, que contavam com vários equipamentos de

lazer. A ponte pênsil, que liga Santos a São Vicente, além de elemento de conexão, foi con-

cebida como suporte para o emissário de esgotos a serem lançados em alto mar. Participou

também das decisões de uso de solo, formulando legislação de padronização de vias urbanas

e gabaritos para as edifi cações lindeiras.

Com sua visão abrangente, ao projetar os canais de saneamento de Santos, Saturnino de

Brito desenvolveu um plano para o traçado das futuras ruas e avenidas da cidade, como

ilustrado na fi gura 11.

Em São Paulo, em 1926, Brito desenvolveu o projeto Melhoramentos do rio Tietê (Figura 12),

em que propunha a redução da extensão do rio de 46 para 26 km, retifi cando alguns trechos

na região Guarulhos – Osasco, pretendendo, com isso aumentar a vazão da água e manter

seu fl uxo constante. Sua meta era prevenir enchentes e prover o abastecimento. Projetou

dois grandes lagos junto à Ponte Grande12 e comportas para regularização do fl uxo do rio.

Saturnino enfatizava a importância das várzeas como reservatórios naturais, reduzindo os

impactos das cheias.

12 Atual Ponte das Bandeiras.