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Curso: Língua Portuguesa Disciplina: Linguagem Oral: Gêneros e Variedades Professor-Autor: Anna Christina Bentes da Silva Tema: Introdução Tópico: Um início de conversa Um início de conversa... Alô, professor ou professora! Bem-vindo(a) à Disciplina LP006 - Linguagem Oral: Gêneros e Variedades! Esta disciplina enfocará, da forma mais aplicada possível, as características dos textos e dos gêneros orais, em contextos e comunidades diversificados que usam diferentes variedades do Português do Brasil. Será dada atenção à natureza multissemiótica das práticas orais, às estratégias de construção do texto falado, a uma proposta de continuum de gêneros orais, às marcas da oralidade na escrita e às diferentes organizações da materialidade textual nos interior de diferentes gêneros orais (Tema 1). No campo aplicado ao ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, abordaremos a importância de se trabalhar com os gêneros orais formais e públicos na Educação Básica e detalharemos a abordagem de alguns deles, relevantes tanto nas práticas escolares como na vida pública, tais como a exposição oral e o debate. (Tema 2). Finalmente, enfocaremos os diferentes modos de fala do Brasil, do ponto de vista dos "sotaques", das variedades regionais e sociais (Tema 3). Esperamos que nossa disciplina possa lhe ser útil em sala de aula e que o estudo dos temas lhe seja agradável. Bons estudos! Para ver o vídeo de introdução a esta disciplina, clique aqui. Fonte da imagem: Foto cedida Prof Anna Christina Bentes da Silva

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Curso: Língua Portuguesa

Disciplina: Linguagem Oral: Gêneros e Variedades

Professor-Autor: Anna Christina Bentes da Silva

Tema: Introdução Tópico: Um início de conversa Um início de conversa...

Alô, professor ou professora!

Bem-vindo(a) à Disciplina LP006 - Linguagem Oral:

Gêneros e Variedades!

Esta disciplina enfocará, da forma mais aplicada

possível, as características dos textos e dos

gêneros orais, em contextos e comunidades

diversificados que usam diferentes variedades do

Português do Brasil.

Será dada atenção à natureza multissemiótica das práticas orais, às estratégias de

construção do texto falado, a uma proposta de continuum de gêneros orais, às

marcas da oralidade na escrita e às diferentes organizações da materialidade

textual nos interior de diferentes gêneros orais (Tema 1).

No campo aplicado ao ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, abordaremos a

importância de se trabalhar com os gêneros orais formais e públicos na Educação

Básica e detalharemos a abordagem de alguns deles, relevantes tanto nas práticas

escolares como na vida pública, tais como a exposição oral e o debate. (Tema 2).

Finalmente, enfocaremos os diferentes modos de fala do Brasil, do ponto de vista

dos "sotaques", das variedades regionais e sociais (Tema 3).

Esperamos que nossa disciplina possa lhe ser útil em sala de aula e que o estudo dos

temas lhe seja agradável.

Bons estudos!

Para ver o vídeo de introdução a esta disciplina, clique aqui.

Fonte da imagem: Foto cedida Prof Anna Christina Bentes da Silva

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Tema 1. O trabalho com gêneros orais: pressupostos teóricos

Tópico 1 - O continuum oral-escrito

Ponto de Partida

Muitos professores de Língua Portuguesa

reconhecem a importância do trabalho

com a oralidade em sala de aula. No

entanto, a grande maioria tem muitas

dúvidas sobre como fazer este trabalho

sem estabelecer um "conflito de

interesses" entre práticas orais e práticas

escritas.

Em geral, quem reconhece esse "conflito

de interesses" possui uma visão de que

oralidade e escrita são desligadas e muito

diferentes entre si. Mas oralidade e

escrita, nas mais diversas práticas de

linguagem, encontram-se

inextrincavelmente conectadas e dependem uma da outra para a realização de textos

e de discursos.

Nosso objetivo ao longo da disciplina será o de tentar construir, junto com você,

professor, com você, professora, um conhecimento básico sobre três pontos:

a) No Tema 1, vamos discutir alguns princípios teórico-metodológicos que devem

reger o trabalho com a oralidade na escola, com base nos documentos oficiais da

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e com base nos PCNs;

b) No Tema 2, vamos discutir sobre as principais características e funções de alguns

gêneros orais importantes de serem trabalhados na escola, mais especificamente, a

exposição oral e o debate;

c) No Tema 3, vamos discutir sobre a importância de se trabalhar com alguns

aspectos das variedades linguísticas na escola, mais especificamente, com as

variedades regionais e com as variedades sociais

Fonte da imagem: Redefor

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Mãos à obra

Para isso, vamos precisar de sua atenção em relação aos exemplos abaixo e também

em relação aos seguintes pressupostos: (i) o de que não há apenas uma linguagem

oral, mas várias; (ii) o de que não há apenas uma linguagem escrita, mas várias; (iii) o

de que oralidade e escrita não são opostas entre si, mas se mesclam e se

complementam, nas mais diversas práticas de linguagem.

Agora, gostaríamos que você assistisse ao vídeo abaixo, prestando atenção nas

diferentes oralidades: no texto oral da apresentadora, no texto oral do entrevistador, no

texto oral do entrevistado. Essa matéria da TV Cultura com a qual vamos trabalhar

está centrada em uma entrevista com o escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa,

que fala de sua obra, de seus temas e interesses.

Agora, veja a transcrição do trecho inicial da entrevista.

Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 10/03/11

Colocando os conhecimentos em jogo 1

Antes de começarmos a falar sobre os três textos produzidos pelos diferentes agentes

que participam do vídeo, precisamos falar sobre algumas características dos textos

orais.

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Em geral, pode-se dizer que os textos orais são relativamente não planejáveis de

antemão. Isso acontece em função de apresentarem uma natureza altamente

interacional. Além disso, ao contrário dos textos escritos, para os quais o produtor tem

maior tempo de planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder a revisões e

correções, a grande maioria da produção oral é caracterizada por ser planejada e

verbalizada simultaneamente, justamente porque essa produção emerge no próprio

momento da interação. Sendo assim, os textos orais apresentam descontinuidades

frequentes, que podem ser observadas no fluxo da fala (KOCH, 1997).

Mas isso não significa que a maioria de nossa produção oral pode ser considerada

como "errada" ou "feia". Ao contrário, a produção oral caracteriza-se exatamente por

ser assim mesmo, sem nenhum demérito nisso.

Na verdade, todas as estratégias de construção dos textos falados contribuem para a

sua existência: a hesitação (A hesitação é uma importante estratégia de

processamento do texto oral porque tem a função de ganhar maior tempo para o

planejamento e também de desacelerar o ritmo da fala. Em geral, a hesitação seria

considerada como algo "negativo", mas os estudos sobre a oralidade mostram que ela

é uma estratégia fundamental para que o texto possa progredir e ir se construindo

enquanto é produzido. Ela se manifesta por meio de pausas, preenchidas ou não,

alongamentos de vogais, consoantes ou sílabas iniciais ou finais, repetição de

palavras de pequeno porte, truncamentos oracionais etc.), por exemplo, tem a função

cognitiva de ganhar tempo para o planejamento/verbalização do texto; a inserção (A

inserção se caracteriza pelo fato de o locutor suspender temporariamente o tópico em

andamento para introduzir trechos com o intuito de (i) introduzir explicações ou

justificativas, (ii) fazer alusão a um conhecimento prévio que pode ajudar na

compreensão do assunto em pauta, (iii) apresentar ilustrações ou exemplificações. A

inserção também pode ter a função interacional de despertar ou manter o interesse do

interlocutor por meio de comentários jocosos ou por meio de avaliações, ressalvas,

atenuações, dentre outras.) tem a função cognitiva de facilitar a compreensão dos

parceiros; a reformulação (A reformulação pode ser retórica, quando ocorre por meio

de paráfrases ou de repetições de trechos anteriormente verbalizados, ou pode ser

saneadora, quando ocorre por meio de correções ou reparos, mas também podem

ocorrer por meio de paráfrases ou repetições. Essas últimas, as reformulações

saneadoras, em geral ocorrem em função de alguma solicitação de esclarecimento por

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parte do interlocutor (KOCH, 1997). tem a função de reforçar a argumentação, a

repetição, que como recurso coesivo, serve para a manutenção temática e como

recurso retórico, serve para "martelar" na mente do interlocutor uma dada informação

ou um dado argumento para persuadi-lo de sua tese (KOCH, 1997).

Fonte da imagem: Redefor

Colocando os conhecimentos em jogo 2

Analisemos agora, com um pouco mais de atenção, o texto oral da jornalista que

apresenta a matéria/entrevista: � Seu texto não é produzido nas mesmas condições em que produzimos nossos

textos orais cotidianos, que são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou

seja, que apresentam um processamento on line. Em outras palavras, o texto oral

da jornalista apresenta um grau diferenciado de planejamento já que sua fala

apresenta poucas pausas. A verbalização do texto previamente planejado

necessariamente passa por um processo de pré-formatação (que tanto pode ser

oral como escrita) para que ele, enfim, seja enunciado no contexto de gravação do

programa. É neste sentido que falamos que a oralidade ("Oralidade e escrita são

práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente

opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia. Ambas

permitem a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a

elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações

estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante. As limitações e os alcances de

cada uma estão dados pelo potencial do meio básico de sua realização. Som de

um lado e grafia de outro..." (MARCUSCHI, 2001, p. 17)). é uma prática social que

está imbricada com a escrita ("A escrita (enquanto manifestação formal do

letramento), em sua faceta institucional, é adquirida em contextos formais: na

escola. Daí também seu caráter mais prestigioso como bem cultural desejável."

(MARCUSCHI, 2001, p. 18)). O texto oral produzido pela jornalista é um exemplo

extremo disto. É um texto de natureza descritiva, já que se concentra em

apresentar/tematizar um determinado referente, no caso, o escritor moçambicano

Ungulani Ba Ka Khosa, representante da literatura moçambicana, que está no

Brasil para um encontro em São Paulo. � Apesar de se mostrar um texto bastante fluente, ele apresenta as estratégias

características da produção de textos orais: a jornalista faz algumas pausas e

apresenta uma certa entonação (Variação na altura da voz, durante a fala. Os

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filmes de ficção científica apresentam robôs que falam numa altura invariável, sem

elevações ou quedas. O efeito esperado é o de uma fala não-humana, porque os

seres humanos saudáveis não falam nunca daquele jeito. Ao contrário, a altura de

nossa voz sobe e desce de maneira estruturada em cada enunciado, e o padrão

que resulta disso é o padrão entoacional de cada enunciado." (TRASK, 2004, p.

91)), que não está marcada na transcrição, mas que pode ser percebida quando

ela fala os enunciados que compõem o texto. � Uma outra característica do texto oral produzido pela jornalista é o fato de que ele

se encontra "emoldurado" por outras linguagens, tais como o olhar (direto, que

não se desvia da câmera) e a expressão facial da apresentadora. Essas outras

linguagens corporais são ainda "trabalhadas" por uma outra linguagem, que é a

do enquadramento da câmera que a filma. � Por isso, quando falamos de "oralidade", estamos falando de todo um conjunto de

informações para além dos conteúdos que se está querendo transmitir. A

apresentação que a jornalista faz da entrevista que vai ao ar mostra um tipo de

competência comunicativa: falar para o "grande público" sem titubear e passando

confiança sobre o que diz. � Além disso, por meio de sua fala e de sua performance, ficamos sabendo que a

jornalista é de um certo lugar do Brasil (São Paulo) e que trabalha em uma certa

emissora. Assim, quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa

identidade social e também sobre as nossas diversas competências em nos

comunicarmos com pessoas/ públicos diferentes em situações distintas.

Colocando os conhecimentos em jogo 3

Já o texto oral do entrevistador é

constituído de um único enunciado

estruturado como uma pergunta. Mas o

modo como essa pergunta (que

provavelmente consta de um roteiro de

perguntas previamente elaborado e

provavelmente escrito por Allan da Rosa)

é enunciada traz marcas do meio �

sonoro � por meio do qual é produzida. Uma marca importante são as pausas. Outra � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �que revela uma interação explícita e dialogal entre um "eu" e um "tu", entre o

entrevistador e o entrevistado. Uma outra marca é o uso do marcador conversacional

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� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � so

de produção do texto oral.

O texto oral do entrevistado é estruturado por meio de sequências descritivas, já que

coloca em foco a "preocupação literária" do escritor, a de inserir elementos da cultura

africana em suas obras.

Ungulani: do primeiro livro ... até este ... há sempre um elemento .... da cultura

africana .. que de certo modo a primeira república tentou obliterar ... ((corte de edição))

então a minha preocupação literária ... foi no sentido sempre de buscar esses

elementos ... trazer esses elementos digamos para ... para ... primeiro pra pra língua

portuguesa que é a língua veicular nossa que é a lingua oficial ...e... e segundo fazer

com que muitos elementos da nossa tradição ... provérbios ... os contos tradicionais

que .... não estão grafados porque num ... a nossa escrita .... a nossa língua ainda não

tem uma escrita e::: sedimentada ... é este .... é neste campo onde eu me ( ) de certo

modo

Ele é um texto muito diferente do texto da jornalista que apresenta a matéria, já que

apresenta vários tipos de hesitações (A hesitação é, como vimos, uma estratégia de

processamento do texto oral que tem, dentre outras, a função de desacelerar o ritmo

da fala. Em geral, a hesitação seria considerada como algo "negativo", mas os estudos

sobre a oralidade mostram que ela é uma estratégia importante para que o texto possa

progredir e ir se construindo enquanto é produzido.), que se manifestam por meio de

pausas não preenchidas, alongamento de vogal, repetições de palavras e de

sintagmas etc. Sendo assim, o texto do escritor é um bom exemplo de um texto "que

se faz em se fazendo".

Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 10/03/11

Colocando os conhecimentos em jogo 4

No entanto, o texto oral do entrevistado, o escritor Ungulani Ba Ka Khosa, compartilha

algumas características com os outros textos orais produzidos pelos dois outros atores

sociais que participam com ele dessa interação: o texto oral do escritor também é

"emoldurado" por outras linguagens (gestos, expressão facial, e postura corporal).

Essas outras linguagens corporais que "emolduram" a fala do entrevistado também

são "trabalhadas" pelos diferentes enquadramentos da câmera que o filma. Em outras

palavras, a oralidade não se reduz à fala: ela é instrinsecamente multissemiótica.

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Por fim, o texto oral do entrevistado também revela sua identidade social, já que, ao

falar, ele revela de onde é (de um dos países africanos que foram antigas colônias

portuguesas) e o que faz (é escritor).

Essa breve apresentação dos textos orais que constituem o gênero entrevista

televisiva mostra dois tipos de práticas orais que se diferenciam pelos graus de

planejamento e de pré-formatação a que estão submetidas, mas que compartilham

outras estratégias de produção de textos orais. Neste sentido, corroboramos a

afirmação de Marcuschi (2001, p. 42): "fala e escrita apresentam um continuum de

variações". Em outras palavras, não se pode conceber que oralidade e escrita sejam

blocos monolíticos. Cada uma delas vai se mostrar altamente variável, tanto em

relação aos gêneros mais ou menos tipicos de cada modalidade, como em relação aos

processos/estratégias de produção e de formatação mobilizados.

É exatamente porque não se concebe que oralidade e escrita sejam opostas que

Marcuschi (2001) propõe a noção de continuum oral-escrito que organiza os gêneros

de acordo com o modo de produção (se falado ou escrito) e de acordo com critérios

outros tais como a distinção entre certos aspectos tipológicos (textos instrucionais,

exposições acadêmicas) e discursivos (comunicação pública & privada, diferentes

gêneros textuais).

Clique aqui para ver o diagrama do continuum oral-escrito proposto por Marcuschi

(2001).

Colocando os conhecimentos em jogo 5

Voltando à nossa entrevista, vamos

localizá-la no continuum proposto por

Marcuschi, no segundo campo mais

próximo da fala, sendo também

considerada uma comunicação pública.

É importante perceber que Marcuschi se

refere ao gênero entrevista como

pertencendo a uma "constelação", o que

reforça a sua postulação de que há vários formatos para esse gênero, que é um dos

gêneros orais formais públicos (Os gêneros orais formais públicos são aqueles que

são produzidos em situações e/ou contextos razoavelmente formais em que os

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interlocutores desempenham papéis previamente definidos. Por exemplo, na situação

de debate, temos o público/platéia & convidados & moderador de debate; na

entrevista, temos entrevistador & entrevistado & público/leitor); além disso, os gêneros

orais formais públicos apresentam uma natureza altamente pré-formatada ou pré-

planejada e sua textualidade apresenta marcas desse planejamento prévio.) que

devem ser destacados numa proposta de ensino do oral em sala de aula de língua

materna. A entrevista televisiva, no continuum oral-escrito proposto por Marcuschi,

encontra-se correlacionada a outros tipos de entrevista (de rádio, pessoal) e também a

gêneros outros, tais como inquéritos, debates e discussões no rádio e na TV.

O que aproxima e o que distancia a entrevista de outros gêneros nesse continuum?

Para Marcuschi, os gêneros, sendo um exemplo a entrevista, são mais bem

compreendidos se forem observados no interior de um continuum oral-escrito porque,

por exemplo:

a) as semelhanças e diferenças entre diversos tipos de entrevista e entre as

entrevistas e outros gêneros não se dão de forma estanque ou dicotômica. São

semelhanças e diferenças contínuas e graduais;

b) as entrevistas, assim como muitos outros gêneros, apresentam-se em contrapartes

(oral, escrita ou híbrida); em outras palavras, há entrevistas, como a que vimos neste

tópico, que são orais; há entrevistas que são produzidas oralmente e depois

transcritas e publicadas (como a de Arnaldo Antunes, discutida na disciplina LP003) e

há entrevistas que são produzidas por escrito e divulgadas por escrito (é o caso de

quando o jornalista manda perguntas escritas para o seu entrevistado e este responde

também por escrito);

c) as entrevistas, assim como todos os gêneros, apresentam uma natureza

multissemiótica, ou seja, resultam do uso de várias linguagens ou semioses

simultaneamente;

d) as entrevistas, orais ou escritas, são ordenadas em sua formulação e encontram-se

submetidas a normas llnguistícas muito próximas entre si. Para Marcuschi (2001, p.

45), "não há qualquer diferença linguística notável que perpasse o contínuo de toda a

produção falada ou escrita, caracterizando as duas modalidades, pois as

características de cada uma delas não são nem categóricas nem exclusivas".

Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=X9K6H5qRXzo, acesso em 10/03/11

Finalizando

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Para finalizar, é importante que tenhamos em mente as seguintes distinções de

Marcuschi (2001, pp. 25-26):

a) "a oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos que se

apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela

vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de

uso (...)".

b) "o letramento, por sua vez, envolve as mais diversas práticas de escrita (nas suas

variadas formas) na sociedade e pode ir desde a apropriação mínima da escrita, como

o indivíduo que é analfabeto, mas letrado, na medida em que identifica o valor do

dinheiro, identifica o ônibus que deve tomar, consegue fazer cálculos complexos, sabe

distinguir as mercadorias pelas marcas etc., mas não escreve cartas nem lê jornal

regularmente, até uma apropriação profunda, como no caso do indivíduo que

desenvolve tratados de Filosofia e Matemática ou escreve romances. Letrado é o

indivíduo que participa de forma significativa de eventos de letramento e não apenas

aquele que faz uso formal da escrita."

c) "a fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na

modalidade oral (situa-se no plano da oralidade, portanto), sem a necessidade de uma

tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano. Caracteriza-se pelo

uso da língua na sua forma de sons sistematicamente articulados e significativos, bem

como os aspectos prosódicos, envolvendo ainda uma série de recursos expressivos

de outra ordem, tais como a gestualidade, os movimentos do corpo, a mímica."

d) "a escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos

com certas especificidades materiais e se caracterizaria por sua constituição gráfica,

embora envolva recursos de ordem pictórica e outros (situa-se no plano dos

letramentos). Pode manifestar-se, do ponto de vista de sua tecnologia, por unidades

alfabéticas (escrita alfabética), ideogramas (escrita ideográfica) ou unidades

iconográficas, sendo que, no geral não temos uma dessas escritas puras. Trata-se de

uma modalidade de uso da língua complementar à fala".

Assim, pode-se dizer que a principal distinção entre fala e escrita é o fato de que cada

uma é um modo de representarmos a língua, ou seja, são os aspectos sonoro e

gráfico que contam de modo essencial nesse caso.

Atividade autocorrigível 1

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Marque a alternativa incorreta:

a) Textos falados apresentam distintos graus de planejamento. Portanto, não podemos

dizer que todo texto produzido por meio sonoro é processado on line.

b) A entrevista televisiva é um gênero oral que pode ser concretizado por meio de

vários textos;

c) Fala e escrita são dois modos distintos de se representar a língua;

d) As hesitações, as reformulações e as inserções presentes no curso da produção de

gêneros orais são recursos que devem ser corrigidos e substituídos por outros.

e) A proposta de considerar os gêneros textuais em um continuum oral-escrito é uma

maneira de passarmos a ver as relações oral-escrito de outra forma, considerando que

uma é complementar à outra e que ambas encontram-se sempre imbricadas nas

práticas de linguagem da maioria das sociedades.

Respostas

a) Correta

b)!Correta

c)!Correta

d)! Incorreta porque a hesitação, a reformulação e a inserção são estratégias de

produção do texto oral e vão ser mais ou menos presentes a depender do grau

de planejamento do texto e da situação comunicativa na qual ele é produzido.

Como são constitutivos da fala, devemos compreender quando ocorrem e não

corrigi-los simplesmente. A proposta é de levar o aluno a dominar os diferentes

modos de se produzir um texto oral, considerando principalmente os objetivos,

o público e a situação comunicativa.

e)!Correta

Tópico 2 � Atividades de retextualização

Ponto de partida

Falamos de forma bem geral, no Tópico 1,

sobre o continuum oral-escrito. Para isso,

analisamos brevemente alguns textos

orais. Nossa observação mais detalhada

desses textos permitiu que pudéssemos ter

uma visão não dicotômica das relações

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oral-escrito e uma visão mais detalhada sobre a natureza do texto oral.

O que significa ter "uma visão não dicotômica das relações oral-escrito"? � Significa compreender que os textos e gêneros produzidos na modalidade oral

vão resultar de um conjunto de estratégias que viabilizam a sua produção. Essas

estratégias (tais como a hesitação, a reformulação, a repetição e a inserção)

também podem estar presentes na escrita, mas de outra forma. Essas

estratégias não são "defeitos" ou "erros", mas ações que caracterizam a fala e a

oralidade. � Significa dizer que nós não podemos olhar a oralidade de forma a enxergar

nela apenas "incompletude", "incorreção" e "imperfeição" e na escrita apenas

"completude, "corretude" e "maior perfeição". � Significa olhar a oralidade não como se ela ela estivesse em oposição à

escrita, mas ambas como modalidades linguísticas complementares uma à

outra. � Significa olhar a oralidade (e os gêneros e textos orais produzidos nesse

campo) como tão importante quanto a escrita e, ainda mais, como não

necessariamente subordinada a ela. � Significa construir caminhos que nos levem a eleger alguns gêneros orais

formais públicos, tais como a exposição oral, o debate e a entrevista, como

legítimos objetos de ensino-aprendizagem e que são muito importantes, na

escola e fora dela.

Fonte da imagem: Redefor

Mãos à obra

Como vimos, oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente

em função do meio em que são produzidas - sonoro ou gráfico, respectivamente. Os

textos e gêneros produzidos pelos meios característicos de cada uma delas serão

semelhantes e diferentes em função de muitos fatores, como é possível ver neste

outro quadro elaborado por Marcuschi (2001) sobre a distribuição dos diversos

gêneros em um continuum oral-escrito.

Como podemos ver no quadro de Marcuschi, o autor prioriza pelo menos dois fatores

para que possamos pensar sobre as relações de continuidade entre as modalidades

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oral e escrita da língua nos textos e gêneros: o meio sonoro ou gráfico em que o

texto oral ou escrito se materializa e a modalidade oral ou escrita em que se deu sua

concepção original. Segundo o autor, isso é que faz a diferença, por exemplo, entre

dois gêneros orais que se materializam em meio sonoro como a conversa e a notícia

televisiva: uma é concebida ou produzida já inicialmente na modalidade oral (a

conversa cotidiana) e a outra - a notícia televisiva - passou antes por vários gêneros

escritos e textualizações (a pauta, a notícia redigida, a transcrição no teleprompter).

Coisa similar acontece com os gêneros escritos entrevista impressa, que foi antes

realizada oralmente com o entrevistado, e artigo científico, cuja base, produção e

circulação é, desde sempre, escrita. Esses são os gêneros que o autor considera

prototípicos das modalidades oral e escrita nos dois extremos do continuum, pois

neles as relações entre as modalidades se dão de maneira bastante nítida. Além

deles, ao longo do continuum, há uma profusão de gêneros que apresentam a mais

variada relação entre oralidade e escrita.

Por isso, é importante que agora observemos como ocorre o que Marcuschi (2001)

denomina "atividades de retextualização".

É importante estudar as atividades de retextualização porque fazemos isto todos os

dias e a todo o momento. Por exemplo, toda a vez que simplesmente repetimos ou

relatamos o que alguém disse, até mesmo quando tentamos reproduzir fielmente a

fala de outrem, estamos retextualizando, transformando, modificando e recriando uma

fala em outra. Também é importante compreender as retextualizações, porque todos

nós (alunos e professores) devemos desenvolver um tipo de conhecimento mais

reflexivo sobre as diferenças e semelhanças entre o oral e o escrito e sobre os

procedimentos de retextualização, de forma a melhor dominar os gêneros mais

característicos de uma ou de outra modalidade da língua.

Colocando os conhecimentos em jogo 1

No entanto, antes de começarmos a analisar as operações que estão na base das

retextualizações que fazemos, é importante falar da atividade de transcrição. Tanto

neste tópico, como no tópico anterior, estamos lidando com transcrições. E o que é

transcrever?

Para Marcuschi (2001), a transcrição é uma passagem de um código para outro.

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Quando transcrevermos, passamos as palavras pronunciadas para uma

formatação escrita, num sistema gráfico que segue, na maioria dos casos,

a grafia padrão. [...] A transcrição representa uma passagem, uma

transcodificação (do sonoro para o grafemático), que já é uma primeira

transformação, mas não é ainda uma retextualização. (MARCUSCHI,

2001, p. 51)

Transcrição é, por exemplo, o que fizemos com trechos da entrevista com o escritor

moçambicano, trabalhada no Tópico anterior. Quando transcrevemos, fazemos uma

espécie de "neutralização" do texto oral produzido, porque nunca vamos poder

reproduzir todos os aspectos extralinguísticos (Como os gestos, a postura corporal, as

vestimentas, as expressões faciais e as entonações ou a prosódia.) que envolvem a

produção personalizada de um texto oral.

Por isso dissemos anteriormente que, quando falamos, damos outras informações

para além dos conteúdos transmitidos. Deixamos transparecer a nossa identidade

social, que não pode ser neutralizada, mesmo quando gravada. Nossa identidade

social marca as nossas produções textuais orais. Vejamos alguns vídeos em que você

pode observar a identidade social de quem fala, sua performance oral (o que envolve

a possibilidade de se observar, ao mesmo tempo, texto, expressões faciais e da

gestualidade).

Fonte das imagens: (1) http://www.youtube.com/watch?v=LRXPWym22GE, (2) http://www.youtube.com/watch?v=EQ_TP2hK6iI, acesso

em 26/02/2011

Colocando os conhecimentos em jogo 2

De forma a passar um texto oral para a

escrita em um processo de retextualização,

algumas atividades que vão além da mera

transcrição são necessárias. Vejamos os

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textos abaixo, retirados de Marcuschi (2001, p. 78):

TEXTO: eh... eu vou falar sobre a minha família... sobre os meus pais ... o que eu

acho deles ... como eles me tratam... bem ... eu tenho uma família ... pequena ... ela é

composta pelo meu pai ... pela minha mãe ... pelo meu irmão ... eu tenho um irmão

pequeno de ...dez anos ... eh o meu irmão não influencia em nada ... a minha mãe é

uma pessoa superlegal ... sabe? (Narrativa oral de uma jovem de 17 anos;

MARCUSCHI, 2001, p. 78)

RETEXTUALIZAÇÃO 1- DA FALA PARA A ESCRITA:

Bem, eu tenho uma família pequena - meu pai, minha mãe e meu irmão. Tenho um

irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada. Minha mãe é uma pessoa

super legal. (Retextualização escrita feita por um aluno de Letras do 4o.período da

UFPE a partir da narrativa oral da jovem de 17 anos). (MARCUSCHI, 2001, p. 78)

RETEXTUALIZAÇÃO 2 - DA FALA PARA A ESCRITA:

Bem, eu vou falar sobre a minha família, sobre os meus pais, o que acho deles e como

eles me tratam. A minha família é pequena, composta pelo meu pai, minha mãe e um

irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada. Minha mãe é superlegal.

(Retextualização escrita feita por uma aluna de Letras do 4o. período da UFPE a partir

da narrativa oral da jovem de 17 anos). (MARCUSCHI, 2001, p. 78)

Há, em primeiro lugar, as atividades de idealização do texto falado, que envolvem

fundamentalmente a eliminação e/ou regularização de certos fenômenos, a partir da

ótica da escrita. No exemplo em questão, sobre a narrativa oral da jovem de 17 anos,

foram operadas eliminações de quase todas as marcas estritamente interacionais, no

caso, hesitações (dois "eh", pausas não preenchidas) e um marcador conversacional

("sabe?").

Fonte da imagem: Redefor

Colocando os conhecimentos em jogo 3

No entanto, ambos os sujeitos responsáveis por cada uma das retextualizações

mantiveram o marcador conversacional "Bem" no início do texto: "Bem, eu tenho uma

família pequena - meu pai, minha mãe e meu irmão" (Retextualização 1); "Bem, eu

vou falar sobre a minha família, sobre os meus pais, o que acho deles e como eles me

tratam" (Retextualização 2). Isso mostra que a escrita pode trazer uma série de

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elementos da oralidade, sem que isso seja visto como um problema em determinadas

situações e contextos de produção escrita.

Um segundo tipo de atividade necessária na passagem da fala para a escrita são as

atividades de transformação operadas sobre o texto oral. Na primeira retextualização,

observamos que o aluno de Letras decide eliminar todo um trecho introdutório em que

a jovem diz o que vai fazer ("vou falar sobre a minha família..."). Apesar de manter o

marcador conversacional "bem" iniciando o seu texto, ele elimina todo o resto e já

começa o texto com a tematização direta da família ("eu tenho uma família pequena")

e não com a tematização do próprio dizer ("vou falar sobre minha família").

Na segunda retextualização, observamos que a aluna mantém os conteúdos, mas

introduz a paragrafação e uma reordenação: no texto oral ocorria a coordenação de

enunciados ("eu tenho uma família..pequena... ela é composta pelo meu pai... pela

minha mãe ... pelo meu irmão ... eu tenho um irmão pequeno de ... dez anos") e no

texto escrito alguns enunciados/sintagmas ("eu tenho um irmão"; "o meu irmão") são

eliminados e, concomitantemente, constrói-se uma expressão referencial complexa

("um irmão pequeno de dez anos que não influencia em nada").

É importante ter uma idéia sobre que tipos de atividades são necessárias para a

passagem do oral para o escrito, porque tanto as atividades de idealização como as

atividades de transformação do texto falado que constituem a retextualização

propriamente dita, apesar de revelarem ajustes e, muitas vezes, reordenações mais

amplas, não devem afetar os conteúdos fundamentais do texto-base. No entanto,

sabemos que as modificações operadas transformam um texto em outro texto. No

caso em questão, segundo Marcuschi (2001), parece que o que se pretendeu foi

tornar o texto mais "disciplinado", com uma aparência mínima de escrita e sem

maiores ligações com o seu contexto oral de produção. Também é importante se ter

uma idéia mais clara sobre a retextualização porque ter consciência das atividades

envolvidas nesse processo é de muita utilidade quando se quer, por exemplo, passar

de uma modalidade a outra, como na passagem para a escrita de uma entrevista oral

(exemplo explorado por Marcuschi), ou como nas anotações de aula que os alunos

fazem.

Colocando os conhecimentos em jogo 4

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Na direção contrária (da escrita para a fala), na

exposição oral ou no comentário radiofônico, por

exemplo, temos que ler, compreender o que

lemos e ainda verbalizar este conhecimento

oralmente. Para isso, vamos precisar tomar

decisões sobre os cortes que iremos

empreender no material falado ou escrito e as

reordenações que teremos que fazer. Sendo

assim, as atividades de idealização e de

transformação vão estar presentes na retextualização da escrita para a fala também.

É o que vamos começar a ver a seguir. Vamos ler abaixo dois trechos de um texto de

um mesmo autor, o cineasta e jornalista Arnaldo Jabor.

Texto escrito: "Eu não queria ver o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'. Não

queria. Ver filme de viados, eu? (Escrevo viado porque, como disse Millôr, quem

escreve 'veado' é viado). Muito bem, eu resistia à idéia mais ou menos como o Larry

David (o roteirista de 'Seinfeld') disse num artigo engraçadíssimo, que tinha medo de

virar gay se ficasse emocionado". (Arnaldo Jabor. "Brokeback Mountain é um filme

sobre heróis machos", texto publicado em 07/03/2006, no Jornal O Globo. Leia o texto

completo clicando aqui. Role a página um pouco para chegar à reprodução da

crônica.).

Texto falado: "Amigos ouvintes...eu não queria ver esse filme que tá passando aí ... O

Segredo de Brokeback Mountain sobre os dois cowboys que ficam amantes um do

outro... eu não queria ... ver filme de viado... eu? aliás ... a palavra correta é viado

porque gay é palavra americana... (Comentário de Arnaldo Jabor sobre o filme "O

Segredo de Brokeback Mountain", falado em 06/03/2006, na Rádio CBN. Ouça o

comentário completo, clicando aqui).

O trabalho de Leite (2006), que discute justamente o tema da oralidade em diferentes

discursos, analisando integralmente os dois textos produzidos por Arnaldo Jabor - o

escrito, publicado em 07/03/2006, e o oral, performado em 06/03/2006 - tem como

hipótese que o texto original é o escrito, a partir do qual, Jabor faz adaptações para

poder apresentá-lo oralmente.

Fonte da imagem: Redefor

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Colocando os conhecimentos em jogo 5

A autora apresenta a seguinte pergunta: Será que a mudança de meio de

comunicação (de jornal impresso para o rádio) e de modalidade (do escrito para o oral)

transforma a mensagem, ou seria apenas uma mensagem em duas mídias diferentes?

Ela conclui que os textos são dois textos diferentes entre si, porque apresentam uma

orientação argumentativa bastante diversa.

Para a autora, uma das razões para que os dois textos sejam considerados dois

exemplares diferentes de um mesmo gênero (crônica ou comentário) é o tempo. No

rádio, o tempo é o fator limitador. No jornal impresso, o espaço é o fator limitador. O

texto oral de Jabor tem 696 palavras e o texto escrito apresenta 1001 palavras. Para a

autora, há uma maior exigência de "factualidade" no texto oral transmitido pelo rádio e,

por isso, acontecem os cortes efetuados e a inserção de trechos novos. (LEITE, 2006,

p. 101)

Pelo que já foi possível observar no primeiro parágrafo de ambos os textos, ocorrem

modificações de natureza muito profunda. A nosso ver, o texto escrito serve como uma

espécie de guia para a elaboração do texto oral. E é exatamente porque o texto escrito

é apenas este "guia", ou seja, é exatamente porque é importante manter algumas

informações, mas não todas, que os textos são tão diferentes. Para nós, é importante

perceber que as atividades de transformação do texto escrito mantém a informação de

que o jornalista não queria ver o filme. Mas são duas as formas de informar essa

posição (eu não queria ver o filme "O Segredo de Brokeback Mountain") de Arnaldo

Jabor aos leitores:

Texto escrito: "Eu não queria ver o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'. Não

queria. Ver filme de viado, eu?"

Texto falado: "Amigos ouvintes ... eu não queria ver esse filme que tá passando aí.. o

Segredo de Brokeback Mountain sobre os dois cowboys que ficaram amantes um do

outro ... eu não queria... ver filme de viado... eu? "

Fundamentalmente, o que acontece é que no texto escrito, o referente é enunciado

assim:

"o filme 'Segredo de Brokeback Mountain'".

Já no texto oral, ocorre uma uma expansão do referente do texto escrito:

"esse filme que tá passando aí O Segredo de Brokeback Mountain sobre

dois cowboys que ficaram amantes um do outro"

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Colocando os conhecimentos em jogo 6

Por que esta expansão acontece? Arnaldo Jabor antecipa informações sobre o

referente (é um filme que está em cartaz) e também já dá uma orientação

argumentativa (A orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado

pode ser percebida pelo modo como os recursos linguísticos (por exemplo,

encadeamento de enunciados por meio de operadores argumentativos - � ! " # $ % � & ' $ %� ( ! ' ) $ % � ( * + # , + ! ) - . / -, seleção lexical - cowboys & homens, viado & gay etc.) são

mobilizados, levando o interlocutor a adotar uma determinada posição em relação ao

que é dito em detrimento de outra.) para a interpretação do referente (um filme sobre

sobre dois cowboys que ficam amantes um do outro), por meio da escolha

principalmente do item lexical sublinhado a seguir, "ver filme de viado... eu?", que vem

depois da introdução exapandida do referente. Essa orientação argumentativa está

presente no texto escrito apenas pela enunciação da pergunta "Ver filme de viado,

eu?" No texto oral, a pergunta permanece, mas antes dela já vem a

apreciação/avaliação de Arnaldo Jabor sobre o tema: "dois cowboys que ficam

amantes um do outro". Assim, podemos dizer que, no momento da oralização do texto

escrito, houve uma reformulação do modo como Arnaldo Jabor introduz o referente

textual, ou seja, houve uma modificação no modo de apresentação do objeto sobre o

qual ele vai falar.

Além disso, a expansão do referente justifica-se pela pressuposição de Arnaldo Jabor

de que seus ouvintes poderiam não compartilhar o mesmo conhecimento de mundo: o

de que estava em cartaz um filme sobre o romance entre dois homens. Mais

especificamente, uma história de amor entre dois cowboys. Esse trecho serve para se

ter uma ideia da diferença fundamental entre os dois textos: o escrito, apresenta uma

argumentação ambígua, ao mesmo tempo favorável e contrária à homossexualidade;

o oral, tendo sido submetido a uma série de cortes de alguns argumentos, também

apresenta uma argumentação ambígua, mas menos enfática nessa ambiguidade. Daí

a razão de defendermos que os textos apresentam diferenças sutis, constituindo-se

em dois textos diferentes, apesar de um (o escrito) guiar a produção do outro (o oral) e

apesar de manterem as principais informações nas duas versões.

Veja este outro trecho da crônica impressa: "O viado sempre encarnou a ambiguidade

de nossos sentimentos. Claro que, hoje, os civilizados todos dizem que 'tudo bem',

que são contra a homofobia e todo o bullshit costumeiro."

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e compare com o trecho correspondente do comentário radiofônico: "O viado sempre

encarnou a ambiguidade dos nossos sentimentos sexuais... é claro que, hoje, os

civilizados todos dizem que 'tudo bem, somos contra a homofobia... somos a favor da

liberdade dos homossexuais'... tudo muito politicamente correto".

Reflita: Em sua opinião, qual dos dois trechos deixa mais clara a orientação avaliativa

de Jabor sobre a questão da homossexualidade? Por meio de que recursos?

Finalizando

Ao longo deste Tópico vimos que:

a) oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo

de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo

meio gráfico;

b) oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são

complementares entre si;

c) oralidade e escrita variam (não são as mesmas); por exemplo, nossos textos orais

cotidianos são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou seja, apresentam um

processamento on line; já os textos orais produzidos por certos jornalistas, por atores,

por "experts" e por certos politicos, por exemplo, podem apresentar um grau de

planejamento diferenciado, sendo, muitas vezes, submetidos a alguma pré-formatação

que, por sua vez, pode estar relacionada a práticas de escrita;

d) os textos e gêneros produzidos na modalidade oral da linguagem resultam de um

conjunto de estratégias (tais como a hesitação, a reformulação, a repetição e a

inserção) que viabilizam a sua produção;

e) as atividades de retextualização (da fala para a escrita e da escrita para a fala)

estão presentes em nosso cotidiano; no entanto, dependendo dos gêneros a serem

produzidos, essas atividades demandam um maior grau de consciência em relação às

operações que estão na sua base;

g) as atividades de retextualização pressupõem duas outras operações: a idealização

e a transformação. Essas operações/atividades, apesar de revelarem ajustes e, muitas

vezes, reordenações mais amplas, não devem afetar os conteúdos fundamentais do

texto-base; no entanto, os sentidos dos textos vão sempre, em alguma medida, ser

modificados na passagem de um texto a outro texto.

h) quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e

também sobre as nossas diversas competências em nos comunicarmos com

pessoas/públicos diferentes em situações distintas.

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Atividade autocorrigível 2

Atribua falso ou verdadeiro para as alternativas abaixo e, em seguida, pouse o cursor

sobre o marcador da alternativa (letra), para conferir sua resposta:

a) Oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo

de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo

meio gráfico.

b) Oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são

complementares entre si.

c) Os textos orais cotidianos que produzimos não são planejados e verbalizados ao

mesmo tempo; são sim pré-formatados, assim como os textos orais produzidos por

certos profissionais como jornalistas, atores, "experts", políticos etc.

d) As atividades de retextualização (da fala para a escrita e da escrita para a fala) não

estão presentes em nosso cotidiano e somente podem ser realizadas em situações

especiais.

e) A escrita não pode ser trabalhada para incorporar marcas da oralidade.

f) Os materiais impressos pensados para serem lidos podem apresentar índices de

oralidade em função dos propósitos comunicativos a que estão submetidos.

Repostas:

a) Verdadeiro

b) Verdadeiro

c) Falso

d) Falso

e) Falso

f) Verdadeiro

Tópico 3 - A presença da oralidade na escrita

Ponto de partida

Como vimos nos tópicos anteriores, oralidade e escrita são práticas de linguagem que

ocorrem em um contínuo, uma interpenetrando a outra. Sendo assim, não precisamos

ter a visão dicotômica de que essas duas práticas são completamente diferentes entre

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si. Neste Tópico 3, vamos ver que toda

escrita apresenta o que Paul Zumthor,

historiador e filósofo, estudioso das

relações entre oralidade e escrita, denomina

"índice de voz". Ou seja, para este autor,

toda a escrita encontra-se "marcada" pela

oralidade. É uma visão que está em

consonância com a concepção linguistica de

que fala e escrita estão conjugadas nas práticas de oralidade e de letramento.!"Todos

já conhecemos as explicações sobre como o discurso direto, por exemplo, é um modo

de representar a fala dentro da escrita. Ou mesmo aquelas explicações sobre como a

pontuação não se reduz a uma forma de marcar pausas, que são estratégias de

produção do texto oral, como pudemos analisar no Tópico 1.)

Nosso interesse aqui, com base no estudo de Hilgert (2009), é mostrar alguns outros

recursos menos evidentes que mostram como gêneros/textos classicamente

concebidos no meio gráfico não escapam da influência da oralidade em função de

vários motivos. Pedimos, então, que você leia o trecho abaixo, retirado da revista

Ciência Hoje para Crianças 59 e reflita sobre quais são os principais recursos que

indicam a presença da oralidade nesse texto:

Como tudo começou

Conheça a teoria do Big Bang, que explica a origem dos planetas, do Sol e

das estrelas!

Você já deve ter olhado para o céu e perguntado: de onde vem os planetas, o

Sol e as estrelas? Ou olhado para a Terra e perguntado de onde vieram as

rochas, os animais, as plantas e os seres humanos. Para os cientistas, tudo o

que existe no universo veio de uma bolha que, há cerca de 10 ou 20 bilhoes

de anos, surgiu em um tipo de "sopa" quentíssima e começou a crescer,

dando origem a toda matéria que conhecemos. (Trecho retirado de HILGERT,

2009, p. 226).

Fonte da imagem: http://carlacoelhor.wordpress.com/2010/03/09/comunicacao-oral-e-escrita/, acesso em 20/02/2012.

Mãos à obra

Se observarmos com cuidado, o primeiro parágrafo do texto da revista começa com

um enunciado que se dirige diretamente ao leitor por meio do uso do pronome de

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segunda pessoa do discurso, o "você". Esse recurso

marca o texto jornalístico, já que dirigir-se diretamente

ao interlocutor na modalidade escrita constrói um efeito

de proximidade entre o produtor do texto e o leitor, como

se o primeiro estivesse "falando" com o segundo. Em

outras palavras, mesmo no texto concebido no meio

gráfico temos a sensação de que estamos interagindo

com o produtor do texto como o fazemos na interação

face-a-face. O recurso de se dirigir ao leitor por meio do

uso de vocativos, de verbos conjugados na segunda

pessoa e de sequências textuais injuntivas (que fornecem instruções) é muito utilizado

por escritores literários. Machado de Assis é o mais famoso usuário desse recurso.

Muitas vezes, ao longo de seus textos, o escritor dirige-se ao leitor, juntando-se a ele

e/ou interpelando-o a tomar determinada atitude:

"Deixemos Rubião na sala de Botafogo, batendo com as borlas do chambre

nos joelhos, e cuidando na bela Sofia. Vem comigo, leitor; vamos vê-lo,

meses antes, à cabeceira do Quincas Borba." (Fonte:

http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm07.pdf, p. 3)

"D. Sancha, peço-lhe que não leia este livro; ou, se o houver lido até aqui,

abandone o resto. Basta fechá-lo; melhor será queimá-lo, para lhe não dar

tentação e abri-lo outra vez. Se apesar do aviso, quiser ir até o fim, a culpa é

sua; não respondo pelo mal que receber." (Fonte:

http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/romance/marm08.pdf, p.115)

"Cuidado, caro leitor, vamos entrar na alcova de uma donzela. A esta

notícia o leitor estremece e hesita.(...) Descanse, leitor, não verá neste

episódio fantástico nada do que se não pode ver à luz pública. (....)

Tranqüilize-se, dê-me o seu braço, e atravessemos, pé ante pé, a soleira

da alcova da donzela Cecília." (Fonte:

http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn012.pdf, p. 1)

Fonte da imagem: http://meninanosotao.wordpress.com/2011/09/29/machado-de-assis/, acesso em 20/02/2012.

Colocando o conhecimento em jogo 1

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Um outro recurso presente no texto da Revista

Ciência Hoje para Crianças é o uso de uma

expressão que estabelece uma explicação mais

acessível às crianças sobre o ambiente em que

surgiu o sistema solar: surgiu em um tipo de

"sopa" quentíssima. O uso do termo "sopa" -

marcado por aspas - constrói um efeito de

informalidade para o texto, já que a expressão não

é um termo técnico. A palavra "sopa" funciona, então, como um índice de incorporação

da linguagem coloquial /informal característica das práticas orais; o seu uso está

intrinsecamente relacionado à própria função do texto, que é a de divulgar um

conhecimento produzido no interior uma comunidade interna específica (cientistas)

para uma comunidade externa ampla (no caso, crianças). Vejamos como o recurso a

palavras não técnicas (quase sempre marcadas por aspas) acontece em um outro

texto da mesma revista:

"Durante algumas horas, a Lua passará pela enorme sombra que a terra faz no

espaço. Se estivéssemos na Lua, veríamos a Terra "tapando" o Sol durante o

Eclipse."

Outros índices da oralidade presentes no texto de divulgação científica publicado pela

Revista Ciência Hoje para Crianças são: o uso de expressões típicas da oralidade

("pronto!";), de frases interrogativas (perguntas retóricas) e de frases exclamativas.

Esses recursos são de fato estruturadores do texto excrito para crianças, o que acaba

por conferir a ele um estilo muito peculiar, marcado pela coloquialidade e pela

iteratividade:

"Quando uma pessoa está dirigindo um carro e quer indicar que vai entrar à

direita, ela liga o pisca-pisca para a direita e pronto! Quem está na rua,

pedestre ou automóvel, sabe o que significa aquele sinal." (Trecho retirado de

HILGERT, 2009, p. 227)

"Você já reparou naquele bichinho que vive piscando à noite? Você sabe

porque os vaga-lumes piscam?" (Trecho retirado de HILGERT, 2009, p. 226)

" O eclipse será visível aqui no Brasil a partir das 17:50. Escolha um lugar em

que seja possível ver o horizonte e curta o espetáculo!" (Trecho retirado de

HILGERT, 2009, p. 227-8)

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Fonte da imagem: Fonte: http://zelmar.blogspot.com/2009/11/repensando-o-big-bang.html, acesso em 20/02/2012.

Colocando o conhecimento em jogo 2

Com base no estudo de Silva (2009), faremos algumas observações sobre como o

trabalho com a oralidade em textos escritos literários é um trabalho que vai muito

além do uso de travessões e de aspas. Vejamos o exemplo abaixo:

"À noite, Zeca se sentou na mesa da cozinha e refez as contas. Gás, oitenta e

sete e oitenta. Telefone, cinquenta e quatro. Luz, cento e setenta e cinco. Mais

isto e mais aquilo. Sempre tinha algo a mais. E se diminuíssemos a carne?

Cancelássemos a tv a cabo? Ver meu marido nesse perrengue da porra,

recalculando nossas despesas, cortando centavos, acabava comigo." (Trecho

do conto "Depilação holandesa" retirado do livro de autoria de Patrícia Melo:

Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 105)

O trecho acima revela a opção da autora por não marcar os possíveis diálogos, "falas

internas" e/ou monólogos das personagens com travessões. A escritora prefere usar

apenas certos sinais de pontuação (ponto, ponto e vírgula e ponto de interrogação)

para marcar tanto o procedimento de fazer as contas como as perguntas que não se

sabe, pelo tipo de marcação feita, se foram feitas pelo marido ou pela mulher - a

narradora. No entanto, há escritores, como Luiz Vilela, que são muito detalhistas na

reprodução das interações entre os personagens, assinalando todo o tipo de ação

típica da interação face-a-face, tais como a ocorrência de turnos nucleares (O turno

conversacional é uma unidade que diz respeito aos diferentes modos por meio dos

quais os interlocutores participam da construção do diálogo. Os turnos nucleares são

aqueles que contribuem para o desenvolvimento da conversação em termos

informacionais, ou seja, são os turnos de fala que apresentam conteúdo referencial.

(FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p. 105-108)) e de turnos inseridos (Os turnos

inseridos são aqueles em que os falantes fazem breves intervenções que mostram

que ele está atento ao que o outro interlocutor está falando, ou está em concordância

com o que está sendo dito, dentre outras funções. (FÁVERO, JUBRAN et alli, 2010, p.

108)), a emergência de estruturação sintática típica da fala e a descrição dos

cortes/interrupções. Vejamos um exemplo de um trecho de um conto de Luiz Vilela em

que, no diálogo, aparecem estruturas sintáticas típicas da fala: (!Podemos dizer que

uma estrutura sintática bastante usada na fala é a de Tópico-Comentário, que se

distingue da estrutura canônica Sujeito-Predicado. Nas estruturas Tópico-Comentário,

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desloca-se para o início do enunciado o tipo de informação sobre o qual se quer

chamar a atenção. Exemplos: "a bolsa, ela está em cima da mesa", "o Fernando, eu

não te falei dele". Com vimos, é possível chamar a atenção tanto sobre o sujeito de

uma sentença, como também sobre o objeto indireto. As gramáticas tradicionais

analisam essa estrutura como anacoluto, como uma figura de linguagem, mas, na

verdade, ela é uma estrutura sintática legítima tanto do português como de outras

línguas.)

"Claro", diz Maca, "claro que não depende só dele; mas os outros é mais fácil

ainda".

"Os outros?"

"O Souza, o Aderbal, O Nenzinho..."

" Você acha que eles...."

"O Souza, por exemplo: o Souza, eu dou uma leitoa para ele; o Natal vem aí, quem

resiste a uma leitoinha nessa época?

Nós rimos.

"Já o Aderbal... O Aderbal eu posso dar um peru." (Trecho do conto " Más

notícias", de Luiz Vilela, retirado de SILVA, 2009, p. 169)

Clique aqui para ver um trecho de outro conto de Luis Vilela que exemplifica o trabalho

que o autor faz com os turnos nucleares (TN) e turnos inseridos (TI), assinalados ao

final de cada turno.

Colocando o conhecimento em jogo 3

Revendo as observações feitas neste tópico sobre os índices de oralidade presentes

nos mais variados gêneros e textos escritos, com base nos estudos de Barros (2002),

é possível também dizer que:

a) A evocação explícita do destinatário em certos textos escritos pode ter o objetivo

de criar o que Barros (2002) chama de "efeito de cumplicidade, de aproximação, de

cooperação" entre os interlocutores - por exemplo, no caso dos exemplos de Machado

de Assis.

b) Há uma série de recursos presentes principalmente no campo da publicidade que

conseguem fazer com que gêneros multissemióticos impressos - tais como

outdoors e anúncios publicitários em revistas e jornais - "encarnem", digamos assim,

práticas de linguagem do campo da oralidade, mais especificamente, aquelas que

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envolvem a conversação cotdiana, na qual predomina uma certa simetria (As relações

sociais simétricas caraterizam-se por apresentar uma distribuição razovelmente

igualitária de poder entre os participantes. São exemplos de relações simétricas, as

relações entre amigos, as relações entre pessoas que desempenham funções sociais

parecidas, as relações entre colegas de trabalho.) entre os interlocutores.

c) Em outras palavras, ao ler esse material, o destinatário tem a sensação de que

estão falando com ele. Clique aqui para ver apenas alguns exemplos de trabalho com

um recurso linguístico (as pessoas do discurso) que promovem os efeitos de

identificação, aproximação, objetividade e simetria quando se entra em contato com

este tipo de material impresso.

É neste sentido que podemos dizer: mesmo por meio do impresso e da escrita, o

banco (instituição financeira) parece estar falando diretamente com você, o governo

(federal, estadual ou municipal) parece estar falando com você, grandes redes de

supermercado, de lojas etc., todos querem criar este efeito de que não há distância

entre essas instituições e cada indivíduo, de que eles são seus "camaradas", seus

"amigos", seus "velhos conhecidos". No entanto, sabemos que as relações entre os

clientes e os bancos, entre os consumidores e as lojas, entre os contribuintes e o

governo são assimétricas (As relações assimétricas se caracterizam pela distribuição

não igualitária do poder nas relações sociais. São exemplos de relações assimétricas

as relações ente pais e filhos, entre professor e alunos, entre o patrão e seus

funcionários, entre chefe e subordinados, entre o estado e seus cidadãos, as relações

entre prestadores de serviço e consumidores, entre as forças armadas de um país e a

população. Em função disso, leis, estatutos) e distantes, justamente o contrário do

efeito que se cria com a publicidade e propaganda.

Colocando o conhecimento em jogo 4

Gostaríamos ainda de comentar o trabalho feito por muitos escritores sobre o léxico,

recurso este que auxilia na criação da verosssimilhança, fundamental nos textos

literários. Por exemplo, o uso de um léxico mais presente na oralidade do que na

escrita pode indicar o estado de ânimo da personagem, como acontece no exemplo

anteriormente mencionado da escritora Patrícia Melo:

"Ver meu marido nesse perrengue da porra, recalculando nossas despesas,

cortando centavos, acabava comigo." (Trecho do conto "Depilação

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holandesa", retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo no

escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 105)

Em certas situações de comunicação relatadas por meio das narrativas literárias, a

língua falada "encenada" é um dos recursos para a revelação de conflitos de todos os

tipos. Sendo assim, a chamada "presença da oralidade na escrita" não se dá apenas

para construir efeitos de aproximação e co-operação entre produtor e destinatário de

um determinado texto, mas se dá também para que o leitor tenha a sensação de que

aquela realidade que está sendo construída é de fato verossímel, verdadeira dentro

daquele universo. Romancistas fazem isso magistralmente. Vejamos alguns outros

exemplos:

"(...) Eu estava deitado quando tiniu a campainha irritante do telefone. Era Luiza

dizendo aborrecida, aquele advogado de nome ridículo anda fazendo perguntas

imbecis a meu respeito, coisas da minha vida particular, quer saber se minhas

empresas dão lucro, se as herdei, se estou seguindo as passadas de meu pai, até o

meu pai o cretino quer meter nessa história? o sujeito é um idiota (...)"

(Trecho retirado do livro de autoria de Rubem Fonseca, E do meio do mundo prostituto

só amores guardei no meu charuto. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 78)

"Já são sete horas da manhã e Carimbê acorda assustado quando ouve algo:

- Essa bosta virou hotel de cachorro agora?

Vê que é seu cunhado e responde envergonhado:

-Oi, é que... eu cheguei tarde e não quis incomodar, sabe né, acordar vocês e...

- Tá bom, foi bom mesmo não me acordar porque se não ia ter, mas já que você está

aqui, daqui a pouco vai chegar um caminhão de pedra... (...)"

(Trecho retirado do livro de autoria de Ferréz, Capão Pecado. São Paulo: Labortexto

Editorial, 2000, p. 130)

Finalizando

!Por fim, gostaríamos de dar alguns exemplos de

como a escrita literária já está fazendo

experimentação com uma outra escrita que está

literalmente "colada" nas práticas orais: a escrita

dos meios digitais. No caso dos trechos abaixo, a

escritora Patrícia Melo marca em itálico as sms

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trocadas entre a protagonista do conto e narradora em 1a. pessoa (Fernanda) e sua

amiga (Dani):

"Dani me manda sms a toda hora, onde você se meteu?, Estamos fazendo a unha.

Pintei as unhas de azul chocante. Estamos em casa nos arrumando. Estamos saindo

para almoçar no Demo." E nós dois rodando pelo bairro, e agora o cara vem me dizer

que tudo o que tenho que fazer é concordar com ele. (Trecho do conto "Eu te amo",

retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo no escuro. São Paulo: Rocco,

2011, p. 65)

"Logo que cheguei a casa dele, onde havia pilhas e pilhas de livros de álgebra e um

monstro da raça São Bernardo, hibernando num canto, ele me perguntou, depois de

me oferecer vinho, se eu era mesmo estudante de Psicologia. Quer fazer o teste do

Freud? Perguntei. Ele nem riu. Demo bombando. Todo mundo aqui. Gabizinha, Bel,

Lia, Ka, Dedé, Sofi, Nina, Paulinha, até a chata da Nat está aqui com a prima baranga

dela, a paulista estressada que brigou com a Gi na hora de dividir o táxi hahaha."

(Trecho do conto "Eu te amo", retirado do livro de autoria de Patrícia Melo, Escrevendo

no escuro. São Paulo: Rocco, 2011, p. 67)

Ainda há muitos outros recursos usados por quem escreve para "invocar" a oralidade

em situações de comunicação em que o meio gráfico é aquele utilizado para o

estabelecimento da interação entre leitor e produtor, entre consumidor e prestador de

serviço, entre o governo e seus cidadãos.

Vimos aqui apenas alguns. Vimos também que não há uma única maneira de se

marcar os diálogos entre as personagens. Uma boa motivação para fazer os alunos

escreverem seria justamente pedir a eles que pesquisassem em textos literários ou em

textos publicitários as formas de se "manipular" a oralidade na escrita. Uma última

ideia: pedir que eles escrevam diferentes textos procurando trazer a oralidade para

dentro da escrita.

Fonte da imagem: Redefor

Finalizando o tópico

Ao longo deste Tema vimos que:

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a) oralidade e escrita são práticas sociais que se diferenciam basicamente pelo modo

de produção: a primeira é produzida pelo meio sonoro e a segunda é produzida pelo

meio gráfico;

b) oralidade e escrita são práticas sociais que não estão em oposição, mas são

complementares entre si;

c) oralidade e escrita variam (não são as mesmas); por exemplo, nossos textos orais

cotidianos são planejados e verbalizados ao mesmo tempo, ou seja, apresentam um

processamento on line; já os textos orais produzidos por certos jornalistas, por atores,

por "experts" e por certos politicos, por exemplo, podem apresentar um grau de

planejamento diferenciado, sendo, muitas vezes, submetidos a alguma pré-formatação

que, por sua vez, pode estar relacionada a práticas de escrita;

d) os textos e gêneros produzidos na modalidade oral da linguagem resultam de um

conjunto de estratégias que viabilizam a sua produção;

e) quando falamos, fornecemos informações sobre a nossa identidade social e

também sobre as nossas diversas competências em nos comunicarmos com

pessoas/públicos diferentes em situações distintas.

f) quando escrevemos, também podemos trazer a oralidade para dentro da escrita por

meio de vários recursos: pontuação, manipulação das fontes das letras, apelo direto

ao interlocutor por meio do trabalho com as pessoas do discurso, seleção lexical.

g) por isso é possível dizer que toda escrita apresenta o que Paul Zumthor fala: um

índice de vocalidade, de oralidade;

h) nos gêneros concebidos para serem impressos, também é possível ocorrer a

elaboração de identidades sociais em função de propósitos comunicativos específicos.

Ampliando o conhecimento 1

Como você pode notar, professor(a), nosso Tema 1 foi bastante baseado no livro de

Luiz Antônio Marcuschi Da fala para a escrita: Atividades de retextualização, de 2001.

A leitura integral do livro seria indicada.!

Apresentação: Este livro de Luiz Antônio Marcuschi,

pesquisador e professor titular de Linguística da

Universidade Federal de Pernambuco, apresenta uma visão

nova, rigorosa e sistemática das relações entre fala e escrita

e constrói um modelo operacional para o tratamento das

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estratégias realizadas na passagem do texto falado para o texto escrito. O princípio

geral subjacente à obra é a visão não dicotômica das relações entre a oralidade e

escrita.

Outra indicação interessante é o material elaborado pelo

Centro de Estudos em Educação e Linguagem - CEEL, da

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), voltado para

as práticas dos professores e editado pela Autêntica, em

2005. A coletânea foi organizada por Luiz Antônio Marcuschi

e Ângela Paiva Dionísio.

Apresentação: A distinção entre fala e escrita vem sendo

feita na maioria das vezes de uma maneira ingênua e numa

contraposição simplista. As posições continuam

preconceituosas para com a oralidade. Por isso, julgamos

importante explicitar tanto a perspectiva teórica das

abordagens como as noções centrais de oralidade e

letramento; fala e escrita, língua; gênero, texto,

multimodalidade, interação, diálogo e muitas outras. Tratamos

da produção textual falada e escrita e observamos o

funcionamento da língua em sociedade.

Você pode baixar o livro na íntegra clicando aqui.

Fonte das imagens: (1) http://linguisticabr.wordpress.com/2011/09/26/da-fala-para-a-escrita-atividades-de-retextualizacao/ (2)

http://dc97.4shared.com/doc/r3lalR4L/preview.html, acesso em 23/02/2012.

Ampliando o conhecimento 2

WEBGRAFIA

Alguns TEXTOS interessantes podem ser obtidos na Internet, tais como:

BOTELHO, J. M. Entre a oralidade e a escrita: um contínuo

tipológico. Cadernos do CNLF, Série VIII, nº 7, s/p.

Disponível em:

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http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-05.html, acesso em 26/02/2011.

GALVÃO, A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Oralidade e escrita: uma revisão. Cadernos de

Pesquisa, v. 36, nº 128, p. 403-432, maio/ago 2006. Disponível em:

http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a07, acesso em 26/02/2011.

Também alguns VÍDEOS podem interessar:

ENTRE A IMAGEM E A PALAVRA - COLEÇÃO LUIZ ANTONIO MARCUSCHI

SINOPSE: Trecho do vídeo "Entre a imagem e a palavra: reflexões sobre fala, escrita

e ensino", parte integrante da Coleção Luiz Antonio Marcuschi, iniciativa do Programa

de Pós-Graduação em Letras da UFPE. Direção/Edição: Augusto Noronha e Karla

Vidal. Seleção de imagens: Angela Paiva Dionisio. Obras Utilizadas: Programa Mídia

Café - TV UNISINOS - São Leopoldo/RS, Fala e Escrita. Realização: Ministério da

Educação e CEEL/UFPE; Produção: D7 Filmes; Apoio: UFPE - Recife/PE, III SIGET -

Simpósio Internacional de Estudos de Gêneros Textuais.

Fonte das imagens: (1) Redefor, (2) http://www.youtube.com/watch?v=XOzoVHyiDew, (3) http://www.youtube.com/watch?v=6y9xK-

9bbcw, (4) http://www.youtube.com/watch?v=UqSfGyR1ERA, acesso em 20/02/12

Ampliando o conhecimento 3

Finalmente, para melhor poder acompanhar a comparação entre o comentário

radiofônico de Arnaldo Jabor sobre o filme "O Segredo de Brokeback Mountain" e a

correspondente crônica escrita e publicada no Jornal O Globo, seria interessante

assistir ao filme, não é? Tenho certeza de que você vai gostar, pela delicada

abordagem da questão que o filme constrói. Veja alguns dados a respeito:

SINOPSE

Dois caubóis se conhecem no interior do Wyoming,

onde cuidam de um rebanho de ovelhas. Lá surge um

amor mútuo que será compartilhado durante os 20 anos

seguintes, em intervalos irregulares, mesmo depois de

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casados, cada um com sua mulher e filhos. Indicado a

oito Oscar 2006.

FICHA DO FILME

Título original: Brokeback Mountain

Diretor: Ang Lee

Elenco: Heath Ledger, Jake Gyllenhaal, Michelle

Williams

Gênero: Drama

Ano: 2005

Cor: Colorido

Classificação: Não recomendado para menores de 16

anos

País: EUA

Para ler uma RESENHA, clique aqui.

Veja o TRAILER, clicando aqui.

Referências Bibliográficas

BARROS, D. L. P. Interação em anúncios publicitários. In: D. PRETI. (Org.). Interação

na fala e na escrita. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2002, v. 05, p. 17-

44.

FÄVERO, L. L.; JUBRAN, C.C.A.S.; HILGERT, J.G. et alli. Interação em diferentes

contextos. In: A.C. BENTES; M.Q. LEITE (Orgs.) Linguística de texto e análise da

conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2010,

p. 91-158.

HILGERT, J. G. A oralidade em textos de divulgação científica para crianças. In: D.

PRETI. (Org.). Oralidade em textos escritos. São Paulo: Associação Editorial

Humanitas, 2009, v. 10, Pp. 217-248.

KOCH, I. V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

LEITE, M. Q. Oralidade, escrita, gênero e mídia: Entrelaçamentos. In: D. PRETI.

(Org.). Oralidade em diferentes discursos. São Paulo: Associação Editorial

Humanitas, 2006, v. 8, Pp. 85-110.

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MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: Atividades de retextualização. São Paulo:

Editora Cortez, 2001. 1ª. ed.

SILVA, L. A. Oralidade em contos de Luiz Vilela. In: D. PRETI. (Org.). Oralidade em

textos escritos. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2009, v. 10, p. 151-187.

TRASK, R. L. Dicionário de Linguagem e Linguística. São Paulo: Contexto, 2004.

Tradução e adaptação de Rodolfo Ilari.

ZUMTHOR, P. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte, Minas Gerais: Editora da

UFMG, 2010.

Tema 2. O trabalho com gêneros orais: teoria e prática

Tópico 1 - O trabalho com gêneros orais formais na escola

Um início de conversa

Trabalhar com gêneros textuais na escola é uma das

tarefas mais exigidas dos professores hoje.

Desde que os Parâmetros Curriculares Nacionais foram

publicados, em 1997, os gêneros textuais transformaram-

se em um dos principais objetos escolares no ensino de

Língua Portuguesa

Como já vimos na disciplina LP003, os gêneros e os

textos que são exemplares de cada gênero são

entidades de natureza flexível, maleável, mas também

apresentam uma grande estabilidade, porque servem para a organização dos

conhecimentos e para a regularização das diferentes práticas de linguagem das

diferentes esferas sociais no interior das quais são produzidos.

Por isso, neste Tema 2, vamos dar continuidade a algumas das discussões feitas na

disciplina LP003, mas agora, com o foco na compreensão da importância do trabalho

com gêneros orais.

Para tanto, vamos trabalhar com dois gêneros importantes dentro e fora da escola: a

exposição oral e o debate. Escolhemos esses dois gêneros porque:

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· eles se configuram como gêneros orais formais públicos (Os gêneros orais

formais públicos constituem as formas de linguagem que apresentam

restrições impostas do exterior e implicam um controle mais consciente e

voluntário do próprio comportamento para dominá-los. São, em grande parte,

pré-# - 0 ! " ! # , ) % � 1 2 * -/ , # ! 0 ! / # , ) $ 1 , 2 / , " 3 - " 4 5 - ) 6 7 - , ) 2 - 8 7 ( + - 6 7 - # - 0 ! " - +o seu sentido institucional. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004[1998], p. 147));

· eles dificilmente podem ser aprendidos e exercitados, em suas versões mais

formais, fora da escola;

· eles são um dos mais poderosos instrumentos de inserção social e de

exercício da cidadania.

Neste Tema, vamos procurar apresentar alguns procedimentos importantes que

podem servir de instrumento para o trabalho com os gêneros orais formais públicos na

sala de aula:

a) observação dos sujeitos na situação imediata de produção de um determinado

exemplar do gênero estudado;

b) reflexão sobre os mais importantes elementos do exemplar do gênero estudado.

Fonte das imagens: (1) http://www.nysut.org/images/content/voice_080421_early_literacy14.jpg, (2)

http://www.sfsh.org.pk/Women%20Literacy.htm,http://www.cloudbase.co.nz/2008/02/25/graffiti-wallpaper-set-for-iphone-ipod-touch/, (3)

http://diariodonordeste.globo.com/imagem.asp?Imagem=309060, (4) http://mandamarie.files, (5) wordpress.com/2008/01/dscn0257.jpg,

(6) http://www.pembrokepublishers.com/books/48a5a173044ee.jpg, acesso em 20/01/2009.

Ponto de partida

Nosso principal ponto de partida para o trabalho

com gêneros na escola é o seguinte princípio,

elaborado por Schneuwly e Dolz (2004[1997], p.

69):

Toda introdução de um gênero na escola é o

resultado de uma decisão didática que visa a

objetivos precisos de aprendizagem que são

sempre de dois tipos:

- trata-se de aprender a dominar o gênero para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para

melhor saber compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela;

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- e, em segundo lugar, de desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que

são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes.

Ao longo deste Tema, como vimos, discutiremos algumas das complexidades que

envolvem a produção de dois gêneros orais formais públicos: a exposição oral e o

debate. No entanto, para transformá-los em objetos de ensino, é preciso que

tenhamos claro que devemos trabalhar com eles com base nas seguintes ações:

· observação do exemplar do gênero em questão;

· sistematização de suas principais características;

· compreensão dos fatores que possibilitam sua compreensão (intencionalidade

(A intencionalidade está relacionada ao fato de que, para que uma

manifestação linguística qualquer seja considerada como um texto, é

necessário que haja uma intenção por parte do produtor de que ela apresente

coesão e coerência.), aceitabilidade (A aceitabilidade é a contrapartida da

intencionalidade, já que um texto somente poderá ser considerado como tal se

para os interlocutores ele tiver alguma utilidade ou relevância.),

situacionalidade (A situacionalidade está relacionada à inserção do texto numa

determinada situação comunicativa. A situação comunicativa interfere na

maneira como o texto é constituído e o texto, por sua vez, também possibilita

determinados impactos sobre a situação comunicativa mais imediata e mais

ampla.));

· conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero;

· produção do gênero na sala de aula.

Fonte da imagem: http://profranciscamoura.blogspot.com/2009/10/tp-3-generos-e-tipos-textuais.html, acesso em 08/03/2011.

Mãos à obra

Vamos agora observar o vídeo abaixo.

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Agora, reflita sobre as seguintes questões:

· Esse vídeo nos mostra uma palestra?

· Podemos dizer que uma palestra é um forma de exposição oral?

· A palestra de Daniel Godri não é o exemplo mais prototípico de palestra. Por

quê?

· Podemos dizer que Daniel Godri é um especialista?

· Se sim, qual sua especialidade?

· No que essa especialidade se diferencia de outras especialidades, tais como a

especialização científica?

Fonte da imagem: http://www.youtube.com/v/Z9h0lRMlgAI, acesso em 08/03/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 1

Em geral, quando falamos de gêneros orais

formais públicos, não pensamos em um tipo

de fala como a de Daniel Godri a que você

acabou de assistir.!

Pensamos logo que uma palestra é um tipo de

fala pública muito formal. No entanto, a fala de

Daniel Godri, presidente do Instituto Brasileiro

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de Marketing, formado em Administração e com pós-graduação em Metodologia do

Ensino Superior, é verdadeiramente uma palestra.

E por que não seria? Por que estamos trazendo essa palestra para começar a falar

sobre o trabalho com gêneros orais formais públicos na aula de Língua Portuguesa?

Em primeiro lugar, porque, apesar de Daniel Godri mobilizar uma série de recursos de

forma a criar um ambiente de proximidade entre o palestrante e a plateia, essa fala

pode ser qualificada como uma palestra, isto é, a fala de alguém que é especialista

em algo e que vai nos transmitir uma série de informações sobre um tema que

não dominamos e sobre o qual desejamos saber mais.

Sendo assim, um gênero oral formal público como uma palestra pode ser produzido

sem criar um efeito de afastamento entre orador e plateia/público. Aliás, é exatamente

por isso que alguns palestrantes fazem muito sucesso: porque conseguem criar um

ambiente de descontração e, com isso, produzem um grande envolvimento do público,

de forma que este pode, então, ficar completamente concentrado em sua

performance.

Fonte da imagem: Redefor

Colocando os conhecimentos em jogo 2

É exatamente esse o caso de palestras como de Daniel Godri. Ele faz com que nos

concentremos em sua performance por muitas razões. Vamos falar de algumas delas.

(Clique aqui para ver a transcrição dos minutos iniciais da fala)

I. Em primeiro lugar, porque ele usa a seu favor (como palestrante) e em favor dos

conteúdos que quer passar, toda a natureza multissemiótica da fala. Vamos lembrar o

que isso quer dizer neste contexto específico? Quer dizer que ele trabalha, manipula,

por exemplo, recursos da voz, que possibilitam que os conteúdos sejam

"emoldurados" por sentidos sociais específicos. Assim, enquanto ele fala, ele não

apenas fala, mas trabalha, modula sua voz para que ela deixe transparecer suas

emoções (alegria, tristeza, empolgação etc.) em relação ao que está dizendo. Daniel

Godri também manipula a sua prosódia ("Variações em altura, volume, ritmo e tempo

(velocidade de emissão) durante a fala. [...] Os fenômenos prosódicos são

notoriamente difíceis de estudar, mas progressos consideráveis foram feitos no estudo

de pelo menos alguns deles. Ainda assim, alguns manuais elementares de fonética e

fonologia só raramente discutem os traços prosódicos com algum grau de detalhe."

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(TRASK, 2004, p. 242) Na sala de aula, um importante trabalho com os recursos

prosódicos envolveria o incentivo à auto-observação da velocidade de fala (fala rápida

& fala ralentada & fala lenta) e das possibilidades de variação ou modulação da altura

da voz nos diferentes contextos de produção de fala. Por exemplo, a velocidade de

fala e as variações na altura da voz - entoação - no contexto de leitura de um texto

podem e devem ser bem diferentes das de uma encenação/performance do mesmo

texto.), de forma a falar mais devagar ou mais rápido, mais alto ou mais baixo, quando

lhe interessa, e ainda dando modulações à sua voz de forma a enfatizar os momentos

de transição entre as diferentes partes do texto.

II. A natureza multissemiótica da fala também pode ser percebida nessa palestra

porque o palestrante, enquanto fala, apresenta variadas expressões faciais e uma

gestualidade bastante treinada (ver, por exemplo, os momentos em que ele usa o ato

de assoprar o balão como uma forma de pontuar partes do texto e também de

enfatizar determinados conteúdos), que complementa aquilo que está sendo falado.

Além disso, a movimentação corporal do palestrante é também bastante ensaiada

(ver, por exemplo, os momentos em que ele sobe e desce uma escada).

III. Todas essas outras linguagens (qualidade da voz, recursos prosódicos - velocidade

de fala, ritmo de fala, entoação -, gestualidade, expressividade facial e corporal),

combinadas com a linguagem verbal, formam esse quadro multissemiótico da palestra.

Ou seja, quando falamos, nos damos a ver aos outros e não apenas nos fazemos

ouvir.

IV. O recurso discursivo mais importante trabalhado por Daniel é a metáfora de

pessoas "bola murcha" versus pessoas "bola cheia". Essa comparação, que é

trabalhada ao longo do texto, e a caracterização de cada um destes "tipos" por meio

de encenações específicas é o principal recurso discursivo que dá a estruturação do

texto. Essa metáfora é presentificada pelo objeto balão que fica na mão do orador

durante sua fala.

Colocando os conhecimentos em jogo 3

V. O texto oral de Daniel Godri é também muito bem organizado e é construído por

meio de alguns recursos que facilitam a sua memorização. A estrutura composicional

do texto pode ser descrita como dividida em três partes:

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a) de como se pode ser um "bola cheia";

b) de como se pode ser um "bola murcha"; e

c) de como é difícil se manter um "bola cheia" sem "estourar".

VI. Os recursos textuais mais usados por Daniel Godri são as recorrências (Recurso

textual importante para a estruturação dos textos que consiste no uso

reiterado/repetido de termos, de estruturas e de conteúdos.) de termos (Um exemplo

de recorrência de termos presente no texto oral de Daniel Godri é o reiterado uso da

expressão "mãe", iniciando vários enunciados durante um certo trecho do texto.), de

estruturas (No texto de Daniel Godri, alguns exemplo de recorrência de estruturas são

o uso de "você começa a" (cinco vezes) e também de "o bola murcha não quer que

você ...., ele quer que você ..." (duas vezes).) e de conteúdos e as sequências

dialogais (Como vimos na disciplina LP003, sequências dialogais são aquelas nas

quais "as enunciações encontram-se localizadas em turnos de fala, que são

naturalmente emparelhados sob a forma de intercâmbios bipartidos e ligados, entre si,

por uma certa tematicidade. (PASSEGI et al., 2010, p. 294). No caso do texto de

Daniel Godri, as sequências dialogais ocorrem quando ele encena esses turnos de

fala, performatizando, por exemplo, um diálogo entre "você" e "sua mãe" ou ainda

performatizando diálogos entre "você" e um "bola murcha".) que envolvem um "você"

genérico e outras personagens, sendo que o orador coloca em cena ou apenas um

deles ou os dois ao mesmo tempo (ver, por exemplo, o diálogo imaginário deste "você"

com a mãe, o diálogo entre um "bola cheia" ("você") e um "bola murcha" e as falas de

diferentes personagens - o chefe, o colega, o cliente, a mulher, o filho, a sogra -

dirigidas ao "você" genérico). Esse "você" genérico é também um recurso textual

importante porque cada um dos membros da plateia pode se identificar pessoalmente

com ele a cada vez que é enunciado.

VII. Por fim, a encenação dos diálogos confere ao texto oral um "ar de conversa" entre

o palestrante e o público ("você").

(Clique aqui para ver a transcrição dos minutos iniciais da fala)

Fonte da imagem: http://www.youtube.com/v/Z9h0lRMlgAI, acesso em 08/03/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 4

Voltemos, então, a Schneuwly e Dolz (2004[1997], p. 143):

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A ação de falar realiza-se com a ajuda de um gênero, que é um instrumento

para agir linguisticamente. É um instrumento semiótico, constituído por signos

organizados de maneira regular; esse instrumento é complexo e compreende

diferentes níveis. Eis porque o chamamos de "megainstrumento", para dizer

que se trata de um conjunto articulado de instrumentos, um pouco como uma

fábrica. Mas fundamentalmente se trata de um instrumento que permite

realizar uma ação em uma situação particular. E aprender a falar é apropriar-

se dos instrumentos para falar em situações de linguagem diversas, isto é,

apropriar-se de gêneros.

Considerando a definição acima, podemos nos perguntar: qual ação Daniel Godri

realizou por meio desse trecho de sua palestra? As palestras de Daniel Godri e esta

que vimos parece que pretendem fundamentalmente "motivar" a pessoa que a

ouve/vê. Por isso, o nome de suas palestras: "palestras motivacionais".

É em função desse objetivo principal que os recursos antes descritos são mobilizados,

manipulados, manejados pelo orador. Sendo assim, suas palestras não vão implicar

em explicações mais técnicas sobre um dado tema, como seria o caso da palestra

científica. Seu objetivo maior é o de aproximar e envolver seu público de forma a

revelar-lhe uma "verdade" e de forma a fazer com que cada um dos seus

interlocutores acredite na sua "mensagem": a de que se deve ser um "bola cheia", mas

sem se deixar "estourar".

Sendo assim, um gênero oral formal público, como a palestra, pode apresentar muitos

formatos, de acordo com sua esfera de circulação. No caso estudado, o que chama a

atenção são os recursos que possibilitam a aproximação e o envolvimento do público

com o palestrante. Chama mais atenção ainda a linguagem informal (No próximo

tópico, nos concentraremos em observar a variação linguística que pode acontecer em

função de vários fatores e dimensões sociais. A informalidade na fala derivaria de uma

conjugação de fatores tais como o tipo de relação entre os participantes da interação

(próxima ou distante) e o status (alto ou baixo) de cada um. Assim, a linguagem

informal emerge quando estamos "relaxados" ou "livres de pressões". Na linguagem

informal, podemos, por exemplo, fazer uso de contrações ("cê"), de marcadores

conversacionais ("né", "aí"), de gírias etc.) da palestra e mobilização de uma metáfora

popular ("Bola murcha" & "Bola cheia") como principal recurso de estruturação textual-

discursiva.

No entanto, mesmo não sendo uma palestra prototípica, a palestra de Daniel Godri

nos mostra como alguém que se propõe a falar em público por meio de um

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determinado gênero tem a sua disposição um variado conjunto de recursos de

natureza multissemiótica que possibilitam aos gêneros orais formais públicos

exercerem um fascínio muito especial em relação àqueles aos quais são dirigidos.

Finalizando

Ao longo desse tópico, aprendemos que:

a) Os gêneros orais formais públicos apresentam sempre uma natureza

multissemiótica (texto verbal, prosódia, modulação da voz, gestualidade,

movimentação corporal, expressões faciais etc.);

b) Os gêneros orais formais públicos tais como a palestra apresentam muitos

formatos, ou seja, são variáveis, de acordo com sua esfera de circulação;

c) Uma palestra, que é um gênero oral formal público, pode apresentar uma linguagem

informal;

d) Uma palestra é um gênero oral formal público porque é previamente planejada,

pensada, sendo que cada um dos recursos que a compõem e que parecem ser tão

naturais e espontâneos resultam, na verdade, de um trabalho sobre as diferentes

linguagens para um fim específico; e

e) O ensino de gêneros orais formais públicos pressupõe que os observemos e que

procuremos compreender - para podermos ensinar - como sua natureza

multissemiótica contribui para a construção dos sentidos, e por meio de quais recursos

e formatações.

Tópico 2: Trabalhando com a exposição oral

Um início de conversa

No Tópico anterior, vimos que um exemplo

clássico de exposição oral, como a palestra

motivacional de um especialista em marketing

pessoal, pode ter um formato pouco

canônico, mas, ainda assim, é um gênero oral

formal público porque:

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· é previamente planejado de forma a conseguir surtir determinados efeitos em

seus ouvintes; e

· é produzida por alguém considerado um especialista em um campo específico

do conhecimento.

Neste Tópico 2, vamos trabalhar mais especificamente com a caracterização da

exposição oral e vamos retomar alguns pressupostos que devem ser considerados ao

se trabalhar com a linguagem oral na sala de aula.

Para tanto, vamos fazer o seguinte:

· em um primeiro momento, vamos trabalhar com a comparação entre a palestra

que vimos no tópico anterior e uma coluna radiofônica de Mauro Halfeld,

especialista em Economia que tem um quadro na Rádio CBN; e

· em um segundo momento, vamos retomar alguns pressupostos teóricos sobre

o trabalho com a linguagem oral em sala de aula, mais especificamente, o

trabalho com a exposição oral.

Fonte da imagem: Redefor

Ponto de partida

Vamos ouvir o áudio de Mauro

Halfeld, economista que tem um

quadro e/ou coluna radiofônico/a na

Rádio CBN, na parte da manhã, no

qual responde a perguntas dos

ouvintes sobre questões de economia

doméstica. Vamos acompanhar o

áudio com a transcrição e vamos tentar refletir a partir das seguintes perguntas:

· Quais as principais diferenças entre a fala de Mauro Halfeld e a fala de Daniel

Godri?

· Avalie essas diferenças considerando os seguintes aspectos:

1. A velocidade da fala - Quem fala mais pausadamente? Por quê?

2. A altura da voz - Quem fala mais alto? Por quê?

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3. O vocabulário - Quem usa vocabulário técnico? Por quê?

4. Planejamento do texto: Qual texto apresenta uma maior grau de improvisação?

Por quê?

Fonte da imagem: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/mauro-halfeld/2011/03/04/MUDEI-DE-CIDADE-E-VENDI-O-

APARTAMENTO-COMPRO-OUTRO-OU-INVISTO-E-VIVO-DE-ALUGUEL.htm, acesso em 08/03/2011.

Mãos à obra

O que aproxima os dois gêneros orais formais públicos com os quais tivemos contato

até agora, a palestra e o quadro e/ou coluna radiofônico/a de Mauro Halfeld na Rádio

CBN?

Em primeiro lugar, ambos são

proferidos por especialistas. Esta é

uma primeira característica das

exposições orais: o produtor é um

especialista que fala, em geral, porque

alguém lhe pede uma explicação e/ou

instrução sobre um dado tema e/ou

procedimento.

Em segundo lugar, vejamos o que

dizem Dolz e Schneuwly (2004[1998],

p. 147) sobre os gêneros orais formais

públicos:

Os gêneros orais formais públicos constituem as formas de linguagem que

apresentam restrições impostas do exterior e implicam, paradoxalmente,

um controle mais consciente e voluntário do próprio comportamento para

dominá-las. São, em grande parte, pré-definidos, "pré-codificados" por

convenções que os regulam e que definem o seu sentido institucional.

Mesmo que se inscrevam numa situação de imediatez, já que muito

frequentemente a produção oral se dá em face dos outros, as formas

institucionais do oral implicam modos de gestão mediados, que são

essencialmente individuais. Exigem antecipação e necessitam, portanto,

preparação.

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Podemos agora compreender melhor que os dois gêneros formais públicos aos quais

tivemos acesso, a palestra de Daniel Godri e o quadro e/ou coluna radiofônico/a de

Mauro Halfeld na CBN, possuem uma segunda característica em comum: são

previamente planejados.

Fonte da imagem: foto cedida pelo autor Miguel Paiva, ao Redefor

Colocando os conhecimentos em jogo 1

Então, tanto a palestra de Daniel Godri como a coluna radiofônica de Mauro Halfeld

compartilham as seguintes características:

a) são gêneros orais formais públicos;

b) são formas de exposição oral, caracterizadas por serem proferidas por um

especialista sobre um determinado tópico de interesse do público a quem se destina; e

c) são textos de natureza instrucional (seja isso, faça aquilo), mas que mobilizam

variados recursos que acabam por não deixar explícita essa natureza instrucional.

No entanto, esses dois gêneros se diferenciam em função de alguns aspectos que

envolvem a situação mais imediata de produção:

a) são veiculados por diferentes meios: o audiovisual (no caso da palestra) e o

sonoro (no caso do quadro ou da coluna radiofônico/a);

b) discorrem sobre tópicos distintos: motivação pessoal (no caso da palestra) e

economia doméstica (no caso do quadro radiofônico); e

c) pressupõem diferentes públicos: profissionais em formação continuada, no caso

da palestra, e público adulto que quer aconselhamento sobre temas de economia

doméstica, no caso da coluna radiofônica.

Colocando os conhecimentos em jogo 2

Essas diferenças possibilitam um grande impacto sobre o texto oral produzido. Quais

são alguns dos aspectos desse impacto?

a) em função dos diferentes meios de veiculação (audiovisual ou sonoro), a fala de

cada um dos especialistas apresenta características bastante distintas: fica mais

pausada, menos alta e mais planejada no caso do quadro radiofônico; e mais rápida,

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mais alta e com um grau maior de improvisação, no caso da palestra; além disso, os

outros recursos multissemióticos (gestualidade, movimentação e expressividade

corporal e facial) são fundamentais para a construção dos sentidos na palestra mas

não podem ser mobilizados no quadro radiofônico, materializado em ondas sonoras.

b) em função dos diferentes tópicos sobre os quais os especialistas discorrem, o

léxico se apresenta bem diferente: na palestra, não há a presença de um vocabulário

técnico; bem ao contrário, são mobilizadas metáforas populares e um conjunto de

palavras que estão presentes na fala coloquial e/ou informal; no quadro radiofônico,

um vocabulário mais especializado é mobilizado.

c) em função dos diferentes públicos, os recursos textuais são diferenciados: na

palestra, predomina a exemplificação por meio da encenação de diálogos porque se

quer envolver e motivar o público; no quadro radiofônico, em função da necessidade

de se fazer um esclarecimento para uma dúvida, as sequências são expositivas, nas

quais há o predomínio das explicações (é bom comprar uma moradia porque é o

melhor investimento).

Colocando os conhecimentos em jogo 3

Considerando que o planejamento prévio é

uma das características fundamentais dos

gêneros orais formais públicos, podemos

dizer que ambos os gêneros analisados

envolvem atividades de retextualização

(Como já vimos no Tema 1, as atividades de

retextualização podem ser definidas como a

passagem de uma modalidade (por exemplo,

oral) para outra (por exemplo, escrita) e

pressupõem duas outras operações: a

idealização e a transformação. Essas operações/atividades, apesar de revelarem

ajustes e, muitas vezes, reordenações mais amplas, não devem afetar os conteúdos

fundamentais do texto-base.). E, provavelmente, na direção da escrita para a fala, mas

também da fala para a fala.

Essa questão nos leva a perguntar: � 9 � � nto a fala de Mauro Halfeld é apenas uma leitura de um texto escrito, já que

ninguém o está vendo?

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� 9 � � � � � � � � � � � � � : � � � � ; � dri foi previamente "ensaiada"?

Na tentativa de responder a essas questões, vamos pensar:

Quando vamos fazer uma fala pública (quando somos demandados por nossos

amigos, por exemplo, a fazer um pequeno discurso em homenagem a um

aniversariante, amigo em comum), ensaiamos antes ou não? Escrevemos algo (um

roteiro ou mesmo um texto inteiro) antes ou não?

Provavelmente, a resposta é sim. E provavelmente o nosso discurso de homenagem

será uma retextualização tanto do "ensaio" quanto do texto ou do roteiro (caso

tenhamos feito um).

Por isso é que dissemos, no Tema 1, que não há uma relação de oposição entre as

duas modalidades, oral e escrita. Mas sim, que elas são complementares, ou seja,

elas contribuem de forma prática para a produção dos textos dos gêneros.

Fonte da imagem: Redefor

Colocando os conhecimentos em jogo 4

Sendo assim, se considerarmos as observações iniciais dos gêneros que fizemos,

podemos levantar alguns pressupostos do trabalho com a oralidade na sala de aula,

mas, mais especialmente, os pressupostos do trabalho com os gêneros orais formais

públicos:

· Trabalhar a oralidade não apenas como um meio para a exploração de

diversos outros objetos de ensino - a leitura, a produção de textos escritos e o

tratamento de aspectos gramaticais -, mas como um objeto de ensino por si

mesmo: ensinar a performar a fala formal e pública (MENDES, 2005).

· Trabalhar a oralidade e, principalmente, os gêneros orais formais públicos,

como formas efetivas de comunicação que são, ao mesmo tempo, legítimos

objetos de ensino.

· Considerar a oralidade não em termos de diferenças estanques em relação à

escrita, mas trabalhando suas diferentes funcionalidades e possibilidades de

interrelação entre ambas.

· Trabalhar a oralidade (ou os textos escritos profundamente influenciados pela

oralidade) não como um lócus privilegiado para uma reflexão sobre possíveis

"erros" ou impropriedades, passando quase que imediatamente à correção

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desses mesmos erros ou impropriedades. É importante que percebamos que a

correção gramatical é usada de forma estratégica nos gêneros orais formais

públicos. O melhor exemplo disso é a fala de Daniel Godri, que apresenta uma

série de "erros" gramaticais que jamais seriam corrigidos por seu público, já

que, sem esses "erros", sua fala não seria considerada envolvente e o efeito de

proximidade com o público desapareceria.

· Não enfatizar excessiva e predominantemente o trabalho com o que

poderíamos chamar de uma "oralidade higienizada e normalizada", que

privilegia o exercício de práticas orais cultas e formais. Se entendemos que os

gêneros orais e escritos se situam em um continuum, não há porque trabalhar

apenas com as pontas desse contínuo. A chamada "oralidade padrão" é

produzida em contextos muito especiais e somente podemos chegar a ela de

forma gradual, considerando a relação de aproximação, contraste e/ou conflito

com outras práticas orais, mais coloquiais - privadas ou públicas -, menos

formais - privadas ou públicas (BENTES, 2010; 2011).

Colocando os conhecimentos em jogo 5

Uma sugestão de trabalho com a linguagem oral e

com a produção gradual e contínua de exposições

orais curtas, dependeria da eleição de novos

objetos de ensino. Por exemplo, o estudo de

Azanha (2008), intitulado "Gêneros televisivos na

escola: A co-construção dos sentidos nas

interações de alunos do ensino médio", mostrou

que a exploração dos gêneros midiáticos como

notícias, comentários e entrevistas televisivas, com o objetivo principal de fazer com

que os alunos construam, de forma colaborativa e conjunta, os conhecimentos sobre

os sentidos veiculados nesses e por esses gêneros, contribui para que, em primeiro

lugar, os alunos aprendam a ouvir o outro. Trabalhar com o campo da oralidade

pressupõe necessariamente a contínua "apuração do ouvido".!

Além disso, o referido estudo também mostra que, quando colocados em uma

situação de interação mais simétrica (sem a intervenção, mas com a supervisão do

professor) e no contexto de um grupo menor de participantes (de quatro a seis

pessoas), os alunos passam a ter uma postura diferenciada: envolvem-se com a

atividade de linguagem proposta, elegem o outro como interlocutor legítimo (o que tem

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um impacto imediato na maneira como formulam e reformulam sua produção

discursiva), apresentam uma atitude colaborativa em relação ao que os interlocutores

dizem e também conseguem discordar e/ou entrar em conflito com o(s) outro(s) de

forma polida.

Sem falar que os alunos passam a, de fato, exercitar e refletir sobre as outras

linguagens próprias dessa situação comunicativa específica (direcionamento do olhar,

gestualidade e expressão facial).

A eleição de novos objetos de ensino - a própria aula, os gêneros midiáticos

(radiofônicos, televisivos ou cinematográficos) e digitais (vídeos e áudios da Internet) -

é de importância vital para que o trabalho com a fala/oralidade surta os efeitos

desejados por todos.

Fonte da imagem: http://olhodopovo.blogspot.com/2008/10/telejornal-sic-e-tvi.html, acesso em 08/03/2011.

Finalizando

Vimos até aqui que, com base em Dolz e Schneuwly (2004[1998], p. 146-147) e em

Dolz, Schneuwly, De Pietro e Zahnd (2004[1998], p. 185-187), podemos dizer que:

I. A noção de oral formal adotada até aqui nada tem a ver com prescrições normativas

("certo" ou "errado") em termos de pronúncia, de verbalização de palavras ou de

enunciados. "As características do oral formal decorrem das situações e das

convenções ligadas aos gêneros." (p. 146)

II. Os gêneros orais realizados em público (conto oral, palestra, debate, quadros

(radiofônicos ou televisivos) etc.) são diferentes linguística e discursivamente e seus

graus de formalidade dependem do lugar social de comunicação no interior dos quais

os gêneros se realizam (rádio, televisão, igreja, escola, universidade, administração

etc.). (p. 146)

III. Os gêneros orais formais públicos devem ser trabalhados na sala de aula de

Língua Portuguesa, porque o papel da escola é fazer com que os alunos ultrapassem

as formas cotidianas de produção oral, levando-os a confrontar essas suas formas

cotidianas de produção oral com outras formas mais institucionais. (p. 147)

IV. Essas formas orais mais institucionais, fortemente definidas e reguladas do

exterior, dificilmente são aprendidas sem uma intervenção didática. (p. 147)

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V. A exposição oral pressupõe um especialista que vai falar para um público que

espera aprender algo com ele. (p. 186)

VI. O papel do expositor-especialista é o de transmitir um conteúdo, ou, dito de outra

forma, de informar, de esclarecer, modificar os conhecimentos dos ouvintes nas

melhores condições possíveis, procurando diminuir a assimetria de conhecimentos

que distingue o especialista do seu público (p. 186)

VII. A exposição oral é altamente planejada (em vários níveis) e exige que o

especialista organize o texto de forma a que este apresente uma progressão temática

clara e coerente em função da conclusão visada. (p. 187)

Atividade autocorrigível 3

Leia com atenção os enunciados abaixo:

I. A noção de oral formal proposta pela escola genebrina nada tem a ver com

prescrições normativas ("certo" ou "errado") em termos de pronúncia, de verbalização

de palavras ou de enunciados.

II. Os gêneros orais realizados em público como por exemplo o conto oral, a palestra,

o debate etc. são diferentes linguística e discursivamente e apresentam diferentes

graus de formalidade.

III. O objetivo do trabalho com os gêneros orais formais públicos é o de levar os alunos

a confrontarem suas formas cotidianas de produção oral com outras formas mais

institucionais.

IV. Os gêneros orais formais públicos são adquiridos espontaneamente.

V. A exposição oral pode ser feita por qualquer pessoa, mesmo que não esteja

preparada para desempenhar tal tarefa.

Agora escolha a alternativa correta e pouse o cursor sobre o marcador da alternativa

escolhida (letra) para conferir suas respostas:

a) Apenas II, III e V estão corretas;

b) Apenas I, III e V estão corretas.

c) Apenas I, III e IV estão corretas;

d) Apenas I, II, III e IV estão corretas;

e) Apenas I, II e III estão corretas;

Respostas

a) Incorreta

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b)!Incorreta

c)!Incorreta

d)!Incorreta

e)!Correta porque as alternativas IV e V são incorretas.

Tópico 3: Trabalhando com o gênero debate

Um início de conversa 1

Neste Tópico, iremos abordar um outro gênero oral formal público, constitutivo das

práticas de linguagem das diferentes mídias (televisiva, radiofônica, digital etc.) e

também constitutivo das práticas de linguagem de muitas outras instituições (escola,

igreja, câmara de deputados, assembléia

sindical, fórum criminal etc.): o debate.

Como vimos até aqui, tanto nas disciplinas

anteriores como nesta disciplina, um gênero

textual, seja ele produzido oralmente, por

escrito ou por uma mescla dessas duas (ou de

outras) modalidades, seja ele veiculado

midiaticamente ou não, pode apresentar

formatos bastante distintos, apesar de ser reconhecido, muitas vezes intuitivamente,

em função de sua nomeação, de sua rotulação.

Vimos que um gênero textual como a palestra pode apresentar uma linguagem bem

descontraída e pode estar focada principalmente no envolvimento do ouvinte com o

palestrante, de forma que os conteúdos informacionais novos são concisamente

apresentados, como foi o caso da palestra de Daniel Godri que analisamos no Tópico

anterior.

Vimos também que, tanto na palestra de Daniel Godri como no quadro radiofônico de

Mauro Halfeld, determinados recursos prosódicos são manipulados pelos especialistas

para que determinados objetivos sejam atingidos (envolver o ouvinte, esclarecer uma

questão). Assim, a produção desses gêneros não pode ser desvinculada do domínio

desses recursos prosódicos e de outros recursos semióticos que sejam necessários.

Vamos trabalhar com o gênero debate e observar como ele é produzido em uma

mídia: a televisiva. Analisaremos dois exemplares de um mesmo programa,

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observando que eles se diferenciam um do outro em função da temática e observando

também como essas diferenças causam impactos sobre a linguagem e sobre a

produção textual de seus participantes.

Fonte da imagem: Redefor

Um início de conversa 2

Partiremos da proposta de Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998]) para o trabalho

com o gênero debate público na sala de aula de língua materna. Os autores

concebem esse gênero, dentre outros aspectos, como a explicitação e a negociação

dos motivos de cada um em um contexto de defesa de um ponto de vista, de

uma escolha ou de um procedimento de descoberta.

Para os autores, um pressuposto importante em relação ao trabalho com o gênero

debate é o fato de que este gênero, além de ser predominantemente oral, possibilita

aos alunos o desenvolvimento das capacidades (orais ou escritas) envolvidas na

defesa de um ponto de vista, de uma escolha ou de um procedimento de

descoberta. Algumas dessas capacidades comunicativas específicas são:

· a gestão da palavra entre os participantes;

· a escuta do outro;

· a retomada do discurso do outro em suas próprias intervenções etc.

Sendo assim, os autores afirmam que:

o debate coloca em jogo capacidades fundamentais, tanto do ponto de

vista linguístico (técnicas de retomada do discurso do outro, marcas de

refutação etc.), cognitivo (capacidade crítica) e social (escuta e respeito

pelo outro), como do ponto de vista individual (capacidade de se situar,

de tomar posição, de construção de identidade). (p. 214)

Os autores fazem questão de ressaltar que a sua proposta de trabalho com o gênero

debate encontra-se fundamentada em numerosas teorias da argumentação (o que

implica uma atenção especial em relação aos diversos tipos de argumento, às

diversas formas de refutação (A refutação de um argumento pode ser compreendida

como a ação de negar (mesmo que parcialmente) ou não concordar com o argumento

exposto pelo outro interlocutor. Uma das marcas de refutação mais explícita é o uso

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do próprio "não" ou de "não... mas" antes da enunciação do argumento que vai se

opor ao argumento apresentado.), ao papel dos conectivos e dos marcadores de

orientação argumentativa), mas também sobre estudos que dão importância ao papel

exercido pelo mediador e que focam a construção coletiva, interativa dos sentidos.

Ponto de partida Como ponto de partida, tomaremos a classificação que Dolz, Schneuwly e De Pietro

(2004[1998]) propõem, com base em vários estudos sobre o gênero debate, com

vistas ao trabalho em sala de aula. Os tipos de debates elencados pelos autores são:

o debate de opinião de fundo controverso, o debate deliberativo e o debate para

a resolução de problemas.

O debate de opinião de fundo controverso diz respeito a crenças e opiniões não

visando a uma decisão, mas a uma colocação em comum das diversas posições, com

a finalidade de influenciar a posição do outro, assim como de precisar ou mesmo

modificar a sua própria. Nesse sentido, o debate representa um poderoso meio não

somente de compreender um assunto controverso por suas diferentes facetas, mas

também de forjar uma opinião ou de transformá-la. (p. 215)

O debate deliberativo, no qual a

argumentação visa a uma tomada de

decisão, é necessário cada vez que há

escolhas ou interesses opostos. Nesse

caso, o debate pode propiciar a emergência

de soluções originais, que integram posições

anteriormente opostas. Os exemplos podem

ser os seguintes: "Aonde ir na viagem de

formatura"? "Que livros ler coletivamente?"

"Deve-se fazer uma festa para recolher

fundos para ajudar na construção de uma

escola no Haiti?" (p. 215)!

O que está em jogo no debate para a resolução de problemas é a busca de

soluções, a partir da gestão do conjunto de saberes distribuídos (em geral, de forma

parcial e assimétrica) pelo grupo de debatedores. Exemplos de questões que

possibilitam esse debate em sala de aula: "Por que acontece o eclipse lunar?" "Uma

maçã é jogada do alto do mastro. Ela cai perto ou longe do mastro?" (p. 216)

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Fonte da imagem: Redefor

Mãos à obra

Vejamos agora um exemplo de debate televisivo sobre o tema "Namorar ou ficar?

Qual a melhor escolha?". O tema é refraseado logo no início pelo apresentador:

"Namorar é melhor do que ficar?".

O Programa tem por objetivo trazer temas que possam ser debatidos pelo público

jovem e que sejam de interesse desse público.

Agora, vamos refletir:

· Qual o perfil social dos debatedores que são chamados a participar desse

programa?

· Qual o perfil social do moderador?

· Quais são as razões para que sejam esses os perfis sociais para a composição

do programa e para fazer esse debate?

· Como o programa dá voz ao público?

· Considere os três tipos de debate apontados por Dolz, Schneuwly e De Pietro

(2004[1998]). Você classificaria este debate do Programa "Fala aí" como qual

dos três tipos?

Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=hmnXxFvtxnQ, acesso em 08/03/2011.

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Colocando os conhecimentos em jogo 1

Você deve ter respondido que se trata de um debate de opinião de fundo

controverso. Pois bem, é com esse tipo de debate que vamos trabalhar, pois ele

garante a base central para os outros tipos de debate. De forma a trabalhar com esse

primeiro tipo de debate, vamos analisar, de forma bem geral, o formato desse gênero,

o programa de debate veiculado pela televisão. Apesar de termos visto apenas 10

minutos de programa, foi possível perceber que o programa se estrutura, em sua parte

inicial, da seguinte forma:

Em primeiro lugar, é importante perceber o papel do animador/moderador. É dele a

responsabilidade de receber os convidados e de moderar o debate, fazendo perguntas

que os "desafiam" a emitirem suas opiniões sobre o tema em pauta. Além disso, ele

deve também controlar o tempo de fala de cada um.

É também importante considerar que o meio (a televisão) é responsável pela rapidez

com que cada parte do programa é executada. Isso é importante de ser ressaltado

porque isso implica em habilidades especiais por parte do apresentador/moderador

André Marinho, por parte dos convidados e por parte dos jovens que participam do

programa: eles precisam falar de forma bastante fluente (Vamos nos lembrar do

Tópico 1, onde analisamos a fala da apresentadora da entrevista em contraste com a

fala do entrevistado. Percebemos que o tipo de planejamento da fala da apresentadora

(o que implica um treinamento profissional) foi o responsável pela diferença entre a

fala dela e a do entrevistado, mesmo que ambas as falas apresentassem um grau

maior de planejamento do que outras falas em contextos mais cotidianos e/ou

informais.), rápida mesmo, sem a presença de muitas pausas (preenchidas ou não).

Outro ponto importante de ser ressaltado é que o apresentador/moderador André

Marinho mobiliza muitos recursos linguísticos e de organização textual (No caso dos

vários textos de apresentação e de saudação produzidos por André Marinho, podemos

chamar a atenção para o uso de marcadores conversacionais ("bom", "olha", "então"),

de gírias comuns, de recursos prosódicos (por exemplo, ênfase - maior altura da voz -

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em determinadas palavras) e semióticos (gestualidade, expressões faciais e

corporais).) de forma a deixar seu texto oral com uma cara menos "formal", assim

como acontece na palestra de Daniel Godri. Mas, como já dissemos, os gêneros orais

públicos formais não podem ser compreendidos a partir de uma visão normativa (de

certo ou errado), mas sim considerando a situação comunicativa implicada e as

convenções genéricas constitutivas de sua produção e recepção.

Colocando os conhecimentos em jogo 2

Voltando ao vídeo do Programa "Fala Aí", podemos dizer que a segunda parte do

programa é aquela na qual o público e os participantes são convidados a emitirem

suas opiniões sobre o tema em questão.

Sobre essa segunda parte, importa dizer, em primeiro lugar, que o papel do

apresentador/moderador continua sendo de fundamental importância para a

introdução e para a condução do tópico.

a) depois da abertura dessa segunda parte feita por Samiro, um jovem de 22 anos,

André Marinho fala: "beleza maravilha ( ) a galera tem a oportunidade de expressar

sua opinião... então é isso aí brother também concordo acho muito interessante...",

retomando a fala do jovem e concordando com ela;

b) em seguida, ao fazer a pergunta para o primeiro convidado, retoma novamente a

fala do jovem Samiro, fazendo a seguinte paráfrase: "tá certo que o namorar ...

primeiro você começa com o ficar...";

c) ao fazer a pergunta para a terceira convidada, a psicóloga Miriam Marsicky, André

Marinho fala "exato", concordando com a fala anterior da jovem jornalista; e continua:

"doutora... em se tratando de psicologia.. por exemplo.... eu falei/o Nico falou ....

aquela questão de de repente beijar duas ou três pessoas na mesma noite ... em se

tratando de psicologia ... o que isso pode influenciar na cabeça da juventude?"; aqui

podemos observar que, para fazer a pergunta para a psicóloga, o

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apresentador/moderador retoma um ponto levantado (Sobre o comportamento dos

jovens de beijar mais de uma pessoa na mesma noite.) por ele mesmo e

respondido/comentado por Nico Marcondes.

Colocando os conhecimentos em jogo 3

Um segundo ponto importante de ser ressaltado é o papel dos participantes (jovens e

convidados). Ainda sobre esse trecho do programa "Fala Aí", é possível perceber que

todos os convidados explicitam suas opiniões ao longo e ao final de seus discursos.

Vejamos um resumo das opiniões do jovem e dos convidados:

Além disso, eles também entram no "clima" de debate proporcionado pelo moderador,

respondendo às suas "provocações":

Nico Marcondes: .... principalmente para jovens aí a partir de 14 até 18 anos ... você

tá num momento de descoberta da vida ... e eu acho que beijar é muito bom muito

saudável... então eu acho que ficar limpo ... dar beijinho na boca ... fazer experimentos

... beijar duas ou três mulheres ou vice-versa

André Marinho: não na mesma noite (risos)

Nico Marcondes: então eu acho que o ficar (interrupções de André) eu acho saudável

(interrupções do André) pois é.. eu acho saudável na mesma noite ficar... dar um

beijinho sem compromisso...

Colocando os conhecimentos em jogo 4

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Além disso, em geral, tanto o jovem que abre

a segunda parte do programa como os

convidados procuram fundamentar suas

opiniões por meio de sequências descritivas

ou expositivas. Vejamos dois exemplos:

Samiro: ... na minha opinião ficar é o que há

porque a pessoa não pode começar

a namorar sem antes ficar com ela pra poder

conhecer e tal (sequência expositiva)

Miriam Marsicky: ... então tem o ficar o transar e o namorar... então eu acho que o

ficar hoje para o jovem é um conhecer ... tá.. se conhecer pra ver se realmente a

relação vai dar certo (sequência descritiva)

Por fim, eles também procuram marcar suas posições pelo uso de marcadores de

refutação (A refutação de um argumento pode ser compreendida como a ação de

negar (mesmo que parcialmente) ou não concordar com o argumento exposto pelo

outro interlocutor. Uma das marcas de refutação mais explícita é o uso do próprio

"não" ou de "não... mas" antes da enunciação do argumento que vai se opor ao

argumento apresentado.) e/ou de concordância. (Os marcadores de concordância

estão relacionados à ação de concordar com um argumento exposto pelo outro

interlocutor. Um dos marcadores de concordância mais usados é o "isso" ou o "isso

mesmo".) Por exemplo, ao responder a pergunta de André Marinho ("Você também

pensa assim também, Mayara?"), a locutora de rádio Mayara Gonçalves, começa sua

fala assim:

Mayara Gonçalves: eu penso mais ou menos assim ... eu acho que o que ele falou

é muito importante...

No caso do início da fala da jornalista, ela, ao mesmo tempo em que não concorda

completamente com a fala do outro convidado ("eu penso mais ou menos assim"),

também faz um movimento de valorização dessa mesma fala ("o que ele falou é muito

importante").

Todos os exemplos nos mostram que o debate de opinião de fundo controverso é, de

fato, um locus muito importante de observação de como os sujeitos negociam e

coconstroem os sentidos, de forma a manter ou transformar uma opinião, um ponto de

vista. Os procedimentos exemplificados são fundamentais para a caracterização do

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gênero, como já vimos no contato com os pressupostos de Dolz, Schneuwly e De

Pietro (2004[1998]).

Fonte da imagem: Redefor

Colocando os conhecimentos em jogo 5

Agora, vamos ver mais um vídeo do mesmo Programa, sobre outro tema. Interessa-

nos neste vídeo analisar como a natureza polêmica do tema modifica a interação

entre o moderador e os convidados e entre os convidados.

Uma primeira diferença entre este programa sobre o tema "Maioridade penal aos 16

anos" e o outro programa sobre o tema "Ficar ou namorar? Qual a melhor escolha?" é

o tempo de apresentação do tema. Neste programa, o tema é apresentado durante

quase 2 minutos, enquanto que no outro programa, o tema é apresentado em

aproximadamente 1 minuto.

Uma segunda diferença reside no grau de informatividade do texto inicial do

apresentador. No seu texto oral, André Marinho fornece um conjunto de informações

mais detalhadas sobre o tema, diferentemente do que acontece no outro programa. O

apresentador faz alusão ao um dos importantes direitos do jovem de 16 anos no

Brasil, o direito ao voto, contrapondo esse fato ao de que o jovem brasileiro de 16

anos não pode ter carteira de habilitação. Em seguida, apontando um aprofundamento

do que ele julga ser uma contradição ("a situação fica mais complicada"), o moderador

levanta o problema dos crimes cometidos por jovens com menos de 18 anos. A partir

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de então, começa a fornecer um conjunto de dados sobre como são as leis em outros

países no que diz respeito a essa matéria. Os dados oferecidos já induzem a se

pensar que a proposta de redução da maioridade penal é um erro.

Fonte da imagem: http://www.youtube.com/watch?v=GI4y2vbqsPU, acesso em 08/03/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 6

É justamente contra essa orientação argumentativa (Como vimos no Tema 1, a

orientação argumentativa de um determinado texto ou enunciado pode ser percebida

pelo modo como os recursos linguísticos (por exemplo, encadeamento de enunciados

por meio de operadores argumentativos e por meio da seleção lexical) são

mobilizados peloprodutor do texto, levando o interlocutor a adotar uma determinada

posição em relação ao que é dito em detrimento de outra.) implementada já no início

do programa que o primeiro convidado, o advogado Ari Friendebach, se insurge,

criando um ambiente de posições antagônicas no início do programa, já que vai

discordar explicitamente não das informações em si, mas da interpretação dada a

essas informações. Vejamos o trecho no qual o advogado explicita a sua crítica ao tipo

de informação fornecida pelo moderador na abertura do programa:

Ari Friendebach: ... você tem alguns dados que eu achei muito interessante mas me

deixa ... meio intrigado ... você diz de que em sete anos de endurecimento de leis nos

estados unidos a criminalidade entre jovens aumentou em três vezes ... é ... eu acho

assim que esse dado ... falta um pouco de melhor análise dele ... porque assim ... a

única leitura que eu posso fazer disso é... então quer dizer que os jovens ficaram

bravos porque a lei ficou mais dura?

Interrompendo o advogado, André Marinho se posiciona:

André Marinho: é porque é na verdade ele se aplica na cultura ... né americana

estados unidos ... e talvez ... um dentro daquela cultura deles isso tenha acontecido ...

mas não significa que num país como o nosso o Brasil isso também... por causa do

endurecimento... isso também deva acontecer....

Em resposta à intervenção de André Marinho, o advogado, então, aprofunda sua

crítica:

Ari Friendebach: não ... e é exatamente isso o que eu quero dizer ... o que acontece

a gente fala dados de vários países ... e cada país tem uma realidade completamente

diferente...

André Marinho: uma realidade... cultura... formação

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Ari Friendebach: a gente não pode falar da cultura japonesa comparar com o que

acontece aqui no Brasil ...

É importante perceber que o tema, os dados fornecidos pelo moderador na abertura

do programa e a posição defendida pelo advogado (uma responsabilização penal dos

jovens que cometem crimes hediondos) possibilitaram a polêmica (É importante

pensar que o debate se instaurou de forma mais polêmica (caracterizada pela defesa

mais direta e acirrada de posições) e menos colaborativa (caracterizada pela não

refutação direta da outra posição) também por um fator emocional: o defensor da

responsabilização penal de jovens por crimes hediondos teve sua filha assassinada

por um jovem menor de 18 anos que ficou impune. Esse perfil social de um dos

convidados cria impactos não apenas sobre a forma como o tema é discutido, mas

também na maneira como ele é recebido no programa pelo moderador, que o trata

com maior formalidade e menos proximidade.) desse debate inicial entre o moderador

e o convidado, mais especialmente, a emergência do "ataque" do convidado ao

direcionamento argumentativo implícito do moderador sobre o tema em pauta, ao

fornecer os dados (- na maioria dos países (55%) a maioridade é aos 18 anos; - o

endurecimento das leis nos EUA apenas fez com que triplicasse o número de crimes

cometidos por jovens; - na Europa, a Espanha voltou atrás na decisão de reduzir a

maioridade penal e, na Alemanha, além de se ter retornado a maioridade para os 18

anos, está sendo criada uma justiça especializada em crimes cometidos por jovens

entre 18 e 21 anos.) que forneceu.

Finalizando o tópico

Neste tópico, trabalhamos com o gênero oral formal público "debate de fundo

controverso". Para tanto, procuramos analisar mais detidamente dois programas

televisivos destinados ao público jovem que têm por objetivo principal debater temas

de interesse desse público.

O que ficou para nós desse breve estudo?

1. O debate de fundo social controverso é um gênero oral formal público muito

importante para a formação da cidadania;

2. Fazer com que o aluno se interesse por esse gênero somente pode se dar por

meio da mediação do professor, como se faz com outros gêneros (orais ou

escritos);

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3. A observação das competências exibidas pelo moderador e pelos participantes

de um debate pode ser uma das maiores motivações para que os alunos se

interessem por esse gênero, seja para compreendê-lo, seja para (re)produzir

um certo tipo de participação - como moderador, como especialista, como um

dos que vai defender uma determinada posição;

4. É importante perceber que em um debate, qualquer que seja ele, o tempo é um

fator muito importante. As posições e os argumentos precisam ficar

explicitados dentro de um determinado tempo (geralmente em um ou dois

minutos) e todos os participantes devem ter direitos iguais de participação em

relação a esse aspecto;

5. Desenvolver a competência de argumentar em um período muito curto de

tempo é um trabalho que exige muita preparação e planejamento;

6. Ensinar o debate pressupõe que observemos a forma como os argumentos são

apresentados, quais argumentos são apresentados e quais marcas de

refutação e de concordância são usadas;

7. A polêmica é uma forma de se estabelecer/construir o debate. Vimos que um

participante-especialista iniciou sua fala questionando diretamente os dados

fornecidos pelo moderador no início do debate. Não se pode lidar com a

polêmica de forma normativa (reprovando-a, por exemplo), já que ela é

constitutiva do debate. O mais importante é observar como a polêmica se

instaura e como os participantes lidam com enunciados e posturas polêmicas.

Finalizando o Tema

Os pontos mais importantes deste Tema 2 estão resumidos abaixo:

· Os gêneros orais formais públicos apresentam sempre uma natureza

multissemiótica e apresentam muitos formatos, ou seja, são variáveis.

· Os gêneros orais formais públicos devem ser trabalhados na sala de aula de

Língua Portuguesa porque se faz necessário levar os alunos a ultrapassarem

as formas cotidianas de produção oral e a confrontarem essas formas

cotidianas de produção oral com outras formas mais institucionais.

· A exposição oral pressupõe um especialista que vai falar para um público que

espera aprender algo com ele. O principal objetivo dessa interação é modificar

os conhecimentos dos ouvintes, diminuindo assim a assimetria de

conhecimentos que distingue o especialista do seu público.

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· A noção de oral formal adotada não está relacionada com "certo" ou "errado",

mas decorre fundamentalmente das situações, das convenções ligadas aos

gêneros e dos propósitos comunicativos do locutor.

· O debate de fundo social controverso é um gênero oral formal público muito

importante para a formação da cidadania e que somente pode ser objeto de

reflexão por parte dos alunos se houver a mediação do professor.

· Essa mediação consiste em levar os alunos a observarem o funcionamento do

debate: o papel de cada um dos participantes, a forma e o conteúdo da

argumentação e a instauração (ou não) da polêmica.

Ampliando o conhecimento 1

WEBGRAFIA

1. Links para textos sobre debate regrado e exposição oral:

· CRISTOVÃO, V. L. L.; DURÃO, A. B. A. B.; NASCIMENTO, E. L. Debate em

sala de aula: Práticas de linguagem em um gênero escolar. Anais do 5º

Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003. P. 1436-1441.

· NASCIMENTO, E. L. Gêneros em expressão oral: Elementos para uma

seqüência didática no domínio do argumentar. Revista SIGNUM: Estud. Ling.,

n. 8/1, Londrina, jun. 2005. P. 131-156.

· TEIXEIRA, A. P. T.; BLASQUE, R. M. G.; SANTOS, C. D. A exposição oral na

sala de aula.

GOULART, C. A exposição oral em seminário: Um gênero escolar muito utilizado,

mas pouco sistematizado.

2. Links para textos com propostas de ensino de debate regrado:

· Aula do Portal do Professor do MEC sobre "O debate regrado e o bullying", de

autoria de Walleska Bernardino Silva.

· Debatendo. Oficina Pedagógica - DE S.J.Campos/SP, de autoria de Dorothy

Bluyus Rodrigues Matias - PCOP/História.

· Plano de aula da Nova Escola Online sobre "Redução da maioridade penal (de

18 para 16 anos)" (debate).

Ampliando o conhecimento 2

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FILMES E VIDEOS

O GRANDE DESAFIO

Título original: The Great Debaters

Duração: 126 minutos (2 horas e 6 minutos)

Gênero: Aventura

Direção: Denzel Washington

Ano: 2007

País de origem:EUA

SINOPSE: Acredite no poder das palavras. Inspirado em uma história real, o filme

conta a jornada do brilhante, mas volátil, professor Melvin Tolson (Denzel Washington)

que, usando de seus métodos pouco convencionais, sua visão política radical e o

poder das suas palavras para motivar um grupo de alunos do Wiley College, do Texas,

a participar de um campeonato de debates na Universidade de Harvard.

ELENCO:

Denzel Washington (Melvin B. Tolson)

Nate Parker (Henry Lowe)

Jurnee Smollett (Samantha Booke)

Denzel Whitaker (James Farmer Jr.)

Jermaine Williams (Hamilton Burgess)

Forest Whitaker (Dr. James Farmer Sr.)

Dentre outros.

Para ver o trailer, clique aqui. Leia uma resenha, clicando aqui.

Além disso, você pode ver alguns vídeos e textos de opinião sobre os temas tratados

no Programas de TV, clicando nos links abaixo:

· Pé na Rua: ficar ou namorar?

· i9 - Produções - Fala Aí (vários programas do Fala Aí da TV da Gente)

· Debate sobre a maioridade penal no Rio de Janeiro

· Um ombro amigo - Namorar ou ficar?

Fonte da imagem: http://www.filmesdecinema.com.br/filme-o-grande-desafio-6773/, acesso em 10/03/2011.

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Referências Bibliográficas 1

AZANHA, E. F. Gêneros televisivos na escola: A co-construção dos sentidos nas

interações de alunos do Ensino Médio. Dissertação de Mestrado. Universidade

Estadual de Campinas. São Paulo: Unicamp/IEL, 2008.

BENTES, A. C. Linguagem oral no espaço escolar: Rediscutindo o lugar das práticas e

dos gêneros orais na escola. IN: E. RANGEL; R. ROJO (Orgs.) Explorando o ensino:

Língua Portuguesa. Brasília, DF: MEC, Vol. 1, 2010. P. 15-35.

_____. Oralidade, política e direitos humanos: Por uma aula de Língua Portuguesa

comprometida com o diálogo e com a construção da cidadania. IN: V. M. S. ELIAS

(Org.) Oralidade, leitura e escrita no ensino de Língua Portuguesa. São Paulo:

Contexto, 2011. P. 20-35.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita -

Elementos para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). IN: B.

SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola.

Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998]. P. 41-70. Tradução e organização de

R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; DE PIETRO, J.-F.; ZAHND, G. A exposição oral. IN: B.

SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola.

Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998]. P. 215-246. Tradução e organização

de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B.; DE PIETRO, J.-F. Relato da elaboração de uma

seqüência: O debate público. IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores.

Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1998].

P. 247-278. Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.

Referências Bibliográficas 2

MENDES, A. N. N. B. A linguagem oral nos livros didáticos de Língua

Portuguesa do Ensino Fundamental - 3º e 4º ciclos: Algumas reflexões. Tese de

Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUC-SP/LAEL,

2005.

PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: Para uma teoria da produção

co(n)textual do sentido. In: A. C. BENTES; M. Q. LEITE (Orgs.) Linguística textual e

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análise da conversação: Panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez

Editora, 2010. P. 262-315.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares - Das práticas de linguagem aos

objetos de ensino. IN: B. SCHNEUWLY; J. DOLZ e colaboradores. Gêneros orais e

escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004[1997]. P. 71-91.

Tradução e organização de R. H. R. Rojo e G. S. Cordeiro.

TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. São Paulo: Contexto, 2004.

Tradução e adaptação de Rodolfo Ilari. Revisão Técnica de Ingedore G.V. Koch e

Thais Ch. Silva.

Tema 3. O trabalho com as variedades do Português

Tópico 1 -Trabalhando com as variedades do português: Pressupostos teóricos

Um início de conversa 1

Neste tópico 1 do Tema 3, vamos trabalhar com uma perspectiva sociolinguística,

para tratar dos elementos linguísticos que constituem os textos e os gêneros. O que é

uma perspectiva sociolinguística? É uma perspectiva que tem, como principal

interesse, a explicação sobre porque falamos e/ou escrevemos de formas diferentes,

em diferentes contextos. Os pesquisadores que estudam estas relações entre língua e

sociedade, os sociolinguistas, também buscam entender como a linguagem é usada

pelos falantes, de forma a convencionar/marcar significados sociais. Além disso, uma

perspectiva sociolinguística pressupõe que encaremos o fenômeno linguístico

considerando dois princípios:

a) Todas as línguas mudam.

b) Todas as línguas variam.

Isso significa dizer que a língua de hoje está em processo de mudança e que a língua

de ontem apresentou variação. Em outras palavras, a qualquer momento que

quisermos partir para a observação do fenômeno linguístico, vamos encontrá-lo em

variação e sofrendo mudanças (ambos processos mais ou menos perceptíveis). Ao

longo deste tópico, trabalharemos com estes dois princípios, mostrando como eles

estão intrinsecamente relacionados. Observemos, por exemplo, o texto abaixo,

apontado como "a mais antiga cantiga de amigo em Língua Portuguesa, que seria de

autoria de D. Sancho I de Portugal e teria sido escrita em 1199, numa época em que o

príncipe residia na fortaleza da Guarda" (ILARI, 1997, p. 208):

Ay, eu coitada, como vivo em gram cuydado

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Por meu amigo que hei alongado!

Muyto me tarda

O meu amigo na guarda!

Ay, eu coitada, como vivo em gram desejo

Por meu amigo que tarda e non vejo!

Muyto me tarda

O meu amigo na guarda.

É interessante perceber que, apesar de este texto ser escrito em Português arcaico,

do século XII, nós o compreendemos em seu sentido global: o lamento de uma mulher

sobre o fato de estar distante de seu amado. No entanto, também percebemos

algumas diferenças radicais na grafia de certas palavras: "y" no lugar de "i"; "am" ou

"on" no lugar de "ão".

Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sancho_I_de_Portugal , acesso em 05/04/2011.

Um início de conversa 2

Há mudanças também no léxico. Certas expressões que figuram na cantiga ("hei

alongado", "me tarda") não são mais usadas com o mesmo sentido. Hoje, usaríamos

"está distante", "demora".

Mudaram ainda certas estruturas sintáticas. Na expressão "hei alongado" (algo como

"tenho distante") o verbo haver ("hei") é usado como auxiliar de tempo do particípio

"alongado" e esta estrutura sintática não ocorre mais no Português contemporâneo. A

cantiga de amigo aqui analisada é um dado exemplar para analisarmos a chamada

variação diacrônica, ou seja, a variação linguística que se dá através do tempo.

Assim, as línguas mudam (Portanto, usamos o termo "mudança linguística" para nos

referir às transformações das línguas ao longo do tempo histórico.) bastante através

dos tempos.

Mas também variam (Portanto, usamos o termo "variação linguística" para nos referir

às diferentes formas que as línguas apresentam em um dado tempo histórico.)

bastante em um mesmo tempo histórico.

Para começarmos nossa conversa sobre esse tema, clique nas imagens abaixo, que

remetem a gravações das décadas de 40 a meados dos anos 60 do século XX:

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Fonte das imagens: (1) http://www.youtube.com/watch?v=vEh7J7hQ4c4, (2)!http://www.youtube.com/watch?v=YxQaN0FKA74, (3)

http://www.youtube.com/watch?v=LQCV1iFegZg, (4) http://www.youtube.com/watch?v=kUKJMdCdynA, acesso em 19/04/2011.

Ponto de partida Agora, reflita:

· Quais diferenças, em termos de linguagem,

você pode notar entre os filmes de diferentes gêneros

(discursos de palanque filmados, cena de série

brasileira, anúncio comercial televisivo)?

· Considerando os gêneros observados,

podemos fazer uma divisão entre aqueles mais formais

e os mais informais?

· O que você considera que mais se modificou: a linguagem, os cenários

(vestimentas, comportamentos etc.) ou ambos?

Retomando nossa conversa sobre as relações entre linguagem e sociedade, podemos

dizer que a variação linguística é um fenômeno constitutivo de todas as línguas.

Consiste no que Camacho (2001) denomina "caos organizado", a saber, a existência

de formas linguísticas alternativas para se dizer a mesma coisa.

A variação pode se dar no nível lexical. Ilari e Basso (2006, p. 164-165) afirmam

que a mesma realidade, conforme a região, pode ser expressa por palavras diferentes:

lanternagem/funilaria; macaxeira/aipim/mandioca; negócio/venda; geleia de

frutas/chimia. Ou, ainda, que duas variedades regionais têm palavras com a mesma

forma, mas com sentidos diferentes: quitanda (em geral, mercearia, tenda; em Minas

Gerais, conjunto de iguarias doces e salgadas feitas com massa de farinha); feira (em

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geral, reunião de vendedores; na região Norte, sacola em que se transportam

gêneros).

A variação pode ocorrer no nível fonético-fonológico (."A Fonética e a Fonologia são

as áreas da Linguística que estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de

estudo, são ciências relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de

pontos de vista diferentes em cada caso. A principal preocupação da Fonética é

descrever os sons da fala. (...) Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os

resultados obtidos por meio da descrição fonética dos sons da fala em função dos

sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI;

MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106)). Considerando as diferenças de fala entre

sujeitos oriundos de diferentes grupos sociais, pode-se dizer que há variação, por

exemplo, na pronúncia de "folha" que pode se pronunciada com "lhe" antes da vogal

final; ou com "i" ("foia"); ou que há variação na pronúncia de "constância", que pode

também ser pronunciada "constança", ocorrendo a monotongação do ditongo

crescente em posição final "ia".

A variação pode ocorrer no nível sintático. No português de Portugal, a condição é

expressa pelo modo indicativo ("Se eu sabia, eu vinha"). No português do Brasil, esta

construção é estigmatizada e a construção preferida é expressa pelo modo subjuntivo

("Se eu soubesse, eu viria").

Fonte da imagem: http://cataobabado.blogspot.com/2011_01_01_archive.html, acesso em 05/04/2011.

Mãos à obra

Essa diversidade de formas, no entanto, não é usada aleatoriamente pelos falantes.

Os usos linguísticos são influenciados por fatores sociais específicos, refletindo a

influência de um ou mais dos componentes abaixo:

Os participantes:

Quem está falando? - A idade da pessoa que fala, o grupo ou classe social ao qual ela

pertence, o sexo da pessoa.

Com quem a pessoa está falando? - A idade da pessoa com quem se fala, o grupo ou

classe social ao qual ela pertence, o sexo da pessoa.

O contexto social da interação: Onde e em que época eles estão falando?

O tópico: Sobre o que se está falando?

A função ou finalidade: Por que ou para que eles estão falando?

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Nos vídeos a que você acabou de assistir, a linguagem dos participantes muda

justamente em função da conjunção de alguns dos fatores acima. Vejamos:

Na cena em que Eva Wilma e John Herbert

desempenham o papel de marido e mulher, o uso

da expressão "meu bem" como forma de

tratamento (usada tanto por ele como por ela)

marca justamente o tipo de relação (conjugal) que

mantêm e a proximidade entre eles. Outro aspecto

importante de ser ressaltado é a entoação (É a

variação na altura da voz durante a fala. Em outras palavras, a altura de nossa voz

sobe e desce de maneira estruturada em cada enunciado e o padrão que resulta disso

é o padrão entoacional do enunciado. (TRASK, 2004, p. 91)) de Eva Wilma quando

fala com John Herbert. Perceba a forma como ela implementa um ritmo especial à sua

fala no trecho: "ah eu vi uma coisa TÃO bonitinha pra homem na cidade que eu não

resisti... comprei pra você... adivinhe o que é? ... um chaveirinho na forma de sapinho

meu bem... um amor meu bem ... pra você...". Aqui também percebemos o uso do

diminutivo, que pode ser considerado como um marcador de gênero (No sentido de

gênero social: homem, mulher, gay etc. Alguns estudos afirmam que há uma

tendência na fala feminina ao uso de diminutivos.) no Português brasileiro. Todos

esses recursos conjugados conferem um caráter informal e próximo às falas dos

participantes dessa interação.

Fonte da imagem: http://blcamargo.blogspot.com/2011/02/fatos-programa-de-tv-alo-docura.html, acesso em 05/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 1

· No anúncio comercial televisivo, do qual participam Cacilda Becker e Walmor

Chagas, são justamente as funções desempenhadas por Cacilda - de mulher

explicando para o marido ("é por isso, querido") a diferença no uso de dois

óleos de cozinha, em um plano, e a de atriz explicando para o público feminino

("é verdade, amiga") porque deve usar/comprar um determinado produto, em

outro plano - que exercem influência sobre a sua velocidade de fala (pausada

ou mais rápida) e sobre o fato de o texto ser estruturado principalmente por

meio de sequências descritivas ("esses óleos estão aquecendo há bastante . - + 1 , < < < 6 7 ! . - + = ( - , / , + 7 + < < < 6 7 ! . - + , . 2 # ! / ! , " ( > ( - , ? @ # - < < < $ A e

explicativas ("... o Óleo Saúde não faz fumaça porque não tem impurezas para

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queimar... e é por isso... querido... que com o Óleo Saúde a gente sente o

gosto dos alimentos não do óleo... é verdade amigas... o teste da fumaça prova ) 7 1 - 2 ! , 2 6 7 ( ! # # - # , . 2 # ! / ! , " ( > ( - , ? @ # - < < < $ A .

· Já os discursos de palanque de Getúlio Vargas e de Luís Carlos Prestes

revelam a influência do contexto social na produção da linguagem. São

produções primeiramente escritas e, como tal, previamente planejadas,

formatadas na variedade padrão (A variedade padrão é geralmente aquela

associada aos gêneros escritos de prestígio (literários, jornalísticos, científicos

etc.) e que passou por processos mais sistemáticos e duradouros de

regularização e codificação por meio da elaboração de gramáticas e de

dicionários. É reconhecida como uma variedade de prestígio por uma

comunidade e é usada para funções altas, tais como a escolarização e a

elaboração de leis e de procedimentos administrativos. Pode-se dizer que

apenas uma minoria de línguas do mundo possuem escrita e uma parcela

menor ainda passou por processos de codificação e/ou regularização.) do

Português brasileiro.

· Uma das principais características da fala do ex-presidente Getúlio Vargas é a

forma de tratamento de seus interlocutores. Ele se dirige a seus interlocutores

por meio da segunda pessoa do plural ("vós", "convosco, "vosso"). Hoje em

dia, mesmo em discursos formais, a segunda pessoa do plural não é mais

usada, tendo sido substituída, quase que categoricamente, por "vocês", ou, em

contextos mais formais, por "os(as) senhores(as)". Outra característica da fala

do ex-presidente é a pronúncia do /l/ pós-vocálico; normalmente, nesses

contextos de palavras, vocaliza-se o /l/, pronunciando-se /al/ como /au/, /il/

como /iu/, /el/ como /éu/ e /ol/ como /ou/. No entanto, Getúlio Vargas pronuncia

o /l/ como um som alveolar (Som que é produzido com a ponta da língua

tocando a parte posterior dos dentes incisivos superiores.), como nas palavras

"BrasiL", "voLtei", "nacionaL", "leaL", "irresistíveL", "iguaLdade sociaL". Essa

variação, que podemos ver e ouvir ao termos acesso a essa gravação de um

discurso de palanque de mais de 50 anos atrás, não é produtiva hoje, já que

poucas pessoas pronunciam o /l/ dental. No entanto, naquela época, essa

pronúncia marcava a regionalidade da fala da pessoa, sendo característica dos

falantes do Sul do País, especialmente, do Rio Grande do Sul, terra de

nascimento do ex-presidente Getúlio Vargas. (LEITE; CALLOU, 2002). Se uma

pessoa hoje pronuncia o /l/ assim, provavelmente tem uma idade mais

avançada e mora no extremo Sul do Brasil. Para nós, essa pronúncia

alternativa das palavras "Brasil", "voltei", "nacional", "leal", "iressistível",

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"igualdade social", marca um tipo de pronúncia distante no tempo e específica

de determinada região do País.

Colocando os conhecimentos em jogo 2

O trecho do discurso de Luís Carlos Prestes também reflete o

contexto sócio-histórico mais amplo, principalmente se

observarmos o uso de determinadas expressões referenciais:

1. Relacionadas ao campo da política da época:

"trotskistas", "fascistas", "quinta-colunistas", "comunistas";

"Stalinistas".

2. Relacionadas ao campo de estudos das Ciências

Sociais: "realidade econômica, social e política",

"proletariado", "trabalhadores das cidades e do campo".

Retomando a nossa discussão sobre a variação intrínseca a todo fenômeno

linguístico, podemos dizer que as línguas variam em função de fatores e dimensões

sociais. Os fatores sociais são os que apresentamos anteriormente. As dimensões

sociais envolvidas na variação linguística são as que se seguem:

1. A escala de distância social definida pelo relacionamento entre os

participantes.

2. A escala de status definida pelo relacionamento entre os participantes.

3. Uma escala de formalidade definida pelo cenário e pelo tipo de interação.

4. Duas escalas funcionais relacionadas ao propósito ou ao tópico da interação.

A escolha das expressões referenciais elencadas acima revela que a fala de Luís

Carlos Prestes é influenciada tanto pela dimensão da formalidade quanto pelo status

social de quem fala. É uma fala que evoca conhecimentos do campo político da época

e também conhecimentos científicos, revelando o status social de Prestes, um homem

estudado, experiente nas questões políticas, que desempenha uma função alta dentro

de seu Partido, um líder político nacional (veja, por exemplo, a quantidade de pessoas

mobilizadas para escutar o seu discurso). Por isso, podemos dizer que sua fala se

situa na parte superior da escala de status, revelando que o "dono da voz" pertence a

um grupo social mais prestigiado socialmente. Em função do contexto em que é

enunciada, sua fala é marcada pela formalidade também, porque exibe determinadas

construções sintáticas (o uso do presente do subjuntivo, como em "organizemos, pois,

o nosso povo"; "marchemos ..."; o uso do verbo "haver" como auxiliar na construção "é

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o que nós, comunistas, havemos de fazer, havemos de fazer com o apoio do povo e

particularmente com o proletariado de São Paulo", que só aparecem na escrita formal

ou em textos oralizados previamente redigidos, como é o caso dos discursos de

Prestes e de Getúlio.

Fonte da imagem: http://educacao.uol.com.br/biografias/luis-carlos-prestes.jhtm, acesso em 05/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 3

A partir de agora, procuraremos exemplificar como a manipulação de elementos de

uma das variedades não padrão (As variedades não-padrão em geral se caracterizam

por serem faladas por pessoas das camadas populares e que possuem pouca ou

nenhuma escolarização. Fala-se de variedades não-padrão no plural, porque elas vão

ser influenciadas por fatores tais como região geográfica, faixas etárias e níveis de

escolarização. Mas existem traços comuns entre elas, tais como o fato de serem

estigmatizadas, de veicularem conteúdos de tradição oral e de não serem submetidas

a processos de regularização e oficialização.) do português brasileiro, no interior de

um texto (um roteiro de cinema) predominantemente escrito na variedade padrão,

somente foi bem-sucedida na passagem do escrito para a encenação, porque contou

com o conhecimento prático de um falante dessa variedade não padrão, que deu

assessoria aos roteiristas e diretores. Para tanto, vamos trabalhar com um trecho do

roteiro do filme nacional "O Invasor", de autoria de Marçal Aquino, Renato Ciasca e

Beto Brant, de forma a compará-lo com o trecho da transcrição da cena do filme, feita

pela pesquisadora Alessandra Brum (2003), em sua dissertação de mestrado intitulada

O processo de criação artística no filme "O Invasor".

Segundo a pesquisadora, o filme "O Invasor" foi

concebido a partir de uma novela que ainda estava

sendo escrita por Marçal Aquino, que interrompeu o seu

processo de criação literária para desenvolver o roteiro.

De qualquer forma, antes de observarmos o trecho em

que ocorrem transformações na linguagem, na

passagem do roteiro para a encenação propriamente

dita, é necessário que tenhamos acesso a algumas

informações relevantes.

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A linguagem desenvolvida por Marçal Aquino na

produção desta novela, que depois se transforma em

roteiro de filme, é assim caracterizada em entrevista

concedida à pesquisadora Alessandra Brum:

"... queria pensar um pouco essa coisa da

violência urbana, no sentido de que tinha

algumas coisas que eu estava vendo nas ruas.

Eu gosto muito da rua, a minha literatura vem

da rua, a mágica vem dali..."

(Marçal Aquino, em entrevista concedida a

Alessandra Brum, 2003, p. 167).

Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/filmes/invasor/trailers-e-imagens/, acesso em 05/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 4

Sobre o gênero roteiro, a pesquisadora Alessandra Brum afirma que Marçal Aquino o

concebe como "um instrumento para a realização de um filme que garante, de maneira

organizacional, a estrutura narrativa que o material deve conter" (BRUM, 2003, p. 31).

Para a pesquisadora, é importante percebermos que o roteiro é um dos elementos da

linguagem cinematográfica, já que "o verdadeiro roteiro é aquele que não pretende,

por si só, afetar o leitor de forma completa e definitiva, mas que foi criado tão somente

com o objetivo de se transformar em um filme e só a partir daí adquirir sua forma final"

(TARKOVSKI, 1998, apud BRUM, 2003, p. 31).

Sobre a passagem do escrito para a encenação, foi muito importante a participação do

rapper Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage. Como o filme trata das relações entre

centro e periferia em São Paulo, capital, as falas de Anísio, o assassino contratado por

dois sócios (Ivan e Gilberto), para matar o terceiro membro da sociedade (Estevão), já

eram, segundo Brum (2003), uma preocupação dos roteiristas ao escreverem o texto,

porque eles não tinham conhecimento suficiente do universo da periferia para criar

verossimilhança em relação à linguagem dessa personagem.

"... no caso do Anísio a coisa era grave porque eu sabia que

era um personagem da periferia, vindo da periferia que vai

para o centro, logo, a fala dele não é igual a dos outros caras,

ele tem gírias que estão colocadas no roteiro se você olhar,

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de maneira tênue, mas está lá dita a intenção do que ele vai dizer. Quando o Beto

incorpora ao Invasor o Sabotage, foi uma grande oportunidade, porque o Sabotage é o

homem da linguagem, é um rapper, é um cara que domina essa linguagem."

(Marçal Aquino, em entrevista a Alessandra Brum, 2003, p. 181).

Fonte da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Sabotage2.jpg, acesso em 08/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 5

Roteiro

Cena: Interior de bar de periferia - Dia

ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): E você, não fala nada?

Ivan continua calado. Para quebrar o desconforto, Gilberto fala:

GILBERTO (para Anísio): Você trabalha sozinho?

ANÍSIO (para Gilberto): Eu e Deus

Filme

Cena: Interior de bar de periferia - Dia

ANÍSIO (se dirigindo a Ivan): e::: e aí... e o cara aí ... não fala nada? que que é? é

cana? é ganso? qual que é?

GILBERTO (para Anísio): ele é meu parceiro... meu sócio ... também tá pagando.

ANÍSIO (para Ivan e Gilberto): eh:::... porque se não for... é o seguinte... ninguém sai

daqui...

Observando os trechos acima (para ver a redação completa da cena no roteiro, clique

aqui; para ver a cena inicial do filme, clique aqui), podemos perceber que a situação

comunicativa e a linguagem do roteiro foram transformadas na filmagem da cena, que

retrata uma situação imediata de muita tensão: dois sócios vão a um bar de periferia

para encontrar e contratar um assassino profissional, que será incumbido da missão

de matar o terceiro membro da sociedade. Para que a cena tenha verossimilhança, a

linguagem precisa evidenciar essa tensão. Mais do que isto, conhecendo um pouco

mais a história, o diálogo em questão está exibindo tanto o desconforto de Ivan com o

que está prestes a fazer (representado por sua mudez), como a desconfiança de

Anísio (que faz as perguntas que faz e da forma que faz) de que alguma coisa ali

estava errada.

Interessa-nos olhar, com especial cuidado, a retextualização da primeira pergunta que

Anísio faz, quando os sócios chegam ao bar. Ao ser formulada na cena, a pergunta é

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feita em uma situação diferente daquela do roteiro: nele, Anísio se dirige diretamente a

Ivan ("E você, não fala nada?"), que continua calado; na encenação do filme, Anísio

não se dirige diretamente a Ivan, mas sim faz a pergunta para Gilberto sobre Ivan: "e o

cara aí...não fala nada?". Esta mudança ocorre porque a encenação toda mostra que

quem está no comando da situação é Gilberto. Anísio fala com quem está no comando

da situação que ali se instaura.

Colocando os conhecimentos em jogo 6

Ao ser encenada, a pergunta de Anísio ("e o cara aí...não

fala nada?") é precedida por uma pausa preenchida (e:::) e

por uma saudação informal ("e aí?"), estratégias típicas de

uma oralidade informal (Neste contexto, a informalidade da

linguagem é marcada pelo uso de gírias, marcadores

conversacionais, hesitações, repetições etc. No entanto, no

contexto da cena, a informalidade da linguagem não está relacionada a uma situação

de "relaxamento" entre os interlocutores; ao contrário, está servindo à afirmação de

relações de poder entre o assassino e os empresários.).

O dado apresentado, o qual nos faz perceber as diferenças entre o que estava escrito

no roteiro e a fala realmente encenada no filme, é interessante porque mostra que a

fala do personagem precisa "casar", "combinar" com sua identidade social - ele é um

fora-da-lei, um marginal e, nesta condição, precisa ser muito precavido. Daí a pergunta

sobre a atitude de silêncio de Ivan. Logo depois da pergunta feita, Anísio enuncia sua

desconfiança de que Ivan seja um policial, alguém trazido por Gilberto para

testemunhar a contratação de um assassinato. E faz isso por meio de uma série de

perguntas, sendo as duas primeiras sobre a identidade social de Ivan ("é cana? é

ganso?") e a última de caráter mais geral ("qual que é?"), que pode ser traduzida por

"quem é ele, afinal?" e/ou "o que está acontecendo aqui?".

Neste tópico, estivemos interessados em entender como as línguas humanas são

fenômenos dinâmicos, mutáveis e variáveis. É esse pressuposto que nos possibilita

dizer que a fala de Anísio não pode ser vista como igual às falas de Gilberto e de Ivan.

Eles pertencem a universos sociais diferentes e hierarquicamente opostos - os dois

(engenheiros e donos de uma construtora) estão no topo da escala de status e Anísio

está na base dessa escala. Pertencem a classes sociais radicalmente diferentes e

suas profissões também nada têm em comum. Neste sentido, a fala de Anísio traz as

marcas do que chamamos de variedades não padrão, principalmente no nível lexical.

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Gilberto é tratado de "cara" e é acusado de talvez ser um "cana" ou ainda um "ganso".

Se as duas primeiras expressões podem ser consideradas como gírias comuns ("A

gíria comum é a vulgarização da gíria de grupo. Essa vulgarização ocorre quando a

gíria quebra seu papel de isolamento e exclusão e invade a sociedade em geral, 1 ) ) " # , ) - 2 7 ) # 1 , 2 . , # , ) , ) ) - 7 ) ) - 8 + - " . , ) $ < B C D E F G H E D % I J J K % 1 < L K A < A % podendo ser usadas por pessoas de diferentes grupos sociais em situações informais,

a terceira é um pouco diferente, remetendo ao universo da periferia, onde os delatores

(os "gansos") são duramente penalizados, muitas vezes, com a morte. "Ganso" é,

pois, uma gíria de grupo B � D 8 M 2 ! # - 8 2 7 1 , ) N , , ) 3 , / ' O 7 ( , ) 7 ) # , ) 1 , 2 ) - . , 2 - ) # sociedade que conscientemente mantêm um aspecto de distanciamento em relação à

sociedade em geral, seja pelo inusitado, seja pelos conflitos entre estes setores e a

sociedade. A partir daí, seus usuários criam um mundo particular e esse isolamento é

levado à linguagem por meio de vocábulos específicos, também de caráter isolado e 0 - / P # , $ < B C D E F G H E D % I J J K % 1 1 < L K -40)).

O exemplo de retextualização que ocorre na passagem do texto escrito (roteiro) para o

texto falado (filme) mostra que o domínio sistemático de variedades muito

contrastantes (variedade padrão & variedades não padrão) pelo mesmo sujeito é uma

tarefa muito difícil. Por isso, os roteiristas e diretores do filme necessitaram da

assessoria de um falante da variedade não padrão em questão (Sabotage), para

conseguir construir a identidade linguística de Anísio, o matador profissional.

Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/filmes/invasor/, acesso em 05/04/2011.

Finalizando

Sobre este Tópico 1, podemos dizer que:

1. Todas as línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável,

variável.

2. A variação diacrônica é a variação linguística que se dá através do tempo

(mudança linguística).

3. As línguas sofrem influências de fatores, tais como: quem fala, com quem fala,

o contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,

finalmente, a função comunicativa que está em jogo (variação linguística).

4. A produção de linguagem também é influenciada por dimensões sociais, tais

como o status de quem fala, a distância social entre os participantes e o grau

de formalidade da situação.

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5. As línguas humanas podem ser definidas cada uma como um conjunto de

variedades, que podem ser de natureza social, geográfica, temporal e

estilística.

6. A variedade padrão é uma das variedades de uma língua e é associada à

escrita e a práticas de linguagem (orais ou escritas) de prestígio social. A

variedade padrão passa por processos de regularização e oficialização e serve

para ser usada em funções altas, tais como a escolarização, a elaboração de

leis e documentos oficiais e a administração pública.

7. As variedades não padrão são aquelas usadas pelos falantes mais pobres e

marginalizados da sociedade. Elas também apresentam variações geográficas

e sociais. É por meio delas que são veiculados conteúdos de tradição oral. Não

sofrem processos de regularização e de oficialização. São associadas à

práticas de linguagem (orais ou escritas) de pouco prestígio social.

8. A variação linguística está presente nos textos (orais e escritos) e nos gêneros

textuais.

Fonte da imagem: Redefor

Atividade autocorrigível 4

Escolha a única alternativa correta e depois pouse o cursor sobre o marcador da

alternativa escolhida (letra) para conferir sua resposta:

a) Apenas algumas línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável,

variável.

b) As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala, o

contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,

finalmente, os propósitos comunicativos que estão em jogo.

c) As línguas humanas podem ser definidas, cada uma, como um conjunto de

variedades, variedades estas que não são influenciadas por fatores de natureza social,

geográfica, temporal e estilística.

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d) A variação diacrônica é a variação linguística que ocorre em função do fato os

falantes serem de origens geográficas distintas.

e) A variação diatópica é um tipo de variação linguística que se dá através do tempo.

Respostas

a)!Incorreta. Todas as línguas do mundo são dinâmicas, ou seja, variam e mudam.

b)!Correta. Todos esses fatores exercem enorme influência sobre as línguas do mundo.

c)!Incorreta. As variedades linguísticas, como vimos, são classificadas como sociais, geográficas, temporais e estilísticas.

d)!Inocrreta. A variação diacrônica decorre do fato de que as línguas se modificam com o tempo.

e)!Incorreta. A variação diatópica está relacionada ao fato de os falantes serem de origens geográficas distintas.

Fonte da imagem: Redefor

Tópico 2 - Trabalhando com variedades regionais Um início de conversa No tópico 1, fizemos uma breve apresentação de como uma perspectiva

sociolinguística possibilita a compreensão de alguns aspectos das relações entre

linguagem e sociedade. Vimos que o fenômeno linguístico e as práticas de linguagem

são bastante afetados por fatores e dimensões sociais, tais como a identidade social

do falante, o tipo de interação entre o falante e seu interlocutor, o tópico e o contexto

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social e histórico mais amplo, no interior do qual determinada produção de linguagem

ocorre.

Vimos, também, que os fatores que estão em jogo, quando começamos a perceber de

maneira mais reflexiva os diferentes modos de fala, nada têm a ver com o "certo" e o

"errado", mas com o fato de que as línguas humanas são fenômenos variáveis e que

essa variação pode ser explicada e descrita.

Neste tópico 2, primeiramente, iremos tratar da língua portuguesa no mundo e das

diferenças de funcionamento e peso social do português nos diversos países

africanos, em países da Ásia e da Oceania, em Portugal e no Brasil.

Em seguida, trataremos de algumas variedades regionais do português brasileiro.

Denomina-se variação diatópica o fato de as diferenças linguísticas entre os falantes

serem atribuídas a suas origens geográficas distintas.

Fonte da imagem: Redefor

Ponto de partida 1

Sabemos que um falante do português de Portugal não fala como um falante do

português brasileiro.

Voltemos a observar, mais atentamente, a fala do escritor moçambicano Ungulani Ba

Ka Khosa, na entrevista que concedeu para a TV Cultura, texto brevemente analisado

no Tema 1. Clique aqui para ver o vídeo novamente. Clique aqui para ver a transcrição

do trecho inicial entrevista.

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Vendo e ouvindo novamente o vídeo, com mais atenção, vamos começar a observar

algumas diferenças entre a maneira de se pronunciar as palavras no português de

Portugal (PP) e no português do Brasil (PB).

Uma primeira diferença entre o PP e o PB possível de ser observada é a da

pronúncia do /l/. Na fala do escritor moçambicano (assim como na fala de Getúlio

Vargas), o /l/ é um som alveolar (Som produzido com a ponta da língua tocando a

parte posterior dos dentes incisivos superiores.), não sendo vocalizado como em

"oficiau", que é o que ocorre generalizadamente no PB.

Uma segunda diferença é a realização das vogais. Por exemplo, na fala de Ungulani

Ba Ka Khosa, o /e/ inicial átono (como em "sedimentada") é pronunciado como /i/

("sidimentado"). Também ocorre na fala do escritor moçambicano o fenômeno da

redução das vogais /a/ e /e/. Um exemplo deste fenômeno é quando o escritor fala

"que".

Fonte das imagens: (1) e (2): Redefor

Ponto de partida 2

Uma terceira diferença entre o PB e o PP é a realização/pronúncia do /s/ antes de

consoantes surdas ("posto") ou no final de palavras. No PP, ocorre o fenômeno do

"chiamento", ou seja, o /s/ se realiza como "ch". Por exemplo, na fala do escritor

moçambicano, os /s/ finais pronunciados, como, por exemplo, em "estes elementos",

"os contos", "não estão apagados", são "chiados". No PB, este é um traço de diferença

regional interna ao Brasil. Variedades regionais, tais como a carioca e as variedades

faladas em estados do Norte, do Nordeste e do Sul (Santa Catarina), compartilham o

traço do "chiamento" do /s/ final ou de meio de sílaba.

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Sendo assim, vimos que algumas diferenças linguísticas se devem ao fato de o

português ser falado em diferentes lugares do mundo. Essas diferenças acabam

sendo reproduzidas dentro do espaço geográfico do Brasil por razões históricas e

sociais. Pode-se dizer, ainda, que em países africanos, como Angola, Moçambique,

Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e em países da Ásia e da Oceania,

como Goa e Timor Leste, em que o português também é falado, a situação de seu uso

é bem diferente daquela no Brasil e em Portugal. Se aqui e em Portugal o português é

a língua nacional ("É a principal língua de um país. (...) É a língua usada por

praticamente todo mundo para quase todos os fins. O status de língua nacional pode

ser sancionado em lei, como na França, ou não, como nos Estados Unidos da

América, mas todo país, quer tenha ou não uma língua nacional, é obrigado a

reconhecer uma ou mais línguas oficiais em que são processados os negócios oficiais.

Esse é o status da língua portuguesa no Brasil, de acordo com a Constituição de

1988." (TRASK, 2004, p. 172)) e a língua materna da esmagadora maioria da

população, nos outros países, são diferentes as funções desempenhadas pela língua

portuguesa em relação às outras línguas. No entanto, nos países africanos (Angola,

Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde), no Brasil, em

Portugal e no Timor Leste, a língua portuguesa é a língua oficial (Uma língua que pode

ser usada para tratar de questões oficiais em determinado país. (...) Cada governo de

cada estado nacional determina uma ou mais línguas em que serão tratados os

assuntos relativos ao envolvimento dos sujeitos com as autoridades do país (certidão

de nascimento, carteiras de habilitação e passaportes, formulários oficiais, escrituras

etc.) Mas em muitos países, como por exemplo, a Espanha e a Bélgica, a questão da

escolha de uma ou mais línguas oficiais é uma questão de disputa política até hoje.

(TRASK, 2004)) de todos. A este respeito, veja informações sobre a formação da

CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

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Fonte das imagens: (1), (2), (3), (4), (5) e (6): Redefor

Mãos à obra

Nas páginas anteriores, preocupamos-nos em comentar brevemente o fato de o

português brasileiro, em função de sua relação histórica com o português de Portugal,

ter desenvolvido diferenças linguísticas exatamente porque é falado na América do Sul

e não na Europa. Assim, foi possível observar algumas diferenças linguísticas (no

nível fonético-fonológico ("A Fonética e a Fonologia são as áreas da Linguística que

estudam os sons da fala. Por terem o mesmo objeto de estudo, são ciências

relacionadas. No entanto, esse mesmo objeto é tomado de pontos de vista diferentes

em cada caso. A principal preocupação da Fonética é descrever os sons da fala. (...)

Por sua vez, a Fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da

descrição fonética dos sons da fala em função dos sistemas de sons das línguas e dos

modelos teóricos disponíveis." (CAGLIARI; MASSINI-CAGLIARI, 2001, p. 105-106).))

entre os "falares de lá" e os "falares de cá".

Muitos estudiosos da língua (como gramáticos, filológos e linguistas) assumem a

posição de que há uma íntima relação entre o PP e PB. Esta relação foi estabelecida

devido a fatores geopolíticos, sociais e culturais. Mas tratar duas línguas nacionais

como variedades de uma mesma língua (a língua portuguesa) é e será sempre uma

questão polêmica. No entanto, não há como negar as mútuas influências (A respeito

dos dados estatísticos (que envolvem o número de falantes, as políticas internacionais

de difusão da língua, a produção editorial de uma

forma geral - traduções, número de livros, tiragem

de jornais - e a produção cultural - músicas, filmes,

novelas etc.) sobre a posição do Português no

mundo, mais especialmente do Português do

Brasil, recomendo a leitura de Noll (2008).)

linguísticas e socioculturais entre Brasil e Portugal,

principalmente hoje, no momento em que o Brasil se eleva à posição de nação

economicamente poderosa e politicamente ativa na comunidade internacional.

A partir de agora, vamos nos ocupar dos "falares de cá", ou seja, vamos nos debruçar

sobre as variedades regionais do português brasileiro. Conhecer um pouco dessas

variedades é sempre conhecer também as diferenças culturais e sociais que estão na

base da constituição de qualquer sociedade, muito mais a brasileira, que tem um

histórico de formação multicultural e multilíngue.

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É importante começarmos, então, com uma consideração: o português brasileiro não

conta com uma pronúncia padrão (Apesar de não haver uma normatização da

pronúncia do português brasileiro, em 1936 e em 1957, dois grandes congressos

foram convocados para "regulamentar" a língua utilizada em dois gêneros artísticos: o

canto lírico e o teatro. O primeiro foi o Congresso Brasileiro de Língua Cantada e o

segundo foi o Congresso Brasileiro de Língua Falada no Teatro. No primeiro, houve a

tendência de apontar a fala do Rio de Janeiro como norma. Já no segundo, a

resolução foi na direção de recomendar que um modelo de pronúncia deveria ser o

resultado de uma negociação entre as regiões. Segundo Ilari e Basso (2006), um

aspecto comum aos dois congressos foi a ideia de que, uma vez definida por um

fórum de especialistas, a pronúncia recomendada acabaria se espalhando por áreas

cada vez mais amplas do País através do ensino. Mas isso, de fato, não chegou a

acontecer.) definida.

Fonte da imagem: http://liciafabio.uol.com.br/wp-content/uploads/2010/04/Sem-T%C3%ADtulo-183.jpg, acesso em 19/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 1

Vamos escutar, com bastante atenção, os falares dos vídeos abaixo:

Agora, vamos refletir:

1) A fala de Pitty revela sua origem regional. Quais seriam os traços que você

elencaria como característicos da fala de uma soteropolitana (nascida em Salvador)?

2) Quais as semelhanças e/ou diferenças que você consegue perceber na

realização/pronúncia dos segmentos /s/, /t/, /d/, nas falas dos entrevistados Riane

Brandão, Eli Marques, Abraão e Jean, todos cineastas paraibanos que foram

entrevistados e que estavam concorrendo ao prêmio "Andorinha digital", durante o 4º

Cineport, Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa, realizado em João

Pessoa, Paraíba, em 2009?

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Fonte das imagens: (1) http://www.youtube.com/watch?v=LRXPWym22GE, (2)!

http://www.youtube.com/watch?v=fWJLefAGUYU&feature=player_embedded#at=49, acesso em 19/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 2

Podemos dizer que a fala de Pitty apresenta uma das principais características gerais

da fala nordestina:

· a pronúncia aberta do /e/ em posição pré-tônica, como em "lÉvantado" ou

"fÉlicidade", "mÉnor ideia", "rÉservada", "pÉsar".

Conforme apontam Leite e Callou (2004), em sua obra Como falam os brasileiros, as

vogais pré-tônicas têm sido consideradas um foco de diferenciação não só entre os

falares brasileiros, mas também entre o português do Brasil e o português de Portugal.

Nesse estudo, as autoras mostram que as vogais pré-tônicas grafadas "e" e "o"

estabelecem uma linha divisória entre os falares do Norte e do Sul. Os falantes da

região Norte e Nordeste optam pela realização aberta (como em "intÉresse", ou em

"cÓração"), enquanto os falantes da região Sul e Sudeste preferem a realização

fechada ("intÊresse", "cÔração).

Outra variação na pronúncia, que marca diferenças regionais, é a realização da

consoante /s/. Clique aqui para ver o mapa da distribuição da variação do /s/ no

Brasil.

Na fala de Pitty e dos cineastas paraibanos entrevistados, por exemplo, o /s/ é

predominantemente não chiado, sendo sibilante. Ele também é sibilante na fala do

paulista Abujamra, o entrevistador do programa Provocações. No entanto, sabemos

que, no Nordeste (e a fala de alguns cineastas entrevistados e da primeira jornalista

mostra isto), o /s/ em contexto pré-consonantal pode ser sibilado, como em "busca",

"expectativa", na fala de Riane; ou pode ser chiado (pronunciado como "ch"), como em

"liSta", também na fala de Riane. A variação livre do /s/ também pode ocorrer em final

de sílaba - na fala da jornalista que apresenta a matéria, ela disse "vêS", mas também

disse "literários". Ou seja, ocorre uma variação livre entre o /s/ chiado e o /s/ sibilante

em diferentes contextos (pré-consonantal ou final de sílaba) na fala de baianos (menos

do sul), sergipanos, alagoanos, pernambucanos, paraibanos, potiguares (nascidos no

Rio Grande do Norte), cearenses, maranhenses e piauienses.

Já o /s/chiado ocorre de forma generalizada e predominante em Belém e em

Santarém (PA), em Macapá (AP), em Parintins (AM) e na Baixada Cuiabana (MT). Já

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em Manaus, capital do Amazonas, volta a acontecer a variação entre o /s/sibilante e o

/s/ chiado, tal como ocorre em vários estados do Nordeste. O chiamento do /s/

também é mais ou menos generalizado no Rio de Janeiro, na cidade de Santos (SP),

no litoral catarinense e também (tendencialmente) em Recife (NOLL, 2008).

Colocando os conhecimentos em jogo 3

A pronúncia do /t/ e do /d/ é também um divisor de águas

para os diferentes falares/sotaques brasileiros. Mais

especificamente, a pronúncia do /t/ e do /d/ antes de /i/

encontra-se em variação. No Brasil, esses dois segmentos

sonoros consonantais podem ser realizados de duas

maneiras:

· da maneira como a realizam os falantes de vários estados e regiões do

Nordeste (inclusive os cineastas paraibanos entrevistados), os falantes do

interior de São Paulo e os falantes de Santa Catarina. Todos produzem o /t/ e

o /d/ antes de /i/ sem a chamada "palatalização". Portanto, o /t/ de palavras

como "tia" (/t/ em início de palavra) e "prestigiado" (/t/ depois de uma

consoante) é produzido como um som dental (Som produzido com a ponta da

língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores, ou com a ponta da

língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores.) ou alveolar

(Som produzido com a parte da frente da língua em direção aos alvéolos dos

dentes incisivos superiores.)

· da maneira como a realizam os falantes da maior parte do Brasil, inclusive

Pitty, pronunciando o /t/ e o /d/ palatalizados, ou seja, como sons alveopalatais

(Som produzido na região imediatamente anterior à região onde se articulam

os sons palatais.), como em "tchia" ou "djia". A transcrição fonética aproximada � � � � � � � � � � � Q � � � � R S � � T � R � U � � T V A pronúncia do /r/ é também outro traço marcante de diferenciação entre os falares

brasileiros. Observemos a variação do /r/ apenas em contexto final de sílaba. A fala de

Abujamra, o ator que entrevista Pitty, é marcada pela realização de uma vibrante

simples, como em "lugaR", "poR", "tentaR". Também ocorre em posição intervocálica

como em sua pronúncia de "caRne". Essa realização do /r/ é característica de São

Paulo (capital) e da região Sul. No resto do Brasil, há a predominância do fenômeno

da velarização avançada do /r/ em muitos territórios: no Norte, no Nordeste, no Rio de

Janeiro, em grande parte de Minas Gerais e no Espírito Santo. A velarização é uma

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espécie de "enfraquecimento" do /r/, já que ele deixa de ser produzido com a ponta da

língua tocando a parte posterior dos dentes incisivos superiores (o /r/ de Abujamra), e

passa a ser produzido com o dorso da língua tocando o palato mole (o /r/ de Pitty e

dos cineastas paraibanos). Outro /r/ é marca de diferença regional e social: o /r/ caipira

(retroflexo), realizado por falantes do interior de São Paulo, do sul de Minas, do Sul e

do Centro-Oeste; a pronúncia deste segmento sonoro é bastante estigmatizada e seus

falantes, via de regra, sofrem muito preconceito.

Temos, então, grosso modo, três tipos de /r/: o vibrante simples (de "coração"); o velar

(de "rio", "rato"); o "caipira" ou retroflexo, realizado principalmente no interior do

Sudeste e do Sul do País, tanto em contexto de final de sílaba como em contexto pré-

consonantal.

Fonte da imagem: (NOLL, 2008. p. 68)

Colocando os conhecimentos em jogo 4

Trabalhar com a variação regional em sala de aula pode ser uma experiência muito

significativa. Pode fazer com que os alunos reconheçam, de forma reflexiva e

respeitosa, os diferentes modos de fala. O modo de fala de alguém representa uma

das mais fortes marcas de identidade social daquela pessoa. Quando as crianças

começam o seu processo de aquisição da linguagem, vão adquirindo os traços que

caracterizam a fala de seu grupo social e de seu lugar de origem. É possível que elas

variem ou mudem a pronúncia dos segmentos sonoros, mas é muito comum que

mantenham os traços identitários originais que permitem que seja reconhecida como

pertencendo a um grupo social e geográfico, e que outros sujeitos de fora do seu

grupo também a reconheçam como tal.

O importante é que os alunos percebam que todas as variedades têm seu valor e que

entre os diferentes modos de fala pode não haver uma hierarquia preestabelecida.

Assim, o status social de maior prestígio conferido a uma determinada pronúncia é

sempre provisório e, em geral, não faz sentido para quem produz uma pronúncia

diferenciada daquela à qual se atribui maior status social.

Vejamos os áudios e vídeos abaixo:

Áudio da Música Vaca Estrela e Boi Fubá

Vídeo de Almir Sater contando um causo

Vídeo Cordel do Fogo Encantado - Música "Preta" (Cantada por Lirinha)

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Vídeo "Ai Se Sesse" (Performance de Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado)

Videorreportagem de Rappin Hood com MV Bill (Rappers)

De forma a nos sensibilizarmos para a presença do fenômeno da variação linguística

nos mais diferentes contextos, tipos de interação e gêneros, gostaríamos de propor o

seguinte exercício, que deverá ser feito com base na leitura das páginas anteriores:

Colocando os conhecimentos em jogo 5 A observação sistemática da ocorrência do /r/ nos diferentes dados de fala nos leva a

refletir sobre os seguintes pontos:

1. Voltar a atenção para apenas um único traço linguístico, que funciona como um

"marcador" de identidade linguística regional, nos faz perceber a variação na fala de

cada indivíduo; em outras palavras, passamos a perceber que a fala individual (o

idioleto) também está sujeita a variação; por exemplo, em um dos vídeos que vimos,

Almir Sater não fala o mesmo /r/ ao longo de sua narrativa, um fenômeno que afeta

mais marcadamente os falantes do estado de São Paulo, de certas regiões de Minas

Gerais, do Centro-Oeste e do Sul do Brasil.

2. Voltar a atenção para apenas um ou dois traços linguísticos, que funcionam como

"marcadores" de identidade linguística regional, nos faz perceber que é possível que o

falante controle a sua fala, exacerbando, em certos contextos, determinados traços e

deixando à sombra esses mesmos traços em outro contexto; por exemplo, o sotaque

de Lirinha (o intérprete e compositor do grupo Cordel do Fogo Encantado) pode ser

percebido no seu todo (muitos traços o caracterizam e não apenas a palatalização de

/t/ e /d/), quando ele declama o poema; já quando ele canta, o traço mais proeminente

é apenas um, justamente o da palatalização de /t/ e /d/. Este fenômeno é definido na

literatura sociolinguística como estilização (Vamos tratar deste fenômeno no próximo

tópico.).

3. Voltar a atenção para um único traço da fala, que funciona como um "marcador" de

identidade linguística regional, pode nos levar à conclusão de que este traço,

percebido como marcador da fala de um grupo social e/ou regional específico, na

verdade, é característico do chamado vernáculo (O termo vernacular, como já

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dissemos anteriormente, geralmente refere-se à variedade mais coloquial do repertório

linguístico de um falante. Isto não significa que essa variedade é falada apenas em

situações informais. Por exemplo, a fala de Daniel Godri é construída como

predominantemente vernacular, mas é produzida em uma situação formal, na qual ele

é o palestrante, um especialista que fala para um público atento e com o qual

estabelece uma relação assimétrica.), a fala que a maioria de nós produz

cotidianamente quando não está prestando atenção à própria fala; no caso da fala

vernacular brasileira, uma de suas características é o apagamento do /r/ em final de

palavra, traço este bem marcante na performance da música Vaca Estrela e Boi Fubá,

mas que é um traço da fala da maioria dos brasileiros (Excetuando-se, é claro, os

falantes de variedades regionais do Sul do Brasil que pronunciam o /r/ plenamente em

final de sílaba.) em contextos de situação informal.

4. Voltar a atenção para um ou dois traços da fala, que funcionam como "marcadores"

da identidade linguística regional, pode nos levar a perceber que isso, de forma

alguma, impede a interação entre os falantes das diferentes variedades linguísticas.

Apesar de Rappin Hood e MV Bill exibirem diferentes falares, isto não impede que eles

conversem, interajam, mesmo percebendo as diferenças linguísticas existentes entre

eles. Essas diferenças estão relacionadas ao fato de ambos terem nascido e vivido

durante muito tempo em diferentes lugares (Rio e São Paulo), apesar de pertencerem

a universos sociais semelhantes (a periferia das grande cidades).

Finalizando 1

Neste tópico 2, vimos que:

1. A variação diatópica é um tipo de variação linguística que ocorre porque os

falantes são de origens geográficas distintas. Esse tipo de variação está na base do

fato de línguas nacionais distintas, como o português de Portugal e o português do

Brasil, apresentarem diferenças linguísticas importantes, mesmo que seus falantes

possam se compreender mutuamente. É esse tipo de variação que está na base da

emergência de diferentes "sotaques" de uma mesma língua.

2. Um dos principais traços de diferença entre as variedades regionais é o da

pronúncia ou realização dos segmentos sonoros (sons), estudados pela fonética e

pela fonologia.

3. Um traço linguístico marcador de diferenças linguísticas regionais no Brasil é a

pronúncia aberta de vogais pré-tônicas como em: "lÉvantado" ou "fÉlicidade",

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"mÉnor ideia", "rÉservada", "pÉsar". Os falantes da região Norte e Nordeste optam

pela realização aberta, enquanto os falantes da região Sul e Sudeste optam pela

realização fechada (CALLOU e LEITE, 2002).

4. Uma outra variação na pronúncia que marca diferenças linguísticas regionais no

Brasil é a realização da consoante /s/. O /s/ não chiado é realizado por falantes do

sul e sudeste do Brasil (Espírito Santo, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa

Catarina, Rio Grande do Sul) e em Goiás. O /s/ com chiamento mais ou menos

generalizado é realizado por falantes do litoral de Santa Catarina, cidades de Santos,

Rio de Janeiro, Recife (tendencialmente), Baixada Cuiabana e região de Belém do

Pará, com continuação na área do Rio Amazonas. No Nordeste, de forma geral, ocorre

uma variação livre entre o /s/ chiado e o /s/ não chiado em posição pré-consonantal.

Em posição final, o /s/ não chiado é o mais pronunciado no Nordeste brasileiro (NOLL,

2008).

Finalizando 2

5. Outro traço divisor de águas dos falares brasileiros é a realização de /t/ e /d/ antes

de /i/. Nos falares de várias regiões do Nordeste e de alguns estados do Sul e do

Sudeste, por exemplo, /t/ e /d/ não são palatalizados. Nas demais regiões, o /t/ e o /d/

antes de /i/ tendem a ser palatalizados.

6. Por fim, há pelo menos três diferentes /r/: o vibrante simples (de "coração"); o velar

(de "rio", "rato"); o "caipira" ou retroflexo, realizado principalmente no interior do

Sudeste e do Sul do País, tanto em contexto de final de sílaba como em contexto pré-

consonantal.

7. As diferenças linguísticas que podem ser percebidas na observação das diferentes

variedades regionais brasileiras e na observação do PB, em comparação com o PP,

não parecem impedir definitivamente a comunicação e a interação entre os falantes, já

que estamos, inevitavelmente, imersos nesse contínuo de falares ou "sotaques".

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Fonte da imagem: Redefor

Tópico 3 - O trabalho de estilização das variedades sociais e regionais Ponto de partida Neste último tópico do Tema 3, iremos trabalhar com o tema da estilização das

variedades linguísticas.

Vimos que as línguas são fenômenos variáveis, dinâmicos, mutáveis. A concepção de

língua que adotamos ao longo do Tema 3, é a de língua como conjunto de variedades.

No tópico 2, fizemos uma abordagem breve do fenômeno da variação linguística,

enfocando principalmente a questão das diferentes pronúncias dos falantes, o

chamado sotaque.

Neste último tópico 3, vamos nos dedicar à observação de como os falantes

manipulam de forma consciente e deliberada os diversos recursos das diferentes

variedades linguísticas, de forma a obter determinados efeitos (humorísticos, poéticos,

retóricos, interacionais etc.)

Para isso, precisamos saber: o que é estilização?

Antes de respondermos a esta pergunta, vamos ver e ouvir atentamente os vídeos

abaixo:

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Fonte das imagens: (1) Víhttp://www.youtube.com/watch?v=wamnabxSnKM, (2) http://www.youtube.com/watch?v=Vf03ZYyMrF0,

acesso em 19/04/2011.

Mãos à obra

A estilização das variedades linguísticas é um recurso fundamental para os "poetas

populares", como se autodenomina Jessier Quirino. A ação de estilizar a linguagem

está relacionada ao fato de o poeta e/ou artista popular poder manipulá-la de forma

propositalmente indisciplinada e organizada, como nos diz Bakhtin (1988).

Ao observamos a linguagem do matuto,

personagem criado por Jessier Quirino, tanto

em sua performance ao vivo como no vídeo

de animação, vamos logo perceber que ele

mistura traços linguísticos de diferentes

variedades, para compor a fala e a identidade

nordestinas de seu personagem. Suas

performances têm como principal objetivo

falar de diferentes temas de forma irreverente

e, ao mesmo tempo, poética.

Vejamos alguns elementos que marcam a fala do personagem como uma fala

"nordestina":

· Léxico: "cabra", "embira", "cuscuz com leite";

· Pronúncia: /t/ e /d/ não palatalizado; vogais pré-tônicas abertas; variação entre

/s/ chiado e o /s/ não chiado; pronúncia do /s/ final como /i/ como em "rapai";

· Metáforas: "perigoso, que só buxada de bode"; "invocado, que só um fiscal de

gafieira".

Agora, alguns elementos que também aparecem na fala do personagem, mas que são

caracterizadores de variedades vernaculares ou não padrão do português brasileiro:

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· desnasalização da desinência de 3ª pessoa do plural, do pretérito perfeito -

passa de "amarraram" para "amarraro"';

· queda parcial do plural: "estados unido"; "dois artista";

· o alteamento da vogal pré-tônica - passa de polícia para "puliça"; na mesma

palavra, a monotongação do ditongo final - passa de "polícia" para "puliça"

Fonte da imagem: http://charlezine.files.wordpress.com/2010/11/jessier-quirino.jpg?w=300, acesso em 19/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 1

Vejamos agora o trabalho de estilização da linguagem feito pelo rapper Criolo.

Comparemos duas letras do rapper: "Subirosdoistiozin" (clique aqui para ver a

transcrição da letra) e "Não existe amor em SP" (clique aqui para ver a letra). As duas

músicas fazem parte do álbum Nó na Orelha, disponível para download na Internet.

Vejamos as principais características textuais-discursivas da letra "Subirosdoistiozin":

a) Do ponto de vista estrutural, a letra não é uma narrativa. Ela procura reconstruir

cenas do cotidiano da periferia. Por exemplo, nos versos, "má quem qué pretá/ má

quem qué branca/ todo azulê/requer seu rejuntin", o autor tematiza a procura por

drogas na favela, por meio de metáforas (cada freguês escolhe a droga que lhe

apetece ("todo azulê/requer seu rejuntin") e por meio de gírias. Outras cenas são

descritas: a movimentação de pessoas desocupadas na periferia ("os perreco vem/os

perreco vão"), as crianças da periferia andando armadas com metralhadoras ("a

criança daqui tão de HK"), os saraus que acontecem na periferia hoje em dia ("leva no

sarau/salva essa alma aí"), a periferia vigiada pelo tráfico ("o sol tá de rachá/vários de

campana/aqui na do campin"), uma reunião de rappers/ativistas em uma casa ("só

função no doze"), o sofrimento escondido de um menino ("eu cresci no mundão/onde o

filho chora/e a mãe não vê").

b) Ainda na letra, o autor revela uma parte de sua visão de mundo. Por exemplo, nos

versos "Aqui a lei do cão/quem sorri puraqui/qué vê tu caí", fala-se de um tema

bastante recorrente em muitos raps: o de que não se pode confiar em ninguém nesses

ambientes. Em outros versos, fala dos que prejudicam a periferia ("E covarde

são/quem tem tudo de bom/e fornece o mal/pra a favela morrê"). O rapper também

brinca: quem se dá bem na vida acaba virando/se parecendo um "chinezim". Ele

também fala metaforicamente da postura diante da vida daqueles "que acham que são

mas nunca vão ser".

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Sendo assim, essa letra não nos conta uma história, mas permite que adentremos o

universo social da periferia visto por um rapper. As características textuais e

discursivas da letra e o trabalho sobre as variedades linguísticas empreendido permite

conferir a ela um estilo bem marcado. Do ponto de vista linguístico, esse estilo é

reforçado pela manipulação dos seguintes recursos:

(i) ausência de concordância nominal em alguns sintagmas nominais;

(ii) pronúncia forte do "r" vibrante em contextos de início ("riquer", "Rornet" e meio de

palavra ("arrastá" "sorri", "perreco");

(iii) redução de palavras - as terminadas em inho ("campinho>campim";

"chinesinho>chinesim") e outras ("mas>má" e "licença>cença").

Colocando os conhecimentos em jogo 2

Podemos considerar que Criolo, como os outros poetas anteriormente apresentados, é

um poeta popular. E como tal, vai fazer uso de variados recursos na elaboração de

suas poesias. Vimos que a letra "Subirusdoistiozin" é bastante trabalhada, tanto do

ponto de vista da forma (recursos linguísticos e textuais) como do ponto de vista dos

conteúdos, com o objetivo de mostrar a linguagem e os pontos de vista (como em um

caleidoscópio) de parcelas significativas das periferias brasileiras. No entanto, o rapper

também compõe "Não existe amor em SP", uma letra criada por outra persona. Nesta

letra, os versos do poeta são escritos sem as principais marcas linguísticas e

discursivas presentes em "Subirosdoistiozin", ou seja, recursos linguísticos

socialmente estigmatizados e fragmentação dos conteúdos.

Na letra de "Não existe amor em SP", o tema é enunciado no título e explicado (Por

que não existe amor em SP?) de várias maneiras ao longo das estrofes. Além disso, a

variedade linguística mobilizada é a culta, com todas as suas marcas: concordância

nominal e verbal e ausência de manipulação da pronúncia das palavras. Na letra de

"Não existe amor em SP", podemos perceber que:

a) para justificar que o título da música, a cidade de São Paulo é descrita. A descrição

da cidade é feita por meio de metáforas: SP é como "um labirinto místico onde os

grafites gritam"; SP é como "um buquê". Em seguida, a aproximação entre SP e um

buquê é feita por meio de outra descrição: "Buquê são flores mortas num lindo arranjo

feito para você";

b) nesta letra, como em "Subirusdoistiozin", há a descrição de uma cena: os bares

cheios. Mas, segundo o poeta, estão "cheios de almas tão vazias". No entanto, se isso

guarda alguma semelhança com a outra letra do poeta, esse é um item que também

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marca a diferença entre esta letra e a outra: o número de cenas descritas/ encenadas

em "Subirusdoistiozin" é muito maior do que aquele em "Não existe amor em SP";

c) também como na letra "Subirusdoistiozin", o poeta revela o seu ponto de vista sobre

a cidade por meio de afirmações genéricas: um lugar onde "a ganância vibra", "a

vaidade excita" e onde "ninguém vai para o céu";

d) por fim, como na letra "Subirusdoistiozin", o poeta revela o seu ponto de vista sobre

a vida: "Não precisa morrer para ver Deus", "Não precisa sofrer para saber o que é

melhor pra você".

Assim, podemos dizer que cada letra de música constrói um estilo: um mais popular

("Subirusdoistiozin") e o outro mais culto ("Não existe amor em SP").

Colocando os conhecimentos em jogo 3

Vejamos mais um exemplo de estilização de variedades

linguísticas. Vamos ver e ouvir atentamente a performance

de Marco Luque, ator paulistano que encarna um

motoboy.

(Clique aqui para ver a performance e aqui para ler a

transcrição)

Quais traços das variedades linguísticas do português brasileiro estão sendo

estilizados? Podemos dizer que a identidade social em jogo, aqui, para a qual o

trabalho de estilização da linguagem precisa dar corpo é a do motoboy, um tipo social

das grandes metrópoles (como diz o personagem), que exerce a profissão de

entregador veloz de objetos e documentos. Por se deslocar na cidade, o motoboy é

um sujeito que transita por diferentes redes sociais, vendo e sendo visto, observando e

sendo observado. Os traços linguísticos mais marcados na linguagem do personagem

(um motoboy paulistano) são os que se seguem:

a) a inserção de (i) em sílaba tônica em palavras como "nós" que passa a "nó(i)s";

b) a queda do /r/ final de verbos e substantivos ("aproveitá(r)", "retrovisô(r)");

c) a assimilação de /nd/ em /n/ em palavras como "in(d)o" e "vin(d)o";

d) perda do -s (e de suas variantes) da desinência de plural: "nóis prolifera", "nóis

quér", "nóis viemo", "(vo)cês queria etc.; em outras palavras, a ausência de

concordância.

A estilização desses traços específicos, e não de outros, constrói para o motoboy a

identidade linguística de falante de variedades populares ou não padrão, em especial

paulistanas, dado que esses traços são caracterizadores dessas variedades

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(RIBEIRO, 2002; CASTILHO, 1997; NOLL, 2008; ILARI; BASSO, 2006). Mas, nesse

dado, também podemos perceber o fenômeno da estilização justamente em função do

fato de que alguns dos traços acima não são sistematicamente utilizados, tal como o

traço da não concordância. Um exemplo desse uso não sistemático (e, portanto,

estilístico) de um certo recurso linguístico é justamente a ocorrência da concordância

nos enunciados "eu ouço todas as minhas" e "as avenidas são as artérias". A respeito

da variação estilística em falantes do mesmo grupo social (no caso, em fala de

rappers), ver Bentes (2009).

Outro traço linguístico-discursivo marcador dessa identidade social são as metáforas

ou "ditos". Na performance de Marco Luque, o personagem insta a plateia a "flexionar"

(estilização do verbo "refletir") sobre dois "dilemas": "o que a gente não pode detê-

los... junte-se a eles" e "a cidade é uma ferida incrustrada na crosta terrestre", trabalho

de estilização de uma enunciação proverbial e de uma enunciação metafórica

(NOGUEIRA, 2010).

Fonte da imagem: http://thumb.videolog.tv/videos/a2/05/tg_370789_0002.jpg, acesso em 19/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 4

Vejamos, agora, outros exemplos do trabalho de

estilização da linguagem de textos jornalísticos

da mídia impressa. Trabalharemos com duas

notícias veiculadas no mesmo dia: uma no

Jornal Notícia Já e outra no Jornal Correio

Popular, ambos da cidade de Campinas, São

Paulo.

"GRANA CURTA NÃO BRECA MAIS SONHO DE DAR ROLÊ LÁ FORA" (Manchete

da primeira página)

"Só alegria. Galera que ganha de 3 a 10 salários mínimos virou figurinha fácil nos

aeroportos do País; a chamada classe C decola pro mundo nem que for pra pagar a

viagem a perder de vista."(Lide da matéria que remete à página 3 do Jornal Notícia Já,

de 17 de abril de 2011)

"EMERGENTES DA CLASSE C JÁ MIRAM VIAGENS INTERNACIONAIS" (Uma das

chamadas da primeira página)

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"Mais da metade (52%) dos brasileiros que planejam uma viagem ao exterior nos

próximos 12 meses pertence à classe C - conhecida como a nova classe média

brasileira. São pessoas que possuem renda entre três e dez salários mínimos e já

fizeram a primeira viagem de avião, dentro do País. Buenos Aires, Miami e Nova York

são os destinos mais procurados pelos novos turistas internacionais." (Lide da matéria

que remete à página B9 do Jornal Correio Popular, de 17 de abril de 2011)

É possível perceber que o trabalho de estilização da linguagem aqui incide sobre o

léxico, principalmente sobre os referentes (do que se fala?) textuais.

Fonte da imagem:: http://www.gruporac.com.br/imagens/tit_noticiaja.gif, acesso em 19/04/2011.

Colocando os conhecimentos em jogo 5

Vimos que a observação da primeira página de cada um dos dois jornais nos leva a

perceber uma diferença muito grande na forma de se nomear o principal referente

textual, no caso, a Classe C.

O Jornal Notícia Já prefere categorizar esse grupo por meio de nomes usados em

situações informais de fala, tais como "galera" e "figurinha carimbada". São dois

termos que podem ser considerados gírias comuns. Já o Jornal Correio Popular

mobiliza expressões mais genéricas e menos marcadas, tais como "pessoas" e

"turistas internacionais" para categorizar o mesmo grupo. Além disso, no Correio

Popular, a "classe C" também é recategorizada por meio de um vocábulo mais técnico,

originado do campo dos estudos socioeconômicos: "emergentes".

Ambos os jornais referem-se ao grupo social tematizado como "classe C", expressão

esta acompanhada ou de determinante ("chamada", no Notícia Já) ou de modificador

("conhecida como a nova classe média", no Correio Popular).

Se a forma de categorizar o grupo tematizado revela uma interlocução específica de

cada jornal com diferentes grupos sociais, a forma de tematizar a questão também

reforça esta interlocução diferenciada.

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No Jornal Notícia Já, o foco recai sobre o fato de que, mesmo tendo "grana curta", a

chamada classe C pode viajar porque tem crédito. Nas palavras do Jornal, essa classe

"não breca mais esse sonho". Novamente aqui, o uso de um vocábulo de natureza

gíria (o verbo "brecar"). O Jornal Correio Popular tematiza o fato de que os

emergentes da classe C "miram" ("têm por objetivo") as viagens internacionais, numa

clara diferença de ponto de vista: para o Notícia Já, as pessoas da classe C "sonham"

com isso; para o Jornal Correio Popular, essa classe tem objetivos precisos (verbo

"mirar") e calculados.

Por fim, a recategorização de viagem internacional pela expressão "rolê lá fora", feita

pelo Notícia Já, revela não apenas o uso de uma linguagem mais informal e

considerada "oral" na escrita jornalística, mas, principalmente, a "naturalização" de um

fato: viajar para o exterior passa a ser algo corriqueiro, banal, um simples "rolê" para

esse grupo social.

Finalizando o tópico

Neste tópico 3, tivemos o objetivo de:

1. Mostrar que estamos imersos em um mundo discursivo repleto de objetos

artístico-culturais, organizados de forma a estilizar (manipular) as diferenças

linguísticas, com fins de entreter e, ao mesmo tempo, de afirmar e valorizar

identidades sociais (é o caso das performances e das letras de canção

analisadas) e de privilegiar certos modos de fala na configuração de práticas

de escrita. (Jornal Notícia Já).

2. Evidenciar que a manipulação consciente de traços das variedades linguísticas

é um procedimento muito usado por todos aqueles profissionais da linguagem

(poetas, escritores, atores, jornalistas, publicitários etc.), procedimento este

que fica registrado nos produtos culturais e é reconhecido e compreendido pelo

público ou pela audiência.

3. Compreender, de forma mais reflexiva, as atividades de estilização

empreendidas pelos diferentes profissionais, de forma a valorizar este trabalho

e aprofundar o nosso olhar em relação a práticas de linguagem que parecem

muito banais, mas que, na verdade, resultam de intensa e contínua elaboração

consciente das diferentes variedades linguísticas.

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4. Reforçar a ideia da íntima relação entre língua e sociedade, entre língua e

identidade social, entre língua e poder.

Neste tópico, vimos que:

1. A estilização é a atividade de manipulação dos recursos linguísticos das

diferentes variedades e dos diferentes modos de fala, com fins específicos.

2. As atividades de estilização podem ter o objetivo de (re)afirmar identidades

sociais e/ou distanciar-se delas, já que um dos efeitos da estilização é

transformar a linguagem em um objeto a ser observado, ou seja, é dar um foco

especial sobre a linguagem, fazendo com que seu público e/ou plateia prestem

atenção especial a ela.

3. A estilização de certos traços linguístico-discursivos está inescapavelmente

relacionada a certos tipos de interação ou a certos temas. Certas

construções metafóricas ocorrem, por exemplo, em narrativas populares de

natureza cômica, humorística.

Finalizando o Tema

Recapitulando o Tema 3, temos que:

1. Todas as línguas do mundo apresentam uma natureza dinâmica, mutável,

variável.

2. As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala,

o contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,

finalmente, os propósitos comunicativos que estão em jogo.

3. A produção de linguagem também é influenciada por dimensões sociais, tais

como o status de quem fala, a distância social entre os participantes e o grau

de formalidade da situação.

4. As línguas humanas podem ser definidas, cada uma, como um conjunto de

variedades, que podem ser de natureza social, geográfica, temporal e

estilística.

5. A variação diacrônica é a variação linguística que se dá através do tempo.

6. A variação diatópica é um tipo de variação linguística que ocorre porque os

falantes são de origens geográficas distintas.

7. Um dos principais traços de diferença entre as variedades regionais é o da

pronúncia ou realização dos segmentos sonoros (sons), estudados pela

fonética e pela fonologia.

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8. A variedade padrão é uma das variedades de uma língua e é associada à

escrita e a práticas de linguagem (orais ou escritas) de prestígio social. Ela

passa por processos de regularização e oficialização e serve para ser usada

em funções altas, tais como a escolarização, a elaboração de leis e

documentos oficiais e a administração pública.

9. As variedades não padrão são aquelas usadas pelos falantes mais pobres e

marginalizados da sociedade. Elas também apresentam variações geográficas

e sociais. É por meio delas que são veiculados conteúdos de tradição oral. Não

sofrem processos de regularização e de oficialização. São associadas a

práticas de linguagem (orais ou escritas) de pouco prestígio social.

10. A variação linguística está presente nos textos (orais e escritos) e nos

gêneros textuais. Na fala e na escrita das pessoas e nas mais diferentes

práticas de linguagem, os traços linguísticos diferenciadores e/ou marcadores

de pertencimento social e/ou regional coocorrem, ou seja, ambos os tipos de

traços formatam a produção de linguagem simultaneamente.Todos os

exemplos aqui trabalhados são exemplos da influência simultânea de fatores

sociais e regionais sobre a produção de linguagem.

Atividade autocorrigível 5

Leia atentamente os enunciados abaixo e atribua falso ou verdadeiro a cada um deles

(confira a resposta passando o cursor do mouse sobre o número das alternativas):

1. A estilização é a atividade de manipulação dos recursos linguísticos das diferentes

variedades e dos diferentes modos de fala, com o único objetivo de desconstruir a

identidade social daquele a quem se atribui a fala estilizada.

2. As línguas sofrem influências de fatores tais como: quem fala, com quem fala, o

contexto em que as interações ocorrem, os tópicos sobre os quais se fala e,

finalmente, a função comunicativa que está em jogo.

3. A variação diatópica é a variação linguística que se dá através do tempo.

4. Em geral, apenas um traço linguístico é estilizado nas produções artístico-culturais.

5. A estilização da variedade não padrão é a característica principal dos dois dados

analisados: a cena do filme "O Invasor" e a performance de Marco Luque.

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6. Tanto o fenômeno da variação linguística como as atividades de estilização das

diferentes variedades incidem sobre os diferentes níveis: o fonético-fonológico, o

lexical, o sintático e o semântico.

7. A variação linguística e as atividades de estilização das diferentes variedades

ocorrem na fala e na escrita.

Respostas:

1)!Falso. As atividades de estilização podem ter os mais variados objetivos e não

apenas o objetivo de desconstruir a identidade social alheia.

2)!Verdadeiro

3)!Falso. É a variação diacrônica que ocorre através do tempo.

4)!Falso. Como vimos, nas produções culturais, vários são os traços linguísticos

manipulados para se atingir determinados efeitos em relação ao público e/ou à

audiência.

5)!Verdadeiro

6)!Verdadeiro

7)!Verdadeiro

Ampliando o conhecimento 1

Os diversos textos que compõem o livro, escritos por

pesquisadores altamente gabaritados em suas respectivas

áreas de especialização, cobrem as diversas ramificações da

Linguística, aqui entendida como a ciência da linguagem verbal

humana, desde as mais tradicionais, o chamado "núcleo duro"

dessa ciência, do qual fazem parte a fonologia, a morfologia e

a sintaxe - até as que, paulatinamente, foram sendo

incorporadas - como foi o caso, entre outras, da

psicolinguística, da sociolinguística, da análise do discurso, da

linguística textual, da neurolinguística. (Ingedore Koch -

UNICAMP)

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O português do Brasil é falado por mais de 170 milhões de

pessoas em um imenso território, mas muita gente teima em

afirmar que ele não existe ou, pior, não deveria existir. Ilari e

Basso, seguindo uma tradição iniciada nos anos 20 por Mário

de Andrade e Amadeu Amaral, oferecem-nos, em O português

da gente, um estudo da língua que nós falamos e que pouco a

pouco vai conquistando seus direitos. Este é um livro para ler,

estudar e discutir, na sala de aula e fora dela. (Mário A. Perini -

PUC-Minas)

Nossa tradição educacional sempre negou a existência de uma

pluralidade de normas linguísticas dentro do universo da língua

portuguesa; a própria escola não reconhece que a norma

padrão culta é apenas uma das muitas variedades possíveis no

uso do português e rejeita de forma intolerante qualquer

manifestação linguística diferente, tratando, muitas vezes, os

alunos como "deficientes linguísticos". Marcos Bagno

argumenta que falar diferente não é falar errado e o que pode

parecer erro no português não padrão tem uma explicação

lógica, científica (linguística, histórica, sociológica, psicológica).

Para explicar esta problemática, o autor reúne então n'A língua

de Eulália as universitárias Vera, Sílvia e a esperta Emília, que

vão passar as férias na chácara da professora Irene...

Fonte das imagens: (1) http://www.submarino.com.br/produto/1/154240/introducao+a+linguistica:+dominios+e+fronteiras+-+vol.+1, (2)

http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=292, (3) http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=363, acesso em

19/04/2011.

Ampliando o conhecimento 2

Sinopse

Estevão, Ivan e Gilberto são companheiros desde os tempos de

faculdade. Além disso, são sócios em uma construtora de sucesso

há mais de 15 anos. O relacionamento entre eles sempre foi muito

bom, até que um desentendimento na condução dos negócios faz

com que eles entrem em choque, com Estevão, sócio majoritário,

ameaçando deixar o negócio. Acuados, Ivan e Gilberto decidem,

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então, contratar Anísio (Paulo Miklos), um matador de aluguel, para assassinar

Estevão e poderem, assim, conduzir a construtora do modo como bem entendem.

Entretanto, Anísio tem seus próprios planos de ascensão social e, aos poucos, invade

cada vez mais as vidas de Ivan e Gilberto.

Clique aqui para ver o trailer.

Sinopse

Laranjinha (Darlan Cunha) e Acerola (Douglas Silva) são

amigos, que cresceram juntos em uma favela do Rio de

Janeiro e agora estão com 18 anos. Acerola tem um filho de

dois anos para cuidar, mas sente-se preso pelo casamento e

lamenta a paternidade precoce. Já Laranjinha está decidido a

encontrar seu próprio pai, que não conhece. Paralelamente, o

morro em que vivem é sacudido pelo mundo do tráfico, já que

Madrugadão (Jonathan Haagensen), primo de Laranjinha,

perdeu o posto de dono do local para Nefasto (Eduardo BR).

Clique aqui para saber mais sobre o filme e ver o trailer.

Fonte das imagens: (1) http://www.adorocinema.com/filmes/invasor/, (2) http://www.tvseriados.com/seriados-a-d/cidade-dos-homens/,

acesso em 25/04/2011.

Ampliando o conhecimento 3

Webgrafia

Você pode navegar e obter textos sobre os temas abordados, acessando os seguintes

links:

· Sociolinguística

· A Sociolinguística e seu papel metodológico no ensino da linguagem oral

· Sociolinguística educacional: Teoria e prática nas aulas de Língua

Portuguesa

· O passado, o presente e o futuro da Língua Portuguesa

· Cineport 2009 - montagem produção e programação

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BAKHTIN, M. M. Questões de literatura e de estética. São Paulo: Hucitec, 1988.

BENTES, A. C. Contexto e multimodalidade na elaboração de raps paulistas.

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http://www.revistainvestigacoes.com.br/volume-21-N2.htm, acesso em 21/02/2012.

________. "Tudo que é sólido desmancha no ar": Sobre o problema do popular na

linguagem. Revista Gragoatá (UFF), v. 27, 2009. P. 12-47. Disponível em:

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Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP: Instituto de Artes,

UNICAMP, 2003.

BAGNO, M. A língua de Eulália: Uma novela sociolinguística. São Paulo: Contexto,

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CASTILHO, A. de. O Português do Brasil. IN: R. ILARI (Org.). Linguística Histórica.

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CAMACHO, R. Sociolinguística - Parte II. IN: F. MUSSALIM, A. C. BENTES (Orgs.)

Introdução à Linguística: Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. P.

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CAGLIARI, L.C.; MASSINI-CAGLIARI, G. Fonética. IN: F. MUSSALIM, A. C. BENTES

(Orgs.) Introdução à Linguística: Domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora,

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Referências Bibliográficas 2

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falamos. São Paulo: Contexto, 2006.

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PATRIOTA, L. M. A gíria comum na interação em sala de aula. São Paulo: Cortez,

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RIBEIRO, I. Quais as faces do português culto? IN: T. M. ALKMIM (Org.) Para a

História do Português Brasileiro. Vol. III. Novos estudos. São Paulo:

Humanitas/FFLCH/USP, 2002. P. 359-381.