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- Cumprimento defeituoso de contrato de empreitada * RELATÓRIO A, empresa de construção Intenta ação declarativa de condenação com processo ordinário contra B, serviços industriais Peticionando a condenação da Ré no pagamento de € 121.854.76, quantia essa alegadamente correspondente aos prejuízos causados à Autora com o cumprimento defeituoso de contrato de empreitada consistente na limpeza química de equipamento industrial. A Ré excecionou a litispendência e reconviu, peticionando o pagamento de € 147.747.97 por trabalhos efetuados e não pagos, sendo € 76.134.96 respeitantes à empreitada que sustenta o pedido da autora. A exceção da litispendência foi julgada improcedente. O objeto do litígio consiste, assim, no cumprimento defeituoso de contrato de empreitada, suas consequências, bem como no apuramento dos contra créditos da empreiteira. A instância mantém-se válida e regular, nada obstando ao conhecimento de mérito. Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes: a) Determinar se ocorreu incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado entre autora e ré; b) Na afirmativa, apurar os prejuízos que a autora suportou em decorrência de tal situação; c) Liquidar o eventual crédito da Ré perante a Autora decorrente de trabalhos efetuados e não pagos. * FACTOS PROVADOS Estão provados os seguintes factos:

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Page 1: - Cumprimento defeituoso de contrato de empreitada · 2016. 8. 30. · - Cumprimento defeituoso de contrato de empreitada * RELATÓRIO A, empresa de construção Intenta ação declarativa

- Cumprimento defeituoso de contrato de empreitada

*

RELATÓRIO

A, empresa de construção

Intenta ação declarativa de condenação com processo ordinário contra

B, serviços industriais

Peticionando a condenação da Ré no pagamento de € 121.854.76, quantia essa

alegadamente correspondente aos prejuízos causados à Autora com o cumprimento

defeituoso de contrato de empreitada consistente na limpeza química de equipamento

industrial.

A Ré excecionou a litispendência e reconviu, peticionando o pagamento de €

147.747.97 por trabalhos efetuados e não pagos, sendo € 76.134.96 respeitantes à

empreitada que sustenta o pedido da autora.

A exceção da litispendência foi julgada improcedente.

O objeto do litígio consiste, assim, no cumprimento defeituoso de contrato de

empreitada, suas consequências, bem como no apuramento dos contra créditos da

empreiteira.

A instância mantém-se válida e regular, nada obstando ao conhecimento de

mérito.

Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:

a) Determinar se ocorreu incumprimento ou cumprimento defeituoso do

contrato de empreitada celebrado entre autora e ré;

b) Na afirmativa, apurar os prejuízos que a autora suportou em

decorrência de tal situação;

c) Liquidar o eventual crédito da Ré perante a Autora decorrente de

trabalhos efetuados e não pagos.

*

FACTOS PROVADOS

Estão provados os seguintes factos:

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1- A Autora tem por objeto o exercício de atividades industriais e comerciais

relacionadas com construções metalo-mecânicas, assistência e manutenção a

unidades fabris.

2- A Autora de 07/05/2012 a 31/05/2012 realizou trabalhos, como empreiteira, para

a sociedade C, na (…) da mesma, situada na sua refinaria de (…).

3- No âmbito da referida empreitada, a Autora subcontratou a Ré para “Limpeza,

lavagem inseridos nos trabalhos da paragem da C - Área 1” (documento de fls.

12 cujo teor se dá por reproduzido).

4- A atividade da Autora na obra consistia pois nas atividades padrão de mecânica

e manutenção, tais como válvulas de segurança, permutadores, depósitos,

colunas, filtros e bombas.

5- A Autora na execução da sua atividade necessitava que a Ré executasse todos os

trabalhos de lavagens químicas e de limpeza de alta pressão, estando as tarefas

da Ré planeadas, de acordo com o planeamento da obra e do conhecimento da

mesma.

6- Em 27.6.2012, foi realizada uma reunião entre a Autora e a Ré.

7- O planeamento da obra e do conhecimento da Ré sofreu alterações, sendo a

primeira versão a de fls. 13 a 15, cujo teor se dá por reproduzido, e a segunda

versão a de fls. 140-156, cujo teor se dá por reproduzido.

8- A 11 de Maio de 2012, três dias após o início da Paragem, já o Cliente (C)

alertava a Autora para os atrasos da Ré nos Equipamentos E2101/A/B/C/D.

9- A Ré tinha dado o total de 15 horas para fazer o trabalho em cada um dos

equipamentos acima referidos (com inicio na Quarta Feira dia 9 e conclusão a

Segunda Feira dia 14).

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10- O atraso e a não aprovação pelo Cliente do trabalho executado pela Ré deveu-se

ao facto de não terem equipamentos adequados nem pessoal qualificado para os

trabalhos que lhes tinham sido adjudicados.

11- Quanto aos Caudalimetros, a C teve de intervir e facultou o produto adequado à

lavagem bem como ensinou os colaboradores da Ré a lavarem-nos de modo a

não os danificar.

12- A Inspeção da C só aprovou os seguintes equipamentos depois de sucessivas

reprovações:

- E 8401 – aprovado à segunda vez.

- D2101 – aprovado à terceira vez.

- D2701 – aprovado à quarta vez.

- D8601 – aprovado à segunda vez.

- T2001 – após 6 dias de lavagem, o trabalho da B foi reprovado e a lavagem foi

entregue à D.

- E2102 – aprovado à terceira vez.

13- Em 14.5.2012, a Autora tinha entregue ao Cliente os caudalimetros.

14- Em 13.5.2012, por insistência do Cliente (C) foi contratada uma outra empresa –

a D - para realizar trabalhos de Alta Pressão, a fim de se recuperar os atrasos

provocados pela incapacidade técnica da Ré.

15- Nesta altura, os equipamentos reprovados pela inspeção tinham sido todos

lavados com máquinas de pouca capacidade, que não conseguiam satisfazer os

requisitos impostos pelo cliente (C), nem os prazos acordados.

16- Na última semana de Maio, a Ré foi afastada da Paragem Geral e até essa data

foram sendo progressivamente retirados à Ré equipamentos, sem prejuízo do

referido em 12.

17- A reunião de 27.6.2012 decorre do referido em 8 a 16.

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18- Os equipamentos foram sucessivamente reprovados pela Inspeção do Cliente por

não cumprimento dos requisitos de qualidade exigíveis neste tipo de trabalho.

19- Sempre que os equipamentos eram reprovados, havia necessidade de se voltar a

repetir a Lavagem de Alta Pressão e, consequentemente, adiando-se a data de

entrega dos equipamentos.

20- Da reunião realizada (em 27/6) ficou assente entre a Autora e a Ré que:

- Os trabalhos executados pela Ré nos E 2101/A/B/C/D/, E 2102, E8401,

D2101, D2701, D8601, T2001 foram sucessivamente reprovados devido à

inexperiência dos operadores de lavagem, desconhecimento total dos

equipamentos que iriam intervencionar bem como à utilização de máquinas

inadequados para este tipo de intervenção (Alta Pressão);

- A execução dos trabalhos pela Ré foi deficiente logo desde o segundo dia de

trabalho da Ré;

- A C (cliente final) sempre contestou a capacidade técnica e de resposta da B;

- Face à situação a Autora teve de recorrer aos serviços de outro fornecedor.

21- A inexperiência da Ré manifestou-se no desconhecimento dos operadores, da

Chefia da Ré, bem como da sociedade E - empresa subcontratada pela Ré para

as Lavagens de Alta Pressão na Área 1 - no tipo de equipamentos a serem

intervencionados.

22- As máquinas de Alta Pressão utilizadas pela Ré não tinham pressão adequada

para os trabalhos a serem executados.

23- A Paragem em causa consistiu no Isolamento Processual acompanhado pela C,

montagem de andaimes, retirada de isolamentos térmicos, abertura de

equipamentos, Limpezas Industriais a Alta Pressão, Lavagens Químicas, END´s

(testes hidráulicos), aprovações pela Inspeção do Cliente, fecho dos

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equipamentos, montagens de instrumentação, montagens de isolamentos

térmicos e desmontagem de andaimes.

24- As paragens são intervenções complexas com trabalhos e tarefas planeados

exaustiva e cuidadosamente para que todos os intervenientes executem os seus

trabalhos atempadamente.

25- A conduta da ré obrigou a Autora a contratar outra empresa – a D - para poder

executar parte dos trabalhos da sua responsabilidade perante a C.

26- As reprovações e atrasos derivados da conduta da Ré (consoante factos provados

supra sob 8, 10 a 12, 15, 16, 18 a 20 e 22) causaram imobilização de mão-de-

obra que custou à Autora € 22.189,20 (1804 horas a € 12,30 por hora). Houve

catorze equipamentos cuja limpeza foi realizada, total ou parcialmente, pela D,

passando-se a discriminar – quanto a tais equipamentos- os valores orçados,

acordados e pagos:

Equipamento Proposta média da F

e da G (em euros)

Orçamento acordado

entre

Valor cujo

pagamento foi

Valor pago

pela Autora

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Autora e Ré,

adjudicado (em

euros)

acordado na reunião

de 12.7.2012, a pagar

pela Autora

à Ré (em euros)

à D (em euros) pelo

trabalho realizado

26D8801 4065 919.08 0 7157.96

26D8802 5835 1378.62 0 6146.45

26D8806 2175 919.08 0 7438.10

26T2001 24495 11028.96 5514.48 57219.75

26T2101 23735 11028.96 0 18627.37

26T2701 19730 13786.20 3446.55 15511.34

26E2101A 6855 5517.22 2311.66 4974.75

26E2101B 6880 5517.22 2311.66 4974.75

26E2101C 6870 5517.22 2311.66 4974.75

26E2101D 6880 5517.22 2311.66 4974.75

26E2102 33265 11825 10346.88 8558.55

26E8601 3820 1054.12 1054.12 950

26E8602 3310 11.825 0 1100

26E8801 2985 6324.72 6324.72 275

TOTAL € 150.900 € 92.158.62 € 35.933.39 € 137.863.55

A coluna 26T2001 foi reprovada após seis dias de lavagem pela Ré quando se

estava a dois dias do fim do prazo para conclusão de toda a limpeza. Nesse

circunstancialismo, a D foi encarregue de a limpar o que fez no limite do prazo.

Aproveitando-se desse facto, a D cobrou à Autora a quantia de € 57.219.75 quando

o valor médio das propostas para limpar a coluna 26T2001 era de € 24.495 e o valor

acordado com a Ré para tal efeito foi de € 11.028.96.

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No primeiro domingo que foram trabalhar (facto 33), os trabalhadores da D foram

impedidos de o fazer por pessoal da Ré, sendo o custo da mão-de-obra imobilizada

correspondente de € 5.292.

27- As horas de imobilização de mão-de-obra foram calculadas partindo do princípio

que as intervenções nos equipamentos teriam de cumprir com o Planeamento

(numero de horas para serem intervencionados – dadas pela Ré), a Autora tinha

equipas de Mão-de-obra (MO) prontas para darem continuidade as suas

atividades de manutenção, logo que concluída as Lavagens de Alta Pressão.

28- A Autora emitiu a fatura nº 11892, em 20/7/2012, a reclamar da Ré o pagamento

da quantia de € 149.881.35.

29- Aquando do início da empreitada, os trabalhos entregues à Ré são os

correspondentes ao Planeamento cuja cópia consta de fls. 155-156.

30- Não foram entregues atempadamente pela Autora à Ré pelo menos três

equipamentos, um dos quais foi o 26E2702, para que a Ré efetuasse os trabalhos

de empreitada adjudicados.

31- O referido em 30 implicou a conclusão dos trabalhos de limpeza desses

equipamentos em data posterior à inicialmente acordada.

32- Encontravam-se também à data em execução outros equipamentos extra que não

se encontravam incluídos no planeamento inicialmente acordado: Túnel do

Quenche, Filtros, Válvulas e Troços de Tubagem.

33- Aquando da chegada da Ré à obra, em 13.05.2012 (domingo), para realizar os

trabalhos devidos, nomeadamente limpeza de equipamentos, os funcionários da

D preparavam-se para iniciar o seu trabalho em equipamento anteriormente

adjudicado à ré.

34- Os equipamentos vieram a ser aprovados e aceites pela cliente final (C).

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35- De forma a colmatar a reclamação da Autora, a Ré mobilizou duas máquinas de

alta pressão (uma de 1.200 bar e outra de 2.500 bar) e mais operadores de

limpeza industrial.

36- Ocorreu uma reunião, em 27.6.2012, entre Autora e ré.

37- As partes reuniram-se novamente em 12.07.2012, a fim de fechar as contas

relativas à Área 1 da C – Paragem 2012.

38- Nesta reunião, as partes discutiram e aprovaram pontos respeitantes aos

trabalhos prestados.

39- Tendo ficado acordado nessa reunião que o valor final a debitar à Autora,

relativamente aos trabalhos efetuados para a C, seria de € 73.476,79, resultante

da soma da Fatura n.º 19/2012, no montante de € 11.578,45, e da Fatura n.º

52/2012, no montante de 61.898,34, a que acresce o respetivo IVA.

40- Em resultado, quer das encomendas, quer dos trabalhos realizados pela Ré, a Ré

emitiu e remeteu à Autora as respetivas faturas, a saber:

- Fatura n.º 19/2012, datada de 29.03.2012 e vencida a 28.05.2012, no valor de

€14.241,49 (catorze mil, duzentos e quarenta e um euros e quarenta e nove

cêntimos);

- Fatura n.º 20/2012, datada de 30.03.2012 e vencida a 29.05.2012, no valor de

€44.288,10 (quarenta e quatro mil, duzentos e oitenta e oito euros e dez

cêntimos);

- Fatura n.º 52/2012, datada de 20.07.2012 e vencida a 18.09.2012, no valor de €

76.134,96 (setenta e seis mil, cento e trinta e quatro euros e noventa e seis

cêntimos).

41- A Fatura n.º 19/2012 foi emitida em cumprimento da Nota de Encomenda n.º

239, datada de 29.03.2012 , isto é, liquidação de “10% com a encomenda, a 60

dias da receção da fatura”.

42- Tal Nota de Encomenda respeita a serviços de limpeza e lavagem adjudicados à

Ré para realizar na Paragem da C – Área 1.

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43- Pelo que, o seu valor de €11.578.45 corresponde a 10% do valor total da

empreitada com a encomenda inicial.

44- A respetiva fatura foi emitida e remetida à Autora em 29.03.2012, uma vez foi

nessa data que a encomenda foi rececionada pela Ré.

45- No que concerne à Fatura n.º 20/2012, a mesma respeita à realização de

trabalhos pela Ré para a empresa H, nomeadamente limpeza química dos spools

em aço-carbono e aço-inox e armazenagem, transporte e tratamento dos

efluentes de limpeza.

46- De acordo com a Nota de Encomenda n.º 917, datada de 25.10.2011, as

condições de pagamento são “100% com o final dos trabalhos, a 60 dias da

data da fatura”.

47- Tendo os trabalhos terminado a 30.03.2012, a Ré emitiu e remeteu à Autora a

respetiva Fatura na mesma data, no total de € 44.288,61 (quarenta e quatro mil,

duzentos e oitenta e oito euros e dez cêntimos).

48- Correspondendo tal valor ao montante constante da nota de encomenda (€

36.007,00), acrescido do respetivo IVA.

49- Sendo que, também quanto a esta não procedeu a Autora à sua devolução ou a

qualquer reclamação, considerando-se, portanto, a mesma aceite e sendo por isso

o valor nela aposto totalmente devido.

50- A fatura nº 52 foi remetida pela Ré à Autora em 20.7.2012.

*

FACTUALIDADE NÃO PROVADA

Não se provaram os seguintes factos: Artigos 8º, 35º, 37º, 38º, 41º a 43º dos

Temas da Prova.

Artigo 4º dos Temas da Prova: provado apenas o que consta da resposta ao

artigo 7º dos mesmos Temas.

Artigo 12º: provado apenas o que consta da resposta ao artigo 7º dos Temas da

Prova;

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Artigos 25º: provado o que consta das respostas aos artigos 23º e 24º dos Temas

da Prova;

Artigo 26º: provado o que consta da resposta ao artigo 23º dos Temas da Prova;

Artigos 29º a 31º dos Temas da Prova: provado apenas o que consta da resposta

ao artigo 32º dos Temas da Prova;

Artigos 48º dos Temas da Prova: provado o que consta da resposta aos artigos

23º e 47º dos Temas da Prova;

Artigo 49º: provado o que consta da resposta ao artigo 47º;

Artigos 60º e 61º: provado o que consta da resposta aos artigos 46º e 47º dos

Temas da Prova.

*

FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do Tribunal quanto às respostas de teor afirmativo estribou-se na

apreciação crítica e conjugada:

a) Das declarações de parte de I, engenheiro, presidente do conselho de

administração da ré desde 1999. Esteve presente nas duas reuniões. Descreveu o

âmbito dos trabalhos contratos e os trabalhos extra e o trabalho atinente à fatura

referida em 45. Empolou a percentagem de trabalho efetivamente realizado pela

Ré. Mostrou-se agastado com a posição da autora. Mostrou espanto-

parcialmente fundado - perante os valores reclamados pela autora de € 2.112 de

imobilização de mão-de-obra por cada válvula.

As declarações relevaram para a prova dos factos 32,36, 37, 38, 39, 40 a 50.

b) Das declarações de parte de J, o qual é um dos administradores da autora desde

2007. Foi ouvida por iniciativa do tribunal. Explicou as relações da autora com a

D. Reconheceu que o preço cobrado pela D pelo último equipamento pode ser

um abuso por saberem que é o último equipamento. De forma absolutamente

espontânea, precisou que a Autora tem um custo de € 12,30 por hora com a mão

– de-obra que intervinha a seguir à lavagem e que esteve imobilizada.

As declarações relevaram para a prova dos factos 14, 25, 26, 27.

c) Do depoimento das testemunhas:

- K, o qual foi diretor geral da autora entre junho de 2010 e abril de 2013.

Acompanhou a obra em supervisão, sendo que as pessoas que estiveram mais

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assiduamente no terreno por parte da Autora foram o Eng. L e a Eng. M. Relatou o

conhecimento que teve da prestação da Ré, seus defeitos e modo como a autora tentou

superá-los.

O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17,

19, 21, 22, 26, 28.

- L, engenheiro mecânico, o qual à data dos factos desempenhava as funções de

chefe de departamento de manutenção e logística da autora. No âmbito da empreitada

dos autos, preparou recurso para a paragem, esteve envolvido na contratação de

subempreiteiros. Era a pessoa a quem a engenheira M reportava. Tinha uma presença

assídua na obra. Foi chamado pela C logo de início para ser informado que a prestação

da Ré não correspondia ao necessário. Relatou a evolução subsequente. Esteve presente

na reunião de 12.7.2012.

O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 8, 9, 12, 14, 15, 16, 17, 19,

22, 26, 37, 39.

- M, engenheira eletromecânica, a qual trabalhou para a autora entre 2003 e

finais de 2012, exercendo as funções de coordenadora de manutenção. Foi a

coordenadora da manutenção da paragem. Tinha presença diária na obra, sendo a pessoa

da autora que mais estava no terreno. Fez uma descrição muito detalhada das

vicissitudes da obra. Esclareceu que preveniu a Ré da intervenção da D. Na altura, foi

encarregue e fez um levantamento do número de horas da mão-de-obra imobilizada em

virtude dos atrasos causados pela Ré. Esteve presente nas duas reuniões. Precisou que a

Ré esteve seis dias para lavar a coluna, sendo a lavagem reprovada a dois dias do termo

da empreitada, sendo a D que salvou a situação.

O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 7, 8, 10, 11, 12, 14, 15, 16,

17, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28, 37 e 39.

- N, o qual trabalha para a Ré há dez anos, exercendo as funções de diretor de

limpezas químicas da Ré. Exercia por parte da Ré as funções de coordenado da paragem

da C. A informação atinente à execução da empreitada passava, em regra, por ele.

Reconheceu que a Ré teve atrasos que procurou superar com mais máquinas e pessoal.

Relatou o conteúdo das reuniões de 27.6. e de 12.7, embora quanto à primeira tenha

evidenciado uma memória “seletiva” na medida em que não se recordou das partes da

ata da reunião que eram favoráveis à autora. Esclareceu que a partir de determinada

altura, a Ré e a D estavam a trabalhar na empreitada, sendo que – apesar de a autora

retirar equipamentos que entregava à D - a Ré continuava a trabalhar na empreitada.

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Reconheceu que houve problemas com a coluna T2001 da responsabilidade da ré.

Particularmente significativo o segmento do seu depoimento em que afirma que a Ré

não trabalhou mais com o subempreiteiro E.

O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 12, 18, 19, 21, 22, 25, 26,

29, 30, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 45, 46, 47.

- O, trabalhador da Ré há mais de vinte anos, com a categoria de operador de

limpeza química. Trabalhou na obra quase desde o início mais com funções de chefia de

pessoal. Relatou atrasos na entrega de equipamento pela autora. Esteve presente no

agitado domingo em que os trabalhadores da Ré se cruzaram, pela primeira vez, com os

trabalhadores da D.

O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 30, 31, 33, 35, 45.

- P, o qual trabalha para a Ré há nove anos, tendo a categoria de operador de

limpezas químicas. Foi uma das pessoas que foi colocado pela ré para reforçar a equipa

face aos atrasos e problemas.

O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 30, 31, 33, 35, 45.

- Q, o qual desempenhou na empreitada geral da C as funções de inspetor de

equipamentos. Esta testemunha foi ouvida por iniciativa do tribunal. A aprovação das

limpezas passava por si, acabando esta testemunha por supervisionar o trabalho da

autora, feito pela própria autor ou através da ré/subempreiteira. Estava todos os dias na

obra. Esclareceu que o trabalho mais complexo foi a coluna.

O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 10, 12, 18, 19, 25, 26, 34.

- R, engenheiro mecânico, o qual trabalha para a C desde 1979, exercendo as

funções de chefe de manutenção de equipamento estativo. Esta testemunha também foi

ouvida por iniciativa do tribunal. Exerceu as funções de responsável pela coordenação

da paragem da área 1 por parte da C. Foi a testemunha que se revelou mais isenta e com

uma visão mais estrutural dos acontecimentos. Esclareceu que pressionou a autora para

recorrer à F e não à Ré, o que inicialmente mereceu acolhimento da autora mas acabou

por não se concretizar porque, entretanto, a F se comprometeu a trabalhar noutra zona

durante a paragem. Explicou que o valor cobrado pela D à autora pela coluna 26T2001 é

um exagero porquanto a Ré já lá tinha andado a lavar vários dias. Nas suas próprias

palavras, “as empresas [D] valem-se da situação de quem está com a corda na garganta

[autora] ”. Via o pessoal da autora imobilizado à espera que fossem concluídas as

lavagens.

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O seu depoimento relevou para a resposta aos factos 10, 14, 18, 19, 21, 22, 25,

26, 27, 33.

No caso em apreço, o núcleo do litígio centrou-se na discussão dos encargos

(máxime factos 26 e 27) que a autora teve de suportar em decorrência do cumprimento

defeituoso da Ré. Quanto ao cumprimento defeituoso, as testemunhas confluíram na sua

ocorrência, incluindo testemunhas da Ré (v.g. N).

Resulta de depoimentos confluentes e do próprio facto provado sob 26 (a Ré

apresentou um orçamento de € 92.158,62 para trabalhos que a média da concorrência

pedia € 150.900) que a Ré não tinha experiência neste trabalho e que se socorreu de um

parceiro (E) também inexperiente. Perante a situação daí resultante, a autora teve que

suportar encargos, inflacionando alguns sem justificação. No que tange à imobilização

da mão-de-obra, o tribunal atendeu às horas apontadas pela testemunha M, sendo a

imobilização confirmada pela testemunha mais imparcial R, conjugado com o valor

hora de € 12,30, assumido espontaneamente por J como sendo o custo que a autora

suporta com tal mão-de-obra. Tivemos também a preocupação de discriminar todos os

valores, equipamento a equipamento, para ter uma imagem mais fidedigna dos

acontecimentos.

No que tange aos trabalhos cujo pagamento é reclamado pela Ré, em termos

efetivos, os mesmos não foram questionados pelas próprias testemunhas da Autora,

tanto mais que ocorreu um acordo de pagamento na reunião de 12.7.2012, sendo ainda

certo que nada foi contraditado quanto aos trabalhos referidos nos factos provados sob

45 a 47.

As testemunhas depuseram com conhecimento direto de parte dos factos sobre

que foram inquiridas, de modo idóneo e de molde a convencer o Tribunal quanto à

ocorrência dos factos que foram dados como provados.

É de relembrar que "os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode

ser medido apenas pelo tom em foram proferidos. Todos sabemos que a palavra é só um

meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e

todo o aspeto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no

crédito a prestar-lhe." – EURICO LOPES CARDOSO, BMJ nº80, pp. 220/221.

Assim na valoração do depoimento testemunhal, aquilatou-se nomeadamente: na

intervenção pessoal nos factos em causa; na decisão e consistência das respostas; na

transparência do conhecimento direto dos factos; na serenidade da postura; nas reações

dos depoentes, no tom de voz, modo de dizer e outras circunstâncias similares que

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modificam o sentido das palavras; na isenção e imparcialidade denotadas versus

eventuais interesses na causa e/ou eventual ligação às partes.

De modo ainda mais concretizado, entendemos que na valoração dos

depoimentos testemunhais sobrelevam os seguintes critérios:

A coerência do relato efetuado, devendo o mesmo ter uma boa estruturação do

ponto de vista lógico;

A contextualização do relato (contexto cognitivo) de molde que o relato que

oferece detalhes de uma circunstância ou ambiente vital, espacial ou temporal

em que se desenrolam os factos descritos, fazendo-o de forma plausível e

espontânea, constitui índice da veracidade do depoimento;

As corroborações periféricas no sentido de averiguar se o relato da testemunha é

confirmado por outros dado que, indiretamente, demonstram a veracidade da

declaração. Essa corroboração pode advir da coincidência das diferentes

declarações sobre um facto, abrangendo também a prova circunstancial ou

derivada de presunções;

A (in) existência de detalhes oportunistas a favor da parte no processo. Trata-se

de averiguar se a testemunha faz referências a dados, normalmente

desnecessários, que pretendem beneficiar uma das opções que se estão a debater

no processo, por exemplo, manifestações sobre o carácter ou intencionalidade de

uma das partes ou mesmo de justificação das atuações das partes, que

extravasam o que se perguntou à testemunha. A testemunha, ao atuar assim

pretende que os factos sobre que depõe se interpretem a favor de quem deseja

beneficiar.

No caso de testemunhas com algum interesse na causa (v. g. as pessoas indicadas no

Artigo 497º do Código de Processo Civil ou trabalhadores e outros dependentes

economicamente das partes), são expectáveis a coerência do depoimento e a existência

de detalhes oportunistas pelo que a respetiva ocorrência deve ser secundarizada ou ser

simplesmente utilizada como elemento justificador do não merecimento de

credibilidade. Para a avaliação deste tipo de testemunhas deve valorar-se

fundamentalmente a contextualização dos relatos e, a posteriori, a existência de

corroborações – cf. JORDI NIEVA FENOLL, La Valoración de la Prueba, Marcial Pons,

2010, p. 284.

O ato de valorar depoimentos não se basta com o somatório dos mesmos, sendo

certo que responder à matéria dos Artigos não é transpor para essas respostas as

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palavras das testemunhas. Uma coisa é o que a testemunha diz e outra, muito diferente,

é o valor daquilo que diz. Os depoimentos pesam-se caso a caso, no contexto em que se

inserem, tendo em conta a razão de ciência invocada, a sua razoabilidade face à lógica, à

razão, às máximas da experiência e aos conhecimentos científicos, relevando ainda na

valoração do depoimento os aspetos comportamentais e reacionais acima já

mencionados.

Conforme refere LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Conceito e

Princípios Gerais à Luz do Novo Código, Coimbra Editora, 2013, p. 200, “No âmbito

do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do Julgador

sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta,

raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de

suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções

judiciais (…) por natureza implica (...) ”. O convencimento do julgador deve fundar-se

numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado

às exigências práticas da vida, tendo em vista lograr a paz social, o que não se

compadece com indagações intermináveis e de natureza puramente epistemológica. Ou

seja, as provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas

as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em

consideração as regras de experiência comum. Necessário é que o juiz aprecie as provas

segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto [Artigo 607º, nº5 do Código de

Processo Civil], exigindo-se que o julgador proceda com bom senso e sentido de

responsabilidade, sendo a livre apreciação lógica e motivada em obediência a critérios

legais.

Acerca do nosso entendimento sobre o significado precípuo de dar como

provado um facto, sobre o sentido da apreciação da prova segundo a probabilidade

lógica prevalecente e standard de prova conexo, cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Prova

por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2013, 2ª ed., pp. 143-157.

c) Dos documentos oportunamente juntos aos autos os quais foram valorados em

conjugação com a prova testemunhal.

FACTOS DOCUMENTOS DE FLS:

7 13-15, 140-156

8 18

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9 149-149 v

12 18

16 260-262 v

18 18

20 16

26 19, 259-263, 317, 317 v, 337-349

28 20

29 150-156

36 16

39 19, 68, 69

40 16, 68, 68 v, 69

41 68

42 68

43 68

45 68

46 102 v

48 102 v

50 69

Note-se que os documentos particulares escritos ou assinados por terceiros, que

não as partes, são apreciados livremente pelo Tribunal – cfr. Artigos 376º e 366º do

Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.5.2005, Lopes Pinto, de

31.5.2005, Ferreira Girão, de 29.1.2008, Santos Bernardino, acessíveis em

www.dgsi.jstj/pt. “Os documentos particulares que, em resultado de terem sido

impugnados, carecem da força probatória estabelecida no artigo 376º do Código Civil

podem, não obstante, contribuir para a livre convicção do juiz sobre os factos

quesitados, com base na sua maior ou menor credibilidade” – Acórdão do Supremo

Tribunal de Justiça de 15.4.2004, Quirino Soares, 04B795. Em sentido equivalente, cfr.

o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30.4.2012, Augusto de Carvalho,

169/1993, segundo o qual “O facto de se impugnar um documento não significa que

deixe de ter valor probatório. Uma coisa é a força probatória de um documento e outra

bem diversa é a convicção do julgador formada, após a análise crítica das provas,

incluindo a dos documentos.”

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Os factos provados sob 23 e 24 resultam de acordo das partes ( cf. ata de fls.

220).

As respostas negativas aos artigos derivam designadamente:

- Da prova produzida em sentido oposto ou incompatível:

Artigo 8º versus planeamento de fls. 140-145, 147v. e 149, o qual não confirma

as datas indicadas;

Artigos 37º e 38º dos Temas da Prova versus depoimento da testemunha M;

- Da insipiência e insuficiência da prova produzida:

Artigos 35º, 41º a 43º dos Temas da Prova : as testemunhas não se pronunciaram

assertivamente e de forma concretizada sobre esta factualidade, inexistindo prova

documental suficiente.

Note-se que, conforme foi o caso, os meios de prova podem servir à formação de

convicção judicial sobre factos diversos daqueles para os quais foram especificadamente

indicados, designadamente, no que tange à prova testemunhal.

[ Cfr. Artigo 607º, nº5, do Código de Processo Civil; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de

2.11.79, Martins da Fonseca, BMJ nº 296, p. 323, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9.4.87,

Aragão Seia, CJ 1987- II, p. 234, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.5.95, Matos Canas,

BMJ nº 447, p. 599, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7.3.95, Pereira Cardigos, acessível em

www.dgsi.jstj, de 13.1.2000, Sumários, 37º - 33, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de

31.10.2006, Isaías Pádua, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.]

*

O DIREITO

Assentes os factos, cumpre aplicar-lhes o direito.

Do cumprimento defeituoso da subempreitada

Resulta da matéria de facto assente que a Autora e a Ré celebraram um contrato

de subempreitada tendo por objeto a realização de trabalhos de lavagens químicas e de

limpeza de alta pressão, nas instalações da C, em (…). A Autora assumiu a posição de

dona da obra perante a Ré e de empreiteira perante a C, dona da obra da empreitada

geral. Por sua vez, a Ré assumiu a posição de empreiteira perante a autora.

Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o

empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela –

Artigo 1213º, nº1 do Código Civil.

A realização existente entre a subempreitada e a empreitada é a de uma união de

contratos unilateral, funcional e necessária. Os dois contratos prosseguem a mesma

finalidade, visando ambos a realização do interesse do dono da obra.

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A subempreitada é um contrato de tipo idêntico ao da empreitada, ao qual se

aplicam as mesmas regras. Todavia, por vontade das partes, ela pode ficar sujeita a

cláusula diferentes do contrato base – cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Contrato de

Empreitada, 1994, Almedina, p. 124; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de

13.1.2004, Rosário Morgado, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.

Com o contrato de subempreitada cria-se uma relação obrigacional que está

condicionada à existência do contrato de empreitada, em que o empreiteiro

(denominado intermediário) assume posições jurídicas diferentes nos dois contratos em

que é parte. Com base na posição jurídica que lhe advém do contrato de empreitada, o

empreiteiro (intermediário) celebra um segundo contrato no qual vai ocupar a posição

de contraparte no primeiro contrato, ou seja, torna-se dono da obra em relação ao

subempreiteiro e este torna-se empreiteiro em relação àquele – cf. Acórdãos do

Supremo Tribunal de Justiça de 11.6.2002, Miranda Gusmão, CJ 2002 – II, p. 100 e de

24.10.2002, Afonso Melo, CJ 2002 – III, p. 116.

No que tange aos prazos de denúncia dos defeitos e respetivo regime de

responsabilidade, aplicam-se ao contrato de subempreitadas as mesas regras que ao

contrato de empreitada – cf. PEDRO DE ALBUQUERQUE e MIGUEL ASSIS RAIMUNDO,

Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Contrato de Empreitada, Almedina,

2012, II Volume, pp. 333-334; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2008,

Salvador da Costa, 08B192.

Ora, a prestação da Ré foi defeituosa conforme ressalta à exaustão da matéria de

facto provada sob 8, 10, 11, 12, 15, 18, 19, 21, 22, 25. Em resumo, a ré não tinha

experiência neste tipo de trabalho, recorreu a um parceiro (E) que também não tinha

experiência nem equipamento adequado para a realização dos trabalhos. Tudo isto

implicou sucessivas reprovações dos trabalhos por incumprimento de requisitos de

qualidade, subsequentes atrasos no planeamento dos trabalhos e na empreitada a cargo

da Autora.

Tendo em consideração que o prazo para a realização da empreitada era curto

(três semanas) e pressionada pelo dono da empreitada geral (C), a autora optou por

recorrer à prestação de serviços de outra empresa para realizar trabalhos que a Ré não

lograva concluir e retirou-lhe, ab initio, outros trabalhos, encarregando a terceira

sociedade de os fazer.

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Aqui chegados, a questão que se coloca é a de saber se a autora podia recorrer

aos serviços de terceiro nos termos em que o fez, vindo peticionar depois o seu

ressarcimento perante a Ré.

Vejamos.

Ocorre cumprimento defeituoso sempre que o devedor realiza a prestação a que

estava adstrito em violação do princípio da pontualidade, ocorrendo um

desconformidade entre a prestação devida e a prestação realizada que não permite a

satisfação adequada do interesse do credor – cf. Artigos 799º, nº1, 913º e ss., 1218º e ss.

do Código Civil. O cumprimento inexato advém de uma violação do contrato que, as

mais das vezes, tem por base uma perturbação na equivalência das prestações.

O cumprimento defeituoso depende do preenchimento de quatro condições:

1ª - Ter o devedor realizado a prestação violando o princípio da pontualidade. As

situações de cumprimento inexato podem ser agrupadas nomeadamente nas

seguintes classes:

- A prestação é realizada de modo distinto do estabelecido no acordo;

- A prestação é realizada em tempo distinto do acordado;

- A prestação é de quantidade distinta da devida;

- A prestação não é realizada no local aonde era devida;

- É entregue coisa diferente da acordada,

- A prestação é de qualidade diversa da devida quer quanto à conduta quer

quanto ao objeto;

- A prestação padece de um defeito de direito, v.g., coisa alheia ou gravada com

ónus não declarado;

- Quando, para ser realizada a prestação principal, foram violados deveres

acessórios;

- Situações de realização defeituosa da prestação expressamente estabelecidas na

lei para alguns contratos em especial.

2ª - Haver o credor procedido à sua aceitação por desconhecer a

desconformidade ou, conhecendo-a, apondo uma reserva;

3ª - Mostrar-se o defeito relevante;

4ª - Sobrevirem danos típicos. Estes podem consistir em danos subsequentes

com a correlativa obrigação de indemnizar, bem como em prejuízos (em sentido amplo)

que geram deveres de eliminar os defeitos ou de reduzir a contraprestação. Trata-se de

danos distintos daqueles que o credor poderia sofrer em caso de não cumprimento

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definitivo ou de mora - cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento defeituoso,

Em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, 1994, pp. 143-152;

CARNEIRO DA FRADA, Contrato e deveres de proteção, Coimbra, 1994, p. 29, Nota

40.

A responsabilidade do devedor baseia-se na culpa (imputação da conduta

violadora do dever de cumprimento ao obrigado, num juízo de censura), havendo uma

presunção de culpa do devedor que também abrange as situações de cumprimento

defeituoso - Art. 799º, nº1 do Código Civil; cf. LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das

Obrigações, III Vol., 2002, Almedina, p. 267. O estabelecimento desta presunção

resulta do facto de, sendo a culpa - segundo as regras da experiência - normalmente

inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da

situação anormal de ausência de culpa. Acresce que, sendo o devedor quem controla e

dirige a execução da prestação tem maior facilidade de conhecer e demonstrar as causas

de verificação do incumprimento – cf. JOÃO CURA MARIANO, Responsabilidade

contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, Almedina, 2004, p. 58.

Numa situação de cumprimento defeituoso não se verifica a liberação do

devedor, podendo ocorrer as seguintes situações: ou o devedor se constitui em mora

(Artigo 804º do Código Civil) ou se verifica o incumprimento definitivo da obrigação

(Artigo 808º do Código Civil). Ocorrendo mora, o credor conserva interesse na

prestação, pelo que caberá ao devedor reparar o defeito, ou substituir a prestação

defeituosa por outra em condições.

Refere JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não

Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, p. 359,

“ (…) o credor não poderá avançar para tutelas mais radicais sem antes dar ao

devedor a possibilidade de cumprir corretamente o seu dever. O pedido de

novo cumprimento (por eliminação dos vícios, expurgação dos ónus, substituição

da prestação) pressupõe, por um lado, que o cumprimento defeituoso não

provocou uma perda de interesse do credor e que este está disposto a esperar

pela correção/substituição a efetuar dentro de um prazo razoável, mas pode

ser paralisado, por outro lado, pela invocação (pelo devedor) da sua

desproporcionalidade (equação custos-benefício e relação correção-

indemnização). Não sendo material ou juridicamente viável a correção do

cumprimento (…) ou tenha sido recusada, na oportunidade concedida pelo credor,

este poderá exigir uma redução da sua contraprestação ou resolver o contrato,

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estando, contudo, ciente de que a “escassa importância” do defeito pode precludir

a utilização deste último remédio.”

Em sede de cumprimento defeituoso, as normas especiais sobre a compra e

venda de coisas defeituosas, sobre o cumprimento defeituoso do contrato de locação e

sobre o cumprimento defeituoso do contrato de empreitadas constituem afloramentos,

concretizações ou explicitações de uma norma geral – cf. NUNO MANUEL PINTO

OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 411.

No que tange ao concurso entre os direitos à retificação e à substituição da

prestação defeituosa, NUNO OLIVEIRA, Op. Cit., p. 501, entende que assiste ao credor a

faculdade de escolher entre a retificação e a substituição da prestação. E prossegue:

” O credor (p. ex., o comprador ou o dono da obra) terá a faculdade de escolher

entre o direito subjetivo propriamente dito à reparação e o direito subjetivo

propriamente dito à substituição da prestação defeituosa, imperfeita ou inexata.

O devedor (p. ex., o vendedor ou o empreiteiro) poderá opor-se à escolha do

credor da prestação defeituosa, alegando e provando uma de três coisas:

1º que a substituição da prestação defeituosa é desnecessária, porque a

retificação satisfaz o interesse do credor – art. 914º do Código Civil - ; 2º que a

reparação ou a substituição é impossível – art. 1221º , nº1 , do Código Civil -;

e/ou – 3º que a reparação ou substituição é inexigível – art. 1222º, nº2 , do Código

Civil “.

O direito do credor a exigir a redução do preço ou a resolver o contrato são

subsidiários em relação aos direitos primários de reparação ou substituição da prestação.

Com efeito, e recorrendo ao regime do contrato de empreitada (que constitui

afloramento de um princípio geral, como vimos), provada a existência de defeitos que

tornam a obra inadequada para os fins pretendidos pelo seu dono, cabe ao dono da obra

a obrigação de notificar o empreiteiro para que este, dentro de um prazo razoável, os

elimine (Artigos 777º, 804º, 805º e 808º do Código Civil). Se nesse prazo razoável os

defeitos não forem eliminados ou não tiver sido construída nova obra, é que então o

dono da obra poderá exigir a redução do preço ou a resolução do contrato se os defeitos

tornarem inadequada a obra ao fim a que se destina e, ao mesmo tempo, poderá pedir a

intervenção de terceiros para eliminar os defeitos. Só em caso de manifesta e provada

urgência é que ele pode diretamente, e sem intervenção do tribunal, proceder à

eliminação dos defeitos, exigindo depois o pagamento das respetivas despesas por parte

do empreiteiro – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.97, 98B900,

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Ferreira de Almeida, de 8.6.2006, 06A1338, Fernandes Magalhães, de 2.11.2006,

06B3822, Custódio Montes, de 16.3.2010, 6817/06, Urbano Dias, Acórdão do Tribunal

da Relação do Porto de 28.3.2011, Soares de Oliveira, 444/08, todos acessíveis em

www.dgsi.pt/jstj.

Esta é a posição que vem sendo adotada maioritariamente pela jurisprudência.

Todavia, não cremos que seja a mais ajustada e pertinente ao caso em apreço,

não devendo ser adotada de modo absoluto.

Em primeiro lugar, a exceção da urgência das obras deve admitir-se se o recurso

a terceiro for necessário para evitar prejuízos ulteriores, podendo então o dono da obra

recorrer a um terceiro a expensas do empreiteiro. Conforme se referiu no Acórdão do

Tribunal da Relação de Lisboa de 22.6.2006, Neto Neves, 176006,

www.colectaneadejurisprudencia.com, “O recurso à eliminação de defeitos por terceiro

só é admitido em casos de comprovada urgência e para evitar maiores prejuízos.

Verifica-se essa situação se o empreiteiro estava sujeito a prazos de cumprimento

perante o dono da obra. Pela lógica da autodefesa poderá, neste caso, o empreiteiro

reclamar do subempreiteiro o pagamento do que despendeu na correção do defeito.”

Referem a este propósito PEDRO DE ALBUQUERQUE e MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Direito

das Obrigações, Contratos em Especial, II Vol., Almedina, 2012, pp. 431-432, que:

«A solução dada por este segmente da Doutrina às situações de urgência

deve ser admitida até por encontrar um paralelo significativo, no sistema do

cumprimento defeituoso dos contratos em especial: o regime das obras urgentes

no contrato de locação, na hipótese de o locador as não realizar (art. 1036º). Na

verdade, encontra-se aí a previsão de dois níveis diversos de urgência. Um

primeiro nível, previsto no artigo 1036º/1, harmonizável com a colocação do

senhorio em mora, mas não com as 2delongas do procedimento judicial”.

Depois, um segundo nível, definido no artigo 1036º/2, além de inconciliável com

as delongas do processo, nem sequer permite alguma dilação. Na primeira

hipótese, o locatário, após ter deixado o locador em mora, pode recorrer a

terceiros, suportando o locador o custo das obras. Na segunda, perante a

urgência, obviamente, o apelo a terceiros fica imediatamente aberto ao locatário,

mesmo se, neste caso, deve simultaneamente avisar o locado, tal como resulta do

artigo 1036º/2 e derivaria dos deveres de boa ré.»

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Em terceiro lugar, o incumprimento definitivo por parte do empreiteiro pode

decorrer de uma ou várias tentativas frustradas de cumprir, “que obviamente colocam o

dono da obra numa situação de falta justificada de confiança na prestação do

empreiteiro (perda de interesse objetivo na prestação por aquele empreiteiro) ” - PEDRO

DE ALBUQUERQUE e MIGUEL ASSIS RAIMUNDO, Op. Cit., p. 432. Nesta ótica, o custo do

recurso a um terceiro apresenta-se como mais um dano indemnizável decorrente do

cumprimento defeituoso, convertido em definitivo.

Em quarto lugar, citando-se novamente PEDRO DE ALBUQUERQUE e MIGUEL

ASSIS RAIMUNDO, Op. Cit., p. 433,

«Repare-se ser a alternativa a esta posição a de exigir ao dono da obra a

passagem pelo “calvário” processual de ter de condenar o empreiteiro no

cumprimento de um dever, por este já definitivamente violado, para, depois,

dispor de título para peticionar ao tribunal a determinação do cumprimento por

terceiro a expensas do empreiteiro. Durante todo esse tempo processual

(suscetível de mostrar muito longo), o dono da obra não é admitido a conformar

a obra ao seu interesse, exceto se existirem motivos de urgência, numa solução

totalmente desrazoável.»

Assim, tendo em consideração o curtíssimo prazo para a realização da

empreitada geral (três semanas), as multas a que a Autora estava sujeita em caso de

desrespeito do prazo, bem como a prestação defeituosa da Ré que deu azo a sucessivas

reprovações do trabalho feito e a atrasos, temos como admissível a conduta da Autora

que recorreu a um terceiro para completar alguns trabalhos e realizar outros de raiz. A

autora tinha fundamentos objetivos suficientes para não ter confiança na prestação da

Ré.

Note-se que esta posição é que melhor tutela o próprio subempreiteiro. Na

verdade, se a autora fosse observar o calvário processual aludido, o montante dos

prejuízos a ressarcir pela ré seria sempre superior com as multas e custos adicionais que

a autora teria de suportar.

No que tange ao cômputo dos danos, a autora acordo com a ré a realização dos

trabalhos enumerados sob 26 pelo preço total de € 92.158.62. Todavia, para que tais

trabalhos fossem concluídos dentro do prazo, a Autora teve de pagar € 35.933.39 à Ré,

acrescendo o pagamento de € 137.863.55 à D. Ou seja, a Autora foi obrigada a

despender € 173.796.39 em vez dos acordados € 92.158.62 pelo que o prejuízo, a este

título, foi de € 81.638.32.

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Um segundo prejuízo advém da quantia de € 22.189.20 que teve de pagar a mão-

de-obra que esteve imobilizada por causa dos atrasos da Ré.

Finalmente, um terceiro prejuízo decorre do facto ilícito do pessoal da Ré ter

impedido os trabalhadores da D trabalharem no primeiro domingo em que o foram

fazer, no valor de € 5.292 (Artigos 483º e 800º do Código Civil).

Tudo somando € 109.119.52.

A compensação

Na petição, a autora efetua a declaração de compensação com a quantia que

reconhece dever à Ré de € 73.476.79. Este valor em dívida está provado consoante

resulta do facto 39.

Nos termos do artigo 847º do Código Civil

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode

livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor,

verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção,

perentória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na

parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.

E, nos termos do Artigo 848º do Código Civil

1. A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.

2. A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo.

Temos, assim, como requisitos da compensação os seguintes:

a) A existência de dois créditos recíprocos;

b) A validade e exigibilidade judicial do crédito do autor da compensação (crédito

ativo);

c) A fungibilidade ou homogeneidade das prestações, sendo que os créditos

pecuniários são, por definição, homogéneos, sendo irrelevante a sua fonte (cf.

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da Compensação, no direito civil e no

direito bancário, Almedina, 2003, p. 117);

d) A não exclusão da compensação por lei;

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e) A declaração da vontade de compensar, de carácter recetício (art. 224º do C.

Civil), configuradora de um direito potestativo a exercitar, quer por via judicial

quer por via extrajudicial.

A compensação traduz-se na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma

delas, devedor na outra, e o credor desta última, devedor na primeira.

O crédito com o qual o declarante pretende livrar-se da sua dívida é o chamado crédito

ativo ou principal. Chama-se crédito passivo àquele contra o qual a compensação opera.

Como refere ALMEIDA COSTA, Noções de Direito Civil, 3ª Ed., p. 319, a

compensação representa um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de

evitar pagamentos recíprocos. A compensação funda-se ainda em se julgar equitativo

que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto

que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto

se desse a insolvência da outra parte – cf. Vaz Serra, “A Compensação”, BMJ n.º 31,

pp. 14/15.

Em juízo, a compensação pode ser invocada em ação de simples apreciação, por

exceção perentória ou por reconvenção, revestindo a configuração de um direito

potestativo – cf. PIRES DE LIMA E ANTUNE VARELA, Código Civil Anotado, Vol.

II, p. 95.

Quanto ao que seja um crédito judicialmente exigível, não tem sido uniforme o

entendimento da jurisprudência.

Assim, arestos tem havido nos quais se defende que só podem ser compensados

os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização

coativa da prestação - isto é, de os executar, querendo, pois a execução é precisamente o

meio comum de obter coercivamente a satisfação do direito do credor. Assim, para

operar a compensação não basta invocar-se um crédito hipotético e controvertido, antes

se impondo, para que aquela possa ser eficaz, que a existência do (s) crédito(s) esteja

reconhecida no momento em que a compensação é invocada, pois só assim se pode

afirmar ser o crédito do compensante ‘exigível judicialmente.

Neste sentido, cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.7.2005, António

Valente, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.

Todavia, esta interpretação restritiva não é de subscrever.

ANTUNES VARELA, Direito das Obrigações, Vol. II, pág. 194, considera que

é judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá

direito à ação de cumprimento e à execução do património do devedor, nos termos do

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art. 817º do Código Civil. No mesmo sentido se afirmava já no § 2º do art. 765º do

Código Civil de 1867 ao referir-se que a dívida exigível é aquela “cujo pagamento pode

ser exigida em juízo”. Esse requisito da exigibilidade judicial da obrigação afasta, por

exemplo, a possibilidade de se utilizar para fins de compensação um crédito nascido do

jogo, porque este só pode saldar-se mediante pagamento voluntário – cf. Artigos 402º e

1245º do Código Civil, Vaz Serra, Op Cit., p. 55 e PIRES DE LIMA E ANTUNES

VARELA, Op. Cit, pg. 93.

Este mesmo entendimento é partilhado por LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito

das Obrigações, II Vol., Almedina, 2002, pg. 196, ALMEIDA COSTA, Direito das

Obrigações, 5ª Ed., pg. 942, e por MENEZES CORDEIRO, Op. Cit., pg. 113 que faz

ressaltar que a exigibilidade judicial implica que o crédito ativo esteja vencido,

afastando a exigibilidade judicial a compensação quando o crédito ativo integre uma

obrigação natural.

Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9.5.2007,

Henrique Araújo, acessível em www.dgsi.pt/jtrp, “ (...) o crédito é exigível

judicialmente quando o declarante da compensação se arroga titular de um direito de

crédito suscetível de ser reconhecido em ação de cumprimento.

Claro está que, havendo impugnação do crédito ativo (nos articulados de resposta ou

réplica), a compensação desse crédito só opera se o mesmo for reconhecido por

sentença. Nesta mesma linha de raciocínio, cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de

Justiça de 14.2.2008, Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt/jstj; Acórdãos do

Tribunal da Relação do Porto de 10.3.2008, Fernandes do Vale, CJ 2008 – II, pp. 173-

176, de 11.9.2008, Teles de Menezes, CJ 2008 – IV, pp. 171-173.

Do exposto, importa clarificar que a exigibilidade judicial do crédito ativo

(imposta pelo art. 847º, n.º 1) e o reconhecimento judicial do mesmo, para efeitos do

funcionamento do mecanismo da compensação, são realidades distintas: a primeira é

requisito da declaração de compensação; a segunda é condição da sua eficácia.

Constituiria verdadeiro paradoxo aceitar-se o exercício, pelo credor passivo, do seu

direito de crédito, através da competente ação de cumprimento, e exigir-se ao declarante

da compensação na mesma ação (réu) que a invocação em juízo do seu crédito carecesse

de reconhecimento judicial prévio.”.

Flui do breve excurso que antecede que pode a Autora operar a compensação

entre os seus créditos e os créditos da Ré, operando tal compensação pela declaração

emitida no próprio processo.

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Assim, o crédito da Autora fica reduzido a € 35.642.73 (€ 109.119.52 - €

73.476.79).

A reconvenção

O crédito provado da ré de € 73.476.79 (que abrange as faturas nos. 19 e 52, sem

IVA) já foi relevado e considerando na compensação que antecede. Todavia, a Ré é

sujeita passiva do IVA sobre tais faturas (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

de 13.10.2011, Vaz Gomes, 724/08) pelo que deve a autora pagar o valor do IVA em

falta que é de € 2.663,04 (desde 29.5.2012) e € 14.236,62 (desde 20.9.2012), tudo

somando € 16.899.66.

Além desse, a Ré é credora pelo valor de trabalhos prestados à autora no valor

de € 44.288.61 (incluindo IVA, factos 40, 45, 47), valor vencido desde 29.5.2012.

O crédito de capital da Ré sobre a autora é de € 61.188.27.

Nos termos do Art. 102º do Código Comercial,

Artigo 102.º

Obrigação de juros 1

Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os atos comerciais em que for de convenção ou

direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.

§ 1.º A taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.

§ 2.º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil.

§ 3.º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo,

relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, são os

fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.

§ 4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro

aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento

efetuada antes do 1.º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º

semestre do ano civil, acrescida de sete pontos percentuais, sem prejuízo do parágrafo seguinte.

§5º No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto-lei nº 62/2013, de 10 de maio, a taxa de juro

referida no parágrafo terceiro não poderá ser inferior ao valor da taxa de juto aplicada pelo Banco

Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1º dia

de janeiro ou julho, consoante se esteja, no 1º ou no 2º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos

percentuais.

Decorre deste preceito que a taxa de juros comerciais tem de ser estipulada por

escrito quer quando seja superior quer quando seja inferior à legal, independentemente

de estarem ou não sujeitos a forma escrita os atos jurídicos a que respeita - neste

sentido, cf. Ac. da Tribunal da Relação de Lisboa de 17.3.94, Silva Paixão, CJ 1994 -II,

pg. 90. E, de acordo com o Art. 559º, nº2 do Código Civil, a estipulação de juros

superiores à taxa legal deve ser feita por escrito sob pena de serem apenas devidos os

juros legais.

1 Redação do Decreto-lei nº 62/2013, de 10 de maio.

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Como no caso em apreço não foram fixados juros por escrito, haverá apenas que

atender aos juros legais de créditos de que são titulares empresas comerciais (Artigo

102º § 3º).

Tais juros foram de 8% no primeiro e segundo semestres de 2012 (Avisos nº

692/2012 e 9944/2012), 7,75% no primeiro semestre de 2013 (Aviso 594/2013, DR,

nº8, II Série, de 11.1.2013), 8.5% no segundo semestre de 2013 (Aviso nº 11617/2013,

de 27.8), 7,25% no primeiro semestre de 2014 (Aviso nº 1019/2014, DR, II Série, Nº

17, 24.1.2014) até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa

de juro.

Da litigância de má fé

Argui a Ré que a autora litiga de má fé porquanto só apresenta a ação como uma

manobra para se esquivar ao pagamento dos montantes devidos à Ré. A Autora sabe que

jamais se poderá eximir ao pagamento das faturas nos. 19 e 20, sendo que esta último

reporta-se a trabalhos que não foram sequer realizados para a C ( fls. 35).

Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são: a) dedução de

pretensão ou oposição cuja fatal de fundamento , de facto ou de direito, a parte não

devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se

não houver fundamento sério para a mesma; b) alteração da verdade dos factos ou

omissão de factos relevantes para a decisão da causa, v.g., mentira da parte, negação de

factos pessoais que se provam, apresentação de versão de acidente que a parte sabia ser

falsa; c) omissão grave do dever de cooperação; d) instrumentalização manifestamente

reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da

verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar , sem fundamento sério, o trânsito em

julgado da decisão – cf. Artigo 542º, nº2, do Código de Processo Civil .

Do facto de terem sido negativas as respostas aos quesitos respeitantes a factos

pessoais alegados por uma das partes não pode extrair-se a conclusão de que esses

factos eram falsos – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23.5.95,

Francisco Lourenço, BMJ nº 447, p. 586, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de

16.3.2000, Sumários, 39º, 30. Com efeito e como é pacífico, da resposta negativa a um

quesito apenas resulta que não se provaram os factos quesitados, mas não que se

demonstrasse o contrário, tudo se passando como se aqueles factos não tivessem sido

articulados.

Consoante se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.3.2008,

Fernando Baptista, acessível em www.dgsi.pt/jtrp , a simples falta de prova de factos

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alegados, ainda que de natureza pessoal, com a consequente improcedência da ação, não

permitem concluir pela litigância de má fé por banda da parte que os alegara e sobre

quem impendia o respetivo ónus probandi, sob pena de se estar a coartar o legítimo

direito de as partes discutirem e interpretarem livremente os factos e o regime jurídico

que os enquadra, por mais minoritárias ( em termos jurisprudenciais) ou pouco

consistentes que se apresentem as teses defendidas.

Flui do exposto que não basta a improcedência de pretensão deduzida por falta

de prova dos factos adrede alegados para se concluir, sem mais, pela existência de

litigância de má fé.

Cremos que é essa a situação em apreço. A versão da autora improcedeu em

parte, mas daí não deriva automaticamente que a autora esteja a litigar de má fé, atenta a

dificuldade de apuramento dos factos em causa, evidenciada em julgamento.

Por outro lado, num contexto litigioso em que as partes são credores e devedoras

recíprocas, não se afigura desproporcionado e ilegítimo que a autora suste o pagamento

da fatura nº 20/2012 até que sejam definidos os créditos e débitos recíprocos, ficando

onerada com o pagamento de juros sobre a mesma.

Termos em que concluímos pela inexistência de litigância de má fé.

*

DECISÃO

Pelo exposto, julgo:

a) a ação procedente parcialmente procedente por provada e, em consequência,

condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de 35.642.73, acrescida de juros

desde a citação (24.2.2013) às taxas de 7,75% no primeiro semestre de

2013, 8.5% no segundo semestre de 2013, 7,25% no primeiro semestre de

2014 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da

taxa de juro;

b) a reconvenção parcialmente procedente por provada, condenando a Autora a

pagar à Ré as quantias de € 2.663,04, € 14.236,62 e € 44.288.61, acrescidas

de juros desde 29.5.2012, 20.9.2012 e 29.5.2012, respetivamente, às taxas

de 8% no primeiro e segundo semestres de 2012 , 7,75% no primeiro

semestre de 2013, 8.5% no segundo semestre de 2013, 7,25% no primeiro

semestre de 2014 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes

alterações da taxa de juro;

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c) improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.

Registe e notifique.