cultura e historia dos povos indigenas mod 2 texto 08(tópico 2)

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    Introduo

    Nas ltimas trs dcadas, boa parte das notcias divulgadas sobre os povos indgenas

    foi e continua sendo acerca da questo de terras. Sem dvida, essa a maior proble-

    mtica na relao entre ndios e no ndios, o que leva algumas pessoas ao absurdo

    de afirmar que existem terras demais para ndios.

    Cabe dizer que as maiores terras indgenas encontram-se na Amaznia, e cor-

    rem o risco de, em muito pouco tempo, tornarem-se as nicas reservas florestais

    do pas. No obstante, nas reas mais colonizadas, principalmente na regio

    litornea, os ndios perderam quase tudo e lutam incansavelmente para recon-

    quistar pelo menos parte de seus antigos territrios a fim de garantir a mnima

    sobrevivncia de seu povo.

    Neste artigo apresentamos algumas questes que envolvem o conflito entre

    ndios e no ndios no que diz respeito noo de territrio: o que vm a ser

    terras de ndio?; Por que demarc-las?; Qual o significado para os povos in-

    dgenas de territrio? Qual a relao dos ndios com seus territrios ancestrais?

    Como ocorre o direito ao territrio indgena nos marcos do Estado brasileiro?

    Apresentamos tambm dados sobre a demografia indgena: quantos so os ind-

    genas no Brasil do sculo XXI?

    Kltia Loureiro1

    Territorialidade e povos indgenas: dados gerais sobre a demografia indgena

    1Mestre em Histria Social das

    Relaes Polticas pela Universida-

    de Federal do Esprito Santo. Pes-

    quisadora sobre a luta pela terra

    indgena no Esprito Santo. Autora

    do Livro Histria dos ndios do

    Esprito Santo (2009).

  • 164

    O que terra indgena e por que demarc-las

    Objetivos: Refletir sobre o conceito de terra/territrio indgena a partir de uma viso

    holstica do ser humano, do mundo...

    Realize uma leitura inicial do texto, fazendo anotaes para elaborao de uma

    sntese. Registre suas reflexes.

    Para os povos indgenas, a terra representa

    [...] muito mais do que simples meio de subsistncia. Ela [a terra] representa o suporte

    da vida social e est diretamente ligada ao sistema de crenas e conhecimento. No

    apenas um recurso natural e to importante quanto este um recurso sociocultural.2

    Em outras palavras, o territrio condio para a vida dos povos indgenas,

    no somente no sentido de um bem material ou fator de produo, mas como o

    ambiente em que se desenvolvem todas as formas de vida. Territrio, portanto, o

    conjunto de seres, espritos, bens, valores, conhecimentos e tradies que garantem

    a possibilidade e o sentido da vida individual e coletiva. Ou ainda, a terra um fator

    fundamental de resistncia dos povos indgenas. o tema que unifica, articula e

    mobiliza todos: as aldeias, os povos e as organizaes indgenas, em torno de uma

    bandeira de luta comum que a defesa de seus territrios (LUCIANO, 2006, p. 101).

    O territrio indgena [...] sempre a referncia ancestralidade e a toda a for-

    mao csmica do universo e da humanidade. nele que se encontram presentes e

    atuantes os heris indgenas, vivos ou mortos (LUCIANO, 2006, p. 101).

    Nesses termos, possvel conceituar terra como o espao geogrfico que compe

    o territrio, em que esse entendido como um espao do cosmos, mais abrangente

    e completo. Para os povos indgenas o territrio compreende

    [...] a prpria natureza dos seres naturais e sobrenaturais, onde o rio no simplesmente o

    rio, mas inclui todos os seres, espritos e deuses que nele habitam. No territrio uma mon-

    tanha no somente uma montanha, ela tem significado e importncia cosmolgica sa-

    grada. Terra e territrio para os ndios no significam apenas o espao fsico e geogrfico,

    mas sim toda a simbologia cosmolgica que carrega como espao primordial do mundo

    humano e do mundo dos deuses que povoam a natureza (LUCIANO, 2006, p. 1001-02).

    2FUNAI. O que terra indgena.

    Disponvel em: .

    Acesso em: 12 jun. 2005.

  • 165

    Isso significa que os povos indgenas estabelecem uma estreita e profunda rela-

    o com a terra, de modo que a questo inerente a ela no se resolve com o apro-

    veitamento do solo agrrio, mas tambm no sentido de territorialidade. Para eles,

    o territrio o habitat onde viveram e vivem os antepassados e est ligado s suas

    manifestaes culturais e s tradies, s relaes familiares e sociais.

    No entanto, possvel perceber no senso comum e no discurso cotidiano uma vi-

    so equivocada sobre as terras indgenas j que essas, por exemplo, so apresentadas

    como a anttese do desenvolvimento.

    Um outro argumento que ainda hoje bastante divulgado que existem terras

    demais destinadas aos ndios no Pas. Mas, esses crticos se esquecem de que os

    ndios tm que tirar todo seu sustento da terra.

    O antroplogo Joo Pacheco de Oliveira (1999, p. 162) adverte que um equvoco

    pensar o dilema indgena como se fosse somente uma questo fundiria capaz [...]

    de ser solucionada por meio de uma comparao implcita com o mdulo rural e pelo

    controle de uma varivel (a relao terra/ndio medida em hectares, por exemplo).

    Para Oliveira (1999) as terras indgenas devem ser pensadas como algo muito

    particular em relao a outras figuras fundirias, visto que resultam de uma comple-

    xa rede entre uma cultura, um dado meio ambiente e uma poltica governamental.

    Desse modo, as conexes entre a poltica indigenista e a preservao da diversidade

    cultural so bastante conhecidas, e fazem parte do imaginrio poltico nacional,

    afirma o autor. Por sua vez, as conexes entre as culturas indgenas e os nichos

    ambientais em que se inserem so pouco conhecidas do ponto de vista cientfico, da

    mesma forma que so subestimadas do ponto de vista administrativo as interligaes

    entre poltica indigenista e ambiental.

    Um outro ponto a ser considerado, segundo Oliveira (1999, p. 162) a represen-

    tao caricatural e preconceituosa que se tem das terras indgenas: terras que esto

    subtradas ao desenvolvimento. Nessa perspectiva, as terras indgenas devem ser

    concebidas como bens da Unio e os recursos ambientais ali existentes como parte

    integrante do territrio nacional. Todavia, por constiturem habitat de ndios, essas

    terras destinam-se exclusivamente reproduo sociocultural dessas populaes, de-

    vendo, portanto, ser adequadas aos seus usos e costumes e covertidas em benefcio

    para seus habitantes tradicionais.

    O fato que a poltica indigenista que desde 1967 se encontra a cargo da Funai,

    como na Lei n.o 6.001/733, assim como o prprio interesse dos ndios no prescre-

    3A promulgao da Lei n.o 6.001,

    de 19 de dezembro de 1973,

    mais conhecida como Estatuto

    do ndio, tinha por finalidade a re-

    gularizao da situao jurdica do

    ndio. De acordo com o Estatuto,

    o ndio considerado uma pessoa

    relativamente incapaz, por isso

    deve ser tutelado pelo Estado.

  • 166

    vem que as terras indgenas estejam fora do sistema econmico nacional ou sejam o

    seu contrrio. O que ocorre que o Estado, representado pelo rgo indigenista, no

    possui conhecimento nem da especificidade das culturas nem da heterogeneidade

    do meio ambiente, quanto mais da relao concretamente estabelecida entre esses.

    Oliveira (1999, p. 163) ressalta:

    Em vez de levantar alternativas novas e explorar as potencialidades deste [contato]

    como os conhecimentos acumulados sobre a natureza e as formas de manejo utilizadas

    pelos ndios, articulando-os com formas de explorao racional dos recursos ambientais

    e uso de tecnologias de ponta , o rgo indigenista, cerceado por sua precariedade

    tecnocientfica e pelo anseio de definir normas homogeneizadoras, acaba por cingir-se

    mera presena protetora, em alguns casos agindo repressivamente e, em outros, por

    iniciativas clientelsticas e paternalistas (como so os projetos econmicos da Funai4).

    A definio de uma terra indgena, ou melhor, o processo poltico pelo qual o

    Estado reconhece os direitos de uma sociedade indgena sobre parte do territrio

    nacional no pode ser concebido ou expresso conforme as orientaes de um fe-

    nmeno natural. Longe de serem imutveis, as reas indgenas esto em constante

    reformulao, com acrscimos, diminuies, junes e separaes. Isso, escreve

    Oliveira (1998, p. 291),

    [...] no algo circunstancial, que decorra apenas dos desacertos do Estado ou de ini-

    ciativas esprias de interesses contrariados, mas constitutivo, fazendo parte da prpria

    natureza do processo de territorializao de uma sociedade indgena dentro do marco

    institucional estabelecido pelo Estado-Nacional.

    Cabe lembrar que conceituar terras de ndio remete-nos a uma definio ju-

    rdica materializada em legislao especfica (Lei n. 6.001/73, artigos 17 a 38 do

    Estatuto do ndio). Trata-se do habitat de grupos que se reconhecem (e so reconhe-

    cidos pela sociedade) e que mantm um vnculo de continuidade com os primitivos

    habitantes de nosso Pas.

    Conforme Oliveira (1998), a noo de habitat sugere a necessidade de manu-

    teno de um territrio, no qual um grupo humano, atuando como sujeito coletivo

    e uno, tenha condies de garantir a sua sobrevivncia fsico-cultural. Trata-se,

    portanto, de toda e qualquer parcela do territrio brasileiro ocupada e utilizada

    4A Funai foi criada em 5 de

    dezembro de 1967. A dcada de

    1970 coincidiu com a criao

    do Plano de Integrao Nacional

    (PIN) e a consequente implantao

    de grandes projetos na Amaznia:

    rodovirios (Transamaznica, Peri-

    metral Norte, Cuiab Santarm,

    Manaus Boa Vista etc.), de colo-

    nizao (agrovilas), agrominerais,

    agropecurios e industriais, por

    grandes empresas nacionais e mul-

    tinacionais. A implantao desses

    projetos normalmente implicava

    a ocupao de terras indgenas,

    a matana de ndios e de outras

    pessoas defensoras da causa ind-

    gena (padres, missionrios etc.). A

    omisso da Funai, no cumprimen-

    to de seus deveres, favoreceu as

    reaes indgenas e o surgimento

    de entidades e movimentos de

    defesa ou de apoio ao ndio, como

    o Conselho Indigenista Missionrio

    (Cimi), em 1972; as Assembleias

    de Chefes Indgenas, em 1974 e

    1975; a Associao Nacional de

    Apoio ao ndio (Anai), em 1977,

    e a Unio das Naes Indgenas

    (UNI), em 1980.

  • 167

    em carter permanente por uma sociedade indgena ou por um de seus segmentos

    componentes, constituindo-se, desse modo, no habitat tradicional e na garantia de

    reproduo socioeconmica desses grupos tnicos.

    Para alcanar tal objetivo e no intuito de colocar a sua defesa diretamente no

    mbito de atuao do Estado, considerando-as merecedoras de cuidados especiais,

    as terras indgenas so enquadradas como bens sob o domnio da Unio. Ao Estado

    cabe o reconhecimento administrativo das terras indgenas, resguardando aos ndios

    a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas ali existentes.

    Em outros termos, embora os ndios detenham a posse permanente e o usu-

    fruto exclusivo de todas as riquezas existentes em suas terras, conforme o Par-

    grafo nico do artigo 22 da Lei no 6.001/73, elas constituem patrimnio da Unio.

    Como bens pblicos de uso especial, alm de inalienveis e indisponveis, as terras

    indgenas no podem ser objeto de utilizao de qualquer espcie por outros que

    no os prprios ndios.

    O direito indgena originrio, pois decorre de sua conexo sociocultural com

    povos pr-colombianos que aqui habitavam. Tal direito no procede do reconheci-

    mento pelo Estado (nem anulado pelo no reconhecimento), mas consequncia

    do prprio fato da sobrevivncia atual dos grupos humanos que se identificam por

    tradies ancestrais e que se consideram como etnicamente diferenciados de outros

    segmentos da sociedade nacional (OLIVEIRA,1998, p. 45).

    Nesses termos, condio necessria e suficiente a existncia de uma coletivida-

    de que se identifica como indgena e cuja reproduo exige uma relao regular com

    um conjunto de recursos ambientais ancorados em um dado espao fsico. para

    tais grupos humanos, ressalta Oliveira (1998, p. 45),

    [...] que a lei prescreve direitos fundirios especficos, cuja destinao cabe ao Estado

    garantir. Promover a demarcao da terra indgena tarefa da Unio, reconhecendo

    administrativamente o habitat de um grupo ou comunidade tribal, viabilizando a con-

    tinuidade econmica e sociocultural daquela coletividade.

    Ainda que o processo de regularizao das terras indgenas seja conhecido como

    demarcao, essa apenas uma das fases administrativas do processo. As fases que

    compem o processo de legalizao de terras indgenas so quatro: Identificao e

    Delimitao, Demarcao, Homologao e Regularizao.

  • 168

    Atividades

    Realize as atividades abaixo. O objetivo o aprofundamento da leitura do texto.

    Atividade 1

    Elabore uma sntese das principais ideias apontadas no texto.

    Pesquise sobre as fases que compem o processo de legalizao de terras indge-

    nas. Contextualize o caso do estado do Esprito Santo.

    Atividade 2

    Que novo olhar podemos lanar sobre a noo de territrio, a partir da leitura do artigo?

    O direito ao territrio indgena nos marcos do estado brasileiro

    Objetivo: Refletir acerca da noo de territrio indgena nos marcos do Estado brasileiro.

    A priori, preciso compreender que a territorialidade, segundo os povos

    indgenas, no deve ser entendida no mesmo sentido com que um Estado so-

    berano impera e controla o seu territrio, j que a eles no interessa a ideia de

    Estado prprio. Isto porque trata-se de sociedades sem Estado ou at mesmo

    contra o Estado, no sentido de que internamente negam a forma de poder

    absoluta e centralizada nas mos de uma estrutura poltica que no seja a

    prpria coletividade tnica como um todo, em que ningum tem procurao

    para represent-la. A territorialidade indgena no tem relao com soberania

    poltica, jurdica e militar sobre um espao territorial, como existe em um Esta-

    do soberano. Tem relao com um espao socionatural necessrio para se viver

    individual e coletivamente.

    O direito ao territrio nos marcos do Estado brasileiro supe, portanto, que

    os povos indgenas brasileiros demandem espao tnico para seu desenvolvi-

    mento como povos, e no somente como cidados individualizados. A delimi-

    tao territorial supe fixao de limites para que neles os ndios desenvolvam

    seus costumes, culturas e seus modos de autogoverno e jurisdio. isso que

  • 169

    as autoridades no ndias no entendem quando repetem constantemente a

    ideia equivocada de que no Brasil h muitas terras para poucos ndios, como

    se aos ndios tivessem que ser concedidas terra, do mesmo modo que h es-

    paos necessrios para os que vivem em cidades ou no campo, guiados por

    outras formas de relao com a terra. Os povos indgenas precisam de espaos

    suficientes de terras para caar, pescar e desenvolver suas tradies culturais

    e seus rituais sagrados que s podem ser praticados em ambientes adequados

    diferente dos no ndios ocidentais, que vivem em casas e apartamentos

    patrimonialmente individualizados e por meio de empregos, de comrcio, de

    bancos, de outras atividades que no exigem espao territorial amplo e coletivo

    (LUCIANO, 2006, p. 103-104).

    Quantos so os povos indgenas no brasil do sculo XXI?

    Segundo estimativas, quando Cristvo Colombo chegou ao continente americano,

    em 1492, viviam por aqui pelo menos 250 milhes de pessoas, que foram denomi-

    nadas de ndios. Relatos de cronistas e historiadores da poca calculavam que apenas

    na regio do atual Mxico habitavam mais de 30 milhes de ndios.

    Apesar de todo tipo de violncia implementada pelos invasores europeus, os

    povos indgenas somam atualmente mais de 50 milhes de pessoas espalhadas por

    todos os pases do continente americano.

    Relatrio divulgado pelas Naes Unidas5 (2010) indica que nos dias atuais os

    povos indgenas constituem uma populao de cerca de 370 milhes de pessoas

    (em torno de 5% do total mundial) e representem 5.000 culturas distintas. Juntos,

    ocupam cerca de 20% do territrio do planeta, distribudos por 90 pases.

    So povos que representam culturas, lnguas, conhecimentos e crenas nicas,

    e sua contribuio ao patrimnio mundial na arte, na msica, nas tecnologias,

    nas medicinas e em outras riquezas culturais incalculvel. Eles configuram uma

    enorme diversidade cultural, uma vez que vivem em espaos geogrficos, sociais e

    polticos diferenciados. A diversidade, a histria de cada povo e o contexto em que

    vivem criam dificuldades para enquadr-los em uma definio nica. Os prprios

    indgenas, em geral, rejeitam as tentativas exteriores de retrat-los e defendem como

    princpio fundamental o direito autodefinio.

    5A primeira publicao da ONU so-

    bre a situao dos povos indgenas

    do mundo, produzida pelo Secreta-

    riado do Frum Permanente sobre

    Questes Indgenas das Naes Uni-

    das, foi lanada em 14 de janeiro de

    2010 , no Rio de Janeiro e tambm,

    simultaneamente, em Nova York,

    Bruxelas, Camberra, Manila, Mxico,

    Moscou, Pretria e Bogot.

    O documento destaca que devido a

    uma srie de fatores como o analfa-

    betismo, o desemprego e a discrimi-

    nao a comunidade indgena est

    associada a ser pobre.

  • 170

    Demografia Indgena no Brasil (1500-2010)

    O Brasil [...] desconhece e ignora a imensa sociodiversidade nativa contempornea dos

    povos indgenas. No se sabe ao certo sequer quantos povos nem quantas lnguas nativas

    existem. O (re)conhecimento, ainda que parcial dessa diversidade, no ultrapassa os res-

    tritos crculos acadmicos especializados. Hoje, um estudante ou um professor que quiser

    saber algo mais sobre os ndios brasileiros contemporneos, aqueles que sobraram depois

    dos tapuias, tupininquins e tupinambs, ter muitas dificuldades (RICARDO, 1995, p. 30).

    Estimativas indicam que, por volta de 1500, quando Pedro lvares Cabral apor-

    tou em terras brasileiras viviam por aqui pelo menos 5 milhes de ndios. Hoje,

    segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE/2000) essa

    populao est reduzida a aproximadamente de 700.000 ndios.

    A Fundao Nacional do ndio (Funai) e a Fundao Nacional de Sade (Funasa),

    por sua vez, trabalham com dados inferiores: pouco mais de 500.000 ndios. Mas por

    que essa diferena? Na verdade, essa diferena resultado dos diferentes mtodos

    utilizados para a obteno de dados. A Funai e a Funasa, por exemplo, trabalham

    apenas com as populaes indgenas reconhecidas e registradas por elas, geralmente

    as populaes habitantes de aldeias localizadas em terras indgenas reconhecidas

    oficialmente. Ou seja, o grande nmero de indgenas que atualmente reside nas ci-

    dades ou em terras indgenas ainda no demarcadas ou reconhecidas, mas que nem

    por isso deixam de ser ndios, esto fora das estatsticas.

    O IBGE, por sua vez, utilizou o mtodo de autoidentificao6 para chegar aos seus

    nmeros. Alm disso, ainda existem povos indgenas brasileiros que esto fora desses

    dados, inclusive os do IBGE, e que so denominados ndios isolados7, ou ndios ainda

    em vias de reafirmao tnica aps anos de dominao e represso cultural.

    Estimativas atentam para a existncia de cerca de 190 mil ndios vivendo fora

    das terras indgenas, inclusive em reas urbanas. H tambm 63 referncias de ndios

    ainda no contatados, alm de existirem grupos que esto requerendo o reconheci-

    mento de sua condio indgena junto ao rgo federal indigenista.

    Os dados da Funasa (2008) so importantes no que se referem s informaes

    sobre as populaes indgenas que vivem nas terras indgenas. Segundo dados do

    Sistema de Informao de Ateno Sade Indgena/SIASI/FUNASA, o contingente

    populacional habitante das terras indgenas reconhecidas pelo governo brasileiro e

    6Alguns especialistas criticam

    o mtodo adotado pelo IBGE.

    Justificam suas crticas afirmando

    que o IBGE chegou ao total de

    734.131 indivduos por meio do

    quesito cor de pele, e no por

    meio da autoidentificao tnica.

    7Sabe-se muito pouco sobre os cha-

    mados ndios isolados - tambm

    conhecidos como povos em situao

    de isolamento voluntrio, povos

    ocultos, povos no contatados,

    entre outros. So assim chamados

    aqueles grupos com os quais a

    Funai no estabeleceu contato.

    As informaes sobre eles so

    heterogneas e escassas - trans-

    mitidas por outros ndios ou por

    regionais, alm de indigenistas e

    pesquisadores. Por vezes, vestgios

    como tapiris, flechas e outros

    objetos encontrados nas reas por

    onde passaram so fotografados.

    Os relatos verbais de existncia

    desses grupos so geralmente

    fornecidos por outros ndios e

    regionais mais prximos, que

    narram encontros fortuitos, ou

    que simplesmente reproduzem

    informaes de terceiros.

  • 171

    cadastrado pelo Sistema de 538.154 ndios, distribudos em 4.413 aldeias, per-

    tencentes a 291 etnias e falantes de mais de 180 lnguas divididas por 35 grupos

    lingusticos (Funasa. Demografia dos povos indgenas).

    A populao indgena encontra-se dispersa por todo o territrio brasileiro,

    distribuda em 24 estados, 432 municpios, 336 plos de base. Na regio Nor-

    te encontramos o maior contingente populacional indgena, com 44%, e na

    regio Sudeste est o menor contingente populacional indgena do pas, com

    apenas 2% (FUNASA).

    No estado do Amazo-

    nas concentra-se a maior

    populao indgena do

    pas: so aproximada-

    mente 291.817 indivdu-

    os, ou seja, 54,2% desta

    populao. Por outro

    lado o estado de Sergipe

    apresenta uma populao

    de apenas 410 ndios vivendo em terras indgenas. O estado do Mato Grosso do

    Sul se destaca como o segundo maior estado com nmero de populao indgena

    com cerca de 70.537 ndios (FUNASA).

    Atividade

    Pesquise na internet o Relatrio das Naes Unidas (2010) sobre os povos indge-

    nas e aponte as principais questes abordadas no documento.

    Localizao e extenso das terras indgenas

    Objetivo: Identificar a localizao e a extenso das terras indgenas no territrio brasileiro.

    O Brasil possui uma extenso territorial de 851.196.500 hectares, o que corres-

    ponde a 8.511.965 km2. As terras indgenas (TIs) somam 615 reas (64,2% regula-

    Grfico. Distribuio da populao

    indgena por regio no Brasil, 2008.

    Fonte: Siasi/Funasa

    SUDESTE2%

    NORDESTE26%

    NORTE44%

    SUL9%

    CENTRO-OESTE19%

  • 172

    rizadas e 18,5% ainda em estudo) ocupando uma extenso total de 107.000.000

    de hectares). Em outros termos, 12,6% das terras do Pas so reservadas aos povos

    indgenas (Siasi/Funasa/2008).

    A maior parte das TIs concentra-se na Amaznia Legal: so 409 reas, 108.720.018

    hectares, representando 21.67% do territrio amaznico e 98.61% da extenso de

    todas as TIs do Pas. O restante, 1.39%, espalha-se pelas regies Nordeste, Sudeste,

    Sul e pelo estado do Mato Grosso do Sul.

    Essa situao de flagrante contraste pode ser explicada pelo fato de a coloni-

    zao do Brasil ter sido iniciada pelo litoral, o que levou a embates diretos contra

    as populaes indgenas que a viviam, causando enorme depopulao e desocu-

    pao das terras, que hoje esto em mos da propriedade privada. Aos povos in-

    dgenas restaram terras diminutas, conquistadas com muita luta. Por exemplo, em

    So Paulo, a terra Guarani Aldeia Jaragu tem apenas dois hectares de extenso, o

    que impossibilita que os ndios vivam da terra. Em outras palavras, na maioria das

    vezes, as TIs tm grandes reas no agricultveis, e sofrem ou sofreram diversos

    tipos de impactos.

    Atividade 1

    Assista ao filme Avatar e a partir de suas reflexes e das leituras realizadas, elabore um

    texto apontando que relao possvel estabelecer entre a fico e a realidade dos povos

    indgenas nos ltimos 500 anos de colonizao.

    Avatar

    EUA , 2009 - 162 minutos

    Ao / Aventura / Fico cientfica

    Direo e Roteiro: James Cameron

  • 173

    Atividade 2

    Leia o texto abaixo com bastante ateno. Aps a leitura, possvel afirmar que a

    concepo de mundo, de sociedade, de indivduo e de educao para ndios e no

    ndios a mesma? Justifique sua resposta.

    A milenar arte de educar dos povos indgenas

    Daniel Munduruku8

    Educar dar sentido. dar sentido ao nosso estar no mundo. Nossos corpos preci-

    sam desse sentido para se realizar plenamente. Mas tambm nossos corpos so vazios

    de imagens e elas precisam fazer parte da nossa mente para que possamos dar respostas

    ao que se nos apresenta diuturnamente como desafios da existncia. por isso que no

    basta dar alimento apenas ao corpo, preciso tambm alimentar a alma, o esprito. Sem

    comida o corpo enfraquece e sem sentido a alma que se entrega ao vazio da existncia.

    A educao tradicional entre os povos indgenas se preocupa com esta trplice

    necessidade: do corpo, da mente e do esprito. uma preocupao que entende o

    corpo como algo prenhe de necessidades para poder se manter vivo.

    Esta viso de educao sustentada pela ideia de que cada ser humano precisa

    viver intensamente seu momento. A criana indgena , ento, provocada para ser

    radicalmente criana. No se pergunta nunca a ela o que pretende ser quando crescer.

    Ela sabe que nada ser se no viver plenamente seu ser infantil. Nada ser porque j

    . No precisar esperar crescer para ser algum. Para ela apresentado o desafio de

    viver plenamente seu ser infantil para que depois, quando estiver vivendo outra fase

    da vida, no se sinta vazia de infncia. A elas so oferecidas atividades educativas para

    que aprenda enquanto brinca e brinque enquanto aprende num processo contnuo

    que ir faz-la perceber que tudo faz parte de uma grande teia que se une ao infinito.

    Num mesmo movimento ela vai sendo introduzida no universo espiritual. Em-

    balada pelas histrias contadas pelos velhos da aldeia, a criana e o jovem passam a

    perceber que em seu corpo moram os sentidos da existncia. Este sentido oferecido

    pela memria ancestral concentrada nos velhos contadores de histrias. So eles que

    atualizam o passado e o fazem se encontrar com o presente mostrando comunida-

    de a presena do saber imemorial capaz de dar sentido ao estar no mundo.

    Este processo todo alimentado por rituais que lembram o passado para significar

    8Daniel Munduruku indgena ,

    escritor, graduado em Filosofia e

    Doutorando em Educao na Uni-

    versidade de So Paulo. Diretor-

    Presidente do Instituto Indgena

    Brasileiro para Propriedade Inte-

    lectual - INBRAPI - e Comendador

    da Ordem do Mrito Cultural da

    Presidncia da Repblica.

  • 174

    o presente. So movimentos corpreos embalados por cantos e danas repetidos mui-

    tas vezes com o objetivo de manter o cu suspenso. A dana lembra a necessidade

    de sermos gratos aos espritos criadores; contam que precisamos de sentidos para viver

    dignamente; ordena a existncia. Cada grupo de idade ritualiza a seu modo. Cada um

    se sente responsvel pelo todo, pela unidade, pela continuidade social.

    Educar , portanto, envolver. revelar. significar. mostrar os sentidos da

    existncia. dar presente. E no acaba quando a pessoa se forma. No existe for-

    matura. Quem vive o presente est sempre em processo.

    por isso que a criana ser sempre criana. Plenamente criana. Essa a garantia

    de que o jovem ser jovem no seu momento. O homem adulto viver sua fase de vida

    sem saudades da infncia, pois ele a viveu plenamente. O mesmo diga-se dos velhos.

    O que cada um traz dentro de si a alegria e as dores que viveram em cada momento.

    Isso no se apaga de dentro deles, mas o que os mantm ligados ao agora.

    Resumo: A educao tradicional indgena tem dado certo. As pessoas se sentem

    completas quando percebem que a completude s possvel num contexto social,

    coletivo. Cada fase porque passa um indgena desde a mais tenra idade alimenta

    um olhar para o todo, pois o conhecimento que aprendem e vivem um saber ho-

    lstico que no se desdobra em mil especialidades, mas compreende o humano como

    uma unidade integrada a um Todo maior e nico.

    Olhar os povos indgenas brasileiros a partir de uma viso rasa de produo, de

    consumo, de riqueza e pobreza , no mnimo, esvaziar os sentidos que buscam para si.

    Pense nisso.

    Referncias

    IBGE. Censo 2000. Disponvel em: . Acessado em jun. 2005.

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    15 de maio de 2009. Disponvel em: . Acesso em: jan. 2010.

    Filme indicado

    BirdWatchers - a Terra dos Homens Vermelhos

    Ttulo Original: BirdWatchers - La terra degli uomini rossi.

    2008. Drama. 104m

    Mato Grosso do Sul, Brasil, hoje. Os fazendeiros tm

    uma vida rica e cheia de diverso. Possuem plantaes

  • 176

    transgnicas que se perdem de vista e passam os seres com os turistas vindos para

    ver os pssaros - Birdwatchers. Contudo, nos limites das suas propriedades cresce o

    descontentamento por parte dos ndios, antigos proprietrios legtimos das terras.

    O suicdio de mais um jovem da reserva catalisa o conflito entre estes dois mundos

    opostos. No entanto, reside a curiosidade do outro. Uma curiosidade que aproxi-

    mar o jovem aprendiz de xam, Osvaldo, e a filha de um fazendeiro.