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Page 1: Cultura Da Infancia- CRECHE- IESDE

Márcia Teixeira Sebastiani

2.ª edição2009

Page 2: Cultura Da Infancia- CRECHE- IESDE

IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

© 2003-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autoriza-ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: Inmagine

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S449c

Sebastiani, Márcia TeixeiraCultura da infância / Márcia Teixeira Sebastiani. – 2. ed. atualizada. – Curitiba,

PR: IESDE, 2009.284 p.

Inclui bibliografiaISBN 978-85-387-0710-3

1. Educação pré-escolar – Brasil. 2. Educação de crianças. 3. Professores – For-mação. I. Título.

09-4041 CDD: 372.21CDU: 373.2

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Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com bolsa sanduíche na Università Statale di Milano – Milão; Mestre em Educação pela Unicamp; Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Márcia Teixeira Sebastiani

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Sumário

Condições para a qualidade ................................................. 13

Escolhas políticas ....................................................................................................................... 14

Legislação e definição de normas ....................................................................................... 15

Financiamento e recursos ...................................................................................................... 15

Planejamento e controle ........................................................................................................ 16

Consultoria e suporte técnico ............................................................................................... 16

Profissionais ................................................................................................................................. 17

Formação e aperfeiçoamento profissional ...................................................................... 17

Estrutura física ............................................................................................................................ 18

Pesquisa e desenvolvimento ................................................................................................. 19

Integração e coordenação de serviços .............................................................................. 20

Indicadores da qualidade ...................................................... 25

Acessibilidade e utilização dos serviços ............................................................................ 25

Ambiente físico .......................................................................................................................... 25

Atividades de aprendizagem ................................................................................................ 26

Sistemas de relações ................................................................................................................ 27

Ponto de vista dos pais ............................................................................................................ 27

Comunidade (bairro) ................................................................................................................ 28

Avaliação da diversidade ........................................................................................................ 28

Avaliação das crianças ............................................................................................................. 29

Relação custo-benefício .......................................................................................................... 29

Valores éticos .............................................................................................................................. 30

Page 6: Cultura Da Infancia- CRECHE- IESDE

A ideia de infância e a sua escola ....................................... 35

Primeira identidade: “a criança-adulto” ou a infância negada ................................... 35

Segunda identidade: a criança-filho-aluno ou a infância institucionalizada ...... 39

Terceira identidade: a criança-sujeito social, sujeito de direitos .............................. 40

Função da instituição de Educação Infantil: educar e cuidar .................................... 41

A história das creches ............................................................. 47

Surge a creche na Europa e nos Estados Unidos ........................................................... 48

Surge a creche no Brasil .......................................................................................................... 49

A organização do espaço na Educação Infantil – I ....... 63

Concepções de desenvolvimento e sua influência na organização dos ambientes ............................................................ 63

Elementos contextuais ............................................................................................................ 66

Elementos pessoais .................................................................................................................. 71

A organização do espaço na Educação Infantil – II ...... 75

Critérios para uma adequada organização dos espaços da sala de aula .............. 75

Funções da organização do ambiente............................................................................... 78

Uma experiência: creche em Reggio Emilia..................................................................... 79

Estudos sobre arranjo espacial ............................................................................................. 80

A rotina na Educação Infantil ............................................... 87

Atividades de organização coletiva .................................................................................... 89

Atividades de cuidado pessoal ............................................................................................. 91

Atividades dirigidas .................................................................................................................. 93

Atividades livres (isto é, menos dirigidas pelo professor) ........................................... 94

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Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais ........................................ 97

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil .......................................................107

O planejamento das atividades na Educação Infantil ..............................................................119

Itens da programação ............................................................................................................122

Laboratório da comunicação ..............................................................................................123

Laboratório do ambiente .....................................................................................................124

Laboratório da lógica .............................................................................................................124

Laboratório do corpo .............................................................................................................125

A mala do aprendiz de feiticeiro ........................................................................................126

A mala do confeiteiro .............................................................................................................126

A programação dos cantinhos ou oficinas .....................................................................127

O trabalho com projetos ......................................................133

A inserção da criança na creche ........................................147

Pressupostos teóricos ............................................................................................................152

Objetivos de uma boa inserção..........................................................................................152

Estratégias (apresentadas segundo ordem cronológica em que são realizadas) ...................................................................153

O trabalho coletivo dos profissionais ...............................................................................154

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Jogos e brincadeiras ..............................................................159

O que é brincar para a criança? ..........................................................................................159

O papel do professor ..............................................................................................................165

A disciplina na Educação Infantil ......................................171

Regras de convivência ...........................................................................................................171

Castigos e recompensas .......................................................................................................174

Summerhill ................................................................................................................................174

As políticas de formação de professores para a Educação Infantil .......................................................181

A formação do professor .....................................................197

Como aprender a conhecer e a pensar ...........................................................................197

Como aprender a fazer ..........................................................................................................201

Como aprender a viver com os outros ............................................................................202

Como aprender a ser ..............................................................................................................205

Conclusão ...................................................................................................................................208

A participação da família .....................................................215

Formas de trabalho da creche com a família ................................................................218

A gestão social .........................................................................229

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Educação de crianças com necessidades especiais ...............................................243

Necessidade de um projeto didático ...............................................................................244

Necessidade de uma dupla reestruturação ...................................................................244

Integração da equipe .............................................................................................................245

Algumas dificuldades ............................................................................................................246

Transformação da prática pedagógica ...........................255

Gabarito .....................................................................................265

Referências ................................................................................277

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Apresentação

Caros alunos e alunasPensar em Educação Infantil no Brasil é projetar e realizar a construção

de base necessária ao caminho do desenvolvimento da nossa sociedade. É, portanto, uma questão fundamental, é um desafio e, como tal, é preciso acreditar e lutar. Impossível imaginar uma sociedade, hoje desenvolvida, que não tenha passado pelo caminho da construção e universalização da educação. Para isso, as sociedades definiram como prioridade a educação das suas crianças e foram necessários investimentos, em especial públi-cos, em infraestrutura física, mas, sem dúvida, o grande investimento foi o da formação de profissionais da área. E esse é o nosso propósito.

Minha formação inicial em magistério de nível médio e, após, a rea-lização do curso de Pedagogia já apontavam para esse caminho. Minha prática profissional me aproximou mais da realidade da Educação Infantil. Segui trabalhando e estudando e, na Pós-Graduação, Mestrado e Douto-rado, aprofundei meus conhecimentos na área, tendo tido a oportunida-de de conhecer uma realidade social cujos avanços na Educação Infantil têm reconhecimento internacional.

Hoje penso que minha tarefa como educadora e cidadã é a de repassar o conhecimento acumulado e aprender mais com a prática das pessoas com quem convivo. Temos em comum a vontade em ampliar conheci-mento na área da Educação Infantil e, com isso, avançar nas nossas prá-ticas pedagógicas. Esse é o nosso compromisso e nossa responsabilidade na construção de um país desenvolvido e com inclusão social, a começar pela formação das crianças pequenas.

Um grande abraço,

Márcia Teixeira Sebastiani

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Vamos iniciar o nosso estudo com alguns critérios que considero fun-damentais para a análise da qualidade da Educação Infantil. Minha pers-pectiva é a de alcançarmos, pelo esforço dos educadores e da sociedade, padrões mais elevados de qualidade.

Inicialmente, é importante explicitar a nomenclatura usada para a Edu-cação Infantil. A Constituição Federal do nosso país definiu Educação In-fantil como sendo a primeira etapa da educação básica, atendendo crian-ças de 0 a 3 anos em creches e de 4 a 6 anos em pré-escolas.

Em 6 de fevereiro de 2006, a Lei 11.274 alterou o artigo 32 da LDB e determinou: “O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão[...]”

Assim, com a instituição do ensino fundamental de 9 anos de dura-ção e a sua consequente inclusão das crianças de 6 anos de idade, as pré- -escolas passaram a atender apenas crianças de 4 e 5 anos.

O termo qualidade é sempre discutido e, apesar de ser reconhecida a sua importância, ainda falta clareza sobre o que realmente significa quali-dade quando se trata de Educação Infantil.

Educadores europeus preocupados com as condições dos serviços para as crianças de 0 a 6 anos reuniram-se e organizaram dois eventos marcantes: o primeiro em 1986, constituindo a Rede para a Infância da Comunidade Europeia, e outro em 1990, quando realizaram o seminário Qualidade nos Serviços para a Infância. A partir daí, analisaram a qualida-de da Educação Infantil a partir de três perspectivas: a das crianças, a dos pais e a dos pesquisadores/educadores.

Daquele seminário resultou a estruturação de um documento definin-do os critérios para a análise da qualidade. Como se explicita no documen-to, em outras palavras, não se trata de uma receita, de um modelo a ser seguido rigorosamente, e sim parâmetros de análise e roteiro de definição da qualidade.

Condições para a qualidade

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O documento divide-se em duas partes: condições para a qualidade e indica-dores da qualidade. Nessa aula, trataremos das condições para a qualidade.

O grupo de educadores da Comunidade Europeia definiu como condições para a qualidade os itens que serão explicados a seguir, separadamente. É im-portante lembrar que os itens não estão colocados em ordem de prioridade e também que apresentam forte correlação entre eles, ou seja, não são questões isoladas. Parte-se do pressuposto de que a qualidade na creche corresponde “à oportunidade igual para todas as crianças com relação ao acesso a esse serviço”; reforça-se, assim, o comprometimento e a responsabilidade das estruturas pú-blicas na concretização desse direito da criança. Vamos aos critérios que corres-pondem às condições para a qualidade, analisando, em alguns itens e de forma geral, a Educação Infantil no Brasil.

Escolhas políticasEsse item significa a prioridade efetiva da Educação Infantil no rol das políti-

cas públicas desenvolvidas pelos governos. É, assim, questão importante para ser observada e definida como condição de qualidade.

Hoje, no Brasil, a infância é sempre destaque quando se trata de diagnósticos da situação social do país, porém, há uma grande distância entre os problemas que se observam, o que se declara em realizar e o que se realiza. O assunto está continuamente na pauta de candidatos a cargos públicos, os quais declaram suas concepções e apresentam suas propostas, que nem sempre são cumpridas. Apresentam publicamente conceitos, como: o retrato da infância, mostrando o grau de importância e a compreensão que se tem das necessidades infantis; o papel da creche e da mulher na nossa sociedade; a função do setor público em relação à oferta desse serviço.

A verificação da efetiva prioridade da Educação Infantil na mesma extensão das necessidades e dos compromissos políticos assumidos é, portanto, uma questão de qualidade a ser observada.

O sistema de Educação Infantil no Brasil é misto: composto por iniciativas públicas e privadas que representam parte significativa na organização dos serviços para a infância. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nas suas Disposições Transitórias, artigo 89, define que todas as creches e pré-escolas deveriam, no prazo de três anos (até dezembro de 1999), estar integradas aos seus respectivos sistemas de ensino. Isso significa que as creches e pré-escolas

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Condições para a qualidade

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públicas devem ser de responsabilidade das Secretarias Municipais de Educação. Essa mudança, definida em lei, acabou acontecendo de forma lenta e ultrapas-sando em muito o prazo previamente definido.

Legislação e definição de normasAs Leis e Normas para a Educação Infantil devem refletir as escolhas políticas

já declaradas e serem organizadas de forma não fragmentada; definir os pode-res jurídicos e responsabilidades dos níveis federal, estadual e municipal; devem fixar objetivos que possibilitem a garantia da oferta de serviços de qualidade; ser aplicadas igualmente para o setor público e privado; prever sanções quando não forem respeitadas; definir com precisão as finalidades educativas da creche/pré-escola.

Em termos de elaboração de leis, pode-se dizer que durante as décadas de 1980 e 1990 foi dado um “grande salto” e nossa preocupação agora, está voltada para o cumprimento daquilo que já foi decidido.

Financiamento e recursosAssunto sempre difícil e polêmico, trata-se da definição de valores que serão

aplicados em creches/pré-escolas. Qualidade exige recursos financeiros, não só para o investimento em instalações, mas também para despesas de manutenção.

É certo que não basta a aplicação de grande volume de recursos financeiros, é preciso imprimir padrões de eficiência, evitando desperdícios e superposições de ações. Especificamente na rede pública, é importante que nós, como educa-dores e cidadãos, tenhamos conhecimento e acompanhemos os gastos.

Quando há compartimentalização dos serviços, somada à administração, ge-ralmente pouco funcional e estruturada em moldes burocráticos, há também dificuldade para que exista planejamento, racionalização e transparência dos valores aplicados, fato muito próximo da realidade da grande maioria dos mu-nicípios brasileiros.

A responsabilidade pelos gastos da creche depende de como cada uma foi organizada e por quem está sendo gerida, o que resulta em inúmeras formas de manutenção desse serviço.

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Planejamento e controleOs planos são a tradução das “escolhas políticas” em práticas cotidianas. A

questão do planejamento deve estar necessariamente associada ao controle.

Como exemplo, podemos verificar o organograma da Secretaria responsável (que deve, pela legislação, ser a da Educação), o custo e localização da constru-ção de novas creches (ou mesmo reformas e ampliações) e o planejamento e controle dos materiais e gêneros alimentícios para a instalação e manutenção da creche.

O planejamento é a transformação das ideias e compromissos em propostas organizadas e devidamente estudadas, de acordo com as possibilidades e a rea-lidade existente. Ainda, após estudos, é necessário conhecer a realidade na qual se quer atuar, analisar as condições de atuação, para, assim, definir os objetivos a serem alcançados e o prazo que levará. Também há a necessidade constante de avaliação, não apenas dos resultados, mas também do próprio processo de execução dos planos. As condições da existência desses procedimentos são pa-râmetros para observação da qualidade.

Consultoria e suporte técnicoQuando se visa à qualificação de todo e qualquer serviço que se realiza, é

muito importante a possibilidade de contratar serviços essenciais sempre que surgem determinadas questões que requerem o envolvimento de profissionais especializados para a sua discussão e devido encaminhamento. Para a Educação Infantil, não se deve abrir exceções dessa natureza. Por exemplo, fonoaudiolo-gia, fisioterapia, arquitetura etc.

Não há necessidade da inclusão de outros técnicos na creche, mas especia-listas que prestem serviços, ou seja, que contribuam no sentido de ensinar e orientar os educadores, realizando um trabalho integrado.

Esses serviços não precisam ser realizados por um só profissional: é comum ocorrerem convênios, integração de diversos órgãos oficiais, por meio de progra-mas de formação e aperfeiçoamento profissional. À medida que as necessidades vão surgindo (e variam de acordo com cada realidade), vão sendo encontradas formas que possibilitam a integração de outros conhecimentos, mais específi-cos. Essa integração deve ser flexível, porém planejada, estruturada e avaliada.

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Condições para a qualidade

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No Brasil, serviços de consultoria em creches não são, ainda, uma prática muito difundida.

ProfissionaisTrata-se das pessoas que desenvolvem suas tarefas voltadas para a realização

de um objetivo comum: o atendimento à criança. Têm papel fundamental os professores, mas também os profissionais que não estão ligados diretamente às crianças, como quem cozinha, limpa e vigia a creche. Essas pessoas, além do desenvolvimento da suas tarefas específicas, devem também ser consideradas como participantes no projeto educativo, devendo ter consciência das finalida-des da creche, conhecimento e compreensão dos significados das programa-ções, pois têm papel relevante na sua dinâmica.

Esses profissionais devem ter identidade profissional reconhecida pelo nome, formação e função. Ter estabelecidas condições mínimas de trabalho, que são: remuneração, horas de trabalho, número de adultos por criança, processos de seleção para o cargo, oportunidade de desenvolvimento na carreira, substitui-ção, tempo de descanso etc.

Formação e aperfeiçoamento profissionalAinda é frequente a equivocada concepção de que a mulher possui, natural-

mente, as habilidades necessárias para a educação de crianças pequenas, por-tanto, não há necessidade de formação específica para o trabalho em institui-ções de Educação Infantil.

Além da formação, e por haver um desnivelamento de conhecimentos, é de grande valor a atualização/aperfeiçoamento como prática nos sistemas de Edu-cação Infantil. Há, como em toda e qualquer profissão especializada, a necessi-dade de acompanhar a contínua revisão das teorias e das propostas, nesse caso educativas, e de estar atento às mudanças que ocorrem em nossa sociedade para poder acompanhá-las.

O aperfeiçoamento deve ser encarado não como uma mera transmissão e aquisição de conhecimentos e técnicas, mas como transformação de tais conhe-cimentos em atividades educativas. Deve fazer parte da programação, ocorren-do periodicamente, como pode também se constituir em um trabalho cotidiano,

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que tem como base constantes discussões em grupo, a programação de seu pró-prio trabalho (com objetivos precisos), a avaliação dos resultados e, consequen-temente, reflexões e reformulações sempre que necessário.

Nesse processo de aperfeiçoamento, a atuação da coordenação pedagógica é fator determinante na qualidade (a ideia de “formador de formadores”). Deve-se organizar os programas de aperfeiçoamento, definindo os temas, a forma como serão trabalhados e verificando constantemente a adequação da proposta. Isso requer o conhecimento das necessidades de formação quanto à satisfação dos desejos dos educadores, de forma que sejam estimulados não só os interesses explicitados como também aqueles que ainda estão latentes.

Pode-se elaborar e definir planos anuais de aperfeiçoamento, prevendo tra-balhos realizados por experts no assunto, daí a importância do contato contínuo entre a coordenação pedagógica, faculdades, fundações e institutos que desen-volvem pesquisas e estudos sobre temas da Educação Infantil.

A programação dos eventos de aperfeiçoamento deve ter toda a divulgação possível na comunidade, no bairro e, em particular, junto às famílias das crianças. É muito importante que se saiba do trabalho que está sendo realizado na creche, inclusive dos assuntos tratados nos cursos de aperfeiçoamento com os profis-sionais, para que a comunidade seja informada sobre o processo de qualificação que vem ocorrendo.

Estrutura físicaA concepção do espaço físico não é fruto de uma visão neutra, mas é deter-

minada e retrata a cultura e o conhecimento daqueles que a projetam. E, como outros itens, é ponto importante na perspectiva da qualidade da Educação In-fantil. O projeto arquitetônico de uma creche responde à proposta educativa que se objetiva para as crianças.

Não há soluções únicas e prontas. Cada criança e cada grupo de crianças se constituem em um mundo diferente de todos os outros e, consequentemente, manifestam-se de modos diferentes.

Na arquitetura dos espaços físicos da creche, deve-se observar as caracterís-ticas físicas e sociais da região, o clima, o entorno, as condições de espaço e de localização.

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Condições para a qualidade

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Na condição de qualidade é importante, o projeto e sua execução partirem da discussão realizada em grupo com diferentes profissionais, como arquitetos, pedagogos, professores, administradores e outros. Porém, é primordial que eles tenham como pontos básicos a satisfação das necessidades das crianças e dos adultos, o favorecimento à integração entre adultos e crianças e entre as pró-prias crianças, a conciliação de exigências das crianças para momentos de livre exploração, de socialização e de isolamento voluntário.

Não se pode apenas considerar o aspecto da construção, mas também a or-ganização interna dos espaços, como móveis, tapetes, sofás, materiais didáticos, brinquedos etc. Deve-se ter em vista o equilíbrio entre “cheio” e “vazio”, evitando espaços lotados e inviáveis, ou espaços muito vazios, anônimos, privados de es-timulação e de referências.

Nos espaços externos, deve-se levar em conta a promoção de experiências e de satisfazer as diferentes exigências das crianças, considerando as condições para o movimento, a exploração, a concentração, as diversas modalidades de agregação e socialização.

Pesquisa e desenvolvimentoOs órgãos responsáveis pela gestão das creches precisam estar constante-

mente envolvidos com execução de pesquisas, valorizando a importância da reflexão e da utilização de conhecimentos produzidos.

Por ser uma instituição relativamente recente, a creche necessita de mais in-formações e de um conhecimento mais aprofundado. De outro lado, produz cul-tura e é campo privilegiado de pesquisa para estudiosos das áreas sociais e, em especial, do desenvolvimento infantil.

Pesquisas baseadas fundamentalmente na observação possibilitaram a mo-dificação de algumas teorias, como, por exemplo, o desenvolvimento social da criança, as modalidades de interação entre criança-adulto e criança-criança, as relações de apego etc.

Assim, reforça-se a ideia da creche como um verdadeiro laboratório ou um observatório privilegiado, lugar onde é possível colher elementos inéditos sobre o desenvolvimento infantil, e seus resultados podem ser introduzidos na própria creche visando à melhoria na qualidade do processo educacional.

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Integração e coordenação de serviçosÉ necessário adotar uma política voltada para a melhoria das condições de

vida da criança, na qual os serviços direcionados à satisfação das necessidades infantis precisam estar integrados entre si para que não afetem a qualidade de vida da criança.

O que se quer dizer com isso é que a política para a infância não pode estar desvinculada da política sanitária, do trabalho, da cultura etc. Entretanto, deve- -se prevenir a dispersão dos serviços que possibilitem perder o foco fundamen-tal da creche, que é a educação.

Texto complementar

Sugestões de critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos

fundamentais das crianças(ROSEMBERG; CAMPOS, 1994)

Este documento compõe-se de duas partes. A primeira contém critérios relativos à definição de diretrizes e normas políticas, programas e sistemas de financiamento de creches, tanto governamentais como não governa-mentais. A segunda inclui critérios relativos à organização e funcionamento interno das creches, que dizem respeito principalmente às práticas concre-tas adotadas no trabalho direto com as crianças.

Os pressupostos do documento baseiam-se em três áreas de conheci-mento e ação: dados sistematizados e não sistematizados sobre a situação concreta vivida no cotidiano da maioria das creches brasileiras que atendem à criança pobre; o estado do conhecimento sobre o desenvolvimento infantil em contextos alternativos à família, no Brasil e em países mais desenvolvi-dos, que vem trazendo contribuições importantes para o entendimento do significado das interações e das vivências da criança pequena e o papel que desempenham em seu desenvolvimento psicológico, físico, social e cultural; discussões nacionais e internacionais sobre os direitos das crianças.

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Os critérios foram redigidos no sentido positivo, afirmando compromis-sos dos políticos e dos educadores de cada creche com um atendimento de qualidade, voltado para as necessidades fundamentais da criança. Dessa forma, podem ser adotados ao mesmo tempo como um roteiro para implan-tação e avaliação e um termo de responsabilidade.

Atingir, concreta e objetivamente um patamar mínimo de qualidade que respeite a dignidade e os direitos básicos das crianças, nas instituições onde muitas delas vivem a maior parte de sua infância, nos parece, nesse momento, o objetivo mais urgente. Este documento procura contribuir para essa meta.

Critérios para políticas e programas de creche (a política de creche respeita a criança):

a política de creche respeita direitos fundamentais da criança; �

a política de creche está comprometida com o bem-estar da criança; �

a política de creche reconhece que as crianças têm direito a um ambi- �ente aconchegante e seguro;

a política de creche reconhece que as crianças têm direito à saúde; �

a política de creche reconhece que as crianças têm direito à higiene e �à alimentação;

a política de creche reconhece que as crianças têm direito à brinca- �deira;

a política de creche reconhece que as crianças têm direito ao contato �com a natureza.

Critérios para a unidade creche (esta creche respeita a criança):

nossas crianças têm direito à brincadeira; �

nossas crianças têm direito à atenção individual; �

nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante e seguro; �

nossas crianças têm direito ao contato com a natureza; �

nossas crianças têm direito à higiene e à saúde; �

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nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia; �

nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade e imaginação; �

nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos; �

nossas crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade; �

nossas crianças têm direito a expressar seus sentimentos; �

nossas crianças têm direito a uma especial atenção durante seu perío- �do de adaptação à creche;

nossas crianças têm direito a desenvolver sua identidade cultural, ra- �cial e religiosa.

Dicas de estudoNão deixe de ler o Plano Nacional pela Primeira Infância 2009-2022. Trata-se

de um esboço político e técnico, elaborado pela Rede Nacional Primeira Infância para subsidiar a construção e aprovação de um Plano Nacional pela Primeira In-fância. Pretende orientar durante os próximos quatorze anos a ação do governo e da sociedade civil na defesa, promoção e realização dos direitos da criança de até seis anos de idade.

Você pode encontrar a última versão no site: <www.primeirainfancia.org.br/502> ou <www.andi.org.br/_pdfs/plano_nacional_pela_primeira_infancia.pdf>.

Se você deseja conhecer as ações de promoção aos direitos das crianças e adolescentes, acesse o Portal da Criança e do Adolescente que é fruto de uma parceria entre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Co-nanda) com a Rede ANDI Brasil: <www.direitosdacrianca.org.br/institucional/>.

Existe ainda o site: <www.worldbank.org/children/> que comenta o desen-volvimento da primeira infância e os benefícios que as intervenções podem trazer para as crianças. Ressalta os projetos subsidiados pelo Banco Mundial. Es-crito em inglês, mas apresenta possibilidade de versão em espanhol.

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Atividades1. Analisando as políticas voltadas para a infância brasileira, o que você perce-

be que é declarado, mas não é realizado?

2. Justifique a importância do aperfeiçoamento/atualização para os profissio-nais da Educação Infantil.

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Nesta aula apresentaremos os indicadores da qualidade que determi-nam aspectos dos serviços de uma creche/pré-escola e permitem a aná-lise do nível de qualidade da instituição, servindo como parâmetros para o planejamento e intervenção.

Tal como os itens relacionados às condições de qualidade, os indicado-res apresentados a seguir não guardam ordem de prioridade e têm entre si forte correlação.

Acessibilidade e utilização dos serviçosIndica o nível de atendimento da demanda de creches na quantidade

e localização exigidas pela sociedade.

Devido à situação de pobreza em que vive parcela significativa da po-pulação brasileira, em especial as crianças, a questão do acesso precisa ser vista com atenção. A creche é um direito de toda criança, mas o poder público vem tendo dificuldade em cumprir a sua obrigação constitucional e precisa, nessa circunstância, priorizar suas vagas para as crianças prove-nientes de famílias de menor poder socioeconômico.

Há, assim, necessidade de planejamento com relação aos locais onde serão construídas as creches e seleção criteriosa e democrática das crian-ças que poderão ser matriculadas.

Creches com modelos organizativos muito rígidos tendem a excluir as famílias que não conseguem responder às suas exigências.

Ambiente físicoA análise do ambiente considera as condições de luminosidade e are-

jamento, a estética, a segurança, a adequação e funcionalidade dos ambi-entes de serviço e aspectos da promoção da saúde infantil.

Indicadores da qualidade

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Não é possível indicar categoricamente como deve ser a estruturação dos espaços da creche/pré-escola. O ambiente é um verdadeiro “organismo vivo”: nasce, cresce e muda, e ao mesmo tempo é único e “irrepetível”.

Podemos relacionar critérios para que o ambiente possa proporcionar condições de desenvolvimento e segurança da criança:

dimensão das salas; �

organização dos materiais e dos espaços; �

espaço individual para as crianças guardarem seus pertences; �

organização de laboratórios/centros de interesse/cantos/áreas/oficinas/ �ateliês, sempre de acordo com a programação;

ser rico em estímulos e propostas (cuidado com a poluição); �

nunca fixados definitivamente; �

é preciso haver trocas com os outros grupos da creche/pré-escola. �

Enfim, a organização do espaço e do tempo engloba todos os momentos da crian ça durante o dia, constituindo-se em oportunidade de importantes inter-venções educativas.

Atividades de aprendizagemA creche/pré-escola, considerada como espaço privilegiado de educação e

desenvolvimento da criança, precisa reconhecer o valor e a importância de uma programação educativa.

É fundamental a elaboração de um projeto pedagógico que contemple a concepção de creche, de criança e de seu desenvolvimento, dando atenção espe cial quanto à escolha dos instrumentos da ação educativa, dos projetos a serem desenvolvidos, dos jogos e materiais lúdicos/didáticos, e quanto às rela-ções interpessoais.

Vejamos alguns indicadores que se apresentam em uma programação educativa:

permanência e mudança; �

privacidade e sociabilidade; �

Cultura da Infância

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Indicadores da qualidade

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sequencialidade e imprevisibilidade; �

ação e formalização/simbolização. �

Consideram-se como atividades de aprendizagem aquelas que favorecem o de-senvolvimento cognitivo, afetivo e social da criança. Portanto, todas as atividades realizadas na creche são atividades de aprendizagem, inclusive as ações de rotina.

Sistemas de relaçõesPesquisas mostram que a criança, desde bem pequena, é capaz de estabele-

cer relações com o ambiente em que vive, ou seja, com as pessoas, os objetos e os eventos. Quanto mais elaborado e rico for o sistema de relações, mais a crian-ça terá oportunidade de aprender e crescer.

A creche é um universo social complexo e o equilíbrio das relações é funda-mental, bem como a qualidade das trocas e a definição dos papéis.

A relação adulto-criança, em particular, não pode ser natural ou casual e pre-cisa ser considerada e prevista. O adulto é figura significativa e crucial, ponto de referência, e precisa ser um interlocutor ativo.

Na relação criança-criança, por sua vez, ela aprende a estabelecer interações de prazer com outras crianças. É uma relação que dificilmente ocorre sem con-flitos e negociações, porém, permite descobrir as diferenças e as similaridades. É nessa relação que se aprende o que significa cooperação e se desfruta de impor-tantes momentos de troca.

Por fim, a relação adulto-adulto envolve grande variedade de interações, po-dendo ocorrer na creche ou no ambiente familiar. Constitui o “fundo” que torna possível e conota significativamente as outras duas dimensões relacionais.

Ponto de vista dos paisO termo pais não faz distinção entre pai ou mãe e também pode ser represen-

tado por qualquer outra pessoa da família que se sinta e aja como responsável pela criança. A questão da relação com a família é ponto fundamental em um projeto autenticamente pedagógico. A participação dos pais é a base para que haja um conhecimento articulado e amplo sobre as crianças, nas suas diversas situações de vida.

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Apesar da sua importância, essa relação entre pais e educadores é bastante complexa. Envolve expectativas, atribuições, interpretações que nem sempre são explicitadas. É comum gerar conflitos por medo de julgamentos, disputas sobre quem sabe mais sobre a criança, sentimentos de culpa (pais) e superiori-dade (educadores).

É preciso maturidade profissional. O professor deve tornar possível o estabe-lecimento de uma comunicação com as famílias, cuja base está na consciência do educador a respeito do seu papel nessa relação: o colaborador, o clarificador, o comunicador atento, o ouvidor incansável.

É preciso buscar permanentemente caminhos para alcançar a compreensão recíproca entre pais e educadores. Deve-se criar novas formas de encontros e o investimento na formação profissional visando a esses objetivos.

Comunidade (bairro)O ambiente em que a creche está inserida é também considerado como fator

integrante do processo educativo. A creche é um equipamento de educação e, portanto, incluída no contexto de um sistema formativo. Requer a sua articula-ção no bairro com as demais instituições/oportunidades/serviços, sejam esses públicos ou privados, de caráter social ou comercial. Essa articulação pode ser direta: inserção na própria programação de momentos específicos, nos quais se utilizam os recursos disponíveis de cada comunidade; e indireta: conhecimento da utilização que cada criança faz desses recursos oferecidos pela comunidade e sensibilização/estímulo aos pais e filhos para que usufruam, de maneira ade-quada, dessas ofertas.

Deve-se ter como perspectiva a gestão social como forma de gerir a creche com a participação dos educadores, das famílias e dos representantes da comu-nidade. Isso contribui para a construção da imagem da creche enquanto uma instituição social e educativa de grande relevância, e também enquanto um equipamento que pertence a essa comunidade.

Avaliação da diversidadeNos termos da Constituição Federal, todas as crianças de zero a seis anos têm

o direito à educação. Não há qualquer discriminação com relação à origem de classe e etnia, cultura, sexo, religião ou condição física.

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Indicadores da qualidade

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As diversidades existem e não devem ser ocultadas, ao contrário, precisam ser conhecidas para serem compreendidas e devidamente trabalhadas. Por exemplo, as diferenças culturais podem ser consideradas como um recurso para a educação da cidadania e deveriam ser incluídas no projeto educacional da creche.

Crianças com necessidades especiais, tais como as portadoras de deficiência física, devem ter na creche todas as condições necessárias para que se desen-volvam o máximo possível e para que possam estabelecer favoráveis relações interpessoais. Há necessidade de um trabalho integrado com as famílias e com todos os recursos externos disponíveis, de acordo com o tipo de deficiência de cada criança.

A creche precisa repensar a sua organização conforme as necessidades espe-ciais de cada criança.

Avaliação das criançasAvaliar é saber ler e interpretar os comportamentos das crianças e, assim,

melhor estabelecer as orientações da programação educativa. A avaliação é ato de conhecimento e de reconhecimento de valores e tem como base a subjetivi-dade. Portanto, não existe uma única forma de avaliar.

Para que a avaliação se torne acreditável o máximo possível, pode-se definir alguns critérios: autoconsciência, saber ouvir o outro, observar, solicitar a co-laboração da criança, deixar claro as intenções, estar atento sobre o perigo dos instrumentos e o equívoco das mensurações.

Uma interessante sugestão é construir um fascículo histórico pessoal de cada criança, uma linha documentada do percurso seguido pela criança na formação de sua identidade pessoal e cultural, um retrato da sua qualidade, das suas com-petências e das suas potencialidades.

Relação custo-benefícioO importante é analisar a relação custo-benefício de um ponto de vista mais

amplo, qualitativo mesmo, e não simplesmente utilizar tabelas econômico- -financeiras, de receitas e despesas. Identificar e calcular benefícios é tarefa que demanda esforço, portanto, esse é um indicador difícil de ser determinado, mas deve ser planejado e estruturado no sentido de buscar o grau de desenvolvi-

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mento das crianças, de satisfação das famílias, da comunidade e dos profissio-nais envolvidos.

Valores éticosOs princípios éticos de referência e o sistema adotado para a organização e a

gestão da creche/pré-escola constituem pontos de equilíbrio de todos os indi-cadores da qualidade.

Quanto maior for a coerência entre programação, organização dos serviços e os valores definidos, mais fácil é alcançar bons níveis de qualidade.

Devido à sua subjetividade, esse é também um indicador difícil de ser determinado.

Texto complementar

Pré-escola impulsiona o saberEstudo do MEC comprova a importância da educação infantil no Brasil. Crian-

ças que passaram pela creche têm melhor desempenho em matemática

(GAZETA DO POVO, 2008)

Crianças que cursam a educação infantil têm melhores notas em matemática nas avaliações feitas pelo Ministério da Educação quando chegam à 4.ª série. O fato de frequentar a creche e a pré-escola faz com que o aluno evolua em um ano de escolaridade. Com isso, seus conhecimentos passam a equivaler ao da média dos estudantes da 5.ª série. Em algumas regiões, como no Sudeste, o efeito é ainda maior, e as crianças demonstram desempenho compatível ao da 7.ª série.

Os resultados fazem parte do estudo “O Efeito da Educação Infantil sobre o Desempenho Escolar medido em Exames Padronizados”, elaborado pela consultora do MEC Fabiana de Felício e pela economista do Banco Itaú, Ligia Vasconcellos. A pesquisa – que trata de crianças entre 0 e 5 anos – é uma das primeiras no Brasil a confirmar numericamente a relevância desse nível

Cultura da Infância

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Indicadores da qualidade

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de ensino, defendido há anos por educadores. Efeitos semelhantes já foram identificados em outros países.

Segundo Fabiana, os resultados seriam parecidos se fosse analisado o de-sempenho em português. “O impacto é ainda maior em matemática do que em português porque, de um jeito ou de outro, as crianças acabam tendo contato com a linguagem em casa”, diz a pesquisadora. O estudo analisou os resultados das crianças de 4.ª série, apenas de escolas públicas, no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Prova Brasil.

O primeiro é um exame de matemática e português feito por amostra-gem pelo MEC há mais de dez anos. O segundo existe desde 2005 e é re-alizado com crianças de 4.ª a 8.ª séries de toda a rede pública nas mesmas disciplinas. As provas analisadas foram feitas em 2003 e em 2005.

A evolução da criança em uma ou mais séries não é algo fora do normal ou além do que seria adequado para a idade. Isso porque o conhecimento demonstrado pelos alunos de 4.ª série hoje está longe de ser considerado ideal. Especialistas afirmam que aos 10 anos (4.ª série) elas deveriam ter nota equivalente ao que se registra na 8.ª série do país. “A educação infantil ajuda justamente nisso. As políticas públicas precisam dar importância a esse nível de ensino”, diz Fabiana.

O estudo mostra o efeito da educação infantil não só no Saeb como também na Prova Brasil e Saeb juntos. No segundo caso, o impacto é maior. Crianças que passaram por esse nível obtiveram em média 15,9 pontos a mais que as demais. Segundo os resultados atuais nas duas avaliações, 44 pontos separam o desempenho das crianças de 4.ª série das de 8.ª, ou seja, a cada 11 pontos a mais, o aluno evolui um ano. A região Norte foi a que registrou efeito menor.

Estimativas feitas na pesquisa mostram ainda que, se todas as crian-ças brasileiras tivessem frequentado a educação infantil, a média seria de 180,5 pontos: quase 15 pontos acima do desempenho que seria registrado se nenhuma criança tivesse acesso à creche e à pré-escola. “O desenvol-vimento cognitivo, emocional, psicológico e social da criança entre 0 e 5 anos é crucial para a aprendizagem futura”, diz a coordenadora de educa-ção do Unicef no Brasil, Maria Salete Silva. Segundo ela, a educação infantil aparece em 36 das 37 redes de ensino do país selecionadas no estudo que aponta bons exemplos.

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DéficeAtualmente, cerca de 6,5 milhões de crianças frequentam a educação in-

fantil no Brasil. O atendimento em creches equivale a só 15% da população de 0 a 3 anos – a meta no país, por lei, é chegar a 50%. Na pré-escola, são 67%. Só em São Paulo, apesar de o número diminuir a cada ano, há 120 mil crianças na fila por uma vaga.

A educação infantil ganhou essa denominação a partir da Lei de Dire-trizes e Bases da Educação, de 1996. Antes disso, as creches faziam parte da assistência social dos municípios. Mas isso só começou a sair do papel perto de 2000. Em São Paulo, apenas em 2002 elas foram transferidas para a Edu-cação. As mudanças foram, em parte, influenciadas por resultados de pes-quisas científicas mostrando que é na primeira infância que ocorre o maior desenvolvimento do cérebro.

Dicas de estudoSobre critérios de qualidade, é importante você conhecer os Parâmetros Na-

cionais de Qualidade para a Educação Infantil, publicados pelo MEC, em 2006. São dois volumes que contém referências de qualidade para a Educação Infantil a serem utilizadas pelos sistemas educacionais de forma a promoverem a igual-dade de oportunidades educacionais, levando em consideração diferenças, di-versidades e desigualdades do território brasileiro. Acesse o site: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/eduinfparqualvol1.pdf>.

Também é muito interessante conhecer o documento Integração das Institui-ções de Educação Infantil aos Sistemas de Ensino – um estudo de caso de cinco mu-nicípios que assumiram desafios e realizaram conquistas. Publicado pelo MEC, em 2002, visa subsidiar as secretarias e os conselhos na efetivação da integração das creches aos sistemas municipais de ensino, realizando um atendimento de qua-lidade às crianças brasileiras de zero a seis anos de idade. Acesse o site: <http://www.oei.es/inicial/politica/integracion_instituciones_infantil_brasil.pdf>.

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Indicadores da qualidade

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Atividades1. Por que as creches com modelos organizativos muito rígidos tendem a ex-

cluir as famílias?

2. Por que “o ponto de vista dos pais” é considerado um indicador de quali-dade?

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Para apresentar essa questão, vamos fazer uma breve, mas consistente, incursão na História da Infância.

A referência para essa discussão é o importante historiador francês Philippe Ariès que, na sua obra História Social da Criança e da Família (1978), dedica-se às concepções de criança e de família, da Idade Média aos dias atuais.

Tendo como base essa obra de Ariès, o educador italiano Franco Frabboni, em seu texto a “Escola Infantil entre a Cultura da Infância e a Ciência Pedagógica e Didáticas”, organiza o entendimento histórico da criança por meio de três identidades:

Primeira identidade – Criança-adulto ou infância negada – séculos �XIV, XV.

Segunda identidade – Criança-filho-aluno ou a criança-instituciona- �lizada – séculos XVI, XVII.

Terceira identidade – Criança-sujeito social ou sujeito de direitos – �século XX.

Primeira identidade: “a criança-adulto” ou a infância negada

Philippe Ariès foi buscar nas artes e na literatura da época medieval a ideia que prevalecia sobre a criança e a infância. “Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo.” (ARIÈS, 1978, p. 50). O autor ainda afirma que as crianças eram desenhadas como o adulto em escala menor, com músculos e feições de adultos.

A ideia de infância e a sua escola

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Vamos ver alguns exemplos de como eram retratadas as crianças:

Pieter Bruegel em seu quadro Visita à Quinta, confirma o que já afirmava Ariès: as feições do menino que está em pé são as mesmas de um adulto, apenas em escala menor (representa-ção de apenas uma parte do quadro).

Dom

ínio

púb

lico.

É difícil imaginar a existência, na sociedade medieval, de um sentimento de

infância. A criança era ao mesmo tempo um mistério (“escondia uma natureza

sagrada que o homem não podia profanar”) e um ser sem humanidade, sem

conceito social preciso (“humanidade na lista de espera, como planta imperfei-

ta”) que só se tornaria pessoa se “jogada e abandonada” precocemente na socie-

dade dos adultos.

Nesta outra imagem, que retrata um am-biente doméstico da Idade Média, há uma criança aprendendo a andar com o auxílio de um “andador”. Podemos ver que se trata mais uma vez, da fisionomia de um adulto (representação de parte da obra Miniatura de um Livro de Horas).

Dom

ínio

púb

lico.

As crianças morriam em grande número pelas precárias condições de higiene e saúde, e as que sobreviviam confundiam-se rapidamente com os adultos. Essa

Cultura da Infância

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A ideia de infância e a sua escola

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mortalidade infantil era considerada natural (indiferente): talvez pelo grande número de mortes, talvez porque se acreditasse que a criança pequena não tinha “alma”.

Sobre a prática do infanticídio na Idade Média, assim nos ensina Ariès (1978, p. 17):

[...] um fenômeno muito importante e que começa a ser mais conhecido: a persistência até o fim do século XVII do infanticídio tolerado. Não se tratava de uma prática aceita, como a exposição em Roma. O infanticídio era um crime severamente punido. No entanto, era praticado em segredo, correntemente, talvez, camuflado, sob a forma de um acidente: as crianças morriam asfixiadas naturalmente na cama dos pais, onde dormiam. Não se fazia nada para conservá-las ou para salvá-las [...]. O fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tão pouco dotadas de um ser suficiente não era confessado, mas tampouco era considerado com vergonha. Fazia parte das coisas moralmente neutras, condenadas pela ética da Igreja e do Estado, mas praticadas em segredo, numa semiconsciência, no limite da vontade, do esquecimento e da falta de jeito.

De outro lado, existia um sentimento superficial da criança, a “paparicação” em seus primeiros anos de vida. As pessoas se divertiam com a criança pequena como com um animal de estimação.

Ariès (1978, p. 159) dizia que “esse sentimento da infância pode ser ainda melhor percebido através das reações críticas que provocou: [...] algumas pes-soas rabugentas consideravam insuportável a atenção que se dispensava então às crianças [...]”.

Vejamos um testemunho desse estado de espírito, por meio de uma canção escrita por Coulanges e dedicada aos “pais de família”:

(ARIÈS, 1978, p.160-161)

Para bem educar vossas crianças,

Não poupeis o preceptor;

Mas, até que elas cresçam,

Fazei-as calar quando estiverem entre adultos,

Pois nada aborrece tanto

Como escutar as crianças dos outros.

O Pai cego acredita sempre

Que seu filho diz coisas inteligentes,

Mas os outros, que só ouvem bobagens,

Gostariam de ser surdos;

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E no entanto é preciso

Aplaudir o enfant gâté.

Quando alguém vos disser por polidez

Que vosso filho é bonito e bem comportado,

Ou lhe der balas,

Não exijais mais nada

Fazei vosso filho, assim como seu preceptor,

Agir como um servidor.

Ninguém acreditaria que uma pessoa de bom senso

Pudesse escrever

Para criancinhas de três anos,

Se as de quatro não sabem ler.

No entanto, há pouco tempo,

Vi um pai entregue a essa tola diversão.

Sabei ainda, caros amigos,

Que nada é mais insuportável do que ver vossos filhinhos,

Pendurados na mesa como uma réstia de cebolas,

Moleques que, com o queixo engordurado,

Enfiam o dedo em todos os pratos.

Que eles comam em outro lugar,

Sob as vistas de uma governanta

Que lhes ensine a limpeza

E não seja indulgente,

Pois não se pode com rapidez

Aprender a comer com limpeza.

Ainda sobre a “paparicação”, podemos dizer que mesmo atualmente tem-se um tanto desse sentimento, principalmente quando muitas escolas de Educa-ção Infantil guardam referência a essa criança relacionada a um animalzinho de estimação, um mimo dos adultos. Isso se percebe através dos nomes que são dados a essas escolas: Pirilampo, Ursinho Pimpão, Totó, Fofinhos e tantos outros.

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A ideia de infância e a sua escola

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Podemos concluir que, nesse período, essa identidade da criança está defi-nida pelo não sentimento de infância, o que não quer dizer que não havia afeto pelas crianças, ou que na totalidade eram abandonadas ou desprezadas, mas sim que não havia uma consciência da particularidade infantil, ou seja, não se distinguia a criança do adulto.

Segunda identidade: a criança-filho-aluno ou a infância institucionalizada

Esse período compreende os séculos XVI e XVII quando inicia-se um novo episódio existencial da infância. Há, segundo Frabboni (1998), “uma virada de página”. Junto com a Revolução Industrial, há uma mudança da posição da famí-lia na socie dade. É o surgimento da família moderna. A infância torna-se o centro do interesse educativo dos adultos (sentimentos de afetividade, cuidados, reco-nhecimento, continuidade da família). Citando Ariès:

Os pais não se contentavam mais em pôr filhos no mundo, em estabelecer apenas alguns deles, desinteressando-se dos outros. A moral da época lhes impunha proporcionar a todos os filhos, e não apenas ao mais velho – e, no fim do século XVII, até mesmo às meninas – uma preparação para a vida. Ficou convencionado que essa preparação fosse assegurada pela escola. (1978, p. 277)

A escola é o meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de apren-der a vida por meio do contato direto com os adultos. Ela foi separada dos adul-tos próximos (basicamente familiares) e mantida à distância na escola. Começa um longo processo de “enclausuramento” das crianças.

Ainda Ariès (1978, p. 277): “A escola confinou uma infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX resultou no enclausuramento total do internato”. Nesse período, as ordens religiosas torna-ram-se dedicadas ao ensino às crianças e aos jovens.

Passou-se a ter interesses psicológicos e preocupações morais em relação às crianças. Era preciso conhecê-las melhor para, assim, poder “corrigi-las”.

Duas ideias novas surgem ao mesmo tempo: a noção da fraqueza da infância e o sentimento da responsabilidade moral dos mestres. O sistema disciplinar que elas postulavam não se podia enraizar na antiga escola medieval, onde o mestre não se interessava pelo comportamento de seus alunos fora da sala de aula. [...] A nova disciplina se introduziria através da organização já moderna dos colégios e pedagogias com a série completa de classes em que o diretor e os mestres deixavam de ser primi inter pares, para se tornarem depositários de uma autoridade superior. Seria o governo autoritário e hierarquizado dos colégios que permitiria, a partir do século XV, o estabelecimento e o desenvolvimento de um sistema disciplinar cada vez

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mais rigoroso. Para definir esse sistema, distinguiremos suas três características principais: a vigilância constante, a delação erigida em princípio de governo e em instituição, e a aplicação ampla de castigos corporais. (ARIÈS, 1978, p. 180)

Em relação à família, esta tornou-se o centro de afeição entre pais e filhos, algo que não era antes. E um sentimento inteiramente novo: os pais se interes-savam pelos estudos de seus filhos e os acompanhavam com intensidade. A fa-mília começou a se organizar em torno da criança, sem a indiferença que marcou o passado.

Um detalhe interessante, que pode ser percebido nas camadas sociais supe-riores, é que as crianças ganharam roupa específica que as distinguia dos adul-tos. Era uma prova da mudança ocorrida na atitude com relação a elas.

Também o reduto familiar torna-se cada vez mais privado e progressivamen-te assume funções antes preenchidas pela comunidade. Observe-se que a famí-lia não é nova, mas, sim, o sentimento de família é que muda.

Desse período, concluímos que a criança paga um preço alto pela conquis-ta da sua identidade de criança filho-aluno. Como diz Frabboni (1998, p. 67): é a criança institucionalizada, “[...] o direito de ser criança (de ter atenções-grati-ficações-espaços-jogos) é legitimado somente sob a condição de pertencer a este tipo de família e a este tipo de escola.” Isto é, somente na estrutura de re-lações de propriedade e de poder. “A criança existe somente como minha, tua, nossa, sua criança, ou seja, dentro de uma estreita privatização de relações e de definições”.

Terceira identidade: a criança-sujeito social, sujeito de direitos

Podemos começar perguntando: quem é a criança de hoje? Quando obser-vamos nossas crianças, podemos dizer que, apesar da semelhança cronológica, existem diferentes infâncias:

a da criança pertencente a uma família com nível socioeconômico alto, �que brinca e estuda, mas tem uma rotina preenchida com inúmeras ativi-dades (esportes, estudo de línguas estrangeiras, artes etc.);

a da criança que participa da formação de renda da família e por isso tra- �balha e nem sempre pode estudar;

Cultura da Infância

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A ideia de infância e a sua escola

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a da criança que, nas grandes cidades, acompanha os adultos ou até mes- �

mo outras crianças, e fica pedindo esmolas ou cometendo pequenas in-

frações;

a da criança que ajuda o pai ou a mãe nas tarefas diárias de casa ou do �

trabalho, aprendendo desde cedo uma profissão.

Todas são crianças, porém suas situações de socialização, condições de vida,

tempo de escolarização, de brincadeiras e de trabalho são diferentes. É funda-

mental que tenhamos consciência dessas diferenças para que saibamos conhe-

cer melhor as crianças com quem convivemos e com quem, como educadores,

temos responsabilidades.

A etapa histórica em que estamos vivendo, marcada pelo avanço tecnológi-

co-científico e por mudanças ético-sociais, apresenta os requisitos necessários

para que finalmente a Educação Infantil dê um salto no sentido de compreender

a criança como sujeito social e, portanto, um sujeito com direitos.

Essa mudança só será possível se a família e a escola forem capazes de com-

preender, seguindo o pensamento de Frabboni (1998, p. 69), que a criança é:

[...] séria, concentrada, empenhada em ampliar – por si mesma – seus próprios horizontes de conhecimento (através de uma constante atividade exploradora e interrogativa); [...] que possui grande voracidade ‘cognitiva’ e saboreia uma descoberta após a outra, e que escolhe sozinha seus próprios itinerários formativos, suas trilhas culturais, livre dos elos que impediam o seu crescimento; [...] sabe observar o mundo que a cerca; sabe perscrutar e sonhar com horizontes longínquos; [...] sai do mito e da fábula porque sabe olhar e pensar com a sua própria cabeça.

É capaz de construir e de ler a sua realidade, é a protagonista da sua própria

história, é capaz de interagir com as pessoas com quem tem referência e com

outras crianças, assim como influenciar ambos significativamente.

Função da instituição de Educação Infantil: educar e cuidar

A partir desses conceitos de criança, perguntamos: qual seria, então, a função

da instituição de Educação Infantil? A que ela se propõe? Quem vai nos ajudar

a responder a essas questões é a educadora Maria Isabel Bujes, através do texto

a seguir.

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42

(BUJES, 2001, p. 16)

A educação da criança pequena envolve simultaneamente dois proces-sos complementares e indissociáveis: educar e cuidar. As crianças desta faixa etária, como sabemos, têm necessidades de atenção, carinho, segurança, sem as quais elas dificilmente poderiam sobreviver. Simultaneamente, nessa etapa, as crianças tomam contato com o mundo que as cerca através das ex-periências diretas com as pessoas e as coisas deste mundo e com as formas de expressão que nele ocorrem. Essa inserção das crianças no mundo não seria possível sem que atividades voltadas simultaneamente para cuidar e educar estivessem presentes. O que se tem verificado, na prática, é que tanto os cuidados como a educação têm sido entendidos de forma muito estreita.

Cuidar tem como significado, na maioria das vezes, realizar as atividades voltadas para os cuidados primários: higiene, sono e alimentação. Quando uma sociedade faz exigências de trabalho às mães e aos pais de crianças pequenas (ou a outros adultos que sejam responsáveis por elas), tem a obri-gação de prover ambientes acolhedores, seguros, alegres, instigadores, com adultos bem preparados, organizados para oferecer experiências desafia-doras e aprendizagens adequadas às crianças de cada idade. Assim, cuidar inclui preocupações que vão desde a organização dos horários de funciona-mento da creche, compatíveis com a jornada de trabalho dos responsáveis pela criança, passando pela organização do espaço, pela atenção aos mate-riais que são oferecidos como brinquedos, pelo respeito às manifestações da criança (de querer estar sozinha, de ter direito aos seus ritmos, ao seu “jeitão”) até a consideração de que a creche não é um instrumento de con-trole da família, para dar alguns exemplos. [...] Ver os cuidados dessa forma talvez nos ajude a perceber que eles são indissociáveis de um projeto educa-tivo para a criança pequena.

Por outro lado, a criança vive um momento fecundo, em que a interação com as pessoas e as coisas do mundo vai levando-a a atribuir significados àquilo que a cerca. Esse processo, que faz com que a criança passe a partici-par de uma experiência cultural que é própria de seu grupo social, é o que chamamos de educação. No entanto, essa participação na experiência cultu-ral não ocorre isolada, fora de um ambiente de cuidados, de uma experiência de vida afetiva e de um contexto material que lhes dá suporte.

Texto complementar

Cultura da Infância

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A ideia de infância e a sua escola

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A noção de experiência educativa que percorre as creches e pré-escolas tem variado bastante. Quando se trata de crianças das classes populares, muitas vezes a prática tem se voltado para as atividades que têm por objeti-vo educar para a submissão, o disciplinamento, o silêncio, a obediência. De outro lado, mas de forma igualmente perversa, também ocorrem experiên-cias voltadas para o que chamo de “escolarização precoce”, igualmente dis-ciplinadoras, no seu pior sentido. Refiro-me a experiências que trazem para a pré-escola, especialmente, o modelo da escola fundamental, as atividades com lápis e papel ou atividades realizadas na mesa, a alfabetização ou a nu-meralização precoce, o cerceamento do corpo, a rigidez dos horários e da dis-tribuição das atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras.

Assim, na prática, a dimensão educativa, como acabei de descrever, tem desconhecido um modo atual de ver as crianças: como sujeitos que vivem um momento em que predominam o sonho, a fantasia, a afetividade, a brin-cadeira, as manifestações de caráter subjetivo.

[...] Ao considerarmos que a Educação Infantil envolve simultaneamen-te cuidar e educar, vamos perceber que essa forma de concebê-la vai ter consequências profundas na organização das experiências que ocorrem nas creches e pré-escolas, dando a elas características que vão marcar sua identidade como instituições que são diferentes da família, mas também da escola (aquela voltada para as crianças maiores de sete anos). Enquanto se mantiver a confusão de papéis que vê na família ou na escola os modelos a serem seguidos, quem perde é a criança.

Dicas de estudoUm ótimo material para consultas e leituras são os Cadernos de Pesquisa

(periódico da Fundação Carlos Chagas). Trata-se de uma publicação quadrimes-tral, dedicada a divulgar a produção acadêmica sobre educação, gênero e etnia. Versão eletrônica disponível em: <www.fcc.org.br>.

Outro periódico de importância é a Revista Criança que é editada, publicada e distribuída pela Coordenação Geral de Educação Infantil da Secretaria de Edu-cação Básica do MEC. É um material de disseminação da política nacional de educação infantil e de formação de professores.

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Atividades1. De forma sucinta, descreva as três identidades da criança identificadas por

Franco Frabboni.

2. Com quais diferentes infâncias você convive?

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A ideia de infância e a sua escola

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De acordo com o que a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) definiram, a Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, é oferecida em creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade, e em pré-escolas para as crianças de quatro a cinco anos.

Essa é uma definição dada pela lei, e que, em muitas vezes, ainda não foi totalmente assimilada por todos. Mas, em termos históricos, existem outras diferenças conceituais entre creche e pré-escola.

O termo creche sempre esteve vinculado a um serviço oferecido à população de baixa renda e, portanto, com um cunho assistencial. Já a pré-escola era voltada a crianças maiores, mais próximas de frequenta-rem a escola de ensino fundamental e, assim, trabalhava mais questões pedagógicas.

Também se distinguiam pelo tipo de funcionamento: a creche se ca-racterizava por uma atuação em horário integral, e a pré-escola, por um funcionamento semelhante ao da escola, em meio período.

Havia ainda uma outra forma de diferenciar a creche da pré-escola: a sua vinculação administrativa. A creche se subordinava e era mantida por órgãos de caráter médico/assistencial, e a pré-escola aos órgãos vincula-dos ao sistema educacional.

Essa divisão hoje não é mais permitida.

A LDB deu um prazo, que foi dezembro de 1999, para que todas as cre-ches e pré-escolas existentes ou as que viessem a ser criadas se integras-sem aos seus respectivos sistemas de ensino, responsáveis pela função educação.

Visto isso, vamos agora observar como foi que a creche surgiu na Europa e nos Estados Unidos, referenciais importantes dessa área. Para isso, vamos nos basear no texto escrito por Bernard Spodek e Patrícia Clark Brown: Alter-nativas Curriculares na Educação de Infância: uma perspectiva histórica.

A história das creches

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Surge a creche na Europa e nos Estados UnidosTem-se que o primeiro programa concebido especificamente para crianças

pequenas foi a “Escola do tricô”, fundada em 1767 pelo Padre Oberlin, na França. As crianças, a partir de dois anos, formavam um círculo ao redor da professora, que conversava com elas enquanto tricotava. Eram, geralmente, filhos de pais trabalhadores que não tinham onde deixar suas crianças durante o horário do trabalho. Dizem que o nome creche foi utilizado pelo Padre Oberlin para desig-nar essa sua instituição. A palavra creche, que tem origem francesa, significa manjedoura.

Há outras experiências pioneiras no atendimento à criança pequena. Na Es-cócia, foi criada, em 1816, por Robert Owen, a “Escola Infantil”. Owen preocu-pava-se com as condições de vida e de trabalho dos seus empregados, alguns dos quais tinham apenas seis anos de idade. Ele iniciou várias reformas sociais importantes para a época, incluindo o aumento da idade mínima para trabalhar para os 10 anos. Fundou o “Instituto para a Formação do Caráter” que era orga-nizado em três níveis e atendia alunos com idade entre 3 e 20 anos. O primeiro nível era a escola infantil para crianças de 3 a 6 anos; o segundo nível atendia crianças de 6 a 10 anos e o terceiro nível era oferecido durante a noite e atendia alunos dos 10 aos 20 anos. Na década de 1820, nos Estados Unidos, criaram-se várias Escolas Infantis.

Na Alemanha, em 1837, Fröbel criou o “Jardim de Infância”. Ele tinha uma visão única sobre a natureza da infância, a natureza do conhecimento e os objetivos da educação que seriam oferecidos nos jardins de infância. Fröbel deixou um enorme contributo para a Educação Infantil.

Na Itália, Maria Montessori, no início do século XX, trabalhou com crianças pobres de um bairro operário, na sua Casa dei Bambini (Casa das Crianças). Ela acreditava que as crianças tinham a capacidade de influenciar o seu próprio desenvolvimento.

Na Inglaterra, também no início do século XX, surgia outro programa para a primeira infância: o “Infantário”. Criado por Margaret McMillan, em parceria com sua irmã Rachel, essa instituição se preocupava com as condições insalubres em que viviam as crianças.

O que podemos concluir dessas primeiras iniciativas de atendimento à crian-ça pequena?

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Todos esses programas tiveram um impacto importante no campo da educa-ção para a criança. Porém, cabe observar que, com exceção dos jardins de infân-cia de Fröbel, todos os outros programas foram iniciados para melhorar a vida das crianças pobres.

Assim, podemos dizer que a creche surgiu como uma instituição assistencial que ocupava o lugar da família, nas mais diversas formas de ausência. Podemos também dizer que a organização da família moderna atribuía para si a responsa-bilidade pelo cuidado e pela educação da criança pequena. Portanto, somente as famílias que não conseguiam atender a essa função é que utilizavam a creche.

Surge a creche no BrasilDe uma forma geral, podemos falar que a creche no Brasil surge acompa-

nhando a “estruturação do capitalismo, a crescente urbanização e a necessidade de reprodução da força de trabalho”, ou seja, ia desde a liberação da mulher-mãe para o mercado de trabalho até uma visão de mais longo prazo em preparar pessoas nutridas e sem doenças.

Atendimento à infância até 1900Do período colonial até o início do século XX, pouco se fez, no Brasil, em

defesa das crianças que viviam na pobreza. Existiu institucionalmente a “Casa dos Expostos”, também chamada de “Roda”, segundo Moncorvo Filho em seu livro Histórico da Protecção à Infância no Brasil – 1550-1922. Tratava-se de um lugar onde eram deixadas as crianças não desejadas1. Deve-se a criação da Roda a Romão de Mattos Duarte, que, preocupado com o grande número de crianças abandonadas nas ruas e portas de igrejas das cida-des maiores, decidiu doar recursos para que a Santa Casa de Misericórdia fizesse esse atendimento. Não se sabe muito sobre esta instituição, mas há um dado que assusta: em 13 anos de funcionamento, haviam entrado nas “Rodas” aproximadamente 12 mil crianças e apenas mil tinham sobrevivido (MONCORVO FILHO, 1926). O que nos permite deduzir que as condições de atendimento eram muito precárias.

1 A roda era uma espécie de armário cilíndrico, giratório e embutido em uma parede. Era construído de tal forma que aquele que deixava a criança não era visto por quem a recebia. Assim, ao colocar a criança na roda, puxava-se uma cordinha com uma sineta para avisar o responsável na insti-tuição que um bebê acabava de ser abandonado.

Dom

ínio

púb

lico.

Roda dos Expostos.

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Podemos dizer que essas primeiras iniciativas voltadas ao cuidado das crianças tinham caráter higienista e se dirigiam contra o alto índice de mortalidade infantil.

A sociedade da época achava que o grande número de mortes de crianças era devido aos nascimentos ilegítimos (frutos da união entre escravos ou entre escravos e senhores) e à falta de educação moral, física, e intelectual das mães.

Podemos observar que as duas causas culpam a família, além de dizerem que os negros escravos eram portadores de doenças. Não se levava em consideração as condições econômicas e sociais das famílias e a ausência de estruturas de saúde pública. Assim, os poucos projetos desenvolvidos durante esse período tinham base no preconceito. Esses projetos eram organizados a partir de grupos privados (conjuntos de médicos, associações beneficentes de senhoras) sem a preocupação por parte do Estado pelas condições de vida da criança e seu de-senvolvimento, em especial, a da criança pobre.

1900 a 1930Vamos passar para o início do século XX e observar alguns fatos marcantes.

As fábricas passaram a absorver imigrantes europeus. Muitos deles eram traba-lhadores qualificados e politizados pelo contato com os movimentos operários que ocorriam na Europa. Organizados aqui no Brasil, os operários passaram a protestar contra as suas precárias condições de vida e de trabalho. Os empre-sários, por sua vez, procurando enfraquecer esses movimentos, começaram a conceder alguns benefícios sociais e criaram vilas operárias, clubes esportivos e também algumas creches e escolas maternais para os filhos de operários.

Além disso, as grandes cidades estavam se industrializando muito rapida-mente e, como não dispunham de infraestrutura urbana suficiente, em termos de saneamento básico, moradias etc., sofriam o perigo de constantes epidemias. Assim, a creche passou a ser defendida por sanitaristas preocupados com as con-dições de vida da população operária, ou, em outros termos, com a preservação e reprodução da mão de obra operária.

A literatura aponta também a existência de grupos de mulheres de classes sociais abastadas que, organizadas em associações religiosas ou filantrópicas, cria ram várias creches. Elas instruíam as mulheres das camadas populares a serem “boas donas de casa” e a cuidarem adequadamente de seus filhos. Eram convictas de que o cuidado materno era o melhor para a criança e que o cuidado em grupo (creche) era certamente um substitutivo inadequado.

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Também nesse período destaca-se a existência de determinados grupos pri-vados que tinham a intenção de diminuir a apatia que dominava as esferas go-vernamentais quanto ao problema da criança.

Em um desses grupos foi fundado o “Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil”, com sede no Rio de Janeiro. Uma das atividades realizadas por esse instituto foi a organização de “Concursos de Robustez”. O que seria isso? Com a finalidade de diminuir a mortalidade infantil, fazia-se um concurso para escolher o bebê mais saudável. A mãe do bebê vencedor, que deveria ter com-provada a sua pobreza, era premiada em dinheiro.

Junto a essas atividades do instituto, foram sendo criadas creches, jardins de infância e maternidades. Em 1909, foi inaugurado o Jardim de Infância Campos Salles, no Rio de Janeiro.

Em 1919, por iniciativa da equipe fundadora do Instituto, foi criado o Depar-tamento da Criança, cuja responsabilidade caberia ao Estado, mas que acabou sendo mantido pelo Dr. Moncorvo Filho, pessoa reconhecida pela sua dedicação e proteção à infância.

Em 1922, o Estado começou a se preocupar com a criança: organizou o 1.º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, mas ainda os problemas infantis foram tratados de forma demagógica e limitada. As conclusões foram as de que a creche tinha como finalidade:

combater a pobreza e a mortalidade infantil; �

atender os filhos da trabalhadora, mas com uma prática que reforçava o �lugar da mulher no lar e com os filhos;

promover a ideologia da família. �

1930 a 1980Iniciamos a década de 1930 reforçando a “culpa da família” com relação às

condições de vida das crianças, deixando, assim, de lado as relações de classe existentes no país.

O papel do Estado em relação à educação e ao cuidado da criança passa a ser defendido pelas próprias autoridades governamentais. Reforçava-se as relações entre criança e pátria e introduzia-se uma nova argumentação sobre a necessi-dade de “formação de uma raça forte e sadia”.

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No município de São Paulo, Mário de Andrade – escritor e intelectual da época – é nomeado diretor do recém-criado Departamento de Cultura e começa a estruturar o “Parque Infantil”. A proposta dos parques era dar atendimento às crianças de 3 a 6 anos e também às de 7 a 12 anos, fora do horário escolar. O parque proporcionava à criança de família operária o direito à infância, a brincar e ao não trabalho. Dava ênfase ao caráter lúdico e artístico.

Na década de 1940, durante o governo de Getúlio Vargas, a legislação tra-balhista previu que deveriam haver creches em todos os estabelecimentos em que trabalhassem 30 ou mais mulheres. Atualmente, a empresa não precisa ter necessariamente uma creche, podendo repassar ao empregado um valor de “auxílio-creche”.

Em 1940, foi criado o Departamento Nacional da Criança no Ministério da Edu-cação e Saúde. Mais tarde, a Saúde e a Educação foram separadas e o Departamen-to Nacional da Criança ficou com o Ministério da Saúde. Assim, durante 30 anos o atendimento à criança foi centralizado pelo Ministério da Saúde. Pode-se dizer que a sua atuação foi voltada fundamentalmente à assistência médico-higiênica.

Em 1950, foi feito um balanço das atividades do Departamento Nacional da Criança e verificou-se que as “medidas morais” foram as que tiveram maior des-taque. Por exemplo, foram proibidas as revistas em quadrinhos e voltaram a ser rea lizados os Concursos de Robustez que julgavam “as más e as boas mães”. Por-tanto, ainda prevalecia a crença de que a elevada mortalidade infantil era devido à incompetência das mães para cuidar de seus filhos. Ou seja, pretendia-se “do-mesticar” as classes populares, tirando-as da “desordem”, do “instinto” e da “tra-dição” e incutindo os valores das classes médias. Não se discutia o real problema da infância: as condições econômicas dessas famílias.

Chegam às creches os discursos psicológicos que refletiam o movimento psi-canalista e defendiam a relação da criança com a sua mãe. Tais discursos procura-vam demonstrar que a ausência da relação afetiva mãe-filho, em determinados momentos da infância, tornava-se irreversível, podendo produzir “personalida-des delinquentes e psicopatas”. Assim, defendia-se a ideia de que a ida da criança para a creche a privava dos cuidados maternos, o que acarretaria sérios prejuízos em seu desenvolvimento mental, físico e social. Como consequência, deixou- -se de valorizar a educação em ambientes coletivos e passou-se a promover um modelo de creche que substituísse a mãe. Como se isso fosse possível! As mães, por sua vez, que precisavam dos serviços da creche, passaram a sentir-se culpa-das. Dessa forma, a creche torna-se um “mal necessário”, ou seja, o ideal é que as

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crianças ficassem em casa com suas mães, mas, se isso não fosse possível, e para elas não ficarem sozinhas em casa, abandonadas, aceitava-se a creche.

Passando para a década de 1960, observa-se a entrada de outra corrente de pensamento nas creches: os discursos pedagógicos baseados nas teorias de privação cultural e da sua solução, a educação compensatória. Mas, o que sig-nifica isso? A tese da privação cultural baseava-se na ideia de que só havia um modelo de criança: a da classe média, e assim, as outras crianças desfavorecidas economicamente comparadas a essas crianças-modelo eram consideradas “ca-rentes” e “inferiores”. Achava-se que faltavam para elas determinadas atitudes e conteúdos, por isso, eram consideradas “privadas culturalmente”. Seguindo esse raciocínio, a solução encontrada era a da educação compensatória, ou seja, a creche e a pré-escola iriam suprir todas essas carências. Colocava-se a pré-escola como responsável pela mudança social do país, e sabemos muito bem que essa transformação social é complexa, e exige um conjunto de mudanças de caráter político e econômico que não se resume na escola.

Sobre a década de 1970, vamos ler o que Ana Maria Sousa escreveu a respeito.

No início da década de 1970, era aprovada a Lei 5.692/71, alterando o nome da escola primária para escola de 1.º grau, mas não definindo nenhum termo para designar a educação que ocorreria na faixa de idade anterior aos sete anos. [...] A Lei 5.692/71, tanto quanto a anterior 4.024/61, apresentou artigos sobre a Educação Infantil, mas de maneira genérica, em nada contribuindo para estimular sua expansão pelos organismos públicos, ficando sua prática restrita a algumas poucas escolas dos grandes centros urbanos do país.

A partir da década de 1970, o tema passou a ser considerado de interesse pelos setores oficiais, graças ao processo de industrialização acelerado, con-clamando o trabalho feminino e alterando os costumes da família, aliado à influência das recomendações dos organismos internacionais e aos estudos e trabalhos realizados por profissionais interessados na criança.

[...] A base para alimentar a crença de que os programas inspirados nos pressupostos de educação compensatória eram a solução para os males do 1.º grau e da pré-escola vinha da recomendação da Unesco e das experi-ências dos Estados Unidos com o “Head Start”, que influenciaram os vários documentos oficiais divulgados ao longo dos anos 1970. Entre eles estavam as indicações e os pareceres do Conselho Federal de Educação – CFE, os pro-nunciamentos emitidos por pessoas que ocupavam funções expressivas no

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MEC, os Planos Setoriais de Educação e os diversos documentos emitidos pela então Coepre – Coordenadoria de Educação Pré-Escolar [...]. (SOUSA, 1996, p. 41)

Ainda na década de 1970, ocorre a profusão de movimentos sociais e com eles surge, dentre outras, uma proposta de creche mais afirmativa para a crian-ça, a família e a sociedade, superando os limites tradicionais. Em 1979, em São Paulo, por ocasião do 1.º Congresso da Mulher Paulista, oficializa-se o Movimen-to de Luta por Creches, que reivindica a participação do Estado na criação de redes públicas de creches. Pode-se dizer que essas reivindicações foram em boa parte atendidas, uma vez que se deu início à expansão de uma rede de creches totalmente mantida pelo município de São Paulo.

Para encerrar esse período, é importante ainda lembrar que, em 1975, o Mi-nistério da Educação e Cultura instituiu a Coordenação de Educação Pré-Escolar e, em 1977, foi criado o Projeto Casulo, vinculado à Legião Brasileira de Assis-tência (LBA) que atendia crianças de 0 a 6 anos de idade e tinha a intenção de proporcionar às mães tempo livre para poder “ingressar no mercado de trabalho e, assim, elevar a renda familiar”.

Década de 1980Pode-se dizer que nessa década houve um avanço considerável com relação

à Educação Infantil. Como por exemplo:

foram produzidos estudos e pesquisas de relevante interesse, inclusive �discutindo e buscando a função da creche/pré-escola;

universalizou-se a ideia de que a educação da criança pequena é impor- �tante (independentemente de sua origem social) e que é uma demanda social básica;

a Constituição de 1988 definiu a creche e a pré-escola como direito da �família e dever do Estado em oferecer esse serviço.

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Décadas de 1990 e 2000Nesse período a educação infantil está sendo consolidada, isto é, aos poucos,

vem crescendo na sociedade a consciência com relação à importância que a educação tem para as crianças dessa idade e o Estado, por sua vez, tem assumi-do e desenvolvido mais políticas voltadas para essa faixa etária.

Para podermos visualizar melhor a situação do número de matrículas na Edu-cação Infantil nessas décadas, vamos fazer algumas comparações entre dados dos Censos Escolares.

Se compararmos os dados de 1995 e os do Censo Escolar de 2005, veremos que, nesses dez anos, houve um aumento na oferta de vagas na educação infan-til, porém o percentual de atendimento ainda é muito baixo.

0 a 6 anos 0 a 3 anos 4 a 6 anos

1995 25% 7,6% 47,8%

2005 36,6% 11,7% 57%

Dados do Censo Escolar de 2007 retratam uma diminuição no número de ma-trículas para a Educação Infantil (7,2% a menos), sendo que para a creche houve um aumento de 10,6% e para a pré-escola uma redução de 11,8%.

Em 2008, volta a crescer o número de matrículas, se comparados com os dados de 2007. O Censo Escolar de 2008 nos mostra um aumento de 10,9% nas creches e de 0,8% nas pré-escolas.

O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2001, pela Lei 10.172, estabelece a ampliação da oferta de vagas para a educação infantil e define que, em cinco anos, 30% das crianças de até 3 anos de idade e 60% das crianças de 4 a 6 anos (ou 4 e 5 anos) devem estar frequentando uma instituição de educação infantil. Sabemos que alcançaremos mais rapidamente a proposta do PNE com relação à oferta de vagas para a pré-escola, porém, para a creche, ainda é preciso investir com mais afinco.

Em 2006, o MEC publicou a Política Nacional de Educação Infantil: pelo direi-to das crianças de zero a seis anos à Educação. Nas metas estabelecidas por esse documento, encontramos a proposta de atender, até 2010, 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 a 6 anos. Várias estratégias são apresentadas para que se possa efetivar verdadeiramente essa política, mas só o tempo poderá nos mostrar o quanto iremos realmente avançar.

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Sobre a qualificação dos profissionais que trabalham em creches e pré- -escolas, ainda permanece a desigualdade: quem atua em creches tem menor qualificação. Também permanece desigual a possibilidade de oferta de vagas de acordo com a renda familiar: das 20% mais pobres, apenas 28,9% frequen-tam uma creche e/ou pré-escola e das 20% mais ricas, mais da metade está ma-triculada em uma instituição de educação infantil. Assim mesmo, o setor público atende a 76% das matrículas nesse ciclo, enquanto a área privada responde por apenas 24%.

O MEC elaborou e publicou diversos documentos nacionais orientadores das ações para a educação infantil. Podemos citar: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação In-fantil, a Política Nacional de Educação Infantil; o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício em Educação Infantil – Proinfantil; os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil e os Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de Educação Infantil.

E, finalmente, foi possível ver o surgimento de uma preocupação com relação aos recursos financeiros para a Educação Infantil. O Fundef (Fundo de Manuten-ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério) foi substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-ção Básica) que inclui a educação infantil e o ensino médio.

Gostaria de reforçar aqui que todo avanço é histórico, cultural e político, por-tanto, precisa ser conquistado o tempo todo. Assim, não podemos deixar de lado o importante papel que exercemos, como cidadãos e, principalmente, como edu-cadores, em relação às mudanças e melhorias necessárias à Educação Infantil.

E para finalizar nossa aula vamos ler o que a professora Zilma de Oliveira (1994, p. 9) escreveu sobre a diferença entre a história da creche e a da escola básica.

A história das creches difere da história da escola básica. Esta última foi, primeiro, a escola para os filhos das classes médias e altas, e a população mais pobre teve, e ainda tem, de brigar para nela entrar e permanecer. A creche, por outro lado, nasceu acolhendo os pobres e, apenas recentemente, tem sido tomada e recriada pela classe média.

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Texto complementar

Histórico da protecção á infancia no Brasil 1500-1922

(MONCORVO FILHO, 1926, p.138-143)

[...]

Tomando então por lemma o que disséra Tolosa Latour: “redima-se a in-fancia pela sciencia, pela caridade e pelo amor”, dando cumprimento ao vóto que fizerámos, imaginámos levantar em nosso paiz uma verdadeira cruzada em pról da creança, procurando introduzir em noso meio quanto de profi-cuo fôsse sendo adoptado nos mais adiantados paizes, agindo em todos os sentidos e particularmente estabelecendo uma energica e extensa propa-ganda de hygiene infantil, ensinando-se ao povo a verdadeira puericultura, para que pudesse o Brasil alcançar, ao cabo de algum tempo, o ideal dos povos civilisados – o melhoramento e a robustez de sua raça pela applicação utilissima das regras da Eugenia.

Foi quando, na noite de 24 de Março de 1899, na nossa residencia, á rua da Lapa, 93 (hoje 95), com o concurso de numerosos amigos, fundámos a Obra que denominámos “Instituto de Protecção e Assistencia à Infancia do Rio de Janeiro”. Setecentas assignaturas subscreveram a acta de installação e entre ellas as das mais notaveis personalidades da época: politicos, jornalis-tas, medicos, engenheiros, advogados, commerciantes e philantropos.

Começámos então a luctà sem treguas na aspiração de realizar o nosso ideal e, si muitos dissabores nos custaram as lides a que nos entregámos, resta-nos a gloria de haver conseguido, com a execução de uma serie de iniciativas completamente novas em nosso paiz, fazer despertar em todos os espiritos o interesse pela creança, e, por outro lado, certo numero de imita-dores do Norte ao Sul do Brasil.

Depois de cerca de dous annos de propaganda da Obra que petendiamos realisar, graças aos recursos de porta em porta por nós adquiridos e a precio-sa colaboração de um punhado de amigos, cavalheiros e senhoras da melhor sociedade, installavamos a 14 de Julho de 1901 no sobrado do vasto prédio (alugado) da rua Visconde do Rio Branco, 22 o Instituto almejado.

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Por occasião da inauguração que foi solenne, na presença do Presidente da República Campos Salles e com a Presidente de Quintino Bocayuva, – dois grandes brasileiros –, tivemos, como se vê do topico que transcrevemos, a opportunidade de explicar quaes os intuitos da nova Obra:

O que é o Instituto de Protecção e Assístencia à Infancia do Rio de Janeiro?

Nós o definiremos immediatamente.

Quatro longos séculos são passados que o Brasil foi descoberto, se povoou, prosperou e se engrandeceu; a civilisação entrou com o europeu, a raça constituiu-se, a prosperidade superou-se em todos os ramos da acti-vidade humana e não se póde negar haverem se desenvolvido também os sentimentos do povo em bem dos soffrimentos dos desherdados da sorte.

Quem ousara contestar tenham sido grandes os movimentos de philan-tropia entre nós verificados desde os mais remótos tempos!

A humanidade não regateando sacrificios pelo bem publico não se limi-tou ao estabelecimento de medidas geraes de protecção, não se cingiu ex-clusivamente ao amparo do pauperrimo; ella divisou na sciencia um fórte esteio para essa distribuição de soccórros e à esta se unindo a philantropia tomou um aspecto muito mais nobre e salutar ás classes assoladas pela fóme e pelas difficuldades da vida.

O estudo, ao mesmo tempo scientifico e social das questões de philantro-pia em todos os Congressos, fez reconhecer ser da maior importancia atten-der com o indispensavel desvelo á situação da crença indigente e doente, tendo em vista melhor amparar o ser humano nos seus verdes annos, prepa-rando o cidadão do futuro, do que corrigi-lo ou socorre-lo na edade madura quando já não serão as difficuldades tão faceis de vencer.

Os nossos antecessores na corrente da civilisação, com a creação das suas adiantadas obras de caridade, ensinaram ao mundo que a infancia deve ser escrupulosamente cuidada, pois que ella se constitue para o progresso das nações uma das suas fôrças vivas.

Há por certo em nossa capital algumas instituições de soccorro á infancia que prestam incontestaveis serviços á população.

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O numero, porém, dos amparadores é limitadissimo, – referimo-nos aos asylos que recebem em seus ninhos as creanças maiores de 8 annos, isto é, quando a edade e o desenvolvimento intellectual já lhes permitte uma certa liberdade e um resquicio de discernimento.

E a creança desde o periodo de sua formação no ventre materno até o desabrochar dos 7 ou 8 annos, onde encontra soccôrro nesta cidade?

Quaes as leis que possuimos para proteger, no melindroso estado de gra-videz, a mulher na industria?

Quaes as leis que entre nós garantem a vida e a saude dos pequeninos recém-nascidos?

Onde temos regulamentado o serviço de amas de leite?

Qual a vigilancia exercida aqui sobre os menores que trabalham em in-dustrias, muitas vezes, perigosissimas e improprias da edade? Que leis pro-tegem entre nos as creanças denominadas hoje moralmente abandonadas e as maltratadas pelos que a cercam?

E a mendicidade da infancia, tão explorada em nossa Capital, qual a lei que temos para restringir a sua demazia?

Há, porventura, leis brasileiras para os pequenos criminosos como o exige hodiernamente a civilisação?

O Instituto envidará os seus melhores esforços para conseguir dos po-deres governativos uma serie de medidas tendentes a amparar a infancia, pelo estabelecimento de leis especiaes como as que tão fecundos resultados teem produzidos em outros paizes.

Sob o seu immediato patrocinio procurará ter o Instituto todas as crean-ças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e moralmente abandonadas de nossa Capital.

A lactação na classe pobre será assumpto da maior preoccupação de nossa instituição que, após a perfeita regularidade no funccionamento do serviço de exame e attestação das amas de leite, se esforçara por obter do Governo e da Municipalidade a regulamentação adequada, medida salvado-ra de milhares de creanças.

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Falta de instrucção do povo deve-se, póde-se afirmar sem receio de contestação, um grande contingente de males que affligem a infancia; eis porque o Instituto, no limite de suas forças, procurará diffundir, entre as fami-lias pobres e proletarias, noções elementares de hygiene infantil, verbaes ou por meio de conselhos ministrados em linguagem ao alcance do público.

Formentará ainda o Instituto de Protecção á Infancia a creança de peque-nos asylos de maternidade para o recolhimento das mulheres nos ultimos mezes da gestação: de “creches” para receber e alimentar durante o dia as creanças menores de dous annos, emquanto suas progenitoras se entregam aos trabalhos habituaes; de jardins da infancia etc...etc.

Si isso lhe fôr dado, por todos os meios de que dispuzer, envidará o Insti-tuto esfórços para estabelecer escolas imbecis, idiotas e cretinos.

[...]

Dica de estudoUma boa dica de estudo é a leitura da revista Educação, da editora Segmento.

Essa revista traz sempre discussões e pesquisas para educadores. Em um lança-mento extra, durante o ano de 2009, essa editora está publicando uma coleção de quatro edições especiais, intituladas Educação Infantil. Vale A pena ler. Versão eletrônica disponível em: <www.revistaeducacao.com.br>.

Atividades1. Entre as experiências pioneiras na Europa e nos EUA, que foram citadas nesta

aula, escolha as três que você achou mais interessante e as descreva.

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2. O que era a Teoria da Privação Cultural?

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Nesta aula vamos estudar um assunto que é fundamental em todas as propostas pedagógicas. Trata-se da organização do espaço na Educação Infantil.

Mais recentemente, tem havido um reconhecimento da importância do ambiente físico no desenvolvimento da criança. Entretanto, as carac-terísticas do espaço geralmente são postas em segundo plano no proces-so educativo. Costuma-se tão-somente recomendar que esses ambientes sejam “ricos e estimuladores”, mas não se explica bem o que significa isso e, portanto, a aplicação é de difícil entendimento.

O nosso objetivo é reconhecer como a organização do espaço físico influencia os comportamentos das pessoas e como o educador pode or-ganizar ambientes em função do que pretende atingir.

Concepções de desenvolvimento e sua influência na organização dos ambientes

Vamos procurar demonstrar como as concepções que temos sobre o desenvolvimento infantil podem ser reconhecidas por meio da organiza-ção de ambientes físicos das instituições de educação. Para ilustrar melhor essa ideia, é interessante apresentar sumariamente uma pesquisa reali-zada em creches da região de Ribeirão Preto (SP), coordenada por Secaf Silveira, cujos resultados constam do trabalho Organização do Espaço em Instituições Pré-Escolares, de Mara Carvalho e Márcia Rubiano.

Foram observadas creches que atendiam crianças de famílias de baixa renda, cujas instituições apresentavam as seguintes características:

havia um adulto para cada 15 crianças de até 3 anos; �

as atendentes tinham baixo nível educacional e péssimas condições �de trabalho;

A organização do espaço na Educação Infantil – I

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as instalações físicas eram precárias; �

dava-se ênfase ao atendimento das necessidades físicas das crianças, sem �preocupação com as afetivas, sociais e cognitivas;

o atendimento era centralizado na atendente, o que exigia dessa profis- �sional um ritmo acelerado de trabalho;

eram longos os momentos de espera para a criança, com poucas oportu- �nidades para ocorrer interação adulto-criança e nenhuma preocupação com o relacionamento entre crianças;

os ambientes, em geral, eram pouco mobiliados, quase sem equipamen- �tos e enfeites, e eram raros os objetos disponíveis para as crianças. Mesmo em algumas creches que tinham salas com mais mobiliário, observou-se que as educadoras encostavam esses móveis nas paredes, ou os empilha-vam em um canto, para obter um espaço central vazio, sem qualquer em-pecilho para a atividade infantil.

Baseada nessas características, podemos fazer as seguintes perguntas: quais são os pressupostos desses educadores? Como vocês acham que eles compreen-dem a criança e a sua educação? Podemos dizer que o entendimento deles é:

que a criança precisa de espaço amplo, aberto e vazio, havendo uma valo- �rização das atividades físicas;

que a criança pequena é incapaz de envolver-se e manter-se em deter- �minadas atividades, principalmente aquelas que são compartilhadas com outras crianças e em que não há a mediação do adulto;

que o modelo educacional a ser seguido deve ser aquele que é “centrali- �zado no adulto”. Seguem, portanto, o modelo escolar tradicional, em que o professor é o centro da sala de aula. Acreditam, assim, que o desenvol-vimento da criança ocorre, principalmente, por meio de atividades desen-volvidas quando as crianças estão sentadas em torno das mesinhas, com a atendente assumindo o papel tradicional do professor.

Podemos afirmar qual concepção, na minha opinião, seja a mais adequada para a creche como um espaço de educação:

a creche é um contexto de socialização de crianças pequenas, diferente �tanto da sua casa como da escola de ensino fundamental, sobretudo a tradicional;

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na maior parte do tempo, a criança pode e deve escolher as atividades �que ela deseja realizar;

um adulto pode cuidar simultaneamente de várias crianças, sendo que os �parceiros mais disponíveis para a interação são as outras crianças, geral-mente seus coetâneos, isto é, as que têm a mesma idade.

O espaço físico como um dos elementos fundamentais para uma Pedagogia

da Educação Infantil(FARIA, 2000, p. 69-71)

[...] Uma Pedagogia da Educação Infantil que garanta o direito à infância e o direito a melhores condições de vida para todas as crianças (pobres e ricas, brancas, negras e indígenas, meninos e meninas, estrangeiras e brasileiras, portadoras de necessidades especiais etc.) deve, necessariamente, partir da nossa diversidade cultural e, portanto, a organização do espaço deve con-templar a gama de interesses da sociedade, das famílias e prioritariamente das crianças atendendo as especificidades de cada demanda possibilitando identidade cultural e sentido de pertencimento. Assim, uma política para a Educação Infantil deve ser plural, e diferentes tipologias devem ser propos-tas. Cada grupo de profissionais de uma determinada instituição organizará o espaço de acordo com seus objetivos pedagógicos, de modo a superar os modelos rígidos de escola, de casa e de hospital. Assim, a Pedagogia faz-se no espaço e o espaço, por sua vez, consolida a Pedagogia.

[...] As instituições de Educação Infantil deverão ser espaços que garan-tam o imprevisto (e não a improvisação) e que possibilitarão o convívio das mais variadas diferenças, apontando para a arbitrariedade das regras (daí o jogo e a brincadeira serem tão importantes, iniciando o exercício da contra-dição, da provisoriedade e da necessidade de transformações).

Esse espaço, portanto, é o “pano de fundo”, a “moldura”, como afirma Mayumi Souza Lima (1989, p. 30). Ele será qualificado adquirindo uma nova condição, a de ambiente: “o espaço físico isolado do ambiente só existe na cabeça dos adultos para medi-lo, para vendê-lo, para guardá-lo. Para a crian-ça existe o espaço-alegria, o espaço-medo, o espaço-proteção, o espaço-mis-tério, o espaço-descoberta, enfim, os espaços de liberdade ou da opressão.”

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O espaço físico, assim concebido, não se resume à sua metragem. Grande ou pequeno, o espaço físico de qualquer tipo de centro de Educação Infantil precisa tornar-se um ambiente, isto é, ambientar as crianças e os adultos: variando em pequenos e grandes grupos de crianças, misturando as idades, estendendo-se à rua, ao bairro e à cidade, melhorando as condições de vida de todos os envolvidos, sempre atendendo às exigências das atividades pro-gramadas individuais e coletivas, com ou sem a presença de adulto(s) e que permitam emergir as múltiplas dimensões humanas, as diversas formas de expressão, o imprevisto, os saberes espontâneos infantis.

Com base no texto A organização dos espaços na Educação Infantil, a educa-dora Lina Iglesias Forneiro afirma que é importante termos consciência de quais são os aspectos que condicionam a tomada de decisões dos professores na or-ganização do espaço. Esses aspectos, segundo a autora, podem ser classificados em duas diferentes categorias:

elementos contextuais � – o ambiente, a escola e a sala de aula.

elementos pessoais � – as crianças e os professores.

Vamos ver um pouco de cada um deles.

Elementos contextuais

AmbientePode ser definido de acordo com as condições climáticas. Existem lugares �onde há muita chuva, outros muito frio, ou calor demais. Os ambientes devem ser pensados de acordo com essas realidades.

Há também os recursos do ambiente, que podem ser espaços naturais �ou construídos. Além de toda a área da própria creche, podemos realizar atividades com as crianças fora da creche, ou seja, utilizando praças ou jardins próximos, o campo de esportes, sem falar nas excursões que pode-mos fazer pelo bairro ou em outros lugares. Também é possível trazermos pessoas de fora para virem interagir com as crianças na creche, ampliando, assim, o conhecimento que elas têm do mundo.

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EscolaCondiçõ � es arquitetônicas – três aspectos são especialmente relevantes.

Maior ou menor antiguidade do edifício � – às vezes, quando o edifício é mui-

to antigo, tem poucas possibilidades de não enfrentar grandes reformas.

A concepção de escola em seu conjunto � – as tipologias mais comuns são: os

agrupamentos lineares que têm salas de um ou dos dois lados; os agrupa-

mentos nucleares, que distribuem as salas a partir de um espaço comum;

agrupamentos mistos, que procuram combinar os dois modelos anterio-

res; e agrupamentos do tipo modular, no qual a escola é consti tuída por

diferentes edifícios.

Não podemos deixar de pensar nos espaços com áreas de encontro entre

crianças de diversos grupos, também chamados espaços de intersecção.

A localização da sala de aula � – em escolas antigas, a localização das salas

de aula costuma apresentar problemas, tais como situar-se no primeiro

ou no segundo andar ou serem muito pequenas. Escolas mais modernas

costumam ser localizadas em módulos independentes, o que abre possi-

bilidades de organização diferenciada.

Espaços de uso comum �

Para determinadas atividades � – são aquelas que requerem algumas condi-

ções específicas no espaço: sala para realizar atividades de psicomotrici-

dade, sala de artes plásticas, sala de projeções audiovisuais, ginásio etc.

Salão � – para os jogos coletivos, devidamente equipado com móveis e ma-

teriais adequados às diferentes faixas etárias.

Espaços externos � – devemos considerar:

as dimensões e as características do espaço, ou seja, se é revestido de �

terra, ou se é calçado, se tem grama, árvores etc.;

os equipamentos – balanços, tobogãs, estruturas para subir, cabanas, �

pistas para andar de triciclo e carrinhos, labirintos etc.

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“Em um espaço próprio junto à sala e/ou à área de recreação da creche, é preciso deixar as crianças brincarem bastante com areia, água, mexerem com terra, argila, massa de modelar. Deixá-las correr, arrastar, subir, trepar, balançar, escorregar. A existência do meio natural para as crianças é fundamental nessa fase de seu desenvolvimento.” Coleção Creche – Urgente. ESPAÇO FÍSICO, 1988

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Banheiro � – deve ser diferente para os bebês e para as crianças maiores. Precisa ser cuidadosamente planejado, principalmente levando-se em conta os aspectos de higiene.

Cozinha, lactário e despensa � – são espaços que não precisam excluir as crianças, porque é bom que elas conheçam esses ambientes.

Lavanderia e área de serviço � – precisa ser previsto um lugar onde seja pos-sível a entrada de sol. As máquinas de lavar roupa ajudam bastante.

Recepção ou entrada � – deve ser o mais acolhedor e agradável possível.

Administração � – nas realidades onde existe a presença de um diretor, ou coordenador, ou às vezes um secretário, é preciso ter um espaço específi-co para esse(s) funcionário(s).

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Sala de reunião � – local acolhedor para ser usado como espaço para reu-niões entre funcionários, para encontros periódicos com os pais ou uma sala de multiuso.

Vestiário e sanitário dos funcionários � – é preciso existir um espaço para a troca de roupas e os funcionários não devem usar os sanitários infantis.

Sala de aulaElementos estruturais � – é o espaço fixo, os elementos permanentes na es-trutura, tais como:

Dimensão da sala de aula � – deve-se seguir os padrões determinados em lei. Tomar cuidado com a quantidade e o tipo de mobiliário para que a sala não se torne “opressiva”.

Existência apenas da sala de aula ou de algum outro espaço anexo � – pos-sibilita a montagem de outros ambientes, tais como aréas de artes, área de jogos etc.

Posição das janelas � – determina a localização das áreas que precisam de boa iluminação. Devem permitir às crianças verem o que ocorre fora da sala de aula.

Existência ou não de pontos de água e a sua localização � – a organização de determinadas atividades, tais como artes plásticas, atividades com barro, dependem da possibilidade de se ter uma pia ou um tanque pró-ximos.

Presença de armários embutidos ou de estantes fixas � – geralmente, guar-dam estoque e precisam ter espaço livre ao seu redor.

Tipo de piso � – pode determinar o tipo de atividade a ser realizada. Por exemplo, não trabalhar com tinta e pincel quando o piso for carpete.

Mobiliário � – pode variar em dois aspectos:

Quantidade � – o seu excesso e a sua falta são condicionantes.

Tipo � – levar em consideração os seguintes aspectos: leveza, polivalên-cia e funcionalidade.

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Decoração � – a sala de aula pode estar decorada de tal modo que eduque a sensibilidade estética infantil. A decoração transforma-se, assim, em conteúdo de aprendizagem: a harmonia de cores, a apresentação estética dos trabalhos etc. É comum entrarmos em creches e termos a impressão de que naquele espaço há apenas reprodução de desenhos criados por adultos, como os da turma da Mônica, por exemplo, feitos de isopor. Tais desenhos, copiados e ampliados, dão a ideia de uma exposição artificial, distante daquela que poderia ser produzida por alguns desenhos e pai-néis das próprias crianças de um, dois ou três anos e que representariam cada fase do desenvolvimento que elas estão. Móbiles, quadros e cartazes, por sua vez, devem ser dispostos na sala e avaliados quanto ao interesse que despertam. Esses elementos não servem apenas para enfeitar as pa-redes ou para indicar que uma determinada data, por exemplo, o Natal, aproxima-se. Eles também devem ser concebidos e usados como um dos elementos ao redor dos quais as interações adulto-criança podem se de-senvolver.

Materiais � – podem variar em dois aspectos:

Quantidade � – conceito relativo. A carência de materiais é tão negativa quanto o seu excesso. É aconselhável começar o ano com a sala quase vazia de materiais e ir enchendo-a à medida em que vão sendo abor-dados projetos com as próprias crianças ou estas vão sentindo novas necessidades. A existência de dois ou mais elementos do mesmo tipo pode favorecer a atividade social: por exemplo, dois cavaletes de pintu-ra colocados um ao lado do outro favorecem a relação interpessoal.

Tipo � – destacam-se três aspectos fundamentais apresentados abaixo:

Variedade � – capacidade para estimular diferentes tipos de atividades; os objetos que a criança dispõe para brincar são fundamentais. Gran-des caixas de papelão ou madeira, bolas, cordas, máscaras, carros, bo-necos, mobiliário infantil, sucata variada (como potes, panos, tampas, caixas), jogos de armar, gravuras, livros e discos de histórias infantis e muitos outros. É claro que a criança irá desorganizar a arrumação feita e faz parte da proposta o rearranjo dos ambientes cada vez que são utilizados.

Segurança � – evitar materiais cortantes, pontiagudos, de dimensão pe-quena, venenosos etc.

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Organização � – a intenção é potencializar a autonomia das crianças, ou seja, permitir que elas possam trabalhar sozinhas. Guardar os mate-riais demanda um arranjo do espaço: pode-se fazê-lo por meio de pastas individuais com as produções de cada criança, de sacos plásti-cos, de um mural de prega. Para a secagem das produções das crian-ças, existem várias opções: o varal de roupa, a corda ou o mural. Áreas para a guarda de material pessoal de cada criança. Quando escani-nhos não são possíveis, os educadores podem improvisar um “canto pessoal” para cada criança guardar não apenas suas trocas de roupa, sua escova de dente, mas certos “tesouros” que ela vai descobrindo e que lhe dão mais uma noção de identidade. Até caixas de sapatos podem servir para essa finalidade.

Elementos pessoaisCrianças

É importante considerar, com relação às crianças, os seguintes itens:

Idade � – condiciona o nível de autonomia e aquilo que são capazes de fa-zer; em função disso, teremos que organizar os espaços e os materiais.

Necessidades que apresentam � – é preciso pensar e arrumar os espaços de maneira que seja possível às crianças desenvolverem atividades tranqui-las ou mais agitadas; espaços para elas estarem com outras crianças e/ou adultos, e espaços para ficarem sozinhas, caso desejem.

Características do ambiente do qual procedem � – é importante que o am-biente onde a criança vá permanecer na escola de Educação Infantil possa desenvolver uma dupla função: manter os interesses e as atividades ha-bituais das crianças e, ao mesmo tempo, apresentar novas propostas e oportunidades.

Professores(as)O modelo educativo que os professores irão adotar vai ser percebido por

meio da sua prática pedagógica.

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Valores e ideologia � – é o conjunto de características, que faz parte da sensi-bilidade de cada um e que, certamente, será reconhecido na sua proposta de trabalho.

Experiência profissional anterior � – cada professor traz consigo as suas expe-riências anteriores e, muitas vezes, torna-se difícil romper com os hábitos antigos.

Criatividade � – maior ou menor criatividade.

Aspectos pessoais � – a organização do espaço vai depender também das características específicas e pessoais de cada professor.

Dica de estudoUma boa revista para manter-se atualizado é a Nova Escola da editora Abril.

Você pode tanto fazer a assinatura, quanto acessar o site <http://revistaescola.abril.com.br>.

Periodicamente são lançadas algumas edições especiais sobre Educação In-fantil, onde são retratadas experiências de sucesso, com planos de aula, suges-tões de aulas, exemplos de métodos educativos e dicas em geral de especialistas sobre educação em creches e pré-escolas.

Atividades1. Por que a organização do espaço físico na Educação Infantil é tão importante?

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2. Segundo a educadora Lina Iglesias Forneiro, para a organização dos espa-ços na creche/pré-escola leva-se em consideração dois aspectos: os ele-mentos contextuais e os elementos pessoais. Como cada um deles pode ser subdividido?

3. Como deve ser feita a decoração da sala de aula?

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Nesta aula vamos apresentar, especificamente, aspectos sobre a es-truturação da sala de aula. Para isso, vamos nos pautar no texto de Lina Iglesias Forneiro, cujo título é o próprio tema da aula: A organização dos espaços na Educação Infantil. A autora afirma, em outras palavras, que mesmo não se devendo estabelecer regras rígidas sobre essa questão, há parâmetros importantes para orientar a organização dos espaços de uma sala de aula.

Critérios para uma adequada organização dos espaços da sala de aula

Um desses critérios é a estruturação por áreas. A sala de aula deve estar organizada em diferentes áreas de atividades que vão possibilitar à crian-ça escolher o que ela deseja fazer. Essas áreas vão permitir a organização de pequenos grupos, facilitando a interação entre as crianças. É uma situa-ção confortável, especialmente para as crianças menores de três anos, que costumam sentir-se perdidas quando colocadas em um espaço amplo e aberto junto com todas as outras crianças da sua turma. Com isso, as crian-ças vão poder aproveitar melhor os momentos do dia, já que os momen-tos de espera provavelmente serão menores. Mas a montagem das áreas depende de como o professor observa a utilização e a ocupação dos espa-ços, sabendo modificá-los de acordo com os interesses das crianças.

Essas áreas, em geral, são chamadas por diferentes nomes: cantos didá-ticos, laboratórios, centros de interesse, ateliê, oficinas, cantinhos e outros mais. Trata-se, na verdade, de espaços de vivência e de aprendizagem que podem ser utilizados por crianças da mesma idade ou de idades diferentes.

Como vão ser estruturadas essas áreas e quais as atividades que serão oferecidas vai depender da programação de cada professor e da sua pro-posta educativa. Alguns espaços, porém, são mais comuns e encontramos com maior frequência nas creches/pré-escolas, tais como o cantinho das

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bonecas, da cozinha, os espaços dos jogos de construção, de leitura, da pintura, da fantasia e da dança.

Sala de aula na Scuola dell’ Infanzia Anderlini – Modena – Itália.

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Outro critério que nos auxilia na organização da nossa sala de aula é uma delimitação clara das áreas. As áreas de trabalho podem estar bem delimitadas, de modo que a criança distingua facilmente os limites de cada uma. Isso vai fa-vorecer o desenvolvimento da autonomia das crianças.

De acordo com os elementos que usarmos, poderemos obter dois tipos de delimitação:

delimitação forte � : é dada pela posição de mobiliário de grandes dimen-sões como, por exemplo, estantes colocadas perpendicularmente à pare-de, tapetes, mesas, biombos etc. Ou seja, são materiais difíceis de serem transportados;

delimitação fraca � : é quando as áreas estão delimitadas com marcas no piso ou nas paredes, ou com móveis leves, tais como bancos, caixas com material etc., ou com rodinhas, que permitem fácil movimentação.

Ainda assim, é interessante haver na sala de aula alguma área indefinida da qual as crianças possam “apropriar-se” de um modo criativo em algum momento.

Transformação ou conversibilidade é mais um critério na organização da sala de aula e está muito ligado ao anterior. É importante pensarmos que alguns es-paços devem ser flexíveis o suficiente para permitir uma rápida e fácil transforma-ção, de acordo com as necessidades que podem surgir de forma imprevisível.

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Um outro critério é o favorecimento da autonomia das crianças. Tanto o mobili-ário como os materiais devem ser acessíveis às crianças para que elas possam usá--los sozinhas. Além de permitir que a criança se desenvolva com autonomia, essa organização vai permitir que o professor trabalhe com as crianças em pequenos grupos ou até mesmo que ele possa dar atenção especial para cada criança.

O critério da segurança é também muito importante. O mobiliário deve ser estável, não ter pontas agudas que possam produzir cortes em caso de quedas, e o material deve cumprir as garantias exigidas com relação à saúde e à higiene.

Há ainda o critério da diversidade, que significa a existência de grande varie-dade de áreas que permitem dar resposta às diferentes e inúmeras necessidades das crianças, respeitando o seu modo de ser e as suas preferências. A diversidade possui quatro vertentes:

diversidade quanto à � estruturação – pode-se fazer diferentes combina-ções, por exemplo, áreas muito estruturadas e com materiais específicos (área de pintura ou área de leitura) junto com áreas pouco estruturadas que permitam a realização de múltiplas experiências (área de água ou areia e de jogos);

diversidade de � agrupamentos – na sala de aula, devemos ter diferentes áreas que permitam o desenvolvimento de atividades com todo o grupo, também em pequenos grupos, atividades a serem feitas de forma indivi-dualizada ou a possibilidade de isolamento;

diversidade quanto à � posição corporal – é preciso que os espaços sejam organizados de forma que a criança possa realizar as suas atividades em diferentes posições corporais: trabalhar sentada, em pé, deitada, sobre uma mesa ou sobre a parede;

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Espaço externo. Seton Montessori School – Chicago – Estados Unidos.

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diversidade de � conteúdo – podemos distinguir dois tipos de conteúdo: áreas de atividade curricular e áreas de gestão e serviços (específicos para os adultos).

A polivalência é outro critério. É comum haver restrição quanto à quantidade de espaços físicos em uma escola. Assim, é importante que a sala de aula seja polivalente. Isto é, as diferentes áreas podem oferecer várias possibilidades de utilização nos mais diversos momentos do dia.

A sensibilidade estética é um importante critério para a organização da sala de aula, pois, além de tornar agradável a presença nesses ambientes, também “educa” a sensibilidade estética e artística das crianças. Alguns aspectos que de-vemos levar em consideração: ser muito colorida, ser original e criativa, ser per-sonalizada, e incluir réplicas de obras de arte.

E ainda o critério da pluralidade. Significa ter na sala de aula elementos que mostrem as diversidades pessoal, étnica, social e cultural. A intenção é contribuir para a integração e para o desenvolvimento da tolerância com as diferenças.

Funções da organização do ambienteSabemos que ainda hoje existem muitas creches/pré-escolas com ambien-

tes pobremente planejados, pois desconsideram as necessidades específicas das crianças. Geralmente, não levam em consideração as escolhas pessoais das crianças, e as obrigam a ter uma rotina limitada e de poucas oportunidades de desenvolvimento e de satisfação.

Ainda segundo Lina Iglesias Forneiro (1998, p. 238), o espaço é um compo-nente curricular, ou seja, existem elementos do espaço físico da sala de aula que se constituem em determinados ambientes de aprendizagem.

Qualquer observador externo que tenha acesso a uma sala de aula pode perceber quase de imediato o ambiente de aprendizagem que existe na mesma. Praticamente poderíamos dizer: “diga-me como organiza os espaços de sua aula e lhe direi que tipo de professor(a) você é e que tipo de trabalho você realiza”.

Ao planejar cada novo projeto de trabalho, devemos pensar em como vamos estabelecer e organizar os espaços de modo a que se transformem no ambiente adequado e facilitador dos objetivos a serem atingidos.

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Uma experiência: creche em Reggio EmiliaMuitos de vocês já devem ter ouvido falar das creches e pré-escolas da cidade

de Reggio Emilia, na Itália. Elas têm sido consideradas modelos educacionais para as crianças pequenas em todo o mundo.

Nesta aula vocês terão a oportunidade de conhecer a planta da creche Arco-baleno, situada em Reggio Emilia.

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Sala dospequenos

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Lavanderia

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comumBanheiro

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Refeitório

Cozinha

Ateliê

O projeto da creche Arcobaleno foi elaborado em 1975 e realizado em 1976. É a edificação-modelo que pode melhor ilustrar como, na experiência de Reggio Emilia, é de fundamental importância, no projeto educacional, o papel da orga-nização dos espaços.

Os critérios que nortearam a elaboração do projeto arquitetônico, como deve-se esperar, procuraram seguir os objetivos e as linhas programáticas da proposta educacional. Observou-se a interação e a participação entre adultos e crianças e, também, a necessidade de conciliar as exigências de livre exploração das crianças com as exigências de segurança e de individualização. Contudo,

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procura-se atender não apenas as necessidades das crianças, mas também as dos adultos, frequentemente negligenciados nas creches tradicionais.

O projeto leva em consideração, ainda, o princípio da visibilidade de todos os espaços e de suas funções. Todos os ambientes nos quais se desenvolvem as tarefas indiretas dos funcionários (rouparia, lavanderia, cozinha) têm a mesma importância dos espaços para as crianças, e são a elas acessíveis. Em particular, a cozinha é situada no centro do prédio e possui uma grande vidraça que per-mite às crianças perceberem todas as ações que ali acontecem. O pátio central e o ateliê (lugar privilegiado para as atividades lúdicas) também foram pensados seguindo o critério de visibilidade e acesso.

As quatro turmas (lactentes, pequenos, médios e grandes) possuem espaços separados, seja para o almoço, ou para o repouso (espaços acusticamente prote-gidos). É interessante perceber que nas salas específicas para cada turma, houve a preocupação em definir espaços voltados para as crianças que desejarem ficar sozinhas em alguns momentos. São uma espécie de “tocas”, ou seja, pequenos espaços embaixo de um balcão, fechados por uma cortina de pano. Essas salas estão ligadas por uma grande sala, com função de praça (para encontros das turmas, ou para atividades motoras) e por um percurso circular interno capaz de facilitar às crianças o reencontro de cada espaço e o total acesso aos mesmos.

Estudos sobre arranjo espacialHoje, acredita-se que as interações entre crianças são consideradas tão im-

portantes para o desenvolvimento infantil quanto as interações adulto-criança. Sobre esse assunto, vamos nos basear no texto de Mara de Carvalho e Márcia Rubiano que apresenta uma pesquisa desenvolvida por Legendre, educador francês, que estuda como os diferentes arranjos espaciais interferem nas inte-rações entre crianças de dois e três anos. Para isso, analisou-se três diferentes arranjos espaciais: semiaberto, aberto e fechado.

Semiaberto � – são zonas circunscritas1 que permitem à criança ver todos os espaços ao seu redor, inclusive os adultos e as outras crianças. Percebeu-se que as crianças ficam preferencialmente em subgrupos e gostam de ocupar as zonas circunscritas, mesmo quando longe dos adultos. Não deixam de se aproximar dos adultos, porém, procuram obter, por meio deles, mais res-postas do que quando estão em ambientes com outros arranjos espaciais.

1 Zonas circunscritas são áreas espaciais claramente delimitadas pelo menos em três lados por barreiras formadas por mobiliário, parede, divisórias baixas, desnível do solo ou outras.

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Aberto � – ausência de zonas circunscritas. É comum haver um espaço cen-tral vazio. Notou-se que as interações entre crianças são raras e que elas procuram permanecer em volta do adulto, mesmo que haja pouca intera-ção com ele. Observou-se também que as crianças ficam mais espalhadas pela sala, correndo com frequência.

Fechado � – quando há barreiras físicas, como, por exemplo, um móvel alto dividindo o local em duas ou mais áreas e impedindo a visão total da sala. A pesquisa mostrou que as crianças preferem ficar em volta do adulto e que elas evitam as áreas onde não conseguem vê-lo. Percebeu-se ainda que há poucas interações entre crianças.

Texto complementar

É tempo de brincar lá fora... Aproveite! Em um espaço externo bem organizado, os pequenos trabalham a colabora-

ção, aprimoram a capacidade motora e exploram a natureza

(BIBIANO, 2009)

O verão chegou! Que tal aproveitar os dias ensolarados para ampliar o espaço das turmas de creche? As vantagens são muitas. Primeiro, porque as atividades fora de sala fazem bem para a saúde: o contato com o sol ajuda na produção da vitamina D, necessária para a absorção do cálcio, que forma ossos e dentes. Segundo, porque no ambiente externo é possível propor-cionar experiências ricas tanto para o conhecimento de mundo como para a formação pessoal e social – os dois pilares da Educação Infantil, segundo os Referenciais Curriculares Nacionais. Correndo, pulando, pintando, plan-tando, brincando com água e alimentando animais, os pequenos trabalham a socialização, aprimoram a capacidade motora e entram em contato com a natureza. Para isso, a área externa deve ser cheia de oportunidades.

Apesar de todo esse potencial, muitos docentes ainda encaram a hora do pátio como um momento de descanso, em que a criançada fica solta sem nenhuma orientação. Não é a melhor saída. “Para apresentar o máximo de propostas de aprendizagem, é preciso planejar”, explica Karina Rizek Lopes, formadora de professores e selecionadora do Prêmio Victor Civita – Educa-dor Nota 10.

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Antecipe as formas como os pequenos exploram o ambiente

Deve-se considerar, por exemplo, que todas as turmas são heterogêne-as. Com isso em mente, uma boa iniciativa é realizar um mapeamento das práticas dos pequenos, investigando como eles interagem com o ambiente externo no dia a dia. Em seguida, pode-se fazer um exercício de imaginação, estabelecendo antecipações sobre como as crianças se relacionariam com as propostas que se pretende introduzir. Depois, ao conferir como elas se comportam de fato, o professor ajusta suas previsões à realidade. Manter um registro de como cada uma lida com o ambiente externo e com os colegas é o caminho para pensar nos passos seguintes. Tudo sem perder de vista algo essencial: é necessário incluir as atividades externas como parte da rotina da turma. Afinal de contas, é só por meio do contato intensivo que cada criança se familiariza com as novidades e faz descobertas por conta própria. Para ga-rantir que todos avancem, o ideal é criar um espaço externo desafiador, com diversos ambientes e diferentes estímulos ao desenvolvimento sensóriomo-tor. A seguir, apresentamos sugestões de baixo custo para chegar lá.

Tanque � : O uso desse espaço pode ser incrementado com cavalinhos, bonecos e caixotes, estimulando ainda mais o faz de conta. Nos dias de calor, vale apostar na água, colocada em bacias para que as crianças percebam a diferença de consistência entre a areia seca e a molhada.

Cuidados � : Cobrir o tanque com lona à noite para protegê-lo da chu-va e de animais, evitar a mistura de pedrinhas (que podem ser inge-ridas) e limpar a areia com frequência – existem produtos específicos para isso.

Adaptação � : É possível propor as mesmas atividades no chão de terra ou usando caixas com areia.

Sala do lado de fora � : Retirar objetos do espaço interno e transportá- -los para o pátio transforma a relação com o espaço, criando brinca-deiras, dando novo significado aos objetos e mudando seu uso con-vencional.

Cuidado � : Limpar todos os utensílios antes de retorná-los às salas.

Adaptação � : Se houver poucos brinquedos, pode-se levar livros e organizar rodas de leitura ao ar livre.

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Cuidar de animais � : A ideia é observar e alimentar os bichos. Durante essa atividade, pode-se detalhar características dos animais: tempo de vida, hábitos, se vivem em grupo etc.

Cuidados � : Todos os bichos devem ser acompanhados por um ve-terinário. Também é importante destacar alguém da equipe da cre-che para cuidar deles nos fins de semana e feriados.

Adaptação � : Caso não haja espaço para criações, pode-se optar por animais pequenos, como tartarugas de aquário, peixes e porqui-nhos-da-índia.

Pintura em azulejos � : Em ladrilhos, é possível pintar, lavar e pintar de novo. O uso de rolinhos, esponjas, pincéis de diferentes espessuras, tintas de cores variadas ou produzidas com as crianças (com beterraba ou urucum, por exemplo) exercita a capacidade de expressão e coloca a turma em contato com a linguagem artística.

Cuidado � : Utilizar somente tintas atóxicas e pincéis de boa qualida-de, que não soltem as cerdas com facilidade.

Adaptação � : Algumas peças de ladrilho ou mesmo uma placa de vidro podem ser colocadas num canto próximo a uma torneira, fa-cilitando a limpeza.

Horta � : Cultivar diferentes vegetais é uma das estratégias para desco-brir quais mudanças cada um deles apresenta ao longo do ano, que insetos mais atrai e que frutos e flores dá. Também desenvolve a coo-peração para realizar uma tarefa. Se um dos pequenos topar com mi-nhocas, o professor pode colocá-las em um aquário de vidro para a turma examiná-las melhor. Outra opção é distribuir lentes de aumento de plástico para que todos possam vê-las em detalhes.

Cuidado � : Prevenir o contato com insetos perigosos – especialmen-te lagartas, que podem gerar ferimentos. Da mesma maneira, o ideal é evitar espécies de plantas que causem alergias ou tenham muitos espinhos.

Adaptação � : Se não houver horta, planta-se em vasos, floreiras e até pneus. Outra opção é cultivar trepadeiras junto a muros e cercas, substituindo as árvores.

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Piquenique � : Proporcionando interação entre as crianças e estimulan-do a autonomia para se alimentar, o piquenique serve também para ajudar a conhecer alimentos diferentes. Fazer salada de frutas ou gela-tina com a turma é um ótimo incentivo para provar coisas novas.

Cuidado � : Atenção a formigas e insetos atraídos pela comida. E, para evitar problemas de saúde dos pequenos, é necessário inves-tigar previamente possíveis alergias a alimentos.

Adaptação � : Na falta de gramado, pode-se estender uma toalha em qualquer espaço com sombra.

Piscininha � : É interessante integrar outros utensílios à água, criando lavatórios de brinquedos ou laguinhos para minibarcos, por exemplo. Outros usos incluem fazer pequenas represas e canais escavados na terra. Produzir arco-íris, com a dispersão de gotas de água na luz solar, instiga a curiosidade e abre caminho para apreciar esse fenômeno da natureza.

Cuidado � : Secar as crianças para evitar resfriados. Isso pode ser feito também aproveitando o ambiente externo – em esteiras, enquanto o professor lê histórias para a turma.

Adaptação � : Uma alternativa é usar baldes, mangueiras e acessó-rios de borrifar, vendidos em lojas de jardinagem.

Dica de estudoÉ importante para o seu estudo, a leitura do encarte publicado em 2006

pelo MEC, intitulado Parâmetros Básicos de Infraestrutura para as Instituições de Educação Infantil. Esse documento é integrante dos Parâ metros Nacionais de Infraestrutura para as Instituições de Educação In fantil e contém descrições de espaços que podem fazer par te de uma instituição educacional para crianças de 0 a 6 anos, alternativas a esses espaços e sugestões para aspectos construtivos. Você pode encontrá-lo no site:

<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/miolo_encarte.pdf>.

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A organização do espaço na Educação Infantil – II

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Atividades1. Quais são os principais critérios para a organização dos espaços da sala de

aula?

2. Através de pesquisas, verificou-se que as interações entre crianças podem variar de acordo com os tipos de arranjos espaciais. Descreva, de forma su-cinta, como as crianças costumam reagir quando a sala está organizada em espaços semiabertos, abertos e fechados.

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Nesta aula, vamos estudar um assunto que faz parte de todo planeja-mento e que dá segurança ao professor na hora de atuar com as crianças, trata-se da rotina na Educação Infantil.

Quando falamos em rotina, nesse contexto, não nos referimos ao hábito de fazer a mesma coisa todo dia, quase que de forma mecânica. Estamos falando da estrutura básica, da espinha dorsal das atividades do dia, e cujos assuntos, que vão completar essa estrutura, vão sendo alte-rados de acordo com cada programação. Por isso, é importante termos muito cuidado para não cair na mesmice.

A rotina diária é, portanto, o desenvolvimento prático do planejamen-to. É também a sequência de diferentes atividades que acontecem no dia a dia da creche e é essa sequência que vai possibilitar que a criança se oriente na relação tempo-espaço e se desenvolva.

Quando a estrutura da rotina é mantida, a criança pode se apropriar dela e, conhecendo seu andamento, dar sugestões, propor mudanças, ficar contente com a aproximação de uma atividade muito apreciada. É importante termos consciência de que a criança é capaz de se situar no tempo, e de saber distinguir os diferentes momentos que existem na creche durante o dia.

Uma rotina adequada é um instrumento construtivo para a criança, pois permite que ela estruture sua independência e autonomia, além de estimular a sua socialização.

Podemos perguntar: qual é a melhor rotina para crianças de um deter-minado grupo? Como devemos organizar as atividades diárias?

Vamos discutir, então, questões relativas à organização das atividades no tempo. Para isso, vamos nos basear no texto de Maria Carmen Barbosa e Maria da Graça Horn, cujo título é Organização do Espaço e do Tempo na Escola Infantil.

A rotina na Educação Infantil

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Na página 68 desse texto, temos a seguinte afirmação:

O cotidiano de uma Escola Infantil tem de prever momentos diferenciados que certamente não se organizarão da mesma forma para crianças maiores e menores. Diversos tipos de atividades envolverão a jornada diária das crianças e dos adultos: o horário da chegada, a alimentação, a higiene, o repouso, as brincadeiras – os jogos diversificados – como o faz de conta, os jogos imitativos e motores, de exploração de materiais gráfico e plástico – os livros de histórias, as atividades coordenadas pelo adulto e outras.

Ainda nesse texto, as autoras falam que todos os momentos da rotina das crianças precisam permitir inúmeras experiências. Assim, para organizar essas atividades no tempo, é fundamental levar em consideração três diferentes ne-cessidades das crianças:

As necessidades biológicas, como as relacionadas ao repouso, à alimentação, à higiene e à sua faixa etária; as necessidades psicológicas, que se referem às diferenças individuais como, por exemplo, o tempo e o ritmo que cada um necessita para realizar as tarefas propostas; as necessidades sociais e históricas que dizem respeito à cultura e ao estilo de vida, como as comemorações significativas para a comunidade onde se insere a escola e também as formas de organização institucional da escola infantil. (BARBOSA; HORN, 2001, p. 68)

É interessante aqui reforçar a ideia de que a rotina deve prever pouca espera das crianças, principalmente durante os períodos de higiene e de alimentação. E o que é possível fazer para que isso não ocorra? A espera pode ser evitada se organizarmos a nossa sala de aula de maneira que a criança tenha a possibilida-de de realizar outras atividades, de forma mais autônoma, tendo livre acesso a espaços e materiais, enquanto o professor está atendendo uma única criança.

Vejamos o que diz o texto da Secretaria do Menor.

Texto complementar

O cotidiano na pré-escola(SECRETARIA DO MENOR, 1990 p. 73)

O dia não é uma massa amorfa de momentos infindáveis, mas uma sequên cia organizada e flexível. Da mesma forma que subdividir a área da creche/pré-escola em salas que favoreçam agrupamentos menores contri-bui para a criação de um espaço seguro e aconchegante, subdividir o tempo

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contribui para aumentar a segurança e o aconchego, pois ele se torna fami-liar. O risco da rotina perde de vista seu caráter instrumental e passa a ser o principal objeto de preocupação do serviço.

Uma atividade desenvolvida no parque não necessita ser interrompida para que se vá ao refeitório tomar lanche. A rotina na creche/pré-escola da Secretaria do Menor é suficientemente flexível para que cozinheiros, auxilia-res de serviço e educadores se disponham a servir o lanche no parque, desde que seja possível.

A rotina na creche/pré-escola é considerada uma sequência de mo-mentos em que as crianças interagem com pessoas e objetos, possibi-litando, ao mesmo tempo, o cuidado de seu corpo e a ampliação de seus conhecimentos.

No livro Creches: crianças, faz de conta & cia., de Zilma de Oliveira e sua equipe, afirma-se a ideia de que podemos organizar as atividades realizadas durante o dia na creche/pré-escola em quatro grupos: organização coletiva, atividades de cuidado pessoal, atividades dirigidas e atividades livres.

Vamos agora falar sobre cada um dos grupos de atividade.

Atividades de organização coletivaEsses momentos de atividades organizadas coletivamente são vividos dife-

rentemente pelas várias turmas de crianças. As crianças menores necessitam mais da atenção dos adultos para tomarem parte das atividades de modo tran-quilo. Para tanto, mais uma vez a organização prévia do ambiente e o planeja-mento dessas atividades se fazem necessários.

Podem ser diferentes atividades para livre escolha. As crianças definem o que desejam fazer, e para isso é necessário que o ambiente, em termos de materiais e espaços, dê condições. Isso não significa que o professor não deva intervir e acompanhar o que as crianças decidem fazer, ao contrário, é esse um momento adequado para interações e observações em relação às crianças.

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Vamos ler um texto da revista Creche/Pré-Escola – Secretaria do Menor – 3 anos de experiência (São Paulo) que nos fala sobre o cotidiano do berçário:

(SECRETARIA DO MENOR, 1990, p.63)

[...] A proteção que o berçário requer não significa isolamento, pois os bebês podem ser reagrupados para participarem de atividades conjuntas com outras crian ças. [...] O cotidiano no berçário se desenrola em torno de uma série de atividades que têm por função alimentar, garantir higiene e repouso, estimular a autonomia e o desenvolvimento além de oferecer apoio afetivo a bebês que são pessoas singulares, com necessidades pró-prias à idade, e que na creche/pré-escola vivem em grupo. Por exemplo, um educador percebe que uma criança que já almoçou está quase dormindo no cadeirão. A boa organização do berçário dá conta de levar essa criança para dormir, independentemente do horário do almoço não ter terminado e de outras crianças estarem almoçando. Ao mesmo tempo, favorece que as outras crianças que não almoçaram tenham uma atividade e não fiquem apenas esperando pelo almoço.

[...] As atividades do berçário ligadas à higiene e à alimentação ocupam um longo tempo no dia. Mas os bebês necessitam, para seu desenvolvimen-to adequado, de atividades pedagógicas sistematizadas e intencionais. Vi-vendo parte do dia em ambiente coletivo, é comum em algumas creches, que o bebê seja esquecido no berço no período entre os cuidados. Ainda é prática, entre nós, que a rotina diária dos bebês seja mamar – arrotar – trocar – dormir e entre uma ação e outra esperar... O bebê é visto como um tubo digestivo, sem outros desejos ou necessidades.

Ora, essa não é a concepção de bebê entre muitos psicólogos e pedago-gos que insistem sobre a riqueza de sua vida e a velocidade de suas aprendi-zagens. O olhar que não acompanhava o objeto que se desloca, logo é con-trolado e o bebê segue o deslocamento de sua mãe, do educador. O rosto do adulto privilegiado, daquele que cuida, até há pouco impessoal, é agora reconhecido e o bebê teme seu desaparecimento.

Já as crianças maiores podem participar na própria organização das ativida-des. Uma festa, por exemplo, é uma atividade coletiva que pode ser organizada junto com as crianças. O mesmo pode ser feito com relação a um passeio, uma visita fora da instituição. É muito importante ouvir as crianças, muitas vezes elas

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podem nos surpreender com grandes ideias e com um senso de respeito e de ordem maior do que podemos imaginar.

Até mesmo do ponto de vista do tempo, os adultos se ocupam muito para dobrar roupas, arrumar as camas, pois a ideia que predomina é a de que o adulto deve fazer essas tarefas pelas crianças. É certo que, para a criança do berçário, a dependência existe, mas as crianças maiores podem ser estimuladas a assumir pequenas tarefas de cuidar de seus objetos.

Atividades de cuidado pessoalNão devemos separar o “cuidar” do “educar”. Todos os momentos podem ser

pedagógicos e de cuidados no trabalho com crianças pequenas. Tudo depende de como pensamos e realizamos as nossas ações.

Uma das preocupações básicas das atividades de cuidado pessoal é com a saúde, entendendo a saúde como sendo o bem-estar físico, psicológico e social da criança. A higiene, o sono e a alimentação são algumas das principais condi-ções para a sua vida, especialmente quando se trata de viver em coletividade com adultos e crianças, como é o caso das creches. Nesses ambientes, é muito fácil a transmissão de doenças, já que várias pessoas manuseiam os objetos, utilizam os mesmos banheiros etc. Por isso, é necessária uma atenção maior em relação à limpeza e aos hábitos adequados de higiene. Isso não quer dizer que se deva conter as crian ças nas brincadeiras e impedir que elas se sujem. Saúde também significa o prazer e a alegria que, para as crianças, manifesta-se pela liberdade para brincar e se sujar enquanto brincam. Crianças a partir dos dois anos podem realizar de forma independente atividades como: lavar as mãos e o rosto, esco-var os dentes etc., com a devida participação e orientação do professor.

Também a alimentação é muito importante e não deve ser encarada como momento de dificuldade e de tensão. Na tentativa de proporcionar à criança uma alimentação variada, rica em proteínas etc., alguns professores acabam obrigando a criança a comer, mesmo que ela não goste ou não esteja com von-tade. É importante observarmos alguns detalhes, tais como: o uso do guardana-po (importante se queremos que as crianças comam com educação), a utilização correta dos talheres, e a ingestão de líquidos no momento adequado.

Outro aspecto muito negativo é o fato de se levar para os refeitórios um número muito grande de crianças no mesmo horário (café/almoço/lanche/jantar). Surgem daí muitas dificuldades. Devemos então compor grupos meno-

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res e fazer escala de horários. Uma ideia interessante é contar com o auxílio de algumas crianças durante as refeições: eles adoram ajudar a servir. A montagem de um buffet, no qual alguns ficam servindo enquanto os outros passam, costu-ma dar certo.

É possível organizar na creche brincadeiras e músicas que envolvam ques-tões de higiene e alimentação, a serem realizadas com as crianças. É importante destacar que, no processo de aquisição de hábitos, a repetição frequente de ati-tudes é fundamental.

Uma questão polêmica refere-se à introdução do copo ou caneca em substitui-ção à mamadeira, pois, no Brasil, é comum as famílias prolongarem em demasia o hábito da mamadeira, assim como o da chupeta. Por volta dos dois anos, já é possí-vel introduzir o copo na hora das refeições. Caso a criança se recuse a utilizá-lo, não devemos obrigá-la a isso. Essa mudança deve ser feita gradativamente, sem exigir da criança sua adesão imediata a essa nova maneira de se alimentar.

O sono é outro fator relevante para a saúde da criança. O sono não pode ser entendido sempre da mesma maneira para cada criança e para cada faixa etária, pois cada um possui seu ritmo próprio em relação às horas de sono que necessita para seu descanso. Dessa forma, quanto menor a criança, mais tempo ela dormirá. À medida em que vai crescendo, a criança não necessitará mais de tantas horas de sono à tarde. Algumas creches/pré-escolas, no entanto, costu-mam obrigar as crianças a dormirem após o almoço, não respeitando as neces-sidades individuais de cada uma delas. Às vezes, utilizam algumas estratégias que até parecem naturais (ouvir música clássica, assistir vídeo), mas o ideal é que sejam ofertadas outras opções de atividades para as crianças que não querem ou não conseguem dormir.

Alguns espaços podem ser adaptados para esse propósito: o canto da lei-tura, do desenho etc. Sabe-se que, em muitos casos, o problema da exigência dos momentos de sono da criança é o resultado da falta de pessoal. Ou seja, é nesse horário que a atendente descansa. Mas isso não é correto. É preciso que haja profissio nais em número suficiente para que seja feito um escalonamento. Um ponto importante: as crianças nunca devem dormir sem a presença de um adulto para atender a qualquer eventualidade, como passar mal, acordar aos sustos, por exemplo. Além disso, o horário é de descanso das crianças e não do profissional, que nesse momento está trabalhando.

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O momento do banho é particularmente especial para a criança na creche. No berçário, é importante que tudo possa estar organizado para garantir um contato harmonioso entre professores e bebês para evitar os sustos e choros. Assim, deve-se prever os materiais a serem utilizados, cuidar da temperatura cor-reta da água, arrumar as roupas antecipadamente e escolher os brinquedos para entreter a criança antes, durante e após o banho. A partir do maternal, pode-se dar banhos de mangueira nas crianças, ou mesmo instalar chuveiros externos quando as condições climáticas assim permitirem. Mesmo os banhos no banhei-ro podem significar uma situação muito propícia a aprendizados, como colocar e tirar roupas e calçados e ajudar uns aos outros.

Atividades dirigidasNa creche, normalmente, as atividades de cuidado pessoal ocupam grande

parte do horário diário, particularmente em turmas de crianças com até um ano, e as atividades dirigidas acabam por ser limitadas no tempo, entendendo como atividades dirigidas aquelas que o professor realiza com uma ou poucas crianças, procurando chamar a atenção para algum elemento novo do ambiente, como uma figura, uma brincadeira com som etc.

No momento em que as crianças aprendem a andar, em geral, após o primei-ro ano de vida, é relevante realizar passeios pela creche, chamando a atenção da criança para o ambiente, fazendo-a tocar nos objetos e se comunicar com as outras crianças. Deve, também, o adulto coordenar inúmeras atividades com as crianças, a partir de uma certa idade, tais como: contar histórias, fazer teatro com fantoches, ensinar músicas e brincadeiras de roda, brincar de esconde-esconde e tantas outras. Pode também auxiliar a criança na sua apreensão de novos co-nhecimentos sobre o mundo, em termos de linguagem ou sobre relações entre objetos e fatos (“caiu”, “acabou”).

Já para as turmas com crianças com mais de 18 meses, podemos realizar inúmeras atividades e elas ocupam mais tempo durante a jornada diária. O leque de atividades é maior, pois as atividades mais convencionais permitem desdobramentos e estas passam a ser melhor compreendidas pelas crianças. O interessante é propor atividades à criança e deixá-la segura para escolher a forma de participar. Isso significa respeitar seu ritmo, confiar na criança, na sua capacidade de ação e na liberdade que tem para expressar seus sentimentos. Com isso, as crianças, desde pequenas, tornam-se mais confiantes, mais de-sinibidas, mais curiosas, tomam iniciativas e buscam soluções, fatores indis-

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pensáveis para seu desenvolvimento. Ao mesmo tempo, podem se tornar mais cooperativas e solidárias.

Atividades livres (isto é, menos dirigidas pelo professor)

Essas atividades devem fazer parte da programação diária de todos os grupos de crianças, desde o berçário até a turma dos maiores. Não significa que não haja intervenção do professor e que se possa pensar que as atividades livres podem ser realizadas sem a devida atenção do professor. Cabe a este organizar espaços e momentos para que as crianças livremente explorem o ambiente e escolham suas atividades específicas, mas é sempre interessante que o professor interve-nha na coordenação das brincadeiras quando assim for necessário e, também, integre-se como participante. O que se espera do professor é a habilidade de respeitar as ideias que surgem no grupo de crianças, pois elas são consequên-cias de experiências vividas.

Ainda é importante reforçar o valor da privacidade. As crianças devem ter seu material pessoal identificado pelo nome e o professor deve mostrar que conhe-ce suas preferências. Alguns momentos distantes dos colegas podem significar possibilidades para uma exploração individual. O professor, nesses casos, deve respeitar e acompanhar atentamente esses momentos e procurar avaliar a ne-cessidade de intervir.

Dicas de estudoRecomendo a leitura da revista Avisa Lá, produzida e divulgada pelo Instituto

Avisa Lá – Formação Continuada de Educadores (uma organização não gover-namental) que tem como objetivo contribuir para a qualificação e o desenvolvi-mento de competências dos educadores. Se você quiser ter mais informações, é só acessar o site: <www.avisala.org.br/novo/avisala.asp>.

Outra dica de estudo muito boa é conhecer o site <www.crmariocovas.sp.gov.br>, Centro de Referência em Educação Mário Covas. Nele você encontra-rá biblioteca e videoteca com 40 mil itens nacionais e internacionais referentes a temas educacionais e complementares.

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Atividades1. Por que a rotina é importante para a criança?

2. No livro Creches: crianças, faz de conta & cia, os autores organizam as ativi-dades que são desenvolvidas durante o dia na creche/pré-escola em quatro grupos. Diga quais são esses grupos e explique de forma sucinta cada um deles.

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Todos vocês já devem ter ouvido falar sobre a importância da Propos­ta Pedagógica em uma instituição de educação. Talvez, muitos já devam ter participado da elaboração de uma proposta. Pois bem, o tema desta aula é a elaboração da proposta pedagógica e as diretrizes curriculares nacionais.

Vamos começar fazendo a pergunta mais básica possível: o que é uma proposta pedagógica? O Ministério da Educação (MEC), numa publicação de 1996, intitulada Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil, apresenta uma discussão sobre essa questão a partir das ideias de espe­cialistas, e destaco aqui o pensamento de Sonia Kramer (1984), educadora e pesquisadora brasileira, que afirma ser a proposta pedagógica “um con­vite, um desafio, uma aposta. Uma aposta, porque, sendo ou não parte de uma política pública, contém sempre um projeto político de sociedade e um conceito de cidadania, de educação e cultura”.

Kramer (1984) afirma, ainda, que uma “proposta pedagógica é um ca­minho, não é um lugar”. E é um caminho a ser construído, que tem uma história que precisa ser contada. Ela traz consigo seus valores, as dificulda­des que enfrenta, os problemas que precisam ser superados, seus dese­jos, as suas vontades. Por conter tantos aspectos subjetivos, particulares, é impossível existir uma proposta única. Cada instituição tem sua própria história, portanto, terá que ter a sua própria proposta pedagógica.

E quem será o responsável pela elaboração da proposta? Não existe um só responsável. Uma proposta pedagógica precisa ser construída com a participação efetiva de todos os envolvidos: crianças, professores, profis­sionais não docentes, famílias e comunidade.

Para elaborar uma proposta pedagógica, o importante é compreen­dermos alguns princípios fundamentais que vão nortear o nosso trabalho educativo.

Um desses princípios é a ideia de que a proposta pedagógica é um processo, um caminho e que, portanto, não é um documento terminado, precisa sempre estar sendo revisto e reescrito.

Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

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Outro princípio, em especial para a Educação Infantil, é o de que os con­teúdos curriculares não são aqueles geralmente apresentados em forma de lista, seguindo uma visão “escolar” que herdamos do ensino fundamental.

A educadora Maria Isabel Bujes (2001), em seu trabalho Educação Infantil: pra que te quero, afirma que “o nosso desafio está em conceber novas experiências no campo do currículo”. E isso significa que precisamos levar para a sala de aula da creche/pré­escola as mais diversas manifestações culturais que vivenciamos. Podem ser de caráter político, podem mostrar os diferentes modos de viver e de se relacionar, podem ser ligadas à literatura, à música, cinema e tantas outras mais. Assim, podemos trabalhar com os nossos alunos os mais variados conteú­dos: as eleições de um novo prefeito ou presidente, o incêndio que está acaban­do com uma de nossas florestas, a organização de uma visita a um parque da cidade, a vida familiar e tantas outras.

O importante é trabalharmos esses conteúdos de forma integrada, com co­municação entre eles. Também precisamos levar em consideração que todos esses assuntos não são neutros, e por isso temos que respeitar as diferenças de ideias, de opiniões. E, finalmente, Maria Isabel Bujes ressalta que a experiência curricular não resulta apenas do que temos considerado tradicionalmente como conhecimento: o domínio de informações e o desenvolvimento do raciocínio. A experiência que a criança vive na creche/pré­escola é muito mais completa e complexa. Nela, a criança desenvolve modos de pensar, e também diferentes modos de sentir, de se expressar, de agir com criatividade, de se movimentar. E isso não pode ser desprezado. Na Educação Infantil, tudo isso é conhecimento escolar. Tudo faz parte da experiência curricular.

No mesmo trabalho do MEC que citamos anteriormente, existe um diagnósti­co sobre as propostas pedagógicas e curriculares de vários estados e municípios brasileiros. Nesse documento é apresentada uma sugestão de roteiro para ava­liação ou elaboração de proposta pedagógica para a Educação Infantil.

Vamos agora, com base nesse roteiro, montar uma estrutura básica de uma proposta pedagógica. A ideia não é fixar um modelo, mas sim, poder dar uma visão geral de alguns critérios importantes.

Primeiramente, vamos apresentar as condições de produção do documento.

Geralmente, na primeira parte de uma proposta pedagógica é feita uma apresentação da sua realidade. De uma forma bem resumida, poderiam ser res­pondidas as seguintes perguntas:

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Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

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Quem são as pessoas que vão participar da discussão e elaboração da pro­ �posta?

Quais são os seus objetivos? �

Para quem é esta proposta? Ou seja, quem são as crianças e os adultos �envolvidos?

A proposta pode ser criticada e alterada? �

Qual é o diagnóstico a respeito da situação de educação destas crianças? �

Quais são os principais problemas detectados? E que sugestões para su­ �perá­los serão apresentadas?

Na continuação do nosso roteiro, vamos pensar sobre os fundamentos teóri-cos das propostas.

Nessa parte, é importante que toda a equipe que esteja envolvida com o tra­balho defina e explicite quais são os fundamentos teóricos que irão sustentar a proposta educacional da instituição, deixando claro os enfoques que serão pri­vilegiados e cuidando para que haja uma real articulação entre aquilo que está sendo desejado e aquilo que realmente poderá ser feito. Para isso, é fundamental que se pense como todas as pessoas que desenvolvem o trabalho direto com as crianças nas creches/pré­escolas irão compreender esses fundamentos teóricos. E mais, não basta eles conhecerem as bases teóricas, é preciso que absorvam essas ideias, assumindo o compromisso com a respectiva prática educacional.

A estrutura, organização e funcionamento da Educação Infantil é também uma parte importante a ser considerada quando da elaboração de uma proposta pedagógica.

Caso seja uma instituição de uma rede pública, é preciso que fique claro qual é o lugar da Educação Infantil na Secretaria. Também é importante que todos saibam quais são as funções das pessoas que respondem pela rede na Secretaria e que seja avaliada permanentemente a articulação entre a unidade de Educa­ção Infantil e a Secretaria ou Departamento responsável. Porém, sendo pública ou particular, nessa parte da proposta pedagógica é interessante que a creche/pré­ ­escola relate como é o seu funcionamento, a sua estrutura e o seu cotidiano.

Ainda com base no roteiro do MEC, vamos discutir sobre a política de valori-zação e profissionalização dos recursos humanos e sobre a articulação com outras instâncias.

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É fundamental que, na proposta pedagógica, seja apresentada a política de seleção, de formação, de aperfeiçoamento e de valorização dos profissionais. Além disso, não podemos deixar de procurar estabelecer articulações necessá­rias com outras instâncias educacionais e culturais, ou com órgãos e instituições governamentais e não governamentais. Todas essas articulações precisam estar explicitadas na proposta pedagógica.

Uma outra abordagem importante para o estudo sobre a elaboração de uma proposta pedagógica é a análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.

O que são essas diretrizes?

Em 7 de abril de 1999, o Conselho Nacional de Educação instituiu as Diretri­zes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, que devem ser observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil integrantes dos diversos sistemas de ensino.

Trata­se de uma lei que pode ser considerada como um marco na história da política nacional para a infância brasileira e que vem reforçar os direitos das crianças pequenas e de suas famílias com relação à oportunidade de receberem uma educação de qualidade.

Podemos, então, conhecer as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa­ção Infantil:

Art. 3.º [...]

I ­ As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores:

a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum;

b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;

c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais.

Por meio das nossas propostas pedagógicas é que vamos definir as dire­ções, isto é, para onde queremos caminhar e que princípios vamos seguir.

As creches/pré­escolas devem oferecer oportunidades para as crianças de­senvolverem a autonomia, a responsabilidade, a solidariedade e o respeito ao bem comum.

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Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

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Temos que saber nossos direitos e deveres, as leis e as regras que organizam a vida em sociedade. Mas, como passar esses conceitos para as crianças? É preciso ter consciência de que podemos preparar as crianças para o exercício da cidada­nia desde bebês.

Só sendo sensíveis e criativos é que poderemos provocar e estimular a sensi­bilidade e a criatividade de nossos alunos:

Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

II ­ As Instituições de Educação Infantil ao definir suas Propostas Pedagógicas deverão explicitar o reconhecimento da importância da identidade pessoal de alunos, suas famílias, professores e outros profissionais, e a identidade de cada Unidade Educacional, nos vários contextos em que se situem.

Cada criança pensa, sente e sonha de uma forma especial, só sua. Sabemos que ela pertence a um ambiente social, mas não podemos deixar de respeitar as suas especificidades.

A vida cotidiana em uma instituição de Educação Infantil permite que veja­mos as diferenças que existem entre as diferentes pessoas que ali convivem. Na relação com o outro, a criança constrói valores, significados e conhecimentos.

Todo adulto interfere no desenvolvimento das emoções das crianças, mas essa criança também afeta o adulto. É necessário observarmos se são as necessi­dades da criança que estão em jogo ou as do adulto.

Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

III ­ As Instituições de Educação Infantil devem promover em suas Propostas Pedagógicas, práticas de educação e cuidados que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos/linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível.

Desde o momento em que a criança nasce, ela já começa a se relacionar com o seu ambiente. O seu desenvolvimento acontece a partir das interações com esse ambiente e com as outras pessoas com quem convive.

Para integrar as práticas de educação e cuidado com as crianças, precisamos estar articulados com outros profissionais, tais como médicos, enfermeiros, tera­peutas, psicólogos, nutricionistas, arquitetos e outros profissionais que podem influenciar na qualidade de vida das crianças pequenas.

Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

IV ­ As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil, ao reconhecer as crian ças como seres íntegros, que aprendem a ser e conviver consigo próprios, com os demais e o próprio ambiente de maneira articulada e gradual, devem buscar a partir de atividades

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intencionais, em momentos de ações, ora estruturadas, ora espontâneas e livres, a interação entre as diversas áreas de conhecimento e aspectos da vida cidadã, contribuindo assim com o provimento de conteúdos básicos para a constituição de conhecimentos e valores.

Todos nós que trabalhamos ou convivemos com crianças pequenas sabemos de seu imenso potencial, sua enorme curiosidade, seu desejo de aprender, de ser aceito e estimado. Afinal, quem não gosta de se sentir querido e aceito?

A Educação Infantil não é um “luxo” ou um “favor”, é um direito que todas as crianças brasileiras têm. Elas devem receber de seus educadores um atendimen­to que oportunize novos conhecimentos e valores.

Devemos também procurar elaborar currículos e programas para a Educação Infantil que façam pontes ligando a vida de nossos alunos e de suas famílias aos acontecimentos do Brasil e do resto do mundo.

Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

V ­ As Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil devem organizar suas estratégias de avaliação, através do acompanhamento e dos registros de etapas alcançadas nos cuidados e na educação para crianças de 0 a 6 anos, “sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”.

Essa medida é fundamental para qualificar as Propostas Pedagógicas e expli­citar seus propósitos com as crianças.

É evidente que os objetivos serão diferentes para os vários níveis de desen­volvimento e de situações específicas. No entanto, é através da avaliação, enten­dida como instrumento de diagnóstico e tomada de decisões, que os professo­res poderão, em grande medida, verificar a qualidade de seu trabalho.

Não são só as crianças que aprendem com os adultos. Os adultos também podem aprender muito com as crianças. E isso não depende do seu nível de escolaridade ou socioeconômico. Por isso, é fundamental estabelecer canais de comunicação entre eles.

Lembrem­se de que o mais importante não é o resultado, mas o percurso que atravessamos para alcançá­lo.

Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

VI ­ As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem ser criadas, coordenadas, supervisionadas e avaliadas por educadores, com, pelo menos, o diploma de Curso de Formação de Professores, mesmo que da equipe de Profissionais participem outros das áreas de Ciências Humanas, Sociais e Exatas, assim como familiares das crianças. Da direção das instituições de Educação Infantil deve participar, necessariamente, um educador com, no mínimo, o Curso de Formação de Professores.

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Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

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Toda e qualquer instituição que ofereça Educação Infantil precisa ter em suas Propostas Pedagógicas planejamentos, estratégias e formas de avaliação dos processos de aperfeiçoamento dos educadores, desde os que ainda não tenham formação específica, até os que já estão habilitados para o trabalho com as crian­ças de 0 a 6 anos.

Devemos lembrar sempre que a creche/pré­escola é uma instituição de educação.

Lei 9.131/95. Art. 3.º [...]

VII ­ O ambiente de gestão democrática por parte dos educadores, a partir de liderança responsável e de qualidade, deve garantir direitos básicos de crianças e suas famílias à educação e cuidados, num contexto de atenção multidisciplinar com profissionais necessários para o atendimento.

VIII ­ As Propostas Pedagógicas e os regimentos das Instituições de Educação Infantil devem, em clima de cooperação, proporcionar condições de funcionamento das estratégias educacionais, do uso do espaço físico, do horário e do calendário escolar, que possibilitem a adoção, execução, avaliação e o aperfeiçoamento das diretrizes.

Para que todas as Diretrizes Curriculares sejam realizadas com sucesso são indispensáveis o espírito de equipe e as condições básicas para planejar os usos do espaço e do tempo escolar. Precisamos, portanto, estar sempre acertando acordos, discutindo abertamente e em clima de cooperação.

Texto complementar

Ações complementares no estabelecimento de critérios para credenciamento e funcionamento

de instituições de Educação Infantil(ASSIS, 1998)

Há duas grandes ações complementares aos princípios que devem reger a organização das Propostas Pedagógicas das instituições de Educação Infantil:

estratégias para a formação prévia e a atualização em serviço dos edu­a) cadores;

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relação com as famílias das crianças e ações conjuntas em seu bene­b) fício.

Quaisquer que sejam as instituições que se dedicam à Educação Infantil com suas respectivas Propostas Pedagógicas, é indispensável que as mesmas venham acompanhadas por planejamentos, estratégias e formas de avalia­ção dos processos de aperfeiçoamento dos educadores, desde os que não tenham formação específica, até os que estão credenciados para o trabalho com as crianças dos zero aos seis anos.

O trabalho dos Conselhos deve ser o de diagnosticar situações, criar con­dições de melhoria e supervisionar a qualidade da ação dos que educam e cuidam das crianças em instituições de Educação Infantil.

Da mesma forma, atenção especial deve ser atribuída às maneiras pelas quais as instituições se propõem ao trabalho com as famílias, seja no de­senvolvimento, apoio, orientação, intervenção e supervisão em situações de risco e conflito normal de atividades derivadas das Propostas Pedagógicas, seja no diálogo, para as crianças.

Cabe às instituições de Educação Infantil, além de cuidar e educar com qualidade e êxito, advogar sempre pela causa das crianças de zero a seis anos e suas famílias.

Concluindo, seria bom relembrar o que o escritor Paulo Leminsky nos propõe: “Nesta vida pode­se aprender três coisas de uma criança: estar sempre alegre, nunca ficar inativo e chorar com força por tudo o que se quer.”

Dicas de estudoPara você ampliar seus estudos, recomendo a leitura de dois diferentes sites:

<www.educ.ar> – é um portal educativo do Ministério da Educação Ciência e Tecnologia da Argentina. Nele você poderá encontrar notícias, sugestões de ati­vidades, textos etc.

<www.infanzia.com/asili.php> – é um site italiano que aborda questões diversas e interessantes sobre creches.

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Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais

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Atividades1. O que é uma proposta pedagógica?

2. Com base nas orientações do MEC, como deve ser a estrutura básica de uma proposta pedagógica?

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Nós vamos estudar nesta aula o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Vocês já ouviram falar nesse documento? Trata-se de um material elaborado e publicado pelo Ministério da Educação (MEC), em 1998. O próprio nome já explica que é uma referência para estruturação de currículo, de caráter nacional, para a Educação Infantil. É um documen-to que deve ser amplamente divulgado, por isso, vamos dedicar esta aula para sua apresentação nos detalhes necessários.

Esse documento sofreu e ainda sofre críticas por parte de alguns edu-cadores, porém é consenso quanto ao seu valor. Isso porque, como vocês sabem, a Educação Infantil costuma ser posta em segundo plano e, nesse caso, a publicação desse documento significou relevante avanço. Frente aos raríssimos materiais que o MEC produziu sobre a Educação Infantil, o Referencial acabou sendo um marco, em termos de reforçar a importância da Educação Infantil.

É necessário ressaltar que todas as ideias e propostas contidas no Re-ferencial são tão-somente sugestões. Ou seja, pretende-se que sirvam de base para discussões ou que orientem os trabalhos a serem desenvolvidos. Não há a obrigação de segui-las. É aí que se coloca a grande diferença com relação às Diretrizes Curriculares Nacionais, estas sim são obrigatórias.

Vamos a um resumo do Referencial, isto é, descrever como foi estrutu-rado esse documento, quais são os assuntos que aborda, quais as princi-pais ideias e propostas.

O Referencial foi organizado em três volumes, sendo que o primeiro livro, denominado de Introdução, apresenta uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil. Logo no início, há o capítulo intitulado “Caracterís-ticas do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil”. Ao final deste capítulo, é apresentada uma tabela que nos mostra a situação das crianças de 0 a 6 anos no Brasil, em 1995.

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Frequência de creches e pré-escolaspor classes de rendimento (%)

Faixa de idade Total Até 1 salário- -mínimo

De 1 a 2 salários--mínimos

Mais de 2 salários- -mínimos

0 a 6 anos 25,1 21,3 28,2 43,1

0 a 3 anos 7,6 5,4 7,4 19,0

4 a 6 anos 47,8 41,9 53,8 70,6

A informação fundamental é a seguinte: do total de crianças existentes na faixa etária de 0 a 6 anos, apenas 25% estavam frequentando uma creche ou uma pré-escola. E, se separarmos por faixa etária, vamos observar que somente 7,6% das crianças de 0 a 3 anos estavam indo para uma creche1. O percentual aumenta significativamente na faixa das crianças de 4 a 6 anos: atinge 47,8%2. Porém, o que mais perturba é quando verificamos esses dados com relação às classes de rendimento familiar. Entre as famílias que recebem até um salário- -mínimo, apenas 5,4% das crianças de 0 a 3 anos tinham acesso a uma creche e 42% a uma pré-escola. E esses números crescem à medida que aumenta a renda familiar, por haver maior participação da rede privada de creches e pré-escolas. No Referencial, ainda que se apresentem tais números, não há uma análise, ou um comentário sequer sobre esses resultados, o que nos impede de saber a posição oficial sobre essa realidade. Talvez seja que os números falem por si mesmos.

Na parte “Algumas considerações sobre creches e pré-escolas”, é apresenta-do um breve histórico sobre as creches e pré-escolas, mostrando que a creche nasceu como uma instituição assistencialista. Em seguida, afirma-se que, para mudarmos essa concepção de educação assistencialista, precisamos “assumir as especificidades da Educação Infantil, revendo as concepções de infância, as relações entre classes sociais, as responsabilidades da sociedade e o papel do Estado”. Reforça-se a ideia da necessidade de integração entre educar-cuidar.

Na parte denominada “A criança”, comenta-se sobre as diferentes concepções de infância. Outra parte é sobre “Educar”, que significa, nos termos apresenta-dos: “propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capa-cidades infantis”. Podemos sintetizar que: o ato de educar é composto de cuidar, brincar e aprender em situações orientadas.

Sobre as aprendizagens em situações orientadas, o Referencial apresenta as seguintes condições gerais relativas às aprendizagens infantis: interação; diver-sidade e individualidade; aprendizagem significativa e conhecimentos prévios;

1 Atualmente, 15% das crianças de 0 a 3 anos são atendidads em creches.

2 Na pré-escola o percentual atual é de 67%.

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Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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resolução de problemas; proximidade com as práticas sociais reais; educar crian-ças com necessidades especiais.

Na parte “O professor de Educação Infantil”, afirma-se que vários estudos têm mostrado que muitos dos profissionais de Educação Infantil no Brasil ainda não têm formação adequada, recebem remuneração baixa e trabalham sob condi-ções bastante precárias. Aponta-se para a necessidade de que esses profissionais tenham ou venham a ter uma formação inicial sólida e consistente, acompanhada de adequada e permanente atualização em serviço. O professor de Educação In-fantil deve, segundo o texto, estar comprometido com a prática educacional para que seja capaz de responder às demandas das famílias e das crianças e saber tra-balhar com questões específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis.

A partir do diagnóstico, realizado pelo MEC, das propostas pedagógicas e dos currículos de Educação Infantil de vários estados e municípios brasileiros em 1996, observou-se que há um grande desencontro entre os fundamentos teóricos ado-tados e as orientações metodológicas. Ou seja, a maioria das propostas não deixa claro como deve ser a articulação entre o que se deseja fazer e o que realmente se faz. Por isso, a estrutura do Referencial Curricular Nacional foi pensada na intenção de tornar visível essa articulação, relacionando objetivos gerais e específicos, con-teúdos e orientações didáticas, conforme apresentamos abaixo.

Organização por idade � – 0 a 3 e 4 a 6 anos (embora, em alguns eixos, tenha sido feita uma diferenciação para os primeiros 12 meses de vida da crian-ça, considerando-se as especificidades dessa idade).

Organização em âmbitos � – de caráter instrumental e didático, há dois âm-bitos de experiências: formação pessoal e social, e conhecimento do mun-do. Vejamos como estão estruturados esses dois âmbitos:

Formação pessoal e social

Identidade e autonomia

0 a 3 anos 4 a 6 anos

autoestima

escolha

faz de conta

interação

imagem

cuidados

segurança

cuidados pessoais

nome

imagem

independência e autonomia

respeito à diversidade

identidade de gênero

interação

jogos e brincadeiras

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Conhecimento de mundo

Movimentoexpressividade

equílibrio e coordenação

Músicao fazer musical

apreciação musical

Artes visuaiso fazer artístico

apreciação em artes visuais

Linguagem oral e escrita (4 a 6 anos)

falar e escutar

práticas de leitura

práticas de escrita

Natureza e sociedade (4 a 6 anos)

organização dos grupos

os lugares e suas paisagens

objetos e processos de transformação

os seres vivos

os fenômenos da natureza

Matemática (4 a 6 anos)

números e sistema de numeração

grandezas e medidas

espaço e formas

Componentes curriculares � – apresentam-se por meio dos objetivos, dos conteúdos e das orientações didáticas.

Os objetivos explicitam as intenções educativas e estabelecem capa-cidades que as crianças poderão desenvolver como consequência de ações intencio nais do professor; auxiliam na seleção de conteúdos e meios didáticos.

Os conteúdos, por sua vez, significam que as diferentes aprendizagens se dão por meio de sucessivas reorganizações do conhecimento. Não há aprendizagem sem conteúdo. Nesses termos, há:

conteúdos conceituais – conhecimento de conceitos, fatos e princípios; �

conteúdos procedimentais – significa saber fazer; �

conteúdos atitudinais – valores, atitudes e normas. �

Os conteúdos se organizam em blocos dentro dos diferentes eixos de tra-balho. Essa forma de organização pretende contemplar os aspectos essen-ciais de cada eixo e ainda situar os variados conteúdos. É dado o seguinte exemplo: “[...] é importante que o professor saiba, ao ler uma história para

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Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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as crianças, que está trabalhando não só a leitura, mas também a fala, a escuta, e a escrita” (BRASIL, 1998a, p. 53). Sobre a seleção de conteúdos, é destacado o fato de que eles devem estar ligados ao grau de significado que têm para as crianças e para o professor. O documento também des-taca a integração dos conteúdos e, para ilustrar essa ideia, vamos ver um quadro de Salvador Dalí, chamado A Girafa em Chamas. O artista espanhol faz uma sátira do ser humano, mostrando o homem como um armário com gavetinhas. Como se a nossa vida e as nossas aprendizagens fossem divididas por gavetas.

A Girafa em Chamas, 1937. Salvador Dalí.

Dom

ínio

púb

lico.

Com relação às orientações didáticas, remete-se ao “como fazer”, o que não representa um modelo fechado que se define num único padrão de intervenção. Assim, são explicitadas algumas condições:

organização do tempo; �

organização do espaço e seleção dos materiais; �

observação, registro e avaliação formativa. �

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No capítulo dos “Objetivos Gerais da Educação Infantil” p. 63, são apresenta-das oito diferentes capacidades que as crianças devem desenvolver a partir da prática da Educação Infantil. São elas:

desenvolver uma imagem positiva de si (independência e confiança); �

descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas poten- �cialidades e seus limites (hábitos de cuidado com a saúde e o bem-estar);

estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças (comuni- �cação e interação social);

estabelecer e ampliar as relações sociais (atitudes de ajuda e colabora- �ção);

observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade (participante �ativo do ambiente);

brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e ne- �cessidades;

desenvolver e utilizar suas diferentes linguagens (corporal, musical, plás- �tica, oral e escrita);

conhecer manifestações culturais demonstrando interesse, respeito e par- �ticipação, valorizando a diversidade.

Em outro capítulo, “A Instituição e o Projeto Educativo”, o Referencial Curricular afirma que, para a elaboração do projeto educativo de instituições de Educação Infantil, é preciso estar atento a duas dimensões complementares:

condições externas � – são as características socioculturais da comunidade e as necessidades e expectativas da população atendida;

condições internas � – são a estrutura de funcionamento (horário, turmas que atende etc.) e a proposta curricular (um dos elementos do projeto educativo e deve ser realizada coletivamente).

Nas “Condições Internas”, há outros aspectos de grande relevância para o de-senvolvimento do projeto pedagógico, que são:

1) ambiente institucional – cooperação e respeito entre profissionais e entre estes e as famílias;

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Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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2) formação do coletivo institucional – clima democrático e pluralista;

3) espaço para formação continuada – deve fazer parte da rotina institucio-nal e não pode ocorrer de forma esporádica;

4) espaço físico e recursos materiais – trata-se inclusive da acessibilidade dos materiais. O uso frequente causa desgaste, a manutenção e a reposição devem fazer parte da rotina;

5) versatilidade do espaço – pesquisas indicam que ambientes divididos em pequenas áreas são melhores para crianças pequenas;

Critérios para formação de grupos de crianças: muitas instituições agrupam as crianças por faixa etária. Essa forma de agrupamento está relacionada muito mais a uma necessidade do trabalho dos adultos do que às necessidades da criança. No Referencial, aconselha-se essa relação criança-adulto:

0 a 12 meses – 6 crianças para 1 adulto (com ajudante); �

1 a 2 anos – 8 crianças para 1 adulto (com ajudante); �

2 a 3 anos – 15 crianças para 1 adulto; �

3 a 6 anos – 25 crianças para 1 adulto; �

6) organização do tempo – rotina clara, compreensível e flexível;

7) ambientes de cuidados – planejamento dos cuidados e da vida cotidia-na na instituição inicia-se pelo conhecimento prévio e constante sobre a criança e suas peculiaridades;

8) parceria com as famílias – é muito importante devido às características específicas da faixa etária das crianças atendidas, bem como as necessida-des atuais de construção de uma sociedade mais democrática e pluralista. Devemos observar o seguinte:

respeito aos vários tipos de estruturas familiares – não há limites para os �arranjos familiares;

acolhimento das diferentes culturas, valores e crenças sobre educação das �crianças – o trabalho com a diversidade e o convívio com a diferença pos-sibilitam a ampliação de horizontes tanto para o professor como para a criança;

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estabelecimento de canais de comunicação – conselhos e associações; �

inclusão do conhecimento familiar no trabalho educativo – brincadeiras �preferidas pelos pais na infância, histórias de vida etc.;

acolhimento das famílias e das crianças na instituição – a entrada na insti- �tuição é importante ao estabelecer uma relação de confiança com as famí-lias, deixando claro que o objetivo é a parceria de cuidados e de educação, visando sempre ao bem-estar da criança. A instituição deve ser flexível e é muito importante realizar entrevista na hora da matrícula, além de dar atenção especial aos primeiros dias da criança na instituição;

substituição de professores – infelizmente, em muitas instituições, a ro- �tatividade de profissionais é uma realidade que precisa ser modificada, estabelecendo formas de estabilidade;

acolhimento de famílias com necessidades especiais – as famílias que por- �ventura tiverem dificuldades em cumprir qualquer uma de suas funções para com as crianças deverão receber toda a ajuda possível das institui-ções de Educação Infantil, da comunidade, do poder público para que me-lhorem o desempenho junto às crianças.

São essas as questões fundamentais apresentadas no importante documen-to do MEC, Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que precisam servir de balizamento mínimo à prática na Educação Infantil no nosso país.

Texto complementar(PALHARES; MARTINEZ, 2000, p. 13-14)

A leitura do referencial é importante como subsídio para o debate na-cional sobre a criança e sua educação. Ressaltamos, entretanto, que o refe-rencial não contempla a questão das diversas camadas sociais. Em especial na idade de 0 a 3 anos, para a qual se tem um vasto conhecimento sobre o desenvolvimento infantil, mas pouco conhecimento sistematizado sobre a educação de crianças pequenas em creche, o referencial parte de uma pro-posta importante, real para as classes mais altas, mas não considera a maio-ria da realidade das creches nas camadas populares – desconhece o valor do trabalho que vem se realizando com essa população. É como se não se conhecesse essa creche. É possível identificar, contudo, trechos do “Docu-

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Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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mento 2” (“Objetivos, Conteúdos e Orientações Didáticas”) que combinam o subsídio teórico com exemplos completos, pertinentes, próximos da realida-de das crianças, famílias e professores, que trazem ilustrações das situações do cotidiano através de uma linguagem acessível.

Dica de estudoCaso você tenha alguma dúvida sobre o Referencial Curricular Nacional para

a Educação Infantil, você pode acessar o site: <www.klickeducacao.com.br>.

É um portal sobre educação de uma forma geral e, em especial, apresenta o Guia de Educação Infantil, onde esclarece 31 dúvidas sobre o Referencial.

Atividades1. Explique o que é o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.

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2. Como foi estruturado o Referencial?

3. Segundo o Referencial, como deve ser o professor da Educação Infantil?

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Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

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Todos já observaram que na nossa vida planejamos muito: o que vamos vestir para ir a algum lugar; o almoço que vamos oferecer para os nossos amigos; uma viagem de férias; planejamos até mesmo o que vamos fazer com o dinheiro do nosso 13.º salário. Não é verdade? Por que, então, não iríamos planejar a nossa ação educativa? Na creche/pré-escola, o trabalho educativo é intencional, por isso, deve ser planejado/programado.

Assim, nesta aula, vamos estudar o planejamento das atividades na Edu-cação Infantil.

De uma forma simplificada, podemos dizer que o planejamento envol-ve três fases: previsão, realização e avaliação.

Essas três fases não ocorrem de maneira estanque, elas podem acon-tecer simultaneamente, ou seja, podemos estar realizando uma atividade e, ao mesmo tempo, já estarmos fazendo a sua avaliação e pensando em uma nova proposta.

Existem vários níveis de planejamento. O mais geral seria aquele que en-volve toda a instituição, ou seja, que a vê como um todo. Inclui acordos sobre aspectos setoriais da educação e permite controlar se toda a engrenagem está funcionando. Sabemos que a ação educativa de cada professor tomada individualmente não garante coerência, continuidade e compartilhamento dos mesmos critérios. Por exemplo: a acolhida aos familiares e às crianças, as normas relativas às refeições e a organização das áreas estruturadas nos espaços de uso comum (interseção). Portanto, a realização de determinados acordos entre as equipes de professores é fundamental.

É comum haver resistências com relação à execução dos planejamen-tos de uma instituição, mas isso ocorre quando apenas alguns elaboram e outros executam. Daí a importância do planejamento participativo. E o que é isso? Basicamente, é quando o planejamento envolve direção, coordena-ção, professores, funcionários, pais e alunos. Faz com que todos se sintam responsáveis e, portanto, ativos, no processo de realização e avaliação.

O planejamento das atividades na Educação Infantil

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Há também o planejamento mais específico: são os planos de atuação de cada professor.

Segundo as educadoras espanholas Eulália Bassedas, Teresa Huguet e Isabel Solé, no livro Aprender e Ensinar na Educação Infantil, alguns professores costu-mam questionar se é mesmo necessário planejar, programar na Educação Infan-til, já que com as crianças pequenas ocorrem tantas surpresas, acontecem fatos interessantes que podem ser inseridos, pelo fato de as crianças serem tão dife-rentes. A resposta é a seguinte: planejar na Educação Infantil tem a mesma uti-lidade que planejar em qualquer outra etapa educativa, ou seja, permite prever as condições mais adequadas para alcançar os objetivos propostos e permite avaliar todo o processo. Resumindo: “o planejamento é uma reflexão sobre o que se pretende, sobre como se faz e como se avalia”.

Entretanto, não deve o planejamento ser entendido como uma rotina que precisa ser elaborada e seguida estritamente, sem poder ser alterada. Tampouco deve-se considerar o planejamento algo meramente formal, que se elabora e depois se guarda na gaveta. Planejar é um instrumento para ordenar e organizar um ensino de qualidade.

Um importante desdobramento do planejamento é a programação de aula. É um produto muito direto da professora ou do professor que o põe em prática. Porém, pode-se compartilhar com outros professores, partindo de um projeto comum, que dará mais segurança e confiança para o professor, ainda que cada turma de alunos apresente peculiaridades que exigem decisões próprias e que possivelmente não poderão ser divididas entre diversos professores.

É importante agora, apresentar algumas questões sobre as unidades de pro-gramação na Educação Infantil.

A Educação Infantil compreende um conjunto de especificidades que variam conforme as características dos seus alunos e que costumam ser bem diferencia-das. Em termos gerais, podemos dizer que o professor da Educação Infantil fará a sua programação pensando nos seguintes aspectos:

hábitos e rotinas da vida cotidiana e de cuidado da criança; �

unidades temáticas, centros de interesse, projetos e laboratórios; �

cantinhos ou oficinas; �

passeios, festas da sala e outros eventos; �

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O planejamento das atividades na Educação Infantil

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atividades de recreio, de acolhida e de reencontro do grupo; �

atividades mais especializadas. �

Todos esses aspectos ou atividades não têm a mesma natureza, nem as mesmas características e isso deve ser considerado na hora de planejá-las. Exem-plo: as atividades desenvolvidas em um Centro de Interesse têm um período limitado de duração, já o almoço vai acontecer diariamente.

A programação nos três primeiros anos de vida da criança está condicionada às suas necessidades, e é a partir delas que organizamos as atividades. Nesse perío do, as atividades relacionadas ao cuidado das crianças pequenas – o afeto, a higiene, a alimentação, o descanso – determinam o tempo e as atividades da sala.

É importante, portanto, parar, refletir e programar essas tarefas, no sentido de tomar consciência dos objetivos e dos conteúdos que se pode alcançar, bem como dos critérios que adotamos para valorizar o progresso da criança.

Vamos apresentar um exemplo de programação de atividade de cuidado, elabora-do por B. Q. Borghi e L. Guerra em seu livro Manuale de Didattica per l’Asilo Nido.

Título: O almoço está servido!

Objeto: para crianças de aproximadamente dois anos.

Área que envolve: sociedade e natureza.

Objetivos: conhecer os lugares onde, normalmente, sentam-se as crianças; adotar comportamentos adequados de acordo com o tipo de situação: tomar sopa com colher, usar o guardanapo etc.; e reconhecer as relações de espaço (perto, longe etc.).

Percurso didático: o momento do almoço pode se tornar uma situação rica de experiências. A preparação da mesa pode revelar-se uma ótima ocasião para uma série de atividades, tais como:

conhecer o lugar onde são colocados à mesa os pratos, os talheres, os co- �pos, os guardanapos etc.;

levar os pratos servidos até a criança que o educador indicou (“Leva este �prato para a Laura”).

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Instrumentos de controle: saber arrumar uma mesa e conhecer o próprio lugar e o de seus colegas.

Vamos estudar agora a programação de outros âmbitos da atividade das crian ças e da intervenção educativa. É um tema trazido pelas educadoras espa-nholas, que citamos há pouco, e que é muito importante ser apresentado.

A questão que se coloca é a seguinte:

Na Educação Infantil, à medida que as crianças crescem aumentam as necessidades de conhecer, de atuar, de explorar e isso faz com que o professor estruture a sua intervenção por meio de diversos âmbitos de experiências, isto é, o professor apresenta um conjunto de atividades que se realizam em volta de um tema. (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999)

Essas atividades podem receber muitos e diferentes nomes, e certamente vocês sabem alguns desses nomes, de acordo com cada realidade. São conhe-cidas como laboratórios, como centros de interesse ou como projetos. Existem ainda outras atividades organizadas que costumam ser chamadas de “cantinhos” ou “oficinas” e que podem ou não estar envolvidas com os temas.

Nesse sentido, com base no livro Aprender e Ensinar na Educação Infantil, vamos mostrar alguns itens que nos ajudam a formular as nossas programações. Vou ressaltar, porém, que não se trata de uma pauta fechada a ser seguida, mas um auxílio para as reflexões que se fazem necessárias na hora de programarmos nossas atividades.

Itens da programaçãoQue lugar a atividade didática ocupa no conjunto do programa? �

Que perguntas-chave ou projetos devem ser considerados na organiza- �ção da atividade didática?

Que respostas se espera dos alunos? �

O que pretendemos que eles aprendam com essa atividade? �

De quais recursos necessitamos? �

Como organizaremos a sala? �

Como organizaremos o tempo? �

Como realizaremos o acompanhamento, proporcionaremos a ajuda ne- �cessária e comprovaremos as aprendizagens realizadas?

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O planejamento das atividades na Educação Infantil

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Muitas vezes, podemos não ter todas as respostas em um primeiro momento, mas durante e após a prática da atividade vamos ter mais clareza de seu sentido e poderemos então ajustá-la segundo as necessidades surgidas. Em qualquer caso, temos que prever atividades que sirvam para:

motivar os alunos e ajudá-los a encontrar sentido no que estamos pro- �pondo;

facilitar a exploração, o descobrimento e a compreensão dos conteúdos �novos;

estabelecer uma síntese do trabalho realizado para que os alunos possam �relacionar o problema formulado com as respostas que foram encontradas.

Vamos agora demonstrar como podemos organizar alguns laboratórios em nossas salas de aula, a partir das propostas apresentadas no livro Manuale di Didattica per l’Asilo Nido de B. Q. Borghi e L. Guerra.

Laboratório da comunicação

Móveis e materiaisA organização física do laboratório deve permitir a realização de atividades

individuais e em pequenos grupos, com ou sem a direção do educador. Para esse fim, é necessário que o laboratório possua:

sofá e poltroninhas; tapete com almofadas; prateleiras onde possam ser �colocados livros, gravuras, gibis, jornais etc. em exposição e variando com frequência; caixa-arquivo para guardar papéis, fotocópias, fotografias, en-cartes publicitários etc.; lápis, canetas, colas, tesouras etc.; quadro-negro; aparelho de som; CDs e fitas cassetes que podem estar vazios (e a criança irá fazer gravações), ou com histórias e músicas.

Podemos desenvolver diferentes percursos didáticos com as crianças no la-boratório da comunicação. Como sugestão, indicaria:

O “projeto-biblioteca” (com exposição e classificação simplificada de livros, �funcionamento de empréstimo etc.).

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O jogo da “banquinha” (com possibilidade de escolher os materiais – gibis, �jornais, revistas etc.) e podendo utilizá-los de diversas formas: folhear, re-cortar, colorir, colar, rasgar etc.

O “percurso pinacoteca” (consiste na organização de pequenos “percursos �visuais” de forma autônoma ou guiada).

Laboratório do ambiente

Móveis e materiaisEsse laboratório está voltado aos fenômenos e aos materiais vinculados ao

ambiente natural; as situações e os objetos relativos ao ambiente social que cir-cunda diretamente a criança. Podem ser previstos:

vários potes para jogos com água e com diferentes recursos ambientais �como, por exemplo: folhas, areia, conchas etc.; murais nas paredes para “mostras”; aquário; pequenos instrumentos de jardinagem para cultiva-ção de pequenas hortas e jardins.

No laboratório do ambiente, podemos realizar vários percursos didáticos com as crianças. Algumas ideias:

“Mostra” de recursos recolhidos no ambiente de “saída” (parque, praça, �mercado etc.).

Coleção de materiais (tais como folhas, pinhas, pedrinhas etc.). �

Jogos de “compra e venda” (com a “construção” de um supermercado e repre- �sentação dos papéis de comprador, do vendedor, do empacotador etc.).

Laboratório da lógica

Móveis e materiaisCostuma-se organizar um espaço com a finalidade de desenvolvimento de

atividades, de preferência, individuais ou em pequenos grupos. Deve-se prever a disponibilidade de:

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O planejamento das atividades na Educação Infantil

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mesas e cadeiras, pequenos armários e potes para serem colocados os �materiais, área livre para atividades que necessitem de espaço no chão, cordas e elásticos, massinha, cesto com jogos de construção e outros jo-gos, e diferentes objetos e gravuras.

Que exemplos de recursos didáticos podemos criar? Sugiro uma série de jogos:

jogos de encaixe; �

jogos de encher e esvaziar; �

jogos de recolher e colecionar; �

jogos de classificação; �

jogos de seriação; �

jogos de transformação (seriam aqueles voltados ao quebrar, recortar, do- �brar, deslocar, encher, mudar de formas etc.).

Laboratório do corpo

Móveis e materiaisO laboratório deve ser organizado em um espaço relativamente amplo para

permitir atividades motoras adequadas. Os objetos ali colocados devem estar guardados de maneira que haja possibilidade de eles serem usados em diferen-tes atividades. Uma boa estrutura precisaria ter:

brinquedos tipo � playground, espelho grande na parede, tapete ou colcho-netes de diferentes formas e cores, almofadas, sólidos geométricos feitos de espuma, bastões, cordas, redes e túneis de diversos materiais e tamanhos.

E os percursos didáticos? Quais poderiam ser?

jogos de coordenação motora; �

jogos de equilíbrio; �

jogos de precisão; �

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jogos de manipulação; �

jogos com o espelho. �

Vamos ver agora uma outra forma de organizarmos laboratórios: segundo B. Q. Borghi e L. Guerra são os laboratórios em mala. O que seria isso? É um labora-tório ambulante, ou seja, organizado em malas de forma a permitir que se vá de uma sala para outra, de uma escola para outra. Querem ver alguns exemplos?

A mala do aprendiz de feiticeiroUma mala com estrelas prateadas que contenha uma série de materiais para

as atividades do “aprendiz de feiticeiro”, que é um pouco cientista e um pouco mago. Dentro dessa mala, vamos encontrar:

as roupas do aprendiz de feiticeiro: capa, chapéu e varinha mágica; �

alguns instrumentos para a realização de experimentos do aprendiz de �feiticeiro.

É possível mover objetos com ímã? Segurar o ímã e tentar mexer alguns obje-tos dispostos na superfície.

O ar: uma folha de papel fica no ar por mais tempo que uma bolinha de papel amassada? Soltar as duas juntas!

Anilina na água: o que acontece quando você pinga anilina na água?

Objetos que flutuam: em potes plásticos transparentes, colocar diferentes ob-jetos, alguns boiam e outros não.

Eletrizar objetos: o pente mágico! Passar um pente no cabelo e depois ver o que acontece quando o coloca perto de pedacinhos de papel.

Jogos óticos: olhar diversamente – caleidoscópio, lupa etc.

A mala do confeiteiroA mala é composta de uma chapeleira de cartolina, “disfarçada” de bolo, que

vai conter:

Cultura da Infância

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O planejamento das atividades na Educação Infantil

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Roupas: chapéu e avental.

Instrumentos: prato, colher, bacias, batedeira manual etc.

Materiais: açúcar, fermento, farinha, chocolate em pó, chocolate granulado etc.

Como usar?

A mala é acompanhada de material didático mais ou menos estruturado:

cartelas que representam, através de desenhos, as instruções para a pre- �paração de algumas receitas simples, utilizando os materiais que estão na mala. Como seriam esses desenhos? Duas xícaras de trigo, uma colher de fermento etc.;

proposta de “unidades” ou “projetos” didáticos. Por exemplo, a proposta �de uma “festa de aniversário”. Deve prever: discussões com as crianças so-bre que coisas são necessárias para realizar festa (convites, pratos, copos, enfeites, balões etc.); pesquisa na mala dos materiais necessários para a festa; a divisão das tarefas entre as crianças para a feitura do bolo e a orga-nização da festa, utilizando a mala; realização da festa.

A programação dos cantinhos ou oficinasNa hora de programarmos os cantinhos, é preciso considerar o interesse que

as crianças demonstram, como também a variedade dos materiais disponíveis. De uma forma geral, como uma sugestão, podemos fazer uma classificação dos vários tipos de cantinhos que podem ser oferecidos na nossa sala de aula:

cantinho da biblioteca e da linguagem; �

cantinho do jogo simbólico; �

cantinho da elaboração, invenção e observação; �

cantinho de jogos de mesa; �

cantinho de artes plásticas e de habilidades manuais. �

Convém combinar cantinhos que exigem a presença mais ativa do professor e, ainda, aqueles que facilitam um trabalho mais autônomo das crianças.

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Haverá cantinhos que estarão presentes durante todo o ano e outros que terão uma vida mais curta. Alguns cantinhos não variam quanto ao material, às propostas e às intervenções do professor; outros, entretanto, mesmo que se mantenham durante todo o ano letivo, passarão por modificações muito im-portantes. Como, por exemplo, o cantinho da casinha pode ser organizado de formas diferentes em determinados períodos de acordo com o que pode estar sendo trabalhado em um projeto.

Texto complementar

Exemplo de programação de uma unidade didática

(BORGHI; GUERRA, 1992, p. 201-202)

Para bebês entre 10 e 18 meses

Título: Vamos dar os primeiros passos!

Campo de experiência de referência: “a percepção e o movimento”; “o eu e o outro”.

Definição dos espaços e dos materiais: os educadores organizam um am-biente de movimento “macio”. Sobre um tapete, são colocadas almofadas de espuma dura de diferentes tamanhos e formas. Alguns brinquedos são postos no chão.

Objetivos:

coordenação motora: engatinhar, ficar em pé, transpor pequenos obs- �táculos;

equilíbrio estático: agarrar-se com apoio adequado, ficar sentada na �posição de cavalgar;

interação sociomotora: receber objetos da mão de um adulto, dar ob- �jetos quando solicitados por um adulto.

Atividades: utilização livre do espaço e dos materiais. O espaço estrutura-do é proposto às crianças. Os educadores envolvem as crianças em uma situ-

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O planejamento das atividades na Educação Infantil

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ação de brincadeira, rolando sobre o tapete, sentando nas almofadas como se fosse em um cavalinho, escondendo-se atrás das almofadas e convidando as crianças a fazerem o mesmo. O objetivo da brincadeira livre é perceber a validade dos objetivos já formulados.

Dicas de estudoDuas boas dicas de estudo para você:

leitura da revista � Pátio. Editada trimestralmente pela editora Artmed, traz textos para a atualização e formação de profissionais da educação. A ses-são Educação Infantil discute teorias e práticas pedagógicas atuais e de destaque.

leitura da edição especial da revista � Nova Escola – PLANEJAMENTO. Aborda a importância de um bom planejamento para a eficiência na aprendiza-gem dos alunos, além de apresentar bons planos de aula, questões curri-culares, projetos, modos de avaliar e opiniões de especialistas.

Atividades1. Como deve ser entendido o planejamento na Educação Infantil?

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2. O planejamento de uma forma simplificada envolve três fases. Quais são es-tas fases?

3. O que é um planejamento participativo?

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O planejamento das atividades na Educação Infantil

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Quem já ouviu falar sobre o trabalho com projetos? Na Educação In-fantil, esse tipo de trabalho tem sido bastante comentado nos últimos tempos. É esse o assunto desta aula. Assunto que aqui será tratado tendo como referência o livro de Abramowicz e Wajskop (1995) intitulado Cre-ches: atividades para crianças de 0 a 6 anos, o texto “Organização do tempo na escola infantil”, escrito por Maria Carmem Barbosa e Maria da Graça Horn, o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil, do Ministério da Educação (MEC) e também o livro As Cem Linguagens da Criança, de C. Edwards, L. Grandini e G. Forman.

Vamos iniciar com a pergunta: o que são projetos no contexto do nosso assunto?

Utilizamos o termo trabalho com projetos para nos referir a estudos em profundidade sobre determinados tópicos, assumidos por pequenos grupos de crianças. O trabalho com projetos tem como objetivo ajudar as crianças a encontrarem um sentido mais profundo e completo dos acon-tecimentos do seu próprio ambiente e das experiências que mereçam a sua atenção.

Os projetos fazem parte do currículo da Educação Infantil. É através deles, do ponto de vista pedagógico, que as crianças vão ser encorajadas a tomar suas próprias decisões e a fazer suas próprias escolhas sobre a realiza-ção de um trabalho, sempre em interação-cooperação com os seus colegas. Acredita-se que o trabalho com projetos reforça na criança a sua autoesti-ma, uma vez que ela passa a acreditar na sua capacidade de pensar, concluir e criar, além de estimular o seu desejo de aprender cada vez mais.

De uma maneira geral, podemos dizer que o projeto é uma forma de trabalho que envolve diferentes conteúdos e que costuma ser organizado em torno de um tema. Pode-se dizer também que é a realização de um estudo que será desenvolvido de acordo com a faixa etária das crianças.

Muitas vezes, os projetos são planejados para alcançar um determina-do produto final e acabam tomando outro rumo, mudando de propostas

O trabalho com projetos

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e de trajetória. Mas isso não importa, o que vale é que eles sempre geram novas aprendizagens e às vezes até novos projetos. Essas mudanças, que são necessárias em um projeto, dependem do professor. Ou seja, ele deve estar sempre atento, observando cada etapa, e deve ser capaz de avaliar permanentemente o processo, estando sempre aberto à possibilidade de reestruturação do trabalho proposto.

As atividades de um projeto podem incluir observação direta, perguntas a pessoas e a especialistas, coleta de materiais, representação de observações, de ideias, de memórias, de emoções, de imagens e de novos conhecimentos de várias maneiras, incluindo a montagem de um teatro.

Vocês já devem estar perguntando: e como escolhemos o tema de um projeto?

Não existe uma regra para essa definição. Mas nós podemos pensar em alguns critérios que podem ser seguidos.

Os projetos podem ter como ponto de partida um fato acontecido na sala de aula ou na comunidade, uma notícia de televisão, uma ideia que surgiu após a leitura de um livro, ou a simples observação de fenômenos naturais. Esses temas podem ser trazidos pelos professores, pelas crianças ou pelos pais... Às vezes, eles podem surgir de uma situação inesperada, imprevisível!

O que é importante nós sabermos é que a ideia escolhida deve mobilizar o in-teresse do grupo como um todo. Tanto as crianças quanto os professores devem sentir-se atraídos pela questão. Vocês já se imaginaram conduzindo um projeto sobre um assunto que acham chato? Iria ficar bem difícil, não é?

Os projetos podem ser realizados tanto nas creches quanto nas pré-escolas, isto é, com bebês ou com crianças maiores. Os temas a serem trabalhados com os bebês vão depender basicamente da observação que o professor faz da sua turma de crianças. Assim, vai ser de acordo com essa leitura que o professor irá escolher as atividades que podem ser importantes ao desenvolvimento das crianças. Pode-se iniciar, por exemplo, por meio das atividades de exploração dos materiais da sala, momento em que o professor observa, anota e, posterior-mente, organiza atividades com um maior nível de complexidade e que geral-mente se desenvolverão em torno de um eixo temático.

Para ficar mais claro, dou um exemplo de um projeto para bebês. Ele foi desen-volvido para crianças de 1 a 2 anos de idade, em uma escola infantil da cidade de Barcelona, na Espanha, por ocasião das Olimpíadas, descrito no texto já citado de Barbosa e Horn. O nome do projeto é: “Aprendendo a mover-se no mundo”.

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O trabalho com projetos

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O projeto está voltado para o desenvolvimento motor e espacial das crianças e pretende que elas realizem atividades em três diferentes espaços: na terra, no ar e na água.

Assim, organiza-se o espaço para que as crianças possam se deslocar na terra:

rolando no tapete; �

rastejando no colchonete; �

andando de quatro” com almofadas; �

escalando rampas de madeira; �

passando pelo túnel: de pano, de espuma, de caixas de papelão; �

subindo e descendo escadas; �

descendo pelo escorregador; �

empurrando caixas e objetos; �

deslizando sobre um cobertor. �

Possam também deslocar-se pelo ar:

saltando; �

pendurando-se na barra; �

virando cambalhotas. �

E desenvolvam atividades na água, sabendo:

mergulhar; �

flutuar; �

saltar. �

Agora, vamos apresentar um outro exemplo de projeto, realizado com um grupo de crianças de 4 e 5 anos na pré-escola Ada Gobetti na cidade de Reggio Emilia, na Itália. Esse projeto está descrito no texto “O que podemos aprender com Reggio Emilia?”, de Lílian Katz (1999). Foi assumido um extenso estudo sobre um supermercado cooperativo excepcionalmente grande naquela comunida-de. Nós sabemos que um estudo de um mercadinho ou quitanda é um assunto

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popular em muitas creches e pré-escolas. Porém, algumas características desse projeto são especiais e merecem ser descritas e comentadas. Primeiramente, as crianças realizaram várias visitas ao mercado, foram inclusive em um dia em que este estava fechado. Observem o que as crianças comentaram após essa visita ao supermercado fechado:

“Ele é tão grande quanto uma floresta.”

“A gente pode se perder dentro dele, como na Via Emilia.”

“É grande como a baleia de Pinóquio.”

“Parece uma piscina.”

“O homem no supermercado divide as coisas pela metade, metade em uma prateleira e metade na outra.”

Assim, as crianças tiveram a oportunidade de observar com atenção as dife-rentes características do local visitado (pesquisado), desenhar muitos dos obje-tos e elementos que as impressionaram e andar pelos vários corredores, olhan-do qualquer coisa interessante no ambiente. Após a visita, elas foram capazes de realizar desenhos detalhados do supermercado: as fileiras de cestos, as caixas registradoras, consumidores com ou sem cestos, com ou sem crianças ao lado, balcões, e assim por diante.

Entretanto, os desenhos têm pouco significado sem a documentação feita pelos professores daquilo que as crianças observaram, viveram e disseram sobre o supermercado. Os professores gravaram os comentários e as discussões das crian-ças e esse material ofereceu a eles possibilidade de conhecerem os níveis de en-tendimento das crianças e seus enganos de percepção sobre os fatos cotidianos.

Vamos observar os comentários que as crianças fizeram sobre o supermerca-do, a partir da seguinte pergunta: O que você gosta de fazer no supermercado?

Empurrar o carrinho. �

Tocar nas mercadorias. �

Subir nas prateleiras. �

Correr para lá e para cá. �

Fazer perguntas a todo mundo. �

Comer pedaços de queijo. �

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O trabalho com projetos

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Saber o que está atrás das portas fechadas. �

Comprar de tudo. �

Olhar-me no espelho. �

Num outro dia, as crianças voltaram ao supermercado para comprar, prestan-do a devida atenção à preparação da lista de compras, pagando suas compras, recebendo o troco e, então, usando os itens para a preparação da comida, ao re-tornarem à escola. Algumas crianças entrevistaram o gerente e fizeram inúmeras perguntas sobre o que significa ser o “chefe”.

Vejam quais foram os comentários das crianças relacionados ao gerente.

Questões sobre o gerente

Quem é o gerente? �

“Ele é aquele que dá o dinheiro para alguém.”

“Ele é um presidente.”

“Ele é aquele que fica vigiando para ver se alguém rouba o dinheiro.”

“Ele levanta-se cedo de manhã, abre as portas e organiza tudo.”

Questões ao gerente

“Você é um chefe?”

“Quantas pessoas você dirige?”

“Como você se tornou um gerente?”

“Você ganha mais dinheiro que os outros?”

As crianças também entregaram ao gerente sua “lista de solicitações”, refletin-do suas opiniões sobre o que deveria ser acrescentado ao supermercado: uma sala para assistir televisão, sanitários confortáveis, um playground, um local para brincar com bonecas etc. Além disso, muitas crianças elaboraram suas próprias criações de pacotes de cereais, biscoitos, caixas de detergentes e similares. Elas também construíram um mercado na sala de aula e encenaram com prazer várias situações, incluindo o que observaram sobre os objetos, as pessoas, e sobre os acontecimentos no supermercado real.

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Um projeto sobre o supermercado local nos parece um assunto muito comum. Por que um professor escolheria tal item? Por que não foi escolhido estudar uma experiência bem diferente da que a criança está acostumada a viver? Isso não ajudaria a estimular o interesse infantil?

A resposta é que quando o assunto de um projeto é muito familiar às crian-ças, permite que elas contribuam no seu desenvolvimento, no sentido de sugerir questões e linhas de investigação, além de possibilitar que as crianças assumam maior responsabilidade pelo encaminhamento e orientação que o projeto terá.

Já se o tópico de um projeto é muito diferente e está fora de sua experiên-cia direta, elas acabam por depender do professor para a maioria das questões, ideias, informações, reflexões e planejamentos. As crianças pequenas dependem dos adultos em muitos aspectos de suas vidas e de suas experiências de apren-dizagem; entretanto, o trabalho com projetos é a parte do currículo na qual os interesses, ideias, preferências e escolhas das crianças são privilegiadas.

Uma lição que devemos aprender é que até as crianças pequenas

[...] podem comunicar suas ideias, seus sentimentos, seu entendimento, sua imaginação e suas observações por meio da representação visual [...] As representações impressionantes que as crianças criam podem servir como base para hipóteses, discussões e argumentos, levando a observações adicionais e a representações novas. (KATZ, 1999, p.43)

Através do trabalho com projetos, podemos ver como a criança pode se en-volver de diferentes maneiras na busca de uma compreensão mais profunda de tudo aquilo que está à sua volta.

Vamos continuar a nossa aula conhecendo mais um exemplo de projeto que também se encontra descrito no livro As Cem Linguagens da Criança. Esse proje-to foi chamado de “A multidão” e foi realizado na Pré-escola Diana, em Reggio Emilia, Itália. Ele foi documentado por Vea Vecchi e supervisionado por Loris Ma-laguzzi – grande educador italiano que idealizou o conhecido trabalho desen-volvido em Reggio Emilia.

Trata-se de um projeto realizado com crianças de 4 a 5 anos e que, diferente-mente do que estamos acostumados, teve início no final de um ano escolar. Na Itália, os professores costumam permanecer com a mesma turma durante o ciclo escolar (no caso, pré-escola é de 3 a 5 anos de idade). Assim, as férias de verão, que são as mais longas, representam uma interrupção, mas os professores pro-curam encontrar formas de manter vivo o interesse das crianças em aprender. Para esse projeto, eles propuseram para os alunos que guardassem recordações e fragmentos da experiência que teriam durante as férias. Essa ideia também foi

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apresentada e discutida com os pais das crianças que concordaram em organizar uma pequena caixa que seria levada junto com a família na viagem de férias a fim de que as crianças pudessem guardar objetos, ou pequenos tesouros, como uma pedrinha da montanha, uma concha da praia etc.

Ao retornarem para a escola, os professores pensavam que iriam ouvir histó-rias sobre as aventuras ocorridas na praia ou nas montanhas, ou sobre peque-nos, mas significativos momentos que envolviam barcos e ondas, porém, em vez disso, as crianças naquela classe trouxeram uma perspectiva muito diferente.

Como as crianças conseguiam expressar-se com entusiasmo e os professores foram capazes de fazer as perguntas corretas, houve a oportunidade de iniciar uma proposta de aprendizagem diferente do que se esperava. O que aconte-ceu foi mais ou menos assim: um menino disse, ao compartilhar sua experiência que, “às vezes íamos ao píer. Caminhávamos por uma rua comprida estreita, com lojas grudadas umas às outras, e onde fica abarrotado de pessoas à noite. Algu-mas pessoas sobem a rua, outras descem. A gente não consegue ver nada, só consegue ver uma multidão de pernas, braços e cabeças”.

Os professores, atentos à possibilidade de captar o novo, perceberam a pala-vra multidão e perguntaram às outras crianças o que significava para elas. Atra-vés dessa intervenção, foi possível descobrir que essa palavra se revelou incrivel-mente rica nos significados que continha para as crianças. E os professores viram ainda que a turma demonstrava uma excitação incomum com esse trabalho. Vejamos o que algumas crianças disseram:

“É uma sacola cheia de pessoas amontoadas dentro.”

“É um monte de pessoas todas grudadas e perto umas das outras.”

“Existem pessoas que saltam sobre você e o empurram.”

“É como um lugar congestionado, quando é um feriado.”

“Existem montes de pessoas que estão indo ver uma partida de futebol. E só tem homens mesmo.”

“É um monte de pessoas todas amontoadas juntas como quando elas vão para pagar impostos.”

Depois da discussão em grupo, os professores pediram que as crianças dese-nhassem seus pensamentos e palavras sobre a multidão. Quando eles viram os desenhos das crianças, descobriram que o nível de representação dos desenhos

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era inferior ao nível das descrições verbais. Assim, decidiram deixar o projeto de lado por alguns dias, e passaram a pensar sobre algumas questões por exemplo, porque isso acontecia com as crianças, como eles poderiam ajudá-las a integrar suas diferentes linguagens simbólicas, o que fazer para que as crianças se cons-cientizem de seu próprio processo de aprendizagem. Decidiram, assim, ler em voz alta os comentários anteriores que as próprias crianças haviam feito (os professores costumam gravar as discussões das crianças e, posteriormente, transcrevem suas ideias) enquanto elas olhavam os desenhos. As crianças fizeram novos desenhos e, dessa vez, a professora observou um avanço com relação ao vocabulário delas, sendo que também as imagens tornaram-se mais elaboradas e detalhadas. Por exemplo: uma menina, recordando quanto à palavra multidão, disse: “Ela vai para a esquerda, para a direita, para a frente, e quando eles esquecem algo, eles voltam”. Em seguida, a menina percebeu que suas afirmações não combinavam com seus desenhos, já que as figuras no papel estavam todas voltadas para a frente. Sentiu--se incomodada e rapidamente deu a seguinte explicação: no desenho, ela havia mostrado apenas um pedaço da multidão, com pessoas que não esque ciam nada, e que por isso elas estavam todas caminhando para a frente. Um outro menino re-velou que em seu desenho todos olhavam para a frente, menos um cachorro que estava de perfil e admitiu que só sabia desenhar cães desse modo. Outra criança também falou sobre sua preocupação com seu desenho, explicando que, se as pessoas continuassem caminhando para a frente, conforme ele havia desenhado, elas acabariam se chocando contra a parede.

Surgiu, nesse momento, um grande desejo das crianças em aprender mais sobre como desenhar pessoas de costas e de perfil. Coube então à professora a tarefa de auxiliar, permitir que as crianças tivessem a oportunidade de realizar essa vontade. Assim, ela pediu que uma menina ficasse de pé no meio da sala, cercada por pequenos grupos de crianças colocadas em diferentes perspectivas, onde podiam observá-la, descrever seu corpo e posição e desenhá-la a partir de quatro ângulos: de frente, de costas, vista pela direita e pela esquerda. Dessa forma, as crianças puderam aprender muito sobre o conceito de perspectiva.

É típico, nos trabalhos de projetos, a professora sair da escola com as crianças. Por isso, todos foram ao centro da cidade observar e fotografar as pessoas se mo-vimentando e tornando-se também “multidão”. Posteriormente, elas analisaram as fotografias, e então, fizeram mais desenhos. A criança que só sabia desenhar seu cão de perfil trouxe orgulhosa o desenho de crianças também de perfil.

O trabalho do projeto continuou com outras atividades que envolviam re-corte, colagem, reduções de desenho por meio da fotocopiadora, confecções

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de ma rionetes, esculturas em argila, dramatizações e outras mais. E acabaram concluindo sua exploração com um projeto coletivo no qual sobrepuseram em uma caixa muitas de suas figuras para criarem uma multidão, exatamente como a colega dissera, “que vai para a esquerda, para a direita, para a frente e então, quando esquecem algo, elas voltam”.

Por meio desses exemplos, acredito ser possível compreendermos o quanto as crianças são capazes de questionar, de criar, de encontrar soluções. O trabalho com projetos permite o envolvimento conjunto de crianças e adultos, um com-partilhar de conhecimentos e de descobertas.

Texto complementar

Uma abordagem multissimbólica ao ensino(EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999, p. 306-309)

A abordagem ao ensino, em Reggio Emilia, é uma grande parte do que torna o programa tão único e interessante. Partindo do manuscrito como um todo, abstraímos uma lista de princípios ou diretrizes de ensino. Esse conjun-to não é final ou exaustivo; esses itens são o melhor, em termos de resumo, que podemos oferecer no momento. Dividimos esses princípios em seis ca-tegorias. Uma vez que foram plenamente descritos no livro, aqui serão sim-plesmente listados de um modo abre viado. Por favor, considere esta seção como um resumo de muitas das ideias cruciais do livro, assim como um con-junto de lembretes para o professor, em sua prática.

Preparação do projetoPense em termos de “reconhecimento”, em vez de “planejamento”. �

Use pequenos grupos de duas a seis crianças no trabalho em projetos. �

Dê liberdade a temas distantes da experiência cotidiana. �

Desafie as crianças a fazerem algo grande ou complicado. �

Não evite temas emocionalmente carregados. �

Apresente o projeto como uma necessidade a ser exibida e comentada. �

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Esteja preparado para qualquer coisa, debatendo as possibilidades. �

Preveja de que maneira o conteúdo acadêmico pode surgir natural- �mente.

Estratégias de representaçãoPeça que as crianças copiem representações de adultos, como mapas. �

Deixe que as crianças façam desenhos transmodais, como desenhos �de sons e sentimentos.

Mostre às crianças fotos tiradas enquanto trabalham; estimule a reflexão. �

Use os primeiros desenhos como uma referência para melhorar repre- �sentações posteriores.

Encoraje as crianças a fazerem seus primeiros esboços de modo casual �e rápido.

Use os desenhos das crianças para esclarecer suas teorias ingênuas. �

Faça fotocópias dos ícones das crianças e os use em muitos contextos. �

Substitua as notações padronizadas por símbolos inventados pelas �crianças.

Peça que as crianças inventem notações e sintaxe, por exemplo, para �representarem pegadas.

Use um domínio simbólico para pressionar e desafiar um outro domínio. �

Integre desenhos a partir tanto da observação quanto da imaginação. �

Desenhe o mesmo objeto ou sistema a partir de diferentes perspectivas. �

Represente o mesmo objeto ao longo do tempo, por exemplo, som- �bras que se alongam, plantas que crescem.

Dinâmica de grupoUtilize, no nível adulto, os tipos de participação democrática, de apren- �dizagem cooperativa e de resolução de conflitos que está tentando ensinar às crianças.

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O trabalho com projetos

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Permita que as crianças comparem e critiquem o trabalho umas das �outras.

Ajude a transformar diferenças de opinião em oportunidades para a �solução de problemas.

Deixe que o sistema de relações do grupo seja um meio educacional. �

Experimente pequenos grupos com número variável de membros no �trabalho em projetos.

Seja sensível às diferenças de gênero nos estilos de solução de pro- �blemas.

Confie nas crianças para debaterem entre si até o fim. �

Use o senso de “nós” para melhorar a dinâmica social do projeto. �

Use o construtivismo social, apoiando o conflito construtivo. �

Faça uso do interesse das crianças por regras como um meio educa- �cional.

Faça com que o projeto culmine em um evento para a comunidade �como um todo.

Estratégias didáticasProporcione situações que desafiem as crianças intelectual e emocio- �nalmente.

Sirva como escriba das crianças: escreva o que elas ditam. �

Ofereça réplicas em miniatura para apoiar o discurso das crianças. �

Deixe as crianças falarem sobre que representação comunica melhor. �

Deixe que as crianças selecionem e discutam que materiais funcionam �melhor.

Ensine habilidades técnicas diretamente, por exemplo, quando traba- �lhando com argila.

Comente sobre o trabalho, em vez de comentar sobre o nível de habi- �lidade das crianças.

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Desvie-se da falta de habilidades técnicas das crianças e vá diretamen- �te a seu pensamento, por exemplo, usando fotocópias.

Combine objetos e materiais de formas inesperadas, por exemplo, tra- �ga o que pertence à rua para dentro da escola e o que geralmente está dentro da escola para a rua.

Aprenda com as crianças enquanto elas tentam aprender com você. �

Deixe que as crianças sigam um ritmo lento, sem apressá-las. �

Objetivos cognitivosEncoraje as crianças a pensarem sobre aquilo que algo não é. �

Encoraje as crianças a pensarem acerca do que algo poderia ser. �

Encoraje as crianças a pensarem sobre relações recíprocas. �

Ajude as crianças a reemoldurarem o mundano e o comum. �

Saliente o conhecimento em profundidade de sistemas completos. �

Permita que as crianças discutam a natureza incompleta de seu trabalho. �

Interpretação do trabalho das criançasDocumente, documente, documente! �

Compartilhe sua documentação com os pais, com as crianças, com os �colegas e com o público.

Assuma a perspectiva de um pesquisador. �

Encontre nas anotações de ontem problemas que podem ser apresen- �tados hoje.

Reveja transcrições e fotos das crianças na presença delas. �

Encoraje as crianças para que trabalhem e retrabalhem uma represen- �tação.

Trate todas as respostas como produtos de uma lógica a ser compre- �endida.

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O trabalho com projetos

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Dica de estudoUma boa dica de estudo para essa aula é a leitura da revista Zero-a-Seis, pu-

blicada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação na Pequena Infância (Nupein) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A revista divulga atividades de estudo e pesquisa da Educação Infantil não só produzidos por professores e alunos da UFSC, como também aceita colaborações de autores de outras instituições.

Atividades1. O que significa trabalhar com projetos?

2. Escreva alguns dos objetivos do trabalho com projetos.

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A entrada da criança em uma instituição educacional é um momento mar-cante e, por isso, vamos falar agora sobre a inserção da criança na creche.

Imagino que vocês já devem estar se perguntando por que estou usando esta palavra, inserção. Sei que o mais comum mesmo é usarmos o termo adaptação. Mas, eu, assim como alguns educadores, não gosto muito da palavra adaptação. Sabem por quê? Porque adaptação quer dizer acomo-dação, ajustamento, ou seja, a aceitação, a submissão a uma determinada situação. Educação não combina com submissão e, por isso, prefiro falar em inserção, ou seja, a criança vai se inserir em uma instituição educativa.

Vamos iniciar falando sobre a separação.

É importante pensarmos que este momento de entrada da criança na creche ou na pré-escola é, geralmente, a sua primeira experiência em termos de separação da família. Ela vai conviver com pessoas – crianças e adultos – até então totalmente estranhas para ela, terá que saber compartilhar os materiais e o espaço, e irá aprender o que se faz nesse novo ambiente.

Analisando pela perspectiva dos pais, precisamos pensar que, para eles, a ida da criança para a creche é, na maioria das vezes, uma decisão difícil, acompanhada de vários conflitos. Em geral, há a necessidade do pai e da mãe trabalharem fora e não poderem mais contar com o apoio dos avós, mas eles ainda se sentem inseguros com relação a matricular seu filho em uma instituição de Educação Infantil. Infelizmente, existe ainda a crença de que o ideal e o “normal” para a criança é que ela seja cuidada pela mãe. Esse pensamento, por vezes dominante, contribui para dificultar a separa-ção dos pais com a criança.

Sabemos que, nos últimos anos, a pedagogia da creche vem sendo re-vista e a questão da inserção da criança vem tendo papel de destaque. Assim, as propostas educacionais vêm incluindo a inserção gradual da criança, respeitando as suas exigências e a de seus pais, e também per-mitindo que o professor conheça individualmente as novas crianças que ingressam na creche.

A inserção da criança na creche

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Podemos dizer que a inserção de uma criança pequena em uma instituição, como a creche ou a pré-escola, é um fato delicado por três motivos:

existe uma dificuldade objetiva na separação entre pais e criança, e a am- �bientação em um novo contexto exige tempo e modo adequados;

confiar uma criança à creche não é ainda considerado um fato “natural”, e �é visto quase sempre, inicialmente, como uma solução para uma necessi-dade. Ainda existe pouca informação sobre a realidade da creche e sobre seu funcionamento interno. Muitas pessoas ainda pensam que a criança poderá ser privada de momentos afetivos importantes para o seu desen-volvimento. E isso, já sabemos, é consequência do fato da creche ter nas-cido como uma solução assistencialista e porque a opinião pública ainda não conseguiu mudar totalmente essa imagem;

muitas mulheres, nessa situação, vivem ainda com sentimento de culpa �de terem que deixar seu filho em uma creche, ficando sujeitas a pressões psicológicas por parte da família ou da sociedade.

Bem, diante desse quadro, pergunto: será que esta separação afeta só a criança? Na verdade, a quem atinge esta separação?

Afeta a criança, mas também toda a família. A reação da criança é sempre mais evidente, mas os pais – e às vezes até outros membros da família – sofrem muito durante a inserção da criança. Além de todo o envolvimento afetivo- -emo cional, há ainda a necessidade de reestruturação do cotidiano familiar, pois novos horários e mudanças nos hábitos irão ocorrer. Por isso, é importante con-siderarmos que a criança terá que demonstrar uma grande capacidade de acei-tação do novo ambiente, mas a família, assim como os profissionais que atuam na creche, também serão afetados pelos processos de inserção das crianças.

Mas por que a separação entre mãe e filho é ainda vista como um momen-to de sofrimento? No texto “A inserção”, de Susana Mantovani e Nice Terzi (In: BONDIOLI; MANTOVANI, 1998) explica-se que temos que ficar atentos para não confundir sofrimento, trauma, com um certo “cansaço” de crescer, de enfrentar as novidades. É bom lembrarmos que um certo nível de frustração às vezes é necessário ao crescimento. Winnicott, psicólogo americano, dizia que a criança precisava de uma mãe “suficientemente boa”, ou seja, que uma mãe não precisa ser perfeita, e que é saudável que ela produza algumas frustrações, ou então, a criança nunca conseguirá separar-se dela. Uma mãe que comete erros e que está consciente de seu caráter humano é, provavelmente, uma mãe mais tolerante com as imperfeições de seu filho.

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Agora vamos ver como costumam ser as reações da criança e da família no momento da inserção.

Maria Clotilde Rosseti-Ferreira, Telma Vitória e Liliane Goulardins (1998) comen-tam em seu texto “Quando a criança começa a frequentar a creche ou pré-escola” que, apesar de existirem diferenças individuais, é comum os bebês, a partir dos seis ou oito meses, estranharem pessoas diferentes do seu convívio e, assim, cho-rarem protestando quando são separados daqueles que conhecem. O mesmo acaba acontecendo com as crianças um pouco maiores que também costumam reagir com protestos à separação. Porém, a partir dos dois ou três anos de idade, a criança, em geral, já tem possibilidades de compreender melhor a situação, além de demonstrar um maior interesse no envolvimento de brincadeiras com outras crianças. Devemos compreender que as crian ças, e em especial, as menores, ainda não se expressam bem verbalmente e, por isso, manifestam seus sentimentos por meio do corpo. É comum, portanto, que além de chorar elas possam adoecer, recusar alimentos, dormir demais, irritar-se etc. Não se trata de um problema de saúde, é apenas a sua maneira de expressar o que está sentindo.

Os pais, no entanto, ao observarem essas reações (choro, falta de apetite etc.), demonstram preocupação. É comum eles fazerem perguntas como: “Minha filha chorou muito depois que eu saí?”, “Ela dormiu bem hoje?”, “Meu filho comeu?”, “Ele estava alegre?”, “Participou das atividades propostas?”. Essas perguntas de-monstram preocupações importantes, e as respostas devem corresponder à ver-dade. É claro que é fundamental que o professor explique aos pais que esses comportamentos são formas muito comuns que a criança encontra para reagir frente às novas situações. Por isso, eles não devem se preocupar caso a criança não esteja agindo da sua maneira normal, natural.

Sem dúvida, o período de inserção da criança na creche ou na pré-escola é muito especial. Rosseti-Ferreira, Vitória e Goulardins (1998) observaram que para cada criança e cada família esse processo vai ocorrer de uma forma diferente. Sabe-se que as pessoas ficam mais sensíveis nesta época e que essa sensibili-dade deixa as pessoas mais atentas aos pequenos fatos que acontecem: sejam comentários, gestos etc. E é exatamente essa sensibilidade que pode facilitar ou dificultar as relações entre as pessoas. Facilitará se permitir que fiquem mais flexíveis, mais abertas para ouvir o que os outros têm a dizer. Porém, vai dificultar se a sensibilidade deixá-las muito ansiosas ou nervosas. Assim, é de grande valor que as instituições de Educação Infantil tenham sempre em suas equipes pesso-as disponíveis para conversar, orientar, ouvir as “histórias”, dar o seu apoio, seja a uma criança, alguém da família ou até mesmo a um professor.

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Mas afinal, como propiciar a inserção?

Às vezes, a direção da instituição acha que o melhor é fazer um corte só, ou seja, não permitir que a família acompanhe a criança e fique com ela na sala. Assim, mesmo com choro e com gritos, o melhor é romper de uma só vez. Essa forma pode evitar alguns conflitos com os familiares, mas é inadequada com relação à integração da criança, pois deixa-se de discutir com a família aspectos importantes na educação da criança.

O ideal é que a creche ou a pré-escola ofereça para as famílias um sistema gradativo de inserção para cada criança. Assim, se for possível para os pais, a criança, durante os primeiros dias, ficará na creche apenas algumas horas e gra-dativamente este tempo vai sendo aumentado até chegar àquilo que os pais desejam. Trata-se, assim, da organização de um planejamento de ingresso na instituição: pode ser definido um calendário com os professores e com a família, tomando-se o cuidado de não agrupar em uma mesma turma várias crianças em períodos de inserção. Suponhamos que em uma determinada classe ingres-sem oito novas crianças. Pode-se fazer um planejamento para que a cada dia a professora receba apenas uma ou duas no turno da manhã, e outras duas crian-ças no turno da tarde. No dia seguinte, pode-se receber mais duas e assim por diante. Dessa forma, é possível para a professora dar uma maior atenção àquelas crianças que estão ingressando na instituição.

É difícil sabermos quanto tempo vai durar esse período delicado, em que todos os envolvidos – criança, família e professor – estão se conhecendo. Mas é certo que se trata de uma fase, na qual é fundamental que os pais possam ficar junto aos seus filhos, na sala, até que estes adquiram um pouco de confiança no novo ambiente.

No entanto, parece aceitável a ideia de que não se deve mentir para a criança, dizendo que os pais ficarão esperando do lado de fora, quando, na verdade, vão embora. Os professores também não devem aceitar essa atitude dos pais. A crian-ça precisa saber que seu pai e/ou a sua mãe necessita trabalhar, mas que voltará mais tarde para apanhá-la. A criança, certamente, não aceitará essa explicação e protestará, mas é melhor que saiba a verdade, expresse os seus sentimentos e descubra com o tempo que os pais não estão enganando-a, pois voltam todos os dias para buscá-la.

Precisamos entender também que nem todos os pais têm disponibilidade de tempo, alguns não conseguem liberação do trabalho. Dessa forma, podemos pensar em uma solução alternativa: chamar o irmão mais velho ou alguma outra

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pessoa na qual a criança confie (tia, avó, avô, babá). O importante é que se esta-beleça esse elo entre a família e a creche.

Por isso, pais, mães e familiares devem ter o direito de circular nas depen-dências da creche, recebendo todas as informações necessárias sobre a rotina ali desenvolvida. Precisamos entender que, para muitos pais, independente da sua situação socioeconômica, esse é um momento muito difícil e só vão ficar tranquilos quando confiarem totalmente na instituição. Mas essa confiança não acontece de um dia para o outro. Por isso, nós, professores, precisamos ter matu-ridade profissional suficiente para compreender e auxiliar nesse processo.

Devemos pensar ainda na relação que se está iniciando entre o professor e a criança. Aos poucos, vai havendo uma aproximação. O importante é não exa-gerarmos no carinho, para não parecer um sentimento falso, respeitando o jeito de ser de cada criança. Para ajudar nesse processo de conhecimento, é interes-sante que o professor saiba de algumas particularidades da vida da criança, por exemplo, de que histórias ela mais gosta, qual é o seu alimento preferido, se tem algum bichinho de estimação etc. Também é importante que seja permitido que a criança traga para a creche/pré-escola alguns objetos de sua preferência, como brinquedos, chupeta, mochila, lancheira etc.

De uma forma gradual, a criança vai se acostumando com o novo ambiente, os novos horários e as diferentes relações de amizade e convivência. Mas o que não podemos deixar de considerar é que a creche precisa ser sempre fonte de prazer.

Vale ainda lembrar que a instituição de Educação Infantil é diferente do am-biente familiar. Escola não é casa, assim como a professora não é uma segunda mãe. Essa comparação é feita com grande frequência, e existem até nomes de creches que procuram expressar esses sentimentos, tais como: Casinha da Vovó ou Carinho da Mamãe. Sabemos bem que a professora não irá dar carinho igual ao da mãe, nem ao da avó, e que o ambiente da creche também não vai ser igual ao da família, nem pretende ser, não é mesmo? Portanto, é preciso tomar cuidado para que, nesse momento de inserção da criança, não se faça essa com-paração, ou melhor, esse é o momento certo para deixar clara a distinção que existe entre casa e creche, sendo que um período de inserção bem conduzido possibilita que pais e professores estabeleçam uma relação de confiança e de respeito mútuo.

E, para finalizar, trago um exemplo de uma proposta metodológica de inser-ção da criança na creche, descrita por Nadia Bulgarelli e Laura Restuccia Saitta (1981), no livro Comunicazione Interpersonale e Inserimento del Bambino all’Asilo

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Nido, ainda não traduzido para o português, mas que significa “Comunicação Interpessoal e Inserção da Criança à Creche”.

Pressupostos teóricosA inserção na creche é vista como uma experiência que “separa aquilo que �era unido e une aquilo que era separado”.

A inserção é o início de uma relação a três: criança-pais-professores. �

A creche é um universo de comunicação interpessoal onde o comporta- �mento de cada pessoa influencia e é influenciado pelo comportamento de outra pessoa.

A comunicação é considerada fundamental na relação educativa. �

Objetivos de uma boa inserçãoEm relação às crianças:

favorecer um distanciamento gradual do objeto de apego, ou seja, a famí- �lia ou a casa;

favorecer o conhecimento do novo ambiente por meio da presença e da �mediação dos pais;

favorecer o estabelecimento de relações com os professores e com �os colegas;

favorecer a exploração do ambiente-creche e a curiosidade pelos jogos e �brinquedos.

Em relação aos pais:

favorecer um distanciamento gradual do filho; �

favorecer o conhecimento do novo ambiente, da organização do dia e da �metodologia pedagógica;

favorecer um relacionamento de colaboração e não de rivalidade com �os professores.

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A inserção da criança na creche

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Em relação aos professores:

favorecer o conhecimento, por meio da observação, de cada criança na �sua relação com os seus pais;

favorecer gradualmente a mudança de interesse das crianças – dos pais �para si mesmas e para os seus colegas;

favorecer um relacionamento de colaboração e não de rivalidade com �os pais.

Estratégias (apresentadas segundo ordem cronológica em que são realizadas)

Reunião geral – acontece antes do início da inserção da criança e é realiza- �da com os pais. Nessa reunião, apresenta-se como é organizada a creche e o que as crianças fazem durante o dia. Sugere-se a utilização de slides ou filmes, já que esse material facilita muito a compreensão dos pais sobre o funcionamento da creche.

Entrevista não diretiva – também acontece antes da inserção da criança na �creche, é realizada com o pai e com a mãe e é conduzida por um ou dois educadores, seguindo a técnica de Carl Rogers.

Questionário – para obter da família dados particulares sobre a história e �os hábitos da criança.

A inserção – conduzida através das seguintes estratégias: �

efetivada em pequenos grupos de crianças; �

com a presença do pai ou da mãe (essa presença deve ser solicitada �como regra e não deixada ao desejo de cada família);

para os professores, é solicitado, principalmente, observar as dinâmi- �cas que se estabelecem entre pais e filhos;

presença de jogos e brinquedos que terão dupla função: dar conforto �emocional às crianças (bonecas, bichinhos de pelúcia, brinquedos ma-cios etc.) e atrair o interesse e a curiosidade das crianças.

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O trabalho coletivo dos profissionaisDefinir coletivamente a proposta metodológica que será seguida para a �inserção da criança na creche, ou seja, definir os pressupostos teóricos, os objetivos e as estratégias.

Individualizar uma metodologia de trabalho comum a todos os profissionais. �

Avaliar a metodologia seguida, analisando cada item planejado. �

Texto complementar

A entrevista com os pais antes da inserção(BORGHI; GUERRA, 1992, p.101-103)

Primeira fase: a preparaçãoA entrevista deve articular-se entre os seguintes pontos:

Os objetivos da entrevista �

manifestação do desejo de favorecer uma boa inserção a todas as �crianças;

disponibilidade e interesse em conhecer as expectativas da família �com relação à creche;

manifestação da necessidade de preparar bem cada situação para �que haja uma boa inserção da criança.

Os objetivos da inserção �

apresentação dos problemas relativos à inserção; �

apresentação das formas possíveis de organização para o distan- �ciamento da criança com relação à família, e consequentemente, a sua inserção na creche.

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Os objetivos da creche �

explicitação das expectativas que os pais nutrem com relação à �creche;

apresentação dos objetivos educativos e formativos deste serviço. �

Segunda fase: a entrevistaInformações sobre a criança e sua família �

que coisas a criança sabe fazer em casa; que coisas lhe agradam �mais; os jogos/brincadeiras que mais gosta;

quais são as pessoas a quem ela é mais apegada; quais são as divi- �sões de tarefas, em família, com relação aos cuidados com a criança;

quais são as experiências mais significativas desenvolvidas com a �criança em família; quais são os objetos da casa que mais a inte-ressam;

episódios particulares. �

A organização de um dia típico da família, da mãe e da criança �

breve descrição de um dia típico da criança, da mãe e do pai; �

quem fica mais tempo com a criança; para que coisas a criança se �volta à mãe e para quais ao pai;

o que a criança mais gosta de fazer com o pai, com a mãe, com �outra pessoa;

o que poderia eventualmente mudar. �

O relacionamento social da criança �

quais são as pessoas de referência da criança; �

que outras crianças ela conhece e costuma conviver; �

que outras pessoas ela conhece fora da família. �

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As pessoas de referência dos adultos �

em caso de necessidade, com quem seriam discutidos eventuais �problemas com relação à criança (pais, amigos, pediatra etc.).

As expectativas com relação à creche �

o que a creche faz e o que é útil para a criança; �

o que a creche deveria fazer e que seria útil para a criança; �

o que a creche não deveria fazer; �

como os pais julgam que será a inserção da criança; quais serão as �suas reações;

quais comportamentos deverá adotar o educador para melhorar o �acolhimento e a integração da criança.

Terceira fase: o registroSerão anotadas todas as respostas dadas na 2.ª fase da entrevista.

Dica de estudoCaso você queira conhecer mais sobre o processo de inserção da criança na

educação infantil, recomendo a leitura do trabalho “Adaptação Escolar no Con-texto da Educação Infantil: o desafio de uma nova realidade”, de Luciana Agos-tinho Rizo. Cadernos Camilliani: Cachoeiro do Itapemirim, v. 1, n. 1, p. 92-102, dez., 2000. O resumo pode ser encontrando no site <www.inep.gov.br/pesquisa/bbe-online/det.asp?cod=52979&type=P>.

No site <http://br.guiainfantil.com/home.html> você pode encontrar uma área específica do tema “adaptação escolar”. Vale a pena dar uma olhada.

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Atividades1. Por que a autora utilizou a palavra “inserção” e não “adaptação”?

2. Como propiciar a inserção da criança na creche/pré-escola?

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Infância e brincar são termos muito próximos nos seus sentidos mais amplos. As crianças sempre brincaram. Desde épocas mais antigas, as crianças procuram conhecer o mundo por meio de adivinhas, faz de conta, jogos com bolas, rodas, cordas e bonecos.

Podemos observar nas artes em geral que várias gerações deixaram re-gistrados diferentes aspectos da vida cotidiana, nas quais se vê a presença dos jogos, das brincadeiras e dos brinquedos. Existem muitos jogos tradi-cionais, como a amarelinha, em que as regras podem variar ao longo do tempo, mas os princípios do jogo permanecem os mesmos. Alguns desses jogos existem há cem ou até mesmo mil anos.

O que é brincar para a criança?A educadora Vera Lúcia dos Santos (1990), em seu texto “Promovendo

o desenvolvimento do faz de conta na Educação Infantil”, fala que, ao ob-servarmos crianças brincando, ficamos impressionados com a forma como elas são absorvidas por essa atividade. Como não se cansam? De onde vem tanta energia? O que faz com que as crianças, mesmo esgotadas e sem fôlego, continuem a correr para não serem pegas numa brincadeira de “polícia e ladrão”, ou permaneçam escondidas num cantinho, apesar do medo do escuro, num jogo de esconde-esconde?

A resposta é simples: a causa de tamanha entrega e envolvimento por parte das crianças é o prazer e o divertimento que o brincar dá a elas. Assim, podemos dizer que os jogos da criança pequena são fundamentais para o seu desenvolvimento e para a aprendizagem, pois envolvem diver-são e ao mesmo tempo uma postura de seriedade.

Se observarmos as atividades que a criança realiza, veremos que os jogos e as brincadeiras podem estar presentes tanto no dia a dia das cre-ches e pré-escolas quanto na vida doméstica das crianças. Consequente-mente, os professores que souberem trabalhar com os jogos e brincadei-

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ras em seus planejamentos poderão tornar suas propostas de atividades mais adequadas à forma como as crianças pequenas se desenvolvem e aprendem.

A brincadeira é para a criança um espaço de investigação e construção de co-nhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo. Brincar é uma forma de a criança exercitar sua imaginação. A imaginação é uma forma que permite às crianças relacionarem seus interesses e suas necessidades com a realidade de um mundo que pouco conhecem.

A brincadeira é um espaço privilegiado de aprendizagem onde a criança age como se fosse maior do que é na realidade. Ela realiza simbolicamente aquilo que ainda não tem capacidade de fazer.

E agora, pergunto: as crianças brincam de boneca porque vão ser pais e mães? Por que vão ser pais, os meninos podem brincar de bonecas e as meninas de carrinho? Brincando, as crianças estão traçando o seu destino? Não, as crian-ças brincam porque são hoje pessoas que vivem em um mundo onde estas e outras relações estão presentes. Quando ficamos pensando a criança como um projeto, como algo que ainda não é, acabamos procurando explicar suas brinca-deiras pelo seu futuro. Essa preo cupação em justificar as brincadeiras pelo futuro é mais evidente quando se trata de jogos que envolvem a violência. Quando as crianças brincam de matar, geram preocupação nos pais que pensam que seus filhos são cruéis e podem se tornar adultos com instintos violentos. Mas obser-vem que a criança, geralmente, ressuscita quem ela matou, ou troca de posição: “agora quem vai morrer sou eu...”. Portanto, não existe o sentimento de extermí-nio ou de maldade. Podem estar certos de que a violência e os preconceitos para os nossos filhos são aqueles que vivenciamos sem perceber, por meio de gestos e palavras no cotidiano, ou aqueles que permeiam a organização da sociedade em que vivemos e que as crianças percebem com muita nitidez.

A relação entre sentimentos e brincadeirasSabemos que a brincadeira expressa a forma como uma criança reflete, or-

ganiza, desorganiza, constrói, destrói e reconstrói o seu mundo. É também um espaço onde a criança pode expressar, de modo simbólico, suas fantasias, seus desejos, medos, sentimentos agressivos e os conhecimentos que vai construin-do a partir das experiências que vive.

Bruno Bettelheim (1988), em seu livro Uma Vida para seu Filho: pais bons o bas-tante, fala que a brincadeira é uma ponte para a realidade e que nós, adultos, atra-

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vés de uma brincadeira de criança, podemos compreender como ela vê e cons-trói o mundo: quais são as suas preocupações, que problemas ela sente, como ela gostaria que fosse a sua vida. Pela brincadeira, ela expressa o que teria dificuldade de colocar em palavras. Ele diz ainda que a criança escolhe a sua brincadeira de acordo com os seus desejos, problemas e ansiedades. Ou seja, brincar é a sua lin-guagem secreta que devemos respeitar mesmo que não a entendamos.

Nesse mesmo raciocínio, Vera Lúcia dos Santos, no texto citado anteriormen-te, ao classificar os jogos simbólicos, fala do jogo do tipo “liquidação”. É quando a criança busca superar situações desagradáveis. É como se ela zombasse de suas próprias limitações e as enfraquecesse. Sensações de medo, dor ou tensão podem ser superadas ao serem vivenciadas por meio da fantasia. Ela dá o se-guinte exemplo: uma criança de dois anos e meio, impressionada com a história dos três por quinhos que tinha acabado de ouvir, começa a imitar o lobo mau e solicita que a passagem que mais a amedrontou seja repetida novamente.

O desenvolvimento infantil e os jogosEm cada momento do seu processo de desenvolvimento, a criança utiliza-se de

instrumentos diferentes e sempre adequados às suas condições de pensamento: por volta dos três anos de idade, por exemplo, com o desenvolvimento da capa-cidade simbólica do pensamento, o jogo simbólico (mais comumente conhecido como jogo de “faz de conta”), passa a ser a atividade principal da criança.

À medida que ela cresce, as brincadeiras modificam-se, evoluem. Isso fica evi-dente quando observamos crianças de idades diferentes brincando juntas. Em cada estágio de desenvolvimento, os jogos infantis têm características específicas.

A seguir, vamos ver uma abordagem evolutiva dos jogos, baseada em estu-dos realizados por Jean Piaget e apresentada pela professora Vera Lúcia Santos, ainda no texto já citado. Observem que as faixas etárias e as fases não devem ser delimitadas de maneira rígida, pois cada etapa conserva características das etapas anteriores e antecipa outras, de etapas posteriores.

Vamos iniciar vendo os jogos de exercício. Os jogos de exercício, ou também chamados jogos funcionais, têm início aproximadamente aos quatro meses de idade, quando a criança começa a ter uma melhor coordenação da visão e da apreensão. Assim, a criança vai, por meio da sua relação com os objetos, realizar atividades lúdicas. Podemos observar que os bebês gostam de jogos de repetir ações: sacudir um chocalho, balançar objetos pendentes sobre o berço. Assim, os jogos de exercício são a primeira forma de brincadeira da criança.

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Imitar é importantíssimo para o desenvolvimento das atividades do bebê. É por meio da imitação que a criança passa a assimilar o mundo que a rodeia e desen-volve as suas potencialidades expressivas. Mas reparem que, nesta idade, a crian-ça só imita o que está presente, ela não é ainda capaz de imaginar. O bebê gosta de imitar movimentos simples que fazemos para ele, como abrir e fechar a boca emitindo sons, ou brincar de esconde-esconde, quando nos escondemos atrás de uma almofada e logo em seguida aparecemos. Percebam que, aos poucos, a crian-ça tenderá a imitar a nossa atitude, tentando também se esconder e aparecer.

Essas atividades lúdicas não necessitam de qualquer técnica particular, são simples exercícios. À medida que adquire mais mobilidade, a criança amplia seu campo de exploração, pois já pode sentar-se e engatinhar, mantendo-se por mais tempo em uma mesma atividade. Surgem, então, os jogos de manipulação e os jogos de construção, ainda considerados jogos de exercício.

Os jogos de manipulação são praticados a partir do contato da criança com diferentes materiais, movida pelo prazer que a sensação tátil proporciona. Exem-plo: manipular diferentes densidades e texturas, como areia, barro, farinha, água, tecidos etc.

Na mesma categoria dos jogos de exercício, os jogos de construção acontecem quando a criança faz ordenações sobre os objetos. Esses jogos são responsáveis por diferentes e importantes aquisições para o desenvolvimento motor e inte-lectual da criança, tais como a classificação, a seriação, o equilíbrio, as noções de quantidade, tamanho e peso, bem como a discriminação de formas e cores. Exem-plos: amontoar, empilhar, enfileirar, separar, classificar diferentes materiais.

As crianças vão crescendo e a possibilidade de realizar novas brincadeiras vai surgindo, mas elas não deixam de lado os jogos de exercício. Quando observa-mos as brincadeiras das crianças, vemos que essa forma de brincar vai ficando cada vez mais diversificada à medida que crescem.

Existem também os jogos de exercício que envolvem ações mentais, isto é, o pensamento, como acontece nos jogos de combinações de palavras. Vamos ver exemplos conhecidos: “Hoje é domingo pede cachimbo...”, ou “Um, dois, feijão com arroz...”, ou “Lá em cima do piano...” etc. Vocês se lembram de outras parlendas?

Os jogos simbólicos ou “faz de conta”Além dos jogos introduzidos pelo professor, ocorrem muitos outros, “inven-

tados” pelas crianças, frutos de sua imaginação, organizados de acordo com o

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que ela vai aprendendo sobre o seu meio sociocultural. São os jogos simbólicos, também chamados de “faz de conta”. Por meio deles, a criança expressa a sua capacidade de representar dramaticamente.

Como vimos anteriormente, a criança bem pequena só é capaz de imitar um modelo que esteja presente; ela não consegue ainda imaginar, fazer de conta. Mais tarde, passará a imitar modelos ausentes, reproduzindo, assim, modelos imaginados.

Entre 1 ano e meio e 3 anos de idade, a criança começa a imitar suas ações cotidianas e passa a atribuir vida aos objetos. Ela, então, imita a si mesma: finge que está chorando, toma banho de mentirinha etc.; e passa também a se distan-ciar das suas ações quando, por exemplo, faz com que a boneca ou o patinho tenham vida e respondam a seus desejos. É comum vermos uma criança, após ter sido vestida pela mãe, pegar sua boneca e repetir o mesmo ritual, vestindo-a e conversando animadamente com ela, não é?

As primeiras imitações que a criança faz do mundo adulto acontecem por meio da sua observação e normalmente vai imitar modelos que estão próximos a ela, ou seja, os pais, os irmãos, os avós e todas as outras pessoas que façam parte do seu mundo. Ela vai, primeiramente, observar com atenção os gestos e as ações das pessoas e, depois, de uma forma mais simplificada, vai reproduzi-los.

Assim, brincando, a criança cria situações imaginárias em que se comporta como se estivesse agindo no mundo dos adultos. Como vimos acima, a criança vai imaginar realizar coisas que os adultos podem e ela ainda não. Essa atitude é chamada de compensação. Por exemplo, a criança brinca que está dirigindo um automóvel, ou apagando um incêndio, ou cuidando de um doente. E ela fará isso imitando as atitudes que observa nos adultos que realizam essas ações. Irá, inclusive, preocupar-se em reproduzir detalhes, como o barulho do motor do carro, ou da mangueira que apaga o fogo. O que motiva a brincadeira não é o resultado das ações, isto é, transportar-se para um outro lugar, ou salvar a vida de uma outra pessoa, mas o próprio processo da atividade. Assim, a criança aprende agindo “como se fosse” alguma coisa ou alguém específico.

A criança deseja montar em um cavalo, mas não sabe como fazê-lo e ainda não poderia de fato aprender, porque montar a cavalo é algo que está além de sua capacidade. Então ela toma uma vassoura – um objeto do mundo ao qual tem acesso – e a coloca no lugar do cavalo. A criança sabe que a vassoura con-tinua sendo uma vassoura, enquanto brinca de “montar a cavalo”, mas no jogo, embora conserve seu significado, a vassoura adquire um sentido diverso, um sentido lúdico, o sentido de um cavalo.

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Essa atitude da criança de utilizar um objeto querendo simbolizar outro chama-se transposição. A criança age com um determinado objeto (real), mas utiliza-o com uma função (imaginária) diferente da habitual.

Quando uma criança brinca de médico, geralmente reproduz as formas de agir de médicos que já a atenderam ou que atenderam pessoas com as quais convive. A criança reproduz o que é típico, geralmente o que pode ser generali-zado em uma situação. Quando é a mãe num jogo de casinha, a criança, além de construir o espaço para a brincadeira e decidir qual será o enredo da atividade (mãe que vai comprar a comida, ou que vai passear com o filho, ou que vai levá- -lo ao cinema, ou que conta histórias), age como as mães agem em geral nessas situações. Assim, no jogo de “faz de conta”, a criança experimenta diferentes papéis sociais, funções sociais generalizadas a partir da observação do mundo dos adultos.

Dos 4 aos 7 anos, a busca pela aproximação ao real vai caracterizar os jogos simbólicos. A criança desejará imitar de forma mais coerente.

Segundo a professora Vera Lúcia dos Santos, no decorrer da fase do jogo simbó-lico, existem três características fundamentais que evoluem simultaneamente:

1.ª) forte tendência à ordenação. As crianças preocupam-se em ordenar seus jogos, escolhendo objetos de composição das cenas;

2.ª) evidencia-se a intenção de realismo que conduz o jogo para a imitação exata do real. As crianças buscam objetos mais próximos dos objetos reais que funcionem como suporte para suas cenas;

3.ª) a capacidade de organização e o desenvolvimento da imitação acarreta-rão maior diferenciação de papéis, propiciando o surgimento do verda-deiro grupo de jogo.

Os jogos com regrasSabemos que o processo de socialização da criança acelera-se à medida

em que ela vai crescendo e, assim, vai sendo capaz de participar de jogos com regras. Para a realização desses jogos, é necessário que haja cooperação entre os jogadores e isso exige, certamente, um nível de relações sociais mais elevado.

É possível observarmos que os jogos com regras se desenvolvem a partir das brincadeiras simbólicas. Isto é, numa situação imaginária em que várias crianças estão envolvidas e em que cada uma tem um papel que se integra com outras,

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devendo saber se subordinar às regras que regem as funções de cada partici-pante. Um exemplo: quando três ou quatro crianças decidem brincar juntas de “pizzaria”, além de escolherem o lugar onde o jogo acontecerá, elas têm que de-cidir quem será o “fazedor de pizzas”, quem será o “garçom”, se haverá o “dono da pizzaria”, e quem serão os “fregueses”. Essas escolhas é que vão determinar o desenrolar do jogo, e para que o jogo aconteça será necessário que cada partici-pante se submeta às regras de ação relativas a cada função: “o dono da pizzaria contratou o fazedor de pizzas, que entrega a pizza ao garçom, que por sua vez atende o freguês”.

Bem, agora já sabemos que as brincadeiras e os jogos são espaços privile-giados para o desenvolvimento infantil e para a sua aprendizagem. E qual é, então, o papel do professor?

O papel do professorCientes da importância dos jogos e das brincadeiras na Educação Infantil, o

professor deve elaborar propostas de trabalho que incorporem as atividades lúdicas.

Deve, também, propor jogos, brincadeiras. Não há necessidade de o jogo ser espontâneo, idealizado pela criança. “O que faz do jogo um jogo é a liberdade de ação física e mental da criança nessa atividade” (BRASIL, 1995b, p. 103).

Para que um professor introduza jogos no dia a dia de sua classe ou planeje atividades lúdicas, é preciso, em primeiro lugar, que ele acredite que brincar é essencial na aquisição de conhecimentos, no desenvolvimento da sociabilidade e na construção da identidade.

Se o professor considerar importante incluir na rotina da classe um espaço para os jogos e as brincadeiras, tanto nos horários de atividades no pátio como nos momentos em que as crianças estão dentro da classe, deve procurar esta-belecer para si mesmo qual será o seu papel, sua função, enquanto as crianças brincam. A intervenção do professor deve se dar no sentido de mediar possíveis conflitos, de abrir e socializar os espaços e objetos de uso comum, de estimular a entrada de novas crianças em um jogo, ou como árbitro das regras acordadas.

A professora Vera Lúcia dos Santos diz que a atitude do professor é, sem dúvida, decisiva no que se refere ao desenvolvimento do faz de conta. E em seu texto, já citado anteriormente, ela destaca três funções diferenciadas que podem ser assumidas pelo professor, conforme o desenrolar da brincadeira:

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1.ª) função de observador, na qual o professor procura intervir o mínimo pos-sível, de maneira a garantir a segurança e o direito à livre manifestação de todos;

2.ª) função de catalisador, procurando, através da observação, descobrir as necessidades e os desejos implícitos na brincadeira, para poder enrique-cer o desenrolar de tal atividade;

3.ª) função de participante ativo nas brincadeiras, atuando como um media-dor das relações que se estabelecem e das situações surgidas.

Texto complementar

Jogo e trabalho(DANTAS, 1998, p. 85-87)

Brincar e jogar: dois termos distintos em português e fundidos nas lín-guas de cuja cultura somos devedores: o francês (jouer) e o inglês (play). Por causa disso, frequentemente desperdiçamos a diferenciação de ordem psi-cogenética que a nossa língua nos permite: brincar é anterior a jogar, con-duta social que supõe regras. Brincar é forma mais livre e individual, que de-signa as formas mais primitivas de exercício funcional, como a lalação. É esse sentido mais arcaico que vou utilizar aqui.

O termo “lúdico” abrange os dois: a atividade individual e livre e a cole-tiva e regrada. O que chama a atenção, quando pedimos a profissionais de Educação Infantil sinônimos para ele, é a tendência a oferecer “prazeroso” e nunca “livre”. “Ludicamente” é visto como prazerosamente, alegremente, e não “livremente”. Isso, que considero uma distorção de consequências infe-lizes, consiste em perceber o efeito e não a sua causa: o prazer é o resultado do caráter livre, gratuito, e pode associar-se a qualquer atividade; inversa-mente, a imposição pode retirar o prazer também a qualquer uma. Parece impossível definir substancialmente o que é brincar: a natureza do compro-misso com que é realizada transforma-a sutilmente em trabalho.

Resulta daí um paradoxo que pode levar os próprios defensores da pe-dagogia do brinquedo a traírem seus próprios fins, quando o adulto se julga autorizado a impor atividades, por ele consideradas prazerosas. Os “convites”

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Jogos e brincadeiras

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para participar de uma “brincadeira” são frequentemente convocações que não preveem a recusa.

Parece, pois, necessário, ao pensar a educação pelo jogo, refletir simultane-amente sobre a educação pelo trabalho, enfrentando o preconceito que entre nós, por graves razões sociais, separa as ideias de infância da de trabalho.

Os fantasmas da exploração infantil e da consequente perda do direito à educação escolar nos têm levado a deixar de lado as belas concepções de edu-cadores como Freinet, Dewey, Makarenko, para os quais o trabalho, dentro do ambiente escolar, pode constituir-se em poderoso instrumento educativo.

Esse esquecimento tem um efeito perverso: obrigada a absorver toda a tarefa da Educação Infantil, a pedagogia do jogo se vê ameaçada de perder o que tem de essencial, ameaçada por práticas utilitaristas e autoritárias. A oferta do prazer parece constituir nova justificativa para a imposição adulta, caracterizando a nova face, insidiosa e disfarçada, do autoritarismo.

É claro que substituir “prazer” por “liberdade” não facilita em nada a tarefa de definir o lúdico. Nos dicionários filosóficos, liberdade confina com “onipo-tência”, por um lado, e com “consciência” e racionalidade, por outro, tornan-do inviável qualquer tentativa de entender a noção em sentido absoluto. Se modestamente nos contentarmos em empregá-la com o sentido de alguma possibilidade de escolha, teremos que nos referir a graus de liberdade que começam com a possibilidade de recusar o convite adulto, e se ampliam na medida em que se multiplicam as alternativas de atividade. Em uma sala vazia, uma criança não pode exercer atividade livre; sua liberdade cresce na medida em que lhe são oferecidas possibilidades de ação, isto é, opções. Nesse sentido, a liberdade da criança não implica no aumento das ofertas adequadas às suas competências em cada momento do desenvolvimento. Povoar o espaço com jogos viáveis, passíveis de utilização autônoma, requer um alto grau de conhecimento psicogenético.

Não estou afirmando que nenhuma atividade deve ser imposta: o equi-líbrio entre o livre e o imposto precisa ser encontrado. Apenas digo que a atividade imposta é trabalho, o que resulta simultaneamente em duas exi-gências: a de não descaracterizar, poluir mesmo, o clima lúdico com a insin-ceridade e a coação, e a de enfrentar a necessidade de incluir, desde o início, a atividade instrumental e produtiva, ao lado da atividade lúdica, na educa-ção. A dialética jogo-trabalho é indispensável à saúde de ambas as práticas:

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pode resgatar a liberdade do jogo e o prazer do trabalho. Como sempre, as próprias crianças sinalizam isso ao adulto sensível: não é rara a experiência de, ao fabricar, com elas, o material para a realização de um jogo, vê-las mais interessadas na produção do que na sua utilização posterior.

Dicas de estudoSobre jogos e brincadeiras recomendo a leitura complementar de dois

livros:

FRIEDMANN, Adriana et al. O Direito de Brincar: a brinquedoteca. São Paulo: Scritta: ABRINQ, 1992. Aborda o direito de brincar, a vida na brinquedoteca e como tornar a brinquedoteca uma realidade.

SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedoteca: sucata vira brinquedo. Porto Alegre: Artmed, 1995. Você encontrará orientações claras e ilustradas sobre como organizar esse espaço lúdico, com materiais atraentes e educativos com baixo custo.

Atividades1. Explique por que brincar é tão importante para a criança pequena.

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Jogos e brincadeiras

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2. De uma forma sucinta explique o papel do professor com relação aos jogos e brincadeiras na Educação Infantil.

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Nesta aula, vamos apresentar um tema também muito importante para a Educação Infantil que é a disciplina. Além das brigas, em uma sala de aula é bastante comum ouvirmos reclamações das crianças ou todos falando, gritando ou pedindo ajuda ao mesmo tempo. Quem de vocês nunca presenciou uma cena destas? Temos também as crianças desaten-tas que se distraem com tudo. E as crianças que se mexem demais, que não param um só instante!

Ao pensarmos sobre como trabalhar a disciplina quando estamos li-dando com crianças pequenas, precisamos analisar alguns aspectos: a idade específica dessas crianças e, consequentemente, quais são as suas capacidades e como iremos organizar as atividades que pretendemos re-alizar. Assim, certamente, teremos uma maior participação.

Para Lenice Frazatto, em seu texto “Pensando a disciplina”, as crianças da creche e pré-escola ainda não conseguem ficar paradas por muito tempo, ouvindo longas explicações ou esperando para receber o material que vão trabalhar. É interessante que, ao propor uma atividade, o profes-sor já tenha preparado o material e o ambiente em que trabalhará com o grupo e, sobretudo, seja objetivo e claro ao falar para as crianças que tipo de atividade realizarão e como devem se comportar. Além disso, temos que pensar o tempo de duração das atividades para as crianças dessa faixa etária. Como a curiosidade é grande, elas estão constantemente se inte-ressando por outras coisas e não podemos esquecer que a criança apren-de agindo, brincando e se movimentando no espaço.

Além disso, a convivência necessita do estabelecimento de algumas regras.

Regras de convivênciaEssas regras vão auxiliar a criança na compreensão de como agir em

diferentes situações do seu dia a dia. É, portanto, responsabilidade do

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professor explicar e aplicar algumas regras para os seus alunos. Os momentos de conversa com todo o grupo, tais como as conversas de roda, são oportuni-dades que merecem ser aproveitadas para a definição de regras essenciais, tais como respeitar a vez do outro falar, como usar o banheiro etc. Após a discussão e a conclusão do grupo, é interessante que essas regras sejam regis tradas e que fiquem disponibi lizadas para todos, assim, quem precisar poderá recorrer ao que foi predeterminado.

Observem o cartaz preso na parede indicando o estabelecimento de algumas regras de convivência. (Scuola Materna Anderlini – Modena – Itália).

A a

utor

a.

Lenice Frazatto (1998) reforça o quanto é importante sabermos que quando a criança participa da construção de regras, aprende a ser parte de um grupo, ao mesmo tempo em que desenvolve sua autonomia. Mas, para isso, é necessário que o professor tenha segurança sobre os limites da criança para cumprir essas regras. Precisa também ser franco com as crianças, explicando porque algo pode ou não ser feito. Não é preciso abrir mão da sua autoridade, mas é importante não ser prepotente ou desvalorizar a criança que deixe de cumprir alguma regra.

Normas de convivência, hábitos de higiene e organização acompanham sempre adultos e crianças durante a realização de qualquer tipo de atividade. O professor precisa ter consciência que essas questões precisarão ser discutidas muitas vezes com as crianças. Trata-se de um processo de interiorização, no qual a criança aprende com o tempo e com a repetição. Por isso, é preciso ter paciên-cia, constância e firmeza.

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A disciplina na Educação Infantil

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Não podemos deixar de lembrar que o exemplo dos pais e dos professores é fundamental. A partir dele, as crianças se baseiam para construir as suas próprias relações sociais.

Sempre que pensamos sobre disciplina, pensamos também sobre os limites.

É comum ouvirmos pais e educadores perguntando-se: quando e como colo-car limites para as crianças? A insegurança é normal e é difícil alcançar o equilí-brio entre a liberdade e a rigidez. É claro que também nesse caso não existe uma receita a ser seguida. Mas podemos dizer que bom senso, equilíbrio, segurança e clareza são fundamentais.

E o que são os limites? É quando definimos o que pode e o que não pode ser feito em diferentes situações. Coloca-se limites quando se diz que não se pode atra-vessar a rua correndo, nem se debruçar em uma janela, ou quando os pais mandam seus filhos tomar banho ou arrumar a cama. Porém, no cotidiano, sabemos que nem sempre as crianças seguem o que foi determinado. Como agir então?

É comum alguns pais comentarem que as crianças são mais obedientes na escola do que em casa e, geralmente, eles querem saber porque isso acontece. É que são dois diferentes ambientes sociais, as relações afetivas também são dife-rentes e influenciam a forma como a criança vai reagir diante dos limites impos-tos a ela. Cabe ressaltar aqui a importância da integração entre pais e professores. A compreensão do trabalho pedagógico e da linha de pensamento educacional da família é fundamental para todos: criança, educador e pais.

Conclui-se que os limites são fundamentais para todas as crianças, mas que se deve saber como apresentá-los, considerando a sua idade, o seu modo de ser e a situação específica.

À medida que os limites forem definidos com clareza e com a possibilidade de serem cumpridos pela criança, o adulto estará pondo em prática a sua autori-dade sem se transformar em um ditador.

E agora vamos falar um pouco sobre autonomia e liberdade.

Segundo Constance Kamii (BRASIL, 1995b), a essência da autonomia é que as crianças se tornem aptas a tomar decisões por si mesmas. Mas a autonomia não é a mesma coisa que a liberdade completa. Autonomia significa levar em con-sideração os fatores relevantes para decidir e agir da melhor forma para todos. Não pode haver moralidade quando se considera apenas o próprio ponto de vista. Quando uma pessoa leva em consideração o ponto de vista das outras, não está mais livre para mentir, quebrar promessas e ser leviana.

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No livro Creches: crianças, faz de conta & cia, a educadora Zilma de Oliveira e sua equipe falam que:

As crianças devem e podem ter acesso a todos os objetos e locais da creche. Mas para que isso aconteça é preciso permitir. Assim, elas podem fazer incursões na cozinha, conhecendo como se prepara os alimentos e até auxiliando a cozinheira no enfeite de um bolo ou na separação dos talheres. Podem também aprender muito com o(a) faxineiro(a) usando uma vassoura pequena para ajudá-lo na limpeza. São sempre curiosas para saber como o zelador corta a grama, ou a lavadeira pendura as fraldas nos varais. Evidentemente, não é possível permitir trânsito livre a qualquer momento para todas as pessoas que convivem na creche. É preciso que a criança aprenda os limites da instituição e do outro, para que ela desenvolva uma autonomia responsável. Não é possível exigir das crianças nos primeiros quatro anos de vida que se ajustem a regras que não são capazes de cumprir, nem a uma disciplina a qual não estão preparadas para assimilar e muito menos que tal disciplina se assemelhe à disciplina escolar. (OLIVEIRA et al., 1992, p. 99)

Castigos e recompensasConstance Kamii fala que:

Se queremos que as crianças desenvolvam a autonomia moral, devemos reduzir nosso poder adulto, abstendo-nos de usar recompensas e castigos e encorajando-as a construir por si mesmas seus próprios valores morais. Por exemplo, a criança terá a possibilidade de pensar sobre a importância da honestidade somente se, ao invés de ser punida por contar mentiras, ela for confrontada com o fato de que outras pessoas não podem acreditar ou confiar nela. (BRASIL, 1995b, p. 73)

Porém, sabemos que, na nossa vida cotidiana, é impossível evitarmos total-mente os castigos, principalmente porque, em muitos casos, existe até o risco de vida das crianças, como, por exemplo, o perigo de brincar com o fogo ou de debruçar em uma janela de um andar alto em um edifício. O ideal é que não precisemos punir a criança e sim, consigamos fazê-la compreender o porquê da proibição. O mesmo ocorre com relação às recompensas, que também não de-veriam ser utilizadas. A criança não precisa ser recompensada com um presente ou com um elogio por aquilo que ela fez. O prazer de agir corretamente já é o suficiente para ela.

Vamos encerrar esse tema falando sobre a experiência da Escola de Sum-merhill e para isso nos basearemos no livro Liberdade sem Medo de Alexander Neill (1980).

SummerhillA escola de Summerhill foi fundada em 1921 e está situada na aldeia de

Leiston, na Inglaterra.

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Alexander Neill e sua esposa, quando começaram a escola, tinham como ideia principal fazer com que a escola se adaptasse às crianças, em lugar de fazer com que as crianças se adaptassem à escola. Resolveram, então, fazer uma escola na qual dariam às crianças a liberdade de serem elas próprias. Para fazer isso, tive-ram de renunciar inteiramente à disciplina, à direção, à sugestão, ao treinamento moral e à instrução religiosa.

Para Neill, Summerhill começou como uma escola experimental e agora é uma escola de demonstração, pois comprova que a liberdade funciona.

A escola tem em média 45 alunos e as crianças são divididas em 3 grupos etários. O mais novo vai dos 5 aos 7 anos, o intermediário dos 8 aos 10 e o mais velho dos 11 aos 15. As crianças moram lá.

Eles são contra a escola que faz com que alunos ativos fiquem sentados nas carteiras, estudando assuntos em sua maioria inúteis. Por isso, a frequência às aulas é opcional. As crianças podem comparecer ou não, e isso durante anos, se assim o desejarem. Há um horário, mas só para os professores. As crianças têm aulas, habitualmente, de acordo com a sua idade, mas, às vezes, de acordo com os seus interesses.

Segundo Neill, as crianças que entram em Summerhill pequenas assistem às aulas desde o início, mas alunos provenientes de outras escolas juram que jamais tornarão a aprender lições estúpidas em suas vidas. Brincam, andam de bicicleta, mas não vão às aulas. Em geral, isso dura alguns meses. O tempo de recuperação é proporcional ao ódio que trazem com relação à última escola que frequentaram.

Para eles, o ensino em si mesmo não é tão importante quanto a personalida-de e o caráter.

Em Summerhill, todos têm direitos iguais. Ninguém pode usar o piano de cauda do Neill sem pedir a ele, e ele não tem licença para usar a bicicleta de um dos garotos sem a sua permissão. Na Assembleia Geral da Escola, que acontece todos os sábados à noite, o voto de uma criança de 5 anos conta tanto quanto o voto do Neill que é o diretor.

A pergunta mais comum que os visitantes fazem é: “Mas a criança um dia não se voltará contra a escola, culpando-a por não a ter feito estudar Matemática ou Música?” A resposta é que a função da criança é viver sua própria vida, não a vida que seus pais, angustiados, pensam que elas devem levar.

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Neill acredita que Summerhill é a escola mais feliz do mundo, onde as crianças são saudáveis, livres e cujas vidas não estão contaminadas pelo medo e pelo ódio.

Texto complementar

Sobre a disciplina (BETTELHEIM, 1988, p. 90-91)

[...] Uma criança fica mais impressionada com seus pais quando estes agem naturalmente, sem ligar para o efeito; e o exemplo de autorrespeito é tão irresistível que uma criança dificilmente pode evitar o desejo de emular seus pais. Um pai que se respeita não precisa reforçar sua segurança, exigin-do respeito de seu filho. Seguro de si, não se sentirá ameaçado em sua autori-dade e aceitará que seu filho – por vezes – mostre falta de respeito para com ele, sobretudo como as crianças pequenas tendem ocasionalmente a fazer. Ele sabe que, se isso acontece, é devido à imaturidade de julgamento que o tempo e a experiência por vezes corrigirão. Por outro lado, uma exigência de respeito revela à criança um pai inseguro a quem falta a convicção de que isso lhe será dado naturalmente. O que é exigido é dado, quando o é, de má vontade, e é sempre experimentado, consciente ou inconscientemente, como proveniente da insegurança interior da pessoa que exige. Quem gos-taria de se formar à imagem de uma pessoa assim? Infelizmente, o filho de pais inseguros quase sempre cresce como eles. Mesmo que ele não internali-ze e, portanto, não adote a atitude de seus pais, a falta de pais autoconfiáveis é suficiente para fazer a criança transformar-se num adulto inseguro.

Toda vez que um pai prega aquilo que não pratica, a lição fracassará re-dondamente, no sentido de que não se generalizará além da instância espe-cífica. Na verdade, quanto menos deliberada for a instrução dada pelo pai e quanto mais ele viver consistentemente de acordo com seus próprios valo-res, de forma natural, melhor.

[...] É instrutivo comparar os diferentes modos pelos quais os japoneses e os ocidentais ensinam a seus filhos – controle baseado nas ordens pater-nas, em nossa cultura; autocontrole baseado em seu próprio raciocínio, no Japão. Recentemente, foi empreendido um estudo para descobrir por que os jovens japoneses superavam os americanos academicamente. A compara-

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ção de métodos de ensino, materiais etc., não forneceu qualquer pista; mas quando os pesquisadores formularam a pergunta sobre controle paterno ficou visível que havia divergências culturais radicais que pareciam explicar as diferenças na realização acadêmica. Quando crianças ocidentais corriam de um lado para o outro em supermercados, suas mães, frequentemente demonstrando aborrecimento, lhes diziam: “Pare com isso,” quando não gri-tavam com os filhos. No melhor dos casos, uma mãe diria: “Eu lhe disse para não se comportar dessa maneira!” Uma mãe japonesa abstém-se tipicamen-te de dizer ao filho o que fazer. Ao invés disso, perguntar-lhe-á: “Como é que você acha que o dono se sente quando você corre de um lado para outro em sua loja?” ou “Como é que você imagina que eu me sinto?”

Similarmente, uma mãe ocidental mandará seu filho comer alguma coisa, ou lhe dirá que deve comê-la porque é bom para ele, enquanto uma mãe japonesa perguntará: “Como é que você acha que se sente o homem que cultivou esses legumes para você comer, quando você os rejeita?” ou “Como é que você acha que se sentem essas cenouras que cresceram para você co-mê-las, quando você não as come?” Assim, desde tenra idade diz-se à crian-ça ocidental o que fazer, enquanto a criança japonesa é encorajada não só a considerar os sentimentos dos outros – parte importante da socialização japonesa, bem menos importante na socialização ocidental e, portanto, nos preocupando menos aqui – mas a refletir sobre o seu comportamento, ao invés de limitar-se a obedecer ordens.

Dica de estudoHá um artigo intitulado “Escola da Ponte: o castigo é ficar a reflectir!!!” em que

se fala como a disciplina é tratada na Escola da Ponte em Portugal. É apenas uma breve abordagem, mas que pode levantar muitos questionamentos e até a von-tade de conhecer mais sobre essa escola. Para ter acesso ao texto, basta procu-rar no seguinte endereço eletrônico: <http://professorasdesesperadas.blogspot.com/2005/12/escola-da-ponte-o-castigo-ficar.html>.

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Atividades1. No que o professor precisa pensar para trabalhar a disciplina na Educação

Infantil?

2. É possível definirmos limites para crianças pequenas? Como fazê-lo?

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Antes de começarmos a apresentar o assunto específico desta aula, gostaria de explicar porque uso a denominação professor e não educador. Até há alguns anos, utilizava sempre o termo educador para o trabalho na Educação Infantil; achava que ele tinha um significado mais amplo, que considerava a educação da criança de forma mais integral, e também porque tinha receio que junto com a palavra professor viesse a ideia de ensino fundamental, ou seja, que a educação baseada nos moldes da escola para crianças do 1.º ao 5.º ano seria trazida para a Educação Infantil. Por isso, defendia o uso do termo educador. No entanto, ouvi de colegas uma outra justificativa para o uso da palavra professor. Trata-se de con-templarmos toda uma história de lutas pela valorização da profissão e da categoria profissional. O profissional de Educação Infantil, caso não fosse considerado professor, deixaria de integrar esse grupo, perdendo as con-quistas já realizadas e lutando sozinho por avanços comuns tão necessá-rios. A questão da função educacional das instituições de atendimento a crianças de 0 a 5 anos e a consequente influência na formação do profis-sional que irá atuar nessa etapa da educação básica deve continuar a ser discutida, mas não precisa necessariamente alterar o nome desse profis-sional. Portanto, hoje, utilizo e defendo a nomenclatura professor para a Educação Infantil.

Mas, vamos agora à situação da formação dos professores no Brasil.

No texto “Situação atual da Educação Infantil no Brasil”, escrito em 1998 por Angela Barreto, na época Coordenadora-geral de Educação Infantil do MEC, afirma-se que, embora não existam dados completos sobre os profissionais que atuam em creches e pré-escolas, diagnósticos mostram que muitos desses profissionais não têm formação adequada, recebem baixos salários e trabalham sob condições precárias. Estima- -se que um percentual significativo dos que atuam em creches não tem sequer o ensino fundamental e, em algumas capitais onde foram le-vantados esses dados, o percentual foi de 35%. Imaginem, então, o que acontecia no interior do Brasil.

As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

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Ainda neste documento, apresenta-se uma tabela (de 1996) com algumas in-formações sobre os docentes que atuam na pré-escola.

1.º grau incompleto 1.º grau 2.º grau 3.º grau

Pré-escola 7,38% 8,69% 65,68% 18,25%

Vamos agora ver os dados apresentados pelo Censo Escolar de 2005 com relação ao nível de formação dos profissionais com função docente no Brasil:

Curso Fundamental Incompleto

Curso Fundamental

Completo

Ensino Médio Completo

Ensino Superior Completo TOTAL

Creches 1402 1,62% 3686 4,27% 56166 65% 25078 29% 86332 100%

Pré-escolas 1300 0,42% 6097 1,97% 178187 56,6% 123760 40% 309344 100%

Pode-se perceber que durante esses nove anos (1996-2005), houve uma sig-nificativa melhora com relação à formação dos professores que atuam nas pré--escolas, porém, assim como o número de matrículas das crianças na Educação Infantil, a formação dos profissionais ainda precisa progredir muito.

Agora, podemos conhecer as leis nacionais sobre formação de professores da Educação Infantil. Como essa questão é matéria de uma disciplina específica, vou apenas explicitar o que define a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal (LDB), que é a nossa lei maior da educação.

Ela determina o seguinte:

Título VI, art. 62

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Considerando a necessidade de um período de transição que permita incor-porar os profissionais cuja escolaridade ainda não é a exigida e buscando propor-cionar um tempo para adaptação das redes de ensino, essa mesma Lei dispõe:

Título IX, art. 87, § 4.º

Até o fim da década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.

A lei não é absolutamente clara como deveria ser, deixando espaço para di-ferentes interpretações. Após anos de discussão entre educadores, de como de-

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As políticas de formação de professores para a Educação Infantil

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veria ser a formação de nossos professores, o MEC iniciou uma série de reformu-lações nos cursos de Pedagogia e acabou por excluir os Institutos Superiores de Educação e o Curso Normal Superior.

A estrutura na qual estão organizados os atuais cursos de Pedagogia foi definida em maio de 2006, quando o Conselho Nacional de Educação, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Tais diretrizes aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profis-sional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

Voltando um pouco na história, podemos observar que a aprovação da Cons-tituição de 1988, que reconheceu a Educação Infantil como parte integrante da educação básica, com o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, que re-forçou o direito da criança de poder frequentar creches e pré-escolas, e com a LDB, fez-se um marco histórico em termos legais, dando um impulso com rela-ção às políticas públicas de Educação Infantil.

O Governo Federal, por meio do MEC e da Coordenação de Educação Infantil, assumiu a sua responsabilidade e passou a organizar encontros, elaborar docu-mentos e revistas com a participação de intelectuais e pesquisadores de renome na área. Isso se deu especialmente entre 1994 e 1998. Durante esse período, alguns importantes documentos foram elaborados, e quase todos destacam a formação dos professores.

Em 1994, é divulgado um documento intitulado Política de Educação Infantil, no qual são apresentadas as diretrizes gerais que orientarão as ações de Edu-cação Infantil. Essas diretrizes estão organizadas em dois aspectos: as diretrizes pedagógicas e as diretrizes para uma política de recursos humanos. Esta segun-da diretriz, que é a que nos interessa nesse momento, apresenta as seguintes ideias:

1) O profissional de Educação Infantil tem a função de educar e cuidar, de forma integrada, da criança na faixa etária de zero a seis anos de idade.

2) A valorização do profissional de Educação Infantil, no que diz respeito às condições de trabalho, plano de carreira, remuneração e formação, deve ser garantida tanto aos que atuam nas creches quanto nas pré-escolas.

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3) Formas regulares de formação e especialização, bem como mecanismos de atualização dos profissionais de Educação Infantil, deverão ser assegu-rados.

4) A formação inicial, em nível médio e superior, dos profissionais de Edu-cação Infantil deverá contemplar em seu currículo conteúdos específicos relativos a essa etapa educacional.

5) A formação do profissional de Educação Infantil, bem como a de seus for-madores, deve ser orientada pelas diretrizes expressas neste documento.

6) Condições deverão ser criadas para que os profissionais de Educação In-fantil que não possuem a qualificação mínima, de nível médio, obtenham--na no prazo máximo de 8 (oito) anos.

Apesar de nem todas essas ideias terem sido colocadas em prática, pode- -se dizer que entre 1994 e 1998 houve uma maior mobilização com relação à Educação Infantil do que no período posterior a 98. Isso aconteceu porque esses encontros e publicações acabaram por estimular a constante discussão, atrain-do mais a atenção dos educadores em geral e, principalmente, a opinião da so-ciedade. Outro aspecto importante a ser observado no caminhar da Educação Infantil é que essas políticas apresentadas não se caracterizam mais por ações de caridade e voluntarismo, pelo menos é possível concordarmos com as ideias ali expressas.

Mas, voltando às políticas do MEC, em abril de 1994 foi realizado um Encon-tro Técnico sobre a Política de Formação do Profissional de Educação Infantil, em Belo Horizonte. Dele participaram especialistas, profissionais do sistema de ensino, universidades, agências de formação, organizações que atuam na área e representantes dos conselhos de educação de âmbito federal e estadual. Fruto desse encontro, foi publicado um documento chamado “Por uma política de for-mação do profissional de Educação Infantil” (popularmente conhecido como o Caderno Rosa, devido à cor da sua capa).

A realização desse encontro e a consequente publicação do documento foi justificada em sua introdução, como resposta às diretrizes definidas na Política de Educação Infantil. Vamos ver o texto propriamente dito:

[...] uma das ações prioritárias explicitadas na Política de Educação Infantil é a promoção da formação e valorização dos profissionais da área, o que exige acordos e compromissos entre as instâncias que prestam esse serviço, as agências formadoras e as representações desses profissionais. Ao MEC cabe o papel de articulação e coordenação, além do apoio técnico e financeiro a ações desenvolvidas nessa direção. (BRASIL, 1994b)

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É importante observar que o MEC assume o seu papel. E, ao menos naquele momento, estava tentando colocá-lo em prática.

Os temas apresentados e debatidos naquele encontro abordavam a relação entre o currículo de Educação Infantil e a formação dos profissionais, o perfil e a carreira do profissional da área e as alternativas para a sua formação nos cursos de Ensino Médio, Supletivo e Ensino Superior e nos programas de capacitação em serviço. Além das palestras realizadas, também aconteceram vários relatos de experiências.

Outro importante documento do MEC, e que contempla a questão da forma-ção dos professores, chama-se “Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil”. Publicado em 1996, trata-se de uma análise produzida por uma equipe de trabalho, formada pelos próprios técnicos do MEC, todos com experiência na área, e por cinco consultores, especialistas em Educação Infantil. Foram ana-lisadas propostas pedagógicas e currículo para a educação da criança pequena das diferentes regiões do país. Concluiu-se que, de um modo geral, as propostas pedagógicas e os currículos não explicitam uma política articulada de recursos humanos. Alguns nem ao menos fazem referência à sua necessidade, outros res-saltam sua importância e, ainda, apontam diretrizes para a sua formulação. En-tretanto, a maioria dessas situações não apresenta medidas concretas, alternati-vas ou sugestões para a viabilização dessa política, tampouco menciona quem serão seus formuladores, apenas evidencia sua existência.

Nas visitas realizadas pela equipe técnica, constatou-se que há ainda uma situação bastante precária no que se refere aos profissionais que atuam mais di-retamente com as crianças nas creches. Esses possuem, em sua maioria, apenas o ensino fundamental. Muitos são bolsistas, sem vínculo empregatício algum. Mesmo quando existe um plano de cargos e salários, o que sem dúvida significa um avanço, a remuneração é baixa em relação à carga horária de trabalho exigi-da. Acrescente-se a isso a contradição vivida por esses profissionais, ao convive-rem, num mesmo espaço, com professores vinculados às secretarias de educa-ção, que trabalham em classes de pré-escola nas creches, com melhor situação funcional e trabalho diferenciado, tanto no que se refere à carga horária quanto às atribuições.

Um aspecto interessante que foi constatado é que as poucas propostas que vinculam salários à formação são as únicas que apresentam também um proje-to de qualificação permanente de seus profissionais. Dessa maneira, mesmo que de forma menos frequente e pouco sistemática, há uma busca das secretarias de formarem, em serviço, seus professores. Ressalta-se a importância dessa iniciativa,

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principalmente quando se leva em consideração a quase inexistência de cursos re-gulares que habilitam os profissionais para a especificidade da Educação Infantil.

Ainda nas visitas, observou-se outra situação que revela precariedade: são os recursos materiais e a dificuldade de acesso aos bens culturais por parte dos pro-fessores/educadores. Em apenas alguns locais, os profissionais recebem material de apoio ao seu trabalho, bem como publicações específicas sobre a produção científica na área da Educação Infantil para compor a biblioteca de suas institui-ções, além de videotecas à sua disposição.

No documento, há, no capítulo “Conclusões e Recomendações”, a questão da formação aparecendo no item “Entraves e Dificuldades”, fazendo referência à mobilidade/rotatividade dos profissionais que atuam na área. Essa situação acarreta descontinuidade no processo formativo dos próprios profissionais e das crianças. O outro ponto é quanto a não definição de responsabilidades na formu-lação e na implementação de uma política de recursos humanos. Ou seja, nin-guém sabe a quem cabe a responsabilidade de formar os profissionais. Também se observou a inexistência de especificidade, nos concursos públicos, no que concerne à Educação Infantil. Essa circunstância gera as conhecidas diferenças entre os níveis de formação dos profissionais (monitores, recreadores, agentes comunitários, atendentes etc. e os professores – geralmente de pré-escolas). Isso foi observado em 1996, e ainda em 2009 continuamos a ver essas distorções.

Ainda no mesmo capítulo, mas no item “Algumas Recomendações”, das seis recomendações feitas pela equipe de pesquisadores, quatro estão voltadas para a questão da formação. São elas:

Que as equipes das secretarias busquem caminhos para a sua qualifi- �cação profissional, tanto no que tange à especificidade pedagógica da Educação Infantil, quanto no que se refere à sua gestão.

Que sejam criados cursos de suplência ou outros que viabilizem a pro- �fissionalização dos educadores de creche que ainda não completaram sua formação regular.

Que nos concursos públicos para seleção de profissionais seja consi- �derada a especificidade da Educação Infantil.

Que sejam criados mecanismos efetivos de fixação dos educadores no �âmbito da Educação Infantil, diminuindo a rotatividade desses profis-sionais.

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Essas recomendações são importantíssimas e precisamos segui-las tendo em vista a necessária e urgente qualificação da Educação Infantil no Brasil.

Em dezembro de 1997, o MEC apresenta aos educadores um documento pre-liminar para discussão sobre o tema, intitulado “Referencial Pedagógico-Curri-cular para a Formação de Professores da Educação Infantil e Séries Ini ciais do Ensino Fundamental”.

Essa versão preliminar é definida como uma ação inicial de um processo de in-terlocução com a comunidade educacional, pretendendo oferecer aos sistemas estaduais e municipais de ensino uma meta de qualidade para a intervenção na formação de professores. Esse documento foi organizado em quatro partes que abordam os seguintes aspectos:

1.ª parte: análise da situação atual da formação de professores. �

Nessa parte, discute-se aspectos sobre a formação de nível médio, suas propostas e suas grades curriculares, além da situação da formação do-cente e da nova LDB.

2.ª parte: repensar a formação de professores. �

São discutidas questões como a natureza do trabalho do professor, o professor prático-reflexivo, a formação e o desenvolvimento profissional permanente, os pressupostos metodológicos da formação profissional, a avaliação no processo de formação, o uso de recursos para potencializar a formação de professores, a formação inicial, a formação continuada, a or-ganização institucional das escolas de formação de professores, a constru-ção de uma cultura profissional e alguns apontamentos sobre formação a distância.

3.ª parte: delineamentos de uma proposta de referencial pedagógico- �-curricular para a formação inicial de professores.

Constam as funções do professor, os objetivos gerais da formação de pro-fessores da Educação Infantil e Séries Iniciais, e os âmbitos de conheci-mento da formação de professores.

4.ª parte: critérios para organização institucional e curricular da formação �de professores.

Esses critérios subdividem-se em: critérios para a formação inicial e para a formação continuada.

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Em 1998, o MEC publicou o “Referencial Nacional para a Educação Infan-til”, onde a questão da formação dos professores não teve destaque, havendo apenas duas páginas que tratam sobre o professor e o seu perfil profissional.

Outro documento, também elaborado pelo MEC, e de grande importância no cenário da educação infantil brasileira, foi publicado em 2006 e chama-se “Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis anos à Educação”. A intenção é de contribuir para um processo democrático de implementação das políticas públicas para as crianças de zero a seis anos.

Entre as diretrizes definidas pela Política Nacional de Educação Infantil, en-contramos algumas voltadas diretamente à formação e à atuação do profissio-nal que trabalha em creche/pré-escola, são elas:

As professoras e professores e os outros profissionais que atuam na Educa- �ção Infantil exercem um papel socioeducativo, devendo ser qualificados especialmente para o desempenho de suas funções com as crianças de 0 a 6 anos.

A formação inicial e a continuada das professoras e professores de Educa- �ção Infantil são direitos e devem ser asseguradas a todos pelos sistemas de ensino com a inclusão nos planos de cargos e salários do magistério.

Os sistemas de ensino devem assegurar a valorização de funcionários �não docentes (funcionários que não atuam em salas de atividades com as crianças) que atuam nas instituições de Educação Infantil, promovendo sua participação em programas de formação inicial e continuada.

O processo de seleção e admissão de professoras e professores que atuam �nas redes pública e privada deve assegurar a formação específica na área e mínima exigida por lei. Para os que atuam na rede pública, a admissão deve ser por meio de concurso.

Já nos objetivos propostos pela política nacional de educação infantil, os pro-fessores e a sua formação também são contemplados:

Assegurar a valorização das professoras e professores de Educação Infan- �til, promovendo sua participação em Programas de Formação Inicial para professores em exercício, garantindo, nas redes públicas, a inclusão nos planos de cargos e salários do magistério.

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Garantir a valorização das professoras e professores da Educação Infantil �por meio de formação inicial e continuada e sua inclusão nos planos de carreira do magistério.

Garantir, nos programas de formação continuada para professoras e pro- �fessores de Educação Infantil, os conhecimentos específicos da área de Educação Especial, necessários para a inclusão, nas instituições de Educa-ção Infantil, de alunos com necessidades educacionais especiais.

Garantir a valorização dos funcionários não docentes que atuam na Edu- �cação Infantil.

Garantir a inclusão dos professores de Educação Infantil nos planos de car- �gos e salários do magistério.

Nas metas apresentadas, encontramos os seguintes itens que se referem aos professores:

Admitir somente novos profissionais na Educação Infantil que possuam a �titulação mínima em nível médio, modalidade Normal.

Formar em nível médio, modalidade Normal, todos os professores em �exercício na Educação Infantil que não possuam a formação mínima exi-gida por lei.

Extinguir progressivamente os cargos de monitor, atendente, auxiliar, entre �outros, mesmo que ocupados por profissionais concursados em outras se-cretarias ou na secretaria de Educação e que exercem funções docentes.

Colocar em execução programa de formação em serviço, em cada muni- �cípio ou por grupos de município, preferencialmente em articulação com instituições de ensino superior, para a atualização permanente e o apro-fundamento dos conhecimentos dos profissionais que atuam na Educa-ção Infantil, bem como para a formação dos funcionários não docentes.

E, finalmente, nas estratégias apresentadas pela Política Nacional de Educa-ção Infantil, lemos as seguintes propostas:

Apoiar tecnicamente os estados, os municípios e o Distrito Federal para �que promovam a formação inicial dos professores em exercício na Educa-ção Infantil que não possuem a formação mínima exigida por lei.

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Implementar o Programa de Formação Inicial para Professores em Exer- �cício na Educação Infantil (Proinfantil), incentivando a participação dos estados, dos municípios e dos docentes.

Colaborar para que a especificidade da Educação Infantil esteja assegura- �da no Programa Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica do Ministério da Educação.

Implementar a Rede Nacional de Formação Continuada de professores da �Educação Básica.

Apoiar técnica e financeiramente as secretarias estaduais e municipais de �Educação na promoção de programas de formação continuada.

Valorizar e apoiar a formação dos professores em cursos de nível superior �com habilitação em Educação Infantil.

Promover e apoiar financeiramente a formação em serviço dos profissio- �nais não docentes que atuam nas instituições de Educação Infantil.

Apoiar técnica e financeiramente os municípios e o Distrito Federal para �que promovam a habilitação dos dirigentes das instituições de Educação Infantil.

Como se pode perceber, o MEC, finalmente, preocupou-se e assumiu a sua responsabilidade com a Educação Infantil no Brasil. Precisamos agora, acom-panhar e reivindicar, caso necessário, a real efetivação de todas essas diretrizes, objetivos, metas e estratégias.

De todos os itens acima citados e que constam da Política Nacional de Edu-cação Infantil, em termos de formação dos profissionais, devemos destacar o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício em Educação Infan-til – Proinfantil. Percebe-se que há uma preocupação com os milhares de profis-sionais que trabalham na Educação Infantil e que ainda não têm a formação mínima exigida. Trata-se de um curso a distância, em nível médio e na modali-dade Normal, em parceria com os estados e os municípios. Os objetivos a serem alcançados pelo Proinfantil são:

habilitar em magistério para a Educação Infantil os professores em exercí- �cio, de acordo com a legislação vigente;

elevar o nível de conhecimento e aprimorar a prática pedagógica dos do- �centes;

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valorizar o magistério oferecendo condições de crescimento profissional �e pessoal do professor;

contribuir para a qualidade social da educação das crianças com idade �entre 0 e 6 anos nas Instituições de Educação Infantil.

Para encerrar nossa aula, gostaria de apresentar um artigo publicado na Folha de São Paulo, pelo jornalista Gilberto Dimenstein. Na época, lembro que me deixou esperançosa, pois pensei: ainda tem gente valorizando a Educação Infantil e, prin-cipalmente, denunciando a falta de políticas para essa área. Vamos ler.

Texto complementar

É tão fácil aniquilar mentes brilhantes(DIMENSTEIN, 2002)

Passei a semana inteira provocado por algumas linhas do artigo do médico Drauzio Varella, intitulado “Raízes biológicas da violência” e publicado nesta Folha. Ao analisar os impactos da violência no cérebro com base nas recen-tes descobertas da neurociência, ele afirmou o que aconteceria se alguém tapasse durante um mês o olho de uma criança recém-nascida: aquele olho jamais teria visão.

A falta de estímulos luminosos naquele estágio de vida impede que os neurônios formem conexões indispensáveis para a visão. Essa é a imagem que melhor ilustra o fato, hoje inquestionável, de que a fase de vida dos zero aos três anos é decisiva para o futuro de um indivíduo e interfere, no mínimo, na sua capacidade de aprendizado e, por tabela, na sua produtivi-dade profissional.

Traduzindo: assim como precisa da luz para formar a visão, a criança preci-sa também de brincadeiras, de jogos educativos, de conversas e, mais tarde, de ouvir histórias que a ajudem a se preparar, até mesmo neurologicamente, para aprender – sem esses estímulos, ela vai carregar para sempre uma “defi-ciência visual”, mesmo que os olhos funcionem perfeitamente.

Esse é um dos fatores, entre tantos, que ajudam a entender uma pesquisa divulgada na semana passada (Indicador de Alfabetismo Funcional), basea-

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da em 2 000 entrevistas realizadas em todo o país: entre os brasileiros de 15 a 64 anos, apenas 24% conseguem ler e entender um livro. Encontrou-se tal resultado após a aplicação de testes com questões relacionadas a um texto submetido aos entrevistados. Conclusão: o indivíduo vê, mas não enxerga.

A cadeia da ignorância no Brasil começa literalmente no berço – e só a ignorância política explica por que a Educação Infantil (creche e pré-escola) não está no topo da agenda nacional nem é um assunto mencionado por nenhum (vamos repetir, nenhum) candidato a governador ou a presidente.

Vamos aos fatos.

De acordo com dados oficiais, cerca de 30% das cidades brasileiras não têm creches; as médias nas regiões Norte e Nordeste são evidentemente mais elevadas. Das creches existentes, apenas 24% têm fraldários. Oficinas de arte e música, recursos pedagógicos indispensáveis, são oferecidas por só 15% dos estabelecimentos.

“Existe a noção absurda de que as crianças dessa faixa etária requerem apenas cuidados com a saúde, com a higiene e com a educação”, comenta Vital Didoret, especialista em Educação Infantil e integrante da Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar.

Isso se explica, mais uma vez, pela desinformação. Dados do Inep (Institu-to Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais): só 11,3% dos profissionais de creches públicas têm diploma de ensino superior. Na pré-escola (frequen-tada por crianças de quatro a seis anos de idade), a situação é melhor, mas apenas ligeiramente melhor: são 24% os profissionais de nível superior.

Foram matriculados nas redes públicas e particulares de Educação Infan-til de todo o país 6 milhões de crianças. Dessas matrículas, só 18% foram para as creches – justamente para esses estabelecimentos que deveriam cuidar daquela fase neurologicamente relevante, de zero a três anos de idade. “As demandas por creches são muito altas e não existe atendimento suficiente, principalmente nas regiões em que grande parte das mulheres está no mer-cado de trabalho”, diz Vital.

Nem precisamos ir muito longe geograficamente. Tomemos o caso da cidade de São Paulo. De acordo com Vital, 200 mil crianças estariam sem creche. Muitas mães nem sequer procuram pelo serviço, porque sabem que não existem vagas.

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O que temos é o seguinte: é pouca gente atendida em Educação Infantil, muito menos nas creches. Quem é atendido é, no geral, mal atendido: as instalações são precárias, os profissionais são despreparados, falta material pedagógico. É o tal olho tapado.

Agregue-se a isso o fato de as famílias das crianças de baixa renda terem baixo repertório cultural, não terem o hábito de leitura – até porque, como mostrou a pesquisa da semana passada, sabem ler, mas não entendem o que leem. Com frequência, crianças pequenas cuidam em casa das crianças ainda menores.

Da educação pré-escolar, o estudante sem recursos vai para um ensino público que está longe, muito longe de resolver os buracos que já vieram do berço. Na maioria das vezes, consegue até mesmo ampliá-los.

Não é preciso ter uma mente brilhante para perceber que a miséria e a desigualdade social se reproduzem na oportunidade que alguém, ao nascer, tem ou não de “ver” novas perspectivas. Como a cegueira intelectual não é privilégio dos mais pobres, o tema da educação de zero a seis anos ainda está na escuridão.

PS – Para quem quiser aprofundar-se no assunto, existe na página do Apren-diz um dossiê sobre a educação pré-escolar: <www.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/g_dimenstein/index.html>.

Dicas de estudoÉ importante você fazer a leitura do Programa Inicial para Professores em

Exercício na Educação Infantil – Proinfantil, divulgado pelo MEC. Para isso, você pode acessar o site: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/guia-geral.pdf>.

Outra boa dica de estudo é a revista Aprender On-line, cuja versão eletrônica está disponível em: <www.uol.com.br/aprendiz/aprenderonline>. É uma revista bimestral, da ONG Cidade Escola Aprendiz e traz artigos, ensaios, entrevistas e sessões sobre a educação no mundo.

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Atividades1. O que diz a LDB sobre a formação de professores da Educação Infantil?

2. Em dezembro de 1997, o MEC apresenta para discussão com a comunidade educacional um documento sobre a formação de professores. Qual é esse documento e sobre o que ele trata?

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Nesta aula, vamos discutir e analisar como deve ser a formação do pro-fessor, num sentido mais amplo.

Considero aqui tanto a formação inicial quanto a em serviço, esta também chamada de atualização ou aperfeiçoamento. A perspectiva é a de que nenhuma formação tem fim. Nós nos educamos e nos formamos durante toda a vida.

Sempre que penso sobre o perfil do nosso professor, não consigo deixar de me remeter a um livro em especial, chamado A Arte de Formar-se, escri-to pelo teólogo e educador João Batista Libanio (2001). E nesta aula vou me pautar fundamentalmente em aspectos apresentados por esse impor-tante autor que, para mim, descreve a essência de uma proposta para a formação de professores. Assim, durante este capítulo, utilizarei inúmeras frases retiradas sempre desse livro e, por isso, citarei apenas as páginas.

Vamos começar compreendendo melhor a palavra formar. Ela traz o termo forma ou, se quisermos, a ideia ainda mais forte fôrma. Nos dois casos, está implícito que existe um molde anterior a ser aplicado ao aluno. Por isso, o autor explica que tentou corrigir um pouco esta carga etimoló-gica da palavra formar, transformando-a em formar-se. O pronome refle-xivo se, ajuda a acabar com a ideia de passividade. Formar-se é, portanto, um “processo educativo” que está nas mãos do próprio formando, que respeita a sua singularidade e que busca ampliar as suas qualidades na intenção de transformar a sociedade em que vive.

A proposta de Libanio foi inspirada, em suas grandes linhas, no relató-rio organizado por J. Delors, a pedido da Unesco, em que são apontados quatro pilares da formação: aprender a conhecer e a pensar, aprender a fazer, aprender a conviver com os outros, e aprender a ser.

Como aprender a conhecer e a pensarComo formar uma inteligência crítica, bem-estruturada, em vez de um

“armazém entulhado de conhecimentos” (p.15)?

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A cultura da informaçãoEstamos diante de uma geração que tem acesso a muitas informações. Nunca

as anteriores tiveram as mesmas facilidades de informação. Em horas, ou talvez minutos, produzem-se mais publicações que em um ano ou em décadas na Idade Média. Um CD pode carregar uma enciclopédia. As dificuldades de infor-mações que os escritores antigos tinham desapareceram. Hoje, nos conectamos pela internet com mais de um bilhão de possíveis “portais” informativos. Como afirma Libanio (2001, p.18): “A inteligência e a memória navegam com a velo-cidade parecida com a da luz, de modo que nada se lhe adere. É pura sensa-ção. Adrenalina em vez de pensamento”. Nesse momento, entra o que significa aprender a conhecer, aprender a pensar.

Aprender a relacionar e a contextualizarO segredo de aprender a conhecer é saber estabelecer relações e contextua-

lizar. É perceber que cada conhecimento pertence a um conjunto e se situa em determinado contexto. Esse conjunto ou contexto, por sua vez, liga-se a outro conjunto e contexto, e assim por diante. Em vez de pensar o real como pequenos pedaços de conhecimentos, sabe-o como mosaico. Em vez de linearidade das coisas, entende-as na sua complexidade (com + plexas = tecidas juntas).

Há um pensar e saber cada vez mais especializado, mais compartimentaliza-do. Quanto mais as disciplinas se entregam ao trabalho de acumular conheci-mentos, independentemente umas das outras ciências, tanto mais necessário se torna o esforço de criar uma atitude de aprender buscando a articulação. “Com-plexidade não significa dispersão, mas conexão entre os elementos” (p. 21).

Um especialista num só campo torna-se um “perigo” para a sociedade humana. Edgar Morin, pensador francês, falava que “ninguém pode ser um grande econo-mista se for somente economista” (apud LIBANIO, p. 22), “um economista que só é economista torna-se prejudicial e pode constituir um verdadeiro perigo” (apud LIBANIO, p. 22). Dito de uma maneira mais simples, aprender a conhecer é a pessoa considerar-se uma ilha num arquipélago: para não ficar perdida e isola-da, constrói tantas pontes possíveis para as outras ilhas, a ponto de perceber-se ao final numa rede de relações de saber.

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Há ainda um outro aspecto apresentado por Libanio (2001, p. 20):

O pensamento não se perde nunca no momentâneo. Em vez de dizer que só existe o presente, afirma-se o contrário. O presente não existe. Ele é passado condensado e é futuro anunciado. Vê-lo sempre assim é aprender a conhecer.

Um outro segredo da arte de pensar é saber fazer-se perguntas. Pensa quem sabe perguntar-se a si e à realidade. Onde há respostas prontas, fixas, não há espaço para pensar. É preciso saber problematizar. O processo educativo é, pois, o jogo de levantar perguntas, buscar respostas, e sobre elas continuar pergun-tando. Não se trata de fazer simples perguntas informativas. Não é um exercício formal, escolar. “A dúvida verdadeira brota de uma inteligência que percebe a complexidade da realidade e a pequenez de suas respostas” (p. 24).

Reconhecimento de si nas obras literáriasQuantas vezes, lendo os grandes romances, poesias, ou vendo filmes clás-

sicos, acordamos para problemas fundamentais da vida humana. Aprendemos a pensar em profundidade sobre o amor, a morte, a liberdade, o sofrimento, a injustiça e tantas outras experiências básicas da condição humana. As obras lite-rárias permitem que dialoguemos com elas pela leitura. “Ler é imenso privilégio. Aprende-se a pensar lendo os pensadores” (p. 25).

A lição das coisas e dos objetosO mundo atual tem produzido tal abundância de objetos que eles afogam

nosso sentido das coisas. Os objetos são fugazes, produzidos para satisfazer as infinitas necessidades que temos e criamos, ora com verdade, ora artificial e da-nosamente. Já as coisas despertam a curiosidade por conhecê-las, não simples-mente nas suas leis físicas e químicas, mas, sobretudo, na sua simbologia.

As coisas educam-nos o sentido de observação. Isolados diante de monitores de TV e internet, nossos sentidos vivem dos estímulos artificiais, virtuais.

“Educar a observação é caminho do pensar” (p. 26). “A maior lição das coisas é ensinar-nos a contemplar. Só sabe conhecer e pensar quem aprendeu a con-templar” (p. 27).

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Aprender a analisar e sintetizar“Pensar é analisar e sintetizar, separar e unir” (p. 28). A inteligência analítica

procura perceber a distinção de uma coisa e outra. Procura as suas diferenças, ou seja, as separa. A inteligência sintética tenta recuperar dessas análises os pontos em comum, de aproximação. “Habituar-se à dialética do sim e do não, cria uma argúcia de pensar” (p. 29).

Capacidade de relacionar“Relacionar é superar uma visão dualista que pensa o mundo sempre dividi-

damente entre sujeito e objeto, matéria e espírito, razão e emoção, feminino e masculino, mente e corpo, educar e aprender etc.” (p. 31). Devemos mostrar a re-lação existente entre cada uma dessas questões, em vez de fixar-nos na ruptura, na separação, na divisão.

Saber viver num mundo de incertezasO mundo antigo caracterizava-se pela busca de certezas que eram dadas

pelos dogmas, pelas verdades eternas e definitivas. Ao desabar tal universo, parecia que entrávamos em um mundo de incertezas. As ciências modernas ocuparam este campo deixado vazio e garantiram as certezas. Tudo o que fosse cientificamente comprovado se constituía na verdade. A palavra científico ad-quiriu verdadeira magia. A crise da pretensão da verdade e certeza absoluta por parte das ciências, técnicas e progresso moderno se instalou por obra da física quântica, da teoria da relatividade, da teoria do caos, da sociologia do conheci-mento, da psicanálise e de tantos outros fatores.

A incerteza estabeleceu-se definitivamente no campo do conhecimento. Rompe-se a evidência da relação causa e efeito, de modo que uma causa produz efeitos diversos conforme as circunstâncias e de forma imprevisível.

Superação do dogmatismoVivemos, pois, num mundo de incertezas teóricas. As teorias aproximam-se

da realidade sem nunca esgotá-las, sempre à espera de correções. Aprender a conhecer e a pensar nesse mundo exige abandonar todo dogmatismo. Todas

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essas atitudes que nos ensinam a pensar e a conhecer implicam consequências práticas, ou seja, conduzem-nos ao “como aprender a fazer”.

Como aprender a fazer

A perspectiva históricaEnquanto se vive num presente, entendido como mera repetição do passado,

não se aprende ainda a fazer. Pois se faz exatamente como se vinha fazendo até então. No momento em que, porém, perdemos a mera visão continuísta, pode-mos fazer uma crítica ao passado. Importante é captarmos essa dinâmica, pró-pria da modernidade que é: “ensina-nos a fazer”.

Podemos dizer que a pós-modernidade criou um bloqueio da consciência his-tórica. “O passado é ignorado e o futuro não é levado em consideração. Então se fixa no puro presente” (p. 45). Dessa perspectiva, não se aprende a fazer, porque o fazer não tem muita importância. Dissolve-se no presente. Não tem densidade de futuro. Faz-nos lembrar um título do livro de um filósofo americano chamado Marshall Berman, publicado em fins da década de 1980: Tudo que é Sólido Des-mancha no Ar.

A perspectiva éticaEssa perspectiva significa apurar o senso de responsabilidade. Quanto mais

percebemos o alcance (efeitos) de nosso pensamento e de nosso agir, maior res-ponsabilidade assumimos.

Duplo aprendizado de uma técnicaHá duas maneiras de aprender uma técnica. Ver feita e reproduzir é o modo

mais comum. É a primazia do mundo taylorista, fordista, que Charles Chaplin ridicularizou em seu clássico filme Tempos Modernos. O operário aprende um procedimento e o repete interminavelmente, sem o poder de pensar, e é literal-mente “engolido” pela máquina. O nível de escolaridade dificulta que as pessoas ultrapassem esse aprendizado repetitivo.

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Há um segundo modo diferente de aprender a fazer. Passa-se de uma simples qualificação em vista de determinadas tarefas para uma competência criativa de caráter mais amplo. Cada vez se exigirá maior capacidade dos trabalhadores.

Relação mútua entre aprender a fazer e aprender a conhecer

Aprender a fazer influencia aprender a conhecer. Cria-se uma capacidade criativa de articulação entre conhecimento e prática. A prática modifica o co-nhecimento, e este, por sua vez, gera sempre novas práticas. Isso quer dizer que o progresso do conhecimento traz inovações no agir, e as mudanças no agir exigem reformulações do conhecimento.

Estratégia e reflexividadeEdgar Morin faz uma distinção entre as duas atitudes de aprender o feito e de

aprender a fazer. Chama a primeira de programação, e a segunda, de estratégia. O programa determina de antemão o que se quer fazer, com objetivos e meios bem-definidos e identificados. Sua eficácia dependerá das condições favoráveis para a sua realização. O imprevisto o paralisa. A estratégia, porém, é diferente. Mesmo que tenha objetivos previstos, desenvolve ações em interação com o ambiente incerto, aproveitando toda informação que capta durante o percurso.

Como aprender a viver com os outrosO mundo atual é marcado pelo individualismo, pela violência, por conflitos,

por racismo, por intransigências religiosas, por fanatismos. Tudo isso nos impede de viver juntos. A arte de formar-se é desafiada a ser antídoto de tanto veneno.

Aprender a ser toleranteUma primeira lição da convivência é a tolerância. Sabemos os inúmeros e

marcantes episódios da história passada e recente de intolerância e seus efeitos sobre grupos particulares e para a humanidade em geral.

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A tolerância teórica tem dois níveis: o das ideias e o das práticas. A sociedade moderna democrática defende o direito à liberdade de pensamento e de ex-pressão. A tolerância encontra seu limite na intolerância e na irracionalidade das ideias defendidas. Existe um paradoxo da tolerância: não se pode ser tolerante com as teorias e práticas intolerantes e que ameaçam o convívio humano.

Semelhantemente, na educação, a tolerância não pode ser ilimitada. Há ideias e práticas que a colocam em perigo em sua própria convivência. Nesse caso, a tolerância impediria o educar para viver juntos. É uma questão difícil e delicada. Em princípio, os limites da tolerância deveriam nascer do consenso racional do grupo que se defende de sua destruição. E tal consenso nasce de um diálogo em que as razões transparentes convençam seus membros.

A ameaça do individualismoO lugar para aprender a conviver é por meio da vida em grupo, em equipe,

em comunidade, a começar pela família. Tais experiências estão ameaçadas em sua raiz pela perda do espírito comunitário. Há, antes de tudo, a primazia do individualismo exacerbado.

Comunitarismo de evento e grupos afinsTambém existe uma ilusão de comunidade em duas formas de comunitaris-

mo: experiências comunitárias isoladas e comunidades afins.

Muitos encontros de jovens podem reduzir-se a momentos emocionais de vivência comunitária. São verdadeiros acontecimentos isolados, que encontram neles mesmos seu início, meio e fim. Não estabelecem nenhuma sequência em suas vidas. Não se relacionam para “fora”. Predomina nesses eventos isolados a dimensão emocional.

Outro tipo de deturpação da experiência comunitária dos jovens se caracteri-za pela busca de grupos pequenos afins. Criam-se “tribos”, em que se suprimem as diferenças para viver uma mesmidade que não questiona. Toda voz dissonante ou não entra no grupo ou é excluída. Esses grupos fechados, que proliferam no mundo juvenil, também não educam para a convivência aberta e social. Muitas vezes provocam o contrário: ações de agressão ao outro. Aprender a viver juntos exige precisamente a capacidade de administrar o conflito, as divergências, as diferenças.

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A descoberta do valor de si e dos outrosAprender a viver juntos passa por uma dupla descoberta: a do valor próprio

e a do valor dos outros. Sem essa perspectiva do autorreconhecimento e do re-conhecimento do outro, não há a condição do viver juntos. Senhores e escravos não convivem. Uns dominam, outros submetem-se. “A consciência de uma igual-dade radical na diferença dos talentos é a base do viver juntos” (p. 66).

Sociedade da informação e trabalho em equipeVivemos e caminhamos ainda mais para uma sociedade da informação e da

comunicação. Dificilmente uma pessoa consegue dominar as informações neces-sárias para muitas tarefas. Nessa circunstância, entra o trabalho em grupo. Quem não aprender a viver junto com os outros não se encontrará habilitado para desen-volver esse tipo de tarefa em que as informações necessitam circular. A capacida-de comunicativa das pessoas para criarem equipes de trabalho se torna absoluta-mente imprescindível.

Experiência de convívioPara as crianças e os jovens aprenderem a viver juntos, os professores pre-

cisam propiciar-lhes, experiências de convívio e, dentro delas, refletir com eles sobre a sua conduta. Há muitas alternativas para se experimentar a vida em grupos. A educação dispõe de muitas possibilidades de formar seus alunos no espírito comunitário com a ajuda vigilante do professor. Seu olhar crítico deve orientar-se numa dupla direção, observando tanto os defeitos, as falhas, os limites, como as qualidades, as habilidades que os alunos revelam na expe-riência do grupo.

Os extremos da supervalorização de si mesmo e do complexo de inferiori-dade dificultam a convivência. Pelo contrário, só o jogo equilibrado do autoco-nhecimento de suas riquezas e de seus limites permite a alguém estabelecer relações sadias com os companheiros. Nem a mitificação, nem o endeusamento de um colega ou líder, nem também uma desestima ajudam o entrosamento entre as pessoas. Aprender a conviver é saber manter um olhar crítico, vigilante, lúcido sobre si e sobre os outros, na dupla faceta de reconhecimento dos valores e das limitações.

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Como aprender a ser

Unilateralismo da cultura ocidentalA sociedade ocidental costuma valorizar fortemente um só ângulo, deixando

outros de lado. Normalmente, predomina a valorização intelectual das pessoas em detrimento de outras qualidades. Os colégios e cursinhos disputam clientes ostentando os alunos classificados em primeiro lugar nos diferentes vestibula-res. Tornou-se óbvio que merece salários mais elevados um engenheiro que um operário. E a razão aventada é porque o engenheiro estudou mais. Nem sempre se pergunta se o professor tem reais qualidades humanas, afetivas, de equilí-brio psíquico, de empatia, de acolhida dos alunos. Quanto à própria inteligência, supervaloriza-se um dos seus aspectos. Os critérios de promoção se fazem por meio de exames que exigem certo tipo de inteligência lógica, de memória, de capacidade dedutiva. O lado estético, artístico, imaginativo é menos valorizado, a não ser para a carreira de Artes. É essa a concepção unilateral da inteligência. O ser humano é reduzido a uma de suas dimensões.

Desenvolvimento integral da pessoa humanaAprender a ser é uma resposta a esses extremos, procurando o desenvol-

vimento integral, total, da pessoa humana: espírito e corpo. E, nessa dupla di-mensão fundamental, leva-se em consideração a inteligência, a sensibilidade, o sentido estético, a responsabilidade, a espiritualidade e tantas outras realidades constitutivas da pessoa humana.

Dimensão geracionalPela primeira vez na história da humanidade, o ser humano tem a possibili-

dade física de destruir toda a vida. Portanto, carrega uma responsabilidade que envolve as gerações futuras.

Sem chegar à dramaticidade de destruir toda a vida, existe o risco crescente de ir lentamente estragando, destruindo, empobrecendo a Terra, de modo que as gerações futuras pagarão por pecados que não cometeram. Aprende-se a ser para a realidade presente e vindoura num espírito ético.

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A dialética do ser e terTornou-se lugar comum a oposição entre ser e ter. Não precisa de muita filo-

sofia para perceber que somos diferentemente do que temos. “O ter nos agrega. O ser nos constitui” (p. 84).

“Aprender a ter é ocultar-se atrás das coisas. Aprender a ser é despojar-se das coisas para revelar o próprio ser” (p. 84).

O ocultamento de siUma das maneiras comuns de ocultamento do próprio ser é “representar”

papéis. O que no mundo do teatro é arte, na vida real é fragilidade psíquica. Temendo ser rejeitado em sua própria pessoa – o ser humano tem horror da re-jeição –, oculta-a sob a capa de uma imagem para poder atribuir a rejeição a ela e não a si. Não se expondo, a pessoa não pode ser, na verdade, nem amada nem rejeitada. Prefere renunciar ao amor a ser excluída.

“Aprender a ser é saber enfrentar-se na verdade de si” (p. 86).

Enfrentamento da mídia e da cultura moderna“Aprender a ser hoje implica uma tarefa singular de saber situar-se diante da

terrível força inculcadora dos novos meios de comunicação” (p. 88). “Implica ne-cessariamente uma postura crítica diante dessa cultura massificada, vulgarizada, banalizada” (p. 90).

Em seu livro, Libanio (2001) compara o ser humano a uma casa de dois anda-res com janelas abertas ou fechadas para a realidade. No andar de baixo, estão as cinco janelas dos sentidos. Elas abrem-se para as maravilhas da vista, do sabor, do ouvido, do olfato e do tato. Mas aprender a ser é mais. Temos um andar supe-rior, onde, para ele, existem quatro janelas: a da beleza, a da verdade, a do bem e a da transcendência. Howard Gardner (1998), em seu livro O Verdadeiro, o Bom e o Belo também compartilha essa forma de pensar o ser humano. Temos a esté-tica, a filosofia, a ética e a religião, para Libanio. Delas descortinamos horizontes ainda mais amplos e belos. Quanto mais abertas estiverem e quanto mais olhar-mos através delas, mais felizes seremos.

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O mundo dos sentidosO conjunto dos sentidos dá o equilíbrio ao ser humano. A natureza é o espaço

privilegiado para que possamos deixá-los alargar-se em sua função. O desequilí-brio da cultura atual advém da maneira como os sentidos são bombardea dos e estimulados fora de toda medida. Em vez de repouso, as pessoas são agitadas e provocadas a um prazer pesado, sem alegria e felicidade. O prazer dos sentidos só existe na justa medida. Se se come e se bebe em demasia, se o perfume é muito forte, se o ruído ultrapassa a quota dos decibéis, se o tocar se extrema, o prazer transforma-se em desprazer.

A dimensão da beleza“Da janela da beleza, da estética, apreciamos a realidade com outros olhos. A

estética humaniza-nos” (p. 94). Aprender a ser inclui um cultivo às expressões de beleza. Na educação, deveria haver uma preocupação para que tudo que cercas-se a crian ça fosse o mais belo possível, mesmo em situação de pobreza.

A dimensão da verdadeA verdade funda-se no próprio ser das coisas. A nossa inteligência está orien-

tada para a verdade. Nela descansa e se satisfaz. A mentira, o erro, a falsidade podem enganar-nos, trazer-nos benefícios materiais transitórios. Mas, no fundo, o nosso ser rejeita-os radicalmente.

A dimensão do bem“A janela que nos abre para o bem é a ética” (p. 98).

O bem pertence às instituições básicas do ser humano. Percebemos que é bom tudo o que nos aperfeiçoa, que nos faz também bons. É praticando o bem que nos tornamos bons. Ética não é unicamente coisa de gente adulta. Deve ser algo a acompanhar toda a vida. Há tentativas de elaborar textos de ética para a criança com a finalidade de ir criando nela essa atitude de cuidar do seu agir.

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Tanto mais importante é aprender a ser, educando-se eticamente, quanto mais forte é a crise atual de valores. A crise de valores tem dupla face: teórica e prática. Teórica, questiona-se realmente a validade dos valores. Prática, não se discutem os valores. Um caso típico são condutas racistas, que não podem ser defendidas teoricamente – no Brasil, é crime –, mas são praticadas sub-repticia-mente. A aprendizagem deve focalizar a coerência entre a conduta e os princí-pios que se defendem, para que não haja contradição entre ambos.

ConclusãoTodos os pilares – conhecer, fazer, conviver e ser – estão precedidos de um

único verbo: aprender a. O desafio está em entrar nessa dinâmica. Formar é pre-cisamente ajudar as pessoas a descobrir esse processo criativo de aprender a e ir atualizando-o nos diversos pilares. As pessoas nunca sairão prontas de nenhuma etapa formativa, mas adquirirão a atitude formativa para conduzi-la até o fim da sua vida.

Texto complementar

(GARDNER, 1998, p. 290-293)

[...]

Esta é, pois, em resumo, a situação enfrentada por toda parte pelos edu-cadores. Todos os seres humanos habitam, mais ou menos, o mesmo cére-bro, mente e corpo. Certos horários e capacidades – e incapacidades – estão incorporados a nossa espécie. Ao mesmo tempo, como consequência dos caprichos da história e da geografia, nascemos sob condições que variam imensamente, sujeitas à influência de normas e valores que podem ser pro-fundamente discrepantes entre si. Aos educadores cumpre respeitar coer-ções universais. Cumpre-lhes ao mesmo tempo, criar jovens que possam interagir com sua sociedade num dado momento histórico e, além disso, transmitir seus principais preceitos e práticas a sucessivas gerações. Foi isso, de fato, o que eu (hoje mais idoso) procurei fazer neste livro.

As enormes mudanças que ocorrem no mundo ampliam essa tarefa. De-vemos preparar-nos para viver num mundo cujos contornos não podemos

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antever. A melhor preparação a meu ver, consiste em entender profunda-mente os dados que se acumularam ao longo de milênios sobre o mundo e sobre a experiência humana. Veio-me à lembrança um diálogo entre o escri-tor T. S. Eliot e um colega mais jovem. O colega sugeriu a Eliot que as pessoas modernas sabem muito mais do que as antigas. Eliot concordou, mas depois acrescentou com característica rispidez: “e elas são o que nós sabemos”.

Uma vez mais, a minha visão Como “terra firme” para este esforço através de águas turbulentas, reverti

à consideração de um trio de antigos critérios: o que é verdadeiro (e o que é falso), o que é belo (e o que nao é) e o que é bom (e o que é condenável). Com adequadas reservas, designei temas que se qualificam para conside-ração especial, no âmbito de nossa cultura ocidental: a teoria da evolução, a música de Mozart e os eventos do Holocausto. Defendi a tese de que os indivíduos em nossa sociedade deviam adquirir um entendimento cabal de temas como esses; e o completo domínio de tais assuntos só pode ser alcançado se estivermos dispostos a dedicar tempo e energia à sua explora-ção. Ao mesmo tempo, sublinhei que essas escolhas são apenas ilustrativas. (Infelizmente, isso não impedirá que algumas pessoas emprestem ao meu trabalho uma interpretação errônea; os que consultarem as resenhas críticas lerão, sem dúvida, em algum ponto que o curófilo Howard Gardner decretou um currículo baseado em três de suas obsessões pessoais.)

Assim, tratarei de dizer uma vez mais: é importante que uma cultura identifique as verdades, belezas e virtudes a que dá valor, e que dedique portanto, recursos para inculcar seu entendimento nos jovens estudantes. Em última instância, os indivíduos devem chegar às suas próprias sínteses dessas virtudes e – gostaria de nutrir tal esperança – dedicar-se a fazer vir-tuosas contribuições que enriqueçam o mundo em que vivem.

Dois fatos imponentes complicam essa tarefa. Em primeiro lugar, o enten-dimento é difícil de realizar, e os obstáculos para adquiri-lo são formidáveis. Em segundo lugar, na medida em que possuem mentes de diferentes espé-cies, os indivíduos representam a informação e o conhecimento de modos idiossincrásicos. No futuro, para a educação conseguir maior êxito com maior número de indivíduos, terá que afirmar-se e fundamentar-se nessas duas considerações.

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Na discussão central deste livro, abordei diretamente a questão de como os estudantes podem adquirir um entendimento mais profundo de temas e tópicos significativos. Procuro converter as diferenças individuais em alia-das, em vez de entraves à nossa educação. Se gastamos tempo em tópicos importantes, podemos abordá-los através de numerosos pontos de entrada; podemos traçar várias analogias; e podemos até captar as ideias essenciais desses tópicos num certo número de linguagens-modelo. O resultado de tal educação plurifurcada deve ser um corpo discente que, como um todo, adquiriu um profundo entendimento. E, igualmente importante, esses estu-dantes terão obtido uma ideia do que significa – e que sensação produz – entender tópicos importantes.

Um tal insight representa uma etapa crucial. Desse ponto em diante, os estudantes podem aplicar o teste do entendimento a outras questões e temas tanto de suas culturas como de outras. E talvez, depois de provar o doce fruto do entendimento, os estudantes fiquem motivados para continu-ar sendo “exploradores do saber” – talvez até “criadores de saber” – pelo resto da vida.

Esta é minha visão da educação – a educação que eu gostaria para todos os seres humanos. Acredito que tal educação produziria indivíduos que sentem ter um compromisso com a sua comunidade e com o mundo em geral. Talvez numa comunidade pequena e relativamente homogênea pos-samos obter consenso em torno de uma educação elaborada precisamente de acordo com as diretrizes que descrevi no livro.

Mas a vida é curta e os indivíduos discordam profundamente sobre essas questões. Assim, concluí ser sensato oferecer diferentes roteiros educacio-nais para os membros de uma determinada comunidade, país ou cultura. Es-tudantes, professores, famílias, membros da comunidade e autores de planos de ação podem repartir-se de acordo com os roteiros que favorecem.

[...]

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Dicas de estudoPara ampliar o estudo, sugiro assistir a dois filmes:

Ser e Ter (Être et Avoir) – trata-se de um documentário que conta uma história de um professor e seu amor pelas crianças e pela educação. Sozinho, ele alfabeti-za e ensina valores às crianças de quatro a onze anos de idade em uma pequena escola rural da França. Diferentes situações, algumas engraçadas, outras emocio-nantes, mostram a importância de se ter determinação, vontade e paixão na vida e, em especial na sua profissão.

Ficha técnica:

Direção: Nicolas Philibert �

País-ano: França – 2002 �

Duração: 104 minutos �

Nenhum a Menos – mostra a saga de uma professora substituta que tenta manter seus alunos na escola em uma pequena aldeia da China. É um filme que aborda a evasão escolar (um problema que atinge um grande número de esco-las no mundo), além de oferecer ainda várias fontes para uma visão mais apro-fundada da crise na educação.

Ficha técnica:

Direção: Zhang Yimou �

País-ano: China – 1999 �

Duração: 100 minutos �

Atividades1. Por que o autor do livro A Arte de Formar-se, João Batista Libanio, escolheu o

verbo formar-se?

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2. Quais são os quatro pilares da formação apresentados pela Unesco no rela-tório de J. Delors e os seus significados?

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Nesta aula, vamos apresentar e discutir uma condição especial no traba-lho pedagógico com crian ças pequenas que é a participação da família.

Na educação da criança de 0 a 6 anos, o contato permanente entre os pais, as mães e os professores costuma ser mais frequente do que em outras etapas. Esse relacionamento é, porém, um dos aspectos mais difí-ceis do trabalho da creche, tanto quanto é também fundamental para o desenvolvimento das crianças e para a evolução da imagem das institui-ções de Educação Infantil.

Vamos começar analisando: o relacionamento entre adultos que com-partilham a educação da criança.

De certa maneira, é de se esperar que esta tarefa de educar uma mesma criança de forma compartilhada, a partir de contextos tão diferentes como a casa e a creche, acabe fazendo com que surjam dificuldades e conflitos.

Quando ouvimos os professores falarem dos pais das crianças, um dos problemas mais citados é com relação a uma série de comportamentos e atitudes dos pais que eles consideram equivocados e que afetam direta e negativamente a educação das crianças e, por isso, ofendem os edu-cadores. O interessante a observar é que essas queixas costumam ser as mesmas em qualquer creche, o que nos mostra que se trata de uma difi-culdade generalizada.

Costuma-se ouvir as seguintes reclamações:

“os pais não respeitam as regras que a creche pede que sejam segui- �das. Por exemplo: não enviam as roupas extras que são solicitadas; trazem ou pegam as crianças em horários incertos”;

“os pais têm comportamentos não desejados pelos professores, tais �como: não confiam quando o professor diz que a criança não cho-rou depois que ele saiu, ou só querem saber se a criança dormiu e comeu e não se interessam pelas outras atividades. Atrapalham o horário de entrada e saída com perguntas sem importância”;

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“os pais educam mal as crianças em casa, isto é, permitem que a criança �coma só o que ela quer; acostumam a criança a dormir no colo; quando a criança chora e faz birra, cedem aos seus desejos”.

É preciso, no entanto, compreendermos que esse relacionamento pais-pro-fessores envolve alguns sentimentos característicos, tais como: medo dos julga-mentos, disputas sobre quem conhece melhor a criança, sentimento de culpa dos pais e, de outro lado, superioridade dos professores.

Mesmo que difícil, espera-se que a creche consiga promover entre professo-res e pais uma integração, uma colaboração mútua que passa pela confiança e pelo conhecimento, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento harmônico das crianças.

Vamos ver agora: alguns motivos para compartilhar a educação.

Segundo as educadoras espanholas Bassedas, Huguet e Solé (1999), no livro Aprender e Ensinar na Educação Infantil, as relações entre a família e o profes-sor devem concretizar o objetivo geral de compartilhar a ação educativa. Elas apresentam uma proposta que pretende pôr em prática algumas questões consideradas de grande importância na educação das crianças pequenas. Vamos, então, conhecer essas ideias.

Conhecer a criançaConhecer a criança envolve diferentes contatos nos quais é possível aprofun-

dar algumas impressões iniciais, deixar de lado outras e criar novas.

Pais e mães aprendem a conhecer novas dimensões de seu filho, pois não há dúvidas que a creche representa uma ampliação do meio social em que a criança vive e, portanto, instrumento de seu desenvolvimento. Tudo passa a ser diferen-te para a criança: outros adultos, outros companheiros, espaços físicos, objetos etc. Os pais vão poder ver seu filho, portanto, a partir de um novo ângulo.

Nesse momento em que se procura conhecer a criança, é possível acontecer de dar “rótulos” a ela (“é uma criança agitada, mal-educada, faz tudo errado, é de-satenta”) e, por isso, é importante que os adultos que a educam e com ela convi-vem tenham consciência desse “perigo” e tomem todo o cuidado para não trans-mitir essas classificações à criança. Devemos pensar que a criança pode mudar e que precisamos estar abertos a essas novas possibilidades de ser e de agir.

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Estamos falando de um conhecimento progressivo e mútuo, comprometido em auxiliar e orientar pais e professores na busca de uma compreensão mais ampla da criança. Além disso, acredita-se que esta relação entre os pais, as mães e os professores contribui para que todos sintam-se colaboradores e interessa-dos em oferecer a melhor educação para a criança.

Estabelecer critérios educativos comunsEsse conhecimento compartilhado entre pais e professores vai permitir que

sejam estabelecidos critérios educativos comuns. Isto é, apesar dos contextos sociais diferentes – casa e escola – é importante que existam acordos com rela-ção a determinadas proibições e permissões. Essa coerência irá contribuir para o desenvolvimento da criança.

Não podemos esquecer, no entanto, que cada família é diferente, que não existe um modelo padrão de família e que, por isso, não adianta querermos que todas reajam da mesma maneira às nossas solicitações. Esse fato quase sempre gera comparações e isso em nada vai ajudar a criança.

Oferecer modelos de intervenção e de relação com as crianças

Outra questão de grande valor para que a educação da criança seja com-partilhada com os pais é a oportunidade que temos na creche/pré-escola de mostrarmos para a família como as crianças se relacionam com outras pessoas adultas. Eles poderão ver que ela reage diferentemente do modo como reagiria na sua casa. É comum os pais ficarem impressionados quando presenciam seu filho guardando os brinquedos, obedecendo prontamente o professor e tendo outras atitudes que não costuma ter em casa.

Os pais podem aprender a partir desses modelos, compreendendo melhor seu filho e percebendo a possibilidade de modificar seu modo de agir.

Ajudar a conhecer a função educativa da crecheA instituição de Educação Infantil deve abrir as suas portas para os pais das

crianças. É fundamental que as famílias tenham a oportunidade de saber como

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é o funcionamento da creche/pré-escola e que possam reconhecer e valorizar o profissional da educação, em especial, aquele que tem conhecimentos específi-cos para educar crianças pequenas.

É claro que não é possível pais e mães entrarem e saírem da creche/pré-esco-la a qualquer momento. Tampouco é possível que eles interfiram permanente-mente no funcionamento da instituição. Por isso, a participação da família pre-cisa ter delimitações de horários e de espaços, garantindo, assim, um adequado atendimento aos pais e às crianças.

Existem diferentes maneiras de os pais participarem, de se envolverem no trabalho da creche. É o que veremos a seguir.

Formas de trabalho da creche com a família

Formas individuaisPara conhecer melhor cada família, seu modo de vida, o sistema de educação

da criança; para estabelecer a compreensão mútua e a confiança necessária, os professores das creches e pré-escolas podem utilizar algumas formas de traba-lho individual com os pais, tais como:

a entrevista antes da inserção da criança; �

os contatos informais e cotidianos; �

as entrevistas solicitadas. �

Geralmente, quando os pais matriculam os filhos em uma creche ou pré- -escola, preenchem um formulário com informações essencialmente burocráti-cas, como nome, endereço, profissão etc. Porém, existe ainda a possibilidade de que, após esse primeiro contato, seja realizado outro: uma entrevista (qualitativa) antes da inserção da criança. O objetivo dessa entrevista é iniciar um trabalho de conhecimento mútuo – família e instituição – e de colaboração entre ambas as partes. Conforme a faixa etária da criança, os conteúdos e os objetivos da en-trevista podem variar. No caso dos bebês, pode-se pretender conhecer alguns costumes da criança para que o professor possa agir mais próximo aos hábitos de cada aluno. Já com as crianças um pouco maiores, provavelmente as informa-ções que mais lhe interessam referem-se a como está a criança em casa, como é o seu dia habitual, quais as expectativas que a família tem da creche etc.

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E, finalmente, é bom não esquecer que esse processo de conhecimento é longo, e que, portanto, não vai ser em uma entrevista que vamos encerrá-lo.

Os contatos informais e cotidianos são importantes por várias razões, pois per-mitem um conhecimento progressivo das pessoas que estão envolvidas com a educação da criança; ajudam os pais a tranquilizarem-se e a verem com seguran-ça a permanência do seu filho na creche e, ainda, a própria criança pode ver que as pessoas adultas significativas para ela têm coisas a conversar, relacionam-se.

Essas conversas informais com os pais ou com outras pessoas da família cos-tumam acontecer no horário da entrada da criança e também na hora da saída. Esses encontros costumam ser breves, porém têm uma grande importância, pois satisfazem os pais e possibilitam a construção de uma relação de confiança com o professor.

As entrevistas solicitadas podem acontecer sempre que a creche/pré-escola ou a família sentirem necessidade de discutir algum assunto específico de ma-neira mais detalhada, e também de forma sistematizada, ou seja, os professores marcam com cada família momentos para conversar sobre o desenvolvimento da criança na creche. As educadoras Bassedas, Huguet e Solé (1999) apresentam um quadro em que levantam “aspectos que devem estar presentes na prepara-ção da entrevista”.

Por que é preciso fazer a entrevista?

As finalidades mais habituais são: compartilhar a visão sobre a criança; infor-mar os pais sobre a evolução que a criança está seguindo na creche; chegar a acordos com a família para reconduzir o processo de aprendizagem da criança.

A quem se convoca?

O que será feito? Quanto tempo deve durar?

Onde fazer a entrevista?

Como deve ser a ambientação e o clima da entrevista?

É comum os professores chamarem os pais para uma conversa quando se detecta algum problema. É claro que, nesses casos, é de grande valor essa pos-sibilidade de relacionamento e de troca de ideias, mas é também importante lembrarmos que podemos chamar os pais para dar boas notícias.

Por outro lado, a família pode também, em um dado momento, pedir uma entrevista para saber sobre algum assunto específico que a está preocupando,

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para saber sobre o seu filho ou filha, ou apenas para trocar ideias. Sob qualquer hipótese, o mais importante é que o professor vá conversar com os pais com toda a disponibilidade necessária para escutar, para entender o ponto de vista deles, as suas ansiedades, e orientá-los da melhor maneira possível.

É importante fazer, no mínimo, uma entrevista individual durante o ano escolar. A ideia é que sejam entrevistas interativas, isto é, que não pretendam apenas dar informações, mas analisar junto com a família o desenvolvimento da criança.

Formas coletivasAs reuniões podem ser realizadas com os pais de todas as crianças da creche

ou por turma, de acordo com o objetivo do encontro. Podem também ser dirigi-das pelos profissionais da própria instituição – professor, diretor, psicólogo, entre outros – ou então por profissionais convidados pela creche, como, por exemplo, um fonoaudiólogo, um sociólogo, um assistente social, para falar sobre algum assunto específico.

De qualquer forma, as reuniões precisam ser bem planejadas: anunciadas previamente, em horários minimamente adequados para os pais e profissio-nais, definindo duração, linguagem adequada, exemplos práticos, entre outros pontos.

Outras formas de participação dos paisAlém das formas individuais de entrevistas e conversas, e das reuniões, os

pais podem ter outros canais de participação. Vou citar alguns, mas com certeza devem existir muitos outros e de grande valor.

Um deles é por meio da representação dos pais nos Conselhos ou Associa-ções. A forma como essa representação vai ocorrer, a definição das competên-cias e das atribuições que os pais representantes assumirão poderá ser bem va-riada e dependerá da organização de cada instituição.

Outra forma de possibilitar a participação dos pais no trabalho realizado pela creche é por meio de exposições, murais ou outros métodos visuais. Pode-se permitir que os pais vejam e conheçam os seguintes pontos:

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os projetos e trabalhos realizados pelas crianças (fotos, explicações sim- �ples, exposição dos próprios trabalhos);

calendário das atividades especiais de um determinado período; �

informações relativas ao quadro de pessoal com as devidas qualificações; �

informações relativas à estrutura e ao funcionamento da creche; �

avisos importantes; �

indicação de peças de teatro ou outro evento interessante para as crianças �e as famílias, que esteja acontecendo na cidade.

As cadernetas, agendas ou diários são também um instrumento de funda-mental importância. Elas servem para que família e professores possam trocar informações diárias, independentemente da possibilidade de encontro pessoal.

Os pais e a família, em geral, podem participar também através da integração dos seus conhecimentos nos projetos e trabalhos desenvolvidos com as crianças na creche. Eles podem, por exemplo, vir falar para as crianças sobre o seu traba-lho, ou ajudar na confecção de fantasias, contribuir com ideias para a organiza-ção de uma peça de teatro etc.

E, finalmente, uma das formas mais comuns é a participação dos pais nas festas: bingo, bazar, baile, festa junina, entre outras.

São muitas as formas de participação dos pais nas creches/pré-escolas; todas, individualmente e/ou em conjunto, repercutem, sem dúvida, favoravelmente ao desenvolvimento da criança.

Vamos agora ler dois textos. O primeiro é um trecho do livro À Procura da Dimensão Perdida, escrito pela educadora americana Giordana Rabitti (1999), que realizou algumas pesquisas na cidade de Reggio Emilia, na Itália. Ao relatar sua vivência na pré-escola La Villetta, ela fala do envolvimento dos pais no tra-balho lá desenvolvido. O segundo texto, escrito pelo educador italiano Adriano Bonomi (1998), analisa o relacionamento entre educadores e pais a partir de um novo ângulo.

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A aprovação dos pais – a gestão social(RABITTI, 1999, p. 155-156)

O alto número de pedidos de matrícula, a elevada participação nos en-contros e nas atividades promovidas pela escola, as declarações públicas sobre a qualidade da ação educacional em andamento mostram o quanto os pais aprovam a abordagem educacional que se realiza na Villetta e nas demais escolas do Projeto.

[...] Os pais das escolas municipais de Reggio Emilia não exercem pressões para obter um currículo mais preocupado com a aquisição de habilidades “es-colares”, como a leitura ou a escrita. Parecem, ao contrário, partilhar a aborda-gem educacional escolhida, baseada numa ideia holística da criança, e que se coloca como objetivo facilitar o desenvolvimento da personalidade através da aquisição de múltiplas habilidades nas muitas linguagens possíveis.

Um elemento que me parece ter um papel importante, nesse partilhar fina-lidades entre a escola e as famílias, é a atenção que a escola dedica à participa-ção dos pais. “Digamos que os pais entram na escola ainda antes que os filhos”, disse-me Carla, referindo-se às diversas oportunidades oferecidas às famílias de visitar as escolas antes do início das matrículas. E os pais, mais tarde, têm muitas oportunidades de discutir e negociar finalidades e currículo escolar. Já vimos quanto as famílias têm contribuído à reforma do ambiente da Villetta e quanto cuidado têm os educadores da escola ao predispor o ambiente de forma a poder “comunicar” aos pais, através da exposição dos produtos de ati-vidades coletivas e individuais. Os pais entendem, assim, que seus filhos são importantes. “Não é possível ter um pai interessado, se não houver um profes-sor interessado e uma criança interessada”, sintetizou Amélia.

Os encontros entre pais e professores não são formalidades burocráticas, como frequentemente ocorrem nas escolas italianas; as opiniões dos pais têm peso. Certamente isso implica que os professores devem “entrar em jogo”, para usar as palavras de Giovanni, que esclarece: “Não é que os pais não reconhe-çam em nós o profissionalismo; pelo contrário, querem discutir conosco, obter informações sobre o comportamento do filho na escola, comparar a menina em casa e na escola. [...] Trata-se de encontrar sistemas eficazes de diálogo”.

Texto complementar

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A participação da família

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O relacionamento entre educadores e pais(BONOMI, 1998, p. 161-163)

Compartilhar com adultos o crescimento e a educação de uma criança pequena envolve a prática de uma dinâmica relacional complexa. A criança, como objeto comum de cuidados e atenções, mas também de expectativas e avaliações, é fonte de um tipo particular de experiência conflitante entre os adultos.

[...] Atualmente está mais claro o caráter crucial que o relacionamento educadoras-pais possui sobre a evolução da imagem e da ideia de creche e sobre o significado do profissionalismo da educadora.

Também é evidente que esse é um dos aspectos mais problemáticos e difíceis da vida da creche e um dos pontos onde mais se solicita um trabalho de reflexão e pesquisa.

No interior da história e da evolução das creches, esse problema encon-trou posições específicas e diversidade de importância em relação à imagem de si e das tarefas que a creche estava elaborando. São basicamente três as modalidades perseguidas, mesmo de maneira entrelaçada, nos anos passa-dos, na tentativa de estabelecer, por parte das educadoras (compreendidas coletivamente como grupo), um relacionamento “satisfatório” com os pais.

Uma primeira modalidade é a que se resume ao objetivo da “participação social”. Esperava-se que os pais participassem da vida da creche como sujei-tos coletivos, solidários com a nova experiência educacional que a creche poderia inaugurar, defensores e aliados nas reivindicações das educadoras em relação às administrações, como auxílio contra “os inimigos da creche”.

Os próprios pais, pelo menos uma parte deles, podiam reencontrar-se nessa imagem, já que deviam defender a própria escolha de levar a crian-ça para a creche, mesmo como escolha de progresso contra um modo de pensar tradicional que desconfiava de qualquer distanciamento da criança pequena da família. Além disso, nessa fase, as modalidades que expressa-vam necessidades e aspirações assumiam rapidamente formas coletivas e criavam a necessidade urgente de posicionamento.

Uma segunda modalidade, que se tornou rapidamente dominante, era caracterizada por um comportamento para com os pais do tipo “didá-

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tico-educacional”. Os pais eram convidados a encontrar-se com as edu-cadoras no “terreno” destas últimas. O objetivo explícito ou implícito do encontrar-se era o de mostrar aos pais as coisas interessantes e importantes para o desenvolvimento que as suas crianças realizavam na creche, quando não, mais sutilmente, o de impressionar os pais a respeito do quanto eram capazes as suas crianças com a condução das educadoras.

Em tudo isso não existia frequentemente a possibilidade de uma troca, visto que a experiência do pai com o filho não encontrava espaço, senão como campo de autocrítica em relação ao modelo educacional proposto pela creche.

O relacionamento educadoras-pais, fixado nesse modelo, revelava-se se-guidamente frustrante para ambos os interlocutores.

A participação dos pais era sempre mais escassa e as educadoras sen-tiam-se desencorajadas, já que seus esforços não produziam os resultados esperados.

Sem dúvida, atrás desse posicionamento, havia uma ideia dominante de creche não como lugar de encontro entre diversas experiências e práticas relacionais e educacionais, mas como local que adquiria valor enquanto ofe-recia à criança mais estímulos, mais ocasiões de aprendizagem, mais espaços e materiais, mais impulsos para a autonomia.

Naturalmente, nas competências profissionais das educadoras havia muito mais, mas isso era somente o que elas conseguiam explicitar, visto que a imagem consciente do seu próprio profissionalismo também se ligava mais estreitamente àquela imagem das especialistas nas atividades didático--educacionais para a criança pequena, e não àquela de especialistas na admi-nistração de relacionamentos complexos como os de educador-criança-pai.

A terceira modalidade, mais marginal, e muitas vezes contemporanea-mente presente nas duas primeiras, era uma tentativa de envolvimento dos pais no plano da colaboração prática. A solicitação implícita era a de uma contribuição do pai para a comunidade da creche. Ele poderia participar ofe-recendo materiais úteis para as brincadeiras das crianças ou, se possuísse competências mais específicas, construir jogos ou equipamentos destinados ao uso de todas as crianças.

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A participação da família

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[...] Um outro momento particular, do qual os pais participam diretamen-te e com a própria presença na vida da creche, é a ocasião da festa. O ani-versário do filho só para ele, as festas de Natal, de Carnaval, da primavera ou antes das férias de todo o grupo.

São ocasiões prazerosas e divertidas, embora às vezes um pouco confu-sas, que rompem com a rotina cotidiana das educadoras e talvez possuam também a função, devido ao fato de serem extraordinárias, de assegurar a todos que os pais, as educadoras e as crianças podem ficar juntos.

Essa reconstrução, mesmo que simplificada e parcial, de como foi tema-tizado nestes anos o relacionamento das educadoras de creche com os pais detecta, pelo menos nas suas grandes linhas, o motivo dominante de seus esforços e de suas intenções.

É o que se pode definir como uma tentativa de “envolvimento ideológico”, isto é, o esforço de envolver e fazer com que os pais participem das várias ideologias da creche: a educacional, a institucional e organizacional, a social, deixando de lado, por ser muito complexo e conflitante, o aspecto relacio-nal, do confronto entre indivíduos empenhados, a partir de pontos de vista diversos, em uma experiência com a criança.

Todavia, junto com a evolução da imagem profissional das educadoras, e com a identificação desse profissionalismo específico da creche como competência na gestão de relacionamentos entre adultos, e entre estes e as crianças, o espaço para enfrentar o aspecto delicado e complexo do re-lacionamento com os pais ampliou-se notavelmente. De um problema im-plícito e um tanto escondido, vivenciado, mas não mencionado, tornou-se, para as educadoras, objeto sobre o qual a exigência de reflexão e confronto é sempre mais urgente.

Dicas de estudoUma boa dica de estudo é a leitura da entrevista com a psicóloga e educa-

dora Rosely Sayão sobre as deficiências da prática educacional na educação infantil brasileira, abordando também a participação da família na educação. Essa entrevista pode ser lida no site: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12613>.

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Conhecer o site <www.maecomfilhos.com.br/home/> é outra forma de você ampliar seus conhecimentos sobre questões que envolvem a família e a educação.

Atividades 1. Por que na Educação Infantil a participação da família é um aspecto muito

importante, mas também bastante difícil?

2. Escreva a respeito de algumas formas de trabalho da creche com a família.

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O assunto gestão social tem forte ligação com a participação da família no trabalho desenvolvido na creche, mas a partir de um outro enfoque.

Em primeiro lugar, vamos entender o que é gestão social. A palavra gestão significa gerência, administração. Desse modo, vamos discutir sobre a administração social da creche/pré-escola.

E o que é uma administração social?

Podemos dizer que é quando um grupo de pessoas torna-se responsá-vel pela condução dos serviços oferecidos em uma determinada institui-ção. No caso específico das creches e pré-escolas, trata-se da participação mais direta dos pais, dos profissionais e da comunidade na administra-ção dessas instituições. Por isso, a relação com o tema participação dos pais. Sabemos que todas aquelas diferentes formas de envolvimento das famílias no trabalho da creche contribuem também para a gestão social, e existe um outro enfoque: a ideia do coletivo, do social. A preocupação maior é com relação à educação e o cuidado de todas as crianças, o que abrange todas as famílias e todos os educadores da creche (educadores, pois inclui-se não só os professores, mas também os funcionários, a direção e outros profissionais envolvidos no processo de educação das crianças).

Esse grupo composto de crianças, familiares e educadores é insepará-vel nas suas relações, de tal forma que o bem-estar ou desconforto de um afeta o bem-estar ou desconforto do outro. E, ainda, temos que considerar estes três componentes inseridos em um contexto maior que é a socieda-de, vista, assim, como o quarto componente.

A creche, portanto, não é compreendida como uma instituição separada, mas que está em constante interação com a realidade econômica e social.

Desenvolver um trabalho de gestão social não quer dizer adotar um método de administração. Trata-se de uma concepção de prática educa-cional, um valor ético que envolve todos os aspectos da experiência edu-cativa. É um trabalho participativo e que tem uma maneira especial de relacionar-se com as pessoas e as instituições.

A gestão social

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Essa ideia faz parte de um projeto educacional que valoriza uma intensa re-lação comunicativa entre educadores, pais, crianças e sociedade, reforçando os conceitos de relação e de solidariedade.

Bem, agora já sabemos o que é gestão social. Então, vamos pensar mais além: por que trabalhar com gestão social?

Aqui cabe explicar que, apesar de ser possível fazer gestão social em uma instituição privada, é menos comum, principalmente com relação aos aspectos financeiros. Assim, a ênfase dada a esse tipo de trabalho refere-se às instituições públicas.

Podemos dizer que as lutas de alguns grupos em defesa de seus direitos são grandes propulsoras da gestão social. As pessoas, após anos de reivindicações, quando conseguem ter a sua creche, por exemplo, querem participar da sua ad-ministração, sentem-se responsáveis por aquele equipamento social. Desejam se comprometer diretamente com aquilo que conquistaram e isso acontece por meio da gestão social.

Outro motivo para trabalhar de forma participativa decorre da maior possibili-dade de responder às amplas e complexas necessidades das famílias, educadores e cidadãos em geral com relação ao tipo de serviço que será oferecido na creche.

E é claro, com o envolvimento de todos, em especial da comunidade, cria-se um reconhecimento social, ou seja, a creche/pré-escola é vista como parte es-sencial da vida daquelas famílias, como resposta positiva às suas expectativas. Não é um equipamento que a prefeitura construiu, equipou, contratou profis-sionais e definiu como iria funcionar, e que muitas vezes não apresenta elos com a realidade daquelas pessoas que vivem naquele bairro. A comunidade, como dito, sente-se responsável pela integridade daquele equipamento social.

No Brasil, acompanhando a nossa história política, ainda não temos uma his-tória longa e muito rica de experiências de gestão social. Em São Paulo, o Mo-vimento de Luta por Creches foi bastante significativo, mas, à medida em que o Estado foi se antecipando às demandas e oferecendo novas creches, o Movi-mento se esvaziou e a participação na gestão também diminuiu.

É mais comum conhecermos experiências interessantes de gestão social em escolas, apesar de sabermos que nas instituições de Educação Infantil a sua realização é facilitada, primeiramente porque não existe preocupação com notas, aprovações, diplomas etc., e segundo porque a relação entre pais, filhos e educadores é naturalmente mais intensa, devido à faixa etária das crianças.

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A gestão social

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Mas, façamos uma pergunta: por que é difícil administrar a creche de uma forma participativa? Diria que existem algumas razões para isso.

Uma delas é ainda a falta de consciência dos pais e dos educadores com rela-ção à importância e o valor da gestão social. Além disso, as famílias de nível so-cioeconômico baixo muitas vezes acreditam que não são capazes, e os pais com uma melhor condição de vida costumam afirmar não terem tempo, acham que seria apenas mais uma “tarefa” a ser realizada num cotidiano difícil. Em ambos os casos, não há verdade.

Por parte dos profissionais que trabalham nas creches e pré-escolas, existe grande resistência pela dificuldade de relacionamento e de conseguir trabalhar de forma democrática. Às vezes, é muito mais fácil obedecer, seguir ordens, sem responsabilizar-se pela decisão tomada do que ouvir, opinar, discutir e conseguir definir.

Realmente, trabalhar em grupo pode ser muito mais difícil, mas é com cer-teza muito mais enriquecedor e acredito que quem aprende a trabalhar dessa forma (corresponsabilidade) nunca mais conseguirá voltar à outra.

Mas ainda falta responder a uma pergunta fundamental: como trabalhar a gestão social?

Para isso, não há uma receita a ser seguida. Deve-se acreditar na capacidade, na diversidade e na criatividade das pessoas. Ou seja, não é possível ter uma única resposta, porque cada situação, cada circunstância vai exigir diferentes propostas.

Mas nem por isso devemos desconhecer outras experiências. O importante é sempre refletir sobre elas, isto é, saber selecionar o que existe de semelhante com a nossa realidade e com a nossa forma de pensar, para, então, poder ir além, e criar os nossos próprios caminhos.

Um exemplo muito interessante é a experiência com as pré-escolas públicas da cidade de Modena, na Itália. No livro Qualidade em Educação Infantil, o autor Quinto Borghi (1998), coordenador pedagógico da Prefeitura de Modena, des-creve o trabalho lá realizado.

Vamos então conhecer como é exercida a gestão social dessas pré-escolas. Para isso, vou me basear neste texto e também na minha própria experiência, uma vez que pude realizar pesquisa naquela cidade.

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Quinto Borghi aponta três finalidades básicas no modelo das pré-escolas mu-nicipais de Modena, as quais foram sendo adquiridas com o passar do tempo e sendo aos poucos incorporadas:

1.ª) Uma pré-escola para a criança: a atenção é concentrada na identidade da criança, na sua condição de sujeito de direitos diversos, na consciência de si mesma, na íntima relação com a sua família e a sua cultura de origem.

2.ª) Uma pré-escola das experiências e dos conhecimentos: enfoca-se alguns conteúdos significativos da experiência – a educação linguística, artística, científica e motora.

3.ª) Uma pré-escola baseada na participação e integrada com a cidade: pres-ta-se muita atenção à relação com as famílias e à gestão social e também à intenção de se ter uma cidade autenticamente comprometida com a educação. Uma “cidade educadora”.

Neste momento, interessa-nos mais de perto a terceira finalidade, a que se refere à participação social e à integração com a cidade.

Essa finalidade considera dois aspectos importantes do amplo e bem-articu-lado projeto do município de Modena: o primeiro refere-se à gestão social, ou seja, à modalidade de participação dos pais na organização e gestão de alguns momentos da vida escolar, e o segundo refere-se à relação das pré-escolas com os recursos educativos da cidade.

A cidade de Modena possui uma longa tradição na promoção de políticas de infância. Lá a pré-escola foi desejada e promovida diretamente pela vontade dos seus cidadãos e, portanto, a participação na gestão é algo que foi sempre considerado como desdobramento natural.

Porém, a administração municipal percebeu a necessidade, cada vez mais ur-gente, de repensar e renovar a política de infância, especialmente os problemas relacionados com a participação das famílias e com a gestão social dos serviços.

Alguns problemas iniciais foram identificados. Os primeiros entusiasmos que impulsionaram as ações foram, posteriormente, entrando em processo de crise, até o ponto em que se tornou evidente para todos a dificuldade que represen-tava a participação na vida da pré-escola e na gestão social. Entre as diversas razões, destacam-se:

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no início, a participação dos pais não era apenas desejável, mas indispen- �sável. Mas, aos poucos, os serviços para a infância foram inevitavelmente tendo um caráter mais formal e passaram a assumir cada vez mais sozi-nhos as responsabilidades;

os pais não queriam limitar-se a dar o seu aval a decisões que já haviam �sido tomadas por outros. Reivindicavam a gestão direta e participante.

Assim, a administração municipal decidiu aprovar um novo regulamento que pretendeu não apenas restabelecer, mas, principalmente, dar um novo vigor à participação dos pais na gestão.

Tem-se, portanto, a consciência de que a coletividade, em especial as famílias das crianças das creches/pré-escolas, devem estar cada vez mais em melhores condições para continuar reconhecendo, analisando e resolvendo os problemas da infância.

Surgia, assim, a Renovação das Modalidades de Participação e de Gestão Social. Essas novas modalidades são consideradas dentro de uma reflexão mais ampla, na qual se integrem tanto as políticas de infância como as diferentes formas de organizar e administrar as pré-escolas.

No que se refere às dificuldades dos pais, constatou-se a importância de pres-tar atenção a alguns aspectos em especial e, assim, foram definidas algumas di-retrizes para a superação das dificuldades com pais, quais sejam:

conseguir que a participação da família seja significativa e percebida pe- �los pais como um fato importante. Não pode ser vista como um “dever” ou como um instrumento para ratificar opções já realizadas por outros, e sim como o envolvimento direto na construção do projeto educativo dos próprios filhos;

garantir os instrumentos necessários para a participação, por meio de uma �boa “estrutura organizacional” e mediante a colocação à disposição de to-dos os recursos (informações, esclarecimentos, materiais etc.) que sejam necessários para obter uma participação eficaz;

fazer com que a participação seja tão eficiente quanto possível; e os pais �tenham, consequentemente, a possibilidade de “ter peso” e de sentirem- -se competentes;

prestar atenção tanto ao número de participantes como à motivação para �participar. Sabemos bem que a participação dos pais é mais elevada nos

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casos em que as reuniões são organizadas com pequenos grupos (encon-tros de aula, ou, inclusive, em momentos de organizar grupos de trabalho). Sabemos também que a participação é forte quando o participante está convencido de que a sua cooperação é solicitada para algo claro e que as tarefas que ele deve realizar são de utilidade e representam uma melhoria concreta para as crianças, para os pais ou para o serviço como um todo.

Vamos agora ao projeto denominado “A cidade das crianças”, também apre-sentado por Quinto Borghi no texto “As escolas infantis municipais de Modena I: o modelo.”

A política da administração municipal de Modena baseia-se na ideia de im-plementação de uma autêntica cidade educadora. A proposta parte do princípio de que as cidades atuais podem ser analisadas de muitos e diferentes pontos de vista: a cidade do tráfego, a cidade do comércio, a cidade do trabalho e dos ser-viços. Por que, então, não promover uma política que parta do ponto de vista da “cidade das crianças”, do ponto de vista da educação? E como seria esta cidade? Seria, como afirma o texto, “à medida das crianças, ou seja, que responda à diver-sidade de direitos que possuem”. Teria, então, espaços para jogos, para a sociali-zação, a exploração, entre outros.

Os espaços das cidades, em geral, são os espaços da desigualdade, onde alguns são claramente privilegiados, como, por exemplo: os espaços para os adultos com-parados aos espaços para as crianças, os espaços para a indústria em relação aos espaços para os momentos de lazer, os espaços para os automóveis diante dos espa-ços para as pessoas, os espaços para o comércio diante dos espaços para a cultura.

Também os tempos das cidades estão caracterizados pela desigualdade, em que cada um é prisioneiro de seu “próprio” tempo.

O projeto A cidade das crianças quer ser, ao invés de “a cidade proibida, a cidade que aceita”. Esquematicamente podemos apresentar os seguintes âmbi-tos de ação:

Projetos que buscam o aperfeiçoamento dos serviços para a infância

O reforço e o aperfeiçoamento das creches e pré-escolas. �

Projetos de continuidade vertical e horizontal. �

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Aperfeiçoamento da gestão social. �

A realização de planos de formação permanente dos professores. �

Projetos especiais: centro infantil permanente no hospital; “centros de jo- �gos”, “centros para as famílias”, jardins e parques abertos.

Projetos que se referem à cidade como aula didática e laboratório educativo

Centro de documentação educativa. �

Proposta de itinerários didáticos. �

Iniciativas diversas de atualização. �

Projetos referentes ao planejamento dos espaços da cidade

A qualidade do planejamento urbano. �

A cultura e a memória da cidade. �

As redes de serviços. �

O ambiente saudável. �

As diferenças. �

A administração pública estabeleceu uma Comissão dos Espaços, compos-ta por diversos profissionais que atuam no município (arquitetos, engenheiros, responsáveis culturais, pedagogos, economistas e técnicos da administração). O objetivo da comissão é chegar a formular propostas e analisar projetos dirigidos ao planejamento ou replanejamento da cidade (mobiliário urbano, reorganiza-ção dos parques, rees tru turação das áreas em desuso, recuperação de espaços no centro histórico, entre outros) para garantir os direitos de acesso e de utiliza-ção dos espaços pelas crianças.

Essa é, sem dúvida, uma referência interessante para inserirmos nas nossas comunidades, observando cada realidade existente, porém com o objetivo de seguirmos formas mais avançadas de gestão social das creches e pré-escolas.

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Envolvimento na participação – envolvimento na direção

(UNESCO, 2002, p. 181 e 183)

Há envolvimento na participação quando, além de outros membros da comunidade, os pais oriundos de diferentes meios étnicos, culturais, linguís-ticos e religiosos são convidados, regularmente, a se associarem ao pessoal e às crianças, tomando parte ativa nos programas de ECPI1. É evidente que os pais são consultados como grupo sobre todas as questões que dizem respeito ao programa. [...] No envolvimento participativo, os pais poderão acompanhar os filhos nas visitas fora da instituição, ajudar na manutenção e renovação das instalações e dos pisos, além de participarem das atividades culturais [...]. O en-volvimento participativo pode ser formalizado, por exemplo, através de acor-dos e contratos centro/domicílio, como ocorre na Itália ou Finlândia, ou pode ser exigido para obter financiamentos especiais – por exemplo, o Zorgverbre-ding na Comunidade Flamenga da Bélgica ou o Sure Start no Reino Unido. O programa Head Start nos Estados Unidos da América torna obrigatório o desenvolvimento de programas de voluntariado para ajudar nos serviços. A participação de voluntários – pais, moradores e membros da comunidade – foi um meio eficaz de mobilizar os recursos da comunidade para fortalecer os serviços. Os voluntários contribuem para reduzir a razão adulto-criança, permitem recrutar adultos bilíngues necessários para as crianças e pais não anglófonos e ajudam as crianças portadoras de deficiência. Além disso, cerca de um terço do pessoal remunerado é composto pelos pais das crianças que participam ou já participaram do programa Head Start.

O envolvimento na direção vai além do envolvimento formal anteriormen-te apresentado, devido à sua intensidade e à responsabilidade reconhecida aos pais nas tomadas de decisão. O envolvimento na diretoria está presente em um grande número de países, tais como Noruega, Reino Unido e Suécia, por meio de cooperativas e grupos recreativos presididos pelos pais, organi-zações em que eles estão envolvidos na focalização dos programas, nas ativi-dades, na contratação de pessoal e nas decisões orçamentárias relativas à es-

1 A sigla ECPI quer dizer Educação e Cuidado da Primeira Infância e inclui todas as modalidades que garantem a educação e cuida do das crianças com idade inferior à da escolaridade obri gatória, seja qual for a estrutura, o financiamento, os horários de funcionamento ou o conteúdo dos programas.

Texto complementar

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trutura de ECPI. Durante o ano, é comum que os pais passem várias semanas envolvidos ativamente em toda uma série de atividades. Na Dinamarca, eles constituem a maioria nos conselhos de administração dos jardins de infância e das creches domiciliares. Além disso, às comissões de pais dos centros de ECPI municipais, é reconhecido pela legislação o direito de exercerem sua influência sobre os princípios orientadores do trabalho da estrutura de ECPI e sobre a utilização do orçamento; também podem fazer recomendações à autoridade local no que diz respeito à contratação de pessoal. Nas creches domiciliares (guarda familiar), os pais têm o direito de exercer sua influência sobre os princípios orientadores do trabalho dos prestadores de serviço, do mesmo modo que sobre a utilização do orçamento. Em cada centro para crianças, na Noruega, deve existir, além de um conselho de pais para defen-der os interesses comuns de todos os pais no nível da gestão, um comitê de coordenação dos pais, do pessoal e dos proprietários para agir como um Conselho e garantir boas relações entre o barnehage (jardim de infância) e a comunidade local. Na Holanda, os serviços subvencionados de ECPI e as escolas de ensino fundamental devem ter uma estrutura de “codireção”, ga-rantida pelos pais para que estes tenham direito a voto. Nos Estados Unidos da América, a legislação federal relativa a Head Start reconhece o direito dos pais de participarem das decisões concernentes aos programas. Um Comitê de Pais e um Grupo de Decisão Política constituído por pais e representantes da comunidade participam das decisões sobre o planejamento e a implan-tação do programa Head Start. Assim, o envolvimento na direção promove a responsabilização dos pais e pode ser um canal para reunir os membros da comunidade em torno de iniciativas que visam satisfazer as necessidades mais prementes das crianças.

Difícil decolagem – vinte anos depois de lançado, conceito de cidades educadoras

ainda sofre resistências(CHUPIN, 2009)

Em 1989, há 20 anos, Barcelona lançava o conceito de cidade educadora. Nessa esteira, criava uma rede internacional de municípios determinados a fazer da educação o centro de suas propostas políticas.

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Segundo esse conceito, cada artéria, instituição, administração ou empresa teria por responsabilidade, coletiva e solidariamente, a formação dos cidadãos. É um sonho um pouco louco dos 400 vereadores das municipalidades que aderiram à Associação Internacional das Cidades Educadoras (Aive), uma rede que pretende, em escala local e além, reforçar a democracia participativa.

A ideia foi gestada no início dos anos 1990, quando Pasqual Maragall, o pre-feito da capital catalã, criou, com vistas aos Jogos Olímpicos de 1992, canteiros de renovação em todas as áreas: urbanismo, cultura, transporte. A cidade de Gaudi tomava pé de uma vez da modernidade, ficando entre as grandes metrópoles do século 21. “Quando nos candidatamos para acolher os Jogos Olímpicos”, lembra-se Pilar Figueras, secretária-geral da associação, “Pasqual Maragall achava que devíamos refletir sobre uma ligação cidade-educação. Nós éramos poucos, entre os quais a pedagoga Marta Mafa, figura histórica do movimento catalão de renovação pedagógica, a organizar um congresso e a reunir políticos que compartilhavam daquela ideia de que a cidade é um agente educador”. Foi estabelecida uma carta que definia em 20 pontos o que devia ser uma cidade educadora, pois se todas as cidades são educativas, poucas são também educadoras. A ideia central era que uma cidade, por sua estrutura, por sua organização espacial e social, envia mensagens positivas ou negativas, cujos prolongamentos educativos são evidentes.

Desabrochar, agoraPorém, essa concepção enfrenta, como assume a própria Pilar Figueras, re-

sistências no corpo das administrações. “As pessoas que não se sentem reco-nhecidas como agentes educativos se julgam, em princípio, pouco implicadas: os responsáveis pelo meio ambiente, pelas finanças, pela pavimentação, pela habitação, saúde, sem falar do setor privado. No entanto, todos esses agentes desenvolvem tarefas que têm uma incidência educativa. Convidamos as cida-des a participar dessa descoberta ajudando-as a desenvolver essa nem sempre nítida noção de educação.” Para fazer isso, o comitê executivo, com sede em Barcelona, trabalha na elaboração de um programa piloto de formação.

Desde abril de 2008, um grupo de especialistas enviados para sete ci-dades da rede (Rosário, Quito, Medelín, Santa Cruz della Sierra, Córdoba, Budapeste e Rennes) trabalha na elaboração das propostas em termos de conteúdo e de metodologia que possam sugerir vias, caminhos, métodos, enfim, um percurso.

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Esse esforço de formalização vai se juntar às iniciativas já arquivadas no banco de dados da associação, onde cada um pode buscar inspiração e contatar diretamente a pessoa responsável pelas experiências descritas. “As autoridades locais multiplicam as relações internacionais para conhecer soluções adotadas alhures, resolver tal ou qual dificuldade ou colocar em prática a construção de uma ludoteca, a realização de um livreto dedicado às famílias e aos professores, a instauração de um conselho municipal de crian-ças, o lançamento de uma semana de aprendizagem ou ainda a abertura de uma casa intergeradora.” Do local ao global e reciprocamente.

Dica de estudoPara você conhecer mais, recomendo que acesse o portal Escola Conectada

<http://www.escola2000.org.br/pesquise/texto/textos_categoria.aspx>. Sobre o tema Comunidade Escolar, você encontrará textos que abordam a função do dire-tor, a gestão compartilhada e outros mais.

Atividades1. O que é gestão social?

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2. Por que trabalhar com gestão social?

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A educação de crianças com necessidades especiais tem sido muito discutida nos últimos tempos. É uma questão bastante importante e que todos nós, professores, temos que conhecer.

A partir de movimentos internacionais e da própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB), surgiu no Brasil um forte movimento defendendo o direito à educação para todas as crianças, independentemente de classe, etnia ou gênero, incluindo aquelas que apresentam significativas diferenças físicas, sensoriais e intelectuais, decorrentes de fatores inatos ou adquiridos, de caráter temporário ou permanente, e que apresentam, portanto, necessi-dades educacionais especiais.

Antigamente, as crianças eram chamadas de “deficientes” e eram aten-didas em salas ou escolas diferenciadas, separadas das escolas para alunos “normais”. Hoje, já não se aceita mais essa nomenclatura: são crianças porta-doras de necessidades especiais e, segundo o artigo 58 da LDB, a educação desses alunos deve ocorrer, preferencialmente, na rede regular de ensino.

Precisamos assim, de uma política efetiva e de um pouco de bom senso. O primeiro passo seria que todos os brasileiros, independente de serem ou não professores, tomassem consciência de que essas crianças têm os mesmos direitos que todas as outras, ou seja, devem ter uma educação compreendida como capaz de garantir a satisfação das ne-cessidades básicas e essenciais ao seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Depois, poderíamos analisar cada caso. Não adianta co-locar as crianças na escola regular se os professores não sabem como trabalhar com elas e a escola não dispõe de materiais, equipamentos e profissionais indispensáveis a uma educação de qualidade. Isso nunca vai ser inclusão, e não vai ser o melhor para essa criança.

Vamos agora apresentar uma proposta de inclusão elaborada por R. Bonfiglioli e A. Volpicella, extraída do livro Manuale di Didattica per la Scuola Materna.

Educação de crianças com necessidades especiais

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Necessidade de um projeto didáticoA creche/pré-escola, para realizar uma efetiva integração das crianças com

necessidades educacionais especiais, precisa dispor de um projeto didático arti-culado, como “parte integrante da programação”.

É necessário, portanto, que, dentro da programação, o professor elabore um projeto integrado, voltado de maneira específica às crianças com necessidades especiais. Esse projeto visa ao alcance da autonomia e da identidade da criança e a sua aquisição de competências nos setores motor, perceptivo, linguístico e intelectual. Isso ocorrerá por meio da organização prévia de metodologias espe-cíficas e estratégias que permitem a individualização dos percursos educativos.

A programação desses percursos individuais, com tempos e modos diferen-ciados, é uma condição indispensável para garantir à criança com necessidades especiais a possibilidade de “ser reconhecida e de reconhecer-se como membro ativo na comunidade escolar” e de assumir, portanto, o papel de protagonista do próprio processo pessoal de crescimento.

A criança com défice é portadora de problemas complexos de natureza indi-vidual e social, que vamos enfrentar e resolver não somente no plano terapêuti-co e de reabilitação, mas também, e sobretudo, no plano formativo e educativo.

Necessidade de uma dupla reestruturaçãoA solução dos problemas de inclusão de uma criança com necessidades es-

peciais exige uma dupla reestruturação: organizativo-estrutural e pedagógico--didática.

No plano organizativo-estrutural, a escola de Educação Infantil deve:

equipar-se para consentir à criança uma boa ambientação na realidade �escolar (eliminação das barreiras arquitetônicas, disponibilidade de equi-pamentos e de laboratórios especializados);

estabelecer oportunas relações com as instituições sociais e de saúde da �região para planejar o trabalho “contínuo” e, desse modo, limitar a frag-mentação das intervenções;

estabelecer relações com a família para ajudá-la e apoiá-la na difícil tarefa �de educar uma criança com necessidades especiais;

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tornar flexíveis os tempos e os espaços de trabalho para permitir a diversi- �ficação das intervenções educativas e de reabilitação.

No plano pedagógico-didático, é necessário que a creche/pré-escola preveja momentos de entrosamento entre família, professores de turmas, professores de apoio, profissionais especializados, dirigentes escolares, pessoal não docente e pessoal auxiliar, para programar as intervenções de modo integrado. O difícil e complexo trabalho em equipe pode, se conduzido de maneira científica, con-sistir em:

observar sistematicamente a criança de vários pontos de vista (psicofísico, �cognitivo, relacional);

interferir fortemente para diminuir as descompensações e favorecer pos- �síveis recuperações;

controlar a eficácia e a eficiência das modalidades operacionais para proje- �tar e desenvolver posteriores intervenções integradas e individualizadas.

Integração da equipeEsse ponto constitui, sem dúvida, um dos problemas mais delicados da in-

tervenção educativa. Falta de confiança, divergências e incompreensões são cotidianamente levantadas pelas partes envolvidas, e não é enfatizando ou mi-nimizando o papel de uma ou de outra estrutura que se pode alcançar soluções produtivas para a inclusão e o desenvolvimento da criança. Só por meio de um real processo de interação entre as instituições formativas – coordenadas pela creche/pré-escola, lugar privilegiado das intervenções educativas – é possível programar e realizar projetos efetivamente integrados.

A programação de projetos integrados necessita de um preventivo e bem realizado diagnóstico que permita o conhecimento dos eventuais défices e a individualização das capacidades potenciais, fornecendo os dados-base para o prognóstico e o plano de tratamento. Nessa fase, intervêm todos os profissionais da equipe e cada um, em relação às suas próprias competências, formula um parecer sobre a natureza do défice e das possíveis formas de intervenção.

O momento importante e fundamental para a formulação do diagnóstico operacional é aquele da comparação de cada parecer, que consente em estabe-lecer uma linha única de intervenção, evitando fragmentação e contradição. Isso

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significa, da parte de todos os profissionais, a máxima atenção sobre os seguin-tes aspectos:

estruturais, para conhecer a origem e a natureza da lesão; �

reabilitativos, para individualizar o tipo de amplitude do défice e para reco- �nhecer o resíduo potencial e as suas possibilidades de desenvolvimento;

relacionais, para verificar os níveis de autoconstrução da identidade e da �autonomia da criança;

cognitivos, para estabelecer o nível de aquisição de competências. �

Desse modo, portanto, o trabalho em equipe requer que cada profissional trabalhe valorizando ao máximo as próprias competências específicas e, ao mesmo tempo, que as traduza nas diferentes direções, fazendo confluir para um projeto comum.

Nesse quadro, o professor, de turma ou de apoio, projetando um plano edu-cativo individualizado (direto à criança com necessidades especiais), dentro da mais geral programação didática voltada a todas as crianças da turma, torna con-cretamente realizável a integração da criança com problemas (que tem tempos, ritmos e modos de desenvolvimento/aprendizagem particulares) no grupo dos seus pares.

Algumas dificuldadesFrequentemente, acontece da criança com défice ser percebida pelos seus

colegas de escola como elemento passivo, que perturba, desestabiliza e, por isso, seja rejeitada, de forma mais ou menos consciente. Na relação entre os “nor-mais” e os “diferentes”, é possível verificar, então, o principal fator responsável pelo frequente sentido de desvalorização vivido pelas crianças com necessida-des especiais, já que elas próprias veem a sua diversidade em termos negativos, uma vez que é também negativa a imagem que os outros têm delas. O professor, por isso, percebendo os diferentes interesses, capacidades, ritmos evolutivos e origens socioculturais das crianças, deve estruturar as próprias intervenções de modo a estabelecer com todos os alunos uma relação de valorização personali-zada, aberta, baseada na estima e no respeito recíprocos.

Um outro problema fundamental que o professor deve enfrentar e resolver cotidianamente é aquele de levantar em cada criança fortes motivações positi-

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vas nos confrontos das atividades que eles devem desenvolver, capaz de torná- -los aptos a automotivarem as ações e desenvolverem, gradualmente e progres-sivamente, a capacidade de autouso sobre todos os planos: desde o jogo até a atividade propriamente cognitiva, da vida na comunidade até aquela em família e no âmbito social, em que deve aprender a viver de modo sempre mais ativo e consciente.

Em termos de políticas públicas para a educação das crianças de 0 a 6 anos com necessidades especiais, é preciso conhecermos um documento que foi di-vulgado pelo MEC, no ano de 2001. É quase um complemento do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, inclusive tem o mesmo desenho de capa. Mas o subtítulo é: Estratégias e orientações para a educação de crianças com necessidades educacionais especiais.

Apresento agora uma síntese do que contém esse documento mostrando cada capítulo.

Na Introdução, entre as diversas razões que justificam a implementação de tais orientações e estratégias, é apresentada a do movimento mundial em prol do paradigma da inclusão educacional, originado na “Conferência Mundial de Educação para Todos”, na Tailândia, em 1990, e que foi depois confirmado na De-claração de Salamanca, em 1994. Esse compromisso foi também assumido pelo Ministério da Educação do Brasil.

Ainda na Introdução, é explicado que esse documento apresenta subsídios em três vertentes:

Garantir o acesso e a permanência, com êxito, das crianças com neces- �sidades educacionais especiais na Educação Infantil da rede regular de ensino (creches e pré-escolas).

Organizar e redimensionar os programas de estimulação precoce e das �classes pré-escolares pertencentes às instituições de educação especial.

Apoiar o processo de transição dos alunos atendidos anteriormente nos �centros de educação especial para a rede regular de ensino, por meio de ações integradas de apoio à inclusão.

O primeiro capítulo chama-se “Fundamentação teórica”. Afirma que o para-digma anterior propunha uma visão assistencialista, de educação compensató-ria e preparatória. Rompendo então com esse pensamento, surge a visão integral do desenvolvimento, na qual o aluno é considerado pessoa autônoma, inserida

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num determinado contexto social, histórico e cultural. Daí a necessidade de im-plementação de uma Pedagogia voltada para a diversidade e as necessidades específicas do aluno em diferentes contextos, com a adoção de estratégias pe-dagógicas diferenciadas que possam beneficiar a todos os alunos.

Como “Fundamentação legal”, o documento cita o apoio legal que existe hoje no Brasil, em especial a Constituição e a LDB.

No terceiro capítulo são apresentados os “Princípios”. Dentre os nove princí-pios que devem guiar o trabalho com as crianças de 0 a 6 anos que necessitam de atendimento especial, destacaria os seguintes:

A educação especial é modalidade do sistema educacional que deve ser �oferecida e ampliada na rede regular de ensino para educandos com ne-cessidades educacionais especiais.

Incluir conteúdos básicos referentes aos alunos com necessidades educa- �cionais especiais nos cursos de formação inicial e continuada dos profes-sores, entre outros promovidos pelas instituições formadoras.

Proporcionar a formação de equipe de profissionais das áreas de educa- �ção, saúde e assistência social para atuarem de forma transdisciplinar no processo de avaliação e para colaborar na elaboração de projetos, progra-mas e planejamentos educacionais.

Garantir o direito da família de ter acesso à informação, ao apoio e à orien- �tação sobre seu filho, participando do processo de desenvolvimento e aprendizagem e da tomada de decisões quanto aos programas e plane-jamentos educacionais.

Na parte denominada “Caracterização dos educandos”, afirma-se que a educa-ção especial abrange, além das dificuldades de aprendizagem relacionadas a con-dições, disfunções, limitações ou defi ciências, também aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica. Nessa perspectiva, as necessidades educacionais especiais – caracterizadas por dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limita-ção no processo de desenvolvimento – são compreendidas como decorrência de:

deficiência mental, visual, auditiva, física/motora e múltipla; �

condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos e psi- �quiátricos;

superdotação/altas habilidades. �

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O capítulo 5 trata da “Educação especial no âmbito da Educação Infantil”. Neste capítulo é explicado que certas necessidades educacionais são comuns a todos os alunos, e os professores conhecem muitas estratégias para dar-lhes respostas. Outras necessidades educacionais podem requerer uma série de recursos e apoios de caráter mais especializado para que o aluno tenha acesso ao currículo. Uma criança com deficiência visual, por exemplo, não teria problemas para aprender Matemática, Português, Ciências, se lhe fosse ensinado o Braille ou lhe fossem pro-porcionados recursos óticos e materiais específicos. Algumas necessidades edu-cacionais requerem mais tempo para aprender conteúdos; outras, como as dos surdos, requerem a utilização de outros recursos (como a língua de sinais) para permitir o acesso aos conteúdos.

Nessa parte do documento, é definido o conceito de escola inclusiva: “É aquela ligada à modificação da estrutura, do funcionamento e da resposta edu-cativa que se deve dar a todas as diferenças individuais, inclusive as associadas a alguma deficiência.”

Esse capítulo se divide em dois itens:

O primeiro é � Orientações gerais para creches e pré-escolas. Afirma-se que, segundo um levantamento demográfico de crianças, do nascimento aos seis anos, há um percentual significativo de alunos com necessidades educacionais especiais. E para que essa população possa ser atendida nas creches e pré-escolas é preciso dar apoio a elas, e nesse sentido é listada uma série de ações fundamentais para que isso ocorra.

O segundo item é � Orientações e redimensionamento dos programas de atendimento especializado e apoio às necessidades educacionais especiais. Essas orientações e o redimensionamento dos programas foram apresen-tados destacando alguns aspectos.

Conceituação e objetivo � : explica-se o que é um programa de atendi-mento e apoio especia lizado e qual é o seu objetivo.

Planejamento e organização dos programas de atendimento especializa- �do: destacam-se algumas medidas que permitem delinear os objetivos a serem atingidos e analisar os recursos necessários e disponíveis para a realização dos programas.

Locais de atendimento � : indica os locais que são mais comumente utili-zados.

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Avaliação e atendimento � : são sintetizados os processos de avaliação e de intervenção.

Recursos humanos � : ressalta-se a necessidade de a equipe ter uma es-trutura organizacional flexível para poder adaptar-se às diferentes ne-cessidades e recursos existentes em cada local. Além disso, fala-se da importância da coesão da equipe e da abordagem interdisciplinar. Em seguida, são apresentadas as funções comuns aos membros da equipe e as funções específicas do professor.

Conteúdos curriculares � : aponta-se como base o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, que, ao ser desenvolvido, pode ser flexibilizado, ou seja, adequado às necessidades educacionais espe-ciais das crianças.

Recursos materiais � : o atendimento especializado deve ser realizado em espaços físicos adequados ou adaptados, contendo mobiliário, mate-rial pedagógico e equipamentos apropriados ao trabalho a ser desen-volvido, de acordo com as necessidades da criança.

O 6.º capítulo é: “Interface das áreas de educação, saúde e assistência social”. Segundo afirma-se, para implantar ou implementar o modelo de inclusão na Educação Infantil, é necessário que haja um compromisso efetivo entre as áreas de educação, saúde e assistência social.

Assim, concluímos uma discussão sobre esse importante tema com a pers-pectiva do trabalho intenso dos educadores em ampliar a viabilidade de inclu-são das crianças com necessidades especiais nas creches e pré-escolas no Brasil, apresentando o final do documento do MEC, no qual são apresentadas cinco recomendações gerais.

Elaborar estratégias viáveis para a realização de cursos de educação con- �tinuada para profissionais da Educação Infantil na perspectiva da escola inclusiva.

Viabilizar a discussão e reflexão desse documento entre todos os parceiros. �

Garantir a acessibilidade às instituições de Educação Infantil. �

Criar estratégias para estabelecer parcerias entre as áreas de educação, �saúde e assistência social.

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Orientar as famílias carentes para solicitarem à assistência social recursos �e equipamentos para alunos que necessitarem.

Leiam agora um artigo publicado pela revista Nova Escola, sobre o tema da educação de crianças com necessidades especiais.

Texto complementar

Respeito é fundamental(GENTILE, 2002)

Cerca de 10% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, seja física, mental ou sensorial. Muitas pessoas apresentam necessidades espe-ciais de aprendizagem, o que está longe de ser um impeditivo para a vida. Todas elas vão desenvolver habilidades e dar sua contribuição social sempre que tiverem oportunidade de conviver com não deficientes.

Infelizmente, é comum os portadores de necessidades especiais serem mal recebidos no grupo. [...] Ajude seus alunos a vencer preconceitos e subs-tituir sentimentos como medo, pena, raiva ou repulsa, por empatia, solida-riedade e respeito. As atividades foram elaboradas com base nas orientações da Sorri-Brasil, federação de entidades não governamentais que promove a integração social de pessoas portadoras de deficiência.

AtividadesComece a aula perguntando aos alunos se eles conhecem dois seres vivos

iguais. [...] Se alguém responder que existem gêmeos idênticos, questione as diferenças de temperamento que geralmente esses irmãos apresentam.

Incite um debate: como seria o mundo se todos fossem iguais, pensassem da mesma maneira, tivessem os mesmos gostos, desejos e sonhos, e agissem do mesmo modo? Mostre as vantagens de as pessoas serem diferentes, pois isso origina diversas contribuições para a sociedade.

[...] Pergunte se os estudantes conhecem algum portador de deficiência. Peça que eles contem quem são essas pessoas, como é o relacionamento com elas e que tipo de sentimentos elas despertam. Anote os comentários no quadro-negro.

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A seguir, proponha exercícios de vivência emocional. Divida a classe em pares. Cada dupla deve optar por um tipo de deficiência (motora, visual, au-ditiva, mental ou múltipla). Os alunos devem passar alguns minutos como um portador de deficiência, alternando os papéis de deficiente e acompa-nhante. Algumas sugestões:

Deficiência visual – explorar a sala de aula ou outro ambiente da esco- �la de olhos vendados, com a ajuda do colega.

Deficiência auditiva – assistir a um programa de televisão sem som. O �que eles apreendem observando só as imagens?

Deficiência na fala – tentar passar, através de mímica, uma mensagem �para o colega.

Deficiência motora – deve ser abordada em brincadeiras como corrida �do saco ou corrida do ovo na colher, nas quais ora o aluno estará com as pernas, ora com os braços imobilizados.

Deficiência múltipla – associar dois ou mais tipos de deficiências. �

Com a classe novamente reunida, pergunte aos alunos como eles se sen-tiram ao ficar com um dos membros ou sentidos sem função. Como o colega ajudou ou atrapalhou? Questione a turma se houve alguma mudança em relação aos sentimentos citados no início da discussão e, principalmente, o que aprenderam com a experiência.

Solicite uma pesquisa em revistas, jornais e internet sobre pessoas que nasceram com deficiência ou que a tenham adquirido depois de um aci-dente. Como elas desenvolvem suas atividades e superam as dificuldades? Exemplos: o locutor Osmar Santos e os atores, Gerson Brenner e Flávio Silvi-no, além de atletas da paraolimpíada.

Dicas de estudoPara você ampliar seus conhecimentos sobre a educação de crianças com

necessidades especiais, indico a visita aos seguintes sites:

<www.inclusao.com.br> – apresenta informações sobre o projeto que é desen-volvido na Creche Coepe (Centro de Orientação e Encaminhamento ao Pequeno Deficiente), além de informações sobre educação inclusiva.

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<www.members.tripod.com/les_boutons_d_or> – escrito em francês, é um site de uma escola belga especializada no atendimento de crianças com necessi-dades especiais.

<www.saci.org.br> – a Rede SACI atua como facilitadora da comunicação e da difusão de informações sobre deficiência, visando a estimular a inclusão social e digital, a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania das pessoas com deficiência.

Atividades1. Como o professor deve elaborar um projeto integrado que esteja voltado

especificamente para as crianças com necessidades especiais?

2. As educadoras italianas Bonfiglioli e Volpicella falam que “a solução dos pro-blemas de inclusão de uma criança com necessidades especiais exige uma dupla reestruturação: organizativo-estrutural e pedagógico-didática”. Expli-que esta proposta.

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Nesta aula defini algumas questões fundamentais na Educação Infantil, para comentar um pouco sobre cada uma delas.

Primeiramente quero afirmar que não existe uma ordem de prioridade entre as questões, e também que não é uma seleção fechada e imutável. Podemos, tranquilamente, mudar de ideia com o tempo, já que as mu-danças fazem parte de todo processo de educação e formação. O que não pode acontecer é pararmos de refletir, de nos questionarmos e de dese-jarmos melhorar.

A primeira questão que considero fundamental na Educação Infantil é a indissociabilidade do educar e do cuidar. Tenho percebido que, entre os professores e os profissionais, que atuam com a criança pequena, já existe clareza com relação a essa ideia de que não se pode separar a educação do cuidado quando falamos em Educação Infantil. Porém, ainda é preciso que toda a sociedade absorva essa ideia.

Vale ressaltar que, a não compreensão de que a Educação Infantil é composta de educação e cuidado, leva à ideia assistencial de creche. Ou seja, quem acredita que na creche só se cuida da criança, ainda a vê como instituição essencialmente assistencialista.

Ainda é comum assistirmos nas campanhas políticas no Brasil a oferta de vagas em creches para permitir que as crianças fiquem em um “lugar seguro e, assim, as mães possam trabalhar fora”. Poucos falam em quali-dade dos professores, materiais pedagógicos, espaços adequados etc. No extremo, mas verdadeiro, ainda há a visão assistencialista, comparando a creche com orfanato e asilo.

Por isso, precisamos, mais do que nunca, reforçar e repassar essa mu-dança de concepção. É claro que é importantíssimo os professores com-preenderem essa indissociabilidade e complementaridade da educação e do cuidado, e assim, realmente mudarem a sua prática, mas não podemos deixar de lado a opinião da população. Mais do que mudar a nossa prática pedagógica, temos que ampliar as nossas discussões para podermos ser devidamente valorizados.

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Uma outra questão que considero fundamental na Educação Infantil é a or-ganização do espaço físico. Refiro-me não só à organização da sala de aula, mas também ao espaço físico fora dela.

Começaria ressaltando a importância de deixarmos de pensar só em “par-quinho” quando nos referimos ao espaço externo da creche/pré-escola. Sem dúvida, as crianças adoram brinquedos como balanço, escorregador, gangorra. E não estou falando em deixar de ter tais brinquedos. Mas existem muitas outras formas interessantes e criativas da criança poder se divertir ao ar livre e que são pouco exploradas.

Já citamos algumas ideias, como: labirinto de plantas, pista de triciclo, cabana, casa na árvore, chuveiros grandes, torneiras e mangueiras para brincar com água, anfiteatros, entre outros mais. O que é interessante é não pararmos de criar e es-tarmos sempre atentos a novas formas de organizar as áreas externas.

Com relação à estruturação da sala de aula, não me canso de afirmar o quanto ela é importante e o quanto retrata a concepção de educação do professor. Sei que essa mudança não é fácil de realizar, principalmente por alterar a forma de trabalhar do professor, mas é desafiante e com resultados extraordinários para o desenvolvimento da criança.

Hoje não podemos mais aceitar salas de aula com mesas enfileiradas, ou mesmo organizadas somente com mesas e cadeiras, nas quais vemos ainda a mesa do professor, como se o ideal fosse ele ficar ali sentado. Vocês já viram crianças pequenas ficarem sentadas quietas o tempo todo? Felizmente, isso não existe, a não ser que tenham sido “obrigadas” ou “treinadas” para ficarem assim. As crianças precisam se movimentar, conversar, criar novas maneiras de realizar uma mesma atividade. É assim que elas constroem o seu conhecimento, é assim que se desenvolvem!

Por isso, as salas de aula devem ser pensadas e organizadas de forma que, em determinados momentos do dia, seja permitido à criança escolher suas ativida-des, que ela ainda possa decidir se quer trabalhar em grupo ou sozinha. Certa-mente, com essa estrutura da sala de aula, vamos poder acabar com os terríveis momentos de espera. É totalmente inconcebível deixar todas as outras crianças de uma turma sentadas esperando enquanto duas tomam banho, escovam os dentes ou arrumam suas mochilas. O mesmo vai acontecer durante os horá-rios de entrada e saída das crianças. Pois, se a organização da sala permitir, elas podem ficar fazendo determinadas atividades, de acordo com o seu interesse naquele momento, enquanto os seus colegas vão saindo ou chegando.

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Ainda sobre o espaço físico, é importante ressaltar a questão da decoração das salas de aula. Enfeitar e arrumar a sala é imprescindível, mas deixar de lado aqueles desenhos já tão conhecidos das crianças, como os Ursinhos Carinhosos, a Minnie e o Mickey, os Power Rangers, os Pokemóns e tantos outros. Os alunos de vocês já têm acesso mais do que suficiente a todos esses personagens atra-vés da televisão, das festas de aniversário, dos brinquedos etc. Mostrem para eles que existem outras imagens bonitas, que podem encontrar beleza em uma gravura da arte moderna, da arte antiga, do folclore e até mesmo na arte que as próprias crianças fazem nos seus trabalhos diários.

Lembrem-se sempre desta frase: diga-me como você organiza a sua sala de aula e eu direi que tipo de professor você é e qual é a sua concepção de educação.

E, para finalizar essa questão, tenho que falar sobre as janelas das salas de aula. Já comentei sobre o fato de que, em alguns lugares, constroem-se creches cujas janelas das salas são lá no alto, de forma que as crianças não vejam o que se passa lá fora. E é impossível acreditar que o melhor para a criança é ser excluída da possibilidade de visão externa. Numa visita a uma creche, vi que os professo-res cobriam as janelas das salas com papel opaco. Primeiro, pensei que poderia ser devido ao sol, já que não havia cortinas, mas, quando perguntei o motivo, a resposta foi o que eu temia: – “é que, como passam algumas pessoas por ali, nós achamos melhor cobrir para não atrapalhar as crianças”. Mas, pergunto: atrapa-lhar no quê? Talvez seja porque as crianças deixem, por alguns momentos, de fazer determinadas atividades para ficarem olhando pela janela. Mas, qual é o problema se isso acontecer? No que esta criança vai ser prejudicada? Será que ela não pode ter o direito, de nesta sua idade, preferir ficar olhando as pessoas passar ao invés de fazer uma outra coisa? Espero que sempre pensem nisso.

Vamos ver então um outro aspecto fundamental na Educação Infantil: a função do professor.

Aqui, faço questão de ressaltar que não compreendo o professor da Educa-ção Infantil como uma pessoa que será o ponto central da sala de aula. Ou seja, os alunos estão sempre à espera da determinação do professor; todas as ativi-dades dependem da ordem dele e todas as crianças fazem a mesma coisa, ao mesmo tempo.

Na minha concepção de Educação Infantil, a função do professor é outra. Ele deve, primeiramente, observar e ouvir os seus alunos, para poder planejar as atividades que irá oferecer. Portanto, uma das suas principais funções é plane-jar. Isso significa conhecer muito bem o desenvolvimento infantil, as diferentes

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formas pelas quais a criança aprende a ter sensibilidade e criatividade para de-senvolver o seu plano de trabalho.

Nessa perspectiva, é fundamental que o professor se preocupe em prepa-rar o ambiente. Planejar e definir como vai estruturar as áreas da sua sala de aula. E, depois, saber acompanhar as crianças de forma a interagir com elas de uma maneira personalizada, isto é, por meio de pequenos grupos ou até individualmente.

O professor é aquela pessoa que deve ter olhos de todos os lados, tem que estar atento a tudo, e interferir em determinados momentos, não sempre. Às vezes, é importante deixar as crianças resolverem seus problemas ou suas dúvi-das entre elas.

Costumo falar que, para um professor saber se está conseguindo realizar um bom trabalho, precisa fazer o seguinte teste: sem avisar aos alunos, saia por alguns minutos da sala de aula e veja o que acontece. Se as crianças continuarem a realizar suas atividades sem a menor preocupação, ou até mesmo sem perce-ber que você não está na sala, é um ótimo sinal. Continue assim, seus alunos são independentes e você não é a peça central da sala. Mas, se ao contrário, eles ficarem perdidos e saírem atrás de você, é hora de parar e repensar a sua função, e essa relação de dependência.

É também importante que o professor esteja sempre pensando em como desenvolver a autonomia de seus alunos, mas para isso não existe uma regra. É preciso apenas estar atento às necessidades e criar alternativas. Veja o exemplo a seguir.

Em uma pré-escola, onde as crianças ficavam em tempo integral, algumas tinham vontade de fazer um lanche no meio do período da manhã e outras crianças não. As professoras não gostavam da ideia de interromper as ativida-des e também queriam respeitar as diferentes necessidades das crianças e de-senvolver a sua autonomia. Assim, organizaram o lanche da manhã da seguinte forma: em um determinado horário, por exemplo, das 9 às 10 horas, elas dei-xavam uma jarra de suco e uma bandeja com sanduíches sobre um balcão. Ao lado desse balcão, elas colocavam uma mesa com um número de cadeiras. E explicaram para as crianças: quem desejar comer ou beber alguma coisa, pode ir até ao balcão, servir-se e sentar à mesa que está ao lado para fazer o seu lanche. As normas são estas: enquanto estiver a comida ali, é permitido lanchar. Haverá uma hora em que os professores irão retirar o lanche, isso quer dizer que acabou o horário, e que então deverão esperar a hora do almoço. Só é permitido comer

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sentado à mesa, não se pode comer andando pela sala. Existe um determinado número de cadeiras, e assim, se todas estiverem ocupadas, a criança deve espe-rar desocupar uma para poder começar a lanchar. Quem se levanta deve deixar o seu lugar limpo e arrumado. E isso dava muito certo!

Era uma turma composta de crianças de diferentes faixas etárias, entre 3 a 6 anos. Isso tudo acontecia em um clima de tranquilidade, e de forma muito orga-nizada, além, é claro, de estar sendo desenvolvida a autonomia das crianças e respeitadas as suas diferentes necessidades.

A próxima questão fundamental a ser considerada na Educação Infantil é a compreensão do papel da família.

Sabemos muito bem o quanto é difícil trabalhar de forma integrada com as famílias. Sabemos também que não podemos generalizar, que sempre irão exis-tir os pais ótimos, compreensivos, participantes e delicados, e aqueles mais di-fíceis, sempre insatisfeitos, que não valorizam o nosso trabalho, ou que não se interessam e cooperam muito pouco.

A despeito de qualquer dificuldade, a integração com as famílias é funda-mental. Não é possível conceber uma creche/pré-escola com qualidade se não houver uma preocupação com o envolvimento das famílias.

O que quero deixar registrado é o quanto é importante a compreensão do papel da família na educação das crianças nas creches e pré-escolas.

Não se pode deixar de lado uma outra questão fundamental: a formação do professor.

Vimos que a formação do professor está sempre acontecendo, pois nós, como seres humanos, estamos sempre em processo de formação.

De tudo o que estudamos a respeito de como deve ser o perfil do professor, gostaria de ressaltar aqui a ideia de aprender a questionar. Estou certa de que muita coisa mudaria em nossas vidas e no nosso mundo se procurássemos com-preender mais e melhor o que se passa ao nosso redor, o porquê de muitas das nossas ações. Desenvolver, permanentemente, a noção da não alienação.

Para finalizar, gostaria de reforçar a seguinte questão: necessidade de se ter muito mais.

Estou certa de que nós, professores da Educação Infantil, temos ainda uma árdua tarefa pela frente, pois existe muita coisa a ser feita e melhorada no Brasil. É

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preciso termos a consciência de que as mudanças só irão ocorrer se lutarmos por elas. Precisamos estar dispostos a aceitar riscos por aquilo em que acreditamos.

A Educação Infantil precisa em definitivo de uma política nacional que defina recursos financeiros em montante expressivo, estímulo para mais pesquisas, mais articulações entre instituições públicas nacionais e internacionais, buscan-do avanços na área. Precisamos de governantes que se comprometam e efetiva-mente se envolvam com a Educação Infantil na perspectiva de construir um país desenvolvido, e que as ilegalidades cometidas tenham o caminho da denúncia, da proibição e da correção. Imagino que concordamos com isso.

Mas, ao mesmo tempo, vocês podem estar perguntando: e o que podemos fazer?

Primeiramente, não nos conformarmos, ou seja, lutarmos pelo que acredi-tamos, sabendo dos importantes efeitos para o desenvolvimento da nossa so-ciedade quando a Educação Infantil tiver o valor social que se exige. Para isso, é extremamente necessário estarmos profissionalmente preparados, com argu-mentos bem embasados, para definirmos e orientarmos os direitos sociais nessa área. Importante, ainda, é organizar grupos e entidades que apoiam o desenvol-vimento da Educação Infantil, que passa pela ampliação das redes públicas de creches e pré-escolas, pela melhoria nas condições físicas das unidades de Edu-cação Infantil, por melhores condições de trabalho para os profissionais da área, pelos avanços na formação dos professores e demais profissionais, pelo estímulo e garantia à participação dos pais, entre outros posicionamentos.

Encerro com uma poesia escrita pelo grande educador italiano Loris Malaguzzi e que se encontra traduzida no livro As Cem Linguagens da Criança.

Texto complementar

Ao contrário, as cem existem(MALAGUZZI, Loris apud EDWARDS et al., 1999, p.v)

A criança

é feita de cem.

A criança tem

cem mãos

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cem pensamentos

cem modos de pensar

de jogar e de falar.

Cem sempre cem

modos de escutar

as maravilhas de amar.

Cem alegrias

para cantar e compreender.

Cem mundos

para descobrir.

Cem mundos

para inventar.

Cem mundos

para sonhar.

A criança tem

cem linguagens

(e depois cem cem cem)

mas roubaram-lhe noventa e nove.

A escola e a cultura

lhe separam a cabeça do corpo.

Dizem-lhe:

de pensar sem as mãos

de fazer sem a cabeça

de escutar e de não falar

de compreender sem alegrias

de amar e maravilhar-se

só na Páscoa e no Natal.

Dizem-lhe:

que o jogo e o trabalho

a realidade e a fantasia

a ciência e a imaginação

o céu e a terra

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a razão e o sonho

são coisas

que não estão juntas.

Dizem-lhe:

que as cem não existem.

A criança diz:

ao contrário, as cem existem.

Dicas de estudoO portal <www.unesco.org.br> apresenta projetos desenvolvidos pela Unesco

no Brasil e no mundo, com destaque para as atividades desenvolvidas nas áreas de educação, ciências, cultura e comunicação. Você pode também através desse site ficar a par das notícias, eventos, informações bibliográficas etc. ligados à Unesco.

Não deixe de ler os inúmeros e interessantes artigos publicados no site <www.revistapatio.com.br/conteudo_exclusivo.aspx> sobre educação infantil. Vale a pena!!

Atividades1. Quais foram os temas selecionados como fundamentais na prática de um

professor de Educação Infantil?

Cultura da Infância

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Transformação da prática pedagógica

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2. Com relação à organização do espaço físico, quais são os pontos que preci-sam ser ressaltados como essenciais nas propostas de Educação Infantil?

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Condições para a qualidade1. A partir do conhecimento vivenciado ou até mesmo lido em jornais/

revistas, o aluno deverá citar, pelo menos, uma política voltada para a infância que tenha sido declarada, mas não realizada. Dois exemplos possíveis: a exigência de formação em nível superior para os educado-res que atuam em creches/pré-escolas; vagas disponíveis em creches para crianças cujas famílias são de origem socioeconômica baixa.

2. É possível justificarmos esta importância a partir de dois aspectos: o primeiro é referente à necessidade de se ter um nivelamento de co-nhecimentos entre profissionais com diferentes níveis de formação; e, o segundo aspecto é com relação ao acompanhamento contínuo de revisões teóricas e de mudanças que ocorrem no mundo social.

Indicadores da qualidade1. Porque é difícil para as famílias em geral, e em especial, para as famílias

de origem socioeconômica baixa conseguirem cumprir algumas das exigências impostas pela creche. Como exemplo de critérios rígidos, podemos citar: a inflexibilidade de horários de entrada e saída das crianças e a exigência de uniformes e materiais.

2. Porque não podemos dizer que uma determinada instituição de Edu-cação Infantil tem qualidade se ela não trabalha de forma efetiva a sua relação com os pais das crianças, que apesar de ser uma relação complexa é fundamental para o desenvolvimento de um projeto pe-dagógico.

A ideia de infância e a sua escola1. Primeira: a criança-adulto ou infância negada. Período em que não

existia um sentimento de infância, isto é, não havia uma consciência

Gabarito

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da particularidade infantil. Segunda: a criança-filho-aluno ou a infância ins-titucionalizada. A criança torna-se centro de atenção das famílias e há uma preocupação com o seu futuro, porém, a educação passa a ser de responsa-bilidade das escolas que por sua vez, tinham regimes disciplinares rígidos. Terceira: a criança-sujeito social, sujeito de direitos. A criança passa a ser con-siderada em seus direitos infantis, porém a realidade ainda nos mostra que existem diferentes infâncias e que isso reflete nesses direitos.

2. O aluno deverá analisar a sua realidade e verificar se onde ele vive existem crianças pertencentes a famílias com nível socioeconômico alto que brinca e estuda; se há crianças que ajudam na renda familiar e que por isso nem sem-pre podem estudar também; se na cidade infelizmente ainda encontram-se crianças pedindo esmolas e ou ainda, se existem crianças que trabalham aju-dando seus pais e assim, aprendendo uma profissão.

A história das creches1. O aluno irá escolher três das seguintes experiências: Escola do Tricô, fundada

em 1767 pelo Padre Oberlin, na França. Estava voltada ao atendimento de crianças a partir de dois anos de idade e atendia filhos de pais trabalhado-res e que não tinham onde deixá-las durante o horário do trabalho. A Esco-la Infantil, criada na Escócia por Robert Owen, que se preocupava com as condições de vida dos seus empregados, uma vez que alguns deles tinham apenas seis anos de idade. Fröbel, na Alemanha, criou os Jardins de Infância que tinha uma visão única sobre a natureza da infância. Na Itália, Maria Mon-tessori criou para filhos de operários a Casa dei Bambini e, na Inglaterra, as irmãs MacMillan organizaram um programa de atendimento às crianças que levavam uma vida pouco saudável.

2. A Teoria da Privação Cultural, ou também chamada de Educação Compen-satória, baseava-se na ideia de que só a criança de classe média poderia ser considerada como modelo. Como consequência, as crianças de origem eco-nômica e social mais baixa, eram vistas como “carentes”, “inferiores” e porta-doras de uma privação cultural. A solução para esse “mal” seria a Educação Compensatória, que passaria a ser oferecida nas creches/pré-escolas.

A organização do espaço na Educação Infantil – I1. Porque ao influenciar o comportamento das pessoas, define como o educa-

dor irá organizar os ambientes de acordo com os objetivos que ele pretende

Cultura da Infância

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Gabarito

atingir. É possível perceber traços de uma proposta pedagógica através da organização dos espaços.

2. Elementos contextuais: o ambiente, a escola e a sala de aula. Elementos pes-soais: as crianças e os professores.

3. A sala de aula deve ser decorada de tal forma que eduque a sensibilidade estética das crianças. Isto é, a decoração deve ser compreendida como con-teúdo de aprendizagem, através da harmonia das cores, das formas, e do sentido que existirá naqueles materiais e objetos para as crianças.

A organização do espaço na Educação Infantil – II1. Os principais critérios são: estruturação por áreas, delimitação clara das áreas,

transformação ou conversibilidade, favorecimento da autonomia da criança, segurança, diversidade, polivalência, sensibilidade estética e pluralidade.

2. Espaços semiabertos – as crianças gostam de ficar em subgrupos e preferem os ambientes delimitados e com divisões baixas. Interagem com as outras crianças e procuram os adultos para solicitar algum apoio. Espaços abertos: as interações entre crianças são raras e elas tendem a permanecer em volta do adulto, porém com pouca interação com ele. Espaço fechado: as crianças temem ficar em lugares onde não conseguem ver o adulto, assim, optam por ficar ao seu redor. Quase não há interação com outras crianças.

A rotina na Educação Infantil1. A rotina diária é importante para a criança porque sabemos que ela é capaz

de se situar no tempo e no espaço, e assim, poderá distinguir os diferentes momentos que acontecem na creche/pré-escola. Quando há em uma ins-tituição educacional a estrutura de uma rotina, a criança pode se apropriar desse conhecimento e participar mais ativamente das atividades, isto é, ela pode dar sugestões, propor mudanças, esperar e se organizar para o início da atividade etc. Isso significa que uma rotina adequada auxilia no desenvol-vimento infantil, permitindo que ela estruture sua independência, sua auto-nomia e estimula a socialização.

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2. Os quatro grupos são:

atividades de organização coletiva: são os momentos de atividades orga- �nizados coletivamente e acontecem de forma diferente de acordo com a faixa etária das crianças. Para as menores, a interferência do adulto é fun-damental, pois, é ele quem deve planejar as atividades que serão desen-volvidas e organizar o ambiente de forma adequada. Já as crianças maio-res podem participar e interferir na organização das atividades coletivas e, em muitos casos, atuar diretamente, assumindo funções que geralmente só os adultos fazem.

atividades de cuidado pessoal: trata-se da não divisão entre cuidar e edu- �car. É fundamental compreendermos que todas as atividades voltadas ao cuidado das crianças são também atividades pedagógicas/educativas.

atividades dirigidas: são as atividades em que é responsabilidade do pro- �fessor definir e encaminhar o seu desenvolvimento. À medida que aumen-ta a idade das crianças, aumenta também a possibilidade de atividades dirigidas e a porcentagem de tempo voltada para a sua realização.

atividades livres: não devem ser compreendidas como atividades em que �não há interferência do professor. Trata-se de momentos pré-estabelecidos no planejamento do professor, isto é, pensados e preparados previamente por ele. As atividades livres devem fazer parte da programação diária das crianças que frequentam creches/pré-escolas.

Elaboração da proposta pedagógica: Diretrizes Curriculares Nacionais1. Segundo a educadora Sonia Kramer, a proposta pedagógica é um convite,

um desafio, uma aposta. Uma aposta, porque sendo ou não parte de uma política pública, contém sempre um projeto político de sociedade e um con-ceito de cidadania, de educação e cultura. É um caminho a ser construído e, portanto, contém valores e subjetividade, o que a torna sempre única.

2. Em uma sugestão de modelo de roteiro elaborado pelo MEC, uma propos-ta pedagógica deve ter as seguintes partes: as condições de produção do

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Gabarito

documento; os fundamentos teóricos das propostas; a estrutura, organiza-ção e funcionamento da Educação Infantil, a política de valorização e pro-fissionalização dos recursos humanos e também a articulação com outras instâncias educacionais e culturais.

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil1. Trata-se de um documento elaborado pelo Ministério da Educação (MEC)

em 1998, como material de referência para a estruturação de currículo da Educação Infantil em todo o território brasileiro.

2. O Referencial foi organizado em três volumes: o primeiro, denominado “In-trodução”, o segundo, intitulado “Formação Pessoal e Social” e o terceiro, cha-mado de “Conhecimento de Mundo”.

3. O professor deve estar comprometido com a prática educacional para que ele possa responder de forma satisfatória às demandas das famílias e das crianças. Precisa também ser capaz de trabalhar com questões específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis. Para que isso aconteça, é necessário que o professor tenha uma formação inicial sólida e consistente, acompanhada de adequada e permanente atualização em serviço.

O planejamento das atividades na Educação Infantil1. O planejamento na Educação Infantil é um instrumento que auxilia na ordena-

ção e na organização de um ensino de qualidade. É uma reflexão sobre o que se pretende, sobre como se faz e como se avalia. O planejamento não pode ser considerado como uma rotina que precisa ser elaborada e seguida estrita-mente, sem poder ser alterada. Também não deve ser considerado como algo meramente formal, que se elabora e depois, guarda-se na gaveta.

2. As fases são: previsão, realização e avaliação. Essas etapas não precisam ocor-rer separadamente; elas podem acontecer simultaneamente ou não.

3. É quando o planejamento envolve direção, coordenação, professores, fun-cionários, pais e alunos. Isso faz com que todos se sintam responsáveis e, portanto, ativos, no processo de realização e avaliação.

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O trabalho com projetos1. Significa que o professor quer desenvolver com seus alunos estudos em pro-

fundidade. Estes trabalhos poderão ser realizados por pequenos grupos de crianças. Trata-se de uma forma de trabalhar que envolve diferentes conteú-dos e que costuma ser organizado em torno de um tema.

2. Ajudar as crianças a encontrarem um sentido mais profundo e completo dos acontecimentos do seu próprio ambiente e das experiências que mereçam a sua atenção.

Durante o desenvolvimento de um projeto as crianças vão ser encorajadas a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas sobre a realização de um trabalho, sempre em interação/cooperação com os seus colegas e professores, havendo um compartilhar de conhecimentos e des-cobertas. Além disso, o trabalho com projetos reforça na criança a sua auto-estima, uma vez que ela passa a acreditar na sua capacidade de pensar, con-cluir e criar, além de estimular o seu desejo de aprender cada vez mais.

A inserção da criança na creche1. Porque a palavra adaptação está ligada ao sentido de acomodação, ajusta-

mento, isto é, aceitação e submissão. Esses conceitos não combinam com educação e, por isso, é preferível falarmos em inserção, já que é o momento em que a criança vai se inserir em um novo ambiente educacional.

2. A melhor forma de inserir uma criança na creche/pré-escola é através de um sistema gradativo. Isto é, a família ficará junto à criança na creche durante algumas horas e irá gradativamente, diminuindo a quantidade de tempo.

Jogos e brincadeiras1. Porque a brincadeira é um espaço privilegiado de aprendizagem. É também

um espaço de investigação e construção de conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo. Brincar é uma forma de a criança exercitar sua imagina-ção e a imaginação é uma forma que permite às crianças relacionarem seus interesses e suas necessidades com a realidade de um mundo que pouco conhecem.

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Gabarito

2. O professor que compreender a importância dos jogos e das brincadeiras no desenvolvimento infantil irá elaborar propostas de trabalho que incorporem atividades lúdicas. É preciso porém, que o professor procure sempre estabe-lecer para si mesmo, qual será o seu papel, sua função, enquanto as crianças brincam. A intervenção do professor deve se dar no sentido de mediar pos-síveis conflitos, de abrir e socializar os espaços e os objetos de uso comum, de estimular a entrada de novas crianças em um jogo, ou como árbitro das regras acordadas.

A disciplina na Educação Infantil1. É preciso que o professor primeiramente, pense na idade específica das

crianças, quais são as suas capacidades e como ele pretende organizar as atividades que deseja realizar. Também é importante que o professor defina algumas regras de convivência com as crianças.

2. Sim, é possível definirmos para as crianças – mesmo que pequenas –, o que ela pode e o que não pode fazer de acordo com a situação (é bom lembrar que a criança deve ter possibilidade de cumprir tais limites). Porém, não há uma receita a ser seguida; mas, bom senso, equilíbrio, segurança e clareza são fundamentais na hora de explicarmos para a criança os limites e os mo-tivos pelos quais permite-se ou não uma determinada coisa.

As políticas de formação de professores para a Educação Infantil1. A LDB em seu artigo 62 determina que “A formação de docentes para atuar

na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, ad-mitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal”. Já no artigo 87, § 4.º, nas Disposições Transitórias, a LDB diz: “até o fim da década da Educação somente serão ad-mitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treina-mento em serviço”.

2. O documento em questão foi intitulado de “Referencial Pedagógico-Curri-cular para a Formação de Professores da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental”. Foi organizado em quatro partes com as seguintes abordagens: análise da situação atual da formação de professores; repensar

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a formação de professores; delineamento de uma proposta de referencial pedagógico-curricular para a formação inicial de professores e critérios para a organização institucional e curricular da formação de professores.

A formação do professor1. O autor explica que no termo “forma” ou “fôrma”, está implícito que existe um

molde anterior a ser aplicado ao aluno. Assim, ele tentou corrigir um pouco esta carga etimológica da palavra formar, transformando-a em “formar-se”. Segundo ele, o pronome reflexivo se, ajuda a acabar com a ideia de passivi-dade. Formar-se é, portanto, um processo educativo que está nas mãos do próprio formando, que respeita a sua singularidade e que busca ampliar as suas qualidades na intenção de transformar a sociedade em que vive.

2. Os quatro pilares são:

aprender a conhecer e a pensar: significa formar uma inteligência crítica, �bem-estruturada e não apenas ter um grande número de informações;

aprender a fazer: o processo de aprender a conhecer e a pensar implica �em consequências práticas, isto é, é preciso saber fazer;

aprender a conviver com os outros: é a superação do individualismo, o �declínio da violência e dos conflitos, permitindo vivermos juntos;

aprender a ser: é a mais difícil tarefa educativa; implica uma concepção in- �tegral do ser humano e o desenvolvimento de todas as suas dimensões.

A participação da família1. A participação da família é importante primeiramente porque para essa

faixa etária das crianças o contato entre pais, mães e professores costuma ser mais frequente. Esse relacionamento é fundamental para o desenvolvi-mento infantil e para a evolução da imagem das instituições de Educação Infantil. Ao mesmo tempo, trata-se de uma relação que envolve a tarefa de educar uma mesma criança de forma compartilhada e a partir de contextos tão diferentes como a casa e a creche; isso acaba, de uma maneira geral, por gerar dificuldades e conflitos.

2. Existem diferentes formas de se trabalhar com as famílias das crianças. Pode-mos dizer que há formas individuais e coletivas. Individualmente podemos

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Gabarito

realizar entrevistas com os pais antes da inserção da criança na instituição; podemos ter contatos informais no dia a dia da creche; além de organizar-mos entrevistas previamente solicitadas, seja pela creche, seja pela família. Já de forma coletiva, os pais podem participar de reuniões e palestras; par-ticipar dos Conselhos ou Associações; podem conhecer melhor o trabalho da creche através da leitura de murais; participando das festas e de projetos especiais.

A gestão social1. É quando um grupo de pessoas torna-se responsável pela condução dos

serviços oferecidos em uma determinada instituição. No caso das creches e pré-escolas trata-se da participação mais direta dos pais, dos profissionais e da comunidade na administração dessas instituições. A gestão social é uma concepção de prática educacional, é um valor ético que envolve todos os aspectos da experiência educativa que valoriza uma intensa relação comu-nicativa entre educadores, pais e sociedade.

2. Apesar de ser possível ser feita gestão social em instituições privadas, o mais comum é elas acontecerem em instituições públicas, principalmente devido aos aspectos financeiros. Através da gestão social, isto é, trabalhando de forma participativa, é maior a possibilidade de oferecer serviços mais adequados às necessidades das famílias, dos educadores e dos cidadãos em geral. Também, com o envolvimento de todos, em especial da comunidade, cria-se um reco-nhecimento social, ou seja, a creche/pré-escola é vista como parte essencial da vida daquelas famílias e como resposta positiva às suas expectativas.

Educação de crianças com necessidades especiais1. Para que o projeto seja realmente integrado, o professor precisa elaborá-lo

dentro da programação normal. Esse projeto visa ao alcance da autonomia e da identidade da criança e sua aquisição de competências nos setores mo-tor, perceptivo, linguístico e intelectual. A implantação do projeto acontece-rá por meio da organização prévia de metodologias específicas e estratégias que permitem a individualização dos percursos educativos.

2. A reestruturação de ordem organizativo-estrutural requer que a instituição de Educação Infantil tenha equipamentos adequados para que a criança possa ter uma boa ambientação; que estabeleça relações com as instituições

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sociais e de saúde da região para planejar um trabalho “contínuo”; que esta-beleça relações com as famílias a fim de ajudá-las e apoiá-las na educação; e que torne flexíveis os tempos e os espaços de trabalho para que haja uma diversificação das intervenções educativas e de reabilitação. Para a rees-truturação pedagógico-didática, o fundamental é que a creche/pré-escola consiga desenvolver um projeto integrado, e para isso é preciso que sejam previstos momentos de entrosamento entre família, professores de turmas, professores de apoio, profissionais especializados, dirigentes escolares, pes-soal não docente e pessoal auxiliar.

Transformação da prática pedagógica1. A indissociabilidade do educar e do cuidar; a organização do espaço físico; a fun-

ção do professor; a compreensão do papel da família na educação das crianças pequenas; a formação do professor e a necessidade de se ter muito mais.

2. As diferentes formas de se pensar os espaços externos das creches/pré-escolas; a estruturação da sala de aula (que permitam à criança escolher suas ativida-des ou se ela quer trabalhar sozinha ou em grupo etc.); atenção e cuidado com a decoração da sala de aula (evitar desenhos de personagens que as crianças já conhecem); e as janelas da sala de aula (permitir que as crianças vejam o que se passa fora da sala).

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