cult 80 anos de mpb 15-19

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    E

    m s i c a

    J O O C A R L O S D E C A R V A L H O

    TRADIOTRADIOCANOCANOTRADIOCANO

    Francisco Alves

    e Mrio Reis

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    Uma questo recorrente a de acom-panhar os lineamentos dessa tradio, emcerca de setenta anos, se aceitarmos quena dcada de 30 o universo da canopopular se estabelece mais ou menos com

    as mesmas caractersticas que mantmat hoje, a partir do casamento de in-dstria fonogrfica e radiodifuso comer-cial. Caractersticas que incluem compo-sitores preocupados em chegar ao co-rao da cidade, como disse Noel de suaatividade, oferecendo entretenimentocom canes de trs minutos, cujosucesso no se explica pela qualidadeestritamente musical. Deveria essatradio ser considerada como mais um

    captulo da histria da expanso capi-talista internacional, dessa vez comgrandes investimentos na indstria dodivertimento? Faz parte do tal carternacional esse dom atvico para fazercanes que encantam todo o mundo?As coisas aconteceram assim s porqueum suposto Deus brasileiro quis eGetlio Vargas ajudou? Da bablicadescendncia do baixo latim seria alngua portuguesa a filha mais dctil e

    prpria poesia cantada?

    arece consenso que a msicapopular um campo de exce-

    lncia artstica no Brasil do sculo XX.Os prprios compositores enfatizarama sua bossa desde muito cedo. Na figura

    do bamba, bom no s de briga, masigualmente de samba, tantas vezescantado; no orgulho com que Noel Rosaencara a atividade do sambista; em AssisValente mostrando, musicalmente, o valor dessa gente bronzeada paracitar s alguns exemplos. mesmodifcil no se render a uma tal riquezade gneros, dices de compositores,modalidades de arranjo, estilos de inter-pretao, enfim, vitalidade artstica da

    cano popular entre ns, o que levouinclusive sua considervel projeo,por razes diversas, tambm no exterior.Um interesse prolongado que passapela carreira de Carmem Miranda emHollywood, pelas inumerveis grava-es de Garota de Ipanema por intpretesestrangeiros, chegando mais recen-temente mania bossa-novista dos japoneses e ao interesse de jovensmsicos americanos em Tom Z e a

    Tropiclia.

    P

    NOS DOIS VOLUMES DE A CANO NO TEMPO 85 ANOS DE

    MSICAS BRASILEIRAS, ZUZA HOMEM DE MELLO E JAIRO SEVERIANO

    COMENTAM AS CANES QUE FORAM SUCESSO NO BRASIL ENTRE

    1901 E 1985, RECAPITULANDO A RIQUEZA DE GNEROS, AS DICES

    DE COMPOSITORES, AS MODALIDADES DE ARRANJO E OS ESTILOS

    DE INTERPRETAO QUE FAZEM A VITALIDADE ARTSTICA DA MPB

    Tudo isso j foi tema de muitas argu-mentaes, algumas mais, outras menosfelizes. O certo que uma tradio musicalforte depende de muito trabalho einteligncia artstica, no acontece por

    acaso nem da noite para o dia. Mas comonesse caso se trata de uma prtica culturaleminentemente urbana, seguindo a lgicade produo da mercadoria, as coisaspodem caminhar relativamente rpido epor muitas vias, mantendo ao mesmotempo certa estandardizao. Os doisvolumes deA cano no tempo 85 Anos demsicas brasileiras, de Zuza Homem deMello e Jairo Severiano, sem vincularem-se diretamente queles argumentos, tm

    em mira a matria dessa tradio. pri-meira vista, os livros fazem uma simplesapresentao cronolgica de uma srie decanes que foram sucesso no Brasil entre1901 e 1985, de abre alas aPapel March,passando por Tristezas do Jeca, Carinhoso,O samba da minha terra,Desafinado,Ponteio, Maluco beleza, Bum bum paticumbumprugurundum,Fusco preto ,Sonfera ilha etc.etc. etc. Cada ano corresponde a um captulo(excetuado o perodo 1901-1928, com outra

    organizao) trazendo algumas canes

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    comentadas e mais trs pequenas listascontendo Outros sucessos, Gravaesrepresentativas e Msicas estrangeirasde sucesso no Brasil. Os captulos soconcludos por uma pequena Crono-

    logia de fatos do ano em questo, comdestaque para acontecimentos ligados aomundo da msica.

    Quanto ao perodo tratado, a pesquisano poderia mesmo recuar alm do inciodo sculo XX, j que a msica de que sefala aqui justamente aquela que, porassim dizer, cresceu com o sculo, apoiadanos avanos da tecnologia de comuni-caes a gravao e a comercializaode discos no Brasil, iniciadas nos primeiros

    anos da dcada de 10, so citadas logo noincio do primeiro volume. E, por issomesmo, no viria ao caso perseguir algumaorigem (quase sempre mera conveno),um momento determinado em que tra-dies musicais europias, negro-africanase, bem mais lateralmente, amerndiasteriam se transformado em msica popularbrasileira.

    O modo de apresentao utilizadonos livros , contudo, menos simples do

    que parece. De um lado porque certa-

    A cano no tempo,volumes 1 e 2

    Jairo Severiano e ZuzaHomem de Mello

    Editora 34tel. 11/816-6777

    368 pgs. R$ 33,00

    mente necessria muita pesquisa pararealizar um trabalho desse porte, e tanto Jairo Severiano quanto Zuza Homemde Mello vm h anos se dedicando pa-cientemente tarefa, independen-

    temente dessa obra em particular. Mastambm porque, para destacarem comseus comentrios apenas de seis a dezcanes por ano, tiveram de deixar muitacoisa de fora. Ou seja, embora o par-metro fosse o da consagrao de pblico,os sucessos de mbito nacional,evidentemente foi preciso fazer escolhas.No entanto, a apresentao cronolgicadas canes destacadas faz com que otrabalho dos autores tenha uma apa-

    rncia de neutralidade, ainda que fiquepatente o esforo de pesquisa. Como sea sua reconhecida capacidade de levantare organizar dados fosse, por si s,suficiente para revelar-nos a prpriatradio da cano brasileira ao longodo sculo.

    A questo no a de alguma insufi-cincia na pesquisa propriamente dita ouna seleo realizada. Mas, admitindo queestejamos diante de uma histria da

    msica popular brasileira (...), contada

    por suas canes de maior sucesso,como propem os autores no prefcio,valeria a pena pensar um pouco no carterdessa narrativa. Supe-se que, enquantoconta, uma histria tambm explique algo

    do seu objeto. E, de fato, h um poucodisso nos comentrios s canes destaca-das, mas principalmente nas brevesintrodues a cada uma das partes em queos livros esto divididos, estabelecendopocas da msica popular. Embora cor-retas, essas digresses no acrescentammuito ao enfoque habitual, o consensona maneira de entender a histria daMPB, feita por seus grandes nomes, numasucesso de fases. J faz algum tempo,

    entretanto, que se vem relativizando ahistoriografia baseada na apresentao deatores, atos e produtos mais capazes de seimporem no imaginrio e nos registrosdocumentais. a chamada histria dosvencedores: os mais comentados, logomais importantes, portanto de maior valor. No caso dos registros temos, porexemplo, os boletins sobre msicas maisexecutadas em rdio (mencionados pelosautores como uma de suas fontes de pes-

    quisa) que alimentam essa lgica circular,

    Noel Rosa

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    C o l e o

    s dois volumes de A cano no tempo fazem parte da coleo OuvidoMusical, dirigida pelo crtico Trik de Souza, pela qual saram outros

    ttulos importantes como os dois livros de Carlos Calado, Tropiclia A histria

    de uma revoluo musicale A divina comdia dos mutantes.

    Recentemente a coleo foi reformulada, mudando seu nome para Todos os

    Cantos e ganhando o apoio do Grupo Po de Acar. A parceria deu novo

    impulso srie, permitindo que os autores recebam bolsas mensais e auxlio

    de pesquisadores contratados, alm da verba para a produo dos livros.

    No final do ano passado saiu a primeira fornada da nova coleo, com os ttulos

    New Jazz: de volta para o futuro, de Roberto Muggiati; Sepultura: Toda a histria,

    de Andr Barcinski e Silvio Gomes; Msica caipira: Da roa ao rodeio, de RosaNepomuceno; e O violo vadio de Baden Powell, de Dominique Dreyfus. Esse

    ltimo aborda a carreira do superviolonista brasileiro num texto fluente e acessvel

    ao leitor no especializado. Dominique, que j tinha dado conta da biografia de

    Luiz Gonzaga na coleo anterior da editora (Vida do viajante: A saga de Luiz

    Gonzaga), sabe equilibrar os fatos ligados esfera pessoal de Baden com as

    informaes mais propriamente musicais. Um dos bons momentos do livro o

    relato da colaborao do violonista com Vinicius de Moraes, numa espcie de

    internao durante trs meses no apartamento do poetinha, regada a muito

    usque, que rendeu maravilhosos afro-sambas.

    O prximos lanamentos previstos na nova coleo so A trama dos tambores,obra de Goli Guerreiro sobre a cena musical afro-baiana a partir dos anos 80

    (maio de 2000); Do frevo ao mangue beat, de Jos Telles (junho); Jovem Guarda,

    de Marcelo Fres (agosto); Rei da voz, biografia de Mrio Reis por Luiz Antnio

    Giron (setembro); Coroa de ouro, biografia de Jackson do Pandeiro por Fernando

    Moura (outubro); Vamos bater lata, biografia dos Paralemas do Sucesso por

    Jamari Frana (dezembro). Para 2001 esto previstos ainda O tempo e o mar,

    biografia de Dorival Caymmi por Stella Caymmi; A vida acaba um pouco a cada

    dia, biografia de Dolores Duran por Angela de Almeida; A era dos festivais, por

    Zuza Homem de Mello, e O pop brasileiro nos anos 90, por Bia Abramo.

    Todos os Cantos tambm vai reeditar os ttulos da coleo Ouvido Musical,conforme suas tiragens forem se esgotando. Alm dos j citados livros de Carlos

    Calado e de Dominique Dreyfus e da obra em dois volumes de Jairo Severiano

    e Zuza Homem de Mello, a srie Ouvido Musical compreende as seguintes

    obras: Blues: Da lama fama, de Roberto Muggiati; BRrock: O rock brasileiro

    dos anos 80, de Arthur Dapieve; Anos 70: Novos e baianos, de Luiz Galvo; O

    eterno vero do reggae, de Carlos Albuquerque; Heavy metal: Guitarras em fria,

    de Tom Leo; Choro: Do quintal ao Municipal, de Henrique Cazes; e Punk:

    Anarquia planetria e a cena brasileira, de Silvio Essinger.

    O

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    N o t a s1 Mesmo porque a cano impe outros

    parmetros de fruio e de anlise, j que

    ela no propriamente nem msica (culta)

    nem poesia (escrita), o que fica muito bem

    demonstrado, sob diferentes pontos de

    vista, nos textos crticos e/ou tericos de

    Augusto de Campos, Jos Miguel Wisnik e

    Luiz Tatit.

    2 No se trata, claro, de pensar numa

    descrio nesses termos que se queira

    completa tarefa to absurda quanto a

    daqueles cartgrafos imaginados por

    Borges que, de to ciosos do rigor na

    cincia, fizeram um Mapa do Imprio que

    tinha o tamanho do Imprio e coincidia

    ponto por ponto com ele.

    servindo prioritariamente exploraocomercial em grande escala do mercadofonogrfico.

    No conjunto, A cano no tempo, atpela prpria caracterstica do suporte

    livro, resulta numa imagem linear datradio da cano popular brasileira.No toa que, na introduo aosegundo volume, reencontramos a fa-mosa linha evolutiva da MPB. Quandose trata da consecuo de uma tradio,mais ainda se ela basicamente oral, melhor imaginar alguma coisa como afigura de muitos fios que se entrecruzamsem parar. Uma espcie de rede em quetodos os pontos podem, em princpio, ser

    relacionados, e que assim constantementerefeita, lidando no s com a durao namemria como tambm com o esqueci-mento e a recuperao.

    Mas talvez isso seja cobrar estrtegiacientfica de uma obra que essen-cialmente de levantamento jornalstico.E, neste campo, ela realiza o que se pro-pe. Aproveito ento a referncia paraapontar rapidamente uma tendnciaverificada em outros trabalhos jorna-

    lsticos a respeito de msica popular

    brasileira. Falo de um hbito que vemfazendo sucesso nessa rea, quandoreprteres com alguma queda literriapretendem que a suposta objetividadedos informantes e dos dados faam do

    texto deles a verso definitiva sobre esseou aquele tema. E o chato quereremcom isso desqualificar outras inter-pretaes ou reflexes sobre fatos es-tticos que no so menos fatos nemmenos importantes, quando no somuito mais relevantes, do que os ar-rolados por essas crnicas sociais dochamado mundo artstico, apresentadascomo a verdadeira histria. No ocaso de A cano no tempo, realizado com

    ntido entusiasmo, sem aquela vontademeio sombria de dar a ltima palavrasobre o assunto. Para reconhecer o valordo trabalho de Zuza Homem de Mello eJairo Severiano, basta tomar os livros peloque so: uma alentada relao de canescomentadas (e no propriamente anali-sadas como se diz na apresentao doslivros), trazendo enorme quantidade deinformao relevante, com base numapesquisa sria. Se no encerra a questo

    recorrente mencionada acima, alis

    inesgotvel, A cano no tempo fornecemuitos dados para quem quiser tomarcincia do tamanho do problema.

    Joo Carlos de CarvalhoJoo Carlos de CarvalhoJoo Carlos de CarvalhoJoo Carlos de CarvalhoJoo Carlos de Carvalhomestrando em literatura brasileira na USP

    Carmem Miranda Ari Barroso