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1 A bibliografia sobre mœsica popular brasileira: um balano inicial (1970-2000) Marcos Napolitano 1 INTRODU˙ˆO O debate em torno das questıes histricas, sociolgicas e estØticas da mœsica popular brasileira, nªo Ø uma novidade das œltimas dØcadas. JÆ nos anos 30, cronistas como Francisco Guimarªes e Orestes Barbosa 2 , debatiam sobre as origens e trajetrias do samba, gŒnero que assistia a um rÆpido processo de consagraªo, centro da cultura urbana carioca e, posteriormente, brasileira. Mesmo os burocratas do DIP, em vÆrios artigos na revista Cultura Poltica, passaram a discutir o samba, como eixo de uma poltica de educaªo estØtica e sentimental das massas urbanas, paralelamente ao projeto de musicalizaªo pensado a partir da perspectiva da mœsica erudita e folclrica, desenvolvido por Villa Lobos e MÆrio de Andrade. Este œltimo, aliÆs, lanou em 1928 um livro fundamental para a musicologia brasileira, misto de ensaio e manifesto por uma mœsica nacionalista mas, curiosamente, a mœsica popular urbana nªo tinha um lugar destacado neste projeto. Menos por uma "insuficiŒncia" informativa de MÆrio de Andrade e mais pela visªo que o autor de Macunama tinha deste tipo de mœsica urbana: lugar de sons indisciplinados, hibridos, voltados ao lazer escapista e recheado de frmulas de mercado, sintetizado no gosto popular urbano Ævido por novidades carnavalescas ou romnticas. Era no meio rural que estariam os sons latentes da brasilidade profunda e lÆ, nas comunidades afastadas, restava o idioma musical brasileiro por excelŒncia, ao qual o mœsico sØrio deveria se remeter. Mas neste artigo, estamos mais preocupados com o debate em torno da, entªo, desvalorizada, mœsica urbana. O termo "desvalorizada" deve ser visto com cuidado, como demonstrou Hermano VIANNA em seu livro recente 3 . A relaªo das elites europeizadas com a mœsica popular no Brasil era muito contraditria e, sem dœvida, a repentina valorizaªo do samba nos anos 30, nªo apareceu no vazio. O debate entre Guimarªes e Barbosa pode ser visto como um termmetro das sensibilidades confusas e contraditrias em torno do tema. Este debate pode ser visto como uma "primeira camada" de representaıes sobre o universo social e estØtico da mœsica popular brasileira, como por exemplo, a relaªo "samba" e "morro", que se tornou quase mtica. JÆ naquela Øpoca, as discussıes em torno da mœsica popular se pautaram ora pela busca de uma "raiz" social e Øtnica especfica (os negros), ora pela busca de um idioma musical universalizante (a naªo brasileira), base de duas linhas mestras do debate 1 Professor Adjunto do Departamento de Histria da Universidade Federal do ParanÆ e Doutor em Histria Social pela Universidade de Sªo Paulo 2 GUIMARˆES, Francisco. Na roda de Samba. Rio de Janeiro, Funarte, 1978 e BARBOSA, Orestes. Samba. Rio de Janeiro, Funarte, 1978 3 VIANNA, Hermano. O mistØrio do samba. Rio de Janeiro, Editoria UFRJ, 1995

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História da música.

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Page 1: Biblio Mpb

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A bibliografia sobre música popular brasileira: um balanço inicial (1970-2000)

Marcos Napolitano1

INTRODUÇÃO

O debate em torno das questões históricas, sociológicas e estéticas da música popular

brasileira, não é uma novidade das últimas décadas. Já nos anos 30, cronistas como Francisco

Guimarães e Orestes Barbosa2 , debatiam sobre as origens e trajetórias do samba, gênero que

assistia a um rápido processo de consagração, centro da cultura urbana carioca e,

posteriormente, brasileira. Mesmo os burocratas do DIP, em vários artigos na revista Cultura

Política, passaram a discutir o samba, como eixo de uma política de educação estética e

sentimental das massas urbanas, paralelamente ao projeto de musicalização pensado a partir

da perspectiva da música erudita e folclórica, desenvolvido por Villa Lobos e Mário de Andrade.

Este último, aliás, lançou em 1928 um livro fundamental para a musicologia brasileira, misto de

ensaio e manifesto por uma música nacionalista mas, curiosamente, a música popular urbana

não tinha um lugar destacado neste projeto. Menos por uma "insuficiência" informativa de Mário

de Andrade e mais pela visão que o autor de Macunaíma tinha deste tipo de música urbana:

lugar de sons indisciplinados, hibridos, voltados ao lazer escapista e recheado de fórmulas de

mercado, sintetizado no gosto popular urbano ávido por novidades carnavalescas ou

românticas. Era no meio rural que estariam os sons latentes da brasilidade profunda e lá, nas

comunidades afastadas, restava o idioma musical brasileiro por excelência, ao qual o músico

sério deveria se remeter.

Mas neste artigo, estamos mais preocupados com o debate em torno da, então,

desvalorizada, música urbana. O termo "desvalorizada" deve ser visto com cuidado, como

demonstrou Hermano VIANNA em seu livro recente3. A relação das elites europeizadas com a

música popular no Brasil era muito contraditória e, sem dúvida, a repentina valorização do

samba nos anos 30, não apareceu no vazio. O debate entre Guimarães e Barbosa pode ser

visto como um termômetro das sensibilidades confusas e contraditórias em torno do tema.

Este debate pode ser visto como uma "primeira camada" de representações sobre o universo

social e estético da música popular brasileira, como por exemplo, a relação "samba" e "morro",

que se tornou quase mítica. Já naquela época, as discussões em torno da música popular se

pautaram ora pela busca de uma "raiz" social e étnica específica (os negros), ora pela busca de

um idioma musical universalizante (a nação brasileira), base de duas linhas mestras do debate

1 Professor Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo 2 GUIMARÃES, Francisco. Na roda de Samba. Rio de Janeiro, Funarte, 1978 e BARBOSA, Orestes. Samba. Rio de Janeiro, Funarte, 1978 3 VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro, Editoria UFRJ, 1995

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historiográfico que atravessou o século4.

Mas foi nos anos 50, que esboçou-se um pensamento crítico e propriamente,

musicológico (ou etno-musicológico?) em torno da música popular brasileira (ainda sem as

iniciais maiúsculas que delimitariam o sentido da expressão, a partir dos anos 60). Nestes

termos, destacamos o trabalho daqueles que Enor Paiano chamou, exageradamente ao nosso

ver, de "intelectuais orgânicos" da música popular5: Almirante (Henrique Foreis Domingues) e

Lúcio Rangel.

Almirante, além de ser compositor ligado ao grupo de Vila Isabel, desenvolveu uma

carreira brilhante no rádio. A partir do final dos anos 40, Almirante passou a se dedicar a uma

espécie de historiografia de ofício em torno de Noel Rosa. Uma palestra sobre o compositor de

Vila Isabel, acabou se transformando num programa de rádio e, posteriormente, num livro que

procurava consagrar a genialidade de Noel , além de um panteão de músicos , compositores e

intérpretes que, para Almirante, caracterizavam uma "época de ouro" da música brasileira.

A trajetória de Lúcio Rangel também revela o esforço em valorizar um determinado passado

musical (os anos 20 e 30) e construir um projeto musicológico para a música urbana brasileira,

à base de um pensamento folclorista, que acabou culminando na criação da Revista de

Música Popular, periódico que durou dois anos (1954-1956) e aglutinou um determinado

criticismo musical que procurava se contrapor aos novos tempos do rádio, marcado pela

popularidade de fórmulas e gêneros tidos como fáceis, como o bolero, as marchinhas de

carnaval e os ritmos caribenhos (rumbas e cha-cha-cha). A Revista de Música Popular foi a

primeira tentativa de sistematizar os procedimentos de pesquisa e discussões em torno das

bases da música brasileira, enquanto fenômeno cultural das classes populares e, no limite,

característico da própria nação brasileira.

Curiosamente, a perspectiva nacionalista e folclorista (esta, um pouco menos

acentuada) será retomada à esquerda, pela juventude engajada no movimento estudantil nos

anos 60. Naquele momento, o elemento detonador do debate era o impacto da Bossa Nova,

como gênero (ou estilo) que, ao mesmo tempo que ameaçava uma identidade musical

tradicional, marcada pelo "samba quadrado", caia no agrado dos setores mais jovens e

intelectualizados. Como se pode perceber nas páginas da revista Movimento, orgão oficial da

UNE, a BN deveria ser "politizada", mas mantida enquanto conquista estética para o mundo da

música popular6

Aliás, a Bossa Nova foi a linha divisória de um debate entre aqueles que a viam como

um "entreguismo" musical e cultural (Lúcio Rangel, José Ramos Tinhorão) e reafirmavam um

4 NAPOLITANO, Marcos & WASSERMAN, Maria Clara. "Desde que o samba é samba". Revista Brasileira de História, vo.20 / 39, ANPUH / São Paulo, 167-189 5 PAIANO, Enor. Do 'Berimbau' ao 'Som Universal'. Indústria fonográfica e lutas culturais nos anos 60. Dissertação de Mestrado, Comunicação Social, ECA / USP, 1994 6 BARROS, Nelson Lins. �Música popular e suas bossas�. Movimento, nº6, outubro, 1962, UNE, p. 22-26

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"neo-folclorismo" que preservasse a música dos "negros e pobres", e um outro tipo de

nacionalismo, geralmente defendido pelos mais jovens, que propunham a fusão de elementos

da tradição com elementos da modernidade (Nelson Lins e Barros, Sérgio Ricardo e Carlos

Lyra, entre outros). No âmbito do mercado musical, esta segunda vertente parece ter triunfado,

constituindo as bases sui-generis de uma canção nacionalista e engajada no Brasil7

Para o nosso trabalho, importa sublinhar que os anos 60 marcam a consolidação de um

moderno pensamento musical no âmbito da música popular que terá reflexos no debate que

mais nos interessa, a partir dos anos 70. Datam do final desta década, curtos mas importantes

ensaios, como o conhecido "MMPB: uma análise ideológica", de Walnice Galvão8. Em outro

sentido, data daquela década a formulação de Caetano Veloso sobre a "linha evolutiva" que

será recuperada a partir de 1968 como um verdadeiro manifesto crítico e estético para se

repensar a relação tradição / modernidade na música urbana brasileira9. Também nos anos 60,

o pensamento crítico desta "modernidade" musical se consolidará, revalorizando o material

folclórico rural e, sobretudo o samba "de morro", como antítese do cosmospolitismo da Bossa

Nova e do Tropicalismo.

A partir dos anos 70 podemos falar numa produção bibliográfica mais sistemática que,

obviamente, trouxe os elementos destas várias camadas do debate anterior, cristalizado ao

longo das décadas. Num primeiro momento, a maior parte da produção foi realizada por

jornalistas, na forma de cronistas, biógrafos e memorialistas . A partir de meados dos anos 80,

os programas de pós-graduação em ciências humanas, letras e artes passaram a abrir espaço

para pesquisas em torno da MPB e de outros gêneros musicais, acompanhando a formidável

valorização cultural e estética do cancioneiro brasileiro a partir do final dos anos 60. E a partir

destes dois eixos básicos que vamos tentar apontar para um balanço da bibliografia e,

consequentemente do pensamento sobre a música popular brasileira, produzida desde então.

Justificamos tal preocupação, na medida em que percebemos alguma dificuldade dos

pesquisadores, mesmo entre os mais experientes, em fazer avançar as abordagens, fontes e

objetos que constituem o material de reflexão sobre a música popular brasileira. Embora esta

fraqueza esteja sendo superada, notamos que as perspectivas ainda estão muito presas às

áreas de conhecimento e bibliografias específicas, limitando-se muitas vezes, àquilo que está

disponível no mercado editorial (o que não representa a maior parte dos trabalhos produzidos a

partir da segunda metade dos anos 80 que permanece na forma de teses inéditas).

7 NAPOLITANO, Marcos. Do sarau ao comício: inovação musical no Brasil. 1959-1963. Revista USP, 41, mar-mai 1998, 8 GALVÃO, Walnice. "MMPB: uma análise ideológica". Saco de gatos. São Paulo, Duas Cidades, 1976, p..... 9 �Que caminho seguir na música popular brasileira� (debate com vários músicos e intelectuais coordenado por Airton Lima Barbosa), RCB, nº7, maio 1966, p. 375-385

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PAINEL HISTÓRICO DO PENSAMENTO SOBRE A MPB (1970-2000)

Nos anos 70, quatro principais conjuntos de obras devem ser citados: o lançamento de

volumes de ensaio, que marcaram o debate na época, em torno da MPB; a produção dispersa

em jornais diários e periódicos de crítica cultural; o início da fase historiográfica da obra de

José Ramos Tinhorão; o início da publicação sistemática de ensaios biográficos e crônicas

clássicas pela Funarte / MEC.

Além destes conjuntos, não podemos esquecer dois marcos de referência importantes,

nos estudos de música popular brasileira: a publicação, em 1977, da "Enciclopédia de Música

Brasileira"10 e as duas edições da importantíssima coleção História da MPB, pela Editora Abril

(em 1970/72 e 1978/79). Se a primeira obra se destacava pela abrangência dos verbetes, a

segunda foi um importante instrumentos de consolidação de um novo "panteão" da música

popular, colocando lado a lado, nomes da "velha guarda" e nomes surgidos e consagrados nos

anos 60 e 70. A ênfase era dada para compositores, o que reafirma a característica destas

décadas, já notada por Luis Tatit, como a "era dos compositores". Mais importante do que o

texto propriamente dito11 foi a possibilidade de contato com fonogramas clássicos,

perfeitamente catalogados e comentados na contracapa de cada fascículo.

Em relação aos ensaios avulsos que se destacaram no cenário bibliográfico sobre a

música popular brasileira, nos anos 70, alguns merecem destaque especial. Nesta trabalho

vamos nos limitar aos seguintes livros: �O balanço da Bossa e outras bossas�12 (organizado

pelo poeta Augusto de Campos, em 1968 com o título inicial de "Balanço da Bossa: antologia

crítica da Moderna MPB" e republicado em 1974, com seu título atual); �Música Popular e

Moderna Poesia brasileira�13, do poeta e critico Afonso Romano de Santanna (1976/78);

�Música Popular: de olho na fresta�14, do sociólogo Gilberto Vasconcellos (1977) e �Tropicália:

alegoria, alegria"15, de Celso Favaretto (1979). Aliás, este é um dos primeiros trabalhos

acadêmicos mais sistemáticos sobre um aspecto da MPB (realizado para uma pesquisa de

mestrado) que foi publlicado.

O livro organizado por Augusto de Campos, em torno do movimento tropicalista, pode

ser visto como um manifesto em defesa de procedimentos de vanguarda, como saída para a

música popular brasileira. Este livro foi um dos responsáveis pela associação, hoje quase

10 Enciclopédia da Música Brasileira (Erudita, Folclórica, Popular). São Paulo, Art Editorial, 1977 (republicado pela Publifolha, 1998) 11 Na 3ª edição de 1982/83, os textos desta coleção deram um importante salto de qualidade, passando a ser ensaios biográficos assinados por especialistas que, inclusive, mereceria uma catalogação à parte. 12 CAMPOS, Augusto (org). O balanço da Bossa e outras bossas. São Paulo, Perspectiva, 1974, 2ªed. 13 SANT'ANNA, Afonso R. Música popular e moderna poesia brasileira. Petropolis, Vozes, 1978 14 VASCONCELLOS, Gilberto. Música popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro, Graal, 1977 15 FAVARETTO, Celso.Tropicália: alegoria, alegria. São Paulo, Kairós, 1979 (atualmente na 3ª edição pela Ateliê

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automática, entre as perspectivas modernizantes da Bossa Nova e do Tropicalismo. Não por

acaso, ele abre com um ensaio de Brasil Rocha Brito sobre a Bossa Nova, escrito em 196016 e

fecha com uma entrevista de Gil e Caetano. Além de Augusto de Campos, que assina vários

artigos, Gilberto Mendes e Júlio Medaglia, músicos ligados ao grupo Música Nova (1963),

também contribuíram para o movimento. A maioria dos artigos foi escrito entre 1966 e 1968 e

publicado na imprensa diária (como o OESP e O Correio da Manhã). A tônica geral do volume

é a afirmação do "grupo baiano", núcleo do tropicalismo, como o momento da "evolução" da

MPB, que até então seria dominada pela TFM ( "Tradicional Família Musical") apelido

pejorativo dado aos adeptos da música nacionalista de protesto que, para os autores do livro,

representavam o conservadorismo estético e a xenofobia cultural. Este livro foi, talvez, o

principal responsável pela mitificação da idéia de "linha evolutiva" como eixo do pensamento

crítico e seletivo sobre a "boa" MPB. No artigo "boa palavra sobre música popular", Campos

cita a famosa fala de Caetano proferida durante o debate promovido pela Revista de Civlização

Brasileira, em 1966. Este é o eixo que conduz a obra.

No artigo de Gilberto Mendes17 , escrito logo após o término do festival de 1967, o

pensamento �evolutivo� é reiterado. Esta é a sua base da crítica ao �passo atrás� da MPB

�nacionalista�, que parecia colocado definitivamente em cheque: �Para fazer frente ao mau gosto do Iêiêiê brasileiro vitorioso urgia liquidar com o bom gosto de todas as conquistas renovadoras da BN e retornar ao samba gritado e quadrado. E com os festivais os produtores abriram os olhos: como haviam perdido dinheiro até então o que rendia mesmo era a velha batucada� (p.133).

Gilberto Mendes destacou outras músicas apresentadas no III Festival da Record (e não

só as de Caetano e Gil), como Ponteio e Roda Viva . Para o compositor, elas representavam

um salto qualitativo desde Arrastão, A Banda , Disparada: �Morreu a BN? Um passo atrás,

desde Arrastão..., agora dois gigantescos passos à frente, e a MPB retoma dialeticamente a

linha evolutiva da BN, o que Caetano já preconizara no ano ano passado�18.

Augusto de Campos também reforçava a idéia de �linha evolutiva�, centralizando o

poder de ruptura nas obras de Caetano e Gil. Citando um artigo de 1966, de sua própria

autoria19, cuja argumentação anunciava as transformações na música popular em direção à

incorporação da informação moderna e de elementos �universais�, Campos afirmou: �Era difícil encontrar àquela altura, quem concordasse com essas idéias. Era o momento do pós-protesto de �A Banda� e �Disparada�. Saudades do interior, saudades do sertão. Crise de nostalgia dos bons tempos d�antanho. Pode ter servido para tonificar momentaneamente a abalada popularidade da nossa música popular. Mas eu já

Editorial) 16 BRITO, Brasil Rocha. �Bossa Nova� IN: Campos, A.(org). O balanço da bossa e outras bossas. São Paulo, Perspectiva, 1993 (5ª), p 17-50 (1960) 17 MENDES, Gilberto. �De como a MPB perdeu a direção e continuou na Vanguarda� IN: Campos, A. (Org). O balanço da Bossa e outras bossas,...p.133-140 (1968) 18 Idem, p. 137 19 CAMPOS, Augusto. �Da jovem guarda à João Gilberto� IN: O balanço da Bossa e outras bossas....p.51-57 (1966)

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adivinhava que a solução não poderia ser a volta para trás. A �Banda� e �Disparada� passariam e deixariam tudo no seu lugar�20.

Em outro artigo, Augusto de Campos comparando Alegria Alegria à Desafinado,

afirmava entusiasticamente: �Furando a maré redundante de �violas� e �marias� a letra de Alegria traz o imprevisto da realidade urbana, múltipla e fragmentária, captada isomorficamente, através de uma linguagem nova, também fragmentada�(...) descreve o caminho inverso de �A Banda�: Das duas marchas esta mergulha no passado , na busca evocativa das purezas das bandinhas e dos coretos da infância. �Alegria� ao contrário, se encharca de presente, se envolve diretamente no dia-a-dia da comunicação moderna, urbana, do Brasil e do mundo�21.

O artigo terminava com um tom de manifesto, articulando o novo panorama da MPB às

intenções estético-ideológicas das correntes experimentais no campo da poesia e musical

(Poesia Concreta e Música Nova): �É preciso acabar com essa mentalidade derrotista ,

segundo a qual, um país subdesenvolvido só pode produzir arte subdesenvolvida�22.

Reafirmando as articulações da nova MPB com as �vanguardas� mais radicais do passado,

Campos propunha uma periodização �evolutiva� para a arte brasileira, de cunho altamente

ideológico. Para ele, o Modernismo de 1922 teria significado a �maturidade� e o Concretismo

de 1956 teria significado a �universalidade�. E a MPB renovada de 1967? Teria transformado a

�vanguarda � em produto direcionado para as massas ou seja, atingido a fase da

�popularidade".

Mas o artigo que é mais ambicioso e abrangente foi escrito por Júlio Madaglia e se

intitula "Balanço da Bossa Nova". Nele, Medaglia propõe quase um nove projeto historiográfico

para a música popular brasileira, mitificando dois momentos de "modernidade" musical: os

anos 30 e os anos 60 (ou parte deles). Para Medaglia estas duas décadas desenvolveram a

vocação da música brasileira em direção ao despojamento poético-musical, economia de meios

expressivos, naturalidade e discrição na performance e interpretação. Para Medaglia, estas

eram as características de uma arte verdadeiramente "moderna", antítese da "demagogia,

passionalidade, exagero" que caracterizavam a arte comercial fácil.

Enfim, o livro organizado por Augusto de Campos, através dos seus vários artigos e

entrevistas, é um exemplo de documento de época que se transformou na base ensaística a

partir da qual uma boa parte da crítica e da historiografia passou a vislumbrar a vida musical

dos anos 60. Mas, deveria ser como �fonte histórica�, sujeita a perspectivas e interesses dos

protagonistas de uma dada historicidade, que este volume deve ser pensado e analisado.

O livro escrito por Afonso Romano Santanna também tem uma importância seminal no

debate dos anos 70 sobre a MPB, embora não tenha tido o mesmo impacto e permanência da

20 CAMPOS, Augusto. �O passo à frente de Caetano e Gilberto Gil� IN: O balanço da Bossa e outras bossas..., p.143 (1967) 21 CAMPOS, Augusto. �A explosão de Alegria, Alegria� IN: O balanço da Bossa e outras bossas..., p.153 (1967) 22 Idem, p.156

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obra de Augusto de Campos. A perspectiva de um poeta, professor e crítico literário, trazia

consigo o reconhecimento acadêmico da qualidade poética das letras de MPB, ao menos dos

seus grandes expoentes, que figuram no livro: Noel Rosa, Ary Barroso, Chico Buarque,

Caetano Veloso. A segunda parte do livro, nascida de um curso dado em Curitiba, em 1973, é

particularmente importante, na medida em que o autor traça um paralelo, uma afinidade

sensível e estética, entre os principais movimentos e estilos literários brasileiros e a expressão

poética nas canções populares, desde o modernismo (anos 20) até a poesia marginal (anos

70). Os dois nomes mais privilegiados do livro são Caetano Veloso e Chico Buarque, cuja

qualidade da expressão poético-musical assombrava os literatos mais exigentes. As duas

categorias que amarram a comparação entre poesia e música popular são as de

"equivalências" e "identidades". Sant'anna usa o termo "equivalências" para efetuar a

comparação até o surgimento da Bossa Nova. Com este movimento, poesia e música popular

teriam adentrado numa fase de diálogo quase orgânico, na medida em que a base social de

ambos passava a ser a mesma (os estratos médios, letrados e intelectualizados). O autor

explicava assim o crescimento do interesse do mundo acadêmico pelas "letras" de MPB, sendo

a base para uma nova ensaística sobre o tema (p. 180).

Embora muitas vezes artificial, a aproximação proposta pelo livro de Sant'anna tinha a

virtude de quebrar as últimas resistências em relação ao reconhecimento da qualidade da

expressão poética dos grandes compositores brasileiros, e, sem dúvida abriu caminho,

sobretudo na área de letras, para o surgimento de trabalhos de pesquisa acadêmica em torno

da música popular brasileira. A obra conheceu duas edições de sucesso (1978 e 1980),

perdendo força com o tempo, na medida em que os estudos propriamente literários em torno

da música popular foram sendo deslocados para outros aspectos23

Um outro livro, com fôlego mais curto ainda, mas que causou algum impacto no debate

dos anos 70, foi "Música Popular: de olho na fresta". Lançado em 1977, o livro de Vasconcellos

teve o mérito de sintetizar a importância política que a música popular assumiu ao longo dos

anos 70, sendo um foco de resistência cultural significativo e reconhecido. Segundo o autor:

"No período que vai de 1964 até o presente (1976) a MPB talvez seja, dentre as manifestações

artísticas, o domínio no qual as contradições sociais das sociedade brasileira tinham penetrado

de maneira mais violenta"24 . Para ele, teria sido nos anos 60 que a "matéria política" tinha se

incorporado nas canções brasileiras (no movimento da canção de protesto) mas, para

Vasconcellos, o sentido político da MPB "moderna" foi ampliado depois do Tropicalismo,

incorporando a paródia e a alegoria como figuras centrais da "resistência" à opressão. Assim, o

autor ia na contramão da esquerda mais ortodoxa que via no Tropicalismo de Caetano e Gil, o

23 Neste sentido, destacamos o espaço acadêmico pioneiro na PUC-RJ, sobretudo graças ao incentivo e orientação de Silviano Santiago 24 VASCONCELLOS, Gilberto. Op.cit, p. 30

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refluxo das preocupações políticas que marcavam a MPB nacionalista dos festivais: "A

tropicália joga-nos na cara os efeitos de nossa dependência econômica e social e ao mesmo

tempo mostra (via meta-linguagem) as limitações do protesto populista" 25.

Para Vasconcelos, o Tropicalismo resolve encarar de frente a �dolorosa derrota� de

1964, abrindo novos espaços para a ação de uma consciência crítica renovada. Silviano

Santiago, no prefácio do livro de Vasconcelos, vê na alegoria tropicalista a explicitação crítica

das �matrizes culturais� do Brasil, procedimento que, ao invés de reafirmá-las à esquerda,

desconstruiu-as. Para tal, explorou as contradições inerentes à cultura política nacional-popular

brasileira, que orientava as artes engajadas até 1968.

O resgate do sentido político do Tropicalismo, neste livro, encontra paralelo na tentativa

de analisar a "linguagem da fresta", típica do "discurso malandro". Para Vasconcellos, este

procedimento, inscrito na canção brasileira tradicional (anos 20 e 30), tinha sido recuperado e

potencializado pelos compositores modernos, na resistência cultural à ditadura militar.

Novamente, notamos a perspectiva que se tornou corrente, a ênfase nos dois momentos

históricos fundantes da canção brasileira: os anos 30 e os anos 60.

Dois anos depois, Celso Favaretto publicava o melhor estudo sobre a Tropicália, até

então. Para o autor é possível falar numa �mistura tropicalista�26 traduzindo-se numa forma

radical de revisão cultural que se desenvolvia desde o início dos anos 60, retomando o

movimento de �redescoberta� do Brasil, em meio a um quadro marcado pela

internacionalização da cultura, dependência econômica, consumo e conscientização.

Favaretto, considerando que a Tropicália representou uma �abertura� cultural no sentido amplo,

destaca sua contribuição específica para a história musical brasileira: �Pode-se dizer que o Tropicalismo realizou no Brasil a autonomia da canção, estabelecendo-a como um objeto enfim reconhecível como verdadeiramente artístico (...) Reinterpretar Lupicinio Rodrigues, Ary Barroso, Orlando Silva, Lucho Gatica, Beatles, Roberto Carlos, Paul Anka; utilizar-se de colagens, livres associações, procedimentos pop eletrônicos, cinematográficos e de encenação; misturá-los fazendo perder a identidade, tudo fazia parte de uma experiência radical da geração dos 60 (...)O objetivo era fazer a crítica dos gêneros, estilos e, mais radicalmente, do próprio veículo e da pequena burguesia que vivia o mito da arte (...) mantiveram-se fiéis à linha evolutiva , reinventando e tematizando criticamente a canção�27.

Como se pode ver, o problema da linha evolutiva era retomado, mas ampliado. A

canção, nesta perspectiva, passa a ser o artefato mais dinâmico da crítica cultural e da

abertura comportamental que passou a marcar a vida da juventude brasileira, desde então.

Além disso, o tropicalismo era visto como parte de um ciclo de vanguarda estética e cultural,

adensando os procedimentos de criação e performance desenvolvidos ao longo do século XX,

pela tradição ocidental e brasileira, em particular.

25 Idem, p.51 26 FAVARETTO, Celso. Op.cit., p.13 27 Idem, p.23

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Além deste quatro livros citados, bastante conhecidos, podemos destacar ainda, uma

obra pioneira, mas de menor impacto: �A canção de massa: condições de produção�, de Othon

Jambeiro28. Ainda que marcado por um certo criticismo reducionista e determinista, o trabalho

de Jambeiro tem o mérito de ser uma das primeiras análises de fôlego sobre a produção e o

consumo de música popular no Brasil. O autor examina detalhadamente a estrutura de

produção industrial da canção, bem como suas estratégias de distribuição e as implicações

ideológicas e culturais da inserção da canção no esquema da indústria cultural. Seu conceito

básico é o de "canção de massa", de matiz nitidiamente adorniano:

"parte integrante de um sistema industrial e comercial desde que se trata de uma forma

de arte que depende da indústria e sua realização como fenômeno social se dá através

de um produto material - de indústria cultural - o disco que o ponto inicial do processo de

comunicação da canção com o público"29.

Obviamente, a reflexão sobre a música popular brasileira não se limitou a estas obras

de maior volume. A renovação da crítica e do pensamento musicais que se seguiu ao impacto

da "era dos festivais" e ao movimento tropicalista (1966/68), fez nascer uma nova crítica

musical ao mesmo tempo que inseriu, definitivamente, o problema da música popular dentro do

pensamento acadêmico das ciências humanas e artes, até então refratário a este tema. A

produção de inúmeros artigos de crítica musical e análise de temas ligados à música brasileira,

como já dissemos, já era bastante significativa desde 1965, com a criação da Revista da

Civilização Brasileira, de Ênio da Silveira. Ao longo dos anos 70, outros periódicos de crítica

cultural mantiveram seu espaço aberto a estes temas, como a revista Tempo Brasileiro,

Cadernos de Opinião, Revista de Cultura Vozes. Além disso, na chamada "grande" imprensa,

bem como na imprensa alternativa (Pasquim, Movimento, Opinião, e outros), a música popular

brasileira ganhava cada vez mais espaço, em artigos mais ágeis (como em críticas de discos e

entrevistas) ou mais aprofundados (análise de conjunto de obras, movimentos ou temas

sociológicos ou históricos ligados à MPB). Esta produção, enorme e dispersa, chegou a ser

catalogada, em fins dos anos 70.

Um outro aspecto a se destacar na década de 70 é o início da fase propriamente

historiográfica da obra de maior volume sobre música popular, produzida pelo jornalista-

historiador José Ramos Tinhorão.

Tinhorão tornou-se conhecido pelas polêmicas que travou, na imprensa (e pela

publicação de verdadeiros libelos), ao longo dos anos 60, contra os músicos e adeptos da

Bossa Nova e da "moderna" MPB. Seus dois livros dos anos 60, "Música Popular: um tema em

28 JAMBEIRO, Othon. A canção de massa: condições de produção. 29 Idem, p.45

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debate"(1966)30, e "O samba agora vai: a farsa da música popular no exterior"31 (1969)

anunciavam o leit-motif que seria desenvolvido na fase mais "historiográfica" da sua obra: a

trajetória da música popular no Brasil seria o maior exemplo de "expropriação cultural" das

classes populares (rurais e urbanas) pelas elites, representadas pela classe média "branca e

americanizada". O processo teria começado já nos anos 30, mas com a Bossa Nova e os

festivais da canção teria se tornado irreversível e articulado-se a um poderoso esquema de

produção comercial de canções voltadas para a classe média consumidora. Nos anos 70, cada

vez mais visto como uma voz isolada e anacrônica por uma boa parte da crítica e dos músicos,

Tinhorão dedicou-se à pesquisa documental e à produção de obras com traço historiográfico

acadêmicos mais fortes, numa estratégia de afirmação intelectual que fosse além da "opinião".

Geralmente, as obras historiográficas de Tinhorão, sempre muito recheadas de citação de

fontes primárias, são de cunho panorâmico e pecam por uma linearidade que o pensamento

acadêmico, cada vez mais especializado, vê como reducionista. Apesar disso, é preciso

reconhecer que a regularidade de sua produção e a seriedade com que Tinhorão encara o seu

ofício acabou consagrando-o como o único autor (ao lado de Sérgio Cabral, talvez, no campo

das biografias, como veremos adiante) a ter uma "obra" ensaística sobre música popular

brasileira no sentido forte da palavra, em que pese suas fragilidades argumentativas e seu

esquematismo analítico exagerado.

Em 1972, Tinhorão publicou dois livros, pela Editora Vozes: "Música popular: teatro e

cinema" e "Música popular de índios, negros e mestiços" (reeditado em 1975). Em 1974,

Tinhorão publica o seu grande clássico: "Pequena História da Música popular: da modinha à

canção de protesto"32. Este último livro teve quatro edições seguidas: 1974, 1975, 1978 (duas

edições simultâneas, por editoras diferentes)33. No início da década de 80, Tinhorão ainda

publicaria : "Música Popular: os sons que vem da rua" e "Música Popular: do gramofone ao

rádio e TV"34. Em 1990, bastante isolado do mercado editorial e jornalístico brasileiro, Tinhorão

publicou em Portugal a obra "História Social da música popular brasileira"35, publicado

recententemente (1999) no Brasil. No final da década de 90, sintomaticamente quando a MPB

clássica parece entrar em crise de criação, a figura de Tinhorão volta a ocupar a mídia, assim

como suas obras voltam a ser lançadas (ou relançadas). Em que pese a notável produtividade

de Tinhorão, num campo marcado pela descontinuidade ou pela superficialidade da produção

30 TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: um tema em debate. Rio de Janeiro, Editora 34, 1999 31 TINHORÃO, José Ramos. O samba agora vai. A farsa da Música popular no exterior. Rio de Janeiro, JCM Editores, 1969 32 TINHORÃO, José Ramos. Pequena História da Música Popular: da modinha à canção de protesto. Petrópolis, Vozes, 1974 33 A 5ªedição, pela Art Editora, foi revista e ampliada (chegando ao Tropicalismo) e a 6ª edição, de 1991, incluia a Lambada 34 TINHORÃO, José Ramos. Música popular: do gramofone ao rádio e TV. São Paulo, Ática, 1981 35 TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. Editorial Caminho, Lisboa, 1990. Publicado no Brasil pela Editora 34, em 1998

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em série, os seus trabalhos quase sempre apontam para um procedimento de catalogação e

comentários de fontes, explicando a música popular pelo viés de uma história social,

enfatizando os grupos sociais antagônicos envolvidos na sua criação e no seu consumo.

Outra característica do conjunto da sua obra, em nossa opinião, seria a organização da

reflexão em torno da sucessão de "gêneros" musicais cuja análise crítica e valorativa se

encontra fora da linguagem musical, propriamente dita. A partir da sucessão de gêneros

musicais, Tinhorão analisa a relação da música popular com os meios técnicos, esboçando

uma tese central: quanto mais mais sofisticado e capitalizado o meio técnico / social de

divulgação, mas se configura o processo de afastamento das raizes e das classes populares

em relação à música popular. Neste sentido, para ele, a MPB não seria nem brasileira e nem

popular, pois este tipo de canção, apesar das intenções críticas e nacionalistas, seria o ápice

desse processo de afastamento das tradições populares.

Do ponto de vista da disponibilização de fontes, na década de 70, merecem destaque

dois trabalhos de transcrição / compilação de entrevistas: "As Vozes desassombradas do

Museu", publicado pelo MIS / RJ em 1970, que disponibilizou importantes conjuntos de fontes

orais, sobretudo ligadas às primeiras eras da canção urbana brasileira; numa outra ponta

histórica, a importante coletânea de entrevistas, organizadas por temas, compiladas por Zuza

Homem de Mello36, que procurava reunir o novo panteão da MPB, pós-Bossa Nova. O livro é

complementado por uma cronologia bastante útil, delimitada entre 1956 e 1968.

Um nome da crítica musical dos anos 70, ainda se destacou no rol bibliográfico sobre a

música popular brasileira: Ana Maria Bahiana (ao lado de Tarik de Souza e Nelson Motta foi a

crítica de maior influência junto às platéias mais jovens, na época). Bahiana reuniu suas

matérias jornalísticas no livro "Nada será como antes: a MPB nos anos 70"37. Em que pese a

abordagem muito pontual e conjuntural dos artistas e obras, o livro de Ana Maria Bahiana tem

o mérito de ser um dos poucos livros a nos informar sobre a MPB dos anos 70, sendo dividido

em cinco partes: 1) Chão (matérias sobre o samba tradicional); 2) Inventário do sonho

(matérias sobre os grandes nomes dos anos 60); 3) Eletricidade (sobre o rock nacional);

histórias de músico (matérias biográficas de instrumentistas) e; 5) Em qualquer direção

(matérias sobre a MPB surgida nos 70. Já o crítico Tarik de Souza publicou um livro com perfis

biográficos intitulado, "Rostos e Gostos da MPB"38, com alguns aspectos interessantes mas

sem nenhuma grande contribuição ao debate.

Um balanço crítico importante e pouco lembrado, sobre a MPB da época, foi o pequeno

36 MELLO, José Eduardo Homem. Música popular brasileira. Edusp, 1976 37 BAHIANA, Ana Maria. Nada será como antes: a música popular brasileira nos anos 70. Ed. Civilização Brasileira, 1980 38 SOUZA, Tarik. Rostos e gostos da MPB. Porto Alegre, LP&M, 1979

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livro "Anos 70: música popular", parte da coleção "Anos 70"39, na qual se sobressai o artigo

escrito por José Miguel Wisnik, que na década seguinte se tornaria um importante ensaísta

sobre a música popular brasileira. Nesta pequena coletânea, fica claro o esboço de uma nova

ensaística sobre a música brasileira, enfatizando menos a busca de raízes e valorizando

menos o "conteúdo" politizado das letras ou a "sofisticação" da forma, eixos críticos que

dominaram a década. Nos artigos, a tônica é o novo lugar social, comercial e cultural da

canção brasileira, cristalizado nos anos 70, em pleno auge da repressão. No artigo de Wisnik,

surge, por exemplo, uma interessante categoria para pensar a forma de circulação social da

canção: a "rede de recados". Inspirado no conto "o recado do morro", de Guimarães Rosa,

Wisnik sugere que a canção, no Brasil, conseguiu sintetizar e traduzir sensações históricas

difusas, valores éticos e sociais, pulsações telúricas e corporais, que acabam sendo

potencializadas e incorporadas pelos ouvintes, inseridos nesta "rede de recados", que se

apropriavam das canções (letras e música) para além dos limites definidos pela indústria

cultural.

Assim, a reflexão sobre a música popular chegava aos anos 80, tendo uma base

ensaística e historiográfica, difusa e irregular, mas que tinha sido importante para quebrar as

últimas resistências da opinião pública e nos setores mais intelectualizados, sobre a urgência e

a necessidade de se examinar as complexas questões que formatavam a vida musical

brasileira. Nos anos 80, como veremos, o pensamento sobre a música popular se torna mas

especializado e outros temas e personagens vão surgindo como temas de artigos, livros e

teses40.

ANOS 80: O TEMA DO �SAMBA� E A CONSOLIDAÇÃO DO ENSAÍSMO ACADÊMICO

Se a reflexão sobre o tropicalismo e a "moderna" MPB pareciam dominar a cena do

debate, em meados dos anos 70, no início dos anos 80, o que se assistiu foi a consolidação de

uma literatura de peso sobre um outro tema: o samba urbano carioca. Já na Segunda metade

dos anos 70, era possível notar a crescente edição de livros sobre o tema, quase sempre

abordando o fenômeno das escolas de samba, enquanto universo social estruturado e

complexo.

A própria capitalização e glamourização crescente do carnaval carioca, exigia uma

reflexão crítica sobre as contradições e possiblidades culturais do universo do samba carioca.

Outra questão, era que este gênero sintetizava a própria identidade musical brasileira. Assim, o

39 WISNIK, José Miguel et alli. Anos 70: música popular. Rio de Janeiro, Europa, 1979 40 Não poderíamos fechar esta década sem citar o trabalho de Ary Vasconcellos, "Panorama da Música popular na Belle Epoque carioca", que mantinha acesa a vertente "folclorista" de inventário do fato musical-popular, corrente surgida nos anos 50, como já vimos.

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que havia começado nos anos 50 / 60, ou seja, uma valorização quase "folclorista" do samba e

do sambista (Revista de Música Popular, Projeto Rosas de Ouro, Opinião, etc) desdobrou-se

em várias formas de abordar o tema do samba, tanto no meio jornalístico quanto no meio

acadêmico (mesmo nas áreas de letras, história e sociologia, o tema do samba passou a ser a

ponta de lança para a verticalização dos estudos em música popular nos programas de pós-

graduação). Desde os estudos clássicos de Sérgio Cabral41 de matiz mais histórico-informativa,

e Maria Júlia Goldwasser42 e José Leopoldi43, de matiz mais antropológica, o mundo dos

sambistas e das escolas de samba passou a ser esquadrinhado com bastante espírito de

especialização e minúcia. O boom de estudos sobre escolas de samba ainda foi reforçado com

as obras de Raquel Valença e Suetônio44 sobre o Império Serrano e de Haroldo Costa, sobre o

Salgueiro45.

Outro Sintoma desta valorização ensaística em torno do samba, foi a explosão das

biografias de sambistas. Apesar do trabalho clássico de Edigar de Alencar, sobre Sinhô46,

publicado originalmente em 1968, até o final dos anos 70 poucos foram os sambistas

biografados. Este quadro mudou com a série de biografias publicada pela Funarte, a partir de

1978/79, cuja maior parte dos títulos remete ao universo do samba carioca, em trabalhos de

qualidade e profundidade variável. Pela ordem de lançamento, até meados dos anos 90, foram

publicados estudos sobre os seguintes nomes: Pixinguinha (em duas versões, de Sérgio

Cabral e Marilia Barbosa), Paulo da Portela, Sinhô (reedição do trabalho de Edigar de Alencar);

Garoto, Cartola, Geraldo Pereira, Araci Cortes, Candeia, Wilson Batista, Ismael Silva Adoniran

Barbosa, Carlos Cachaça, entre outros47.

No geral, estas biografias oferecem, na melhor das hipóteses, perfis sociológicos, dados

biográficos e psicológicos, panoramas de épocas, além de mapear a obra dos biografados.

Neste sentido, servem como ponte para outros ensaios temáticos mais verticalizados. São

importantes como elementos de referência, cobrindo lacunas informativas que permitem

aprofundar temas conexos.

Mas, em nossa opinião, o melhor da bibliografia sobre o samba se encontra nos autores

que se debruçaram sobre as bases sociais e estéticas em torno do gênero. Arriscamos dizer

que, ao longo dos anos 80, o samba e suas injunções políticas, sociológicas, estéticas e etno-

culturalistas, se constituiu num ponto clássico do pensamento crítico-musical e, sem dúvida, é

41 CABRAL, Sérgio. Escolas de Samba: o que, quanto, como e porque. Ro de Janeiro, Fontana, 1974 42 GOLDAWASSER, Maria Júlia. O palácio do samba. Rio de Janeiro, Zahar, 1975 43 LEOPOLDI, José Sávio. Escola de samba: ritual e sociedade. Petrópolis, Vozes, 1978 44 SUETÔNIO, Raquel Valença. Império Serrano. Rio de Janeiro, J.Olimpio, 1981 45 COSTA, Haroldo. Salgueiro: academia de samba. Rio de Janeiro, Record, 1984 46 ALENCAR, Edigar. Nosso Sinhô do Samba. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1968 47 É bom lembrar que está série de biografias inclui nomes da música popular que extrapolam o universo do samba carioca, como Orlando Silva, Capiba, Patápio Silva, Custódio Mesquisa, Jararaca e Ratinho, e outros.

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um dos gêneros musicais mais discutidos e explorados pelos autores. Alguns trabalhos,

lançados ou relançados entre 1977 e 1984, merecem destaque e, no geral, estabeleceram os

marcos do debate até a revisão historiográfica proposta por Hermano Vianna, em 1995, do qual

falaremos adiante.

No final dos anos 70 e começo dos anos 80, ensaios da década anterior foram

reeditados, como os de Muniz Jr48, de Muniz Sodré49 e de Edigar de Alencar50. Outros trabalhos

vieram à luz no período: "Modinha e Lundu: duas raízes da música popular brasileira" de

Bruno Kiefer51, 1977) e "O samba na realidade: a utopia de ascensão social do sambista", de

Nei Lopes52. NOTA POLÊMICA KIEFER ALENCAR

Os trabalhos de Roberto Moura53 (�Tia Ciata e a Pequena África�) e José Miguel Wisnik54

("Getúlio da Paixão Cearense"), ambos de 1983, trouxeram novas luzes para a discussão das

"origens" do samba. Em ambos, o caráter de "usina sonora" de alguns espaços sociais do Rio

de Janeiro são sublinhados, numa tentativa de explicar o samba mais como o produto de

encontros sócio-culturais, ainda que marcados por preconceitos, interdições e exclusões.

Dentre estes espaços, verdadeiras nichos de cultura musical urbana, os autores destacam a

famosa "Casa da Tia Ciata", onde teria sido composto o primeiro samba "Pelo Telefone", em

1916. O trabalho de Moura acabou por se tornar uma referência na medida em que consegue ir

além da clássica discussão "morro X cidade", ou ainda mostrar o caráter de "encontro cultural"

que está na base do samba, ainda que prevaleça a perspectiva negra na base musical do

gênero.

Wisnik ainda destaca as complexas relações do mundo da música popular, marcado

pela fusão de sons e ritmos, com os projetos de intelectuais ou músicos eruditos, como Mário

de Andrade e Villa-Lobos, sublinhando, talvez exageradamente, o caráter autoritário destes

projetos, em contraponto a uma saudável anarquia sonora e cultural do mundo da cultura

popular. Mas, ainda assim, o mundo da música popular acabará sendo incorporado pela

política cultural do Estado Novo, na medida em que oferecia uma matriz cultural para as

práticas clientelistas e populistas que passarão a ser institucionalizadas.

Wisnik e Moura, todavia, reafirmam, ainda que moderadamente, o caráter de

marginalidade e resistência, da música popular de matriz negra, na Primeira República,

48 MUNIZ Jr., Jomar. Do batuque à escola de samba. Rio de Janeiro, 1976 49 SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Rio de janeiro, Codecri, 1979 (publicado originalmente, na forma de reportagem, em 1968) 50 ALENCAR, Edigar. O Carnaval Carioca através da música. Rio de Janeiro, Funarte, 1979 (publicado originalmente em 1965). 51 KIEFER, Bruno. Modinha e Lundu: duas raízes da música popular brasileira. 52 LOPES, N. O samba na realidade: a utopia de ascensão social do sambista. Rio de Janeiro, Codecri, 1981 53 MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade/SMC, 1983 54 WISNIK, José Miguel. "Getúlio da Paixão Cearense" IN: O Nacional e o popular na cultura Brasileira: música. São

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perspectiva que será questionada por Hermano Vianna. É interessante comparar estes

trabalhos com outro ensaio clássico, "Getúlio Vargas e a música popular", de Jairo Severiano55,

lançado na mesma época, ou ainda com o ensaio incluido na História Geral da Civilização

Brasileira, "", de Gilberto Vasconcellos e Matinas Suzuki Jr56. Notamos, nestes artigos, a

preocupação em discutir o lugar social e político do samba, como centro de uma nova dinâmica

cultural, que traduz a emergência das massas urbanas e as estratégias das elites e do Estado

getulista, em dialogar / cooptar, o novo gênero. Este ponto, acabou se tornando um tema

clássico, sempre recorrente nos trabalhos acadêmicos de mestrado e doutorado (como

veremos mais adiante).

Mais para o final da década de 80, o compositor e pesquisador Nei Lopes57 retomou o

tema, propondo uma geo-história do samba) e fazendo um inventário das tradições musicais do

negro. O inovador, neste livro, além da implosão do samba como gênero (sendo entendido

mais como síntese de vários gêneros, ritmos e danças) e a atenção maior às formas musicais

semi-rurais, como o caxambu e o jongo.

Um trabalho importante sobre o mundo do samba, de viés sociológico bastante acentuado, foi

o de Ana Maria Rodrigues58, publicado em 1984, mas fruto de uma pesquisa realizada entre

1975 e 1977 em quatro escolas de samba do Rio de Janeiro, e desenvolvida na USP. Ao

enfatizar as relações culturais e raciais que se organizam em torno do carnaval, a autora

destaca a perda de referência lúdica e identitária, na medida em que o carnaval popular vai se

inserindo no universo da cultura de massa branca e de classe média. O aspecto propriamente

musical fica em segundo plano, mas o livro é importante para entender as relações sociais,

empresariais e culturais estabelecidas em torno do carnaval. O ponto fraco é o esquematismo e

o determinismo da explicação, além das categorias de "expropriação" e "resistência"

subjacentes ao trabalho, que são de interesse muito datado.

Também no início dos anos 80, parecia que iria haver um certo boom na área de Letras,

em torno do tema da música popular brasileira. Além da MPB strictu sensu, o samba passou a

ser objeto de análise. Destacamos alguns trabalhos pioneiros realizados junto a PUC - RJ:

Beatriz Borges59, Claudia Matos60 . No campo da análise literária, foram lançados no começo

dos anos 80 os trabalhos clássicos e pioneiros (embora hoje menos impactantes) de Adélia

Meneses, sobre Chico Buarque e Antonio Pedro, sobre o samba-exaltação dos anos 30 / 4061.

Paulo, Brasiliense, 1983 55 SEVERIANO, Jairo. Getúlio Vargas e a Música Popular. Rio de Janeiro, FGV, 1983 56 VASCONCELLOS, Gilberto & SUZIKI Jr, Matinas. "A malandragem e a formação da música popular brasileira" IN: FAUSTO, Boris (org). História Geral da Civilização Brasileira. Vol. 11 (Brasil Rep[ublicano: Economia e Cultura). Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995 (3ªed.) , 501-524 57 LOPES, Nei. O negro do RJ e sua tradição musical, Rio de Janeiro, 1988 58 RODRIGUES, Ana Maria. Samba Negro, Espoliação branca. São Paulo, Hucitec, 1984 59 BORGES, Bia. Samba Canção: fratura e paixão. Rio de Janeiro, Codecri, 1982 60 MATOS, Cláudia. Acertei no milhar: samba e malandragem no tempo de Getúlio. São Paulo, Paz e Terra, 1982 61 PEDRO, Antonio. O samba da legitimidade. Dissertação de Mestrado, História / PUC , São Paulo, 1980

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Em todos estes trabalhos a ênfase na análise das "letras", isoladas de outros

parâmetros estéticos e culturais da canção, passaram a ser criticadas pelo campo de estudos

da música popular, tirando o impacto que estas obras pioneiras tiveram em sua época, junto a

programas universitários até então refratários ao tema. De qualquer forma, certas perspectivas

destes trabalhos determinaram alguns eixos de discussão. Por exemplo, o tipologia de canções

que constituem a obra de Chico Buarque, proposta por Adélia, ainda não foi superada

significativamente por nenhum outro trabalho sobre o compositor (�lirismo nostálgico�, �canções

de repressão�, �variante utópica�, �vertente crítica�62.

Também de meados dos anos 80, surgiria um outro viés de análise, que passou a

analisar as relações entre erudito / popular na música brasileira, destacando-se o trabalho de

fôlego de Arnaldo Contier, concluido em 1986, mas nunca publicado na íntegra63.

ANOS 90: A CONSOLIDAÇÃO DAS PESQUISAS ACADÊMICAS MONOGRÁFICAS E O

BOOM EDITORIAL SOBRE A MÚSICA POPULAR

Finalmente, chegamos aos anos 90. Nesta década, assistimos a alguns movimentos

básicos no ensaísmo sobre a música popular:

a) a revitalização de lançamentos de trabalhos de memórias, biografias, autobiografias e

crônicas sobre a MPB dos anos 50 e 60 (alguns abrangendo parte dos 70).

b) A consolidação de uma historiografia de cunho jornalístico / factual procurando dar conta da

música recente feita no Brasil (com destaque para a coleção "Todos os cantos", da Editora

34 - ex- coleção "Ouvido Musical", publicada a partir de 1997)

c) Finalmente, e na minha opinião, o aspecto mais importante: a consolidação de linhas de

investigação acadêmica, ampliando abordagens, incluindo novas fontes, repensando

metodologias, aspectos que estão longe de definir um campo de conhecimento estruturado,

mas que ampliaram, e muito, a literatura acadêmica sobre música popular no Brasil. Neste

campo, notamos um duplo movimento: a tendência de interdisciplinaridade em algumas

áreas de ciências humanas (história, sociologia, comunicação, antropologia e letras); ao

mesmo tempo que um certo isolamento, talvez uma auto-suficiência teórico-metodológica

um tanto temerária, da área de artes e linguística).

Vejamos, um pouco mais detalhadamente, estas três vertentes.

62MENEZES, Adélia B. Desenho Mágico: poesia e política em Chico Buarque. São Paulo, Ateliê Editorial. 1999 (2ª ed.). Publicado originalmente pela Hucitec, em 1982, mas concluído como dissertação de mestrado, em 1980. 63 CONTIER, Arnaldo. Brasil Novo: música, nação e modernidade. Tese de Livre-Docência, História / USP, 1986

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a) Crônicas, memórias e Biografias

Nos anos 90, o jornalista Sérgio Cabral se consolidou como um dos principais biografos

da MPB, lançando algumas biografias de fôlego, a maioria para a Editora Lumiar, de Almir

Chediak64 . Foram lançados os seguintes títulos: "No tempo de Almirante"65, "No tempo de Ary

Barroso"66, "Elisete Cardoso: uma vida"67, "Antonio Carlos Jobim: uma biografia"68, além do

relançamento de "Pixinguinha: vida e obra"69. O eixo destes trabalhos é o cunho histórico-

informativo e o exaustivo levantamento da obra dos artistas biografados, que podem servir de

apoio para trabalhos mais analíticos e verticalizados.

Outro trabalho biográfico, lançado no começo da década, que impressiona pelo

detalhismo e pelo volume de informações é "Noel Rosa: uma biografia", de João Máximo e

Carlos Didier70 . A vida e a obra do compositor é esquadrinhada e contextualizada, num

trabalho que deixa pouco espaço para outros enfoques biográficos, na medida em que esgota

o viés histórico-informativo em torno do compositor emblemático da canção urbana brasileira.

Uma das biografias que apresenta maior viés sociológico é a biografia de Chiquinha Gonzaga,

de Edinha Diniz71, que acabou se convertendo num grande sucesso editorial alguns anos mais

tarde, em função da minissérie global. Além disso, a autora traçou um grande e completo mapa

da obra completa da grande compositora e maestrina brasileira.

Entre as crônicas o livro de maior impacto editorial da década foi o de Ruy Castro sobre

a Bossa Nova72. Embora se apresente como uma obra �historiográfica�, procurando contar as

�verdades� em torno do movimento, Castro na verdade elaborou uma verdadeira elegia da

Bossa Nova, centrando sua análise na figura de João Gilberto. A partir dele, outros grandes

artistas vão desenvolvendo seu trabalho. O autor traça uma cronologia bastante centrada no

próprio movimento, sem as articulações que normalmente os historiadores da MPB gostam de

propor. Neste sentido, Castro considera que a Bossa Nova nasceu e morreu, entre 1959 e

1962. Para ele, a emergência de uma sensibilidade populista de esquerda e o golpe militar de

1964, destruiram a utopia modernizante �primeiromundista� da Bossa Nova. O livro, que tem

uma série de problemas metodológicos, sendo o mais grave a sacralização de algumas fontes

orais, abusa do juízo de valor, até porque o jornalista não está preocupado em fazer uma

análise distanciada. Ao contrário, �Chega de Saudade� é uma obra que assume a parcialidade

do ponto de vista e a nostalgia por um Brasil que ousou ser culturalmente �moderno� e

64 Importante destacar a iniciativa de Almir Chediak e sua Editora (Lumiar, Rio de Janeiro) em publicar os songbooks dos principais compositores brasileiros, que vem se constituindo num corpus documental de referência fundamental. 65 CABRAL, Sérgio. No tempo de Almirante. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990 66 --------. NO tempo de Ary Barroso. Rio de Janeiro, Lumiar, 1993 67 --------. Eliseth Cardoso. Uma vida. Rio de Janeiro, Lumiar, 1994 68 --------. Antonio Carlos Jobim: uma biografia. Rio de Janeiro, Lumiar, 1997 69 --------. Pixinguinha: vida e obra. Rio de Janeiro, Lumiar, 1997 (lançado originalmente em 1978, pela Funarte) 70 DIDIER, Carlos & MÁXIMO, João. Noel Rosa: uma biografia. Brasília, EDUNB, 1990 71 DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga: história de uma vida. Rio de Janeiro, Record, 1999 (5ª). Publicado originalmente em 1991.

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�sofisticado�.

O livro provocou alguma polêmica, sendo que a resposta mais contundente foi escrita

por Sérgio Ricardo, que se considerou injustiçado e caricaturizado no livro de Castro e resolveu

escrever sua auto-biografia73. Numa perspectiva amarga e auto-centrada (como não poderia

deixar de ser), o compositor faz um balanço da sua atuação e das utopias que marcaram sua

carreira, deixando claro a acuidade de suas posições acerca da MPB, que não são em nenhum

momento objeto de revisão ou auto-crítica.

Mais para o final da década, o superastro Caetano Veloso resolveu publicar suas

memórias74, em cujas páginas percebe-se uma tentativa de síntese da vida cultural (e musical)

brasileira dos anos 60, cujo epicentro é a sua trajetória pessoal. O interessante, neste livro, é

que Caetano procura, através de seu estilo prolixo, incluir uma quantidade enorme de eventos

e pessoas dentro de um discurso em que a sua memória pessoal se confunde com uma voz

quase institucional, proferida por um �agente social� de alto capital cultural e simbólico, sobre

a história da MPB recente.

Estes três livros, ao lado do excelente (do ponto de vista literário) e honesto trabalho de

Márcio Borges75, constituem, na minha opinião, os grandes lançamentos dos anos 90, na linha

crônicas / memórias. O livro de Borges é um belo painel da juventude dos anos 60 e 70, na

perspectiva de quem foi o primeiro parceiro de Milton Nascimento e, com o tempo, foi se

retirando do primeiro plano da cena artística, ao mesmo tempo que seu parceiro se consagrava

pelo mundo afora. Esse contraste e uma visão intimista da vida da juventude em tempos

difíceis são o ponto forte do livro, que não teve o impacto merecido, entre público e crítica.

b) historiografia de cunho informativo-jornalístico

Neste ponto, destaque para o catálogo da Editora 34, que a partir de 1997, passou a

lançar, regularmente, obras de ensaio (histórico-jornalístico ou biográfico) sobre a música

popular (não só brasileira). Desde então surgiram títulos interessantes, como os livros de

Carlos Calado76 , minuciosos e sérios, mas excessivamente factuais. Ou ainda, os estudos

abrangentes sobre a música caipira, de Rosa Nepomuceno77 , sobre o choro78 ou sobre nomes

importante da música popular biografados por Dominique Dreyfus79 . A se destacar, ainda, os

dois volumes da obra de referência "A canção no tempo", de Jairo Severiano e Zuza Homem

72 CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova, São Paulo, Cia das Letras, 1989 73 RICARDO, Sérgio. Quem quebrou meu violão. Rio de Janeiro, Record, 1994 74 VELOSO, Caetano. Verdade tropical: memórias do tempo do tropicalismo. São Paulo, Cia das Letras, 1998 75 BORGES, Márcio. Os sonhos não envelhecem. A história do Clube da Esquina. São Paulo, Geração Editorial, 1996 76 CALADO, Carlos. Tropicália: história de uma revolução musical. São Paulo, Editora 34, 1998 e; A divina comédia dos Mutantes. São Paulo, Editora 34, 1997 77 NEPOMUCENO, Rosa. Música Caipira: da roça ao rodeio. São Paulo, Editora 34, 1999 78 CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao Municipal. São Paulo, Editora 34, 1997 79 DREYFUS, Dominique. O Violão Vadio de Baden Powell. São Paulo, Editora 34, 1999 e; Vida de Viajante: a saga

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de Mello80, que cobre, metodicamente, quase cem anos da vida musical popular brasileira,

realizando um inventário, ano a ano, dos maiores sucessos (de 1901 a 1985).

Em todas estas obras, como em parte da vertente anterior, fica patente o caráter

informativo-factual, que retira o caráter analítico mais acentuado deste tipo de historiografia,

embora constitua um material importante de apoio às pesquisa de caráter analítico /

monográfico.

c) Ensaismo acadêmico: teses e dissertações (1989-2000)

Após 1989, houve um verdadeiro boom de teses e dissertações sobre a música popular

brasileira, em seus diversos aspectos. Num levantamento, a título de amostragem sem

metodologia científica, feito pelo "Projeto Alta Fidelidade - apoio à pesquisa histórica em MPB",

podemos Ter uma certa idéia das tendências da pesquisa acadêmica em torno do tema. Das

58 teses e dissertações listadas (até a presente data apenas 4 foram publicadas), a maioria se

concentra após 1989, conforme o seguinte quadro anual comparativo:

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

1 1 1 - - 3 5 - 1 6

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

7 3 1 - 3 8 7 7 8 10

Por área de conhecimento, o quadro (aproximado) ficaria o seguinte:

Letras e Linguística: 13

História: 10

Música (artes): 8

Comunicação: 5

Antropologia: 4

Sociologia: 6

Por instituição:

USP

FFLCH - 16

ECA - 10

UNICAMP

IFCH - 8

IEL - 5

de Luiz Gonzaga. São Paulo, Editora 34, 1998 80 MELLO, José Eduardo Homem & SEVERIANO, Jairo. A canção no tempo (vls. 1 e 2). São Paulo, Editora 34 , 1998

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20

IA - 1

UFRJ

PGAAS - 1

Escola de Música - 2

Letras Vernáculas - 2

OUTRAS INSTITUIÇÕES

8

Se somarmos os trabalhos publicados nos anos 90, que foram originalmente elaborados

na forma de teses e dissertações, conforme consta do levantamento do Projeto Alta

Fidelidade81, temos ainda o seguinte quadro adicional, conforme a área de conhecimento:

Antropologia: 4

História: 4

Linguística: 1

Comunicação: 1

Letras: 1

Como já dissemos este levantamento é imperfeito e imcompleto, mas permite traçar um

painel institucional da pesquisa acadêmica em música popular brasileira. Se cruzarmos os

quadros, notamos uma certa concentração de trabalhos em algumas áreas: Letras, História,

Antropologia e, com menor destaque, em Sociologia (esta área de sobressai graças ao

programa da UNICAMP, com certa ênfase para "estudos culturais"). Portanto, a rigor, as áreas

de história, antropologia e letras/linguística acabam por concentrar os estudos. O levantamento

específico na área de música, inicialmente, tem demonstrado que os estudos em música

popular não tem grande destaque, quanto, à princípio, deveriam ter. A maioria dos trabalhos na

ECA e na EMUFRJ, revelou que a ênfase recai sobre os estudos em instrumentos ou em obras

específicas. Apesar disso, na ECA (tanto em música quanto em comunicação) os estudos de

música popular são mais significativos do que em outros programas, embora se concentrem

nos anos 90.

Na área de Letras: Os estudos de André Gardel82 e Walter Garcia83 estão entre os

trabalhos de maior repercussão da década. Embora sejam da mesma área de conhecimento,

trabalham com perspectivas diferenciadas. O trabalho de Gardel é voltado para o

desenvolvimento de uma sensibilidade poética moderna, que tanto informava os poetas

modernistas (como Manoel Bandeira) quanto os músicos populares. Seu trabalho está mais

próximo de Santusa Naves84 , que também enfatiza as afinidades entre os poetas modernistas

81 Website de referência por mim coordenado (www.geocities.com/altafidelidade) 82 GARDEL, André. O encontro entre Bandeira e Sinhô. Rio de Janeiro, Prefeitura da Cidade / SMC, 1996 83 GARCIA, Walter. Bim Bom: a contradição sem conflitos de João Gilberto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1999 84 NAVES, Santusa. O Violão Azul: modernismo e música popular. Rio de Janeiro, FGV, 1998

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e a perspectiva da música popular, cujo epicentro comum seria uma espécie de "estética da

humildade"85, ao contrário dos músicos e musicólogos modernistas, como Villa Lobos, que

ainda permaneciam presos à estética do sublime e do grandioso. Já o trabalho de Walter

Garcia, enfatiza muito mais os aspectos musicológicos e culturais da performance de João

Gilberto e dos procedimentos da Bossa Nova, trabalhando com a hipótese que João Gilberto e

seu violão sintetizaram elementos do samba, do jazz e do bolero (esta é uma novidade, na

medida em que a maioria dos autores, a execeção de Adalberto Paranhos86, enfatiza o bolero

como a antítese da BN. Embora o trabalho seja desenvolvido na área de letras, ele dá conta de

aspectos técnico-musicais bastante complexos e afasta-se da tradição de isolar a letra dos

parâmetros musicais da canção.

Na antropologia (e etnomusicologia) o trabalho de Hermano Vianna87 sobre o samba foi

o que teve maior impacto. O autor retoma as perspectiva de Gilberto Freyre sobre o encontro

racial e cultural que teria marcado a brasilidade e, a partir dos anos 20 / 30, seria assumido

pela própria ideologia oficial. A perspectiva freyriana do livro causou uma certa polêmica, na

medida em que o autor retirava do mundo do samba um certo elan de resistência e

marginalidade, tentando mostrar que as relações entre elite e povo eram mais complexas e

contraditórias.

Outra autora da área de antropologia, que lançou dois livros nos anos 90, foi Rita

Morelli, da Unicamp ("Indústria fonográfica: uma análise antropológica", 1991 e "Arrogantes,

anônimos e subversivos: interpretando o acordo e a discórdia na tradição autoral brasileira",

2000). Seu trabalho está mais direcionado para o estudo do mercado musical brasileiro e, ao

lado de Enor Paiano ("Do "berimbau" ao "som universal", 1994) e Márcia Tosta Dias ("Os

donos da voz", 1999), constituem um núcleo de reflexão sobre o tema, não muito comum nos

estudos sobre música popular no Brasil, que se concentram mais em aspectos poéticos,

sociológicos e políticos, do que em problemas e instituições ligadas ao mercado musical.

Um trabalho fundamental, lançado na década de 90, foi o livro "O cancionista", de Luís

Tatit88, professor de linguística e compositor. Tatit, baseado na linguística greimasiana89 e

zilberberguiana, propõe uma verdadeira teoria da canção popular, enquanto elemento inserido

nas estratégias da fala coloquial. Apesar da interessante inovação metodológica, ao propor um

diagrama que dê conta da articulação da letra cantada com as alturas das notas, visualizando

assim o contorno melódico da canção, o método de Tatit limita as abordagens diacrônicas da

canção, na medida em que enfatiza os aspectos sincrônicos/ estruturais dentro dos quais a

85 Para uma melhor definição desta categoria analítica ver ARRIGUCCI Jr., Davi . Humildade, Paixão e Morte. São Paulo, Cia das Letras, 1999 (2ª ed.) 86 PARANHOS, Adalberto. "Novas Bossas, velhos argumentos". História e perspectiva, nº3, Dep. História / UFU, 1990, 3-101 87 VIANNA, Hermano. Op..cit. 88 TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo, Edusp, 1995

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performance do interprete se move . Este corrente vem se firmando como um eixo de

abordagem que parece estar de disseminando no meio acadêmico, como podemos ver nos

trabalhos de Maria Aparecida Bento90 e Paulo Lopes91 , sobre a canção brasileira dos anos 60.

Talvez, os resultados mais interessantes neste tipo de abordagem estejam ligados à

sistematização teóricas de estratégias textuais / melódicas que articulam a canção à fala

cotidiana, mas, ao nosso ver, os trabalhos marcados por excesso de teorização perdem a

fluidez analítica e correm o risco de usar a cancão para confirmar a teoria, e não a teoria como

instância estrutural do trabalho de análise cultural e histórica.

Finalmente, a área de História tem sido marcada pela incorporação significativa do tema

da música popular, mas ainda padece de uma certa fragilidade metodológica, que vem sendo

discutida no bojo dos últimos trabalhos lançados na década. A criticada dicotomia entre forma e

conteúdo e letra e música, ainda parece estar presente no grosso dos trabalhos, em detrimento

da análise histórica dos elementos que constituem a linguagem musical da canção. A ênfase

no plano discursivo das letras ainda é marcante em importantes trabalhos como o de Maria

Izilda Matos92, Alberto Moby93. Matos vem desenvolvendo um intenso trabalho de pesquisa e

orientação no entrecruzamento entre história da música popular e perfis/relações de gênero,

abrindo uma frente que ainda tem grande potencial de trabalho, embora tenha a tendência

metológica de isolar letra e música. Outra característica é a ênfase na configuração histórico-

social do universo da canção popular, como no importante estudo do espaço social da boêmia

de Alcir Lenharo94, e em muitos trabalhos sobre o samba e sobre as relações entre música e

política. Aliás, em relação a este tema, destacamos o trabalho pioneiro de Luis Giani95 . Embora

muito esquemático e padecendo de um certo determinismo sociológico de viés marxista-

dogmático, o trabalho de Giani consegue oferecer um inventário minucioso e um painel crítico

importantíssimo das relações entre música popular e política nos anos 60.

O trabalho da área de história que, ao nosso ver, conseguiu avançar do ponto de vista

metodológico, articulando aspectos sociológicos, estéticos (incluindo-se aí a análise dos

parâmetros musicais da canção) e históricos é o de Arnaldo Contier. Originalmente, Contier

desenvolveu sua reflexão em torno da obra de Villa Lobos e do pensamento de Mário de

Andrade, mas seus artigos, de conjunto disperso, acabaram se voltando, ultimamente, para a

89 Abordagem que desloca a análise estrutural da frase para o �percurso gerativo� do discurso,. 90 BENTO, Maria Aparecida. São Paulo sonora dos anos 60 (a canção popular). Tese de Doutorado, ECA / USP, 1998 91 LOPES, Paulo. A desinvenção do som: estudos sobre a dialógica do Tropicalismo. São Paulo, ANPOLL, 2000 92 MATOS, Maria Izilda. Melodia e sintonia em Lupiscínio Rodrigues. O feminino, o masculino e suas relações. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1996 93 MOBY, Alberto. Sinal Fechado: a MPB sob censura. Rio de Janeiro, Obra Aberta, 1994 94 LENHARO, Alcir. Cantores do rádio. A trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio artístico do seu tempo. Campinas, Ed. Unicamp, 1995 95 GIANI, Luís. Música de Protesto: do subdesenvolvido à canção do bicho e proezas de satanás. Mestrado. IFCH / UNICAMP, 1985

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música popular96. A principal contribuição metodológica é incorporar o problema da

performance musical como um dado histórico a ser analisado, capaz de mudar o sentido

estético e ideológico sugerido pela estrutura da canção. Ao mesmo tempo, Contier propõe

articular a linguagem verbal (discursos, formulações ideológicas e precepções estéticas) à

linguagem musical (letra, música, interpretação, performance), bem como a interferência dos

meios de gravação e divulgação pelos quais se faz a experiência social da música.

Do ponto de vista acadêmico, a tendência que notamos é um processo ainda

insatisfatório de articulação disciplinar nas áreas de ciências humanas (História, Sociologia,

Antropologia), letras (na medida em que a abordagem estritamente literária da canção esteja

sendo criticada nos últimos anos) e comunicação (dando uma importante contribuição no

estudo dos meios de divulgação e nos processos comunicacionais operados pela música

popular). O isolamento dos programas e a recorrência do debate, quase sempre em torno de

temas e autores já conhecidos, tem dificultado esta articulação. Por outro lado, trabalhos

importantes, de áreas importantes para o estudo da música popular (como música e linguística)

tem sido marcados por uma abordagem teórica fechada dentro de correntes e abordagens que

pouco dialogam com outras disciplinas. Neste contexto, acreditamos que a grande

contribuição da História, seja a de fazer avançar os estudos, incorporando novos eventos,

novas fontes e novos problemas no campo de estudos da música popular brasileira. De acordo

com a nossa experiência, existe uma gama enorme de fontes, períodos e temas pouco

explorados como os estudos específicos da crítica musical, da indústria fonográfica, as

relações entre canção e TV, os anos 50 e 70, os tipos de recepção social da música popular

brasileira, entre outros.

Devido aos limites deste texto, não teremos condições de desenvolver aquilo que seria

o elemento mais interessante de toda esta reflexão, um tanto limitada ao inventário,

reconhecemos, que seria um cruzamento crítico de fontes, abordagens, métodos e conteúdos

de análise sobre a canção brasileira. Esta reflexão fica para uma outra oportunidade. Além

disso, propositalmente, deixamos de fora os �brasilianistas� da música brasileira97 que ainda

são poucos, mas surgem em número cada vez maior, enfatizando, sobretudo, a música

brasileira produzida a partir dos anos 60.

Em suma, os estudos sobre música popular brasileira, parecem ter encontrado lugar

definitivo tanto no mercado editorial, quanto nos programas de pós-graduação em Ciências

Humanas e Artes. Mas, na minha opinião, ainda estamos longe de articular e debater,

satisfatoriamente, as diversas abordagens, assim como estamos longe de integrar os

96 Entre eles destacamos: "Edu Lobo e Carlos Lyra: o nacional e o popular na canção de protesto (anos 60)". Revista Brasileira de História. Vol.18, nº 35, ANPUH/Humanitas, 1998, 13-52 97 Gerard Behague (Universidade do Texas) , Charles Perrone (Universidade da Flórida) e David Treece (Universidade de Londres - King's College).

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pesquisadores em redes de leitura e diálogo que rompam com as áreas de origem. Dada a

natureza do objeto de estudo - a cancão popular - me parece que esta década que se inicia

deve ser marcada pelo esforço de síntese e integração das áreas, movimento que parece já

ter sido iniciado.

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