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Criao da Capa: Armando de Lima Sardinha

Coordenadores Cientficos

Antonio Herman BenjaminCarlos Teodoro Jos Hugueney Irigaray

Eladio LeceyJos Eduardo Ismael Lutti

Slvia Cappelli

Comisso de Organizao do 18 Congresso Brasileiro de Direito Ambiental

Ana Maria Moreira MarchesanAna Maria Nusdeo

Annelise Monteiro SteiglederCarlos E. Peralta Montero

Carlos Teodoro Jos Hugueney IrigarayCarolina Medeiros Bahia

Clvis Malinveni da Silveira Eladio Lecey

Elizete Lanzoni Alves Heline Sivini Ferreira

Jos Eduardo Ismael Lutti, Jos Rubens Morato Leite

Kamila Guimares de Moraes Mrcia Dieguez Leuzinguer

Patrcia Faga Iglecias LemosPatryck de Araujo AyalaRicardo Stanziola Vieira

Slvia CappelliSolange Teles da Silva

Vansca Buzelato Prestes

*Colaboradores Tcnicos: Ana Paula Oliveira Gonalves e Sieli Pontalti

Congresso Brasileiro de Direito Ambiental (18: 2013 : So Paulo, SP)Licenciamento, tica e Sustentabilidade / coords. Antonio Herman Benjamin, Eladio Lecey, Slvia Cappelli, Carlos TeodoroJos Hugueney Irigaray, Jos Eduardo Ismael Lutti. So Paulo 2v Co-patrocnio: Instituto O Direito por um Planeta VerdeTrabalhos apresentados no 18 Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, 8 Congresso de Direito Ambiental dos Pases de Lngua Portuguesa e Espanhola, 8 Congresso de Estudantes de Direito Ambiental, realizados em So Paulo de 01 a 05 de junho de 2013.

1. Direito ambiental Congresso brasileiro. I. Benjamin, AntonioHerman de Vasconcelos e, coord. II. Lecey, Eladio, coord. III. Cappelli, Slvia, coord. IV. Irigaray, Carlos Teodoro Jos Hugueney, coord. V. Lutti, Jos Eduardo Ismael, coord. VI. Instituto O Direito por um Planeta Verde. VII.Ttulo.

AGRADECIMENTOSO Instituto O Direito por um Planeta Verde agradece Procuradoria-Geral de Justia de So Paulo pelo apoio ao 18 Congresso Brasileiro de Direito Ambiental, fazendo-o nas pessoas dos Doutores Mrcio Fernando Elias Rosa (Procurador-Geral de Justia), Nilo Spinola Salgado Filho (Subprocurador Geral de Justia de Gesto), Arnaldo Hos-sepian (Subprocurador Geral de Justia de Relaes Externas), Srgio Turra Sobrane (Subprocurador Geral de Justia Jurdica), Francisco Stella Junior, Wilson Alencar Dores, Jorge Luiz Ussier, Tiago Cintra Zarif, Cristina Godoy de Arajo Freitas, Karina Keiko Kamei, Ldia Helena Ferreira da Costa Passos e Jos Eduardo Ismael Lutti. Outras pessoas e instituies contriburam, decisivamente, para o sucesso do evento, cabendo em especial lembrar:Superior Tribunal de Justia (Ministro Felix Fischer)

Governo do Estado de So Paulo (Governador Geraldo Alckmin, Secretrio Sidney Beraldo e Joo Germano Bottcher Filho) AASP - Associao dos Advogados de So Paulo (Armando Srgio Prado de Toledo e Jos Raul Gavio de Almeida)

ABRAMPA - Associao Brasileira do Ministrio Pblico e do Meio Ambiente (Svio Renato Bittencourt Soares Silva)

ABRELPE (Carlos Roberto Vieira da Silva Filho)

AJUFE - Associao dos Juzes Federais do Brasil (Nino Oliveira Toldo)

AJURIS Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul (Pio Giovani Dresch)

AMB - Associao dos Magistrados Brasileiros (Henrique Nelson Calandra)

ANPR - Associao Nacional dos Procuradores da Repblica (Alexandre Camanho de Assis)

APMP - Associao Paulista do Ministrio Pblico (Felipe Locke Cavalcanti)

BRASILCON - Instituto Brasileiro de Poltica e Direito do Consumidor (Clarissa Costa de Lima)

Caixa Econmica Federal (Jorge Fontes Hereda, Alain Giovani Fortes Estefanello e Jailton Zanon da Silveira)

CDHU (Antnio Carlos do Amaral Filho)

CEMPRE (Andre Vilhena)

CETESB - Companhia Ambiental do Estado de So Paulo (Otvio Okano, Nelson Bu-galho, Geraldo do Amaral Filho e Ana Cristina Pasini da Costa)

CONAMP - Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico (Csar Bechara Nader Mattar Jnior)

Conselho Nacional de Procuradores - Gerais de Justia (Oswaldo Trigueiro do Valle Filho)

Editora Revista dos Tribunais (Antonio Bellinello, Regina Troncon e Roseli Jonas Ca-valcante e Giselle Tapai)

Embaixada Consulado - Geral dos Estados Unidos em So Paulo (Laura Gould, Cezar Borsa, Karla Carneiro e Eva Reichmann)

Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 3 Regio (Mairan Maia)

Escola Paulista da Magistratura (Armando Srgio Prado de Toledo)

Escola Superior do Ministrio Pblico da Unio (Nicolao Dino de Castro e Costa Neto)

Escola Superior do Ministrio Pblico de So Paulo (Mario Luiz Sarrubbo)

FMO- Fundao Mokiti Okada: (Tetsuo Watanabe, Hidenari Hayashi, Mitsuaki Ma-nabe, Hajime Tanaka, Yoshiro Nagae, Rogrio Hetmanek, Walter Grazzi, Joo Cesar Gonzalez, Luis Fernando dos Reis, Fernando Augusto de Souza, Erisson Thompson de Lima Jr., Claudinei Cruz, Georgiana Branquinho e Rosana C. B. Cavalcanti)

Fundao Florestal (Olavo Reino Francisco)

IBAMA (Volney Zanardi Jnior)

ILSA - Instituto Latinoamericano para una Sociedad y un Derecho Alternativos (Carlos Frederico Mars de Souza Filho)

INECE - (Durwood Zaelke e Kenneth J. Markowitz)

IPAM - O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaznia (Paulo Moutinho)

Ministrio da Justia (Ministro Jos Eduardo Cardozo)

Ministrio das Cidades (Ministro Aguinaldo Velloso Borges Ribeiro)

Ministrio do Meio Ambiente (Izabella Mnica Vieira Teixeira e Brulio Dias)Natura Cosmticos S/A (Bruno Sabbag)

PNUMA - Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (Cristina Montenegro e Andrea Brusco)

Polcia Militar Ambiental do Estado de So Paulo (Milton Sossumu Nomura)

Procuradoria - Geral do Estado de Mato Grosso (Paulo Roberto Jorge do Prado)

Procuradoria - Geral da Repblica (Roberto Monteiro Gurgel Santos, Mrio Jose Gisi Geisa de Assis Rodrigues, e Sandra Cureau)

Procuradoria - Geral de Justia de Minas Gerais (Carlos Andr Mariani Bittencourt)

Procuradoria - Geral de Justia do Rio Grande do Sul (Jos Barrco de Vasconcellos)

Procuradoria - Geral do Estado do Mato Grosso do Sul (Jos Couto Vieira Pontes)

PUC - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (Marcelo Gomes Sodr)

PUC - Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (Fernando Walcacer e Da-nielle Moreira)

REDE LATINO-AMERICANA DE MINISTRIO PBLICO AMBIENTAL (Coordenadora Executiva Silvia Cappelli)

Secretaria da Agricultura do Estado de So Paulo (Mnika Bergamaschi)

Secretaria do Meio Ambiente do Estado de So Paulo (Secretrio Bruno Covas e Ru-bens Naman Rizek Junior)

TJSP Tribunal de Justia de So Paulo (Joo Negrini Filho e Gilberto Passos de Freitas)

Tribunal de Contas da Unio TCU (Ministro Aroldo Cedraz)

Tribunal de Contas do Estado de So Paulo - TCESP (Conselheiro Dimas Ramalho)

Tribunal de Contas do Estado do Amazonas - TCEAM (Conselheiro Julio Pinheiro)UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso - Faculdade de Direito (Marcos Prado de Albuquerque)

UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Claudia Lima Marques)

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina (Jos Rubens Morato Leite e Luiz Otvio Pimentel)

UICN - Comisso de Direito Ambiental (Sheila Abed)

University of Texas School of Law (William Powers, Lawrence Sager, Mechele Dicker-son e Jolyn Piercy)

USP Universidade de So Paulo (Patricia Iglecias e Clio Berman)

CARTA DE SO PAULO

I. TUTELA COLETIvA AMBIENTAL: AO CIvIL PBLICA E OUTROS INSTRUMENTOS EM PERSPECTIvA

1. A ao civil pblica um instrumento capaz de permitir o controle popu-lar efetivo sobre as aes e omisses pblicas, viabilizando, outrossim, o acesso da sociedade justia, ainda que indiretamente, o que fortalece a construo do Estado Social e Democrtico de Direito.

2. O princpio da precauo repercute decisivamente no processo civil, por meio da tutela inibitria, de modo a inibir riscos considerados intoler-veis, qualificados juridicamente como ilcitos ambientais.

3. As alteraes do Novo Cdigo Florestal quanto delimitao das reas de preservao permanente e cmputo da Reserva Legal repercutem nas aes civis pblicas em andamento, mas no devem afetar a coisa jul-gada material.

4. A teoria do fato consumado deve ser veementemente rejeitada pelo Po-der Judicirio, que precisa de comprometer com a realizao da justia ambiental, incorporando o princpio da reparao integral do dano am-biental e priorizando a restaurao natural das reas degradadas.

II - O DIREITO CIDADE E A PROTEO DO MEIO AMBIENTE URBANO

1. Os parques urbanos so imprescindveis para a garantia da qualidade de vida dos habitantes da cidade e para a conservao da biodiversidade existente, carecendo de um regime jurdico que reconhea suas particu-laridades em relao ao regime geral institudo para Parques no mbito da Lei 9985/2000 (SNUC).

2. A chave para a resoluo dos problemas relativos sustentabilidade nas grandes cidades reside no enfrentamento da desigualdade social, promovendo-se a regularizao fundiria e reconhecendo-se o direito moradia digna, como o afastamento dos riscos que perpetuam modelos de excluso social.

3. Os Municpios precisaro revisar seus Planos Diretores com base do novo Cdigo Florestal e, ainda, incorporando as preocupaes ditadas pelas mudanas climticas a fim de garantir a segurana das edificaes.

4. Na contemporaneidade h um novo paradigma, baseado no direito cons-titucional cidade sustentvel, o que enseja a necessidade de a admi-nistrao pblica efetivamente incorporar a varivel ambiental no pro-cesso decisrio de planejamento do uso e da ocupao do solo urbano,

superando o modelo tradicional ancorado em mecanismos de comando e controle.

5. A longevidade da populao precisa ser incorporada no processo decisrio da gesto urbana, aperfeioando-se a acessibilidade nas edificaes.

III REPERCUSSES DA LEI COMPLEMENTAR 140/2011

1. A LC 140/2011 fere a Constituio Federal de 1988, pois, ao compar-timentar as competncias para licenciamento e exerccio do Poder de Polcia, ignora a competncia comum da Unio, Estados e Municpios para a proteo do meio ambiente.

2. O atrelamento da competncia para licenciar competncia para a fis-calizao implica em retrocesso diante da jurisprudncia consolidada do Superior Tribunal de Justia, que admitia que qualquer um dos entes federativos exercesse o poder de polcia, ainda que no fosse o rgo am-biental licenciador, inclusive permitindo que as multas impostas pelos Estados ou Municpios substitussem multas federais na mesma hiptese de incidncia.

3. A prevalncia do auto de infrao do rgo licenciador, para os casos em que outro ente federativo inibe danos atuais ou iminentes, desestimula o exerccio da competncia comum.

4. A imposio de que o cidado se dirija ao rgo ambiental licenciador para postular o exerccio do poder de polcia implica em entrave ao di-reito de petio e de participao, devendo o rgo ambiental que tiver cincia da infrao, ainda que no seja o responsvel pelo licenciamento e independentemente da iminncia de danos, adotar medidas inibitrias para coibir a infrao.

5. preciso fiscalizao sobre os Municpios, ainda pouco aparelhados para o exerccio da competncia para o licenciamento de atividades de impacto local, aferindo-se se os licenciamentos esto sendo realmente eficientes para gerir os riscos e prevenir os danos ambientais.

6. Deve-se reconhecer a responsabilidade civil do Poder Pblico em decor-rncia de licenciamentos ambientais pouco protetivos, bem como em funo da ausncia ou insuficincia do poder de polcia.

Iv MUDANAS CLIMTICAS E CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

1. imprescindvel respeitar os povos das florestas (ndios, quilombolas, populaes tradicionais), considerando seus posicionamentos quando da tomada de decises, superando-se o modelo impositivo e pouco partici-pativo na gesto das unidades de conservao e das florestas pblicas.

2. preciso implementar o modelo de sustentabilidade forte na gesto das florestas, garantindo-se a proteo do capital natural, reconhecendo-se que o capital natural crtico precisa ser mantido intocado, rejeitando-se a idia de que possvel a sua substituio ou a sua compensao.

3. A matriz energtica brasileira deve ser repensada, considerando-se os impactos sociais, econmicos, culturais e ambientais decorrentes da opo pelas hidreltricas, eis que implicam na destruio irreversvel de culturas ancestrais, insuscetveis de serem transferidas para outras reas. Alm disso, as hidreltricas ensejam presso populacional nas ci-dades prximas, ocasionando problemas gravssimos, tais como elevao do custo de vida, prostituio infantil e adulta e declnio da qualidade de prestao de servios como sade e educao.

4. preciso desenvolver e fortalecer os mecanismos institucionais e jur-dicos voltados ao pagamento por servios ambientais, de forma a re-conhecer o efetivo valor do meio ambiente para a conservao da bio-diversidade, seqestro de carbono, proteo de bacias hidrogrficas e conservao da beleza cnica, e, com isso, recompensar adequadamente aqueles que assumem o compromisso de recomposio, preservao ou manuteno dos bens ambientais.

v RESPONSABILIDADE CIvIL AMBIENTAL

1. O financiamento de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente constitui causa de danos ambientais, ensejando-se a responsabilidade civil solidria para os financiadores, com amparo no art. 3., IV, da Lei 6938/81.

2. A reparao dos danos ao patrimnio cultural deve levar em considerao as peculiaridades do bem cultural, dotado de valores imateriais insubs-tituveis (valor de antiguidade, de testemunho cognitivo, valor de uso, valor artstico/formal, morais ou afetivo/espirituais e valores de singula-ridade/raridade), observando-se a impossibilidade de sua reconstruo, sob pena de ocorrncia de um falso artstico ou de um falso histrico.

3. O papel do Direito, diante do desafio de restaurao de danos ao patri-mnio cultural, promover o acesso da populao ao debate, assegurar que os valores que justificaram a proteo jurdica do bem sejam recu-perados, garantir a transparncia e participao popular nos processos decisrios.

4. A responsabilidade compartilhada, prevista na Lei 12.305/10 (Resduos slidos), tem natureza preventiva e pressupe a atribuio de diversas ta-refas aos gestores pblicos e aos empreendedores que, de alguma forma, concorrem para a gerao dos resduos slidos, no devendo ser confun-dida com a responsabilidade civil solidria, incidente aps a ocorrncia do dano ambiental.

SUMRIO

CONFERNCIAS / INvITED PAPERS

ANA MARIA MOREIRA MARCHESAN ..............................................................17

AROLDO CEDRAZ ..........................................................................................40

BRUNO SABBAG ...........................................................................................60

CAROLINA MEDEIROS BAHIA ........................................................................82

CONSELHEIRO JULIO PINHEIRO .................................................................100

DANIELLE DE ANDRADE MOREIRA ..............................................................111

GEISA DE ASSIS RODRIGUES ......................................................................134

HENRIqUE ALBINO PEREIRA ......................................................................154

JOS RUBENS MORATO LEITE E MELISSA ELY MELO ....................................................................................172

LEONARDO CASTRO MAIA ...........................................................................189

LUIZ FERNANDO SCHEIBE, ARTHUR SCHMIDT NANNI E LUCIANO AUGUSTO HENNING .........................203

NICOLAO DINO NETO ..................................................................................219

RENATA CAMPETTI AMARAL E ALESSANDRO DE FRANCESCHI DA CRUZ ....................................................225

SUZANA M. PADUA .....................................................................................232

VLADIMIR GARCIA MAGALHES ..................................................................242

VLADIMIR PASSOS DE FREITAS ...................................................................251

TESES DE PROFISSIONAIS / INDEPENDENT PAPERS

ECONOMIA VERDE E GOVERNANA AMBIENTAL GLOBAL Ana Lcia Bittencourt e Ricardo Stanziola Vieira ............................................275

O DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE E O NO ANTROPOCENTRISMO TICO AMBIENTAL: UMA PROPOSTA DE RECONCILIAO Carolina de Mendona Gueiros ......................................................................293

LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE ATIVIDADES PORTURIAS: EFEITOS DA MEDIDA PROVISRIA 595/12 Carolina Dutra e Maurcio Duarte dos Santos ..................................................302

A REDUO DO MDULO DE PROVA PARA A FORMAO DO CONVENCIMENTO JUDICIAL E A ABERTURA DEMOCRTICA DO PROCESSO DECISRIO NO MBITO DO PODER JUDICIRIO COMO IMPORTANTES MECANISMOS PARA A ADAPTAO DAS REGRAS PROBATRIAS EM FACE DA CAUSALIDADE AMBIENTAL Carolina Medeiros Bahia ..............................................................................314

AS METAS DE AICHI/NAGOYA E A CONVERGNCIA DA INICIAO CIENTFICA DO INSTITUTO FLORESTAL EM RELAO AO PLANO DE AO PAULISTA DE BIODIVERSIDADE 2011-2020 Elaine Aparecida Rodrigues ..........................................................................330

SEGURO GARANTIA COMO INSTRUMENTO DE GESTO PARA A MITIGAO DE DANOS AMBIENTAIS NA MINERAO Eliane Pereira Rodrigues Poveda ...................................................................353

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NAS AUDINCIAS PBLICAS PARA LICENCIAMENTO AMBIENTAL Fernando Biloia e Lilian Mendes Haber .........................................................368

DIVERSIDADE ECOLGICA E BIODIVERSIDADE: DIVERGNCIAS ENTRE OS CONCEITOS CIENTFICOS E A APLICABILIDADE INSTITUCIONAL Fernando do Rego Barros Filho, Juliana de Oliveira e Silva e Pollyana Andrea Born ...................................................................................385

A EXPLOTAO DAS GUAS SUBTERRNEAS NAS REGIES COSTEIRAS DO BRASIL Luciana Cordeiro de Souza ...........................................................................397

O LIMITE DE TOLERABILIDADE E A CARACTERIZAO DO DANO AMBIENTAL Maria Claudia da Silva Antunes de Souza .......................................................409

FORMAS COMPLEMENTARES DE PARTICIPAO POPULAR NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: O CASO DE JURUTI VELHO-PA Natasha Valente Lazzaretti e Danielle de Ouro Mamed ....................................422

SADE PBLICA, MEIO AMBIENTE E (IN)DETERMINISMO CIENTFICO: A DISCUSSO ACERCA DA EMISSO ELETROMAGNTICA Paulo Roney vila Fagndez e Isabele Bruna Barbieri ......................................437

SEGURO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO ECONMICO DE PROTEO AMBIENTAL Pery Saraiva Neto, Ren Hernande Vieira Lopes, Marco Antnio Parreira Ferreira e Giseli Giusti Mariano ..................................458

CONSUMO, DESENVOLVIMENTISMO E PSICANALISE: qUAL PODE (DEVE) SER O PAPEL DO DIREITO DA SUSTENTABILIDADE EM TEMPOS DE CRISE SOCIOAMBIENTAL GLOBAL? Ricardo Stanziola Vieira e Karina Gomes Giusti...............................................481

O ACIDENTE COM O NAVIO M/T BAHAMAS NO PORTO DE RIO GRANDE/RS: UM ESTUDO ACERCA DA APLICAO DAS TEORIAS DA RESPONSABILIZAO CIVIL AMBIENTAL Silviana Lcia Henkes e Marlia Rezende Russo ..............................................498

A IMPORTNCIA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE IMVEIS RURAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO PARA A POLTICA ESTADUAL DE MUDANAS CLIMTICAS Tatiana Corra da Silva Fraga ........................................................................519

OS DESAFIOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARA OS MUNICIPIOS: A NECESSRIA COOPERAO Tatiana Monteiro Costa e Silva e Marcel Alexandre Lopes .................................538

POLTICA NACIONAL DE RESDUOS SLIDOS: UM PASSO EM DIREO CIDADANIA ECOLGICA Tnia Andrea Horbatiuk Dutra .......................................................................554

REA DE PRESERVAO PERMANENTE DOS CURSOS DGUA NO AMBIENTE URBANO: VEDAO RETROCESSO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE MUNICIPAL. Zedequias de Oliveira Jnior .........................................................................570

CONFERNCIAS

INvITED PAPERS

1718 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

ANALISANDO O ART. 60 DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS NO CONTEXTO DA SOCIEDADE DE RISCOS IRRADIAO DO

PRINCPIO DA PRECAUO ESFERA PENAL

Ana Maria Moreira Marchesan1

SUMRIO: 1. Tutela penal do meio ambiente e sociedade de riscos o carter antecipatrio dos tipos penais ambientais; 2. O crime do art. 60 como sendo de pe-rigo abstrato; 3. A desnecessidade de prova pericial para a consumao do tipo; 4. A norma penal em branco e a integrao do tipo penal; 5. As repercusses da obteno da licena ambiental aps o desencadeamento da persecutio criminis; 6. Concluses.

1. TUTELA PENAL DO MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE DE RISCOS O CARTER ANTECIPATRIO DOS TIPOS PENAIS AMBIENTAIS:

No presente trabalho nos propomos a refletir sobre a aplicao prtica do art. 60 da Lei dos Crimes Ambientais (9.605/98) luz da dogmtica do Direito Ambiental e no contexto desenhado pelo socilogo alemo Ulrich Beck, o qual, desde meados da dcada de noventa, se dedica ao tema da sociedade de risco global2. Parte ele da cons-tatao de que vivemos um momento de crise ambiental, no qual a explorao preda-tria dos recursos naturais parece no dar sinais de retrocesso ou de desacelerao.

Atualmente, inmeros desafios so impostos em consequncia dos riscos gera-dos pelas atividades humanas que vm degradando o meio ambiente de uma forma descontrolada, ao ponto de gerar trs fatores destacados na obra Ecological Politics in an Age of Risk: a irresponsabilidade organizada, o estado de segurana e a explo-sividade social3 .

O carter difuso, annimo e muitas vezes invisvel das agresses ao meio

1 Promotora de Justia no Rio Grande do Sul; mestre em direito ambiental e biodireito pela Universida-de Federal de Santa Catarina; autora da obra A tutela do patrimnio cultural sob o enfoque do direito ambiental, Ed. Livraria do Advogado; co-autora da obra Direito Ambiental, srie Concursos, Ed. Verbo Jurdico; professora dos cursos de ps-graduao em direito ambiental da UFRGS, do IDC e da Fundao do Ministrio Pblico.2 BECK, Ulrich. La Sociedad del riesgo global. Madrid: Editora Siglo Veinteuno, 2002. p. 115.3 BECK, Ulrich. Ecological Politics in an Age of Risk. Cambridge: Amos Oz, 1996, pp. 61-125.

18 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

ambiente aliado aos mecanismos culturais e institucionais pelos quais as elites pol-ticas e econmicas encobrem as origens e consequncias dos riscos e perigos propul-siona a chamada irresponsabilidade organizada.

No dizer de GOLDBLATT, um dos mais precisos analistas da obra de BECK, as sociedades de risco so atormentadas pelo paradoxo de quanto maior for a degrada-o ambiental, observada e possvel, maior o peso de leis e normas ambientais. Contudo, simultaneamente, nenhum indivduo nem instituio parecem ser respon-sabilizados especificamente por alguma coisa4. Uma das metas a serem alcanadas pelo Direito Ambiental, na sua mxima extenso, agregar visibilidade e responsa-bilidade aos atores econmicos e sociais, afigurando-se a esfera criminal importante ferramente para realizao de to espinhosa tarefa.

Esse paradoxo consistente em legislao cada vez mais rigorosa, de um lado, e mnima abrangncia de responsabilizao, de outro, tem sido uma marca brasileira.

Infelizmente, a motivao nobre que, a nosso sentir, moveu a redao do art. 60 da Lei n. 9605/98 parece perder espao para alguns dogmas da Cincia Penal clssica, defasada em relao ao atual modelo societal marcado pela difuso de ati-vidades e tecnologias que so comercializadas e inseridas no nosso cotidiano tantas vezes sem serem precedidas de estudos que avaliem seus reais riscos e impactos em relao sade e ao meio ambiente, na sua mais ampla acepo.

Ayala, em profundo estudo sobre o princpio da precauo e o carter transgera-cional do Direito Ambiental, prope:

Dentre as propostas dogmticas que poderiam ser atribudas a esse perodo, interessa especialmente a este momento, a enu-merao de duas: o desenvolvimento de um sentido preventivo e intimidatrio da sano criminalizao da leso aos novos bens jurdicos; e sobretudo a considerao de uma compreenso funcio-nal dos novos problemas a partir da prpria realidade social, para a legitimao de formas de interveno mais adequadas e eficientes para a proteo desses bens, proposta esta que viria a fundamentar a polmica, mas interessante construo de um direito funcional .

Essas duas propostas expressam com fidelidade um impor-tante sentido de transformao na fundamentao dos objetivos do direito penal, principalmente porque seu desenvolvimento, importou ao menos, a necessidade de crtica da funo de prote-o de bens jurdicos em face de leses ou ameaa de leses, que descrita por ocasio da anlise da jurisprudncia penal, no prximo captulo.

4 GOLDBLATT, David. Teoria social e ambiente. Lisboa: Editora Instituto Piaget, 1996. p. 241.

1918 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

A funo atribuda proteo penal em um modelo funcional tem particular importncia para este momento, porque passa a re-conhecer a necessidade de adequao das formas de interveno jurdica destinadas proteo de novas necessidades e interesses, em um modelo de sociedade altamente tecnolgica, que submete a pessoa humana, o ambiente e outras qualidades de interesses, a situaes de risco contnuo.

Desse modo, a interveno penal passa a privilegiar muito mais um modelo de regulao jurdica fundamentada no risco, em substituio ao modelo de leso de bens jurdicos, tendncia evi-denciada por Hassemer no atual direito penal alemo como o favo-recimento do que chama domnio do futuro .

Traz-se como conseqncia da afirmao dessa tendncia, a exigncia de considerao jurdica no s de leses (danos), mas principalmente dos riscos, que seriam expressos na forma de tipos penais de perigo abstrato, (...) para os quais suficiente a com-provao de uma ao (que o legislador proibiu como perigosa).

A razo muito bem justificada por Hassemer, quando ar-gumenta que: Muitos desses delitos caractersticos do moderno direito penal so delitos sem vtimas ou, pelo menos, com vtimas difusas. No se lhes exige um dano. O delito nem sempre um resultado cientificamente previsvel5.

No gerenciamento da problemtica relacionada responsabilizao pelo mero risco em uma sociedade tecnolgica, a responsabilidade penal aparece, ao nosso sentir, como uma importante opo6. O ordenamento jurdico ptrio poderia ter feito outras: agravar os modelos de responsabilidade civil, incrementar a responsabilidade administrativa aderindo a um modelo exclusivamente de direito administrativo san-cionador, mas no o fez.

Provavelmente, a opo por tutelar o bem ambiental tambm na esfera penal tenha suas razes no modo capitalista de produo ao qual aderiu a Constituio de 19887 ao estruturar a ordem econmica, amparada na propriedade privada dos meios

5 AYALA, Patrick de Arajo. Direito e incerteza: a proteo jurdica das futuras geraes no estado de di-reito ambiental. Florianpolis, 2002. Dissertao (Mestrado em Direito) Universidade Federal de Santa Catarina.6 Nesse sentido, v. VEGA RUIZ, Jose Augusto de. El delito ecolgico. 2. ed. Madrid: Colex, 1994, p. 62. 7 Mascarenhas considera ter sido uma opo da Constituio de 1988 reforar a tutela penal do meio ambiente. Diz ela: Percebe-se, na Carta brasileira de 1988, que a preocupao com a crescente degra-dao ambiental resultou no reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio, oferecendo uma abor-dagem mais abrangente e preventiva, e indicando, tambm, a necessidade de proteo penal do referido bem. A expanso do direito penal dirigida tutela do meio ambiente justifica-se, portanto, como reflexo

20 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

de produo e na livre iniciativa (art. 170).

Isso porque, a responsabilidade penal, diversamente da responsabilidade civil ou administrativa, no transige com o imprio da contabilidade capitalista, pois carreia ao condenado e sua empresa um estigma social que no pode ser diludo nos balancetes8.

Porm, no h sentido algum numa tutela penal ambiental dissociada do prin-cpio-me do Direito Ambiental o da preveno e de seu filho dileto o da pre-cauo. A persecuo penal nessa seara tem de buscar sempre evitar a consumao do dano ambiental, o qual, por suas caractersticas intrnsecas, sempre de difcil quando no impossvel reparao9.

A aplicao do princpio da precauo estendeu suas fronteiras do Direito Penal Ambiental, o que no nos surpreende quando se tem por base as diretrizes que ema-nam do art. 225 da Constituio Federal. Na lio de Ayala,

A concretizao da proteo jurdica da vida futura na Consti-tuio brasileira de 1988, nos termos do art. 3, inc. I, e 225, caput, encontra-se submetida a condies de risco, impondo, como alternativa, a imposio de severas exigncias de solida-riedade em um modelo de relao jurdica diferenciada, preven-do um sistema de obrigaes e deveres assimtricos (modelo de transmisso). A tarefa de proteo do ambiente uma imposio estatal-constitucional que no pode ser suportada de forma soli-tria. A assertiva ganha nfase nas sociedades de risco, indicando os caminhos para o desenvolvimento de uma pedagogia do risco para comunidades de risco10.

Os irmos Dino e Bello Filho no descuram desse aspecto, ao enfatizarem que o direito ambiental move-se atravs do princpio da preveno e o sentido de ser do Direito Penal Ambiental a utilizao da tipificao penal para a preveno de danos

dos anseios sociais, que, a partir de determinado momento histrico, passaram a ser reconhecidos nos textos constitucionais, diante da adoo da concepo social do Estado, reforando a importncia daquele bem(PRADO, Alessandra R. Mascarenhas. Fundamentos constitucionais para a tutela penal do meio am-biente. Revista de Cincias Jurdicas, v. 6. n 1, jan./jun. 2008, p. 38). 8 FELICIANO, Guilherme Guimares. Teoria da imputao objetiva no direito penal ambiental brasileiro. So Paulo: LTr, 2005, p. 26.9 Para um aprofundamento nas caractersticas do dano ambiental, v. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimenses do dano ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 191. 10 AYALA, Patrick de Arajo. A proteo jurdica das futuras geraes na sociedade de risco global: o direito ao futuro na ordem constitucional brasileira. In: FERREIRA, Heline Sivini e outros (orgs.). Estado de direito ambiental: tendncias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2010, p. 355.

2118 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

ambientais11, ou seja, o direito penal justifica-se como instrumento de proteo do bem jurdico meio ambiente frente a possveis agravos.

2. O CRIME DO ART. 60 COMO SENDO DE PERIGO ABSTRATO.

Discute-se na doutrina e na jurisprudncia acerca da caracterizao do tipo previsto no art. 60 da Lei n. 9605/98.

Desdobra-se esse tipo em duas espcies: a) pela concretizao das aes estam-padas nos verbos nucleares (construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar), condutas essas relacionadas a estabelecimentos, obras ou servios potencialmente poluidores, sem licena ou autorizao dos rgos ambientais competentes, b) quan-do a atividade, mesmo prescindindo de licena, se d em desconformidade com os regulamentos existentes ou, contando com licena, em desacordo com essa. Para Barbosa12, poderamos resumir a primeira forma como sendo a de EMPREENDER sem licena; e, a segunda, CONTRARIAR as normas ambientais.

Nas duas modalidades, possvel inferir que o crime em questo afina-se com os princpios da preveno e da precauo, pois prescinde de prova de dano ou mesmo de percia comprovando que a atividade potencialmente poluidora, consumando-se com o mero descumprimento de leis e regulamentos de ndole ambiental.

A doutrina divide-se ao classificar esse crime. Para os irmos Costa Neto e Bello Filho, o crime do art. 60 de perigo abstrato, pois a s colocao em condies ilegais o configura13. Da mesma posio comungam Marco14 e Nucci15, para o qual a lei fez questo de deixar clara a situao de perigo abstrato, pois no se est cons-truindo, reformando, ampliando, instalando ou fazendo funcionar estabelecimento, obra ou servio efetivamente poluidor, isto , que gera sujeira, maculando o meio ambiente grifo nosso.

Em outro polo, h doutrinadores que sustentam tratar-se de crime de perigo con-creto, exigindo a demonstrao por percia de que a obra, estabelecimento ou servio

11 BELLO FILHO, Ney de Barros et alii. Crimes e infraes administrativas ambientais. Comentrios Lei n 9605/98. 2. ed. Braslia: Braslia Jurdica, 2001, p. 34412 BARBOSA, Daniel Marchionatti .Da poluio e outros crimes ambientais. In: JUNIOR, Jos Paulo Bal-tazar; SILVA, Fernando quadros da (orgs.). Crimes ambientais. Estudos em homenagem ao Des. Vladimir Passos de Freitas. Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2010, p. 376. 13 BELLO FILHO, Ney de Barros et alii. Crimes e infraes administrativas ambientais. Comentrios Lei n 9605/98. 2. ed. Braslia: Braslia Jurdica, 2001, p. 346.14 MARCO, Renato. Crimes ambientais. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 473. 15 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 960.

22 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

tem real capacidade poluidora16.

Nosso posicionamento no sentido de que o crime prescinde de prova de perigo concreto, ou seja, de que a atividade realmente ostenta potencial poluidor. A inteno do legislador clara ao criminalizar a conduta daquele que transgride o ordenamento jurdico ambiental deixando de licenciar (1 modalidade) empreendimento sujeito a esse procedimento administrativo to importante do ponto de vista do planejamento e desenvolvimento das atividades capazes de causarem agravos ao ambiente.

Da mesma forma quando o crime decorre da contrariedade (2 modalidade) a leis e regulamentos relacionados ao meio ambiente (por exemplo, atividade que se desenvolve em contrariedade s condicionantes estampadas na licena ambiental).

No integra o tipo penal a efetiva causao de uma situao de perigo derivada do empreendimento potencialmente poluidor, nem da contrariedade a leis e regu-lamentos. Exigir essa prova fatalmente ir esbarrar na prtica de crime mais grave, como por exemplo o de poluio (art. 54).

Tal e qual a doutrina, a jurisprudncia oscila entre essas duas posies.

No sentido de que o crime de perigo abstrato, compilamos os seguintes acrdos:

RECURSO CRIME. DELITO AMBIENTAL. ARTIGO 60 DA LEI 9.605/98. ESTABELECIMENTO DE ATIVIDADE POTENCIALMEN-TE POLUIDORA. LAUDO PERICIAL. DESNECESSIDADE. SUFICI-NCIA PROBATRIA. CONDENAO MANTIDA. 1- Denunciado que, sem licena ambiental, fez funcionar estabelecimento poten-cialmente poluidor pratica o crime ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/98, merecendo a reprimenda penal. 2-Trata-se de crime de mera conduta, que independe de resultado naturalstico, e de perigo abstrato, sendo desnecessria a realizao de percia. 3- Tambm no se exige o dolo especfico para a sua configurao, bastando a vontade de fazer funcionar a atividade, mesmo sem a licena. 4- Tese de erro de proibio afastada por se tratar de erro inescusvel que no apenas poderia como deveria se evitado. 5- Prova suficiente para a manuteno do decreto condenatrio. RECURSO IMPROVIDO17.

16 N. sentido, v. GOMES, Luiz Flvio Gomes; MACIEL, Slvio. Crimes ambientais. Comentrios Lei 9.605/98. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,p. 252, e PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o ambien-te. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 182, e DELMANTO, Roberto. Leis penais especiais comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 518.17 RIO GRANDE DO SUL. Rec. Crime n. 71003478617. Turma Recursal Criminal. Relatora: Cristina Pereira Gonzales. J. em 12.jul.2010. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 26 abr. 2013.

2318 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 60, CAPUT, LEI 9605/98. PRELI-MINAR AFASTADA. SENTENA CONDENATRIA MANTIDA. PRE-LIMINAR: Existe relao de complementaridade entre as Leis e a Resoluo abordadas, legitimando-se a exigncia de licena muni-cipal quando a atividade desenvolvida potencialmente poluidora. MRITO: 1) O fato de no possuir licena para fazer funcionar estabelecimento poluidor contraria as normas legais e regulamen-tares pertinentes, incidindo em crime ambiental previsto no artigo 60 da Lei 9605/98. 2) Trata-se de crime de mera conduta que independe de resultado naturalstico, e de perigo abstrato, sendo desnecessria a realizao de percia. 3) Configuradas as hipteses de responsabilizao penal, conforme os preceitos dos artigos 5, inc. XLV, da CF, e art. 13 do Cdigo Penal. 4) O arquivamento do inqurito Civil no pode servir de fundamento para a absolvio na esfera penal, uma vez que a responsabilizao do agente poluidor pode se dar nas esferas administrativa, cvel e penal, que no se excluem entre si. 5) Restando comprovadas a materialidade e a autoria delitiva, impe-se a manuteno da sentena condenatria. Negaram Provimento, por maioria18.

Bastante didtico nos parece precedente da TRF da 4 Regio, cujo trecho se transcreve:

O crime atribudo aos denunciados, previsto no artigo 60 da Lei 9.605/98, pune a conduta de construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do territrio nacional, esta-belecimentos, obras ou servios potencialmente poluidores, sem licena ou autorizao dos rgos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes, tu-telando o meio ambiente. Em relao sua classificao, comis-sivo, de mera conduta (independendo da ocorrncia do resultado naturalstico) e de perigo abstrato.O objeto jurdico a preservao do meio ambiente, buscando fazer com que as atividades de maior impacto sejam realizadas com o acompanhamento da autoridade ambiental. O objeto material a coisa sobre a qual recai a condu-ta criminosa - estabelecimentos, obras ou servios potencialmente poluidores. (FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes contra a natu-reza - 7 ed. Rev., atual. e ampl. - So Paulo : Editora RT, 2001.

18 RIO GRANDE DO SUL. Rec. Crime n 71002552354, Turma Recursal Criminal, Relatora: Las Ethel Corra Pias, j. em 31 maio 2010. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 26 abr. 2013.

24 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

p. 194).Porquanto seja crime de perigo abstrato, o artigo 60 no exige a ocorrncia de um resultado danoso, mas visa a coibir a con-duta de quem, sem licena do rgo ambiental competente, realiza obra que pode vir a poluir. Como se v, elemento constitutivo do tipo penal o carter poluidor da interveno que se pretenda reali-zar no ambiente19.

De forma oposta, entendendo que o crime de perigo concreto e, portanto, necessita-se provar ser a atividade potencialmente poluidora, os seguintes julgados:

O crime do artigo 60, da lei n 9.605/98 no de perigo abstrato, exigindo a descrio do potencial poluidor e sua localizao, para efeito de tipificao. Mantida a deciso que rejeitou a denncia, com fulcro no artigo 43, I, do Cdigo de Processo Penal. NEGA-RAM PROVIMENTO20.

ARTIGO 60, DA LEI N 6.905/98 C/C O ARTIGO 14, INCISO II, DO CDIGO PENAL. INSTALAO DE POO ARTESIANO. Obra ou servio potencialmente poluidor elemento constitutivo do tipo penal. O crime do artigo 60, da lei n 9.605/98 no de perigo abstrato, exigindo perigo concreto, com prova da materia-lidade. Ausncia de laudo atestando uso indevido ou poluidor do poo artesiano. Apelao provida por maioria21. (Recurso Crime N 71001209832, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Angela Maria Silveira, Julgado em 26/03/2007).

O fato que a criao de tipos penais de perigo abstrato parece-nos extramente afinada com a proteo do bem jurdico ambiental, incorporando a dogmtica do Di-reito Ambiental esfera penal. Nesse sentido j se posicionou o Des. Gaspar Marques Batista do TJ/RS, em acrdo parcialmente reproduzido:

CRIME DE PERIGO ABSTRATO. A criao de crimes de perigo abstrato no representa, por si s, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificao de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa

19 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional Federal da 4 Regio. PROCED. INVESTIGATRIO DO MP (PEAS DE INFORMAO) N 0011983-61.2011.404.0000/RS. Relator: Juiz Federal Gilson Luiz Incio.Acrdo de 30 agos. 2012. Disponvel em: Acesso em: 26 abr. 2013.20 RIO GRANDE DO SUL. Rec. Crime n 71001626639, Turma Recursal Criminal, Relator: Alberto Delga-do Neto, J. em 12 maio 2008. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 26 abr. 2013.21 RIO GRANDE DO SUL. Rec. Crime n 71001209832, Turma Recursal Criminal, Relatora: Angela Maria Silveira, J. em 26 mar. 2007. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 26 abr. 2013.

2518 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

ou a medida mais eficaz para a proteo de bens jurdico-penais supraindividuais ou de carter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente. Apelao da defesa, improvida22.

A criminalidade ambiental requer o recurso aos tipos penais de perigo abstrato para sua efetividade. O avano temporal ditado pelos princpios da preveno e da precauo s se materializam atravs dessa arquitetura penal. Para Bottini, essa uma opo tpica da sociedade tecnolgica:

Outro instrumento empregado largamente pelo legislador penal para o enfrentamento dos riscos inditos so os tipos penais de pe-rigo abstrato. A criminalizao de condutas por meio desta tcnica visa a antecipao da incidncia da norma, para afetar condutas antes da verificao de qualquer resultado lesivo. Sua relao com os riscos da atualidade evidente: afinal, o deslocamento do injus-to do resultado para a conduta reflete uma preocupao do gestor de riscos (no caso, o legislador penal) com a preveno e com a necessidade de evitar o perigo, como forma de garantir, de forma mais eficaz, a proteo aos bens eleitos como indispensveis vida em comum23 .

3. A DESNECESSIDADE DE PROvA PERICIAL PARA A CONFIGURAO DO CRIME:

Corolrio do entendimento antes exposto de que estamos tratando de um crime de perigo abstrato a dispensa da prova pericial.

Na verdade, a prova que necessariamente tem de constar a de que a constru-o, reforma, ampliao ou funcionamento de estabelecimento, obra ou servio amol-da-se faticamente ao conceito tcnico-jurdico de ser potencialmente poluidor(a), o que induz ao prvio licenciamento ambiental. Isso ir se dar atravs do enquadramen-to do empreendimento em tabela, lista ou rol de rgo ambiental encarregado do res-pectivo licenciamento, de acordo com as diretrizes da Lei Complementar n. 140/11.

Infelizmente, no tem sido esse o entendimento pacfico nas Turmas Recursais

22 RIO GRANDE DO SUL. Apel. Crime n 70046837654, quarta Cmara Criminal, Relator: Gaspar Mar-ques Batista, J. em 04 out. 2012. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 26 abr. 2013.23 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princpio da precauo na sociedade de risco. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, 111-126.

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do Rio Grande do Sul, como veremos:

RECURSO CRIME. ARTIGO 60 DA LEI 9.605/98. DELITOS AM-BIENTAIS. SENTENA CONDENATRIA REFORMADA. ABSOLVI-O. O fato de ser exigida a licena ambiental no pode gerar a presuno de que a atividade desenvolvida pelo acusado seja po-tencialmente poluidora. Para a configurao do delito, o tipo penal exige, de forma concomitante, o desenvolvimento de atividade po-tencialmente poluidora, sem a correspondente licena ambiental, o que somente pode ser verificado atravs de percia. Hiptese em que no se verificou risco ao meio-ambiente, bem juridicamente tutelado24.

No sentido oposto, do mesmo colegiado:

RECURSO CRIME. DELITO AMBIENTAL. ARTIGO 60 DA LEI 9.605/98. ESTABELECIMENTO DE ATIVIDADE POTENCIALMEN-TE POLUIDORA. LAUDO PERICIAL. DESNECESSIDADE. SUFICI-NCIA PROBATRIA. CONDENAO MANTIDA. 1- Denunciado que, sem licena ambiental, fez funcionar estabelecimento poten-cialmente poluidor pratica o crime ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/98, merecendo a reprimenda penal. 2-Trata-se de crime de mera conduta, que independe de resultado naturalstico, e de perigo abstrato, sendo desnecessria a realizao de percia25.

No Tribunal de Justia gacho, encontram-se diversas decises tambm reco-nhecendo a prescindibilidade da prova pericial:

APELAO. CRIMES AMBIENTAIS. ART. 60, DA LEI N 9.605/98. ATIVIDADE POTENCIALMENTE POLUIDORA. REALIZAO DE PERCIA. DESNECESSIDADE. Tratando-se de atividade de lava-gem de caixas utilizadas no transporte de aves, e tambm lava-gem de veculos automotores, desnecessria a realizao de percia para atestar a potencialidade poluidora, pois tal situao inerente s atividades mencionadas. Apelao da defesa, improvida26.

24 RIO GRANDE DO SUL. Rec. Crime n. 71003741477. Turma Recursal Criminal. Relator: Fabio Vieira Heerdt. J. em 23.jul.2012. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 26 abr. 2013.25 RIO GRANDE DO SUL. Rec. Crime n. 71003478617. Turma Recursal Criminal. Relatora: Cristina Pereira Gonzales. J. em 12.jul.2010. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 26 abr. 2013.26 RIO GRANDE DO SUL. Apel. Crime n. 70039689690. 4 Cmara Criminal. Relator: Des. Gaspar Marque

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Completa a deciso recente do mesmo rgo fracionrio:

A defesa argumenta que a potencialidade poluidora do estabele-cimento no pode ser presumida, e que o apelante tinha a licena para exercer a atividade de suinocultura. Porm, cumpre salientar que o delito do art. 60 da Lei n 9.605/98 crime de perigo abs-trato, tipificando a conduta de fazer funcionar estabelecimento potencialmente poluidor, sem licena ambiental ou em violao s normas regulamentares. No caso, a licena de operao foi jun-tada aos autos, fls. 04/06, mas deve-se observar que o apelante descumpriu algumas das condies ali expressas, como compostar as carcaas de animais mortos e resduos da mesma origem, em condies de mxima impermeabilizao (item 2.6). Alm disso, conforme assinalado pela Procuradora de Justia, Dr Slvia Ca-pelli, exigir percia para comprovar que a atividade submetida ao licenciamento ambiental potencialmente poluidora equivaleria a transformar o delito do art. 60, que de perigo abstrato, formal, no delito do art. 54 da Lei n. 9.605/1998, de poluio ambiental, este sim, considerado crime de resultado e de perigo concreto para a doutrinria majoritria. Neste ltimo se exige a comprovao da poluio potencialmente capaz de causar prejuzos sade huma-na, o que no ocorre em relao ao delito do art. 6027

No podemos compartilhar a primeira das posies compiladas, pois, de acor-do com o art. 158 do CPP, ser indispensvel o exame de corpo de delito, direto ou indireto, quando a infrao deixar vestgios. A regra da dispensa do exame pericial; sua necessidade, a exceo.

O Superior Tribunal de Justia denegou Habeas Corpus a paciente que, acusado da prtica do crime previsto no art. 60 da Lei n. 9605/98, insistia na produo da prova pericial:

No ocorre violao aos princpios da ampla defesa e do devido processo legal em ao penal que apura crime ambiental na hip-tese em que o juiz indefere pedido de realizao da percia para comprovao do grau de risco de dano ambiental, fundamentando tal indeferimento na irrelevncia da prova para a soluo da con-

Batista. J. em 17/02/2011. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 27 abr. 2013.

27 RIO GRANDE DO SUL. Apelao Crime n. 7.0053351763. 4 Cmara Criminal. Relator: Des. Gaspar Marques Batista. J. em 25/04/2013. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 30 abr. 2013.

28 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

trovrsia, por se tratar de risco presumido que dispensa a com-provao efetiva, pois, conforme o artigo 184 do CPP, o juiz ou a autoridade policial negar a percia requerida pelas partes quando no for necessria para o esclarecimento da verdade28.

Na hiptese sob estudo, o tipo antecipa-se e se consuma com o mero empre-ender, para usar um verbo abrangente de todas as condutas, sem ou em desacordo com a licena ou normas e regulamentos pertinentes.

Do ponto de vista do momento de proteo ao bem jurdico, estamos diante de verdadeiro crime de perigo abstrato, no qual o risco ao bem jurdico protegido presu-mido de modo absoluto (presuno juris et de jure) pela norma29. No h necessidade de sua comprovao no caso concreto. O perigo deriva da presuno legal vinculada natureza do empreendimento. quanto ao resultado naturalstico, o crime formal, pois se consuma com a simples prtica da conduta prevista em lei e, no tocante ao momento da consumao, o crime permanente. Sua consumao se prolonga no tempo de acordo com a vontade do agente.

Nucci destaca que uma das caractersticas recorrentes nos crimes permanentes a leso a bens jurdicos imateriais, como o caso do meio ambiente30.

Considerando o delito do art. 60 como crime permanente, recolhemos os seguin-tes julgados do Superior Tribunal de Justia:

Os crimes de invaso de terras da unio e os dos arts. 48 (na mo-dalidade fazer funcionar) e 60 da Lei n. 9.605/98 so delitos permanentes, cujo prazo prescricional somente comeam a fluir a partir da cessao da permanncia, nos termos do art. 111, inciso III, do Cdigo Penal31.

HABEAS CORPUS. PRESCRIO DA PRETENSO PUNITIVA. CRIME AMBIENTAL. ART. 60 DA LEI 9.605/98. DELITO PERMA-NENTE. TERMO CIRCUNSTANCIADO. MARCO INICIAL DO LAPSO PRESCRICIONAL. AUSNCIA DE PROVA DA CESSAO DA PER-MANNCIA. INOCORRNCIA DA CAUSA EXTINTIVA. 1. Conforme disposto no art. 111 do CP, no crime previsto no art.60 da Lei

28 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Habeas Corpus 165915. 5 Turma. Relator: Min. Jorge Mussi. J. em 21.jun.2011. Disponvel em:< http://www. jus.br> Acesso em 27 abr. 2013.29 qUEIROZ, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 157.30 NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo penal comentado. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 543.31 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Habeas Corpus 191963 . 5 Turma. Relatora: Min. Laurita Vaz. J. em 04.set.2012. Disponvel em:< http://www. jus.br> Acesso em 27 abr. 2013.

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9.605/98 no se inicia o clculo do lapso prescricional a partir da data do termo circunstanciado, j que nos delitos permanentes o marco inaugural da causa extintiva, antes de transitar em julgado a sentena, comea do dia em que cessou a permanncia, fato que no restou comprovado32.

4. A NORMA PENAL EM BRANCO E A INTEGRAO DO TIPO PENAL:

Praticamente todas as atividades humanas geram algum impacto ao ambiente. Como ensina Costa, definir o que proibido e o que permitido acaba por ser, na maior parte dos casos, uma deciso fundada em variveis quantitativas, temporais ou locais. Assim, por exemplo, probe-se a emisso de uma determinada substncia acima de um dado limite; probe-se a pesca em certos perodos do ciclo reprodutivo dos peixes; e probe-se o corte de vegetao em determinados locais. Seria absurdo proibir a emisso de qualquer substncia, proibir a pesca em todos os locais e pocas e proibir qualquer corte de vegetao em todo o territrio brasileiro33.

Por essas razes, os crimes ambientais (e, da mesma forma, as infraes ad-ministrativas ambientais) so um campo frtil de incidncia das normas penais em branco. A integrao dos tipos penais se d por meio de regulamentos, no raras vezes administrativos (portarias, resolues, instrues normativas), outras vezes por de leis e decretos que podem emanar de qualquer ente federativo.

Passos de Freitas citam diversos doutrinadores que apoiam essa construo da tipicidade penal um pouco mais aberta, tendo por base as peculiaridades do bem jurdico tutelado. Ensinam:

Segundo Luiz Rodrguez Ramos, h condutas que no se podem descrever semacudir a esta tcnica, dada sua complexidade (no meio ambiente, por exemplo, o conceito conexo de contaminao s pode ser determinado mediante uma remisso a outras normas). Alis, conforme ensina Carlos Lemes Serranos, tendo em conta a pluralidade e diversidade das agresses de que pode ser objeto o bem jurdico meio ambiente, assim como a constante inovao tecnolgica com usos potencialmente lesivos, a utilizao desta

32 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Habeas Corpus 94101 . 5 Turma. Relator: Min. Jorge Mussi. J.

em 13.agos.2009. Disponvel em:< http://www. jus.br> Acesso em 28 abr. 2013.33 COSTA, Helena Regina Lobo da. Os crimes ambientais e sua relao com o direito administrativo. In: Celso Sanchez Vilardi; Flvia Rahal Bresser Pereira; Theodomiro Dias Neto. (Org.). Direito penal econmi-co - anlise contempornea. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 189-222.

30 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

tcnica de remisso a normas extrapenais est plenamente justifi-cada. O STJ considerou regular denncia oferecida em crime cujo tipo penal se vale de norma penal em branco (agrotxico), inclusive entendendo no ser de rigor a indicao da norma complementar integrativa do tipo penal34

Esses regulamentos (lato sensu) levaro em conta aspectos sazonais, regionais, locais, enfim, o dinamismo inerente ao equilbrio ecolgico que no esttico. Sir-vinskas categrico em sua defesa da constitucionalidade e da utilidade do emprego das normas penais em branco em matria ambiental, destacando: A lei esttica e o meio ambiente dinmico. Se se pretende proteger o meio ambiente necessrio adotar medidas eficazes e rpidas para se evitar o dano ambiental irreversvel. No seria possvel esperar a tramitao de uma lei at sua promulgao para se proteger uma espcie silvestre ameaada de extino, por exemplo35.

Como enfatiza Costa, no faria sentido criar tipos penais especficos, que trou-xessem em seu bojo todo o detalhamento exigido pela matria ambiental. Por isso, o direito penal se socorre do direito administrativo, utilizando conceitos, normas ou atos administrativos como elementos do tipo penal ambiental36.

Bottini faz eco aos doutrinadores antes citados, pugnando pela necessria in-tegrao dos tipos penais por regulamentos no contexto da sociedade de riscos. So dele as seguintes palavras:

A dinmica da produo e do desenvolvimento dos novos riscos, a complexidade de seus efeitos e a rapidez com que surgem no-vos contextos de periculosidade exigem do legislador o recurso s normas penais em branco. O tipo fechado, descritor de condutas ilcitas de maneira precisa, cede espao para o dispositivo penal genrico, que remete o preenchimento de seu contedo a outros contextos de regulamentao mais flexveis. Percebe-se o mani-festo abandono do mandato de determinao, concretizado na multiplicao de normas penais com clusulas genricas e com elementos tpicos indeterminados. quanto maior a taxatividade dos tipos penais, menor sua capacidade de abrigar condutas perigosas inditas, no previstas ou no existentes durante sua construo legislativa37.

34 FREITAS, Gilberto; FREITAS, Vladimir. Crimes contra a natureza. 9 ed. So Paulo: RT, 2012,p. 37.35 SIRVINSKAS, Luiz Carlos. Ainda sobre normas penais em branco e bem jurdico tutelado nos crimes ambientais. Boletim IBCRIM n 73. 36 COSTA, ob. cit., p.190.37 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princpio da precauo na sociedade de risco. So

3118 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

A complexidade que envolve os novos riscos exige do direito penal maior agili-dade para identificar perigos potenciais, a qual esta vinculada ao desenvolvimento de regras complementares aos tipos bsicos, produzidas por outras esferas de re-gulamentao.

O tipo de art. 60 da LCA integrado pelo art. 10 da Lei Federal n. 6.938/81, o qual obriga ao licenciamento ambiental por rgo integrante do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) toda a atividade potencialmente poluidora. Em funo disso, do ponto de vista da fonte produtora da norma complementadora do tipo, pode ser definido como norma penal em branco homognea38.

O SISNAMA envolve rgos ambientais federais, estaduais e municipais.

Com o advento da Resoluo n. 237/97 do CONAMA, os municpios passaram a licenciar as atividades poluidoras de impacto local, por fora do art. 6.

Portanto, embora o art. 10 da Lei n. 6938/81 integre o tipo do art. 60 e apon-te a necessidade do prvio licenciamento ambiental das atividades potencialmente poluidoras, os municpios, os estados e a Unio, dentro da competncia que lhes toca pelos arts. 23, 24 e 30 da Constituio Federal, podero estabelecer as suas listagens (exemplificativas) de atividades licenciveis de acordo com o a dimenso do impacto.

No dizer de Torres,

a lista de atividades ou empreendimentos sujeitos ao licencia-mento ambiental no se resume aos anexos acima, seja da Reso-luo do CONAMA, seja do Decreto Estadual; pode ser ampliada a critrio do rgo ambiental responsvel. Mesmo que no esteja presente na lista, determinada obra pode ser compelida pela Ad-ministrao Pblica a passar pelo crivo do processo licenciatrio. o que se extrai da inteligncia do 2 do Art. 2 da Resoluo 237/97 do CONAMA, transcrita a seguir: Art. 2 - (...) 2 Caber ao rgo ambiental competente definir os critrios de exigibilidade, o detalhamento e a complementao do Anexo 1, levando em con-siderao as especificidades, os riscos ambientais, o porte e outras caractersticas do empreendimento ou atividade39.

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.111.38 Segundo o penalista Rogrio Greco, para que possamos saber se uma norma penal em branco con-siderada homognea ou heterognea preciso que conheamos sempre, sua fonte de produo. Se for a mesma, ela ser considerada homognea; se diversa, ser reconhecida como heterognea (GRECO, Rog-rio. Curso de Direito Penal, parte geral. 9 ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007, p. 24-25).39 TORRES , Marcos Abreu. Aspectos polmicos do licenciamento ambiental. Disponvel em < http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/2037/ASPECTOS_POLEMICOS_DO_LICENCIAMENTO_AMBIENTAL> Acesso em 21.nov.2011.

32 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

Na mesma linha ensina Oliveira40, para quem o licenciamento ambiental deve ser exigido em relao a qualquer atividade que repercuta ou que possa repercutir na sade da populao ou na qualidade do meio ambiente. Vale dizer: esto sujeitas ao licenciamento no apenas as atividades que poluem realmente, mas tambm as que simplesmente tm a possibilidade de poluir.

O CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) jamais teria como prever to-das as atividades potencialmente poluidoras sujeitas ao procedimento administrativo do licenciamento ambiental.

Nesse sentido, lecionam Fink, Alonso Jr. e Dawalibi em obra clssica sobre o licenciamento ambiental:

Prever antecipadamente um rol exaustivo de obras ou atividades que devam se sujeitar ao licenciamento ambiental tarefa impos-svel e intil. preciso que o legislador estabelea genericamente qual situao pretende protegida pela norma. E, nesse caso, o le-gislador constitucional o fez: obras ou atividades potencialmente causadoras de significativa degradao do meio ambiente.

quando muito, pode o legislador ou o poder regulamentar indi-car uma lista de situaes especficas nas quais recomendvel o licenciamento. E foi exatamente o que fez o Conselho Nacional do Meio Ambiente por meio da Resoluo CONAMA n 237/97, de 19 de dezembro, cuja relao reproduzida abaixo.

Contudo, bom lembrar que esse rol meramente exemplificati-vo, podendo ser complementado pelo rgo ambiental, conforme a dico do 2 do art. 2 da citada Resoluo. Isso implica a pos-sibilidade de exigir-se o licenciamento mesmo para obras ou ati-vidades no listadas (e desde que haja impactos significativos)41 grifos nossos .

De acordo com o inc. I do art. 2 da Lei Complementar 140/11, a qual veio a regulamentar parcialmente o art. 23 da Constituio Federal, entende-se por licenciamento ambiental o procedimento administrativo destinado a licenciar ati-vidades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou po-tencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradao ambiental (grifo nosso).

Nos arts. 7 a 9, essa mesma lei define as competncias para o licenciamento

40 OLIVEIRA, Antnio Inag de Assis. Introduo legislao ambiental brasileira e licenciamento ambien-tal. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 2005, p. 300.41 FINK, Daniel Roberto; ALONSO JR., Hamilton; DAWALIBI, Marcelo. Aspectos jurdicos do licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2000, p. 12.

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ambiental, distribuindo-as entre a Unio, Distrito Federal, estados e municpios. Den-tro de seus limites de competncia, o ente federativo licenciador dever criar suas listagens, tabelas, rol de atividades submetidas ao licenciamento e, para isso, levar em conta as peculiaridades da regio ou municpio abrangido.

Assim, o atual marco regulatrio do licenciamento ambiental no Brasil rateia competncias e no se pode afastar da tipicidade penal as atividades que so licen-civeis pelos municpios e/ou estados, como querem alguns que somente acatam a tipicidade se o empreendimento estiver definido em lei federal.

Acrdo da Turma Recursal Criminal do Rio Grande do Sul enveredou para esse entendimento:

RECURSO CRIME. DELITO AMBIENTAL. ARTIGO 60 DA LEI 9.605/98. RAMPA DE LAVAGEM DE MOTOCLETAS E DE TROCA DE LEO. RECURSO DIRIGIDO CONTRA DECISO qUE EXCLUIU DO PLO PASSIVO PESSOA FSICA. ATIVIDADE NO PREVISTA NA LEGISLAO DE REGNCIA. ATIPICIDADE. 1. As obras tidas como potencialmente poluidoras e suscetveis de obteno de li-cena do rgo ambiental competente esto relacionadas no Anexo I da Resoluo 237 do Conama, assim como na Tabela de Ativida-des do Manual de Cadastro Tcnico Federal. 2. A complementao do rol, diante do disposto no 2 do art. 2 da mesma Resoluo, s pode ser feita pelo rgo ambiental competente, entendido este, pela legislao de regncia, como o Conama, a teor do mencionado na Lei Federal n. 6.938/81 e no Decreto n. 99.274/90. 3. Nem mesmo o Conselho Estadual do Meio Ambiente, para efeitos do exame da matria penal, tem competncia para dispor a respeito, j que sua funo est prescrita na Lei Estadual n. 10.330. Tam-pouco pode o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente ampliar o conceito do que seja potencialmente poluidor. Admitir-se o contrrio seria permitir inquestionvel insegurana jurdica, j que determinada conduta poderia ser considerada crime em um estado ou em um municpio, enquanto noutros no o seria. 4. Fora dessas atividades, portanto, a falta de licenciamento ambiental em relao a obras, atividades ou servios poluidores no pode ser vista como crime ambiental penal. 5. Atipicidade de conduta que se reconhece de ofcio. RECURSO DESPROVIDO. CONCESSO DE HABEAS CORPUS EX OFFICIO42..

42 RIO GRANDE DO SUL. Rec. Crime N 71004181913, Turma Recursal Criminal, Relator: Edson Jorge Cechet, J. em 25 mar. 2013. Disponvel em:< http://www. jus.br> Acesso em 27 abr. 2013.

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Os irmos Passos de Freitas expressam sua aceitao dos tipos penais complemen-tados por disposio emanada de outro poder, ou seja, de um ato administrativo43.

Ora, se partirmos do pressuposto de que o tipo penal do art. 60 , na sua pri-meira modalidade (empreender sem licena), integrado pelas leis 6938/91 e Com-plementar 140/11, intuitivo deduzir a constitucionalidade das complementaes feitas por tabelas emanadas de qualquer um dos entes federativos, desde que haja pertinncia entre o ente responsvel pela lista e a sua competncia licenciatria.

5. A OBTENO DA LICENA AMBIENTAL APS O DESENCADEAMENTO DA persecutio criminis:

Um dos maiores equvocos que observamos em diversas decises das mais va-riadas cortes do pas diz com a repercusso da obteno da licena ambiental aps o desencadeamento da persecuo penal.

A Lei n. 9605/98, sem dvida alguma, compromete-se, em vrias passagens, com a reparao dos danos ambientais e com a busca da regularizao da atividade.

Assim, por exemplo, a composio do dano requisito para formulao de pro-posta de transao penal. J, a reparao do dano, condio para a suspenso con-dicional do processo. Por sua vez, a espontnea reparao do dano circunstncia atenuante prevista no art. 14, inc. II, da LCA.

Sem embargo disso, o crime se consuma com o empreender sem licena ou em desacordo com as normas legais e regulamentares pertinentes. A busca da licena pode e deve ser objeto de composio civil, a qual, no microssistema da lei penal ambiental, no arreda a punibilidade. Simplesmente consubstancia condio para a oferta de transao penal pelo rgo ministerial.

Da mesma forma, prosseguir com a atividade com suporte em licena vencida e sem ter protocolado o pedido de renovao dentro de prazo de at 120 dias44 antes do vencimento da licena de operao tambm configura o delito, como j reconheceu o TJ/RS no acrdo parcialmente transcrito:

Embora a irresignao da defesa, os documentos de fls. 07/09 demonstram que a licena de operao expirou em 29 de janeiro

43 FREITAS, Gilberto; FREITAS, Vladimir. Crimes contra a natureza. 9 ed. So Paulo: RT, 2012,p. 37.44 De acordo com o 4 do art. 14 da LC 140/11, A renovao de licenas ambientais deve ser requerida com antecedncia mnima de 120 (cento e vinte) dias da expirao de seu prazo de validade, fixado na respectiva licena, ficando este automaticamente prorrogado at a manifestao definitiva do rgo am-biental competente.

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de 2008, e que em 27/06/08 ocorreu o indeferimento de soli-citao de nova licena de operao, em virtude de reincidncia no descumprimento de legislao ambiental. Portanto na data de 20/06/08, que consta na denncia, a empresa do denunciado es-tava funcionando sem o licenciamento de operao, pois expirado em 29/01/08. Logo, deve ser mantida a condenao do acusado e da empresa r, nas sanes do art. 60 da Lei n 9.605/9845.

Sobre a questo da repercusso da obteno posterior da licena, Passos de Freitas assim se posicionam:

(...) poder acontecer e no raro que a licena ou auto-rizao venham a ser dadas posteriormente ao incriminada, ou seja, construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou servios. Em tal hiptese no h que se falar em causa de extino da punibilidade, ou seja, renncia do Estado em punir o autor do delito. Ao adotar-se tal posio por poltica judiciria, j que previso legal no existe, o fato servir de estmulo queles que se aventuram iniciando empreendimentos irregulares, cientes de que, se surpreendidos, podero regularizar a situao e livrar-se da ao penal. Em outras palavras, o empre-endedor assumir o risco de ver-se surpreendido, ciente de que se isso acontecer poder, posteriormente, acertar a situao. Isto po-der ser-lhe vantajoso do ponto de vista econmico, estimulando-o ao mau procedimento46.

Na nossa tica, o promotor/procurador da repblica e o magistrado devero levar em conta se o empreendedor diligenciou na obteno da licena antes de iniciar a atividade e se aguardou, pelo menos, os prazos previstos na legislao para anlise e deferimento ou indeferido da licena47. Sem dvida que a lei no pode punir aquele que quer empreender regularmente e que sofre as agruras da ineficincia de rgos ambientais desestruturados como ocorre em quase todo o Brasil.

Nas decises abaixo reproduzidas parcialmente, o Tribunal de Justia de Santa

45 RIO GRANDE DO SUL. Apelao Crime n. 70046736856. 4 Cmara Criminal. Relator: Des. Gaspar Marques Batista. J. em 01/03/2012. Disponvel em:< http://www1.tjrs.jus.br> Acesso em 29 abr. 2013.46 PASSOS DE FREITAS, ob. cit., p.251.47 Em princpio, o rgo ambiental deve observar o prazo mximo de 6 (seis) meses a contar doato de protocolar o requerimento at seu deferimento ou indeferimento, ressalvados os casos em que hou-ver EIA/RIMA e/ou audincia pblica, quando o prazo ser de at 12 (doze) meses (art. 14 da Resoluo CONAMA 237/97).

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Catarina no acolheu a regularizao da atividade a posteriori como excludente:

Se aps visita realizada pelos policias militares de proteo am-biental empresa que exerce atividade potencialmente poluidora, consistente na fabricao de rao e silo de secagem e armazena-mento de gros, atestam que a empresa no apresentou a Licena Ambiental de Operao (LAO) necessria, a regularizao posterior ocorrncia dos fatos no elide a responsabilidade penal, uma vez que, anteriormente, j estava perfeitamente caracterizado o delito previsto no art. 60 da Lei n. 9.605/9848.

1. A lacrao de serra-fita, picador, plainadeira e serra-circular e o termo de embargo interdio ou suspenso de atividade com-provam o pleno funcionamento de atividade de serraria e bene-ficiamento de madeira exercida pela empresa por meio de seus empregados, sendo que a posterior regularizao mediante expe-dio de licena ambiental de operao no tem o condo de des-caracterizar o crime ambiental por ser este de mera conduta e sua consumao d-se no momento em que a empresa passou a reali-zar a atividade sem a respectiva autorizao do rgo ambiental; ademais, confessando o ru a produo de serragem e maravalha incontroversa o funcionamento da atividade potencialmente po-luidora; 2. Se [...] a empresa no apresentou a Licena Am-biental de Operao (LAO) necessria, a regularizao posterior ocorrncia dos fatos no elide a responsabilidade penal, uma vez que, anteriormente, j estava perfeitamente caracterizado o delito previsto no art. 60, da Lei n. 9.605/98.

Finalizando: a obteno da licena no curso do processo ou mesmo antes da denncia ou da audincia preliminar repercute de vrias maneiras em prol do autor do fato/ru, podendo, em situa-es muito especficas, ensejar a extino da punibilidade.

48 SANTA CATARINA. Apelao Crime n. 2008.035284-8.2 Cmara Criminal. Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva. J. em 22/04/2009. Disponvel em:< http://www.tjsc.gov.br> Acesso em 29 abr. 2013.

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6. CONCLUSES.

Conclui-se do exposto que:

1) o tipo penal do artigo 60 da Lei n 9605/98 apresenta forte conotao precaucional, em tudo afinada com os princpios estruturais do Direito Ambiental preveno e precauo;

2) o tipo penal em questo prescinde de prova de dano ou mesmo de percia comprovando que a atividade potencialmente poluidora, consumando-se com o mero descumprimento de leis e regulamentos de ndole ambiental;

3) a norma penal em branco flagrada no tipo do artigo 60 da LCA de natureza homognea, integrada pelas leis federais relacionadas ao licenciamento ambiental das atividades potencialmente poluidoras;

4) a obteno posterior da licena ambiental nem sempre afasta a justa causa para a persecuo penal;

5) empreender atividade com licena ambiental vencida e sem ter protocolizado no prazo legal o pedido de renovao configura o tipo do art. 60 da LCA.

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O PAPEL DO TCU NO CONTROLE DA GESTO AMBIENTAL FEDERAL

1. NASCIMENTO DA PREOCUPAO, POR PARTE DAS ENTIDADES DE FISCALIzAO SUPERIOR (EFS)1, COM A qUESTO AMBIENTAL

relativamente recente a preocupao que as questes ambientais comearam a despertar no mundo todo. Marco importante a respeito do tema foi a realizao, pela ONU, da Primeira Conferncia Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, conhecida como Conferncia de Estocolmo, realizada em 1972. Foi a primeira vez que a comu-nidade internacional realizou uma reunio de tal amplitude para discutir os problemas ambientais. No que antes disso o tema no despertasse interesse, mas aps essa conferncia o assunto ganhou espao importante nas agendas nacionais e regionais.

Isso fica evidente quando se constata que at 1972 s 10 pases possuam Ministrios do Meio Ambiente em suas estruturas governamentais, ao passo que em 1982 j tinham sido criados Ministrios ou Departamentos de Meio Ambiente em 110 pases. Entre 1971 e 1975, foram identificadas 31 leis nacionais ambientais nos pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), praticamente o mesmo nmero que tinha sido criado nos 25 anos anteriores.

Tambm em 1972, outro relevante acontecimento foi a criao do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), agncia da ONU responsvel por promover a conservao do meio ambiente e o uso eficiente de recursos no contexto do desenvolvimento sustentvel.

A partir dessa poca, tambm foram celebrados acordos internacionais para tratar de questes ligadas ao meio ambiente, tais como:

- Conveno sobre Zonas midas de Importncia Internacional, especialmente enquanto Habitat de Aves Aquticas (1975)

- Conveno Internacional sobre Comrcio das Espcies da Fauna e Flora Selva-gens em Perigo de Extino (CITIES) (1975)

- Conveno sobre a Conservao de Espcies Migratrias de Animais Silvestres (CMS) (1983)

- Conveno sobre a Poluio Atmosfrica a Longa Distncia (LRAP) (1983)

Mais um marco importante, j na dcada de 80, foi o trabalho desenvolvido pela Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel, tambm

1 Entidades de Fiscalizao Superior so instituies encarregadas de realizar o controle externo em nvel federal nos diversos pases. No caso do Brasil, a EFS o Tribunal de Contas da Unio

4118 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

chamada de Comisso Bruntland, que apresentou uma viso crtica sobre o modelo de desenvolvimento adotado pelos pases industrializados e reproduzidos pelos pa-ses em desenvolvimento, com uso predatrio dos recursos naturais, sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas. A partir desse ponto, ficou bem marca-da uma mudana do foco de preocupao ambiental mais segmentada, com temas como poluio, fauna e flora, para uma preocupao de carter mais amplo, em que a questo ambiental comeou a ser tratada dentro de um contexto de modelo de desenvolvimento. Ficou bem evidenciado nesse contexto, tambm, que boa parte dos problemas ambientais so transacionais e demandam atuaes em conjunto dos pases, justificando a ampliao do nmero de acordos internacionais.

Outros acordos internacionais relevantes foram celebrados, como o protocolo de Montreal sobre Substncias que Destroem a Camada de Oznio (1989) e a conveno da Basilia sobre o Controle de Movimentos Transfonteirios de Resduos Perigosos (1989 entrou em vigor em 1992).

Esse movimento teve como pice a Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Rio-92, que gerou uma srie de documentos e compromissos, como a Agenda 21 e a Declarao do Rio, alm das convenes sobre mudanas climticas e sobre biodiversidade.

Todo esse processo gerou o aumento das atividades governamentais ligadas rea de meio ambiente, com o aumento no volume de recursos direcionados a tal rea. A proliferao de tratados internacionais, por outro lado, fez com que os pases que os ratificaram assumissem compromissos que

passaram a ser traduzidos em leis, em polticas, em aes governamentais. Em consequncia de todos esses fatores, ficou patente a necessidade de as EFS comea-rem a ter uma maior atuao na rea ambiental.

Aspecto relevante ocorrido nos anos 70 e 80, sob o ponto de vista das EFS, que aumentou o nmero de entidades com competncia legal para executar as cha-madas auditorias de desempenho ou auditorias operacionais2. Assim, no que tange rea ambiental, as EFS passaram a atuar no s na verificao da regularidade da aplicao dos recursos aplicados nas polticas ambientais, mas tambm na avaliao do alcance dos resultados dessas polticas. No caso do TCU, especificamente, a com-petncia explcita para a realizao desse tipo de auditoria se deu com a Constituio Federal de 1988.

A constatao mencionada anteriormente, de que boa parte dos problemas am-bientais transnacional, aliada s especificidades de carter tcnico presente nos

2 Auditorias operacionais ou de desempenho so aquelas em que o objetivo o de avaliar a eficincia, eficcia, efetividade das aes governamentais e das polticas pblicas, diferentemente das auditorias de regularidade ou de conformidade, em que o objetivo verificar se as aes governamentais foram desen-volvidas de acordo com as normas pertinentes.

42 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

assuntos ligados temtica ambiental, fez com que a Intosai3 (International Orga-nization of Supreme Audit Institutions) criasse, em 1992, o WGEA (Working Group on Environmental Auditing), com o objetivo de induzir a realizao de auditorias coordenadas4 entre diferentes EFS, estimular a realizao de auditorias em acordos internacionais na rea de meio ambiente, facilitar o intercmbio de informaes e experincias relevantes entre diferentes EFS, publicar guias e outros documentos que facilitem a compreenso dos aspectos especficos envolvidos nas auditorias ambien-tais. quando criado, o WGEA era integrado por 12 EFS, hoje j so 72, demonstrando a importncia que as entidades de fiscalizao tm dado fiscalizao da gesto ambiental em seus pases.

Em 1995, noticia-se a realizao da primeira auditoria coordenada, realizada pelas EFS da Polnia e da Bielorssia, com o objetivo de avaliar o impacto das ati-vidades econmicas em uma floresta que abrangia os dois pases. Desde ento, j foram realizadas diversas auditorias coordenadas, por duas ou mais entidades de fiscalizao.

Em termos regionais, em 1998, foi criada pela Olacefs5 (Organizacin Latinoa-mericana y del Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores) e a Comtema (Comi-sin Tcnica Especial de Medio Ambiente), que uma espcie de brao regional do WGEA.

O Tribunal de Contas da Unio esteve integrado em todo esse processo, fazendo parte do WGEA e da Comtema desde o final da dcada de 90, tendo inclusive pre-sidido esta ltima desde sua criao at 2009. Inegavelmente, como ser melhor detalhado frente, a participao nesses grupos internacionais de auditoria ambien-tal teve grande influncia na forma como se desenvolveu a atuao do TCU na rea ambiental.

2. COMPETNCIAS DO TCU PARA TRATAR DA qUESTO AMBIENTAL

O caput do conhecido art. 225 da Constituio Federal dispe que todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

Os trechos acima grifados so aqueles que aqui nos interessam no sentido de evidenciar o papel que cabe Unio quando se trata de meio ambiente. Relevante

3 Instituio que congrega EFS de todo o mundo4 Auditoria coordenada aquela realizada por EFS de diferentes pases, a respeito de um nico tema, de interesse de todas as entidades.5 Instituio que congrega EFS situadas na Amrica Latina e no Caribe

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nesse sentido, tambm, o art. 23 da Carta Magna que estabelece as hipteses de competncias comuns de Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios. Dentre elas est a proteo do meio ambiente, o combate poluio, a preservao das florestas, da fauna e da flora.

Nesse contexto, cabe ainda mencionar o art. 225, 4, da Constituio, que dispe especificamente que a Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, alguns de nossos biomas mais importantes, constituem patrimnio nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

Dos dispositivos acima mencionados, conclui-se que a Unio (assim como os demais entes federativos) deve defender e preservar o meio ambiente, que constitui patrimnio pblico.

O caput do art. 70 e o caput do art. 71, ambos da Constituio Federal, estabe-lecem que a fiscalizao contbil, financeira, oramentria, operacional e patrimonial da Unio ser exercida pelo Congresso Nacional, com o auxlio do Tribunal de Contas da Unio, a quem compete, em especial, segundo o art. 71, inciso IV, tambm da Carta Maior, realizar inspees e auditorias nas unidades dos Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio.

Constata-se, portanto, que o TCU tem a prerrogativa de avaliar a gesto ambien-tal federal, em sua acepo mais ampla, sob diversos ngulos, como por exemplo:

- Se os recursos pblicos repassados aos rgos e s entidades federais incum-bidos da execuo da Poltica Nacional de Meio Ambiente esto sendo geridos con-forme a legislao vigente (aspectos financeiro, contbil e oramentrio);

- Se os rgos e as entidades acima mencionados esto atuando de forma efi-ciente e eficaz (aspecto operacional);

- Se as polticas pblicas para o setor esto sendo executadas adequadamente (aspecto operacional);

- Se a gesto do patrimnio ambiental est sendo feita de forma adequada (as-pectos operacional e patrimonial).

3. FORMA DE ATUAO DO TCU NA REA AMBIENTAL

Tradicionalmente, at em funo das competncias que o TCU possua at a Constituio de 1988, a atuao do Tribunal, no s na esfera ambiental, tinha o enfoque fundamentalmente relacionado legalidade das aes dos rgos de go-verno. Na rea ambiental, por exemplo, avaliava-se se o Ibama, se o MMA estavam

44 18 Congresso brasileiro de direito ambientalConferncias / invited papers

fazendo as contrataes de acordo com a legislao pertinente, se os convnios eram regularmente celebrados e executados, e assim por diante. O controle se dava apenas segundo a vertente da regularidade buscava-se verificar se os recursos federais di-rigidos aos rgos incumbidos da execuo das polticas ambientais estavam sendo utilizados de forma regular, segundo as normas vigentes. No se atuava na gesto do patrimnio ambiental propriamente dita, na avaliao das polticas pblicas ligadas a essa rea, etc.

Dois fatores foram essenciais para que o Tribunal, aps receber a competncia para realizar auditorias operacionais na Constituio de 1988, ampliasse sua forma de atuao na rea ambiental. O primeiro deles, que no afetou exclusivamente a rea ambiental, referiu-se capacitao de nossos auditores para a realizao das chama-das auditorias operacionais ou de desempenho. Isso porque esse tipo de auditoria tem natureza e objetivo bastante diferentes daquele que o Tribunal realizava at ento.

No Brasil, o TCU certamente foi a instituio de controle que partiu na frente nesse processo. No havia, poca, instituies no Pas capazes de capacitar os auditores do TCU para a realizao desse tipo de trabalho, sob a tica de controle externo.O Tribunal buscou, ento, realizar essa capacitao por meio de parcerias com instituies de outros pases com reconhecido expertise em auditoria operacio-nal. Inicialmente, em 1996, um grupo de auditores do Tribunal realizou estgio no GAO (General Audit Office), rgo de controle externo federal nos Estados Unidos, e o passo mais importante nesse processo foi o Acordo de Cooperao firmado com o Governo do Reino Unido, em 1998, onde no s foram repassadas a um grupo de auditores do Tribunal as ferramentas, tcnicas e metodologias referentes a esse tipo de auditoria, mas se promoveu concretamente sua aplicao em auditorias-piloto realizadas nas reas de educao, sade e meio ambiente, trabalhos feitos ano a ano a partir de 1998 at 2000 (o acordo teve ainda uma segunda fase de consolidao, entre 2001 a 2003).

Desse processo, inclusive, nasceu a Secretaria de Avaliao de Programas do Tribunal que no s passou a realizar regularmente esse tipo de auditoria, mas que capacitou um grande nmero de auditores do TCU lotados em outras unidades e durante muito tempo forneceu o suporte metodolgico necessrio para a realizao desse tipo de trabalho por parte das diversas unidades do Tribunal.

O segundo fator, que diz respeito especificamente rea ambiental, foi que o Tribunal passou a ser parte do WGEA, conforme mencionado anteriormente. Isso possibilitou que ele conhecesse de que forma outras entidades de controle externo exerciam o controle da gesto ambiental. Nesse processo, ficou claro que o Tribunal deveria ampliar sua forma de atuao no que toca s questes ambientais, de modo a conhecer como feita a gesto ambiental no Brasil em nvel de federal e passar a contribuir efetivamente para o aperfeioamento dessa gesto.

Ainda em 1996, o Tribunal criou o Projeto de Desenvolvimento da Fiscalizao Ambiental, culminando na aprovao, em 1998, da Estratgia de Controle da Gesto

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