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CORTICOSTERÓIDES - CONCEITOS BÁSICOS E APLICAÇÕES CLÍNICAS DURVAL DAMIANI 1 NUVARTE SETIAN 2 VAÊ DICHTCHEKENIAN 1 Os corticosteróides de modo geral, e em par- ticular, os glicocorticóides, constituem-se em um grupo de drogas muito usadas em medicina clí- nica, nem sempre, porém, com indicações preci- sas. Em virtude de seu amplo espectro de ativida- de e por serem os mais potentes antiinflamatórios existentes, encontram uso praticamente em todas as especialidades, No entanto, é justamente esse "amplo espectro" de atividade que os torna ca- pazes de provocar efeitos colaterais, que não pou- pam praticamente nenhum tecido do organismo humano. Essa revisão tem por objetivo fornecer co- nhecimentos básicos para o uso seguro e funda- mentado dos glicocorticóides. CONSIDERAÇÕES BÁSICAS Anatomia e embriología da supra-renal Entre a quarta e a sexta semanas da vida intra-uterina, células do mesoderma celômico da parede abdominal posterior, próximas à porção anterior do mesonefro, condensam-se e vão se constituir na adrenal fetal. Por volta da décima semana de vida intra-uterina, pequenas células basófilas rodeiam esse grupo de células e vão se transformando na córtex definitiva. Durante a vida fetal, a córtex supra-renal é maior que o próprio rim, possibilitando-nos falar de uma supra-renal fetal, bastante diferente anatômica e fisiológica- mente, da supra-renal da criança ou do adulto. A porção medular da adrenal tern origem nas sim- patogonias que migram da crista neural. As glândulas adrenais têm forma piramidal, aspecto convoluto, pesam cinco gramas cada e situam-se no pólo superior dos rins. A irrigação arterial é suprida pela aorta, artérias frénicas e artérias renais e sua drenagem venosa é feita por uma rede que confluí numa calibrosa veia que se dirige para as veias cava ou renal. Histología Histológicamente, a córtex da supra-renal é constituída por uma camada mais externa, a zona glomerulosa, responsável pela produção de mine- ralocorticóides, outra mais central e a mais impor- tante, por ser responsável pela produção de corti- sol, a zona fasciculada e uma porção mais interna, a zona reticularis, produtora de hormônios se- xuais 9 . A produção do cortisol, protótipo dos glico- corticóides, é controlada pelo hipotálamo e hipó- fise que mantêm seus níveis nas estreitas faixas de variação observadas durante o dia. Glândulas acessórias No seu caminho de migração embriológica, desde a crista genital até sua posição final no Instituto da Criança "Prof. Pedro de Alcantara" do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Unidade de Endocrinología & Distúrbios do Crescimento. 1 Assistente. 2 Professor Livre-Docente de Pediatria e Chefe da Unidade. Aceito para publicação em 3 de julho de 1984.

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Page 1: corticóides

CORTICOSTERÓIDES - CONCEITOS BÁSICOSE APLICAÇÕES CLÍNICAS

DURVAL DAMIANI1

NUVARTE SETIAN 2

VAÊ DICHTCHEKENIAN 1

Os corticosteróides de modo geral, e em par-ticular, os glicocorticóides, constituem-se em umgrupo de drogas muito usadas em medicina clí-nica, nem sempre, porém, com indicações preci-sas. Em virtude de seu amplo espectro de ativida-de e por serem os mais potentes antiinflamatóriosexistentes, encontram uso praticamente em todasas especialidades, No entanto, é justamente esse"amplo espectro" de atividade que os torna ca-pazes de provocar efeitos colaterais, que não pou-pam praticamente nenhum tecido do organismohumano.

Essa revisão tem por objetivo fornecer co-nhecimentos básicos para o uso seguro e funda-mentado dos glicocorticóides.

CONSIDERAÇÕES BÁSICAS

Anatomia e embriología da supra-renal

Entre a quarta e a sexta semanas da vidaintra-uterina, células do mesoderma celômico daparede abdominal posterior, próximas à porçãoanterior do mesonefro, condensam-se e vão seconstituir na adrenal fetal. Por volta da décimasemana de vida intra-uterina, pequenas célulasbasófilas rodeiam esse grupo de células e vão se

transformando na córtex definitiva. Durante a vidafetal, a córtex supra-renal é maior que o própriorim, possibilitando-nos falar de uma supra-renalfetal, bastante diferente anatômica e fisiológica-mente, da supra-renal da criança ou do adulto.A porção medular da adrenal tern origem nas sim-patogonias que migram da crista neural.

As glândulas adrenais têm forma piramidal,aspecto convoluto, pesam cinco gramas cada esituam-se no pólo superior dos rins. A irrigaçãoarterial é suprida pela aorta, artérias frénicas eartérias renais e sua drenagem venosa é feita poruma rede que confluí numa calibrosa veia quese dirige para as veias cava ou renal.

Histología

Histológicamente, a córtex da supra-renal éconstituída por uma camada mais externa, a zonaglomerulosa, responsável pela produção de mine-ralocorticóides, outra mais central e a mais impor-tante, por ser responsável pela produção de corti-sol, a zona fasciculada e uma porção mais interna,a zona reticularis, produtora de hormônios se-xuais 9.

A produção do cortisol, protótipo dos glico-corticóides, é controlada pelo hipotálamo e hipó-fise que mantêm seus níveis nas estreitas faixasde variação observadas durante o dia.

Glândulas acessórias

No seu caminho de migração embriológica,desde a crista genital até sua posição final no

Instituto da Criança "Prof. Pedro de Alcantara" do Hospital das Clínicasda Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Unidade deEndocrinología & Distúrbios do Crescimento.1 Assistente.2 Professor Livre-Docente de Pediatria e Chefe da Unidade.Aceito para publicação em 3 de julho de 1984.

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pólo superior do rim, a supra-renal pode deixarrestos glandulares que mantêm sua atividade se-cretora, constituindo-seem verdadeiras glândulasacessórias, no ligamento largo do útero, cordãoespermático e junto aos testículos.

A supra-renal fetal

Ao lado do peculiar padrão de desenvolvi-mento anatômico citado, a supra-renal fetal é ab-solutamente ativa quanto à produção de hormô-nios esteróides, tanto pela córtex definitiva quantopela zona fetal. Assim, a glândula de um feto compoucas semanas de vida é capaz de produzir enzi-mas necessárias para promover ações metabóli-cas a partir do colesterol2.

Os mecanismos reguladores da produção doshormônios da adrenal do feto são controvertidos,havendo duas hipóteses principais: a primeira dáao hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) o papelde comando, ou seja, a glândula supra-renal écontrolada pelo ACTH secretado na porção ante-rior da pituitaria sob estímulo do fator liberadorhipotalâmico (CRF). Por sua vez, centros corticaismais altos regulam a secreção hipotalâmica doCRF8. É o cortisol o hormônio responsável pelaretroinibição negativa, tanto em nível de hipófisequanto de hipotálamo (Fig. 1). Através desse me-canismo de retroinibição, os níveis de cortisol sãomantidos em faixas estreitas, seguindo um ritmocircadiano onde o máximo de produção é atin-gida às oito horas da manhã (para uma pessoanormal em termos de vigília e sono) e o mínimoa zero hora (Fig. 2). Parece, no entanto, que outrosfatores, além do ACTH, seriam responsáveis peloritmo circadiano de secreção do cortisol, pois os

níveis encontrados precedendo o pico de secre-ção seriam inadequados para produzir os níveisséricos encontrados3.

A segunda hipótese destaca a atuação dagonadotrofia coriônica (HGC), com sua atividadetipo LH (luteotrófica) principalmente na primeirametade da gestação, sendo substituída na segun-da metade da gravidez pelo próprio LH hipofisáriofetal estimulado agora pelo estrógeno placentário.

As vias metabólicas seguidas pela supra-renalfetal durante a esteroidogênese são as mesmasdo adulto, sob o aspecto qualitativo, havendo con-tudo, diferenças quantitativas de acordo com a ida-de da criança e do adolescente.

Assim, a zona fetal apresenta deficiência re-lativa da enzima três beta-hidroxiesteróide desi-drogenase, o que redundaria numa menor pro-dução de cortisol por unidade de superfície cor-pórea e, conseqüentemente, aumento da produçãodo ACTH hipofisário, resultando numa hipertrofiaadrenal e aumento da esteroidogênese, buscandoum equilíbrio final2.

Dessa forma, durante a gestação, ocorre umatransferência placentería do cortisol bidirecional-mente, sendo porém menor a concentração fetaldo cortisol ligado à globulina, e comparável àsconcentrações do cortisol livre, ativo dos doislados da placenta.

Quanto à produção de andrógenos, algunsaspectos são interessantes. Assim, estudos histo-lógicos revelaram afinidade da zona fetal e tumo-res adrenais virilizantes pelo mesmo corante. Emfetos de nove a vinte e uma semanas de vida jáforam identificados hormônios da linhagem andro-gênica como androstenodiona, deidroepiandroste-rona (DHEA) e 11 beta hidróxi delta 4. Já o cortisolfoi identificado a partir da 16? semanas. Quanto aoshormônios retentores de sódio, encontrou-se umproduto semelhante à aldosterona em todas asidades fetais.

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Biossíntese dos glicocorticóides

A biossíntese dos glicocorticóides é estimu-lada pelo ACTH que ativa a 20, 22 desmelase,responsável pela transformação do colesterol empregnenolona (Fig. 3).

A produção diária do cortisol é de cerca de15mg/m216.

Transporte do cortisol

Ao entrar na corrente sangüínea, o cortisolliga-se às proteínas plasmáticas, principalmentealbúmina, formando complexos não covalentes,com força de ligação fraca. Além dessa ligaçãofraca com albúmina há proteínas que se ligammais especificamente ao cortisol, como é o casoda CBG que tem uma ligação mais firme. A con-centração de CBG, no entanto, é tão baixa emcondições normais que, aos níveis de 15mg/100mlde cortisol, seus sítios de ligação já estão satu-rados. Lembramos que é só a fração livre, nãoligada a proteínas, que irá exercer sua ação emnível tecidual.

Absorção e vias de administração

As preparações hidrossolúveis esterificadas(succinato sódico de hidrocortisona, fosfato sódi-co de hidrocortisona, succinato sódico de metil-prednisolona, fosfato sódico de dexametasona)alcançam níveis séricos máximos após 15-30 mi-nutos e a vida média plasmática é de 90 minutos,quando administrada por via endovenosa.

As preparações não esterificadas (acetato dehidrocortisona, prednisolona, metilprednisolona,triamcilona) têm absorção mais leita e vida média

mais prolongada, de cerca de quatro horas quan-do usadas por via intramuscular. O acetato dehidrocortisona, utilizado dessa forma, apresentaum certo efeito de depósito, podendo, após quatroa seis doses, ser utilizado a cada 24 horas, semprejuízo da ação.

Para uso por via oral, a prednisona é a drogade escolha, por apresentar boa absorção e nãoapresentar alguns efeitos colaterais, como aumen-to do apetite (comum com dexametasona) ou qua-dros semelhantes à dermatomiosite (comum comtriamcinolona). A prednisona é a droga de escolhapara esquemas em dias alternados, já que suavida média, mais curta que a da dexametasona,libera o eixo rapidamente no dia em que não seadministra a droga.

Em uso tópico, as preparações contêm hidro-cortisona, triamcinolona e betametasona. Sãoabsorvidas pela pele e, se usadas em áreas exten-sas e/ou inflamadas, podem atingir níveis séricosde supressão do eixo7.

Passagem de hormônios da supra-renalatravés da placenta

O cortisol tem passagem bidirecional atravésda barreira placentária, mantendo-se uma relaçãodefinitivamente superior do lado materno em fun-ção dos níveis de transcortina, ou seja, da globu-lina carregadora do corticosteróide. O inversoocorre com a cortisona, cuja concentração é maiorna circulação fetal do que na materna. Seus níveis,no lado fetal são superiores aos do cortisol.

Distribuição aos tecidos

O maior fator na distribuição do cortisol aostecidos é sua solubilidade; quanto menos polar,maior sua solubilidade no tecido gorduroso.

O metabolismo é principalmente hepático,com a conversão final do esteróide a um compostohidrossolúvel menos ativo, que será então elimi-nado na bile. Parte é reabsorvido no intestino for-mando um ciclo entero-hepático de esteróides.

O rim e a mucosa intestinal também têm sis-temas de conjugação mas exercem papel secun-dário quando comparados ao fígado. A quantida-de livre eliminada na urina é insignificante.

Vida média e reciclagem

Após administração endovenosa, o cortisolcomeça a desaparecer rapidamente após 20-30minutos. Abaixo dos seis anos, a vida média éaproximadamente 70 minutos e, no adolescente,100 minutos.

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Unidade feto-placentária

Existe uma integração funcional importanteentre feto e placenta, no que diz respeito à produ-ção e metabolização de hormônios esteróides emgeral e de estrógenos em particular. A matériaprima para fabricação desses esteróides pela pla-centa provém de glândula supra-renal do feto queé capaz de produzir quantidades apreciáveis dedelta - 5 beta - OH esteróides, que são os pre-cursos desses estrógenos. Enzimas como 17 alfa-hidroxilase, 17,20 liase e sulfoquinase são signi-ficativamente produzidas na supra-renal, com re-sultado final de estimular a produção de DHEA-S.Nessa produção, também participa a 16 alfa hidro-xilase produzida não só pela supra-renal, mastambém pelo fígado do feto 22.

Grande parte do estradiol produzido pela pla-centa retorna ao feto, é convertida em estriol poratuação de enzimas hepáticas e será detectadoem grande quantidade na urina fetal e mecônio.

Ainda na placenta, pode ser produzida a pro-gesterona, que transferida ao feto dá lugar à 20alfa hidróxi progesterona, que em parte volta àplacenta, repetindo-se o ciclo. Admite-se que essaprogesterona placentería seja o principal precur-sor para que a adrenal fetal sintetize cortisol ecorticosterona.

Terapia corticosteróide materna durantea gravidez

Uma vez que o corticóide cruza a barreiraplacentería, seria de esperar que, suspenso abrup-tamente, no momento do parto, haveria um quadrode insuficiência supra-renal, diante de ACTH fetalinibido crónicamente. Contudo, não é o que setem registrado na literatura e os poucos casos sãoconsiderados como exceção, não se tendo expli-cação para o fato 15.

Também se registra fissura palatina em fetosde animais que ingeriram crónicamente a cortiso-na. Na espécie humana, tal fato não está definido.

Mecanismo e ação do cortisol

Ao chegar às células-alvo, o cortisol atra-vessa a membrana citoplasmática e liga-se areceptores citosólicos, isto é, proteínas, que apre-sentam alta afinidade à estrutura molecular docortisol. Esse processo faz que haja acúmulo dohormônio no interior das células-alvo pois, en-quanto nas outras células o hormônio entra e sailivremente, naquelas as proteínas receptoras des-viam esse equilíbrio para o interior das células.O passo seguinte é a entrada desse complexoreceptor-hormônio para o interior do núcleo, ondeligar-se-á a sítios aceptores nos cromossomos,mais especificamente à fração não histona doDNA12.

Uma vez que o complexo receptor-hormônioliga-se à cromatina, uma RNA polimerase liga-sea uma região específica do DNA, chamado sítiode iniciação e é sintetizado um RNA mensageiroque transporta o código responsável por uma sín-tese proteica em nível ribossomal. O efeito finaldo hormônio esteróide dependerá, então, da sín-tese que foi iniciada naquela célula-alvo parti-cular13.

Nesse contexto do mecanismo de ação docortisol, todos os seus efeitos podem ser deduzi-dos através de moléculas receptoras específicas;se não houver receptores, não haverá efeito.

A magnitude da resposta celular vai depen-der da concentração intracelular de receptores eessa concentração em um determinado tecido po-de variar com a idade, com alterações no estadofisiológico do desenvolvimento e mesmo pela pre-sença de outros hormônios. Outro fator que in-fluencia a resposta é a estabilidade do complexohormônio-receptor: se o complexo se dissociarapidamente, essas células devem ser banhadascontinuamente por altas concentrações hormonaispara que a resposta se mantenha e isso leva avariadas respostas teciduais frente a uma mesmadose do hormônio esteróide.

Dose fisiológica e dose farmacológica

Alguns autores conceituam dose farmacoló-gica em função dos efeitos colaterais provocados;em função de fatos como este, o conceito é contes-tado já que tais efeitos podem surgir mesmo comdoses pequenas, dependendo do tempo de usoe da idade da criança.

O conceito mais freqüentemente proposto sebaseia na dose empregada. Para tanto, deve-se sa-ber qual é a taxa de cortisol secretada pela criançaconsiderada. Essa taxa pode chegar a 25mg/dia,admitindo-se, para fins práticos, 15mg/m2/dia.

Se a absorção via oral fosse 100%, toda dosede prednisolona superior a 6mg/dia deveria serconsiderada farmacológica. Considera-se como fi-siológica a dose de prednisolona igual ou menordo que 6mg/m2/dia2.

A potência relativa dos corticosteróides éapresentada na tabela 1.

Relação entre estrutura e atividadedos corticosteróides

Modificações na estrutura bioquímica do cor-tisol podem levar a alterações na potência bioló-gica devido a mudanças na absorção, ligaçãoproteica, taxa de transformação metabólica, ex-creção, habilidade de transporte de membranase do próprio poder de ação no local desejado.

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Assim, introdução de dupla ligação no anel A(Fig. 4) do cortisol (prednisolona e prednisona) pro-move aumento da atividade sobre o metabolismodos hidratos de carbono e diminuição do poderretentor de sal. A introdução do flúor na posição9 alfa do anel B aumenta todas as atividades bio-lógicas dos glicocorticóides. A presença do oxi-gênio na posição 11 é responsável pela ação anti-inflamatória dos corticosteróides. A metilação ou

hidroxilação da posição 16 elimina o poder reten-tor de sal7. A tabela 1 ilustra melhor o expostoacima.

TERAPÊUTICA COM GLICOCORTICÓIDES

Princípios e considerações gerais

Ao se indicar terapêutica glicocorticóide éimportante, em primeiro lugar, haver um diagnós-tico, já que a droga pode modificar a tal ponto oquadro clínico inicial que se torna mesmo impos-sível estabelecer diagnóstico após seu uso. Emsegundo lugar, verificar se não há outra drogade menos efeitos colaterais como alternativa.Nunca se deve fazer um "teste terapêutico" comglicocorticóides 1.

As doses utilizadas deverão ser sempre asmenores que possibilitem uma máxima respostaterapêutica e sempre que a doença permitir, intro-duzir um esquema em dias alternados, o que mini-miza os efeitos colaterais. A droga de escolhapara tal esquema é a prednisona, administrada emtomada única, pela manhã20.

Pacientes que receberam glicocorticóides co-mo substituição ou que tomaram doses supresso-ras por mais de três meses, devem ser orientadosno sentido de, em presença de "stress", as dosesserem duplicadas ou triplicadas no primeirocaso e, até um ano após a suspensão da droga,reintroduzidas nesse período, no segundo caso 10.

Como interromper a terapêutica glicocorticóide

Quando usada por cinco dias ou menos, po-derá ser suspensa abruptamente. Se a terapêuticaprolongar-se por mais de cinco dias, a suspensãodeverá ser mais cautelosa de acordo com o se-guinte esquema (segundo Samuels):

Se, durante a suspensão do corticóide, o pa-ciente apresentar sintomas da doença de base,deve-se considerar:

a) se os sintomas forem leves, apenas obser-var pois, na grande maioria, haverá desapareci-mento em dois ou três dias;

b) se forem graves, deve-se abandonar oesquema de retirada e aumentar-se a dose docorticóide18-19.

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O esquema gradual de retirada de corticóidesvisa à recuperação do eixo hipotálamo-hipófise-SRque, em casos de uso em doses farmacológicaspor mais de três meses, leva cerca de nove mesespara se recuperar5 (Quadro 1).

Ações gerais

A) Antiinflamatória e antialérgica — Os gli-cocorticóides têm a capacidade virtual de inibirtodos os componentes envolvidos no processo in-flamatorio. Provocam neutrofilia, linfopenia, inibema fagocitose dos macrófagos, antagonizam a açãovasodilatadora das bradicininas e prostaglandinaE. Além disso, estabilizam as membranas, parti-cularmente a dos lisossomos, impedindo o extra-vasamento de enzimas líticas no local da lesão6.

B) Metabolismo de proteínas, hidratos de car-bono e lípides — Estimulam a neoglicogênese,inibem a captação de glicose pelos músculos, ati-vam a lipólise provocando aumento dos ácidosgraxos livres e glicerol. Tais alterações provocamhiperglicemia.

C) Eletrólitos e água — Todos os glicocorti-cóides promovem perda de potássio pelo rim eaumentam o "clearance" de água livre. A retençãode sódio é promovida principalmente pelos glico-corticóides naturais (cortisol e cortisona) sendoinexistente ou de pequena magnitude com os sin-téticos. Betametasona, triamcinolona e metilpred-nisolona promovem excreção de sódio.

D) No sistema nervoso central — Aumentama excitabilidade da córtex cerebral.

Efeitos colaterais

A) Características cushingóides — Disposi-ção centrípeta do tecido gorduroso, com adipo-sidade predominantemente fácio-escápulo-toráci-ca21.

B) In i bicão do crescimento — As doses queinterferem no crescimento são variáveis de criançapara criança e, dependendo do tempo de uso,pode haver prejuízos irreversíveis na altura final,bem como retardo de idade óssea11.

C) Infecções virais — Os corticóides depri-mem a imunidade celular facilitando a progressãode infecções virais. De particular importância é avaricela, que pode assumir formas muito graves,com alta mortalidade. Em ministrações eletivas,deve-se ter em mente o eventual contágio dacriança a ser tratada: em terapêutica esteróideinstituída há menos de cinco dias, a presença devaricela exige a retirada imediata da droga; emcaso de ministração já superior a cinco dias quan-do do aparecimento da varicela, recomenda-senão diminuir a dose ou, em casos de alta gravi-dade, até aumentá-la, tentando aproveitar algunsefeitos benéficos dos glicocorticóides em dosesaltas.

D) Infecções bacterianas — Nas doses habi-tuais, os corticóides têm pouca interferência sobrea imunidade humoral, não trazendo problemas emrelação à infecção bacteriana.

E) úlcera péptica — Raramente ocorre emcrianças.

F) Eleitos no sistema nervoso central —Quadros convulsivos, simulando pseudotumor ce-rebral e alterações do humor podem ocorrer comaltas doses por tempo prolongado.

G) Hipertensão — Principalmente em casosde comprometimento renal ou vasculite generali-zada. A pressão arterial deve ser avaliada perio-dicamente em todo paciente sob corticoterapia.

H) Osteoporose e fratura vertebral — Maiscomum entre crianças maiores e adolescentes, nosexo feminino. Fraturas de ossos longos tambémsão observadas com menor freqüência. Tal aco-metimento ósseo deve-se à ação antianabólicadas doses farmacológicas utilizadas.

l) Miopatia — Principalmente com triamcino-lona e dexametasona. Desaparece com a substi-tuição da medicação por prednisona ou predniso-lona.

J) Distúrbios hidreletrolíticos e acidobásicos— Hipopotassemia e alcalose metabólica. Reten-ção de sódio principalmente com cortisona, hidro-cortisona e mais raramente predisona. Perda desódio pode ocorrer com betametasona, triamcino-lona ou metil-prednisolona.

L) Outros distúrbios metabólicos — Alteraçãoda tolerância a glicose ou diabetes melito em indi-víduos predispostos14.

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PRINCIPAIS INDICAÇÕES

I — Endocrinas

A indicação indiscutível dos glicocorticóidesé a terapêutica substitutiva, onde doses fisioló-gicas são administradas a um paciente cuja SRnão está produzindo adequadamente o cortisol.

Insuficiência da supra-renal — Recomendam-se doses fisiológicas de hidrocortisona, dividida emtrês tomadas, imitando o ritmo circadiano de se-creção: 1/2 pela manhã, 1/4 à tarde e 1/4 à noite.A suplementação de mineralocorticóide é feitacom desoxicorticosterona (DOCA), 1 a 2mg porvia intramuscular uma vez ao dia, independente-mente do peso da criança. Após a fase inicial,atingido o equilíbrio do paciente, pode-se prescre-ver preparações de depósito, administrada a cada15 dias na dose de 50mg/m2 (Primocort Depot R)ou 9 alfa flúor hidrocortisona via oral, na dose de0,05 a 0,20mg/dia, independentemente do peso dacriança.

Tumores de supra-renal — Durante a extirpa-ção cirúrgica, o paciente deve ser suplementadacom hidrocortisona por via endovenosa já que seueixo encontra-se bloqueado pela secreção de tu-mor. Após a cirurgia, a partir de uma dose trêsvezes a fisiológica ("dose de stress") procede-seà retirada gradual conforme discutido no item"esquema de retirada".

II — Não endocrinasO número de doenças onde já se tentou uma

terapia com glicocorticóides é muito grande enão é objetivo dessa revisão entrar em pormeno-res sobre cada uma delas mas apenas ofereceruma noção geral das amplas possibilidades tera-pêuticas desse grupo de drogas.

Assim, em doenças inflamatorias e infeccio-sas, como as doenças do conectivo, em meningi-tes tuberculosas, numa tentativa de reduzir-se oprocesso inflamatorio, contata-se um grande cam-po de aplicação. Doenças alérgicas e auto-imu-nes, choque endQtóxico, distúrbios hematológicos,afecções da pele, são outros exemplos da aplica-ção dos glicocorticóides.

Em membrana hialina, por aumentar a matu-ração pulmonar, a betametasona administrada àmãe, entre 24 e 36 semanas de gestação na dosede 12mg/24h tem levado a resultados promisso-res 17.

Acredita-se que cada especialista terá suaexperiência sobre esta ou aquela preparação parauma determinada doença. Doses e esquemas deadministração estão em constante modificaçãosegundo a experiência clínica e os corticoste-róides, desde que usados com critério e conhe-cimento de suas potencialidades, sem dúvidaconstituem-se numa poderosa arma em MedicinaClínica.

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