contraponto 100 - edição especial

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 15 Nº 100 Outubro 2015

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Outubro de 2015

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Page 1: Contraponto 100 - Edição Especial

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 15 Nº 100 Outubro 2015

Page 2: Contraponto 100 - Edição Especial

CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

PUCPontifícia Universidade católica

de sÃo PaUloPUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

suplentelaís Guaraldo

coordenador do Jornalismomilton Pelegrini

vice-coordenador do Jornalismofrancisco chagas câmelo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

marcos cripa e Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmanHamilton octavio de souza

secretária de redaçãovictoria azevedo

secretária de produçãoandressa vilela e Giovanna fabbri

editor de fotografialeonardo m. macedo

PUC

E D I T O R I A L

SUMÁRIO capa: refugiados palestinos no Brasil

nº100 Longa vida ao CP pág. 3 obrasilemcaos Tarda porém falha pág. 4 Da periferia do império a articuladora de alianças alterntivas pág. 5 Governo brasileiro tem dificuldades para lidar com crises reg. pág. 6 E agora José? pág. 8 Presidenta cercada de inimigos pág. 10 Há algo de podre no jeitinho brasileiro pág. 12 Tão longe é o refúgio pág. 14 estadosucateado SUS sofre colapso pág. 16 Um projeto educacional para todos? pág. 18 A lei das terceirizações precariza o trabalho pág. 20 As raízes da indústria cultural no cenário brasileiro pág. 22ensaiofotográfico Esse é o nosso filme pág. 24 resist.culturais MST realiza encontro para discutir a educação no Brasil pág. 26 Independência ou morte e arte pág. 28 Maracatu: do banzo à vida pág. 29 O estudo é o escudo pág. 30 desastrenofutebol Sobre chuteiras e cartolas pág. 32 O escocês que derrubou a Fifa pág. 34 Brasil tenta se recuperar um ano após o vexame histórico pág. 36 Minerazzo pág. 37 futurodojornalismo Profissão busca seu rumo pág. 38 Novos paradigmas da profissão pág. 40 Crise gera incertezas nos estudantes pág. 42 crônica Filho pág. 43 edição100 Gente que fez o CP pág. 44 Gente que faz o CP pág. 46 nº100 Contracapa pág. 48

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 100 – outubro de 2015

cill Press Gráfica e editorafone: 993.583.533

Em defesa da liberdade de cátedraA cátedra universitária é uma instância acadêmica que tem como objetivo promover o debate

em torno de algum pensador ou teórico, além de servir para a preservação e atualização do trabalho do mesmo. Já liberdade de cátedra é um princípio – o qual pode ser considerado essencial – que garante a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.

Essa liberdade foi postulada por Wilhelm Von Humboldt ao propor o seu modelo de universidade e consiste em três pilares: o primeiro, a liberdade dos professores para defenderem as suas ideias, por mais impopulares ou cáusticas que fossem; o segundo, a liberdade de escolher os tópicos de sua pesquisa; o terceiro, o certificado de garantia, constituído na estabilidade da cátedra, impedindo que eles perdessem o emprego caso cutucassem os poderosos. Vale ressaltar que os dois primeiros nunca deveriam ser outorgados, uma vez que tais liberdades já deveriam ser automaticamente ga-rantidas ao professor. Sem liberdade na produção de conhecimento e na prática de ensino dentro das Universidades, a sociedade é que acaba sofrendo as consequências.

Contudo, o desgaste e as ambiguidades da versão original da liberdade de cátedras já começam a ser evidenciadas: que liberdade tem um professor de uma Instituição Católica de contestar valores da Igreja? Numa instituição privada, com fins lucrativos, os professores terão liberdade de pregar a queda do sistema capitalista? Os professores de história devem poder pregar em seus cursos uma visão marxista da História ou o materialismo dialético – como ocorre frequentemente? Existe a necessidade de haver limites quando esses assuntos são abordados: com essa liberdade de expressão, o professor deve ter noção da responsabilidade que carrega nas costas. Há padrões de rigor intelectual a serem respeitados. No mínimo, os dois lados de uma controvérsia devem ser apresentados, afinal, a cátedra é para educar, não para doutrinar ou convencer. Além disso, existem também os “combinados”, os quais são determinados pelo professor no contrato inicial, estabelecendo o que “pode” e o que “não pode” ser abordado.

É importante estabelecer um pacto democrático em torno de um objetivo comum, o de construir um bom curso de Ciências Humanas. Deve-se discutir e definir os caminhos e os procedimentos para que este objetivo comum seja atingido. Com isso, um procedimento que pode contemplar os diferentes projetos seria a criação de uma grade curricular que dê maior autonomia aos alunos, oferecendo a eles a possibilidade de optar pelo tipo de formação que desejarem, fazendo escolhas diante de diversas disciplinas optativas oferecidas dentro e fora dos Departamentos. Dessa forma, seria possível impedir a construção de um pensamento único nos cursos de Ciências Humanas.

Ninguém deve interferir em atividades realizadas dentro da sala de aula, onde a autoridade do professor precisa permanecer intacta. A autonomia didático-pedagógica do professor é de extrema importância, uma vez que essa autonomia diferencia uma instituição pública de ensino superior das instituições privadas.

Os resultados advindos da autonomia são evidentes: a qualidade da dedicação ao ensino que nasce do trabalho feito por vontade e não por obrigação; a busca espontânea de apri-moramento pessoal e de alternativas educativas mais eficazes; a possibilidade de preservação da convivência normal do professor com a turma de alunos e, acima de tudo, o pluralismo na expressão de ideias que é algo essencial para qualquer projeto pedagógico que seja verdadei-ramente democrático. A diversidade é não só enriquecedora como também absolutamente necessária para o desenvolvimento do conhecimento e da sociedade. A intolerância deve ser banida da academia e a liberdade revogada por todos.

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Page 3: Contraponto 100 - Edição Especial

�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

José arbex Jr. - editor

CONTRAPONTO

O jornal Contraponto, produto do Departamento de Jornalismo da PUCSP, chega à sua centésima edição. São quinze anos que constituem um experimento raro, talvez único no meio universitário brasileiro: a publicação

de um veículo laboratorial de comunicação com base numa prática democrática livre e radical, em todos os sentidos da expressão.

Desde o início, o CP foi concebido como um jornal aberto à participação espontânea e voluntária de todos os estudantes do curso de Jornalismo. O CP não seria vinculado a nenhuma disciplina, não faria parte da grade curri-cular, ninguém seria avaliado pelo material produzido, ninguém ganharia crédito algum pela presença nas reuniões semanais, não haveria qualquer forma de controle ou censura. A motivação seria o prazer – ou, talvez, a necessidade imperiosa - de fazer jornalismo. O vínculo de cada um com a equipe do jornal poderia oscilar livremente entre dois extremos: frequência máxima – com a participação do “contrapontista” em todas as reuniões, durante todo o pe-ríodo do curso universitário –, ou esporádico, incerto e fluído. Ou, ainda, poderia ser apenas “virtual”, mediante a sua inserção no grupo de discussão.

Todas as pautas teriam que ser decididas pela maioria, assim como os critérios de edição e paginação. Caberia ao editor assegurar o funcionamento democrático do jornal, mediante um processo de contínua interlocução com a equipe, jamais impor a sua vontade. As decisões teriam que ser resultado consensual do debate de ideias. As pautas seriam orientadas para o exercício de um jornalismo crítico, capaz de propor interpretações sobre os fatos do mundo destoantes dos consensos fabricados pelas grandes corporações midiáticas. Ao mesmo tempo, deveriam desvendar os interesses políticos, ideológicos, econômicos, financeiros e culturais que orientam as coberturas jornalísticas, revelar os “padrões de manipulação da grande imprensa” – para utilizar a formulação proposta pelo grande Perseu Abramo, integrante de nosso departamento entre 1981 e 1996.

O projeto, inicialmente concebido pelo então chefe do departamento Hamilton Octávio de Souza, foi ampla-mente discutido e transformado por professores e alunos, até ser adotado, em reuniões abertas de professores e estudantes, em 2001, quando começou a nossa aventura. Na prática, munida dos princípios gerais, a equipe iniciou a construção do CP a partir de uma grande vontade de praticar o bom jornalismo. Tudo estava por ser definido: a tiragem, a periodicidade, o número de páginas, a qualidade desejada da impressão, o uso ou não de cores, os mecanismos de tomada de decisão. Sempre com a participação do coletivo, fomos chegando à forma atual: seis edições de 24 páginas por ano, mais uma edição especial, com um número maior de páginas e dedicada a um tema específico. As pautas são decididas e acompanhadas por reuniões presenciais semanais, ou, para os impossibilitados, via grupo virtual, que funciona de forma intensa e eficaz desde que o jornal existe. O editorial, da mesma forma, é coletivamente decidido.

As mudanças no projeto nunca deixaram de acontecer, algumas mais significativas, outras “cosméticas”, mas sempre como resultado do debate coletivo, e sempre mantendo o foco no exercício da crítica. A única deter-minação não aberta à negociação era – e é – de natureza eminentemente prática: os prazos para a entrega das reportagens teriam que ser rigorosamente cumpridos. Atrasos na entrega do material significariam a morte do CP: inevitavelmente, conduziriam à desintegração da equipe e à transformação do jornal num veículo pouco sério, um de-vez-em-quandário oscilando ao sabor das agendas individuais dos seus repórteres. Reportagens não entregues no prazo determinado seriam “derrubadas” e no seu lugar entrariam “matérias de gaveta”. Contam-se nos dedos das mãos, felizmente, os momentos em que fomos obrigados a recorrer ao expediente.

À imagem e semelhança da prática comum e corrente dos grandes jornais, criamos as secretarias (voluntárias) de redação e produção – claro que sem as implicações hierárquicas e autoritárias inerentes à estrutura empresarial –, de modo que a equipe fosse se familiarizando com os procedimentos encontrados no mercado profissional. Optamos, desde o início, por investir também no fotojornalismo: os integrantes da equipe foram incentivados a produzir as fotos referentes às reportagens; como contrapartida, foi fortemente desencorajado o recurso a imagens extraídas da internet (a menos, é claro, de situações justificáveis e excepcionais). Criamos a função do editor de fotografia, em geral ocupado por alguém mais familiarizado com a linguagem por suas inclinações pessoais.

De todas as etapas de produção, apenas a diagramação é feita por um profissional – o incansável e dedicado Wladimir Senise –, por razões de ordem exclusivamente operacional. E adotamos, finalmente, a figura do “ombu-dsman”, um crítico das edições convidado a se reunir com a equipe para fazer as ponderações sobre o material publicado (as aspas vêm por conta de não se tratar da função tradicional do ouvidor, mas sim a de um professor ou jornalista revestido do papel de um orientador a partir de um olhar externo).

Chegamos, assim, à nossa centésima edição. Para comemorar em grande estilo, fizemos um jornal especial, com 48 páginas, dedicado a uma reflexão sobre o Brasil. Nosso editorial defende a liberdade de cátedra, contra as tendências autoritárias que hoje ameaçam a universidade. A capa e contracapa referem-se à “crise dos refugiados” que, de fato, é apenas a expressão mais visível do impasse civilizatório criado pelo capital e seus desmandos. Fazemos, portanto, nossa homenagem às vítimas da barbárie que procuram, no Brasil, reiniciar suas vidas destroçadas.

O ensaio fotográfico central e as quatro últimas páginas da edição exploram um pouco da própria história do CP, com a reprodução de oito grandes capas e depoimentos de “contrapontistas” e de ex-“contrapon-tistas” – estudantes que, durante anos, fizeram parte de nossa equipe e que hoje atuam no mercado profissional. É uma história que nos enche de orgulho, não tanto pelos grandes feitos e qualidade das reportagens � já em nosso primeiro ano de existência, ganhamos o prêmio de melhor jornal laboratório do Brasil, num congresso da Expocom realizado em Salvador -, mas muito mais per termos sido coletivamente capazes de, o tempo todo, exercer a liberdade e a democracia.

O nosso Departamento e os nossos Estudantes (assim mesmo, com caixa alta) merecem todos os cumprimentos do mundo. Parabéns!

Longa vida ao CP

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Subida do dólar, aumento dos im-postos e desvalorização do câmbio,

expressões como estas estão em alta entre os brasileiros. Até que ponto, em meio a toda essa crise, a economia mundial afeta diretamente a nacional? Eis aqui muitas questões.

Crise financeira de 2008 – A começar pela crise financeira de 2008. De acordo com o professor e jornalista Hamilton Octavio de Souza são várias as análises sobre as consequências tidas no Brasil. Nos Estados Unidos, a crise derrubou grandes imobiliárias, financeiras, bancos e afetou a economia de uma maneira geral, resultando numa queda do crescimento da economia norte-americana. Justamente por ela ser o carro chefe da economia mundial num sistema integrado e globalizado, os efeitos foram sentidos principal-mente na Europa e nos países na América do Sul, com os quais é mantida uma relação comercial bastante intensa. Fora a China, os EUA é o prin-cipal parceiro comercial do Brasil, portanto um abalo lá e os setores daqui já sentem.

Entretanto, assim como explica Souza, o Brasil conseguiu de certa forma compensar essa situação durante um bom tempo ao aumentar o comercio com os países dos chamados BRICS (Rússia, Índia, África do Sul e China - este último principalmente) e com alguns países vizinhos - destaque para a Argentina, que chegou a al-ternar entre segundo e terceiro maior parceiro comercial do Brasil.

Com relação a China, graças a grande im-portação de produtos diversificados pelo país, tais como minério de ferro, soja, milho e mais recen-temente carnes, que o Brasil conseguiu equilibrar sua balança comercial. “Aliado a isso, o governo Lula (2003-2010) adotou algumas medidas de fa-vorecimento a alguns setores da economia, como desoneração fiscal (redução de impostos, no caso da indústria automobilística, de eletroeletrônicos e da chamada linha branca), além da política de créditos”, explica o jornalista.

Todas essas medidas ajudaram o país a encarar a crise financeira, entretanto não se mostraram suficientes para resolver de fato o problema. Pelo contrário, o governo foi na con-tramão do equilíbrio ao perder o controle da balança comercial.

Por Giovanna fabbri

Tarda Porém faLhaBrasil cai drasticamente em ranking dos mais competitivos

CONTRAPONTO

Entre 2013 e 2015 – Em 2013 não havia mais crédito que sustentasse a economia nacional. Conforme relata o jornalista, de bolsos vazios, o Brasil já estava repassando os “magros” recursos do Tesouro Nacional (todos os meios financeiros à disposição do Estado) para o BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e este emprestando para grandes gru-pos, como frigoríficos, construtoras, etc., que na época estavam expandindo em termos de compra no comercio internacional envolvidos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e nas obras da Copa do mundo. Porém, a Copa acabou e o PAC paralisou todas as obras em função da diminuição do financiamento pelo BNDES, uma vez que os recursos do Tesouro se esgotaram.

Nesse mesmo período, acabou também o crédito facilitado para aumentar o consumo, assim como a desoneração fiscal, resultando num grande endividamento tanto de famílias, quanto de empresários e industriais. Em 2013, de 43% do orçamento federal, a divida pública aumentou para 63% ao ano. E para financiar sua dívida, o país vende títulos do Tesouro Nacional, mas para isso, é preciso aumentar a taxa de juros a fim de atrair investidores.

“Pedalada” – Esse já era o cenário econô-mico no começo de 2014, mas para que a crise não explodisse e não prejudicasse a eleição da Presiden-te Dilma, a situação foi maquiada nas chamadas “Pedaladas fiscais”, que hoje estão em julgamento no Tribunal de Contas da União. O termo nomeou a utilização de recursos da Caixa Econômica e do Ban-co do Brasil para pagar os programas sociais – que

na verdade deveriam ser pagos com o dinheiro do Tesouro Nacional – resultando num endividamento ainda maior do país. “O Tesouro já havia quebrado e era isso que estava sendo camuflado. Esconderam as ‘pedaladas’ para evitar que se fosse usado no processo eleitoral”, comenta Souza.

Logo depois das eleições, foram iniciadas as medidas do pacote de ajuste fiscal e cortes nos custos do governo, como, por exemplo, no seguro desemprego, no auxílio doença, na pensão de morte, na educação (Fies, Prouni e Pronatec) e na saúde, atingindo os setores da sociedade que mais precisam dos serviços públicos e proteção do Estado.

Brasil no cenário externo – Quanto aos setores empresariais e grandes grupos econômi-cos, por conta da queda do consumo interno, da falta de financiamento do Estado e do declínio econômico chinês, é nítido que a competitividade brasileira no exterior tenha sido prejudicada e caído drasticamente se comparado a 2012.

De acordo com o Relatório Global de Competitividade 2015/16 divulgado no dia 29 de setembro pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil caiu para sua pior posição e tombou 18 degraus no pódio dos mais competitivos. Entre 140 paí-ses, o Brasil aterrissou na 75ª posição, 27 postos abaixo do 48º lugar conquistado em 2012. Ainda segundo o ranking, o país está abaixo de alguns de seus principais concorrentes, como Índia, México, África do Sul e Rússia, e de economias menores como Uruguai, Peru, Vietnã e Hungria.

Entretanto, apesar dessa grande queda, analistas do mercado financeiro, ouvidos pelo Banco Central (BC), estimam que a balança comercial (exportações menos importações) terá saldo positivo de US$ 8 bilhões, em 2015 - diferente de 2014, o qual registrou déficit de US$3,9 bilhões no comercio exterior. A previsão também prevê que o valor do dólar estará por volta de R$ 3,50 ao final deste ano.

“O TesOurO já havia quebradO e era issO que esTava sendO camufladO. escOnderam as ‘pedaladas’ para eviTar que se

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(jOrnalisTa e prOfessOr hamilTOn de sOuza)

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

O processo de globalização, cultural e econômico, iniciado com as Gran-

des Navegações dos séculos XV e XVI, e que vem se intensificando, estimula o estreitamento das relações entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos do mundo todo. Isso justifica a criação de blocos econômicos e mercados co-muns, além de grupos políticos de cooperação, como meios de fortalecimento da economia desses países.

A participação do Brasil se dá de diferentes formas em cada um destes grupos internacionais. No Mercosul interpreta, muitas vezes, políticas de cunho imperialista, enquanto nas relações entre Brasil e EUA - forte aliado importador da agricultura brasileira - o nosso país desempenha o papel de periferia imperial.

Brasil e os BRICS – No conjunto de países emergentes, do qual faz parte juntamente com a Rússia, a Índia, a China desde 2001 e que há quatro anos também inclui a África do Sul – no chamado BRICS – o Brasil procura expandir seus vínculos para enfrentar a atual conjuntura mundial. Em sua sétima cúpula, realizada em julho deste ano em Ufá na Rússia, os países se declararam preocupados com a instabilidade no mercado; a alta volatilidade dos preços da energia e das matérias-primas; e a acumulação de dívida pública em vários países importantes. Todos os desequilíbrios estruturais afetam diretamente a dinâmica de crescimento dessas economias.

Por este motivo, e para minimizar os efeitos da crise externa no cenário político e econômico, na reunião também ficou decidido que é preciso utilizar os próprios recursos e re-servas internas para o desenvolvimento. Como primeira iniciativa, haverá ainda no fim deste ano uma reunião entre os ministros da Energia, para coordenar e aumentar a integração energética entre os países.

No âmbito econômico, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) – instituição de crédito multilateral criada pelas potências emergentes – iniciou suas funções em Xangai, no mês de junho. Criada como uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial, liderados pelos Estados Unidos, a instituição conta com um capital inicial de 50 bilhões de dólares (160 bilhões de reais), que será elevado para 100 bilhões de dólares (cerca de 320 bilhões de reais), e pretende cobrir parcialmen-te as enormes necessidades de financiamento de seus membros e de outros países pobres, investindo em infraestrutura e em projetos de desenvolvimento.

Brasil e o Mercosul – Quando se trata de

relações com os países vizinhos, como os do Merco-sul - do qual também são países efetivos Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, além dos associados Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru – o Brasil demonstra grande representatividade.

Entre Brasil e Uruguai ou Brasil e Paraguai, nosso país têm registrado superávits crescentes na balança comercial. Ademais, o bloco passa por

Por nathalia moraes e salvador strano

da Periferia do imPério a arTiCuLador

de aLianças aLTernaTivas

Ao mesmo tempo que depende financeiramente dos desenvolvidos, a nação busca apoio econômico em países emergentes

O Brasil em caosCONTRAPONTO

alguns desequilíbrios comerciais devido aos po-deres de exportação uruguaio e paraguaio serem menores em relação ao argentino e o brasileiro.

Para reduzir essas assimetrias, o Brasil realiza algumas políticas como investimentos em outros países do bloco e empréstimos e financiamentos de bancos de desenvolvimento (BNDES) a atividades produtivas nos países me-nos favorecidos. O papel do Brasil no Mercosul é, portanto, cada vez mais integrador e exerce grande influência no bloco como um todo, uma vez que tem o maior PIB e a maior população em comparação aos outros.

Em setembro deste ano, a Argentina demonstrou interesse em integrar o bloco dos BRICS, e a então presidente Cristina Kirchner recorreu ao vizinho, pedindo apoio do ex-presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva. Este ato reforça a influência brasileira em ambos os grupos.

Segundo o jornalista e professor da Faculdade de Filosofia Comunicação Letras e Artes da PUC-SP, Hamilton Octavio de Souza, o apoio do Brasil ao pedido argentino é muito importante. “O BRICS visa não apenas intensi-ficação do comércio, mas também viabilizar um banco próprio e criar uma moeda para escapar do peso do dólar e do euro. Creio que o bloco todo se fortaleceria com a entrada não apenas da Argentina, mas com a participação integrada do Mercosul”, explica Souza.

Para muitos especialistas, no entanto, a melhor alternativa seria a flexibilização do Mercosul, a fim de transformá-lo em uma mera área de livre comércio. Há ainda os mais radicais, que defendem a extinção do bloco. Para eles, a obrigatoriedade de um consenso nas negociações conjuntas extrabloco impedem maior participação dos integrantes nas cadeias produtivas globais e nos grandes fluxos comerciais internacionais. Uma justificativa inaceitável, pois o comércio extrablo-co cresceu, nos últimos 15 anos, bem acima do

comércio global. Além do comércio intrabloco que também aumentou acima do crescimento mundial no mesmo período.

Para o Brasil e os demais países, o Mer-cosul proporciona uma vantagem estratégica fundamental. A união aduaneira permite aos seus membros negociar, em condições mais vantajosas das que seriam possíveis obter de forma isolada, sua inserção na globalização desigual.

Assim, a extinção do bloco prejudicaria o desenvolvimento econômico futuro dos países integrantes do Mercosul. A solução para o Brasil e os outros países, seguindo o contexto de crise mundial e regional, seria mais integração com os demais blocos econômicos (BRICS e União Europeia).

Brasil e os EUA – O relacionamento brasileiro e norte-americano é bem diferente dos demais. Atualmente, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, perdendo apenas para a China. O Brasil ocupa a 9ª posição no ranking das direções das exportações norte-americanas, o que significa que somos excelentes compradores do mercado estadunidense.

Atualmente, o Brasil e os Estados Unidos buscam uma reaproximação e uma maior aber-tura comercial. O maior desafio hoje é ampliar nossas exportações para o país que ocupa o lugar de maior economia mundial. Entretanto, nossa relação comercial com o Tio Sam pode ter sido prejudicada, quando, no começo de setembro, a agência internacional de classificação de risco Standard & Poor’s rebaixou a nota do Brasil em sua classificação de crédito.

A nota do país foi rebaixada de ‘BBB-’ para ‘BB+’, com perspectiva negativa, pois perdeu grau de investimento. A agência é a primeira entre as principais a tirar do país o selo de bom pagador. De acordo com Souza, isso é mais um dos reflexos da crise brasileira, “o modelo econômico adotado desde 1990 não permitiu um desenvolvimento autossustentado. Ao contrário, aprofundou a dependência: o país não tem capacidade de investimento e, por isso, precisa atrair capitais externos com juros altos. Além disso, o Estado tem pouca capacidade de intervir, porque a economia está toda entregue ao jogo do mercado.”

Solução da crise – O caminho para solu-cionar esta crise, que repercute inevitavelmente na economia interna e externa do Brasil, seria a mudança do modelo de desenvolvimento. A busca pela autossustentabilidade nacional, investindo na reforma imobiliária urbana, na reforma agrária e na indústria nacional, setores hoje abandonados pelo governo, seria a principal saída.

Em momentos de crise, como o que vi-vemos hoje, os países com menor dependência externa tornam-se mais capazes de atingir melho-res resultados, visto que o seu crescimento sofre menor intervenção dos mercados externos.

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Page 6: Contraponto 100 - Edição Especial

CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por isabela faggiani e leonardo sanchez

governo BrasiLeiro Tem difiCuLdade Para Lidar Com Crises regionais

Apesar da projeção conquistada pelo país, problemas no exterior são tratados com neutralidade

O Brasil em caosCONTRAPONTO

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Durante a Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1985, o Brasil esteve ali-

nhado à vontade estadunidense de contenção do comunismo. Os generais que passaram pelo Exe-cutivo tinham uma ideologia alinhada aos interes-ses norte-americanos e, portanto, o país assumia um papel submisso na política internacional. Com o fim do período de repressão, porém, o Estado brasileiro passou a ganhar espaço e visibilidade no cenário mundial, estes alavancados quando a economia enfim se fortaleceu, a partir da adoção do Plano Real, em 1993.

Quando Luís Inácio Lula da Silva assumiu o Executivo, os olhos do mundo se voltaram de vez para terras tupiniquins. Um líder sindical e antigo operário estava, em primeiro momento, longe de ser o arquétipo de presidente esperado de um país gigantesco como o Brasil. Tê-lo como sucessor de Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo poliglota, que foi professor da USP, era ainda mais chocante. Um contraste jamais imaginado pela elite da Casa Branca ou de Do-wning Street.

O movimento de ascensão do Brasil na política internacional foi, assim, tomando for-ma. Ocasiões como o encontro entre Barack Obama e Lula em 2009, no qual o brasileiro foi chamado de “político mais popular da Terra” pelo presidente estadunidense, e a criação do

G4 ao lado de Alemanha, Índia e Japão, que juntos pleiteiam uma vaga no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), reforçavam essa tendência. Era, então, evidente o peso que as opiniões e atitudes do país tinham ganhado nos anos de democracia. Já não se tratava mais de uma nação submissa, indiferente, mas de uma potência diplomática que emergia gradualmente.

Com a chegada de Dilma Rousseff à presidência, em 2010, esse cenário entrou em crise. Problemas começaram a aparecer com a negligência dada ao Itamaraty e a falta de diálogo com países ricos e emergentes. Os problemas econômicos iniciados ao fim de seu primeiro mandato também se mostraram fatores agra-vantes e o próprio presidente Lula declarou, em fevereiro deste ano, que a “destruição” de seu legado na política externa o incomodava.

Tornou-se frequente, hoje em dia, que o Brasil se cale diante de impasses políticos inter-nacionais. O governo, quando se manifesta, não o faz de maneira sólida e suas relações exteriores acabam enfraquecendo cada vez mais. Enquanto isso, turbulências ocorrem tanto na vizinhança - como é o caso da Venezuela - quanto do outro lado do mundo, vide o crescimento do Estado Islâmico e do Boko Haram no Oriente Médio e na África.

Crimeia – Em 2014, a região da Crimeia, na fronteira entre Rússia e Ucrânia, virou alvo de uma disputa entre os dois países. Enquanto o Kremlin reivindicava o controle da região, o governo ucraniano sofria para conter os ativistas pró-Rússia em seu território. Este cenário culmi-nou na anexação da Crimeia à Federação Russa, não reconhecida por diversas nações e que ainda hoje gera conflitos bélicos e diplomáticos entre os dois lados dessa disputa.

Já em março daquele mesmo ano, o conflito foi levado à ONU, que promoveu uma votação para decidir se a separação do território era ou não uma afronta à soberania ucraniana. Por 100 votos a favor, 11 contra e 58 abstenções, a anexação da Crimeia pela Rússia foi oficialmen-te condenada.

O Brasil, seguindo a tendência de outras nações latino-americanas, mas indo na contramão das potências mundiais, se absteve da votação. Seu embaixador na ONU, Antonio Patriota, limi-tou-se a declarar que o país “apoia todos os esfor-ços por uma solução pacífica da crise”, evitando se pronunciar abertamente sobre o tema.

Uma grande frustração para Rostyslav Tronenko, embaixador ucraniano no Brasil, uma vez que o posicionamento do país ignorou o pedido feito às vésperas da votação. “O governo da Ucrânia apelou ao governo federal e ao Brasil, como parceiro estratégico e membro da ONU, para juntar-se à comunidade internacional para apoiar a independência, soberania e integridade territorial de nosso país no contexto das ações

Dilma Rousseff e o presidente russo, Valdimir Putin, se encontram em Moscou

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“nós nãO sOmOs gOlpisTas nO brasil, nós nãO sOmOs

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países irmãOs.”

(dilma rOusseff sObre a pOsTura de seu gOvernO em relaçãO à crise

na venezuela)

Lula é recebido pelo anfitrião da cúpula da União Africana,

o ditador líbio Muammar Kaddafi, em 2009

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agressivas da Federação Russa contra a Ucrânia”, disse Tronenko à imprensa brasileira.

Tal posicionamento reflete a política de não ingerência em assuntos internos de outros Estados adotada por Dilma Rousseff, que destoa do perfil do governo Lula. O antecessor participa-va ativamente de discussões acerca de impasses internacionais, tendo ajudado, inclusive, na busca por uma solução para a crise nuclear iraniana.

América Latina – Mais recentemente, o Brasil tem mostrado cautela ao se pronunciar sobre a crise – ou a série de crises – que tomou conta do governo venezuelano desde a morte de Hugo Chávez, em 2013.

Não é somente o cenário político que se mostra preocupante no vizinho: sua economia tem sofrido golpes sucessivos com um cresci-mento negativo e uma inflação incerta, mas que é projetada para algo em torno de 150% e 200% em 2015. Junto a isso, a desvalorização da moeda, as dificuldades para a exportação e venda de petróleo e a escassez de produtos, de alimentos a papel higiênico, somente agravam o quadro.

Na área política, o herdeiro de Chávez, Nicolás Maduro, está longe de ter controle so-bre o país. Fraudes eleitorais e a perseguição de adversários políticos são acusações constantes contra o governo, que ainda tem arrumado briga com os vizinhos Guiana e Colômbia por questões de fronteira.

Dilma Rousseff adotou, novamente, uma postura neutra. Em entrevista à DW (Deutsche Welle) Brasil, a presidente afirmou que “nós não somos golpistas no Brasil, nós não somos a favor de interferências e intervenções dentro de países irmãos”, o que resume a política externa adotada desde que chegou ao Planalto.

Criticada pela oposição, a líder do Executi-vo busca, de acordo com especialistas, manter a neutralidade necessária para tornar-se mediadora de uma possível conciliação, tanto entre gover-nistas e oposição, quanto nos casos de tensão entre a Venezuela e seus vizinhos. Até agora, porém, um acordo não parece uma possibilidade e o título de potência regional investido ao Brasil têm sido subutilizado, o que, no mínimo, coloca em cheque sua capacidade para assumir tamanha responsabilidade. Se intervenções e pronuncia-

mentos oficiais poderiam ser equivocados, a abertura para o diálogo tampouco pareceu uma medida plausível para o governo federal.

Oriente Médio – Além de sua localização estratégica, no extremo oeste da Ásia e próximo da Europa e da África Setentrional, o Oriente Médio também possui algo muito importante para o mundo: o petróleo. Essas características fazem do local uma das regiões de maior influ-ência do globo, mesmo sendo também uma das mais instáveis.

Os países do Oriente Médio sempre foram alvo de conflitos, sejam eles de natureza religiosa ou por conta do interesse de outras nações em seus recursos naturais. Nos últimos cinco anos, porém, a região entrou de vez sob os holofotes da mídia internacional. Em 2010, com a erupção da chamada Primavera Árabe, a internet foi inva-dida por protestos e declarações sobre como os governos árabes lidam com seu povo.

Os conflitos que se seguiram nos países árabes possibilitaram a análise de como o go-verno brasileiro lida com essa área, de relevância política, bélica e econômica mundial, principal-mente em relação à Líbia e à Síria, Estados que adentraram guerras civis brutais e abrigam hoje grupos terroristas.

No século XX, o Brasil mantinha relações estáveis com os dois países, mesmo quando houve um isolamento internacional do governo de Muammar Khadafi. Estas relações se solidi-ficaram na era do governo Lula, que chegou a se encontrar com o líder líbio diversas vezes. Os laços que o governo brasileiro mantinha com o governo líbio e sírio provinham de interesses econômicos importantes, e estes se mantiveram após a eleição da presidenta Dilma Rousseff.

Quando as revoltas na Líbia e na Síria alcançaram proporções extremas, o governo de Dilma viu-se entre a cruz e a espada. Ainda mais agravante era o fato de a presidenta ressaltar em seus discursos a importância dos direitos humanos, algo ignorado por ambos os governos árabes.

Em março de 2011, o Brasil foi uma das cinco nações do Conselho de Segurança da ONU a se abster do voto quanto à possibilidade de intervenção militar na Síria. Muitos especialistas alegam que tal ato mostrou que o país, que era membro temporário da organização à época,

ficou “em cima do muro” quanto às guerras civis na região.

Mais recentemente, em 2014, houve a criação do Estado Islâmico no Oriente Médio, disseminado especialmente no Iraque e na Síria. O grupo é visto pela maioria da comunidade internacional como terrorista, pois cometeu diversos ataques contra civis.

Diante do problema, o Itamaraty decidiu adotar uma posição neutra, alegando que é preciso haver um diálogo com os líderes do movi-mento. Tal posição foi rechaçada, pois é evidente que quem está por trás do Estado Islâmico não procura dialogar com os países ocidentais.

Este ano, o governo brasileiro se posicionou contra um ataque do Estado Islâmico em Khan Bani Saad, no Iraque. O Ministério das Relações Exteriores emitiu uma nota oficial na qual dizia que “o governo brasileiro condena veementemente o ataque ocorrido em 17 de julho na cidade de Khan Bani Saad, no Iraque, reivindicado pelo grupo autodenominado ‘Estado Islâmico’, que causou a morte de mais de uma centena de pessoas e deixou quase duzentos feridos.”.

Com a guerra civil e os ataques do Estado Islâmico, muitos cidadãos sírios optaram por sair de seu país natal e procurar abrigo em outras partes do globo. A quantidade de refugiados que deixam a região e pedem asilo político é algo alarmante, que preocupa diversas nações. De acordo com a ONU, é preciso de pelo menos 200 mil vagas de realocação para suprir a necessidade da crise migratória.

A maior parte dos refugiados tenta fugir para a Europa, que é uma região relativamente próxima da Síria. Alguns países europeus, porém, como Grécia, Áustria e Hungria, não se mostram muito receptivos com a chegada dos imigrantes. A xenofobia no continente também tem se ele-vado muito, tornando os destinos europeus não muito convidativos.

O Brasil tem um histórico de acolher refu-giados de diversas partes do mundo. De acordo com o site oficial do Agência da ONU para refu-giados (ACNUR), o país “sempre teve um papel pioneiro e de liderança na proteção internacional dos refugiados”. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que até outubro de 2014 havia mais de 7.200 refugiados vivendo em solo brasileiro.

A posição do país permaneceu a mesma quanto aos sírios. Apesar de ser um destino de mais difícil acesso, o número de sírios que vieram procurar asilo no Brasil ultrapassa o dos Estados Unidos e de países no sul da Europa. O governo brasileiro já acolheu mais de dois mil refugiados desde que a guerra começou, em 2011, e, de acordo com a presidenta, o país ainda pode conceder asilo para mais pessoas.

Com uma política externa que não segue algum tipo de padrão, a neutralidade é o posi-cionamento que predomina no Planalto. Muitas vezes destoando do comportamento objetivo e até mesmo agressivo de outros países quanto a crises regionais ao redor do globo, o Brasil é incessantemente cutucado pela comunidade internacional nos momentos de impasses estran-geiros. Atitudes importantes têm sido tomadas, porém, como é o caso da briga pela participação permanente no Conselho de Segurança da ONU e da boa relação que Dilma mantém com Angela Merkel, chanceler da Alemanha. É preciso en-carar que o Brasil é hoje uma nação de grande influência, mas que, para consolidá-la, precisa mostrar sua voz.

A presidente Dilma Rousseff, a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi e o primeiro-ministro japonês

Shinzo Abe no encontro do G4, em Nova York

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Por Giovanna fabbri e laís martins

O ano de 2015 desiludiu muitos que ainda acreditavam numa suposta

melhoria da economia brasileira. Inflação eleva-da, juros altos, desemprego, recessão, aumento dos impostos, cortes nas políticas sociais, saúde e educação e subida drástica do dólar são ape-nas alguns dos assuntos que, diferentemente de alimentos, não faltam na mesa do brasileiro. As dúvidas e indagações sobre o futuro do Brasil são muitas, mas uma coisa é certa, o país terá de encarar um próximo ano também difícil, já que as perspectivas de mudança para 2016 não são muito animadoras.

De acordo com o professor e economista Flávio Saraiva, entre os anos de 2003 e 2008 o Brasil viveu um ciclo virtuoso, causado por uma combinação de vários elementos positivos. O primeiro deles foi o alto nível de exportações para países como Índia e China, que cresciam muito nesse período. O segundo elemento foi o crescimento geral da economia mundial, o que consequentemente gerou impactos positivos para o país. E o terceiro elemento pode ser resu-mido à situação interna de estabilidade dos seto-res econômicos. Conforme o professor, “todas essas questões associadas ao desenvolvimento de alguns programas do governo petista, como o Bolsa Família, por exemplo, proporcionaram um clima de bastante otimismo”.

Entretanto, a chegada da crise financeira de 2008 obrigou o país a adotar novas medidas de crescimento. Alguns economistas alegam que as consequências da crise de 2008 tenham apa-recido tardiamente para o Brasil. Em vista da boa fase que o país se encontrava em 2008, os efeitos não tiveram aqui o mesmo impacto imediato que tiveram nos Estados Unidos, por exemplo. No entanto, embora tenham batido na porta com certo atraso, os impactos negativos da crise che-garam. “O governo brasileiro respondeu à crise com uma política de incentivo ao consumo e à atividade econômica”, relata Saraiva. Segundo o economista, o país tinha condições de promover essas práticas, porque o setor público estava ajus-tado, “era possível usar os bancos públicos para oferecer créditos consignado, reduzir impostos de automóveis, de materiais de construção e da própria linha branca”, explica.

Apesar de ser um jeito de aquecer a economia e valorizar o câmbio a curto prazo (destaque para curto prazo), depender apenas de situações artificiais geradas pelo crédito e endividamento para sustentar a economia é condenar o país ao suicídio por não incentivar o que realmente enriquece. Essa política de incentivo ao consumo e à atividade econômica pode ser benéfica, quando empregada como política de curto prazo e de caráter paliativo. Sustentar a economia de um país nesses pilares é definitivamente uma medida arriscada e que nos encaminhou para estagnação.

Conforme ressalta Ciro Marino, Presiden-te do Conselho de Administração da indústria Cristal Pigmentos do Brasil SA, “a adição de valor na economia é criada apenas na indústria.

e agora, José?Perspectivas, previsões e pouca luz no fim do túnel

da economia brasileira

Se esta não vai bem, no médio e longo prazos nenhum outro setor tampouco irá. Assim, Servi-ços, Comércio, etc., estão intimamente ligados e dependem do bom comportamento do setor industrial”.

O Brasil vive justamente o esgotamento desse modelo, uma vez que não há verba o suficiente para financiar o crédito; além do fim dos ciclos das commodities, ocorrido em função de uma piora do desempenho econômico de parceiros comerciais brasileiros.

Ademais, o país passa por uma fase pro-blemática de questão política, já que a interlocu-ção do governo com a sociedade e com os outros poderes torna-se cada vez mais complicada.

Ações do governo – Sem fôlego para sustentar o crédito, os programas sociais e a inflação elevada, o governo adotou a medida ortodoxa de ajuste fiscal (na teoria, aumentar os juros para conter a demanda) como principal saída para conter a inflação. Conforme o CEO, “por ter aumentando exponencialmente a dívida pública, tanto interna quanto externa, o governo fica à mercê da inflação e da alta taxa de juros justamente porque é o setor que mais busca empréstimos no mercado”.

Essa solução não se mostra somente falha, na medida em que a inflação continua alta e cres-cendo a cada dia, mas como irracional, visto que na prática não há demanda no mercado e a eco-nomia continua em baixa. Economistas estimam que o ano de 2015 terá a maior alta generalizada de preços em 13 anos. A estimativa é que ao final do ano, a inflação esteja em 9,32%. Em 2014, a inflação fechou o ano em 6,41%.

Além disso, o número de desemprego cresce, tendo em vista que não há qualquer es-tímulo ao setor industrial. Mesmo com políticas arrecadatórias especiais criadas recentemente e com a desvalorização cambial (impulsionada pela queda drástica do consumo e do crescimento do país), ainda há muitos obstáculos impostos a esse setor. Atrelado ao enfraquecimento do setor industrial nacional, observa-se que o país é cada vez menos convidativo e atrativo para que grandes indústrias internacionais estabeleçam-se aqui. Vir ao Brasil é quase como um investimento que não compensa o risco.

De acordo com Marino, questões como o peso da carga e complexidade tributários, custos trabalhistas, custos das energias, ineficiência da infraestrutura, taxa de câmbio exorbitante e custos de logística são apenas alguns dos mui-

O Brasil em caosCONTRAPONTO

Taxa de Desemprego

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tos problemas que acentuam a assimetria de competitividade entre a indústria nacional e a estrangeira, “além de todas essas questões, ainda há a questão da taxa de juros, que está entre uma das mais altas do mundo”, completa.

Ainda segundo o CEO, a queda da ativi-dade econômica causa não só o desemprego, mas compromete o volume de negócios e, por consequência, reduz os impostos arreca-dados, “o governo não gera riqueza, apenas despesas que são cobertas pelos impostos – se o cobertor fica curto, apela-se aos bancos e novas pressões sobre a taxa de juros e inflação ocorrem”, explica.

A queda no setor industrial e a falta de competitividade tem causado também a perda da rentabilidade e o apetite por novos investimentos e, ainda, em muitos casos, o fechamento de empresas - não é à toa que a cotação do dólar esteja a mais alta em 21 anos, chegando a mais de quatro reais em menos de três meses. “Após uma década, a indústria nacional emerge proporcionalmente menor do que era, enquanto que a de impor-tados seguiu crescendo acima do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto)” completa o industrial.

Índice Nacional (de inflação) de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)

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Diante de todas essas dificuldades, o governo recorrente (PT) se mostrou insuficiente, incapaz e continua seguindo na contramão de sua ideologia justamente por elaborar uma pro-posta que seja favorável somente aos bancos e que prejudica ainda mais aqueles que mais precisariam da assistência do Estado e da con-fiabilidade e rentabilidade do setor industrial. Conforme o economista Saraiva, “a insatisfação surge, porque afinal de contas havia uma política que de certa forma procurava acolher o cidadão, com créditos e redução de tarifa de energia, e tudo isso agora se reverteu muito rápido, numa proporção muito grande”.

Previsões e perspectivas – Não há uma bola de cristal para fazer as previsões com per-feição, mas de fato esse ano já está mais do que perdido e 2016 chegará bastante comprometido. Este é o quarto mês consecutivo de queda do PIB, ou seja, o país entrou em recessão e a previsão é de que nos próximos seis ou oito meses o PIB continue caindo. De acordo com o Relatório Trimestral de Inflação divulgado pelo Banco Cen-tral no dia 24 de setembro, o PIB nacional deve diminuir 2,7% em 2015. No relatório anterior, a estimativa de retração era de 1,1%.

De fato, é preciso urgentemente que o governo melhore sua interlocução com todos os setores da sociedade para transparecer as expectativas, discutir os problemas e propor solu-ções. Não por coincidência, em agosto, inúmeros empresários e diretores executivos agendaram diretamente uma reunião com o vice-presidente do país, Michel Temer, para finalmente ouvir algumas respostas.

Segundo o economista Saraiva, diante desse clima extremamente negativo, a melhor saí-da seria o país viver um novo ciclo de crescimento baseado na infraestrutura, que é uma atividade que gera renda e emprego e atua em cima de um dos nossos maiores problemas. “Num clima de recessão, os problemas de infraestrutura apa-recem menos, porque se produz menos. Porém esse problema precisa ser visto com urgência, uma vez que aumenta custos e ajuda a subir a inflação”, comenta o professor.

Já para Marino, em função desses inúme-ros cortes nos gastos governamentais, o país en-trará naturalmente num ciclo de recuperação e, lentamente, a indústria voltará a ser competitiva e no médio prazo, as exportações irão crescer.

PIB versus Dívida Bruta

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por Gabriel soares

Primeiro de Janeiro de 2015. Começa-va nesse dia o segundo mandato da

presidente Dilma Rousseff. Vencedora da eleição mais apertada da história dos presidenciáveis no Brasil – apenas 3 pontos percentuais de diferen-ça para o tucano Aécio Neves mantiveram-na no planalto – a presidente tinha em suas mãos um país que já vinha sofrendo um processo de revoltas e debates acerca das lideranças, tendo em vista os diversos protestos ocorridos durante seu primeiro mandato, revelando uma efervescência política já em 2013. Uma crise, talvez anunciada.

Hoje, quase um ano depois de sua reelei-ção, o governo só acumula problemas. Presidente com a menor taxa de aprovação da história, Dilma tem de enfrentar a perda do apoio do Congresso Nacional, em que ambas as casas se desgastaram com a mandatária, além do baque econômico que o país sofreu nesse ano, anunciando crescimento negativo para o país e déficit público também para 2016. O aumento no número de desempregados, que já passa de 8% da população economicamente ativa e cortes em programas assistencialistas são também outros pontos que tornam a crise no país cada vez mais grave e sem precedentes.

Para o Jornalista e professor Hamilton Octavio de Souza, especialista em política e eco-nomia, muito da crise deve-se a uma mudança de postura do governo atual, que modificou seu discurso nesse mandato, perdendo apoio da base aliada, “na medida que a popularidade dela caiu, o pessoal da base também caiu fora, porque 90% da população não apoia a Dilma, e os aliados pensam no seu futuro político, não querendo estar associados a alguém que desgas-ta sua imagem política”.

Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da câmara dos deputados, e atualmente sob inves-tigação por corrupção e lavagem de dinheiro, rompeu de vez com a presidente Dilma e virou inimigo número um da administração. Incendian-do cada vez mais o cenário político, o deputado faz questão de votar as chamadas pautas bomba, que são projetos de lei que podem impactar as contas públicas, dificultando a redução de gastos e vetando cortes do governo, impedindo que a meta fiscal seja atingida.

Souza ainda fala sobre a dificuldade que a presidente enfrenta no cargo, “ela começou em janeiro e até agora não governou. A base de sustentação dela está desabando, o desgaste dela é muito grande, ela está com a popularidade baixa, e a questão é saber se ela vai permanecer até o final do mandato ou não. Aparentemente é difícil ela recuperar o prestígio porque ela fez uma campanha com um tipo de proposta, um tipo de promessa e mudou completamente, o que desmoraliza qualquer político”.

Impopular – O povo está tendo papel fundamental para pressionar a presidente. Descontente com a economia, e o acúmulo de problemas como o aumento de preços puxada

PresidenTa CerCada de inimigos

“Governo de poucos amigos” se atrapalha e desestabiliza país que vive profunda crise político-econômica

pela alta do dólar e o desemprego, a população tomou as ruas das principais capitais do país como forma de protesto contra a presidente. Foram três protestos, nos meses de março e junho, deflagrando de vez o descontenta-mento populacional em relação as medidas adotadas nessa segunda administração de Dilma Rousseff.

Em pesquisa realizada pelo instituto Data-folha divulgada em agosto pelo jornal Folha de S. Paulo, foram revelados os seguintes percentuais sobre como os eleitores avaliam o governo da presidente Dilma Rousseff: Ótimo ou bom são 8%, seguido de 20% que consideram o mandato regular e quem acha a administração ruim ou péssima chega a 71% dos entrevistados – no histórico de pesquisas nacionais de avaliação presidencial do Datafolha, a atual taxa de re-provação da presidente da República (71%) é a pior da história da pesquisa, superando os 68% de “ruim” e “péssimo” registrados pelo ex-pre-sidente Fernando Collor de Mello em setembro de 1992.

Wesley Valesi é garçom e desaprova total-mente as atitudes da presidente, para ele “uma pessoa que nem sequer sabe discursar e não tem preparo algum, nem deveria ser presidente”. O

paulistano de 23 anos conta que a crise chegou no restaurante onde trabalha, pois as vendas caíram e alguns de seus colegas foram demitidos. “É duro, porque ainda tem mais três anos. Ela afetou diretamente nosso dia a dia e atrapalha muito o país. Fica difícil quando é dado poder a quem não tem preparo. E não estou falando só da Dilma, mas de todos que se aproveitam do poder e governam apenas para si próprios”, disse Valesi.

Em meio a opiniões sensatas contra ou a favor da presidente, há uma série de discursos de ódio para demonstrar a desaprovação. Durante os protestos ocorridos ao longo do ano, pôde-se ver grupos que pediam a morte da presidente, vendo em Dilma a fonte de todos os problemas do país e espelhando um radicalismo que vai desde pedidos de intervenção militar até o assassinato da mandatária.

Economia – Se o governo não conseguir cumprir a meta de superávit primário, que é o resultado positivo de todas as receitas e despe-sas do governo, excetuando gastos com paga-mento de juros, a crise pode se agravar com o aumento da inflação e a queda da confiança do mercado.

O Brasil em caosCONTRAPONTO

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Dilma e Cunha, o soberbo A presidente e Blatter, o corrupto

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

“há mOmenTOs nas crises que impõem a avaliaçãO da impOrTância dO que esTá em jOgO. vale mais O desTinO de

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(ediTOrial jOrnal naciOnal, 7/08/15)

Na contramão dos cortes orçamentá-rios propostos por Dilma, o Congresso segue aprovando medidas que custam aos cofres públicos. O Ministério do Planejamento, por exemplo, divulgou nota afirmando que será de R$ 9,9 bilhões o impacto fiscal do conjunto das PECs (propostas de emenda constitucio-nal) que vinculam a remuneração de carreiras do Executivo ao salário de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). Por 445 votos a favor e 16 contra, foi aprovada a PEC 443-09 que vincula os salários de advogados públicos e delegados de polícia à remuneração dos ministros do STF, que é R$ 33,7 mil. A medida cria por si só um impacto de R$ 2,4 bilhões ao ano no orçamento da União, e essa é só uma das inúmeras pautas bomba propostas pelo Congresso Nacional.

Enquanto isso, o governo tenta adiar a votação das suas contas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), prejudicadas pelas pedaladas fiscais aplicadas afim de manter o país funcionando. As pedaladas, são medidas paliativas, que se valem de recursos de bancos públicos (Caixa Econômica, BNDES, Banco do Brasil), para pagar contas atrasadas do país, desrespeitado pela administração pública

federal. “Tem um monte de ações feitas pelo governo que são ilegais, o que pode acontecer é o TCU reprovar essas ilegalidades e isso será mandado para a câmara, por isso o governo tem que recompor a base no congresso. Se não recompuser a base, a maioria dos votos, o congresso pode abrir um processo de Impe-achment contra ela, tendo em vista que é um crime de responsabilidade”, afirma Souza.

Imprensa – “Há momentos durante as crises que impõem a avaliação da importância do que está em jogo. Os fatos das últimas semanas revelam as evidências do desmo-ronamento da já fissurada base parlamentar do governo e indicam que se chegou a uma bifurcação: vale mais o destino de políticos proeminentes ou a estabilidade institucional do país?”. Foi assim que a Rede Globo, por meio de um editorial, defendeu a governabi-lidade da presidente Dilma. O trecho, lido ao vivo no “Jornal Nacional”, telejornal de maior audiência no país, questiona o futuro do país em relação a estabilidade, e faz críticas a Edu-ardo Cunha e seus aliados no congresso, que estão usando o contribuinte como muleta nas aprovações de gastos cada vez maiores.

O jornal ainda continua, “é preciso entender que a crise política, enquanto cor-rói a capacidade de governar do Planalto, turbina a crise econômica, por degradar as expectativas e paralisar o Executivo. Dessa forma, a nota de risco do Brasil irá mesmo para abaixo do ‘grau de investimento’, com todas as implicações previsíveis: redução de inves-timentos externos, diretos e para aplicações financeiras; portanto, maiores desvalorizações cambiais, cujo resultado será novo choque de inflação. Logo, a recessão tenderá a ser mais longa, bem como, em decorrência, o ciclo de desemprego e queda de renda. Tudo isso deveria aproximar os políticos responsáveis de todos os partidos para dar condições de governabilidade ao Planalto”.

A decisão da Globo surpreendeu ao assumir essa postura, tendo em vista que historicamente a emissora é oposição ao governo PT. Porém, essa posição torna-se compreensível na medida que a governabi-lidade, palavra destacada no editorial, seja de interesse comum à população, e a Globo também perderia com um país quebrado po-lítica e economicamente.

Contudo apesar de sensato, o editorial da Globo foi um fato raro no cenário da grande imprensa brasileira. Embora algumas medidas do governo vão de acordo com os interesses da grande mídia, seus principais veículos não deixam de atacar a presidente durante suas edi-ções, sejam diárias, semanais ou mensais. “Fica a contradição, porque a imprensa apoia o modelo econômico, que é Neoliberalista ao favorecer os bancos, cortar gastos públicos e privilegiar a grande burguesia nacional, e esse governo apoia tudo isso.”

“O que acontece é que com essa perda da credibilidade e confiabilidade, a grande mídia ajuda a desgastar mais o governo, pegando as propostas mais identificadas com o PT e com a esquerda, batendo nisso”, destacada Souza. Em outras palavras, a imprensa é “esquizofrênica”, atingindo a quem convém, e poupando seus aliados, como Cunha, que não foi destaque em nenhuma das três principais revistas de política em circulação pelo fato de estar sendo denun-ciado e a ponto de ser cassado.

População – Enquanto o governo en-contra-se perdido, boa parte da população está à margem desses problemas, principalmente as classes mais pobres, que ficam à mercê de mandatários perdidos e, no fim, acabam pa-gando a conta. “Esse modelo desenvolvimen-tista, iniciado no final dos anos 80, não trouxe mudanças significativas no ponto de vista de mudar a estrutura social de tal maneira que você tenha uma sociedade mais equilibrada, ou seja, as desigualdades continuam presentes, a exclusão é permanente. Há uma situação de déficit em várias questões como moradia, saúde, educação. Problemas graves que vem sendo protelados a serem resolvidos a muito tempo”, comenta o professor.

Ex-guerrilheira, Dilma Rousseff lutou ativamente contra a Ditadura Militar e foi presa e perseguida. Hoje a presidente em seu segundo mandato, enfrenta uma perse-guição política por conta de algumas de suas escolhas. O país segue um período em que os conflitos devem se proliferar em uma crise que é enfrentada com uma abordagem errônea.

Fernando Haddad e mulher, Dilma Rousseff, Lula e Marise

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por fernanda Gütschow e Ghilherme Prado

há aLgo de Podre no JeiTinho BrasiLeiroA corrupção, a “grande inimiga”, não nasceu às margens plácidas do Ipiranga, não vive apenas aqui e nem por aqui se aposentará

Comprar a carteira de motorista, as-sinar a lista de presença pelo colega

que faltou, furar fila, andar pelo acostamento, cobrir a placa no radar, falsificar o RG, sonegar impostos, subornar o policial porque vai ser “só dessa vez”, colar na prova e falsificar carteira de estudante são atos rotineiros e tratados com naturalidade dentro da sociedade brasileira. Porém, ironicamente, são as mesmas pessoas que os fazem que vão às ruas para lutar contra a corrupção política do governo. “Brasília não é um mundo paralelo colonizado por extraterrestres, é um espelho da nossa sociedade”, diz o historia-dor Leandro Karnal. Usa-se a desculpa de que a corrupção faz parte da história do Brasil desde o descobrimento para afastar esse pecado dos cidadãos, acalmando assim nossa consciência. Afinal de contas, a corrupção está na genética do brasileiro, não é mesmo?

“Corrupção” vem do latim corruptio e significa ação ou efeito de corromper; decom-posição, putrefação, depravação, desmoraliza-ção, devassidão, sedução e suborno são seus sinônimos. Etimologicamente, a palavra vem da adesão da partícula “co” (mutualmente) à palavra “ruptus” (romper, quebrar), indicando que, onde quer que exista coletividade e plurali-dade, provavelmente haverá corrupção. “O mais inquietante é que da mesma origem latina vem a palavra “rota”, através de “ruptura”, que virou rupta no latim vulgar, um caminho aberto ou batido, e que está na origem do francês route, de “rota” e de “rotina”. Quer dizer, há poucas esperanças de a corrupção deixar de ser uma rotina no Brasil. Até a etimologia está contra nós”, escreve Luis Fernando Veríssimo, em seu famoso texto Etimológicas.

Na Grécia Antiga, os regimes de governo eram discutidos por pensadores que utilizavam o termo ligado à ideia de putrefação do corpo político. De um modo geral, a corrupção pode ser explicada como o abuso de poder para ganhos privados e pode ser classificada em: grande, pe-quena e política. A grande corrupção é a distor-ção de políticas e funcionamentos do Estado, em altos níveis de governo, para benefício próprio. A pequena é feita por funcionários públicos de níveis mais baixos em suas interações com a so-ciedade, para o acesso a bens e serviços básicos em hospitais, escolas, departamentos de polícia e afins. A corrupção política é a manipulação de leis, instituições, recursos e financiamentos pelos políticos que, dessa forma, buscam sustentar seu poder, status e riqueza.

O congressista americano Francis Un-derwood, do seriado House of Cards, é um exemplo da ficção que ultrapassa as telas e mostra como a corrupção está totalmente ligada ao poder - social ou político - e a vontade de obtê-lo. O personagem passa por cima dos inte-resses públicos na busca da manutenção de seu status, mostrando que o país mais desenvolvido do mundo também tem seus corruptores. “De fato, a corrupção não é “privilégio” do brasileiro

e muito menos está em seu DNA”, diz o consul-tor da organização Transparência Internacional, Bruno Brandão.

Historicamente – A corrupção faz parte da formação da sociedade brasileira, sim. Se-gundo Raymundo Faoro, em sua obra Os Donos do Poder, a nossa política é resultado da política adotada por Portugal na época da colonização. Seu rei era, ao mesmo tempo, governante e senhor feudal. O reino era administrado por sua característica de “governante”, mas as decisões que tomava eram baseadas em suas vontades pessoais, como se fosse o “senhor feudal” de Portugal. Sendo o colonizador do Brasil, tais práticas como o clientelismo - troca de favores entre quem detém o poder e quem vota - e o patrimonialismo - falta de distinção entre o que é público e o que é privado - não teriam como estar de fora da nossa sociedade.

Como a metrópole estava muito longe, o território do Brasil foi dividido em grandes faixas e repartido entre donatários nobres que possuíam relação de confiança com a Coroa portuguesa. Esse sistema ficou conhecido como “capitanias hereditárias” e, assim, a política das sesmarias - lotes de terras incultas cedidas aos novos povoadores – foi inserida. Quem recebia as terras se tornava dependente do donatário e esse se tornava ainda mais poderoso.

Além desses fatos, há também a política dos governadores. O presidente do país não interferia nos assuntos de âmbito estadual e os governadores estaduais, em troca, davam apoio político a ele. Porém, esse sistema só fun-cionava com a ajuda do coronelismo, presente sobretudo no Nordeste – quem se negasse a votar no candidato indicado pelo coronel,

sofria perseguições e violências. Os poderes locais se fortaleceram às custas dos interesses públicos e, até hoje, é possível encontrar os resquícios das famílias oligárquicas nos esta-dos brasileiros. A corrupção é, desta maneira, explicável, mas não justificável.

Em Raízes do Brasil, de 1936, Sérgio Buarque de Holanda já dizia que a escolha dos homens que irão exercer funções públicas se faz de acordo com a confiança pessoal de que merecem os candidatos, e não de acordo com suas capacidades próprias. Quase 80 anos depois, o método de escolha dos candidatos feito pelo brasileiro não mudou.

A extensão da vida privada ainda se dá na política. As relações criadas no ambiente doméstico servem de modelo para outras composições sociais. Existe um traço de emo-tividade nas relações, ponto considerado por muitos estrangeiros como positivo. Somos “homens cordiais”, segundo o escritor e jor-nalista paulistano. Esse homem (no sentido de “humano”) é caracterizado pelo bom trato, pela hospitalidade e generosidade. Esse desejo do caráter brasileiro em estabelecer intimidade permanece ativo, tendo como influência o con-vívio humano, dado no meio rural e patriarcal. Contudo, esse jeito natural se tornou uma fór-mula para conquista: “Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas sua sensibilidade e suas emoções. Armado dessa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social”.

Os 21 anos de ditadura militar que o Brasil enfrentou foram o contrário da transparência. Com a imprensa censurada – se não há imprensa, não há destaque – o cenário político ficou sem fiscalização, assim propenso ao crime e a favo-

O Brasil em caosCONTRAPONTO

“versar sObre a cOrrupçãO (dOs OuTrOs) fOi e é um Tema pOpular”

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

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recimentos pessoais. Como dizia o historiador italiano Norberto Bobbio: “o escândalo é apenas a corrupção que vem a público”.

Brasil e a corrupção – A ONG Trans-parência Internacional, que tem como objeti-vo combater a corrupção em âmbito global, divulga anualmente o Índice de Percepção da Corrupção, com base em pesquisas de organizações e entrevistas com jornalistas, acadêmicos e diplomatas, para avaliar o grau de percepção da corrupção de 175 países. A pontuação é dada de zero (totalmente corrup-to) a 100 (nada corrupto).

Ano passado, o Brasil figurou na 69º po-sição, com 43 pontos, juntamente com Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Suazilândia. Mesmo nenhum país alcançando o patamar de extremamente limpo, a Dinamarca apresentou 92 pontos dignos de uma liderança. O país da famosa frase shakespeariana “há algo de podre no reino da Dinamarca” perde seu espaço, dei-xando-o livre para outros países, como o Brasil, lidarem com a podridão.

A reação dos brasileiros frente à corrupção é de bipolaridade: há a face da indignação, que a cada novo escândalo se revolta e vai às ruas (ou às sacadas bater panela); e a da conivência cínica e passiva com pessoas ou empresas que fazem parte de acordos e se beneficiam deles. Esse jeito de adolescente produz uma imagem de distância, como se existissem mais de uma pessoa: nós, povo honesto, e eles, políticos corruptos.

O “Brasil corrupto” é composto por “pessoas do mal”, atrasadas, “do qual não faço parte”, como diz Karnal. Esse lugar – muito mais próximo do que se imagina – serve para colocar as ações corruptas da sociedade geral em segundo

plano. “Versar sobre a corrupção (dos outros) foi e é um tema popular”, conta o professor de História da PUC-SP, Alberto Schneider. Para ele: “Falar tão somente de corrupção serve também para que certos setores desqualifiquem o Estado, preservando seus interesses privados”.

O professor considera que assuntos como política econômica, energética e ambiental; a política de educação, ciência e tecnologia; a de saúde pública; e a desigualdade social ficam em segundo plano frente a enorme exploração da mídia sobre o assunto aqui discutido. “O país pre-cisa reformar o sistema tributário (reduzindo os impostos que incidem sobre o consumo popular e a produção, aumentando os impostos sobre a propriedade, a especulação financeira e o consu-mo de luxo), o que se relaciona com a lógica da desigualdade. Escolher um assunto para ocupar a cena pública já é uma escolha. Poderíamos, com boas razões, escolher as péssimas condições educacionais para nos escandalizar”.

Schneider explica o porquê da corrupção estar no centro do debate público: em primeiro lugar, porque ela existe e deve ser informada. O estranho é que, em boa parte, apenas o que ocorre em âmbito federal é noticiado, descon-siderando os desvios nos estados e municípios; em segundo, pois é de interesse público, princi-palmente para os setores mais conservadores e moralistas, como a classe média.

Ele lamenta ainda que grandes jornais “tenham renunciado à tarefa de pensar o país e suas questões históricas, reduzindo suas pautas jornalísticas quase que exclusivamente à corrup-ção –; e em terceiro, porque é papel dela manipu-lar certas informações. Muitas vezes, as próprias empresas de comunicação estão envolvidas em casos que viram destaque.

Responsabilidade compartilhada – Todos participam de um jogo. Por mais que muito ocorra dentro da lei, a cultura dos privi-légios impera, frustrando qualquer tentativa de denúncia. O maior exemplo disso é a imunidade parlamentar. “É preciso fortalecer e reformar órgãos de controle, tais como os Tribunais de Conta e as controladorias, assim como o Poder Judiciário”, argumenta Bruno Brandão. Um dos problemas desses TCs é que a maioria de seus conselheiros são indicados por deputados. Por-tanto, muitas vezes, ex-políticos estão lá julgando aliados e inimigos.

A República Federativa do Brasil é governada por três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. “É o Judiciário que decide, afinal, se haverá ou não impunidade” acredita a professora de Ciência Política da USP, Maria Teresa Sadek. A corrupção que ocorre nesses poderes, principalmente no Executivo, é apenas a ponta do iceberg.

Nosso “jeitinho brasileiro” terá menos espaço na sociedade a partir do momento em que as instituições forem mais transparentes e eficientes. A corrupção não começou nem vai acabar no Brasil. Não começou com um partido político e nem tão pouco vai acabar em um. Se assim fosse, o problema estaria solucionado e a história poderia acabar com o famoso “felizes para sempre”.

“de faTO, a cOrrupçãO nãO é “privilégiO” dO brasileirO e

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da OrganizaçãO Transparência inTernaciOnal)

Financiamento de campanhas eleitorais Um dos maiores meios de corrupção é o financiamento de campanhas políticas, conhecida como

corrupção legal ou corrupção institucional. Os doadores têm o poder de paralisar qualquer projeto de lei que fira seus interesses e, até esse ano, tal ato não era visto como ilegal.

“Não existe doação de campanha. São empréstimos a serem cobrados posteriormente, com juros altos, dos beneficiários das contribuições quando no exercício do cargo”, disse o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa. Candidatos e partidos menores que não recebem tantas doações tendem a ficar ofuscados pelas grandes produções de políticos melhor financiados.

Qualquer entidade que procura diminuir os desvios concorda que é necessário reduzir as contri-buições privadas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defende a total eliminação delas, além da redução nos gastos das campanhas. Em 17 de setembro de 2015, foi aprovada a lei que declara como inconstitucional as doações de empresas às campanhas eleitorais. Doações de pessoas físicas, no entanto, não foram proibidas. Segundo o Supremo Tribunal Federal, cada pessoa pode doar com até 10% de seu rendimento.

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por maria eduarda Gulman e manoella smith

Tão Longe é o refúgioGraças a políticas governamentais insuficientes, estrangeiros em

situação de risco encontram dificuldades para sobreviver no Brasil

Por mim, eu voltaria amanhã. Mas não posso.” Formado em Direito na Repú-

blica Democrática do Congo, Pitchou teve uma adolescência complicada quando aos 15 anos foi recrutado por uma das facções em luta de seu país em decorrência da guerra civil que têm raízes em um genocídio na Ruanda, ocorrido em 1994, que domina e divide a nação. Pitchou deixou sua terra natal e sua família para buscar, em São Pau-lo, uma vida mais digna em um país com língua, cultura, clima e inúmeras outras características diferentes do que estava acostumado.

A Convenção de Refugiados de 1951, convocada pela ONU, determinou que refugiado é um indivíduo que teme ser perseguido por mo-tivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, tanto fora quanto dentro do país de sua nacionalidade. Os violentos conflitos como na República Democrática do Congo, e nos países do Oriente Médio, além também de tensões no Haiti provocadas pela extrema miséria causada por devastações (como o terremoto de 2010), forçaram seus nativos a encontrar outra nação. Todavia, nenhum refugiado tem sequer o poder de escolha de seu destino. A maioria de-pende de viagens clandestinas em navios durante meses para escapar. Em situações de guerra civil, como a que Pitchou vivenciou, a escolha é entre ser recrutado à força, morrer, ou fugir e sobrevi-ver, mesmo em situação de precariedade. Assim, os refugiados não se deslocam por escolha, mas por emergência.

Pitchou Luambo é apenas um dos cerca de 7.200 refugiados de mais de 70 nacionali-dades diferentes que chegaram ao Brasil desde o início dos conflitos. Contudo, a propensão de ampliar a abertura do país para receber indivíduos nessa situação é recente. Durante a ditadura militar, o país restringia ao máximo a possibilidade de acolhida aos refugiados e per-mitia que o território brasileiro fosse apenas um “território de transição”, ou seja, os refugiados eram aceitos somente para reassentamento em outro país. Em 1982, o Brasil reconheceu ofi-cialmente o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) como uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) e organi-zação com o objetivo de agir como uma rede de proteção para os indivíduos nessa situação.

Após a redemocratização, o país assumiu o compromisso internacional de fornecer prote-ção a refugiados que buscam sua integração e sustento. E somente em 1997 é que o Brasil de-senvolveu uma lei específica sobre a questão do refúgio, estabelecendo regime jurídico nacional para o tratamento do tema e institucionalizando funções, órgãos e procedimentos específicos para a acolhida dos refugiados. Para que uma pessoa seja registrada como refugiado, ela deve, ao chegar em território nacional, procurar as auto-ridades federais e apresentar o pedido do refúgio - que é enviado para o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Isso irá gerar um protocolo que permitirá, temporariamente, a permanência

do solicitante no país, garantindo-lhe, em tese, o direito ao trabalho, ao acesso aos serviços públi-cos de saúde e educação e a livre circulação pelo território brasileiro. A legislação também assegu-ra acesso a assistência jurídica gratuita a todas as pessoas que não tenham condições financeiras de contratar um advogado particular.

Devido a essa legislação de acomodação e proteção do país, o Brasil está se destacando no cenário internacional quando o assunto é refúgio, por ser consequentemente o destino de alguns refugiados. É um Estado onde há uma maior tolerância em relação às diferenças religiosas, políticas, étnicas – onde não há uma política de perseguição a certos grupos como é o caso de muitos países de origem desses indivíduos que buscam uma nova nação para se estabelecer.

Infelizmente, a ausência de políticas pú-blicas sociais eficientes do país também afeta a questão migratória e, na prática, a legislação de amparo aos refugiados não se mostra muito eficiente. O processo de emissão dos documentos funciona razoavelmente bem, mas o governo não dá a devida atenção a questões essencias como auxílio financeiro, integração (ensino do idioma português) e de moradia. Há uma carên-cia enorme no fornecimento das necessidades imediatas.

Muitos são os refugiados que trabalham em áreas diferentes das que trabalhavam em seu

país. Por exemplo, Alphonse Nyembo, jornalista congolês que dá aulas de inglês no projeto “Abraço Cultural”. “Quando eu cheguei aqui no Brasil, eu tinha que começar uma vida nova, estudar de novo, porque lá eu era estudante de jornalismo, mas não terminei. Eu tive que co-meçar uma outra faculdade aqui no Brasil, que é tecnologia e mecatrônica”, explica Nyembo. Além disso, muitos estrangeiros estão trabalhan-do como mão de obra barata na construção civil e venda de comidas típicas caseiras, enquanto os que já sabem falar português dão aula de inglês, espanhol, francês ou até mesmo árabe para brasileiros.

Apesar de o governo brasileiro prestar assistência ao refugiado com seu documento de identidade e de carteira de trabalho, muitos começam do zero quando aterrissam em terras brasileiras. A rejeição em algumas áreas do mercado de trabalho é enorme por “não terem experiência”, ou “não terem um passado na área”, já que muito do histórico profissional obtido no país de origem não é reconhecido em solo brasileiro.

Como reflexo desta situação, muitos estrangeiros acabam aderindo a empregos infor-mais e precários. Nos últimos meses, por exem-plo, foram descobertos vários casos de haitianos resgatados em condições de trabalho análogas à escravidão em São Paulo. Uma oficina de cos-

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Mohamed e Taim são palestinos que vivem na Ocupação Leila Khaled, no centro de São Paulo

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Sala e cozinha de um dos andares da Ocupação Leila Khaled

tura no bairro do Brás mantinha 14 pessoas que trabalhavam em situação degradante, cumprindo jornadas de até 15 horas diárias, dormindo no mesmo lugar em que trabalhavam e chegavam, inclusive, a ser privados de alimentação.

O haitiano Fedo Bacourt emocionou os presentes no “Ato pelos refugiados na Europa e no Mediterrâneo” que aconteceu no último mês na Universidade de São Paulo (USP), ao revelar a situação em que os haitianos se encontram no Brasil. “Vivemos pior que cachorro. É uma miséria para todos os imigrantes aqui no Brasil. 75% [dos haitianos] querem voltar, porque aqui não tem vida”, e continuou sua fala, “por favor, abram as portas para essas pessoas que não têm condições de viverem em seus países”. Fedo ter-minou seu discurso sendo aplaudido de pé por todos no auditório.

Além disso, com todo esse movimento migratório é preciso fornecer auxílio para a in-tegração social uma vez que o choque cultural é inevitável. Alphonse Nyembo relata também como foi difícil a sua adaptação no novo país, “quando cheguei aqui em 2012 era muito difícil, porque tinha que aprender a língua. Fiquei mais de seis meses em casa aprendendo o português”. O refugiado necessita da am-pliação de políticas públicas de amparo para se sentir seguro durante o processo de inserção na sociedade.

De acordo com o Acnur, o número de refugiados no Brasil praticamente dobrou desde 2010 enquanto, nesse mesmo período, não foi cedida nenhuma casa de acolhimento. Logo, uma das saídas encontradas pelos refugiados é ocupar edifícios e casas abandonadas e fazerem delas sua casa provisória. Como é o caso da ocu-pação Leila Khaled - nome este em homenagem a militante israelense da Frente Popular para a Libertação da Palestina e membro do Conselho Nacional Palestiniano, sendo uma das poucas mulheres árabes envolvidas em atividades de guerrilha.

Localizada no bairro da Liberdade e com o apoio do movimento Terra Livre e o Movimento Palestina para Todos, a ocupação abriga hoje cerca de 150 pessoas. A grande parte dos moradores é palestina e que, devido ao contexto de conflito bélico em seu país, moravam em campos de re-fugiados na Síria. É um quadro que fere a própria identidade de um povo: gerações de famílias palestinas são obrigadas a viver longe de seu país e de sua cultura até que são forçadas a ir para um país ainda mais distante e com um ambiente cultural ainda mais diferente, como o Brasil.

O edifício é composto por 10 andares, sendo a distribuição dos espaços feita por família, com cada cômodo acomodando cerca de duas a três. Há, também, uma sala em comum no primeiro andar que serve como um ambiente de

Palestino preparando pão sírio em jantar preparado pelos refugiados

Trocas de culturas por meio de um abraço

“Quando cheguei aqui no Brasil, eu tinha que começar uma vida nova, estudar de novo, porque lá eu era estudante de jornalismo, mas não terminei. Como não deu certo, eu tive que começar outra faculdade aqui no Brasil, que foi tecnologia e mecatrônica”, explica Alphonse Nyembo, outro refugiado congolês que vive em São Paulo. Pelo mesmo motivo que Pitchou Luambo, Alphonse está a três anos no Brasil onde leciona no projeto “Abraço Cultural”, em Perdizes.

Ministrado por refugiados, a ideia do projeto surgiu há um ano e meio em que as ONGs Adus e Atados resolveram organizar a “Copa dos Refugiados”. Lá, perceberam o potencial das pessoas envolvidas e pensaram o que poderiam fazer para aproveitar essa mão de obra.

Ele tem como objetivo central promover a troca de experiências e culturas entre professores e alunos, além do aprendizado de diversos idiomas, dos quais inglês, árabe, espanhol e francês estão incluídos, como explica Alphonse: “esse projeto era um meio de se aproximar do povo brasileiro, para entender o que é o imigrante, o que é o refugiado”, termos estes muito equivocados pelos brasileiros, e completa: “tentamos compartilhar de tudo. Essa escola foi criada para tentar quebrar essa barreira”.

confraternização para reuniões, debates, festas e eventos. Alguns moradores estão preparando suas comidas típicas para vender para os brasi-leiros e ajudar na renda mensal. As regiões do Brás, Liberdade e Santa Cecília possuem grande concentração refugiados, onde alguns conse-guiram trocar as ocupações pelo aluguel de um apartamento para dividi-lo com mais pessoas.

Com o aumento alarmante destes grupos que são obrigados a buscar refúgio em outros países, percebe-se que o mundo está passando pela “maior crise humanitária do mundo pós Segunda Guerra Mundial”, de acordo com a ONU. Justamente, o que está acontecendo com os refugiados nos últimos meses não é passageiro e tem que ser visto como algo emergencial em que toda a população mundial precisa prestar solidariedade.

Não se trata de uma crise, pois não há perspectivas para os nativos do Oriente Médio, do Haiti e também da África, que estão diante de um quadro sistêmico e fragmentado. O Brasil precisa abandonar a passividade em relação a causa, implementando uma política mais ativa por parte do governo, trazendo os refugiados diretamente das zonas de conflito para, em razão de questão humanitária, não somente atendê-los quando chegam em solo brasileiro e fazem a solicitação de refúgio.

Um dos cômodos da Ocupação Leila Khaled

Mohamed, refugiado palestino

Refugiado palestino

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por Julia Bulbov e Julia fregonese

sus sofre CoLaPsoEntre médicos “videntes” e longas filas de espera, o sistema prossegue

trôpego com uma cobertura deficiente e problemas de gestão

A Crise – A falta de dinheiro para o SUS é histórica e vem de longe. Desde seu

início, nenhum governo garantiu financiamento necessário para a universalização da saúde pú-blica. Revolucionário em sua origem, o Sistema Único de Saúde (SUS) está hoje limitado pela pressão de cortes imediatos, cobertura deficiente e problemas sérios de gestão.

A Constituição de 1988, conhecida como “a Constituição do Povo”, previu que a saúde é um direito universal e um dever do Estado, que deveria garantir tal direito por meio de políticas sociais e econômicas. O SUS nasceu desse funda-mento de que todos os brasileiros deveriam ter acesso igualitário a um atendimento médico de qualidade e gratuito. No entanto, a realidade se mostrou diferente do papel.

O Sistema Único de Saúde é financiado por recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A União contribui com o valor empenhado no exercício financeiro prévio, acrescido do percentual da variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior. Os Estados e o Distrito Federal aplicam 12% da arrecadação de impostos, e os Municípios 15% da mesma.

A grande expansão do sistema privado de saúde, aliada a falhas operacionais do SUS e aos evidentes empecilhos de gestão compõem a atual situação da saúde pública no Brasil. Esses fatores se agravam ainda mais com a carência de novas fontes de recursos, a má regulação do Estado e a falta de médicos em vários hospitais, que acabam sobrecarregando os outros profissio-nais de plantão, causando um mau atendimento e aumentando as filas.

Por conta da crise econômica que assola o país, a pressão por corte nos gastos do go-verno cresce cada vez mais. A nova redução do

orçamento faz parte de medidas divulgadas em julho para tentar garantir o cumprimento da nova meta fiscal. Com isso, a área da saúde sofreu uma tesourada de R$1,18 bilhão, um dos ministérios mais afetados.

Um estudo divulgado pelo Conselho Fe-deral de Medicina, em 2014, mostra que 93% dos eleitores brasileiros consideram o serviço de saúde do país, tanto público quanto privado, como péssimo, ruim ou regular. Entre os usuários do SUS a taxa de insatisfação é de 87%.

Amanda Souza, de 21 anos, usuária do Hospital do Servidor Municipal Vergueiro, relata que o tratamento dado pela maioria dos médicos é insatisfatório e deixa muito a desejar. Ela conta que inúmeras vezes foi atendida por médicos que nem sequer a examinaram. Ironicamente ela diz que eram médicos “videntes”, pois passavam a receita dos remédios sem nem mesmo olhar para ela.

Uma das principais queixas em relação ao SUS é o tempo levado para o usuário ser atendi-do. Segundo o estudo do Conselho Federal de Medicina, 30% dos entrevistados estão na fila de espera da rede pública de saúde ou possuem algum familiar nessa situação. Das pessoas que aguardam atendimento, 29% esperam há pelo menos seis meses e apenas 20% afirmam ter conseguido o serviço em menos de um mês após o pedido de consulta, exame ou cirurgia.

Outro alvo de insatisfação dos usuários é o atendimento de urgência e emergência. Sete em cada dez pessoas que buscaram esses ser-viços nos últimos dois anos os avaliaram como péssimo, ruim ou regular.

Roseli Cardoso, 35, também usuária do SUS, relata ter levado sua mãe, que estava com diverticulite, ao pronto socorro do Hospital Santa

Cecília. Entretanto, apesar da urgência elas fica-ram mais de 6 horas na fila e só foram atendidas, porque Roseli, indignada, se exaltou e causou um escândalo. Desde esse episódio, a usuária passou a pagar um convênio para sua mãe e, mesmo assim, relata ter muitos problemas no atendimento do convênio.

Por outro lado, os brasileiros consideram que é fácil conseguir serviços como a distribuição de remédios gratuitos e atendimento em postos de saúde. Ainda de acordo com o levantamento, mais da metade dos brasileiros (57%) considera que a saúde deveria ser tema prioritário nas ações do governo federal.

As péssimas condições de atendimento médico, recursos e infraestrutura acabam pro-vocando um êxodo de utilitários do SUS para os planos de saúde, alguns fazendo sacrifícios financeiros para obter maior segurança. Assim temos uma vulnerabilidade da população brasi-leira em relação às seguradoras em contraste ao decaimento do sistema público de saúde.

O problema, no entanto, não é particular do Brasil. O National Health System (NHS) da Inglaterra, que supostamente inspirou a criação do SUS, também está passando por uma crise. No caso do país europeu, o sistema público de saúde é utilizado pela quase totalidade da população britânica, sendo raros os planos de saúde. O desafio encontrado pelo NHS é como lidar com doenças de longo prazo, que atingem idosos principalmente, uma vez que a sua principal função seria tratar de infecções. Assim, os gastos dos hospitais têm sido cada vez maiores.

Em meio às eleições britânicas, os princi-pais partidos políticos divergem quanto à solução para a saúde. Os Conservadores desejam envolver mais empresas, privatizando parte dos setores do

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O pronto socorro, que deveria atender de forma rápida e eficiente, acumula filas e se torna um dos principais motivos de reclamação dos

usuários do SUS

Page 17: Contraponto 100 - Edição Especial

1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

NHS. Já os Trabalhistas pedem por uma diminui-ção de empresas privadas na saúde.

Outras saídas – De acordo com as nor-mas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras de planos privados de as-sistência à saúde devem restituir as despesas do Sistema Único de Saúde no eventual atendimento de seus beneficiários na rede pública. Em maio desse ano, a ANS ampliou o ressarcimento com a cobrança das operadoras por procedimento de média e alta complexidade, prevendo um aumento de 149%.

Haveria também cobrança de juros sobre os valores que devem ser reembolsados a partir da notificação enviada à operadora, quando antes a cobrança era feita após o processo de avaliação do ressarcimento. Assim, o atraso do pagamento das operadoras seria menor. Até en-tão, apenas a internação era ressarcida. A partir da implementação dessa medida, procedimentos como hemodiálises e quimioterapias passaram a ser cobrados.

Mais Médicos – Em fevereiro de 2014, o Conselho Nacional de Educação apresentou a proposta de que 30% da carga horária de alunos de medicina deveriam ser cumpridas em estágio no SUS. Essa reformulação das diretrizes dos cursos de Medicina foi motivada pela lei que implementou o programa Mais Médicos, com a intenção de aumentar o número de médicos na rede pública. Atualmente, o Brasil possui em média 2 médicos para cada mil brasileiros, o que é considerado um bom número. Porém, o principal

problema é a distribuição desses profissionais. Em fevereiro de 2013, uma pesquisa divul-

gada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) revelou uma situação de profunda desigualdade de médicos pelo território brasileiro. De acordo com o levantamento, enquanto regiões como a Sudeste possuiam 2,67 médicos com registro ativo no CFM a cada mil habitantes, a região Norte apresentava apenas 1,01 médico para mil pessoas.

A desigualdade fica ainda mais explícita ao se comparar as capitais. Cidades como Porto Alegre e Rio de Janeiro tinham, respectivamente, 8,73 e 6,18 médicos para mil habitantes, en-quanto Rio Branco apresentava 1,91 e Macapá 1,38.

Segundo o estudo, as principais causas dessa desigualdade eram a falta de faculdades como as de Medicina, Odontologia e Enferma-gem em cidades que estão distantes dos centros de formação de profissionais; e a dificuldade em contratar médicos, pois quanto mais difícil é o acesso à saúde, maiores se tornam os salários dos médicos e o custo da saúde pública.

Como tentativa de ampliar o acesso à saúde e reduzir a profunda desigualdade na dis-tribuição de médicos pelo território, o Governo Federal apresentou em julho de 2013 o programa Mais Médicos. O programa foi instituído por meio de uma medida provisória assinada pela presidente Dilma Rousseff, e regulamentado por portaria conjunta dos Ministérios da Saúde e da Educação.

O programa permitiu a vinda de profissio-nais estrangeiros e de brasileiros que se formaram

no exterior sem a necessidade de revalidação do diploma. Na época, o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, defendeu que a vinda de profissionais de saúde formados no exterior era nada menos que um “tabu”, destacando que na Inglaterra 37% dos médicos eram formados fora e nos EUA 25%, enquanto no Brasil o índice era de 1,79%.

Com dois anos de existência e 18,2 mil profissionais inscritos, o programa Mais Médicos alcança 4.058 cidades e 34 distritos indígenas, com impacto sobre 63 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. A defasagem de médicos nas regiões longe dos centros urbanos diminuiu significativamente. Entretanto, o pro-grama está longe de ser uma solução definitiva. Para reduzir a dependência dos estrangeiros, que hoje representam 70% da força de trabalho no programa, o governo decidiu criar 11.447 novas vagas em cursos de medicina até 2017, das quais 5,3 mil já foram autorizadas, a maior parte delas em instituições privadas.

A proposta, para muitos, é controversa. As entidades da área de saúde acusam o gover-no de promover uma expansão indiscriminada das faculdades, em locais com infraestrutura inadequada, por exemplo, colocando em risco a qualidade da formação médica. Além disso, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Escolas Médicas decidiram criar um modelo próprio de avaliação dos cursos da área, independente daquele que já é adotado pelo governo; e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) promete ingressar na Justiça contra a abertura dos novos cursos.

Um levantamento feito pelo Grupo de Opinião Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que os usuários do Mais Médicos, em uma escala de 0 a 10, dão nota média de 9 ao programa, ressaltando o bom atendimento dos médicos estrangeiros. Para a pesquisa foram entrevistadas mais de 14 mil pessoas em 700 municípios brasileiros entre novembro e dezembro de 2014.

Entre os usuários ouvidos pela pesquisa, mais da metade (55%) deu nota máxima ao programa, sendo que 89% dos entrevistados deram nota de 7 a 10, 5% avaliaram o programa com notas de 4 a 6 e 1% deu nota de zero a 3. Outros 5% não souberam responder.

A pesquisa mostrou que os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) reclamam de acesso a medicamentos, atraso na marcação de consultas e demora para ser atendido, entretanto o atendimento por parte dos médicos é o dife-rencial na boa avaliação do programa.

Atualmente o programa atende 24,6% da população brasileira e tem apresentado re-sultados importantes nos indicadores de saúde de municípios socialmente vulneráveis. Segundo o ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro, 91 mil internações por mês foram evitadas, sem a ne-cessidade de ocupar leitos hospitalares.

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“Agenda Brasil”No dia 10 de agosto desse ano, o presidente do senado Renan Calheiros encaminhou ao Planalto

a chamada “Agenda Brasil”, que contém 28 medidas para superar a atual crise econômica. Entre estas, “Avaliar a possibilidade de cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda. Considerar as faixas de renda do IRPF”. Isso significa que o atendimento médico na rede pública po-deria ser cobrado para os pacientes “ricos”. O Sistema Único de Saúde foi criado com a intenção de ser gratuito e universal, independentemente de classe social. Cobrar pelo atendimento seria romper com seu fundamento principal. Além disso, a possibilidade de se criar atendimentos diferenciados, que se estruturariam de acordo com a classe social do paciente, é muito grande. Ou seja, isso criaria uma dupla porta de entrada para o serviço público de saúde, uma de qualidade para aqueles com maior poder aquisitivo e outro de má qualidade, para aqueles com menor.

Mesmo os hospitais públicos localizados em áreas nobres, como o Hospital do Servidor Público Municipal, são afetados pela crise

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por andré vieira, rafael Paiva, rafael santos e talitha arruda

um ProJeTo eduCaCionaL Para Todos?Desmonte das escolas públicas, descaso com os alunos e professores e a mercantilização do ensino são alguns sintomas da doença que

assola o país há décadas

A educação representa, sobretudo para parâmetros iluministas e racionais, um

processo de aprimoramento individual e coletivo, de partilha e de aprendizado, e exerce um papel essencial ao transmitir valores e conhecimentos humanos, fundamentais para interpretar a so-ciedade e o tempo histórico em que estamos inseridos. É por advento dela, em teoria, que alunos, de todas as etnias e classes sociais, apren-dem mais sobre o meio em que vivem, de onde vieram, quais oportunidades futuras os esperam e, principalmente, os mecanismos de convivência em sociedade. Ela é, em suma, a garantia de uma melhora circunstancial na vida de todos. No entanto, nem todos compactuam com essa definição racional e idealista de educação, uma vez que, para muitos, ela é apenas uma etapa necessária no contexto de formação do indivíduo para o mercado de trabalho, um requisito básico para a captação do jovem para sua entrada no mercado.

No Brasil, o ensino é representado por três tipos distintos de instituições: escolas públicas municipais, estaduais e federais, instituições pri-vadas e colégios filantrópicos. Elas representam três métodos distintos de se pensar a educação no Brasil que refletem não apenas modos al-ternativos, mas sim, maneiras diferentes de se abordar a educação na vida de milhões de alu-nos. Mesmo assim, segundo o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) existem grandes disparidades entres os modelos de educação disponíveis no Brasil mediante os resultados apresentados nos testes.

O Brasil ocupa, somando todas as formas de ensino, a posição 66º entre os 75 países que participam anualmente do exame PISA. No en-tanto, se apenas considerarmos o ensino privado brasileiro, sua posição subiria para 18º e, ainda, se tivéssemos apenas como parâmetro a educação de cunho federal o posto do Brasil subiria para 7º no ranking.

No Enem, o mesmo fenômeno se repete com as escolas públicas ocupando, majoritaria-mente, as piores posições, enquanto as institui-ções federais e privadas conquistam os mais altos índices.

Uma das principais causas desse sucate-amento do ensino público se dá, muitas vezes, pela falta de recursos disponíveis pelos colégios e o desinteresse dos alunos pela forma como o conteúdo é apresentado por professores mal pagos e formulado por incompetentes projetos pedagógicos e secretarias de ensino. Outro fator essencial para o descaso encontrado na maioria das escolas brasileiras foi, sem dúvida, a criação de um sistema de favorecimento de escolas tra-dicionais e privadas de acesso ao ensino superior, mais conhecido como vestibular.

Os paradoxos do vestibular – O exame que, inicialmente, apenas beneficiava alunos de escolas célebres do Rio de Janeiro, acabou en-globando, em universidades públicas, os demais

alunos de instituições municipais e estaduais em um sistema igualitário de ingresso em faculda-des. No entanto, a partir de um determinado momento, era impossível inserir todos os alunos nas faculdades, de modo que, em 1911, foram criados testes de aptidão para “selecionar” aqueles que eram mais “aptos” a fazer parte do mundo acadêmico. Esses testes eram, e ainda são, de extrema dificuldade e demandavam do aluno muito do conteúdo aprendido na escola, fazendo com que os estudantes buscassem tuto-res e professores especiais para melhor prepará-los para as provas.

Conforme a demanda de alunos pelos “professores especiais” foi crescendo e a dificul-dade desses testes aumentando, houve a criação de pequenas escolas que preparavam melhor o aluno para vestibulares – os denominados “cur-sinhos”. Contudo, essas instituições, com grossas apostilas e métodos ortodoxos e mecânicos de ensino, tinham apenas o objetivo de fazer o aluno passar na prova, deixando à margem todo o pra-zer e toda necessidade de se entender a essência dos conteúdos. Dessa forma, o cursinho tomou uma importância muito maior que a escola de base pública, uma vez que expandia o leque de oportunidades do indivíduo no campo do traba-lho e de suas relações sociais.

A preparação para o vestibular tem uma importância fundamental. Vale a pena destacar

que, para variar, as instituições privadas levam imensa vantagem perante um amplo número de colégios públicos, haja vista que muitas delas, como já fora explicado nos parágrafos anteriores, possuem artifícios voltados majoritariamente para essa finalidade. A disparidade atual entre uma boa parte das escolas públicas e privadas é a prova tangível da existência de um dos princípios que rege o sistema capitalista: “quem quer bons serviços, deve pagar por eles”.

A esperança dos alunos oriundos de escola pública, além da persistência necessária para enfrentar todos os percalços existentes em seus respectivos colégios, encontra-se, muitas vezes nos cursinhos populares. O problema, no entanto, é que há poucos com qualidade com-provada e eles estão localizados somente nos grandes centros, como é o caso do Cursinho do DCE da Unicamp, do Cursinho Pré-vestibular do Centro Acadêmico da FEA (USP) e do Cursinho Popular Cardume (desenvolvido pela UNIFESP da Baixada Santista).

É evidente que a imensa popularidade dos cursinhos se deve à precariedade do sistema de ensino. A aprendizagem e a formação crítica são elementos indispensáveis para a formação plena de um indivíduo em sociedade. Um Esta-do somente se desenvolve a partir do momento em que seus formadores se tornam capazes de perceber as mazelas e procurar soluções.

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Ranking nacional das notas do Enem de

2014

“é precisO que haja um ensinO que aprOxime mais alunOs e prOfessOres e que as relações inTerpessOais fluem

melhOr pOr meiO de escOlas menOres, cOm classes fOrmadas pOr menOs alunOs (...)”

(sandra bernard, prOfessOra da puc-sp)

Gráfico das notas das escolas no ano de 2013 segundo Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo)

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

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De acordo com Sandra Machado Lunardi Marques, professora da faculdade de educação dos cursos licenciatura e pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o cursinho é “uma casa de transição, um conserto, ‘primeiros socorros’, cujo vínculo é conseguir um bom resul-tado. Fora que comprova que está errado tudo o que vem antes”. Já para a conselheira da Apeo-esp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo), Maria Izabel Cunha Nascimento Heitor, 51, “o problema está na pouca oferta de vagas de qualidade no ensino superior”.

Políticas sociais – Com o intuito de promover a inclusão dos estudantes de escolas públicas no ensino superior público e gratuito, o Governo Federal, em 2012, aprovou a lei que disponibiliza 50% das vagas das universidades federais aos estudantes oriundos da rede pública de ensino.

Metade das cotas, ou seja 25%, são desti-nadas a estudantes negros, pardos e indígenas de acordo com a população de cada estado da po-pulação, levando em conta estatísticas recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Os concorrentes têm que obrigatoriamen-te ter cursado todo o ensino médio em escolas da rede pública de ensino. A meta do governo é, até 2016, fornecer 56 mil vagas para alunos da rede pública de ensino.

O Enem é o exame que abrange a maior parte das universidades públicas do Brasil e pos-sibilita os estudantes a concorrerem a bolsas de estudos nas universidades privadas, por meio do Programa Universidade Para Todos (PROUNI). Para a estudante da rede pública de ensino, Bea-triz Oliveira, 16, “o PROUNI é um programa muito bom, já que nem todos têm condições de pagar uma faculdade. Então entra o governo com essa ajuda financeira para formação superior”.

Apesar da implantação das ações afirma-tivas para estudantes da rede pública de ensino nas universidades federais, o Estado de São Paulo caminha em marcha lenta para aumentar a inclusão de negros, pardos e indígenas no meio acadêmico. A Universidade de São Paulo (USP) fornece bônus para estudantes que fizeram o ensino fundamental e o ensino médio na rede pública e estejam cursando o penúltimo ou o último ano do ensino médio – tais alunos podem receber bonificação de até 15% na primeira fase do teste. Candidatos que se declaram negros, pardos ou indígenas recebem bônus de 5%. Em contrapartida, a USP não reserva vagas para tais por meio do teste aplicado pela FUVEST (Funda-ção Universitária para o Vestibular).

Notas do Enem nas redes públicas e

privadas – Em relação as notas do Exame Na-cional do Ensino Médio de 2014, o Inep (Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão que prepara o exame, divulgou o resultado de 15.640 colégios. Mais uma vez os colégios particulares paulistas estão entre os melhores do país. Das cem escolas com maiores médias, 29 são de São Paulo e todas com as mesmas carac-terísticas: privadas e com quantidade reduzida de alunos por sala, menos de 90 alunos no último ano do ensino médio.

Na média, entre 2013 e 2014, as escolas privadas de São Paulo aumentaram 2,5 pontos, alcançando a média de 655,32. No ranking de todos os colégios do país, as paulistas ficaram na 5º posição, atrás do Distrito Federal e de Minas Gerais, que lideram o índice. O Colégio Objetivo Integrado – instituição privada localizada na re-gião central da cidade de São Paulo – é o primeiro colocado dentre todas as regiões brasileiras, com média de 742,96. Sabe-se, contudo, que apenas 42 alunos fizeram a prova, quantidade muito baixa em relação a outras escolas. A equipe do jornal Contraponto entrou em contato com o colégio para conversar sobre o alto índice de aprovação, porém não foi respondido.

A segunda colocada, escola cearense Farias Brito, alcançou a segunda melhor nota do país e segue o mesmo molde do Objetivo Inte-grado, reúne poucos estudantes, mas todos com boas notas para fazerem o Exame Nacional e, mesmo com menos alunos, conseguem elevar a nota da média e subir de posição no Ranking.

No que diz respeito à rede pública, com escolas estaduais, federais e municipais, as mé-dias das instituições também cresceram em 2014, registrando o total de 563,48 pontos (quase 92 pontos a menos que as privadas) e a disparidade entre elas, em porcentagem, é de 10,6%. A me-lhor escola controlada pela Secretária Estadual é a Professor Eduardo Velho Filho, localizada em Bauru, no 457º lugar. Já as técnicas (sem vínculo com a Secretária Estadual da Educação) lideram o Ranking.

Soluções – Por fim, para se alcançar uma educação de qualidade é preciso ultrapassar barreiras óbvias que criam um impacto negativo imenso na formação crítica dos alunos. Para tal mudança ocorrer, o esforço coletivo entre insti-tuições, professores, governo e alunos é impres-cindível – já que cada um tem função relevante na grande máquina chamada educação e são interdependentes

A precariedade do modelo educacional é visível. Sua funcionalidade, se é que houve de fato, tornou-se obsoleta e o ensino no Brasil precisa ser revisto o quanto antes, pois se cami-nha, todos os dias, para uma mercantilização e mecanização dos alunos.

Desse modo, como afirma a professora Sandra Bernard, “é preciso que haja um ensino que aproxime mais alunos e professores e que as relações interpessoais fluem melhor por meio de escolas menores, com classes formadas por menos alunos, em um formato quadricular e mais aberto, para evitar o fundão. É preciso também um equilíbrio entre passado e tecno-logia ao atrelar procedimentos clássicos, como leitura, conhecimento cientifico sólido com a tecnologia”.

Nota-se, enfim, que é necessário uma reconfiguração geral em todos os âmbitos edu-cacionais, de modo que o governo invista devi-damente na área, pois a base para um cidadão reflexivo e analítico é a educação.

Debate sobre discussão de gênero nas escolas divide opiniões

É preciso discutir identidade de gênero e sexualidade nas escolas

Cada vez mais a sociedade evolui e avança em diversas áreas, no entanto, o retrocesso continua em constante crescimento na área da educação brasileira. Nos mais variados sentidos, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas para que haja uma educação justa, de qualidade e, essen-cialmente, que abranja todas as discussões necessárias para a formação de um indivíduo crítico e distante de qualquer preconceito.

O assunto ganhou caráter público quando, em junho de 2014, foi determinado o prazo de um ano para que estados e municípios estabelecessem metas e estratégias no Plano Nacional da Edu-cação (PND) para os próximos dez anos. Porém, em 2015, o trecho que trata da questão de gênero nas escolas brasileiras foi barrado do PND pela Câmara dos Deputados – que aprovou o texto base do projeto, retirando referências e expressões relacionadas à ‘identidade de gênero’, ‘orientação sexual‘ e ‘sexualidade’ – e, a partir de agora, cabe a cada município, de forma individual, legislar sobre o assunto.

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por eduardo Gayer e Pedro Prata

a Lei das TerCeirizações PreCariza o TraBaLho

Câmara aprova projeto que retira mais direitos ao passo que movimentos lutam contra o desmantelamento da CLT

AConsolidação das Leis Trabalhistas (CLT) promulgada em 1943 pelo

presidente Getúlio Vargas é considerada um dos maiores avanços nos direitos sociais trabalhistas no Brasil, já que regularizou benefícios como fé-rias anuais, jornada de trabalho semanal, licença maternidade etc.

Sabendo do seu caráter protecionista, é possível entender a agitação entre os movimentos sociais quando a Câmara dos Deputados, liderada por Eduardo Cunha (PMDB/RJ), aprovou o projeto de lei 4330/2004 que regulariza a terceirização e possibilita sua ampliação para as atividades-fim de uma empresa. Cunha e empresários afirmam que a nova lei traria maior geração de empregos; já os movimentos sociais preveem a precarização do mercado de trabalho e consideram o projeto de lei um ataque à CLT.

Terceirização – Afinal, quem são os terceirizados? São mais de 13 milhões de brasi-leiros empregados nas atividades-meio de uma empresa, por exemplo, na área de manutenção. A terceirização ocorre quando uma empresa contrata outra para fornecer mão de obra para um determinado serviço. Para a advogada Fabíola Marques, professora de Direito do Trabalho da PUC-SP, a terceirização é uma realidade à qual não podemos fugir. “A terceirização tem uma óti-ma vantagem, que é justamente a especialização de um determinado serviço. Você repassa uma determinada área da empresa para pessoas que só sabem fazer aquilo, e você pode se dedicar ao seu negócio principal. Então a terceirização é fundamental hoje, até para a evolução da socie-dade. E pro próprio crescimento do capital e das empresas. Negar a terceirização para qualquer situação, ao meu ver, é uma hipótese equivocada. O que não pode haver é precarização”.

Atualmente, não há lei que regulamente a terceirização. Existe apenas um entendimento que é a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Para a professora da PUC-SP, essa súmula “é boa, pois permite a terceirização não em qualquer situação, mas só nas atividades-meio, o que protege o trabalhador”. Porém, na prática tal situação não regulamentada faz com que os trabalhadores diretos acabem tendo condições trabalhistas desiguais em relação aos trabalhadores terceirizados. Um levantamento feito pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e pela Dieese em 2010 apontou que estes aca-bam recebendo 27% menos que trabalhadores diretos, além de, muitas vezes, não contarem com os mesmos serviços.

Contradições – O Presidente da Federa-ção das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, é um dos principais defensores do PL da terceirização. Em seus pronunciamentos, defende que essa alteração na legislação estimu-laria a geração de empregos, uma vez que traria maior competitividade para o mercado. Além disso, Skaf argumenta que a regulamentação do trabalho terceirizado forneceria maior segu-

rança jurídica, o que incentivaria as empresas a contratarem mais.

Críticos à lei das terceirizações, como a CUT ou partidos políticos como PT, PSOL e PCdoB, por sua vez, insistem que a aparente regulamentação levaria a precarização e feriria uma série de garantias constitucionais, como o princípio da isonomia (já que trabalhadores de uma mesma função poderiam ganhar salários diferentes) e o impedimento de retrocesso (in-clusive em direitos trabalhistas).

Segundo a opinião da Fabíola Marques, o PL precariza as relações de trabalho e pode enfraquecer os sindicatos: “Permitir terceirização em qualquer tipo de atividade pode sim preca-rizar, porque limita-se a força que os sindicatos demoraram tanto pra conquistar. A empresa que tem uma determinada atividade está sujeita a um sindicato, que fiscaliza, que dá as garantias mí-nimas para os trabalhadores daquela categoria. E a categoria é determinada de acordo com a atividade principal da empresa. A partir do mo-mento em que se transfere determinados postos de trabalho para outro empregador, deixa-se de pagar os valores devidos para aqueles trabalha-dores de acordo com o tal sindicato”.

Imagine a seguinte situação: em uma empresa metalúrgica todos os funcionários, até os administrativos, têm seus direitos garantidos pelo sindicato dos metalúrgicos. Se essa empresa transfere todos da limpeza para outra especiali-zada, eles não mais correspondem ao sindicato da metalurgia, mas sim ao de serviços gerais e de limpeza. Assim, os direitos desses trabalhadores são menores. Logo, a precarização está aí. “Você consegue diluir a responsabilidade e dizer que

na prática aquele sindicato será responsável por apenas um grupo menor de trabalhadores”.

Outra questão muito levantada pelos mo-vimentos sociais é que a terceirização ampliada às atividades-fim de uma empresa poderia burlar a irredutibilidade de salários, garantia constitu-cional, em vista de que uma empresa poderia demitir para contratar por intermédio de outra prestadora. Esse ponto, no entanto, é contesta-do em partes pela advogada entrevistada pelo Contraponto: “nas empresas sérias, demitir para contratar terceiros muitas vezes não vale a pena por conta do pagamento de verbas recisórias e indenizações. Não acredito, então, que isso vai acontecer. Mas, como nem sempre a gente tem só boas empresas, é lógico que quem puder redu-zir custos em um momento de crise, fará isso.”

Outros países – A flexibilização da legis-

lação trabalhista em nome da modernização das relações empregatícias já foi tema de cenários políticos de outros países. O México, em 2012, regulamentou no país a “subcontratação” (de-finição de terceirização no local). Dados oficiais do país dizem que 16% dos empregados locais trabalham no esquema de subcontratação, o que é o dobro em relação ao índice anterior à reforma na legislação trabalhista. Nesse contexto, o banco mexicano Bancomer preferiu transferir quase a totalidade de seus funcionários para relação ter-ceirizada, eximindo-se de suas responsabilidades trabalhistas. Este caso emblemático revela que a flexibilização de leis pode abrir brechas legais para a redução de direito se permitir a precari-zação do trabalho.

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Deputados do PT, PCdoB e PSOL fazem protesto contra a

aprovação da PL 4330

“permiTir TerceirizaçãO em qualquer TipO de aTividade pOde sim precarizar, pOrque limiTa-se a fOrça que Os sindicaTOs

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CUT: liderança na defesa dos direitos dos trabalhadores

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por João abel e Yoanna dimitrios

a JuvenTude ganha as ruas

Manifestações influenciam a política e a cultura nacional

Com a revolução tecnológica dos meios de comunicação, em especial a partir

do século XX, a juventude do mundo passou a atuar de forma mais intensa no campo político e ganhou voz. No Brasil, vários momentos da história nacional tiveram efetiva participação da juventude: a Revolução de 1932, a luta contra a Ditadura, as Diretas Já, as Jornadas de Junho e tantos outros acontecimentos.

Um passo decisivo para o início da atuação política juvenil no país foi a criação da União Na-cional dos Estudantes (UNE), durante a década de 1930. A própria criação da UNE tem a ver com uma mudança da estrutura social, econômica e política do país. O Brasil era cada vez menos uma nação de regiões relativamente separadas e avançava no sentido de tornar-se um país mais integrado.

Anos mais tarde, com a queda do regime democrático, em 1964, os estudantes passaram a atuar firmemente contra a ditadura. Além do caráter geral da luta política, existiu uma reação contra os planos do novo regime no campo específico da educação. Além disso, os estudantes lutaram em defesa de suas entidades representativas, pois foi decretada a ilegalidade da UNE, das Uniões de Estudantes dos Estados e dos Diretórios Acadêmicos. Os números ex-põem com clareza o quanto a participação do jovem foi maciça durante o período ditatorial: entre todos os membros da esquerda armada que chegaram a ser processados, cerca de 50% tinham até 25 anos.

Século XXI e as redes sociais – Com o fim da ditadura, o Brasil passou por uma abertura política e uma recuperação econômica, fazendo com que o jovem nascido na década de 1990, por exemplo, pudesse crescer em um ambiente mais democrático e com maior combate aos problemas sociais. A juventude, no entanto, não deixou de reivindicar seu direito e, no ponto mais alto de sua atuação nos últimos anos, gerou as Jornadas de Junho de 2013. As manifestações, que no início foram encabeçados pelo Movimento Passe Livre em São Paulo, protestavam contra o aumento da passagem nos transportes públicos.

Aos poucos, a mobilização passou a aten-der outras ordens como o combate à corrupção, além da luta por saúde, segurança, moradia e educação. O resultado foi um movimento gigantesco, em especial no dia 20 de junho, quando milhões de pessoas saíram às ruas em todo o Brasil e até mesmo tomaram a cobertura do Congresso Nacional em Brasília.

O saldo dos movimentos de 2013 foi tão impactante que diversos teóricos, inclusive de outras nacionalidades, como David Harvey, Mike Davis e Slavoj Zizek, dentre outros brasileiros, escreveram artigos que fazem parte da coletânea “Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifesta-ções que tomaram as ruas do Brasil”.

“[...] ‘Ah, mas esses jovens que resolve-ram, de uma hora para outra, questionar como a vida se organizava antes de eles nascerem são

muito novos para entender como tudo funcio-na’. Não, não são. Já perceberam o que significa ordem, hierarquia e tradição – e não gostaram. Até porque esses são os valores de uma civi-lização representada por fuzis, colheitadeiras, motosserras, terno e paletó, que, mais cedo ou mais tarde, terá de mudar. Este não é o mundo, tampouco a política, que muitos deles querem. [...]”, analisou, na obra, Leonardo Sakamoto, jornalista e professor da PUC-SP.

Com jovens líderes, uma das caracterís-ticas principais das manifestações foi o uso das redes sociais. O Twitter e o Facebook foram ferramentas fundamentais para a troca de ideias entre os participantes e o agendamento de novas ações, o que particularidade que também pôde ser notada em outros grupos ao redor do mundo, como a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, dos EUA, o Indignados, da Espanha, e outras manifestações políticas.

Movimentos atuais – Atualmente, os movimentos jovens continuam a influenciar não só questões políticas como muitos assuntos de ordem sociocultural. Um dos principais grupos contra hegemônicos, formado essencialmente por estudantes universitários, o Movimento RUA – Juventude Anticapitalista, além de militar por causas políticas e econômicas, possui frentes feministas, ambientalistas, antiproibicionista e em defesa de negros e LGBTs.

Outro ponto pelo qual a organização luta é a democratização das mídias. “Queremos meios de comunicação populares e plurais. É por meio da TV, do rádio e dos grandes jornais que se difundem as ideias hegemônicas que perpetuam a desigual-dade e a opressão, impondo uma cultura sobre as outras! Os 50 anos da Rede Globo merecem ser DEScomemorados! Lutamos para acabar com os grandes monopólios da mídia corporativa!”, afirma o ‘RUA’, em uma de suas teses.

Os erros do governo petista e a ascensão de uma classe média conservadora também tem feito emergir uma juventude com ideais mais rea-cionários e fortemente nacionalistas. Com o lema “Juntos seremos mais livres”, o Movimento Brasil Livre é um dos principais pilares dos protestos pró-Impeachment da presidente Dilma, liderado por três jovens: Kim Kataguiri, Renan Santos e Fernando Holiday. Apesar de se declararem apar-tidários, o grupo tem clara postura antipestista e já estiveram, em diversos momentos, ligados a políticos da oposição.

“Acreditamos em uma imprensa livre e independente, sem verbas ou regulamentações governamentais que influenciem seus posicio-namentos; na liberdade econômica um mercado livre de regulações abusivas e impostos escor-chantes; na separação de poderes, instituições independentes, livres da ingerência sufocante de partidos totalitários; em eleições livres e idôneas, um processo eleitoral transparente e livre coerções partidárias; e no fim dos subsídios diretos ou indiretos a ditaduras, porque tributos cobrados do povo brasileiro devem ser investidos no Brasil”, afirma o grupo em seu manifesto.

O movimento estudantil foi e continua sen-do uma arma poderosa dos estudantes. É o meio pelo qual é possível defender os interesses cole-tivos e tentar modificar a realidade dentro e fora da Universidade. Ele não deve ser simplesmente abandonado ou estagnar por maiores que sejam as dificuldades, mas ser constantemente reciclado em contato com a realidade e pela entrada de novos estudantes, pois a participação é a condi-ção fundamental para qualquer transformação. A inserção da juventude na política é de extrema importância para renovar quadros, trazer novas ideias e construir um novo caminho. Os jovens não podem ficar omissos, pois devem acreditar na força como instrumento de transformação.

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por nicole Wey Gasparini e victoria azevedo

as raízes da indúsTria CuLTuraL no Cenário BrasiLeiro

Como seus produtos influem na cultura do país e na sua cobertura pela grande imprensa

Ao tratar sobre a cultura contempo-rânea, é impossível dissociá-la das

reflexões do político Frederic Jameson. Em seu texto, Marcas do Visível, o crítico americano leva o leitor à seguinte reflexão: “não seria a cultura o elemento-chave da própria sociedade de consu-mo?”. O autor defende que dentro dos moldes do sistema capitalista, não sobra espaço, nem interesse, para que haja a criação da produção cultural autêntica.

Nesse contexto, é nítido perceber que no Brasil a cultura de massa é predominantemente disseminada nos grandes veículos midiáticos e que, por isso, a cultura popular é frequente-mente desvalorizada. Nos jornais, revistas e nos grandes portais digitais do país é comum ver a divulgação de resumos de novelas, resenhas de produções bilionárias hollywoodianas e de livros representados pelas grandes empresas editoriais, além de sessões dedicadas ao comportamento de celebridades nacionais e internacionais. A divulgação de shows e eventos que apresentam artistas estrangeiros também compõe a sessão cultural desses veículos.

Luis Felipe Gama, músico e presidente da Cooperativa de Música de SP, critica a cobertura que a grande imprensa faz dos eventos culturais – desde a escolha de quais eventos noticiar, até a maneira de fazê-lo. “Hoje, só há visibilidade para o mainstream. Por que é tão difícil tirar o crítico de jornal de casa para ir aos shows? Se ele escreve sobre isso, ele deveria estar na rua o tempo tudo e sabendo de tudo o que está acontecendo e não dar valor apenas a um Rock in Rio, por exemplo. Ele devia saber de todos os músicos alternativos, independentes, dos que ninguém conhece”, diz ele.

Para o crítico da Folha de S.Paulo e pro-fessor de jornalismo cultural da PUC-SP, Fabio Cypriano, “os grandes jornais são os responsáveis por lidar com a cultura do espetáculo. Hoje, vi-vemos no momento em que a visibilidade dessa cultura é maior por conta da internet e, portanto, essa obsessão é vista de maneira mais explícita. Mas acredito que antes e hoje, sempre teve um pouco de tudo.” Cypriano afirma que apesar de existir a vontade de atingir os mais diversos âmbitos da cultura, “somos bombardeados pela cultura em massa, e isso faz toda a diferença”.

No momento em que o capitalismo viu-se vitorioso na história da sociedade, a cultura também foi atingida por essa lógica, tornando a cultura de massa predominante no circuito cultural. Isso porque os veículos de comunicação sempre depen-derão da publicidade do cinema, teatro etc., por conta dos anúncios que são vendidos e ajudam eco-nomicamente na viabilidade dos meios. Para Gama, no sistema capitalista a demanda é fortemente reprimida, e, a seu ver, ela é fabricada e induzida. “Estamos diante de uma das lógicas mais nefastas da indústria da música, onde a indústria capitalista rege e o discurso que ouvimos é o de que só a música comerciável é a que vende”, completa.

No cinema nacional isso se torna eviden-te. Os filmes mais exibidos nas salas de cinema

pelo Brasil acabam sendo os da GloboFilmes, produtora dominante do cenário cinematográfico brasileiro. Raros são os momentos em que algum longa que fuja à lógica dominante e mercantilis-ta, exclusiva da sociedade do espetáculo, como já dizia Guy Debord, consegue alcançar grande público. O Som ao Redor (2012), exemplo de filme alternativo, de Kleber Mendonça Filho, foi visto por 94 mil pessoas, enquanto Loucas para Casar, da produtora da família Marinho, teve 3,7 milhões de público e se tornou o recordista nacional do ano.

Outro exemplo é o do longa brasileiro Que Horas ela Volta?, lançado no segundo semestre de 2015 e dirigido por Anna Muylaert. Se de início o filme não causou escândalo, depois da terceira semana de estreia, ele alcançou alta classificação pelos críticos e pelo público que o assistia. Contudo, somente quando foi sele-cionado para representar o Brasil como um dos indicados a filme estrangeiro no Oscar 2016 é que a sua divulgação cresceu e causou alvoroço na cena cultural e cinematográfica do país. Hoje, mais de 200 mil espectadores já assistiram à obra estrelada por Regina Cazé e a conclusão a que

se pode chegar é a de que, em uma sociedade regida pela cultura de massa, onde o prêmio do Oscar agrega prestígio aos nominados, um pro-duto da anti-cultura também se beneficia ao ser impulsionado por essa indústria espetacular. Para Gama, “o mais difícil é você produzir um bem cultural simbólico que seja da grande indústria, mas que seja relevante artisticamente, que gere algum tipo de reflexão nas pessoas”.

Papel da mídia – No momento em que a disseminação de ideias na rede se dá a cada ins-tante, cabe aos jornalistas tentar abarcar ao máxi-mo a diversidade dessa área, ainda mais quando se trata da cultura brasileira. Deve-se aproveitar o alcance que a rede permite e a facilidade que os novos meios oferecem na produção cultural, isso é, desde uma gravação com um smartphone, até a mais sofisticada câmera de vídeo.

Gama acredita que por um lado as redes facilitaram a disseminação do conteúdo cultural, principalmente do que chama de “viral, curioso e imediato”. No entanto, ao mesmo tempo, os produtos culturais tornaram-se mais rasos, com poucas reflexões. “Barateou-se muito as condi-

Estado sucateadoCONTRAPONTO

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Luis Felipe Gama, presidente da Cooperativa de Música de São Paulo

“hOje, só há visibilidade para O mainsTream. pOr que é TãO difícil Tirar O críTicO de jOrnal de casa para ir aOs shOws? se ele

escreve sObre issO, ele deveria esTar na rua O TempO TudO e sabendO de TudO O que esTá acOnTecendO e nãO dar valOr apenas a um rOck in riO, pOr exemplO. ele devia saber de TOdOs Os músicOs alTernaTivOs,

independenTes, dOs que ninguém cOnhece”

( luis felipe gama)

Page 23: Contraponto 100 - Edição Especial

23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Comboio de Cordas, Leonardo Costa e Muari Vieira da Cooperativa de

Música de SP

ções de produzir o conteúdo que é difundível, comercial, basta colocar na internet. Mas uma música que dependa de uma mínima reflexão, você não encontra em grandes quantidades na internet. Isso não toma tanta visibilidade quanto o conteúdo banal, comerciável”, explica o músi-co. Cypriano, por sua vez, acredita que é preciso “ser ‘plural’, ainda mais em um momento em que o mercado das artes é muito dominante, onde o valor das coisas é maior que o das ideias. Precisamos voltar a discutir as ideias”.

O professor da PUC-SP acredita ainda que a cultura de massa consegue, em alguns momen-tos, trazer à tona temas importantes a serem discutidos e que nem sempre estão pautados pela sociedade, uma vez que os jornais dão mais visibilidade aos produtos de consumo imediato. “Por exemplo, o Netflix (sistema de conteúdo sob demanda) fez uma série sobre o narcotráfico na Colômbia que traz à tona uma discussão interes-sante, mesmo sendo um produto de massa e de entretenimento”, explica.

Gama se contrapõe à Cypriano comen-tando que, “trata-se de uma indústria comple-tamente descomprometida com qualquer sensi-

bilidade no tratamento do público. Por exemplo, a virulência com que uma música é tocada na rádio, na TV, na internet, faz com que ela caia facilmente no gosto do público. A reprodução exacerbada gera isso, ela induz o gosto das pes-soas. A demanda é produzida visando sempre o lucro”. Nesse sentido, ele ressalta um conceito já identificado por Adorno, no final do século XX, no texto Indústria Cultural, de que tal indústria se torna, hoje, um prolongamento da lógica capitalista da sociedade.

Todos os produtos culturais abarcados nesse contexto devem ser facilmente assimila-dos pelo público e excessivamente consumidos por ele. Por isso, os veículos midiáticos nos bombardeiam com as mesmas ideias – não há diversidade. A Indústria Cultural excluí o diferente de modo a padronizar os gostos e os desejos das pessoas, tornando o indivíduo uma massa. Esse foi o caminho encontrado pelas grandes empresas dessa indústria para estarem sempre lucrando.

Para Gama, o modo como a indústria induz ou constrange uma opinião, afeta total-mente o receptor dessa mensagem. Além disso,

“esTamOs dianTe de uma das lógicas mais nefasTas da

indúsTria da música, Onde a indúsTria capiTalisTa rege e O

discursO que OuvimOs é O de que só a música cOmerciável é a que

vende”(luis felipe gama, músicO)

Fabio Cypriano, professor de jornalismo cultural da PUC-SP

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A Cooperativa de Música de SP foi criada há 12 anos e apresenta sua sede na cidade de São Pau-lo, contando com mais de 2.000 associados. Sua proposta é reunir profissionais do cenário musical, técnicos, diretores, músicos, produtores e professores, de modo que eles possam prestar serviços para uma pessoa jurídica. A ideia surgiu da necessidade de aumentar a visibilidade, pela comercialização e circulação, de produtos musicais sem deixar de lado a qualidade, originalidade e diversidade desses trabalhos.

A Cooperativa não garante apenas a integridade dos profissionais, mas a defesa socioeconômica e cultural, promovendo condições para que os associados possam desenvolver as suas atividades e o seu trabalho profissional de maneira digna. Se hoje ela atinge apenas o Estado de São Paulo, o objetivo futuro da Cooperativa é alcançar o nível nacional. Isso poderá ser possível ao conseguir a aprovação do Ministério da Cultura para que haja a associação de profissionais das artes em cooperativas. Desse modo, tais instituições das áreas de dança, de circo etc., também poderão agir em conjunto para disseminar os circuitos culturais paralelamente aos tradicionais da grande indústria.

ele ressalta para o fato de muitas expressões culturais que surgiram em movimentos sociais serem reproduzidas pela classe média, “por mais que as raízes estejam na música popular”. Para ele, isso acontece porque na indústria de conte-údo cria-se uma demanda para um produto já industrializado, “produzindo uma demanda para que alcance o lucro”.

Apesar de acreditar que “vivemos em um ponto terrível” por conta da crise na indústria fonográfica, que a seu ver apresenta conteúdos com pouca permeabilidade para as músicas que não sejam produzidas exclusivamente para gerar lucro, Gama não deixa de ser otimista. Em seu trabalho na Cooperativa, o músico tem planos para crescer cada vez mais e alcançar maior vi-sibilidade. “Queremos pensar do ponto de vista brasileiro, e não apenas da cidade de São Paulo”, conta. Ele acredita na força que as cooperativas, quando congregadas, têm no papel de recriar e fortalecer circuitos que surgem paralelamente aos circuitos culturais tradicionais da grande indústria.

“a virulência cOm que uma música é TOcada na rádiO,

na Tv, na inTerneT, faz cOm que ela caia facilmenTe nO gOsTO

dO públicO. a reprOduçãO exacerbada gera issO, ela induz O gOsTO das pessOas. a demanda

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

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Reproduzimos, em seguida, algumas das fotos mais significativas – por seu valor estético, polí-

tico, social ou cultural – publicadas nas páginas do CP ao longo dos últimos 15 anos. As imagens contam um pouco de nossa história, compõem o nosso filme.

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CP 63 - 2010 – A favela é grande

CP 76 - 2012 – Dona Elizabete marcada para morrer

CP 16 - 2003 – 7a Parada do Orgulho Gay

CP 82 - 2012 – Caminhos da Bolívia

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25CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

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CP 45 - 2007 – Desem-Bush CP 22 - 2004 – Cuba: o tempo não para

CP 78 - 2012 – Guarani Kaoiwá

CP 32 - 2005 – De sol a sol

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CP 44 - 2006 “Negro é uma cor de respeito”

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CONTRAPONTO26 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por nadine nascimento e rafael santos

Durante o 2° ENERA, foram pensadas formas de construção coletiva da luta contra o fechamento de escolas em áreas rurais e

compartilhadas práticas pedagógicas inovadoras

msT reaLiza enConTro Para disCuTir a eduCação no BrasiL

A “pátria educadora”, slogan da última campanha à reeleição da presidenta

Dilma Rousseff, fechou mais de 4 mil escolas no campo no último ano, segundo o Instituto Na-cional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em resposta, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou o 2° Encontro de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (ENERA) na cidade de Luziânia, Goiás.

O 2° ENERA ocorreu entre os dias 21 a 25 de setembro e reuniu cerca de 1.500 educadores de todo o país em um espaço para debater o atual momento da educação pública brasileira, especialmente no contexto da luta no campo.

Em painéis temáticos, autoridades con-vidadas apresentavam suas ideias sobre os principais desafios da educação brasileira e para a construção de um projeto educacional que garanta a formação dos indivíduos numa pers-pectiva de libertação e transformação.

Os convidados relembraram também o primeiro ENERA, realizado em 1997 e, a partir disso, consideraram os avanços conquistados na área educacional e os desafios que ainda preci-sam ser superados.

A professora da Universidade de Brasília (UnB), Mônica Molina, vê o primeiro ENERA como o “ventre” da discussão sobre a educação no campo. O encontro de 2015 seria “a sementeira de mudanças que, com novas lutas, traz avanços na construção da igualdade e justiça social”.

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A mesa de abertura do encontro contou com a presença do até então ministro da educa-ção, Renato Janine Ribeiro, que criticou o fecha-mento massivo dessas escolas e, em um gesto simbólico, assinou uma portaria que fortaleceria o sistema educacional nas zonas rurais. “Não podemos admitir que esse número de escolas sejam fechadas sem que existam estudos preli-minares que indiquem o impacto que isso causa nas comunidades do campo. Comprometo-me a criar grupos de estudo e apoio para que essa lógica seja quebrada”, afirmou.

Educação e mercado – Outra temática abordada foi a mercantilização da educação - a compra de instituições educacionais por grandes grupos empresariais - apontada como um dos maiores problemas a serem enfrentados pelos educadores brasileiros. Roberto Leher, reitor da UFRJ, citou os casos das Organizações Kroton e Anhanguera que juntas teriam o mesmo número de alunos de todas as universidades federais do país, cerca de 1,2 milhão.

Segundo Leher, a educação deve estar sob domínio do poder público e não privado. “Temos que manter objetividade na luta política, não podemos passar a formação das juventudes para as corporações”, enfatiza.

O debate sobre a produção de alimentos saudáveis e o papel das escolas no processo da soberania alimentar norteou os trabalhos de uma das mesas do encontro. Adalberto Martins,

do setor de Produção do MST, defendeu que a soberania alimentar e a produção de alimentos agroecológicos estejam incorporados ao abas-tecimento popular e ao trabalho cooperativo, envolvendo estruturas do campo e da cidade. “É revolucionário pensar na produção de ali-mentos saudáveis com o abastecimento popular, mas para isso precisamos ter, além de mão de obra e terra, rumo, projetos e decisão política”, argumentou.

Projetos do MST – O encontro também se configurou como um espaço de socialização das práticas pedagógicas do MST em todo o país. Nesse sentido, cerca de 13 grupos de trabalhos agregaram as inúmeras experiências realizadas em áreas de assentamentos e provocam debates sobre o papel da educação enquanto um espaço que possibilite a emancipação humana.

Um exemplo, é o projeto “Educação, luta, arte e brincadeira das crianças maranhenses” que busca socializar as diferentes dimensões educa-tivas com as crianças Sem Terra do Maranhão. As questões da luta pela terra e da valorização da cultura local são trazidas para dentro das escolas com o incentivo a arte, dança, música e produção literária.

“O resgate da cultura como um patri-mônio popular também é uma preocupação do Movimento Sem Terra, já que a educação é um instrumento fundamental para a emancipação do sujeito. A educação no campo, entretanto, deve

“(...) O avançO dO agrOnegóciO e da lógica mercanTil dOs empresáriOs da educaçãO Tem que ser barradO. e hOje, O 2°

enera se cOlOca em luTa cOm um aTO de denúncia, mas Também, marchamOs em defesa de uma educaçãO pública e de qualidade

para TOdOs Os brasileirOs”

(divina lOpes, inTegranTe dO seTOr de educaçãO dO msT)

resisTênCias CuLTurais

O 2º ENERA foi realizado em Luiziânia, em Goiás

Page 27: Contraponto 100 - Edição Especial

27CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

ser diferenciada, pois deve ser protagonizada pelos próprios sujeitos do campo”, disse Maria Alzerina Montelo, coordenadora do projeto.

Ato Político – Os 1.500 educadores mar-charam pela Esplanada dos Ministérios na manhã do dia 23 de setembro, em Brasília. O ato iniciou com uma intervenção em frente ao Ministério da Educação (MEC) para denunciar o fechamento das escolas do campo e a mercantilização da educação pública no país.

Para Divina Lopes, do setor de educa-ção do Movimento, vivemos num período de crise em que o capital precisa pensar novas formas de se reproduzir e uma dessas frentes é o avanço cada vez maior sobre a educação. “É inadmissível que nos últimos anos 37 mil escolas tenham sido fechadas no campo. Não podemos aceitar que no Brasil ainda existam mais de 13 milhões de analfabetos. O avanço do agronegócio e da lógica mercantil dos em-presários da educação tem que ser barrado. E hoje, o 2° ENERA se coloca em luta com um ato de denúncia, mas também, marchamos em defesa de uma educação pública e de qualidade para todos os brasileiros”, afirma.

Após a marcha, os educadores realizaram uma ocupação no Ministério da Agricultura para denunciar o uso abusivo de agrotóxicos pelo agronegócio e a destruição ambiental e social que este modelo provoca no brasileiro.

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O encontro reuniu 1.500 pessoas MEC vira moeda de troca no mercado persa de Brasília

A reforma ministerial, que envolveu o fechamento de oito ministérios, levou a presidenta Dilma Rousseff a demitir, no último dia 30, o então ministro da educação Renato Janine Ribeiro. O cargo será ocupado por Aloízio Mercandante, da casa civil. Janine foi convidado ao Palácio do Planalto, em Brasília, para ser comunicado da decisão. Os cortes ministeriais são parte do programa de ajustes fiscais anunciado em setembro e a tentativa de aproximação de Dilma com o PMDB, por meio da alocação de altos cargos públicos.

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“(...) a educaçãO nO campO, enTreTanTO, deve ser

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(maria alzerina mOnTelO, cOOrdenadOra dO ms)

No último ano, mais de 4 mil escolas foram fechadas no campo

“Não vou sair do campo pra pode ir pra escola, educação no campo é direito e não esmola” gritavam os manifestantes

Page 28: Contraponto 100 - Edição Especial

CONTRAPONTO28 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

As ruas da cidade de São Paulo são preenchidas por artistas. Artistas de

todos os tipos, estilos, funções e paixões. Eles agitam, constroem e colorem o cinza dos muros silenciosos daqui. Desta forma, nada mais natural do que a Avenida Paulista, coração da cidade, se tornar um dos pontos de encontro de talentosos criadores de arte, onde o mais importante é apre-sentar suas habilidades e conquistar o público. E mesmo frente à era digital, onde tudo é mediado por telas, a rua continua sendo, até hoje, o prin-cipal palco de diversos artistas.

“Eu sempre digo que a rua é um cartão de visitas. Se você faz bem alguma coisa, o melhor lugar para fazer é na rua” diz Elzo Henschell, de 28 anos. Ele está há três anos vivendo de arte na rua e acredita que lá é o lugar ideal para se expor um trabalho artístico, uma vez que o espaço inva-riavelmente atrairá olhares e público. Assim como diversos outros artistas que, por escolha ou falta de opção, seguem carreiras independentes, Elzo conta como escolher a música como profissão não é algo simples. “Você tem que ter força de vontade, trazer seu equipamento, procurar local para tocar, muitas vezes enfrentar o frio, às vezes sol demais”, explica ele com sua inseparável guitarra na mão.

Mas não é só da rua que vivem artistas in-dependentes. De uns anos para cá, muitos vem se destacando na produção de suas próprias músicas, sem o - antes considerado essencial - auxílio de uma produtora. Há 20 anos, ser independente na indústria musical era ainda mais desafiador, o que levava os artistas a buscarem sempre contrato com renomadas gravadoras. Assim como qualquer ou-tra grande corporação, eram estas empresas que detinham os recursos necessários para alavancar a carreira de um cantor ou banda.

O que acontece em diversos casos, entre-tanto, é que as gravadoras acabam se especia-lizando em um estilo de música ou público-alvo específico, investindo recursos para tornar esta música o mais “vendável” possível. Os grandes padrões comerciais ficaram cada vez mais evi-denciados e, paralelo a isso, cresceu o desejo de alguns artistas em se desvincular e produzir música sem amarras. Foi então que surgiram também os selos independentes (pequenas gravadoras criadas, muitas vezes, pelos próprios artistas), que ajudaram na diversificação das possibilidades quanto artista.

Para João Gabriel Rodrigues, produtor musical e criador do programa Rock s/ Dono da rádio USP, “se você tem qualidade e sorte pra angariar uma base de fãs de forma independente, você pode eventualmente gravar discos e realizar turnês financiado pelo próprio público”. Este novo cenário torna o mercado musical muito mais interessante por ser uma forma de contornar a rigidez deste no Brasil.

E é neste contexto que a banda Zimbra, composta por quatro amigos apaixonados por música, vem conquistando seu espaço no cenário musical. Nativos de Santos, os rapazes ganham novos fãs a cada dia e já tocaram em diversas casas de shows e eventos (inclusive no festival

Por maria eduarda Gulman, mariana castro e marília maaz

indePendênCia ou morTe e arTeNovas dinâmicas no cenário musical abrem espaço para o sucesso

dos “sem-gravadora”

Resistências culturaisCONTRAPONTO

Lollapalooza deste ano). “A gente enxerga o mercado da música como um lance muito in-dependente. Você realmente pode se sustentar, criar sua própria empresa, produtora, gravadora. Você pode fazer o que as gravadoras faziam 20 anos atrás”, conta Rafael Costa, responsável pelo vocal e um dos guitarristas da banda.

Os santistas já chegaram a ter uma gra-vadora no passado, mas optaram por seguir o caminho de forma independente. Desta forma, têm total liberdade de criar e produzir a música que gostam, encaminhando o som e seus frutos da forma que acreditam estar certa, sem serem podados por terceiros. Em uma dinâmica como esta, é necessário que os artistas tenham em mente que, além de fazer música, terão que cuidar de diversas outras etapas que garantem a solidez de uma banda ou cantor(a).

Para Pedro Furtado, baterista da Zimbra, é necessário ser não apenas músico, mas também empresário. “A gente aprendeu que você é meio músico e meio empreendedor. Você tem que entender de marcar show, fazer camiseta, viajar, guardar passagem, hotel, etc’’, comenta. Neste caso, as tarefas são divididas e é necessária a colaboração de todos para que a banda se desen-volva. Como exemplifica Rafael, cada membro é um pilar: se um cair, cai um pedaço da empresa. ‘’Sempre tem que rolar uma cobrança interna, então a gente ta sempre marcando reuniões, discutindo planejamento... Acho que é o que dá certo no mercado hoje em dia’’, desabafa.

Outro fator que influencia as mudanças que o mercado da música vem sofrendo de alguns anos para cá é o modo de chegar até a música desejada. Antes, CD’s eram amplamente consumidos e o meio de comunicação era outro.

“Tudo é um pouco de reflexo da evolução da comunicação na sociedade”, explica Rodrigues, que completa: “agora, bandas podem se comu-nicar com o público de forma mais fácil, assim como entrar em contato umas com as outras, o que facilita a criação de eventos.”.

Sem precisarem ser convencidas por grandes empresas, a web possibilita que pessoas de todos os gostos musicais entrem em contato com o que está sendo produzido em seu ramo de interesse, aumentando as chances de uma banda conquistar seu público-alvo. O contato com o público se estreitou e os artistas passaram a enxergar, na internet, diversas formas de divul-gar seus trabalhos e encontrar seus fãs. Exemplo disso é a divulgação online e gratuita por parte de bandas que têm, diversas vezes, a intenção de democratizar o acesso à sua música.

As gravadoras estão quebradas e sugando cada vez mais o dinheiro de seus artistas na ânsia por sobrevivência. Frente a este e outros inúme-ros fatores, o fato é que o cenário nunca esteve tão favorável para os que gostam de andar com as próprias pernas. Felizmente, ser independente hoje em dia está longe de ser desconhecido. O momento musical atual mostra que ainda há mui-to espaço para crescimento e novos artistas.

“Então as pessoas falavam: você ainda é independente? Não é ainda, é opção mesmo! É um meio de trabalhar diferente, não quer dizer que a gente é menor ou maior que ninguém.”, desabafa o vocalista da Zimbra. Em tempos de completa obsessão pela fama instantânea e o ca-pital fácil, certas escolhas profissionais e pessoais são de se admirar. Comemoremos os corajosos, um brinde à independência!

Elzo Henschell vê a calçada como palco e o melhor lugar para a divulgação de sua música

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A banda Zimbra veio de Santos e já conquistou o público

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29CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Muitos escravos do Brasil colônia, assim como os índios da América

do Sul e os judeus da Alemanha nazista, eram capazes de suportar a tortura, a humilhação, a anulação moral, mas não conseguiam chegar ao fim do período do banzo, que significa ser tomado por uma tristeza muito profunda, viver intensamente de forma depressiva. Minto, che-gavam sim ao final desse período: mortos.

E foram esses negros que mal conseguiam se comunicar (já que vieram propositalmente de diferentes regiões e, por isso, falavam línguas distintas) que criaram o maracatu. Eles se enten-diam através dessa cultura que hoje é sinônimo de resistência negra.

Quanto mais eu estudo o maracatu, mais eu me esclareço comigo, para mim. Tive meu período de banzo também, há não muito. E quando eu falo isso, não me refiro às frustações do primeiro namoro, nem às consequências das encrencas nas quais eu me enfiava/me enfio. Me refiro às circunstâncias, às escolhas que me conduziram até realidades impactantes, à sociedade contemporânea que vive querendo impor seus “certos” e “errados”, ao machismo que encorajou um desumano falso moralista a conhecer meu corpo primeiro que eu.

Eu era uma aluna de ensino médio acima do peso ideal e sempre via as historinhas chatas de amor como a vida a ser conquistada. Sempre, sempre enxergava o que eu queria, criava situ-ações para sustentar e justificar minhas ilusões. Coitada não! Isso eu NUNCA fui. Mas frustrada sim, e muitas vezes.

Foi exatamente no meio de uma das mi-nhas crises depressivas que um cara chamado Pedro Galazzari me fez expandir as perspectivas, e então eu pude ver. “Viver não é isso! Existem outras opções!”... já faz um tempo, mas eu me lembro exatamente dessas (sábias) palavras. Foram elas que me conduziram do banzo à vida de fato.

Ele que me provocou e me fez estudar maracatu, me fez querer entender o porquê, de onde vinha, o que significa, quem são os orixás e que papo todo é esse. Sem pretensões religiosas, sem impor absolutamente nada: o Pedro era tão evoluído que só me deu a opção de enxergar. Tão inteligente, que me lembrou de coisas importan-tes que eu tinha perdido pelo caminho: respeito pelas pessoas, a importância da coletividade, a dependência mútua e o amor por absolutamente tudo o que faço. Vítima do câncer, ele está em todo maracatu que eu danço.

Piso forte no chão, porque cada batu-cada é um grito de sofrimento transformado em corrente de bondade. E então, a minha saia de chita gira, espanta todo o peso existente e pronto, está tudo limpo de novo, bem cuidado, cheirando alegria.

Quando eu comecei a aprender o mara-catu na prática (experiência de vida que devo ao Grupo Maracatu Bloco de Pedra*, do qual hoje eu faço parte e que desenvolve um traba-lho venerável de propagação dessa cultura de

Por carolina ribeiro

maraCaTu: do Banzo à vidaMorrer de melancolia. Mágoa, dor, angústia... sofrimento que não

é físico, mas é da mente, sofrimento de alma

Resistências culturaisCONTRAPONTO

resistência) eu não tinha condicionamento físico para dançar nem tocar por muito tempo. Outra lição importante: a mente e o corpo precisam andar em sintonia, no mesmo compasso, em equilíbrio.

Meus hábito alimentares mudaram, exer-cícios físicos (quase) diários se tornaram uma ne-cessidade pra mim e, se hoje eu verdadeiramente não tenho espaço mental para sustentar o que antes me manipulava como marionete, é porque fui, em essência, preenchida com um contexto histórico, intelectual, sentimental e humano que me ocupam por completa. E chega a ser engra-çado ouvir as pessoas me perguntarem “O que que cê viu de tão importante nisso?”... vem você descobrir, ué!

O Bloco de Pedra* toca toca todos os sábados, às 15h, na E.E. Professor Antônio Alves Cruz (Rua Alves Guimarães, 1511, Sumaré).

A proposta é uma oficina aberta que, como o próprio nome sugere, abre espaço para quem quiser participar. Os instrumentos são organizados na quadra da escola e colocados a disposição para o contato com o maracatu.

Além disso, existe também o Projeto Calo na Mão, que foi criado para os interessados em aprender a dançar ou a tocar a brincadeira. As inscrições para os cursos são abertas 3 vezes por ano, sempre com aviso prévio na página do facebook do Bloco.

Bloco de Pedra em apresentação do Projeto Calo na Mão

Integrante do Bloco de Pedra na quadra da Escola Estadual Prof. Antônio Alves Cruz. Saias de chita rodando

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CONTRAPONTO�0 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

As crianças e os adolescentes que estudam em bairros como o Parque

Alexandre e o Parque Mirizola, em Cotia (SP), podem contar com um tipo de professor total-mente diferente de todas as salas de aula de São Paulo, talvez do Brasil. O rapper-educador José Francisco Rossi Neto, mais conhecido como Netão Influência, promove oficinas de RAP (Rit-mo Alternativo Pedagógico) em Organizações Não Governamentais (ONGs), escolas, centros comunitários e unidades da Fundação Casa, onde plica um método de ensino diferente das escolas tradicionais com muita rima e criatividade.

Após 13 anos de trabalho, o professor de 29 anos formado em Jornalismo confessa que quase chorou quando foi chamado assim pela primeira vez, “que palavra forte, pensei comi-go”, e que nunca passou pela sua cabeça fazer as oficinas de Rap. “Educar com o Rap é educar com a alma”, diz Netão. Na educação, seu maior referencial é o mestre Paulo Freire, “foi com ele que aprendi a alfabetizar crianças. O legado de Paulo Freire é referência mundial”. Além do autor da Pedagogia do Oprimido, o rapper leva para as oficinas como instrumento de estudo nomes do Hip-Hop como Mano Brown, GOG e Renan Inquérito.

Mesmo dentro das salas de aula, ele não abandonou os palcos e integra o grupo Influência Positiva ao lado dos rappers Ednaldo Alves, o Bigode, e Rodrigo Rzika. “Comecei no Hip-Hop em 2002, num grupo de Rap (3 Elementos) que pertencia a uma igreja”. Hoje, vivendo integral-mente disso e liberto de um vício, Netão diz que o Hip-Hop é sua vida e que deve tudo a ele, inclusive ter conhecido a sua companheira que está gravida de quatro meses.

Saiba como foi essa trajetória e conheça um pouco mais de como a Oficina de Rap e a vida de Netão Influência transformam e são transformadas pelas vidas da juventude das pe-riferias na entrevista que o professor MC deu ao Contraponto especial de número 100.

Por vinícius lima

o esTudo é o esCudoO MC e professor Netão Influência aplica oficinas de Rap para

jovens de periferia em São Paulo

Resistências culturaisCONTRAPONTO

Contraponto – Como a cultura Hip-Hop entrou na sua vida?Netão Influência – Comecei no Hip Hop em 2002, num grupo de Rap que pertencia a uma igreja. Fiquei nesse grupo (3 Elementos) por três anos, depois me afastei. Fiquei um ano parado, só escrevendo letras de música. Após esse período, me reuni com mais uma galera do meu bairro e formamos um grupo, o Influência Positiva, o nome foi dado por um ex-integrante do grupo Apocalipse Urbano. A partir daí as coisas come-çaram a fluir: frequentamos estúdios, fizemos shows, participações, etc. Tocamos uma música na rádio e o nosso trabalho começou a ganhar vi-sibilidade dentro do nosso município (Cotia). Até hoje continuo na resistência, são 13 anos de uma estrada que ainda não sei onde vai dar. CP – O que o Hip-Hop significa pra você?NI – O Hip-Hop é minha vida, é o melhor amigo que eu tenho. Nos piores momentos ele sempre esteve comigo e até hoje está, jamais me aban-donou. Com o Hip-Hop eu descobri o sentido que eu deveria dar a minha vida. Graças a ele, conheci muitas pessoas bacanas, muitos lugares maravilhosos. Graças ao Hip-Hop, eu conheci a minha companheira que hoje está grávida de 4 meses. Graças a ele, eu saí da dependência química, foram sete anos usando cocaína. O Hip-Hop é isso: é o espírito que me move e que me liberta das correntes.

CP – Hoje você consegue viver apenas do Rap? NI – Vivo das oficinas que realizo semanalmente. Aliás, sobrevivo. Nos finais de semana eu viro

comerciante e durante a semana, pedagogo. Assim é minha vida, mas não reclamo de jeito nenhum. Jamais imaginei que conseguiria di-nheiro fazendo o que eu gosto. Sou formado em jornalismo, trabalhei por dois anos e meio numa redação de jornal e olha só onde vim parar. Por isso eu digo, ‘o diploma é importante, mas não troco pelo dia a dia. O ensinamento da rua, você não tem na academia’.

CP – Quando veio a ideia de fazer a Oficina de Rap? Como e quando começou? NI – Nunca passou pela minha cabeça fazer oficina de rap. Nesses 13 anos, nunca imaginei que isso seria possível. A Oficina de Rap surgiu de uma necessidade. Fiquei desempregado e não sabia mais o que fazer. Nunca trabalhei em empresa e pra redação de jornal, eu não queria voltar tão cedo. Então, nasceu o dilema: o que fazer? Queria fazer algo com o Rap, mas não tinha ideia do que. Show não vira, não temos “nome no cenário” para isso. Foi então quando uma amiga minha me chamou para “fazer oficina de alguma coisa” na ONG que ela trabalhava. Eu topei na hora. Perguntei “quanto vou ganhar”? Ela disse, para a minha tristeza, “é voluntário”. Aí você imagina; desempregado e ter que tra-balhar de voluntário, mas eu acabei aceitando.

CP – Como foi o primeiro dia de aula?NI – No primeiro contato com as crianças dessa ONG, já me apresentei e vi que eles gostaram. Um me chamou de “professor”, eu quase cho-rei. Que palavra forte, pensei comigo. Vi que eu tinha jeito para a coisa e dei início aos trabalhos. Conforme a oficina foi sendo desenvolvida, ao

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Netão Influência durante a oficina de Rap

mesmo tempo, fui compartilhando nas redes sociais o meu trabalho. Outras ONG’s viram e me convidaram para trabalhar. Só que desta vez registrado, olha que maravilhoso: eu dava aula de RAP e ainda ganhava por isso. Aí foi aparecendo escolas, instituições, uma indicando para outra e assim estou hoje; cantando, dando aula e agora sendo chamado de “Tio” e “Professor”. CP – Como você interpreta a produção artística e cultural da periferia? NI – Falta incentivo. Muitos de nós somos in-dependentes, sobrevivemos com migalhas. A produção artística periférica nasce da alma, faze-mos de coração. Muitas vezes, tiramos dinheiro do bolso para realizar um projeto. Hoje existem programas que fomentam a produção cultural da periferia, mas ainda é muito pouco. Que-remos mais! Acreditamos que iniciativas assim afastam a juventude das drogas e do crime, dão oportunidades para quem não tem. Fico triste quando faço apresentações ou oficinas dentro da Fundação Casa, por exemplo, e lá me deparo com vários artistas que não tiveram incentivos do lado de fora. Quando “cai lá dentro”, fica mais difícil, a vida fica amarga, perde o sentido às vezes. A garotada tem talento de sobra, mas as oportunidades estão em falta. Queremos pro-duzir mais, fazer mais projetos, força de vontade e capacidade é o que mais temos. Portanto, vem dar uma conferida aqui no que estamos produ-zindo. Olhe pra periferia com outros olhos, veja o que de bom tem aqui.

CP – Como foram as suas visitas na Fundação Casa? O que sente ao ver os meninos com muitos talentos e sonhos, mas privados da liberdade? NI – Sinto tristeza. Ninguém nasce bandido, ninguém nasce assaltante, ninguém nasce tra-ficante. As circunstâncias da vida que levam a pessoa a tomar determinadas opções. Nenhum jovem na Fundação Casa é “do mal”, como a sociedade o julga ser. Bate o olho neles e você chega à conclusão de que lá não é o lugar deles. Eles não deveriam estar lá. A grande maioria é vendedor de drogas a varejo, e não traficante. Eles ficam um determinado tempo lá [Fundação Casa] e quando saem, encontram do lado de fora as mesmas situações. A única secretaria do Estado que entra nas periferias é a secretaria de segurança pública com a Polícia Militar. Cadê a secretaria de cultura? Cadê a secretaria da edu-

cação? Passam longe. Você quer que o moleque se transforme em que? Em um médico? Em um astronauta? Só que não. Ele vai se espelhar em quem está em sua volta. E a coisa mais íntima que ele tem é o crime, é a droga. Difícil, cara. Das vezes que fui à Fundação Casa saí com os olhos cheio de lágrimas. Sabemos que aquele lugar não irá recuperá-los. Por isso, hoje em dia, vejo a importância ainda mais que o RAP tem como ferramenta de transformação do ser humano. O RAP é como se fosse a prevenção, é a luz que você acende no caminho daquela pessoa. Ele salva. Me salvou e ainda irá salvar muitos! CP – Qual é a importância de cultura e educação na periferia?NI – É tudo. Mas infelizmente, não temos apoio do poder público. Não temos políticas públicas pensadas para a juventude. Quando acontece, é a própria comunidade que se auto organizou. Precisamos cobrar mais, construir e cobrar o que é nosso. Ainda respiramos as heranças da escra-vidão, os quilombos são as favelas, os capitães do mato são as polícias e por aí vai... A principal importância da cultura e da educação na periferia é fazer com que o sujeito periférico seja o prota-gonista de sua própria história. É isso. CP – Qual é a maior dificuldade na periferia para tocar um projeto como este? NI – Espaço. Quando temos espaço, ele dura pouco, tem prazo de vida. De 4 espaços que eu trabalhava, estou em apenas 2. Os outros fecharam porque a Prefeitura cortou a verba. Projeto socioeducativo não dá visibilidade para vereador e nem para prefeito. É proibido por faixas nesses locais, o próprio nome já diz: Or-ganização Não Governamental, mas na prática é OG: Organização Governamental. Esses espaços ficam, na maioria das vezes, dependentes do di-nheiro público. Aí chega uma hora que o projeto morre porque o prefeito não vai conquistar votos deste espaço porque o nome dele não pode ser colocado lá. Então, “qual o sentido de gastar com algo que não vai me dar retorno”? Assim pensam eles. Só que se eu fosse eles, começaria a me preocupar porque as crianças que ficaram sem esses espaços sabem muito bem o porquê o perderam. A indignação já está dentro delas, não tem como tirar mais. Estão dando um tiro no próprio pé, só que esse tiro vai começar a doer daqui uns anos. Sem pressa.

CP – O que te motiva a educar através do Hip-Hop?NI – O prazer, a satisfação. É ver a criança escrever a primeira letra da vida dela. É poder olhar o sorriso da criança quando consegue ler uma palavra. Educar com o Rap é educar com a alma. É poder concretizar um sonho, é vivenciar a educação popular. É uma utopia. Sou muito grato por estar vivendo esse momento. CP – Quais são suas referências no Rap e na educação? NI - No Rap: Renan Inquérito, GOG, Racionais, ente outros. São muitos, mano. Na educação: o grande Mestre Paulo Freire, foi com ele que aprendi a alfabetizar crianças. O legado de Paulo Freire é referência mundial, pena que o Brasil nunca utilizou seu método. Em outros países que seu método é aplicado, o analfabetismo foi reduzido a quase zero. Juntar o RAP com esse monstro da educação deu nisso: RAP na veia e educação na mente! CP – Já pensou em parar?NI – Algumas vezes, sim. CP – Por que?NI – Tem hora que bate um desânimo, sei lá. O retorno financeiro é bem pouco e a gente também pagar nossas contas. Clichê, né? Mas é verdade. CP – O que te fez repensar e dar a volta por cima?NI – O que me faz reanimar, quando entro nes-sas crises, são as próprias crianças. Devo a elas a minha fonte nova de energias. Muitas vezes chego na escola ou na ONG e sou recebido com um abraço, um beijo, um carinho que não tem explicação. É puro, é verdadeiro. E é isso que me move, o amor pelo que faço. CP – Quais são os frutos que te dá prazer de ver e te motiva na Oficina de Rap? NI – Os resultados são maravilhosos. Crianças que não gostavam de ler, de estudar, que tinham notas ruins, um mal desempenho nas aulas, começaram a melhorar gradativamente após frequentarem a oficina. Se você me perguntar se um dia pensei em dar uma oficina pensando na melhoria do desempenho do aluno, eu lhe responderei que nunca. Uma vez fiz uma oficina lá em São Vicente, Litoral Paulista, havia uma menina de 11 anos que participou do início ao fim. Ela interagia, perguntava, respondia, enfim, uma belezinha! Quando terminei a Oficina, o professor de Geografia, que fez a ponte para me levar até a escola, me chamou para ter uma conversa junto com essa garota. Ele disse que ela não participava das aulas dele, tumultuava quando ele estava explicando algo e rejeitava fazer as atividades propostas na sala de aula. Eu, sem saber muito o que falar, somente disse a ela para valorizar os estudos e respeitar o professor que ainda era um dos poucos que se preocupavam com os seus alunos. Ela abaixou a cabeça e disse que ia melhorar. Um mês e meio depois, esse mesmo professor me manda uma mensagem no Facebook dizendo que essa aluna tinha melhorado 100% nas aulas dele, que as notas aumentaram bastante e que ela estava participando de uma maneira que ele nunca tinha visto antes. Acho que isso resume a minha resposta.©

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Fédération Internationale de Football As-sociation, mais conhecida como FIFA.

Este é o nome da instituição que abriga uma das maiores máfias do mundo. Fundada em Paris, no ano de 1904, por delegados da Bélgica, Dinamar-ca, Espanha, França, Holanda, Suécia e Suíça, tem como prerrogativa organizar e “constantemente aprimorar” o futebol em nível mundial, como se lê em seu estatuto. Atualmente conta com 209 delegados de diferentes países de todos os con-tinentes, mais representantes que a Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo.

Desde maio a instituição vive dias ca-óticos. Dias antes do que seria uma tranquila reeleição de Joseph Blatter, o FBI prendeu, na Suíça, grandes cartolas da entidade. Dentre eles Jeffrey Webb, vice-presidente da Fifa e presiden-te da Confederação de Futebol da América do Norte e Caribe (Concacaf); Eugênio Figueiredo, presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol); e nosso compatriota José Maria Marin, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e ex-vice governador da Ditadura Civil-Militar.

A investida feroz do Departamento de Justiça dos Estados Unidos em parceria com a polícia Suíça fez Blatter renunciar dias depois de ser eleito, afastou o secretário-geral Jerôme Valcke e, a cada bocada, derruba mais um pilar

Por João Gabriel

soBre ChuTeiras e CarToLasFBI e polícia suíça investigam esquema corrupto que assola

o esporte

CONTRAPONTO

do esquema corrupto da Fifa. Loretta Lynch, Se-cretária de Justiça e protagonista dos pesadelos do cartola, lembra que ainda estamos na fase inicial e que as investigações abrangem contra-tos televisivos, de patrocínio, possível compra de votos em diversos níveis e “ao menos duas gerações de dirigentes do futebol”, frase que deve ter arrepiado o paletó aposentado de João Havelange, antecessor de Blatter.

No cenário atual, qualquer tentativa de previsão do futuro é incerta. Obviamente por-que, em se tratando de uma investigação em andamento, suas informações são extremamente sigilosas e não vazam semanalmente na capa de revistas de fofocas.

Mas por que o FBI repentinamente debru-çou-se sobre o futebol? Para Luiz Carlos Azenha, jornalista e coescritor do livro “O Lado Sujo do Futebol”, “a corrupção era algo tão obvio que eventualmente mexeu com interesses econômi-cos nos Estados Unidos, uma vez que as grandes patrocinadoras do esporte são baseadas lá”; no entanto, rechaça que haja interesses geopolíticos maiores por trás das intenções estadunidenses. Já o jornalista Juca Kfouri, desafeto pessoal de Ricardo Teixeira e dor de cabeça dos cartolas, acredita que tal interesse pelo futebol ilustra o fato de que a maior potência mundial parece finalmente ter “acordado para o que o mercado

futebolístico significa” e quer limpar a água antes de mergulhar de cabeça. Desde as primeiras pri-sões do caso, o campeonato nacional de soccer contratou estrelas como Kaká, Pirlo, Gerrard e Lampard, ídolos em seus antigos clubes.

De fato, as prisões parecem ter colocado todas as partes do futebol em alerta, desde a CBF, investigada pelo contrato de patrocínio com a Nike e pela organização da Copa do Brasil, até Blatter, provável Don Corleone do futebol. Juca, no entanto, alerta para o fato de o problema ser estrutural, não solucionável apenas com a prisão de presidentes. “Estou esperançoso que haja uma mudança na Fifa; menos esperançoso que haja esta mudança na CBF”, disse. Sua angústia justifica-se primeiro pelo fato da CBF não ser o alvo principal das investigações, mas um possível meio para derrubar Blatter e a Fifa. Finalmente e mais importante, porque a corrupção na CBF é tão antiga quanto a própria entidade.

Histórico – Tudo começa na então Confe-deração Brasileira de Desportes (CBD), em plena Ditadura Militar - há muito o futebol é usado para interesses alheios. O então chefe da CBD, João Havelange, em seu ambicioso plano para assu-mir a presidência da Fifa, fechou um acordo de financiamento da entidade pela Loteria Esportiva, enchendo os cofres – e também seu bolso – como

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descobrir-se-ia posteriormente – de dinheiro pú-blico. Havelange preparou sua escalada na Fifa com excursões da Seleção para países de outros delegados da entidade, até que, em 1974, foi eleito presidente, inaugurando sua política de compra de votos em troca de favores.

Em 1989, Ricardo Teixeira assume o que já se tornara CBF. Como bom genro, pupilo e aprendiz de Havelange, Teixeira aperfeiçoou o sistema ao acabar com o financiamento da Lo-teria Esportiva para proteger-se de processos por improbidade administrativa. Em compensação, voltou a entidade exclusivamente para contratos privados com patrocinadores – contratos que, salvo diferenças de época, têm mesmo teor que os investigados pelo FBI hoje. Finalmente, cons-truiu o embrião do que atualmente é a “Bancada da Bola”, quando financiou até campeonato de delegado da polícia e viagem de juiz para assistir a Copa do Mundo.

Para os cartolas, a CBF é, acima de tudo, uma fonte de enriquecimento e o futebol, um negócio. O mesmo esquema coronelista mafioso que Havelange implantou na Fifa, Teixeira copiou no Brasil. O futebol no Brasil é “pré-capitalista, reflete a ideia da posse do bem público como fonte de lucro privado” exalta Azenha.

A Rede Globo, inclusive, também fundada durante a Ditadura e especialista no uso do bem

público, sempre soube usar o futebol. Eterna de-tentora e monopolista dos direitos de transmissão futebolísticos no país, a emissora tem em mãos um dos produtos mais lucrativos do mundo, o esporte, e uma das marcas mais valiosas deste, o futebol brasileiro. Por isso, quando se ouve que a Globo está preocupada com a decadência da bola canarinha ela está, na verdade, preocupada com a ferrugem de seus ovos de ouro que pensava não oxidarem.

Enquanto a CBF viaja o globo reunindo-se com sheiks e selando contratos, a televisão é quem, na prática, organiza o futebol. O ca-lendário é construído com base na grade de televisão; o dinheiro proveniente dos direitos de transmissão determina os clubes mais ricos; São Paulo e Flamengo jogando em Brasília, que tem arena de Copa e time quase amador. Azenha intitula esta serie de fatos de uma “distorção completa” do futebol.

No entanto, “como empresas que fizeram propostas financeiramente melhores que a Globo (SBT, RedeTv e Record) perderam – não uma, mas quatro vezes – a disputa pelos direitos de transmissão do futebol?” questiona o jornalista e dono do blog Viomundo, Azenha.

Não por acaso uma das principais fontes e réu confesso do FBI – ao que tudo indica, quem derrubou Marin – é José Hawilla, conhecido como J. Hawilla, que colabora com os estadunidenses desde 2013. Além de dono da Traffic, a maior empresa de marketing esportivo da América La-tina, possui valiosas repetidoras da Globo, como a TV TEM, no interior de São Paulo.

Hawilla é quem intermediou o então cé-lebre contrato entre CBF e Nike, em 1996, que agora é investigado pelo FBI. Além disso, é dono dos direitos de transmissão da Copa do Brasil e da Libertadores, contratos também sob olhares da Justiça estadunidense. O FBI “de certa forma já chegou” até a Rede Globo, diz Azenha, já que Hawilla é sócio da emissora da família Marinho. “Entretanto”, ressalva Juca Kfouri,“não acredito que ele entregue a Globo, até porque as repe-tidoras são das poucas coisas lucrativas que lhe restam”; quem poderia fazer isso é Marin, preso na Suíça e que provavelmente será extraditado ao continente americano.

Charles Blazer, outro réu confesso e uma das principais fontes para a investigação de com-pra de votos, foi pego por vender o seu para a África do Sul, em 2010. Tanto ele quanto Hawilla declararam-se culpados, dispostos a colaborar, e pagaram o que deviam tão logo o FBI bateu em suas portas. Hawilla talvez soubesse que Marin tentara convencer Ricardo Teixeira de acabar com o esquema de propinas à Nike, em 1996; Blazer não recebeu o pagamento devido pelo voto e, talvez por isso, não demorou a falar.

Seja no Brasil com a Globo, seja nos Esta-dos Unidos onde Ruperth Murdoch é dono dos canais Fox, os valores envolvidos ilustram como a televisão e os cartolas sempre souberam usar a paixão pelo esporte a seu favor e não para bem do próprio jogo.

“O futebol brasileiro ganhou cinco Copas do Mundo apesar dos cartolas”, diz Juca Kfouri. “Quando o futebol virou um grande negócio, ba-teu na incompetência da nossa cartolagem e nós viramos exportadores de pé de obra”, continua. De fato, o vexame do 7x1 não pode ser analisado em separado da decadência de um modelo de corrupção mafiosa e institucional adotado pelos cartolas brasileiros. Hoje a várzea, de onde nascia nosso melhor futebol, perde a batalha contra a especulação imobiliária; os ídolos dos jovens

aparecem apenas na televisão, em comerciais de shampoo ou jogo de clube europeu; novas promessas vão, com 17 anos, jogar em países de economia menores que a brasileira, como a Ucrânia. O mundo girou, mas a bola dos cartolas parece ter parado de rolar após a tragédia do Sarriá.

Perspectivas – Claro que catástrofes de tamanha magnitude provocam mudanças. Inclusive, segundo Azenha, são as únicas ca-pazes de promover uma transformação real da peleja brasileira. O jornalista acredita que o país deveria se inspirar no modelo estadunidense, de ligas controladas pelos clubes, que organizem financeira e logisticamente o campeonato de maneira igualitária e deem voz aos jogadores. Desta forma, segundo ele, teríamos, como nos Estados Unidos, torneios mais atraentes, mais competitivos e, consequentemente, geradores de mais lucro – o que, afinal, é o propósito do esporte espetacular e capitalista em qualquer lugar do mundo.

Por outro lado, tanto Azenha quanto Juca desacreditam absolutamente na CPI da CBF. Azenha cita a bancada da bola como principal impedidor, e Juca lembra a CPI de 2000, também sobre a CBF, que só para punir Ricardo Teixeira levou 12 anos. Além disso, Kfouri diz não acre-ditar, “infelizmente”, em Romário (presidente da CPI), por suas ligações óbvias com Eurico Mi-randa, atual presidente do Vasco e dos maiores cartolas que o país conhece. “Acho o Romário tão oportunista como político como era dentro da área” e mesmo se derrubasse Marco Polo del Nero, atual presidente da CBF, nada mudaria estruturalmente, já que seu sucessor, Delfim Peixoto, “é tão ruim ou pior”, diz o jornalista dos canais ESPN.

De fato, talvez o Congresso brasileiro seja das poucas instituições nacionais que acompanhe o futebol no quesito atraso. Juca lembra, espe-rançoso, a união dos jogadores do Bom Senso e a presidente Dilma Rousseff, que segundo ele, foi das principais responsáveis pela aprovação da Medida Provisória 671, a MP do futebol por ser “absolutamente fiel ao que prometeu”. “E mesmo assim conseguiram transfigurar bastante a lei”, ressalva.

Nas palavras de Azenha, “é incrível como o Brasil consegue levar o que era uma paixão nacional, com grande potencial comercial inclu-sive dentro do capitalismo, à falência por falta de organização, por corrupção e por repetir no futebol o modelo de organização da nossa so-ciedade: o uso de um bem público e cultural, o futebol, para ação de lucros pessoais”.

Finalmente a estrutura corrupta e mafio-sa que assolou por décadas o futebol mundial parece ter chegado a seu ponto de saturação. As novas eleições na Fifa acontecem no dia 26 de Fevereiro de 2016 e Blatter resume suas apa-rições públicas a declarações desencontradas. Enquanto isso, no Brasil, del Nero segue com medo de viajar para o exterior ou ao menos marca compromissos pessoais sempre coincidentes com obrigações internacionais. Ao invés disso, quem viaja para os quatro cantos do globo é nosso manto canarinho desbotado que, a cada convo-cação de Dunga, levanta mais suspeitas sobre a interferência de empresários nas escalações do escrete nacional.

A única certeza é que a partida está longe de acabar.

João Havelange e Ricardo Teixeira abraçados por Pelé

José Maria Marin e Marco Polo del Nero almoçam com Eurico Miranda, o motivo de Juca desconfiar de Romário

O jornalista britânico Andrew Jennings presta depoimento para a CPI da CBF, ainda neste ano

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Andrew Jennings é um jornalista escocês, nascido em 1943 e neto

do ex-jogador Clapton Orient. Mudou-se para Londres ainda jovem, onde traçou toda a sua carreira como jornalista.

Hoje renomado, seu primeiro grande trabalho investigativo, sobre a corrupção na Scotland Yard e suas conexões com um cartel colombiano que vendia cocaína nas ruas da Flórida, foi barrado de ir ao ar na BBC, em 1986. Em reposta, rompeu com a emissora inglesa e conseguiu que seu documentário fosse veiculado pela rival Granada Television. Em 1989 o escocês transformou este trabalho em um livro, chamado Scotland Yard’s Cocai-ne Connection.

Desde então o escocês especializou-se em grandes investigações a ponto se consi-derar principalmente um investigador: “tudo que eu faço é descobrir evidências”, diz. Escreveu livros sobre a corrupção nos Jogos Olímpicos, mas especializou-se no futebol, tendo publicado diversos livros sobre o tema, com destaque para dois grandes sucessos: Um Jogo Sujo – O Mundo Secreto da Fifa e Um Jogo Cada Vez Mais Sujo, livros responsáveis em grande parte pela investigação que hoje o FBI faz sobre a FIFA.

Por todo este trabalho o escocês, que vive numa fazenda no norte da Inglaterra, pode ser considerado o maior desafeto de todos os cartolas.

Confira a íntegra da entrevista conce-dida por Jennings ao Contraponto.

Por João Gabriel

o esCoCês que derruBou a fifa

Andrew Jennings comenta a ação do FBI e seu trabalhocomo investigador

Desastre no futebolCONTRAPONTO

Contraponto: Você derrubou Ricardo Tei-xeira, João Havelange e agora Blatter. Como você se sente a respeito?Andrew Jennings – Eu estou fazendo meu trabalho, não gosto de ter sentimentos. Eu peguei Teixeira com documentos, como um repórter investigativo. Mas eu não sinto, é um trabalho que precisa ser feito, eu fiquei feliz em fazê-lo porque todos no Brasil tentaram, mas não conseguiram.

CP – Pelos que você sabe, quão profundo podem chegar as investigações do FBI?AJ – Se nós lermos o documento de acusação completo, de 164 páginas, ou assistirmos o que, no dia 27 de Maio, a procuradora geral Loretta Lynch disse, saberemos que isso é apenas o começo, ainda acontecerão mais coisas. O procedimento padrão para investi-gação criminal é colocar pessoas em campo, prender algumas pessoas da gangue e dizer “o que vocês querem? Ajudem ou vão para a prisão”. E eles irão dizer “como posso ajudá-los!?”. Começou com Chuck Blazer, ele levou a J. Hawilla da Traffic, eles toparam usar uma escuta e assim pegaram Jeff Webb e os outros seis homens em Zurique. É um procedimento padrão. Você pega alguém, ele se torna uma testemunha, te conta muitas coisas, você checa, apura mais e quando acha que está bom, seguro e preciso, prepara uma acusação formal. Eles voaram para Zurique e depois tornaram pública a acusação; eles não publicam antes porque eles nunca pegariam ninguém, todos se esconderiam em baixo de

pedras. É apenas um procedimento padrão que sabemos estar acontecendo e que vai acontecer por anos, porque são muitas coisas envolvidas.

CP – Você acredita que as investigações pro-moverão uma mudança estrutural na Fifa?AJ – Sim, pois elas forçarão transparência, eles terão que fazer o que os governos fazem, colocar tudo dentro da linha. E não sobrará muito quando tudo acabar, são muitas prisões ainda por vir. Isso trará mudança. Na Europa, alguns incompetentes da imprensa olham para isso como um monte de brasileiros e argentinos, eles não percebem que faz todo o caminho de volta até a Europa. Valcke sabia disso, Blatter sabia disso. Uma coisa impor-tante para a qual eles não atentam é que a polícia suíça está cooperando.Quem vai querer participar de um congresso no qual roubou metade das pessoas presen-tes? Quem vai arriscar ir para um congresso na Suíça no qual, quando chegar lá, um policial pode dizer “com licença senhor, você poderia me acomanhar?”Está tudo sendo repensado por Blatter e seus desonestos comparsas. Mas eles estão enga-nados que vai acontecer outro congresso, porque no mundo real, não vai.

CP – Temos a impressão que eles estão focando na América Latina, por exemplo a Conmebol e a CBF. É difícil que se fale da Uefa. Por que?AJ – É uma investigação que começou na Fifa

O jornalista Andrew Jennings

Blatter em coletiva no momento que humorista

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americana, com Chuck Blazer, ele entregou J. Hawilla. E tudo cresce a partir disso. Quem disse que a Uefa é corrupta? Eles estão no meio do processo e, se chegar até a Europa, com certeza eles os pegarão. Mas para o momento, Hawilla lhes entregou pessoas da América Central e do Sul, porque era com quem ele trabalhava. A geurra não acabou, grande parte da investiga-ção é traçar registros bancários. Mas para casos internacionais, é preciso entrar em contato com os governos, pedir permissão etc. Eles estão tentando, mas isso leva tempo.E a maior parte disso é coberto por incom-petentes que fazem o jogo do “ele disse”: Blatter disse que acabou, Blatter disse que é inocente. Eu nem me daria o trabalho de escrever tais coisas, o que eu quero são va-zamentos. Mas o padrão está sendo imposto por jornalistas inúteis que tem como principal habilidade escrever fatos inúteis. O que isso tem a ver com jornalismo investigativo? Nada! É apenas reportar oque acontece no esporte e isso é o máximo que essas pessoas conse-guem fazer. Eles não sabem fazer o que eu faço, porque eu sou um investigador, não um jornalista esportivo.Então, nós estamos no início de uma longa investigação e neste minuto Jeffrey Webb está sentado no escritório do FBI em Nova Iorque, chorando. Essas pessoas são detetives profissionais e estão lidando com pessoas não muito inteligentes em provar sua propria inocêcia. Por favor, eu sou britânico e você é brasileiro, se eu quisesse te subornar eu não o faria em dólares americanos, porque passaria por bancos nos Estados Unidos. Eu faria com euros, barras de ouro, qualquer coisa que não dólares americanos.

CP – Com esse abalo na Fifa, quem você acha que se dará bem?AJ – O FBI. É ridículo este “eu vou perma-necer, eu vou fazer isso”. Nós são sabemos se haverá um congresso, quem estará na cadeia, quem irá ao congresso. É muito cedo. Eu não acredito que terá um congresso ano que vem, porque o FBI prenderá muito mais gente. Certamente não é meu trabalho dizer Zico ou Platinni. Eu não ligo. Só me importo em encontrar a corrupção.

CP – Você acredita em teorias de que existe uma disputa geopolítica por trás dos interes-ses do Departamento de Justiça dos Estados Unidos?AJ – Não são teorias, é besteira do Putin. Se você quebra a lei americana, eles te pegam. Vá para Nova Iorque e soque alguém na cara no meio da rua: você vai para a delegacia.Essas teorias são lixo escrito por repórteres que não tem nenhuma matéria. Olhemos os fatos, não os rumores. Quem liga para rumo-res? Rumores vem de pessoas das quais nunca ouvimos falar. Pessoas que não sabem nada, não tem nada, mas precisam de qualquer coi-sa para mostrar ao editor. Temos que ignorar jornalistas estúpidos que não sabem nada.Tratemos esta investigação como uma inves-tigação em andamento, olhemos para o que realmente aconteceu. As pessoas presas vão falar, porque caso contrario vão para a prisão.

Os detetives do FBI são muito cuidadosos, a última coisa que querem é prender algumas pessoas, levá-las à corte e elas escaparem porque as provas não são suficientes. Seria muito constrangedor. Eles não tem pressa, estão tomando o tempo necessário para ter as provas que precisam.

CP – Qual é o papel do jornalismo? Como fazer jornalismo de verdade neste contexto?AJ – Eu investigo. Foi por isso que os detetives vieram até mim e eu fiquei feliz em ajudar. Os brasileiros não conseguiram prender ninguém, mesmo com toda a investigação do início do século. Mas eles foram pegos finalmente, é isso que importa. Tudo que

A queda dos cartolas: uma linha do tempo27 de Maio: Com todos reunidos para o Congresso atual da Fifa e eleições presidenciais, em

Zurique (SUI), FBI prende 7 importantes carolas, dentre eles Jeffrey Webb, então vice-presidente da entidade; Eugênio Figueiredo, presidente da Concacaf; e José Maria Marin, presidente da CBF.

29 de Maio: Em clima de velório, Blatter é reeleito quando seu desafiante, o príncipe Ali Bin Al Hussein, joga a toalha no segundo turno, consumando o anticlímax da festa.

2 de Junho: Dando início ao segundo movimento de seu réquiem ainda inacabado, Blatter renuncia quatro dias após sua reeleição.

10 de Junho: Zico anuncia que tem a intenção de se candidatar à presidência da Fifa, mas apenas mediante uma mudança nas regras da entidade.

15 de Junho: Descobre-se que Chuck Blazer trabalha escondido para o FBI há 18 meses, enquanto membro do comitê executivo da Fifa. Em seguida, Chuck é banido de qualquer atividade relacionada ao futebol por sua vida inteira.

20 de Julho: Antes de começar a coletiva de Blatter, o humorista britânico Simon Brodkin vai até a bancada e lança dinheiro falso sobre o suíço (foto). Desamparado, chama a segurança que logo retira Brodkin de cena, mas não impede que a coletiva atrase e comece em clima tenso. Na entrevista, o cartola anuncia que novas eleições aconteceram no dia 26 de Fevereiro.

24 de Julho: Jerôme Vlacke, então secretário geral da entidade máxima do futebol, anuncia que deixará seu cargo em Fevereiro.

29 de Julho: Michel Platinni, presidente da Uefa e investigado por compra de votos, anuncia que se candidatará a presidente da Fifa.

7 de Agosto: Fifa anuncia que abrirá uma investigação interna sobre os casos de corrupção já investigados pelo FBI e pela polícia suíça.

9 de Agosto: Chung Mong-joon, ex vice-presidente da entidade, também anuncia sua can-didatura.

9 de Setembro: O príncipe jordaniano Ali, que deixou Blatter vencer, também anuncia que concorrerá ao cargo.

17 de Agosto: Valcke é colocado de licença por tempo indeterminado, por razão das alegações de que está envolvido em casos de desvio de ingressos e venda dos mesmos ilegal-mente.

25 de Setembro: Polícia suíça abre inquérito contra Blatter, para investigar casos de má gestão e mal uso da entidade. Por meio do advogado, Blatter nega qualquer acusaão.

8 de Outubro: O Comitê de Ética da entidade confirma a suspensão não só de Blatter, mas tam-bém de Platinni e de Jerôme Valcke (que já estava afastado) de todas as atividades relacionadas ao futebol por 90 dias, com possibilidade de suspensão por mais 45. Além dos três, Chung Mong-joon, candidato à presidência, é banido por seis anos da entidade.

9 de Outubro: Suíça autoriza extradição do quinto cartola preso. Marin ainda aguarda em continente europeu. Blatter recorre da suspensão e Conmebol anuncia que apoiará Platinni.

10 de Outubro: Platinni também recorre à sua suspensão. Caso sua suspensão fosse estendida pelos 45 dias possíveis, sua suspensão acabaria 6 dias antes das novas eleições, dificultando suas chances.

jornalistas podem fazer é investigar, como eu faço. Eu precisei de nove anos para persuadir a pessoa que tinha a lista dos que receberam propina a me dar.

CP – Você disse que é um investigador. Então, por que escolheu o futebol?AJ – Porque é a paixão de todos. A maneira como eu descrevo é a seguinte: o esporte gera paixão em todo o mundo, paixão traz dinheiro, mas o dinheiro não era regulamen-tado, não haviam regras para a CBF, para a Fifa ou para a FA [em inglês, Associação de Futebol]. Eles teriam que ser muito estúpidos para serem criminosos, não? Existe um vácuo onde o crime organizado surgiu.

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CONTRAPONTO�� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por ananda Portela e leo machado Bianchi

BrasiL TenTa se reCuPerar, um ano aPós ovexame hisTóriCo

O esporte mais popular do país começa a dar mostras de que pode superar o trauma vivido durante a última Copa do Mundo

Dia 8 de julho de 2014. Um dos jogos mais humilhantes da história de uma

das maiores seleções do mundo: o fatídico 7x1. O estádio Governador Magalhães Pinto, o Mi-neirão, foi o palco de um espetáculo, mas dessa vez realizado pelos alemães, que envolveram a equipe brasileira e fizeram cinco gols em apenas seis minutos e 40 segundos. Eles puseram fim a um sonho um tanto quanto utópico: conquistar o hexacampeonato em casa com um futebol que demonstrava estar doente há anos.

Minerazo, a mais nova definição de vexame – No dia 12 de junho, do último ano, começava o sonho brasileiro da conquista de um título mundial em casa, uma oportunidade que poucas seleções têm. O Brasil tivera essa chance pela primeira vez em 1950. Porém, o sonho ter-minou com o “Maracanazo”, a derrota histórica para a seleção uruguaia em pleno Maracanã, com uma falha que viria a crucificar o arqueiro canari-nho, Barbosa, que sem dúvidas faleceu como um dos maiores vilões do futebol brasileiro.

O que Barbosa, 15 anos após sua morte, e nenhum brasileiro esperavam, era um novo “azo”, mas dessa vez um “Minerazo”. Um novo vexame em território nacional, que expôs as en-tranhas do futebol brasileiro e de sua gestora, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), causou um grande choque de realidade. Essa vergonha acendeu o sinal amarelo para todos os apaixona-dos pelo esporte mais popular do país.

Segundo André Rizek, jornalista da Sportv entrevistado pelo Contraponto, a seleção pecou na preparação para o jogo contra a Alemanha. Ela superestimou a lesão sofrida pelo craque Neymar, na partida contra a Colômbia, fato que prejudicou imensamente a concentração para o jogo contra os alemães. “Quem acompanhou o noticiário, os treinos e as transmissões viu um Brasil muito mais em luto do que se preparando”, afirmou Rizek. Naquele momento, muitos críticos do futebol já imaginavam a derrota no jogo seguinte para uma seleção que era, de fato, superior.

Além disso, ele acredita que a postura de superioridade brasileira atrapalhou considera-velmente no desempenho da seleção durante a Copa. Os próprios dirigentes colocaram a equipe como favorita ao título sem que ela tivesse força suficiente para tal. André sustenta a ideia de que “o grande erro foi abandonar aquela coisa do Felipão de “nós contra o mundo”, algo que aconteceu na Copa das Confederações, assu-mindo um discurso de favoritismo burro sem ter time para isso”.

Apesar da derrota vexaminosa, a Copa do Mundo carrega aspectos positivos. Segundo o próprio jornalista, ela influenciou no aumento do público nos estádios no campeonato nacional, mesmo que não tenha conseguido acabar com o clima tenso entre as torcidas no Brasil.

Em contrapartida, ela deixou um legado negativo. Os estádios custaram muito aos cofres públicos e atualmente, alguns deles encontram-se inutilizados como as Arenas Manaus, Cuiabá e

Brasília, que se tornaram o que se temia, grandes elefantes brancos, nome dado a algo de grande custo que não tem utilidade equivalente. “Tenho esperanças que a Polícia Federal investigue a construção desses estádios.”, afirmou Rizek.

O reflexo no cenário nacional – A Copa terminou e o que restou aos brasileiros foi um campeonato pouco atrativo, que há anos vinha sofrendo com baixos públicos e má qualidade técnica. Os estádios com gramados ruins e brigas de torcida, como ocorrera na última rodada do Brasileirão de 2013, na partida entre Atlético-PR e Vasco da Gama, sintetizavam bem o momento do futebol nacional pré-Copa.

As novas Arenas com bons públicos, gra-mados em bom estado, infraestrutura de boa qualidade, os jogos de bom nível técnico e um ambiente mais receptivo às famílias são cenários que nem os mais otimistas analistas previam para o futuro brasileiro após um vexame sem prece-dentes, que mostrou a fragilidade da estrutura do futebol no país.

Mesmo com uma visível melhora, poucos são os que defendem a CBF como responsável por isso. Muitos creem que as novas Arenas têm atraído o público, melhorado a qualidade técnica dos jogos e das disputas. Os campeo-natos nacionais de 2013 e 2014 têm média de público inferior ao atual, que tem cerca de 18 mil pessoas acompanhando os jogos todas as roda-das. Na 16ª rodada, o Brasileirão teve a marca impressionante de 28 mil pessoas nos dez jogos da rodada, média próxima a dos jogos das 11h da manhã, que costumam contar com cerca de 25 mil espectadores. Esse número é pequeno em comparação com a média de 43 mil espectadores por jogo da liga alemã, a Bundesliga.

Entretanto, a alta média de público no Campeonato Brasileiro não é acompanhada pelos campeonatos estaduais, que são de baixíssima qualidade e acabam se tornando mais uma maneira das federações lucrarem. “Os baixos públicos ocorrem principalmente nos estaduais. Torneios mortos que não fazem mais sentido nos dias de hoje e só existem, grandes como são e da maneira como são, para manter o poder nas mãos das federações.”, constatou André.

Segundo Rizek, também falta à CBF a cul-tura do espetáculo. Ela já existe nos campeonatos fora do Brasil e atrai o público independentemen-te da fase dos clubes, melhorando a qualidade dos jogos, que são transformados em verdadeiros eventos. “A CBF faz pouco pelo espetáculo. Ela é acomodada e acha que o produto futebol é inesgotável”.

O futuro do futebol – O que esperar do futebol brasileiro é uma incógnita. Nem mesmo os mais ousados analistas do esporte ousam ar-riscar o futuro da instituição que gere a paixão nacional, a CBF, que se viu em perigo talvez pela primeira vez, em seus 101 anos de vida, com seu ex-presidente, José Maria Marin, preso em terras suíças. Ele é acusado de participar de um esquema de corrupção que envolvia dezenas de outros dirigentes mundo afora, possivelmente incluindo outros dirigentes brasileiros, como o atual presidente da confederação Marco Polo Del Nero. “Não confio em alguém que passe a vida como dirigente de futebol”, afirma Rizek.

Após o maior vexame da rica história do futebol brasileiro e passados mais de 365 dias do final da Copa do Mundo Fifa realizada no Brasil, os milhões de amantes do esporte esperam que o país volte a ser o “país do futebol”, a “pátria de chuteiras”, o lugar onde o talento nasce da terra e onde qualquer par de chinelos se trans-forma em traves para, por alguns momentos, qualquer um se sentir um grande jogador como os que já tivemos. Pelé, Zico, Sócrates e outros tantos esperam que um dos maiores patrimônios culturais do Brasil não se perca nas mãos de um pequeno grupo que ambiciona somente a venda do futebol e o benefício próprio.

Desastre no futebolCONTRAPONTO

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ão Alemães comemoram um dos sete gols contra o Brasil, 2014

“quem acOmpanhOu O nOTiciáriO, Os TreinOs e as

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(andré rizek, jOrnalisTa da spOrTv)

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��CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Capa do Jornal da Tarde após derrota para a Itália, 1982

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Por João Gabriel

minerazzoCrônica relata o que foi a derrota para a Alemanha

O dia 8 de Julho de 2014 ficará mar-cado para a história do futebol,

assim como o Maracanazzo, em 1950, e a tragédia de Sarriá, em 1982. Mas o 7 x 1 é singular. E 1950, um Maracanã calado chorou a derrota na final da Copa do Mundo, em um jogo que podíamos empatar, para um Uruguai que jogava pior. Em 1982, a seleção que era equiparável à de 1970, com Pelé, foi uma das que melhor trataram a bola na história. Ape-sar disso, sofreu uma amarga derrota para os Italianos, num jogo que tentamos vencer e acabamos em prantos.

Em 2014, fomos humilhados em casa e nosso futebol, enforcado em praça pública. A derrota para a esquadra germânica torna-se o símbolo da decadência do futebol canari-nho, que hoje não ensina samba dn Espanha nem no Brasil, mas que tenta, erroneamente, acoplar-se ao modelo europeu enquanto seus cartolas corrompem até o último campo de várzea sobrevivente da batalha contra a es-peculação imobiliária.

A seguir, reproduzimos crônica escrita um dia após o desastre.

Desastre no futebolCONTRAPONTO

Crônica de uma catástrofe

Hoje canarinho acordou chorando

Nunca antes havia desistido de assistir uma partida da seleção no meio. Já tinha feito isso com meu time, duas vezes na verdade, mas nunca com a seleção brasileira. Ontem, após o terceiro

gol, não aguentei. Comecei a chorar e saí de perto da televisão. Também nunca havia chorado num jogo do Brasil. Chorei uma vez num jogo do meu time, uma só, há muito tempo. Com as mãos na cara ouvi mais dois gols e depois outros dois. Na hora não consegui fazer a conta, fui ver que eram sete só quando saiu o gol do Brasil e eu achava que seria três ou quatro a um. Nunca havia me sentido tão humilhado no futebol.

Explico meu desconsolo, pois ele não era simplesmente irracional. Uma catástrofe nunca é causada apenas por um erro. Os erros do Brasil começam lá atrás, na formação de nossos jogadores, passa pelo campeonato nacional e, ontem, desembocaram na nossas seleção. Já ensinamos futebol para o mundo inteiro, não precisamos aprender o que fazer, precisamos apenas fazer.

O mais irônico é que a Alemanha é quem fez. Oito anos atrás os alemães perdiam uma semifinal em casa. Oito anos atrás o ambicioso, porém muito simples, projeto da federação alemã de futebol (DFB) estava dando seus primeiros passos. O que fizeram foi, por exemplo, exigir que todos os times da primeira e segunda divisão tivessem suas categorias de base e que todos os jovens atletas preci-sariam cursar até o fim do ensino médio, tudo bancado pelo clube. Além disso a federação investiu em profissionais. Não só jogadores, ela hoje forma treinadores, auxiliares, preparadores físicos. Tudo parte de um programa que também espalhou centros de treinamentos pelo país todo. Veja, é o óbvio do óbvio: investiremos no futebol, pois daqui dez anos o colheremos os frutos. O resultado é o campeonato alemão com hoje prestígio quase igual ao inglês, uma quantidade absurda de bons jogadores surgindo e uma seleção que dispensa comentários.

Enquanto isso, após o vexame, um tal de Cafú pediu a Felipão para entrar nos vestiários. Foi autorizado pelo treinador, mas expulso por Marin. Este mesmo cartola que controla a CBF, que deixa o campeonato do jeito que está, deixa times pequenos desaparecerem aos montes, nem sequer dialoga com os atletas e de quebra foi governador de São Paulo durante nossa ditadura. Um cartola tão medíocre que não é nem capaz de ver como, no Brasil, investir em futebol é certeza de sucesso. Mesmo usando a lógica do nojo, que é a do dinheiro, não há desculpas para não se gastar, pois o retorno é certo e o lucro também! Seja pela lógica do futebol, da conservação de um patrimônio nacional e cultural, pela alegria do povo, seja pela lógica nojenta do capitalismo (qual teria mais efeito em pessoas nojentas como Marin), o único motivo para não se investir em esportes no Brasil é burri-ce, irracionalidade. O primeiro passo para mudarmos o nosso futebol é ter a humildade de aprender com os alemães. Outro passo importante, dado muito recentemente (o que nos impede de colher os frutos, pois ainda são verdes), foi a conversa da presidente Dilma com o Bom Senso. A abordagem do movimento é diferente, não atua tanto na formação dos jogadores mais sim no cuidado com os já firmados e com o campeonato, mas é de igual importância.

Há ainda que se ressaltar que, agora mais que antes, esta vem sendo, das copas, a Copa. Nem teorias conspiratórias absurdas poderemos mais ouvir, nem do mais louco e alucinado chato do país. Os argumentos sobre o fracasso fora de campo já se esgotaram na fase de grupos, a conspiração caiu ontem junto com o Brasil inteiro. Dentro de campo não preciso me alongar: o futebol é muito bom.

Mas nossa seleção, ao perder Neymar, perdeu sua última gota de identidade. O camisa 10 era o único jogador de futebol brasileiro naquele ataque, o único drible, a única improvisação, o único Brasil. Mesmo sem sermos nós mesmos poderíamos ter vencido, bastava preencher o meio, pois é por ele que os alemães jogam. Mas tão atrasado e teimoso que é Felipão, não o fez. Não digo que a vitória seria certa, mas a derrota seria digna. Depois assumiu a culpa durante a coletiva e só por isso ainda merece um pouco de respeito. Mas por favor, meu caro Luis Felipe Scolari, fique em casa e repense tudo o que acreditas sobre futebol. São treinadores como ele, Parreira e Luxemburgo que conservam nosso jogo onde ele está. Ah, e claro, cartolas como Marin e del Nero, acima de tudo. Desculpa pedem os jogadores e estes merecem outra chance, jogaram sem comando, sem direção e sem salvação.

O vexame é histórico a ponto de poder ser comparado ao Maracanazzo. O futebol brasileiro está doente e não é de hoje. Temos uma geração esplendida, liderada por Neymar, mas que tem Lucas, Oscar, Phillipe Coutinho e muitos outros jovens com chance de, assim como Muller em 2010, duas copas ou mais copas pela frente. Devemos nos espelhar nos alemães, pois eles passaram por isso em 2002 contra nós (em escala infinitamente menor) e ontem deram o troco, nos humilharam, nos des-truíram, atropelaram, amassaram, mastigaram, engoliram, cuspiram, pisaram, chutaram, morderam e tudo isso na nossa casa e tudo isso merecido.

Que pelo menos a derrota sirva para que somente absolutamente tudo seja diferente daqui pra frente. Então, quem sabe um dia, poderei chamar uma seleção brasileira de canarinho e pedir para voar.

Chora canarinho, chora.

(João Gabriel)Barbosa leva gol de Ghiggia, o tento que calou o Maracanã, 1950

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CONTRAPONTO�� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por andré vieira

Profissão BusCa seu rumoMesmo sujeitos a vários aprimoramentos tecnológicos, jornalistas

ainda têm a incerteza como única certeza

Ao pensarmos na crise no Jornalismo, logo de cara, já relacionamos com

demissões de centenas de jornalistas das reda-ções de jornais. Contudo, a situação em que a profissão vive hoje, infelizmente, envolve muito mais do que um simples problema de cunho trabalhista, uma vez que abrange o próprio fazer jornalístico, as organizações internas e externas das redações e, sobretudo, o papel que o jorna-lista e os veículos de informação desempenham no cenário nacional e global.

O aperto que o Jornalismo sente hoje não é algo inesperado ou recente, efêmero ou pas-sageiro, ele é, de fato, fruto do esgotamento do modelo empresarial de produção jornalística. Esse modelo foi importantíssimo no começo da profis-são e em seus anos áureos (1950 a 1980). Havia uma maior preocupação com o fazer jornalístico, com a discussão e a profundidade dos assuntos tratados – tendo em vista, principalmente, os interesses da esfera pública – e com a credibili-dade do jornal e do jornalista, numa época não só marcada pela discrepância entre o orçamento das empresas jornalísticas – em função do inves-timento de acionistas – mas como também com a qualidade das notícias e reportagens.

No entanto, a partir do momento em que há um declínio do modelo, mediante a uma má administração dos veículos e um desinteresse dos acionistas, ocorre uma queda vertiginosa na quantidade de jornalistas nas redações e da qualidade de reportagens produzidas. Ora, se um jornal vai financeiramente mal qual é a medida mais lógica indicada, segundo a ótica do mercado, para se cortar gastos? Exatamente, demissões; mas não demissões esporádicas e de alguns profissionais, mas, sim, de grandes con-tingentes de trabalhadores em curtos períodos

de tempo. Trata-se, assim, de um sistema falho em que o bem-estar financeiro dos investidores e dos grandes barões da mídia mais vale do que a qualidade e a imagem que o jornal/revista passa ao seu público.

Para Luiz Carlos de Oliveira Ramos, 70, professor da PUC-SP e jornalista há mais de 51 anos, esse enxugamento das redações resulta em “uma limitação física do veículo em cobrir as pautas e assuntos do dia, além de proporcionar uma grande perda de quali-dade e profundidade nas matérias tendo em vista a grande quantidade de jornalistas pouco experientes que acabam substituindo os mais experientes e o grande número de estagiários que são contratados para realizar milhares de tarefas ao mesmo tempo”.

Tecnologia no Jornalismo – Ainda se-gundo o professor, outro aspecto que foi funda-mental para o desmantelamento da profissão foi o uso incessante da tecnologia nas redações e na produção jornalística. “A tecnologia veio em nosso benefício, tanto para nos auxiliar na troca de expe-riências em tempo real com outras redações como, também, para facilitar a elaboração de material jornalístico. Contudo, muitos jornalistas, pelo uso demasiado e inocente, acabam por se tornarem escravos dessa tecnologia. Preferem utilizar-se de ferramentas e informações prontas, disponíveis na web, à ir às ruas e escutar o que a sociedade tem verdadeiramente a dizer”, explica Ramos.

Já para Elis Monteiro, repórter e colunista do caderno InfoEtc (Jornal Globo), “a tecnologia não é a responsável pela crise. Ela poderia ter sido

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Jornalista: futuro duvidoso da profissão

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��CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

uma aliada de todos os veículos de comunicação, e na verdade o foi para muitos. No Brasil, acabou sendo vista como inimiga e não como aliada, e aí é que está o problema. Os que perceberam a internet como aliada saíram na frente e passaram a usá-la a seu favor.”

De fato, se analisarmos projetos de digita-lização da informação jornalística como “Digital First” (The New York Times) “Le Monde Électro-nique” (Le Monde) e a versão on-line do jornal The Guardian podemos observar uma nova faceta do jornalismo com textos mais objetivos, curtos, hiberlinkados (em que os textos se complementam e agregam outros conjuntos de informação em forma de imagem e vídeo) e, sobretudo, de rápida circulação, de vida curta e de consumo imediato – referentes à frenética do nosso dia a dia.

Cria-se, então, um Jornalismo cada vez mais atrativo, uma vez que é preciso competir com os inúmeros blogs, redes sociais, e outras plataformas midiáticas. Nesse viés volátil, há todos os tipos de conteúdos, desde os consi-derados “fúteis”, até reflexivos, democráticos, sensacionalistas etc.

Esse tipo de fazer jornalístico, em sua maioria, não basta por si só, mas é complemen-tado pela contribuição de cada site e página específica e cada indivíduo em rede. Muitas vezes fomenta-se até grandes discussões de âmbito público, gerando grandes impactos não só na vida daqueles que estavam engajados no debate, mas como também nos menos críticos.

Essa democratização da comunicação, propiciada pela Internet, é segundo Elis, “um

caminho sem volta, e cada vez mais veremos manifestações cidadãs usando e abusando da internet para ganhar voz e capilaridade.”

Real problema – Contudo, nota-se que, mesmo com o advento do jornalismo on-line e do midiativismo, ainda existam problemas graves relativos à qualidade e à credibilidade da informação. Mesmo dos portais ditos como “confiáveis” é possível encontrar falhas e erros que outrora não eram tão comuns. Dessa forma, pode-se dizer que a origem da crise, talvez, não esteja, de fato, circunscrita nos diversos meios do Jornalismo, mas, sim dentro de cada jornalista, enraizado em vícios e práticas que há muito deveriam ter sido esquecidas.

Será que em meio a tantas mudanças tecnológicas, políticas, econômicas, sociais e morais, nesses últimos 30 anos, foi o jornalista que se manteve inalterado? Será que o medo da mudança esteve latente enquanto o repórter observou diversas ditaduras sucumbirem? Foi por sempre manter os olhos arregalados, os ouvidos destampados, os dedos ávidos pela máquina, esperando o próximo furo, que o diarista esque-ceu-se de olhar para si mesmo? Talvez o futuro seja incerto, mas uma coisa é inequívoca, o auto-aprimoramento deve ser uma coisa fundamental para o desempenhar da profissão.

“(Os jOrnalisTas) preferem uTilizar-se de ferramenTas e infOrmações prOnTas,

dispOníveis na web, à ir às ruas e escuTar O que a sOciedade Tem

verdadeiramenTe a dizer”

(luiz carlOs ramOs, jOrnalisTa)

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CONTRAPONTO�0 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por ana lourenço e lara castelo

novos Paradigmas da ProfissãoA internet e os seus recursos vêm transformando o modo de

produzir e divulgar informação

Hoje é quase impossível imaginar um mundo sem a internet. Ao ligar o

computador ou smartphone, um indivíduo de qualquer parte do mundo dispõe das notícias dos maiores jornais e revistas do globo, além da possibilidade de ouvir rádio, ver tevê, buscar informações e visitar sites e blogs jornalísticos.

A mudança de paradigma dos meios de comunicação atuais é inquestionável. A internet vem causando grandes mudanças, tais quais a ve-locidade da disseminação da notícia, a ampliação da audiência e o aumento de assuntos abordados nas redes sociais e nos blogs.

Um pouco de história – A internet surgiu

durante a guerra fria com objetivos militares. Ela seria uma das formas que as forças armadas norte-americanas manteriam as comunicações caso ataques inimigos destruíssem os meios convencionais da imprensa. Foi somente no ano de 1990, que a Internet começou a alcançar a população de modo geral, principalmente nas áreas acadêmicas.

Em meados de 1997, Jorn Barger foi pio-neiro em desenvolver um sistema no qual uma pessoa poderia relatar tudo o que achasse inte-ressante na internet, e usou o termo “weblog” para denominar esse espaço. Tempos depois o nome mudou para simplesmente “blog” e esse se tornou um dos sistemas mais utilizados da in-ternet. Em 1999, o número de blogs não passava de 50 e em 2003 eles já atingiam a média de três milhões no mundo.

Com o advento da web, os e-mails apare-ceram como a primeira forma de relacionamento na internet. Com o passar dos anos e o aumento considerável no número de internautas, surgiu a necessidade da criação de uma ferramenta de comunicação mais abrangente, e com isso aparecem as redes sociais. A primeira surgiu em 1995 nos Estados Unidos e no Canadá, chamada Classmates, com o objetivo de conectar estudan-tes da faculdade.

O processo de evolução continuou e ainda surgiram novidades como a “Web TV” que é uma transmissão de sinais televisivos pela internet, usando a rede para chegar ao cliente, e a “Web Rádio”, um rádio digital que realiza sua transmissão via internet em tempo real. Hoje, os blogs, as redes sociais e os outros recursos da “web” assumem um papel diferente no universo da internet, contribuindo para a ampliação da democracia e da informação.

O jornalismo e a Internet – A ampla aceitação dos novos meios de comunicação levou muitas pessoas a preferir esses novos meios em detrimento das plataformas midiáticas “antigas”, ou, então, escolhem por usá-los em conjunto. Os mais pessimistas acreditam que o discurso escrito e até o televisivo tenham sido superados pelo virtual, e tendem a desaparecer. Outros, propõem que a tendência será de uma maior conexão entre os meios antigos e os novos. Hoje, a mídia impressa alcança 5 milhões de leitores

por dia; a mídia eletrônica, 70 milhões e as redes sociais, 75,8 milhões.

Segundo uma pesquisa feita pelo site Webjornalismo, os usuários alegam as diferentes razões para preferirem o recolhimento de infor-mações online. Cerca de 40% dos participantes alegam que a instantaneidade é o que mais atrai o leitor ao site, outros 28,11% apontam a inte-ratividade como fator decisivo, e 21% afirmaram que o fato das notícias ficarem arquivadas para pesquisa é o que mais chama atenção. Para a jovem leitora e estudante de engenharia Carolina Bassani, 19, o acesso rápido às notícias é um fator decisivo na busca pela informação.

É através da esfera pública, proporcio-nada pela internet, que muitos cidadãos con-seguem ter acesso a mais informações e, tam-bém, opinar e debater sobre diversos assuntos públicos. Muito se fala sobre a democratização provocada pelo espaço virtual, em que, sem gastos ou censuras, qualquer cidadão pode demostrar sua opinião.

Existe, no entanto, uma grande diferen-ça entre o que é produzido por alguns blogs e o que é fruto de uma produção jornalística. Segundo Hamilton Octavio de Souza, jornalista desde 1972, o jornalismo é uma produção de conteúdo e, nessa produção, existem certas características, que envolvem desde a apuração dos fatos até a contextualização da matéria. Essas características são imutáveis do ponto de vista da plataforma usada. Ela é a marca do jornalismo. O compromisso ético do jornalista é de buscar o máximo possível da verdade sobre determinados fatos e colocar isso pra sociedade com total transparência.

Assim sendo, Souza explica que há uma confusão atual entre a liberdade de expressão e o jornalismo, devido ao desconhecimento sobre o que seria a ”real prática” de apuração jornalística, “a participação das pessoas nas redes sociais é um direito de todos. Você pode se expressar, mas isso não quer dizer que você esteja praticando jornalismo”, afirma.

Apesar de acreditar que a internet contri-buiu para instituir no Brasil jornais e outras mídias de diferentes posições, o professor afirma, porém, que ela reproduz a concentração das empresas de comunicação, uma vez que os sites mais visitados na internet são os mesmos dos veículos impressos. Portanto, as informações diárias ainda são dadas principalmente pelos grandes grupos, que apenas cobrem aquilo que é atrativo ao seu público alvo e manipulam tais informações conforme seus interesses econômicos e políticos.

A novidade da internet, para o professor Souza, é que somente nesse espaço virtual há a pos-sibilidade de expressões democráticas com pessoas divulgando materiais interpretativos que não estão dentro dos grupos dominantes, por exemplo.

A internet é, sem dúvidas, enriquecedora para a esfera pública e para o estado democrá-tico de direito. “A internet é um espaço novo de disputa de opinião na sociedade. O blog complementa a parte opinativa do Jornalismo, mas sem reportagem não existe comentarista, não existe blogueiro, não existe palpiteiro”, comenta Souza.

O novo Jornalismo – É claro que, do ponto de vista qualitativo, o jornalismo virtual ainda é heterogêneo e, em sua maioria, sem certos códigos

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Os smartphones facilitam a possibilidade de estar conectado o tempo todo

“ser jOrnalisTa nãO é fácil. é precisO saber se adapTar às mudanças e às TecnOlOgias”

(maTTheus rOcha, criadOr dO siTe nOvO jOrnalismO)

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�1CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

éticos. Mas, é importante lembrar que esse “novo jornalismo” é, como diz o próprio nome, novo, e está evoluindo a cada dia mais. Mesmo sendo novidade, uma coisa é fato: ele veio para ficar.

Para explicar melhor, o comunicólogo com habilitação em jornalismo e criador do site “Novo Jornalismo”, Mattheus Rocha, revela ao Contraponto, em entrevista por e-mail, algumas curiosidades.

Mattheus esclarece a grande vantagem do novo jornalismo através de uma comparação à evolução dos programas de gravação de áudio no nicho da música, “antigamente uma banda precisava ter uma gravadora e uma forte publi-cidade para conquistar uma grande audiência. Hoje, basta um computador, um programa de gravação e a internet (além do talento, claro)”. No jornalismo, com o surgimento da internet, é possível fazer um bom trabalho e ser referência utilizando blogs, gravando vídeos e utilizando um canal do YouTube, por exemplo”.

Ele acredita que o jornalismo impresso não irá acabar, no entanto, a mídia virtual irá diminuir drasticamente as tiragens dos jornais. Enquanto o mercado tradicional sofre com demissões em massa e com grandes veículos fechando as portas, as agências digitais apre-sentam crescimento todo ano de acordo com o censo digital da ABRADi (Associação Brasileira dos Agentes Digitais).

Mattheus Rocha acredita que o jornalismo sempre irá passar por fases de reconstrução e reinvenção. “Ser jornalista não é fácil. É preciso saber se adaptar às mudanças e às tecnologias”. Diferente do que pensa Hamilton de Souza, Rocha acredita que os veículos tradicionais de

comunicação não são mais os “donos da infor-mação”, uma vez que essa circula livremente e com um poder de propagação impressionante. Porém, existe cada vez mais a necessidade de apuração, tanto do leitor quanto daquele que faz a produção jornalística.

Para o professor de jornalismo da PUC-SP, José Salvador Faro, a desvantagem da internet é justamente essa, “o jornalista é muito ameaçado na ilusão de que ele pode publicar a todo o mo-mento, para todo mundo. Ele acelera o trabalho e essa aceleração pode provocar superficialidade e abordagens pouco fundamentadas”, afirma.

Além disso, Rocha explica que o webjor-nalista precisa dominar técnicas de marketing de conteúdo. Ou seja, técnicas e conhecimentos di-ferenciados da mídia “tradicional” e necessários para a uma adaptação de sucesso no jornalismo virtual. Essas técnicas incluem o webwriting e storytelling, por exemplo, que abordam estra-tégias de escrita, normalmente, mais objetiva e com complementos audiovisuais.

O futuro do jornalismo – Há quem diga que, apesar de dar voz a uma parcela significa-tiva da população, os blogs e as redes sociais ainda não são o contraponto das grandes mídias e nem vão ser até que façam a produção da matéria. No entanto, a contribuição da internet para a esfera pública é incontestável, havendo, assim, a possibilidade de uma futura mudança do jornalismo.

A cada segundo, internautas de todo o mundo tem o livre arbítrio de compartilhar fotos e vídeos e comentar situações que estão vivendo no seu país pela internet. Um exemplo marcante

desse fenômeno foi a Primavera Árabe. Usando recursos midiáticos, cidadãos do Egito, Sírio, Líbia e outros países mostravam para o mundo o que realmente estava acontecendo a sua volta. Isso obrigou a mídia tradicional relatar os aconteci-mentos do Oriente Médio e Norte da África de maneira rápida e objetiva, sendo vigiados a todo o momento pelas pessoas que lá vivem.

A cobertura da mídia diversas vezes in-fluenciou o desenrolar de situações limites. Um dos casos foi durante a guerra do Vietnã, onde a comoção pública, principalmente americana, diante da verdadeira feição da guerra que a mídia transmitia, gerou uma série de protestos ao redor do mundo que contribuíram para o seu fim.

Apesar de assistirem aos fatos relatados pela mídia, aqueles mais interessados no assunto podem frequentar blogs, sites e assistir vídeos compartilha-dos no YouTube para entender melhor a situação. É o caso da estudante Juliana Rosa, 18: “Hoje em dia é difícil saber o que está sendo omitido e o que está sendo ressaltado. Por isso, costumo sempre usar a internet para me informar com opiniões e fatos de outras mídias menos padrão”.

A internet pode até ser um fenômeno atual imbatível, mas Hamilton Octavio de Souza não acredita que ela possa caminhar sozinha no âmbito do jornalismo. “Eu acredito que tudo vai se somando. A imprensa escrita surgiu há mais de 200 anos no Brasil e ainda continua viva. Ao mesmo tempo, a audiência de televisão continua grande, sendo que no Brasil é uma das maiores do mundo; temos o Rádio que ainda é o veiculo que manda no interior do país e agora temos o boom da internet que não necessariamente irá excluir as outras. Pelo contrário, os grupos de mídia trabalham com um ajudando o outro, um interagindo com o outro”, declara o professor.

Mudanças recorrentes da internet – Querendo ou não, as redes sociais fizeram com que a participação do indivíduo na rede fosse es-sencial para a vida em sociedade. Isso contribuiu para o crescimento da venda de smartphones. O Brasil tem se demonstrado um grande atuante nessa área, já que é o maior mercado de telefones inteligentes da América Latina, com 89,5 mi-lhões de conexões, e o quinto maior do mundo, depois da China, dos Estados Unidos, da Índia e da Indonésia, segundo o relatório da GSMA (Groupe Spéciale Mobile Association).

Além do uso das redes sociais, os internau-tas são influenciados a contribuir de diferentes maneiras para a web. Um tipo de participação se dá através do envio de sugestões online dos espectadores para o programa ao qual estão assistindo. Isso salienta o caráter integrado dos meios de comunicação, e possibilita um contato mais direto do assistido para com quem o assiste. Essa característica é muito evidenciada em blogs, onde em sua maioria há um espaço para comen-tários opinativos, emancipando o leitor passivo a uma nova realidade de maior atuação.

Outro gênero de jornalismo virtual que tem ganhado cada vez mais espaço na web é o vlog, um gênero especial que surge da junção de vídeos com blogs. Normalmente, opinativos, surgem para enfatizar descontentamento ou sa-tisfação para com algum tema atual. Um exemplo é a vlogeira Julia Tolezano, de 24 anos, conhecida como “Jout Jout” que já atingiu 14 milhões de visualizações em seu canal. Além de ganhar fama, essas youtubers, como são chamadas, mobilizam discussões sobre temas muitas vezes considera-dos tabus para a sociedade.

Logos e marcas das famosas “ferramentas” da internet

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“a inTerneT é um espaçO nOvO de dispuTa de

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Page 42: Contraponto 100 - Edição Especial

CONTRAPONTO42 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por João abel

Crise gera inCerTezas nos esTudanTes

Problemas econômicos e estruturais atingem mídia e provocam indagações sobre perspectivas profissionais

Demissões em massa, poucos recursos, ausência de credibilidade e crise de

identidade. Todos esses elementos presentes no momento atual têm gerado um intenso questio-namento do que é o “fazer jornalístico”, levando estudantes da área a se perguntarem qual o real motivo da escolha da profissão e quais as pers-pectivas para o futuro do jornalismo.

É possível, por exemplo, dizer que ainda existe jornalismo a favor da mediação do domínio público? Ou será que, a partir do momento em que a mídia é dominada pelo poder e dinheiro, ela passa somente a alimentar o mundo sistêmico e deixa de ser contribuinte para a sociedade civil? A busca por essas respostas são fundamentais para esclarecer a situação jornalística contempo-rânea e guiar os ingressantes no jornalismo.

Jornalista há mais de cinco décadas, o pro-fessor Luiz Carlos Ramos, do curso de Jornalismo da PUC-SP, concedeu entrevista ao Contraponto e se mostrou otimista, apesar da crise jornalís-tica. “Em minha opinião, continuará havendo espaço. Os alunos do primeiro ano devem ficar preocupados com o mercado de trabalho, mas aqueles que levam a sério têm tudo para serem vencedores, no sentido de conseguir espaço na área”, acredita.

“No jornalismo, existe uma coisa que não dá para substituir e isso eu posso dizer com orgu-lho para os estudantes do curso. É o fato de que nada substitui a cabeça, o ser humano. Os jornais, rádios, televisão e internet, mesmo em crise, vão continuar precisando de bons jornalistas, gente que sabe ler, escrever, gente que tenha uma boa postura crítica, ideológica e ética. A ética é muito importante. Eu sou contra cérebro de aluguel. Estou cansado de pegar blogs por aí, atrelados ao PT ou ao PSDB, não por questões ideológicas, mas porque são mantidos pelo governo e outros políticos”, complementa.

Internet e jornais impressos – O proble-ma ideológico do meio jornalístico não é a única questão que tem deixado instável a situação dos novos jornalistas no Brasil e no mundo. Com o advento de novos meios de mídia, como a in-ternet, não há clareza com relação a qual será o suporte principal do jornalismo no futuro e os estudantes do curso têm dificuldades de imaginar em qual tipo de veículo terão de trabalhar depois de cinco ou dez anos.

“A crise dos jornais impressos, que já vi-nham passando por um período de queda, é algo normal, em função do surgimento da internet. A internet de fato prejudica os impressos, mas não a ponto de ficarem veiculando que em 2017 vai circular a última edição do New York Times. Isso é bobagem. Alguns jornais inclusive passaram a ter bons sites, passaram a comercializar em cima deles e estão sobrevivendo em grande parte graças a isso”, analisa Luiz Carlos.

Para o professor, demissões recentes em empresas como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Bandeirantes, Jovem Pan e outras são parte da crise econômica que têm afetado di-

versos setores. “A recessão enxuga as verbas de publicidade e isso atinge a mídia”, explica.

Ramos ainda ressalta que existe espaço para jovens alunos que queiram ingressar na mídia impressa, por exemplo: “Dou aula no curso do Estadão, que é o Curso Focas, há 16 anos e estou muito feliz com a turma deste ano. Dois alunos, inclusive, são da PUC-SP, o Lucas e a Rute, e estão se saindo muito bem. Eu levei o grupo ao centro da cidade em setembro, mostrei o local para eles, e fizeram matérias maravilhosas. De 30 reportagens, quatro ficaram mais ou menos e o resto excelente. Qual o segredo? É vontade de fazer. É gente que entrou no Jornalismo porque gosta da profissão e não fica querendo arrumar desculpa para tudo”.

Grande imprensa x mídia alternativa – A crise de credibilidade dos grandes veículos de imprensa também assusta quem estuda mais profundamente o jornalismo brasileiro. O nível de manipulação da mídia hegemônica é alto e, infelizmente, não há uma lei de democratização midiática no Brasil, que equilibre a divisão da infor-mação, hoje extremamente concentrada na mão de poucos grupos familiares e empresariais.

Luiz Carlos também critica os principais meios de mídia, em especial a maior rede de tele-visão do país. “Eu considero a Globo um câncer da sociedade brasileira. As coisas que ela faz tecnica-mente são bem-feitas, as novelas, o telejornalismo. Mas infelizmente a vontade de querer dominar o país – e é algo que eles conseguem – prejudica bastante. O certo seria entregar aos políticos tarefa de fazer isso. Mas a Globo não abre mão de influir em tudo. Se tem corrida de São Silvestre cedo, a Globo assume e coloca à tarde; o horário que o chefe da nação vai falar tem que ser às 20h30, porque é o horário que termina uma novela da

Globo e é antes do Jornal Nacional; e assim vai… Eles mandam em tudo”.

“E se você observar, qual é a propaganda que aparece na TV Globo, além de Magazine Luiza, Casas Bahia, Wolksvagen, Fiat, etc? É a Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, Ministério da Saúde, da Educação… Tudo isso é dinheiro do Governo Federal investido na Globo, o que acaba sendo uma tentativa de neutralizar a Globo do ponto de vista editorial. Em parte, conseguem, em parte não. Então não procede essa tese dos petistas de que a Globo está ao lado do PSDB. A Globo está sempre ao lado do poder. Ela ajudou a eleger o Collor e ajudou a derrubá-lo, quando viu que ele estava se isolando demais e não be-neficiava o empresariado”, ele completa.

No entanto, o professor é categórico ao dizer que a experiência de trabalhar na grande mídia é algo importante na vida de um bom jornalista. “Na Globo, existem vários caras de esquerda, que estão trabalhando e fazendo a coisa direito. Não significa que estão se prosti-tuindo. No Estadão eu trabalhei 37 anos e não me arrependo, ao contrário, aquilo contribuiu muito, não só para manter minha família, mas para que eu desenvolvesse minha carreira”, finaliza Ramos.

Em meio a todas essas questões, os brasileiros que estudam jornalismo precisam colocar na balança suas prioridades profissionais e analisar de forma ampla a crise que assola a mídia. Ser jornalista é ter “a melhor profissão do mundo”, segundo Gabriel García Marquez. Mas no mundo das informações instantâneas, da economia no centro das ações e de fortes conflitos políticos, ser jornalista tem se tornado uma tarefa difícil. Ser jornalista definitivamente não é para qualquer um.

Futuro do jornalismoCONTRAPONTO

“a éTica é muiTO impOrTanTe. eu sOu cOnTra cérebrO de aluguel. esTOu cansadO de pegar blOgs pOr aí, aTreladOs aO pT Ou aO

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Page 43: Contraponto 100 - Edição Especial

��CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

Por Bruna scavuzzi

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O sorriso lhe falta na sua foto 3×4, prova do ensaio hilário que a vida

lhe cobra. E goza. Faz tempo que os jornais comentam sobre você e só para encaixar no eufemismo, eles adjetivam “desempregado” quando querem dizer “inútil”. Fruto podre, nas-cido e criado nos canteiros de obra cimentados. Mais um miserável em frente à banca só para ler as capas e privar o bolso.

E a mesma cidade cuja apresentação dan-tesca espanta, ao mesmo tempo lhe traz alguns mimos, além dos privilégios do anonimato: ser um sujeito deplorável, comum entre outros tão mais deploráveis ou iguais. É sua Mãe dando um abraço e você, já meio trôpego, chora com a língua enrolada por não beijar aquela loira bonita no comercial de cerveja, mais garoto propaganda que qualquer outro.

Em entrevista exclusiva, sua Mãe se posiciona sobre as pombas: “Praga urbana”, resmunga, “não as alimente”. Entretanto a fau-na metropolitana, ainda que rechaçada, come. “Afaste-se”, adverte, “são contagiosas essas desgraças”. E mesmo solitária em sua evolu-ção, o bicho sobrevive. “Animal repugnante”, tacha, “quanto mais tempo passa, mais deles aparecem”.

Guiada por instintos protetores, a Mãe recorre aos órgãos gestores da saúde “tudo-me-nos-pública” que, afim de controlar a epidemia, tratam na base da porrada e do extermínio, mesmo sabendo que nasce muito para o pouco que morre. A velha história da vacina e suas revoltas. “Me ame ou me deixe”, a Mãe desafia e o discurso popular confirma, “Política de mãe não se discute”.

E foi assim que sob os cuidados de sua Mãe você sumiu. Perdido no sacolejar do me-trô, corpo e mente cansados, se esforça para não perder a parada entre outros tantos que sofrem do mesmo fardo. Uma criança prematura e precoce que se agarra a estranhas situações, lugares e pessoas. E vai. Simplesmente vai. Desce na Sé, o ponto de encontro de todos os pobres e sofredores, passa pela Praça sem nem ao menos admirar a arquitetura Catedral. Coisa de turista. Preocupa-se mais em proteger o pouco dinheiro que possui com a fé: faz o sinal da cruz e segue até virar na esquina do anonimato com o quietismo.

Conto a terceiros sua história, ainda que você não seja um conto fora do comum, pois eu sei que não pode fazê-lo. Quero mostrar ao mundo um pouco da sua existência funesta, pois enquanto muitos dormem a cidade-mãe te pega, bota no colo e nina.

CrônicaCONTRAPONTO

“pOlíTica de mãe nãO se discuTe”

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Page 44: Contraponto 100 - Edição Especial

CONTRAPONTO�� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

CONTRAPONTOEdição 100

CP.11.2002

CP.01.2001

Alexandre Ferraz Bazzan

Participei do CP do começo de 2010 até o meio de 2013. Para mim, foi um

grande espaço de aprendizado no jorna-lismo, de começar a diferenciar o que é ou não uma pauta, de liberdade editorial em todos os sentidos, desde espaço em si por permitir escrevermos grandes textos até o conteúdo destes textos. Duas coisas raras onde quer que você vá trabalhar. Mesmo com a correria entre fazer trabalhos e ten-tar fechar as pautas, sempre existia espaço para debates éticos sobre a profissão, de pensar o peso das palavras e de perda de inocência (no bom sentido) para não ser instrumento da fonte, mas sim do leitor. O CP também me mostrou a importância do trabalho coletivo e da cooperação entre colegas. Ali não faltou ajuda para arrumar fontes ou até mesmo braços para finalizar uma matéria dentro do prazo.

• Hoje trabalho no Estadão como subeditor da homepage. Fiz parte da finada redação de Caros Amigos e tive um blog de cultura com duas colegas de CP (Beatriz Macruz e Victória Mantoan).

Ana Carolina Andrade

Eu me formei na PUC em 2011. Além do CP, era do Benê e da Enecos! Fiz

parte do CP durante os 4 anos da facul-dade (2008/2011), e além de escrever reportagens também fui secretária de re-dação. O CP foi uma das experiências mais importantes durante a minha graduação. O diferencial do CP é que ele não é como em outras universidades, uma matéria, um ou um projeto, ele é um jornal do curso que você pode fazer parte em qualquer momento. Essa experiência é muito rica pois você aprende na prática com outros estudantes de diversas vivências. As reuniões eram incríveis e sempre debatíamos a fundo as pautas e @s entrevistad@s. O CP tem um projeto claro, de repensar o jornalismo e de analisar uma mídia que tem muito lado. Não poderia esquecer dos finais de tarde na casa do Wladimir Senise fechando a edição, dos atrasos nas pautas e na falta de fotos, e é claro, da distribuição – a parte que a maioria fugia. Vida longa ao CP! Ele sobreviveu a diversos ataques da reitoria,e é fundamental para formação d@s jornalistas puquianos. E é claro! O que seria do CP sem o Arbex! A parte mais divertida das reuniões sempre foi atormentá-lo!

• Hoje trabalho com jornalismo sindical, mas já trabalhei com comunicação política (na Câmara dos Vereadores) e governamental (na Secretaria Municipal de Cultura), além de assessoria de imprensa

Gente que fez o CP

Publicamos, em seguida, relatos e impressões de ex-“contrapontistas” sobre a sua experiência no jornal laboratório, à época em que eram estudantes no Departamento de Jornalismo da

PUC. Nas páginas seguintes, a palavra é dada aos atuais integrantes da equipe. Para ilustrar os depoimentos, escolhemos algumas das mais significativas entre as 99 capas que fizeram a história do CP.

Ana Maria Straube

Quando entrei no curso de jornalismo da PUC, em 2001, não havia jornal

laboratório. Quem queria escrever se virava com fanzines, jornaizinhos xerocados, e afins. Mas, neste mesmo ano, depois de muita briga do departamento, o curso con-quistou o CP. As primeiras reuniões eram lotadas, todo mundo querendo participar, emplacar pautas, discutir, entregando suas matérias em disquete para a edição. Depois de algum tempo acompanhando aquilo de longe, criei coragem para pegar minha primeira pauta e...deu tudo errado. Levei um esculacho inesquecível do famoso Élio Gaspari e ganhei uma boa história para contar. A partir disso, foram quase cinco anos de contribuições sistemáticas, entre-vistas com pessoas incríveis, oportunidades de conhecer jornalistas renomados, via-gens, e também bolas fora, brigas, textos terríveis, broncas do editor por conta de atrasos, e as famosas esculhambadas que volta e meia ouvíamos por fazer perguntas que incomodavam. Participar do CP com certeza foi uma das experiências mais ricas durante um curso que era especialista em oferecê-las. Provavelmente também tenha sido minha vivência mais próxima de uma atuação como jornalista. Lembro com sau-dades dos momentos bons e ruins passados naquela salinha espremida do finado pré-dio da Comfil, da tensão do fechamento, e sobretudo do compromisso das pessoas que contribuíam com o jornal em desen-volver algo bacana, crítico, bem-feito, e elogiado por estudantes e professores de diversos cursos de comunicação do país.

• Atualmente é gestora de marca da editora LeYa

Raiana Ribeiro

O CP representou não apenas o primei-ro contato com o jornalismo, mas

também a primeira “vivência” de uma redação. Lembro dos debates acalorados, dos desafios em organizar as edições, dia-gramações noites adentro e, claro, a dis-tribuição pela universidade, que também precisava ser garantida. Esse envolvimento foi responsável por grande parte do apren-dizado que a universidade me trouxe, conferindo sentido e experiência prática às aulas. Espero que ele possa continuar formando novas gerações de profissionais críticos e comprometidos socialmente com a comunicação. Vida longa ao CP!

• Editora doPortal Aprendiz e gestora do programa Cidades Educadoras da Cidade Escola Aprendiz. Escreveu para o CP de 2005 a 2008.

Page 45: Contraponto 100 - Edição Especial

��CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

CP.32.2005

CP.35.2005

Arturo Hartmann

Depois de um tempo vamos deixan-do coisas para trás. Das coisas que

permanecem, aquelas reuniões de pauta do CP, às quartas, que esperávamos mais do que as aulas que tínhamos, vêm à mente. Ainda que sejam apenas em frag-mentos de memória, ali já podíamos ver as contradições que enfrentaríamos na profissão. Não tínhamos respostas, mas elaborávamos uma prática e uma reflexão de como tínhamos que ser honestos com nós mesmos e o mundo. O CP foi isso, a raiz que incute a necessidade de pensar o que está se retratando. E nos pulos que dei na profissão nos últimos dez anos (do esporte à questão do Oriente Médio, da imprensa escrita ao documentário), sei que aquela prática do jornal se colocou como algo que permanece. Eram os jornalistas inquietos, nunca contentes com o retrato que se oferece, e nem com o retrato que fazíamos. Permanecemos na tensão desse elo entre o que queríamos dizer e o que dizíamos. É dessa tensão, talvez, que nas-cem as grandes investigações. E o CP foi o laboratório que canalizou essa prática.

• Editor/Repórter da webTV da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Guilherme Zocchio

Graduado em 2013, participei do CP de 2009 a 2012 – em 2011, fui secretário

de redação do jornal. O CP é uma das expe-riências mais decisivas para minha formação de jornalista. Além da oportunidade de produzir coisas relevantes desde o primeiro ano, a dinâmica de reunião e discussão que o jornal mantém está entre as coisas mais ca-ras que a universidade pode propiciar. Como outros contraponteiros, sempre ansiava pe-las reuniões de pauta, em que colocávamos praticamente tudo em debate. Acreditem, esse tipo de prática é mais rarefeita do que parece no mundo lá fora – sobretudo aqui no Brasil. Passar por uma experiência do tipo fomenta nossas capacidades de pensar, argumentar e trabalhar coletivamente. Mais do que um jornal, o CP é um coletivo de exercício do pensamento.

• Trabalho em uma startup de tecnologia com o desenvolvimento de um aplicativo para smartphones. Já trabalhei na Repórter Brasil, em campanhas políticas e eventual-mente encaixo alguma história via freela em outros veículos.

João Villaverde

Quando comecei no CP, para fazer a edição 36, o clima na PUC era horrível.

Uma série de demissões de professores pe-gou todo mundo de surpresa, entre o fim de 2005 e o início de 2006. Era impossível não se envolver, de imediato, com o CP e com o Centro Acadêmico. Os dois cami-nharam juntos para mim nos três primeiros anos de faculdade (2006, 2007 e 2008). No CP, o clima horrível servia de combus-tível para toda a nossa geração canalizar as energias em todo tipo de reportagem. No jornal, fiz as primeiras entrevistas de minha vida, tive os primeiros fechamentos e as primeiras edições. Tive as primeiras reuniões – e as melhores discussões sobre pautas de minha vida. Mesmo depois de 9 anos consecutivos em redações de grandes jornais (Valor Econômico e Estadão), tendo passado por São Paulo e agora em Brasília, nunca a troca de ideias e sugestões entre repórteres de diferentes idades, experiên-cias, vivências e os chefes (no caso, Arbex) foi tão livre, não-hierárquica e dinâmica como no CP. Tive a sorte de trabalhar em edições históricas, como a de número 50, a edição especial sobre a invasão de 1977 da PUC, e a cobertura da Operação Satiagraha, quando escrevi uma matéria de cinco páginas para o jornal. No meio disso tudo, passamos pela crise financeira da PUC em 2006, a ocupação da reitoria em 2007 e a imposição do redesenho ins-titucional em 2008. Anos duros. Mas uma base fundamental para toda a pauleira que enfrentei – e continuo enfrentando – como jornalista de economia e política. Saudades do CP!

• Passou pelo Valor Econômico (2008-2012) e desde 2012 é repórter do Estadão. Vive e trabalha em Brasília desde maio de 2011, onde cobre política econômica. Finalista do Prêmio Esso de Jornalismo 2015 pela série de reportagens sobre as manobras e “pedaladas” fiscais do governo Dilma Rousseff.

Rodrigo Borges Delfim

Integrei o CP durante os quatro anos que estudei na PUC, de 2006 a 2009. Entre

2007 e 2009 eu era o responsável pela seção Antena e também em 2009 era o responsável por repassar a paginação ao Senise. O CP me acompanhou ao longo de toda minha trajetória na PUC e é respon-sável por boa parte do meu aprendizado como jornalista. Aguardava com grande ansiedade as reuniões de pauta e as dis-cussões que aconteciam dentro dela ou nas listas de e-mail. Para mim era a cone-xão das aulas com a prática do jornalismo em si. Também atribuo ao CP parte do meu amadurecimento e do meu posicio-namento político, me levando a reforçar ideais nos quais sempre acreditei e a rever conceitos ultrapassados. É uma verdadeira instituição do curso de Jornalismo e da PUC, que precisa ser defendida com unhas e dentes, desenvolvida e expandida.

• Editor-assistente de Novas Mídias do UOL. Toco outros dois projetos: o MigraMundo, blog focado em migração; e o Migraflix, ação que visa usar a cultura como forma de aproximar imigrantes e brasileiros, além de promover formação e geração de renda para o imigrante.

Page 46: Contraponto 100 - Edição Especial

CONTRAPONTO�� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

CONTRAPONTOEdição 100

CP.76.2012

André Vieira, 2° ano:

Acho que meu primeiro contato com o CP aconteceu no começo de

meu primeiro ano. Já conhecia como o jornal funcionava e o qual era seu obje-tivo dentro da universidade, contudo, devo admitir que não me animei muito no começo. No entanto, conforme fui escrevendo algumas matérias no jor-nal, percebi que ele me proporcionou uma enorme liberdade na forma e no conteúdo que desenvolvi nas pautas e discussões; reforçando, cada vez mais, o desejo de me aprimorar e dar meu melhor. Além disso, mostra-se um espaço muito curioso na PUC, uma vez que concilia tanto o rigor da apuração e a seriedade da profissão jornalística num ambiente descontraído, divertido e democrático.

Andressa Vilela, 3° ano:

Estou no terceiro ano do curso de Jornalismo da PUC-SP e posso

dizer, com muita certeza, que o CP é uma das melhores experiências que a universidade me proporcionou. A oportunidade que temos de ter um contato tão próximo com toda a pro-dução do jornal e a elaboração das pautas é muito enriquecedora, além de todos os aprendizados que absorvi durante as reuniões, seja conversando sobre as pautas, seja discutindo sobre qualquer outro assunto que surgia. Já frequentei as reuniões semanalmente, fui secretária de redação e hoje atuo como copydesk, acompanhando mais de longe, mas o carinho que nutro pelo CP e por tudo que as tais “salinhas” me ensinaram eu vou levar comigo pra sempre, porque com certeza é um aprendizado que a sala de aula não poderia ter contemplado.

João Gabriel, 2° ano:

Meu primeiro contato com o CP foi na primeira semana de aula, duran-

te um tour que os veteranos do Centro Acadêmico fizeram com os novos alunos, no qual distribuíram edições do jornal. Fui na primeira reunião do ano – ainda na antiga Faficla, atravessando a Monte Alegre –, em que tomei conhecimento de como ele funcionava. A ideia de um jornal laboratorial feito pelos alunos me fascina, pois é um espaço que nós mes-mos podemos construir, explorar e apren-der o fazer jornalístico de uma maneira que estágio algum pode proporcionar. Hoje, no segundo ano, creio que o CP seja sem dúvida uma experiência ímpar tanto dentro da Universidade quanto no meio jornalístico em geral.

Leonardo Macedo, 2° ano:

Quando ingressei na PUC eu sabia que não queria apenas fazer um

curso de graduação. Queria fazer algo que tivesse um sentido mais palpável e mais amplo do que apenas minha formação profissional. Foi buscando isso que me identifiquei com o jornal CP. Um jornal combativo que represen-tava uma forma de resistência frente aos vários problemas institucionais da universidade e também tratava de as-suntos que eu sempre julguei de grande importância para a sociedade, mas que quase não apareciam nos veículos tradicionais. É por esses motivos e por acreditar que o CP é um veículo onde podemos promover mudanças que entrei e sigo no jornal.

CP.57.2009

Gente que faz o CP

Rafael Santos, 2° ano:

Logo que entrei na Pontifícia, tive a felicidade de conhecer o CP e lá poder exercer todo o aprendizado das salas de aula. Hoje, no segundo ano do curso de Jornalismo,

vejo que o CP – apelido carinhoso – me ajudou a desenvolver as minhas técnicas de entrevista, além de completar a minha visão crítica sobre a sociedade. Colaborar para um dos jornais laboratoriais mais conhecidos no meio universitário e ouvir elogios so-bre as pautas recheadas de bom conteúdo e pensamento crítico, como pudemos ouvir no XX Intercom, em Uberlândia. Posso, com toda certeza, afirmar que o CP é um das melhores experiências que tive na PUC.

Page 47: Contraponto 100 - Edição Especial

��CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

CP.80.2012 Ed. Especial

CP.2007Ed. EspecialLu Sudré, 4° ano:

Vou me formar no final deste ano e posso dizer, com toda certeza, que

as experiências mais enriquecedoras que o curso de jornalismo me propor-cionou não foram dentro da sala de aula. O CP é responsável por grande parte disso. Poder ter um jornal labo-ratorial em que nós propomos a pauta, a discutimos e escrevemos do inicio ao fim, é algo valioso e muito raro em outras universidades. O que faz o CP mais especial ainda é que a cada nova geração de estudantes lutamos para mantê-lo, e mesmo quando tudo está aos trancos e barrancos, sempre sai uma nova edição autônoma e crítica. Escrevo desde o primeiro ano, e do segundo ao terceiro fui secretária de redação. O saldo é que nesses quatro anos de PUC o CP foi o lugar em que mais aprendi o que é jornalismo, de fato. Que mais alun@s se apropriem desse jornal laboratorial que tem muita história! Vida longa ao CP!

Maria Eduarda Gulman, 2° ano:

Estou no segundo ano e minha en-trada no CP foi bem natural. No co-

meço, participava de poucas matérias, e conforme o tempo foi passando fui me envolvendo mais com o jornal. Até que comecei a ir todas as semanas nas reuniões e me aproximando mais ainda do jornalismo. Fazer parte de um jornal como o CP é um diferencial na vida universitária uma vez que podemos praticar o que nos é ensinado em aula e aprender mais ainda participando de todos os processos na produção de um jornal. Somos nós, alunos, que damos ideias de pautas, vamos para a rua con-seguir entrevistas, e opinamos na hora da diagramação. Espero que ainda nos meus próximos dois anos de PUC, o CP continue firme e forte e que eu possa aprender mais sobre essa profissão desafiadora que é o jornalismo.

Mariana Castro, 2° ano:

Estou no segundo ano e escrevo para o CP em todas as edições desde que

entrei na faculdade. Acho que, quanto mais a sério levamos nossa participação no jornal laboratorial, mais podemos aprender com ele. Por isso, sempre me dediquei ao máximo às matérias que escrevi e me entusiasmo em poder colocar na prática o que aprendo no curso. Também tive a oportunidade de ser secretária de redação do jornal, o que me permitiu me envolver ainda mais com as pautas e o processo de produção de cada edição. No CP, pude exercer meu pensamento políti-co, sempre olhando “o outro lado da moeda”. Este – além das memórias de cada reunião – é o maior aprendizado que levarei desta experiência, da qual ainda pretendo fazer parte pelos pró-ximos anos.

Victoria Azevedo, 3° ano:

Estou no terceiro ano do curso de jornalismo da PUC-SP e com certeza

o CP é uma das experiências mais ricas que eu tive até agora dentro da uni-versidade. Logo no meu primeiro mês como estudante da PUC eu já escrevi no CP e desde então não parei mais. Ia semanalmente nas reuniões, já fui se-cretária de redação e quando comecei a trabalhar continuei acompanhando as discussões e propondo pautas, só que através da lista de emails. Eu tenho um carinho muito grande pelo trabalho que a gente realiza no jornal e tenho certeza que muita coisa que eu aprendi na universidade foi por conta do tempo que eu passei dentro da salinha, nas reuniões de pauta e nas conversas com os colegas e o Arbex. Tenho muito or-gulho de ser “contrapontista” e acho que o CP é um grande diferencial do nosso curso. Vida longa ao CP!

Mariana Presqueliare, 2° ano:

Escrevo no CP desde o meu primeiro ano de curso e a importância que ele tem quanto jornal laboratorial é enorme. Com o CP tive

a minha primeira experiência no jornalismo de fato, criei mais segu-rança e pude colocar em prática as reflexões e pensamentos críticos que construí durante as aulas. Vou guardar não só as experiências profissionais que conquistei com as produções das edições, mas também as conversas e risadas de cada reunião de pauta, a correria do fechamento, a liberdade para escrever uma matéria do zero e é claro, a sensação gratificante ao ler cada texto publicado.

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CONTRAPONTO�� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Outubro 2015

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 1� N0 100 Outubro 2015