contraponto nº 89

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 13 N 0 89 Novembro 2013

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Novembro 2013

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Page 1: Contraponto Nº 89

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 13 N0 89 Novembro 2013

Page 2: Contraponto Nº 89

CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

PUC

PUCEXPEDIENTE

Pontifícia Universidade católica de sÃo PaUlo

PUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

suplentelaís Guaraldo

coordenador do Jornalismomilton Pelegrini

vice-coordenador do Jornalismofrancisco chagas câmelo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

José salvador faro, marcos cripa,Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmananna feldmann

secretárias de redaçãolu sudré e carolina Piai

secretária de produçãoJacqueline elise

editora de fotografiaBruna Bravo

E D I T O R I A L

SUMÁRIO

capa: Gabriela moncau

CartasdeCoimbra Enfrentamento à crise é fator decisivo nas eleições .................. pág. 3

simpósiointernaCional “Um mundo em convulsão numa USP em convulsão” ......... pág. 4

ConferênCiaabraji Desmatamento ameaça futuro dos Awá ............................................ pág. 7

lutapormoradia Ocupação Esperança resiste em Osasco ......................................... pág. 8

Cantada Nem mais um “fiu” ...................................................................................... pág. 10

soCiedadedeControle Sorria, você está sendo filmado! ....................................................... pág. 11

ensaiofotográfiCo O universo de Inhotim ............................................................................. pág. 12

esporte Bom Senso F.C. .......................................................................................... pág. 14

Cinema A sétima arte por São Paulo .................................................................. pág. 15

liberdadedeexpressão Direito de resposta: mudanças no campo jornalístico? ................. pág. 16

movimentoestudantil A luta pela democracia na USP ........................................................... pág. 17

desigualdade Quem tem menos paga mais ....................................................................... pág. 18

jornadasdejunho Brasil testa limites da democracia ........................................................ pág. 19

legislação É proibido Proibir ...................................................................................... pág. 20

resenha Preconceito Linguístico ....................................................................... pág. 22

CrôniCa Uma breve visita à base militar.............................................................. pág. 22

antena Tufão Haiyan totaliza 4.460 mortes .................................................. pág. 23

entrevista “O jornal não sobrevive do jeito que é” .................................. pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 89 – novembro de 2013

Wt Gráficafone: 993.583.533

Fale com a genteenvie suas sugestões, críticas, comentários: [email protected]

Um debate silenciadoO leilão de Libra, campo de petróleo situado na Bacia de Santos, de um dia para o outro,

tornou-se capa dos jornais no final do mês passado. O governo federal realizou o leilão da maior reserva de petróleo do país, que está na camada pré-sal, sob o sistema que chamou de “partilha”.Nele, as empresas vencedoras dividem o resultado da exploração com a União. O consórcio que ganhou é constituído pela Petrobras, Shell, Total, CNPC e CNOOC. O processo aconteceu, para o povo, como num passo de mágica. Se há três anos a presidenta Dilma Rousseff afirmava que é um crime privatizar o pré-sal, hoje coloca o Exército para defender o bem-estar daqueles que participam do leilão que foi noticiado de supetão.

O processo escolhido pelo governo não foi transparente, ocultou qualquer possibilidade de debate no seu desenvolvimento. E debate não faltou com a repercussão do leilão. Há quem o defenda, há quem o recrimine – assim como a presidenta teria feito há três anos. No entanto, o que está em jogo é a falta de clareza envolvida no assunto.

Nenhuma petroleira dos Estados Unidos ou britânica se mostrou interessada pelo negócio, por exemplo. Sabe-se da denúncia de que o governo norte-americano espionou a Petrobras neste ano e que a Inglaterra é parceira do país na questão de segurança. Esses fatos têm alguma relação? O governo federal, oficialmente, nega e diz que o problema é a conjuntura econômica atual. Mas, a situação é, sem dúvidas, suspeita.

O suspense teria fim com medidas de esclarecimento como campanhas e não com notícias soltas e desconexas publicadas nos principais veículos de comunicação do país pouco antes da venda acontecer. Para o público mais letrado, o processo pode parecer um tanto quanto pal-pável. É certo, porém, que para a maior parte da população brasileira o caso é uma incógnita, pois se trata de uma pauta complexa. Independentemente do acesso ou da compreensão das notícias espalhadas sobre o tema, o caso da ausência das petroleiras norte-americanas e britânicas permanece como um mistério. O debate, por sua vez, permanece como um fator indiferente. Silenciado, até.

No dia anterior à realização do leilão, uma tropa do Exército já estava presente na fachada do Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, lugar onde o evento aconteceria. O objetivo era fazer a segurança em caso de manifestações. Quando o leilão aconteceu, havia também homens da Força Nacional, do Corpo de Bombeiros, da Guarda Municipal e das polícias Militar, Civil, Federal e Rodoviária Federal. Foi, então, por baixo de todos esses escudos que o governo se escondeu de quaisquer movimentos sociais. Manifestações demonstram, aos berros, a vontade de debate.Mas essa vontade não existia na agenda programática obscura da partilha do petróleo nacional. Nem haveria de existir, com tanto policiamento.

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3CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Por Bruno laforé

Cartas de CoimbraCONTRAPONTO

Desde que cheguei em Portugal, há três meses, busco entender o funcionamento da política

no país e as camadas que compõem seus poderes executivo e legislativo. Confesso que ainda estou um pouco perdido, pois tudo aqui funciona em proporções muito diferentes das quais estou ha-bituado, visto que Portugal é menor que o estado de São Paulo e não está organizado em unidades federativas.

O atual presidente da república portugue-sa é Aníbal Cavaco Silva (PSD), responsável por representar politicamente o país, garantindo sua união e também liderando as Forças Armadas lo-cais. O presidente da república também nomeia o primeiro ministro de Portugal, chefe de governo e dos ministérios, que pode comandar mais de uma pasta. Atualmente, o primeiro ministro português é Pedro Passos Coelho (PSD). A nomeação é rea-lizada após uma deliberação com os integrantes do parlamento português, escolhidos diretamente pelo povo nas eleições legislativas.

Normalmente, o líder do partido que pos-sui maior número de cadeiras no parlamento é nomeado ao cargo. Isto explica o grande apego que os eleitores portugueses demonstram a seus partidos, de modo que a sigla tenha mais peso nas urnas do que o nome deste ou daquele candidato. Sendo assim, dificilmente aconteceria aqui um fenômeno parecido com o vivenciado por Marina Silva ou Gilberto Kassab no Brasil, cuja tentativa de criar um novo partido seja motivada pela certeza de que são capazes de transferir muitos eleitores fiéis a sua pessoa para uma nova legenda.

Essa extrema relevância dos partidos no cenário político de Portugal pode ser notada dia-riamente nos veículos de imprensa. É normal que o líder do PS apareça corriqueiramente nos jornais opinando sobre as decisões do primeiro ministro ou do presidente, ambos integrantes do PSD.

Os dois partidos portugueses de maior rele-vância atualmente, obviamente rivais, são o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Socialista (PS), dualidade bastante similar à brasileira, na qual se destacam o PSDB e o PT. O grupo dos sociais democratas é mais conservador e direitista. O PS se enquadra mais na definição centro-esquerda, menos conservador, mas ainda assim joga de acordo com as regras do capitalismo.

No final do mês de setembro, aconteceram as eleições autárquicas em Portugal, responsáveis por definir os presidentes das câmaras municipais, vereadores e membros das assembleias municipais, assim como os presidentes das juntas de freguesia e suas respectivas assembleias.

As freguesias representam a menor unidade administrativa de Portugal, podem ser vilas, aldeias ou bairros ligados a um município.

O resultado das autárquicas revelou o que já era suposto e esperado antes mesmo da apuração das urnas. O partido com maior candidatos eleitos aos cargos disponíveis foi o PS. Este fato traduz o descontentamento da população com as medidas utilizadas pelos governantes do PSD no enfrentamen-to da crise, mas ao mesmo tempo não demonstra uma vontade de mudar radicalmente a política na-

protesto em nível nacional no dia 26 de outubro. Os milhares de portugueses que saíram às ruas naquele sábado não estão satisfeitos com as condições e recomendações da Troika, composta pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o FMI, para que estas duas últimas finan-ciem o país e criem um plano de reestruturação econômica para Portugal.

Em um artigo publicado no jornal As Beiras, a eurodeputada pelo Bloco de Esquerda, Marisa Matias, rejeita a maneira como a crise foi enca-rada em Portugal, pois em nenhum momento foi repensado o modelo de desenvolvimento que conduziu o país à crise. Portugal apenas usou deste momento econômico para garantir os lucros e aumentar a desigualdade social em seu terri-tório. Marisa prossegue descrevendo a situação emergencial: “Muita da riqueza ‘fugiu’ do país nos últimos dois anos e meio. O PIB encolheu 6%, há mais 300 mil desempregados, mais de 350 pessoas emigram a cada dia que passa. O país sob intervenção (da Troika) é este. Um país onde o verdadeiro ajustamento é feito por via do massacre salarial e dos bens públicos, a par da concentração de riqueza”.

Marisa destaca em seu texto que no último ano, mesmo com tantas frustrações aos trabalha-dores, o número de portugueses com fortuna acu-mulada superior a 30 milhões de dólares subiu de 785 para 870. “A entrada da Troika em Portugal, a conivência e a subserviência do governo português e as sucessivas medidas adotadas fizeram com que, no nosso país, sejam precisos cada vez mais pobres para ‘produzir’ um rico”, conclui.

EnfrEntamEnto à crisE é fator dEcisivo

nas ElEiçõEs portuguEsas

Relatos e observações de um estudante de Jornalismo brasileiro na Universidade de Coimbra

cional, já que há outros partidos na disputa, como o terceiro colocado em número de candidatos eleitos, o Partido Comunista Português (PCP).

Poucos dias após as eleições autárquicas, o atual governo lançou um pacote de austeridade que contribuiu para aumentar a aversão da população. O orçamento para 2014 prevê corte nos salários dos funcionários públicos e reduções de até 10% nas pensões a partir de 600 euros. O governo também apresentou cortes de gastos expressivos nas pastas da saúde e educação. Dentro da verba destinada à educação, só aumentou o montante destinado à transferência para o ensino particular e cooperativo. Muitos médicos, enfermeiros e professores da rede pública terão seu contrato de trabalho maximizado como artifício pra redução de gastos. Recentemen-te, o governo português já utilizou desta mesma solução para os servidores públicos, que tiveram seu horário de trabalho ampliado em uma hora diária e a idade de aposentadoria foi aumentada em um ano, de 65 para 66.

Todas essas medidas emergenciais que ferem o interesse da classe trabalhadora por-tuguesa não parecem suficientes aos olhos do Fundo Monetário Internacional (FMI). Em análise divulgada no dia 13 de novembro, os especialistas a serviço deste órgão internacional recomendam mais reduções nos salários e pensões portugueses para que o país consiga obter um equilíbrio das contas públicas.

Todos os acontecimentos anteriormente citados apenas engrossam o caldo de manifes-tantes que gritam contra as grandes instituições financeiras nas principais cidades portuguesas. O movimento “Que se lixe a Troika” organizou um

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Paredes e muros foram telas para divulgação de grande ato

contra a Troika

Portugueses protestam contra as intervenções da Troika em Lisboa

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

André Ferrari, Aldo Cordeiro, José Arbex Jr., Peter Demant e Salem Nasser debatem o imperialismo no mundo árabe

Por andressa vilela, Bia avila e victoria azevedo

“um mundo Em convulsão numa uspEm convulsão”

CONTRAPONTO

A frase que dá título a esta matéria é de Osval-do Coggiola, professor da Universidade de

São Paulo e um dos organizadores do Simpósio Internacional “Um Mundo em Convulsão”, que aconteceu na Faculdade de Filosofia, Letras e Ci-ências Humanas da USP nos dias 8 e 9 de outubro. O evento, que reuniu importantes palestrantes e assuntos diversos sobre o cenário do mundo con-temporâneo, aconteceu durante uma greve geral dos estudantes, que buscam por democracia na universidade. As mesas discutiram e analisaram assuntos como a crise econômica, os conflitos ar-mados no Oriente Médio, a ascensão da América Latina, entre outros.

A Primavera Árabe: Um balanço – Nessa mesa do simpósio, o objetivo era fazer um balanço do que a Primavera Árabe (conjunto de processos revolucionários e manifestações que ocorreram em 2010 em diversos países no Oriente Médio) repre-sentou para o Oriente Médio, e para o resto do mundo. A revolta que começou na Tunísia com um vendedor ambulante que ateou fogo no próprio corpo como forma de protesto contra a polícia e seu excesso de poder se espalhou não só para as regiões vizinhas, como também exerceu grande influência para os movimentos na Europa e nos Estados Unidos, com os chamados movimentos “Occupy”. A mesa contou com a participação de José Farhat, Yasser Saleh, graduando de história na USP, Valério Arcary, professor do Instituto Federal de São Paulo e Luiz Gustavo C.Soares.

Para Yasser, esse conjunto de revoluções, que possuem diferenças geopolíticas e que variam conforme cada condição nacional, não estão diretamente ligadas às questões do território de Israel, mas a essa insatisfação popular decorre de diversas contradições da sociedade.

José Farhat defende a ideia de que “a luta pela liberdade vem do sangue” e ressalta a impor-tância do papel dos trabalhadores, cuja maioria está desempregada, nas manifestações dos países árabes. Critica a mídia que não noticia a contribui-ção que essa camada da sociedade tem feito para dar força e mobilidade para os manifestos.

Luiz Gustavo C.Soares, que esteve no Egito em 2011, acredita que uma das consequências diretas da Primavera Árabe é o fato das pessoas perceberem a força que elas têm ao irem às ruas e espaços públicos protestarem. Reflexo direto desses movimentos, ressalta, é como ele diz “a USP em convulsão”, com o ato da ocupação da reitoria por estudantes que reivindicam por eleições diretas para reitor. Também reafirma o poder do petróleo que é rico nessas regiões no Oriente Médio e que é de grande interesse para potências imperialistas como os EUA – e “como o grande aliado do status quo que começa nesse recurso natural eram os governos ditatoriais ára-bes”. Termina sua fala dizendo que esse balanço também é sobre os novos sujeitos sociais que estão

Simpósio Internacional

Evento organizado pela FFLCH discute a conjuntura internacional contemporânea

aparecendo em cena, como a classe trabalhadora e os setores populares.

Valério Arcary, por último, acredita em cin-co ideias na hora de fazer o balanço: a Primavera Árabe foi um onda revolucionária regional e simultânea, só em dois países é que esses regi-mes ditatoriais foram derrotados, nos três países em que se iniciaram eleições para reciclar esses “regimes bonapartistas”, esses processos não foram suficientes para interromper os movimen-tos revolucionários; também, é um processo com desproporções enormes e com um elevado grau de espontaneidade que está em aberto e à deriva – revolução em permanência porque tem uma sin-cronia de tarefas do passado, presente e futuro.

Imperialismo e guerra civil no mundo árabe – A Primavera Árabe teve um grande im-pacto na Síria: o movimento, que começou com manifestações populares nas ruas, foi arduamente reprimido pelo Exército. Desde então, há dois anos e meio, o país se encontra em uma situação de guerra civil, com saldo de mais de 100 mil mortos. Um episódio que marcou o conflito aconteceu no fim de agosto, com um ataque químico que vitimou

mais de mil civis. Desde então, as grandes potências mundiais discutem uma possível intervenção militar no país. Esse foi o foco da mesa “Imperialismo e a Guerra Civil no Mundo Árabe”.

Aldo Cordeiro, formado em Relações In-ternacionais pela PUC-SP, passou meses em uma província controlada pelos rebeldes ao norte da Síria e garantiu que a questão central não é a pos-sibilidade de intervenção internacional, mas sim a situação dos grupos armados dentro do próprio país. “Há mais de 80 diferentes grupos armados do lado rebelde. Não há mais como controlar tais grupos”, explica. Tais grupos são extremamente heterogêneos. e boa parte deles é oportunista e quer controlar as riquezas do país.

O colunista da Folha de S.Paulo, Salem Nas-ser, também concordou que a representação dada pela mídia (do povo contra o regime) esconde os intensos conflitos que ocorrem entre esse povo, o que atrapalha a compreensão dos fatos. “Devemos nos perguntas principalmente quem são as massas rebeldes, quais suas orientações políticas e onde elas se colocam no processo de guerra. Reduzir o conflito em ‘imperialismo x massas’ é não repre-sentar o real”, opinou.

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A lutA pelA liberdAde vem do sAngue

(José FArhAt)

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Cenas de conflito durante a Primavera Árabe

enFim, os árAbes são suJeitos, e não Joguetes imperiAlistAs

(André FerreirA)

Sobre as intervenções internacionais, Cor-deiro afirma que ninguém no norte do Síria discute o imperialismo, embora os rebeldes tenham medo de que os EUA possam atacá-los. Para ele, o plano dos Estados Unidos é tirar Assad e fazer acordos com os setores burgueses, a fim de manter a mesma estrutura do regime anterior. “Uma vitória exclusivamente militar não é o ponto central: o maior problema é, de fato, como será construída a estrutura de um novo governo” concordou André Ferreira, outro participante do debate. Ferreira ainda assegurou que a opinião pública norte-ame-ricana é contra uma intervenção, o que freia as ações de Obama. “Enfim, os árabes são sujeitos, e não joguetes imperialistas”, concluiu.

Peter Demant, professor de História da USP, afirmou que é a favor de uma intervenção militar na Síria, pois só “um engajamento inter-nacional forte” poderia acabar com o genocídio no país. “O termo imperialismo não explica mais a conjuntura atual. Os Estados Unidos não são um império do mal”, afirmou, assegurando que agora o país luta contra o terrorismo e a favor de intervenções humanitárias. “É uma vergonha a comunidade internacional não fazer nada a res-peito do conflito”, assegurou. Para Demant, uma atuação dos BRICS, nesse sentido, poderia obter resultados mais efetivos do que uma intervenção dos EUA ou da Otan.

O jornalista José Arbex Jr. discordou da posição de Demant. Para ele, o termo imperialismo explica muito dos conflitos atuais. “A democracia ocidental é vista como o bem. Privilegiar um bloco como detentor da civilização – neste caso, o oci-dente – e outro como bárbaro provoca um choque de civilizações”, explicou. A busca por petróleo e por riquezas naturais, para Arbex, provocou uma cisão na humanidade. Hoje, a política mundial só quer saber quem vai controlar as riquezas naturais, não há uma preocupação com o bem-estar das populações. O jornalista ainda assegurou que “a democracia parlamentar e liberal não é a solução para o Oriente Médio”.

Armamentismo, terrorismo e “guerra infinita” – É sabido que o ataque aos prédios do World Trade Center, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001 inaugurou um estado de exceção no país que se mantém até hoje. Com a justificativa da “guerra contra o terror”, a potência norte-americana alimenta, cada vez mais, a indús-tria que maior contribui para a receita do país, a armamentista, além de seguir uma agenda anti-terrorista que viola qualquer soberania nacional e liberdades individuais. Sendo uma potência militar desde o século XIX, o país apenas faz crescer esse título, ainda que não haja mais guerras materiais declaradas no cenário geopolítico atual. Foi sobre esse assunto um dos debates que aconteceu na parte da tarde de terça-feira.

O doutor em Sociologia Gilson Dantas, autor do livro “Estados Unidos, militarismo e eco-nomia da destruição (belicismo norte-americano e crise do capitalismo contemporâneo)”, afirmou que o terrorismo substitui o comunismo no posto de inimigo máximo dos EUA. Atualmente, mesmo que num mundo em crise, o país gasta 40% de sua receita na esfera militar, num setor bélico desproporcional e desnecessário.

O país encontra-se, ainda, engajado numa corrida militar com a China, que representa a segunda maior fatia do mundo em gasto militar, mas que ainda é muito pouco perto dos EUA. Se-gundo Gilson, “a potência industrial chinesa não desestabiliza o imperialismo, pois o país não se expressa como imperialismo de primeira ordem”. Nesse contexto, ele afirma que a economia segue sua marcha em crise, pois o mundo não tem uma potência que possa substituir os EUA.

Edmilson Costa, doutor em economia pela Unicamp, por sua vez, acredita que a conjuntura atual é complexa e difícil tanto para o capital quanto para os trabalhadores, que são os mais prejudicados com as medidas de austeridade tomadas (corte de gastos públicos e sociais) frente à crise. Sobre isso, Gilson res-saltou que o grande capital fará de tudo para

desestabilizar a classe trabalhadora nos focos de lutas de classe surgiram na África do Sul e na América Latina. Ele espera “que a classe operária desenvolva a consciência de classe frente ao capitalismo”.

O imperialismo torna-se mais agressivo em momentos de crise, segundo Edmilson, que afirmou que “o imperialismo tirou a máscara, joga abertamente, a espionagem é um exemplo disso”. O professor reiterou ainda que se trata de “um imperialismo que não precisa do Conselho de Segurança da ONU”, com o que o jornalista e doutor em Relações Internacionais Antonio Espi-nosa concorda, afirmando que “a ordem jurídica internacional sobrevive como um fantasma”.

Espinosa analisa a atuação dos EUA como um paradoxo: é uma potência capaz de fazer guer-ra em todo o planeta para solucionar conflitos, mas apenas os tem agravado. “A ordem pós Guerra Fria é o cenário da guerra permanente atual”, afirmou, reiterando também que se trata de uma guerra irracional, que não tem como ser vencida, pois luta contra um inimigo virtual.

A América Latina na geopolítica mun-dial – Na quarta-feira, a fim de “oxigenar a ocu-pação”, segundo um dos líderes do Movimento Estudantil da USP, a mesa sobre a América Latina foi realizada na reitoria da universidade, ocupada pelos alunos em greve.

O tema do debate se faz extremamen-te importante uma vez que é notório que a conjuntura latino-americana mudou na última década. Nos anos 90, via-se um continente que sofria brutal ofensiva imperialista nos âmbitos econômico, político e militar. Nos anos 2000, o cenário começou a mudar: derrubaram-se governos neoliberais e assumiram governantes que se diziam progressistas. O continente, em sua maioria, afastou-se dos Estados Unidos e fortaleceu sua soberania nacional, crescendo também a força de setores que defendem o interesse de classe.

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Ronald León Nuñez, sociólogo, pós-gradua-do e pesquisador paraguaio e autor do livro Guerra do Paraguai – Revolução e Genocídio, acredita que com o passar do tempo, o que se viu é que alguns desses novos governos comportaram-se apenas como conciliadores com a burguesia, privatizando riquezas nacionais e incentivando o agronegócio e o latifúndio. Foram deixadas de lado reformas estruturais e políticas públicas, traindo, assim, a confiança da classe trabalhadora, com o que o pesquisador na área de Relações Internacionais e Ciência Política, Rodrigo Medina, concorda, mas faz uma ressalva: “No Brasil, há uma revalorização da economia primária com as commodities, mas sem desindustrializar”.

Valter Pomar, Secretário Executivo do Foro de São Paulo, por sua vez, afirma que o conflito central que se vive hoje na região envolve as possíveis formas de integração latino-americana. Existe uma disputa entre as forças para que haja uma integração subordinada aos EUA ou uma integração autônoma. Há também a dúvida sobre se tal integração seria comandada pelo capital ou por setores populares. O necessário, segundo ele, é que haja uma integração soberana, autônoma, que represente uma proteção contra ataques ex-ternos e que valorize a democracia popular. Nesse contexto, tal união poderia levar a uma transição do modelo capitalista atual para o socialismo.

Segundo Medina, o surgimento de indús-trias importantes no Brasil o recolocou na relação com a região latino-americana. Nesse contexto, Pomar chamou atenção ao fato de que outros países da América Latina têm medo de que, numa maior integração, o Brasil comporte-se como uma potência imperialista, devido a sua importância econômica e tamanho. Ele acredita que não existe espaço no mundo para outro imperialismo, visto que as grandes potências não deixariam que isso acontecesse, além do que, “se o país quer ser positivo, tem que lutar contra essa postura”, pontuou.

León Nuñez acredita, ainda, que alguns ele-mentos apontam para mudanças e para o “fim de um ciclo” na região, no caso, o fim do descompro-misso de alguns governos da região com a classe trabalhadora. Ele afirma que as mobilizações de junho que ocorreram no Brasil impactam todo o continente latino-americano. Acredita, ainda, ser necessária uma discussão que leve a mudanças estratégicas e que essas podem chegar de duas maneiras: reformista ou revolucionária. “É neces-sária uma alternativa realmente anticapitalista e socialista”, conclui.

Perigo Fascista e Novas Faces do Ra-cismo – É conhecido que em tempos de crise, sejam crises econômicas, politicas ou sociais, há uma guinada de movimentos direitistas com, às vezes, caráter fascista; como mecanismos de manutenção da ordem política e social vigente, se estabelece a tendência da sociedade civil em adotar medidas conservadoras, ao legitimar suas atitudes preconceituosas, racistas e xenofóbicas. Essa mesa que contou com a participação de Zilda Iokoi, professora do departamento de história da USP, Beatriz Bissio, professora do departamento de política da UFRJ, Renato Queiroz, antropólogo e Luiz R.Martins, professor do departamento de artes visuais da USP, debate o perigo fascista e as novas faces do racismo nos dias de hoje.

Beatriz Bissio, que já viajou por diversos países africanos, acredita que o fascismo sempre esteve presente na história do homem, represen-tado pela “exclusão do outro” e pela não acei-tação de suas diferenças – é uma discriminação permanente e que é embutida nas profundezas do indivíduo.

Para Luiz Martins, atravessamos uma crise sistêmica que se manifesta através de uma crise política econômica que revela um quadro com-plexo e instável e que têm como característica a hegemonia marcante e contrastante da direita, nos últimos 40 anos. Utiliza-se da definição do novo fascismo feita pelo cineasta italiano Pasolini, que estava interessado em intervir na realidade italiana; sua inovação está no fato de chamar os partidários da expansão econômica de “os novos fascistas”, levando em conta a revolução do consumismo, da expansão econômica e das transformações da subjetividade associadas a esse processo. Para ele, o agente portador e ativo responsável por essa ascensão irrefreada do novo fascismo é a juventude urbana, caracterizada pelo hedonismo, consumismo, desmascaramento e disfarce, o fe-tichismo de tudo e a desconsideração da história da humanidade.

Para o professor, o racismo atual é flexível, compacto e manifesta-se quando não falamos do “eu”. Termina sua fala dizendo que “eventos pontuais e aberrações existem ainda, mas do ponto de vista do consenso global é muito raro aparecer uma voz defendendo figuras patológicas como Pinochet, Franco, etc” – isso, também, por conta do peso que o termo “politicamente correto” tem em nossa sociedade atualmente.

Renato Queiroz, por sua vez, acredita que o etnocentrismo tem grande papel na inclinação segregacionista da sociedade, cujas relações inter-culturais são muito segmentadas e plurais. Critica a pretensa superioridade de uma nação perante outra, revelada através do etnocentrismo, racismo e da xenofobia. “As nações criam uma ideia de pureza e de qua não deve-se misturar com outros, porque as piores qualidades serão herdadas, seja geneticamente ou culturalmente”, afirma.

Por fim, Zilda Iokoi trabalha a ideia de que os dominantes acreditam representar os dominados ao falar em seu nome, excluindo-os do seu próprio direito a fala, apesar de o fazerem com um tom de superioridade. Con-tinua dizendo que a classe dominante mascara o racismo, fascismo e descriminações no geral e invertem a realidade – “a sociedade não se reconhece como violenta”. Não existe na nossa sociedade o sentimento de alteridade e, por-tanto, o outro é subjugado e submetido através da atitude de compadrio que nada mais é do que o reforço dessa lógica repressora. Critica ainda “o entulho autoritário que ainda não foi eliminado”, resquício direto do período militar que ocorreu no Brasil.

o imperiAlismo tirou A máscArA, JogA AbertAmente,

A espionAgem é um exemplo disso

(edmilson costA)

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Por Beatriz morrone

Conferência AbrajiCONTRAPONTO

Eu quero ficar na minha casa, ficar na floresta. É da floresta que eu sobrevivo e lá que eu es-

tarei para pescar e caçar. Eu sei andar na floresta e sei que eles, os madeireiros, estão matando os Awá”. O trecho do discurso de uma liderança indígena traduz parte do drama enfrentado pelos Awá-Guajá, o povo mais ameaçado do planeta. Nômades, coletores e caçadores, os pouco mais de 400 índios lutam pela preservação da floresta que, além de fonte de alimento, é a guardiã da cultura de um povo que está há mais de 500 anos fugindo do “homem branco”. A Funai (Fundação Nacional do Índio) classifica como índios isolados ou de recente contato.

Vivem no Maranhão, no pouco que restou de Floresta Amazônica no estado. Os mais de 116 hectares, embora demarcados, homologados e re-gistrados pela União como território indígena, são brutalmente invadidos por grileiros, madeireiros e posseiros em busca de madeira. O desmatamento que promovem destrói, além das árvores, uma relação de dependência muito mais complexa do que se possa imaginar. Não existirão passado, presente ou futuro Awá sem floresta.

A convite do fotógrafo Sebastião Salgado, a repórter Míriam Leitão acompanhou de perto a rotina, os hábitos e o drama vivido pelos Awá. A experiência, que foi transformada em reportagem e publicada no jornal O Globo em agosto deste ano, foi tema da palestra comandada pela jorna-lista no 8º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. Organizado pela ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), o evento recebeu, entre os dias 12 e 15 de outubro, 1350 pessoas de 90 países na PUC do Rio de Janeiro.

Míriam expôs, em pouco menos de uma hora, suas percepções a respeito de uma realidade desconhecida pela imensa maioria dos brasileiros.Logo no início, fez questão de enfatizar que uma visita como aquela requer cuidados, como exames médicos prévios e acompanhamento da Funai.Afirmou ter tido que mudar totalmente seus conceitos para contar uma história com tamanha complexidade, que na maioria das vezes é tratada de forma simples e superficial.

Segundo ela, depois da viagem de dois dias por estradas sem infraestrutura e caminhos total-mente devastados, sofreu um grande choque ao encontrar brasileiros que não falam português. Os diálogos, básicos e limitados, eram estabelecidos entre alguns funcionários da Funai que dominam razoavelmente a língua Guajá (descendente do tronco tupi) e uma minoria dos índios que conhe-cem pouco do português. Além das barreiras lin-guísticas, teria que vencer o receio, a desconfiança e a timidez dos índios, dificuldades que a fizeram pensar: “Eu gosto do jornalismo e gosto de me tirar da zona de conforto, mas dessa vez acho que exagerei. Como vou contar essa história? Não vou conseguir conversar com eles”.

O desespero da repórter só foi amenizado quando o jovem Jui’i, índio da tribo com maior conhecimento da língua portuguesa, a procurou. “Eu sou índio”, disse convicto. Depois da resposta de Míriam, que afirmou já saber disso, o rapaz in-

dEsmatamEnto amEaça futuro dos awá

No 8º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, Míriam Leitão comenta sua experiência ao lado dos chamados “índios invisíveis”

sistiu dizendo ser “índio mesmo”. A jornalista, sem entender, respondeu que todos os índios são “índio mesmo”. “Índio não vende madeira. Awá não vende madeira”, esclareceu o garoto. Foi a partir desse momento que Míriam começou a entender a profunda ligação daquele povo com a floresta.

Os Awá-Guajá são seres florestais por ex-celência. “São completamente diferentes do que a gente tem na cabeça como índios. Eles não têm cacique, não têm pajé. Não conseguem entender o conceito de aldeia. São nômades, ficam em grupos pequenos na floresta”, explica Míriam.Os chamados índios invisíveis por terem passado anos isolados, fugindo da civilização, agora estão encurralados.Não têm mais para onde fugir e as-sistem de perto a destruição do que lhes deveria ser garantido por direito.

A relação entre os Awá e a natureza é carre-gada de significado mítico e simbólico. Acreditam que o mundo é dividido entre duas plataformas de floresta. Na primeira delas, vivem agora. A segunda, cuja existência depende de que a primeira perma-neça viva, é aonde encontrarão seus antepassados após a morte. Portanto, para aquele povo o desma-tamento é uma tragédia em grandes proporções. Destrói o agora e o que está por vir.

A Floresta Amazônica abriga uma enorme biodiversidade e desempenha papel fundamental na regulação dos fenômenos climáticos do país. Portanto, ao ocuparem e protegerem aquelas matas, os índios não só preservam sua cultura, mas prestam um importante serviço à população brasileira. “Preservação ambiental é parte do su-cesso do agronegócio, que é fundamental para a economia brasileira”, acrescenta Míriam.

No caminho de volta, Míriam Leitão procu-rou conversar com os madeireiros, posseiros e gri-leiros que ocupam ilegalmente as terras indígenas. Perguntou a um posseiro a razão pela qual insiste em permanecer ali, se o território maranhense é tão extenso. A resposta obtida escancarou a comple-xidade da questão: “O Maranhão é muito grande, mas o Maranhão todo tem dono”. Posseiros, pobres e muitas vezes analfabetos,servem aos grileiros como massa de manobra e são, assim como os índios, vítimas dos erros e das injustiças do Brasil.

Resolver esse conflito não será tarefa fácil. Do mesmo modo que grileiros afirmam convictos que não sairão das terras Awá, índios estão dispostos a

defender com unhas e dentes a preservação do que chamam de casa. “Eu não tenho medo não”, afirma um líder da tribo em discurso, emocionado.

Na palestra, Míriam descreveu a emoção que sentiu ao perceber que, aos poucos, con-quistava a confiança dos índios. Foi convidada por eles para participar de caminhadas na flores-ta, conheceu valiosos saberes e superou antigos preconceitos. Teve o privilégio de poder, cada dia mais, mergulhar naquela realidade tão nova para ela e secular para eles. “No dia que fomos embora, os índios nos levaram de barquinho até o lugar onde teríamos que andar um pouco até pegar o carro. Fui chorando o caminho inteiro. Aprendi tanto que dói”, concluiu.

Contou que,além da emoção, o medo a acompanhou durante toda a reportagem. Não o medo da cobra ou da aranha caranguejeira que apareceram perto da rede onde dormia. Temia não merecer aquela história, tão vasta e complexa. Temia não conseguir transformar em palavras tudo que viu e sentiu durante a viagem. Temia não conseguir retribuir tudo que recebeu dos anfitriões. Tinha plena convicção da responsabilidade que carregava.

Porém, ao ler a matéria publicada, Míriam dis-se ter ficado satisfeita com o resultado. Seu trabalho contribuiu para alertar a população sobre uma situ-ação emergente que grita por socorro. Cabe agora ao Brasil aprender com os erros que cometeu no passado para construir um futuro no qual desenvol-vimento econômico e preservação das diversidades biológicas e sociais convivam em harmonia.

A reportagem “Paraíso Sitiado – A Luta dos Índios Invisíveis”ocupou quatro páginas e foi manchete de primeira página da edição de do-mingo do jornal O Globo. Para Míriam, privilegiar uma história como essa em detrimento de uma notícia bombástica no dia em que os impressos são mais vendidos foi uma “ousadia do jornal”. Ousadia que agradou. A repercussão foi tamanha que o jornal esgotou. “Procurei nas bancas e não encontrei mais nenhum exemplar”, disse.

Histórias como a dos Awá estão espalhadas pelo Brasil esperando alguém disposto a contá-las. O que faltam são jornais que apostem nelas. Em meio à suposta crise dos impressos, quem sabe essa não possa ser uma alternativa de sobrevi-vência?

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

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Por Gabriela moncau*A terra ganha uma função social e os moradores, de fato,

uma dose de esperança

CONTRAPONTO

ocupação EspErança rEsistE Em osasco

Luta por moradia

Marionete do EstadoO seu poder não existeO povo resisteQue moradia é causaGovernador é um tratorDestruidor de casasTrabalhador é a dorPela reforma agráriaNossa jornada é essa memoA revolução vai chegarO seu poder sucumbirE a sua vez de chorar

“Reintegração de posse”, RobsoulPreto Sim(Rap feito após despejo da Ocupação Jardim da

União, no Grajaú,organizada pela Rede Extremo Sul)

Seu Matheus é sanfoneiro. Olhos verdes, sempre de boné, rosto queimado de sol, tem sábados

que seu forró acompanha a fogueira a noite inteira na Ocupação Esperança. “Só de não pagar o alu-guel nesses dois meses que estamos aqui já é uma felicidade, porque o aluguel usa o dinheiro que a gente tem pra comer”, diz. Pintou seu barraco de amarelo, e em cima da cama botou o quadro de uma santa, “pra dar proteção”.

Lúcia nasceu em Itajaí, na Bahia, e veio pra São Paulo aos 13 anos. Morou uns anos na favela Berrini, no Brooklin, mas depois de um tempo foram despejados. No lugar construíram aparta-mentos. Pra quem pode pagar, claro. Hoje Lúcia tem 36 anos e, mãe de três filhos, vive de favor na Chácara Santa Maria. Já trabalhou com limpeza, cozinha, no momento está desempregada, “mas o que surgir eu pego”.

Ela tinha visto a ocupação numa repor-tagem na TV, e depois seu irmão deu o toque que tinha um povo fazendo luta por moradia em Osasco. Hoje é uma das mais ativas voluntárias da cozinha. “Coragem de enfrentar? Oxe, precisando nóis vai até o fim. Minha luta é pelos meus filhos, quero poder deixar um cantinho pra eles. E tem sido uma experiência muito boa, de ver o povo unido”, fala.

Rita está na Ocupação desde que come-çou, na madrugada de 23 de agosto. É uma das integrantes da comissão de negociação que já se reuniu, depois da pressão de alguns atos, com representantes da prefeitura de Osasco. Aos 19 anos, já tem dois filhos e vive com o marido des-de os 12 no Jardim Aliança, favela onde nasceu. Além do sonho de um teto digno, quer um dia conhecer o mar.

Rita, Lúcia e Seu Matheus compõem três das cerca de mil famílias que vivem hoje na Ocupação Esperança, organizada junto com o Movimento Luta Popular no bairro Santa Fé, em Osasco.

Depois de duas ocupações em terrenos mu-nicipais que foram desfeitas pela Guarda Civil Mu-nicipal antes mesmo de completarem 24h, o grupo de famílias, que já não aguenta mais esperar sentado que seu direito à moradia seja garantido, resolveu entrar em um terreno particular abandonado. Hoje, só no programa “Minha casa, minha vida” de Osas-

co, existem 43 mil famílias inscritas. De 2009 pra cá, a prefeitura entregou apenas 420 casas.

Organização – As assembleias são às quartas e aos sábados. Durante os outros dias acontecem de manhã, tarde e noite as reuniões menores, de cada um dos setores A, B e C. Cada setor tem sua própria cozinha, que com base nas doações dos próprios integrantes do acampamen-to e dos vizinhos solidários, tem refeições coletivas e o princípio de não negar comida a ninguém.

Uma vez por semana, ainda, acontece a reunião das mulheres da Ocupação para deba-ter a questão de gênero e pensar formas para desconstruir na prática as relações desiguais que estruturam nossas vidas.

Como parte dos espaços coletivos, temos duas hortas, um barracão pra geral e um pras crianças, um parquinho e os banheiros, que são

basicamente duas fossas, cobertas com cal para amenizar o cheiro ruim. Não há saneamento bási-co, nem água. Diariamente a ocupação tem de ser abastecida com pesados tonéis de água, que são enchidos graças à solidariedade da vizinhança. O cotidiano tem de precariedade aquilo que carrega de dignidade.

Negociação e ameaça de morte – O proprietário do terreno (que não cumpria sua função social e tem acúmulo de dívidas) já entrou com pedido de reintegração de posse. Só que em audiência realizada em 18 de setembro, a justiça concedeu uma suspensão de 30 dias no processo de avaliação do pedido da liminar.

O prazo foi estipulado por existir disposi-ção do proprietário em vender o imóvel caso a prefeitura e a Caixa Econômica façam proposta de compra – o que poderia evitar um trágico

Page 9: Contraponto Nº 89

�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

despejo. Passado o prazo estipulado, a juíza se comprometeu a intimar o Ministério das Cidades e a prefeitura de Osasco a se posicionarem oficial-mente sobre o caso.

O prefeito é Jorge Lapas (PT). E nem foi o mais votado nas eleições que o colocaram lá. Tomou posse depois que seu adversário tucano, com 11 mil votos a mais, foi impugnado pela lei da ficha limpa.

Já aconteceram reuniões da ocupação com a gestão de Lapas, mas só depois de manifesta-ções, duas nas quais a câmara dos vereadores foi inteiramente tomada pelos sem teto. Sentados na mesa e defrontados com os representantes da ocupação, os secretários de habitação e re-lações institucionais se comprometem a fazer alguma coisa. Ainda estamos esperando. E não esperaremos parados. “Governos são que nem galo bravo, só funcionam na base da pressão”,

lembraou Nildo, integrante do movimento, em uma das assembleias.

Além falta de sensibilidade das esferas de governo, o movimento enfrenta outro tipo de grave dificuldade. Eram 3h de uma madrugada de outu-bro quando integrantes da ocupação foram acor-dados por batidas na porta do barraco. O homem branco, alto e tatuado fumava um cigarro, tomava cerveja, e carregava uma arma na cintura.

Perguntou por supostos líderes e disse que era matador, vinha dar um recado. “Não vou dei-xar que se forme mais uma favela. Se não saírem daqui, as lideranças vão começar a morrer”.

Numa luta que questiona diretamente a propriedade privada, os inimigos que fazemos são muitos, muito poderosos e portadores de toda a sorte de interesses. Mas não nos intimidamos.

Entre as estratégias de defesa estão o apoio de organizações parceiras, o fortalecimento da

vigília noturna, energia elétrica improvisada para iluminar as ruas da ocupação e a divulgação da situação em todos os meios possíveis.Mas ressal-tamos: todas as instâncias de governo, na medida em que não resolvem a questão habitacional das famílias, são responsáveis por qualquer violência que aconteça dentro da ocupação.

A Ocupação Esperança já recebeu visitas de solidariedade e apoio de organizações como Pan-teras Negras, MPL, MST, CMI, Mídia Negra, Movi-mento Terra Livre, Pinheirinho, entre outros.

Barro nos dias em que a chuva não perdoa, calor no dia em que o sol não perdoa, lona, ma-deirite, marteladas, fogueira, cachorros, berros cha-mando as assembleias, forró, manifestações. Assim são os dias nesse território que cultiva a esperança daquele mundo que ainda não é, mas que quase já começa a ser. Segue forte a luta dos de baixo.

*Gabriela Moncau é militante do Movimento Luta Popular

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(nildo, integrAnte do movimento)

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Por Bruna Bravoe carolina Piai

nEm mais um “fiu”

CONTRAPONTO

Campanha contra assédio em espaços públicos viraliza na internet e traz debate à tona

Estava voltando para casa. Sua mãe pedira que comprasse leite na padaria da esquina – já tinha

11 anos, era uma mocinha. Ainda estava claro, era um dia de sol e as ruas estavam movimentadas. Um carro com música alta se aproximou, redu-zindo a velocidade, e um homem lá de dentro abaixou o vidro e gritou: “ô, sua_____”. Chorava, chorava, chorava. Uma senhora que passava por ali perguntou o que havia acontecido à menina, que lhe contou o ocorrido, engasgando-se em soluços. “Você não devia estar chorando, devia levar como elogio… Isso é bom!”, respondeu a velha mulher, responde a velha sociedade. Todos os dias, para todas as mulheres, existe sempre uma senhora que silencia suas lágrimas.

Juliana é uma das 99,6% de meninas e mulheres que disseram já ter vivido uma história como essa. Jacqueline faz parte das 83% que não acha que ouvir cantada é algo legal. Harumi está nas 90% delas que já trocou de roupa por medo de ser assediada. Isabella e 81% das mulheres já deixaram de fazer alguma coisa ou ir a algum lugar com medo de assédio. Homens passaram a mão em 85% das Anas, sem o consentimento delas. Helenas formam 86% que já foram assediadas em baladas. 68% são Marias, que foram xingadas quando responderam “não” às cantadas.*

Somos muitas Marias, Isabellas, Julianas. Mas ninguém fala sobre o que as mulheres passam diariamente. Os números são gritantes e, ainda assim, nunca antes foram vistos na grande mídia. O assédio é constante, mas não está na pauta dos debates. É o “manto” de uma falsa naturalidade; aquilo que dizem ser traço cultural do brasileiro e que encobre as cantadas, as protege. Fizeram-nos acreditar que precisávamos passar por isso; que fazia parte. Como questionar o intrínseco “aceite como elogio” na boca de todas as senhoras e senhores, que ouvimos desde os onze anos?

Foi por isso que Juliana de Faria resolveu colocar o assunto em pauta. Jornalista formada na PUC-SP, ela se especializou em moda e aos poucos, como ela própria define, descobriu que gostava mais de “falar sobre a mulher que veste a roupa do que sobre a roupa que veste a mulher” e então criou o seu blog Olga. Com ele, procura abordar temas pertinentes à mulher, com os quais elas se reconheçam, acreditando no feminismo em sua mais simples explicação: igualdade de direitos entre mulheres e homens.

A idealizadora do Olga, junto com Gabriela Shigihara e Karin Hueck, montou, então, a campa-nha “Chega de FiuFiu”. Com o objetivo de acabar com o assédio sexual em lugares públicos, deram vida à esse debate. A primeira etapa da campanha foi a divulgação de ilustrações elaboradas por Shigihara, que ironizam aqueles que acham que a cantada é benéfica e natural, criando um material artístico visual contra esse tipo de intimidação. Em seguida a campanha pediu que as leitoras enviassem seus depoimentos sobre situações de assédio em espaços públicos que já passaram. Dentre os mais de 60 relatos, há desde aquelas que silenciosamen-te caíram nos prantos depois de serem cantadas quando tinham apenas nove anos até as que quase

apanharam por terem respondido, já adultas. Tem também – de monte! – as que foram apalpadas, encoxadas. Outras contam simplesmente do que nós, mulheres, vivemos todo dia: o incômodo de passar na frente de uma obra, de qualquer grupo de homens. Ou ainda de um só homem que a enxergue como um pedaço de carne.

Por último fizeram uma pesquisa. O ques-tionário foi elaborado pela jornalista Karin Hueck. A princípio, acreditavam que poucas pessoas se envolveriam, já que o blog tinha apenas cerca de 600 visualizações por dia. Porém, duas semanas depois de criarem a pesquisa, quase 8 mil mulheres a responderam. “Deus abençõe a internet”, exclama Juliana em relação à dimensão da “viralidade” que a pesquisa tomou nas redes sociais, em palestra dada na PUC-SP. Com perguntas como “Você acha que ouvir cantada é algo legal?” e “Você já deixou de fazer alguma coisa (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) com medo do assédio?”, a pesquisa teve um alcance incrível: 7762 respostas foi a amostra geral. 73% disseram, por exemplo, que não respondiam aos assédios que ouvem na rua.

– Por quê? – perguntava-se em seguida.– Medo – a esmagadora maioria retrucou.O motivo é óbvio: um “fiufiu” pode se

tornar uma agressão física num piscar de olhos - é justamente isso que mostram os depoimentos, por exemplo. Para Jacqueline Elise, estudante de jornalismo da PUC-SP e uma das que participou da pesquisa, “a cantada já é um tipo de violência” e completa: “é só o passo inicial pra um assédio maior”. A importância da campanha se torna, assim, evidente. O medo faz com que o espaço público não seja vivenciado da mesma forma entre homens e mulheres. “Você deixar de ir em algum lugar porque você tem medo de ser incomodada na rua. Isso é muito forte. A gente acha que não. A gente acha que é normal. Eu também já me acostumei”, afirma Faria. “A gente não devia ser obrigada a vivenciar isso”.

No entanto, tem ainda quem ache que é um exagero, quem ache graça, quem não entenda.

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“Legal, mas e as louças? Já lavaram?”, foi uma das respostas que as organizadoras receberam, no Olga. Outra resposta, dessa vez veiculada na grande imprensa, foi a de André Miranda, no “O Globo”, com o artigo grotesco chamado “Você é muito bonita”. Antes de tudo, há uma clara má interpretação da pesquisa por parte do jornalista: “quando 84% afirmam que já ouviram um “linda” na rua, quer dizer que 6.720 moças devem ter ido para casa felizes”. Complementa ainda que “Às vezes, um “gostosa” é simplesmente um elogio bruto (...). Bem inserida, a palavra pode ser mais sincera e mais corajosa do que um assobio juvenil e, certamente, mais do que o silêncio”. O que Mi-randa ignora é que 6389 mulheres não gostam de ser cantadas. Logo, não querem receber qualquer “elogio” - bruto, corajoso ou sincero, nada disso lhes importa. O que importa aqui é a liberdade de andar na rua como quiser e quando quiser. Sem medo e sem constrangimento.

Respostas como essas vieram, no geral, de homens. Lucas Turco, também estudante de Jornalismo na PUC-SP, tem uma postura diferente. Para ele, é revoltante pensar que as pessoas estão acostumadas com o assédio, “como se essa agres-são fosse natural”. Complementa ainda: “Como posso considerar exagerada uma campanha que mostra que 83% das mulheres não gostam de cantadas, que 85% delas já foram tocadas e que incríveis 90% já até trocaram de roupa por medo de um eventual assédio?”.

Independentemente das respostas negati-vas e das interpretações errôneas da pesquisa, o mais importante elas conseguiram. Moveram o de-bate, tirando o assunto do campo do “intocável” e dando voz a tantas mulheres. Em cinco horas foram mais de 10 mil compartilhamentos dos re-sultados. O fenômeno deixou clara a necessidade da mulher de falar sobre isso e de ser ouvida, o que inclusive dá força ao feminismo. Mariana Luísa Pinheiro Pinho, mais uma estudante de jornalismo na PUC-SP, revela: “Depois de conhecer a visão da Juliana passei até a me considerar feminista. Confesso que antes era uma certa ignorância e preconceito meu, sabe? Nunca realmente fui atrás de me informar e julguei pelo pouco que sabia, mas minha percepção desse movimentou mudou completamente. Achei incrível como mulheres que gostam de moda, que trabalham em revistas femininas podem sim ser feministas e lutarem pela igualdade”.

Não tinha como ignorar a voz gritante de tantas mulheres e respostas positivas surgiram de pequenos blogs feministas à grande imprensa. Surpreendentemente, uma delas veio da revista Veja no artigo da Letícia Cislinschi, “Quando a cantada não é um elogio, mas um crime”.Assim, pouco a pouco, o debate está finalmente sendo inserido no nosso cotidiano. O primeiro passo já foi dado. E a luta continua; as organizadoras já estão se articulando para dar continuidade à campanha. Podemos estar à caminho de uma rua sem “fiufiu”.

*Resultados reais da pesquisa da campanha “Chega de FiuFiu”

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Por isabella menon, marcus ronn e marcos vinícius *

Sociedade de controleCONTRAPONTO

Michel Foucault apontou, Gilles Deleuze ana-lisou e George Orwell previu. Pois é, parece

que aquilo que os três pensadores afirmaram tem-pos atrás, vem se concretizando atualmente. Hoje em dia, vivemos na assim chamada sociedade de controle, na qual o indivíduo é articulado por for-ças patronais, imergindo consequentemente em um sistema que acaba perdendo sua autonomia, e, principalmente, sua liberdade de expressão e pensamento. Esse controle é cada vez mais visível e onipresente: se estabelece nas famílias, no traba-lho, nas igrejas, nos hospitais, nas prisões e, agora, especialmente, nas instituições educacionais.

O tradicionalíssimo Colégio Visconde de Porto Seguro, de origem alemã, fundado no ano de 1878, vem passando por uma série de mu-danças na área de segurança, sendo uma de suas medidas primordiais a instalação de câmeras de vigilância dentro das salas de aula. Essa atitude, diga-se de passagem ditatorial e mal fundamentada, gerou polêmica nos últimos meses, chocando tanto pais e estudantes, quanto ex-alunos, profes-sores e funcionários da Fundação.

“A medida do colégio é desca-bida e as razões que eles deram foram ainda mais equivocadas”, essas foram as palavras de Christian Pondorf, 18, aluno do terceiro ano do ensino médio, que, como a maioria de seus colegas, se revoltou contra a situação. A instituição de ensino justificou a ins-talação das câmeras, como medida de segurança. Em resposta aos alunos, a Fundação afirmou que está “im-plementando um amplo projeto que visa a segurança de todos dentro do colégio.” De acordo com a diretoria, esses dispositivos seriam necessários para assegurar um controle cada vez maior e mais eficiente dentro das salas de aula. Esse argumento usado pela escola evidencia uma relação de dúvida entre a instituição e seus professores, além de desmerecer, é claro, a profissão deles e a confiança dos alunos. O que o colégio não levou em conta é que no caso de uma escola, é incabível que se faça uma vigilância impositiva com câmeras dentro das salas de aula, pois em sala já existe a presença do professor, que sabe muito bem como lidar com qualquer situação.

A indignação dos alunos chegou a tal ponto, que representantes do grêmio estudantil se propuseram a abrir uma página no Facebook, intitulada de “Vigilantes do Porto”, a fim de discu-tir essa medida autoritária da Fundação e informar àqueles que não tem contato direto com o caso. Em pouco tempo, o cyber espaço atingiu mais de 2500 pessoas, que se conscientizaram a favor da campanha e decidiram combater juntos esse controle desvairado da instituição. A decisão da Fundação, além de espantar pais e alunos, assus-tou também os professores de origem alemã, já que lá a utilização de câmeras dentro das classes é

sorria, você Está sEndo filmado!Câmeras de segurança são cada vez mais usadas em

salas de aula e ambientes de estudo

aluno-professor, que por mais intangível que possa ser, vai além das matérias presentes em livros e apostilas didáticas. A descrença do colégio perante o trabalho dos professores foi interpretada como grande afronta à confiança presente em cada mentor, e, assim sendo, muitos deles admitiram que pediriam demissão, caso o projeto saísse do papel.

Esse monitoramento panóptico das salas também divide a opinião das pessoas. De certo modo, as câmeras de segurança ajudam a manter uma disciplina durante as aulas. Porém, ao disci-plinar, inibe também os estudantes nas discussões de temas polêmicos e pertinentes. Talvez, o que poucos entendem é que a sala de aula é o espaço que o aluno tem para formar a sua identidade e seu futuro. Segundo um professor da instituição, que preferiu não se identificar, “os dispositivos de vigilância instalados na escola tem um papel mais

simbólico do que funcional. O aluno, o professor ou qualquer outra pessoa que seja, olha pra aquele negócio (câmera) e se sente acanhado e im-pedido de mostrar seu ponto de vista a respeito de algum tema.” Ou seja, as câmeras, servindo como cadeados para o aprendizado, exercem uma função de banimento da autonomia e repressão de expressões individuais. Além disso, também prejudicam as aulas dos professores, que podem fi-car constrangidos ao usarem métodos alternativos de ensino, como brinca-deiras e piadas, por exemplo.

Após intermináveis diálogos, através de cartas e reuniões, com a parte corporativa da instituição, o grupo “Vigilantes do Porto” conse-guiu, enfim, que o colégio brecasse a sua decisão até fevereiro de 2014. Entretanto, alunos de outras escolas de São Paulo não tiveram a mesma sorte. Essa medida, prolongada e amplamente discutida no Porto, já foi tomada e institucionalizada por outros colégios particulares da cidade, como, por exemplo, o Rio Branco, no

ano passado. A diretoria da instituição decidiu reforçar a segurança na escola e colocou câme-ras dentro das salas de aula. Porém, os alunos se manifestaram e, em protesto, ocuparam um dos pátios principais do colégio. Como solução – equi-vocada e sem pretexto- a instituição suspendeu 107 alunos, por um dia.

Assim, torna-se cada vez mais explícito que essas tecnologias mantêm, por meio de câmeras de vigilância, um papel significante para esse controle dos alunos. Todavia, é essa mesma tecno-logia que ajuda os alunos a tomarem consciência da própria manipulação e lutarem – através de plataformas digitais, por exemplo - contra esse controle absoluto.

*colaboração de Thiago Munhoz

A medidA do colégio é descAbidA e As rAzões que

eles derAm ForAm AindA mAis equivocAdAs

proibida por lei. Boa parte deles se juntou e formou uma comissão com o propósito de inibir qualquer movimento mais brusco do Colégio em relação a esse caso. O embate ficou dividido então entre as partes administrativa e pedagógica da Fundação. A primeira, sem muito no que se basear, defendeu a instalação das câmeras, observando apenas um lado da moeda, mais precisamente, o da segu-rança, que segundo muitos, é desnecessária, já que existem docentes especializados dentro das salas de aula. Em contrapartida, a segunda vê a medida como ofensa da instituição aos alunos e professores do colégio. Segundo eles, essa medida pretende controlar as aulas que são construídas e fundamentadas sob a espontaneidade da relação

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

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CONTRAPONTO

ensaiofotográfico

O universO de inhOtim

CONTRAPONTO

ensaio fotográfico

Por Júlia dolce

Inhotim é um instituto de arte contemporânea e jardim botânico, situado na cidade de Brumadinho, MG. É o maior museu de arte à céu aberto do mundo, e divide-se em galerias caracterizadas por uma arquitetura impressionante, obras de arte

espalhadas por uma área de 100 hectares, que podem ser encontradas ao acaso no meio da floresta, e um paisagismo influenciado por Roberto Burle Marx, contendo espécies raras e belas de plantas. O acervo artístico abriga mais de 500 obras, de artistas nacionais e internacionais.

Os visitantes de Inhotim são impactados por cenas aparentemente absurdas, se sentindo em um universo paralelo e surreal, e saem do parque com a sensação de terem experienciado algo único.

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13CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

O universO de inhOtim

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Por luiz fernando rodas e ricardo assis

Movimento de jogadores busca melhorias para o decadente futebol brasileiro

CONTRAPONTO

Bom sEnso f.c.Esporte

A televisão vende um produto ruim”. Em poucas palavras, Alexsandro Souza, mais conhecido

como Alex, meia do Coritiba e pivô da discussão que visa a alteração do calendário da CBF para 2014, definiu o cenário atual do futebol brasilei-ro. Os números não mentem. Na 23ª rodada do campeonato deste ano, por exemplo, dois recordes negativos foram quebrados: o menor número de gols em uma rodada (13 em 10 jogos) desde o início dos pontos corridos e também o de maior número de passes errados em uma partida (101 ao todo, na partida entre Vitória e Grêmio). A ideia do movimento, chamado de Bom Senso F.C., é sim-ples, mas, ao mesmo tempo, revolucionária: Cerca de 300 jogadores das séries A e B se organizaram, liderados por Alex e Rogério Ceni, visando discutir junto à CBF possíveis mudanças no calendário e no futebol brasileiro como um todo.

O calendário do futebol brasileiro já con-tava com diversos problemas de logística, mas a situação que uniu os jogadores para o protesto foi a antecipação dos jogos dos estaduais para o dia 12 de janeiro de 2014. O período de apenas 30 dias de pausa (a temporada 2013 termina em 12 de dezembro) não foi bem aceito. Os atletas alme-jam um mínimo de 30 dias de férias, além de pelo menos três semanas para pré-temporada. Rogério Ceni comentou sobre a situação: “Buscamos trazer benefícios, não só para os atletas, mas também para os clubes, além da própria televisão. Temos que repensar a maneira de fazer o futebol brasileiro. Nós estamos ficando um pouco para trás”.

O primeiro passo nas conversas entre jo-gadores e CBF foi dado no ultimo dia 7, quando, em reunião na sede da entidade, o presidente José Maria Marin recebeu, dos líderes do movimento, um dossiê com as principais reivindicações. Marin sinalizou com a possibilidade de atender ao movi-mento, e já tomou uma primeira medida: “Estou conversando com os presidentes das Federações e solicitando o adiamento do início dos Estaduais, para que se encontre uma solução que consiga conciliar as necessidades dos jogadores, na sua preparação na pré-temporada e dos clubes.”

A Federação Paulista de Futebol (FTP), por exemplo, já estuda alternativas para uma possível diminuição no número de jogos do Campeonato Paulista. Segundo o vice-presidente Laerte Alves Ju-nior, a FPF pensa em mudar a fórmula de disputa da competição, visando um corte substancial no numero de jogos. “Estão sendo estudados vários formatos de campeonato. Teremos um ano atípico em 2014 por causa da Copa do Mundo e uma mudança será necessária. A Federação está aberta a sugestões e novas ideias”, revelou. A fórmula final do Paulistão será conhecida no início de novembro.

No Rio Grande do Sul, a Federação Gaúcha, que inicialmente se mostrou irredutivel quanto a uma possibilidade de mudança no campeonato gaúcho de 2014, recuou e agora já admite, inicial-mente, uma redução de 23 para 19 datas. Além disso, a competição pode ter seu início adiado de 12 para 19 de janeiro, dando aos clubes uma semana a mais de pré-temporada.

A atitude dos jogadores é mais que neces-sária, não apenas para eles próprios, mas para o bem do futebol brasileiro como um todo. Em comparação com o futebol europeu, o calendário brasileiro parece amador: o intervalo entre o fim da temporada 2012/13 e o inicio da temporada 2013/14 na Europa foi de 75 dias, tempo suficiente para férias de 40 dias para os jogadores e uma extensa pré-temporada, quando as equipes euro-peias fazem amistosos e excursões internacionais. No Brasil, o intervalo entre o fim da temporada 2012 e o ínicio da 2013 foi de apenas 35 dias. A falta de tempo para preparação, além de prejudi-car o espetáculo, traz consequências inclusive para as finanças dos clubes, já que a possibilidade de excursões internacionais, que ajudam a difundir a imagem pelo mundo, por exemplo, não existe.

Outra falha do nosso desajustado calendá-rio é a falta das pausas para as chamadas “datas Fifa”. Na Europa, todos os campeonatos nacionais param para que os jogadores defendam suas seleções. Aqui, devido ao já excessivo número de jogos e à consequente falta de espaço no ca-lendário, os jogos dos nossos campeonatos não param durante as datas Fifa. Com isso, os clubes brasileiros que têm atletas convocados para sele-ções nacionais acabam sofrendo com desfalques importantes, muitas vezes em jogos decisivos. Os próprios jogadores também sofrem, já que os jogos por clubes e seleções, sem pausa, tornam-

se verdadeiras maratonas. Neymar em 2012, por exemplo, entrou em campo 66 vezes, dividindo-se entre seleção brasileira e Santos.

Outro assunto que preocupa o Bom Senso F.C. é a diminuição de público nos estádios. O número vem caindo ano após ano e os estádios ficando cada vez mais modernos, mais caros e mais vazios. “Acho que a CBF não tem uma interfe-rência dentro do futebol tão grande. A CBF cuida apenas da Seleção Brasileira. Quem realmente cuida do futebol brasileiro é a Globo. A gente sabe que a Globo trabalha na dependência da novela (...) A gente joga bola dez horas da noite. Eu, que vou jogar, vejo uma situação ruim, preciso ficar em um hotel o dia inteiro esperando um jogo 10 horas da noite. (...) Mas eu estou dentro de um hotel, confortável, vou jogar 90 minutos, tomar banho e vou embora para casa. E o torcedor?”. Alex faz uma colocação pertinente. O horário afasta o torcedor do estádio, já que, muitas vezes, não há nem mesmo como voltar para casa quando encerrado o jogo, já perto da meia-noite.

Além disso, existe também a questão do preço dos ingressos. Nunca o futebol brasileiro esteve tão caro. Dos 10 jogos mais caros da his-tória, cinco ocorreram em 2013. A maior renda da história do Brasil, a final da Copa Libertadores de 2013, teve, como preço médio de ingresso, R$ 250,00. A questão é: o futebol brasileiro, vivendo uma crise técnica e diversos problemas a respeito do calendário, tem condição de cobrar isso? A média de público de menos de 15 mil torcedores e a audiência decrescente deixam claro que não.

É preciso uma mudança geral. Menos jogos, mais tempo de preparação, mais tempo de recu-peração para os atletas entre jogos e estruturação dos estádios (e não apenas dos que sediarão jogos da Copa) são alguns dos pontos que necessitam atenção, da CBF e das federações estaduais para uma melhoria do espetáculo e uma consequente volta aos tempos áureos do futebol brasileiro, com estádios lotados, boas médias de publico, e, principalmente, bons jogos.

Integrantes do Bom Senso F.C.

Média de público dos campeonatos nacionais. O “país do futebol” encontra-se na modesta 18º posição

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Cinema

Por letícia naísae Gabriel collet

Mostra Internacional de Cinema conta com homenagens a Stanley Kubrick, Eduardo Coutinho e Lav Diaz

a sétima artE por são paulo

A cidade de São Paulo recebeu entre os dias 18 e 31 outubro a 37° Mostra Internacional de Ci-

nema. Foram duas semanas de exibição de cerca de 350 títulos por 20 pontos da cidade, entre sessões pagas e gratuitas, em espaços abertos, cinemas, museus e centros culturais. Entre as atrações gratui-tas, os destaques foram as sessões abertas no Vão livre do MASP – que contaram com a parceria da X Bienal de Arquitetura, adotando o tema “Cidade: Modos de Fazer, Modos de Usar”, com exibição de 9 filmes (vide Box). Outro sucesso de público foi a sessão no Parque do Ibirapuera, com a presença da Orquestra Petrobras Sinfônica e exibição do filme Nathan, o Sábio na área externa do Auditó-rio Ibirapuera. O filme de 1922 enfrentou censura durante o governo nazista da Alemanha por “fazer apologia” ao judaísmo, sendo reencontrado em Moscou em 1996. A Orquestra foi responsável pela trilha sonora ao vivo da peça.

Além disso, a 37° Mostra também contou com homenagens a grandes diretores como Stan-ley Kubrick, o documentarista Eduardo Coutinho e o cineasta filipino Lav Diaz. Kubrick ganhou uma maravilhosa exposição no Museu da Imagem e do Som (MIS), além de uma retrospectiva de seus filmes nas salas de cinema do museu. A exposição é dividida em 16 ambientes temáticos para cada filme da carreira do diretor. Os destaques ficam por conta das salas de 2001: Uma Odisséia no Espaço, O Iluminado e Laranja Mecânica, além de De Olhos bem Fechados e Lolita, que também ganham ambientes fascinantes.

São centenas de objetos de cena, foto-grafias, câmeras e documentos recontando a trajetória de cada obra do cineasta, refletindo sua eficiência, suas manias e seu perfeccionismo com o trabalho. Cada sala é ambientada pela trilha sonora específica de cada filme, na tentativa de fazer com que o visitante mergulhe fundo na obra de Kubrick. Apesar de boa, a ideia é um pouco falha na prática, devido à acústica não favorável do ambiente. Mas mesmo assim, a visita é en-cantadora. A exposição fica aberta até janeiro de 2014. Também no MIS, durante a Mostra, houve o lançamento do livro Conversas com Kubrick no Brasil, de Michel Ciment, com prefácio de Martin Scorsese, que une textos analíticos, entrevistas e depoimentos do diretor e seus colaboradores.

O diretor brasileiro Eduardo Coutinho, um dos mais importantes documentaristas do país,

completou 80 anos este ano e também ganhou destaque durante o período da Mostra. Vários de seus filmes foram exibidos, entre eles, os mais conhecidos como Cabra Marcado para Morrer, Edifício Master e Jogo de Cena. O cineasta também conversou com estudantes na FAAP (Fundação Ar-mando Álvares Penteado) e na Biblioteca Brasiliana da USP. 21 de seus filmes também foram exibidos no Cinusp Paulo Emílio, como Babilônia 2000, Fausto e Porrada. Durante a Mostra, também foi lançado o livro Eduardo Coutinho, uma coletânea de textos do e sobre o autor, organizada por Mil-ton Ohata e editado pela Cosac Naify.

O último diretor homenageado foi o filipino Lav Diaz, que recebeu uma retrospectiva de sua

obra completa, composta por 18 filmes. Diaz é famoso pela longa duração de seus filmes, como Melancolia, de 8 horas, e Evolução de uma Família Filipina, de 10. Seu nome é um dos principais do cinema independente de seu país e tem ganhado importância em festivais pelo mundo. O diretor foi um dos jurados na escolha do melhor filme de ficção da Mostra.

Entre tantas outras atrações, a Mostra apresentou o ciclo “Os Filmes da Minha Vida” que também recebeu importantes nomes do cir-cuito cultural brasileiro, como os escritores Ignácio Loyola e Zuenir Ventura, os cineastas JulioBressani e Walter Salles, além críticos Cássio Straling Carlos e Michael Ciment e o diretor de fotografia Lauro Escorel. O ciclo era gratuito e cada convidado con-tou um pouco sobre os filmes que mais marcaram suas histórias.

Ao final da 37° Mostra Internacional de Cinema, alguns filmes foram premiados em uma cerimônia no Cinesecs da Rua Augusta, apresenta-da pelo crítico Rubens Ewald Filho e pela cineasta Marina Person. Lições de Harmonia, do diretor Emir Baigazin, foi classificado pelo júri como melhor filme de ficção e conta a história de um garoto que sofre bullying no Cazaquistão e resol-ve se vingar. Pais e Filho, de Hirokazu Kore-Eda, e Até que a Sbórnia nos Separe, de Otto Guerra e EnnioTorresan Jr. levaram o prêmio do público. Além da categoria ficção, o júri também selecio-nou Plano para a Paz, de Carlos Agulló, Mandy Jacobson como melhor documentário da Mostra. Já o prêmio da crítica julgou La Jaula de Ouro, de Diego Quemada-Díez, como melhor filme. A premiação completa pode ser encontrada no site oficial da 37° Mostra Internacional de Cinema (http://37.mostra.org/).

ApesAr de boA, A ideiA é um pouco FAlhA nA práticA, devido

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Mostra no Vão Livre do MASPO cinema a céu aberto exibiu, entre tantos títulos, o documentário São Silvestre, de Lina Chamie. O documen-

tário pretende demonstrar a experiência de correr uma maratona e a emoção de completar o circuito. Iniciando-se com cortes e imagens de rua, o filme vai aos poucos abrindo o plano da câmera e apresentando a cidade São Paulo de uma perspectiva de um maratonista. Sem diálogos e gravado com apenas um ator, Fernando Alves Pinto, passando por alguns conhecidos pontos turísticos da metrópole na edição da corrida de 2011.

A famosa e tradicional corrida de rua da cidade de São Paulo que ocorre no último dia do ano foi retratada de perto, já que no filme é possível sentir a emoção do circuito completo e ao mesmo tempo apreciar os marcos culturais da cidade da garoa, como o Teatro Municipal e alguns monumentos que o documentário destaca. Além disso, o longa-metragem nos proporciona a sensação de estar participando da São Silvestre através de filmagens feitas pelos próprios participantes com câmeras no peito e no capacete.

Projeção de filme no vão livre do MASP

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Exposição Stanley

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Cartaz de divulgação da mostra

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decide pelo seu convencimento – dentro de seus valores, sua experiência de vida, dentro das regras do direito. “Não existe uma situação orquestrada entre todos os juízes” completa o professor Priolli, “será feito caso a caso”.

Quando questionado sobre se de fato a agilidade no projeto será alcançada, Priolli acredita que não. “Não, não sou otimista. Não vai mudar muita coisa, porque você pode colocar a lei com todos esses dispositivos, aí chega o cidadão e pede pra efetivar esse direito de resposta em dois, três dias, mas não existe operacionalização para que isso aconteça, porque, por exemplo, quem vai dizer que a honra foi atingida naquela matéria? Vai acabar sendo o juiz e o direito de resposta é subjetivo, eu insisto em bater nessa tecla”.

Para o relator da matéria na Comissão de Constituição, e Justiça (CCJ), senador Pedro Taques (PDT-MT), o projeto “não quer cercear o direito à informação nem censurar a imprensa, que deve ser livre” – no entanto, quem vai garantir que não haverá uma censura? Devemos considerar o fato de que vivemos em um contexto em que a mídia é muito competitiva e essa lei intervirá diretamente nesse aspecto. “Que editor vai assumir que estava errado? Qual chefão de mídia vai dizer que errou? Porque aí, a sua credibilidade vai pra onde? Você

Por victoria azevedo

O plenário do Senado aprovou, na quarta-feira, dia 18 de setembro, o projeto de autoria do

senador Roberto Requião (PMDB-PR), que regu-lamenta o direito de resposta das pessoas que se sintam ofendidas por matérias jornalísticas publi-cadas em veículos de comunicação social. Esse projeto de lei aposta na agilidade do processo, estabelecendo prazo de no máximo 60 dias para a divulgação gratuita da resposta - e com o mesmo destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do veículo que promoveu a ofensa.

A resposta deve ser publicada em até sete dias e, se a retratação for espontânea, o direito de resposta é cessado. No entanto, caso isso não ocorra e a resposta não for publicada conforme determina a lei, o ofendido poderá procurar a Jus-tiça, que deverá notificar o veículo em até 24 horas e determinar a publicação (caso seja comprovada a ofensa) em no máximo de dez dias.

O projeto de lei foi apresentado por Roberto Requião sob a justificativa de que a derrubada da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal, em 2009, deixou um “vácuo jurídico” na mídia. O professor de direito da PUC – SP, Rodrigo Priolli, no entanto, não concorda totalmente com essa afirmação, uma vez que esse vácuo jurídico im-plica em uma não existência e, vale lembrar que o direito de resposta é constitucional, ou seja, já está previsto na Constituição Federal. “O projeto de lei, por sua vez, está “regulamentando” os dispositivos constitucionais do direito de resposta e efetivando-o na prática”, afirma Priolli.

É preciso ressaltar que o texto não consi-dera os comentários feitos por usuários nas redes sociais dos veículos de comunicações. Por outro lado, atinge artigos de opinião publicados pelo veículo, que não poderá ser responsabilizado criminalmente pela ofensa, mas será obrigado a publicar a retratação.

O senador Magno Malta (PR-ES) solicitou ao presidente do Senado, Renan Calheiros, que con-verse com o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, para que o projeto seja votado em regime de urgência. Para o presidente do Senado, essa lei é uma questão “necessária e tardia”. Ele afirma também que sempre defendeu “inclusive no discurso de posse, que contra os excessos da democracia, mais democracia”.

Essa lei, se aprovada, leva a refletir se haverá uma mudança no campo jornalístico. Por um lado, imagina-se que existirá uma maior atenção por parte dos jornalistas no momento da apuração dos fatos, para que nenhum equívoco seja cometido, e que dessa forma haverá maior qualidade do conteúdo produzido, portanto, maior verossimi-lhança dos fatos. No entanto, também é discutido se com essa lei não haverá certa censura prévia nas matérias que serão publicadas, para justamente evitar futuros transtornos.

Há quem acredite que essa lei não terá a eficácia que lhe é esperada, justamente porque no fim, o processo vai cair nas mãos de um juiz e ele que decidirá se uma matéria ofendeu ou não a honra do cidadão. E como é sabido, o juiz

Projeto de lei que segue para a Câmara tem como objetivo garantir os direitos do cidadão que se sinta ofendido por alguma publicação

jornalística

CONTRAPONTO

dirEito dE rEsposta: mudanças no campo jornalístico?

Liberdade de expressão

para de vender jornal e revista no outro dia. Espero estar errado. Torço para que essa lei faça com que os veículos sejam mais céleres e rediscutam esses problemas”, completa Priolli.

“Acho que essa lei está demonstrando que a sociedade brasileira espera uma postura mais ética dos meios de comunicação, que eles sejam mais responsáveis na mensagem jornalística que vão veicular”, continua Priolli, e é justamente nisso que consiste o objetivo da nova lei. Além de ela potencializar um direito constitucional, o direito de resposta, está reagrupando-o e redesenhando-o para a sociedade. Essa é uma lei de responsabilida-de patrimonial, civil. “A mensagem está aí, dentro de um grande contexto da discussão da mídia, nós estamos de olho em suas atitudes e cientes das responsabilidades da emissão de informações jornalísticas” conclui o professor.

A nossa mídia, cuja marca estrutural é a par-cialidade, precisa ser redesenhada e adaptada para um contexto mais fiel às estruturas jornalísticas, para haver maior atenção na apuração dos fatos e maior imparcialidade, na medida do possível – para que então, algum dia possa ser alcançada uma mídia mais democrática onde todos poderão falar e ser ouvidos.

Rodrigo Priolli, professor do departamento de direito da PUC-SP

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Movimento estudantil

Por anna coelhoe lu sudré

Mesmo após a reintegração de posse, com prisão arbitrária de dois estudantes, a mobilização continua

a luta pEla dEmocracia na usp

O movimento estudantil da USP tem suas pe-culiaridades – porém, o ano de 2013 poderia

ser só mais um ano de luta pelas diversas pautas históricas, exceto pelo fato de que se aproximava: as eleições para reitor. João Grandino Rodas, elei-to indiretamente, segundo colocado nas últimas eleições, foi o reitor nos últimos quatro anos. Foi considerado pelos estudantes como autoritário, seguindo ordens do governador Geraldo Alckmin – o responsável pela escolha final do reitor, por meio da lista tríplice na universidade.

Em 2013, às vésperas da saída de Rodas para a entrada de outro reitor, o DCE – Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme” articulou a campanha “Diretas para Reitor Já!”. Em ato no dia 1º de outubro, em frente ao prédio da reitoria, onde acontecia a reunião do Conselho Universitá-rio que decidiria sobre as eleições, os estudantes pediram que o C.U fosse aberto. Com a recusa, a reitoria foi ocupada por mais de 400 pessoas, que permaneceram ali por mais de um mês.

Para Arthur Andrade, 19, calouro do curso de Ciências Sociais e membro do DCE, a greve deste ano provou-se um processo de muita impor-tância na história das lutas da universidade. “Faço uma avaliação de que só conseguimos alcançar vitórias com a massificação e responsabilidade na condução do movimento e com o esforço de construir um caráter amplo e que dialogue com o conjunto dos estudantes. O movimento estudantil tirou muitas lições após os levantes de junho, e também entendeu que havia muitas tarefas que só seriam executadas com a sua massificação. Há mais de dois anos o DCE já apostava que a ques-tão da Democracia na USP seria uma pauta capaz de mobilizar setores importantes do movimento estudantil e se mostraria concreta na realidade dos estudantes de diversas unidades, e foi o que aconteceu no mês de outubro”.

O movimento uspiano mostra uma profusão e diversidade de ideias, pensamentos e formações pessoais que não se encontra em nenhuma outra universidade brasileira. Os estudantes, indepen-dente de seu posicionamento, conseguem ter espaço para se manifestar e debater os passos do movimento, na assembleia geral ou nas de curso ou reuniões do comando de greve. A reitoria es-teve aberta para quem quisesse entrar. Após mais de um mês de greve e ocupação, e não apenas no campus Butantã, com vitórias do movimento inclusive na Justiça, Rodas foi obrigado a ceder e

a assinar um termo de acordo com os estudantes, prometendo, inclusive, uma estatuinte para a universidade. Porém, agora, a mobilização passa por um momento bem mais delicado.

“Existem setores que tendem a apostar no isolamento, na radicalidade na forma e esva-ziamento no conteúdo, com políticas estreitas e que dividem o movimento. Esses setores ultraes-querdistas muitas vezes acabam por prestar um papel enfraquecedor ao movimento estudantil, porque não busca o dialogo com os estudantes de unidades sem tradição de mobilização, ou até estudantes que querem se mobilizar, mas se de-sestimulam a participar dos fóruns e espaços, pela grande disputa política que existe. Tentam passar suas políticas em todos os espaços, mesmo estas tendo sido derrotadas nos fóruns máximos do mo-vimento. São os setores que eram contra os eixos principais de Democracia na USP, não construíram o ato do dia 1 de outubro por eleições diretas para reitor que ocasionaram na ocupação da reitoria e tiveram que se reestruturar para acompanhar a dinâmica da mobilização”. É desta maneira que Andrade descreve a principal dificuldade de se levar a greve na universidade. “A leitura que faço é que esses setores tendem a propor ações que acabam por levar o movimento a derrotas graves, como já se mostrou a greve de 2011 e outros epi-sódios de ações isoladas e por fora do conjunto dos estudantes. Acaba sendo meio desanimador, mas também acaba mostrando o quão necessário

é a construção de uma linha con-sequente, combativa e ampla para o movimento”, opina.

A ameaça e a reintegra-ção de posse – Durante a primei-ra semana de ocupação, o juiz deu parecer favorável aos estudantes e ao movimento em primeira ins-tância. No dia 15/10, no Tribunal de Justiça (TJ), instância superior, foi concedido 60 dias pelo desem-bargador para que o processo de desocupação ocorresse de forma pacífica, pelo diálogo. Mas, após a resolução do TJ, a reitoria da USP entrou com um mandato de segurança para reduzir o preço

estipulado pela Justiça e tal pedido foi aceito. Na primeira semana de novembro, o TJ expediu a reintegração de posse da reitoria, que, com isso, poderia acionar a polícia.

O DCE defendeu o encerramento da greve e da ocupação, avaliando que o movimento conquis-tou uma vitória política importante ao fazer Rodas negociar e ceder parte das pautas. A maioria da assembleia do dia 06/11 optou pela continuidade da greve e da ocupação, deliberação reconhecida e legitimada pelo DCE, que deixa claro que a reitoria da USP – ao insistir no Mandado de Segurança em meio às negociações – é a única culpada. Com ação partindo da própria reitoria, na madrugada do dia 12 de novembro ocorreu a reintegração de posse do prédio, no qual não havia nenhum estudante. A PM prendeu dois alunos de Filosofia, João Vítor Gonzaga Campos, de 27 anos, e Inauê Taiguara Monteiro de Almeida, de 23 anos. Segundo o DCE, foram levados à delegacia sem serem informados dos motivos da prisão. Em 13 de novembro, após passarem a noite na delegacia os dois foram leva-dos a exame de corpo de delito e transferidos ao Centro de Detenção Provisória (CDP) de Osasco II. Tal transferência se deu por ordem direta da Secretaria de Segurança Pública (SSP). De acordo com o DCE, as “instruções do governador do estado Geraldo Alckmin, tem sido investidas no sentido de um recrudescimento da legislação e da ação policial com relação aos movimentos sociais, ameaçando flexibilizar os princípios de presunção de inocência, a necessidade de individualização da conduta, etc.”.

No mesmo dia, uma decisão judicial asse-gurou o relaxamento da prisão. A juíza respon-sável reconheceu a ilegalidade da prisão. Mas os esudantes ainda responderão a processo criminal, sob as mesmas acusações. O DCE criou um abaixo assinado contra a criminalização do movimento estudantil e pela retirada imediata dos processos que os estudantes terão que responder. No dia 13 de novembro, última assembleia geral antes do fe-chamento desse jornal, os estudantes deliberaram a manutenção da greve por 299 votos a 237.

Assembleia geral na FFLCH-USP durante a greve

Que a PUC se pinte de democraciaEm 13 de novembro, completou-se um ano do golpe à democracia na PUC-SP, por meio da nomeação

de Anna Cintra ao cargo de reitora. Ano passado, o CA 22 de Agosto, do curso de Direito, entrou com uma ação judicial que está sendo julgada em segunda instância e que pode anular a posse.

Para relembrar aos interventores que os estudantes, professores e funcionários não legitimam a nomeação de Anna Cintra, os estudantes que compõem o Movimento pela Democracia na PUC-SP organizaram um ato na “prainha” (área de convivência) da universidade. Com a organização conjunta dos CAs, funcionários, pro-fessores e demais estudantes o que se espera é que, assim como a USP, a PUC-SP se mobilize novamente para além do âmbito jurídico.

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Por lu sudréNa contramão dos interesses da classe dominante, a reforma do

Sistema Tributário é um passo fundamental para reverter o quadro de desigualdade social do Brasil

CONTRAPONTO

QuEm tEm mEnos paga mais

Desigualdade

O primeiro relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU) sobre

a América Latina, constatou uma realidade conhe-cida pela maioria dos cidadãos brasileiros: o país tem o terceiro pior índice de desigualdade no mun-do. Por outro lado, estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), divulgados em abril de 2013, apontam que o Brasil encontra-se, pela quarta vez consecutiva, entre as 30 nações com as maiores cargas tributárias do mundo. Os dados trazem uma contradição inerente ao projeto político e econômico no qual se baseia nosso Sistema Tributário, cuja principal função é arrecadar tributos de pessoas físicas e jurídicas ao Estado, para que esse promova serviços públicos de qualidade à população, como saúde, educação, segurança, moradia, transporte e outros. Além de arrecadar recursos para os cofres públicos, a tribu-tação deveria garantir uma isonomia social.

Segundo Maria Lúcia Fattorelli Carneiro, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida e ex-auditora fiscal da Receita Federal, um sistema tributário desejável é aquele que desempenha o financiamento de atividades estatais, a redistribui-ção justa de renda, a equalização das desigualda-des e a justa repartição das receitas entre entes federados. Ou seja, que proponha uma tributação direcionada para a construção de uma sociedade justa e igualitária, que erradique a pobreza e a desigualdade social. Porém, a atual formulação de nosso sistema tributário anda na contramão da justiça social e da garantia de direitos, perpe-tuando uma sociedade desigual, classista, dividida entre uma maioria de pobres e uma minoria de ricos, fatos decorrentes do caráter eminentemente regressivo e concentrador de sua tributação.

Baseado em impostos indiretos (que incidem sobre transações de mercadorias e serviços, sendo a base tributária os valores de compra e venda), no sistema tributário brasileiro os contribuintes de menor poder aquisitivo pagam proporcionalmente mais tributos do que aqueles que possuem maior capacidade contributiva, pois não se considera a capacidade contributiva da pessoa, mas sim quanto ela consome e, então, quem paga mais impostos são os pobres. Seguindo a lógica de maior tributa-ção pelos impostos indiretos, somados ao sistema capitalista vigente e à políticas de governo que impulsionam o consumo, os impostos sobre bens e serviços – como o Imposto sobre Circulação de Mer-cadorias (ICMS) – correspondem a 43% da base de arrecadação. Além disso, aproximadamente 28% da renda do contribuinte é aplicada no pagamento de impostos indiretos, sendo apenas 4% voltada ao pagamento de impostos diretos (Fonte: Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Uma medida para reduzir o cenário de disparidades sociais do nosso país, no qual quem tem menos renda paga mais tributos, seria a aprovação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), pautada no Congresso Nacional há mais de 20 anos. Com o IGF, os tributos incidiriam sobre a renda e não sobre o consumo, e assim, os setores mais fragilizados social e economicamente não pagariam proporcionalmente mais impostos e a

mesma quantidade de alíquotas (percentual ou valor fixo aplicado sobre a base de cálculo para o cálculo de valor de um tributo) que os setores mais favorecidos. Empacado no Congresso, somado a indefinição do que seria uma “grande fortuna”, a base de cálculo e a alíquota por faixa de riqueza patrimonial, a ausência do IGF contribui com o sistema tributário que abandonou sua visão redis-tributiva e pereniza a estratificação social.

Para Danielle Serafino, especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas, impostos indiretos como o ICMS e o IPI (Imposto sobre o Produto Industrializado), impostos fixos como o ISS (Imposto sobre Serviços), impostos sobre o patrimônio como o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) e IPTU (Im-posto Predial Territorial e Urbano), além do Imposto de Renda da pessoa física ou jurídica (tributo pago ao Estado a partir de um cálculo feito em cima das remunerações como salários, lucros, juros, dividen-dos e aluguéis), têm papel relevante na arrecadação do Poder Público. De acordo com a advogada, a tributação feita nesses moldes é interessante para o Governo. “Por definição constitucional, não há obrigatoriedade de aplicação dos recursos prove-nientes da arrecadação destes impostos em alguma atividade especifica, e, então, a aplicação destes recursos pode ser feita em qualquer área ou setor que o Poder Público entenda necessário”.

Os índices evidenciam a necessidade de uma Reforma Tributária em nosso país, pois a tributação ainda é feita de acordo com o Código Tributário Nacional, construído pela ditadura mi-litar em 1966, cuja característica essencial é con-centrar riquezas, isentando impostos das grandes fortunas e empresas. Ao centralizar a carga tribu-tária sobre os salários e consumo da população, a tributação que privilegia os ricos, limita a atuação e cumprimento de deveres do Estado brasileiro, que não possui recursos suficientes direcionados para expandir direitos sociais. Danielle problematiza os empecilhos impostos aos projetos de Reforma Tributária parados no Congresso Nacional, assim como a instituição do IGF, deixando claro que há uma forte correlação de forças no cenário políti-

co que impede que o Brasil adote tais medidas. “Entendo que a classe política não tem interesse em regulamentar porque alcançaria parte da ri-queza dos parlamentares e chefes dos executivos estaduais e municipais, além dos rendimentos de empresários que em grande medida financiam as campanhas políticas no país”.

Áquilas Mendes, economista e professor livre-docente de economia da saúde da Faculda-de de Saúde Pública da USP, além de professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), pontua que precisamos alterar o sistema tributário e adorar medidas de maior justiça fiscal emergencialmente. Para o economista, “nos últi-mos 35 anos o capitalismo está vivendo numa fase de dominância do capital financeiro, isto é, essa forma de capital é a que mais cresce em relação ao capital produtivo, industrial, e sendo assim, te-ríamos que pensar como tributar mais esse capital financeiro.” Áquilas complementa a necessidade da reforma tributária e maior tributação sobre o capital financeiro, com as seguintes propostas: ampliação da alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, fonte de financiamento para a saúde) para instituições financeiras para 18%, conforme Projeto de Lei já existente no Congresso Nacional; aprofundamento dos mecanismos de tributação para a esfera financeira, mediante a criação de um Imposto Geral sobre a Movimenta-ção Financeira (IGMF) e a tributação das remessas de lucros e dividendos realizadas pelas empresas multinacionais – atualmente isentas na legislação – destinadas ao Orçamento da Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social), além do estabelecimento da Contribuição sobre Grandes Fortunas com destinação para a Seguridade So-cial, projetos já existentes na Câmara Federal. O professor de economia ressalta que o processo de Reforma Tributária será árduo. “A classe domi-nante não está interessada em alterar esse quadro perverso de impostos regressivos. Será preciso uma grande comoção popular para alterar esse quadro do sistema tributário brasileiro”.

Manifestantes pedem mudanças na tributação do país

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

CONTRAPONTO

Jornadas de junho

Por lu sudré“Guerra aos vândalos” contradiz princípio da liberdade de

expressão

Brasil tEsta limitEs da dEmocracia

As manifestações de junho, que levaram milhões de pessoas às ruas, colocaram em

cheque a percepção de diversos setores da socie-dade sobre mobilizações populares e ocupação de espaços públicos como ferramenta política. Em sentido oposto, ações oriundas do próprio estado procuraram limitar a amplitude do debate democrático, incluindo, em particular, a criação de uma Comissão Especial de Investigação dos Atos de Vandalismo (CEIAV), no Rio de Janeiro, pelo governador Sérgio Cabral. O decreto que criou a comissão indicava, em um de seus artigos, que empresas operadoras de telefonia e provedores de internet teriam prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos de informações, por par-te de autoridades, sobre atividades dos usuários. O decreto, que não mencionava a necessidade de autorização judicial para a quebra de sigilo, foi interpretado pela OAB como restritivo à liberdade individual e inconstitucional.

O artigo número cinco da Constituição assegura a todos os indivíduos o direito a mani-festação, atestando que podem se reunir em locais públicos, independentemente de autorização, e reafirma a legitimidade da livre manifestação de pensamento, além de declarar inviolável o sigilo da correspondência, de comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial. A pressão popular, as críticas da OAB e de outras entidades representativas da sociedade civil e o destaque que a mídia deu ao assunto impuseram um recuo ao governador. Cin-co dias após a criação da CEIAV. Cabrou alterou o artigo sobre a quebra de sigilo, acentuando o respeito ao poder judicial.

Para a OAB, o novo texto proposto por Cabral ainda é marcado pelo “vício de inconstitu-cionalidade”, pois cria uma comissão com poderes investigatórios, o que somente pode ser feito por lei federal. Além disso, fere a Constituição, ao criar um órgão que terá prioridade sobre outros que já têm poderes de investigação. Para Leonardo Massud, advogado e professor de Direito Penal da PUC-SP, o decreto é um retrocesso e ao mesmo tempo simbólico, pois ilustra o desprezo de auto-ridades pelos direitos dos cidadãos. “É um claro abuso de poder, de um autoritarismo sem prece-dentes. Nunca chegaram a um ato tão explícito, a ponto de violar uma garantia da Constituição. Esse é o estado que afugenta o cidadão a todo momento, o trata como um entrave”, pontua Massud, reafirmando que uma pessoa só pode ter seu sigilo devassado se autorizado por uma autoridade judiciária.

Mas as tentativas de impor restrições às liberdades fundamentais não se limitaram à criação da CEIAV. No início de setembro, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Paulo Melo, propôs um projeto de lei (PL) que pro-íbe aos manifestantes a prática de cobrir os rostos. Exige, além disso, que qualquer reunião pública ou ato deve ser previamente comunicado à polícia, contradizendo o texto da Constituição. Paralela-mente, o PL Antiterrorismo segue em análise por uma comissão no Congresso Nacional, defendido

por seus proponentes como um passo necessário para preparar o país para a Copa de 2014 e para os Jogos Olímpícos de 2016. Os críticos ao PL, incluindo Massud, alegam que há uma região indefinida, uma “área de sombra” em torno da tipificação dos crimes de terrorismo, que poderia dar margem para a criminalização e marginaliza-ção dos movimentos sociais. Segundo Massud, o PL abre uma avenida para quem quiser interpretar o direito com a finalidade de criminalizar e punir os movimentos sociais. “Há uma série de crimes que foram tipificados na época da Ditadura Vargas que permanecem na nossa legislação até hoje e são de duvidosa constitucionalidade, como o crime de desacato e de desobediência”, exemplifica.

O jurista Fabio Konder Comparato, pro-fessor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), descreve um quadro ainda mais lúgubre. O professor parte da constatação de que no Brasil nunca houve uma democracia real e que até hoje a ordem jurídica preserva os interesses de oligarquias, em que uma minoria de ricos e poderosos comandam o próprio estado em defesa de seus interesses privados. Propondo uma discussão mais aprofundada, em entrevista à revista Caros Amigos, Comparato explica que nós não vivemos em um uma democracia porque essa significa soberania popular, em que o povo tem o poder supremo de designar os governantes, de fiscalizar sua atuação, responsabilizá-los e de

fixar as grandes diretrizes da ação estatal. O jurista ressaltou que nem mesmo a Constituição, assim como suas emendas, foi aprovada legitimamente pela população.

Mas a democracia de fachada não é pri-vilégio do Brasil. Logo após o atentado de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, direitos civis anteriormente considerados invioláveis foram radicalmente restringidos, ato justificado pelo mesmo discurso da“guerra ao terror.” O então presidente dos Estados Unidos, George Bush, assinou o Ato Patriota, que atribuiu poderes praticamente ilimitados aos órgãos da polícia e agências de espionagem. Os recentes escândalos provocados pelas revelações de Edward Snowden, ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança (NSA), e do ex-militar Bradley (Chelsea) Mainning são apenas desdobramentos da escalada de agressões por parte de agentes do estado aos fun-damentos da democracia. Barack Obama, eleito pela primeira vez em 2008 graças às promessas de que no seu governo haveria “mudanças” no sentido da democracia, prosseguiu e aprofundou o percurso de seu antecessor.

Em todo o mundo, a “guerra ao terror” fornece aos estados os argumentos para impor restrições cada vez mais radicais aos direitos democráticos. O Brasil, nesse quesito, participa plenamente do mundo contemporâneo.

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Por marcela reis

é proiBido proiBir

CONTRAPONTO

A chamada “lei das biografias” provoca debate sobre a censura e desagrada alguns artistas que tiveram sua arte castrada

durante a ditadura

O projeto de lei 393/11, mais conhecido como “lei das biografias” foi aprovado em duas

comissões da Câmara e deve ser votado nas pró-ximas semanas. A proposta, que altera o Código Civil, libera de forma expressa a publicação de biografias não autorizadas, além da divulgação de imagens, escritos e informações biográficas sem autorização. Esse projeto, de autoria do deputa-do federal Newton Lima (PT-SP), começou a ser muito discutido na mídia após algumas biografias terem suas publicações proibidas, por falta de autorização dos biografados ou dos familiares. Uma delas foi a quarta edição da biografia “Paulo Leminski - O Bandido que Sabia Latim” de autoria de Toninho Vaz, que foi barrada pela família do poeta devido ao enfoque “depreciativo à imagem do retratado e seus familiares”. Artistas como Ro-berto Carlos, Gilberto Gil, Chico Buarque e Djavan prontamente se posicionaram contra o projeto e, em contrapartida, biógrafos como Ruy Castro e Mário Magalhães se mostraram a favor.

Para o poeta cearense Floriano Martins “nada justifica a existência de uma biografia au-torizada, o texto em si é a história de uma vida e não a correção da mesma. É tão indevido eliminar passagens controversas da vida de um biografado quanto o biógrafo passar a tecer críticas a elas. Evidente que tampouco nada justifica a inserção de informações não confirmadas em uma biografia, fato tão danoso quanto a exclusão de passagens que ajudem a compreender o caráter do biogra-fado. A existência de profissionais incompetentes não legitima a censura sobre o exercício de ne-nhuma profissão, ela não pode ser evocada como medida preventiva em circunstância alguma”.

O inciso IX, do artigo 5º, da Constituição decreta que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Porém, o artigo 20 do atual Código Civil desle-gitima o artigo 5 da Constituição ao defender que a utilização da imagem ou exposição de uma pessoa pode ser proibida. Ao afrontar a Consti-tuição, o Código Civil também afronta um dos princípios fundamentais da sociedade aberta, que é a liberdade de expressão. Dessa forma, através da censura, a lei legitima apenas publicação das chamadas biografias “chapa-branca”.

O escritor Ronaldo Cagiano defende que não autorizar biografias é antidemocrático e cen-surador, acrescentando que “é o dever de inte-lectuais, jornalistas e escritores fazer o registro da História e cuidar para que ela seja compreendida à luz de uma inflexão dialética, para que os erros e mazelas jamais se repitam. Escrever é correr riscos, mas nunca se deve pecar pela ausência da verdade, pela omissão da realidade ou pelo esca-moteamento de qualquer informação. A liberdade deve ser total, ampla e irrestrita para escrever e biografar o que quiser, porque se há algum desvio ou inverdade, se há erros a reparar, esses devem ser buscados na via jurídica por quem se sentir atingido, e não na força ou na mordaça”.

Lei de proteção – De acordo com inciso X do Artigo 5º da Constituição, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indeniza-ção pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. O Código Civil também prevê ações como o direito de resposta e processos por difamação, portanto, o temor em relação às calúnias que o biografado pode vir a sofrer, como o grupo Procure Saber e outros artistas defendem, não tem fundamento algum. A lei já protege qualquer cidadão que se sinta lesado de alguma forma através da exposição de sua vida, reparando danos morais e até materiais, com a devida punição do culpado.

A justiça brasileira muitas vezes se mos-tra ineficiente e lenta, mas nesse caso é preciso melhorá-la e não privar a liberdade de expressão censurando obras. Se publicar algo sobre alguém sem a prévia autorização é considerado crime, então os jornais não podem mais circular, porque é exatamente isso que eles fazem todos os dias.

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Os “Procure Saber” – A associação Pro-cure Saber, formada por Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Djavan, Roberto Carlos, entre outros, faz lobby contra as biografias não autorizadas com a justificativa de temor em re-lação às calúnias. Paula Lavigne, presidente da associação, afirmou recentemente que eles não querem censurar ou proibir alguma coisa, apenas discutir como a privacidade será protegida. Esse posicionamento de artistas como Caetano, Gil e Chico, que na época da ditadura tiveram sua arte inviabilizada, é oportunista, leviano e cerceador. Contrariando a letra da música “Como nossos pais”, de Belchior, nossos ídolos já não são mais os mesmos.

“Eles estão repetindo a mesma truculência do estado autoritário que os proscreveu, só que com a sutileza de uma argumentação que não se sustenta, contrariando, inclusive, o jargão que ficou famoso a partir da música que tanto celebrizou a Tropicália, “É proibido proibir’”, aponta Cagiano. Para Ricardo Ramos Filho, escritor e neto de Gracilia-no Ramos, esses artistas enriqueceram, se tornaram arrogantes e acham que podem fazer o que quise-rem, pois se dão bem com o governo atual.

Roberto Carlos, que moveu uma ação judicial em 2007 para que sua biografia, escrita por Paulo César de Araújo, não circulasse mais, voltou atrás último dia 27 e não defende mais a necessidade de aprovação prévia para a publica-ção. Argumenta que deve haver um diálogo entre autores e biografados ou seus representantes, o que mostra claramente que o cantor ainda man-tém uma postura que continua na contramão da liberdade de expressão. “Não somos censores (...) não queremos calar ninguém. Mas queremos que nos ouçam”. Essas são palavras proferidas por Roberto Carlos, que só explicitam mais como

Caetano Veloso e Gilberto Gil em suas fases tropicalistas, que exaltavam a liberdade de expressão e combatiam a censura da ditadura

A liberdAde deve ser totAl, AmplA e irrestritA pArA

escrever e biogrAFAr o que quiser, porque se há Algum desvio ou inverdAde, se há

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(ronAldo cAgiAno)

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Deputado federal Newton Lima (PT-SP), autor do projeto conhecido como “lei das biografias”

Ruy Castro, um dos maiores biógrafos do Brasil, criticou, nas últimas semanas a postura dos artistas do grupo Procure Saber

A existênciA de proFissionAis incompetentes não legitimA A censurA sobre o exercício de nenhumA proFissão, elA não

pode ser evocAdA como medidA preventivA em circunstânciA

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(FloriAno mArtins)

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cAusA própriA, consciente ou inconscientemente, AcreditAndo

que deveriA ter direito A um ‘trAtAmento especiAl’

(luís dolhnikoFF)

os “Procure Saber” estão se enrolando em suas próprias contradições.

Traçando uma analogia entre a associação, que defende a manutenção do artigo 20 do Códi-go Civil, e o PT, o poeta Luís Dolhnikoff aponta: “o PT, até chegar ao poder, era um partido moderno e reformista, mas depois se aliou a gente como Sarney. É que a sociedade brasileira é marcada pela herança oligárquica. Todos são iguais perante a lei, mas alguns são “mais iguais”. Como o PT, intoxicado pelo poderio, esse pequeno grupo, que se encontra nessa questão ao lado de gente como Paulo Maluf e Ronaldo Caiado, defende uma legislação em causa própria, consciente ou inconscientemente, acreditando que deveria ter direito a um “tratamento especial’”.

Biografia não autorizada – A expres-são “biografia não autorizada” é um completo equívoco. Ela surgiu no mundo saxônico como “unauthorized biography” e tem, originalmente, tanto um contexto legal quanto comercial, mas se tornou popularizada no segundo caso. De acordo com o mercado norte-americano, se trata de uma biografia “picante”, com revelações “quentes”, que uma versão autorizada não conteria. O pro-blema é que no Brasil, a partir da implantação do artigo 20, essa expressão impregnou o gênero biográfico com o conceito de autorização. Obvia-mente não é o caso nos EUA, onde escrever uma biografia autorizada ou não é, na verdade, apenas uma opção. Uma “authorized biography” não tem absolutamente nada a ver com a necessidade da autorização do biografado ou da família, é apenas uma característica da obra. Mas a importação desinformada, descontextualizada e deturpada da expressão acabou por falsear toda a discussão, bem como suas implicações.

“As biografias feitas de maneira indepen-dente das vontades e dos favores do biografado e/ou dos herdeiros deveriam ser, no Brasil, chama-das assim mesmo, “biografias independentes”. Uma vez chamadas por seu próprio nome, toda a discussão se aclara – e se inverte. Pois não se trata mais de permitir ou não a biografia não autorizada, mas sim de proibir ou não a biografia independente” explica Dolhnikoff.

A biografia John Lennon – A Vida, de Philip Norman, foi inicialmente aprovada por Yoko Ono, viúva do beatle, mas depois o apoio foi retirado, sem que o autor entendesse a razão. A biografia passou a ser não autorizada, mas pôde ser publi-cada. Apenas o acesso à Yoko e aos documentos pessoais que ela guardava se tornaram restritos. E o principal: em momento algum a viúva ques-tionou a legitimidade da obra, alegando que não pudesse ser escrita e publicada.

Proibir a publicação de biografias é limitar a liberdade de expressão, que é a base essencial de qualquer regime democrático. Nos países moder-nos e democraticamente consolidados como EUA, Inglaterra e França essa discussão soaria absurda, pois proibir gêneros literários não é uma opção. Biografias são instrumentos da História, “como escrever a história europeia do século XIX sem pesquisar a vida de Napoleão? E como pesquisá-la tendo que ficar refém de seus herdeiros? A história de toda a Europa deve ficar refém dos herdeiros de um só homem?” aponta Dolhnikoff.

Esse projeto vem dar continuidade a um esforço de banir, de uma vez por todas, alguns resquícios autoritários da ditadura, que enxergava perigo e subversão em tudo, principalmente nas opiniões e na expressão artístico-intelectual. Negar a publicação de biografias é um retrocesso para esse período conturbado e censurador.

Para o escritor André Caramuru Aubert, essa discussão acerca das biografias pode estar acontecendo no Brasil por ser uma democracia recente, que tem uma Constituição complexa e com aspectos contraditórios, portanto, uma série de questões que em outros países foram resolvidas há muito tempo, continuam sendo pauta entre nós. “Como bem escreveu Benjamin Moser, o biógrafo de Clarice Lispector, naquela carta aberta a Caetano, atualizando as palavras de Voltaire: “liberdade de expressão não existe para proteger elogios’” completa.

A biografia é um trabalho literário e não mero entretenimento como muitos pensam, é um tipo de obra importante em termos históri-cos e culturais. Quando tem cunho jornalístico é considerada reportagem, portanto é essencial para a construção da própria História. Há muita discussão acerca do pagamento dos biografados e do trabalho e ganho dos biógrafos. No primei-ro caso, não há justificativa plausível, retorno à situação das matérias jornalísticas, que inúmeras vezes se valem da vida de figuras públicas sem lhes dar nenhum tostão. Já no caso dos lucros dos escritores de biografias, é um equívoco achar que eles ganham fortunas e que seu trabalho não é tão louvável por se valer de histórias de vida de terceiros. As biografias refletem muito sobre um período e sobre a sociedade, proibi-las dessa forma empobrece o conhecimento humano.

Há muitos argumentos contrários ao proje-to expressando que as biografias contam aspectos da vida privada, o que deslegitima o trabalho do biógrafo. Uma grande tolice. Como contar a histó-ria do Brasil sem estudar a vida de D. Pedro I e seu relacionamento com a Marquesa de Santos, que influenciou o primeiro reinado? A relevância de se conhecer a intimidade de figuras públicas é relati-va, há situações em que isso influencia diretamente o contexto social e histórico de uma época e em outros casos não passa de mercadoria, de indús-tria cultural. A discussão acerca das biografias vai muito além do direito de publicar fofocas e notícias “picantes” sobre alguém famoso. A natureza da esfera pública brasileira e a existência da censura, advinda da ditadura, estão em jogo.

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Dia 25 de outubro, 5:40 da manhã. Cerca de 400 jovens entre 18 e 19 anos cercavam as redondezas da base militar de

Quitaúna em Osasco, SP, para a segunda chamada do famoso alistamento militar, um deles era eu. Antes de entrar na base, olhando aquela longa fila, ficava imaginando se seriam verda-deiros os boatos que ouvi dos meus amigos, de que no quartel os militares abusam de sua autoridade diante dos jovens. E era verdade, bastou abrir os portões que a ignorância começou, com um sargento berrando: “Tira o pé da parede porra!”

Tive sorte porque fui dispensado no começo, mi-nha operação no ligamento do joelho me cortou, sabia que isso ia servir para algo útil algum dia. Logo que chega-mos, eu e mais 60 jovens fomos encaminhados para uma sala, e foi lá que presenciei a estupidez e a prepotência que existe no exército brasileiro - oficiais abusando de seus poderes, xingando os jovens de gordo, inválido, surdo,viado,e outras ofensas. Chegaram a pedir para quem tivesse tatuagem, mostrasse, e assim classificavam as pessoas, através da tatuagem, forma física e aparência, uma espécie de ditadura, onde só uma voz era ouvida e todos eram obrigados a concordar. “Sim Senhor!”

Um ponto mais crítico da minha breve “visita”, foi quando um oficial disse: O brasileiro só é patriota em época de Copa do Mundo, aqui no exército vocês vão aprender a se tornarem patriotas de verdade!” batendo no peito com orgulho.

Chego a pensar na lavagem cerebral que os jovens devem sofrer quando servem o exército, a que ponto chegamos, após uma ditadura militar no país, em pleno século 21 ainda existe militar usando e abusando

de seus poderes. Chega a ser triste, mas é nossa realidade, é assim, quando saímos às ruas para protestar, somos tachados de vândalos e baderneiros , recebidos a bala de borracha e bomba de gás lacrimogêneo, e esses, que re-primem a sociedade são tachados de heróis pela grande mídia monopolizada e manipuladora. “Ó Pátria amada,Idolatrada,“Salve! Salve!”

em ”O domínio da norma-padrão é um instrumento de ascensão social”.

A finalidade desta mitologia criada pelo autor é designar ao leitor uma visão mais ampla do papel da língua em uma sociedade e da forma de ensino utilizada no Brasil, privilegiando uma gramática autoritária e de difícil compreensão, transformando o Português em um oceano de regras e a norma-padrão em uma utopia. Com relação ao método de aprendizagem, Marcos Bagno é sucinto e direto na defesa do ensino da língua baseado no letramento, ou seja, no contato direto do aluno com a leitura e a escrita de textos de todos os gêneros, práticas que permitem a inserção na cultura letrada.

Na segunda parte do livro, o preconceito linguístico é exposto e criticado em sua forma conceitual, paralelo à exemplificação da parte anterior. Desta forma, Bagno procura explicar cientificamente a manutenção desta cul-tura de privilégios (não só na língua), onde a “Santíssima Trindade do Preconceito” age de forma crucial para o mantimento deste sistema, são estes os livros didáticos, o ensino tradicional e a gramática tradicional. É um ciclo vicioso simples onde os livros impõem a forma correta de

se falar respaldados pela gramática e ensinados pelo professor. O autor for-talece então a necessidade de compreender a multilinguística a qual o Brasil hoje está submerso, sendo impensável além de desumano categorizar a fala de quem quer que seja como ‘errada’ ou ‘inferior’.

O preconceito linguístico está atrelado a valores imperiais e atualmente está encrostado na cultura comunicativa nacional, sendo explícita esta ideologia em colunas como a de Pasquale Cipro Neto, Arquebispo do Deus gramatical, na Folha de S. Paulo. A obra de Marcos Bagno pode ser vista como o maior estudo dedicado a combater o preconceito quase que cego em função da norma-padrão, além da desmitificação do Português ortodoxo ensinado nas salas de aula.

Qualquer pessoa que se lembre de suas aulas de Português na escola não hesita

em citar termos como norma-padrão ou norma-culta, repletos de soberba e seman-ticamente vazios, ou ainda a demoníaca regência entre outros pesadelos dos alunos de Gramática. É com base nesta problemá-tica que Marcos Bagno escreve Preconceito Linguístico, obra de mais de uma década mas que ainda reflete brutalmente o cená-rio linguístico do Brasil, este impregnado por uma ideologia repulsiva de condenar o Português falado pelas classes sociais menos abastadas e ainda subestimando o estudo empírico da língua.

Inicialmente Marcos salienta a impor-tância de estudar a sociolinguística brasileira sob três aspectos fundamentais:a já dita norma-padrão, modelo idealizado de língua ‘certa’ descrito e sustentado na gramática tradicional; as variedades prestigiadas, lín-gua exercida por uma parcela mínima da população de maior prestígio educacional e sociocultural; e as variedades estigmatizadas, Português falado pela imensa maioria do Brasil, seja na degradada periferia da cidade ou na imensidão da área campestre.

O autor, de forma extremamente didática, divide a obra em duas partes bem distintas mas ao mesmo tempo interdepen-dentes entre si. Na primeira, Bagno se empenha em analisar e destacar o preconceito pontuando dez mitos sobre o Português, corriqueiros na vida do brasileiro, iniciando ironicamente com o básico “O Português do Brasil apresenta uma unidade surpreen-dente”, passando pelo lodo da herança colonial em “Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem Português” e finalizando com o preconceito social travestido de linguístico

prEconcEito linguístico

uma BrEvE visita à BasE militar

Por alex tajra

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Preconceito Linguístico

Autor: MArcos BAgno

EditorA: EdiçõEs LoyoLA, 2007, 176 páginAs

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23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

Por andré neves sampaio

■ Tufão Haiyan totaliza 4.460 mortes

No dia 8 de novembro o tufão Haiyan passou pelas Filipinas, provocou pelo menos 4.460 mortos e atingiu quase 12 milhões pessoas, segundo os últimos dados transmitidos.

A Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo filipino acreditam que o número de vítimas su-birá nos próximos dias quando os corpos forem retirados dos escombros. Mais de 3,9 milhões de pessoas foram deslocadas pelo Haiyan, das quais apenas 348.870 estão em centros de evacuação, enquanto as casas destruídas foram 543.127.

Na porta de um dos principais hospitais de Tacloban, o Bethany Hospital, um enorme cartaz escrito “fechado” indica que o lugar, que ficou completamen-te arrasado, não está funcionando, por isso a assistência médica na cidade é muito limitada.

No aeroporto Daniel Romualdez se formam longas filas de pessoas à espera de atendimento em um centro médico improvisado, enquanto fuzileiros navais dos EUA ajudam atendendo algumas pessoas na pista.

■ Condenados do “Mensalão” são presos

No dia 15 de novembro, José Genoino e José Dirceu se entregaram para a polícia, porém se consideram presos políticos. Além deles, outros nove condenados iniciaram o cumprimento da pena.

O julgamento abriu uma polêmica no Brasil. Para alguns, serviu para comprovar que a justiça no Brasil não é pra todos, é possível escolher quem pode ser punido. Foi uma mostra de como a mídia e o discurso oficial exercem um poder de manipula-ção frente ao cidadão. No início, não desmembraram o processo para a primeira instância, violando o direito ao duplo grau de jurisdição, garantia expressa no Artigo 8 do Pacto de San Jose, o que fez do caso um julgamento de exceção e político.

No Brasil,Genoino e Dirceu são presos, enquanto Paulo Maluf, Fernando Collor, Brilhante Ustra continuam soltos, e alguns até exercendo cargos políticos. Para outros ao contrário, serviu para mostrar que no Brasil de hoje, mesmo alguns poderosos são punidos

■ Jogadores cruzam os braços em protestos contra o calendário proposto pela CBF

O Bom Senso F.C., grupo formado por jogadores de futebol dos principais clubes brasileiros que reivindicam um calendário mais justo, se uniram mais uma vez em prol do movimento. Os jogadores literalmente cruzaram os braços fazendo um minuto de silêncio antes das partidas da 34ª rodada da competição.

O Bom Senso, em nota, afirmou que desejava deixar claro, mais uma vez, que aceitaria passar pelas dificuldades em 2014 (ano de Copa do Mundo) se obtiver mudanças importantes e profundas para 2015. O grupo alega que o simples aumento da pré-temporada não é suficiente e atinge apenas uma parcela mínima dos clubes e atletas no País. O Bom Senso cobra que a CBF se comprometa com propostas, melhorias e ações para todos os clubes do Brasil.

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■ Ex-esposa de auditor fiscal denuncia escândalo financeiro na gestão de Kassab

O Ministério Público investiga mais de 42 auditores da antiga prefeitura de São Paulo,sob suspeita de enriquecimento ilícito. O grupo oferecia as construtoras a chance de reduzir o imposto devido se pagassem comissão. A fraude pode ter gerado prejuízo de R$ 500 milhões aos cofre públicos. Segundo um dos integrantes do grupo, cada um dos participantes faturava entre R$ 60 mil e R$ 80 mil por semana há pelo menos quatro anos.

A fraude já foi comprovada e os envolvidos vão aguardar o julgamento em liberdade. O ex-prefeito Gilberto Kassab(PSD) reclamou da maneira como a operação foi divulgada para imprensa, porém o atual prefeito Fernando Haddad(PT) ligou para Kassab e afirmou que a investigação é impessoal.

■ Ativista do Greenpeace é solta na Rússia

Presa há quase dois meses, Ana Paula foi detida em 19 de setembro em Murmansk, após participar de um protesto do grupo contra a exploração de petróleo no Ártico, a bióloga brasileira foi acusada de pirataria e vandalismo. Foi solta, após pagar a fiança no último dia 20.

O Greenpeace pagou 2 milhões de rublos o equivalente a R$ 138 mil, para que ela pudesse deixar o Centro de Detenções de São Petersburgo.

De acordo com o Greenpeace, a Justiça russa ainda não divulgou detalhes sobre as condições e restrições ao que ganharem liberdade provisória.

Ana Paula saiu da cadeia carregando uma placa escrita em inglês: “Salve o Árti-co”. Não foi divulgado o lugar que a bióloga foi levada após deixar o centro de detenção.

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Novembro 2013

CP – Você ainda atua como jornalista?WN – Não, agora só dou aula e faço um blog de literatura. Cheguei a editar um número de uma revista chamada Jornalismo e Cultura, depois desisti porque eu tinha convidado pessoas para escrever e eles não pagaram, então larguei mão. Eventualmente, faço alguns freelas.

CP – Em que momento se deu sua entrada no corpo docente da PUC-SP?WN – Em 1988, enquanto ainda estava na Folha, fiz um teste para a PUC e fui aceito. Mas eu não tinha nada a ver com aula, a não ser umas aulas que dei quando era estudante universitário, aulas de inglês, latim e português. Àquela época a carrei-ra acadêmica não me interessava muito, e embora eu tenha começado mestrado, não o terminei, mas ainda assim quis fazer o teste.

CP – Como você avalia o curso dessa época pra hoje?WN – As mudanças são pequenas porque o curso vai se adaptando à certas condições. O curso dá condições para a formação de um jornalista, mas precisa também de muito empenho. Eu vejo uma degringolada cultural muito grande e eu não sei se é o curso médio que está produzindo, ensinando mal, ou é devido aos professores mal remunera-dos. Os alunos não são mais interessados, estão chegando cada dia piores. Sempre tem uma quan-tidade razoável interessada, mas alguns chegam vizinhos do analfabetismo. Percebo que eles não estão lendo. Claro que passando um determinado tempo, os alunos entram no mundo jornalístico e então vão melhorando.

CP – Você acredita que a formação dentro da universidade é importante pra profissão?WN – Claro, mas tem que haver interesse. Minha área é mais Cultura, embora eu tenha trabalhado em Política, Economia, Geral e Variedades na

Wladyr Nader encerra a série “Especial 35 anos de Jornalismo da PUC-SP”

CONTRAPONTO

“o jornal não soBrEvivE

do jEito QuE é”

Entrevista

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo e autor de 11 livros, entre contos, no-

velas e romances, o professor Wladyr Nader é especialista na organização editorial de jornais, revistas e internet, trabalhando principalmente com literatura, cinema e política. Sua principal atuação como jornalista foi na Folha de S.Paulo e na Folha da Tarde, onde foi o editor de Variedades. Professor da PUC há 25 anos, ressaltou a impor-tância do interesse do aluno para sua formação como jornalista.

Contraponto – Como começou sua trajetória no jornalismo?Wladyr Nader – Eu trabalhava no Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Quando voltei para São Paulo, passei a morar perto da Folha de S. Paulo e um amigo meu, da faculdade de Direito, passava todo dia lá e me perguntava se eu iria morrer bancário. E eu pensava que não gostaria de morrer bancário, já estava trabalhando no banco há alguns anos, e então pedi que ele me arranjasse um teste na Fo-lha, sem muitas pretensões. Nessa época eu estava publicando um livro, meu primeiro livro, de contos fantásticos, chamado Histórias de Pânico. Publiquei e então fiz o teste na Folha. Demoraram seis meses pra me aprovar. Como não tinha gente a noite, eu comecei já fazendo reportagem noturna, eu era o único repórter da editoria Geral da noite.

CP – Como foi sua trajetória dentro da Folha de S. Paulo?WN – Trabalhei em várias áreas da Folha e uma delas foi a Ilustrada, onde eu fiquei bastante tempo, por uns 10 anos mais ou menos, sempre cuidando de literatura, cinema e filmes na televi-são. Tudo isso sem os recursos e informações que se tem hoje, não tinha livros sobre isso, não tinha internet. Hoje está tudo fácil, mas naquele tempo tinha que saber as informações de cabeça. Pra isso, desde garoto eu fazia um caderno com os filmes que eu já tinha visto, com nome do diretor, história. Fiquei lá muito tempo e num determinado momento passei pra Folha da Tarde, como editor de Variedades, porque alguns amigos me convi-daram. Fiquei anos na editoria.

CP – Antes de ser aceito na Folha teve algum contato com o jornalismo?WN – Eu tive uma experiência muito vaga e rápida num jornal espírita, que ficava perto da faculdade de Direito. Eu não tinha nada a ver com a reli-gião, mas queria escrever para o jornal, então me aceitaram lá, mas com a condição de que eu não receberia nenhum salário. Eu concordei, mas disse que gostaria de escrever sobre cinema, porque sou muito fã, e eles aceitaram. Fiquei lá durante quase um ano, até eu me formar, passar as férias no Rio de Janeiro e então decidir mudar para lá, trabalhando no banco.

Por andressa vilelae Bia avila

Folha. É raro, por exemplo, um sujeito da área cultural que tenha relação de alguma coisa de 50 anos atrás. Hoje em dia, as pessoas estão mais interessadas em coisas recentes. Sabe-se tudo o que está acontecendo ultimamente, mas não se tem uma visão do passado.

CP – Como você vê a cobertura de jornalismo cultural hoje?WN – O resultado é meio patético. A literatura, por exemplo, está a serviço das grandes editoras. Ninguém está interessado em caras pequenos, que conseguem transmitir uma mensagem legal. Sempre surgem coisas muito boas, por exemplo, dentro da disciplina de Jornalismo e Literatura, en-tão é preciso confiar mais em novos talentos. Quem quer mexer com cultura tem que acompanhar tudo que acontece, ser bem informado. Aliás, isso não é necessário apenas em cultura. Eu acho que o maior problema é o desinteresse, o estudante não está interessado, às vezes os pais obrigam a fazer uma faculdade, então fica assim mesmo.

CP – E como você vê o futuro do jornalismo, prin-cipalmente com as novas tecnologias?WN – Acredito que o jornal não sobrevive do jeito que é. Há uns 20 anos, o Octávio (Frias, diretor de redação da Folha de S.Paulo) falava que precisava mudar o jornal porque a televisão dava as notícias no dia. Agora a notícia é dada na hora com a in-ternet. Acho que os leitores estão ligados em uma coisa mais rápida, e o jornal não é rápido. Nós temos que discutir seriamente com que condições e como queremos trabalhar nos jornais. Agora, principal-mente com a internet, todo tipo de informação que sai hoje tem que ser verificada. Por outro lado. claro que a internet abre uma perspectiva: ela tem desenvolvimento grande, reúne gente com o seu alcance. Além disso, a internet tem muito espaço, ao contrário dos jornais e revistas.

O professor, com 25 anos na PUC, passou

por cinco editorias no jornal Folha de S. Paulo: Cultura, Geral, Variedades, Política

e Economia

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