contraponto nº 93

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 14 N 0 93 Agosto 2014

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Agosto 2014

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Page 1: Contraponto Nº 93

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 14 N0 93 Agosto 2014

Page 2: Contraponto Nº 93

CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

PUCPontifícia Universidade católica

de sÃo PaUloPUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretormárcio alves da fonseca

diretora adjuntaregiane miranda nakagawa

chefe do departamento de Jornalismovaldir mengardo

suplentelaís Guaraldo

coordenador do Jornalismomilton Pelegrini

vice-coordenador do Jornalismofrancisco chagas câmelo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

marcos cripa e Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmananna feldmann

secretária de redaçãolu sudré

secretária de produçãoBia avila

editor de fotografialeonardo m. macedo

PUC

E D I T O R I A L

SUMÁRIO

capa: victória azevedoGreve na UsP

Homenagem Muito mais do que cem anos de saudade pág. 3

História Guerras inspiram a arte pág. 4

cultura Música reflete mudanças sociais pág. 5

graffiti Arte urbana chega à universidade pág. 6

linguagens Quadrinhos ganham espaço no mídia pág. 8

comportamento Qual é o seu preço? pág. 10

ensaiofotográfico Mobilização dos estudantes da USP pág. 12

estilismo Casa de Criadores é o celeiro da moda brasileira pág. 14

50anosdogolpe Violência e autoritarismo são o legado dos anos de chumbo pág. 16

memória Uma vida marcada pelo holocausto pág. 18

debate Violência obstétrica ameaça mulher brasileira pág. 20

alimentos O futuro é transgênico? pág. 21

resenHa Fabiano: “ninguendade” e esperança pág. 22

crônica Piruetas na Paulista pág. 22

antena Manifestantes são libertados após 40 dias de prisão pág. 23

indústriadamoda Quem é bela(o)? pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 2309.6321

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 93 – agosto de 2014

cill Press Gráfica e editorafone: 993.583.533

Fale com a gente

envie suas sugestões, críticas, comentários: [email protected]

A mídia que se cala, mataEm 12 de junho de 2014, três soldados israelenses desapareceram em território

palestino. Israel, ao culpar o Hamas, grupo que controla a Faixa de Gaza, encontrou ter-reno para reiniciar uma brutal ofensiva militar contra o território palestino, perpetuando, assim, o regime de apartheid e extermínio sob o qual o Estado israelense é fundado. De-zoito dias depois, os soldados foram encontrados mortos e o premiê Benjamin Netanyahu deu o aval para que homens, mulheres e crianças palestinos/as - o que até agora somou aproximadamente 1940 civis - morressem de maneira brutal.

Ao cobrir os acontecimentos, a imprensa encontra-se frente a uma primeira escolha, de cunho meramente linguístico, mas que vem carregada de imensa carga ideológica e política: que nome dar à Operação Margem Protetora - levada a cabo por um país com um dos maiores arsenais bélicos do mundo - na Faixa de Gaza, que responde através do Hamas, com um foguetes precários? Guerra? Conflito? Chacina? Genocídio?

É fato sabido que a imparcialidade jornalística não existe. Querer mostrar, a todo custo, que não se toma um partido é escolher um lado. E é assim que a grande mídia brasileira funciona grande parte das vezes. Desde o dia 8 de julho, quando a operação militar foi colocada em curso, os grandes jornais do país “simplesmente” narram os fatos ocorridos. Não se preocupam em resgatar e contextualizar a história da criação do Estado de Israel e do extermínio gradual que os setores sionistas vêm realizando da população e do território palestino. Assim como não se importam em deslocar o Hamas de outros grupos terroristas, perpetuando o estereótipo negativo associado a homens e mulheres do Oriente Médio.

Bradam que os quase 2 mil mortos em Gaza são civis, mas que concomitantemente os mortos israelenses também aumentam: são 67, sendo 64 soldados e 3 civis. Isto é, os números falam por si só.

É uma desproporção que não cabe ser chamada de guerra, como a grande im-prensa insiste em nomear. E, no mínimo, cabe aos meios de comunicação elucidar tal desproporcionalidade, assim como a política de extermínio tocada há décadas por Is-rael. Ou seja, elucidar o regime desumano no qual os/as palestinos/as vivem: um povo sem exército, sem armas sofisticadas, sem nome, sem rosto e cada vez mais sem terra.

EXPEDIENTE

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por Gabriel azzi collet, Gabriel soares, leonardo sanchez

e mariana Presqueliare

HomenagemCONTRAPONTO

A morte do escritor, novelista e jornalista Gabriel García

Márquez não foi apenas uma grande perda para a literatura latino ameri-cana, mas também deixou um vazio para todos os entusiastas do escritor, que construiu com suas palavras um reconhecimento internacional, tornan-do-se um dos mais estimados e pre-miados profissionais de sua geração, assim como um dos maiores nomes do romance moderno.

Apelidado de “Gabo”, Gabriel García Márquez nasceu e cresceu na Colômbia e, durante a década de 50, abandonou o curso de direito para seguir na área jornalística. Escreveu para periódicos de pequenas cidades, como também se fez presente em grandes jornais como o El Espectador, no qual exerceu a carreira de repórter, crítico e correspondente internacional. Sua habilidade ímpar com as palavras, por criar uma junção entre a escrita jornalística e a ficção, apenas legitimou seu talento anos depois.

O escritor, que também provou sua com-petência como roteirista e redator publicitário, se tornou um dos maiores símbolos do “realismo fantástico” literário, além da personalidade mais popular da literatura hispânica depois de Miguel de Cervantes. Sem abandonar as influências da “melhor profissão do mundo”, como se referia ao jornalismo, Gabo conquistou milhares de leitores com suas obras mais marcantes: Crônica de uma Morte Anunciada, O outono do patriarca, Relato de Um Náufrago, Notícia de um Sequestro e Cem anos de Solidão, romances que lhe renderam o prêmio Nobel de Literatura em 1982.

A criação de “Cien años de soledad”, título original da obra, foi marcada por proble-mas, principalmente de ordem financeira, algo que incomodava Gabo e sua esposa, Mercedes Barcha. Diversos bens do casal foram penhorados para que eles se mantivessem durante o tempo em que Márquez escrevia. O autor, inclusive, se manteve exilado para que produzisse mais rápido, para enfim conseguir vender e dar o mínimo de conforto à família. Gabo conseguiu então em-placar seu livro, que é considerado o segundo mais importante em língua espanhola, preterido apenas por Dom Quixote, de Cervantes.

Política – É impossível dissociar a imagem

de García Márquez do cenário político. Além de célebre escritor, o colombiano sempre fez questão de opinar em questões diplomáticas, atitude que acabou servindo como fonte de críticas para muitos avessos à Márquez. O autor tinha relações íntimas com o governo de Fidel Castro, simpatizando com o regime cubano e patrocinando ações culturais no país, como a Escola Internacional de Cinema e Televisão, um de seus grandes legados. Apesar da estreita relação com a nação, García Márquez, ao ser questionado sobre seu posicionamento político,

ao lançamento, mas não obtiveram êxito.

A obra, cujo cunho se distancia do padrão de escrita de Gabo, é um dos maiores sucessos do escri-tor. O estilo jornalístico e narrativo se desdobram e Márquez, na época, ainda citou: “há livros que não são de quem os escreve, mas de quem os sofre, e este é um deles”.

Cem anos de so-

lidão – que trouxe a Már-quez nada menos que o Prêmio Nobel de Literatura de 1982, é considerada uma das obras mais impor-tantes da literatura latino americana e a segunda

mais importante de toda a literatura hispânica.A narrativa gira em torno da família

Buendía por diversas gerações. São mostrados os encontros e desencontros ocorridos nas vidas de seus membros por diversos anos, até que o último Buendía vivo consegue decifrar as escrituras que prediziam o futuro da família. Neste trajeto, há uma mistura bastante rica e bem dosada de ele-mentos, personagens e passagens, que incluem um comboio carregado de cadáveres, uma po-pulação inteira que perde a memória, mulheres que se trancam por décadas numa casa escura e homens que arrastam atrás de si um cortejo de borboletas amarelas.

García Márquez faleceu em 19 de Abril desse ano, na Cidade do México, e mesmo tendo como causa da morte uma pneumonia, não se pode negar que o escritor lutava bravamente contra um câncer de pulmão e fígado. Sua morte repercutiu mundialmente, deixando milhares de fãs entristecidos. Escritores como Luís Fernando Veríssimo declararam que García Márquez mu-dou a ótica do mundo com relação à América do Sul. Juan Manuel Santos, presidente da Colôm-bia, é autor da declaração de maior impacto: “Mil anos de solidão e tristeza pela morte do maior colombiano de todos os tempos”.

Muito Mais do que ceM anos de saudadeAutor colombiano Gabriel García Márquez deixa sua história e

legado literário a milhões por todo o mundo

negou que fosse comunista. Em outra entrevista, porém, declarou: “Eu continuo acreditando que o socialismo é uma possibilidade real, que é a solução certa para a América Latina”. Seu caráter progressista, ao menos, é inegável.

A inclinação política de García Márquez esteve presente inclusive em seu discurso na entrega de seu Nobel de Literatura, em 1982. O colombiano utilizou a projeção da cerimô-nia para destacar a pobreza e a frágil situação administrativa da América Latina. Entre outras coisas, Márquez denunciou as ditaduras militares que estavam em vigor na Argentina e no Chile, lamentando a falta de atenção dada a essas realidades.

Quanto à Colômbia, seu país de origem, García Márquez auxiliou o governo em tentativas de negociação de paz com as organizações Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e a ELN (Exército de Libertação Nacional), os dois maiores grupos rebeldes colombianos, que fomentam os conflitos internos no país, sus-tentados pelo tráfico de drogas, um dos graves problemas da nação latina.

“Onda pra lá, onda pra cá” – A gran-

de obra Relato de um Náufrago, de Márquez, para muitos que desconhecem, foi construída a partir de um ocorrido em uma tempestade no mar do Caribe. O autor da história, Luís Alexandre Velasco, foi ao encontro do Jornal El Espectador, no qual Gabo trabalhava, e con-tou seu relato daquela viagem. Em torno de 14 dias, Márquez publicou a história e várias ten-tativas de censura foram colocadas de frente

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Escritor, jornalista, editor, ativista e político: Gabriel

Garcia Marquez

“O mundO perdeu um dOs maiOres e mais visiOnáriOs

escritOres, um dOs meus preferidOs desde que eu era

jOvem”

(Barack OBama, presidente dOs estadOs unidOs, após a mOrte de

GaBriel García márquez)

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CONTRAPONTO4 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por raíssa Basílio

Guerras inspiraM a arte

O início da Primeira Guerra Mundial completa 100 anos; em 2015, o final

da Segunda faz 70 anos. Ambos os conflitos foram marcantes no contexto social, econômico, ideológico e cultural. Pelo menos 60 milhões de pessoas morreram em ambos, sem contar as vítimas de guerras civis e lutas “domésticas”, como a Revolução Russa. Apenas para efeito de comparação, a população do estado de São Paulo não chega a esse número – são aproxima-damente 43 milhões de habitantes.

A Segunda Guerra, em particular, serviu de inspiração para muitos diretores e roteiristas, que criaram filmes como A Lista de Schindler, O Grande Ditador, Bastardos Inglórios e A Vida é Bela. Cada um adota uma abordagem que difere do dramático ao cômico. Seguindo de forma geral essa linha de histórias que trazem o nazismo e a guerra como pano de fundo, A menina que roubava livros, O menino do pijama listrado e Caçadores de obras primas apresentam interpretações novas ao retratar esse período e conseguem deixar a guerra em segundo plano sem prejudicar o enredo. Os três foram adapta-dos de livros para o cinema.

Pijama – O menino do pijama listrado, é baseado no romance de John Boyne. O longa-metragem descreve a fase em que as tropas ale-mãs começaram a executar os judeus. No enredo, um garotinho chamado Bruno, junto com sua família, muda-se para o interior da Alemanha, pois seu pai é designado a comandar um campo de concentração.

Bruno torna-se solitário e sua diversão é explorar os arredores da casa, onde ele faz ami-zade com um garoto do campo, Shmuel. Esse vínculo incita a curiosidade dos garotos, que pouco sabem acerca do que está acontecendo no país, principalmente Bruno que acredita que Shmuel vive em uma fazenda, não entende o motivo de uma cerca separá-los e o porquê do garoto usar um pijama listrado. Há uma inversão de valores, pois Bruno sente inveja de Shmuel e gostaria de morar com ele, assim sempre teria companhia.

A trama mostra não só a inocência de uma criança, como a falta de informações que o povo alemão tinha sobre os campos de concen-tração. A mãe de Bruno se revolta com o marido ao descobrir a tarefa que ele executava e o que de fato ocorria com os judeus. O filme cria uma atmosfera que incomoda tanto pelo tratamento que os soldados dão aos prisioneiros quanto pela violência implícita.

Livros – A menina que roubava livros, baseado na obra de Markus Zusak, não retrata o holocausto judeu, mas como o início e o desen-volver da guerra afetaram a vida dos alemães. O narrador onisciente é a Morte que vai contar a vida da jovem Liesel, cuja mãe comunista é per-seguida pelo nazismo e por isso envia seus dois filhos para um casal que se dispõe a adotá-los por dinheiro. O filho falece no meio no caminho para a adoção, restando Liesel, que pouco entende a

Conflitos são retratados em filmes e livros

separação da mãe e a morte de seu irmão. To-mado por uma sutileza e fotografia sensacional, a trama transporta o espectador para Alemanha durante a Segunda Guerra.

Liesel começa sua jornada de ladra no enterro do irmão, criando um elo emocional com o livro. Entretanto, ela não sabe ler. A adaptação da garota à nova realidade é difícil, a mãe Rosa passa a ideia de que só adotou a menina por dinheiro, enquanto o pai Hans se esforça para agradar a menina e a situação da família e de toda a vizinhança é precária.

Com o passar do tempo, ela faz amizade com Rudy, seu vizinho e colega de escola e cria um forte vínculo com Hans, que a ensina a ler e desperta a paixão da leitura em Liesel. Os livros e seu apego à Rudy e Hans funcionam como uma válvula de escape da realidade. Já o relacionamento com a mãe muda quando o casal passa a esconder um judeu, Max, que se torna grande amigo de Liesel.

A relação com a leitura se intensifica com o segundo roubo – o governo nazista proíbe alguns livros – e quando os cidadãos se reúnem em uma fogueira para queimar os exemplares, Liesel pega um dos livros da pilha. A forma de Liesel conseguir livros é pegar emprestado de uma família rica da região, que possuía uma biblioteca dentro de casa. Ela entra escondida e pega os livros. Essa rotina torna-se a alegria da vida da garota. A presença de Liesel muda a vida de Hans, Rosa, Rudy e Max, que apesar de estar em uma situação extremamente delicada vê na menina a esperança.

O romance mantém seu foco em como a paixão pela leitura conseguiu salvar a trágica vida de Liesel. No entanto, sofreu algumas alterações em sua adaptação ao cinema – o filme buscou mostrar como a garota transformou a vida das pessoas ao seu redor, praticamente deixando de lado o roubo dos livros.

Arte – Caçadores de Obras Primas, do livro de Robert M. Edesel, é uma história baseada em fatos reais que mostra a paixão de Adolf Hitler pela arte. O ditador roubava quadros e esculturas das cidades que ocupava para compor o acervo de seu futuro – e nunca construído – museu.

No filme, um grupo de curadores e his-toriadores de arte partem em uma missão de resgatar as obras roubadas durante a guerra e devolver aos países de origem. No entanto, nenhum dos membros da equipe tinha treino militar. A trama se desenvolve da narração de cada resgate e mostra como os padres faziam de tudo para proteger as obras das igrejas. É até certo ponto inacreditável ver quantas pessoas morreram em troca de quadros famosos, e é um dos questionamentos da história: “A vida de um homem vale uma obra?”.

Hitler não apenas queria as obras, mas apagar toda a bagagem cultural de uma nação. Além de invadir países, destruir estruturas, acabar com vidas, ele também queria dizimar a cultura. Ao todo foram resgatadas mais de cinco milhões de obras e milhares continuam desaparecidas ou foram destruídas pelos nazistas.

Os três filmes apresentados mostram dife-rentes aspectos não só da guerra, mas das trans-formações que ela causou. O cinema, a literatura e as artes em geral são ferramentas que ajudam a compreender um determinado período. Sem o conhecimento permitido pelas artes, muitas informações não seriam transmitidas, por isso a valorização cultural deveria ser mais relevante. A noção de história é principalmente importante para que a sociedade não cometa os erros do passado, mesmo que 70 ou 100 anos depois.

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HistóriasCONTRAPONTO

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por luiz aires

Música reflete Mudanças sociais

Um dos momentos mais importantes para a história da música foi a tran-

sição da música clássica para a música popular. Nesse momento surgiu a ideia de que a música não era mais algo sagrado, feita para ser con-templada, sacralizada.

Um exemplo disso é o blues, que surgiu como um canto dos escravos estadunidenses sobre a difícil vida nos campos de algodão no que era conhecido como Worksongs. As primeiras composições datam do início do século XX, quan-do os cantos passaram a ser instrumentalizados, com destaque para o uso do violão.

De maneira bastante semelhante, no Brasil, o forró também era a música que falava da vida no sertão nordestino, de amor, da seca e da família. Os primeiros bailes em Pernambuco datam do fim do século XIX.

Mas a explosão da música popular real-mente aconteceu durante a década de 50, com os gêneros que dariam origem ao rock ’n roll como o rockabilly e o skiffle. Artistas como Chuck Berry, Bill Halley, Fats Domino e o próprio Elvis Presley falavam diretamente com os jovens da época. Pela primeira vez alguém, no mundo da música, parecia entende-los.

Os fãs dos anos 50 se tornaram os astros dos anos 60. A nova década seria revolucionária em diversos sentidos. O movimento hippie, o surgimento da contracultura para o grande pú-blico, a guerra do Vietnã, a chegada do homem à lua e a morte de Martin Luther King. Tantos fatos não passariam desapercebidos pelos artis-tas, que passaram a ter o papel de formadores de opinião.

Já no início da década, cantores como Bob Dylan e Joan Baez se tornaram porta-vozes de uma juventude que queria mudanças, des-contente com um mundo que não falava sua língua. Ambos participaram da Marcha sobre Washington, movimento que pedia a igualdade, a liberdade e o fim da segregação racial.

A famosa frase de John Lennon dizendo que os Beatles eram mais famosos que Jesus Cristo mostra a importância e a influência que a música popular tinha sobre as pessoas. É evidente que é impossível que um artista pop seja mais importante ou reconhecido que Jesus; o ponto é que, o que era dito por eles era mais represen-tativo e interessante para os jovens.

O próprio Lennon, no fim dos anos 60 e nos anos 70, tomou uma posição contrária ao governo estadunidense durante o a Guerra do Vietnã, se associando a nomes de ativistas polêmicos como Jerry Rubin e John Sinclair em discursos e comícios.

No Brasil, durante o mesmo período, a juventude artística também travava sua batalha. O golpe militar de 1964 já não era a salvação que todos pensavam. Entre os nomes mais importan-tes entre os militantes estavam músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso, Geraldo Vandré e Gilberto Gil que enfrentaram a ditadura e servi-ram de porta-vozes de toda aquela geração.

Mas o gênero musical mais incisivo nas suas críticas sociais surgiria para o grande público

Canções embalaram transformações culturais nos últimos 60 anos

apenas no início dos anos 80. O rap surgiu nas festas de rua dos guetos quando os MCs faziam intervenções durante as músicas.

Os assuntos eram a violência, política, drogas, sexo e a condição de vida a que os negros eram submetidos. Grupos como o Public Enemy, e rappers como Tupac Shakur, Mos Def e The Notorious B.I.G. ganharam fama por retratar essas realidade.

Nos dias de hoje, a própria vida dentro da internet proporcionou o surgimento de novas possibilidades. Um exemplo é a banda inglesa Arctic Monkeys, surgida em 2002. Após lançar

algumas músicas pela internet, lançou em 2006 seu primeiro álbum que se tornaria o disco de estreia mais vendido na história do Reino Unido. É a primeira banda saída da internet a conseguir fazer sucesso.

O que todos esses artistas e movimentos possuem em comum é a honestidade, tanto artís-tica quanto social. Seria essa a receita para o tipo de sucesso que quebra paradigmas e eterniza a música? Não existe formula para o sucesso, mas a música honesta sempre é a que importa.

CulturaCONTRAPONTO

Catadores de algodão do Mississipi, EUA

Bob Dylan e Joan Baez na Marcha Sobre Washington

John Lennon, Yoko Ono e Jerry Rubin, sentado ao fundo

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por victoria azevedo e vinícius lima

Em meio a tanta burocracia e tanto cin-za, a PUC-SP recebeu um toque artísti-

co no dia 26 de abril com o evento sociocultural “Arte Urbana PUC-SP: entre timbres e traços”. Com a intenção de mostrar que é possível fazer políticas de transformação dentro do campus e dar mais vida à universidade, 15 grafiteiros foram convidados pelo aluno de ciências sociais, Cauê Seignemartin e Natália Gondim, que trabalha com cultura nas periferias da cidade de São Paulo, para colorirem os muros da PUC.

“A iniciativa surgiu quando Cauê soube que a PUC queria pintar os muros internos, por causa da poluição visual. Então, ele pensou em converter para o grafitti, já que a faculdade pintaria para depois pixarem novamente”, disse Natália em entrevista para o Contraponto.

Os muros da PUC falam. Dentre os gra-fites, pode-se ver críticas à mídia e ao Estado, gritos de protesto e inclusive, o rosto do educa-dor, Paulo Freire, que andou pelos corredores da universidade na época da ditadura há 50 anos.

Além da intervenção artística das latinhas de spray, o evento contou com a presença de DJ’ s, grupos de RAP, MC’ s como, a MC Cris do grupo SNJ, uma roda de conversa sobre “O Hip-Hop e a Academia” e a exibição do documentário “Cidade Cinza”.

Tanto os alunos quanto a instituição, que divergem em muitos outros assuntos, aprovaram o resultado do evento. “Conseguimos apoio financeiro da reitoria. Ela disparou e-mail no mailing da comunidade, algo nunca feito antes. Entramos para a história da PUC. Agora, com o resultado do trabalho dos grafiteiros, essa he-rança vai perdurar por uns bons anos”, explica Gondim, sobre a parceria com a universidade.

De certo, essa intervenção trouxe para os alunos e visitantes uma nova visão sobre a arte de rua. Além disso, o evento incentiva alunos que tem algum talento artístico e traz temas como, cultura urbana e arte periférica para a academia. É essencial para a PUC e para as outras universi-dades que existam intervenções artísticas audiovi-suais como essa para que se quebrem as barreiras entre o ambiente acadêmico e a cidade.

Perfis – Carolina Folego: A mais iniciante dos artistas entrevistados, porém de um enorme talento, Carolina Folego colore os muros de São Paulo há, mais ou menos, um ano. Antes de conhecer as latinhas para expressar seus incô-modos com a vida e a cidade, Carol desenhava na rua e assim conseguia expressar publicamente o que sentia.

Como traço principal, ela procura sempre passar a melancolia nos olhos das mulheres como sinal de luta, mulheres essas que a inspiraram a fazer arte. Carolina se inspira, em maior parte, nas grafiteiras brasileiras como: Magrela, Tika e Sinhá. Folego confessa para o jornal que nem sempre consegue passar a mensagem que quer para quem vê sua arte, algumas vezes, as pessoas constroem suas proprias interpretações, porém

arte urbana cheGa à universidade

Em intervenção artística com muita música, a PUC recebe uma cara nova e seus muros passam do cinza para o colorido

é apenas depois dessa interpretação que a arte está pronta.

Sua maior dificuldade, como grafiteira, é se apaixonar por uma parede e ver que ela já tem dono, já está pintada por outro artista. “O muro e eu estamos separados por outro artista” brinca a grafiteira.

Fôlego, como assina suas artes, é apai-xonada pelo o que faz, um sinal disso é que ela largou o emprego comum com carteira assinada para viver das latinhas. Hoje, ela diz que, infeliz-mente, ainda não consegue, porém sonha com o dia em que viverá de arte. “É o redesenho e o reflexo da paisagem urbana e também uma forma de recriar a cidade”, diz a grafiteira sobre o que é o grafite para ela.

Quinho: Grafiteiro desde 1997, Quinho mistura os desenhos que faz em casa com as pichações que vê nos muros da cidade, porém acredita que a maior inspiração vem de suas ami-zades. “As amizades fazem o Hip-Hop quebrar barreiras e ir muito além dos quatro elementos (Break Dance, RAP, DJ e Graffiti).” Quinho diz ao Contraponto que não possuí algum traço característico seu, porém assina suas artes com sua “tag” e também usa uma marca para repre-sentar a crew “sociedade fantoche.”

“Acredito que dá para viver de arte, hoje se vive de qualquer coisa, tem gente que vive de crack. Com dedicação, tudo é possível”, explica o grafiteiro, Quinho. Ele realmente respira arte, considera-se autônomo, pois participa e organiza

GrafittiCONTRAPONTO

“entramOs para a história da puc. aGOra, cOm O resultadO dO traBalhO

dOs GrafiteirOs, essa herança vai perdurar pOr uns BOns anOs”

(natalia GOndim)

Resultado final da intervenção dos grafiteiros

“A vontade de ir para a rua era maior que qualquer coisa, até hoje”

(Tigo)

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Tigo diz ser muito influenciado pela cul-tura hip hop, que para ele, tem a capacidade de juntar muitos elementos na sua representação, o que lhe dá uma projeção para a sua própria arte, na perspectiva da construção coletiva de uma cultura. Dentro do graffiti, tem como inspiração, principalmente, os trabalhos dos grafiteiros Bon-ga e Shock. Conta que ainda não possui um traço ou uma marca característica em sua arte, mas isso não é um fator que o limita, “sempre tento algo novo, estou nessa busca de diferenciar”. Todos os trabalhos que ele já fez tem uma mensagem particular, mesmo que essa seja descoberta só depois dele já ter finalizado a obra.

Por mais que não concorde com a ação da prefeitura em apagar os graffitis da cidade de São Paulo, ele tem consciência de que ao expor seu trabalho na rua, tais ações são esperadas que ocor-ram, até porque acredita em um ciclo que a sua arte passa a ter, quando realizada em um espaço público. Para ele, a importância de um graffiti na cidade é a mesma que uma árvore em um parque, ele tem que estar presente. “São Paulo sem os graffitis não é São Paulo” afirma ele.

Conta que ainda não consegue se manter financeiramente só com o graffiti, mas esse é um objetivo que ele procura alcançar futuramente. “Já vivo e respiro isso. Minha família me apoia hoje e ama o que eu faço. Pra mim, isso é viver pelo graffiti”.

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projetos artísticos, além de vender suas artes: tatuagem, aquarela, telas e ilustrações digitais.

O graffiti, para ele, é uma forma de comu-nicação direta: fala com todos, seja em forma de protesto ou embelezando a cidade. “São Paulo é imensa, é bom conhecer cada beirada da cidade, sempre tem boas oportunidades para se aprender algo bom por aqui”. O artista consegue explorar o caos de São Paulo para contribuir com a sua arte, mas diz “se vacilar, se limita. Cai na rotina e sua arte fica com a cara cinza”.

A arte das latas já faz parte da cultura da cidade de São Paulo e quando tentam apagar, para Quinho, é apenas mais estimulante. “Tanto o graffi-ti, como a pichação cresceram juntos, a diferença é que o graffiti virou produto”, diz o grafiteiro.

Tigo: Thiago Sousa da Silva, mais co-

nhecido como Tigo, tem 25 anos. Nasceu no Maranhão, mas mora em São Paulo desde os dois anos de idade. Conta que desenhava desde criança, mas só entrou em contato com a lin-guagem do graffiti em 2004 e 2005, a partir da “TAG”, pichação com giz de cera. Apesar da falta de recursos e de ter sofrido uma discriminação na sua família por conta da vontade de seguir como grafiteiro, conta que nada o derrubou. “A vontade de ir para a rua era maior que qualquer coisa, até hoje”, afirma ele.

Sapiens: Camilo Thomaz Benedito, co-nhecido como Sapiens, nasceu e foi criado no distrito da Brasilândia, na zona Norte de São Paulo. Sua arte, marcada pelos traços geomé-tricos e indivíduos solitários na multidão, teve influência direta desse espaço que é tido como referência na área de organização e mobilização popular comunitária. Formado em Ciências So-ciais, além de grafitar, é professor de Sociologia da Rede Pública de Educação do Estado de São Paulo desde 2002.

Para ele, suas maiores influências são o próprio graffiti e as letras das músicas de rap. Assim como muitos grafiteiros, acredita que o graffiti é uma arte efêmera, no entanto, apesar de achar normal a atitude da prefeitura em apaga-los, acha que ao fazê-lo, acaba por me-nosprezar essa cultura.

Com a sua arte, pretende atingir as pessoas que não têm acesso a “arte paga”, como ele se refere. Para ele, “a arte é muito de quem a vê. Muitas vezes ouvi leituras do meu trabalho muito melhores do que a ideia que tive quando concebi a arte”. Critica que o meio do graffiti é muito restrito à aqueles que já tem um reconhecimento maior na sociedade, mas que isso, acrescido as dificuldades financeiras, não o desanimam: “tô na caminhada mais pela atitude do que pelo dinheiro”.

Para ele, a neurose e caos de São Paulo transpassam na arte de vários artistas, e o graffiti, pela própria atitude, é tão agressivo quanto a cidade. Hoje, constitui-se como parte da identi-dade da capital.

Mag Magrela: A vontade de grafitar de Mag Magrela, que o faz desde 2007, surgiu de ver seus desenhos que estavam em cadernos, nos muros, em grande escala. Para ela, a cultura brasileira é sua maior influência. “Misturo a his-tória do começo do nosso país, lendas do sertão, histórias que vivi na infância com o abandono, o cinza e a dor de se viver em São Paulo”. Usa a cor laranja como seu carro chefe e acredita ter encontrado seu estilo na figura de personagens, em sua maioria mulheres.

Para a grafiteira, a prefeitura tem proble-mas muito maiores pra lidar ao invés de apagar os graffitis. Isso, a seu ver, é apagar a memória de uma cidade em que a maior parte das pessoas não tem acesso à cultura, mesmo ela sendo referência cultural no país.

Primeiramente, ela faz a sua arte para ela mesma, para a sua expressão e todas têm uma mensagem. Magrela sem-pre quer falar algo, mas diz que não pode controlar como os outros irão interpretá-las. “Cada um tem uma visão de mundo e isso faz ficar mais interessante”. Acredita que não teve nenhuma dificuldade como grafiteira, pois “tudo faz parte” do que ela faz. Financeiramente, se mantém através da participação em projetos como pintura de painéis, exposições e com a venda de telas.

A cidade de São Paulo é tomada pelo graffiti e pichação e Magrela acha que isso a torna mais viva, os muros falam. O caos da cidade, a seu ver, é estimulante, assim como a sua energia intensa. “Muitas pessoas diferentes, muita gente junto. So-fro, mas gosto disso”. Para ela, o graffiti já faz parte da cultura da cidade, de forma a ter construído um jeito único de se pintar nela. No entanto, confessa sentir falta dos grandes murais, como existem nos prédios fora do país, por exemplo.

“a arte é muitO de quem a vê. muitas vezes Ouvi leituras dO meu traBalhO

muitO melhOres dO que a ideia que tive quandO cOnceBi a arte”

(sapiens)

“Misturo a história do começo do nosso país, lendas do sertão,

histórias que vivi na infância com o abandono, o cinza e a dor de se

viver em São Paulo”(Mag Magrela)

Os traços geométricos e indivíduos solitários na multidão são marcas das obras de Sapiens

Fôlego largou o emprego comum com carteira assinada para viver das latinhas

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por victória vitta, Gabriela netto, mayara de carvalho e rodrigo rosa

HQs são levadas as telas e utilizadas por historiadores

quadrinhos GanhaM espaço na Mídia

Histórias em Quadrinhos, mais co-nhecidas como HQs, são narrações

contadas através de desenhos acompanhados de textos curtos, diálogos e até mesmo com descrições da situação que a personagem está passando através de figuras nos cantos das páginas chamadas “balões”. Os HQs foram ganhando seu espaço pelas revistas e jornais, assim se tornaram um dos meios de comunicação de massa mais importantes, pois, através deles foram criadas linguagem própria e histórias que foram adaptadas para o cinema, televisão e até mesmo a publicidade usufruir dessas histórias para faturar milhões todos os anos.

Nos anos de 1895 à 1900, as primeiras tiras de jornais dos Estados Unidos deram vida as primeiras personagens das HQs, assim surgia o Yellow Kid de Richard Outcault, alguns anos se passariam e Rudolph Dirks criaria Katzenjammer Kids que seria o pioneiro a ter falas com balões, elenco e ser divido em quadros. Assim, a novi-dade tomaria conta no mundo, Japão e Europa se mostraram os lugares onde os HQs ganhariam mais força e logo muitos cartunistas começaram a aparecer no século XX.

Little Lemo in the Slumberland, de Winsor McCay, em 1905, seria o primeiro a usar perspec-tiva em seus desenhos. Foi nessa época que os quadrinhos começaram a se tornar parte dos jor-nais diários. George Herriman lançou Krazy Kat, uma história de um mundo poético, ao mesmo tempo surreal e cômico, no qual, com extrema simplicidade gráfica, eram expostas as relações entre os membros de um pequeno elenco de personagens. Mais tarde, as tirinhas ganhariam os animais como personagens principais e assim surgiram o famoso Gato Félix de Pat Sullivan e claro, Mickey Mouse de Walt Disney. Mais tarde, em 1930 Hergé criaria Tintin.

Em 1931, Betty Boop, BuckRogers e Po-peye são lançados por Max Fleischer e Elzie Crisler Segar, respectivamente. Em 1938 e meados dos anos 50, quando os HQs tiveram mais populari-dade, foi inventado o gênero dos super-heróis, como Superman, Batman, Mulher Maravilha, e Capitão América. Em 1953 a DC Comics inseria uma nova versão do personagem Flash. A época moderna dos quadrinhos caracteriza o período da década de 80 até os dias de hoje. Durante esse tempo a caracterização das histórias e persona-gens tanto da Marvel quanto da DC, acabou se tornando mais sombria e opressiva.

HQ no Brasil – A revista O Pererê come-çou a ser publicada em 1960, onde continha textos e ilustrações de Ziraldo, o personagem principal era um saci e suas aventuras eram viradas para educação e ecologia. Em 60, tam-bém tivemos a aparição do formato “tira” com o cartunista Henfil e suas criações Graúna e Os Fradinhos, e, devido a eles, Maurício de Sousa estrearia em 1959 a famosa Turma da Mônica. O golpe militar apesar de ter batido de frente com as HQs também foi uma boa munição para a cria-

Yellow Kid, um dos primeiros personagens a

surgir no mundo dos HQs

Betty Boop

LinguagensCONTRAPONTO

Qualidade não acompanha alta do preçoLucas Lopes, chegou a fazer um curso sobre história em quadrinhos numa escola de Artes. Ele

fala, em seguida, sobre suas preferências e impressões.

Contraponto – Com quantos anos você começou a se interessar por história em quadrinhos? Quais foram os primeiros que você leu?Lucas Lopes – Doze anos. O primeiro que eu lembro, foi a edição 109 do Spawn. Logo depois, comecei a colecionar uma revista da Marvel (que era publicada pela Paninni, aqui), que vinha com histórias do Homem Aranha, X-Men e uma outra história curta variada.

CP – Quais as diferenças dos HQs que você lia com 12 anos para os que são publicados atualmente?LL – Quando eu tinha 12 anos o papel já tinha mais qualidade e o preço estava começando a subir. Hoje em dia, a qualidade não está muito melhor, mas parece que o preço subiu muito mais. Além disso, meus artistas preferidos mudaram de editora e histórias. Grande parte delas não é publicada aqui.

CP – Você chegou a fazer um curso sobre HQ. Como foi?LL – Fiz o curso numa escola de artes no interior, a Helena Artes. Na verdade, no curso não aprendi nada sobre argumento, narrativa ou mesmo layout dos quadrinhos. O curso, mesmo, era sobre a técnica de desenho que faz os quadrinhos americanos ser diferentes do mangá etc. Mas eu era obrigado a conviver com muitas histórias em quadrinhos. Desde clássicos, que meu professor tinha aos montes, até as coisas mais modernas e doidas que eu levava.

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Tintin

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Gato Félix

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�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

tividade de seus autores, por exemplo, O Pasquim criticava a ditadura mesmo sendo perseguido pela censura.

Durante a década de 80 os cartunistas Laerte, Glauco e Angeli começaram a difundir os quadrinhos com o estilo underground, desenhan-do para revistas como Circo e Chiclete com Banana. Os três escreviam a história de “Los Três Amigos” uma sátira do estilo western, mas com temas das histórias brasileiras e que mais tarde faria o cartunista Adão Iturussgarau se juntar ao trio. Cada cartunista também escreveu obras separadas como a famosa Rê Bordosa, Geraldão e Overman.

O boom dos quadrinhos nos anos 80 deu espaço para o grande sucesso o fanzine SAGA, que trouxe inovações usando a impressão em profissional e capas coloridas. Em 90, a história em quadrinhos ganharia um empurrão devido à 1ª e 2ª Bienal de Quadrinhos do Rio de Janeiro em 1991 e 1993, e em 1997 a 3ª em Belo Horizonte, esses eventos contaram com a participação de grandes quadri-nistas internacionais, debates, filmes, cursos e também grandes nomes de cartunistas nacionais.

No fim dos anos 90 a internet abriria outro lugar para as tirinhas,

assim diversas HQs brasileiras ganhariam espaço, como os Combo Rangers feito por Fábio Yabu que tiveram três fases Combo Rangers, Combo Rangers Zero e Combo Rangers Revolution. Aní-sio Serrazul criou os Guerreiros da Tempestade que formam um grupo de super-heróis brasileiros que lutam contra vilões do futuro que querem roubar as riquezas naturais da Terra para recons-truí-la. Logo começariam a ser publicados pela ND Comics em 2005, pelo diretor comercial que também é roteirista Fábio Azevedo, e tem um estilo de comics americanos.

Nos dias de hoje, as histórias em quadri-nhos que ainda representam o Brasil e que são de grandes tiragens são de criação de Mauricio de Souza, a Turma da Mônica que conta também, com uma nova geração de quadrinistas.

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Criar identidade é um dos maiores desafiosGabriel Brasileiro, aluno de Jornalismo da PUCSP, compartilha com sua mãe o gosto por HQ.

Calcula ter em sua casa cerca de 600 exemplares, incluindo algumas preciosidades.

Contraponto – Qual o seu HQ preferido? Quando começou a se interessar por isso?Gabriel Brasileiro – Meus favoritos são Lanterna Verde, Will World e Predador.Comecei a gostar quando criança, minha mãe também gosta e sempre tive muitos quadrinhos em casa.

CP – Então você coleciona?GB – Sim, algumas. Devo ter umas 600 revistas em casa.

CP – Algum raro?GB – Eu tenho algumas edições mais antigas e algumas séries, incluindo a primeira edição dos qua-tro Alien Earth War, todas em bom estado. Não é exatamente raro, mas não é comum também.

CP – Dentre todas essas edições que você tem, consegue perceber e me descrever qual autor mais se atualizou e por quê?GB – É muito raro escritores e desenhistas de quadrinhos se atualizarem, eles desenvolvem seu próprio estilo e estética e transformam isso em sua identidade.

CP – Mas não existe nenhum tipo de mudança no decorrer do tempo? Sempre achei que existisse, mesmo que mínima.GB – Acho que o mais perto disso seria o Neil Gaiman, que escreve Sandman. Ele criou um universo enorme e rico. Com o tempo, conseguiu dominar as mudanças no universo que só ele controla. Creio que é uma das poucas casos de continuidade em quadrinhos que ainda faz sentido. As outras histórias tiveram que criar múltiplos universos e alterar o espaço-tempo ou simplesmente recomeçar.

CP – Você o coloca entre os melhores autores?GB – Não, os melhores são o Allan Moore e o Mike Mignolia.

CP – Por quê?GB – Tem muito quadrinho bom, mas poucos tão bons quanto Watchmen e Swamp Thing. Há muitos universos interessantes, mas nenhum tão interessante quanto Hellboy.

Evolução da Mônica, de Maurício de Sousa

Saci na revista O Pererê, um dos primeiros personagens da HQ brasileira

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Em 1938 e meados dos anos 50, quando os HQs tiveram mais

popularidade, foi inventado o gênero dos super-heróis, como Superman,

Batman, Mulher Maravilha

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por matheus s. temporini, matheus P. de medeiros,

leandro lara, rennan a. Julio e vitor d. rosalino

qual é o seu preço?Até que ponto as pessoas estão dispostas a manter o próprio sonho e os ideais, eventualmente abrindo mão de segurança profissional e

bons salários?

A busca por uma maneira de medir riquezas e trocar mercadorias sempre

esteve presente em nossa sociedade. Até che-garmos à nossa tão conhecida moeda ou papel, muitas mudanças foram feitas. Para os astecas, o chocolate era usado como uma saborosa medida de troca, já os noruegueses preferiam usar o que eles mais tinham o bacalhau, mas coube a Grécia ajustar e dar a partida em algo parecido com o nosso sistema financeiro atual.

A criação da moeda metálica, com seu valor regulamentado pelo Estado, foi feita pelos gregos no século VII a.C, uma invenção revolu-cionária, já que ela, de certa maneira, facilitava o acesso das camadas mais humildes, que muitas vezes não tinham como “produzir” a moeda em questão. As nossas tão conhecidas notas só foram aparecer na Europa, por volta de 1661, na Suécia.

No Brasil, a primeira noticia que se tem de algo parecido foi no período colonial, quando os portugueses usavam do escambo, uma espécie de troca, para fazer o contato e algumas negociações com os nativos, assim fomos picados pela ganân-cia. Desde então, muitas coisas mudaram em nos-so país, mas apenas uma coisa ficou e acentuou: a vontade de enriquecer custe o que custar.

Ganância – O sistema capitalista vem tendo como sua máxima o enriquecimento finan-ceiro a qualquer custo. A ganância vem pautando as ações humanas há séculos. Na bíblia, por exemplo, ela aparece citada como um dos sete pecados capitais, sob seu sinônimo “avareza”. Para o livro sagrado, a ganância é um pecado quando o apego excessivo pelos bens materiais é priorizado, deixando Deus e seus ensinamentos em segundo plano.

O mundo capitalista dos humanos é guiado por bens materiais. A busca que era por comida ou itens básicos para uma boa vida hoje é traduzida pela procura insaciável pelo dinheiro e por todos os “benefícios” e comodidades que ele pode trazer.

Se antigamente a ganância era pecado por sobrepor as vontades de Deus, hoje ela sobrepõe a própria vida. Até onde eu vou por dinheiro? Será que esse investimento vale a pena? Qual é o meu preço? Essas são algumas das questões que costumam ser discutidas mentalmente no dia-a-dia da vida de uma pessoa comum do Século XXI.

Deve-se excluir aqui a busca pelo dinheiro como forma de suprimento das necessidades básicas da vida apresentada pelo capitalismo. O que se discute nesse texto tem a ver com a luxú-ria, a inveja, o orgulho, a gula (pecados capitais bíblicos) e a afirmação de que o dinheiro compra sim a felicidade. E sempre.

Pessoas cada vez mais colocam o dinheiro como prioridade na vida, trocam sua essência por melhores oportunidades financeiras e fazem da ga-nância uma referência para suas ações, misturando esse sentimento, cada vez mais, com a ambição.

Ambição x ganância – A discussão sobre a relação entre ambição e ganância acontece há muito tempo. Segundo o dicionário Michaelis, a ganância é a ação ou o efeito de ganhar de maneira desmedida, enquanto que a ambição é aspiração e pretensão.

A psicóloga Elaine Ribeiro traça um pa-ralelo entre os dois sentimentos. “O ambicioso quer chegar lá para se realizar e compartilhar, enquanto o ganancioso quer chegar primeiro para pegar a parte maior e não ter que repartir”, diz a especialista.

A ganância surge a partir da insatisfação e, no atual mundo, onde as pessoas estão cada vez mais insatisfeitas com sua vida, a busca pelo dinheiro e pelo conforto que ele pode trazer se torna cada vez mais comum.

A procura pelo capital e pelo poder é o principal motivador dos grandes acontecimentos contemporâneos, como as Guerras do Iraque e do Vietnã, além da própria Guerra Fria e as descobertas científicas e medicinais.

O dinheiro desenvolve o mundo, para o seu bem e para o seu mal. A evolução da ciência

e da tecnologia nas últimas décadas é assusta-dora, ao mesmo tempo em que a desigualdade social e a busca incessante pelo capital se tornam padrões na sociedade.

As pessoas hoje trabalham em empregos que não gostam, assumem posições contrárias e se expõe a situações de riscos por medo de perder os empregos, se afastam da família por motivações financeiras e a única pergunta que as motiva a isso é: qual é o seu preço?

Na decadência do sonho a ascensão de uma carreira – Como 99,9% dos garotos nascidos no Brasil, Juliano também queria ser jogador de futebol. Ele seguiu seu sonho desde muito cedo. Com 5 anos já dava seus primeiros chutes. Aos 10 anos alternava entre o futebol de campo e o salão. E com 16 escolheu tentar a sorte no futebol de campo, segundo ele, “é o futebol de campo que dá mais grana”.

Teve sua formação futebolística na Acade-mia de Futebol do Palmeiras, também jogou pelo Botafogo de Ribeirão. Sem emplacar no campo a sorte lhe sorriu no futebol de salão, modalidade

ComportamentoCONTRAPONTO

“se antiGamente a Ganância era pecadO pOr sOBrepOr as

vOntades de deus, hOje ela sOBrepõe a própria vida”

(elaine riBeirO)

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preterida anos antes. O negócio de jogar de novo na quadra surgiu quando um amigo, também bo-leiro, estava procurando jogadores para seu time na Itália. Juliano Del Manto Franchi, formado na base do Palmeiras, era um legítimo descendente de italianos, com passaporte europeu e tudo.

Juliano aos 18 anos fez sua mala e partiu em direção à Itália para dar continuidade ao sonho de ser jogador. Levou 4 meses para se adaptar ao país e a modalidade. Seu salário na Europa era pago em euro. Eram 4 mil euros, 12 mil reais no câmbio da época. Sobre o salário europeu Juliano diz: “Era uma grana boa, deu pra fazer um bom pé de meia nesse tempo”. Na Itália foram três anos esbanjando categoria como ala.

Depois recebeu uma oferta melhor de um clube espanhol e partiu. Chegando à Espanha o sonho começou a ruir. Juliano desembarcou no país em 2008, mesmo ano em que a crise finan-ceira começou a assolar toda Europa. Depois de uma temporada a situação no país ficou crítica, a ponto de o clube tentar mudar seu contrato. Descontente na Europa, desiludido com carreira, resolveu voltar ao Brasil.

Após quatro anos fora do Brasil, Juliano voltou e decidiu se tornar jornalista esportivo, novamente movido pelo amor ao esporte. Fez faculdade no Mackenzie. Infelizmente o mercado de jornalismo também vive sua crise. Novamente o sonho ficou de lado e Juliano

se encontrou na profissão trabalhando com assessoria de imprensa. Com a profissão definida fez pós-graduação em marketing e trabalha atualmente na multinacional Michael Page, empresa especializada em no recruta-mento de média e alta gestão. Sobre o fim do sonho no futebol e o retorno ao Brasil Juliano é enfático: “Agradeço todos os dias por ter voltado e construído minha carreira. Hoje é algo muito mais sólido!”.

A balada de Maria – Mulher comum, mãe de três filhos, esposa, batalhadora e empregada de uma das maiores corporações farmacêuticas do mundo, essa é Maria. 38 anos de idade como qualquer outra Maria e uma proposta que a iria diferenciar de todas as mulheres que carregam o mítico nome bra-sileiro, essa exausta guerreira se viu obrigada a escolher entre viver o próximo ano longe de sua família e empregada, e poder criar seu filho de cinco anos desempregada... Sua escolha? Manter seus R$ 2.500 mensais e torcer para a sogra ajudá-la na criação do caçulinha.

Maria conheceu o querido marido du-rante um dos clássicos bailes do Horto Flores-tal – nos anos 70 –, carregados de ponche e Led Zeppelin; ela morava no Jaçanã, ele pros lados de Santa Teresinha, logo começaram a namorar e depois de três anos Maria se viu grávida, resultando na inevitável saída das fa-mílias mais pobres dessa época: o casamento. Logo pegaram seus trapos para se “ajuntar” num apartamentozinho alugado nos confins de Santana com pouco dinheiro, um potencial amor e uma garotinha chorona.

Mas Maria – por mais que não se canse

de parecer Maria – foi capaz de alçar voo com muito trabalho duro, ao lado de seu marido, dando uma casa gostosa para sua família já bonificada com mais duas crianças. Então que lá para o início dos anos mais tranquilos, com o terceiro filho já crescendo e indo para esco-linhas da vida, surge a proposta que armaria mais uma vez os cabelos tingidos de Maria – sempre ela, sempre Maria –, a de deixar tudo em suspenso para viver no interior por um ano, caso contrário, seria demitida; caso contrário, optaria pelas tais escolinhas mais em conta, uma casa não tão legal e a pressão de viver com a escolha. Já o outro lado deixaria à Maria a chance de acompanhar o cresci-mento de seu bebê, a rotina de sua família e a “segurança” de seu casamento.

Então João – que não é João no docu-

mento, mas vive todos os dias um dia de João – proclamou as seguintes palavras à sua mulher: “Vá tranquila, estaremos morrendo de saudades aguardando o seu retorno”. E as palavras deram à Maria a força que não sabia existir, força essa que a move desde então para aceitar o traba-lho. Coincidentemente ou não, Maria está há 25 anos na mesma corporação farmacêutica, já com um cargo elevado e segurança para sua família completa.

Se o tema é dizer que todos nós temos um preço, o exemplo de Maria – que é única, assim como todas as outras – mostra que há supera-ção dentro de situações como essa, e que nem sempre o viés se torna maléfico. Afinal de contas, as Marias e Joãos são testados diariamente por um sistema que valora a vida mais vezes do que imaginamos.

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“O amBiciOsO quer cheGar lá para se realizar e cOmpartilhar, enquantO O GananciOsO quer cheGar primeirO para peGar a parte maiOr e nãO ter que repartir”

(elaine riBeirO)

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

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Mobilização dos estudantes da usPCONTRAPONTO

ensaio fotográfico

Por victória azevedo

Na quarta-feira, dia 28 de maio foi realizada, no vão

da História e da Geografia, na Fa-culdade de Letras, Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, a assembleia dos estudantes da USP. Nela, foram tratadas questões rela-cionadas à greve unificada dos três setores (professores, funcionários e alunos) na qual a Universidade se encontra.

A greve começou por conta da medida da reitoria em estabelecer o congelamento de salários de profes-sores e funcionários e desde então, estão sendo debatidas outras ques-tões que estão inseridas na crise or-çamentária que a USP se encontra.

Na assembleia, os alunos elen-caram diferentes medidas a serem consideradas durante a greve e res-saltaram a importância das medidas que auxiliem a permanência estudan-til no campus, além da implementa-ção de cotas raciais e sociais. Tam-bém, outra questão muito discutida foi a exigência da transparência na gestão financeira e abertura do livro de contas da universidade e livros-caixa das fundações.

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Mobilização dos estudantes da usP

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CONTRAPONTO14 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por raquel melo e simone nascimento

Lançado em 1997, por jovens artistas, evento aposta em novos valores e desafia os padrões dos circuitos oficiais

casa de criadores é o celeiro da Moda brasileira

Junho de 2014, São Paulo, palco da 35ª edição da Casa de Criadores e edição

que antecede a comemoração de 18 anos de um dos maiores eventos que lança novos estilistas da moda brasileira. Seguindo o calendário de coleções (primavera/verão e outono/inverno) o evento acontece duas vezes por ano na capital e em 2015 celebra sua maior idade. Carregada de projetos conceituais e arte, revelou ao longo de todos esses anos grandes nomes da cena nacional.

Criada em maio de 1997, quando um grupo de jovens estilistas decidiu, em parceria com o jornalista André Hidalgo, promover um evento para lançar suas novas coleções, a Casa de Criadores tem o legado, nas próprias pala-vras de Hidalgo de ser “o único evento que, de fato, se preocupa em ser um celeiro de novos talentos”.

Segundo os idealizadores, desde o come-ço o foco sempre foi a criação autoral genuína e a revelação de novos talentos que, a partir do evento, tivessem a oportunidade de impulsionar suas carreiras, característica marcante de livre criação e forte desenvolvimento conceitual. Dessa iniciativa surgia um evento que se transformou, no decorrer de sua história, na principal e mais visível vitrine da criação da moda brasileira.

Para Hidalgo, a comemoração dos 18 anos em 2015 é uma conquista que não se es-perava alcançar, o idealizador relembra que no começo a única meta era consolidar o evento e os estilistas que participavam dele. Segundo o jornalista, o balanço dos últimos anos só leva a um único prestígio, “olhar para trás e ver todos os nomes que já lançamos, como André Lima, Ronaldo Fraga, João Pimenta, Cavalera e tantos outros, acreditamos que estávamos certos em persistir”.

Grande destaque atual, a marca Gralias, assinada por Grazi Cavalcante e Julia Guglielmet-ti, exporta para Londres, Japão, Arábia Saudita e Turquia e se prepara para a próxima edição que acontece entre os dias 4 e 6 de junho, em local ainda não definido. Com desenvolvimento sempre aliado a uma temática e criação de fi-gurinos, a coleção da vez é inspirada no bairro do Bixiga.

Para Julia, desde o ingresso na Casa a ma-turidade aumentou, “a ‘tradução’ passarela – loja é feita como uma simplificação. Diminuímos o número de informações dos looks e os deixamos com mais cara de dia-a-dia”, explica.

Centrado, inicialmente, num movimento nascido na cena underground paulistana que aliava moda, comportamento e música eletrô-nica, o evento ampliou seu universo e foi incor-porando estilistas e criadores de outros estados brasileiros, nos mais variados estágios de carreira. Hoje a Casa é impulsionadora de projetos para novos estilistas, com o BtoBe (Brazilians to Be) e o Projeto Lab.

Para Evilásio Miranda, gerente do núcleo de moda e design do Texbrasil (Programa de Interna-cionalização da Indústria da Moda Brasileira) um dos patrocinadores da Casa, o cenário da moda brasileira está cada vez mais preocupado com o mercado: “Enxergo que novos estilistas estão abraçando cada vez menos expressões de moda desvinculadas do viés comercial”, afirma ele.

Segundo Evilásio, “quando trabalhamos com jovens estilistas, a moda conceitual vem quase ‘no pacote’, já que são profissionais nor-malmente pouco expostos ao mercado e com mais vontade de correr riscos”. Sobre o mercado, ele ressalta que uma marca de moda, hoje, já consegue sobreviver sem depender da venda de peças de roupa – apenas com licenciamentos, parcerias, consultorias – mas é preciso estimular o estilista a pensar sua moda como negócio, como quer que ela se manifeste.

A preocupação da Casa de Criadores em fomentar moda criativa, livre e conceitual, é le-vada em cada histórico de criação. Projetos como o concurso “Homofobia, fora de Moda”, com estampas de combate a opressões traduzidas na indumentária, são parte do leque estrutural do que significa o evento para a cena nacional.

Para André Hidalgo, fica para a comemora-ção dos 18 anos um livro com toda a trajetória da Casa de Criadores e também os planos de rodar um documentário sobre o evento. O idealizador ressalta que o legado é dos criadores que estão ajudando a construir a verdadeira moda brasileira em cada detalhe, e como ele mesmo afirma, é “evidente a cada coleção, em cada pensamento, em cada look criado”. Sobre os principais nomes, não faz distinção: “Cada um tem sua história, seu conceito, sua realidade. A soma dessas histórias é que faz a Casa de Criadores ser o que é”, conclui.

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EstilismoCONTRAPONTO

Desfile da marca Gralias durante a 34ª edição da Casa de Criadores

“Olhar para trás e ver tOdOs Os nOmes que já lançamOs, cOmO andré lima, rOnaldO fraGa, jOãO pimenta, cavalera e tantOs

OutrOs, acreditamOs que estávamOs certOs em persistir”

(andré hidalGO)

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Estampa vencedora da 1ª edição, assinada pelo gaúcho Joelson Bugila para o concurso “Homofobia Fora de Moda”

Campanha de inverno 2014 da Marca Gralias

“enxerGO que nOvOs estilistas estãO aBraçandO

cada vez menOs expressões de mOda desvinculadas dO viés

cOmercial”

(evilásiO miranda)

“cada um tem sua história, seu cOnceitO, sua realidade. a sOma dessas histórias é que faz a casa de criadOres ser O que é”

(andré hidalGO)

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

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Por luciana lima Práticas instituídas durante o regime militar ainda continuam presentes nos dias atuais

violência e autoritarisMo são o leGado

dos anos de chuMbo

No dia 01 de abril o golpe civil-militar que submeteu o Brasil a 21 anos de

ditadura completou 50 anos. Com o aniversário do golpe a mídia e o governo se voltaram para o evento de forma crítica, com especiais e discursos que lamentavam as duas décadas marcadas pelo desrespeito aos direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão.

De forma simbólica, entretanto, três dias antes do golpe completar meio século, a presi-dente Dilma Rousseff autorizou a ocupação por forças militares do complexo da Maré, no Rio de Janeiro. A atitude despertou a crítica de diversas entidades sociais, direitos humanos e especialis-tas em segurança. Para piorar uma relação que já era marcada por abusos e violências, foram expedidos mandados de buscas coletivas, através dos quais a polícia tinha permissão da Justiça para entrar em qualquer residência do complexo, que possui 16 comunidades e cerca de 132 mil habi-tantes. Logo nos primeiros dias de ocupação já houveram relatos de violação a direitos humanos por parte dos moradores.

O fato, que aconteceu às vésperas dos 50 anos do golpe, serviu para demonstrar um dos grandes legados que a ditadura nos deixou: a lógica de repressão e militarização sob a qual o Estado brasileiro ainda continua regido.

Mesmo 29 anos após a redemocratização muitas estruturas criadas no regime militar con-tinuam presentes no Brasil. As atuais estruturas tributária, administrativa e financeira do país são daquela época, por exemplo. E mesmo que a Constituição de 1988 tenha definido a democra-cia e o respeito aos direitos humanos como ali-cerces do Estado brasileiro as práticas que ainda seguem em vigor contrariam esses valores.

As jornadas de junho que aconteceram no ano passado vieram para exemplificar exatamen-te essa contradição. A forma truculenta com a qual a polícia militar lidou com os protestos de maneira a silenciá-los colocou em evidência que o projeto empresarial-militar, na prática, não foi derrotado.

O povo ainda não alcançou protagonismo nas questões do estado e a política de seguran-ça ainda é restringida, somente, a ação policial, que assumiu uma lógica militar. É importante res-saltarmos que essas práticas, entretanto, reme-tem ao traçado histórico brasileiro, elas sempre estiveram presentes no cotidiano de repressão do estado no país. Entretanto, embora não tenham surgido na época da ditadura militar, essas prá-ticas foram recrudescidas pelo autoritarismo do regime, que as legitimou e institucionalizou.

A Polícia Militar e sua atual estrutura são o resultado de uma mudança produzida pela dita-dura. A PM passou a ser uma espécie de “braço” do Exército apto a intervir na vida cotidiana do país. A doutrina do inimigo interno, herdada dos militares, é baseada numa lógica de guerra, onde

50 anos do golpeCONTRAPONTO

sempre existe um inimigo a se combater, com isso a polícia deixa de possuir um caráter de segurança para se tornar um aparato de repressão.

Esse caráter da polícia é tão evidente que numa pesquisa da Anistia Internacional , divul-gado no começo de maio, 80% dos brasileiros acreditam que serão torturados caso sejam de-tidos pela polícia militar.

Modelo elitista e excludente – Um grande culpado dessa perpetuação da política de segurança pública delegada somente à polícia e que não abrange uma política social, de moradia, saúde e educação, é o modelo de desenvolvimen-to brasileiro. “O modelo de desenvolvimento que foi aperfeiçoado durante a ditadura é um modelo que nós mantemos até hoje. Ele é um modelo de desenvolvimento que é para poucos, ele pensa em primeiro fazer crescer e depois distribuir o sal-do, ele concentra, expulsa e é agressivo. Se você analisar algumas políticas dos últimos governos

é uma ideia de que o crescimento econômico suplanta qualquer coisa. E não suplanta. Não dá pra achar que os fins justificam os meios sempre, porque quando você chega no fim, não vai ter gente”, diz o jornalista e doutor em Ciências Políticas Leonardo Sakamoto.

E isso se dá porque não houve uma mu-dança estrutural com a redemocratização, mas sim uma mudança de gestão. Embora o interven-cionismo estadunidense nas eleições , através da aliança para o progresso, tenham saído de cena ficaram as empresas e empresários que estavam mancomunados com os militares e que mantêm seus interesses protegidos, por isso a manutenção desse aparato ainda faz sentido para o grupo que permanece no poder ainda hoje.

“Na atual conjuntura temos uma disputa territorial e mudanças no país para atender os interesses do setor dominante. Como por exemplo, a implantação de cidades neoliberais, gentrificadas, que necessitam de remoções em

“O mOdelO de desenvOlvimentO que

fOi aperfeiçOadO durante a ditadura ele é um mOdelO

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(leOnardO sakamOtO)

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massa, pois se amplia as fronteiras do interesse territorial do setor imobiliária-financeiro”, diz o militante do Tribunal Popular e do Setorial de

Direitos Humanos do PSOL, Givanildo Manoel.

E continua: “Ou en-tão, a expansão de frontei-ras agrícolas do agronegócio para áreas antes protegidas, como reservas ambientais, território indígena e qui-lombola. Quando não, para a construção de obras de infraestrutura como Girau e Belo Monte, afetando a vida de diversas comunidades. Esses últimos projetos, os de infraestrutura, já tinha previsão no Plano Nacional de Desenvolvimento 1 e 2. Belo Monte, Jirau e outras , estavam lá. Obras de tal monta, só é possível fazer em um estado de exce-ção, logo, se não tem uma ditadura direta, tem uma situação similar, com forte

aparato repressivo e leis que permitem isso, dando sinais claro que existe um processo de fechamento do regime.”

Para que essa conjuntura se altere e esse processo seja finalmente suplantado é preciso primeiramente acertar as contas com a história. Rever leis, como a Lei da Anistia que protege torturadores, que colocam gases na ferida que é a ditadura militar, que ainda continua aberta. É pre-ciso lembrar para que nunca se repita. Em segundo é preciso um movimento da so-ciedade civil que, como já se tem notado nas ruas, reivindique um maior respeito aos direitos humanos e o fim do genocídio da população pobre e negra.

Esse movimento popular, segundo o pro-fessor Marcos Florindo da Escola de Sociologia e Política, aconteceu em vários lugares para que assim houvesse mudanças na política de seguran-ça ao redor do mundo. “Historicamente, se você olhar para as polícias lá fora, todas elas nasceram muito violentas, foram geradas amarradas ao mundo do trabalho que se renova e a um controle violento de classes populares. Essas polícias só começaram a mudar quando os segmentos que são atingidos pela violência que eles executam começaram a se mobilizar e a dizer ‘não’ para essas práticas.”

“Eu tenho a impressão que é isto que agora começa a acontecer com a sociedade bra-sileira. Isso só pode acontecer com a sociedade brasileira num contexto democrático, portanto, os militares no momento crucial da nossa história, onde tínhamos vindo da industrialização, com possibilidade de conceber uma outra sociedade, quando eles recrudescem e reinstitucionalizam a violência, quando recriam as condições para que o trato com as classes populares se dê somente pela violência, ocorre um atraso na história da cidadania desse país em 100 anos”, afirma Flo-rindo. “Questões que nós poderíamos ter vencido à época, como esse trato violento da polícia na periferia, ou mesmo que não tenha vencido, mas teríamos iniciado o debate. E debatendo essas questão àquela época o estágio no qual nos se encontraríamos hoje seria diferente. Infelizmente esse debate só pode ocorrer agora.”

“Democracia” preserva modelo econômico dos golpistas

Que o golpe de 1964 interrompeu o curso democrático do país para que o Brasil, supostamente, não adotasse o caminho do comunismo – levando consigo a América Latina – todos sabem. Porém, não é tão clara assim a questão do legado da ditadura. Até que ponto o Brasil contemporâneo é, de fato, uma democracia?

Alipio Freire, jornalista e escritor que integra o Conselho Editorial do jornal Brasil de Fato e a direção do Núcleo de Preservação da Memória Política, é um dos principais entusiastas do tema: “É fundamental que se esclareça como o programa levado a cabo pelos golpistas continua presente, ainda hoje, no nosso dia a dia”.

Freire esclarece o seu argumento com base na análise de três pontos considerando-os mais óbvios e simples: a política salarial, as reformas de base e a reforma agrária, presentes nos planos de governo do presidente João Goulart, destituído de seu cargo por conta do golpe. Freire observa que, caso a política salarial de Jango não tivesse sido interrompida, o salário mínimo atual seria de R$2.800,00. Além disso, se o programa das Reformas de Base houvesse sido aplicado, a educação não teria sido privatizada e, em vez disso teríamos ensino público, universal, gratuito e de boa qualidade em todos os níveis. Por fim, teria sido feita uma reforma agrária nas terras às margens das rodovias, ferrovias e açudes.

Porém estes fatos não chegam ao conhecimento do grande público, já que o aparato do Estado e da mídia constitui-se numa grande parceria para alienar a população e fazer com que ela siga o que lhe é ditado. Esse “casamento” formava uma relação fortíssima durante a ditadura, e permanece até os dias de hoje. Dessa forma, é possível afirmar que a atividade controladora da mídia como “quarto poder” apenas se aperfeiçoou para não mostrar suas verdadeiras intenções, mas continua agindo de acordo com o interesse de terceiros.

Vale, nesse caso, a famosa sentença do famoso escritor britânico Aldous Huxley: “A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonha-rão com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão”.

Por Julia Brisset e rafaela Piccin

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Por isabella menon e thiago munhoz

uMa vida Marcada pelo holocausto

Elli Mantegari descobre sua história de vida aos 70 anos

Vocês conhecem Anne Frank?” Fa-zendo referência à jovem vítima do

Holocausto que a aposentada Elli Mantegari, 73, começa a contar a sua extraordinária história. Existem diversos livros que contam situações como a de Anne, ou seja, crianças que passaram por condições extremas durante guerras. Ao contrário do caso de Anne, muitas crianças do contexto da Segunda Guerra Mundial passaram a guerra inteira longe dos pais ou sem saber que tinham pais judeus por conviverem em famílias católicas, luteranas, calvinistas etc. para não serem levadas para os temerosos campos de con-centração. Elli foi uma dessas crianças, conheceu sua mãe e soube de sua existência com o fim do conflito, depois de muito tempo.

A história começa em janeiro de 1941, quando Gitel Goldblum deu à luz a uma garoti-nha de cabelos pretos na cidade de Amsterdã, Holanda. Os pais decidiram chama-la de Ester, com a guerra ele mudou para Elli por conta da perseguição aos judeus. Apesar da felicidade com o nascimento da criança, segunda menina do casal, os pais estavam aflitos com a situação em que a Europa passava, uma vez que eram de origem judaica. Neste contexto Adolf Hitler já estava implementando sua política de extermínio daqueles que não pertencessem à “raça ariana pura” e, com a ideia de proteção de um espaço vital, ameaçava pessoas de diversos países euro-peus, dentre elas a família de Goldblum.

No dia 22 de fevereiro de 1941, quando Elli tinha apenas um mês de vida, uma tropa de soldados alemães cercou a Praça Jonas Daniel Meijer, localizada em um antigo bairro judeu de Amisterdã. Os militares detiveram e levaram alguns homens holandeses entre 25 e 35 anos que estavam nos arredores da praça, dentre eles Abraham Szanovski, pai de Elli, que foi levado para um campo de concentração na Suíça deno-minado Mauthausen. Gitel não teve notícias do paradeiro de seu marido após esse episódio sem ser que, meses depois, ele foi enviado para um campo de concentração na Áustria e, lá, veio a falecer, mas sequer esse acontecimento foi bem explicado. “Nos documentos que eu tenho está escrito que ele morreu de broncopneumonia” – afirma Elli, e completa – “o que é uma piada, é evidente que ele não morreu dessa doença”.

Sem o marido, a senhora Goldblum con-tou com a ajuda da empregada da casa, Johanna Hakkens, que sempre foi fiel à família, e conse-guiu continuar vivendo na casa de dois andares que já morava junta de suas duas filhas, Elli e Lea, 2. Contudo, cerca de um ano após o sumiço do patriarca da família a situação começou a ficar muito difícil para elas permanecerem na cidade. Os alemães estavam dominando muitos países europeus e o extermínio aos judeus estava cada vez mais intenso.

“Minha mãe foi convocada para trabalhos escravos e recomendaram que ela fugisse, por-que se ela fosse para o trabalho, matavam ela”, disse Elli. Seguindo os conselhos, Gitel fugiu da

Holanda com documentações falsas que o marido da sua empregada, Frits Hakkens, conseguiu. A mãe conseguiu atravessar a pé a fronteira rumo à Bélgica. Antes de partir, a senhora Goldblum encaminhou cada uma das filhas para uma casa diferente por questão de segurança. Lea foi man-dada para casa de tios que moravam em outra cidade enquanto Elli, com menos de dois anos, foi morar com os Hakkens.

Família adotiva – Por motivos antes

não esclarecidos, os Hakkens enviaram Elli para ficar aos cuidados dos tios que estavam com sua irmã. Contudo, em nenhum momento em que esteve sob tutela desses tios a garota teve contato com a irmã. Nesse meio tempo, em que Elli ainda estava em outra casa, Lea foi levada para organizações denominadas “underground”, que serviam de resistência às ofensivas alemãs e ajudavam famílias judias.

Assim como conseguiu um lugar mais seguro para a primeira sobrinha, os tios pro-curaram uma nova casa mais segura para Elli ficar, visto que também eram judeus e estavam sujeitos à violência. A tia conseguiu fazer contato com uma parte calvinista da família que morava em uma cidade próxima e aceitaram ficar com a criança.

Uma semana após a comunicação, Elli já estava sob a tutela de sua nova família adotiva. “Me embrulharam, fizeram um pacotinho de mim e no culto em uma igreja me entregaram para essa família e essa era a versão que eu conhecia até 3 anos atrás”, lembra Mantegari. A criança permaneceu com eles até o declínio do governo Hitler, quando a situação na Europa começou a se tornar mais amena.

Elli enfrentou uma infância perturbada pela sombra da guerra. Os tios e a própria menina sempre estiveram ligados no que se passava tanto no continente como no bairro e em qualquer estado de alerta escondiam a menina atrás de um armário na sala para não correr o risco de ser levada por tropas alemãs. Elli diz nunca se esquecer da tensão de ficar escondida em silencio para que não descobrissem sobre sua estadia na casa de calvinistas. “Naquele tempo as crianças eram adultas muito antes do tempo, elas eram obrigadas, por sobrevivência”, afirma.

Reencontro com a mãe – Gitel fez

uma longa trajetória desde que atravessou a fronteira da Holanda a pé. Inicialmente viajou rumo à Bélgica, depois para França e por fim chegou na Suíça, país neutro durante a guerra. Lá ela conseguiu se hospedar em um campo

Elli mantegari e seus “irmãos” holandeses

no reencontro na Nova Zelândia

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MemóriaCONTRAPONTO

“naquele tempO as crianças eram adultas muitO antes dO tempO, elas eram OBriGadas pOr sOBrevivência”

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Gitel Goldbum

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

de refugiados, onde permaneceu até o fim dos conflitos.

Com o termino da guerra, a mãe começou a ir atrás dos trâmites políticos para voltar para a Holanda, mas percebeu que iriam demorar muito e decidiu fugir da Suíça com documen-tações falsas.

Após semanas se passando por outra pes-soa, a senhora Goldblum chegou na Holanda e começou a procura por suas duas filhas, que já esta-vam com cerca de cinco anos a mais desde a ultima vez que as viu. Gitel encontrou a tia das meninas que tinha ficado com as duas. A tia sabia onde Elli estava, mas como Lea estava sob os cuidados do underground poderia estar em qualquer lugar.

“O encontro com minha mãe foi muito complicado”, afirma Elli. Como já estava acostu-mada com a família que havia a criado durante a guerra, foi difícil para ela aceitar a mãe. Contudo, embora o estranhamento inicial, Mantegari con-seguiu “adotar” Gitel em sua vida.

Com Lea foi diferente. De partida nin-guém tinha ideia de onde a jovem poderia estar. Gitel saiu às ruas com uma foto recortada de um jornal que aparecia a menina e perguntava a todos se a tinham visto. Depois de muita pro-cura, batidas em portas e idas a organizações estudantis que uma senhora reconheceu Lea e a ajudou a encontrá-la. Ela estava em uma cida-dezinha no interior da Holanda e quando Gitel a achou, Lea a rejeitou. “Após tanto tempo longe, ela não reconhecia mais minha mãe e ela se viu obrigada a voltar para Amsterdã levando minha irmã a contragosto”, lembra Mantegari.

Da Europa para o Brasil – Após a guerra,

a maioria dos sobreviventes desse sofrimento es-tava desnorteada tanto emocionalmente quanto economicamente, o que tornava uma situação que já era difícil, pior ainda. Com isso, diversas pessoas migraram de seus países em busca de

uma nova vida. “Minha mãe era jovem e depois da guerra se viu sozinha com duas crianças para criar, sendo que uma delas a rejeitava”- diz Elli. A Europa passava por um período de crise com o fim da guerra muita pobreza e permanecer nela era muito difícil para muitas famílias.

Gitel acabou se casando novamente, isso, pois precisava de uma figura masculina dentro de casa. Suas filhas foram adotadas por este homem e ele conseguiu dar o apoio que a senhora Gold-blum tanto precisava. Porém, ele não conseguiu se estabelecer tão bem na Holanda e resolveu migrar para Argentina. Assim, Gitel, Elli e Lea foram para a Argentina e lá viveram por alguns anos até o divorcio do casal.

Depois do divórcio, a mãe das duas meni-nas se casou novamente, e todas vieram morar no Brasil junto do novo integrante da família. Infelizmente o ultimo marido tinha diversos problemas emocionais, próprios de alguém que passou horrores durante a guerra. “Ele chegou a ficar em um manicômio se bancando de louco, porque ele tinha fugido do trem que o levaria para os campos de concentração”, lembra Elli.

Tempos depois, Gitel se separou de novo e foi morar nos Estados Unidos da América, onde Lea já estava morando junto com seu marido, um homem holandês que depois da guerra foi para a América. Elli permaneceu no Brasil, onde constituiu uma família. Ela atualmente mora na capital paulista e pesquisa e arquiva documentos sobre trajetórias de vida parecidas com a sua, que foram ofuscadas pela guerra.

A parte perdida – Esta era a história que Elli conhecia sobre sua infância até três anos atrás. Lea enquanto lia em sua casa em Los Angeles o jornal Aanspraak, um periódico holandês distribuído para aqueles que recebem restituição e pensões como resultadas das atro-cidades nazistas contra judeus holandeses, viu

um anuncio um tanto quanto inusitado. Uma mulher da Nova Zelândia estava procurando uma mulher de nome Elli e com um sobrenome parecido com de seu pai. Na propaganda era descrito que a sogra dessa mulher, durante a Segunda Guerra Mundial, cuidou de uma menina que era tida como uma filha, mas nunca tiveram notícias dessa menina e queriam saber em que parte do mundo ela poderia estar. Existia uma similaridade nesta história com a de Elli, mas o sobrenome estava errado.

Lea, intrigada com a familiaridade dos casos, enviou o informe via correio para sua irmã. Elli quando recebeu a carta logo mandou uma mensagem para o endereço de e-mail que estava no anuncio. “Eu poderia ser a pessoa que você está procurando”, dizia o e-mail.

Marcel Hakkens recebeu o e-mail e, mes-mo desconfiado que pudesse ser um engano, marcou uma conversa via Skype com Elli. “A hora que ele olhou para mim, começou a chorar e disse que tinha certeza que era eu” - relata Mantegari, e continua - “perguntei como ele sabia e ele disse que tinha fotos minha de criança. Ele me mostrou fotos minhas que eu nunca tinha visto na minha vida, de repente mostrou uma que eu também tinha em casa, fui buscar e cada um ficou segurando a mesma foto de um lado do computador”.

Elli e Marcel, filho de Johanna, continua-ram a se corresponder e ela descobriu a parte de sua história que não sabia. A empregada ficou com a menina mesmo constituindo uma nova família nesse período e sendo muito perigoso as pessoas esconderem judeus naquele tempo, podendo resultar inclusive na ida para campos de concentração junto. Eles corriam um grande risco ficando com Elli, ela tinha cabelos negros e isso evidenciava suas origens, mas Fritz como vinha de uma cidade do sul da Holanda tinha cabelo mais escuro e dizia que Elli era sua filha. Johanna gostava tanto dessa ideia que dizia que Elli era a “filha que nunca tiveram”.

Os Hakkens tiveram três garotos. Quando um dos filhos contraiu difteria a situação para eles começou a apertar e entenderam que não poderiam ficar mais com Elli, então resolveram manda-la para ficar sob a tutela dos tios que tinham hospedado Lea. “Minha mãe nunca me contou disso, duvido que ela soubesse dessa história”, afirma Mantegari. Nos documentos deixados por Gitel, Johanna e Fritz eram mencio-nados muitas vezes como pessoas que ajudaram com documentos falsos e a trazer comida para os Szanovski terem o que comer, mas em nenhum momento foi retratado como e o porquê eles “abandonaram” Elli.

No mesmo ano em que se conheceram via Skype, Elli e Lea foram para Wellington, Nova Zelândia, para conhecer, ou melhor, reencontrar os Hakkens. Lá conheceram, alem de Marcel, RichardHakkens – outro filho de Johanna e Fritz – e o neto de Marcel, Caleb Hakkens,9, quem pediu para continuarem a procura por Elli após ter assistido ao filme “Nicholas Winton: The Power of Good”, que conta como centenas de crianças judias foram resgatados dos nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Tanto a chegada de Elli e sua irmã no aeroporto de Wellingnton, como sua incrível história tomou uma atenção especial da mídia neozelandesa e australiana. Contudo, nenhum veículo brasileiro notificou a ida a Nova Zelandia e sequer contou a trajetória de Elli e sua família.

“O encOntrO entre eu, minha mãe e

minha irmã fOi muitO cOmplicadO”

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Lea Radziner (à esq.) brincando com sua irmã menor Elli Mantegari

Elli mantegari (à esq.) e sua irmã Lea Radziner

Gitel Goldblum e seu marido, pai de

suas filhas Abrahem Szanovski

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CONTRAPONTO20 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por letícia dauer, diego tonetti e letícia rodrigues

violência obstétrica aMeaça Mulher brasileira

Indústria da cesárea e do aborto ganha dimensões catastróficas no país

No dia 1° de abril, Adelir Camem Lemos de Goes, 29, reascendeu

o debate acerca da perda da autonomia da mulher sobre seu próprio corpo e da violên-cia obstétrica. O Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, sob a justificativa da posição pélvica – sentado – do bebê e da 42° semana de gestação, delatou ao Ministério Público do Rio Grande do Sul que a integridade física da mãe e do filho corria risco. A Justiça subme-teu Adelir, por meio de uma liminar, a uma cesárea. A parturiente, que já passou pelo procedimento outras duas vezes, revelou uma versão divergente da instituição, alegando que em nenhum dos ultrassons o bebê en-contrava-se na posição pélvica, os médicos negaram-lhe uma segunda opinião sobre sua situação de saúde.

Segundo o Dr. José Bento de Souza, ginecologista e obstetra, o caso de Adelir Lemos não representa violência obstétrica. De acordo com recomendações médicas, após duas cesáreas, não se recomenda a realização de um parto normal. Há o risco de uma ruptura na cicatriz das cesáreas anteriores que pode provocar hemorragia e, consequentemente, colocar em perigo a vida da mãe e do recém-nascido. É responsabilidade do médico a deci-são de escolher o parto normal ou cesariano, a partir da análise das condições físicas da pa-ciente. Assim, é vital que se informe a mãe das vantagens e desvantagens dos tipos de parto. No entanto, para Júlia Caraciolo Evangelista, estudante secundarista da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do coletivo feminista Maria Bonita, ‘’O Estado não tem o direito de intervir no corpo da mulher’’. A retirada de Adelir de sua própria casa pelos policiais mili-tares para a realização da cesariana contra sua vontade representa um ato de violência.

‘’Adelires’’ estão espalhadas pelo país. Mulheres, diariamente, sofrem nas mãos de profissionais da saúde desde a indução de uma cesárea desnecessária à episiotomia – corte entre o ânus a vagina que facilita a saída do bebê – indiscriminada. Intimidadas pela figura autoritária e desinformadas so-bre a maternidade e o parto, as parturientes acatam as decisões dos médicos, com raros questionamentos, mesmo quando violam seu próprio corpo. Na visão da estudante e militante feminista, ‘’O médico e os técnicos de enfermagem estão numa posição de auto-

ridade’’, por isso, as mães, principalmente as de primeira viagem, por receio e ignorância não desacatam as suas decisões. Não é coin-cidência o Brasil ser o campeão mundial em cesáreas com o índice, de acordo com o Mi-nistério da Saúde, de 82% na rede particular e 37% na rede pública. Enquanto a Organi-zação Mundial de Saúde (OMS) recomenda 15% de índice de partos cesáreos.

Para o Dr. Bento de Souza, o estilo de vida da mulher contemporânea mudou com-parada a da mulher de décadas atrás. Hoje, a mulher sofre com a jornada tripla de trabalho, ou seja, acumula as funções de limpar a casa, trabalhar e cuidar dos filhos. Tem, portanto, menos tempo para se dedicar a prática de exer-cícios físicos, a boa alimentação, entre outras atividades. Tudo isso impacta diretamente nas questões referentes à maternidade. Quando a mãe se encontra despreparada fisicamente é contraindicado o parto normal, já que este exige uma vitalidade maior da mulher, por isso a incidência maior de cesáreas. O doutor ratifica que a decisão de se fazer uma cesárea ou não é apurada durante o trabalho de parto da mulher por meio da análise das condições físicas da mãe e da criança. Do ponto de vista clínico, a cesariana é uma intervenção cirúrgica que pode implicar em riscos de infecção e de complicações durante o parto e pós-parto. Nesse quesito, o parto normal é muito mais seguro, já que mostra uma recuperação sim-ples e rápida de ambas as partes. “Sempre se deve optar por parto normal”.

Quando questionado sobre a chama-da “indústria da cesárea”, o ginecologista e obstetra afirmou que ela existe realmente. “Existe um exagero sem dúvida nenhuma” afirma. Entretanto, existe uma comodidade não só do médico em relação às cesáreas, mas também da paciente, da sua família, assim como do próprio hospital. Para todos os en-volvidos, a preferência por cesarianas decorre da facilidade em realizá-la cirurgicamente, da possibilidade do agendamento da operação com antecedência, garantindo maior tempo de preparo e assistência evitando situações desconfortáveis do trabalho de parto. É mais cômodo também para a paciente porque

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não há possibilidade de sentir dores das contrações. Júlia Evangelista concorda com a existência da ‘’indústria da cesárea’’, porém enfatiza que os argumentos contra a cesárea são mais numerosos do que os a favor. Apesar de ser um procedimento cirúrgico mais rápi-do, a recuperação da parturiente é longa, há maior risco de vida do recém-nascido compa-rado ao parto normal e, o principal, a cesárea é mais lucrativa para o médico.

Aborto – As discussões a respeito da

autonomia do corpo da mulher incitam outro debate ainda mais antigo: a legalização do aborto. O Código Penal Brasileiro determina que o aborto é crime, exceto em três ocasi-ões: detecção de feto anencefálico, gravidez fruto de estupro e parturiente correndo risco de vida. Todavia, como o doutor revela, ‘’São feitos no Brasil cerca de um milhão de abortos por ano de maneira clandestina, 25% do total de casos terminam em óbito devido à falta de assistência médica e estrutura adequada. “Sou contra o aborto, mas sou a favor da sua legalização no Brasil”.

A estudante Júlia Evangelista acrescen-ta ‘’Feministas costumam falar que rica aborta e pobre morre’’, ou seja, o aborto eficiente e seguro tem relação direta com a condição financeira. ‘’Há médicos que realizam o aborto em clínicas particulares, porém cobram muito caro. A mulher só tem acesso ao pro-cedimento se tiver muito dinheiro’’. Aborto é uma questão de saúde pública, pois a cada dois dias uma mulher, leia-se pobre, morre devido às complicações do procedimento ilegal. O processo de descriminalização do aborto no Brasil não é fácil, visto que ‘’O país é extremamente católico’’ e o Estado é pseudo-laico. O primeiro passo para a desmistificação do assunto está na área educacional por meio da ‘’introdução de debates nas escolas, por exemplo, nas aulas de biologia sobre repro-dução abordar o tema da violência sexual contra as mulheres’’.

A origem da violência sexual e a re-sistência à legalização do aborto, de acordo com a estudante, concentra-se na cultura do estupro e na hiper sexualização que inclui até as crianças. O simbolismo, como o samba, mulheres, turismo sexual, associado à imagem brasileira em âmbito internacional é um refle-xo dessa mentalidade. Além disso, ‘’Brasil é um país muito contraditório, a venda do corpo feminino e o estimulo da libido masculina são constantes, porém, ao mesmo tempo, o sexo é um tabu’’. A exclusão da mulher em questões sexuais é reforçada pelo Estado, ‘’o governo distribui camisinhas masculinas, mas não distribui pílulas’’.

DebateCONTRAPONTO

“O estadO nãO tem O direitO de intervir nO cOrpO da

mulher’’

(júlia evanGelista)

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21CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por letícia todescoNos meios acadêmicos, alimentos geneticamente modificados

produzem, em geral, reações críticas; mas as agroindústrias afirmam que as novas tecnologias ajudam a combater a fome

o futuro é transGênico?

Agrotóxicos, alimentos genetica-mente modificados, transgênicos

ou alimentos orgânicos? A população mundial até 2050 será 9 bilhões de habitantes, como alimentar todos? Debates sobre a produção agrícola e a composição dos alimentos es-tão em alta, a pergunta é no que devemos acreditar.

Se a população mundial continuar a crescer como espera a ONU, serão necessários 2 planetas e meio para sustenta-la. Antes, comer costumava ser simples, se a comida fosse boa, estávamos satisfeitos, mas a partir do momento que a ciência entrou em cena, sentar-se a mesa tornou-se uma experiência de laboratório. O experimento começa a ficar complicado quando falamos sobre modifica-ção genética. “Todos têm uma opinião sobre o assunto, mas quase sempre é baseada em rumores e na emoção, e não em dados cien-tíficos” afirma o nutricionista Joe Schmarcz, autor do best seller Uma maçã por dia.

Toda nova tecnologia causa o medo, sabemos disso, por exemplo o avião, não pedi-mos que alguém nos garanta que o avião não irá cair para subirmos a bordo, pelo contrario, “voamos porque sabemos que os benefícios são maiores que os riscos. É assim que deve-mos olhar para os alimentos geneticamente modificados”.

É claro, há muita controvérsia sobre a modificação genética, mas mesmo nos pro-cessos naturais é possível criar substâncias indesejadas. Já pensou que se uma planta é resistente a insetos, é porque ela possui mais toxinas do que outras e ninguém sabe quais são suas consequências para o homem.

Uma analogia simples, e que pode solucionar muitas dúvidas quanto as novas tecnologias é: quando ficamos doentes o corpo humano não funciona bem, pois uma parte da sua energia está voltada para combater um vírus ou bactéria, as plantas funcionam da mes-ma maneira, pois lutam contra ervas daninhas, insetos e pragas e ainda produzem. Se elas não gastassem energia lutando contra pragas produziriam o dobro, e é exatamente isso que a modificação genética procura fazer.

Dar recursos à planta para que está tenha apenas um foco: produzir. Segundo estudo da FAO (Food and Agriculture Orga-nization of the United Nations, órgão da ONU para agricultura e alimentação), sem produtos como pesticidas, herbicidas, e a modificação genética, 40% dos alimentos iriam sumir, imaginem o impacto que isso produziria eco-nomica e socialmente.

Como aumentar a produtividade em quase 100% sem devastar mais terras? A resposta pode parecer simples, mas há um todo um problema de cadeia por trás dela,

investir nos pequenos produtores. São eles que produzem cerca de 25% do alimento mundial, com o mínimo de incentivo eles podem aumentar a produção em 50%.

Estão concentrados nos pequenos produtores a principal esperança de atingir a meta com relação a crise da alimentação, mas para isso o ciclo urbano/ rural deve começar a conversar. Para a maioria das pessoas da cidade o alimento simplesmente brota no supermercado, não há uma preocupação em se pensar em como esse alimento chega lá, quanto dele é perdido durante o transporte, e o quanto a sua compra irá dar de lucro para um pequeno produtor.

A chamada “segurança alimentar” trabalhar dentro de três pilares: tecnologia, terra e qualidade de vida para o produtor (que só será alcançada se ele obter lucro, não vamos nos enganar, vivemos em um mundo capitalista onde até o aspecto mais trivial é pensado a partir do lucro). Veja a imagem,

o azul é a plantação sem o uso de produtos, o verde com o uso de alguns e o laranja com todo o potencial de produtos. Culturas como o algodão, com um pouco de insumos aumenta sua produtividade em mais de 50%.

A tecnologia está em nossas mãos para trazer benefícios aos homens, quando os celulares surgiram falavam que causava câncer, hoje 90 % da população anda 24 horas por dia com ele grudado. Há toda essa questão dos produtos agrícolas, mas eles estão ai para criar alternativas viáveis para a situação que nos encontramos atualmente e para que tenhamos como alimentar a po-pulação crescente daqui 20 anos . A ciência não é um fim, em si mesma e ninguém pode dizer o que vai acontecer daqui 50 anos, a questão é temos que aproveitar ao máximo o momento tecnológico que vivemos para educar e capacitar não só os agricultores, como o público urbano.

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DA: Defensivo Agrícola

Page 22: Contraponto Nº 93

CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Antônio Cândido, em depoimento no Simpósio Graciliano Ramos, em

comemoração aos 75 anos do livro Angús-tia, diz que, para ele, os livros de Graciliano Ramos, e de outros autores de sua geração, foram de grande importância como forma de descobrir o Brasil, e que o aproximaram do pobre o do desvalido. Nessa linha de descobrimento do Brasil, cabe questionar “quem é o brasileiro?” e “o que significa ser brasileiro?”, e um número expressivo de pensadores já tentou definir a identidade do nosso povo, e muitas as conclusões chegadas levaram a entender que o povo brasileiro ainda não está definido, e que continua num contínuo processo de se fazer e de construir sua personalidade.

Em O Povo Brasileiro, Darcy Ribeiro diz que “nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ninguen-dade”. E o que seria essa ninguendade? Uma análise de Fabiano, personagem do Graciliano Ramos no livro Vidas Secas pode nos ajudar a compreender.

Publicado em 1938, Vidas Secas é um romance regionalista que retrata a história de uma família de retirantes do sertão brasileiro. Para Mariza Werneck, professora do departamento de Antropologia da PUC-SP, em Fabiano encontramos sua ninguendade representada por seu rebaixamento a uma condição quase animal; sua linguagem é escassa, marcada principalmente por gestos e onomatopeias e ele apresenta dificuldade de manter-se na posição ereta.

Cada ponto de ônibus de São Paulo é um microcosmo da própria cidade. Durante curtos espaços de tempo, as aglo-

merações nos pontos ilustram a heterogeneidade de perfis de uma metrópole. Toda a diversidade, porém, é condensada em uma única atmosfera, que também reflete o sentimento geral de quem vive os dias cinzentos e ruidosos de São Paulo: a ansiedade transvestida de indiferença, preocupação incitada por indi-vidualismo, e frustração atenuada por leviandades.

Entretanto, em uma miniatura específica, o ponto de ônibus (sentido norte) da Av. Paulista com a Av. Brigadeiro Luis Antônio, o ambiente comum de uma manhã qualquer foi rompido por alguns instantes. Os olhares opacos e as posturas retraídas daqueles que esperavam a condução se dirigiram à rua, em sincronia, percebendo uma figura estranha que destoava da monotonia matutina.

Uma mulher jovem, branca, com cabelos compridos e emaranhados, cruzava as faixas da Paulista descontrai-damente, ignorando a aproximação dos automóveis, que usufruíam da rara velocidade proporcionada pelas primeiras horas da manhã. A luz verde refletida nas latarias lustrosas expunha o absurdo da situação, enquanto os motoristas desviavam de maneira brusca da andarilha, buscando passar pelo sinal aberto. Logo, um engarrafamento considerável se formou, com carros de todos os tipos parados em direções opostas e buzinas dissonantes soando arbitrariamente.

A jovem não pareceu se importar com o caos ao seu redor. Parada no meio da avenida, sorria e murmurava frases inaudíveis. Soltou uma larga risada enquanto passava os dedos pelos cabelos. Permaneceu no mesmo lugar enquanto os motoristas se desenroscavam e continuavam seu caminho, com menor velocidade, para evitar acidentes e ter tempo de gritar frases ofensivas à mulher.

A tal atmosfera que havia se quebrado, era remendada inconsciente-mente pelas pessoas do ponto de ônibus, que se esforçavam para mostrar impassibilidade diante da cena à sua frente, desviando os olhos, procurando as horas, mexendo nas suas coisas. O súbito estouro da bolha que as protegia

do mundo e sua realidade fria, trancando-as em seu próprio ego, era insustentável. Preferiam ignorar a catarse da moradora de rua, agarrando-se em sua normalidade, conformando-se com o susto, rezando pelo fim daquilo tudo.

A mulher, no entanto, desdenhava do incômodo de todos com piruetas desen-gonçadas. Segurava com ambas as mãos o vestido roxo esfarrapado que vestia, apesar do clima pouco tropical do inverno paulis-tano, e no último giro levantou-o, expondo seu corpo nu. Peitos, barriga, bunda e vagi-na, estamparam por um segundo infinito o cartão postal da cidade de São Paulo.

Uma senhora negra, carregando sacolas de compras e uma bolsa à tiracolo,

quebrou o silêncio incrédulo do ponto de ônibus com voz esganiçada: “Minha nossa senhora!”. Então, a moradora de rua abaixou seu vestido e se dirigiu cambaleante à calçada oposta da avenida, se perdendo na multidão.

Um ônibus se aproximou e a senhora correu para se enfiar no funil de gente que se formava em sua porta. Mas nem a agitação cotidiana foi o suficiente para distraí-la do que havia presenciado. A ansiedade, preocu-pação e frustração do dia-a-dia vieram à tona, e nada mais fazia sentido; a jovem nua havia dançado na cara de todos e exposto, naquele momento, a banalidade de suas vidas.

“Fabiano, você é um homem” afirma Fabiano para si mesmo em uma passagem do livro. Mas rece-oso de alguém o tivesse ouvido proferir tal blasfêmia, se redime afirmando “Você é um bicho, Fabiano. Sim senhor, um bicho capaz de vencer dificuldades”, e assim se satisfaz definindo-se como um bicho. “Vivia longe dos homens e só se dava bem com animais”.

Mas não somente Fabiano é marcado pela nin-guendade no livro. Seus filhos, que são referidos apenas como “menino mais velho” e “menino mais novo” nem nome possuem; e, assim como o pai, andam gingando, nunca eretos, e praticamente não falam. Na própria obra não se encontram diálogos diretos dos dois, ape-nas indiretos. Em todo o livro a linguagem é escassa, e os diálogos entre os personagens são marcados por expressões guturais e gestos. E são diversas as passagens do livro nas quais os personagens são definidos como animais. “Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos”. E Fabiano ao pensar sobre si mesmo “estava escondido no mato como tatu. Duro e lerdo como tatu”, e os filhos “precisavam ser duros, virar tatu”.

Fabiano, contudo, nas palavras de Mariza Wer-neck, cultiva um dos mais raros e preciosos dons do

homem: o direito à esperança. É nela que ele, sinha Vitória e os meninos se humanizam. Do início ao fim, a dura existência da família é regada de esperanças e desejos; Fabiano abandona sua condição animal na medida em que busca e sonha, para si e para sua família, melhores condições de vida, mostrando seu heroísmo na forma tenaz com que lida com as adver-sidades que lhe são impostas por sua sorte.

fabiano: “ninGuendade” e esperança

piruetas na paulista

Por clara cabral de magalhães

Por Júlia dolce

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Vidas secas Autor: GrAciliAno rAmos

EditorA: rEcord, 2013, 176 páGinAs

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Page 23: Contraponto Nº 93

23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Por Bia avila

■ Manifestantes são libertados após 40 dias de prisão

O professor Rafael Lusvarghi e o estudante Fábio Harano foram sol-tos no último dia 7, após passarem mais de um mês na cadeira. Após participarem de um protesto contra a Copa do Mundo na Avenida Paulista, no dia 23 de junho, os dois foram presos “em flagrante” por incitação à violência, dano ao patrimônio e posse de artefatos supostamente explosivos.

Os laudos da perícia, divulgados em agosto, mostraram que os ob-jetos apreendidos pela PM eram inofensivos e que não tinham qualquer potencial de destruição. Além disso, a defesa dos manifestantes alegou que não há fotos ou vídeos que mostram qualquer comportamento violento durante os protestos, e que, portanto, não há provas contra as outras acusações.

O juiz responsável pelo caso, Marcelo Matias Pereira, havia negado os pedidos de liberdade para Lusvarghi e Hideki na semana an-terior, classificando-os como “black blocs” de “esquerda caviar” (expressão que descreve pessoas que se dizem socialistas, mas que usufruem de confortos do capitalismo).

■ Epidemia do vírus ebola mata mais de mil

O número de mortes provocadas pelo vírus ebola é superior a mil, segundo dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). São quase 1900 casos registrados até agora.

A doença, descoberta em 1976, mata até 90% das vítimas. Pelas características da infecção, são poucas as chances de ocorrer uma disseminação global. Ocasionalmente há surtos em países africanos, mas nunca houve uma epidemia tão extensa, algo que preocupa a OMS.

Os profissionais de saúde que tratam a doença e os funcionários de necrotérios são grupos com maior risco de contrair a doença, caso não tomem as precauções necessárias ao lidar com os infectados.

A epidemia da doença atinge países da África Ocidental, sendo a maioria das vítimas de países como Guiné, Libéria e Serra Leoa. A situação levou a OMS a de-cretar situação de emergência de saúde pú-blica mundial. Até agora, não há tratamento licenciado ou vacina contra o vírus.

■ Minhocão será desativado

Considerado um fracasso urbanístico, o Elevado Costa e Silva, popu-larmente conhecido como “Minhocão”, será progressivamente desativado, prevê o recém-aprovado Plano Diretor de São Paulo.

O projeto não determina em quanto tempo o elevado deve ser desativa-do, e nem o que será feito com ele. Há possibilidade de transformá-lo em parque - o local já é utilizado para lazer e esportes durante os finais de semana, quando é fechado para veículos. Outra solução seria demolir a estrutura.

Sancionado pelo prefeito Fernando Haddad, o Plano Diretor, em vigor desde o fim de julho, traça o crescimento da cidade pelos próximos 16 anos. Além dos planos para a mobilidade urbana, as diretrizes estabelecem prédios com mais moradores em áreas próximas ao centro. Outro avanço foi a demarcação de áreas centrais como Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), regiões que ficarão reservadas para a população de até 3 salários mínimos. Além disso, cerca de 2 mil ocupações e loteamentos deverão ser regularizados.

ANTENA

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■ UFMG expulsa aluno envolvido em trotes violentos

A Universidade Federal de Minas Gerais expulsou um estudante da Faculdade de Direito que se envolveu em um trote opressivo no ano de 2013. Outros três alunos foram suspensos por um semestre por promoverem “brincadeiras” agressivas e que faziam apologia ao nazismo.

O caso ficou conhecido após a repercussão de fotos da recepção de calouros de 2013. Em uma das imagens, uma jovem aparece pintada de preto, acorrentada e com uma placa de papel em que se lê “ca-loura Chica da Silva”. Um veterano aparece na imagem segurando as correntes e sorrindo para o fotógrafo. Em outra, quatro estudan-tes dazem a saudação nazista - mão esticada para frente.

A UFMG, após analisar as imagens, considerou que essas “são repul-sivas e remontam a si-tuações simbólicas de discriminação histórica, além de atentar contra as conquistas da liber-dade, igualdade e di-versidade garantidas ju-ridicamente, o que não pode ser olvidado, especialmente em uma faculdade de direito”.

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Desativação do “Minhocão”

Caloura “Chica da Silva”

Rafael Lusvarghi e Fabio Harano: vítimas do Estado

Epidemia de Ebola na África Ocidental

Page 24: Contraponto Nº 93

CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2014

Brisa Noronha, também modelo e estu-dante de Jornalismo da PUC-SP, por sua vez, enxerga a influência da moda na sociedade em geral de uma maneira um pouco diferente. Se-gundo ela, essa seria uma influência consentida, pois “tudo que rodeia o padrão estabelecido pela indústria, só se reflete e perpetua no ‘mundo real’ porque as pessoas compram a idéia, gostam de ter uma ‘direção’ para mudar o corte do cabelo e comprar roupas novas, por exemplo”, afirma.

Sacrifícios – Uma vez que esta indústria trabalha com imagens e estereótipos muito li-mitados, é fácil para os modelos inseridos neste meio sentirem-se inferiorizados por não alcan-çarem os números ditos ideais. Por falta de três centímetros na altura ou por apenas dois quilos a mais, profissionais têm trabalhos negados e, então, são colocados numa posição de des-vantagem. Assim, muitos começam a perseguir incessantemente o enquadramento, fazendo diversos sacrifícios para alcançá-lo.

Brisa contou ao Contraponto que para conseguir sua primeira viagem internacional, a Tokyo, foi informada que deveria perder 3 cen-tímetros de quadril e para isso fez uma dieta. O

queM é bela(o)?

Sociedades, no geral, são regidas por determinados padrões. Atualmente, é

fácil perceber que faz parte deste conjunto o fami-gerado padrão de beleza. Trata-se de uma espécie de manual criado por revistas, pro-pagandas, e até mesmo por alguns profissionais para que seja seguido um ideal de beleza. São regras que, basicamente, dividem as sociedades em dois grupos: um que se encaixa nestes padrões e outro que não, sendo o primeiro visto como positi-vo e o segundo como negativo, na maioria dos casos. Assim, abrem-se caminhos para a perpetuação dos mais diversos tipos de preconceitos, além de problemas de saúde, como anorexia e até mesmo depressão.

Um padrão de beleza pode ser sutilmente alterado, de acordo com as diferentes estações e tendên-cias. Ainda assim, é nítida a prevalên-cia da magreza e de altura elevada como requisitos para se inserir no meio da moda e tem chances na indústria alguém que se encaixa neste padrão, mais abrangente. A cada ano, entretanto, um determinado tipo de beleza ganha evidência e, a partir disso, a indústria dita aos mo-delos o mesmo padrão que dita ao resto da sociedade. Os profissionais dependem deste enquadradramento para conseguir sobreviver financeira-mente. Já a sociedade como um todo acaba seguindo-o devido ao fato de ser bombardeada diariamente, por todos os meios de comunicação, com ideias de que apenas quem se enquadra em tais padrões pode ser feliz, bem sucedido e desejado.

O modelo e estudante de Jornalismo da PUC-SP, Fernando Pietrobom, afirma que hoje, por estar afastado da indústria da moda, consegue enxergar os padrões impostos por ela de duas maneiras distintas: “Como modelo, acho que o padrão de beleza é necessário, porque algumas marcas o exigem. Mas também vejo agora que é um padrão muito exagerado, que na maioria das vezes só expõe algo que não deveria existir”. O modelo também alega que, ao se afastar e ganhar alguns quilos, se sentiu extremamente mal e passou a ter momentos intensos de sofrimento, que até hoje o assombram: “As vezes me olho no espelho e vejo uma imagem que sei que não é a real. Me vejo bem acima do peso, e isso me da medo”.

Por andressa vilela, mariana castro e marina campos

processo foi visto por seus amigos como sacrifício. Ela, entretanto, enxerga como algo necessário para alcançar um objetivo: “Não passava vontade nenhuma porque não pensava no que estava dei-xando de comer e sim na minha viagem.” Brisa relata ainda que, após a viagem ao Japão, encontrou dificuldade em voltar a comer nor-malmente. Além disso, a magreza não lhe trouxe um aumento nos trabalhos e isso só a pressionou mais: “Demorei muito tempo para equilibrar minha alimentação nova-mente e conseguir comer um prato de massa sem culpa.”, desabafa a modelo. Fernando, por sua vez, en-cara tais esforços como sacrifício e afirma que o máximo que chegava a fazer era passar 24 horas a base de uma maçã e um tomate, além de fazer exercícios físicos durante seis horas em um único dia.

Neste sentido, a indústria da moda pode ser ligada não só à questões que dizem respeito à per-petuação de estereótipos, mas tam-bém à prejuízos físicos e mentais. Segundo relatos feitos a este jornal, diversos modelos tomam remédios para perder o apetite ou acelerar o metabolismo e, na maioria das vezes, sem qualquer acompanha-mento médico. Na opinião de Brisa, estar no meio da moda exige muita maturidade. “É um mercado duro que lida com a vaidade e com so-nhos de meninas na maioria muito novas. É difícil equilibrar tudo isso

com saúde (mental e física), mas é perfeitamente possível”, pontua a modelo.

Apesar da visão dos modelos inseridos neste mercado de trabalho ser a de entender a necessidade da existência de um padrão de beleza, visto que seus contratantes o seguem, é necessário questionar até que ponto este conjunto de regras é benéfico para a sociedade como um todo. Marcas, sejam elas de roupas, bebidas, produtos de limpe-za ou higiene, continuam reforçando estereótipos de beleza e, mais do que isso, sempre ligando-os ao sucesso pessoal, profissional e afetivo das pessoas que os seguem.

É necessário, então, questionar não só esses padrões, como também as marcas que os reproduzem, que vão muito além da indústria da moda. Muitas vezes, elas deixam de representar determinado grupo de pessoas devido ao fato desses não se identificarem com o que é veicu-lado: mulheres, homens e crianças brancos, com biotipo magro, cabelos lisos e olhos claros. Este questionamento, portanto, se faz necessário para que cada vez mais criações deixem de lado as ideias de senso comum e comecem a explorar a diversidade humana.

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Modelos questionam padrões das passarelas

Indústria da modaCONTRAPONTO

“as vezes me OlhO nO espelhO e vejO uma imaGem

que sei que nãO é a real. me vejO Bem acima dO pesO, e issO me dá medO”

(fernandO pietrOBOm, mOdelO e estudante de jOrnalismO da puc-sp)