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CONSULTA
Caso Prático:
Servidoras nomeadas no Legislativo Municipal para ocuparem
cargos em comissão antes da promulgação da Constituição Federal de 1988,
contudo, após o dia 05/08/1983;
Enquadradas em cargo de provimento efetivo por intermédio da
Portaria nº 6702/1991, editada pelo Presidente do Legislativo à época;
Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual
contra o ato de enquadramento em cargo efetivo sem a realização de concurso
público com decreto de procedência em 2ª instância, transitada em julgado em
26/12/2012, reconhecendo a nulidade do citado enquadramento;
Servidoras desligadas do RPPS do Município por ato do
Presidente do IPREF – portaria nº 076/2013 (doc. anexo);
Lei Municipal nº 7382/2015 (doc. anexo) editada para
restabelecer a situação dos cargos anteriores à edição da Portaria nº 6702/1991,
cuja constitucionalidade foi atacada pela ADI nº 2256462-37.2015.8.26.0000,
pendente de julgamento de Recurso Extraordinário (extrato de andamento
anexo);
Portaria nº 080/2015-IPREF (doc. Anexo) restabeleceu o vínculo
das servidoras com o RPPS procedendo-se ao repasse das contribuições
previdenciárias do período em que estiveram desligadas;
Editada Lei Municipal nº 7475/2016 (doc. Anexo) de teor
praticamente idêntico ao da Lei Municipal nº 7382/2015, contudo, este diploma
também teve a sua constitucionalidade questionada por intermédio da ADI nº
2189942-61.2016.8.26.0000, cujo julgamento foi incluído em pauta para o dia
22/02/2017;
Análise preliminar detectou que as servidoras em questão
preenchem os requisitos para aposentadoria com fundamento no artigo 3º, da
EC nº 47/2005, contudo, a Lei nº 7475/2016 encontra-se com a eficácia
suspensa em razão de liminar concedida nos autos da ADI supradita.
Em 27/01/2017 as servidoras protocolaram requerimentos
incidentais em seus processos de administrativos de aposentadoria reiterando o
pleito inicial sob o argumento de que a aposentadoria é um direito social
consagrado no artigo 6º, da Constituição Federal, que o vínculo previdenciário
com o IPREF ainda está ativo e ainda, que já preenchem os requisitos
necessários à obtenção do benefício previdenciário.
Questionamento:
1. Em se tratando de servidoras ocupantes de cargo em comissão,
poderão obter benefício previdenciário do RPPS ainda que as
legislações que visavam regular as relações previdenciárias com o
Instituto estejam com a eficácia suspensa?
2. Caso haja desfecho desfavorável no julgamento das ações
supracitadas, o Instituto deverá revogar os benefícios concedidos?
Haverá necessidade de restituição desses valores por parte das
servidoras?
Resposta:
As questões submetidas pelo Instituto consulente à nossa apreciação
são especialmente relevantes, porquanto dizem respeito às
implicações do regime jurídico-funcional no regime previdenciário.
De se destacar que o regime jurídico-funcional constitui o conjunto de
normas que regulam a relação jurídica entre a Administração Pública e
o servidor. É o regime de trabalho do servidor.
De sua vez, o regime previdenciário consiste no conjunto de normas
que regulam a relação jurídica entre o órgão gestor desse regime e o
servidor. È o regime de previdência a que se submete o servidor.
No caso em apreço, embora haja questionamento judicial sobre a
relação jurídica das servidores com a Administração, não há oposição
em relação á relação previdenciária das interessadas.
De fato, independentemente da situação funcional em que se
encontram as servidoras, elas se mantêm vinculadas ao regime próprio
/de previdência do Município.
Sobre a vinculação dos servidores, titulares de cargo em comissão, que
ingressaram no serviço público, anteriormente à EC 20/98, ao regime
próprio de previdência, em outra oportunidade aduzimos que, por
ocasião da edição da EC 20/98, o tema da inclusão dos servidores
estáveis, independentemente da titularização de cargos efetivos, no
regime próprio de previdência social dos servidores efetivos, foi
amplamente discutido, tendo recebido, inicialmente, parecer do
Ministério da Previdência (Parecer/CJ no 2281/2000), no sentido de
que a partir de outubro de 1998, data da publicação da MP 1.723/98,
os servidores estáveis e não efetivos, os servidores não estáveis e não
efetivos, os servidores titulares, exclusivamente, de cargos em
comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, e os
temporários não podem ser ou continuar vinculados a um regime
próprio de previdência social, pois são obrigatórios do RGPS.
Por sua vez, a Advocacia Geral da União no parecer GM nº 30,
publicado no DOU de 3 de abril de 2003, discordou do Parecer do
Ministério da Previdência e concluiu que são alcançados por tal regime
os servidores públicos estáveis, bem como aqueles
estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT e aqueles que,
mantidos no serviço público e sujeitos ao regime estatutário,
não preencheram os requisitos mencionados na referida
disposição transitória, alcançando, portanto, os estáveis e
efetivados, os estáveis e não efetivados e os não estáveis nem
efetivados.
O mencionado parecer da Advocacia Geral da União, devidamente acolhido pelo Presidente da República e publicado no DOU, passou a
ser de observância obrigatória para todos os entes da Administração Federal, inclusive ao órgão gestor do RGPS, conforme determina o art.
40, § 1o, da Lei Complementar no 73/93.
A Secretaria de Políticas de Previdência Social, em cumprimento ao parecer, equacionou a questão nas sucessivas orientações normativas
por ela expedidas, dispondo que até 15.12.1998, o servidor público,
ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão, de cargo temporário, de emprego público ou mandato eletivo poderia estar
vinculado a RPPS, desde que a lei do ente federativo assegurasse,
no mínimo, aposentadoria e pensão por morte a esses agentes públicos.1
Nessa mesma linha, o Decreto Federal no 3.048, de 1999, dispôs, em seu art. 9o, constituírem segurados do RGPS, entre outros:
o servidor da União, Estado, Distrito Federal ou Município,
incluídas suas autarquias e fundações, ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de
livre nomeação e exoneração;
o servidor do Estado, Distrito Federal ou Município, bem como o
das respectivas autarquias e fundações, ocupante de cargo efetivo, desde que, nessa qualidade, não esteja amparado por
regime próprio de previdência social;
o servidor contratado pela União, Estado, Distrito Federal ou Município, bem como pelas respectivas autarquias e fundações,
por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do
inciso IX do art. 37 da Constituição Federal;
o servidor da União, Estado, Distrito Federal ou Município, incluídas suas autarquias e fundações, ocupante de emprego
público.
Dessa forma, aqueles entes federativos que, à data da edição da EC no 20/98 mantinham aposentadoria e pensão, para esses servidores
titulares de cargos em comissão, e que já estavam no serviço público (até 16.12.98), não precisaram submetê-los ao regime geral de
previdência.2
Para aqueles servidores nomeados a partir de 16 de dezembro de 1998, entretanto, o regime obrigatório é sempre o RGPS.
Outros entes federativos, apesar da orientação normativa fixada pelo
1 Orientação Normativa nº 3, de 13 de agosto de 2004, Orientação Normativa nº 1, de 23.01.2007 e Orientação
Normativa nº 2, de 31.03.2009. 2 Alguns entes federativos, apesar da disposição regulamentar federal, submeteram todos os titulares de cargos em comissão ao RGPS, independentemente da data de ingresso desses servidores no serviço público.
Ministério da Previdência Social, submeteram todos os seus servidores, titulares de cargos em comissão, exclusivamente, ao RGPS,
mesmo aqueles que ingressaram antes da EC 20/98.
Ante a diversidade de tratamento que os entes federativos adotaram em relação aos servidores comissionados que ingressaram no serviço
público antes da EC 20/98, é certo dizer que, com fundamento no
citado parecer GM 30, não há óbice em mantê-los no RPPS, pois a eles a Administração Pública, por serem estatutários, garantia
aposentadoria e pensão.
Fato esse que comprova a situação funcional e previdenciária desses servidores, é que há, atualmente, 10 servidores aposentados e um
pensionista, cujos benefícios previdenciários decorreram da situação de titulares dos cargos em comissão integrantes no quadro de pessoal
da Câmara Municipal de Guarulhos, anteriormente à Constituição Federal de 1988.
Em suma, é possível manter-se o servidor, titular
exclusivamente de cargo em comissão, que ingressou no serviço público até 16.12.98, no regime próprio de previdência,
desde que a lei local lhes garantisse, mesmo antes da EC 20, os
benefícios da aposentadoria e pensão.
Nesse sentido, os servidores municipais abrangidos pelas sucessivas
leis e atos normativos que equivocadamente lhes concedeu cargo
efetivo, não tiveram sua relação jurídica-previdenciária com o IPREF questionada, tanto assim que estão vertendo contribuição
previdenciária ao regime e muitos já se encontram aposentados.
Os servidores ingressaram na Câmara nesses cargos nos idos de 1980, sob a égide da Constituição Federal de 1967, alterada pela EC 1/69,
que prescrevia a necessidade de concurso público para a primeira investidura, possibilitando, inclusive, a contratação dos servidores
temporários ou de função de natureza técnica especializada, conforme a disposição do art. 106, com a seguinte redação:
Art. 106. O regime jurídico dos servidores admitidos em
serviços de caráter temporário ou contratados para funções de natureza técnica especializada será estabelecido em lei
especial.
Para os cargos em comissão, não havia nenhuma exigência de
atribuições específicas. Assim, muitos entes federativos, inclusive o Legislativo, nomeavam para cargos em comissão cujas atribuições não
eram pautadas na fidúcia entre a Administração Pública e os
nomeados, que permaneciam, prestando funções permanentes, no serviço público por longo tempo.
Isso veio a repercutir na Emenda Constitucional 19/98, já sob a égide da Carta Republicana de 1988, que alterando o art. 37, V, determinou
que os cargos em comissão seriam destinados, somente, à direção, chefia e assessoramento, conforme se vê:
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por
servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos
casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento
Remarque-se que o art. 19 do ADCT considerou estáveis os servidores
que não tinham feito concurso público até cinco anteriores à edição da Constituição Federal de 1988 e aos titulares de cargos em comissão
admitiu a estabilidade, desde que servidores.
A situação excepcional desses servidores merece ser reconhecida,
posto que sua admissão no município não foi calcada na confiança estrita, e, assim, permaneceram após a Constituição Federal de 1988
até hoje.
Na verdade, somente o enquadramento jurídico formal (o nomen juris) de suas funções são de confiança, mas na verdade desempenham há
longo tempo, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, funções permanentes, nada ligadas à fidúcia.
Não por outra razão, o art. 19 do ADCT garantiu a estabilidade não somente aos admitidos em funções nominalmente administrativas,
mas aos titulares de cargo em comissão, quando servidores. É que a Constituição Federal, inaugurando o acesso a qualquer cargo efetivo
por concurso público, preocupou-se em garantir àqueles que durante anos prestavam serviço à Administração Pública, o direito de nela
prevalecer.
Essas peculiares situações têm sido consideradas pela Administração,
tanto assim que, para subsunção desses servidores a um regime jurídico previdenciário, a Administração Pública admite não terem
esses cargos a natureza de cargo em comissão e tem garantido a esses servidores a qualidade de estabilidade no serviço público, para efeito
de permanência na Administração Pública.
Esse foi o procedimento adotado pelo Município de São Paulo, na Lei nº 13.973/2005, quando, no art. 35, reconheceu a estabilidade dos
titulares de cargo em comissão cujas atribuições não estão ligadas à fidúcia que deve existir entre nomeante e nomeado, no caso de cargos
em comissão típicos.
Também a Lei Complementar nº 1.010/2007, que dispôs sobre a
criação da São Paulo Previdência – SPPREV, estabeleceu que - independente de terem se submetido a prévio concurso público - são
titulares de cargos efetivos os servidores admitidos para o exercício de função permanente, inclusive de natureza técnica, nos termos da Lei
nº 500/74, bem assim qualquer outro servidor que tenha sido admitido para essas funções.
Ora, pois, a situação dos servidores cujos cargos foram restabelecidos pela Lei nº 7.475/2016 não é diferente da ostentada pelos servidores
do Município de São Paulo ou dos servidores do Estado de São Paulo. Embora sempre ostentassem cargos de provimento em comissão, a
natureza das funções por eles exercidas, permanentes, sem nenhum elo de confiança entre qualquer dos agentes políticos da Câmara
Municipal de Guarulhos.
Assim, a despeito da ação judicial em curso, onde se questiona a
relação jurídico-funcional das servidoras, essas mantêm sua relação previdenciária em vigência, contribuindo normalmente para o IPREF e
o direito à aposentadoria, a nosso ver, não pode ser negado.
Situação análoga existe com relação à Lei federal no. 8.1123, que acabou por efetivar os servidores celetistas que estavam na
Administração Pública federal por ocasião de sua edição, em 11 de dezembro de 1990, independentemente de terem ou não se submetido
a concurso público de ingresso.
Não obstante a constitucionalidade do dispositivo esteja sendo
questionado na ADI 2968, até onde se sabe os servidores por ele abrangidos estão exercendo suas funções normalmente e inúmeros
têm logrado aposentar-se sem nenhum questionamento!
Essas situações, consolidadas no tempo, têm merecido dos Tribunais Judiciais o necessário sopesamento e as decisões têm reconhecido que
os efeitos de fato que a norma inconstitucional produziu não podem
ser suprimidos sumariamente.
3 Lei nº 8.112/90, art. 243.
Com efeito, tal sopesamento implica avaliar, em cada caso, qual o princípio constitucional que deve prevalecer: se o da legalidade ou o
da segurança jurídica, em sua faceta subjetiva, denominada de princípio da proteção da confiança, que se apresenta como certeza do
direito.
O princípio da segurança reflete uma previsibilidade da ação estatal.
Segundo Almiro de Couto e Silva4, nas relações jurídicas, as partes
nelas envolvidas devem proceder corretamente, com lealdade e lisura, em conformidade com o que se comprometeram e com a palavra
empenhada (a fides como fit quod dicitur da definição ciceroniana) que,
em última análise, dá conteúdo ao princípio da segurança jurídica, pelo qual, nos vínculos entre o Estado e os indivíduos, se assegura uma
certa previsibilidade da ação estatal, do mesmo modo que garante o respeito pelas situações constituídas em consonância com as normas
impostas ou reconhecidas pelo poder público, de modo a assegurar a estabilidade das relações jurídicas e uma certa coerência na conduta
do Estado.
A segurança jurídica - diz o professor -, embora em íntima conexão com a boa-fé, apresenta conteúdo próprio e autônomo que, por sua
vez, também se ramifica em duas partes: uma de natureza objetiva,
que implica limites à retroatividade dos atos do Estado, dizendo respeito à proteção do direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à
coisa julgada; e outra, de natureza subjetiva, que concerne à proteção à confiança das pessoas em relação aos atos, procedimentos e
condutas do Estado, em todas as suas esferas de atuação.
Enfim, a proteção da confiança prende-se predominantemente à questão da preservação dos atos manifestamente inválidos, por ilegais
ou inconstitucionais, ou, pelo menos, dos efeitos desses atos, quando indiscutível a boa-fé.
Arremata, afinal, o mestre, que o princípio da proteção da confiança, ao lado do princípio da segurança jurídica, são pilares da ordem
jurídica, na medida em que, voltados à manutenção do status quo ante, evitam que as pessoas sejam surpreendidas por modificações do
Direito Positivo ou na conduta do Estado, mesmo quando manifestadas
4 SILVA, Almiro do Couto e. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o Prazo Decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei n. 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, a. 2, n. 6, jul./set.
em atos ilegais, que possa ferir os interesses dos administrados ou frustrar-lhes as expectativas.
O Supremo Tribunal Federal, apesar de declarar a inconstitucionalidade em abstrato de certos diplomas legais, em observância aos princípios
da segurança jurídica e da boa-fé, tem mantido hígidas situações jurídicas concretas constituídas sob a égide da norma inconstitucional,
situações essas que guardam semelhança com a hipótese tratada nesta ação.
Assim, no MS nº 29.305, ajuizado pelo Sindicato dos Trabalhadores do
Judiciário Federal no Estado de São Paulo, ante a violação do art. 37,
II, da CF, decidiu pela mantença dos servidores acessados inconstitucionalmente, fazendo prevalecer o princípio da segurança
jurídica e a boa-fé.
Confira-se a ementa do acórdão:
CONTROLE EXTERNO – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – MOVIMENTAÇÃO FUNCIONAL – FATOR TEMPO – CONTRADITÓRIO.
O ato de glosa do Tribunal de Contas da União na atividade de controle externo, alcançando situação constituída – ocupação de
cargo por movimentação vertical (ascensão) –, fica sujeito ao prazo decadencial de cinco anos previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 e ao princípio constitucional do contraditório, presentes a
segurança jurídica e o devido processo legal. (MS 20.305, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, p. 05.06.2012)
SERVIDOR PÚBLICO: PROVIMENTO DERIVADO:
INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. I. – A Constituição de 1988
instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a
progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos — 1987 a 1992 —, o entendimento a respeito do tema não era
pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33,
IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro
Moreira Alves, “DJ” de 25.6.1999. II. – Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos
que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais
vantagens do desfazimento dos atos administrativos. III. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. – RE conhecido, mas
não provido (RE 442683/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJe. 24.03.2006)
Mister destacar excerto do voto do Ministro Relator que bem pontifica
que apesar de uma norma ser inconstitucional, é possível a preservação dos efeitos por ela produzidos, tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social.
“... O acórdão tem natureza constitutiva-negativa ou
desconstitutiva; a eficácia é erga omnes e o efeito fixado pro tempore: ex tunc, ex nunc ou pro futuro. O ato
inconstitucional é anulável e não nulo. Bem por isso e em boa hora, veio a lume a Lei 9.868, de 10.11.1999, que, no seu
art. 27, estabeleceu que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os
efeitos da declaração, decidir que ela só terá eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha
a ser fixado. Isto não deve ter sabor de novidade. Na pátria do efeito ex tunc, nos Estados Unidos, a Suprema Corte
admite o teor político do controle de constitucionalidade e que o ingrediente político da decisão tomada no controle de
constitucionalidade pode relativizar o princípio da retroação
ex tunc. O trabalho doutrinário do professor Sérgio Resende Barros é bastante esclarecedor (“O Nó Gordio do Sistema
Misto”, in “Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei 9.882/99”, Ed. Atlas,
2001, p. 180). No caso Linkletter vs. Walker, de 1965, “a Suprema Corte reconheceu que a questão da retroatividade
ou prospectividade dos efeitos do judicial review não corresponde a um princípio exarado na Constituição, mas a
uma prática jurisprudencial, que pode ser alterada, portanto, pela própria jurisprudência, se necessário” (Sérgio Resende
de Barros, ob. cit.). Nos casos Stevall vs. Denno e Gedeão, a Suprema Corte reiterou o entendimento. Anota a
Desembargadora Maria Isabel Gallotti, em excelente artigo de doutrina (“A Declaração de Inconstitucionalidade das Leis
e seus Efeitos”, RDA 170/18), que, “nos países que aderem à
doutrina da eficácia ex tunc”, “a retroação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, se levada a extremos,
por dar margem a sérias injustiças, bem como a perigosa
insegurança nas relações jurídicas, econômicas e sociais”. E acrescenta a ilustre magistrada que “a realidade é que, como
poderá Lúcio Bittencourt, ‘os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos, sumariamente, por
simples obra de um decreto judiciário’”. (Lúcio Bittencourt,
“O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis”, Rio de Janeiro, Forense, 1949, p. 148). E, invocando Willoughby,
“conquanto a lei inconstitucional deva, sob o ponto de vista estritamente lógico, ser considerada como se jamais tivesse
tido força para criar direitos ou obrigações, considerações de ordem prática têm levado os tribunais a atribuir certa
validade aos atos praticados por pessoas que, em boa-fé, exercem os poderes conferidos pelo diploma posteriormente
julgado ineficaz” (Maria Isabel Gallotti, ob. e loc. cits.). Essa posição, registra Maria Isabel Gallotti, foi sustentada pelo
Ministro Leitão de Abreu, no RE 79.343/BA, destaco do voto do eminente e saudoso Ministro: “(...) Coincidentes as
opiniões quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, efeitos distintos conforme se tratar de
declaração de invalidade incidenter tantum ou de declaração
de nulidade em tese, a questão segunda, que se apresenta, tocante à nulidade ou anulibilidade da lei, isto é, da sua
nulidade ab initio ou a partir do ato declaratório da invalidade, não recolhe, quanto ao seu deslinde, total consenso dos
tribunais e de parte da doutrina. O Corpus Juris Secundum, reportando-se ao direito norte-americano, assim compendia
a diretriz aí dominante: ‘Em sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquer tempo, e a sua
invalidade deve ser reconhecida e proclamada para todos os efeitos ou quanto a qualquer estado de fato. Não é lei ou não
é uma lei; é algo nulo, não se reveste de força, não possui efeito ou é totalmente inoperante. Falando do modo geral, a
decisão, pelo tribunal competente, de que a lei é inconstitucional tem por efeito tornar essa lei nula e
nenhuma; o ato legislativo, do ponto de vista jurídico, é tão
inoperante como se não tivesse sido emanado ou como se a sua promulgação não houvesse ocorrido. É considerado
inválido ou nulo, desde a data da promulgação e não somente a partir da data em que é, judicialmente, declarado
inconstitucional’. Exposta, assim, a orientação dominante, acrescenta, todavia, o mesmo repositório, explicitado os
termos em que se coloca a opinião divergente: ‘Por outro
lado’ — prossegue — ‘tem sido sustentado que essa regra geral não é universalmente verdadeira; que existem muitas
exceções ou que certas exceções têm sido reconhecidas a esse respeito; que essa teoria é temperada por diversas
outras considerações; que uma visão realista vem corroendo
essa doutrina; que asserções tão amplas devem ser recebidas com reservas e que, mesmo uma lei inconstitucional, é um
fato eficaz, ao menos antes da determinação da constitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é
lícito ignorar. Tem sido sustentado, por isso: que a lei inconstitucional não é nula, mas somente anulável, ou que é
inexecutável em vez de nula, ou nula no sentido de que é inexecutável, porém não no sentido de que é anulada ou
abolida; que a lei inconstitucional permanece inoperante enquanto a decisão que a declara inválida é mantida e que,
enquanto essa decisão continua de pé, a lei dorme, porém não está morta’ (...) (Corpus Juris Secundum, v. 16, § 101).
(...).” Depois de citar Kelsen, que enfrentou o problema na sua “General Theory of Law and State”, dando pela
anulabilidade e não pela nulidade da lei inconstitucional, pelo
que a decisão que declara a inconstitucionalidade é um ato constitutivo, concluiu o Ministro Leitão de Abreu: “(...) 2.
Acertado se me afigura, também, o entendimento de que não deve ter como nulo ab initio ato legislativo, que entrou no
mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se, em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional,
à obediência pelos destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em
verdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade. Como, entretanto, em
princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não se resolve, com isso, de modo pleno, a questão de saber
se é mister haver como delitos do orbe jurídico atos ou fatos verificados em conformidade com a norma que haja sido
pronunciada como inconsistente com a ordem constitucional.
Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o Corpus Juris Secundum, de que
a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter
conseqüências que não é lícito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinados circunstâncias, notadamente
quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se
estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da
decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e,
fundado nele, operou na presunção de que estava
procedendo sob o amparo do direito objetivo. (...).” Em diversos recursos extraordinários oriundos do Estado do
Amazonas, sustentei, com o apoio dos meus eminentes Colegas da 2ª Turma, que “a lei inconstitucional nasce morta.
Em certos casos, entretanto, os seus efeitos devem ser mantidos, em obséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé”
(RE 328.232-AgR/AM, “DJ” de 02.9.2005).
Ora bem, os servidores, inclusive os aposentados e pensionista, abrangidos pela Lei cuja constitucionalidade se questiona, estão há
quase três décadas prestando serviços à Câmara Municipal, na certeza
de que sua situação, de servidores titulares de cargos em comissão, é regular e resta consolidada, eis que o que se discutiu judicialmente na
Portaria nº 6.702/91 não eram os cargos em comissão por eles titularizados, mas o seu enquadramento em cargos efetivos.
Reforça o entendimento o fato de que todos os servidores estão
inscritos no regime próprio de previdência social do Município, vertendo para ele contribuições previdenciárias.
Tal situação encontra-se de acordo com a orientação do então Ministério da Previdência Social, que, acolhendo o parecer GM-AGU
305, reconheceu o direito dos servidores estáveis e não estáveis, que à data da edição da emenda constitucional nº 20/98, estavam
submetidos ao regime estatutário, o direito de se vincular ao regime próprio de previdência social.
Por essa razão, há 10 aposentados no regime e um pensionista,
situação essa por eles obtida muito antes da declaração judicial de
nulidade de seu enquadramento como efetivos, pela Portaria nº 6.702/91. Assim, para esses, a certeza é de situação absolutamente
regular. São segurados do regime próprio de previdência social do Município, devidamente nele inscritos, e percebem seus proventos e
pensão também regularmente. Verteram, eles, contribuições
5 EMENTA: Direito Previdenciário. Regime próprio de previdência social. Servidores Públicos. Vinculação de servidores beneficiados pela estabilidade especial conferida pela Constituição de 1988 ao regime próprio de previdência social. Vinculação que independe da condição de efetividade. Conflito de competência e de interpretação entre o Ministério de Assistência e Previdência Social e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
previdenciárias ao fundo de previdência social do Município há longo tempo.
Essas situações se formaram, pois, legitimamente e com inteira boa-fé, sendo, senão inviável, até mesmo de impossível reversão
quanto aos aposentados e muito menos do pensionista!
Demais disso, mister é de se incluir nesse grupo formado por inativos e pensionistas, os servidores em atividade que já
implementaram os requisitos de aposentadoria na forma do art. 40, § 1º, da Constituição Federal e das Emendas Constitucionais
nº 41/2003 e nº 45/2005, contando, portanto, com direito
adquirido à aposentação.
Cabe, também, obtemperar, que a Lei nº 7.475/2016, ao restabelecer os cargos em comissão existentes anteriormente à Portaria nº
6.702/91, não terá efeitos para o futuro, porquanto os cargos restabelecidos extinguir-se-ão na vacância, pelo que não haverá mais
possibilidade de nomear qualquer pessoa para esses cargos.
Ao que se sabe, a Municipalidade e a Câmara Municipal, em suas
informações, requereram a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99
e do art. 226 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, tendo em conta a repercussão nas inúmeras situações jurídicas dos
servidores abrangidos pela lei questionada e obtiveram direito à estabilidade.
Como já disse, os servidores abrangidos pela lei cuja
constitucionalidade se questiona, detêm a peculiar estabilidade jurídica
de estar há quase três décadas em cargos que somente em sua nomenclatura são cargos em comissão, pois não detêm a qualidade da
confiança que caracteriza a etiologia desses cargos.
Demais disso, o escólio do mestre lusitano Rui Medeiros é providencial, cujo excerto apropriado a seguir se transcreve:
não se vislumbram quaisquer razões jurídico-constitucionais imperiosas que imponham rejeição da possibilidade de, em momento ulterior à declaração de inconstitucionalidade, se
reconhecer a existência de fundamento para uma limitação do alcance da declaração de inconstitucionalidade. Pelo contrário,
perante uma verificação da posteriori de que uma declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroativa e repristinatória envolveria um sacrifício intolerável de outros interesses
constitucionalmente protegidos, manda o princípio da
proporcionalidade que se admita a superveniente limitação dos efeitos.6
Nada obstante o efeito-regra da declaração da inconstitucionalidade
ser o da teoria da nulidade absoluta, não se pode perder de vista também que o art. 27 da Lei Federal nº 9.868/99, permite a
possibilidade de mitigação dessa regra, com a aplicação da modulação
temporal, possibilitando-se assim a não retroação ou irretroatividade ex nunc, desde que presente os requisitos de violação ao princípio da
segurança jurídica ou em situações de excepcional interesse social.
Nesse sentido é que se mostra:
indubitável a linha de pensamento que extrai a justificativa doutrinária mais cediça e geral: uma declaração de
inconstitucionalidade com efeitos retrativos é um abalo nas estruturas de um ordenamento jurídico,
assim, em muitas situações socialmente habituais pautadas na norma até então constitucionais,
desenvolver-se-iam convulsões insinuadoras de ameaça à segurança jurídica 7. (grifos nossos)
Releva assinalar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em
vários casos, teve a oportunidade de discutir a aplicação do art. 27 da
Lei nº 9.868/99, modulando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, como, por exemplo, no RE 197.917, Rel. Min.
Maurício Correa, p. 07.05.2004; Rcl 2.391, Rel. Min. Marco Aurélio; ADI 3.022; HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, p. 8.03.2006; ADI
875, 1.987, 2.727 e 3.243, entre outros.
Exsurge, assim, de forma cristalina e inequívoca, que pendente de decisão final a ação que visa a declaração de inconstitucionalidade da
lei nº 7475/2016, ainda que suspensa liminarmente, não se pode negar aposentadoria àqueles servidores que estão implementando os
requisitos para aposentadoria, nos termos da legislação vigente,
mormente levando-se em conta que não há uma linha sequer nas ações que vêm sendo propostas, que signifique pedido para sustar os
direitos funcionais, por exemplo de recebimento da remuneração pelo
6 Medeiros, Rui, A Decisão de Inconstitucionalidade, Lisboa: Universidade Católica, 1999, pp. 738-39. 7 Gustavo Guilherme Maia Nobre Silva, A modulação temporal dos efeitos das decisões em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade face à segurança jurídica. Jus Navigandi, ano 18, n. 3529, fev. 2013 - Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23833 - Acesso em 30 mar. 2013.
exercício dos cargos e outros decorrentes da relação jurídico-funcional, bem assim com relação ao direito fundamental de aposentadoria.
Igualmente não se pode olvidar que ditos servidores, de boa-fé, não concorreram, de qualquer forma, com o ato impugnado, acreditando
piamente na regularidade de suas situações dele decorrentes (vínculos laboral e previdenciário, aposentadoria e pensões), especialmente
porque diferente não se fez no plano federal e estadual e em muitos municípios, razão pela qual acreditavam eles todos – 28 servidores
ativos, 10 aposentados e 1 pensionista – na já aludida absoluta regularidade de sua situação jurídica (de servidores titulares de cargos
em comissão), situação essa obviamente decorrente do princípio da segurança das relações jurídicas.
Por todo o exposto, até porque pendentes decisões definitivas sobre as leis editadas para equacionamento da situação jurídico-funcional dos
servidores, o nosso entendimento é o de que é possível a concessão de aposentadoria às servidoras que implementaram os requisitos para
concessão do benefício.
Quanto à segunda questão, de eventual devolução das importâncias recebidas a título de proventos, caso a decisão final de todas as ações
judiciais que discutem o vínculo jurídico-funcional das servidoras, seja
pela desconstituição dos atos concessivos da jubilação, de há muito a a doutrina e a jurisprudência de nossos Tribunais já pacificaram a
matéria, no sentido da não devolução.
No Superior Tribunal de Justiça, resta assentado, inclusive em sede de
Recurso Repetitivo, o entendimento de que é incabível a devolução,
pelos servidores, de quantias pagas indevidamente por erro ou
interpretação errônea de lei e diante da boa-fé daquele que a recebeu.
Confiram-se as ementas dos seguintes acórdãos:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ART. 46, CAPUT, DA LEI N. 8.112/90 VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. RECURSO SUBMETIDO AO
REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC. 1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei. 2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns
temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1.244.182-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 10.10.2102) (g.n.)
ADMINISTRATIVO. PAGAMENTO INDEVIDO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A SERVIDOR. RECEBIMENTO DE BOA-
FÉ. RESTITUIÇÃO. NÃO CABIMENTO. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.244.182, PB, relator o Ministro Benedito Gonçalves,
processado sob o regime do art. 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que "quando a Administração
Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo,
assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público" (DJe 19/10/2012). Agravo regimental improvido
(AgRG no ARESsp 67270-MT, Rel. Min. Ari Pargendler, 1ª Turma, Dje 22.05.2013).
Nesse mesmo sentido: AgRg no AREsp 72241/SC, Rel. Min. Eliana
Calmon, Dje 09.04.2013; AgRg no AREsp 1307541/DF, Min. Castro Meira, Dje 19.08.2013; AgRg no RMS 21463/SP, Min. Alderita Ramos
de Oliveira, Dje. 19.08.2013; AgRg no Resp 136-468/PE 1360468/PE, Min. Mauro Campbell Marques, Dje 01.07.2013.
O entendimento que se vem assentando doutrinariamente é no sentido
de que a constatação de eventual ilegalidade no pagamento de
vencimentos ou proventos dos servidores públicos, não implica, por si só, a obrigatoriedade de reposição das importâncias já recebidas de
boa-fé.
Com efeito, é sabido que os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou melhor, a presunção de
que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica não depende de lei expressa, mas deflui da própria
natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente da estrutura do Estado8.
A súmula 106 do Tribunal de Contas da União, em matéria de devolução de quantias tidas como indevidas, é clara ao
estabelecer que "O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica, por si só a
8 José dos Santos Carvalho Filho: Manual de Direito Administrativo, 18 ed.Lumen Juris, p. 111.
obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data da decisão pelo órgão competente."
É de se registrar que o referido Tribunal tem reafirmado esse entendimento, mesmo diante do art. 46 da Lei nº 8.112/90 (que dispõe
sobre a devolução de importâncias pagas indevidamente aos servidores federais), conferindo-lhe os contornos devidos, ou seja,
prestigiando a boa-fé e interpretando o dispositivo como fixador, tão somente, da forma de processar a devolução.
Dessarte, a citada Corte de Contas entende que o mero registro do
recebimento indevido não é suficiente para fazer nascer a referida
obrigação, quando se tratar de verba de natureza alimentícia. Há de se perquirir a respeito da boa-fé do beneficiário na percepção
das importâncias.
O mesmo Tribunal ainda sumulou a matéria, quando se trata de parcelas indevidas decorrentes de erro de interpretação de lei, por
parte da Administração, na seguinte conformidade:
É dispensada a reposição das importâncias indevidamente
percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação
de lei por parte do órgão/entidade, ou parte da autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão,
à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais. (Súmula 249)
Também nos casos de exercício de fato, ou seja, nos casos em que o
prestador dos serviços não detém o título jurídico de servidor, mesmo
assim a Administração não o obriga à devolução dos vencimentos percebidos.
A Advocacia Geral da União - AGU sumulou a matéria, nos seguintes
termos: "Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou
inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública" (súmula 34).
De sua vez, o Supremo Tribunal Federal já assentou seu entendimento na mesma direção.
Assim, no julgamento do MS 25.641/DF, rel. Min. Eros Grau, DJe
22.02.2008, consignou que a restituição ao erário dos valores recebidos por servidores e reconhecidamente ilegais não dispensa a
aferição dos seguintes requisitos:
“(...)
3. A reposição, ao erário, dos valores percebidos pelos servidores torna-se desnecessária, nos termos do ato
impugnado, quando concomitantes os seguintes requisitos:
- presença de boa-fé do servidor;
- ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada;
- existência de dúvida plausível sobre a interpretação,
validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada;
-interpretação razoável, embora errônea, da lei pela
Administração” (g.n).
Confiram-se, também, trechos do voto proferido pela Min. Carmen Lúcia, no MS 26.085/DF, DJE 13.06.2008:
“Ao contrário da boa-fé, a má-fé não pode ser presumida,
razão pela qual não se pode admitir seja o Impetrante
submetido ao ônus de restituir aquilo que recebeu
indevidamente. Tal situação apenas se mostraria viável se o
Tribunal de Contas da União demonstrasse ter o Impetrante
agido dolosamente com o objetivo de induzir as instituições
em erro, o que não se deu na espécie dos autos. Sobre a
necessidade de se aferir a boa-fé em casos como o presente,
Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari assinalam que: (...) ‘A
boa-fé é um importante princípio jurídico, servindo também
como fundamento para a manutenção do ato tisnado por
alguma irregularidade, (...) podendo, em certas situações,
sobrepor-se ao princípio da legalidade (...) j.15.10.2008)
Em 30 de setembro de 2013, o Ministro Luiz Fux, no julgamento do
mandado de segurança 31.259-DF, decidiu pela não devolução de verbas tidas como indevidas.
O trecho que interessa ao momento é o seguinte:
DESCABIDA A DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES
INDEVIDAMENTE RECEBIDOS, A TEOR DA SÚMULA N. 249, TCU,
VERBIS: É DISPENSADA A REPOSIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS
INDEVIDAMENTE PERCEBIDAS, DE BOA-FÉ, POR SERVIDORES
ATIVOS E INATIVOS, E PENSIONISTAS, EM VIRTUDE DE ERRO
ESCUSÁVEL DE INTERPRETAÇÃO DE LEI POR PARTE DO
ÓRGÃO/ENTIDADE, OU POR PARTE DE AUTORIDADE LEGALMENTE
INVESTIDA EM FUNÇÃO DE ORIENTAÇÃO E SUPERVISÃO, À VISTA
DA PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO E DO
CARÁTER ALIMENTAR DAS PARCELAS SALARIAIS.
Não discrepa dessa linha de orientação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, homenageando também a natureza
alimentar das parcelas de vencimentos ou proventos.
Confiram-se as seguintes decisões:
APELAÇÃO - Mandado de segurança - Servidor público estadual -
Professor - Licença saúde ininterrupta no ano de 2005 (de 14 de
fevereiro de 2005 a 17 de dezembro de 2005) e posterior e
readaptação (17/12/2005) - Redução de carga horária e de
vencimento, para o ano letivo de 2006 - Determinação de
restituição de valores recebidos a mais, referente ao período em
que esteve em licença saúde, por erro da Unidade Escolar ao omitir
o código de licença saúde ao se digitar a carga horária
correspondente ao ano de 2005 - Decadência - Ocorrência apenas
em relação ao ato de redução de carga horária e de redução de
vencimentos, para o ano letivo de 2006 - Prazo de 120 dias para
impetrar o writ contato da ciência desse ato administrativo que se
busca invalidar – Pedido administrativo para manter a carga
horária e reconsiderar decisão anterior - Inadmissibilidade de
devolução, interrupção, ou suspensão do prazo de caducidade - Ato
administrativo único de efeitos projetados em certo tempo -
Qualificação inadmissível como atos sucessivos e autônomos -
Decadência em relação à determinação de devolução de valores
pagos a mais, entretanto, não operada - Boa fé do servidor público
- Reposição de parte de vencimentos afastada. Recurso provido em
parte. 1. Mandado de segurança contra dois atos administrativos
distintos, um (o de redução e carga horária e de vencimentos)
caduco, pela ocorrência da decadência, outro (o de reposição de
parte de vencimentos pagos) não, justifica o ingresso no fundo do
direito líquido e certo invocado no writ, ainda não decaído. 2. O
prazo decadência! para impetração de mandado de segurança
destinado à anulação de ato administrativo de redução de carga
horária e de vencimentos futuros, decorrente de adaptação de
professor, é de cento e vinte dias, contado da respectiva ciência
pelo servidor público, anotada a unidade do ato, embora de efeitos
projetados em certo lapso de tempo. 3. Inadmissível reposição de
vencimentos, ante a boa-fé do servidor público, em situação de
erro imputado apenas à Administração Pública, consistente em
omitir a digitalização do código de licença saúde, para o tempo em
que o servidor esteve afastado por esse motivo (APELAÇÃO N°
9194653-05.2007.8.26.0000, 1ª C. Direito Público, Rel. Des.
Vicente de Abreu Amadei, j. 26.04.2011).
Na mesma trilha:
(Ap. n° 990.10.487780-6, rel. Des. Barreto Fonseca, 7ª Câmara de Direito Público, j. 28 de fevereiro de 2001).
(Ap. n° 891.665-5, rel. Des. Aroldo Viotti, 11ª Câmara de Direito
Público, j. 01 de junho de 2009).
(Ap. n° 99010.258356-2, rel. Des. Maria Laura Tavares, 11ª Câmara de Direito Público, j. 23 de agosto de 2010).
(Ap. n° 994.03.077172-9, Rel. Des. Peiretti de Godoy, 13ª Câmara
de Direito Público, j.28 de abril de 2010).
(Ap. n° 097.087.5/9-00, rel. Des. Scarance Fernandes, 1ª Câmara de Direito Público, j. 21 de dezembro de 1999).
Recentemente, em 26 de janeiro de 2017, ao julgar ação rescisória
proposta pelo INSS (processo Nº 0073469-26.2014.4010000) para desconstituir aposentadoria de segurado do regime, obtida em
razão do instituto da desaposentação, o TRF da 1ª Região, pela 1ª seção, não obstante tenha anulado a decisão judicial, que declarou o
direito à desaposentação, concluiu pela não devolução das quantias recebidas pelo segurado.
O STF no julgamento do Ag. Reg. No MS 26.125/DF , tendo como relator, o Min. Edson Fachin, entendeu que as verbas recebidas em
virtude de liminar não terão de ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios
da boa-fé e da segurança jurídica.
Resumindo: a nossa proposta é a de que pode ser concedida aposentadoria às servidoras que implementaram os requisitos para a
jubilação, tendo em conta a relação jurídico-previdenciária por elas mantida com o IPREF e, caso seja desconstituído o benefício, por força
de decisão judicial posterior que alcance as servidoras, não devem ser
devolvidos os proventos por elas recebidos no período.