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CONSULTA Caso Prático: Servidoras nomeadas no Legislativo Municipal para ocuparem cargos em comissão antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, contudo, após o dia 05/08/1983; Enquadradas em cargo de provimento efetivo por intermédio da Portaria nº 6702/1991, editada pelo Presidente do Legislativo à época; Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual contra o ato de enquadramento em cargo efetivo sem a realização de concurso público com decreto de procedência em 2ª instância, transitada em julgado em 26/12/2012, reconhecendo a nulidade do citado enquadramento; Servidoras desligadas do RPPS do Município por ato do Presidente do IPREF portaria nº 076/2013 (doc. anexo); Lei Municipal nº 7382/2015 (doc. anexo) editada para restabelecer a situação dos cargos anteriores à edição da Portaria nº 6702/1991, cuja constitucionalidade foi atacada pela ADI nº 2256462-37.2015.8.26.0000, pendente de julgamento de Recurso Extraordinário (extrato de andamento anexo); Portaria nº 080/2015-IPREF (doc. Anexo) restabeleceu o vínculo das servidoras com o RPPS procedendo-se ao repasse das contribuições previdenciárias do período em que estiveram desligadas; Editada Lei Municipal nº 7475/2016 (doc. Anexo) de teor praticamente idêntico ao da Lei Municipal nº 7382/2015, contudo, este diploma também teve a sua constitucionalidade questionada por intermédio da ADI nº 2189942-61.2016.8.26.0000, cujo julgamento foi incluído em pauta para o dia 22/02/2017; Análise preliminar detectou que as servidoras em questão preenchem os requisitos para aposentadoria com fundamento no artigo 3º, da

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CONSULTA

Caso Prático:

Servidoras nomeadas no Legislativo Municipal para ocuparem

cargos em comissão antes da promulgação da Constituição Federal de 1988,

contudo, após o dia 05/08/1983;

Enquadradas em cargo de provimento efetivo por intermédio da

Portaria nº 6702/1991, editada pelo Presidente do Legislativo à época;

Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual

contra o ato de enquadramento em cargo efetivo sem a realização de concurso

público com decreto de procedência em 2ª instância, transitada em julgado em

26/12/2012, reconhecendo a nulidade do citado enquadramento;

Servidoras desligadas do RPPS do Município por ato do

Presidente do IPREF – portaria nº 076/2013 (doc. anexo);

Lei Municipal nº 7382/2015 (doc. anexo) editada para

restabelecer a situação dos cargos anteriores à edição da Portaria nº 6702/1991,

cuja constitucionalidade foi atacada pela ADI nº 2256462-37.2015.8.26.0000,

pendente de julgamento de Recurso Extraordinário (extrato de andamento

anexo);

Portaria nº 080/2015-IPREF (doc. Anexo) restabeleceu o vínculo

das servidoras com o RPPS procedendo-se ao repasse das contribuições

previdenciárias do período em que estiveram desligadas;

Editada Lei Municipal nº 7475/2016 (doc. Anexo) de teor

praticamente idêntico ao da Lei Municipal nº 7382/2015, contudo, este diploma

também teve a sua constitucionalidade questionada por intermédio da ADI nº

2189942-61.2016.8.26.0000, cujo julgamento foi incluído em pauta para o dia

22/02/2017;

Análise preliminar detectou que as servidoras em questão

preenchem os requisitos para aposentadoria com fundamento no artigo 3º, da

EC nº 47/2005, contudo, a Lei nº 7475/2016 encontra-se com a eficácia

suspensa em razão de liminar concedida nos autos da ADI supradita.

Em 27/01/2017 as servidoras protocolaram requerimentos

incidentais em seus processos de administrativos de aposentadoria reiterando o

pleito inicial sob o argumento de que a aposentadoria é um direito social

consagrado no artigo 6º, da Constituição Federal, que o vínculo previdenciário

com o IPREF ainda está ativo e ainda, que já preenchem os requisitos

necessários à obtenção do benefício previdenciário.

Questionamento:

1. Em se tratando de servidoras ocupantes de cargo em comissão,

poderão obter benefício previdenciário do RPPS ainda que as

legislações que visavam regular as relações previdenciárias com o

Instituto estejam com a eficácia suspensa?

2. Caso haja desfecho desfavorável no julgamento das ações

supracitadas, o Instituto deverá revogar os benefícios concedidos?

Haverá necessidade de restituição desses valores por parte das

servidoras?

Resposta:

As questões submetidas pelo Instituto consulente à nossa apreciação

são especialmente relevantes, porquanto dizem respeito às

implicações do regime jurídico-funcional no regime previdenciário.

De se destacar que o regime jurídico-funcional constitui o conjunto de

normas que regulam a relação jurídica entre a Administração Pública e

o servidor. É o regime de trabalho do servidor.

De sua vez, o regime previdenciário consiste no conjunto de normas

que regulam a relação jurídica entre o órgão gestor desse regime e o

servidor. È o regime de previdência a que se submete o servidor.

No caso em apreço, embora haja questionamento judicial sobre a

relação jurídica das servidores com a Administração, não há oposição

em relação á relação previdenciária das interessadas.

De fato, independentemente da situação funcional em que se

encontram as servidoras, elas se mantêm vinculadas ao regime próprio

/de previdência do Município.

Sobre a vinculação dos servidores, titulares de cargo em comissão, que

ingressaram no serviço público, anteriormente à EC 20/98, ao regime

próprio de previdência, em outra oportunidade aduzimos que, por

ocasião da edição da EC 20/98, o tema da inclusão dos servidores

estáveis, independentemente da titularização de cargos efetivos, no

regime próprio de previdência social dos servidores efetivos, foi

amplamente discutido, tendo recebido, inicialmente, parecer do

Ministério da Previdência (Parecer/CJ no 2281/2000), no sentido de

que a partir de outubro de 1998, data da publicação da MP 1.723/98,

os servidores estáveis e não efetivos, os servidores não estáveis e não

efetivos, os servidores titulares, exclusivamente, de cargos em

comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, e os

temporários não podem ser ou continuar vinculados a um regime

próprio de previdência social, pois são obrigatórios do RGPS.

Por sua vez, a Advocacia Geral da União no parecer GM nº 30,

publicado no DOU de 3 de abril de 2003, discordou do Parecer do

Ministério da Previdência e concluiu que são alcançados por tal regime

os servidores públicos estáveis, bem como aqueles

estabilizados nos termos do art. 19 do ADCT e aqueles que,

mantidos no serviço público e sujeitos ao regime estatutário,

não preencheram os requisitos mencionados na referida

disposição transitória, alcançando, portanto, os estáveis e

efetivados, os estáveis e não efetivados e os não estáveis nem

efetivados.

O mencionado parecer da Advocacia Geral da União, devidamente acolhido pelo Presidente da República e publicado no DOU, passou a

ser de observância obrigatória para todos os entes da Administração Federal, inclusive ao órgão gestor do RGPS, conforme determina o art.

40, § 1o, da Lei Complementar no 73/93.

A Secretaria de Políticas de Previdência Social, em cumprimento ao parecer, equacionou a questão nas sucessivas orientações normativas

por ela expedidas, dispondo que até 15.12.1998, o servidor público,

ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão, de cargo temporário, de emprego público ou mandato eletivo poderia estar

vinculado a RPPS, desde que a lei do ente federativo assegurasse,

no mínimo, aposentadoria e pensão por morte a esses agentes públicos.1

Nessa mesma linha, o Decreto Federal no 3.048, de 1999, dispôs, em seu art. 9o, constituírem segurados do RGPS, entre outros:

o servidor da União, Estado, Distrito Federal ou Município,

incluídas suas autarquias e fundações, ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de

livre nomeação e exoneração;

o servidor do Estado, Distrito Federal ou Município, bem como o

das respectivas autarquias e fundações, ocupante de cargo efetivo, desde que, nessa qualidade, não esteja amparado por

regime próprio de previdência social;

o servidor contratado pela União, Estado, Distrito Federal ou Município, bem como pelas respectivas autarquias e fundações,

por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do

inciso IX do art. 37 da Constituição Federal;

o servidor da União, Estado, Distrito Federal ou Município, incluídas suas autarquias e fundações, ocupante de emprego

público.

Dessa forma, aqueles entes federativos que, à data da edição da EC no 20/98 mantinham aposentadoria e pensão, para esses servidores

titulares de cargos em comissão, e que já estavam no serviço público (até 16.12.98), não precisaram submetê-los ao regime geral de

previdência.2

Para aqueles servidores nomeados a partir de 16 de dezembro de 1998, entretanto, o regime obrigatório é sempre o RGPS.

Outros entes federativos, apesar da orientação normativa fixada pelo

1 Orientação Normativa nº 3, de 13 de agosto de 2004, Orientação Normativa nº 1, de 23.01.2007 e Orientação

Normativa nº 2, de 31.03.2009. 2 Alguns entes federativos, apesar da disposição regulamentar federal, submeteram todos os titulares de cargos em comissão ao RGPS, independentemente da data de ingresso desses servidores no serviço público.

Ministério da Previdência Social, submeteram todos os seus servidores, titulares de cargos em comissão, exclusivamente, ao RGPS,

mesmo aqueles que ingressaram antes da EC 20/98.

Ante a diversidade de tratamento que os entes federativos adotaram em relação aos servidores comissionados que ingressaram no serviço

público antes da EC 20/98, é certo dizer que, com fundamento no

citado parecer GM 30, não há óbice em mantê-los no RPPS, pois a eles a Administração Pública, por serem estatutários, garantia

aposentadoria e pensão.

Fato esse que comprova a situação funcional e previdenciária desses servidores, é que há, atualmente, 10 servidores aposentados e um

pensionista, cujos benefícios previdenciários decorreram da situação de titulares dos cargos em comissão integrantes no quadro de pessoal

da Câmara Municipal de Guarulhos, anteriormente à Constituição Federal de 1988.

Em suma, é possível manter-se o servidor, titular

exclusivamente de cargo em comissão, que ingressou no serviço público até 16.12.98, no regime próprio de previdência,

desde que a lei local lhes garantisse, mesmo antes da EC 20, os

benefícios da aposentadoria e pensão.

Nesse sentido, os servidores municipais abrangidos pelas sucessivas

leis e atos normativos que equivocadamente lhes concedeu cargo

efetivo, não tiveram sua relação jurídica-previdenciária com o IPREF questionada, tanto assim que estão vertendo contribuição

previdenciária ao regime e muitos já se encontram aposentados.

Os servidores ingressaram na Câmara nesses cargos nos idos de 1980, sob a égide da Constituição Federal de 1967, alterada pela EC 1/69,

que prescrevia a necessidade de concurso público para a primeira investidura, possibilitando, inclusive, a contratação dos servidores

temporários ou de função de natureza técnica especializada, conforme a disposição do art. 106, com a seguinte redação:

Art. 106. O regime jurídico dos servidores admitidos em

serviços de caráter temporário ou contratados para funções de natureza técnica especializada será estabelecido em lei

especial.

Para os cargos em comissão, não havia nenhuma exigência de

atribuições específicas. Assim, muitos entes federativos, inclusive o Legislativo, nomeavam para cargos em comissão cujas atribuições não

eram pautadas na fidúcia entre a Administração Pública e os

nomeados, que permaneciam, prestando funções permanentes, no serviço público por longo tempo.

Isso veio a repercutir na Emenda Constitucional 19/98, já sob a égide da Carta Republicana de 1988, que alterando o art. 37, V, determinou

que os cargos em comissão seriam destinados, somente, à direção, chefia e assessoramento, conforme se vê:

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por

servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos

casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,

destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento

Remarque-se que o art. 19 do ADCT considerou estáveis os servidores

que não tinham feito concurso público até cinco anteriores à edição da Constituição Federal de 1988 e aos titulares de cargos em comissão

admitiu a estabilidade, desde que servidores.

A situação excepcional desses servidores merece ser reconhecida,

posto que sua admissão no município não foi calcada na confiança estrita, e, assim, permaneceram após a Constituição Federal de 1988

até hoje.

Na verdade, somente o enquadramento jurídico formal (o nomen juris) de suas funções são de confiança, mas na verdade desempenham há

longo tempo, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, funções permanentes, nada ligadas à fidúcia.

Não por outra razão, o art. 19 do ADCT garantiu a estabilidade não somente aos admitidos em funções nominalmente administrativas,

mas aos titulares de cargo em comissão, quando servidores. É que a Constituição Federal, inaugurando o acesso a qualquer cargo efetivo

por concurso público, preocupou-se em garantir àqueles que durante anos prestavam serviço à Administração Pública, o direito de nela

prevalecer.

Essas peculiares situações têm sido consideradas pela Administração,

tanto assim que, para subsunção desses servidores a um regime jurídico previdenciário, a Administração Pública admite não terem

esses cargos a natureza de cargo em comissão e tem garantido a esses servidores a qualidade de estabilidade no serviço público, para efeito

de permanência na Administração Pública.

Esse foi o procedimento adotado pelo Município de São Paulo, na Lei nº 13.973/2005, quando, no art. 35, reconheceu a estabilidade dos

titulares de cargo em comissão cujas atribuições não estão ligadas à fidúcia que deve existir entre nomeante e nomeado, no caso de cargos

em comissão típicos.

Também a Lei Complementar nº 1.010/2007, que dispôs sobre a

criação da São Paulo Previdência – SPPREV, estabeleceu que - independente de terem se submetido a prévio concurso público - são

titulares de cargos efetivos os servidores admitidos para o exercício de função permanente, inclusive de natureza técnica, nos termos da Lei

nº 500/74, bem assim qualquer outro servidor que tenha sido admitido para essas funções.

Ora, pois, a situação dos servidores cujos cargos foram restabelecidos pela Lei nº 7.475/2016 não é diferente da ostentada pelos servidores

do Município de São Paulo ou dos servidores do Estado de São Paulo. Embora sempre ostentassem cargos de provimento em comissão, a

natureza das funções por eles exercidas, permanentes, sem nenhum elo de confiança entre qualquer dos agentes políticos da Câmara

Municipal de Guarulhos.

Assim, a despeito da ação judicial em curso, onde se questiona a

relação jurídico-funcional das servidoras, essas mantêm sua relação previdenciária em vigência, contribuindo normalmente para o IPREF e

o direito à aposentadoria, a nosso ver, não pode ser negado.

Situação análoga existe com relação à Lei federal no. 8.1123, que acabou por efetivar os servidores celetistas que estavam na

Administração Pública federal por ocasião de sua edição, em 11 de dezembro de 1990, independentemente de terem ou não se submetido

a concurso público de ingresso.

Não obstante a constitucionalidade do dispositivo esteja sendo

questionado na ADI 2968, até onde se sabe os servidores por ele abrangidos estão exercendo suas funções normalmente e inúmeros

têm logrado aposentar-se sem nenhum questionamento!

Essas situações, consolidadas no tempo, têm merecido dos Tribunais Judiciais o necessário sopesamento e as decisões têm reconhecido que

os efeitos de fato que a norma inconstitucional produziu não podem

ser suprimidos sumariamente.

3 Lei nº 8.112/90, art. 243.

Com efeito, tal sopesamento implica avaliar, em cada caso, qual o princípio constitucional que deve prevalecer: se o da legalidade ou o

da segurança jurídica, em sua faceta subjetiva, denominada de princípio da proteção da confiança, que se apresenta como certeza do

direito.

O princípio da segurança reflete uma previsibilidade da ação estatal.

Segundo Almiro de Couto e Silva4, nas relações jurídicas, as partes

nelas envolvidas devem proceder corretamente, com lealdade e lisura, em conformidade com o que se comprometeram e com a palavra

empenhada (a fides como fit quod dicitur da definição ciceroniana) que,

em última análise, dá conteúdo ao princípio da segurança jurídica, pelo qual, nos vínculos entre o Estado e os indivíduos, se assegura uma

certa previsibilidade da ação estatal, do mesmo modo que garante o respeito pelas situações constituídas em consonância com as normas

impostas ou reconhecidas pelo poder público, de modo a assegurar a estabilidade das relações jurídicas e uma certa coerência na conduta

do Estado.

A segurança jurídica - diz o professor -, embora em íntima conexão com a boa-fé, apresenta conteúdo próprio e autônomo que, por sua

vez, também se ramifica em duas partes: uma de natureza objetiva,

que implica limites à retroatividade dos atos do Estado, dizendo respeito à proteção do direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à

coisa julgada; e outra, de natureza subjetiva, que concerne à proteção à confiança das pessoas em relação aos atos, procedimentos e

condutas do Estado, em todas as suas esferas de atuação.

Enfim, a proteção da confiança prende-se predominantemente à questão da preservação dos atos manifestamente inválidos, por ilegais

ou inconstitucionais, ou, pelo menos, dos efeitos desses atos, quando indiscutível a boa-fé.

Arremata, afinal, o mestre, que o princípio da proteção da confiança, ao lado do princípio da segurança jurídica, são pilares da ordem

jurídica, na medida em que, voltados à manutenção do status quo ante, evitam que as pessoas sejam surpreendidas por modificações do

Direito Positivo ou na conduta do Estado, mesmo quando manifestadas

4 SILVA, Almiro do Couto e. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o Prazo Decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei n. 9.784/99). Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, a. 2, n. 6, jul./set.

em atos ilegais, que possa ferir os interesses dos administrados ou frustrar-lhes as expectativas.

O Supremo Tribunal Federal, apesar de declarar a inconstitucionalidade em abstrato de certos diplomas legais, em observância aos princípios

da segurança jurídica e da boa-fé, tem mantido hígidas situações jurídicas concretas constituídas sob a égide da norma inconstitucional,

situações essas que guardam semelhança com a hipótese tratada nesta ação.

Assim, no MS nº 29.305, ajuizado pelo Sindicato dos Trabalhadores do

Judiciário Federal no Estado de São Paulo, ante a violação do art. 37,

II, da CF, decidiu pela mantença dos servidores acessados inconstitucionalmente, fazendo prevalecer o princípio da segurança

jurídica e a boa-fé.

Confira-se a ementa do acórdão:

CONTROLE EXTERNO – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – MOVIMENTAÇÃO FUNCIONAL – FATOR TEMPO – CONTRADITÓRIO.

O ato de glosa do Tribunal de Contas da União na atividade de controle externo, alcançando situação constituída – ocupação de

cargo por movimentação vertical (ascensão) –, fica sujeito ao prazo decadencial de cinco anos previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 e ao princípio constitucional do contraditório, presentes a

segurança jurídica e o devido processo legal. (MS 20.305, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, p. 05.06.2012)

SERVIDOR PÚBLICO: PROVIMENTO DERIVADO:

INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. I. – A Constituição de 1988

instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a

progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos — 1987 a 1992 —, o entendimento a respeito do tema não era

pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33,

IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro

Moreira Alves, “DJ” de 25.6.1999. II. – Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos

que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais

vantagens do desfazimento dos atos administrativos. III. – Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. – RE conhecido, mas

não provido (RE 442683/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJe. 24.03.2006)

Mister destacar excerto do voto do Ministro Relator que bem pontifica

que apesar de uma norma ser inconstitucional, é possível a preservação dos efeitos por ela produzidos, tendo em vista razões de

segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

“... O acórdão tem natureza constitutiva-negativa ou

desconstitutiva; a eficácia é erga omnes e o efeito fixado pro tempore: ex tunc, ex nunc ou pro futuro. O ato

inconstitucional é anulável e não nulo. Bem por isso e em boa hora, veio a lume a Lei 9.868, de 10.11.1999, que, no seu

art. 27, estabeleceu que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança

jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal, por maioria de 2/3 de seus membros, restringir os

efeitos da declaração, decidir que ela só terá eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha

a ser fixado. Isto não deve ter sabor de novidade. Na pátria do efeito ex tunc, nos Estados Unidos, a Suprema Corte

admite o teor político do controle de constitucionalidade e que o ingrediente político da decisão tomada no controle de

constitucionalidade pode relativizar o princípio da retroação

ex tunc. O trabalho doutrinário do professor Sérgio Resende Barros é bastante esclarecedor (“O Nó Gordio do Sistema

Misto”, in “Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei 9.882/99”, Ed. Atlas,

2001, p. 180). No caso Linkletter vs. Walker, de 1965, “a Suprema Corte reconheceu que a questão da retroatividade

ou prospectividade dos efeitos do judicial review não corresponde a um princípio exarado na Constituição, mas a

uma prática jurisprudencial, que pode ser alterada, portanto, pela própria jurisprudência, se necessário” (Sérgio Resende

de Barros, ob. cit.). Nos casos Stevall vs. Denno e Gedeão, a Suprema Corte reiterou o entendimento. Anota a

Desembargadora Maria Isabel Gallotti, em excelente artigo de doutrina (“A Declaração de Inconstitucionalidade das Leis

e seus Efeitos”, RDA 170/18), que, “nos países que aderem à

doutrina da eficácia ex tunc”, “a retroação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, se levada a extremos,

por dar margem a sérias injustiças, bem como a perigosa

insegurança nas relações jurídicas, econômicas e sociais”. E acrescenta a ilustre magistrada que “a realidade é que, como

poderá Lúcio Bittencourt, ‘os efeitos de fato que a norma produziu não podem ser suprimidos, sumariamente, por

simples obra de um decreto judiciário’”. (Lúcio Bittencourt,

“O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis”, Rio de Janeiro, Forense, 1949, p. 148). E, invocando Willoughby,

“conquanto a lei inconstitucional deva, sob o ponto de vista estritamente lógico, ser considerada como se jamais tivesse

tido força para criar direitos ou obrigações, considerações de ordem prática têm levado os tribunais a atribuir certa

validade aos atos praticados por pessoas que, em boa-fé, exercem os poderes conferidos pelo diploma posteriormente

julgado ineficaz” (Maria Isabel Gallotti, ob. e loc. cits.). Essa posição, registra Maria Isabel Gallotti, foi sustentada pelo

Ministro Leitão de Abreu, no RE 79.343/BA, destaco do voto do eminente e saudoso Ministro: “(...) Coincidentes as

opiniões quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, efeitos distintos conforme se tratar de

declaração de invalidade incidenter tantum ou de declaração

de nulidade em tese, a questão segunda, que se apresenta, tocante à nulidade ou anulibilidade da lei, isto é, da sua

nulidade ab initio ou a partir do ato declaratório da invalidade, não recolhe, quanto ao seu deslinde, total consenso dos

tribunais e de parte da doutrina. O Corpus Juris Secundum, reportando-se ao direito norte-americano, assim compendia

a diretriz aí dominante: ‘Em sentido amplo, uma lei inconstitucional é nula, em qualquer tempo, e a sua

invalidade deve ser reconhecida e proclamada para todos os efeitos ou quanto a qualquer estado de fato. Não é lei ou não

é uma lei; é algo nulo, não se reveste de força, não possui efeito ou é totalmente inoperante. Falando do modo geral, a

decisão, pelo tribunal competente, de que a lei é inconstitucional tem por efeito tornar essa lei nula e

nenhuma; o ato legislativo, do ponto de vista jurídico, é tão

inoperante como se não tivesse sido emanado ou como se a sua promulgação não houvesse ocorrido. É considerado

inválido ou nulo, desde a data da promulgação e não somente a partir da data em que é, judicialmente, declarado

inconstitucional’. Exposta, assim, a orientação dominante, acrescenta, todavia, o mesmo repositório, explicitado os

termos em que se coloca a opinião divergente: ‘Por outro

lado’ — prossegue — ‘tem sido sustentado que essa regra geral não é universalmente verdadeira; que existem muitas

exceções ou que certas exceções têm sido reconhecidas a esse respeito; que essa teoria é temperada por diversas

outras considerações; que uma visão realista vem corroendo

essa doutrina; que asserções tão amplas devem ser recebidas com reservas e que, mesmo uma lei inconstitucional, é um

fato eficaz, ao menos antes da determinação da constitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é

lícito ignorar. Tem sido sustentado, por isso: que a lei inconstitucional não é nula, mas somente anulável, ou que é

inexecutável em vez de nula, ou nula no sentido de que é inexecutável, porém não no sentido de que é anulada ou

abolida; que a lei inconstitucional permanece inoperante enquanto a decisão que a declara inválida é mantida e que,

enquanto essa decisão continua de pé, a lei dorme, porém não está morta’ (...) (Corpus Juris Secundum, v. 16, § 101).

(...).” Depois de citar Kelsen, que enfrentou o problema na sua “General Theory of Law and State”, dando pela

anulabilidade e não pela nulidade da lei inconstitucional, pelo

que a decisão que declara a inconstitucionalidade é um ato constitutivo, concluiu o Ministro Leitão de Abreu: “(...) 2.

Acertado se me afigura, também, o entendimento de que não deve ter como nulo ab initio ato legislativo, que entrou no

mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se, em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional,

à obediência pelos destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em

verdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade. Como, entretanto, em

princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não se resolve, com isso, de modo pleno, a questão de saber

se é mister haver como delitos do orbe jurídico atos ou fatos verificados em conformidade com a norma que haja sido

pronunciada como inconsistente com a ordem constitucional.

Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o Corpus Juris Secundum, de que

a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter

conseqüências que não é lícito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinados circunstâncias, notadamente

quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se

estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da

decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e,

fundado nele, operou na presunção de que estava

procedendo sob o amparo do direito objetivo. (...).” Em diversos recursos extraordinários oriundos do Estado do

Amazonas, sustentei, com o apoio dos meus eminentes Colegas da 2ª Turma, que “a lei inconstitucional nasce morta.

Em certos casos, entretanto, os seus efeitos devem ser mantidos, em obséquio, sobretudo, ao princípio da boa-fé”

(RE 328.232-AgR/AM, “DJ” de 02.9.2005).

Ora bem, os servidores, inclusive os aposentados e pensionista, abrangidos pela Lei cuja constitucionalidade se questiona, estão há

quase três décadas prestando serviços à Câmara Municipal, na certeza

de que sua situação, de servidores titulares de cargos em comissão, é regular e resta consolidada, eis que o que se discutiu judicialmente na

Portaria nº 6.702/91 não eram os cargos em comissão por eles titularizados, mas o seu enquadramento em cargos efetivos.

Reforça o entendimento o fato de que todos os servidores estão

inscritos no regime próprio de previdência social do Município, vertendo para ele contribuições previdenciárias.

Tal situação encontra-se de acordo com a orientação do então Ministério da Previdência Social, que, acolhendo o parecer GM-AGU

305, reconheceu o direito dos servidores estáveis e não estáveis, que à data da edição da emenda constitucional nº 20/98, estavam

submetidos ao regime estatutário, o direito de se vincular ao regime próprio de previdência social.

Por essa razão, há 10 aposentados no regime e um pensionista,

situação essa por eles obtida muito antes da declaração judicial de

nulidade de seu enquadramento como efetivos, pela Portaria nº 6.702/91. Assim, para esses, a certeza é de situação absolutamente

regular. São segurados do regime próprio de previdência social do Município, devidamente nele inscritos, e percebem seus proventos e

pensão também regularmente. Verteram, eles, contribuições

5 EMENTA: Direito Previdenciário. Regime próprio de previdência social. Servidores Públicos. Vinculação de servidores beneficiados pela estabilidade especial conferida pela Constituição de 1988 ao regime próprio de previdência social. Vinculação que independe da condição de efetividade. Conflito de competência e de interpretação entre o Ministério de Assistência e Previdência Social e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

previdenciárias ao fundo de previdência social do Município há longo tempo.

Essas situações se formaram, pois, legitimamente e com inteira boa-fé, sendo, senão inviável, até mesmo de impossível reversão

quanto aos aposentados e muito menos do pensionista!

Demais disso, mister é de se incluir nesse grupo formado por inativos e pensionistas, os servidores em atividade que já

implementaram os requisitos de aposentadoria na forma do art. 40, § 1º, da Constituição Federal e das Emendas Constitucionais

nº 41/2003 e nº 45/2005, contando, portanto, com direito

adquirido à aposentação.

Cabe, também, obtemperar, que a Lei nº 7.475/2016, ao restabelecer os cargos em comissão existentes anteriormente à Portaria nº

6.702/91, não terá efeitos para o futuro, porquanto os cargos restabelecidos extinguir-se-ão na vacância, pelo que não haverá mais

possibilidade de nomear qualquer pessoa para esses cargos.

Ao que se sabe, a Municipalidade e a Câmara Municipal, em suas

informações, requereram a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99

e do art. 226 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, tendo em conta a repercussão nas inúmeras situações jurídicas dos

servidores abrangidos pela lei questionada e obtiveram direito à estabilidade.

Como já disse, os servidores abrangidos pela lei cuja

constitucionalidade se questiona, detêm a peculiar estabilidade jurídica

de estar há quase três décadas em cargos que somente em sua nomenclatura são cargos em comissão, pois não detêm a qualidade da

confiança que caracteriza a etiologia desses cargos.

Demais disso, o escólio do mestre lusitano Rui Medeiros é providencial, cujo excerto apropriado a seguir se transcreve:

não se vislumbram quaisquer razões jurídico-constitucionais imperiosas que imponham rejeição da possibilidade de, em momento ulterior à declaração de inconstitucionalidade, se

reconhecer a existência de fundamento para uma limitação do alcance da declaração de inconstitucionalidade. Pelo contrário,

perante uma verificação da posteriori de que uma declaração de inconstitucionalidade com eficácia retroativa e repristinatória envolveria um sacrifício intolerável de outros interesses

constitucionalmente protegidos, manda o princípio da

proporcionalidade que se admita a superveniente limitação dos efeitos.6

Nada obstante o efeito-regra da declaração da inconstitucionalidade

ser o da teoria da nulidade absoluta, não se pode perder de vista também que o art. 27 da Lei Federal nº 9.868/99, permite a

possibilidade de mitigação dessa regra, com a aplicação da modulação

temporal, possibilitando-se assim a não retroação ou irretroatividade ex nunc, desde que presente os requisitos de violação ao princípio da

segurança jurídica ou em situações de excepcional interesse social.

Nesse sentido é que se mostra:

indubitável a linha de pensamento que extrai a justificativa doutrinária mais cediça e geral: uma declaração de

inconstitucionalidade com efeitos retrativos é um abalo nas estruturas de um ordenamento jurídico,

assim, em muitas situações socialmente habituais pautadas na norma até então constitucionais,

desenvolver-se-iam convulsões insinuadoras de ameaça à segurança jurídica 7. (grifos nossos)

Releva assinalar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em

vários casos, teve a oportunidade de discutir a aplicação do art. 27 da

Lei nº 9.868/99, modulando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, como, por exemplo, no RE 197.917, Rel. Min.

Maurício Correa, p. 07.05.2004; Rcl 2.391, Rel. Min. Marco Aurélio; ADI 3.022; HC 82.959, Rel. Min. Marco Aurélio, p. 8.03.2006; ADI

875, 1.987, 2.727 e 3.243, entre outros.

Exsurge, assim, de forma cristalina e inequívoca, que pendente de decisão final a ação que visa a declaração de inconstitucionalidade da

lei nº 7475/2016, ainda que suspensa liminarmente, não se pode negar aposentadoria àqueles servidores que estão implementando os

requisitos para aposentadoria, nos termos da legislação vigente,

mormente levando-se em conta que não há uma linha sequer nas ações que vêm sendo propostas, que signifique pedido para sustar os

direitos funcionais, por exemplo de recebimento da remuneração pelo

6 Medeiros, Rui, A Decisão de Inconstitucionalidade, Lisboa: Universidade Católica, 1999, pp. 738-39. 7 Gustavo Guilherme Maia Nobre Silva, A modulação temporal dos efeitos das decisões em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade face à segurança jurídica. Jus Navigandi, ano 18, n. 3529, fev. 2013 - Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23833 - Acesso em 30 mar. 2013.

exercício dos cargos e outros decorrentes da relação jurídico-funcional, bem assim com relação ao direito fundamental de aposentadoria.

Igualmente não se pode olvidar que ditos servidores, de boa-fé, não concorreram, de qualquer forma, com o ato impugnado, acreditando

piamente na regularidade de suas situações dele decorrentes (vínculos laboral e previdenciário, aposentadoria e pensões), especialmente

porque diferente não se fez no plano federal e estadual e em muitos municípios, razão pela qual acreditavam eles todos – 28 servidores

ativos, 10 aposentados e 1 pensionista – na já aludida absoluta regularidade de sua situação jurídica (de servidores titulares de cargos

em comissão), situação essa obviamente decorrente do princípio da segurança das relações jurídicas.

Por todo o exposto, até porque pendentes decisões definitivas sobre as leis editadas para equacionamento da situação jurídico-funcional dos

servidores, o nosso entendimento é o de que é possível a concessão de aposentadoria às servidoras que implementaram os requisitos para

concessão do benefício.

Quanto à segunda questão, de eventual devolução das importâncias recebidas a título de proventos, caso a decisão final de todas as ações

judiciais que discutem o vínculo jurídico-funcional das servidoras, seja

pela desconstituição dos atos concessivos da jubilação, de há muito a a doutrina e a jurisprudência de nossos Tribunais já pacificaram a

matéria, no sentido da não devolução.

No Superior Tribunal de Justiça, resta assentado, inclusive em sede de

Recurso Repetitivo, o entendimento de que é incabível a devolução,

pelos servidores, de quantias pagas indevidamente por erro ou

interpretação errônea de lei e diante da boa-fé daquele que a recebeu.

Confiram-se as ementas dos seguintes acórdãos:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ART. 46, CAPUT, DA LEI N. 8.112/90 VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO. BOA-FÉ DO ADMINISTRADO. RECURSO SUBMETIDO AO

REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C DO CPC. 1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei. 2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns

temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.

3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.

4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1.244.182-PB, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 10.10.2102) (g.n.)

ADMINISTRATIVO. PAGAMENTO INDEVIDO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A SERVIDOR. RECEBIMENTO DE BOA-

FÉ. RESTITUIÇÃO. NÃO CABIMENTO. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.244.182, PB, relator o Ministro Benedito Gonçalves,

processado sob o regime do art. 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que "quando a Administração

Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo,

assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público" (DJe 19/10/2012). Agravo regimental improvido

(AgRG no ARESsp 67270-MT, Rel. Min. Ari Pargendler, 1ª Turma, Dje 22.05.2013).

Nesse mesmo sentido: AgRg no AREsp 72241/SC, Rel. Min. Eliana

Calmon, Dje 09.04.2013; AgRg no AREsp 1307541/DF, Min. Castro Meira, Dje 19.08.2013; AgRg no RMS 21463/SP, Min. Alderita Ramos

de Oliveira, Dje. 19.08.2013; AgRg no Resp 136-468/PE 1360468/PE, Min. Mauro Campbell Marques, Dje 01.07.2013.

O entendimento que se vem assentando doutrinariamente é no sentido

de que a constatação de eventual ilegalidade no pagamento de

vencimentos ou proventos dos servidores públicos, não implica, por si só, a obrigatoriedade de reposição das importâncias já recebidas de

boa-fé.

Com efeito, é sabido que os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou melhor, a presunção de

que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica não depende de lei expressa, mas deflui da própria

natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente da estrutura do Estado8.

A súmula 106 do Tribunal de Contas da União, em matéria de devolução de quantias tidas como indevidas, é clara ao

estabelecer que "O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica, por si só a

8 José dos Santos Carvalho Filho: Manual de Direito Administrativo, 18 ed.Lumen Juris, p. 111.

obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data da decisão pelo órgão competente."

É de se registrar que o referido Tribunal tem reafirmado esse entendimento, mesmo diante do art. 46 da Lei nº 8.112/90 (que dispõe

sobre a devolução de importâncias pagas indevidamente aos servidores federais), conferindo-lhe os contornos devidos, ou seja,

prestigiando a boa-fé e interpretando o dispositivo como fixador, tão somente, da forma de processar a devolução.

Dessarte, a citada Corte de Contas entende que o mero registro do

recebimento indevido não é suficiente para fazer nascer a referida

obrigação, quando se tratar de verba de natureza alimentícia. Há de se perquirir a respeito da boa-fé do beneficiário na percepção

das importâncias.

O mesmo Tribunal ainda sumulou a matéria, quando se trata de parcelas indevidas decorrentes de erro de interpretação de lei, por

parte da Administração, na seguinte conformidade:

É dispensada a reposição das importâncias indevidamente

percebidas, de boa-fé, por servidores ativos e inativos e pensionistas, em virtude de erro escusável de interpretação

de lei por parte do órgão/entidade, ou parte da autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão,

à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais. (Súmula 249)

Também nos casos de exercício de fato, ou seja, nos casos em que o

prestador dos serviços não detém o título jurídico de servidor, mesmo

assim a Administração não o obriga à devolução dos vencimentos percebidos.

A Advocacia Geral da União - AGU sumulou a matéria, nos seguintes

termos: "Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou

inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública" (súmula 34).

De sua vez, o Supremo Tribunal Federal já assentou seu entendimento na mesma direção.

Assim, no julgamento do MS 25.641/DF, rel. Min. Eros Grau, DJe

22.02.2008, consignou que a restituição ao erário dos valores recebidos por servidores e reconhecidamente ilegais não dispensa a

aferição dos seguintes requisitos:

“(...)

3. A reposição, ao erário, dos valores percebidos pelos servidores torna-se desnecessária, nos termos do ato

impugnado, quando concomitantes os seguintes requisitos:

- presença de boa-fé do servidor;

- ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada;

- existência de dúvida plausível sobre a interpretação,

validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada;

-interpretação razoável, embora errônea, da lei pela

Administração” (g.n).

Confiram-se, também, trechos do voto proferido pela Min. Carmen Lúcia, no MS 26.085/DF, DJE 13.06.2008:

“Ao contrário da boa-fé, a má-fé não pode ser presumida,

razão pela qual não se pode admitir seja o Impetrante

submetido ao ônus de restituir aquilo que recebeu

indevidamente. Tal situação apenas se mostraria viável se o

Tribunal de Contas da União demonstrasse ter o Impetrante

agido dolosamente com o objetivo de induzir as instituições

em erro, o que não se deu na espécie dos autos. Sobre a

necessidade de se aferir a boa-fé em casos como o presente,

Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari assinalam que: (...) ‘A

boa-fé é um importante princípio jurídico, servindo também

como fundamento para a manutenção do ato tisnado por

alguma irregularidade, (...) podendo, em certas situações,

sobrepor-se ao princípio da legalidade (...) j.15.10.2008)

Em 30 de setembro de 2013, o Ministro Luiz Fux, no julgamento do

mandado de segurança 31.259-DF, decidiu pela não devolução de verbas tidas como indevidas.

O trecho que interessa ao momento é o seguinte:

DESCABIDA A DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES

INDEVIDAMENTE RECEBIDOS, A TEOR DA SÚMULA N. 249, TCU,

VERBIS: É DISPENSADA A REPOSIÇÃO DE IMPORTÂNCIAS

INDEVIDAMENTE PERCEBIDAS, DE BOA-FÉ, POR SERVIDORES

ATIVOS E INATIVOS, E PENSIONISTAS, EM VIRTUDE DE ERRO

ESCUSÁVEL DE INTERPRETAÇÃO DE LEI POR PARTE DO

ÓRGÃO/ENTIDADE, OU POR PARTE DE AUTORIDADE LEGALMENTE

INVESTIDA EM FUNÇÃO DE ORIENTAÇÃO E SUPERVISÃO, À VISTA

DA PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO E DO

CARÁTER ALIMENTAR DAS PARCELAS SALARIAIS.

Não discrepa dessa linha de orientação, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, homenageando também a natureza

alimentar das parcelas de vencimentos ou proventos.

Confiram-se as seguintes decisões:

APELAÇÃO - Mandado de segurança - Servidor público estadual -

Professor - Licença saúde ininterrupta no ano de 2005 (de 14 de

fevereiro de 2005 a 17 de dezembro de 2005) e posterior e

readaptação (17/12/2005) - Redução de carga horária e de

vencimento, para o ano letivo de 2006 - Determinação de

restituição de valores recebidos a mais, referente ao período em

que esteve em licença saúde, por erro da Unidade Escolar ao omitir

o código de licença saúde ao se digitar a carga horária

correspondente ao ano de 2005 - Decadência - Ocorrência apenas

em relação ao ato de redução de carga horária e de redução de

vencimentos, para o ano letivo de 2006 - Prazo de 120 dias para

impetrar o writ contato da ciência desse ato administrativo que se

busca invalidar – Pedido administrativo para manter a carga

horária e reconsiderar decisão anterior - Inadmissibilidade de

devolução, interrupção, ou suspensão do prazo de caducidade - Ato

administrativo único de efeitos projetados em certo tempo -

Qualificação inadmissível como atos sucessivos e autônomos -

Decadência em relação à determinação de devolução de valores

pagos a mais, entretanto, não operada - Boa fé do servidor público

- Reposição de parte de vencimentos afastada. Recurso provido em

parte. 1. Mandado de segurança contra dois atos administrativos

distintos, um (o de redução e carga horária e de vencimentos)

caduco, pela ocorrência da decadência, outro (o de reposição de

parte de vencimentos pagos) não, justifica o ingresso no fundo do

direito líquido e certo invocado no writ, ainda não decaído. 2. O

prazo decadência! para impetração de mandado de segurança

destinado à anulação de ato administrativo de redução de carga

horária e de vencimentos futuros, decorrente de adaptação de

professor, é de cento e vinte dias, contado da respectiva ciência

pelo servidor público, anotada a unidade do ato, embora de efeitos

projetados em certo lapso de tempo. 3. Inadmissível reposição de

vencimentos, ante a boa-fé do servidor público, em situação de

erro imputado apenas à Administração Pública, consistente em

omitir a digitalização do código de licença saúde, para o tempo em

que o servidor esteve afastado por esse motivo (APELAÇÃO N°

9194653-05.2007.8.26.0000, 1ª C. Direito Público, Rel. Des.

Vicente de Abreu Amadei, j. 26.04.2011).

Na mesma trilha:

(Ap. n° 990.10.487780-6, rel. Des. Barreto Fonseca, 7ª Câmara de Direito Público, j. 28 de fevereiro de 2001).

(Ap. n° 891.665-5, rel. Des. Aroldo Viotti, 11ª Câmara de Direito

Público, j. 01 de junho de 2009).

(Ap. n° 99010.258356-2, rel. Des. Maria Laura Tavares, 11ª Câmara de Direito Público, j. 23 de agosto de 2010).

(Ap. n° 994.03.077172-9, Rel. Des. Peiretti de Godoy, 13ª Câmara

de Direito Público, j.28 de abril de 2010).

(Ap. n° 097.087.5/9-00, rel. Des. Scarance Fernandes, 1ª Câmara de Direito Público, j. 21 de dezembro de 1999).

Recentemente, em 26 de janeiro de 2017, ao julgar ação rescisória

proposta pelo INSS (processo Nº 0073469-26.2014.4010000) para desconstituir aposentadoria de segurado do regime, obtida em

razão do instituto da desaposentação, o TRF da 1ª Região, pela 1ª seção, não obstante tenha anulado a decisão judicial, que declarou o

direito à desaposentação, concluiu pela não devolução das quantias recebidas pelo segurado.

O STF no julgamento do Ag. Reg. No MS 26.125/DF , tendo como relator, o Min. Edson Fachin, entendeu que as verbas recebidas em

virtude de liminar não terão de ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios

da boa-fé e da segurança jurídica.

Resumindo: a nossa proposta é a de que pode ser concedida aposentadoria às servidoras que implementaram os requisitos para a

jubilação, tendo em conta a relação jurídico-previdenciária por elas mantida com o IPREF e, caso seja desconstituído o benefício, por força

de decisão judicial posterior que alcance as servidoras, não devem ser

devolvidos os proventos por elas recebidos no período.

É a manifestação, sub censura, fevereiro de 2017.