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Crises do Capitalismo, Estado e Desenvolvimento Regional
Santa Cruz do Sul, RS, Brasil, 4 a 6 de setembro de 2013
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANEJAMENTO
GOVERNAMENTAL E O REORDENAMENTO TERRITORIAL
BRASILEIROS: 1930-1980
Patrícia Batista Freitag1
Rodrigo Santos de Faria2
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar considerações a respeito do planejamento governamental brasileiro no período compreendido entre as décadas de 1930 e 1980 e suas reverberações na estrutura territorial do país. A decisão pelo recorte temporal foi motivada pelo seu caráter desenvolvimentista, em que o Estado brasileiro assumiu o papel de principal agente do desenvolvimento e do ordenamento territorial nacional. Apresenta como eixo estrutural a leitura do exercício do planejamento governamental através de uma abordagem histórica a respeito de variáveis políticas e econômicas balizadoras da atuação estatal. Verificou-se que, embora o Estado brasileiro houvesse apresentado ao longo do período estudado entendimento da necessidade de descentralização espacial dos investimentos governamentais, o período desenvolvimentista é caracterizado, fundamentalmente, por desequilíbrios espaciais, econômicos e demográficos. Palavras-Chave: Planejamento Governamental, Estado brasileiro, Ordenamento Territorial, Capitalismo.
Introdução
Esse trabalho tem como objetivo apresentar considerações a respeito do
planejamento governamental brasileiro, particularmente no período que compreende
as décadas de 1930 e 1980. A decisão por esse recorte temporal foi motivada pelo
caráter desenvolvimentista do Estado brasileiro, em que assumiu o papel de principal
agente do desenvolvimento e do ordenamento territorial nacional.
Nesse sentido, acreditamos que para a compreensão das práticas
governamentais no período em questão, preciso se faz o estudo da conjuntura política,
econômica e social brasileira a partir da década de 1930, quando da mudança da base
produtiva do País e do início de uma profunda transformação do Estado brasileiro que
1 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
Brasília. Email: [email protected] 2 Professor Adjunto do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de Brasília. Email: [email protected]
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passava a abandonar seus interesses em uma economia agrária-exportadora para se
firmar enquanto uma estrutura governamental de interesse, fundamentalmente,
industrial-capitalista.
Como resultado dessa transformação, o Estado pôde usufruir de condições que
possibilitaram o estreitamento da sua relação com política econômica nacional ao
longo de aproximadamente cinquenta anos (1930-1980). Nesse sentido, o
planejamento governamental, enquanto principal instrumento de intervenção estatal
nesse período foi categórico para o exercício de uma prática racionalizada, cujo eixo
norteador foi o interesse em alcançar elevadas taxas de crescimento econômico.
O trabalho está estruturado em duas partes além dessa introdução. Na primeira
serão apresentadas considerações sobre o exercício do planejamento nacional,
destacando os principais aspectos motivadores da ação estatal ao longo do período
desenvolvimentista. Na segunda parte, serão apresentadas aspectos norteadores do
caráter do Estado brasileiro e sua influência para a estruturação do território nacional.
Em seguida, serão expostas as considerações finais.
1. Planejamento Governamental Brasileiro
A formulação teórico-metodológica do planejamento nacional tem origem no
início do século XX. Inicialmente concebido como instrumento de controle social nos
países socialistas, foi inserido às economias capitalistas a partir da década de 1920,
em função dos desarranjos econômicos e sociais provocados pela Primeira Grande
Guerra e pela Crise de 1929.
Nesse período o keynesianismo3 passou a ser incorporado às teorias de
planejamento nacional nos países de economia capitalista, ao apresentar alternativas
compensatórias para fases de recessão econômica, bem como mecanismos de
redução do desequilíbrio social e setorial derivados da lógica de mercado. Segundo
Mindlin (2001) a observância de que o desenvolvimento econômico em um mercado
conduzido pela teoria do laissez-faire não era capaz de responder aos anseios da
sociedade, determinou a elaboração de modelos de política econômica sistematizada,
que conduzissem à alocação ótima de recursos.
Assim, o planejamento foi apresentado como o instrumento necessário à
orientação da economia para resultados específicos e o Estado passava a ser
percebido como o agente responsável pela condução do desenvolvimento, o qual, ao
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atuar como investidor, regulador e protetor do mercado interno, poderia levar a
implicações “não apenas na expansão do produto e do emprego, mas também na
superação das desigualdades espaciais” (PIQUET; RIBEIRO, 2008, p. 50).
Corroborando com essas considerações, Cardoso (1973) enfatiza que o
planejamento passava a ser percebido como o instrumento norteador do processo de
distribuição dos fatores de produção no território, além de contemplar a administração
dos recursos e meios direcionados a objetivos específicos, configurando-se assim
como uma ferramenta que possibilitaria o mapeamento do desenvolvimento nacional.
No Brasil, a atuação do Estado via planejamento foi intensificada a partir da
transição econômica de agrário-exportadora para industrial capitalista. Foi nesse
cenário em que se desenharam os primeiros arranjos favoráveis à inserção do
planejamento nas práticas governamentais brasileiras, mais precisamente no primeiro
governo de Getúlio Vargas em 1930.
A esse respeito, Ianni (1977) observa que a Revolução de 1930 representou
um marco na história do País por reunir as condições econômicas, bem como valores
políticos e sociais tipicamente burgueses necessários à reconfiguração do Estado
brasileiro, que passava de Estado Oligárquico para o Estado tipicamente burguês. O
autor considera que “o poder público passou a funcionar, mais adequadamente,
segundo as exigências e as possibilidades estruturais estabelecidas pelo sistema
capitalista no Brasil” (IANNI, 1977, p.26).
Ou seja, estando as atividades planificadas diretamente associadas à
expansão do capitalismo no País, as práticas político-sociais se realizavam por meio
da reprodução das relações de poder e desigualdades sociais, em que a burguesia
encontrava os meios de garantir sua hegemonia, dificultando o alinhamento do
planejamento ao desenvolvimento em seu sentido mais amplo.
Nesse ínterim, a década de 1930, no Brasil, foi marcada por profundas
mudanças estruturais, não apenas pela ampliação dos debates em torno da
necessidade da apropriação das ações planificadas pelo governo federal, mas pelos
efeitos da recessão econômica mundial de 1929, que particularmente nos países
dependentes representou a necessidade de readequação produtiva, em função dos
efeitos sentidos pela forte dependência dos mercados externos.
Ademais, a intensa aceleração do movimento capitalista no cenário mundial
apresentava-se como fator motivador para a reestruturação da base produtiva nacional
brasileira. Na necessidade de ampliação de suas bases, as economias centrais
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direcionavam investimentos aos países periféricos, dentre os quais o Brasil, que
passava a ser beneficiado com recursos aplicados diretamente no setor industrial,
alocados mais precisamente no estado de São Paulo, que segundo Singer (1987),
único estado que teria acumulado uma infraestrutura compatível com a demanda
industrial inicial.
Sob a proteção dos interesses da burguesia industrial, o discurso
governamental passou a estar direcionado para a defesa da importância da
modernização do País, que viria a ser possibilitado por um Estado forte e
intervencionista. Verificou-se, portanto, no primeiro Governo Vargas (1930-1945),
reformulações dos órgãos governamentais fundamentadas na condenação do
liberalismo econômico, elaboração de diretrizes mais elaboradas e tecnicamente mais
rigorosas para fazer face aos problemas econômicos e sociais do País.
O referido governo foi norteado pela orientação ideológica Nacional
Desenvolvimentista, que apontava para necessidade de integrar fisicamente o País, e
assim, criar as bases para a transição de uma sociedade predominantemente
agrária/rural para industrial/urbana.
Essa intervenção estatal no planejamento econômico foi assegurada pelas
Constituições de 1934 e 1937, que traziam em seu escopo, princípios nacionalistas e
intervencionistas, em contraposição à orientação liberal das constituições anteriores.
Nesse sentido, Schmidt (1983) identifica na estratégia adotada pelo governo
Vargas como “consistente com a ideia de criação de um modelo de desenvolvimento
capitalista autônomo, através do fomento de uma industrialização subsidiada pelo
Estado” (SCHMIDT, 1983, p. 90).
Assim, o Estado partiu para o cumprimento de uma série de medidas
estratégicas direcionadas ao atendimento das conveniências do setor privado, que
compreendia a regularização das relações de trabalho; dos recursos naturais; das
condições infraestruturais (estradas, rodovias, portos, aeroportos), e criação de
empresas estatais e órgãos públicos.
Criadas as condições e demandas com foco em novos modos de intervenção
estatal e de desenvolvimento, o projeto de desbravamento do interior do País,
intitulado de Marcha para Oeste, foi assumido pelo governo Getúlio Vargas, visando,
sobretudo, a eliminação de vazios demográficos na parte central do território brasileiro
e ocupação produtiva das regiões Norte e Centro-Oeste do País.
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Dessa forma, o Estado em consonância com os interesses dos grupos
industriais, passou a intervir cada vez mais na economia, criando condições para o
avanço da atividade industrial. Ocorre que a ampliação da infraestrutura por sobre o
território nacional não se fez acompanhar de incentivos governamentais para o
desenvolvimento das economias regionais, de modo que não houve uma equalização
na articulação comercial das regiões entre si, mas o predomínio do mercado paulista
sobre os demais.
Era o começo de um processo de desenvolvimento econômico marcado pelo
predomínio do estado de São Paulo e pelas disparidades regionais, as quais tendiam
ao aprofundamento na medida em que as mudanças no padrão de acumulação se
ajustavam ao fordismo.
Esse cenário sugere a subordinação das ações do planejamento nacional
brasileiro a uma lógica mais ampla, que atende aos princípios do modo de produção
dominante. A esse respeito, Ianni (1977) observa que esse conjunto de medidas não
foi resultado de um estudo prévio, de caráter global e sistemático e refletia
principalmente os interesses de grupos econômicos e políticos, bem como de
membros do próprio governo, com objetivo de reformular a dependência estrutural que
caracterizava o subsistema econômico brasileiro da época.
Ao final da Segunda Guerra, as críticas aos Países subdesenvolvidos
indicavam para um posicionamento por parte dos seus respectivos governos, em
particular sobre o planejamento, que era visto como meio de se alcançar a
industrialização de forma rápida e eficiente, e assim, diminuir a dependência das
economias centrais (HAFFNER, 2002).
Assim é que o pensamento central desse período pós-guerra voltou-se,
fundamentalmente, para o fortalecimento do modelo desenvolvimentista, que buscava
se articular ao fordismo através da diversificação produtiva e de maior integração
comercial entre as regiões. Essa meta passava pela superação das dificuldades
impostas pela precariedade dos sistemas de transportes, que foi sendo
paulatinamente quebrada na medida em que se expandiram as redes de circulação
pelo interior do país através da ação do Estado.
Esse projeto foi estendido ao governo Juscelino Kubitschek (1956-1960).
Embora ainda verificasse a forte presença de elementos remanescentes da crise da
República Velha, como o regionalismo acentuado e projetos oligárquicos conflitantes,
Schmidt (1983) observa que a influência do nacionalismo, direcionou a política
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econômica do governo JK para um crescimento econômico consistente “baseado na
escolha de um projeto dentro do contexto multinacionalizado, antes de ser
simplesmente o resultado do crescimento constante da intervenção estatal na
economia” (SCHMIDT, 1983, p. 96).
A acumulação das ações planificadas dos governos anteriores, que inclui a
montagem da siderurgia nacional, tornou inadiável uma programação do
desenvolvimento industrial. Assim, as metas governamentais voltaram-se para a
aceleração da industrialização, bem como aplicação de altos investimentos para
construção de infraestrutura viária, em continuação do projeto “Marcha para Oeste”,
apresentando princípios semelhantes às posturas do Estado Novo.
Todavia, Calvalcanti (2009) argumenta que diferentemente do projeto do
governo Vargas focado na formação de um sistema capitalista nacional a partir do
acúmulo interno de capital; JK voltou seu olhar para fora, buscando atrair capitais
internacionais inseridos no modelo fordista, em particular os da indústria
automobilística. Com efeito, Cidade et al. (2008) afirma que o setor industrial
dinamizado por investimentos crescentes, ultrapassou, nesse momento, a agricultura e
tornou-se o novo motor da economia brasileira.
Com a concentração da produção dada pela lógica de mercado, em busca da
eficiência e apoiada institucionalmente, o Estado tendia a uma ação contraditória: “de
um lado organizava o mercado, gerando concentração, e, de outro lado, estabelecia
políticas regionais compensatórias, tentando desconcentrar” (SILVA, 1999, p.47).
O caso do governo JK é sintomático, pois ao mesmo tempo em que se
incentivava a indústria automobilística em São Paulo, montava-se uma política de
desenvolvimento regional na região Nordeste através da criação da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE.
A SUDENE foi instituída em 1959 em uma tentativa de exercer a ação
planejada desta região e atenuar suas crescentes pressões demográficas, políticas e
econômicas. Orientados pelo economista Celso Furtado, os planos desenvolvidos no
âmbito dessa entidade previa o fortalecimento econômico da região Nordeste através
da diversificação produtiva, de estímulos à industrialização calcada na utilização de
recursos locais e o do fortalecimento da agricultura mercantil para o mercado interno.
Ocorre que, segundo Francisco de Oliveira (1981), elementos regionais
relacionados ao latifúndio e à oligarquia agrária não permitiram que o projeto inicial da
SUDENE alcançasse o desempenho das formulações traçadas, reduzindo-o
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basicamente a tarefa de “correia transportadora” de repasse da hegemonia burguesa
do Centro-Sul para o Nordeste mediante incentivos fiscais. Ainda segundo o autor,
isso significava a quebra das barreiras de proteção dos mercados regionais, e a
abertura para entrada de produtos paulistas em mercados que não tinham condições
de competição, levando a desarranjos das suas respectivas estruturas econômicas,
como foi o caso da região Nordeste.
Uma compreensão complementar foi apresentada por Araújo (1993) ao
destacar que o que se viu, de fato, foi “um reajuste” das indústrias do Nordeste ao
processo produtivo da região Sudeste devido a fatores como o fortalecimento do
monopólio da cana; à ocupação da fronteira agrícola do oeste nordestino pelos
capitalistas do Centro-Sul e a estrutura fundiária de grande propriedade, que viria a
impedir a diversificação produtiva local.
A predominância do Sudeste frente às demais regiões do País passava a
requerer uma crescente articulação comercial inter-regional a fim de dar vazão a sua
produção. Como resposta o Estado brasileiro apresentou estratégias de reprodução e
consolidação do capitalismo no País mediante mecanismos de expansão da fronteira
de acumulação de capital através da ocupação das terras nacionais. A esse respeito
Ianni (1977) destaca que, naquele momento, a política econômica teve como principal
instrumento de ação o planejamento territorial.
Assim, a categoria espaço, compreendida, até aquele momento – meados do
século XX, como algo a ser vencido no sistema de circulação de produtos – passava a
estar associado ao processo de desenvolvimento e incorporado à teoria e práxis do
planejamento nacional. Nesse ínterim, a instrumentalização do espaço pelo Estado
brasileiro, enquanto prática política e ideológica é exercida nesse momento em função
da expansão do capitalismo nacional e de uma nova base política para o novo Estado
fortalecido.
A partir de 1964 essa prática ganha novos formatos de intervenção. Os
sucessivos governos ditatoriais travaram um modelo de desenvolvimento econômico
nacional semelhante em diretrizes, visando à construção de um parque industrial
importante e com isso entrar para o restrito elenco das principais economias mundiais.
O alcance desse objetivo era pretendido pela descentralização das atividades
econômicas através da setorização do processo produtivo em diferentes localidades,
ou seja, de integração produtiva.
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Diferentemente da fase anterior nucleada pela indústria paulista em busca de
mercado em outras regiões do País, a fase de integração produtiva propunha o
deslocamento do eixo produtivo através da setorização regional da produção. Apesar
de alguns autores identificarem nessa proposta um mecanismo político de tentativa de
controle do território nacional através da ocupação espacial, Araújo (1993) destaca
que “esse modelo assinalava uma nova forma de funcionamento da economia do País,
que passa a operar em bases cada vez menos locais e cada vez mais nacionais”
(ARAÚJO, 1993, p.88).
Com isso, visava-se à redução das desigualdades inter-regionais, a integração
nacional e ocupação produtiva do território, destacando-se as regiões Amazônica e
Centro-Oeste, que devido suas particularidades naturais e demográficas, foram
enquadradas nos planos nacionais como zonas de expansão da fronteira econômica,
denominadas como “regiões-programa”.
Os Planos nacionais elaborados ao longo das décadas de 1960 e 1970 foram:
Programa de Ação Econômica do Governo – PAEG (1964-1966); Plano Decenal de
Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976); Programa Estratégico de
Desenvolvimento – PED (1968-1970); Metas e Bases para Ação Governamental
(1970-1972); e I, II e III Plano Nacional de Desenvolvimento – PND (1972-1985).
Com exceção do PAEG que apresentou propostas nitidamente concentradoras
a respeito da alocação de recursos no Centro-Sul do país, os demais Planos ditatoriais
definiram suas estratégias pautadas em uma abordagem distributiva dos investimentos
governamentais.
A respeito desse entendimento, o Plano Metas e Bases na tentativa de atenuar
os efeitos negativos da configuração territorial já caracterizada pela forte concentração
populacional em pontos específicos do território, dedicou um capítulo ao Programa de
Integração Nacional – PIN3, com os seguintes objetivos: deslocar a fronteira
econômica e agrícola para as margens do rio Amazonas; Integrar a estratégia de
ocupação econômica da Amazônia e a estratégia de desenvolvimento do Nordeste;
Criar as condições para a incorporação à economia de mercado, a respeito da
capacidade de produção no sentido da aquisição de poder de compra monetário;
Estabelecer as bases para a efetiva transformação da agricultura da região semi-árida
3 Instituído pelo Decreto-lei n° 1.106 em 16 de Junho de 1970.
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do Nordeste; Reorientar as emigrações de mão-de-obra do Nordeste, em direção aos
vales úmidos da própria região e à nova fronteira agrícola (BRASIL, 1970, p.31).
Além do Plano Metas e Bases, o I PND (1972-1974) direcionou as ações
governamentais quanto as políticas de desenvolvimento regional. Sua implantação
ocorreu em um período em que o País experimentava taxas altíssimas de crescimento
econômico, marcada por “derrame de capital externo e estratégias geopolíticas,
unindo o território ao poder central através de um grande esforço de integração
nacional” (CARGNIN, 2007, p.9).
Em um momento denominado “milagre econômico”, a meta principal do I PND
era projetar o Brasil como futura potência mundial. Nesse sentido, suas diretrizes
visavam à redução dos desequilíbrios regionais que envolviam estratégias setoriais
com propostas de desconcentração industrial, introduzindo um conjunto de linhas
mestras para o enquadramento da atividade de todos os setores.
No seu capítulo “Estratégia e Grande Espaço Econômico”, focou-se em
diretrizes de integração entre áreas menos desenvolvidas e mais desenvolvidas, a fim
de permitir a associação de fatores particulares de cada região, como no caso de
abundância de mão-de-obra disponível e não-qualificada do Nordeste, e terra e outros
recursos naturais na Amazônia e no Planalto-Central, o que implicaria em
“reorientação dos fluxos migratórios, a fim de evitar que se dirijam para os núcleos
urbanos do Centro-Sul” (BRASIL, 1971, p.7).
Essa proposta seria reforçada no II PND, que veio a público em 1974, seis
meses após a posse do presidente Ernesto Geisel, com propostas que viriam não
apenas consolidar as ações relacionadas à infraestrutura, como dar uma guinada de
vulto no modelo anterior vigente durante o “milagre” de 1968-1973, com forte
intervenção do Estado que se manifestou com a criação de diversas empresas
estatais. Sua proposta central apresentava-se através de um novo rumo ao
desenvolvimento brasileiro, ao priorizar a intensificação da capacidade energética e de
insumos básicos e bens de capital.
A conjuntura econômica na qual o II PND foi elaborado apresentava indícios de
uma desaceleração do crescimento nos setores de bens de consumo ao mesmo
tempo em que se ampliavam os investimentos em infraestrutura como reflexo do
intenso crescimento econômico do período anterior.
De acordo com Delgado (1989), o diferencial desse plano estava na estratégia
adotada, a qual não se enquadrava em nenhuma variante convencional de resposta a
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crises externas, quais sejam: financiamento e ajustamento. Suas medidas não
passavam pela intenção de evitar dificuldades e sacrifícios, ou pela tentativa de
reajustar a economia através do seu desaquecimento, mas de manter e de promover
transformações estruturais na economia, que já se impunham mesmo antes da crise
devido aos profundos desequilíbrios gerados na fase de crescimento 1967/73.
Nesse sentido, Fonseca e Monteiro (2008) afirmam:
Parecia extemporâneo e fora de propósito acelerar a economia a partir de megaprojetos, sob a forte liderança estatal, justamente quando vários países ajustavam-se, através da recessão, à nova realidade advinda da quadruplicação do preço do petróleo. Ademais, a opção por acelerar o processo de substituição de importações, explicitada no plano, em boa medida lembrava as teses cepalinas, combatidas pelos principais economistas do regime militar (FONSECA; MONTEIRO, 2008, p. 1).
Essas respostas à crise econômica refletia uma postura política de
enfrentamento sem, no entanto, prejudicar o crescimento econômico, em particular ao
que se refere ao papel do Estado assumido no redirecionamento dos investimentos,
que passou a executar um vultuoso programa de investimentos na ampliação de
infraestrutura, mais especificamente energia, transportes e comunicações.
Ademais, Steinberger e Bruna (2001) destacam que, o governo ao pretender
manter o ritmo de crescimento tal como vinha ocorrendo nos anos anteriores, tinha
como pressuposto que todos os segmentos sociais e todas as regiões seriam
beneficiados. Em outras palavras, a organização territorial seguiu a estratégia de
integração nacional do I PND, que visava à criação do mercado interno por meio da
implantação de pólos regionais complementares ao eixo Rio-São Paulo, o
desenvolvimento do Nordeste e a ocupação da Amazônia, sem prejuízo do
crescimento do Centro-Sul do país.
Assim, foram lançadas duas linhas principais de ação: uma direcionada para
substituição de importações de bens intermediários e derivados de petróleo e
ampliação das exportações de artigos industrializados; e outra focada em promover a
urbanização e distribuição do emprego pelo território nacional (FERNANDES;
NEGREIROS, 2004).
Nesse sentido, houve um estímulo maior nos redirecionamentos dos fluxos
migratórios para o interior do país com intuito de diminuir a pressão nas metrópoles do
Centro-Sul e adensar a rede de núcleos urbanos nas regiões menos desenvolvidas.
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As cidades de médio porte, sobretudo aquelas localizadas em regiões de fronteira,
passaram a ser compreendidas como elementos necessários no alcance de uma rede
urbana nacional mais equilibrada, o que ampliaria a demanda pela construção de
novos mercados internos.
Assim é que o II PND contribuiu para promover um verdadeiro rearranjo na
estrutura espacial urbana e regional no País, com atenção para o salto quantitativo no
número de cidades de pequeno e médio porte, como mostra a Tabela 2.
Ocorre que, segundo Cano (1997), a migração de parcelas representativas das
grandes capitais, até então limitados ao Centro-Sul, para áreas menos desenvolvidas
do Brasil, não produziu um desenvolvimento nos mesmos padrões verificados na área
central. Isso por que a formação do mercado nacional via integração mercantil ocorreu
pela via “centro-periferia”, intensificando a expansão do capital na região Sudeste,
particularmente em São Paulo, graças ao amparo complementar exercido pela
estrutura industrial montada na periferia nacional.
Assim é que a região Sudeste continuou a liderar o processo de acumulação
do capital no âmbito nacional. De acordo com Araújo (1999), com 11% do território
brasileiro, o Sudeste respondia, na década de 1970, por 81% da atividade industrial do
País, e São Paulo, sozinho, gerava 58% da produção da indústria existente.
Em 1979 quando registrado o auge da crise do petróleo, o desenvolvimentismo
entra em uma fase de arrefecimento no Brasil, significando o esvaziamento das
políticas governamentais na esfera territorial. Dessa forma, não houve qualquer
implementação do III PND.
Nesse sentido, apesar desse redesenho na estrutura urbana do País, em que
se registrou um aumento significativo das cidades pequenas e médias através do
rearranjo produtivo brasileiro e, consequentemente, populacional, assim como uma
diminuição relativa das disparidades regionais, as metrópoles brasileiras tiveram suas
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participações ampliadas na composição do PIB nacional e na evolução da população
urbana brasileira.
Assim, é lícito considerar que a rede urbana no período desenvolvimentista foi
caracterizada, fundamentalmente, pela primazia da metrópole por oferecer as
condições territoriais necessárias à instalação da grande indústria, à organização do
mercado consumidor e à concentração da classe trabalhadora.
2. O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO NO BRASIL: UMA ABORDAGEM PELA
PERSPECTIVA DO PLANEJAMENTO NACIONAL
No Brasil o Estado foi ao longo de todo o período desenvolvimentista, o
principal agente do ordenamento territorial tanto ao nível da ação do governo federal
quanto do municipal. As grandes decisões estatais foram determinantes para
estruturação da tessitura urbana atual, hierarquizada conforme os arranjos
econômicos ‘necessários' para o desenvolvimento nacional.
Com a concentração de poder e por traz de um discurso nacionalista,
sustentado por propostas de descentralização espacial da produção e de integração
nacional, as ações do Governo Federal, que incluíam a construção de rodovias e
demais elementos infraestruturais, adentraram regiões ainda não ocupadas e/ou
exploradas do território nacional, através do qual poderia se esperar uma configuração
territorial, de certo modo, equilibrada.
Entretanto, devido à imbricação do Estado com a burguesia industrial, estas
ações serviram para possibilitar a ampliação das fronteiras de reprodução do capital
nucleado na “região” de São Paulo através da circulação nacional das mercadorias ali
produzidas.
De acordo com Oliveira (1981) isso significava a quebra das barreiras de
proteção dos mercados regionais, e a abertura para entrada de produtos paulistas em
mercados que não tinham condições de competição, levando a desarranjos das suas
respectivas estruturas econômicas, como foi o caso da região Nordeste.
De forma complementar, Guimarães Neto (1997) afirma que essa região
passou a sofrer tanto a perda dos mercados que detinha fora da região quanto o
espaço econômico no interior de sua própria economia, propiciando, assim, a
consolidação da produção nacional a um número restrito de cidades.
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A razão para tal desequilíbrio, segundo Araújo (2000), encontra-se no teor da
‘natureza’ do Estado brasileiro no período compreendido entre 1930-1980:
Essencialmente, o que caracterizava o Estado brasileiro nesse período era seu caráter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário. Não era um Estado de Bem-Estar Social. O Estado era promotor do desenvolvimento e não o transformador das relações da sociedade. Um Estado conservador que logrou promover transformações fantásticas sem alterar a estrutura de propriedade, por exemplo (ARAÚJO, 2000, p. 12).
Como decorrência desse Estado embrionário e seletivo, as ações
governamentais limitaram-se, fundamentalmente, ao fomento de setores econômicos
modernos, excluindo ou limitando o meio rural e centenas de pequenas cidades do
provimento de serviços urbanos básicos, como água, esgoto, calçamento e mesmo
eletrificação, além de educação e saúde.
Nesse sentido, a rede urbana no período desenvolvimentista foi caracterizada
pela primazia da metrópole, por oferecer as condições territoriais necessárias à
instalação da grande indústria, à organização do mercado consumidor e à
concentração da classe trabalhadora. De acordo com Cidade et. al. (2008), essa
configuração territorial caracterizada pela formação de complexos industriais e pela
expansão metropolitana, propícias às economias de escala e de aglomeração, é típica
do fordismo.
Além disso, Oliveira (1981) destaca demais fatores igualmente relevantes no
entendimento da urbanização/metropolização do Brasil:
A explicação para essa acelerada urbanização está em primeiro lugar, na industrialização, em segundo lugar na des-ruralização da produção com a expulsão dos trabalhadores do interior dos estabelecimentos produtivos [...], na fortíssima concentração de renda que provocou uma verdadeira corrida para as cidades com o trabalho “informal" como processo perverso de aproveitamento da força-de-trabalho disponível, e na adoção de um padrão de transportes baseado na rodovia. Finalmente, na concentração de serviços nas grandes cidades, sobretudo os de educação e saúde (OLIVEIRA, 2004, p. 27).
Como se pode ver, a mudança da base econômica nacional desencadeou uma
série de efeitos sistêmicos resultando na aceleração da urbanização com poucos
paralelos na história mundial; apenas o Japão e a ex-União Soviética experimentaram
tão radical mudança de localização da população (OLIVEIRA, 2004).
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Guardadas as devidas proporções e especificidades, o processo de
urbanização tem sido apresentado mundialmente como inerente à modernização.
Entretanto, nos Países da América Latina esse processo se revela através de um forte
fator de complexidade: o subdesenvolvimento.
Refletindo sobre a posição de alguns autores acerca desta problemática, como
Santos (1965), Furtado (2003), Cano (2007), deduzimos que a importância em se
destacar esse aspecto está no fato de que, o espaço sendo um elemento contido de
uma dimensão ideológica, política e financeira, torna-se um pressuposto da lógica do
subdesenvolvimento. Particularmente no Brasil, onde as estruturas fundiárias
oligárquicas estão nas esferas mais altas de decisão, torna-se parte inerente da lógica
de organização espacial expresso através de grandes diferenciações no padrão de
urbanização que se dá em função do modo de acumulação do capital local.
Ou seja, enquanto nos países desenvolvidos o processo de urbanização em
sua forma mais expressiva ocorreu concomitante ao da industrialização, servindo de
suporte de distribuição da riqueza através das possiblidades criadas por um
crescimento equilibrado; no Brasil, Oliveira (1981) observa que a presença de
variáveis como o regime escravocrata pautado na ação de uma elite agrária
latifundiária, condicionou a emergência do modo de produção a um relativo atraso,
implicando em uma organização espacial induzida e determinada pelos interesses e
conveniências estatais, bem como pelas limitações de recursos governamentais, ou
seja, uma organização espacial apoiada em um crescimento econômico concentrado e
desequilibrado.
A tentativa de equiparação da economia brasileira em relação às sociedades
“avançadas” posicionou o Estado a se comprometer, fundamentalmente, com o
crescimento econômico em detrimento de demais fatores. Na esperança de que o
Brasil viesse a se integrar aos mercados emergentes que estavam aos poucos sendo
incorporados ao sistema fordista de produção e consumo de massa, o
desenvolvimento nacional foi induzido à custa de dispendiosos desequilíbrios em sua
estrutura interna. Dessa forma, o processo de desenvolvimento brasileiro foi
paulatinamente acrescido por contrastes entre a riqueza e a pobreza, produzidos e
reproduzidos ao longo de sua história (CIDADE, 2008).
Em função das grandes restrições de recursos para investimentos públicos,
essas diferenciações ocorreram em todas as ordens estruturais, sendo espacialmente
expressas por uma intensa concentração de investimentos em um número reduzido de
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centros urbanos ou metropolitanos, onde já se encontravam os elementos necessários
para uma transição econômica a menor custo.
Teoricamente, essa assimetria no processo de crescimento econômico é
identificada pelas abordagens de caráter dualista, como não-articuladas ou não-
integradas, dominadas e exploradas pelas áreas centrais ou metropolitanas. Dentro
deste enfoque, enquadram-se críticas a respeito do modelo de urbanização baseado
na cidade-primata, em que a concentração excessiva de populações e recursos, tende
a dificultar o processo de desenvolvimento.
Esse é um aspecto analisado por Santos (1965), que observa a preocupação
dos Países de renda elevada em aplainar as diferenças regionais, tendo por base de
que “o efeito multiplicador do subdesenvolvimento nota-se bem mais fortemente no
corpo da Nação quando há grandes distâncias sociais e econômicas entre as diversas
áreas” (SANTOS, 1965, p.138).
Por outro lado, conforme afirma Rattner (1974), demais autores procuram
explicar a importância da origem e do contínuo aumento das disparidades regionais
como um primeiro passo necessário no caminho do desenvolvimento. Nesse sentido,
consideram os efeitos de polarização e concentração urbana como condição
indispensável ao crescimento econômico, por possibilitar economias de escala e
despesas reduzidas em sociedades com recursos de capital escassos.
A respeito dessa presunção, que advoga a necessidade de concentração,
Rattner (1974) chama atenção para os dissensos entre a crença de que essa
desigualdade tenderia a ser atenuada por um equilíbrio natural, através de fluxos
compensadores de recursos das regiões mais ricas para as mais pobres; e a dinâmica
natural do processo de crescimento capitalista, em que se observa uma evidência
clara do contínuo crescimento entre diferenças de renda e bem-estar.
Porém, independentemente de controvérsias teóricas, Schmidt (1983) adverte:
as políticas governamentais brasileiras parecem ter adotado um modelo de modernização que apresenta um aproveitamento positivo dos desequilíbrios territoriais existentes. O resultado aparente destas políticas é a contínua concentração de investimentos e incentivos para o crescimento de setores urbanos, com a decorrente manutenção de substanciais desigualdades regionais (SCHMIDT, 1983, p. 49).
Essa tendência passou a ser mais francamente perceptível a partir da década
de 1950, quando houve um estímulo maior à produção nos moldes da substituição de
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importações. Com a concentração de produção e consumo, assim como de
população, em torno de alguns pontos específicos do território nacional, foram
definidos os formatos das primeiras áreas metropolitanas.
Com base nos dados do censo realizado pelo IBGE, Schmidt (1983) observa
que em 1950 a população urbana metropolitana representava 39,3% da urbana total,
passando para 43,1% em 1970. Isso indica que além de uma urbanização global do
País, houve um processo de rápida metropolização da população.
Esse intenso crescimento demográfico em pontos específicos do território
brasileiro foi inicialmente registrado, sobretudo na região Centro-Sul, onde eram
geradas as decisões financeiras, mercadológicas e tecnológicas que conformavam a
econômica nacional. Um olhar mais próximo sobre essa região revela a dominação
das cidades de Rio de Janeiro e São Paulo, em função de sua influência nacional e
supranacional.
A esse respeito, Santos (1996) destaca que desde o decênio 1940-1950 o
incremento demográfico da Região Metropolitana de São Paulo tornou-se mais
significativo que o correspondente à RM do Rio de Janeiro, ultrapassando-a a partir do
decênio de 1960-1970, quando a RM de São Paulo passou a absorver
aproximadamente 40% do incremento total das RMs.
Em parte, esse fenômeno se explica pela perda da força atrativa do Rio de
Janeiro dada pela transferência da capital federal para Brasília e pela consolidação
produtiva do estado de São Paulo que continuou a absorver maior parcela do capital
físico do País em equipamentos, instalações e edificações.
Conforme pode ser visto na Tabela 3, o incremento populacional de São Paulo
passou a ser mais significativo principalmente na década de 1960.
Tratava-se de uma resposta ao modelo de desenvolvimento econômico
adotado após 1964, que continha, implicitamente, uma opção de concentração urbana.
Essa orientação foi apropriada pelo PAEG (1964-1966):
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A maximização da taxa de crescimento econômico a curto prazo, pode exigir concentração de investimentos nas regiões de mais rápido progresso, onde a presença de economias de escala e economias externas assegurariam maior rentabilidade do investimento (BRASIL, 1964, p. 225).
Com efeito, a postura governamental assumida em 1964 induziu um arranjo
populacional nacional desequilibrado, sendo mais tarde atenuado por novas propostas
de descentralização produtiva. Nesse sentido, em paralelo ao apoderamento paulista,
os planos de governo que passaram a direcionar investimentos para outras regiões do
País, através de políticas de compensação, permitiram um redesenho da divisão social
do trabalho regional e nacional, resultando em reorientações dos fluxos migratórios
para demais localidades do território nacional.
Isso permitiu, segundo Souza (1999), uma reconfiguração da rede urbana
brasileira, em que houve o crescimento da importância das cidades de 500 mil a 2
milhões de habitantes, caracterizando o processo de metropolização não mais restrito
ao Centro-Sul, mas da urbanização brasileira como um todo, como apresentado no
Figura 2, que identifica as Regiões Metropolitanas brasileiras.
Esse processo de interiorização do processo de metropolização no território
brasileiro foi acompanhado de elevado dinamismo e expressivo crescimento
populacional em aglomerações do interior de várias regiões do país, passando a
absorver parte do crescimento antes direcionado para a principal cidade de cada
estado.
O aumento dos fluxos migratórios para as áreas metropolitanas somado à
incapacidade de absorção do contingente populacional pelos setores formais da
economia e ao desalinhamento e incompatibilidade dos conteúdos da política urbana
brasileira (política habitacional, uso da terra urbana, transportes, etc.), gerou uma
heterogeneidade característica das metrópoles brasileiras, presente na dicotomia entre
centro e periferia.
Essa análise é feita por Villaça (1998). O autor identifica que nos países
periféricos, a configuração intraurbana das metrópoles formadas na etapa da
industrialização fordista (ao longo de parte do século XX) é caracterizada por uma
organização assentada a partir do modelo socioespacial centro/periferia. Estes
espaços concentram capitais, investimentos, crescimentos, modernização, acesso a
serviços e infraestrutura de forma contínua e qualificada, e, ao mesmo tempo, pobreza
e precariedade e profundos desarranjos ambientais.
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Com a elaboração do I PND, foi reforçada a ideia de que a importância
econômica das áreas urbanas transcendia os interesses municipais e que o governo
federal deveria assumir parte das suas responsabilidades da gestão urbana
(GOUVÊA, 2005, p.90).
Nesse sentido, foram instituídos em 1970, pelo governo federal, os primeiros
arranjos institucionais de Regiões Metropolitanas foram instituídos pelo governo
federal na década de 1970, através da Lei Complementar Federal 14. Foram criadas
neste período nove RM nas quais geopoliticamente estavam inseridas capitais do País
envolvidas no processo de industrialização, representantes do progresso nacional –
RMs de Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de
Janeiro, Salvador e São Paulo.
Esse cenário enquadra-se nas observações feitas por Cintra e Haddad (1978).
Os autores fazem críticas à maquina governamental brasileira que se apresentava
setorizada e orientada por princípios “privatístico-empresarial”, assemelhando-se a um
conglomerado de empresas dotadas de grande autonomia.
O resultado desta fragmentação era verificado na dificuldade de um esforço
contínuo direcionado a objetivos convergentes, que no caso da política urbana, tendeu
a se agravar devido aos inúmeros conflitos entre interesses de grupos e classes
sociais e à diversidade de conteúdos heterogêneos da qual é constituída (CINTRA;
HADDAD 1978).
Ademais, o centralismo crescente na administração pública no período
ditatorial, posicionou a política urbana na periferia da organização político-
administrativa, reduzindo seu grau de liberdade, limitando-a e subordinando-a às
prioridades dos objetivos macroeconômicos ou nacionais.
O efeito desse modo de governança foi particularmente sentido nas áreas
metropolitanas, que já ocupavam, desde meados do século XX, o centro das
discussões acerca da política urbana nacional, devido sua importância no
desenvolvimento econômico do País.
Ante o exposto, é lícito observar que o processo de metropolização não é
necessariamente um fenômeno relacionado apenas ao processo de industrialização.
Fatores associados à incipiente penetração de relações capitalistas no campo; à
ausência de políticas públicas, de incentivos governamentais e investimentos em
áreas deprimidas ou pouco desenvolvidas, de onde é originado grande parte do
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contingente populacional, estão entre as variáveis de maior contribuição para a
metropolização de uma determinada economia.
Isso quer dizer que, tão importante quanto investigar a respeito dos fatores
atrativos dos grandes centros urbanos, é o entendimento dos aspectos motivadores de
liberação populacional em regiões com baixo poder de fixação.
3. Considerações Finais
Ao longo de aproximadamente cinquenta anos (1930-1980), o Brasil viveu um
período de plena expansão de suas atividades produtivas industriais. Com intuito de
gerar novos mercados e, assim, realimentar intermitentemente a geração de
demandas internas, o Estado, no papel de principal agente do desenvolvimento,
apresentou como estratégia central a expansão da fronteira econômica via ocupação
territorial. Buscava-se por meio da construção de novos núcleos urbanos e da
ampliação da infraestrutura, promover a interiorização do desenvolvimento.
Entretanto, verificou-se nesse trabalho que, a presença de variáveis
relacionadas à própria estruturação do Estado brasileiro, à estrutura fundiária e à
escassez de recursos governamentais, condicionou o modo de produção a uma forte
concentração espacial, sobretudo na região Centro-Sul. Como consequência desse
fenômeno, teve início em meados do século XX a configuração do processo de
metropolização no Brasil.
Com o objetivo de atenuar os efeitos negativos do intenso agrupamento
populacional em reduzido número de áreas urbanas, o Governo Federal partiu para
adoção de medidas especificas no que concerne à conjugação de diretrizes da política
econômica e demográfica como as medidas de reestruturação demográfica através da
contenção de fluxos migratórios em áreas de fronteira, com intuito de atenuar as
demandas pelas metrópoles nacionais bem como criar condições de ocupação do
espaço vazio do território nacional. Entretanto, verificou-se que, embora o Estado
brasileiro houvesse apresentado ao longo do período estudado entendimento da
necessidade de descentralização espacial dos investimentos governamentais, o
período desenvolvimentista é caracterizado, fundamentalmente, por desequilíbrios
espaciais, econômicos e demográficos.
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