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1 Professor: Leonardo Malgeri REVOLUÇÃO DE 1930 FIM DO CAFÉ-COM-LEITE Uma das mais significativas mudanças sociais ocorridas a partir da segunda metade da década de 1910 foi a urbanização e o crescimento industrial. Devido à adoção de políticas protecionistas e estímulos indiretos, o setor industrial brasileiro expandiu-se e diversificou-se de modo a promover o crescimento das camadas sociais urbanas. A expansão da indústria fez surgir a burguesia industrial, a classe média e o operariado. Nas regiões Sul e Sudeste do país, onde essas transformações foram mais intensas, o surgimento e o crescimento desses novos grupos e classes sociais colocaram em xeque o domínio político exclusivo das oligarquias agrárias. Camadas sociais urbanas -As camadas sociais urbanas, principalmente a burguesia, passaram a reivindicar participação nas decisões governamentais e reformas das instituições políticas. Surgem então exigências de mudanças no sistema eleitoral de modo a acabar com a fraude, a corrupção e o coronelismo. Passam a pressionar também por mudanças na política econômica reivindicando maior investimento e incentivo público ao setor industrial e o fim da política de apoio exclusivo ao café. Por outro lado, o operariado crescerá em número e em organização provocando o surgimento de sindicatos trabalhistas. Os sindicatos trabalhistas lutarão contra as longas jornadas de trabalho, os baixos salários, as condições degradantes do ambiente fabril e a vigilância e repressão policial. Para as elites dominantes, as reivindicações trabalhistas eram tratadas como "caso de polícia". Mas a constante repressão policial contra os trabalhadores não impediu, porém, a eclosão de greves por todo o país. As pressões e reivindicações crescentes do operariado urbano apontou para necessidade de uma política de caráter governamental de ampliação e proteção dos direitos dos trabalhadores que assegurassem condições dignas de trabalho e remuneração. O tenentismo - Também neste período surge o primeiro movimento político e militar que marcará presença no cenário político nacional e influenciará os rumos das decisões governamentais. Liderado pela jovem oficialidade do Exército, (os tenentes, e em menor número os capitães), o tenentismo surge como movimento de insatisfação da oficialidade militar diante dos problemas políticos, sociais e econômicos do país. As reivindicações do movimento tenentista coincidiam com as aspirações da classe média urbana. Criticavam o sistema eleitoral e as eleições, defendiam o voto secreto, reformas sociais e econômicas. O movimento tenenista foi portador de uma ideologia própria, bastante influente no meio militar, que propunha a ascensão dos militares ao poder na crença de que os civis eram incapazes de governar e solucionar os problemas do país. Entre 1921 e 1930 o movimento tenentista realizou várias revoltas e rebeliões armadas com objetivo de derrubar os governos oligárquicos e assumir o poder. O primeiro movimento tenentista ocorreu em 5 de julho de 1922 e ficou conhecido como a Revolta do Forte de Copacabana. Os militares que lideraram esse movimento eram contrários à candidatura do mineiro Artur Bernardes (representante dos interesses das oligarquias cafeicultoras de Minas Gerais e São Paulo na disputa

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Professor: Leonardo Malgeri

REVOLUÇÃO DE 1930 – FIM DO CAFÉ-COM-LEITE Uma das mais significativas mudanças sociais ocorridas a partir da segunda metade da década de 1910 foi a urbanização e o crescimento industrial. Devido à adoção de políticas protecionistas e estímulos indiretos, o setor industrial brasileiro expandiu-se e diversificou-se de modo a promover o crescimento das camadas sociais urbanas. A expansão da indústria fez surgir a burguesia industrial, a classe média e o operariado. Nas regiões Sul e Sudeste do país, onde essas transformações foram mais intensas, o surgimento e o crescimento desses novos grupos e classes sociais colocaram em xeque o domínio político exclusivo das oligarquias agrárias. Camadas sociais urbanas -As camadas sociais urbanas, principalmente a burguesia, passaram a reivindicar participação nas decisões governamentais e reformas das instituições políticas. Surgem então exigências de mudanças no sistema eleitoral de modo a acabar com a fraude, a corrupção e o coronelismo. Passam a pressionar também por mudanças na política econômica reivindicando maior investimento e incentivo público ao setor industrial e o fim da política de apoio exclusivo ao café. Por outro lado, o operariado crescerá em número e em organização provocando o surgimento de sindicatos trabalhistas. Os sindicatos trabalhistas lutarão contra as longas jornadas de trabalho, os baixos salários, as condições degradantes do ambiente fabril e a vigilância e repressão policial. Para as elites dominantes, as reivindicações trabalhistas eram tratadas como "caso de polícia". Mas a constante repressão policial contra os trabalhadores não impediu, porém, a eclosão de greves por todo o país. As pressões e reivindicações crescentes do operariado urbano apontou para necessidade de uma política de caráter governamental de ampliação e proteção dos direitos dos trabalhadores que assegurassem condições dignas de trabalho e remuneração. O tenentismo - Também neste período surge o primeiro movimento político e militar que marcará presença no cenário político nacional e influenciará os rumos das decisões governamentais. Liderado pela jovem oficialidade do Exército, (os tenentes, e em menor número os capitães), o tenentismo surge como movimento de insatisfação da oficialidade militar diante dos problemas políticos, sociais e econômicos do país. As reivindicações do movimento tenentista coincidiam com as aspirações da classe média urbana. Criticavam o sistema eleitoral e as eleições, defendiam o voto secreto, reformas sociais e econômicas. O movimento tenenista foi portador de uma ideologia própria, bastante influente no meio militar, que propunha a ascensão dos militares ao poder na crença de que os civis eram incapazes de governar e solucionar os problemas do país. Entre 1921 e 1930 o movimento tenentista realizou várias revoltas e rebeliões armadas com objetivo de derrubar os governos oligárquicos e assumir o poder. O primeiro movimento tenentista ocorreu em 5 de julho de 1922 e ficou conhecido como a Revolta do Forte de Copacabana. Os militares que lideraram esse movimento eram contrários à candidatura do mineiro Artur Bernardes (representante dos interesses das oligarquias cafeicultoras de Minas Gerais e São Paulo na disputa

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eleitoral daquele ano para a Presidência da República). Mas a oficialidade rebelde foi derrotada por forças militares fiéis ao governo. Coluna Prestes - Em 1924 eclode a Revolta Tenentista de São Paulo. Mas após violentos confrontos, os revoltosos são derrotados. Os que conseguiram escapar do cerco e da perseguição se refugiaram no interior e juntaram-se a outro movimento revolucionário tenentista, proveniente do Rio Grande do Sul. Da união desses tenentes surge, em 1925, a Coluna Prestes. Composta por centenas de oficiais e soldados e liderada por Miguel Costa e Luiz Carlos Prestes, a Coluna percorreu cerca de 24 mil quilômetros pelo interior do território brasileiro. Após anos de marcha e inúmeros confrontos com as forças militares governamentais, a Coluna Prestes foi derrotada, em 1927. Os tenentes fariam parte das forças políticas que vão desencadear a Revolução de 1930. A crise de 1929 - Em 1929 a economia mundial é abalada por uma forte crise provocada pela falência da bolsa de valores de Nova York. A crise de 1929 atingiu duramente os Estados Unidos e os países europeus. Sendo ainda um país predominantemente agrário, exportador de produtos primários, principalmente o café, e dependente dos mercados e empréstimos externos, a crise de 1929 atingiu duramente a economia do Brasil. Nesse contexto, os mercados consumidores encolheram drasticamente. Diante da crise, os cafeeicultores recorreram, como de costume, ao apoio do governo federal que, porém, foi incapaz de dar continuidade à política de proteção ao setor. Por esse motivo, a crise de 1929 também foi um importante fator a contribuir para o enfraquecimento político das oligarquias cafeeiras e além disso deixou claro para as elites dominantes a inviabilidade e os limites do modelo de economia agroexportadora.. As Oligarquias dissidentes - A Política dos Governadores firmada no governo do presidente Campos Salles (1898-1902) consistiu num acordo tácito entre as oligarquias cafeeiras paulista e mineira com objetivo de estabelecer a hegemonia na política nacional em defesa dos seus interesses. Por meio de acordos entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM), os dois estados indicavam um nome de consenso como candidato ao governo federal e elegeram praticamente todos os presidentes da República. A aliança entre São Paulo e Minas Gerais ficou conhecida como a política do "café-com-leite". Contra a hegemonia política paulista e mineira insurgiram as oligarquias das Regiões Sul e Nordeste. No final da década de 1920 as pressões e conspirações das oligarquias dissidentes ampliaram-se. Mas foi o rompimento da aliança entre São Paulo e Minas Gerais que provocou o movimento revolucionário que solapou a República Velha. O movimento revolucionário - Na sucessão presidencial de 1930, São Paulo e Minas Gerais discordaram sobre o nome do candidato que disputaria o pleito. O presidente Washington Luiz apoiou a candidatura do paulista Julio Prestes, ao invés de apoiar a candidatura do mineiro Antônio Carlos. Essa atitude levou Minas Gerais a romper com a aliança com os paulista e a apoiar as oligarquias de outros estados: do Rio Grande do Sul e da Paraíba. Desse modo, esses três estados formaram um grupo político de oposição chamado Aliança Liberal. Nas eleições de 1930 a Aliança Liberal apresentou como candidato a presidente o gaúcho Getúlio Vargas e o paraibano João Pessoa para vice-presidente. Foram derrotados pelo candidato do governo, Júlio Prestes. Mas, Julio Prestes não chegou a tomar posse, porque meses depois das eleições eclodiu a revolução que colocou Getúlio Vargas no poder.

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Contando com o apoio militar dos tenentes, as oligarquias dissidentes de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul desencadearam um movimento de revolta em várias regiões do país. Diante de uma eminente guerra civil, as Forças Armadas (Exército e Marinha) deram um golpe de Estado depondo o presidente Washington Luiz. Uma junta militar transmitiu o governo a Getúlio Vargas, líder máximo da Revolução. Vargas governou o Brasil de 1930 a 1945. Seu governo atravessou uma fase provisória, uma fase constitucional e depois se transformou numa ditadura que promoveu muitas mudanças na economia e a modernização das instituições políticas.

GOVERNO PROVISÓRIO (1930 - 1934) Nomeado presidente, Getúlio Vargas usufruia de poderes quase ilimitados e, aproveitando-se deles, começou a tomar políticas de modernização do país. Ele criou, por exemplo, novos ministérios - como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde -, e nomeou

interventores de estados. Na prática, os estados perdiam grande parte da sua autonomia política para o presidente. Continuou com a Política de Valorização do Café (PVC) e criou o Conselho Nacional do Café e o Instituto do Cacau, atendendo assim a algumas das reivindicações das oligarquias cafeeiras. A Getúlio Vargas também é creditado, nesta época, a Lei da Sindicalização, que vinculava os sindicatos brasileiros indiretamente - por meio da câmara dos deputados - ao Presidente. Vargas pretendia, assim, tentar ganhar o apoio popular, para que estes apoiassem suas decisões (a política conhecida como populismo). Assim sendo, houve, na Era Vargas, grandes avanços na legislação trabalhista brasileira, muitos deles não devidos

exatamente a Vargas - a quem cujo crédito maior é o estabelecimento da CLT - mas sim por parte de parlamentares constituintes do período. Mudanças essas que perduram até hoje Revolução Constitucionalista de 1932 - Em 1931, Getúlio Vargas derruba a Constituição brasileira, reunindo enormes poderes no Brasil. Isso despertou a indignação dos opositores, principalmente oligarcas e a classe média paulista, que estavam desgostosos com o governo getulista. A perda de autonomia estadual, com a nomeação de interventores, desagradou ainda mais. Por mais que Getúlio tenha percebido o erro e tentado nomear um interventor oligarca paulista, os paulistas já arquitetavam uma revolta armada, a fim de defender a criação de uma nova Constituição. Quando quatro estudantes paulistanos (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) são assassinados no dia 23 de Maio de 1932, diversos setores da sociedade paulista se mobilizam com o evento, e toda a sociedade passa a apoiar a causa constitucional. No dia 9 de Julho do mesmo ano, a revolução explode pelo estado. Os paulistas contavam com apoio de tropas de diversos estados, como Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul, mas Getúlio Vargas foi mais rápido e conseguiu reter esta aliança, isolando São Paulo. Sem qualquer apoio, os flancos paulistas ficaram vulneráveis, e o plano de rápida conquista do Rio de Janeiro transformou-se em uma tentativa desesperada de defender o território estadual. Sem saída, o estado se rende em 2 de Outubro. Mesmo com a vitória militar, Getúlio Vargas atende alguns pedidos dos republicanos, e aprova a Constituição de 1934. O estado de São Paulo não conseguiu a adesão de praticamente nenhum outro estado brasileiro. Os paulistas, chefiados por Isidoro Dias Lopes, permaneceram isolados, sem adesão das demais unidades

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da federação, excetuando um pequeno contingente militar vindo do Mato Grosso, sob o comando do general Bertoldo Klinger. Claramente porque era uma revolução que era mais basicamente encabeçada pela elite do PRP - Partido Republicano Paulista - que, por meios de propaganda eficientes, conseguiu galgar apoio de diversos setores da sociedade paulista - taxando um ditador populista em uma cruel ditadura fascista. Para reprimir a rebelião paulista, Vargas enfrentou sérias dificuldades no setor militar, pois inúmeros generais simplesmente recusaram a missão, tendo em vista que estes temiam a ameaça de perder os cargos. Percebendo o débil apoio que tinha no seio da cúpula do Exército, e a fim de conquistá-lo, Vargas rompeu em definitivo com os tenentes, que não eram bem vistos pelos oficiais legalistas. Em 3 de outubro de 1932, em meio a crise militar e apesar dela, Getúlio conseguiu esmagar a revolta paulista. O Governo Constitucionalista (1934 - 1937) - Getúlio Vargas convoca a Assembléia em 1933, e em 16 de Julho de 1934 a nova Constituição, trazendo novidades como o voto secreto e o voto feminino, era o fim do tão famigerado voto aberto preponderante na República Velha. Nessa mesma época, duas vertentes políticas começaram a influenciar a sociedade brasileira. De um lado, a extrema direita fundara a Ação Integralista Brasileira (AIB), de caráter fascista e pregando um Estado totalitário. Do outro, crescia a força de esquerda da Aliança Nacional Libertadora (ANL), inspirado no regime socialista da União Soviética, que também era totalitário. Integralismo: Corrente que defendia o fascismo no Brasil, liderada por Plínio Salgado. Aliancismo: Corrente que defendia a revolução socialista no Brasil através da Intentona Comunista, liderada por Luiz Carlos Prestes e Olga Prestes. O Plano Cohen - Getúlio Vargas sempre se mostrou contra o socialismo, e usou este pretexto para o seu maior sucesso político - o golpe de 1937. O PCB, que surgiu em 1922, havia criado a Aliança Nacional Libertadora, mas Getúlio Vargas a declarou ilegal, e a fechou. Assim, em 1935, a ANL (segundo alguns, com o apoio da Internacional Comunista Comintern) montou a Intentona Comunista, uma revolta contra Getúlio Vargas, mas que este facilmente conteve. Em 1937, os integralistas forjaram o "Plano Cohen", em que dizia-se que os socialistas planejavam uma revolução maior e mais bem-arquitetada do que a de 1935, e teria o amplo apoio do Partido Comunista da União Soviética. Os militares e boa parte da classe média brasileira, assim, apóiam a idéia de um governo mais fortalecido, para espantar a idéia da imposição de um governo socialista no Brasil. Com o apoio militar e popular, Getúlio Vargas derruba a Constituição, e declara o Estado Novo.

O Estado Novo - A ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) A constituição de 1934 marcou o início do processo de democratização do país, dando seqüência às reivindicações revolucionárias. Ela trouxe avanços significativos como o princípio da alternância no poder, a garantia do voto universal e secreto, agora estendido às mulheres, a pluralidade sindical e o direito à livre expressão. Determinava também a realização de eleições diretas em 1938, nas quais o povo finalmente teria o direito de eleger o chefe supremo da Nação e proibia a reeleição de Getúlio. Mas o processo de democratização em curso ainda iria enfrentar muitos obstáculos. Desde fins de 1935, havia um clima de efervescência no país. De um lado, acirravam-se as disputas eleitorais e, de outro, multiplicavam-se as greves e as investidas oposicionistas da ANL -

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Aliança Nacional Libertadora contra o governo Vargas. A ANL foi fundada por tenentes dissidentes da Revolução de 30, que defendiam a reforma agrária e combatiam as doutrinas nazifascistas. Influência nazifascista - A conjuntura mundial estava sob forte influência do nazifascismo, representado por Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália. Era uma época marcada por forte sentimento nacionalista e pela centralização do poder estatal. Os ventos fascistas se faziam sentir no Brasil, através da Ação Integralista Brasileira (AIB), organização fascista liderada por Plínio Salgado, cujas idéias conservadoras eram resumidas no lema "Deus, Pátria e Família". O próprio Getúlio Vargas demonstrava grande afinidade com o nazifascismo, como se pode apreender através da forte perseguição aos judeus no seu governo. Muitos semitas emigraram impelidos pela perseguição nazista na Europa para países como o Brasil. No entanto, se deparavam com barreiras impostas pelo Estado, como bem ilustra uma circular editada em 1937, pelo então ministro das relações exteriores Mário de Pimentel Brandão, que determinava a recusa do visto de entrada a pessoas de origem judaica. "O perigo vermelho" - A atmosfera externa aliou-se a uma situação interna bastante instável após a revolução de 30, em que as forças revolucionárias haviam se dividido e agora disputavam o poder. A expansão dos grupos comunistas no Brasil, fortalecidos pela consolidação do regime soviético, causava um temor generalizado. E justamente sob a alegação de conter o "perigo vermelho", o presidente Vargas declarou estado de sítio em fins de 1935, seguido pela declaração de estado de guerra no ano seguinte, em que todos os direitos civis foram suspensos e todos aqueles considerados "uma ameaça à paz nacional" passaram a ser perseguidos. O governo federal, com plenos poderes, perseguiu, prendeu e torturou sem que houvesse qualquer controle por parte das instituições ou da sociedade. Em 1936, foram presos os líderes comunistas Luís Carlos Prestes e Olga Benário. Olga, que era judia, seria mais tarde deportada grávida pelo governo Vargas para a Alemanha, e morreria nos campos de concentração nazistas. O Estado Novo - A forte concentração de poder no Executivo federal, em curso desde fins de 1935, a aliança com a hierarquia militar e com setores das oligarquias, criaram as condições para o golpe político de Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, inaugurando um dos períodos mais autoritários da história do país, que viria a ser conhecido como Estado Novo. A justificativa dada pelo presidente foi a necessidade de impedir um "complô comunista", que ameaçava tomar conta do país, o chamado Plano Cohen, que foi depois desmascarado como uma fraude. Alegava também a necessidade de aplacar os interesses partidários mesquinhos que dominavam a disputa eleitoral. Na "Proclamação ao Povo Brasileiro", em que Getúlio anunciava o novo regime, ele diz: "Entre a existência nacional e a situação de caos, de irresponsabilidade e desordem em que nos encontrávamos, não podia haver meio termo ou contemporização. Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração." Nessa ocasião, Vargas anunciou a nova Constituição de 1937, de inspiração fascista, que suspendia todos os direitos políticos, abolindo os partidos e as organizações civis. O Congresso Nacional foi fechado, assim como as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais. Censura e propaganda - Nesse cenário de controle ideológico foi criado o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), encarregado da propaganda e promoção do regime junto à população. O DIP

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foi responsável pela censura a órgãos de imprensa e veículos de comunicação, sendo um instrumento estratégico na propagação de ideologias ufanistas e de exaltação do trabalho. Um exemplo ilustrativo dessa atuação foi a distribuição de verbas a escolas de samba, desde que trocassem a apologia à malandragem por temas "patrióticos" e de incentivo ao trabalho. Para difundir as idéias nacionalistas entre os mais novos o Estado tornou obrigatória a disciplina de Educação Moral e Cívica nas escolas. O apelo direto às massas era uma marca da demagogia populista e da relação dos dirigentes nazistas e fascistas com a população, e Vargas soube tirar proveito máximo dessa estratégia. Fomentando o sentimento nacionalista em torno da ameaça do comunismo, a ditadura conseguia um apoio popular massivo. Este sentimento crescia ainda mais diante dos esforços industrializantes do governo, que aceleravam o desenvolvimento econômico e a entrada do Brasil no contexto internacional. Foram criados órgãos estratégicos para viabilizar este esforço de desenvolvimento, tais como o Conselho Nacional do Petróleo e o Conselho Federal de Comércio Exterior. Foi desse período a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, que desempenhou papel fundamental no fornecimento de matéria-prima para o setor industrial. Autoritarismo político e modernização econômica Mas, para dar suporte ao desenvolvimento econômico era necessário também fortalecer a máquina pública e a burocracia. Com esse objetivo foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938, que se ramificava pelos estados e cujos integrantes, nomeados pelo presidente, tinham por finalidade fiscalizar os governos estaduais. Como vemos, o Estado Novo conjugou autoritarismo político e modernização econômica, sob um pano de fundo nacionalista e fascista. A relação que a ditadura varguista estabelecia com a sociedade era de controle e vigilância. Foi instituído o sindicato oficial, filiado ao Ministério do Trabalho, e abolida a liberdade de organização sindical. As relações entre trabalhadores e patrões ficavam assim sob controle do Estado, em que prevalecia a lógica conciliatória e o esvaziamento dos conflitos. A visão por trás disso era de que o Estado devia organizar a sociedade, e não o contrário. Em contrapartida às restrições à organização dos trabalhadores, Getúlio implementou uma série de leis trabalhistas, culminando com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943, que garantiu importantes direitos e atendeu antigas reivindicações do movimento operário. Isso projetou a imagem de Vargas como "o pai dos pobres". De volta à democracia - A Segunda Guerra Mundial, deflagrada em 1939, pôs em disputa a doutrina fascista e nazista contra a doutrina da liberal-democracia. Apesar da simpatia de Vargas pela Alemanha e pela Itália, as circunstâncias da guerra, com a entrada dos Estados Unidos no conflito, levaram o Brasil a combater ao lado dos Aliados. Com a derrota de Hitler em 1945, o mundo foi tomado pelas idéias democráticas e o regime autoritário brasileiro já não podia se manter. Getúlio Vargas foi deposto pelos militares em 29 de outubro de 1945, sob o comando de Góes Monteiro, um dos homens diretamente envolvidos no golpe de 1937. A abertura democrática levou ao poder o general Eurico Gaspar Dutra, como presidente eleito pelo voto popular, dando fim a um dos períodos mais autoritários e violentos da nossa história.

BRASIL NA SEGUNDA GUERRA - VARGAS E HITLER

As semelhanças entre as ditaduras de Getúlio Vargas, Adolf Hitler e Benito Mussolini já foram apontadas por muitos historiadores. O próprio nome Estado Novo foi tirado de outra ditadura européia da época, instituída por Salazar em Portugal, país que se manteve oficialmente neutro durante a Segunda Guerra.

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Também é fato notório que entre os membros do governo Vargas havia simpatizantes do Eixo. O mais famoso deles era Filinto Müller, chefe de polícia do Distrito Federal, e responsável pela deportação de Olga Benário, mulher do líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes, para a Alemanha nazista. Antes do rompimento das relações diplomáticas com o Eixo, o Brasil de Vargas mantinha boas relações comerciais com a Alemanha e a Itália. Em 1936, Brasil e Itália firmaram um acordo para compra de submarinos italianos, que seriam pagos com algodão e outros produtos brasileiros. O exército brasileiro também importava armamentos da Alemanha nazista.

Em junho de 1940, num discurso proferido a bordo do encouraçado Minas Gerais, Vargas elogiou o nacionalismo das "nações fortes", uma referência indireta às ditaduras direitistas da época. Tal discurso foi proferido para a cúpula das Forças Armadas do Brasil. No entanto, entre manter boas relações comerciais com os países do Eixo (e mesmo nutrir certa admiração por esses países) e aliar-se com eles numa guerra há enorme diferença. Tentativa de neutralidade - Vargas era um político hábil e, enquanto conseguiu manter o Brasil neutro na guerra, soube tirar proveito das

vantagens de ter relações comerciais tanto com os Estados Unidos quanto com a Alemanha. Há quem acredite que, por pouco, o Brasil não entrou na guerra ao lado dos alemães, o que é um exagero. Vargas jamais arriscaria uma aliança formal com eles, o que seria o mesmo que uma declaração de guerra ao "vizinho rico do norte", os Estados Unidos. Diante de tal acordo, os EUA não hesitariam em invadir o litoral do Nordeste brasileiro para ocupar portos e bases aéreas. Aliás, os militares norte-americanos tinham mesmo um plano (jamais executado) de tomar as bases aéreas e os portos brasileiros, caso as negociações diplomáticas falhassem. Nesse plano, os principais alvos eram Natal e o aeroporto de Parnamirim. Mesmo nutrindo alguma simpatia pelos regimes fascistas, Vargas pretendia permanecer neutro na guerra, pois achava que o país não deveria entrar num conflito que, na opinião dele, não traria vantagem alguma ao seu governo. O fato de que o governo Vargas tivesse entre seus apoiadores ou membros da administração alguns simpatizantes do nazismo (chamados na época de "germanófilos"), isso não tornava o Brasil necessariamente um possível aliado da Alemanha. Diferenças e semelhanças - Se havia alguma incoerência no fato de a ditadura de Vargas entrar na guerra ao lado das democracias, haveria mais incoerência ainda numa aliança entre o Brasil e a Alemanha. Seria um absurdo um país multiétnico, de população miscigenada, aliando-se a uma ditadura que pregava a superioridade da raça ariana e a escravização e o extermínio das raças consideradas "inferiores". Os que chamam a atenção para as semelhanças entre o Estado Novo e os regimes totalitários da Europa costumam se esquecer das diferenças entre esses mesmos regimes. A ditadura brasileira tinha em comum com o nazismo e o fascismo a perseguição aos comunistas, mas perseguiu também os integralistas (que possuíam em seus quadros vários simpatizantes de Hitler e de Mussolini). Se as técnicas de propaganda empregadas pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) para promover o governo Vargas no cinema e no rádio (a obrigatoriedade de transmissão do programa a Voz do Brasil é resquício dessa época) eram algumas das mesmas empregadas pela propaganda nazifascista, também guardavam semelhanças em relação a algumas das utilizadas pela propaganda do

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governo Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos (Roosevelt, um presidente eleito democraticamente, também se valia de um programa de rádio para falar ao seu povo). Aliás, é possível que Vargas, em suas medidas paternalistas (que lhe valeram a fama de "pai dos pobres") e de intervenção estatal na economia, também tenha se inspirado no New Deal, o programa de medidas adotadas por Roosevelt para combater o desemprego nos Estados Unidos durante a crise econômica causada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929. Outro fator que inviabilizava qualquer possibilidade de aliança entre o Brasil e a Alemanha era a aversão da opinião pública brasileira ao nazismo. O nazismo tentou fincar raízes no Brasil. Para isso, montou uma rede de propaganda: antes da entrada do Brasil na guerra, muitos jornais e revistas nazistas chegaram a circular entre a comunidade de imigrantes alemães nas regiões Sul e Sudeste. Na verdade, havia simpatizantes do nazismo e do fascismo no Brasil tanto dentro quanto fora das colônias alemã e italiana. Apesar disso, o nazismo nunca conseguiu conquistar a simpatia da maioria dos brasileiros. Entre os que repudiavam o nazismo estavam opositores do Estado Novo, como, por exemplo, os comunistas - que, por razões óbvias, nutriam simpatia pela União Soviética - e alguns membros do próprio governo Vargas, que eram simpáticos às democracias liberais (Estados Unidos, Inglaterra, etc.). Dentre estes últimos, Oswaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores. Além disso, após os afundamentos de navios brasileiros e as passeatas da UNE exigindo que o Brasil declarasse guerra à Alemanha, grande parte da população brasileira passou a repudiar o nazismo, o que impediu o aumento de seus simpatizantes em território brasileiro.

BRASIL NA SEGUNDA GUERRA: NAVIOS TORPEDEADOS E DECLARAÇÃO DE GUERRA

O Brasil teve 34 navios torpedeados pelos submarinos do Eixo durante a Segunda Guerra. Com exceção do navio Taubaté (torpedeado em 22 de março de 1941, no Mediterrâneo, próximo ao Egito, o que causou a morte de uma pessoa), todos os torpedeamentos ocorreram depois de o Brasil romper relações diplomáticas com o Eixo. De fevereiro a agosto de 1942, dezenove navios brasileiros foram torpedeados, o que causou a morte de 742 pessoas. Os torpedeamentos continuaram a ocorrer depois de agosto de 1942, quando o Brasil declarou guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista. O último navio brasileiro a ser torpedeado foi o Vital de Oliveira, em 19 de julho de 1944, quando seguia em direção ao Rio de Janeiro, após escalas no litoral do Nordeste e em Vitória. A maioria das embarcações brasileiras torpedeadas era de navios mercantes. As exceções foram o Vital de Oliveira, que era um navio de guerra (por causa do ataque, da sua tripulação de 275 pessoas morreram 99) e o Shangri-lá, um barco pesqueiro, atacado em 22 de julho de 1943 (as dez pessoas que estavam nesse barco morreram). Centenas de mortes - Ao todo, os torpedeamentos de embarcações brasileiras causaram a morte de 1.081 pessoas. Para termos uma idéia do impacto e do pânico gerado por esses ataques, é preciso levar em conta as opções de transporte então disponíveis, na década de 1940, entre as regiões do Brasil: a qualidade e a quantidade das rodovias brasileiras deixavam a desejar; faltavam ferrovias que interligassem as várias regiões; quase não havia aeroportos.

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Portanto, para a maioria dos brasileiros que precisasse viajar de um estado para outro ou de uma região para outra, uma das poucas opções disponíveis era utilizar navios. Era comum navios mercantes transportarem passageiros, que aproveitavam as escalas para viajar de um ponto a outro do país. Assim, qualquer família brasileira que estivesse viajando de navio naquela época corria o risco de ser vítima de um ataque submarino. E para quem morava no litoral do Nordeste, a guerra não parecia uma realidade tão distante quanto poderia parecer para os brasileiros de outras regiões. Um exemplo disso é o que ocorreu com o navio Baependi, afundado por volta das 19 horas do dia 15 de agosto de 1942. Somados tripulantes e passageiros, o navio transportava 306 pessoas, das quais 270 morreram. No dia seguinte, cadáveres (inclusive de crianças) apareceram, trazidos pela correnteza, na praia próxima à vila de Mosqueiro, na costa do Sergipe. As ondas também trouxeram malas com pertences dos passageiros e pedaços do navio. Poucas horas depois, chegaram notícias dos afundamentos de outros dois navios brasileiros: o Araraquara (cujo torpedeamento também ocorreu no dia 15 de agosto, causando a morte de 131 pessoas - apenas onze sobreviveram ao ataque) e o Aníbal Benévolo (cujo torpedeamento ocorreu no dia 16 de agosto, causando 150 mortes - apenas quatro pessoas sobreviveram). Num curto intervalo de tempo, os três navios foram destruídos por um único submarino alemão, o U-507, comandado pelo capitão Harro Schacht. Em 15 de janeiro do ano seguinte, o U-507 acabou sendo afundado por um avião da marinha dos Estados Unidos. Boatos da quinta-coluna - Existe farta documentação comprovando que foram mesmo submarinos alemães os responsáveis pelo torpedeamento da grande maioria dos navios brasileiros durante a Segunda Guerra. A única exceção é o navio Cabedelo, que "desapareceu", após ter sido afundado por um submarino alemão ou italiano. O Cabedelo foi o quarto navio brasileiro a ser torpedeado (a data mais provável desse afundamento é 25 de fevereiro de 1942). Pesquisadores europeus já atribuíram a autoria do afundamento do Cabedelo ao Da Vinci, um submarino italiano. Também foi considerada a possibilidade de que o Cabedelo tenha sido torpedeado por outro submarino italiano, o Torelli. Apesar de todas as evidências comprovando que submarinos do Eixo torpedearam os navios brasileiros, ainda há quem acredite na absurda idéia de que submarinos norte-americanos teriam sido os verdadeiros responsáveis pelos ataques, com a intenção de obrigar o Brasil a entrar na guerra. Tal idéia não passou de um boato criado pela propaganda dos quinta-colunas (os colaboradores do Eixo infiltrados entre a população brasileira). As matérias-primas transportadas pelos navios brasileiros eram de vital importância para os Aliados, portanto, só interessaria aos países do Eixo atacar esses navios. Além disso, naquela época, a maior parte da frota dos submarinos norte-americanos não estava no oceano Atlântico, mas no Pacífico, torpedeando navios de guerra japoneses. Observe-se também que a marinha dos Estados Unidos preferia investir na construção de navios porta-aviões do que na guerra submarina, uma especialidade da marinha alemã nas duas guerras mundiais. Reações violentas - A notícia dos ataques contra navios brasileiros comoveu a população brasileira na época. Também motivou reações violentas de cidadãos que, indignados e desejando vingança, se voltaram contra imigrantes alemães, italianos e japoneses.

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Em muitas cidades brasileiras ocorreram episódios de depredações de estabelecimentos comerciais pertencentes a imigrantes vindos de países que faziam parte do Eixo - e até tentativas de linchamento desses imigrantes. Após a entrada do Brasil na guerra, esses imigrantes passaram a ser vigiados pelas autoridades brasileiras - e não foram poucos os que foram vítimas de perseguições e arbitrariedades. Tais imigrantes costumavam ser suspeitos de espionagem. Passeatas de estudantes - Aproveitando a indignação popular com os ataques alemães a navios brasileiros, a União Nacional dos Estudantes (UNE) organizou passeatas nas principais cidades brasileiras, exigindo a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados. Nessas passeatas era comum que alguns estudantes aparecessem fantasiados de Hitler, com o objetivo de ridicularizar o ditador nazista. Tais passeatas acabaram recebendo adesão popular. Ao exigir a entrada do Brasil na guerra contra as ditaduras da Europa, a UNE estava pressionando o governo brasileiro a deixar de "ficar em cima do muro" (o presidente Getúlio Vargas tentou manter a neutralidade do Brasil no conflito até onde pôde, mesmo após os primeiros ataques alemães contra navios brasileiros) e manifestando seu repúdio às ditaduras: as da Europa (Alemanha e Itália) e a brasileira, do próprio Vargas, o Estado Novo. Vargas, aliás, temia que a entrada do Brasil na guerra, ao lado das democracias, abrisse condições para que os opositores do regime exigissem o fim do Estado Novo e a realização de eleições diretas para presidente. Em 22 de agosto, após uma reunião ministerial, o Brasil finalmente declarou guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista. O Brasil estava oficialmente na guerra.

Brasil na Segunda Guerra: Da neutralidade ao rompimento com o Eixo O presidente Roosevelt visita a Base de Natal, no NE brasileiro, em 1943 O Brasil participou ativamente da Segunda Guerra Mundial. Tal participação pode ter sido relativamente modesta se comparada à de outros países que entraram antes no conflito, mas nem por isso deixou de ser significativa. Guerras custam dinheiro e uma série de sacrifícios. Não era fácil para um país como o Brasil da década de 1940 (com a maioria da população pobre, enfrentando uma série de problemas internos, como analfabetismo crônico e falta de saneamento básico) entrar num conflito de proporções épicas.

O país ajudou os Aliados (EUA, Grã-Bretanha, França e ex-União Soviética) fornecendo matérias-primas (especialmente borracha), patrulhando o Atlântico com navios da Marinha, que escoltavam os navios mercantes para protegê-los dos ataques de submarinos alemães, e enviando pilotos da Força Aérea e uma força expedicionária para lutar na Itália ocupada pelos nazistas. A população civil brasileira também sentiu os efeitos da guerra, sofrendo racionamento de alimentos e de combustível, o que obrigava as famílias a enfrentarem longas filas para comprar pão e, por causa da escassez de

gasolina, a equipar automóveis para serem movidos a gasogênio (a partir de carvão vegetal). Se compararmos a outros países da América Latina, o Brasil foi o que mais se envolveu no conflito. Embora outros países tenham rompido relações diplomáticas com as potências do Eixo (Alemanha, Itália

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e Japão), ou mesmo declarado guerra a essas potências (na prática, muitas dessas declarações de guerra não passaram de mera formalidade), apenas dois países latino-americanos enviaram contingentes para lutar nos campos de batalha: Brasil e México (que enviou uma força expedicionária para enfrentar os japoneses nas Filipinas). Rompimento com o Eixo - Em 1939, quando a Alemanha nazista atacou a Polônia, dando início à Segunda Guerra, o Brasil declarou-se oficialmente neutro. A sucessão de vitórias das tropas alemãs, de 1939 a 1940, quando uma série de países europeus foi vítima da ocupação nazista (incluindo a França), desenhava um futuro preocupante: o rumo da guerra pendia de maneira favorável para o totalitarismo nazista. Reagindo ao avanço nazista, chanceleres dos países americanos (incluindo o Brasil) reuniram-se em Havana, Cuba, em julho de 1940. Nessa reunião, foi estabelecido que uma agressão a "qualquer nação americana" implicaria no envolvimento de todas as demais na guerra. Isso finalmente aconteceu quando, em dezembro de 1941, os Estados Unidos entraram oficialmente no conflito por causa do ataque japonês a Pearl Harbor, uma base militar norte-americana no Havaí. Em decorrência do ataque a Pearl Harbor, os Estados Unidos declararam guerra ao Japão. A Alemanha nazista e a Itália fascista reagiram declarando guerra aos Estados Unidos. A entrada oficial dos Estados Unidos na guerra levou representantes dos países americanos a se reunirem novamente, dessa vez no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Nessa reunião, realizada em 28 de janeiro de 1942, a maioria dos países decidiu ficar ao lado dos Estados Unidos, rompendo relações diplomáticas com o Eixo. As únicas exceções foram a Argentina e o Chile. Vale lembrar que, a rigor, os Estados Unidos não foram a primeira nação do continente americano a entrar na guerra: por ser membro da Comunidade Britânica, o Canadá entrou na guerra logo no começo, em 1939, para ajudar a Inglaterra. Em reação ao rompimento das relações diplomáticas do Brasil com o Eixo - e também para evitar que matérias-primas brasileiras fossem aproveitadas no esforço de guerra dos Aliados -, submarinos da Alemanha nazista (e também da Itália fascista) começaram a torpedear navios brasileiros. Envolvidos na guerra - A entrada do Brasil na Segunda Guerra foi semelhante, embora numa escala menor, à entrada dos Estados Unidos no mesmo conflito. Ambos, devido aos seus respectivos interesses comerciais, já estavam envolvidos no conflito antes mesmo de declararem guerra aos países do Eixo. Antes do ataque japonês a Pearl Harbor, os Estados Unidos já estavam envolvidos na guerra, pois forneciam matérias-primas e apoio político à Inglaterra, que já se encontrava em guerra contra a Alemanha nazista. O ataque japonês a Pearl Harbor acabou com os argumentos daqueles que, nos Estados Unidos, ainda defendiam que o país mantivesse uma posição isolacionista em relação ao conflito. De maneira semelhante, o Brasil já estava envolvido na guerra antes mesmo de romper relações diplomáticas com o Eixo. Afinal, os Estados Unidos eram o principal comprador das exportações brasileiras (café, borracha, etc.) e isso ia contra os interesses da Alemanha nazista. Além disso, cumprindo uma resolução aprovada na reunião de representantes das repúblicas americanas realizada no Rio em 1942, o governo brasileiro autorizou o uso de bases aéreas e portos das regiões Norte e Nordeste pelas forças armadas dos Estados Unidos. Essa autorização do governo brasileiro era uma antiga reivindicação do então presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt.

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O interesse norte-americano nos portos e bases do Brasil surgiu devido à localização geográfica, o que permitia que esses locais servissem de escala para o envio de mantimentos, material bélico e homens para a África, onde os Aliados também enfrentavam os alemães. Em troca dessa autorização, os Estados Unidos forneceram ao Brasil armamentos modernos. Por tudo isso, a Alemanha nazista resolveu torpedear qualquer navio que transportasse mercadorias que poderiam, de algum modo, ajudar no esforço de guerra dos Aliados. A Alemanha passou, então, a torpedear tanto navios Aliados quanto de países neutros. Com essa decisão, ela também pretendia prejudicar a União Soviética, impedindo que os soviéticos recebessem, por meio das rotas marítimas, qualquer ajuda de britânicos e norte-americanos. Outra semelhança entre a entrada oficial do Brasil na guerra, em agosto de 1942, com a entrada oficial dos Estados Unidos, em dezembro de 1941, foi a reação popular aos ataques sofridos por países do Eixo: o ataque japonês a Pearl Harbor gerou comoção e indignação entre a opinião pública norte-americana. Reação semelhante muitos brasileiros tiveram ao receber a notícia dos afundamentos de navios brasileiros por submarinos alemães.

BRASIL NA SEGUNDA GUERRA - FEB NA ITÁLIA

A Força Expedicionária Brasileira - FEB desembarcou na Itália no dia 16 de julho de 1944. Na manhã do dia anterior, os pracinhas brasileiros avistaram o monte Vesúvio e a baía de Nápoles. Naquele momento, descobriram que iam lutar na Itália. Ao chegarem à Itália, os brasileiros viram algumas das marcas da destruição trazida pela guerra. No mar, ao redor do navio que transportava os brasileiros, estavam destroços de navios italianos. Em terra, os soldados se depararam com casas e prédios napolitanos em escombros, destruição causada tanto pelos bombardeios aéreos dos Aliados quanto pelas demolições feitas pelos alemães, antes de abandonarem a cidade. O porto estava movimentado. A Itália era um país dividido. Havia entrado na guerra ao lado da Alemanha nazista, mas a situação mudara no ano anterior: após a tomada da Sicília pelos Aliados (17 de agosto) e o desembarque de tropas britânicas na Calábria (3 de setembro), a Itália rendeu-se aos Aliados e declarou guerra à Alemanha nazista (13 de outubro). No entanto, parte da Itália ainda era aliada da Alemanha: após a rendição da Itália aos Aliados, os fascistas italianos instituíram um Estado na cidade de Saló. Esse Estado fascista recebeu o nome de República Social Italiana. Entre a população italiana havia aqueles que apoiavam os Aliados, vistos como libertadores que haviam livrado os italianos da opressão nazista, mas também havia aqueles que ainda apoiavam os fascistas. Por causa disso, os brasileiros foram instruídos a não passarem informações aos civis italianos, para evitar que tais informações chegassem a espiões a serviço dos alemães. Tropas multiétnicas - Diante daqueles soldados de uniforme verde, semelhante ao dos alemães, alguns civis napolitanos vaiaram os soldados da FEB. Esses napolitanos pensaram que os brasileiros fossem prisioneiros de guerra alemães capturados pelos Aliados. Mas ao perceberem a presença de negros e o escudo com o nome "Brasil" inscrito na manga esquerda das túnicas, os napolitanos logo se deram conta de que aqueles homens não eram prisioneiros alemães, mas soldados de um outro país que vinha se juntar ao esforço de guerra dos Aliados.

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Assim, as vaias logo deram lugar a pedidos de ajuda. Os napolitanos pediam ajuda na forma das "moedas correntes" no país, naquele momento: cigarros, barras de chocolate e comida enlatada. Com o país arrasado, qualquer alimento era mais valioso que dinheiro e os cigarros podiam ser trocados por comida. Os soldados norte-americanos costumavam trazer barras de chocolate (alimento energético que podia ser facilmente transportado) e rações enlatadas. Os soldados brasileiros também traziam comida enlatada de procedência norte-americana (o que nem sempre agradava o paladar dos pracinhas). A situação da população italiana estava tão precária que muitas jovens italianas se prostituíam em troca de comida. A chegada dos brasileiros foi uma boa notícia para o general Mark Clark, responsável pelo 5º Exército Americano. Mark Clark precisava de reforços na Itália, pois, naquele momento, o 7º Exército Americano partia do território italiano para dar continuidade à invasão da Europa pelo sul da França.

A FEB se juntava ao 5º Exército Americano (ao qual estaria subordinada) e ao 8º Exército Britânico (que em suas fileiras reunia ingleses, canadenses, sul-africanos, indianos...). Ao lado desses, também estavam membros da resistência francesa, marroquinos e os partisans italianos (guerrilheiros antifascistas). Assim, os brasileiros se juntavam aos exércitos de diferentes nações no esforço de guerra contra o nazismo, compondo uma verdadeira Torre de Babel. Aliás, um dos pontos que mais chamou a atenção dos brasileiros dentro do exército norte-americano foi a segregação racial. Na Itália, a 92ª Divisão de Infantaria era formada exclusivamente por soldados negros, vindos do sul

dos Estados Unidos. Nesse aspecto, a FEB foi um exemplo raro de integração multiétnica, pois lado a lado estavam soldados das mais diversas origens e cores de pele: brancos, negros, mulatos, caboclos, cafuzos e nikeis (descendentes de japoneses). Armamentos e treinamento intensivo - Quando chegaram à Itália, os pracinhas estavam praticamente desarmados. Somente dias depois, entre 5 e 18 de agosto, quando já estavam em Tarquínia, situada a 60 quilômetros a noroeste de Roma, é que eles receberam seus novos armamentos. Todas as armas utilizadas pela FEB na Itália eram de procedência norte-americana, substituindo as de fabricação francesa, alemã e tcheca que eram usadas até então pelo Exército Brasileiro. O fuzil-metralhadora Hotchkiss foi substituído pelo fuzil-metralhadora Browning (conhecido no exército norte-americano como BER, sigla de Browning Automatic Rifle). Outras armas recebidas foram as submetralhadoras Thompson e M3, algumas submetralhadoras inglesas Sten e as carabinas M1, de calibre ponto 30. Houve certa decepção por parte dos brasileiros quando receberam as armas de procedência norte-americana: havia poucos fuzis M1 Garand, modelo que era de uso comum entre as unidades norte-americanas de infantaria. Assim, a maioria dos brasileiros seguiu para o combate com fuzis Springfield 1903 A3, modelo que datava de antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Durante as batalhas, alguns brasileiros obtiveram fuzis M1 Garand que pertenciam a colegas norte-americanos mortos ou feridos. Sargentos e oficiais brasileiros receberam um treinamento intensivo na Itália. Esse treinamento era oferecido em estágios organizados pelo Exército dos Estados Unidos. Alguns oficiais brasileiros foram

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mandados para Caserta, onde freqüentaram um curso de comando de pelotão. Outros foram enviados para estágio em unidades norte-americanas. O tenente José Gonçalves, por exemplo, passou três dias junto ao 442º Regimento de Infantaria Americano, formado exclusivamente por norte-americanos de ascendência japonesa (que, por razões óbvias, foram mandados para lutar contra os alemães na Europa e não contra os japoneses no Pacífico). Os soldados desse regimento logo foram enviados à França - e dentre as forças dos Aliados na Itália, seriam os primeiros a chegar à fronteira francesa. Os sargentos e oficiais brasileiros terminaram o restante desse treinamento na unidade da 34ª Divisão de Infantaria Americana, cuja maior parte do contingente era formada por homens provenientes dos estados norte-americanos do Texas e do Novo México. Primeiras missões e reforços - No dia 15 de setembro, no Vale do rio Arno, os pracinhas fizeram suas primeiras missões de patrulha. O batismo de fogo ocorreu no dia seguinte, quando os brasileiros tomaram a cidade de Massarosa e foram recebidos com entusiasmo pela população local. No dia 18, uma nova vitória: os brasileiros tomam a cidade de Camaiore. Em 26 de setembro, após seis dias de luta, os brasileiros conquistam o monte Prano, o que custou as vidas de quatro brasileiros, as primeiras baixas fatais da FEB na Itália. Em novembro, chegaram à Itália novas levas de combatentes da FEB: o 1º Regimento de Infantaria, com sede no Rio de Janeiro, e o 11º Regimento de Infantaria, com sede em São João del Rey. Nessa época, também chegaram à Itália, mais especificamente em Livorno, os cerca de quatrocentos pilotos do 1º Grupo de Aviação de Caça da FAB (Força Aérea Brasileira). Antes de partirem do Brasil para a Itália, esses pilotos haviam recebido treinamento nos Estados Unidos. Naquele momento, o quartel-general da FEB, sob o comando do general-de-divisão João Batista Mascarenhas de Moraes, foi estabelecido na localidade italiana de Porreta Terme. Com a chegada dos reforços, a FEB começou a receber missões envolvendo um número maior de soldados. Para saber mais # Livros: Irmãos de armas: um pelotão da FEB na II Guerra Mundial, de José Gonçalves e César Campiani Maximiano. São Paulo: Códex, 2005. (O livro é um relato de caráter semi-autobiográfico. A co-autoria é de César Campiani Maximiano, doutor em História pela Universidade de São Paulo. Sem ser piegas, o livro é comovente em vários momentos.) O Brasil na mira de Hitler: a história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas, de Roberto Sander. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. (Sem perder o rigor da pesquisa, a narrativa de Sander é tão envolvente quanto um bom romance de espionagem.) National Geographic Brasil: Edição Especial, nº 63-A, São Paulo: Abril, 2005. (Edição especial lançada por ocasião dos sessenta anos do término da Segunda Guerra. Traz uma coletânea dos melhores artigos sobre o assunto já publicados pela revista. Há três reportagens sobre o Brasil.)

GOVERNO GASPAR DUTRA (1946-1951): DEMOCRACIA E FIM DO ESTADO NOVO

Em 1945, a ditadura do Estado Novo chegou ao fim e foi substituído por um regime democrático. O Estado Novo entrou em crise por pressão das forças políticas de

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oposição, tanto de caráter elitista como popular. Getúlio Vargas, que comandou os destinos do Brasil durante quinze anos previu as dificuldades em torno da manutenção do governo ditatorial. Por conta disso tentou se manter no poder fazendo algumas concessões políticas. Nos primeiros meses de 1945 decretou a anistia e teve início o processo de reorganização dos partidos políticos com a indicação de candidatos a presidência da República, com eleições marcadas para dezembro. Tentativas de continuismo Habilmente, Getúlio patrocinou a formação de dois partidos políticos: o Partido Social Democrático (PSD), que representava os interesses das oligarquias vinculadas aos interventores getulistas; e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), vinculado à estrutura sindical trabalhista subordinada ao Estado varguista. As manobras políticas de Getúlio foram mais além, com a legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que havia sido desarticulado e perseguido durante seu governo ditatorial. O PSB, o PTB e o PCB patrocinaram um amplo movimento que pregava a "Constituinte com Getúlio". Conhecido também como movimento "queremista", a aliança entre essas forças políticas em apoio a um governo de "União nacional com Getúlio" alertou os chefes militares para a possibilidade de Vargas vir a boicotar as eleições, com objetivo de se manter no cargo. Por conta disso, em 29 de outubro de 1945, um golpe liderado pelos generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra depuseram Getúlio Vargas da presidência da República. As eleições de 1945 Afastada a possibilidade de continuidade do governo getulista, em dezembro de 1945 foram realizadas eleições para a Assembleia Constituinte e para presidência da República. Para a Assembleia Constituinte, a representação partidária foi a seguinte: o PSD obteve 54 por cento dos votos, a União Democrática Nacional (UDN) obteve 28 por cento dos votos, enquanto que o PTB obteve 7,5 por cento; por fim, os demais partidos em conjunto obtiveram 7,3 por cento dos votos. Na disputa eleitoral para presidência da República, a UDN que era representante dos setores liberais conservadores lançou como candidato o brigadeiro Eduardo Gomes; o PTB em aliança com o PSD lançou o nome do general Eurico Gaspar Dutra; e o PCB disputou o pleito com o candidato Yedo Fiuza. O general Eurico Gaspar Dutra venceu as eleições com 55 por cento dos votos. A Constituição de 1946 Em setembro de 1946 promulgava-se a quinta Constituição brasileira, que congregou principios liberais e conservadores. Por um lado, assegurou a manutenção da república federativa presidencialista, o voto secreto e universal para maiores de 18 anos, excetuando-se militares, analfabetos e religiosos, a divisão do Estado em três poderes independentes, restauração das garantias individuais aos cidadãos, fim da censura e da pena de morte. Por outro, preservou a estrutura fundiária tornando intocáveis os grandes latifúndios, a estrutura sindical de cunho fascista com os grandes sindicatos trabalhista vinculados ao Estado, e a rejeição das propostas de nacionalização de bancos e algumas indústrias. O governo de Eurico Gaspar Dutra

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A Constituição concedia e assegurava direitos civis e políticos aos cidadãos brasileiros. Não obstante, quando se tratava de assuntos relacionados com movimentos populares, movimentos trabalhistas e atividades dos adeptos da ideologia comunista, o presidente Gaspar Dutra afastou-se da legalidade. O governo adotou medidas repressivas contra a tentativa de reorganização sindical dos trabalhadores, proibindo a existência do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT). O MUT havia sido organizado pelos líderes sindicais desejosos da construção de um sindicalismo trabalhista autônomo livre da rotineira interferência estatal nos órgãos de classe. O governo proibiu as eleições sindicais e interveio em praticamente todos os sindicatos. No último ano do mandato de Gaspar Dutra, cerca de 200 sindicatos trabalhistas se encontravam sob intervenção governamental. Autoritarismo Em maio de 1947, o governo colocou na ilegalidade o PCB, e cerca de oito meses depois cassou o mandato de seus representantes no Congresso, inclusive o mandato de Luis Carlos Prestes, figura histórica que conseguiu se eleger senador com o maior número de votos. No curto período de sua existência legal, o PCB tornou-se o maior partido comunista da América Latina, com cerca de 200 mil partidários, e obteve importantes conquistas eleitorais. A política governamental repressiva contra as atividades do PCB foi acompanhada por uma política externa que estreitou os vínculos entre Brasil e Estados Unidos. Após a Conferência para Manutenção da Paz e da Segurança do Continente, patrocinada pelo governo dos Estados Unidos, em 1946, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a União Soviética. Com essa política externa, o Brasil se colocava ao lado dos Estados Unidos no contexto internacional da chamada Guerra Fria. Plano SALTE Quinze anos de governo varguista foram mais que suficientes para consolidar uma política desenvolvimentista baseada nos princípios do planejamento econômico com uma forte interferência estatal nos setores produtivos industriais e financeiros. Quando assumiu a presidência da República, Eurico Gaspar Dutra deu continuidade a esse padrão de desenvolvimento do país com a elaboração e aplicação do Plano SALTE, iniciais que representavam planejamento na área da saúde (S), alimentação (AL), transporte (T) e energia (E). O plano SALTE não alcançou o êxito esperado, em razão da fragmentação das atividades em cada área concebida como prioritária, o que comprometeu suas potencialidades. Ainda assim, ele foi um importante fator de crescimento e desenvolvimento da economia brasileira no período em questão. A democracia nascente O período que abrange os anos de 1946 a 1964, é considerado pelos historiadores e cientistas sociais como a primeira experiência de regime democrático no Brasil. O período de existência da República Oligárquica ou República Velha (1889-1930) esteve longe de representar uma experiência verdadeiramente democrática devido aos incontáveis vícios políticos mascarados por princípios de legalidade juridica prescritos nas leis. Não obstante, o presidente Eurico Gaspar Dutra praticou uma política governamental deliberadamente autoritária a partir de medidas que desrespeitou flagrantemente a Constituição vigente. A repressão para

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impedir o crescimento vertiginoso dos comunistas e o avanço dos movimentos sociais e sindicais dos trabalhadores pode ser considerada os exemplos mais evidentes do autoritarismo do governamental neste período inicial da experiência democrática no Brasil.

GOVERNO VARGAS (1951-1954): SUICÍDIO DE GETÚLIO PÔS FIM À ERA VARGAS Em 1951, Getúlio Vargas retornou a presidência da República, dessa vez por meio do voto popular. Vargas se candidatou pelo PTB e recebeu apoio do Partido Social Progressista (PSP), vencendo o pleito de 1950 com 48,7% dos votos. O segundo mandato presidencial de Getúlio Vargas foi marcado por importantes iniciativas nas áreas social e econômica. Na fase final do seu governo, porém, as pressões de grupos oposicionistas civis e militares desencadearam uma aguda crise política que levou Vargas a interromper seu mandato com um ato que atentou contra sua própria vida: o suicídio. Nacionalismo e intervencionismo Sem dúvida, um dos maiores legados do varguismo foi a implementação de um projeto desenvolvimentista baseado na forte presença do Estado em áreas consideradas cruciais para o desenvolvimento do país. Atuando como regulador ou empreendedor de certas atividades econômicas, a intervenção estatal tinha por objetivo estimular a industrialização e modernização do país. Este tipo de política desenvolvimentista começou a ser posta em prática na década de 1930, e praticamente todos os governos que vieram depois adotaram algum tipo de planejamento econômico conferindo ao Estado papel preponderante e central. Foi com esse objetivo que, em seu segundo mandato, Vargas elaborou uma política desenvolvimentista baseada no fortalecimento da indústria de base: siderurgia, petroquímica, energia e transportes. No primeiro ano de seu governo, Vargas estabeleceu o monopólio estatal sobre o petróleo, a partir de uma campanha de cunho nacionalista que recebeu forte apoio popular. A campanha foi denominada de "O petróleo é nosso", e conseguiu galvanizar o apoio do povo ao governo federal. A partir dela, criou-se a empresa estatal Petrobrás, que monopolizou as atividades de exploração e refino do todas as reservas de petróleo encontrado em território brasileiro. Populismo e dominação de classe Umas das principais características políticas do período histórico que abrange o segundo governo de Getúlio Vargas até a queda do governo João Goulart, em 1964, foi o "populismo". O populismo foi um fenômeno que vigorou em praticamente todos os países do continente latino-americano. De forma sintética, podemos entender o fenômeno do populismo a partir da relação entre o Estado e a sociedade num contexto de regime democrático, onde os líderes políticos e governantes buscam o apoio popular para obterem vitórias eleitorais e implementar seus projetos políticos. A contrapartida dessa política é concessão de benefícios econômicos e sociais para as camadas populares mobilizadas. Em seu aspecto pejorativo ou alienante, o populismo pode ser caracterizado também como política demagógica de manipulação das classes sociais subalternas, porque seu êxito depende da quase completa desorganização das massas populares, que preferem confiar a defesa de seus interesses e

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aspirações a líderes políticos carismáticos. As massas populares se prestavam à manipulação devido à pouca experiência de participação política e familiaridade com o sistema de sufrágio eleitoral. Modernização acelerada O acelerado processo de modernização do país provocou vertiginosas ondas migratórias do campo para as cidades, fazendo surgir um expressivo contingente de trabalhadores urbanos, ou seja, operariado e classe medias. Foram essas classes sociais que formaram a base de sustentação do populismo. Enquanto os governantes e líderes políticos foram capazes de controlar essas camadas sociais, e o Estado foi capaz de responder plenamente às demandas populares, o populismo funcionou de forma estável. O governo Vargas, porém, se deparou com situações em que a necessidade de implementação de reformas econômicas e projetos desenvolvimentistas comprometeram a capacidade do Estado de fornecer respostas adequadas aos anseios e interesses populares, como por exemplo, aumento de salários, direitos sociais, etc. Por outro lado, diversos setores das camadas populares, principalmente o operariado, passaram a se organizar autonomamente, dificultando a manipulação política de seus interesses por líderes demagógicos. Quando assumiu a presidência da República, Vargas se deparou com um operariado que rapidamente se reorganizava e buscava definir seus interesses e agir autonomamente. No transcurso de seu governo, inúmeras greves de trabalhadores e movimentos sociais tendo como motivação básica exigências de aumento salariais e denúncias do alto custo de vida ocorreram por todo o país. A crise política e o fim A ascensão e radicalização dos movimentos populares fora do controle estatal são considerados os principais fatores desencadeadores da crise política que levaria ao fim o governo Vargas. De acordo com essa linha interpretativa, as classes dominantes ficaram temerosas com o avanço dos movimentos populares e discordaram do modo como o governo respondeu às exigências e demandas sociais que irromperam no cenário político. A oposição ao governo varguista foi crescendo paulatinamente à medida que o país era agitado por manifestações de protesto e greves trabalhistas. Críticas e pressões oposicionistas minaram rapidamente a estabilidade governamental. Na área da política institucional, os principais grupos oposicionistas ao governo de Getúlio Vargas faziam parte da União Democrática Nacional (UDN), que o acusavam constantemente de planejar um golpe em conluio com líderes sindicais objetivando criar um regime socialista no país. Na área da imprensa, o antigetulismo ganhou força com a atuação do jornalista Carlos Lacerda, que em seus pronunciamentos e artigos denunciava recorrentes casos de corrupção e desmandos administrativos do governo federal. O presidente se defendia das críticas argumentando que grupos subalternos ligados a interesses internacionais e nacionais se uniram na tentativa de impedir que o governo avançasse na área de proteção ao trabalho, limitações de remessa de lucros das empresas multinacionais para o estrangeiro e fortalecimento das empresas públicas, sobretudo ligadas a área de energia. Crime da rua Toneleros

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Em 1954, a crise política desestabilizou o governo Vargas. No início do ano, o então ministro do Trabalho, João Goulart, concedeu um aumento salarial de 100 por cento aos que recebiam salário mínimo. As pressões de grupos oposicionistas contrárias à medida foram tão violentas que o governo recuou, e o ministro João Goulart foi obrigado a renunciar ao cargo. O episódio desencadeador da crise final do governo Vargas ocorreu com o atentado fracassado contra a vida do jornalista Carlos Lacerda. Esse episódio ficou conhecido como "o crime da rua Toneleros". Carlos Lacerda apenas se feriu, mas o major da aeronáutica Rubens Vaz morreu. Nunca foi esclarecido quem foi o mentor do atentado, mas sabe-se que pessoas ligadas a Getúlio estavam envolvidas. As investigações apontaram, porém, que o responsável pela tentativa de assassinato foi Gregório Fortunato, principal guarda-costas do presidente Getúlio Vargas. O suicídio de Getúlio Depois do episódio da rua Toneleros, os grupos oposicionistas exigiram o afastamento de Vargas da presidência da República. Setores das Forças Armadas e da sociedade civil se uniram aos grupos de oposição e exigiam que Vargas renunciasse. No dia 24 de agosto, um ultimato dos generais, assinado pelo ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, foi entregue a Vargas. O presidente se encontrava no Palácio do Catete, quando redigiu uma carta-testamento e suicidou-se com um tiro no peito. O impacto provocado pela notícia do suicídio de Vargas e a divulgação da carta-testamento foi intenso e acabou se voltando contra a oposição. Grandes manifestações populares de apoio ao ex-presidente estouraram em várias cidades do país. Comícios organizados por líderes sindicais e políticos ligados ao getulismo responsabilizavam a UDN e o governo norte-americano pelo fim dramático de Getúlio. Órgãos de imprensa, como o jornal "O Globo" entre outros, e a embaixada dos Estados Unidos foram alvo de ataques populares. Greves de trabalhadores também ocorreram como forma de protesto. Depois de algumas semanas, as manifestações e agitações populares cessaram. Com a morte de Vargas, assumiu o governo o vice-presidente Café Filho, que ficou encarregado de completar o mandato até o fim de 1955. O suicídio de Vargas, porém, acabou sendo muito explorado, tanto por políticos que o apoiavam como grupos da oposição, nas disputas eleitorais legislativas e presidencial seguintes.

GOVERNO JUSCELINO KUBITSCHEK (1956-1961): "ANOS DOURADOS" E BRASÍLIA Na eleição presidencial de 1955, o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) se aliaram, lançando como candidato Juscelino Kubitschek para presidente e João Goulart para vice-presidente. A União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Democráta Cristão (PDC) disputaram o pleito com Juarez Távora. Também concorreram os candidatos Adhemar de Barros e Plínio Salgado. Juscelino Kubitschek venceu as eleições. O vice-presidente Café Filho havia substituído Getúlio Vargas na presidência da República. Porém, antes de terminar o mandato, problemas de saúde provocaram o afastamento de Café Filho. Quem assumiu o cargo foi o presidente da Camara dos Deputados, Carlos Luz. A ameaça de golpe

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Rumores de um suposto golpe, tramado pelo presidente em exercício Carlos Luz, por políticos e militares pertencentes a UDN contra a posse de Juscelino Kubitschek fizeram com que o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, mobilizasse tropas militares que ocuparam importantes prédios públicos, estações de rádio e jornais. O presidente em exercício Carlos Luz foi deposto. Foi empossado provisoriamente no governo o presidente do Senado, Nereu Ramos, que se encarregou de transmitir os cargos a Juscelino Kubitschek e João Goulart, a 31 de janeiro de 1956. A intervenção militar assegurou, portanto, as condições para posse dos eleitos. O Plano de Metas O governo de Juscelino Kubitschek entrou para história do país como a gestão presidencial na qual se registrou o mais expressivo crescimento da economia brasileira. Na área econômica, o lema do governo foi "Cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo". Para cumprir com esse objetivo, o governo federal elaborou o Plano de Metas, que previa um acelerado crescimento econômico a partir da expansão do setor industrial, com investimentos na produção de aço, alumínio, metais não-ferrosos, cimento, álcalis, papel e celulose, borracha, construção naval, maquinaria pesada e equipamento elétrico. O Plano de Metas teve pleno êxito, pois no transcurso da gestão governamental a economia brasileira registrou taxas de crescimento da produção industrial (principalmente na área de bens de capital) em torno de 80%. Desenvolvimento e dependência externa A prioridade dada pelo governo ao crescimento e desenvolvimento econômico do país recebeu apoio de importantes setores da sociedade, incluindo os militares, os empresários e sindicatos trabalhistas. O acelerado processo de industrialização registrado no período, porém, não deixou de acarretar uma série de problemas de longo prazo para a econômica brasileira. O governo realizava investimentos no setor industrial a partir da emissão monetária e da abertura da economia ao capital estrangeiro. A emissão monetária (ou emissão de papel moeda) ocasionou um agravamento do processo inflacionário, enquanto que a abertura da economia ao capital estrangeiro gerou uma progressiva desnacionalização econômica, porque as empresas estrangeiras (as chamadas multinacionais) passaram a controlar setores industriais estratégicos da economia nacional. O controle estrangeiro sobre a economia brasileira era preponderante nas indústrias automobilísticas, de cigarros, farmacêutica e mecânica. Em pouco tempo, as multinacionais começaram a remeter grandes remessas de lucros (muitas vezes superiores aos investimentos por elas realizados) para seus países de origem. Esse tipo de procedimento era ilegal, mas as multinacionais burlavam as próprias leis locais. Portanto, se por um lado o Plano de Metas alcançou os resultados esperados, por outro, foi responsável pela consolidação de um capitalismo extremamente dependente que sofreu muitas críticas e acirrou o debate em torno da política desenvolvimentista. O programa de obras públicas e a construção de Brasília A gestão de Juscelino Kubitschek também foi marcada pela implementação de um ambicioso programa de obras públicas com destaque para construção da nova capital federal, Brasília. Em 1956, já estava à

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disposição do governo a lei nº 2874 que autorizada o Executivo Federal a começar as obras de construção da futura capital federal. Em razão de seu arrojado projeto arquitetônico, a construção da cidade de Brasília tornou-se o mais importante ícone do processo de modernização e industrialização do Brasil daquele período histórico. A nova cidade e capital federal foi o símbolo máximo do progresso nacional e foi considerada Patrimônio Cultural da Humanidade. O responsável pelo projeto arquitetônico de Brasília foi Oscar Niemeyer, que criou as mais importantes edificações da cidade, enquanto que o projeto urbanístico ficou a cargo de Lúcio Costa. Por conta disso, destacam-se essas duas personalidades, mas é preciso ressaltar que administradores ligados ao presidente Juscelino Kubitschek, como Israel Pinheiro, Bernardo Saião e Ernesto Silva também foram figuras importantes no projeto. As obras de construção de Brasília duraram três anos e dez meses. A cidade foi inaugurada pelo presidente, a 21 de abril de 1960. Denúncias da oposição A gestão de Juscelino Kubitschek, popularmente chamado de JK, em particular a construção da cidade de Brasília, não esteve a salvo de críticas dos setores oposicionistas. No Congresso Nacional, a oposição política ao governo de JK vinha da União Democrática Nacional (UDN). A oposição ganhou maior força no momento em que as crescentes dificuldades financeiras e inflacionárias (decorrentes principalmente dos gastos com a construção de Brasília) fragilizaram o governo federal. A UDN fazia um tipo de oposição ao governo baseada na denúncia de escândalos de corrupção e uso indevido do dinheiro público. A construção de Brasília foi o principal alvo das críticas da oposição. No entanto, a ação de setores oposicionistas não prejudicou seriamente a estabilidade governamental na gestão de JK. Governabilidade e sucessão presidencial Em comparação com os governos democráticos que antecederam e sucederam a gestão de JK na presidência da República, o mandato presidencial de Juscelino apresenta o melhor desempenho no que se refere à estabilidade política. A aliança entre o PSD e o PTB garantiu ao Executivo Federal uma base parlamentar de sustentação e apoio político que explica os êxitos da aprovação de programas e projetos governamentais. O PSD era a força dominante no Congresso Nacional, pois possuía o maior número de parlamentares e o maior número de ministros no governo. O PSD era considerado um partido conservador, porque representava interesses de setores agrários (latifundiários), da burocracia estatal e da burguesia comercial e industrial. O PTB, ao contrário, reunia lideranças sindicais representantes dos trabalhadores urbanos mais organizados e setores da burguesia industrial. O êxito da aliança entre os dois partidos deveu-se ao fato de que ambos evitaram radicalizar suas respectivas posições políticas, ou seja, conservadorismo e reformismo radicais foram abandonados. Na sucessão presidencial de 1960, o quadro eleitoral apresentou a seguinte configuração: a UDN lançou Jânio Quadros como candidato; o PTB com o apoio do PSB apresentou como candidato o marechal Henrique Teixeira Lott; e o PSP concorreu com Adhemar de Barros. A vitória coube a Jânio Quadros, que obteve expressiva votação. Naquela época, as eleições para presidente e vice-presidente ocorriam separadamente, ou seja, as candidaturas eram independentes. Assim, o candidato da UDN a vice-presidente era Milton Campos, mas quem venceu foi o candidato do PTB, João Goulart. Desse modo, João Goulart iniciou seu segundo mandato como vice-presidente.

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GOVERNO JÂNIO QUADROS (1961): MANDATO POLÊMICO DE SETE MESES Na eleição presidencial de 1960, a vitória coube a Jânio Quadros. Naquela época, as regras eleitorais estabeleciam chapas independentes para a candidatura a vice-presidente, por esse motivo, João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi reeleito. Governo Jânio Quadros (1961): ''Varrer a corrupção'' era o slogan de Jânio Quadros, que fez da vassoura seu símbolo. Jânio foi o primeiro político brasileiro a transformar a política em espetáculo, utilizando-se de gestos dramáticos e atitudes bombásticas para angariar apoio popular. Mas fracassou na sua maior cartada desse tipo, ao renunciar à presidência Leia mais Arquivo Nacional A gestão de Jânio Quadros na presidência da República foi breve, durou sete meses e encerrou-se com a renúncia. Nesse curto período, Jânio Quadros praticou uma política econômica e uma política externa que desagradou profundamente os políticos que o apoiavam, setores das Forças Armadas e outros segmentos sociais. A renúncia de Jânio Quadros desencadeou uma crise institucional sem precedentes na história republicana do país, porque a posse do vice-presidente João Goulart não foi aceita pelos ministros militares e pelas classes dominantes. A crise política O governo de Jânio Quadros perdeu sua base de apoio político e social a partir do momento em que adotou uma política econômica austera e uma política externa independente. Na área econômica, o governo se deparou com uma crise financeira aguda causada por intensa inflação, déficit da balança comercial e crescimento da dívida externa. O governo adotou medidas drásticas, restringindo o crédito, congelando os salários e incentivando as exportações.

Mas foi na área da política externa que o presidente Jânio Quadros acirrou os ânimos da oposição ao seu governo. Jânio nomeou para o ministério das Relações Exteriores Afonso Arinos, que se encarregou de alterar radicalmente os rumos da política externa brasileira. O Brasil começou a se aproximar dos países socialistas. O governo brasileiro restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética (URSS). Atitudes de menor importância também tiveram grande impacto, como as condecorações oferecidas pessoalmente por Jânio ao guerrilheiro revolucionário Ernesto "Che" Guevara (condecorado com a Ordem do Cruzeiro do Sul) e ao cosmonauta soviético Yuri Gagarin, além da vinda ao Brasil do ditador cubano Fidel

Castro. Independência e isolamento De acordo com estudiosos do período, o presidente Jânio Quadros esperava que a política externa de seu governo se traduzisse na ampliação do mercado consumidor externo dos produtos brasileiros, por meio de acordos diplomáticos e comerciais. Porém, a condução da política externa independente desagradou o governo norte-americano e, internamente, recebeu pesadas críticas do partido a que Jânio estava vinculado, a UDN, sofrendo também veemente oposição das elites conservadoras e dos militares. Ao completar sete meses de mandato presidencial, o governo de Jânio Quadros ficou isolado política e socialmente. Jânio Quadros renunciou em 25 de agosto de 1961.

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GOVERNO JOÃO GOULART (1961-1964): POLARIZAÇÃO CONDUZ AO GOLPE

Com a renúncia de Jânio Quadros (PTN) à Presidência da República, caberia ao vice-presidente, João Goulart (PTB), conhecido como Jango, assumir o comando do Brasil. Mas Jango se encontrava na Ásia, em visita à República Popular da China. Então, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli (PSD), assumiu o governo provisoriamente. Na época, grupos de oposição mais conservadores, compostos pelas elites dominantes e por setores das Forças Armadas, não aceitaram que Jango tomasse posse, sob a alegação de que ele tinha tendências políticas esquerdistas. Paralelamente, setores sociais e políticos que apoiavam João Goulart iniciaram um movimento de resistência. Campanha da legalidade e posse O governador do estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (PTB), destacou-se como principal líder da resistência ao promover a campanha legalista pela posse de Jango. O movimento de resistência, que se iniciou no Rio Grande do Sul e se irradiou para outras regiões do país, dividiu as Forças Armadas, impedindo uma ação militar conjunta contra os legalistas. No Congresso Nacional, os líderes políticos negociaram uma saída para a crise institucional. A solução encontrada foi o estabelecimento do regime parlamentarista de governo, que vigorou por dois anos (1961-1962), reduzindo os poderes constitucionais de Jango. Com essa medida, João Goulart retorna ao Brasil e é empossado em 7 de setembro. O retorno ao presidencialismo Em janeiro de 1963, Jango convocou um plebiscito para decidir sobre a manutenção ou não do sistema parlamentarista. O resultado foi que cerca de 80% dos eleitores votaram pelo restabelecimento do sistema presidencialista. A partir de então, Jango passou a governar o país com mais poderes constitucionais. Porém, no breve período em que governou o país sob regime presidencialista, os conflitos políticos e as tensões sociais se tornaram graves, e as Forças Armadas interromperam seu mandato com o golpe militar de março de 1964. Instabilidade política Desde o início de seu mandato, Jango não dispunha de base de apoio parlamentar no Congresso Nacional para aprovar com facilidade seus projetos políticos, econômicos e sociais. Por esse motivo, a estabilidade governamental foi comprometida. Como saída para resolver os frequentes impasses, Jango adotou uma estratégia típica do período populista: recorreu à permanente mobilização das classes populares, a fim de obter apoio social ao seu governo. A estratégia limitava ou impedia a adoção, por parte do governo, de medidas antipopulares. Além disso, era necessário atender as demandas dos grupos que apoiavam o presidente. Um episódio ilustrativo ocorreu quando o governo criou uma lei implantando o 13º salário. Na época, o Congresso não a aprovou. Então, líderes sindicais ligados a João Goulart mobilizaram os trabalhadores em uma greve e pressionaram os parlamentares a aprovarem a lei. As contradições da política Durante a fase parlamentarista do governo Jango, o Ministério do Planejamento e da Coordenação Econômica foi ocupado por Celso Furtado, que elaborou o chamado Plano Trienal de Desenvolvimento

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Econômico e Social. O objetivo do Plano Trienal era combater a inflação a partir de uma política que demandava, entre outras coisas, a contenção salarial e o controle do déficit público. Em 1963, o governo abandonou o programa de austeridade econômica, concedendo reajustes salariais para o funcionalismo público e aumentando o salário mínimo acima da taxa pré-fixada. Ao mesmo tempo, Jango tentava obter o apoio de setores da direita realizando sucessivas reformas ministeriais e oferecendo os cargos a pessoas com influência e respaldo junto ao empresariado nacional e os investidores estrangeiros. Mas a busca de apoio político junto às classes populares levou o governo a se aproximar do movimento sindical e dos setores que representavam as correntes e ideias nacional-reformistas. Polarização direita-esquerda Ao longo do ano de 1963, o país foi palco de agitações sociais que polarizaram as correntes de pensamento de direita e esquerda em torno da condução da política governamental. Em 1964, a situação de instabilidade política se agravou, com o descontentamento do empresariado nacional e das classes dominantes. Por outro lado, os movimentos sindicais e populares pressionavam para que o governo implementasse reformas sociais e econômicas que os beneficiassem. Atos públicos e manifestações de apoio e oposição ao governo eclodiram por todo o país. Em 13 de março, ocorreu o comício da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu 300 mil trabalhadores em apoio a Jango. Uma semana depois, as elites rurais, a burguesia industrial e setores conservadores da Igreja realizaram a "Marcha da Família com Deus e pela Liberdade", considerado o ápice do movimento de oposição ao governo. As Forças Armadas também foram influenciadas pela polarização ideológica vivenciada pela sociedade brasileira naquela conjuntura política, ocasionando rompimento da hierarquia, devido à revolta de setores subalternos. Os estudiosos do tema assinalam que, a quebra de hierarquia dentro das Forças Armadas foi um dos principais fatores que levaram os militares apoiadores de Jango a se afastarem, facilitando o movimento golpista. O Golpe militar Em 31 de março de 1964, tropas militares lideradas pelos generais Carlos Luís Guedes e Olímpio Mourão Filho desencadeiam o movimento golpista. Em pouco tempo, vários comandantes militares aderiram ao movimento de deposição de Jango. Em 1º de abril, João Goulart praticamente abandonou a presidência, e no dia 2 se exilou no Uruguai. O movimento conspirador que depôs Jango da Presidência da República reuniu os mais variados setores sociais, desde as elites industriais e agrárias (empresários e latifundiários), banqueiros, Igreja Católica e os próprios militares. Todos temiam que o Brasil caminhasse para um regime socialista. Além disso, o golpe militar não encontrou grande resistência popular, apenas algumas manifestações que foram facilmente reprimidas. Você na ditadura Rumo à ditadura Os militares golpistas chamam o movimento que depôs Jango de Revolução Redentora. Mas, na historiografia brasileira, o movimento de março de 1964 é denominado de golpe militar. Ele pôs fim à primeira experiência de regime democrático no país. O regime que se instaurou sobre a égide dos militares foi se radicalizando a ponto de se transformar numa ditadura altamente repressiva que avançou sobre as liberdades políticas e direitos individuais. Os generais se sucederam na presidência e governaram o país por 21 anos.