Em seu famoso ensaio, Consideraes sobre o marxismo ocidental, Perry Anderson faz uma anlise sobre uma das mais intrigantes vertentes do marxismo do sculo XX, o marxismo ocidental. O termo ocidental utilizado pela primeira vez no livro de Maurice Merleau-Ponty, As Aventuras da Dialtica, e de acordo com ele, essa variante do marxismo tem incio com a publicao do livro Histria e Conscincia de Classe, de Georg Lukcs, e Marxismo e Filosofia, de Karl Korsch. A obra aborda as vrias tendncias interligadas ao termo, e pormenoriza a vida e as construes tericas dos pensadores deste legado.Em seu livro, Anderson elabora uma pequena trajetria do marxismo, com foco na Europa. Inicia seu curso com os dois fundadores do materialismo histrico,Marx e Engels, que impactados pelos acontecimentos de sua poca, juntaram- se em uma parceria intelectual que resultou na corrente marxista.

bem conhecido como, sentindo-se atrado pelas primeiras sublevaes proletrias aps a revoluo industrial, Marx, entre os vinte e os trinta anos, ajustou contas com o legado filosfico de Hegel e de Feuerbach e com a teoria poltica de Proudhon, ao mesmo tempo que Engels descobria a realidade da condio da classe operria em Inglaterra e denunciava as doutrinas econmicas que a legitimavam [...] (ANDERSON, 1976. p. 9).

Os percursores do marxismo lanaram as obras fundamentais dessa corrente. Marx traou um quadro global do modo de produo capitalista no primeiro volume deO Capital, e um logo depois participou da fundao da I Internacional, consagrando-se no movimento socialista organizado. J Engels, alm de auxiliar Marx na construo de sua obra, elaborou as primeiras exposies sistemticas do materialismo histrico, legitimando sua fora poltica na Europa, alm de ser pea fundamental para a II Internacional, com a qual o materialismo histrico se tornou a doutrina oficial da maior parte dos partidos operrios do Continente. (ANDERSON, 1976, p. 9-10)O autor deixa claro que, apesar das brilhantes contribuies de Marx sociedade intelectual, sua influncia terica foi relativamente restrita durante sua vida. Grande parte de seus escritos s foram publicados em data prxima a sua morte, e o que j tinham sido publicados estavam espalhados por vrios pases, em diversas lnguas, dificultando o acesso, principalmente classe a que se destinava, o proletariado.A gerao posterior a Marx e Engels ainda era muito restrita, eram homens que s tiveram real contato com o materialismo histrico numa altura tardia da vida, porm estavam inseridos na vida poltica e ideolgica dos seus partidos, mesmo que no tendo um papel central.Fazem parte desse grupo: Labriola, Plekanov, Mehring e Kautsky. Todos eles tiveram contato com Engels, atravs de correspondncias, fato que causou uma grande influncia, a ponto de seus trabalhos serem visto como um segmento da fase final de Engels. Porm, apesar de suas colaboraes, os trabalhos dessa gerao tiveram um intuito maior de complementao dos estudos de Marx, do que de desenvolvimento.Aps uma modificao na dinmica internacional do mundo capitalista, com um arrebatador crescimento econmico nos pases mais industrializados

[...] os monoplios fixaram-se nas metrpoles e a expanso imperialista acelerou-se no estrangeiro, abrindo uma era plena de tenses e de impetuosas inovaes tecnolgicas, elevando as taxas de lucro, aumentando a acumulao do capital e fazendo crescer a rivalidade entre as grandes potncias. (ANDERSON, 1976. p. 15).

Esse cenrio era extremamente diferente da fase, relativamente tranquila, que os herdeiros de Marx e de Engels tinham sido formados, a prxima gerao, muito mais numerosa do que os seus predecessores, irromperia num ambiente muito mais catico, justamente quando o capitalismo europeu comeava a se encaminhar para a desordem da I Guerra Mundial.As personalidades que figuraram esse cenrio originaram-se, sem exceo, de regies a leste de Berlim. So nomes como: Vladimir Ilitch Lenin, Rosa Luxemburgo, Trotsky, Hilferding. E, da mesma gerao, porm um pouco tardio, Bukharine e Preobrazhensky. Segundo Anderson (1976, p.17) Quase toda a nova gerao de tericos iria desempenhar funes dirigentes na conduo dos seus respectivos partidos nacionaisum papel muito mais relevante e ativo do que o dos seus predecessores. Os trabalhos dessa nova formao de intelectuais tinham um intuito de desenvolver os escritos de Marx e orientaram-se em duas novas direes. Primeiramente, por conta das transformaes no modo de produo capitalista, com a formao dos monoplios e o imperialismo, tornou-se necessrio uma nova explicao e uma anlise mais bem fundamentada. Ademais, O Capital, depois de tantas mudanas, no podia mais ficar como estava, carecia de desenvolvimento.Aps um grande aperfeioamento do pensamento econmico marxista na Alemanha, na ustria e na Rssia nos primeiros quinze anos do sculo XX, os grandes tericos tinham como uma de suas prioridades decifrarem as leis fundamentais do capitalismo em seu novo estgio de desenvolvimento histrico.O crescimento dos partidos operrios na Europa central somado a uma erupo fervorosa de rebelies populares contra os antigos regimes na Europa oriental criaram as bases para um novo tipo de teoria alicerada nas lutas do proletariado e nas organizaes partidrias. A Revoluo Russa de 1905 foi o maior exemplo de insurreio popular do perodo, e uma das mais estudadas em toda a Alemanha e ustria, dando origem primeira anlise poltica estratgica de tipo cientfico na histria do marxismo.Com a chegada da I Guerra Mundial, o cenrio europeu entra em colapso, as alas da teoria marxista se dividem entre socialistas reformistas e revolucionrios, os primeiros dando apoio total a seus respectivos governos nacionais na declarao de guerra, e os segundos, tencionavam o derrotismo revolucionrio. Os intelectuais Kautsky e Plekhanov, da gerao mais antiga, optaram pelo social-chauvinismo. J, Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo e Bukharine mantiveram-se numa resistncia completa Guerra, denunciando os traidores das organizaes social-democratas. Outros como Hilferding e Bauer se alistaram no exrcito. E assim, a II internacional, que era to preciosa Engels, entra em falncia.Todos esses fatos tiveram conseqncias, uma onda revolucionria varria a Europa. Na Rssia, um levante popular derrubou o czarismo em fevereiro de 1917, e pouco tempo depois, o Partido Bolchevique, sob o comando de Lenin, estava pronto paratomar o poder e, ainda em Outubro, Trotsky assumia a direo militar da revoluo socialista, e logo depois a Guerra Civil de 1918-21.Porm, apesar dos resultados histricos obtidos, esse perodo revolucionrio durou apenas at 1920, quando foi esmagado pela fora do capital. O socialismo estava isolado estava isolado e encaminhava-se para uma situao complicada, um regime tortuoso, que sob a figura de Stalin se instalava.

Os golpes selvagens infligidos pelo imperialismo sobre a prpria Revoluo Russa dizimaram a classe operria russa, apesar das vitrias militares sobre as foras brancas na Guerra Civil. Depois de 1920, no se poderia esperar um auxlio imediato por parte dos pases mais desenvolvidos da Europa. A URSS estava condenada ao isolamento, a sua indstria arruinada, o seu proletariado enfraquecido, a sua agricultura devastada, o seu campesinato descontente. (ANDERSON, 1976. p. 29).

Assim, quando o stalinismo chegou ao auge, o marxismo e sua unidade revolucionria terica foram, praticamente, reduzidos a mera lembrana na Rssia. A situao era evidente, o bero do socialismo, o pas mais avanado do mundo no desenvolvimento do materialismo histrico, foi reduzido ao analfabetismo, parasitismo e foi sufocado pela censura e o autoritarismo.Enquanto a Unio Sovitica era sufocada pelo stalinismo, nos outros pases, o capitalismo reinava de forma violenta e agitada. Ainda assim, movimentos revolucionrios, partidos comunistas brandindo a bandeira do leninismo resistiam, e mesmo que tenha sofrido muitas derrotas durante a crise revolucionria do ps-Guerra, a classe operria ainda representava uma forte ameaa aos pases burgueses e teria de ser controlada. Para mais, o capitalismo, pela primeira vez, parece entrar em colapso. A recuperao econmica imperialista e a estabilizao poltica comeam a entrar em declnio, e tem seu apogeu com a crise de 1920, que propagou o desemprego e intensificou a luta de classes.Desse modo, o capitalismo tinha de encontrar uma forma de reverter a situao e suplantar os perigos que o operariado representava, e a resposta, ento, veio em forma de ditaduras teorista.

A Itlia foi o primeiro pas a experimentar toda a fora da represso fascista: em 1926, Mussolini tinha acabado com toda a oposio legal no pas. O nazismo tomou o poder na Alemanha em 1933, depois do Comintern ter imposto uma via suicida ao KPD: o movimento operrio alemo foi reduzido a nada. Um ano mais tarde, na ustria, o fascismo clerical [...] Na Hungria, uma ditadura branca [...](ANDERSON, 1976. p. 31).

Aps todos esses acontecimentos, o destino da teoria marxista na zona centro-europeia, que um dia desempenhou um papel essencial para a promoo do materialismo histrico, encontrava-se em decadncia. Como uma forma de reavivar o marxismo na Europa, criou-se o Instituto de Investigao Social, tendo como primeiro diretor um membro da velha gerao marxista, Carl Grunberg. O Instituto tinha uma ligao direta com o Instituto Marx-Engels de Moscou, e incluiu nos seus trabalhos tanto comunistas como social-democratas. Alm disso, ele custeou a produo da nica grande criao terica do marxismo no perodo entre as duas guerras, ALei da Acumulao e o Colapso do Sistema Capitalista, de Henryk Grossman. Em seu trabalho, Grossman fez um resumo dos debates clssicos do perodo anterior Guerra sobre as leis da evoluo do modo de produo capitalista no sculo XX, na tentativa de compreender o seu colapso a partir da lgica dos esquemas de Marx sobre a reproduo. Logo em seguida, Bauer publica seu ltimo trabalho terico, Entre Duas Guerras Mundiais?, a obra traz uma reflexo sobre o fascismo, mostrando que apenas uma reunificao entre o movimento social-democrata e o movimento comunista poderia derrot-lo, alm de construir uma teoria sobre o problema do subconsumo como origem das crises do capitalismo.A morte de Bauer em 1938 e a ecloso da II Guerra Mundial com a ascenso do nazismo marcaram o fim da poca do marxismo no continente. Todavia, nos Estados Unidos, Paul Sweezy,um economista americano, decide retomar os estudos com o trabalho A Teoria do Desenvolvimento Capitalista, que traz uma discusso dos debates marxistas sobre as leis do desenvolvimento do capitalismo, problematizando as idias de Marx, alm de examinar o pensamento de outros autores.Com o livro de Sweezy,

Pela primeira vez se atribua a desintegrao final do capitalismo a uma determinante puramente exterior: s realizaes econmicas superiores da Unio Sovitica e dos pases que se esperava seguissem o seu caminho no fim da Guerra, cujo efeito de persuaso podia eventualmente tornar possvel uma transio pacfica para o socialismo nos prprios Estados Unidos. Com esta concepo, A Teoria do Desenvolvimento Capitalista marcou o fim de uma poca intelectual. (ANDERSON, 1976, p. 35)