conjuntos de aubry-mather em mapeamentos twist · corpos (um modelo do sistema sol-terra-lua)....

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos twist Adriano Maur´ ıcio de Almeida Cˆ ortes 2006

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Conjuntos de Aubry-Mather

em mapeamentos twist

Adriano Maurıcio de Almeida Cortes

2006

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos twist

Adriano Maurıcio de Almeida Cortes

Dissertacao de Mestrado apresentada ao Programa de Pos–graduacao em

Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios a obtencao do

tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.

Orientador: Prof. Ricardo Martins da Silva Rosa.

Rio de Janeiro

Maio de 2006

i

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos twist

Adriano Maurıcio de Almeida Cortes

Dissertacao de Mestrado apresentada ao Programa de Pos–graduacao em

Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios a obtencao do

tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.

Aprovada por:

Presidente, Prof. Ricardo Martins da Silva Rosa (IM-UFRJ)

———————————————————

Prof. Leonardo Magalhaes Macarini (IM-UFRJ)

———————————————————

Prof. Mario Jorge Dias Carneiro (ICEx-UFMG)

———————————————————

Rio de Janeiro

Maio de 2006

ii

Cortes, Adriano Maurıcio de Almeida.

Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos

twist/ Adriano Maurıcio de Almeida Cortes. – Rio de

Janeiro: UFRJ/ IM, 2006.

xii, 89f.: il.; 31 cm.

Orientador: Ricardo Martins da Silva Rosa.

Dissertacao (mestrado)—UFRJ/ IM/ Programa de

Pos–graduacao em Matematica Aplicada, 2006.

Referencias Bibliograficas: f. 90 – 91.

1. Sistemas Dinamicos. 2. Mapeamentos twist.

3. Conjunto de Aubry-Mather. I. Rosa, Ricardo Martins

da Silva. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Instituto de Matematica. III. Conjuntos de Aubry-Mather

em mapeamentos twist.

iii

Para Alba e Marcello,

meus pais,

pela formacao, carinho e dedicacao constante.

iv

Agradecimentos

Hoje, na fase adulta, reconheco o devotamento e a abdicacao de si proprio

necessarios para se “educar”um filho. Por isso nao poderia deixar de registrar

meu agradecimento, e sobretudo meu reconhecimento, a meus pais Alba e

Marcello, cujos esforcos para que sempre tivesse uma boa formacao moral e

intelectual foram imensuraveis.

Aos meus irmaos Alessandro e Andre agradeco: a infancia divertida, o

companherismo de todas as horas e a influencia na construcao do meu carater,

ao primeiro agradeco tambem as correcoes de portugues. As minhas cun-

hadas, Marcele e Suzana, e principalmente a minha sobrinha Carolina, a

todos peco desculpas pelas horas de ausencia e pela desatencao durante o

mestrado.

Agradeco aos professores Felipe Acker e Rolci Cipolatti, responsaveis pela

minha decisao em estudar matematica. Ao ultimo agradeco tambem a opor-

tunidade da Iniciacao Cientıfica, no Instituto de Matematica da UFRJ. Reg-

istro aqui minha profunda admiracao pelo seu jeito singular de lecionar.

Agradeco ao professor Ricardo Rosa pela atencao e pela paciencia em

meus atrasos durante a orientacao e a preparacao desta dissertacao. Aos de-

mais professores do DMA, em especial os professores: Airton, Bruno, Cassio,

Gregorio, Juan, Marco Aurelio, Paulo Goldfeld; e aos professores do DCC,

em especial a professora Marcia Fampa, meu sincero obrigado por tudo que

consegui aprender de voces.

Sou grato igualmente aos professores Leonardo Macarini e Mario Jorge

Dias Carneiro pelas licoes de ultima hora, sendo que ao ultimo reforco meus

agradecimentos pelo exemplo motivado sobre as Geodesicas no toro, o que

resultou no capıtulo 5 desta dissertacao. A professora Teresinha Stuchi, meu

agradecimento por sua disposicao imediata em aceitar o convite para compor

v

a banca.

Nao posso deixar de reconhecer as pessoas que me acompanharam durante

este trajeto, os amigos do mestrado e do doutorado: Adriane, as Alines,

Andrezinho, Bia (Beatrinowa), Fabio, os Felipes, Marcelo.

A CAPES sou grato pelo suporte financeiro que permitiu minha dedicacao

exclusiva ao mestrado.

Finalmente, de modo especial, agradeco a minha noiva, Ivana. Compan-

hia certa nos momentos alegres, porto seguro nos de tristeza, a seu amor

devo a consciencia de que este sentimento nao deve ser quantificado, e sim

vivenciado.

Adriano Cortes

Maio de 2006

vi

Resumo

Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos twist

Adriano Maurıcio de Almeida Cortes

Resumo da dissertacao de Mestrado submetida ao Programa de Pos–

graduacao em Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universi-

dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios

a obtencao do tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.

Resumo. O problema da existencia de curvas rotacionais in-

variantes em mapeamentos do cilindro que preservam area e sat-

isfazem a condicao de twist e um belo capıtulo no estudo dos

sistemas dinamicos ditos conservativos. Tal problema consiste

de uma instancia em baixa dimensao dos problemas abordados

pela teoria KAM, que e uma teoria perturbativa. No inıcio da

decada de 70, dando prosseguimento aos trabalhos iniciados por

Kolmogorov e Arnold, Moser resolveu o problema da existencia

(ou melhor da preservacao) de curvas invariantes em mapeamen-

tos twist para perturbacoes suficientemente pequenas do caso to-

talmente integravel. Porem observacoes numericas posteriores

sinalizavam que para perturbacoes nao muito grandes as curvas

invariantes nao persistiam, portanto a questao natural que surgiu

foi: o que ocorre quando uma curva rotacional invariante se que-

bra, ou seja, deixa de existir ? Essa pergunta foi respondida por S.

vii

Aubry e J. N. Mather, de forma independente, com a descoberta

na decada de 80 dos conjuntos de Aubry-Mather. Entende-se

hoje que a quebra da curva invariante (ver [Mo]) da origem a

um conjunto de Aubry-Mather, que e um conjunto fechado in-

variante, e que tem a estrutura de um conjunto de Cantor. Na

dissertacao faremos a construcao dos conjuntos de Aubry-Mather

usando ambas abordagens. E no ultimo capıtulo vemos como os

mapeamentos twist surgem no estudo das geodesicas em um toro

de revolucao.

Palavras–chave. Mapeamentos twist, Conjunto de Aubry-Mather.

Rio de Janeiro

Maio de 2006

viii

Abstract

Aubry-Mather sets in twist maps

Adriano Maurıcio de Almeida Cortes

Abstract da dissertacao de Mestrado submetida ao Programa de Pos–

graduacao em Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universi-

dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios

a obtencao do tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.

Abstract. The problem of existence of invariant rotational curves

in mappings of the cyllinder that preserve area and satisfy the

twist condition is a beautiful chapter in conservative dinamical

systems. This problem is a low-dimensional instance of more

general problems treated by the KAM theory, which is a per-

turbative theory. In the beginning of the 70th decade, continuing

the work started by Kolmogorov and Arnold, Moser solved the

problem of the existence of invariant curves in twist mappings for

sufficientlly small perturbations of the completely integrable case.

However, later numeric observations signaled that for not too big

perturbations the invariant curves completely disappeared, so the

natural question posed was: what happen with an invariant rota-

tional curve as it breaks ? This question was answered, indepen-

dently, by S. Aubry and J. N. Mather with tue discovery of the

Aubry-Mather sets. Nowadays we understand that the break of

ix

an invariant curve (see [Mo]) gives raise to an Aubry-Mather set,

which is an invariant closed set with the structure of a Cantor

set. In this dissertation we make the construction of the Aubry-

Mather sets using both approaches. In the last chapter we see

how the twist mappings can help to understand the geodesics in

a torus of revolution.

Keywords. Twist maps, Aubry-Mather set.

Rio de Janeiro

Maio de 2006

x

Sumario

1 Introducao 1

2 Homeomorfismos de S1 5

2.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

2.2 Classificacao das Orbitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

2.2.1 Numero de rotacao racional . . . . . . . . . . . . . . . 11

2.2.2 Numero de rotacao irracional . . . . . . . . . . . . . . 12

3 Mapeamentos do tipo twist 17

3.1 Mapeamentos twist no plano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.1.1 Funcao Geratriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3.1.2 Interpretacao Geometrica da Funcao Geratriz . . . . . 21

3.2 Mapeamentos twist no cilindro . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.3 Mapeamento twist no anel (ou cilindro finito) . . . . . . . . . 24

3.4 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

3.4.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-Kontorowa 25

3.4.2 Bilhares convexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.5 Teorema de Extensao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

4 Conjuntos de Aubry-Mather 33

4.1 Princıpio Variacional de S.Aubry . . . . . . . . . . . . . . . . 33

xi

4.1.1 Configuracoes e Orbitas periodicas minimizantes . . . . 40

4.1.2 Numero de Rotacao e Monotonicidade . . . . . . . . . 45

4.2 Princıpio Variacional de J.Mather . . . . . . . . . . . . . . . . 57

4.3 Exemplos (BIS) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

4.3.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-Kontorowa 72

5 Geodesicas no toro, uma aplicacao de mapeamentos twist 76

xii

Capıtulo 1

Introducao

A Mecanica Celeste sempre foi uma fonte de questoes interessantes para os

matematicos, alem de ser de interesse pratico para os astronomos. Alem

disso, ela sempre motivou novos conceitos e definicoes, como podemos veri-

ficar com os trabalhos pioneiros de Henri Poincare sobre o problema dos tres

corpos (um modelo do sistema Sol-Terra-Lua). Muitas ideias e definicoes por

ele introduzidas estao no berco da Teoria dos Sistemas Dinamicos, da qual a

Mecanica Celeste e um exemplo.

Alem disso, uma de suas grandes contribuicoes para a Teoria dos Sistemas

Dinamicos foi a introducao de ferramentas para um estudo qualitativo dos

sistemas. Podemos considerar o Mapeamento de primeiro retorno, tambem

conhecido como Mapeamento de Poincare uma das principais.

Uma das questoes mais importantes consideradas por Poincare, no prob-

lema dos tres corpos (restrito), e a da estabilidade das orbitas periodicas,

que esta relacionada com o problema da estabilidade do Sistema Solar (vide

[Mo]).

O problema dos tres corpos (restrito) e um caso particular dos Sistemas

Hamiltonianos autonomos com dois graus de liberdade. Um tal sistema tem

1

a forma,

q =∂H

∂p(p, q),

p = −∂H∂q

(p, q).

Onde H : R4 → R e de classe Ck, com k ≥ 2.

Denotemos por φt o fluxo gerado pelo sistema acima e seja (q0, p0) tal

que γ = φt(q0, p0), para t ∈ R, e uma orbita periodica. Sabemos que H e

uma integral do sistema acima, logo γ ⊂ H−1(e), onde e e um valor regular,

ou seja, γ esta contida num nıvel de energia (que e uma superfıcie regular

de codimensao um). E sabido que se tomarmos um secao Σe que inter-

secta γ transversalmente em (q0, p0), e contida em H−1(e), o mapeamento

de Poincare da origem a um mapeamento bidimensional (numa vizinhanca

de (q0, p0)) que preserva area (vide [SM]) e tem (q0, p0) como ponto fixo (ver

figura 1.1).

PSfrag replacements

γ

Σe

(q, p)

φt(q, p)

(q0, p0)

Figura 1.1: O espaco ambiente tridimensional representa H−1(e).

Assim procedendo, transformamos o problema da estabilidade da orbita

2

periodica, no problema da estabilidade de um ponto fixo de um mapeamento

em duas dimensoes que preserva area.

Vemos assim uma das motivacoes historicas para estudarmos mapeamen-

tos do plano que preservam area e possuem um ponto fixo. Alem disso,

sob certas condicoes no ponto fixo (ver [CMS] ou [MF] - Forma normal

de Birkhoff) existe uma mudanca de coordenadas em torno do ponto fixo

de tal forma que nessas novas coordenadas temos um mapeamento do anel

(S1 × [a, b], com a, b ∈ R) que preserva area e, alem disso, satisfaz uma

propriedade geometrica conhecida como propriedade twist.

Essa classe de mapeamentos do anel (ou do cilindro S1×R) que preservam

area e satisfazem a propriedade twist e conhecida como Mapeamentos do

tipo twist, ou simplesmente, Mapeamentos twist.

Nesta dissertacao consideramos alguns resultados relativos aos Mapea-

mentos twist:

No Capıtulo 2, consideramos os homeomorfismos de S1, que constituem

ferramenta fundamental no estudo dos mapeamentos twist.

No Capıtulo 3, definimos precisamente o que entendemos por mapea-

mento twist. Vemos, tambem, uma caracterıstica fundamental de tais ma-

peamentos, a de que eles admitem uma funcao geratriz, que nos permitira

compreender certos aspectos de sua dinamica usando uma abordagem varia-

cional. Apresentamos alguns exemplos, ressaltando sua importancia historica

no desenvolvimento da teoria.

No Capıtulo 4, construimos os conjuntos de Aubry-Mather, descobertos

na decada de 80, por S. Aubry (fısico), e independentemente por J. Mather

(matematico). Veremos as duas abordagens para o problema, ambas uti-

lizando argumentos variacionais, sendo a de S. Aubry em dimensao finita, e

a de J. Mather em dimensao infinita.

3

Os conjuntos de Aubry-Mather sao conjuntos fechados invariantes cuja

dinamica neles lembra de perto a dinamica de um homeomorfismo de S1 (com

numero de rotacao irracional). Na verdade conforme veremos, os conjuntos

de Aubry-Mather sao generalizacoes das curvas rotacionais invariantes, que

nada mais sao que circunferencias (S1) mergulhadas no anel (ou no cilindro),

cuja dinamica nelas e conjugada a um homeomorfismo de S1 (com numero

de rotacao irracional).

No Capıtulo 5, seguindo os passos de [Ba], faremos um estudo das

geodesicas de classe A no toro de revolucao. Este tema proposto pela Ge-

ometria Diferencial, e a princıpio disjunto do estudo dos mapeamentos twist,

se revelara uma boa fonte de exemplo de um mapeamento twist. Construıdo

a partir de um mapeamento de primeiro retorno num paralelo particular do

toro de revolucao, tal mapeamento dara informacoes e propriedades funda-

mentais das geodesicas de classe A.

4

Capıtulo 2

Homeomorfismos de S1

2.1 Introducao

Tomemos por definicao de S1 o espaco quociente R/Z, com a metrica e a

orientacao induzida de R (tomado com a orientacao positiva) por π : R →R/Z = S1 (projecao canonica).

Definicao 2.1.1 Sejam X e X espacos topologicos. Uma aplicacao π : X →X e dita uma aplicacao de recobrimento quando cada ponto x ∈ X pertence

a um aberto V ⊂ X tal que π−1(V ) =⋃α Uα e uma reuniao de abertos dois a

dois disjuntos, cada um dos quais se aplica por π homeomorficamente sobre

V . Dizemos que X e um recobrimento de X, e se X e simplesmente conexo,

entao e dito recobrimento universal.

Desta forma π e aplicacao de recobrimento, e R um recobrimento(universal)

de S1. Aqui e nos capıtulos seguintes sera frequente trabalharmos no reco-

brimento.

Definicao 2.1.2 Seja f : S1 → S1 um homeomorfismo, e seja π : R → S1

a aplicacao de recobrimento. Entao uma funcao contınua F : R → R tal que

5

f ◦ π = π ◦ F e dita um levantamento de f .

Exemplo: Um exemplo importante no estudo dos homeomorfismos de S1

sao as rotacoes Rα : S1 → S1, α ∈ R, que podem ser pensadas como os

“rebaixamentos” das translacoes Tα : R → R (x 7→ x+ α), isto e, Rα ◦ π =

π ◦ Tα.Um resultado interessante, que mais tarde sera “generalizado” (num certo

sentido), e conhecido como Teorema de Jacobi.

Definicao 2.1.3 Seja X um espaco topologico, f : X → X um homeomor-

fismo e x ∈ X. Chamamos o conjunto O(x) = {fn(x)|n ∈ Z} de orbita de

x.

Teorema 2.1.1 (Jacobi) As orbitas de Rα sao densas em S1, se e somente

se, α ∈ R\Q.

Prova: Seja α = p/q ∈ Q, com p e q inteiros e primos entre si, e x ∈ [0, 1).

Como T nα (x) = x + nα = x + np/q, entao T qα(x) = x + p, logo Rqα(π(x)) =

π(x+ p) = π(x), consequentemente todas as orbitas de Rα sao periodicas de

perıodo q.

Agora, suponhamos α ∈ R\Q e seja A ⊂ S1 o fecho de uma orbita.

Se a orbita nao e densa, o complemento S1\A e um conjunto invariante

aberto e nao-vazio, que consiste de intervalos disjuntos. Seja I o de maior

comprimento (ou um dos maiores, caso exista mais do que um). Uma vez

que as rotacoes preservam comprimento, as iteracoes RnαI nao se intersectam,

caso contrario S1\A conteria um intervalo maior que I, e ja que α ∈ R\Q

nenhuma iteracao de I pode coincidir, senao terıamos para algum x ∈ I, que

Rnαx = Rm

α x e R(n−m)α x = x, logo (n−m)α ∈ Z.

Assim, os intervalos RnαI sao todos de mesmo comprimento e disjuntos,

mas isso e impossıvel porque S1 tem comprimento finito.

6

Observacoes: Seja f um homeomorfismo de S1. Se F1 e F2 sao levanta-

mentos distintos de f , entao F2 − F1 = k ∈ Z. Se f preserva orientacao,

entao F e um homeomorfismo de R que preserva orientacao (logo preserva

ordem), e e tal que comuta com T = T−1 (translacao unitaria), isto e, sendo

T (x) = x− 1, entao F ◦ T = T ◦ F .

Apresentaremos agora a nocao de numero de rotacao, introduzida por

Poincare. Conforme veremos este permite uma compreensao da dinamica do

homeomorfismo, e consequentemente uma classificacao dos homeomorfismos

de S1.

Teorema 2.1.2 (Poincare) Seja F : R → R um levantamento de um

homeomorfismo de S1 que preserva orientacao. Entao, o limite

ρ(x) = limn→±∞

F n(x) − x

n

existe e independe de x.

Faremos algumas colocacoes antes de demonstra-lo.

Uma vez que o limite acima independe de x, podemos denota-lo por

ρ(F ). Desta forma definimos o numero de rotacao de F como ρ(F ). Em

particular ρ(Tα) = α.

Agora, se F1 e F2 sao levantamentos distintos do mesmo f : S1 → S1,

entao ρ(F1) − ρ(F2) = k ∈ Z. A prova de que ρ(F1) − ρ(F2) = k ∈ Z e

consequencia imediata da relacao F n2 (x) = F n

1 (x + k) + (n − 1)k, que pode

ser provada por inducao, lembrando que F2 = F1 + k.

Assim podemos definir ρ(f) := π(ρ(F )) como o numero de rotacao de

f , para qualquer levantamento F de f .

Voltemos entao nossa atencao para demonstracao do teorema acima.

Seguiremos a demonstracao encontrada em [MacStk] e devida a Mather. Esta

e maior e mais elaborada que as usuais, porem tem importantes subprodutos.

7

Lema 2.1.1 Seja F : R → R um levantamento de um homeomorfismo de

S1 que preserva orientacao. Entao existe um unico ρ ∈ R tal que para todo

x ∈ R e para todo (m,n) ∈ Z2\{(0, 0)} temos

nρ > m⇒ F n(x) − x > m,

nρ < m⇒ F n(x) − x < m.

Corolario 2.1.1 Se F e ρ sao como acima. Dado n ∈ Z, e sendo

bnρc = maior inteiro estritamente menor que nρ,

dnρe = menor inteiro estritamente maior que nρ,

temos, entao, bnρc < F n(x) − x < dnρe, para todo x ∈ R.

A prova do Teorema 2.1.2 e uma obvia consequencia do corolario acima.

Para provar o Lema 2.1.1 usaremos os tres lemas seguintes:

Lema 2.1.2 Para todo p, q ∈ Z e n ∈ N temos para todo x ∈ R que

i) F qT p(x) > x, se e somente se, F nqT np(x) > x,

ii) F qT p(x) = x, se e somente se, F nqT np(x) = x,

iii) F qT p(x) < x, se e somente se, F nqT np(x) < x.

Prova:

(⇒) Segue claramente da preservacao da ordem.

(⇐) Segue por eliminacao.

Lema 2.1.3 Sejam x ∈ R, p, r ∈ Z, q, s ∈ N, com p/q < r/s tais que

F q(x) − x > p e F s(x) − x > r. Entao, para todo m ∈ Z e n ∈ N, tais que

p/q ≤ m/n ≤ r/s, temos F n(x) − x > m.

8

Prova: Definamos,

N = rq − sq > 0,

a = rn−ms ≥ 0,

b = mq − pn ≥ 0.

Entao, aq + bs = Nn e ap+ br = Nm. Como FNnTNm(x) − x > 0 segue do

Lema 2.1.2 que F nTm(x) − x > 0.

Lema 2.1.4 Suponhamos que existam x, y ∈ R, p, r ∈ Z e q, s ∈ N tais que

F qT p(x) ≥ x e F sT r(y) ≤ y. Entao, p/q ≤ r/s.

Prova: Caso contrario, as orbitas de x e y ficariam fora de ordem, entao

podemos supor sem perda de generalidade que y ≤ x < y+1, logo para todo

k ∈ Z, F k(y) ≤ F k(x) < F k(y)+1. Suponhamos que p/q > r/s. Escolhamos

n ∈ N tal que nps − nrq > 2. Entao, pelo Lema 2.1.2, F nqs(x) ≥ x + nps e

F nqs(y) ≤ y + nrq. Assim, |F nqs(y) − F nqs(x)| ≥ n|p/q − r/s| − |x− y| > 1.

Prova do Lema 2.1.1: Para cada p ∈ Z, q ∈ N definimos αp,q : R → R por

αp,q(x) = F qT p(x) − x. Entao, pelo Lema 2.1.2, para todo n > 0, temos

αp,q(x) > 0, ∀x ∈ R ⇔ αnp,nq(x) > 0, ∀x ∈ R,

αp,q(x) < 0, ∀x ∈ R ⇔ αnp,nq(x) < 0, ∀x ∈ R.

Logo, podemos definir

A+ =

{p

q∈ Q|αp,q(x) > 0, ∀x ∈ R

},

A− =

{p

q∈ Q|αp,q(x) < 0, ∀x ∈ R

}.

Agora, para p0 ∈ N suficientemente grande, temos p0/1 ∈ A− e −p0/1 ∈A+. Assim, ambos A+ e A− sao nao-vazios, e A+ ∩ A− = ∅. Pelo Lema

9

2.1.3, se a, b ∈ A+ com a < b, entao [a, b] ∩ Q ⊂ A+ e igualmente para A−.

Desta forma, p0/1 e uma cota superior para A+ e −p0/1 e uma cota inferior

para A−.

Seja ρ = supA+. Pelo Lema 2.1.4, se p/q ∈ A+ e r/s ∈ A−, entao

p/q < r/s. Assim, inf A− ≥ supA+, e segue igualmente do Lema 2.1.4 que

existe no maximo um p/q ∈ Q tal que αp,q tem um zero ou muda de sinal

em R. De fato, sejam p/q e r/s tais que αp,q e αr,s tem um zero ou muda de

sinal, entao existem x, y, x′, y′ ∈ R tais que F qT p(x) ≥ x e F sT r(y) ≥ y, logo

p/q ≤ r/s, e F qT p(x′) ≤ x′ e F sT r ≥ y′, logo p/q ≥ r/s, isto e, p/q = r/s.

Assim existe no maximo um p/q ∈ Q tal que p/q /∈ A− ∪ A+, logo

[supA+, inf A−] ⊂ R nao contem um intervalo aberto e entao inf A− =

supA+ = ρ. Desta forma, pelo Lema 2.1.3:

{mn

∈ Q | mn< ρ

}⊂ A+,

{mn

∈ Q | mn> ρ

}⊂ A−.

Isso prova o Lema 2.1.1 para o caso n 6= 0. Para o caso n = 0, o Lema e

trivial.

Uma vez que αp,q e contınua, se ela tem uma mudanca de sinal, ela tem

um zero. Em outras palavras, F qT p tem um ponto fixo, se e somente se

p/q ∈ Q\(A− ∪ A+), mais ainda, existe no maximo um tal p/q.

Seja F o levantamento de um homeomorfismo f de S1 que preserva ori-

entacao, e x ∈ R um zero da funcao αp,q, entao π(x) = π ◦ F q(T p(x)) =

f q ◦ π(x), ou seja, O(π(x)) e uma orbita de perıodo q de f .

Como ρ = inf A− = supA+ e A− ∩ A+ = ∅ temos duas opcoes,

1. se ρ ∈ R \Q, entao Q = A− ∪A+ , e nao existem p, q tais que αp,q tem

um zero em R, logo f nao tem orbita periodica,

10

2. Ou, se ρ = p/q ∈ Q, entao p/q /∈ A− ∪ A+. Assim αp,q tem no mınimo

um zero, e entao f tem no mınimo uma orbita periodica de numero de

rotacao p/q.

Vejamos agora as possıveis dinamicas em cada caso.

2.2 Classificacao das Orbitas

2.2.1 Numero de rotacao racional

Seja F : R → R um levantamento de um homeomorfismo de S1 com ρ(F ) =

p/q. Dado x ∈ R, usando o Lema 2.1.2, podemos classificar a orbita O(x)

em relacao a F em tres categorias:

1. periodicas: ∀m ∈ Z, ∃n ∈ N tais que nρ = m, F nTm(x) = x,

2. advancing: ∀m ∈ Z, ∃n ∈ N tais que nρ = m, F nTm(x) > x,

3. retreating: ∀m ∈ Z, ∃n ∈ N tais que nρ = m, F nTm(x) < x.

Como observado acima, existe no mınimo uma orbita periodica. Mais

ainda, se tomarmos p/q com q > 0 e p, q relativamente primos, entao todas

as orbitas periodicas tem perıodo q. Se x ∈ R e periodico, entao x+ n, para

todo n ∈ Z, tambem e.

Se x− < x+ sao dois pontos periodicos tais que nao existe ponto periodico

em (x−, x+), entao

i) ou todas as orbitas em (x−, x+) sao advancing logo, todas essas orbitas

sao assintoticas para a orbita de x+ quando n→ ∞, e para a orbita de

x− quando n → −∞, isto e, ∀y ∈ (x−, x+), F n(y) → F n(x+) quando

n → ∞ e F n(y) → F n(x−) quando n → −∞. A demonstracao desses

11

fatos e facil, basta observarmos que F nqT np(y) → x+ = F nqT np(x+),

quando n→ ∞, e que |F nq(y)−F nq(x+)| = |F nqT np(y)−F nqT np(x+)|.O mesmo raciocınio para x−.

ii) ou todas as orbitas em (x−, x+) sao retreating e assintoticas para as

orbitas de x+ e x− quando n→ −∞ e n→ ∞, respectivamente.

2.2.2 Numero de rotacao irracional

Definicao 2.2.1 Um subconjunto C ⊂ S1 e dito um conjunto de Cantor se

ele e perfeito e Int( C ) = ∅ .

O caso dos homeomorfismos com numero de rotacao irracional e descrito

pelo seguinte teorema:

Teorema 2.2.1 Seja f : S1 → S1 um homeomorfismo com ρ(f) ∈ R \ Q.

Dado x ∈ S1, sejam ω(x) o conjunto ω-limite de x e α(x) o conjunto α-limite

de x. Se P (x) := ω(x) ∪ α(x), entao:

i) P (x) e independente de x;

ii) P e f -invariante, onde P := P (x);

iii) P e S1 ou um conjunto de Cantor.

Lema 2.2.1 Seja f como acima. Dado x ∈ S1 e k, l ∈ Z com k 6= l. Seja I

o intervalo [f kx, f lx]. Entao, toda orbita de f passa por I.

Prova: Notemos que para n ∈ N, fn(l−k)I e adjacente a f (n−1)(l−k)I. Assim

consideremos a colecao de intervalos {fn(l−k)I | n ∈ N}. Se essa colecao nao

cobre S1, entao os extremos dos intervalos fn(l−k)I convergem para algum

y ∈ S1, isto e, fn(l−k)(f l(x)) → y e fn(l−k)(f k(x)) → y quando n → ∞.

12

Mas, por continuidade, fn(l−k)(x) → (f−k(y)), novamente por continuidade

fn(l−k)(f l(x)) → f (l−k)(y). Consequentemente, f (l−k)(y) = y, logo y e um

ponto periodico, o que contradiz ρ(f) irracional.

Prova do Teorema 2.2.1:

i) Seja z ∈ P (x). Entao ∃nk → ±∞ tal que fnk(x) → z. Logo, dado

y ∈ S1, pelo lema acima, ∃lk ∈ Z tal que f lk(y) ∈ [fnk(x), fnk+1(x)].

Entao f lk(y) → z, quando k → ∞. Desta forma P (x) ⊂ P (y), para

todo x, y ∈ S1. Portanto, por simetria, P (x) = P (y).

ii) Se y = lim fnk(x) ∈ P , entao por continuidade f(y) = lim fnk+1(x) ∈P . Idem para f−1;

iii) P e fechado, nao-vazio (pela compacidade de S1). P nao tem pontos

isolados. De fato se x ∈ P , entao x = lim fnk(x), para algum nk (por

(i)), mas fnk(x) ∈ P para todo k ∈ N (por (ii)).

Agora, se P contem um conjunto aberto, entao dado x ∈ S1, uma

vez que a orbita de x e densa em P , existem k, l ∈ Z tais que I =

[fk(x), f l(x)] ⊂ P . Assim, sendo In = fn(I), segue do lema acima e

pela f -invariancia de P , que S1 ⊂⋃n∈Z

In ⊂ P , assim P = S1.

Caso contrario, P nao contem nenhum conjunto aberto, isto e, Int(P ) =

∅, portanto P e um conjunto de Cantor

O teorema acima mostra que a estrutura das orbitas dos homeomorfismos

com numero de rotacao irracional e bem diferente dos homeomorfismos com

numero de rotacao racional.

Definicao 2.2.2 Seja X um espaco topologico. Um homeomorfismo f :

X → X e dito topologicamente transitivo se existe x ∈ X tal que sua orbita

13

O(x) e densa em X.

No caso racional, as orbitas ou sao periodicas ou assintoticas para orbitas

periodicas. No caso irracional ha duas possibilidades para as orbitas, ou

as orbitas sao densas em S1 (caso topologicamente transitivo); ou todas as

orbitas sao assintoticas para um conjunto de Cantor invariantes ou estao

neste conjunto de Cantor, ou seja, nao ha nenhuma orbita densa em S1 (caso

nao-transitivo).

Definicao 2.2.3 Sejam X e Y dois espacos topologicos. Dizemos que f :

X → X e g : Y → Y sao topologicamente conjugados se existe um homeo-

morfismo h : X → Y tal que h ◦ f = g ◦ h.

Definicao 2.2.4 Sejam X e Y dois espacos topologicos. Dizemos que f :

X → X e g : Y → Y sao topologicamente semi-conjugados se existe um

mapeamento h : X → Y contınuo e sobrejetivo tal que h ◦ f = g ◦ h.

O proximo teorema da uma classificacao via (semi-)conjugacao topologica

para os dois casos possıveis, mas antes consideremos a seguinte proposicao.

Proposicao 2.2.1 Seja F : R → R um levantamento de um homeomorfismo

f : S1 → S1 que preserva orientacao com numero de rotacao ρ = ρ(F ) ∈R \ Q. Entao para n1, n2, m1, m2 ∈ Z e x ∈ R

F n1(x) −m1 < F n2(x) −m2 ⇒ n1ρ−m1 < n2ρ−m2

Prova: Se n1 = n2, o resultado e obvio. Suponhamos n1 − n2 > 0, observe-

mos que:

F (n1−n2)T (m1−m2)(F n2(x)) − F n2(x) = F n1(x) −m1 − F n2(x) +m2 < 0.

14

Entao, pela demonstracao do Lema 2.1.1 e das ponderacoes que se seguiram,

temos que α(m1−m2),(n1−n2)(x) < 0, ∀x ∈ R, logo (m1 −m2)/(n1 − n2) ∈ A−,

e assim (m1 −m2)/(n1 − n2) > ρ⇒ n1ρ−m1 < n2ρ−m2. Caso n1−n2 < 0,

entao n2 − n1 > 0, e o raciocinio e o mesmo.

Teorema 2.2.2 (da classificacao de Poincare) Seja f : S1 → S1 um

homeomorfismo que preserva orientacao com numero de rotacao irracional.

i) Se f e transitivo, entao f e topologicamente conjugado a rotacao Rρ(f).

ii) Se f e nao-transitivo, entao f e topologicamente semiconjugado a rotacao

Rρ(f).

Prova: Peguemos F : R → R um levantamento de f , e seja ρ = ρ(F ), x ∈ R

e B := {F n(x) − m}n,m∈Z o levantamento da orbita de π(x). Definamos

H : B → R, H(F n(x) − m) = nρ − m = T nρ (−m). A proposicao acima

implica que H e monotona, e notemos tambem que H(B) e denso em R, pelo

Teorema de Jacobi. Observemos que H ◦ F = Tρ ◦H em B, de fato

H ◦ F (F n(x) −m) = H(F n+1(x) −m) = T n+1ρ (−m)

= Tρ(Tnρ (−m)) = Tρ ◦H(F n(x) −m).

Lema 2.2.2 H tem uma extensao contınua no fecho B de B.

Prova: Se y ∈ B, entao existe uma sequencia {xn}n∈N ⊂ B tal que y =

limn→∞ xn. Assim, gostarıamos de definir H(y) = limn→∞H(xn). Para

mostrar que limn→∞H(xn) existe e que independe da escolha da sequencia

que aproxima y, observemos primeiramente que lim infn→∞H(xn) e lim supn→∞H(xn)

existem e sao independentes da sequencia, poisH e monotona. Se lim infn→∞H(xn)

e lim supn→∞H(xn) sao diferentes, entao R\H(B) contem um intervalo, o

que contradiz a densidade de H(B).

15

Agora, podemos facilmente estender H para R, ja que H : B → R e

monotona e sobrejetiva. De fato, seja y ∈ R. Como H(B) e denso em

R, existe {H(xn)}, com {xn} ⊂ B limitada (pela monoticidade de H), tal

que limH(xn) = y. Logo existe {xnk} convergente, e como B e fechado,

lim xnk= x ∈ B. Assim H(x) = limH(xnk

) = y.

Assim, a unica opcao para definir H nos intervalos complementares a

B e fazer H = const. nesses intervalos, escolhendo a constante igual aos

valores nos extremos do intervalo. Temos entao uma funcao H : R → R nao-

decrescente tal que H ◦F = Tρ ◦H e assim uma semiconjugacao h : S1 → S1,

ja que para x ∈ B temos H(x + 1) = H(x) + 1, e essa propriedade persiste

para extensoes contınuas, ou seja, H e o levantamento de h.

Para concluir o teorema, observemos que no caso transitivo nos comecamos

com uma orbita densa, logo B = R e h e uma bijecao.

Temos no caso nao-transitivo que S1\P e a uniao de intervalos abertos

disjuntos, chamados gaps. A orbita de qualquer ponto em algum desses gaps

e homoclınica a P , isso porque como S1 tem comprimento finito e as iteracoes

de um gap sao disjuntas, entao o comprimento de qualquer gap vai a 0 quando

n→ ±∞.

Porem, como vemos pelo seguinte teorema, cuja prova pode ser encon-

trada em [KaHa], o caso nao-transitivo e tido como um caso “patologico”,

pois para que o caso nao-transitivo ocorra e necessario que f tenha um baixo

grau de diferenciabilidade.

Teorema 2.2.3 (Denjoy) : Um difeomorfismo C1, f : S1 → S1 com

numero de rotacao irracional ρ(f) ∈ R\Q e derivada com variacao limitada

e transitivo e, assim, topologicamente conjugado a Rρ(f).

16

Capıtulo 3

Mapeamentos do tipo twist

Optamos por nao traduzir da literatura em ingles o termo twist, que significa

torcer, pois o achamos expressivo e conciso para indicar a ideia geometrica por

tras da definicao. Ate encontramos em alguns textos em lıngua portuguesa

a nomenclatura, que vem do frances, mapeamentos que desviam a vertical

(deviant la verticale). Tambem exprime bem a ideia geometrica, mas nao

sintetiza tanto como twist.

A maior parte do tempo trabalharemos no recobrimento universal do

cilindro, ou seja, no R2, porem antes de introduzirmos mapeamentos twist

no cilindro, falaremos de mapeamentos twist no plano e sua formulacao varia-

cional, seguindo [MacStk].

3.1 Mapeamentos twist no plano

A seguinte definicao e encontrada em [MacStk], [Me] e de forma semelhante

em [CMS].

Definicao 3.1.1 Dizemos que um difeomorfismo F : R2 → R2 de classe

C1 que preserva area e um mapeamento twist (monotono) se existe uma

17

constante K, com 0 < K ≤ 1, tal que

0 < K ≤ ∂F1

∂y≤ 1

K, (3.1)

onde F (x, y) = (F1(x, y), F2(x, y)).

A condicao (3.1) e chamada condicao de twist (uniforme). Ela sera crucial

no desenvolvimento da teoria, pois junto com a condicao da preservacao da

area, permitira a construcao de uma funcao geratriz para o mapeamento

twist. Tal funcao nos levara a uma formulacao variacional da dinamica do

mapeamento.

O significado geometrico da condicao de twist pode ser visto na figura

3.1. Percebemos que F desvia as retas verticais para a direita.

PSfrag replacements

x

yF

F (V )

V = {x = const.}

Figura 3.1: Condicao de twist

Observacao: Notemos que usamos a palavra uniforme acima, isso porque

e possıvel exigirmos condicoes de twist mais fracas, como por exemplo pedir

que para todo x ∈ R fixado, a aplicacao y 7→ F1(x, y) seja um difeomorfismo

sobre R, ou ate mesmo pedir que seja apenas um homeomorfismo, caso nao

exigıssemos a diferenciabilidade. Porem aqui exigiremos a diferenciabilidade.

18

Seja F um mapeamento twist, com (x′, y′) = F (x, y), e seja F−1 seu

inverso, como −1/K ≤ ∂(F−1)1/∂y′ = −∂F1/∂y ≤ −K < 0, claramente

F−1 desvia as verticais na direcao oposta a desviada por F , ou seja, para

esquerda.

3.1.1 Funcao Geratriz

Seja F um mapeamento twist, entao a imagem de cada vertical V = {x =

constante} corta cada outra vertical somente uma vez, isto e, F (V ) e pro-

jetada bijetivamente sobre o eixo x. Notemos que a hipotese ∂F1/∂y > 0

apenas nao nos garantiria a sobrejetividade de F (V ), por isso usamos a esti-

mativa uniforme ∂F1/∂y ≥ K > 0.

Consideremos ϕ : (x, y) → (x, x′) = (x, F1(x, y)). Claramente ϕ e um

homeomorfismo de classe C1; como Jϕ = ∂F1/∂y > 0, segue do teorema

da Funcao Inversa que ϕ e um difeomorfismo de classe C1, ou seja, uma

mudanca de coordenadas (ver figura 3.2).

Como F−1 tambem e um mapeamento twist, definimos igualmente o difeo-

morfismo de classe C1, ψ(x′, y′) = (x, x′). Observemos que F = ψ−1 ◦ ϕ.PSfrag replacements

(x, y)

(x′, y′)

F

F−1

F (V )F−1(V ′)

V = {x = const.} V ′ = {x′ = const.}

Figura 3.2: Construcao das funcoes ϕ e ψ

19

Proposicao 3.1.1 Seja F : R2 → R2 um mapeamento twist, com (x′, y′) =

F (x, y). Entao existe h : R2 → R de classe C2 tal que, denotando ∂1h(x, x′) =

∂h/∂x(x, x′), ∂2h(x, x′) = ∂h/∂x′(x, x′) e ∂12h(x, x

′) = ∂2h/∂x∂x′(x, x′),

temos

y = −∂1h(x, x′),

y′ = ∂2h(x, x′), (3.2)

e −1/K ≤ ∂12h ≤ −K < 0.

Prova: Usando ϕ e ψ construıdas acima, definamos as funcoes g = π2◦ϕ−1 e

g′ = π2 ◦ψ−1, onde π2(a, b) = b. Assim, y = g(x, x′) e y′ = g′(x, x′). Fixemos

um ponto (x0, x′0) ∈ R2 arbitrario e, dado (x, x′) ∈ R2, seja γ : [0, 1] → R2

um caminho C1 por partes com γ(0) = (x0, x′0) e γ(1) = (x, x′).

Definamos h(x, x′) =∫γg′(ξ, ξ′)dξ′ − g(ξ, ξ′)dξ. Afirmamos que h esta

bem definida, ou seja, independe do caminho γ escolhido. De fato, se γ

e outro caminho ligando (x0, x′0) a (x, x′), segue do teorema de Stokes e da

preservacao da area (dy∧dx = dy ′∧dx′) que∫γ−γ

g′(ξ, ξ′)dξ′ =∫γ−γ

−g(ξ, ξ′)dξ.Entao, por construcao, ∂1h(x, x

′) = −g(x, x′) = −y e ∂2h(x, x′) = g′(x, x′) =

y′. Finalmente, ∂2h(x, x′) = g(x, x′) = π2 ◦ ψ−1(x, x′) implica que (∂2h ◦

ϕ)(x, y) = (π2 ◦ψ−1 ◦ϕ)(x, y) = (π2 ◦F )(x, y) = F2(x, y). Como det DF = 1,

obtemos −(∂2h/∂x)(∂F1/∂y) = 1. Logo ∂12h = −(∂F1/∂y)−1 e segue o

resultado proposto.

Definicao 3.1.2 A funcao h definida acima e chamada funcao geratriz

para o mapeamento twist F .

Reciprocamente,

Proposicao 3.1.2 Dada uma funcao de classe C2, h : R2 → R tal que

−1/K ≤ ∂12h ≤ −K < 0 para alguma constante K > 0, entao, usando as

equacoes (3.2), h gera um mapeamento twist.

20

Prova: Fixemos x ∈ R. Como ∂12h ≤ −K < 0, podemos inverter y =

−∂1h(x, x′), para todo y ∈ R (como funcao de x′), obtendo x′ = α(x, y).

Nesse caso, definimos F : R2 → R2 por

F (x, y) = (α(x, y), ∂2h(x, α(x, y)).

Desta forma,

DF (x, y) =

−∂11h

∂12h− 1∂12h

∂21h− ∂22h∂11h∂12h

−∂22h∂12h

,

onde as derivadas de h sao avaliadas em (x, α(x, y)). Assim temos det DF =

1. Entao F preserva area, e ∂F1/∂y = ∂α/∂y = −1/∂12h. Logo 0 < K ≤∂F1/∂y ≤ 1/K. Mostramos portanto que F e um mapeamento twist.

E um exercıcio simples mostrar que duas funcoes geratrizes para um

mesmo mapeamento twist diferem de uma constante, ou seja, a funcao ger-

atriz e unica, a nao ser por uma constante.

3.1.2 Interpretacao Geometrica da Funcao Geratriz

Que a funcao geratriz definida como integral de linha tenha algum sentido

geometrico, nao e difıcil supor. Reconsideremos a mudanca de coordenadas

ϕ−1. Obviamente ϕ−1(x, x′) = (x, u(x, x′)), onde u = π2 ◦ ϕ−1.

Seja γ : [0, 1] → R2 uma curva C1 por partes (nas coordenadas (x, x′)),

com γ(0) = (x0, x′0) e γ(1) = (x1, x

′1). Supondo sem perda de generalidade

que x0 ≤ x1, entao da definicao de h temos

h(x1, x′1) − h(x0, x

′0) =

−gdx+ g′dx′.

Consideremos γ = ϕ−1 ◦ γ, logo γ(0) = (x0, y0) e γ(1) = (x1, y1). Usando

um calculo simples obtemos que∫

gdx =

γ

ydx,

21

nas coordenadas (x, y), de maneira que a integral de linha acima e igual a

”area” embaixo da curva γ. Igualmente temos que

g′dx′ =

F◦γ

y′dx′,

nas coordenadas (x′, y′), e da mesma forma a integral de linha acima e igual

a ”area” embaixo da curva F ◦ γ, ou seja, a iteracao de γ por F .

Resumindo, se γ e uma curva qualquer C1 por partes nas coordenadas

(x, y) e tal que γ(0) = (x0, y0) e γ(1) = (x1, y1), entao, sendo x′0 = F1(x0, y0)

e x′1 = F1(x1, y1), temos

h(x1, x′1) − h(x0, x

′0) =

F◦γ

y′dx′ −∫

γ

ydx = A′ − A.

PSfrag replacements

A A′

FF ◦ γγ

x

y

x0 x1 x′0 x′1

Figura 3.3: Interpretacao geometrica da funcao Geratriz

3.2 Mapeamentos twist no cilindro

Definicao 3.2.1 Seja f : S1 × R → S1 × R um homeomorfismo e seja

π : R2 → S1 × R a aplicacao de recobrimento. Entao um levantamento de f

e uma funcao contınua F : R2 → R2 tal que f ◦ π = π ◦ F .

Definicao 3.2.2 Um mapeamento twist (monotono) do cilindro C = S1×R

e um difeomorfismo f : C → C de classe C1, que preserva area, orientacao

22

e os fins topologicos de C e que satisfaz a condicao de twist (uniforme),

0 < K ≤ ∂F1

∂y≤ 1

K,

onde F = (F1, F2) e um levantamento de f e K uma constante.

Seja T : R2 → R2 a translacao unitaria T (x, y) = (x + 1, y), temos

F ◦ T = T ◦ F . Desta forma, levantamentos diferentes de f : C → C

diferem por uma potencia de T, ou seja, se F e F ′ sao levantamentos de f ,

F ′ = T n ◦ F , para algum n ∈ Z. Isso nos garante que a definicao acima e

valida, uma vez que ∂F1/∂y independe do levantamento escolhido de f .

Observemos que se f e um mapeamento twist no cilindro, e F sendo um

levantamento de f , logo F e um mapeamento twist no plano.

Definicao 3.2.3 Seja h : R2 → R a funcao geratriz de F conforme definida

na Proposicao 3.1.1, entao chamemos h tambem de funcao geratriz de f .

Consideremos novamente a mudanca de coordenadas ϕ. Como F ◦ T =

T ◦ F temos ϕ ◦ T = T2 ◦ ϕ, onde T2(x, x′) = (x + 1, x′ + 1). Portanto,

T ◦ ϕ−1 = ϕ−1 ◦ T2 e π2 ◦ T = π2 implicam que g = g ◦ T2.

Igualmente para ψ obtemos g′ = g′ ◦ T2, assim a funcao h(x, x′) = h(x+

1, x′+1) tambem define uma funcao geratriz, e conforme mencionamos acima

temos h(x+ 1, x′ + 1) − h(x, x′) = C, onde C e constante.

Definicao 3.2.4 A constante C acima e conhecida como ”net flux”, e de-

notada por Flux(F).

Seja γ uma curva C1 por partes (nas coordenadas (x, y)) ligando (x, y) a

(x + 1, y). Temos x′ = F1(x, y) e x′ + 1 = F1(x + 1, y), pela interpretacao

geometrica da funcao geratriz, Flux (F ) = h(x+1, x′ +1)−h(x, x′) = A′−A

(ver figura 3.4).

23

PSfrag replacements

A A′

FF ◦ γγ

x x + 1 x′ x′ + 1

Figura 3.4: F lux(F ) = A′ − A

Pediremos assim uma condicao adicional nos mapeamentos twist do cilin-

dro, que eles tenham Flux (F ) = 0, ou seja, que h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′).

De agora em diante estaremos assumindo esta condicao adicional.

3.3 Mapeamento twist no anel (ou cilindro

finito)

Definimos por A = S1 × [a, b] o anel (ou cilindro finito). Denotaremos o

recobrimento universal de A por S = R × [a, b] e por π: S → A a aplicacao

de recobrimento.

Definicao 3.3.1 Um mapeamento twist (monotono) do anel A = S1 × [a, b]

e um difeomorfismo f : A → A de classe C1, que preserva area, orientacao

e a fronteira de A e que satisfaz a condicao de twist,

∂F1

∂y> 0,

onde F = (F1, F2) : S → S e um levantamento de f .

Igualmente aos mapeamentos twist do cilindro, se f e um mapeamento

twist no anel, entao F e um mapeamento twist na faixa S = R× [a, b]. Isto e,

F : S → S e um difeomorfismo de classe C1 com as seguintes propriedades:

24

1. F2(x, a) = a, F2(x, b) = b, ∀x ∈ R

2. ∂F1/∂y > 0

3. det DF = 1

4. F ◦ T = T ◦ F , onde T (x, y) = (x + 1, y)

Podemos da mesma forma criar uma funcao geratriz h para F , porem o

domınio de h nao e mais R2, e sim W = {(x, x′)|F1(x, a) ≤ x′ ≤ F1(x, b)} ⊂R2.

Cabe observarmos que a curva γ, dada por γ(x) = (x, b) para x ∈ R,

e invariante por F , o que implica F lux(F ) = 0, e consequentemente h(x +

1, x′ + 1) = h(x, x′). Temos tambem ∂12h < 0.

3.4 Exemplos

3.4.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-

Kontorowa

Este exemplo tem uma importancia historica, pois ele motiva grande parte

do trabalho desenvolvido por Aubry et al. ([Au], [Au-LeD]) e culmina com o

desenvolvimento da teoria de Aubry-Mather no contexto dos mapeamentos

twist.

O modelo de Frenkel-Kontorowa e um modelo da Fısica do estado solido

usado para entender a formacao de cristais em um reticulado unidimensional

de partıculas.

Consideremos uma cadeia unidimensional de partıculas. A interacao entre

partıculas vizinhas e dada por um potencial elastico tipo mola com constante

1. Sendo xi a posicao da i-esima partıcula, entao a energia de interacao

25

entre partıculas vizinhas e (xi+1 − xi)2/2 + (xi − xi−1)

2/2. Alem disso cada

partıcula sofre a acao de uma forca dada por um potencial (externo) periodico

U(x) = (k/4π2) cos(2πx). Desta forma, a “energia da cadeia”e dada por

W ((xi)i∈Z) =∑

i∈Z

1

2(xi+1 − xi)

2 +k

4π2cos(2πxi) =

i∈Z

h(xi, xi+1),

onde h(x, x′) = (x′ − x)2/2 + (k/4π2) cos(2πx).

Neste modelo um cristal e representado por um elemento x = (xi)i∈Z ∈ RZ

que minimiza a energia∑∞

i=−∞ h(xi, xi+1).

Como∑∞

i=−∞ h(xi, xi+1) e raramente convergente, a nocao de minimizar

energia e definida da seguinte forma: x ∈ RZ minimiza a energia se temos

∞∑

i=−∞

(h(xi + ξi, xi+1 + ξi+1) − h(xi, xi+1)) ≥ 0

para todo ξ = (ξi)ı∈Z com ξi nulo para |i| suficientemente grande.

Agora, observemos que h : R2 → R e de classe C∞ e que ∂12h = −1, logo

pela Proposicao 3.1.2 podemos considerar o mapeamento twist dado por

yi = −∂1h(xi, xi+1) = xi+1 − xi +k

2πsen(2πxi),

yi+1 = −∂2h(xi, xi+1) = xi+1 − xi. (3.3)

Isto e,

xi+1 = xi + yi+1 = xi + yi − k2π

sen(2πxi),

yi+1 = yi − k2π

sen(2πxi),

ou seja, (xi+1, yi+1) = Fk(xi, yi), onde Fk(x, y) = (x+y−(k/2π) sen(2πx), y−(k/2π) sen(2πx)).

A famılia de mapeamentos Fk e chamada de mapeamentos standard, e

h(x, x′) = (x′ − x)2/2 + (k/4π2) cos(2πx) e sua funcao geratriz.

26

Definicao 3.4.1 Chamamos (xi)i∈Z de configuracao do sistema. Uma

configuracao e dita estacionaria se

∂2h(xi−1, xi) + ∂1h(xi, xi+1) = 0, ∀i ∈ Z.

Segundo Mather, em [MF], a condicao acima pode ser obtida (ou melhor

pensada) diferenciando W ((xi)i∈Z) =∑

i∈Zh(xi, xi+1) formalmente e igua-

lando o resultado a zero. Claramente tal procedimento nao tem um sentido

matematico, porem podemos ver que uma configuracao que e um cristal no

modelo (que no Capıtulo 3 sera o que tomaremos como definicao de con-

figuracao minimizante) e uma configuracao estacionaria no sentido acima.

Observemos que se {(xi, yi)}i∈Z e uma orbita de Fk, entao (xi)i∈Z e uma

configuracao estacionaria para o modelo de Frenkel-Kontorowa. A recıproca

tambem e verdadeira, dada (xi)i∈Z estacionaria, usando (3.3) para obter

(yi)i∈Z, temos que {(xi, yi)}i∈Z e orbita para Fk. Logo, as configuracoes esta-

cionarias estao em correspondencia com as orbitas dos mapeamentos stan-

dard. Esta correspondencia, que conforme veremos nao e uma exclusividade

dos mapeamentos standard, e fundamental em ambas abordagens do Capıtulo

3.

Por ultimo, observemos que Fk ◦ T = T ◦ Fk, logo Fk e o levantamento

de um mapeamento twist fk : S1 × R → S1 × R, tambem denominado

mapeamento standard.

Apos desenvolvermos parte da teoria do Capıtulo 3 retomaremos este

exemplo.

3.4.2 Bilhares convexos

Este exemplo tambem tem sua importancia historica. Dando continuidade

aos trabalhos de Poincare, Birkhoff [Bi] observou que a dinamica em uma

27

mesa de bilhar convexa pode ser reduzida a dinamica de um mapeamento

que preserva area, chamado mapeamento do bilhar. Como veremos, tal ma-

peamento tem a propriedade twist. Em [Bi], Birkhoff usando o “Teorema

geometrico de Poincare”, demonstra a existencia de orbitas periodicas para

o mapeamento do bilhar. Este exemplo, devido a seu forte apelo geometrico,

permite uma boa visualizacao dos resultados obtidos.

Consideremos a dinamica de uma bola em uma regiao U ⊂ R2 estri-

tamente convexa, limitada por uma curva γ simples (sem auto-intersecao),

regular, fechada, de classe Ck(k ≥ 2). Suporemos, sem perda de generali-

dade, que o comprimento de γ e 1, e que γ e parametrizada por comprimento

de arco, orientada positivamente.

A dinamica da bola em U e sujeita a uma simples lei: a bola viaja em linha

reta com velocidade constante, e quando rebate em γ o angulo da incidencia

e igual ao angulo de reflexao. (ver figura 3.5)

PSfrag replacements

θ

θ

θ′

θ′

p

p′

U

γ

Figura 3.5: Bilhar convexo

Definamos entao o mapeamento do bilhar associada a esta dinamica. Para

cada ponto p ∈ γ tomemos a reta r(p, θ) que passa por p e faz angulo θ com

o vetor tangente a γ em p. Ao par (p, θ) associemos o par (p′, θ′) formado

28

pelo ponto p′ ∈ γ, intersecao de r(p, θ) com γ e o angulo θ′ entre r(p, θ) e

o vetor tangente a γ em p′. Identificando γ com S1, definimos entao um

mapeamento f : S1 × (0, π) → S1 × (0, π).

Assim, sendo x o parametro comprimento de arco, o mapeamento de

bilhar (ou melhor, seu levantamento), e uma aplicacao F (x, θ) = (x′, θ′),

tal que se θ e o angulo entre γ ′(x) e γ(x′) − γ(x), entao θ′ e o angulo entre

γ(x′)−γ(x) e γ′(x′), nesta ordem. Desta forma ficamos com F : R×(0, π) →R× (0, π), ou equivalentemente considerando a mudanca de coordenada y =

− cos θ teremos F : R × (−1, 1) → R × (−1, 1).

Agora consideremos h(x, x′) = −||γ(x)− γ(x′)||, onde || · || e a norma eu-

clidiana. Observemos que h(x+1, x′+1) = h(x, x′) e Dom(h) = {(x, x′) | x <x′ < x + 1}. Como h(x, x′)2 =

⟨γ(x) − γ(x′), γ(x) − γ(x′)

⟩, temos que

2h∂1h = −2⟨γ′(x), γ(x′) − γ(x)

⟩,

2h∂2h = 2⟨γ′(x′), γ(x′) − γ(x)

⟩.

Logo,

∂1h =⟨γ′(x),

γ(x′) − γ(x)

||γ(x′) − γ(x)||⟩

= cos θ

∂2h =⟨γ′(x′),

γ(x) − γ(x′)

||γ(x) − γ(x′)||⟩

= − cos θ′

Desta forma teremos,

y = −∂1h(x, x′),

y′ = ∂2h(x, x′).

29

Provemos que ∂12h < 0:

∂12h(x, x′) =

⟨γ′(x′);

d

dx

(γ(x′) − γ(x)

h

)⟩=

= −

⟨γ′(x′); γ′(x)

h− ∂1h

h

⟨γ′(x′);

γ(x) − γ(x′)

||γ(x) − γ(x′)||⟩

= −cos(θ + θ′)

h+

cos θ cos θ′

h

=sen θ sen θ′

h< 0

pois θ, θ′ ∈ (0, π) e h < 0.

Vemos entao que h e uma funcao geratriz para o mapeamento do bilhar,

o que nos permite concluir que F e de classe C1 e que:

1. ∂F1/∂y > 0: de fato, como γ e estritamente convexa, entao fixado

x, a aplicacao θ 7→ F1(x, θ) e estritamente crescente, o que equivale

a condicao ∂F1/∂θ > 0, mas ∂F1/∂y = (1/senθ)∂F1/∂θ > 0, para

θ ∈ (0, π)

2. dx∧dy = dx′∧dy′, ou seja, F preserva area. De fato, d(y′dx′−ydx) = 0,

pois y′dx′ − ydx = ∂1hdx+ ∂2hdx′ = dh(x, x′).

Assim o mapeamento do bilhar e um mapeamento twist.

3.5 Teorema de Extensao

Podemos encontrar o seguinte teorema em [MF] e [CMS]. Nossa apresentacao

segue de perto a feita em [CMS]. Sua importancia se deve ao fato que ele nos

permite estender um mapeamento twist no anel, para um mapeamento twist

no cilindro. Este resultado sera particularmente util no capitulo seguinte,

pois evitando problemas com as fronteiras do anel, a abordagem de S. Aubry

e feita para mapeamentos twist no cilindro.

30

Teorema 3.5.1 (de Extensao) Sejam β−, β+ : R → R difeomorfismos de

classe Cr−1, r ≥ 1, que satisfazem β− < β+ e β±(x + 1) = β±(x) + 1. Seja

W = {(x, x′)|β−(x) ≤ x′ ≤ β+(x)}. Se h : W → R e uma funcao de classe

Cr+1 tal que h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′) e ∂12h < 0, entao h possui uma

extensao h de classe Cr+1 em R2 que satisfaz h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′) e

−1/k ≤ ∂12h ≤ −k, onde k > 0 e uma constante.

Prova: Observemos inicialmente que W e invariante pela translacao

T (x, x′) = (x + 1, x′ + 1) e consideremos W[0,1] = {(x, x′)|x ∈ [0, 1], β−(x) ≤x′ ≤ β+(x)}. Como W[0,1] e compacto, temos obviamente que ∃k > 0, tal que

−1/k ≤ ∂12h ≤ −k em W[0,1] e pela invariancia de W temos −1/k ≤ ∂12h ≤−k em W .

Tomemos uma extensao ρ(x, x′) de ∂12h em R2, tal que ρ(x+ 1, x′ + 1) =

ρ(x, x′) e −1/k ≤ ρ ≤ −k. Definamos ∂21h(u, u′) = ρ(u, u′) de modo que

∂1h(u, x′) =

∫ x′

0

ρ(u, u′)du′ + τ(u).

A condicao de fronteira

∂1h(u, β−(u)) =

∫ β−(u)

0

ρ(u, u′)du′ + τ(u) = ∂1h(u, β−(u)),

define a funcao τ de modo que

∂1h(u, x′) =

∫ x′

β−(u)

ρ(u, u′)du′ + ∂1h(u, β−(u)).

Observemos que ρ|W = ∂12h implica que ∂1h|W = ∂1h, em particular

∂1h(u, β+(u)) = ∂1h(u, β+(u)) e satisfeita.

Integrando em relacao a u:

h(x, x′) =

∫ x

0

[∂1h(u, x′)]du+ γ(x′).

31

Observemos que pelo fato de β− ser difeomorfismo, a condicao de fron-

teira h(x, β−(x)) = h(x, β−(x)) e equivalente a condicao h((β−)−1(x′), x′) =

h((β−)−1(x′), x′), logo obtemos a funcao γ(x′) e ficamos com

h(x, x′) =

∫ x

(β−)−1(x′)

[∂1h(u, x′)]du+ h((β−)−1(x′), x′).

Desta forma, usando os fatos de que ∂1h|W = ∂1h e queW = {(x, x′)|(β+)−1(x) ≤x ≤ (β−)−1(x′)}, temos h|W = h.

Assim recorrendo a Proposicao 3.1.2 podemos usar a extensao de h dada

pelo resultado acima para estender o mapeamento twist do anel para o cilin-

dro.

32

Capıtulo 4

Conjuntos de Aubry-Mather

4.1 Princıpio Variacional de S.Aubry

Seguindo Aubry et al.([Au], [Au-LeD]) e Bangert [Ba], introduziremos um

princıpio variacional (em dimensao finita) que nos permitira obter uma classe

importante de orbitas para os mapeamentos do tipo twist.

Conforme ja mencionamos, essas ideias foram, em grande parte, moti-

vadas pelo exemplo 1 do Capıtulo 2 nos trabalhos de Aubry et al.([Au],

[Au-LeD]).

Antes de prosseguirmos gostariamos de destacar que nossa exposicao as-

sim como sua ordem e em grande parte influenciada pelas referencias [CMS],

[Go], [MF] e [MacStk].

Definicao 4.1.1 Uma configuracao e um elemento x = (xi)i∈Z ∈ RZ. Um

segmento de uma configuracao e uma subsequencia finita xmn = {xi ∈R | m ≤ i ≤ n}. As vezes denotaremos sem distincao x e xmn.

Definicao 4.1.2 (Princıpio variacional) Seja h : R2 → R de classe Ck,

com k ≥ 2, e m,n ∈ Z com m < n. Definimos a acao W de um segmento

33

xmn por

W (x) = W (xm, . . . , xn) =

n−1∑

i=m

h(xi, xi+1).

Dizemos que um segmento xmn e estacionario se xmn e ponto crıtico de

W com respeito as variacoes fixando os extremos xm e xn, isto e, ∂W/∂xi(x) =

∂2h(xi−1, xi) + ∂1h(xi, xi+1) = 0, para todo m < i < n.

Definicao 4.1.3 Uma configuracao x e dita estacionaria se todos os seus

segmentos sao estacionarios, ou seja, se ∂2h(xi−1, xi)+∂1h(xi, xi+1) = 0 para

todo i ∈ Z.

A proposicao abaixo estabelece a relacao entre o princıpio variacional e

as orbitas de um mapeamento twist.

Proposicao 4.1.1 Seja F um mapeamento do tipo twist em R2, e h sua

funcao geratriz. Se {(xi, yi) | m ≤ i ≤ n} e o segmento de uma orbita de F ,

isto e, (xi+1, yi+1) = F (xi, yi), entao {xi | m ≤ i ≤ n} = xmn e estacionario.

Reciprocamente, se xmn e estacionario, definindo:

yi = −∂1h(xi, xi+1), m ≤ i < n,

yn = ∂2h(xn−1, xn),

entao {(xi, yi) | m ≤ i ≤ n} satisfaz (xi+1, yi+1) = F (xi, yi) para m ≤ i < n.

Prova:

(⇒) Observemos que ∂2h(xi−1, xi) = yi = −∂1h(xi, xi+1) para todo m < i <

n. Assim, ∂W/∂xi = ∂2h(xi−1, xi) + ∂1h(xi, xi+1) = 0, para todo m < i < n.

(⇐) Lembremos que F (x, y) = (α(x, y), ∂2h(x, α(x, y)), onde α satisfaz x′ =

34

α(x,−∂1h(x, x′)) (ver Proposicao 3.1.2), teremos

F (xi, yi) =(α(xi,−∂1h(xi, xi+1)), ∂2h(xi, α(xi,−∂1h(xi, xi+1)))

)

= (xi+1, ∂2h(xi, xi+1))

=

(xi+1,−∂1h(xi+1, xi+2)); m ≤ i < n− 1

(xn, yn) i = n− 1

= (xi+1, yi+1),

para todo m ≤ i < n.

Como consequencia da proposicao acima, temos

Corolario 4.1.1 Seja F um mapeamento do tipo twist em R2. Existe uma

correspondencia 1 − 1 entre as orbitas de F , {(xi, yi) = F i(x0, y0) | i ∈ Z},e as configuracoes (xi)i∈Z estacionarias.

Observacao: Lembremos que esta incluıda na proposicao acima o caso em

que F e o levantamento de um mapeamento twist em C = S1 × R, e esse e

o principal caso que consideraremos.

Dentre as configuracoes estacionarias estaremos interessados naquelas que

satisfazem uma certa condicao de minimalidade, que definimos a seguir:

Definicao 4.1.4 Um segmento xmn = (xm, . . . , xn) e dito h-minimal se

para todo segmento (ξm, . . . , ξn) tal que xm = ξm e xn = ξn, temos

W (xm, . . . , xn) ≤ W (ξm, . . . , ξn)

Definicao 4.1.5 Uma configuracao x ∈ RZ e dita h-minimal se todos os

seus segmentos sao h-minimais. Denotaremos o conjunto das configuracoes

h-minimais por M ou Mh.

35

Desta forma, pelo Corolario 4.1.1, temos que as configuracoes h-minimais

estao em correspondencia com um subconjunto das orbitas de um mapea-

mento twist F , as quais chamaremos orbitas minimais ou minimizantes.

Definicao 4.1.6 Uma orbita {(xi, yi)}i∈Z de um mapeamento twist F e dita

minimal ou minimizante se a configuracao (xi)i∈Z associada e h-minimal(onde

h e a funcao geratriz de F ).

Vemos assim a importancia de estudarmos as propriedades das configuracoes

h-minimais. Aubry et al.([Au], [Au-LeD]) desenvolveram a teoria das con-

figuracoes h-minimais no contexto do modelo de Frenkel-Kontorowa, onde

neste caso h(x, x′) = (x′ − x)2/2 + (k/4π2) cos(2πx). Bangert, em [Ba], gen-

eralizou a teoria das configuracoes h-minimais para o caso em que a funcao

h satisfaz condicoes mais fracas.

Seguindo Mather e Forni em [MF], chamaremos essas condicoes de Condicoes

de Bangert.

Definicao 4.1.7 (Condicoes de Bangert) Seja h : R2 → R contınua.

Dizemos que h satisfaz as Condicoes de Bangert se

(H1) Condicao de periodicidade: h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′);

(H2) Condicao de crescimento: h(x, x′) → +∞ quando |x− x′| → +∞;

(H3) Condicao de ordem: Se ξ < x e ξ ′ < x′ entao h(ξ, ξ′) + h(x, x′) <

h(ξ, x′) + h(x, ξ′);

(H4) Condicao de transversalidade: Se (x−1, x0, x1) 6= (ξ−1, ξ0, ξ1) sao

h-minimais e x0 = ξ0 entao (x−1 − ξ−1)(x1 − ξ1) < 0.

36

Para o nosso caso de interesse, mostraremos que uma funcao geratriz

h associada a um mapeamento twist f : C → C satisfaz as Condicoes de

Bangert.

Lembremos que neste caso h e de classe C2 e −1/k ≤ ∂12h ≤ −k, onde

k > 0. A condicao (H1) e satisfeita, pois estamos tomando como hipotese

flux(F ) = 0. As outras seguirao dos lemas abaixo.

Lema 4.1.1 (Condicao de crescimento) A funcao geratriz h de um ma-

peamento twist f : C → C satisfaz:

h(x, x′) ≥ α− β|x− x′| + γ|x− x′|2,

onde β e γ sao constantes estritamente positivas.

Prova: Seja ξs = (1 − s)x + sx′, podemos escrever entao

h(x, x′) = h(x, x) +

∫ 1

0

∂2h(x, ξs)(x′ − x)ds

Fazendo o mesmo processo com ∂2h teremos

h(x, x′) = h(x, x) +

∫ 1

0

∂2h(ξs, ξs)(x′ − x)ds−

∫ 1

0

ds

∫ 1

0

∂12h(ξr, ξs)(x′ − x)2dr

Definamos α = minx∈R h(x, x), β = maxx∈R |∂2h(x, x)| e γ = k > 0, como α

e β existem pela condicao de periodicidade (H1) o resultado segue.

Lema 4.1.2 (Condicao de ordem) Seja h uma funcao geratriz de um ma-

peamento twist f : C → C. Se ξ < x e ξ ′ < x′ entao h(ξ, ξ′) + h(x, x′) <

h(ξ, x′) + h(x, ξ′).

Prova: Observemos que,

h(ξ, ξ′) + h(x, x′) − h(ξ, x′) − h(x, ξ′)

=

∫ x′

ξ′

∫ x

ξ

∂12h(u, u′)dudu′ ≤ −k(x′ − ξ′)(x− ξ).

Logo, h(ξ, ξ′) + h(x, x′) − h(ξ, x′) − h(x, ξ′) < 0.

37

Lema 4.1.3 (Condicao de transversalidade) Seja h uma funcao gera-

triz de um mapeamento twist f : C → C. Sejam x e ξ configuracoes esta-

cionarias. Se xn−1 = ξn−1 e xn = ξn entao x = ξ. Caso contrario se x 6= ξ e

xn = ξn, entao (xn−1 − ξn−1)(xn+1 − ξn+1) < 0.

Prova: Sejam O(x) = {(xi, yi)}i∈Z e O(ξ) = {(ξi, ηi)}i∈Z as orbitas as-

sociadas a x e ξ. Como yn = ∂2h(xn−1, xn) = ∂2h(ξn−1, ξn) = ηn, temos

(xn, yn) = (ξn, ηn), logo O(x) = O(ξ) e x = ξ. Agora seja x 6= ξ e xn = ξn,

claramente pelo que acabamos de provar xn−1 6= ξn−1, e yn = ∂2h(xn−1, xn) 6=∂2h(ξn−1, ξn) = ηn. Pela condicao de twist de F e F−1, se yn < ηn, entao

xn+1 < ξn+1 e xn−1 > ξn−1, e analogamente se yn > ηn.

Provamos assim que a funcao geratriz de um mapeamento twist do cilin-

dro satisfaz as Condicoes de Bangert. Assumiremos daqui em diante que h

sempre satisfaz as Condicoes de Bangert.

Vejamos agora uma simples, porem importante, consequencia das pro-

priedades (H3) e (H4) conhecida como Lema Fundamental de Aubry.

Definicao 4.1.8 Seja x = (xi)i∈Z uma configuracao. Denotaremos por G(x)

o grafico de Aubry,onde G(x) e a uniao dos segmentos de reta em R2

ligando (i, xi) a (i+ 1, xi+1).

Definicao 4.1.9 Diremos que duas configuracoes x ∈ RZ e ξ ∈ RZ se

cruzam se G(x) ∩G(ξ) 6= ∅.

Pela condicao de transversalidade (H4) temos dois tipos de cruzamentos

possıveis para x ∈ Mh e ξ ∈ Mh: em um inteiro k ∈ Z, ou seja, xk = ξk e

(xk−1−ξk−1)(xk+1−ξk+1) < 0; ou fora de um inteiro, ou seja, (xk−ξk)(xk+1−ξk+1) < 0.

Lema 4.1.4 (Lema Fundamental de Aubry) Duas configuracoes h-minimais

distintas se cruzam no maximo uma vez.

38

Prova: Suponhamos, por contradicao, que x ∈ Mh e ξ ∈ Mh sejam duas

configuracoes que se cruzam duas vezes. Existem tres casos para consider-

armos: (i) ambos cruzamentos sao fora de um inteiro, (ii) apenas um cruza-

mento e em um inteiro, (iii) ambos cruzamentos sao em inteiros.

Caso (i): Sejam i, j ∈ Z tais que os cruzamentos ocorrem entre (i, i + 1) e

(j, j+1). Sem perda de generalidade podemos considerar ξi > xi. Definamos

entao os segmentos ξ ′ = (ξi, xi+1, . . . , xj, ξj+1) e x′ = (xi, ξi+1, . . . , ξj, xj+1), e

consideremos

W (x′) +W (ξ′) = h(xi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, xj+1)

+ h(ξi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj, ξj+1)

< h(xi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj , xj+1)

+ h(ξi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, ξj+1)

= W (x) +W (ξ).

A desigualdade acima segue da condicao (H3), e contradiz a minimalidade

de pelo menos um dos segmentos.

Caso (ii): Agora suponhamos que um cruzamento ocorre em i ∈ Z e o outro

entre (j, j + 1). Supondo, sem perda de generalidade, que ξj+1 > xj+1, e

definindo, igualmente ao caso anterior, os segmentos ξ ′ e x′, chegaremos a

mesma contradicao.

Caso (iii): Sejam i, j ∈ Z, com i < j, onde ocorrem os cruzamentos. Supon-

hamos, sem perda de generalidade, que ξi−1 > xi−1, e definamos os segmentos

39

ξ′ = (ξi−1, xi, . . . , xj, ξj+1) e x′ = (xi−1, ξi, . . . , ξj, xj+1). Observemos que

W (ξ′) +W (x′) = h(ξi−1, xi) +W (xi, . . . , xj) + h(xj, ξj+1)

+ h(xi−1, ξi) +W (ξi, . . . , ξj) + h(ξj, xj+1)

= W (ξ) +W (x),

pois xi = ξi e xj = ξj. Como W (ξ′) ≤ W (ξ) e W (x′) ≤ W (x), temos que

W (ξ′) = W (ξ) e W (x′) = W (x), ou seja, concluımos que ξ ′ e x′ sao segmen-

tos minimais, o que contradiz (H4), pois (ξi−1, xi, xi+1) 6= (xi−1, ξi, ξi+1) sao

minimais com xi = ξi, mas (ξi−1 − xi−1)(xi+1 − ξi+1) > 0.

Observacao: O mesmo resultado e valido para segmentos h-minimais, e a

demonstracao e similar a feita acima.

4.1.1 Configuracoes e Orbitas periodicas minimizantes

Seja F o levantamento de um mapeamento twist f : C → C fixado. Supon-

hamos que uma orbita {(xi, yi)}i∈Z de F satisfaz, para algum (p, q) perten-

cente a Z × N, a condicao

xi+q = xi + p,

para todo i ∈ Z, ou seja, F q(xi, yi) = T p(xi, yi) para todo i ∈ Z, onde

T (x, y) = (x+ 1, y). Entao f q(π(xi, yi)) = π(xi, yi),vemos assim que a orbita

de (x0, y0) e o levantamento de uma orbita periodica de f .

Definicao 4.1.10 Dizemos que uma configuracao x = (xi)i∈Z que satisfaz

xi+q = xi + p, para todo i ∈ Z e para algum (p, q) em Z × N (nao necessari-

amente primos entre si), e uma configuracao periodica do tipo (p, q).

Denotaremos por Xp,q ⊂ RZ o subconjunto das configuracoes periodicas do

tipo (p, q).

40

Definicao 4.1.11 Uma orbita {(xi, yi)}i∈Z, tal que (xi)i∈Z ∈ Xp,q e chamada

uma (p, q)-orbita ou uma orbita periodica do tipo (p, q).

Entao, apos q iteracoes de F , um ponto em uma (p, q) orbita e transladado

por p na direcao x, ou seja, sua projecao no cilindro da p voltas em q iteracoes.

A fim de trabalharmos com configuracoes periodicas do tipo (p, q), intro-

duziremos uma versao periodica do funcional acao W . Consideremos entao

Wp,q(x) = Wp,q(x0, . . . , xq−1) =

q−1∑

i=0

h(xi, xi+1), onde xq = x0 + p.

Lembremos, no caso em que h e uma funcao geratriz para F , que se x =

(x0, . . . , xq−1) e ponto crıtico de Wp,q, entao estendendo o segmento x para

uma configuracao segundo a regra xi+q = xi + p, teremos, pela periodicidade

de h, que x e uma configuracao do tipo (p, q) estacionaria. Obtemos assim

uma orbita periodica do tipo (p, q) para F (ver Corolario 4.1.1).

A discussao acima nos motiva a procurar pontos crıticos para Wp,q.

Proposicao 4.1.2 A funcao Wp,q possui um mınimo global.

Prova: Consideremos inicialmente a seguinte mudanca de coordenadas s =

x0; η1 = x1 − x0; η2 = x2 − x1; . . .; ηq−1 = xq−1 − xq−2. Obtemos assim

Wp,q(s, η1, . . . , ηq−1) = h(s, η1 + s) + h(η1 + s, η1 + η2 + s) + . . .

+ h(η1 + . . .+ ηq−1 + s, p+ s).

Fica evidente, da condicao de periodicidade (H1) em h, que Wp,q(s, η)

e 1-periodica na variavel s. Portanto Wp,q(s, η) define uma funcao Wp,q no

cilindro Cq = {(θ, η)|θ ∈ S1, η ∈ Rq−1}.Afirmamos que dado c ∈ R, Fc = {(θ, η)|Wp,q(θ, η) ≤ c} e compacto.

De fato, pela continuidade de Wp,q temos que Fc e fechado. Observemos,

sendo π : R → S1 a aplicacao de recobrimento, que Wp,q(θ, η) = Wp,q(s, η),

41

onde s ∈ π−1(θ)∩ [0, 1). Agora, se nao existir R > 0 tal que ||η||1 ≤ R em Fc,

onde || · ||1 e a norma da soma, entao teremos |ηi| crescendo indefinidamente

para algum i ∈ {1, . . . , q − 1}, e como 0 ≤ s < 1, teremos pela propriedade

(H2) que Wp,q → +∞, ou seja, Wp,q → +∞. Desta forma, temos Fc ⊂S1 × BR(0), para algum R > 0, logo Fc e compacto. Segue, entao, pela

continuidade da funcao, que Wp,q possui um mınimo global em Cq, o que

consequentemente implica que Wp,q possui um mınimo global.

Desta forma, conforme observamos antes da proposicao acima, sendo

(x0, . . . , xq−1) um ponto de mınimo global, h e uma funcao geratriz para

F , entao (x0, . . . , xq−1) e ponto crıtico de Wp,q, e obtemos assim um orbita

periodica do tipo (p, q).

Quando h e de classe C2, podemos obter um segundo ponto crıtico de

Wp,q, ou equivalentemente de Wp,q. Observemos que este e o caso quando h

e uma funcao geratriz de um mapeamento twist. Em princıpio, para darmos

prosseguimento ao objetivo de obtermos os conjuntos de Aubry-Mather, nao

se faria necessario a obtencao deste segundo ponto crıtico.

De qualquer forma, com o intuito de mantermos o texto o mais completo

possıvel, este resultado e enunciado abaixo. Ele se encontra em [CMS], assim

como sua demonstracao que faz uso de um princıpio Mini-max.

Proposicao 4.1.3 (Mini-max) A funcao Wp,q possui um segundo ponto

crıtico distinto do mınimo global.

Como corolario das proposicoes acima temos o Teorema de Poincare-

Birkhoff.

Corolario 4.1.2 (Teorema de Poincare-Birkhoff) Seja F o levantamento

de um mapeamento twist f : C → C, entao F tem pelo menos duas orbitas

distintas do tipo (p, q), para todo (p, q) ∈ Z×N com p, q primos entre si, i.e.,

f tem pelo menos duas orbitas periodicas distintas de perıodo q.

42

Mostraremos agora que a configuracao periodica do tipo (p, q) obtida

estendendo-se o mınimo global de Wp,q e uma configuracao h-minimal. Logo

a orbita periodica do tipo (p, q) obtida desta configuracao, quando h e uma

funcao geratriz para F , e uma orbita minimizante.

Observacao: Se x ∈ Xp,q e minimiza Wp,q(x) =∑q−1

i=0 h(xi, xi+1), entao x

minimiza W (x) =∑k+q−1

i=k h(xi, xi+1) para todo k ∈ Z.

Lema 4.1.5 Duas configuracoes periodicas do tipo (p, q) que correspondem

a mınimos de Wp,q nunca se cruzam.

Prova: Sejam x, ξ ∈ Xp,q tais configuracoes. Se G(x) e G(ξ) se cruzassem

entre (k, k + 1] para algum k ∈ Z, entao outro cruzamento teria de ocorrer

antes do ındice q+k. De fato podemos supor sem perda de generalidade que

xk > ξk, logo xk+1 ≤ ξk+1, mas xq+k > ξq+k, ou seja, algum cruzamento deve

ocorrer antes do ındice q + k. Agora, pela observacao acima, os segmentos

obtidos restringindo-se a configuracao x e ξ aos ındices {k, . . . , q + k} sao

segmentos minimais. Logo pelo Lema Fundamental de Aubry, nao podem

se cruzar mais de uma vez. Portanto, G(x) e G(ξ) nao podem se cruzar

nenhuma vez.

Corolario 4.1.3 Duas configuracoes minimais periodicas do tipo (p, q) nunca

se cruzam.

Lema 4.1.6 Se x ∈ Xkp,kq minimiza Wkp,kq para algum k ≥ 1, entao x ∈Xp,q, ou seja, x e do tipo (p, q).

Prova: Suponhamos por contradicao que x /∈ Xp,q, entao sem perda de

generalidade podemos supor xq > x0 + p. Definamos entao ξ ∈ RZ por ξi =

xi+q−p, claramente observamos que ξ ∈ Xkp,kq, de fato ξi+kq = x(i+q)+kq−p =

xi+q − p + kp = ξi + kp, e que ξ minimiza Wkp,kq, pela periodicidade de h e

43

pela observacao acima. E como ξ0 = xq− p > x0, segue do Lema 4.1.5 acima

que ξi > xi, para todo i ∈ Z. Entao,

xkq = ξ(k−1)q + p > x(k−1)q + p = ξ(k−2)q + 2p > x(k−2)q + 2p = . . . > x0 + kp

Logo, x /∈ Xkp,kq, o que e uma contradicao.

Lema 4.1.7 x minimiza Wp,q, se e somente se, x minimiza Wkp,kq para todo

k ≥ 1.

Prova: Pela Proposicao 4.1.2, existe ξ ∈ Xkp,kq tal que ξ e um mınimo global

de Wkp,kq. Pelo Lema 4.1.6 acima, ξ ∈ Xp,q. Para provar o corolario e sufi-

ciente que mostremos que Wp,q(x) = Wp,q(ξ) e Wkp,kq(x) = Wkp,kq(ξ). Como

ξ ∈ Xp,q e ξ minimiza Wkp,kq, entao kWp,q(ξ) = Wkp,kq(ξ) ≤ Wkp,kq(x) =

kWp,q(x). E como xminimizaWp,q, entao (Wkp,kq(x))/k = Wp,q(x) ≤ Wp,q(ξ) =

(Wkp,kq(ξ))/k. Desta forma Wp,q(x) = Wp,q(ξ) e Wkp,kq(x) = Wkp,kq(ξ) como

querıamos.

Corolario 4.1.4 Seja x ∈ Xp,q que minimiza Wp,q, entao x e uma con-

figuracao h-minimal.

Prova: Observemos a sequencia de implicacoes. Se x minimiza Wp,q ⇒ x

minimiza Wkp,kq, para todo k ≥ 1 ⇒ x minimiza W (x0, . . . , xkq), para todo

k ≥ 1 ⇒ x minimiza W (xn, . . . , xn+kq) para todo k ≥ 1 e para todo n ∈ Z.

Desta forma x e uma configuracao h-minimal, pois todo segmento de x e

h-minimal.

Como consequencia dos resultados obtidos acima temos o seguinte teo-

rema, que desempenha um papel fundamental na teoria.

Teorema 4.1.1 Existe configuracao h-minimal periodica do tipo (p, q), para

todo (p, q) ∈ Z × N.

44

4.1.2 Numero de Rotacao e Monotonicidade

Sejam F um levantamento de um mapeamento twist fixado, O = {(xi, yi)}i∈Z

uma orbita de F e x = (xi)i∈Z a configuracao associada. Assim como fizemos

com os homeomorfismos de S1, associaremos um numero a O, ou melhor a

x, que exprima seu comportamento.

Definicao 4.1.12 Definimos o numero de rotacao associado a configuracao

x = (xi)i∈Z como o limite

ρ(x) = limi→±∞

xi − x0

i= lim

i→±∞

xii,

caso este exista.

Vemos assim que se x ∈ Xp,q, entao ρ(x) = p/q, ou seja, uma configuracao

periodica do tipo (p, q) possui numero de rotacao racional p/q.

Consideremos em RZ a topologia produto. Portanto, convergencia de uma

sequencia {xn}n∈N ⊂ RZ para x ∈ RZ significa convergencia pontual, ou seja,

limn→∞(xn)i = (x)i para cada i ∈ Z. Observemos que pela continuidade de

h, M e fechado em RZ.

Dando continuidade a teoria, adicionaremos a RZ mais dois ingredientes:

uma relacao parcial de ordem e uma acao do grupo Z2.

Definicao 4.1.13 Sejam x, ξ ∈ RZ. Entao x ≺ ξ, se e somente se, xi < ξi

para todo i ∈ Z.

Definicao 4.1.14 Seja (a, b) ∈ Z2. Definimos Ta,b : RZ → RZ por Ta,b(x) =

ξ, onde ξi = xi−a + b. Chamaremos as funcoes Ta,b de translacoes (ver figura

4.1).

Observemos que fixado (a, b) ∈ Z2, temos que Ta,b e um homeomorfismo

que preserva a ordem ≺ e que W (Ta,b(x)) = W (x), logo Ta,b(M) = M, ou

seja, M e invariante por Ta,b.

45

4 8 9

3

2

1

7651 100

2 3

4PSfrag replacements

i

xiG(x)

G(ξ)

Figura 4.1: Graficos de Aubry de x e ξ = T−3,1(x)

Definicao 4.1.15 Seja x ∈ RZ. Dizemos que a configuracao x e monotona

ou ciclicamente ordenada (CO) se para quaisquer inteiros i, j, k temos que

xi < xj + k implica xi+1 < xj+1 + k.

Equivalentemente, duas translacoes de x ou nunca se cruzam ou coinci-

dem, ou seja, o conjunto O(x) = {Ta,b(x) | (a, b) ∈ Z2} (a orbita de x pelo

grupo {Ta,b}) e totalmente ordenado.

Observacao: Se x = (xi)i∈Z e a orbita de F , um levantamento de um

homeomorfismo f de S1 que preserva orientacao, entao x e monotona (CO).

Proposicao 4.1.4 Toda configuracao minimal periodica do tipo (p, q) e monotona.

Prova: De fato, se x ∈ Xp,q ∩M, temos que Ta,b(x) ∈ Xp,q ∩M para todo

(a, b) ∈ Z2, logo segue do Corolario 4.1.3 que duas translacoes de x nunca se

cruzam.

Definicao 4.1.16 Dizemos que x ∈ RZ e ξ ∈ RZ sao

i) α-assintotico se limi→−∞ |xi − ξi| = 0,

ii) ω-assintotico se limi→∞ |xi − ξi| = 0,

46

iii) assintotico se eles sao α-assintotico e ω-assintotico.

O lema seguinte mostra que o fato de duas configuracoes minimais serem

α- ou ω-assintotico, sob certas condicoes, conta como se fosse um cruzamento.

Lema 4.1.8 Suponhamos que x ∈ M e ξ ∈ M sao α(resp. ω)-assintotico e

|xi+1 −xi| e limitado para i→ −∞ (resp. i→ ∞). Entao G(x)∩G(ξ) = ∅,

ou seja, x e ξ nao se cruzam.

Prova: Provaremos o caso quando x e ξ sao ω-assintoticos e assumindo que

x e ξ se cruzam em i ∈ Z. Os outros casos sao provados de forma semelhante.

Por causa de (H4) e (xi−1 − ξi−1)(xi+1 − ξi+1) < 0, nem (xi−1, xi, ξi+1),

nem (ξi−1, xi, xi+1) podem ser minimais. Entao existem xi e ξi que

W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi−1, ξi, xi+1) < W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi−1, xi, xi+1).

Mas observemos queW (xi−1, xi, ξi+1)+W (ξi−1, xi, xi+1) = W (xi−1, xi, xi+1)+

W (ξi−1, ξi, ξi+1), logo

W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi−1, ξi, xi+1)

< W (xi−1, xi, xi+1) +W (ξi−1, ξi, ξi+1). (4.1)

Por outro lado a minimalidade de (xi−1, . . . , xj+1) e (ξi−1, . . . , ξj+1) im-

plica em

W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, xj+1)

≥ W (xi−1, xi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj, xj+1) (4.2)

e

W (ξi−1, ξi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj, ξj+1)

≥ W (ξi−1, ξi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, ξj+1). (4.3)

47

Somando (4.2) e (4.3) obtemos uma contradicao com (4.1) se tivermos

que

limj→∞

|h(ξj, xj+1) − h(ξj, ξj+1)| = 0 = limj→∞

|h(xj, ξj+1) − h(xj, xj+1)|.

Vejamos a prova da primeira igualdade, a da segunda e analoga. Ob-

servemos inicialmente, que temos tambem |ξi+1−ξi| limitado quando i→ ∞.

Usando (H1) podemos escrever

|h(ξj, xj+1) − h(ξj, ξj+1)| = |h(ξj − kj, xj+1 − kj) − h(ξj − kj, ξj+1 − kj)|,

com kj ∈ Z e tal que 0 ≤ ξj − kj < 1. Pelas hipoteses temos que |xj+1 − kj|e |ξj+1 − kj| sao limitados para j → ∞. Desta forma,

limj→∞

|h(ξj, xj+1) − h(ξj, ξj+1)| = 0

segue do fato que limj→∞ |xj − ξj| = 0 e h e uniformemente contınua em

conjuntos compactos.

O lema acima nos permite obter uma das propriedades fundamentais das

configuracoes minimais, a saber, que as configuracoes minimais sao monotonas

(CO).

Teorema 4.1.2 Seja x ∈ Mh, entao para qualquer (a, b) ∈ Z2, x e Ta,b(x) ∈M nao se cruzam, ou seja, O(x) = {Ta,b(x) | (a, b) ∈ Z2} e totalmente

ordenado. Isto e, se x e h-minimal, entao x e monotona.

Prova: A afirmacao e trivial se a = 0. Entao sendo a 6= 0, suponhamos que

x e ξ = Ta,b(x) se cruzam. Sem perda de generalidade, podemos assumir que

o cruzamento acontece em [0, 1), de fato bastaria aplicar uma translacao as

configuracoes. Entao pelo Lema Fundamental de Aubry, x e ξ nao se cruzam

mais. Trocando x com ξ se necessario podemos assumir que

ξj < xj para j < 0 e ξj > xj para j > 0.

48

Faremos a prova para a > 0 claramente o caso a < 0 e analogo. As

desigualdades acima implicam que, para todo j ≤ 0 fixado, a sequencia

n ∈ N 7→ (Tna,nb(x))j = xj−na + nb,

e decrescente e para todo j > 0 fixado, a sequencia

n ∈ N 7→ (T−na,−nb(x))j = xj+na − nb,

tambem e decrescente.

De fato, fixado j ≤ 0, tomemos n1, n2 ∈ N com n1 < n2, e observemos

que j ≤ 0 < n1a < n2a, logo pelas desigualdades acima temos xj−n2a + b <

xj−(n2−1)a, logo xj−n2a +n2b < xj−(n2−1)a + (n2 − 1)b < . . . < xj−n1a + n1b. O

argumento quando fixamos j > 0 e semelhante.

Agora iremos comparar x com uma configuracao x ∈ M∩Xa,b que satisfaz

x0 < x0. Ja provamos, no Teorema 4.1.1, que existe x em M∩ Xa,b, agora

basta fazer uma translacao T0,k se necessario. (No caso em que a < 0 obtemos

sequencias crescentes e entao tomemos x ∈ M ∩ Xa,b com x0 > x0). Pelo

Lema Fundamental de Aubry temos que xi < xi para i ≤ 0 ou xi < xi para

i ≥ 0.

Assumamos sem perda de generalidade que estamos com xi < xi para i ≤0; o outro caso e analogo. Entao dado j ≤ 0, observemos que xj−na+nb = xj

para todo n ∈ N. Desta forma, a sequencia n 7→ xj−na + nb e decrescente e

limitada inferiormente por xj. Definamos, entao,

ηj := limn→∞

(xj−na + nb) = limn→∞

(Tna,nb(x))j.

Notemos que ηj−a + b = ηj. Pela periodicidade de {ηj}j≤0, podemos

concluir que x e ξ sao α-assintoticas para {ηj}j≤0, logo sao α-assintoticas

entre si, e que |xi+1 − xi| e limitado para j → −∞. Portanto pelo lema

acima obtemos uma contradicao com a suposicao de que x e ξ se cruzam.

49

Denotaremos por pri : RZ → R, para i ∈ Z, a projecao x 7→ xi. Clara-

mente, pri e contınua, aberta e preserva a ordem.

Proposicao 4.1.5 Seja x ∈ Mh, entao O(x) ⊂ RZ, o fecho do conjunto

O(x) = {Ta,b(x) | (a, b) ∈ Z2}, tambem e totalmente ordenado. E a projecao

pr0 e um homeomorfismo entre O(x) e um subconjunto fechado de R .

Prova: A primeira afirmacao e consequencia imediata do teorema anterior.

Denotemos O(x) simplesmente por O. Temos que pr0|O e injetiva e que

pr0|O : O → pr0(O) e um homeomorfismo. Falta provarmos que pr0(O) e

fechado.

Suponhamos que {xn}n∈N ⊂ O seja uma sequencia tal que (xn)0 =

pr0(xn) converge. Sejam a ∈ Z e b ∈ Z tal que x0 + a < (xn)0 < x0 + b

para todo n ∈ N. Como O e totalmente ordenado, temos que T0,a(x) ≺xn ≺ T0,b(x) para todo n ∈ N. Entao segue do Teorema de Tychonoff que

existe uma subsequencia convergente de {xn}, que denotaremos igualmente

por {xn}. Desta forma lim xn = x ∈ O e pr0(x) = lim pr0(xn).

Enunciaremos o principal resultado desta secao, que tem importantes

consequencias.

Recordemos o seguinte fato: se uma funcao contınua G : R → R e estri-

tamente crescente e G − Id e 1-periodica, entao G e o levantamento de um

homeomorfismo g de S1 que preserva orientacao.

Teorema 4.1.3 Para todo x ∈ M existe um levantamento G : R → R de

um homeomorfismo g de S1 tal que xi+1 = G(xi), para todo i ∈ Z.

Prova: Denotemos O(x) simplesmente por O, onde O(x) e como definido

na proposicao acima.

Primeiramente, definiremos G no conjunto fechado A = pr0(O) por G =

pr1 ◦ (pr0|O)−1, ou equivalentemente, por G(ξ0) = ξ1, se ξ ∈ O. Pela

50

proposicao acima G e um homeomorfismo estritamente crescente de A so-

bre si mesmo. E claramente G satisfaz G(t + 1) = G(t) + 1, para todo

t ∈ A.

Agora estendendo G de A para R de maneira afim, isto e, sendo R\A =

∪n(an, bn), entao G((1 − t)an + tbn) := (1 − t)G(an) + tG(bn) para t ∈ [0, 1],

vemos claramente que G e contınua, estritamente crescente e G − Id e 1-

periodica. Desta forma, G e o levantamento de um homeomorfismo g de

S1 que preserva orientacao. Para finalizar basta observarmos que G(xi) =

G((T−i,0(x))0) = (T−i,0(x))1 = xi+1.

Conforme mencionamos, esse teorema tem importantes consequencias,

por exemplo, ρ(x) existe para todo x ∈ M.

De fato, ρ(x) = ρ(G), onde G e dado pelo teorema acima, e ρ(G) e o

numero de rotacao, conforme definido no Capıtulo 1. Temos, tambem, o

seguinte resultado

Corolario 4.1.5 Se x ∈ M, entao

(a) |xi − x0 − iρ(x)| < 1, para todo i ∈ Z;

(b) A funcao ρ : M → R e contınua.

Prova: Para provar (a), tomemos G como no teorema acima. Temos pelo

Corolario 2.1.1 do Capıtulo 2, que iρ(x)− 1 < F i(x0)−x0 < iρ(x)+ 1, o que

implica |xi − x0 − iρ(x)| < 1.

Agora, seja {xn}n∈N ⊂ M convergente para x, isto e, limn(xn)i = (x)i

para todo i ∈ Z. Como M e fechado em RZ, temos que x ∈ M. Logo para

todo i ∈ N e ε > 0, temos, por (a), que,

|ρ(xn) − ρ(xm)| ≤∣∣∣ρ(xn) − (xn)i − (xn)0

i

∣∣∣ +∣∣∣(x

n)i − (xn)0

i− (xm)i − (xm)0

i

∣∣∣

+∣∣∣(x

m)i − (xm)0

i− ρ(xm)

∣∣∣ < 2

i+ ε,

51

para n,m sao suficientementes grandes. Desta forma {ρ(xn)}n∈N ⊂ R e uma

sequencia de Cauchy, portanto convergente. Entao usando (a) novamente

obtemos que limn ρ(xn) = ρ(x).

Ja provamos no Teorema 4.1.1, que existem configuracoes h-minimais

com todos os numeros de rotacao racional. Mostraremos, agora, que existem

configuracoes h-minimais com todos os numeros de rotacao.

Teorema 4.1.4 Para todo ρ ∈ R, o conjunto Mρ := {x ∈ M | ρ(x) = ρ} e

nao-vazio.

Prova: Basta provarmos o caso quando ρ ∈ R\Q. Sejam {ρn}n∈N ⊂ Q uma

sequencia de racionais com ρn → ρ e {xn}n∈N ∈ M tal que xn ∈ Mρncom

(xn)0 ∈ [0, 1] (aplicando uma translacao a xn caso seja necessario). Como

|ρn| ≤ C para algum C > 0, temos, pelo item (a) do corolario acima, que

|(xn)i| ≤ 2 + |i|C, para todo n ∈ N, i ∈ Z.

Entao pelo Teorema de Tychonoff, {xn} possui uma subsequencia conver-

gente para algum x ∈ M, e pela continuidade de ρ, temos ρ(x) = lim ρ(xn) =

lim ρn = ρ.

Aplicaremos os resultados obtidos ate agora sobre as configuracoes h-

minimais para o nosso caso de interesse, isto e, quando h e a funcao geratriz

de um mapeamento twist do cilindro. E vejamos como surgem os conjuntos

de Aubry-Mather.

Para tal fixemos um levantamento F = (F1, F2) de um mapeamento twist

f : C → C (que suporemos desvia a vertical para direita), onde C = S1 ×R,

e seja h sua funcao geratriz.

Definicao 4.1.17 (Conjunto invariante monotono) Um conjunto M ⊂R2, invariante por F , e dito monotono quando ele possui a seguinte pro-

priedade: se (x, y) e (x′, y′) sao pontos deM tais que x < x′ entao π1(F (x, y)) <

52

π1(F (x′, y′)), onde π1 : R2 → R e a projecao na primeira coordenada, ou seja,

a ordem da coordenada x dos pontos de M e preservada por F .

Daremos dois exemplos de conjuntos invariantes monotonos, porem antes

precisamos de uma definicao.

Definicao 4.1.18 Dizemos que uma orbita {(xi, yi)}i∈Z de F e monotona ou

ciclicamente ordenada (CO) se (xi)i∈Z e monotona ou ciclicamente ordenada

(CO).

Desta forma o conjunto de pontos em uma orbita monotona e de todos

suas translacoes inteiras, isto e, o conjunto ∪k∈ZTk(O), onde O e uma orbita

CO e T (x, y) = (x + 1, y), e um conjunto invariante monotono.

A segunda definicao que daremos trata de uma classe importante de con-

juntos invariantes para os mapeamentos twist.

Definicao 4.1.19 Dizemos que Γ ⊂ S1 ×R (resp. S1 × [a, b]) e uma curva

rotacional invariante para um mapeamento twist f se Γ = γ(S1), onde

γ : S1 → S1 × R (resp. S1 × [a, b]) e um mergulho topologico(eventualmente

de classe Ck, com k ≥ 1), γ e homotopicamente nao-trivial, ou seja, Γ da

uma volta no cilindro (resp. anel), e e tal que f(Γ) = Γ

Um caso particular de curva rotacional invariante e o das curvas que

satisfazem π1 ◦γ = id, onde π1 e a projecao na primeira coordenada, ou seja,

as curvas que sao graficos de funcao.

Portanto nosso segundo exemplo de conjunto invariante monotono e o das

curvas rotacionais invariantes que sao graficos de funcao.

Cabe aqui um ressalva. Por um teorema demonstrado primeiramente

por Birkhoff, o caso particular acima e na verdade o caso geral. Birkhoff

53

demonstrou que toda curva rotacional invariante e grafico de uma funcao

definida em S1.

Sejam x = (xi)i∈Z uma configuracao h-minimal com ρ(x) ∈ R\Q, cuja

existencia e garantida pelo Teorema 4.1.4, e O = {(xi, yi)}i∈Z a orbita mini-

mizante de F associada a x.

Seja TO o conjunto formado pelos pontos de O mais suas translacoes

inteiras, ou seja, TO = ∪k∈ZTk(O), onde T (x, y) = (x + 1, y). Tomemos

entao o fecho do conjunto TO, que denotaremos por M .

Observemos queM e um conjunto fechado e invariante por F . Mostraremos

agora que M e monotono, e veremos algumas propriedades que M possui.

Lema 4.1.9 O conjunto M e monotono e π2(M) e limitado, onde π2 : R2 →R e a projecao na segunda coordenada.

Prova: A primeira afirmacao e consequencia da Proposicao 4.1.5, observando

que π1(M) ⊂ pr0(O(x)), onde π1 e a projecao na primeira coordenada. Escol-

hamos (x0, y0) ∈M , seja (x′0, y′0) = F (x0, y0) e K = |x0 −x′0|+1. Definamos

X = {(x, x′) ∈ R2 | |x− x0| ≤ 1 e |x− x′| ≤ K}, entao ∂1h(x, x′) e limitado

em X, digamos |∂1h| ≤ C.

Agora se (x, y) ∈ M , denotemos (x′, y′) = F (x, y) e escolhamos m ∈ Z tal

que x0 ≤ x−m ≤ x0 +1. Como M e monotono temos x′0 ≤ x′ −m ≤ x′0 +1,

entao |x−m− (x′ −m)| ≤ |x0 − x′0| + 1 = K. Assim (x−m, x′ −m) ∈ X,

e |y| = |∂1h(x, x′)| = |∂1h(x−m, x′ −m)| ≤ C.

Os conjuntos invariantes monotonos por F possuem a seguinte propriedade.

Proposicao 4.1.6 Seja M um conjunto invariante monotono, entao nao

existem dois pontos de M sobre a mesma vertical.

E, supondo que M esta contido entre {y = a} e {y = b} se (x0, y0) e

54

(x1, y1) sao dois pontos distintos quaisquer de M , entao

|y1 − y0| < L|x1 − x0|.

Prova: Sejam (x′, y′) e (x′, y′) dois pontos de M , com x′ = x′ e y′ < y′, mas

isto implicaria x < x, o que contradiz a monotonicidade de M .

Agora, sem perda de generalidade, suponhamos que x0 < x1, e supon-

hamos primeiramente que y0 < y1. Como M ⊂ R × [a, b], segue da con-

tinuidade e da periodicidade de ∂1F1 que existe α > 0 tal que |∂1F1| ≤ α,

logo

|F1(x1, y1) − F1(x0, y1)| ≤ α|x1 − x0|.

Usando a propriedade de twist, ∂2F1 ≤ 1/K, obtemos

F1(x0, y1) − F1(x0, y0) =

∫ y1

y0

∂2F1(x0, s)ds ≤ 1/K(y1 − y0).

Portanto pela condicao de monotonicidade de M temos

0 < F1(x1, y1) − F1(x0, y0) = F1(x1, y1) − F1(x0, y1) + F1(x0, y1) − F1(x0, y0)

≤ |F1(x1, y1) − F1(x0, y1)| + 1/K(y1 − y0) ≤ α|x1 − x0| + 1/K(y1 − y0),

que nos fornece um dos lados da desigualdade. O outro e obtido de forma

analoga, com y0 > y1 e trocando F por F−1, lembrando que F−1 e um

mapeamento twist que desvia a vertical para a esquerda a constante L do

enunciado e tomado como o maior das constantes de ambos os caso.

Temos em particular, pela proposicao acima e pelo lema anterior, que

os pontos de M satisfazem a estimativa Lipschitz acima, e sua projecao na

primeira coordenada e injetiva.

Lembremos que pelo Teorema 4.1.3 existe um levantamento G : R → R

de um homeomorfismo g de S1 tal que xi+1 = G(xi) para todo i ∈ Z, com

ρ(G) = ρ(x) ∈ R/Q.

55

Portanto a primeira coordenada da orbita O, e uma orbita de um levan-

tamento de um homeomorfismo de S1.

Seja θi := π(xi), com π : R → S1 aplicacao de recobrimento. Desta forma

θi+1 = g(θi). Tomemos a uniao do conjunto ω-limite com o conjunto α-limite

de tal orbita que denotaremos por P (lembremos que P independe da orbita

de g).

Pelos resultados discutidos no Capıtulo 2 sobre homeomorfismos de S1

com numero de rotacao irracional, sabemos que P e g-invariante e pode se

apresentar de duas formas: P = S1, ou P e um conjunto de Cantor.

Agora observando que π1(M) ⊃ π−1(P ), onde π1 : R2 → R e a projecao na

primeira coordenada, teremos entao duas possibilidades para π1(M): π1(M) =

R ou π1(M) e um conjunto de Cantor invariante com (possivelmente) orbitas

homoclınicas a ele.

Assim o conjunto invariante monotono M pode se apresentar de duas

formas:

Como um grafico de uma funcao Lipschitz cuja projecao no cilindro e uma

curva rotacional invariante;

Ou, como um conjunto de Cantor invariante com (possivelmente) orbitas ho-

moclınicas a ele, contido no grafico da funcao x 7→ y = −∂1h(x,G(x)).

A este conjunto de Cantor invariante e que damos o nome de conjunto

de Aubry-Mather

Cabe aqui observarmos que como M foi obtido como limite de orbitas

minimizantes, todas orbitas em M sao minimizantes, pois o conjunto Mh das

configuracoes h-minimais e fechado. Alguns autores definem como conjunto

de Aubry-Mather a projecao no cilindro do conjunto que definimos acima.

56

4.2 Princıpio Variacional de J.Mather

A abordagem inicial de Mather [Ma] tambem faz uso de um princıpio varia-

cional, porem segue uma linha distinta de Aubry et al., ate mesmo porque

a epoca da publicacao de [Ma], os trabalhos de Aubry et al. eram descon-

hecidos no mundo matematico (ver comentario final de A. Katok em [Ka1]).

Recordemos algumas definicoes e fixemos algumas notacoes, antes de enun-

ciarmos os resultados.

Seja f : A → A um mapeamento twist definido no anel A = S1 × [0, 1].

Fixemos um levantamento F : S → S de f , onde S = R × [0, 1], e seja F0 =

π1◦F |R×{0}, e F1 = π1◦F |R×{1}, onde π1 e a projecao na primeira coordenada.

Recordemos tambem do Capıtulo 2 a definicao de W = {(x, x′) ∈ R2|F0(x) ≤x′ ≤ F1(x)} (com um certo abuso de notacao). Deste modo temos uma funcao

geratriz h : W → R, de F .

Consideremos entao o principal resultado de [Ma]:

Teorema 4.2.1 Dado ω com ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1), entao existe uma funcao

nao-decrescente φ : R → R tal que φ(t+ 1) = φ(t) + 1 e

F (φ(t), η(t)) = (φ(t+ ω), η(t+ ω)),

onde η(t) = −∂1h(φ(t), φ(t+ ω)).

Uma observacao importante e que, por construcao, φ nao e necessaria-

mente contınua. De todo modo, φ possui duas propriedades importantes,

cujas provas podem ser encontradas em [Ma]:

1. se φ e contınua em t, entao tambem o e em t− ω e t+ ω;

2. e se ω /∈ Q, entao φ nao e constante em nenhum intervalo.

57

O significado do teorema depende se ω e racional ou irracional. Se ω =

p/q, com p e q relativamente primos, entao o teorema garante a existencia de

uma (p, q)-orbita para F . De fato, se (x, y) = (φ(t), η(t)), para algum t ∈ R,

entao F q(x, y) = (x + p, y).

Agora, quando ω e irracional, o teorema garante a existencia de um con-

junto fechado invariante, a saber, o fecho do conjunto {(φ(t), η(t)) | t ∈ R},denotado por Mφ, de tal forma que a restricao de F a este conjunto e con-

jugada a translacao Tω. Equivalentemente, a restricao de f ao conjunto

Σφ := π(Mφ), onde π : S → A e aplicacao de recobrimento, e conjugada a

rotacao Rω.

Se φ e contınua, entao η tambem e contınua, portanto o conjunto invari-

ante obtido pelo teorema e uma curva invariante cuja projecao no cilindro e

uma curva rotacional invariante.

Se nao, φ e descontınua. Como φ e nao-decrescente, seus pontos de de-

scontinuidade formam no maximo um conjunto enumeraveis; portanto Mφ e

um conjunto fechado invariante que contem buracos. Desta formaMφ contem

um conjunto de Cantor invariante, isto e, um conjunto de Aubry-Mather.

A prova do teorema sera feita em alguns passos, mas antes de enuncia-los

faremos um “rascunho”da demonstracao, aproveitando para fixarmos mais

algumas notacoes.

Denotaremos uma funcao φ : R → R contınua a esquerda (resp. direita)

por φ(t−) = φ(t) (resp. φ(t+) = φ(t)). Definamos entao o conjunto,

Yω =

φ : R → R

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

φ e nao-decrescente,

φ(t+ 1) = φ(t) + 1,

F0(φ(t)) ≤ φ(t+ ω) ≤ F1(φ(t)),

φ(t−) = φ(t).

58

Para φ ∈ Yω definamos o funcional:

Fω(φ) =

∫ 1

0

h(φ(t), φ(t+ ω))dt.

Deste modo, definindo uma metrica d em Yω, mostraremos a continuidade

de Fω em relacao a d, e usando um argumento de compacidade, provaremos

que Fω assume seu maximo em algum φ ∈ Yω.

O passo mais elaborado da demonstracao sera a prova de que o maximo

φ ∈ Yω de Fω satisfaz a equacao de diferencas

E(φ(t)) = ∂2h(φ(t− ω), φ(t)) + ∂1h(φ(t), φ(t+ ω)) = 0,

para todo t ∈ R.

Lembrando que a funcao geratriz satisfaz y = −∂1h(x, x′) e y′ = ∂2h(x, x

′),

teremos assim provado o teorema, pois se (φ(t), η(t)) ∈ S, entao

F (φ(t), η(t)) = F (φ(t),−∂1h(φ(t), φ(t+ ω)))

= (φ(t+ ω), ∂2h(φ(t), φ(t+ ω)))

= (φ(t+ ω),−∂1h(φ(t+ ω), φ(t+ 2ω)))

= (φ(t+ ω), η(t+ ω)).

Consideremos uma ultima notacao: denotar por Xω o subconjunto de Yω

tal que φ(t) ≥ 0 para t > 0 e φ(t) ≤ 0 para t ≤ 0.

1o.Passo: Xω 6= ∅, se e somente se, ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1).

Prova:

(⇒) Seja φ ∈ Yω. Se n > 0, entao F n0 (φ(t)) ≤ φ(t+ nω) ≤ F n

1 (φ(t)), entao

limn→∞

F n0 (φ(t))

n≤ lim

n→∞

φ(t+ nω)

n≤ lim

n→∞

F n1 (φ(t))

n,

logo,

ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1).

59

(⇐) Para 0 ≤ s ≤ 1, seja Gs : R → R definido por

Gs(t) = sF1(t) + (1 − s)F0(t).

Claramente, Gs e um homeomorfismo de R e Gs(t + 1) = Gs(t) + 1.

A funcao s 7→ ρ(Gs) e uma funcao nao-decrescente de s e contınua, pela

continuidade do numero de rotacao, logo existe s0 tal que ρ(Gs0) = ω, pois

ρ(G0) = ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1) = ρ(G1). Denotemos G = Gs0 .

Construiremos φ ∈ Xω de duas maneiras diferentes, dependendo se ω e

racional ou irracional. Suponhamos inicialmente que ω e racional, digamos

ω = p/q com p, q ∈ Z e primos entre si. Conforme vimos no Capıtulo

1, o conjunto P dos pontos periodicos (do tipo (p, q)) de G e nao-vazio.

Definamos φ(0) como o maior elemento nao-positivo de P . Dado t ∈ R,

podemos escreve-lo na forma

t = n(pq

)+m+ r,

onde n,m ∈ Z e −1/q < r ≤ 0. Desta forma, definamos

φ(t) = gn(φ(0)) +m.

Como φ(0) ∈ P , temos Gq(φ(0)) = φ(0) + p, segue que φ esta bem definida.

Usando ρ(G) = p/q, vemos que φ e nao-decrescente. Com efeito, supon-

hamos, por contradicao que n(p/q) + m > n′(p/q) + m′ e Gn(φ(0)) + m ≤Gn′

(φ(0)) + m′. Entao Gn−n′ ≤ m′ − m. No caso em que n − n′ > 0,

temos ρ(G) ≤ (m′ − m)/(n − n′) < p/q. No caso em que n − n′ < 0,

temos ρ(G) ≥ (m′ −m)/(n − n′) > p/q. Em ambos os casos obtemos uma

contradicao.

Por definicao, φ(0) ≤ 0, mas como φ e nao-decrescente, entao φ(t) ≤ 0,

para t ≤ 0. Agora, para t > 0, temos que φ(t) ∈ P e φ(t) = φ(0), porem

como φ e nao-decrescente e φ(0) e o maior elemento nao-positivo de P , temos

60

φ(t) > 0. Segue diretamente da definicao de phi que G(φ(t)) = φ(t + p/q),

entao F0(φ(t)) ≤ φ(t + p/q) ≤ F1(φ(t)). E como definimos φ de forma que

ele seja contınua a esquerda, temos φ ∈ Xp/q.

No caso em que ω e irracional, recordemos do Capıtulo 1, que existe

uma funcao nao-decrescente H : R → R, com H(t + 1) = H(t) + 1, tal

que H ◦ G = Tω ◦ H. Como H e o levantamento de um homeomorfismo

de S1, podemos, sem perda de generalidade, somar uma constante inteira a

H. Podemos entao supor que H(0) ≤ 0. Definamos φ(t) = inf H−1(H(t)),

entao claramente φ e nao-decrescente e φ(t + 1) = φ(t) + 1. Por definicao,

φ(0) ≤ 0, e 0 e o maior numero t tal que φ(0) ≤ 0, entao φ(0) ≤ 0, para

t ≤ 0 e φ(0) ≥ 0, para t > 0. Da propriedade H ◦ G = Tω ◦ H, temos que

G(φ(t)) = φ(t+ ω). Desta forma, a definicao de G implica que

F0(φ(t)) ≤ G(φ(t)) = φ(t+ ω) ≤ F1(φ(t)).

Da definicao da funcao φ temos que ela e contınua a esquerda, logo φ ∈ Xω.

2o.Passo: Fω e invariante por translacoes.

De fato, lembremos que h satisfaz h(x+ 1, x′ + 1) = h(x, x′), desta forma

a funcao t 7→ h(φ(t), φ(t + ω)) e 1-periodica. Seja Ta : R → R a translacao

Ta(x) = x+ a, entao para todo a ∈ R, temos φ ◦ Ta ∈ Yω e

Fω(φ ◦ Ta) =

∫ a+1

a

h(φ(t), φ(t+ ω))dt = Fω(φ),

onde a primeira igualdade e obtida com uma mudanca de coordenada na

integral.

3o.Passo: Definindo uma metrica em Yω.

61

Seja φ : R → R uma funcao nao-decrescente. Definimos o conjunto

graf φ = {(x, y) ∈ R2 | φ(x−) ≤ y ≤ φ(x+)}.

Assim, se ψ : R → R e outra funcao nao-decrescente definiremos

d(φ, ψ) = max{supξ

infζ||ξ − ζ||, sup

ζinfξ||ξ − ζ||}, (4.4)

onde ξ varia sobre graf φ e ζ varia sobre graf ψ, e || · || e a norma euclidiana

de R2. Claramente temos que d(φ, ψ) = d(ψ, φ) e a desigualdade triangular.

Observemos que d pode ser infinito. Mostraremos, porem, que d < +∞ em

Yω.

Se φ ∈ Xω, entao (0, 0), (1, 1) ∈ graf φ, e φ(t + 1) = φ(t) + 1. Con-

sequentemente, para φ, ψ ∈ Xω, temos que d(φ, ψ) e dado por (4.4), onde

agora ξ varia sobre [0, 1]2∩graf φ e ζ varia sobre [0, 1]2∩graf ψ. Desta forma

obtemos d(φ, ψ) ≤ 1 para φ, ψ ∈ Xω.

Claramente, d(φ ◦ Ta, φ) ≤ a, para qualquer a ∈ R. Uma vez que para

qualquer φ ∈ Yω, existe a ∈ R (a saber, a = supφ−1(−∞, 0)) tal que φ ◦Ta ∈ Xω, obtemos pela desigualdade triangular que d(φ, ψ) < +∞ para todo

φ, ψ ∈ Yω, de fato d(φ, ψ) ≤ d(φ, φ ◦ Ta) + d(φ ◦ Ta, ψ ◦ Ta′) + d(ψ ◦ Ta′ , ψ) ≤a + 1 + a′ < +∞.

Resta-nos agora verificar que d(φ, ψ) = 0, se e somente se, φ = ψ em Yω.

Sejam φ, ψ ∈ Yω, com d(φ, ψ) = 0. Portanto,

infζ∈graf ψ

||ξ − ζ|| = 0, ∀ξ ∈ graf φ,

infξ∈graf φ

||ξ − ζ|| = 0, ∀ζ ∈ graf ψ.

Fixado ξ ∈ graf φ, temos, pela primeira condicao acima, que existe uma

sequencia {ζn} ⊂ graf ψ tal que lim ζn = ξ. Como graf ψ e fechado em

R2, temos ξ ∈ graf ψ, ou seja, graf φ ⊂ graf ψ. Analogamente obtemos que

62

graf φ ⊃ graf ψ, logo graf φ = graf ψ. Mas como φ e ψ sao contınuas a es-

querda, temos φ = ψ.

4o.Passo: Xω e compacto, com respeito a d.

Seja (X, ρ) um espaco metrico e seja F (X) o conjunto dos subconjuntos

fechados de X. Introduziremos a metrica de Hausdorff em F (X),

Definicao 4.2.1 A metrica de Hausdorff e definida por

dH(A,B) := max

{supx∈A

ρ(x,B), supy∈B

ρ(A, y)

}

para quaisquer A,B ⊂ X fechados.

Lema 4.2.1 A metrica de Hausdorff nos subconjuntos fechados de um espaco

metrico compacto define uma topologia compacta.

Prova: Precisamos verificar a limitacao total e a completude de dH em F (X).

Seja Λ = {x1, x2, . . . , xn} ⊂ X finito tal que as ε/2-bolas centradas nos xi’s

cobrem X (tal fato e possıvel pela compacidade de X). Um conjunto fechado

qualquer A ⊂ X e coberto pela uniao de ε-bolas centradas em Λ e o fecho

dessa uniao tem distancia de Hausdorff no maximo ε de A. Como o con-

junto das ε-bolas centradas em Λ e finito, segue que (F (X), dH) e totalmente

limitada. Mostremos agora que (F (X), dH) e completo. Consideremos uma

sequencia de Cauchy (com respeito a metrica de Hausdorff) de conjuntos

fechados An ⊂ X. Seja A := ∩k∪n≥kAn ∈ F (X), vemos entao claramente

que dH(An, A) → 0.

Mostremos agora que Xω e compacto. Tomemos {φn}n ⊂ Xω. Temos

que φn([0, 1]) ⊂ [−1, 1]. Definamos R = [0, 1]× [−1, 1] e F (R) o conjunto dos

subconjuntos fechados de R. Consideremos a sequencia de fechados Gn =

graf φn ∩ R em F (R). Pela compacidade de (F (R), dH) temos que existe

63

uma subsequencia {Gnk}k tal que Gnk

dH−→ G ∈ F (R). Assim sendo para

t ∈ (0, 1), definamos φ(t) = inf{y ; (t, y) ∈ G}, claramente φ(t) > −∞ e

como G e fechado, temos (t, φ(t)) ∈ G.

Teorema 4.2.2 φ e nao-decrescente em (0, 1).

Prova: Suponhamos por contradicao que existam t1, t2 com t1 < t2 tais que

φ(t2) < φ(t1). Tomemos ε = min{t2 − t1, φ(t1) − φ(t2)}, e Bε/3(t1, φ(t1))

e Bε/3(t2, φ(t2)) bolas de raio ε/3 centradas em (t1, φ(t1)) e (t2, φ(t2)) re-

spectivamente. Como Gnk

dH−→ G, temos que existe K ∈ N tal que p1 ∈Bε/3(t1, φ(t1))∩GnK

e p2 ∈ Bε/3(t2, φ(t2))∩GnK. Mas φnK

e nao-decrescente,

logo

φnK(t) ≥ φ(t1) −

ε

3, ∀t > t1 +

ε

3,

φnK(t) ≤ φ(t2) +

ε

3, ∀t < t2 −

ε

3.

Desta forma segue que φnK(t) ≤ φ(t2) + ε/3 < φ(t1) − ε/3 ≤ φnK

(t), para

todo t ∈ (t1 + ε/3, t2 − ε/3) 6= ∅, o que claramente e uma contradicao.

Teorema 4.2.3 φ e contınua a esquerda

Prova: Suponhamos por contradicao que exista t tal que φ(t−) 6= φ(t).

Como sabemos pelo teorema acima que φ e nao-decrescente, entao existe ε >

0 tal que φ(s) < φ(t)− ε, para todo s ∈ (0, t) e lembremos que (s, φ(s)) ∈ G,

para todo s ∈ (0, t). Como Gnk

dH−→ G, temos que existe K ∈ N tal que

φnk(s) < φ(t) − ε/2, para todo s ∈ (0, t) e para todo k ≥ K. Como φnk

e

contınua a esquerda temos φnk(t) ≤ φ(t) − ε/2, para todo k ≥ K, e como

{φnk(t)} ⊂ [−1, 1], temos φnkj

(t) → y, com y ≤ φ(t) − ε/2. Mas (t, y) ∈ G,

logo φ(t) ≤ y ≤ φ(t) − ε/2, o que e claramente uma contradicao.

64

Definimos desta forma,

φ(t) =

φ(t), t ∈ (0, 1),

lims→1− φ(s), t = 1,

φ(t+ 1) = φ(t) + 1, t /∈ (0, 1].

Observemos que φ e nao-decrescente em R, e contınua a esquerda e satisfaz

φ(t + 1) = φ(t) + 1. Alem disso temos graf φ ∩ R = G e φ ∈ Xω. Logo

φnk→ φ em Xω. Concluımos assim que Xω e compacto.

5o.Passo: Continuidade de Fω com relacao a d.

Teorema 4.2.4 Fω : (Yω, d) → R e contınua.

Prova: Seja

M = sup(x,x′)∈W

max{1, |∂1h(x, x′)|, |∂2h(x, x

′)|}.

Segue da periodicidade de h que M < +∞. Da definicao de Fω e do teorema

do valor medio segue que

|Fω(φ) − Fω(ψ)| ≤ M

∫ 1

0

( |φ(t) − ψ(t)| + |φ(t+ ω) − ψ(t + ω)| )dt. (4.5)

Seja 1 ≥ ε > 0, e δ = ε2/1000M2. Suponhamos que d(φ, ψ) < δ. Mostraremos

que |Fω(φ) − Fω(ψ)| < ε.

Do fato que d(φ, ψ) < δ < 10−3, das propriedades de periodicidade φ(t+1) =

φ(t)+1 e ψ(t+1) = ψ(t)+1, e do fato que φ e ψ sao nao-decrescentes segue

que |φ(t) − ψ(t)| < 1 + δ < 2 para todo t ∈ R.

Suponhamos a ∈ R. Denotemos por πa o conjunto de todos os t ∈(a, a+1) tais que |φ(t)−ψ(t)| ≥ ε/5M . Como ϕ e ψ sao mensuraveis, temos

que πa e mensuravel. Da hipotese que d(φ, ψ) < δ, obtemos

φ(t+ δ) ≥ φ(t) +199ε

1000M, (4.6)

65

no caso em que ψ(t) ≥ φ+ ε/5M , e

φ(t− δ) ≤ φ(t) − 199ε

1000M, (4.7)

no caso em que ψ(t) ≤ φ− ε/5M .

Denotemos por π′a (resp. π′′

a) o conjunto dos t ∈ (a, a + 1) tais que (4.6)

(resp. (4.7)) e satisfeita. Entao

πa ⊂ π′a ∪ π′′

a .

Em qualquer ponto t ∈ π′a, a variacao de φ em [t, t + δ] e maior ou igual

a 199ε/1000M . Uma vez que a variacao total de φ em (a, a+ 1) e menor ou

igual a 1, segue que π′a pode ser coberto por no maximo d1000M/199εe <

1000M/199ε+ 1 ≤ 7Mε

intervalos de comprimento δ = ε2/1000M2.

Assim a medida de Lebesgue µ(π′a) de π′

a e limitada por 7Mδ/ε < ε/100M .

Analogamente, µ(π′′a) ≤ ε/100M , logo

µ(πa) ≤ µ(π′a) + µ(π′′

a) ≤ ε/50M.

Como |φ(t) − ψ(t)| ≤ 2 para todo t ∈ R e |φ(t) − ψ(t)| ≤ ε/5M para

t ∈ (0, 1)\π0 e para t ∈ (ω, ω + 1)\πω, obtemos de (4.5) que

|Fω(φ) −Fω(ψ)| ≤M(2µ(π0) + 2µ(πω) +2ε

5M)

≤M(4ε

50M+

5M) < ε.

Corolario 4.2.1 Fω assume um valor maximo em Yω em um ponto perten-

cente a Xω.

Prova: Como Fω e um funcional contınuo no espaco compacto Xω, ele as-

sume um valor maximo em Xω. Como Fω e invariante por translacao e

Yω = ∪a∈RTaXω, onde TaXω = {φ ◦ Ta | φ ∈ Xω}, o valor maximo de Fω em

66

Xω tambem e um valor maximo para Fω em Yω.

6o.Passo: Calculo da variacao de Fω.

Lema 4.2.2 Seja a ≤ 0 ≤ b e a < b. Suponhamos uma famılia φs de Yω,

onde a ≤ s ≤ b, tal que φs(t) e uma funcao de classe C1 em s, para cada

t fixado, e ∂φs(t)∂s

e uniformemente limitada e mensuravel, para a ≤ s ≤ b e

t ∈ R. Entao,d

dsFω(φs)

∣∣∣s=0

=

∫ 1

0

E(φ(t))φ(t)dt, (4.8)

onde φ(t) = φ0(t) = φ(t, 0) e φ(t) = ∂φ0

∂s(t) = ∂φ

∂s(t, 0).

Prova: Consideremos,

F (s) = Fω(φs) =

∫ 1

0

h(φ(t, s), φ(t+ ω, s))dt =

∫ 1

0

f(t, s)dt,

onde f(t, s) = h(φ(t, s), φ(t+ω, s)). Como φ(t, s) e uma funcao de classe C1

em s para cada t fixado, entao ∂f∂s

(t, s) existe em R × [a, b] e,

∂f

∂s(t, s) = ∂1h(φ(t, s), φ(t+ ω, s)) · ∂φ

∂s(t, s)

+ ∂2h(φ(t, s), φ(t+ ω, s)) · ∂φ∂s

(t+ ω, s).

Como ∂φ/∂s(t, s) e uniformente limitada e max{|∂1h|, |∂2h|} emW tambem

e uniformemente limitada (segue da continuidade e periodicidade de h) ,

temos que |∂f/∂s(t, s)| ≤ K, para algum K > 0. Logo, temos como corolario

do Teorema da Convergencia Dominada que

d

dsFω(φs) =

d

dsF (s) =

∫ 1

0

∂sf(t, s)dt =

∫ 1

0

∂1h(φ(t, s), φ(t+ω, s))·∂φ∂s

(t, s)

+

∫ 1

0

∂2h(φ(t, s), φ(t+ ω, s)) · ∂φ∂s

(t+ ω, s).

67

Desta forma fazendo uma mudanca de variavel na segunda integral e

tomando s = 0, obtemos

d

dsFω(φs)

∣∣∣s=0

=

∫ 1

0

[∂1h(φ(t), φ(t+ ω)) + ∂2h(φ(t− ω), φ(t))] · φ(t)dt

=

∫ 1

0

E(φ(t))φ(t)dt.

Observemos que eventualmente a derivada acima deve ser pensada como

derivada a direita (caso b = 0), ou a esquerda (caso a = 0).

7o.Passo: Famılias a 1-parametro de variacoes.

Sejam t0 ∈ R e φ ∈ Yω dados. Construiremos tres famılias a 1-parametro,

a saber φs, ψs e ξs. A construcao depende da escolha de uma funcao ρ :

S1 → [0, 1] de classe C∞ tal que ρ seja identicamente 1 em uma vizinhanca

de π(t0), onde π : R → S1 e a projecao canonica.

Seja us : R → R a unica familia de difeomorfismos, definida para s ∈ R,

dada por (∂/∂s)us(t) = ρ ◦ π(us(t)), u0 = id. Tal famılia existe e e unica

pelo teorema de existencia e unicidade das equacoes diferenciais ordinarias.

Mais ainda, como ρ ◦ π e suave e 1-periodica, tal famılia tem dependencia

suave em s ∈ R e t ∈ R, e us e nao-decrescente (de fato e crescente, pois

duas solucoes nao podem se cruzar) e us(t+ 1) = us(t) + 1.

Definamos, entao, φs = us◦φ. Observemos que temos φs nao-decrescente,

φs(t + 1) = φs(t) + 1, e φs(t−) = φs(t), porem, nao necessariamente temos

φs ∈ Yω para |s| suficientemente pequeno. Contudo, se para algum a ≤ 0 ≤ b

(com a < b), tivermos φs ∈ Yω para a ≤ s ≤ b, entao as hipoteses do lema

do 6o.Passo sao satisfeitas e, de (4.8), temos

d

dsFω(φs)

∣∣∣s=0

=

∫ 1

0

E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt. (4.9)

68

Agora, seja t1 = supφ−1(φ(t0)). Definamos, entao,

ψs(t) =

us ◦ φ(t), se existe n ∈ Z, t0 + n < t ≤ t1 + n,

φ(t), caso contrario,

e

ξs(t) =

φ(t), se existe n ∈ Z, t0 + n < t ≤ t1 + n,

us ◦ φ(t), caso contrario.

Novamente, nao necessariamente temos ψs e ξs em Yω para |s| suficien-

temente pequeno. Contudo, se para algum a ≤ 0 ≤ b (com a < b) tivermos

φs(resp. ξs)∈ Yω para a ≤ s ≤ b, entao as hipoteses do lema do 6o.Passo sao

satisfeitas e, de (4.8), temos

d

dsFω(ψs)

∣∣∣s=0

=

∫ 1

0

E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt, (4.10)

d

dsFω(ξs)

∣∣∣s=0

=

∫ 1

0

E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt. (4.11)

8o.Passo: Condicoes que nao podem ser satisfeitas em um maximo.

Mostraremos que se alguma das condicoes abaixo e satisfeita em t = t0,

e se t0 − ω, t0 e t0 + ω sao pontos de continuidade de φ, entao Fω nao pode

assumir seu maximo em φ. As condicoes sao

φ(t) = F0(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) > F0(φ(t)), (4.12)

φ(t) < F1(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) = F1(φ(t)), (4.13)

φ(t) > F0(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) = F0(φ(t)), (4.14)

e

φ(t) = F1(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) < F1(φ(t)). (4.15)

69

Lema 4.2.3 Se (4.12) ou (4.13) e satisfeita, entao E(φ(t)) < 0. Se (4.14)

ou (4.15) e satisfeita, entao E(φ(t)) > 0.

Prova: Lembremos que y = −∂1h(x, x′) e y′ = ∂2h(x, x

′), logo temos 0 ≤∂2h ≤ 1 e 0 ≤ −∂1h ≤ 1, ou seja, −1 ≤ ∂1h ≤ 0. Observemos tambem que

x′ = F0(x) ⇔ ∂1h(x, x′) = 0 ⇔ ∂2h(x, x

′) = 0,

x′ = F1(x) ⇔ ∂1h(x, x′) = −1 ⇔ ∂2h(x, x

′) = 1.

Desta forma observando que E(φ(t)) = ∂2h(φ(t−ω), φ(t))+∂1h(φ(t), φ(t+

ω)), temos que o resultado segue imediatamente.

Suponhamos que {t0} = φ−1φ(t0) e que ρ tenha suporte em um vizinhanca

suficientemente pequena em torno de πφ(t0). Se (4.12) ou (4.13) (resp. (4.14)

ou (4.15)) e satisfeita para t = t0, entao φs ∈ Yω para s ≥ 0 suficientemente

pequeno (resp. s ≤ 0 suficientemente pequeno em valor absoluto). Assim,

pelo lema acima e por (4.9), temos dFω(φs)/ds∣∣∣s=0

< 0 (resp. > 0), logo Fω

nao pode assumir seu maximo em φ = φ0.

Agora, suponhamos que {t0} 6= φ−1φ(t0). Entao φ−1φ(t0) e um inter-

valo. Sejam α, β seus extremos, com α < β. Se (4.12) ou (4.13) e satisfeita

para t = t0, entao temos ψs ∈ Yω para s ≥ 0 suficientemente pequeno,

desde que tenhamos ρ com suporte em um vizinhanca suficientemente pe-

quena em torno de πφ(t0). Deste modo, pelo lema acima e por (4.10), temos

dFω(ψs)/ds∣∣∣s=0

< 0, logo Fω nao pode assumir seu maximo em φ = ψ0.

Da mesma forma, se (4.14) ou (4.15) e satisfeita para t = t0, entao pelo

mesmo raciocınio anterior temos ξs ∈ Yω para s ≤ 0 suficientemente pequeno

em valor absoluto. Pelo lema acima e por (4.11), temos dFω(ξs)/ds∣∣∣s=0

> 0,

logo Fω nao pode assumir seu maximo em φ = ξ0.

70

9o.Passo: Prova de que o maximo satisfaz a equacao de diferencas E(φ(t)) =

0 para todo t ∈ R.

Suponhamos que Fω assume seu maximo em φ. Observemos que sera

suficiente provarmos que E(φ(t)) = 0 quando t− ω, t, e t+ ω sao pontos de

continuidade de φ (logo, t e ponto de continuidade de E(φ(t))), ja que φ e

descontınua no maximo numa quantidade enumeravel de pontos e E(φ(t)) e

contınua a esquerda.

Do 8o.Passo acima, sabemos que nenhuma das condicoes ((4.12)-(4.15))

pode ser satisfeita quando t − ω, t, e t + ω sao pontos de continuidade de

φ. Isso significa que φ(t) = F0(φ(t − ω)) ⇔ φ(t + ω) = F0(φ(t)) e φ(t) =

F1(φ(t − ω)) ⇔ φ(t + ω) = F1(φ(t)), e se alguma dessas igualdades e

satisfeita, temos que E(φ(t)) = 0, pelo mesmo raciocınio usado na prova do

lema no 8o.Passo.

Em vista disso, e suficiente considerarmos um ponto t0 ∈ R tal que

F0(φ(t0 − ω)) < φ(t0) < F1(φ(t0 − ω)) e F0(φ(t0)) < φ(t0 + ω) < F1(φ(t0)), e

t0 − ω, t0, e t0 + ω sejam pontos de continuidade de φ.

Suponhamos t0 = φ−1φ(t0). Entao, se ρ tem suporte numa vizinhanca

suficientemente pequena em torno de πφ(t0), temos que φs ∈ Yω para s

suficientemente pequeno. Logo (4.9) e satisfeita. E a hipotese de que Fω

assume seu maximo em φ = φ0 implica dFω(φs)/ds∣∣∣s=0

= 0. Como E(φ(t))

e contınua em t = t0 e φ(t) e contınua em t = t0, o fato de que∫ 1

0

E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt = 0,

para todo ρ do tipo que estamos considerando, implica E(φ(t0)) = 0.

Agora, se t0 6= φ−1φ(t0), entao φ−1φ(t0) e um intervalo. Sejam α e β,

com α < β, os extremos desse intervalo. Observemos que se ρ tem suporte

em uma vizinhanca suficientemente pequena de π(φ(t0)), entao ψs ∈ Yω,

para s ≥ 0 suficientemente pequeno e ξs ∈ Yω, para s ≤ 0 suficientemente

71

pequeno. Desta forma, (4.10) e (4.11) sao satisfeitas. A hipotese que Fω

assume seu maximo em φ = ψ0 = ξ0 implica que

d

dsFω(ψs)

∣∣∣s=0

≤ 0,

d

dsFω(ξs)

∣∣∣s=0

≥ 0.

Agora, como E(φ(t)) e crescente em (α, β), temos que (4.10) implica que

E(φ(t0)) ≤ 0 e (4.11) implica que E(φ(t0)) ≥ 0. Logo, E(φ(t0)) = 0.

Isso entao completa a demonstracao do teorema principal.

4.3 Exemplos (BIS)

4.3.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-

Kontorowa

Retomemos a famılia Fk de mapeamentos standard, dada por

x′ = x + y′ = x + y − k2π

sen(2πx),

y′ = y − k2π

sen(2πx),

ou seja, (x′, y′) = Fk(x, y), onde Fk(x, y) = (x + y − (k/2π) sen(2πx), y −(k/2π) sen(2πx)).

Quando k = 0, F0 e dado por

x′ = x+ y,

y′ = y.

Neste caso a dinamica de F0 e facil de ser compreendida. Como a segunda

coordenada e invariante, vemos que o plano fica todo folheado por retas

horizontais {y = const.} invariantes, e em cada reta os pontos se deslocam

pela translacao Ty(x) = x+ y (ver figura 4.2).

72

Figura 4.2: Mapeamento standard com k = 0.

Levando para o cilindro, temos o seguinte quadro para f0: o cilindro e

folheado por curvas rotacionais invariantes, graficos de funcoes constantes, e

os pontos se deslocam nas curvas invariantes pela rotacao Ry.

Deste modo quando y = p/q ∈ Q, a curva S1 × {y}, e toda formada por

orbitas q-periodicas. Quando y ∈ R/Q, toda orbita em S1 × {y} e densa.

Quando algo assim ocorre dizemos que o mapeamento e integravel. Tambem

sao integraveis os mapeamentos twist,

x′ = x + α(y),

y′ = y,

onde α : R → R e uma funcao estritamente crescente.

Quando aumentamos k acima (ver figura 4.3), nao temos garantias de

que as curvas rotacionais invariantes sejam preservadas. Em verdade, um

73

problema importante nas aplicacoes dos mapeamentos twist e saber quando

ocorre a preservacao das curvas rotacionais invariantes. Este e o problema

basico da teoria KAM, em suas instancias de baixa dimensao. Ela garante

que as curvas com numero de rotacao Diofantino sao preservadas, desde que

k seja suficientemente pequeno (ver [CMS], [MF]).

Figura 4.3: Mapeamento standard com k = 0.05.

Uma segunda pergunta relevante e: e quando uma curva nao e preservada,

o que ocorre ? Esta pergunta foi em parte respondida pelos conjuntos de

Aubry-Mather. Sabe-se atualmente que a quebra de curvas irracionais dao

origem a conjuntos de Aubry-Mather. Nesse sentido os conjuntos de Aubry-

Mather sao generalizacoes das curvas rotacionais invariantes irracionais.

De fato, toda orbita (ou melhor, seu levantamento para o plano) em uma

curva rotacional invariante e uma orbita minimizante. Este resultado pode

74

ser encontrado em [CMS] e em [MF].

Uma ultima consideracao a ser feita e sobre a possibilidade de inexistencia

de curvas rotacionais invariantes em um mapeamento twist. Mather provou

no caso da famılia de mapeamentos standard que para |k| > 4/3 nao existem

mais curvas rotacionais invariantes (ver [MF]).

75

Capıtulo 5

Geodesicas no toro, uma

aplicacao de mapeamentos

twist

Seguindo os passos encontrados em [Ba], veremos como os mapeamentos twist

ajudam a compreender o comportamento das geodesicas em uma superfıcie de

revolucao homeomorfa a um toro, gerada pela rotacao de uma curva fechada,

a qual chamaremos de toro de revolucao.

Para tal, consideremos γ(s) = (r(s), z(s)), s ∈ R, uma curva fechada

simples, parametrizada pelo comprimento de arco, tal que r(s) > 0; nesse

caso r e z sao funcoes periodicas, que suporemos de perıodo 2π. Seja S o

toro de revolucao gerado pela rotacao do traco de γ em torno do eixo z, e

x(θ, s) = (r(s) cos θ, r(s) sen θ, z(s))

uma parametrizacao de S.

76

Calculando os coeficientes da 1a. forma fundamental obtemos:

E(θ, s) = 〈xθ,xθ〉

= 〈(−r(s) sen θ, r(s) cos θ, 0), (−r(s) sen θ, r(s) cos θ, 0)〉

= r2(s),

F (θ, s) = 〈xθ,xs〉

= 〈(−r(s) sen θ, r(s) cos θ, 0), (−r′(s) cos θ, r′(s) sen θ, z′(s))〉

= 0,

G(θ, s) = 〈xs,xs〉

= 〈(−r′(s) cos θ, r′(s) sen θ, z′(s)), (−r′(s) cos θ, r′(s) sen θ, z′(s))〉

= (r′(s))2 + (z′(s))2 = 1.

Observemos que a ultima igualdade e valida pois γ esta parametrizada

pelo comprimento de arco.

Sejam p ∈ U ⊂ S, onde U e uma vizinhanca coordenada da parametrizacao

x, e v ∈ TpS. Consideremos o Lagrangiano,

L(p, v) =1

2||v||2 =

1

2〈v, v〉.

Como v = v1xθ + v2xs, entao o Lagrangiano L, escrito nas coordenadas

da parametrizacao e

L(θ, s, v1, v2) =1

2〈v1xθ + v2xs, v1xθ + v2xs〉,

=1

2

(E v2

1 +G v22

),

=1

2

(r2(s)v2

1 + v22

).

77

Desta forma, as equacoes de Euler-Lagrange, dadas por

d

dt

(Lv1

)= Lθ,

d

dt

(Lv2

)= Ls,

ficam expressas como

d

dt

(r2(s)v1

)= 0,

d

dt(v2) = r(s)r′(s)v2

1.

(5.1)

Manipulando a primeira equacao de (5.1) e observando que θ = v1 e

s = v2, obtemos um sistema de primeira ordem com 4 variaveis:

θ = v1,

s = v2,

v1 = −2r′(s)r(s)

v1v2,

v2 = r(s)r′(s)v21.

(5.2)

Chamaremos as orbitas do sistema acima de geodesicas. Em verdade,

estamos cometendo um abuso de definicao, pois as geodesicas sao objetos

definidos no toro de revolucao, neste caso, as geodesicas sao a imagem pela

parametrizacao x das coordenadas (θ, s) das orbitas do sistema (5.2).

Uma propriedade conhecida das geodesicas e que a norma do seu vetor

velocidade e constante. Concluımos, assim, que o Lagrangiano L e conservado

sobre as solucoes do sistema acima, ou seja, o Lagrangiano L e uma integral

primeira para o sistema. Agora, observando a primeira equacao do sistema

(5.1), vemos que a funcao I(θ, s, v1, v2) = r2(s)v1 tambem e um integral

primeira para o sistema em questao.

Ha uma importante consequencia da propriedade de conservacao de I que

e conhecida como relacao de Clairaut e que e uma ferramenta fundamental

78

para o estudo das geodesicas em superfıcies de revolucao, principalmente

devido ao seu forte apelo geometrico.

Para encontrarmos essa relacao, consideremos ϕ o angulo entre a geodesica

e os paralelos. Entao

cosϕ =〈xθ, v1xθ + v2xs〉

||xθ|| ||v1xθ + v2xs||,

=v1〈xθ,xθ〉||xθ||

√2L,

=r2(s)v1

r(s)√

2L,

=r(s)v1√

2L.

Vemos assim que a grandeza√

2L r(s) cosϕ e conservada, mas como o La-

grangiano tambem e conservado, temos entao que r(s) cosϕ = const.. Esta

e a equacao conhecida como relacao de Clairaut. Vamos elucidar sua im-

portancia com um exemplo.

Exemplo: Consideremos o hiperboloide de revolucao (ver figura 5.1), dado

implicitamente pela equacao x2 + y2 − z2 = 1. Seja p um ponto da parte

de cima do hiperboloide (z > 0), e γ uma geodesica iniciando em p, com

vetor velocidade v0. Se o angulo ϕ0 entre v0 e o paralelo que passa por p

satisfizer a equacao cosϕ0 = 1/r0, onde r0 e a distancia de p ao eixo z,

entao acompanhando γ na direcao dos paralelos decrescentes, teremos que γ

aproxima assintoticamente o paralelo x2 + y2 = 1, z > 0.

De fato, acompanhando γ nessa direcao, temos que r e decrescente. Como

r cosϕ = 1 ao longo de toda geodesica (relacao de Clairaut) segue que ϕ

tambem decresce. Observemos, agora, que nao podemos ter r = 1 em algum

ponto dessa geodesica, pois neste caso ϕ = 0 e γ tangenciaria o paralelo

x2 + y2 = 1, z > 0, que e igualmente uma geodesica, contrariando assim o

79

Figura 5.1: Hiperboloide de revolucao.

resultado de unicidade das geodesicas. Entao r > 1 sempre, o que implica

em ϕ 6= 0, logo r e monotona decrescente e limitada inferiormente. Isso

implica em ϕ → 0 assintoticamente. Como r cosϕ = 1, segue que r → 1

assintoticamente.

A introducao da variavel ϕ nos permite reduzir o sistema (5.2) para um

sistema com 3 variaveis. Como√

2L cosϕ = r(s)v1 e√

2L senϕ = v2, o

sistema (5.2) pode ser reescrito como

θ =√

2Lcosϕ

r(s),

s =√

2L senϕ,

ϕ =√

2Lr′(s)

r(s)cosϕ,

onde −π/2 < ϕ < π/2.

Deste modo, a menos de uma reparametrizacao na variavel independente,

que denotamos por t, as solucoes dos sistemas acima sao identicas para difer-

entes valores de L. Podemos portanto nos restringir ao estudo da hiperfıcie de

nıvel L = 1/2, o que equivale a considerar as geodesicas com vetor velocidade

80

de norma 1. Entao ficamos com

θ =cosϕ

r(s),

s = senϕ,

ϕ =r′(s)

r(s)cosϕ.

(5.3)

Percebemos no sistema acima que a 2a. e a 3a. equacoes estao desacopladas

da primeira. Por esse motivo estudaremos inicialmente o comportamento

qualitativo do sistema

s = senϕ,

ϕ =r′(s)

r(s)cosϕ.

(5.4)

Observemos que a funcao h(s, ϕ) = r(s) cosϕ, que define a relacao de

Clairaut, e uma integral primeira para tal sistema. Em vista disso, as orbitas

de (5.4) sao subconjuntos das curvas de nıvel de h.

Para esbocarmos essas curvas de nıvel, calculemos os pontos crıticos de

h, dados por

∇h(s, ϕ) = (∂h/∂s, ∂h/∂ϕ) = (r′(s) cosϕ,−r(s) senϕ) = (0, 0).

Como r(s) > 0 e −π/2 < ϕ < π/2, vemos que os pontos crıticos de h sao

da forma (sc, 0), onde sc e ponto crıtico da funcao r. Avaliemos a natureza

dos pontos crıticos, calculando a Hessiana de h,

Hh(s, ϕ) =

r′′(s) cosϕ −r′(s) senϕ

−r′(s) senϕ −r(s) cosϕ

.

Assim, det Hh(s, ϕ) = −r(s)r′′(s) cos2 ϕ−(r′(s))2 sen2 ϕ, portanto ∆(sc) :=

det Hh(sc, 0) = −r′′(sc)r(sc).Faremos aqui uma hipotese adicional sobre r, que consideramos nao ser

muito restritiva. Pediremos que os pontos crıticos de r tenham a segunda

derivada nao nula, isto e, se r′(sc) = 0, entao r′′(sc) 6= 0.

81

Sendo r periodica, as hipoteses sobre r garantem que entre dois maximos

existe um mınimo, ou equivalentemente, entre dois mınimos existe um maximo.

Ha duas possibilidades para os pontos crıticos de h(s, ϕ) = r(s) cosϕ:

1. se r′′(sc) > 0, ou seja, se sc e um mınimo local de r, entao ∆(sc) < 0 e

(sc, 0) e um ponto de sela de h;

2. senao, r′′(sc) < 0 e sc e um maximo local de r, de modo que ∆(sc) > 0

e ∂2f/∂s2(sc, 0) < 0, com (sc, 0) sendo um ponto de maximo local de

h.

Um esboco do diagrama de fases do sistema (5.4) e dado na figura 5.2:

PSfrag replacements

π2

−π2

s

ϕ

Figura 5.2:

Passemos a analise do sistema (5.3).

Lembremos que a funcao r(s) cosϕ tambem e uma integral deste sis-

tema. Assim, o fluxo gerado pelo sistema (5.3) fica restrito as superfıcies

r(s) cosϕ = const., ditas superfıcies de Clairaut. Para termos uma ideia de

tais superfıcies, basta estendermos as curvas de nıvel no plano (s, ϕ) (ver

figura 5.2) para o espaco (θ, s, ϕ), formando cilindros com as curvas fechadas

82

(tendo como um caso singular as curvas fechadas que contem os pontos fixo

tipo sela) e “calhas”com as demais curvas (ver figura 5.3).

Figura 5.3: Esboco das superfıcies de Clairaut.

Observando que θ = cosϕ/r(s) > 0, vemos que as orbitas do sistema

(5.3): ou enroscam indefinidamente nos cilindros, quando este nao contem

nenhum ponto de sela; ou sao assintoticos para as orbitas que passam pelo

ponto de sela; ou deslizam indefinidamente sobre as “calhas”.

Concentraremos nossa atencao nas geodesicas que deslizam sobre as cal-

has, o que equivale a dizer que deslizam sobre graficos de funcoes definidas

no plano (θ, s). Veremos que tais geodesicas pertencem a uma classe especial

de geodesicas, ditas A-geodesicas ou geodesicas de classe A.

Definicao 5.0.1 Dizemos que uma geodesica e de classe A ou uma A-geodesica

se seu levantamento para o plano tem a propriedade de minimizar o compri-

mento entre dois pontos quaisquer dela.

Seja smin um mınimo global da funcao r, logo (s, ϕ) = (smin, 0) e um

ponto de sela para funcao r(s) cosϕ. Consideremos a superfıcie de Clairaut

que contem o ponto (θ, s, ϕ) = (0, smin, 0), isto e, a superfıcie dada pela

equacao r(s) cosϕ = hmin, onde hmin := r(smin).

83

Desta forma, qualquer superfıcie de nıvel com valor abaixo de hmin e

uniao disjunta de calhas, isto e, qualquer superfıcie de Clairaut da forma

r(s) cosϕ = h, com 0 < h < hmin, e a uniao disjunta dos graficos das funcoes

G±(θ, s) = (θ, s,± arccos(h/r(s))).

A fim de fixarmos uma notacao, denotemos por G+(h) o grafico da parte

da superfıcie de Clairaut r(s) cosϕ = h, com 0 < h < hmin, acima do plano

ϕ = 0, e por G−(h), a parte abaixo do plano ϕ = 0.

Por questoes de simetria consideraremos inicialmente as geodesicas em

G+(h), onde 0 < h < hmin.

Para uma geodesica em G+(h) onde ϕ > 0, temos senϕ =√

1 − cos2 ϕ =√

1 − h2/r2(s) =√r2(s) − h2/r(s), e podemos reduzir ainda mais o sistema

(5.3), de forma a obter um novo sistema de duas variaveis:

θ =h

r(s)2,

s =

√r(s)2 − h2

r(s)= g(s, h).

(5.5)

Percebamos que a segunda equacao do sistema acima e totalmente de-

sacoplada da primeira, podendo ser resolvida de forma independente da

primeira. No entanto, o que precisamos saber das solucoes s(t) dessa equacao

e que elas sao estritamente crescentes. Para tanto, como g e 2π-periodica em

s e g(s, h) > 0, para todo h (0 < h < hmin) fixado, g e limitada inferior-

mente por uma constante estritamente positiva, ou seja, existe Kh > 0 tal

que g(s, h) ≥ Kh > 0, para todo s ∈ R. Segue portanto que as solucoes s(t)

sao estritamente crescentes.

Segue dessas observacoes que s(t) e uma funcao invertıvel. Portanto, pela

regra da cadeia, temos

ds=dθ

dt

dt

ds=

h

r(s)2

r(s)√r(s)2 − h2

=h

r(s)√r(s)2 − h2

= f(s, h),

84

onde 0 < h < hmin.

Como a funcao f nao depende de θ, as solucoes podem ser obtidas por

integracao direta, ou seja, θ(s) =∫ sf(·, h) + c. Deste modo, as solucoes

da equacao acima formam uma famılia de graficos crescentes (projecoes, no

plano ϕ = 0, das geodesicas sobre as calhas G+(h), com 0 < h < hmin), e

paralelos (quando h esta fixado).

Observemos tambem, que o quociente (θ(s + 2π) − θ(s))/2π e igual a

(1/2π)∫ 2π

0f(ξ, h)dξ, pois f e 2π-periodica na primeira variavel, e portanto

e constante (para cada h fixado). Vemos assim que as solucoes θ(s) pos-

suem uma inclinacao media (positiva), dada por (1/2π)∫ 2π

0f(ξ, h)dξ, ja que

f(ξ, h) > 0.

Tais solucoes nos permitirao obter um mapeamento twist na faixa S =

R × (0, π/2).

Inicialmente, faremos a construcao do mapeamento sem nos preocupar

com as questoes tecnicas. Antes, porem, fixemos as notacoes usadas na

construcao. Recordemos que a curva θ 7→ (smin, θ) e a projecao (no plano

ϕ = 0) de uma geodesica, cujo traco denotaremos por G0. Como r e 2π-

periodica podemos supor sem perda de generalidade que smin ∈ [0, 2π). A

curva θ 7→ (smin+2kπ, θ) tambem e a projecao de uma geodesica, onde k ∈ Z,

cujo traco denotaremos por Gk.

Construamos o mapeamento do seguinte modo: peguemos um ponto θ

sobre G0 e um angulo y ∈ (0, π/2) como na figura 5.4. Tomemos a solucao

que passa por θ e faz um angulo y com G0 em θ. Avaliemos o contato

de tal solucao com G1, isto e, avaliemos a coordenada θ′ da interseccao da

solucao com G1 e o angulo y′ que a solucao faz em G1. Definimos assim o

mapeamento F (θ, y) := (θ′, y′).

Argumentaremos porque o contato usado na construcao acima existe.

85

PSfrag replacements

G0 G1

smin smin + 2π

θ

θ

s

y

θ′y′

Figura 5.4:

Em seguida, mostraremos que F define um mapeamento twist na faixa S =

R × (0, π/2).

Percebamos que a solucao considerada acima satisfaz o problema de valor

inicial

ds=

h

r(s)√r(s)2 − h2

= f(s, h),

θ(smin) = θ ∈ R,

(5.6)

onde o parametro h ainda nao foi escolhido. Sua escolha sera determinada

pelo angulo y.

Observemos que,

y = arctan(dθ/ds(smin)) = arctan f(smin, h) = arctan(h/(hmin

√h2

min − h2)),

onde h ∈ (0, hmin). Notemos que h/(hmin

√h2

min − h2) e uma bijecao cres-

cente entre (0, hmin) e (0,∞), logo y(h) = arctan(h/(hmin

√h2

min − h2)) e

uma bijecao crescente entre (0, hmin) e (0, π/2), cuja inversa denotamos por

h(y).

Pelas consideracoes acima, e pelo fato de f(s, h) ser 2π-periodico em s, o

86

mapeamento F e dado por

F (θ, y) =

(θ +

∫ smin+2π

smin

f(ξ, h(y))dξ, y

)= (θ + α(y), y),

onde α(y) =∫ 2π

0f(ξ, h(y))dξ.

Temos, ainda, que det DF = 1, isto e, F preserva area. A condicao de

twist segue imediatamente da observacao de que α(y) e uma funcao estrita-

mente crescente.

Podemos entao afirmar que F e um mapeamento twist na faixa S = R×(0, π/2), ou, equivalentemente, que F e o levantamento de um mapeamento

twist no anel A = S1×(0, π/2). Cabe ressaltar que aqui estamos considerando

S1 como R/(2πZ).

Em verdade, podemos afirmar mais ainda: F e um mapeamento twist

integravel, e sua dinamica e de facil entendimento. Podemos ver que a faixa

S e toda folheada por retas horizontais invariantes (cujas projecoes no anel

A sao curvas rotacionais invariantes) e em cada reta os pontos se deslocam

por uma translacao (rotacoes).

Portanto todas suas orbitas sao orbitas minimizantes e monotonas, isto e,

se O = {(θi, yi)}i∈Z e uma orbita de F , entao θ = (θi)i∈Z e uma configuracao

minimal e monotona (CO) e yi = y e constante em i.

Podemos, assim, aplicar resultados sobre as configuracoes minimais para

obtermos resultados sobre as geodesicas de classe A. Estes resultados sao

classicos e se encontram em [He], a novidade esta na forma de obte-los.

Primeiramente, podemos definir a inclinacao assintotica de uma geodesica

de classe A no plano como sendo o limite lims→+∞ θ(s)/s, pois este limite

sempre existe. Vejamos, escrevendo s = 2kπ + r, com k ∈ Z e 0 ≤ r < 2π,

87

teremos

θ(s)

s=

1

s

(∫ s

0

f(ξ, h)dξ + θ0

)=

1

2kπ + r

∫ 2kπ+r

0

f(ξ, h)dξ +θ0s

r∈[0,2π)=

1

2kπ

2kπ

2kπ + r

(∫ 2kπ

0

f(ξ, h)dξ +

∫ 2kπ+r

2kπ

f(ξ, h)dξ

)+θ0s

r∈[0,2π)=

1

2kπ

2kπ

2kπ + r

(k

∫ 2π

0

f(ξ, h)dξ +

∫ r

0

f(ξ, h)dξ

)+θ0s

r∈[0,2π)=

1

2kπ

2kπ + r

∫ 2π

0

f(ξ, h)dξ +1

2kπ + r

∫ r

0

f(ξ, h)dξ +θ0s.

Portanto quando s→ ∞, temos k → ∞, e

lims→∞

θ(s)

s=

1

∫ 2π

0

f(ξ, h)dξ.

Percebemos assim que o conceito de inclinacao media coincide com o

conceito de inclinacao assintotica. Agora, tomando o limite lims→∞ θ(s)/s

atraves da sequencia limi→+∞ θi/2πi que define o numero de rotacao da con-

figuracao θ = (θi)i∈Z, teremos lims→+∞ θ(s)/s = limi→+∞ θi/2πi = ρ(θ).

Vemos assim que a inclinacao media (igualmente a assintotica) e dada pelo

numero de rotacao da configuracao associada.

Um fato interessante e que as solucoes associadas as (p, q)-orbitas de F ,

ou equivalentemente, as solucoes associadas as configuracoes minimais com

numero de rotacao p/q se projetam no toro de revolucao dando origem a

geodesicas de classe A fechadas.

Observemos que o fato da funcao f(s, h) ser monotona na variavel h,

implica que o grafico de duas solucoes do problema de valor inicial (5.6),

para valores distintos de h, se intersectam no maximo um vez no plano (s, θ).

Este resultado e similar ao Lema Fundamental de Aubry quando aplicado as

configuracoes associadas as solucoes de (5.6).

Uma propriedade geometrica relevante das geodesicas de classe A e que

elas nao possuem auto-interseccoes transversais no toro de revolucao. Com

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efeito, seja θ(s) uma solucao de (5.6), cujo grafico se projeta numa A-

geodesica no toro de revolucao e possui uma auto-interseccao transversal. Isto

implicaria numa interseccao transversal entre o grafico de θ(s) e o grafico da

funcao s 7→ θ(s−a)+ b, para algum (a, b) ∈ (2πZ)2, o que por sua vez impli-

caria num cruzamento entre o grafico de Aubry da configuracao θ = (θi)i∈Z,

associada a solucao θ(s), e o grafico de Aubry da configuracao Ta,b(θ), con-

trariando a monotonicidade e a minimalidade da configuracao θ = (θi)i∈Z.

Para finalizar vale observar que todos os calculos realizados para as geodesicas

em G+(h), podem ser realizados para as geodesicas em G−(h), com 0 < h <

hmin, porem obterıamos um mapeamento twist integravel na faixa {(θ, y)|(θ, y) ∈R × (−π/2, 0)}. Cabe ressaltar que quando y = 0, a A-geodesica no plano

(s, θ) e um reta horizontal (inclinacao media nula), que no toro corresponde

a um meridiano.

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