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CONFLITOS SEMIÓTICOS NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE
TESTES DE HIPÓTESES NO ENSINO SUPERIOR
Ailton Paulo de Oliveira Júnior - UFTM1
Henrique Grabalos da Silva - UFTM2
Resumo
Neste trabalho temos como objetivo estudar os conflitos semióticos, entendidos como
discrepâncias entre os significados institucional e pessoal (GODINO e BATANERO, 1994),
por 26 alunos do Ensino Superior que cursaram a disciplina de Bioestatística numa
universidade pública brasileira, na resolução de problemas de testes de hipóteses para a média
e um problema de testes de hipóteses para a proporção. Os resultados mostram que os
alunos, em geral, têm muitas dificuldades nas questões colocadas neste tema de testes de
hipóteses, principalmente na interpretação das questões e em expressarem o seu raciocínio
estatístico através da justificação escrita das respostas. Além disso, tendo por referência
teórica o Enfoque Ontosemiótico do conhecimento e do ensino da Matemática, estudaram-se
os conhecimentos matemáticos implícitos nas respostas a partir dos objetos e processos
matemáticos utilizados, enfatizando-se a relação expressãoconteúdo das funções semióticas
como meio de caracterizar possíveis conflitos semióticos. Segundo Gonçalves, Fernandes e
Nascimento (2014), no Enfoque Ontosemiótico assume-se a complexidade dos entes
matemáticos, sendo estabelecida uma ontologia de objetos matemáticos primários, a qual
permite uma análise detalhada e abrangente das práticas mobilizadas nos processos de
resolução de problemas. Em termos de resultados, para além da elevada percentagem de
alunos que não responderam ou que apresentaram respostas sem sentido, salienta-se a
existência de vários conflitos semióticos associados à formulação das hipóteses, ao cálculo da
estatística do teste e à tomada de decisão.
Palavras-chave: Ensino da Estatística. Inferência Estatística. Testes de Hipóteses. Ensino
Superior.
Introdução
De acordo com Batanero (2001), o desenvolvimento de um país está relacionado ao
grau com o qual este produz estatísticas completas e confiáveis, porque esta informação é
1 Pós-Doutorado e Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo. Professor da Universidade Federal
do Triângulo Mineiro. Coordenador do grupo de pesquisa cadastrado no CNPq - Grupo de Estudos em Educação
Estatística e Matemática – GEEM. E-mail: [email protected]. 2 Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Membro do grupo de pesquisa
cadastrado no CNPq - Grupo de Estudos em Educação Estatística e Matemática – GEEM. E-mail:
utilizada para tomar decisões econômicas, sociais e políticas. Por isso, a grande quantidade de
informação disponível precisa ser transformada em conhecimento, para que seja possível
tomar decisões sobre questões cotidianas.
Ponte, Brocardo e Oliveira (2006, p. 91) afirmam que “todo cidadão precisa saber
quando um argumento estatístico está ou não a ser utilizado com propriedade”.
Sebastiani (2010) diz que são encontradas poucas investigações sobre a inferência
estatística na literatura e este tema é relevante para o entendimento de boa parte dos artigos
técnicos em várias áreas do conhecimento. Em especial, os testes de hipóteses são um assunto
que ainda carece de trabalhos que tentem mapear quais são as dificuldades específicas
enfrentadas pelos alunos no processo de ensino-aprendizagem.
Conforme Haller e Krauss (2002), uma atenção particular deve ser dada às
interpretações errôneas relacionadas aos testes de hipóteses, dado o uso generalizado dos
testes estatísticos em todas as áreas de pesquisa.
Com relação aos conteúdos ministrados na disciplina de Estatística, Lopes (2007) e
Link (2002) afirmam que é nos testes de hipóteses que os alunos apresentam as maiores
dificuldades de compreensão e que para os professores, este é o mais difícil de ser ensinado.
Os testes de hipóteses oferecem ferramentas que possibilitam fazer generalizações para uma
população, tendo por base dados amostrais.
Portanto, os testes de hipóteses são um procedimento que requer um raciocínio
indutivo. Convém lembrar que o raciocínio indutivo está essencialmente associado a um fator
de incerteza, isto é, as conclusões serão sempre probabilísticas. Com base em dados
empíricos, obtidos a partir de um conjunto restrito de casos, denominado amostra, buscam-se
evidências contra um conhecimento aceito como verdadeiro, generalizando-se os novos
achados para um conjunto mais geral, chamado de população.
De acordo com Fisher (1931, p. 16) “a hipótese nula nunca é provada ou estabelecida,
mas é possivelmente refutada, no curso de uma experimentação. Cada experimento existe
somente para oferecer aos fatos uma chance de refutar a hipótese nula”.
Segundo Kirk (2001), as críticas ocorrem devido ao fato de os testes não se centrarem
no significado prático do resultado e por não fornecerem o tamanho do efeito. Ainda,
acrescenta que os resultados dos testes de hipóteses deveriam ser acompanhados por outras
medidas descritivas, além dos intervalos de confiança.
Sobre isso, Daniel (1998) afirma que os testes têm sido importantes para o avanço das
ciências sociais, no entanto, têm gerado controvérsias devido ao uso inadequado e à má
interpretação dos resultados.
McLean e Ernest (1998) e Gliner, Leech e Morgan (2002) também apoiam os
pesquisadores que recomendam que os resultados dos testes de hipóteses não somente
apresentem a significância estatística, mas também que esta seja acompanhada do significado
prático e da replicabilidade. Os autores ainda destacam a importância em usar-se o termo
“estatisticamente significativo” no lugar da expressão “significativo”, porque nem sempre um
resultado que tem significância estatística é significativo na prática, ou seja, no contexto do
problema em estudo.
Segundo Batanero (2000), o ensino dos testes de hipóteses deve sofrer mudanças, que
implicam a inclusão da replicação, a escolha de tamanhos de amostra ideais, a combinação de
testes de hipóteses com intervalos de confiança ou estimativas do tamanho do efeito e
especificação dos critérios antes do experimento. Ainda, acrescenta a necessidade de uma
mudança na metodologia de ensino, no sentido de promover a participação ativa dos alunos,
sendo uma das propostas, a inserção do computador nas aulas, oferecendo, assim, uma
importante ferramenta de auxílio para os cálculos e representações gráficas e, também, para o
tratamento de dados reais.
Sotos, Vanhoof, Noortgate e Onghena (2007, p. 99) referem que as ideias de
inferência são especialmente sensíveis a interpretações equivocadas e os estudantes estão
frequentemente inclinados a cometê-las pelo fato de requerer o entendimento e a conexão de
muitos conceitos abstratos, tais como o de distribuições amostrais e o de nível de
significância, entre outros, que pode ser visualizado na Figura 1.
Figura 1 - Rede semântica com conceitos de testes de hipóteses.
Além disso, Sotos, Vanhoof, Noortgate e Onghena (2007) acrescentam que a
estatística inferencial é um tópico relevante para o desenvolvimento das pesquisas nas
ciências. Ainda, destacam que nos cursos de diversas áreas científicas, os testes de hipóteses e
os intervalos de confiança são ensinados aos alunos como métodos para avaliar hipóteses
científicas. Assim, em função destas três realidades, os autores julgam interessante
desenvolverem-se pesquisas sobre este assunto.
Apesar da relevância do estudo dos testes de hipóteses, ao nível de ensino é um tema
em que os alunos apresentam muitas dificuldades na compreensão dos conceitos envolvidos
(VALLECILOS, BATANERO e GODINO, 1992; VALLECILLOS, 1996; RODRÍGUEZ,
2006; SEBASTIANI, 2010; VERA, DÍAZ e BATANERO, 2011).
Ainda nesse sentido, alguns autores afirmam que se deve continuar a investigar as
dificuldades que os alunos apresentam na compreensão da Inferência Estatística
(SEBASTIANI, 2010; HENRIQUES, 2011; SEBASTIANI e VIALI, 2011; BATANERO,
VERA e DÍAZ, 2012).
Em relação ao conceito de hipótese, um primeiro erro é confundir a hipótese de
pesquisa com a hipótese estatística (nulo ou alternativo). Chow (1996) discute a diferença
entre eles ao dizer que enquanto as hipóteses de pesquisa são normalmente amplas e referem-
se a um constructo não observável (por exemplo, o desempenho de estudantes é diferente em
duas populações de estudantes), as hipóteses estatísticas referem-se a um parâmetro da
distribuição de uma variável, numa população de indivíduos (no exemplo, a diferença média
na pontuação de um questionário de duas amostras de pacientes destas populações).
Apesar desta diferença, quando é encontrado um resultado significativo, alguns
pesquisadores acreditam que os resultados podem ser extrapolados diretamente para a
hipótese de pesquisa (CHOW, 1996). No exemplo, suponhamos que se rejeitar a pontuação
média das duas amostras de estudantes do teste é o mesmo, pode-se inferir que o desempenho
(geralmente) de uma das populações é maior do que o outro. Isso não pode ser verdade, uma
vez que o teste de desempenho usado poderia favorecer um grupo e se utilizar um teste
diferente os resultados poderiam variar.
Assim, neste trabalho temos como objetivo estudar os conflitos semióticos, entendidos
como discrepâncias entre os significados institucional e pessoal (GODINO e BATENERO,
1994), por 26 alunos do Ensino Superior que cursaram a disciplina de Bioestatística numa
universidade pública brasileira, na resolução de um problema de testes de hipóteses para a
média e um problema de testes de hipóteses para a proporção.
1. Procedimentos Metodológicos
Neste texto serão estudadas as dificuldades de alunos do Ensino Superior que cursam a
disciplina de Bioestatística em uma instituição federal na resolução de uma tarefa de Teste de
Hipóteses para a média e também as dificuldades na formulação, cálculo e interpretação de
um problema de Teste de Hipóteses para a proporção. Para tal análise, foram efetuadas
análises semióticas das resoluções escritas dos alunos recorrendo ao Enfoque Ontosemiótico
de Godino e Batanero (1994) e Godino, Batanero e Font (2008).
Segundo Gonçalves, Fernandes e Nascimento (2014), no Enfoque Ontosemiótico
assume-se a complexidade dos entes matemáticos, sendo estabelecida uma ontologia de
objetos matemáticos primários, a qual permite uma análise detalhada e abrangente das
práticas mobilizadas nos processos de resolução de problemas.
Gonçalves, Fernandes e Nascimento (2014), explicitam que os aspectos a serem
analisados são: (1) Situações-problema – aplicações extra matemáticas, exercícios, problemas,
ações que induzem uma atividade matemática como problemas de comparação de duas o mais
populações, a estimação de parâmetros estatísticos ou de tomada de decisão; (2) Linguagens
– termos, expressões, notações, gráficos que se utilizam para representar os dados de um
problema, os símbolos usados para denotar os parâmetros e ou as hipóteses nulas (H0) e a
hipótese alternativa (H1); (3) Conceitos – formulações introduzidas mediante definições e
descrições como de população e amostra; estatística e parâmetro; região crítica e região de
aceitação; (4) Propriedades (proposições) – enunciados sobre relações ou propriedades dos
conceitos que se utilizam para resolver problemas matemáticos como as hipóteses nulas (H0)
e hipóteses alternativa (H1) complementares; (5) Procedimentos – algoritmos, operações,
técnicas de cálculo que os alunos aplicam para a resolução do problema, ou seja, os cálculos
que os alunos têm de efetuar para definir a região crítica e a região de aceitação; (6)
Argumentos – enunciados usados para justificar ou explicar a outra pessoa as proposições e
procedimentos ou a solução dos problemas que podem ser dedutivos, formais ou informais.
Gonçalves, Fernandes e Nascimento (2014), ainda dizem que na atividade matemática
intervêm combinações dos objetos primários, criando-se configurações de objetos e diferentes
processos matemáticos envolvendo esses objetos, descritos nas suas facetas duais, quais
sejam: (1) Pessoal-institucional – emerge das práticas de uma pessoa ou de um grupo de
pessoas que partilham o mesmo tipo de situações-problema; (2) Ostensivo-não ostensivo – na
medida em que podem ser usados nas práticas públicas a partir das suas representações ou
imaginados ou pensados independentemente das suas representações; (3) Extensivo-intensivo
– refere-se a um caso específico ou a uma classe mais geral; (4) Unitário-sistêmico – ao serem
usados como entidades unitárias ou como sistemas; (5) Expressão-conteúdo – que constituem
o antecedente e consequente de funções semióticas.
As funções semióticas, entendidas como relações entre conjuntos, envolvem três
componentes: (1) Expressão – constitui-se como o objeto inicial ou significante; (2) Conteúdo
– constitui-se como o objeto final ou significado; (3) Regra e correspondência – constitui-se
como o código interpretativo que regula a relação entre expressão e conteúdo.
Ora a dualidade expressão-conteúdo permite realizar análises semióticas a priori,
como etapa prévia de análise didático-matemática do estudo de um conteúdo matemática
tendo em vista um interpretante potencial e a posteriori, quando a análise incide sobre as
produções escritas dos alunos. Em qualquer dos casos podem-se confrontar os significados
dos conteúdos das funções semióticas com os significados institucionais de referência
(GONÇALVES, FERNANDES e NASCIMENTO, 2014).
Nesse processo de comparação, a verificação de discrepâncias entre esses significados,
ou seja, entre os significados institucional e pessoal (GODINO e BATANERO, 1994).
Conduz à identificação de conflitos semióticos.
No caso do presente estudo realizou-se uma análise semiótica das respostas dos alunos
a dois problemas de testes de hipóteses, tratando-se de uma análise a posteriori, orientada
pelos objetos matemáticos referidos.
Os problemas aqui analisados são duas questões de um teste, formado por um total de
10 questões sobre testes de hipóteses, aplicado aos alunos que cursaram a disciplina
“Fundamentos Matemáticos e Bioestatísticos” do 7º período do curso de Ciências Biológicas
de uma universidade federal do interior de Minas Gerais, no primeiro período letivo de 2015.
O ensino dos testes de hipóteses pode seguir dois enfoques: o clássico baseado nas
ideias de Newman e Pearson e o computacional que segue a proposta de Fisher.
Segundo o enfoque clássico, conforme Bussab e Morettin (2005) e Viali (2010), as etapas
para resolver um problema geralmente incluem seis passos, sendo eles: (1) a definição das
hipóteses; (2) a determinação da estatística-teste e da distribuição amostral; (3) o cálculo da
estatística teste; (4) a identificação e o posicionamento da região crítica ou o nível de
significância do teste; (5) a decisão; (6) a conclusão.
Dos 30 alunos que frequentavam a disciplina, 26 (vinte e seis) resolveram o teste nas
suas aulas teórico-práticas da disciplina, na presença do docente, e os alunos dispuseram de
4 horas para a resolução das questões, o que se revelou tempo suficiente. Destes alunos, 17
eram do sexo feminino e 9 do sexo masculino. Além disso, dos alunos que responderam
apenas 3 eram repetentes na disciplina. Cabe também ressaltar que 18 alunos do curso de
Ciências Biológicas, 6 alunos do curso de Enfermagem e 2 alunos do curso de Biomedicina
frequentaram a disciplina.
A resolução dos problemas foi realizada na última aula do semestre (julho de
2015), por escrito e sem consulta, imediatamente depois de os alunos terem estudado os testes
de hipóteses.
A abordagem do tema realizou-se ao longo de 4 aulas teóricas e 2 aulas teórico-
práticas, cada uma com a duração de 2 horas, onde os alunos acompanharam o professor e
tiveram a oportunidade de resolver exercícios e problemas para consolidação dos
conceitos usando papel e lápis.
Depois de recolhidos os dados, foi feita uma análise qualitativa mediante processo
de comparação de respostas semelhantes entre si e recorrendo ao Enfoque Ontosemiótico do
conhecimento e do Ensino da Matemática (GODINO, BATANERO e FONT, 2008) de
forma a podermos chegar a uma categorização, cujas categorias são apresentadas no tópico de
apresentação dos conflitos semióticos. As questões serão analisadas segundo o enfoque
clássico.
2. Conflitos semióticos na formulação das hipóteses
Na Questão 1, Figura 1, elaborada por Gonçalves, Fernandes e Nascimento (2014), o
aluno deveria formular a hipótese nula e alternativa a partir de dado contexto (quantidade
média de determinado medicamento), apresentando hipóteses nulas (distintas), bem como as
respectivas hipóteses alternativas, ou seja, as situações para a hipótese ser aceita, ou não.
Figura 1 – Enunciado da primeira questão.
Desta forma, a resposta adequada à questão proposta indicaria formular as hipóteses
corretamente, indicando o valor do parâmetro a testar. Os alunos devem utilizar a
simbologia adequada para a formulação das hipóteses, interpretar corretamente que se trata
de um teste bilateral para a média da população e reconhecerem que as hipóteses devem ser
complementares.
Parte dos alunos (43,47%) montou o teste de hipótese bicaudal, de igual para diferente.
Isso mostra que o problema não foi interpretado considerando que deveria ter uma diferença,
mas não especificamente hipóteses unicaudais à direita e à esquerda.
2.1. Formular as hipóteses corretamente, não indicando o valor do parâmetro a testar
Estes alunos utilizam a simbologia adequada para a formulação das hipóteses,
interpretam corretamente que se trata de um teste bilateral para a média da população,
reconhecem que as hipóteses devem ser complementares, mas não indicam na formulação o
valor do parâmetro a testar.
O Quadro 1 mostra as questões dos conflitos gerados na formulação das hipóteses. É
possível distinguir os conflitos presentes nas diversas resoluções dos alunos e
consequentemente os problemas relacionados à interpretação do texto lido e a falta de
conhecimento em relação aos testes de hipóteses.
Quadro 1 – Análise semiótica para formular as hipóteses corretamente, não indicando o valor
do parâmetro a testar.
Formulação das
hipóteses e
seleção do tipo de
teste:
H0: =
0
H1:
0
* O aluno lê o enunciado (processo de interpretação) e identifica
corretamente que o parâmetro a testar é a média populacional
(particulariza ao problema os conceitos de parâmetro, população e
média amostral).
* Identifica corretamente o problema como sendo um teste de hipóteses
para a média (reconhece um campo de problemas).
* Reconhece que se trata de um teste de hipóteses bilateral (reconhece um
subtipo dentro do campo de problemas anterior).
* Conflito ao não identificar o valor hipotético a atribuir ao parâmetro
(particularização de um conceito).
* Descrimina entre hipótese nula e alternativa (reconhece as
propriedades matemáticas associadas e particulariza para o
problema).
* Expressa as hipóteses em notação adequada (linguagem).
* Reconhece que a hipótese nula é pontual (aplica uma propriedade),
expressa-a mediante uma igualdade (processo de representação),
também reconhece que a hipótese nula é incompatível com a que se
quer provar (propriedade) e que as hipóteses devem ser
complementares.
Um erro frequente entre alunos e investigadores é a confusão entre as hipóteses nula e
alternativa. Por exemplo, a hipótese alternativa seria a média da distribuição da pontuação em
um teste de rendimento de um dos grupos será maior que a de outro grupo. A hipótese nula é
a negação da hipótese alternativa (por exemplo, a pontuação média de um grupo seria igual a
dos outros grupos). Apesar desta diferença Vallecillos (1994), em uma amostra de alunos de
distintas especialidades (n=436), nas quais 70 eram alunos de Psicologia, encontrou 13% dos
alunos que confundiram a hipótese nula com a alternativa. Outros 20% dos alunos não
compreenderam que a hipótese de contraste (ou alternativa) se refere ao parâmetro da
população, elaborando a hipótese utilizando uma estatística amostral.
Este erro, no entanto, não fui tão frequente no estudo de Batanero, Vera e Díaz (2011),
que analisaram a forma que os alunos de Psicologia elaboraram as hipóteses estatísticas em
certo problema. Os autores encontraram alunos que elaboraram hipóteses alternativas pontuais
ou hipóteses que em seu conjunto não cobrem o espaço paramétrico, de modo que coincidem
com Vallecillos (1994) onde os alunos confundem algumas propriedades das hipóteses nula e
alternativa.
Na Questão 2, Figura 2, era necessário além de formular as hipóteses, escolher a
estatística-teste, realizar as operações matemáticas, e justificar se a hipótese seria aceitada ou
rejeitada.
Figura 2 – Enunciado da segunda questão.
As maiorias dos alunos que responderam essa questão formularam a hipótese nula
erradamente, ou seja, nessa categoria, 52,17% das respostas foram consideradas as resoluções
com e sem os cálculos da estatística-teste; pois algumas resoluções contavam com alguns
dados e valores sem as operações matemáticas que precediam tais números.
Apresentamos a seguir uma das formulações equivocadas do problema proposto.
2.2. Formular a hipótese nula a partir da proporção amostral num teste unilateral à direita
Nesta categoria agrupamos os alunos que formulam a hipótese nula a partir de dados
amostrais em vez de populacionais e não cobrindo o espaço paramétrico. No Quadro 2
apresenta-se a análise semiótica da resolução de um aluno.
Quadro 2 – Análise Semiótica sobre formular a hipótese nula a partir da proporção amostral
num teste unilateral à direita.
Expressão Conteúdo
Formulação
das hipóteses
e seleção do
tipo de teste:
H0: p = 0,75
H1: p > 0,80
- O aluno realiza uma interpretação incorreta do enunciado, assumindo
que a proporção de pessoas que vê assiduamente o programa é o valor
populacional em vez do amostral (processo incorreto de interpretação). - Um primeiro conflito é a confusão entre população e amostra (confusão de conceitos). - O segundo conflito está relacionado com o anterior e consiste em confundir a proporção amostral com a populacional (descriminação inadequada de conceitos). - Tudo isto causa um novo conflito ao confundir o teste adequado (teste sobre uma proporção) com outro inadequado (teste para a proporção unilateral à direita) (confusão de campo de problemas).
O aluno não interpreta corretamente o enunciado em relação às duas hipóteses nula e
alternativa, aparecendo o primeiro conflito ao tomar como valor para a hipótese nula o valor
da proporção amostral e o segundo ao utilizar para hipótese alternativa o teste unilateral à
direita em vez do à esquerda. Esta confusão entre proporção amostral e populacional é
descrita, de uma forma mais geral entre estatística e parâmetro, por Schuyten (1991).
Nas categorias que se seguem apresentamos uma das análises semióticas para a
formulação das hipóteses e outra apresentando o restante da análise para os outros passos
da resolução uma vez que estão resolvidos em função do teste que escolheram.
2.3. Formular as hipóteses sobre a proporção populacional num teste unilateral à direita
Nesta categoria classificaram-se somente um aluno que definiu as hipóteses sobre
a proporção populacional, em um teste unilateral à direita. Estes alunos utilizam a simbologia
adequada tanto para a hipótese nula como para a alternativa, o parâmetro escolhido é o
correto e o valor sobre o qual se baseia a conjetura também é correto. No Quadro 3 ilustra-se
um exemplo deste tipo de resposta.
Quadro 3 – Análise Semiótica sobre formular as hipóteses sobre a proporção populacional
num teste unilateral à direita.. Expressão Conteúdo
Formulação das
hipóteses e
seleção do tipo
de teste:
H 0 : p = 0,80
H1: p > 0,80
* O aluno lê o enunciado e identifica corretamente que o parâmetro a testar é a proporção
populacional;
* Identifica corretamente o valor hipotético do parâmetro e o problema como sendo um teste
para a proporção.
* Discrimina entre hipótese nula e alternativa e reconhece que a hipótese nula é pontual,
expressando-a mediante a igualdade.
* Expressa as hipóteses em notação adequada (linguagem e particularização de um conceito).
* Reconhece que a hipótese nula é incompatível com a que se quer provar (propriedade).
* Aparece um conflito de interpretação de enunciado ao traduzir a expressão matemática na
notação H1: p > 0,80 , o que conduz a um teste unilateral à direita (o aluno reconhece um
campo de problemas).
* Reconhece que a hipótese alternativa é a que interessa provar, porque estabelece o sinal
em função dos dados (particularização de uma propriedade).
* Expressa as duas hipóteses em notação adequada (conceito e linguagem).
Estes alunos realizam todos os passos corretos da aplicação do teste de hipóteses,
mas não interpretam os dados obtidos para tomarem a decisão correta. No Quadro 4
mostramos um exemplo para ilustrar esta situação.
Quadro 4 - Análise semiótica sobre formular as hipóteses corretas, calcular corretamente a estatística do teste e decidir erradamente.
Expressão Conteúdo
Determinação da estatística do teste e da
região crítica:
0,05 zc 1,645
RCz , 1,645
25,1
100
)80,01(80,0
80,075,0
00
0
^
n
qp
ppZ
* Identifica o valor crítico através do nível de
significância e do teste a usar (particularização
de conceito).
* Identifica a região crítica (particularização
de conceito).
* Utiliza a notação correta para representar a
estatística de teste (linguagem e conceito).
* Calcula a estatística de teste (conceito e
procedimento).
Tomada de decisão:
Como z0 RCz não se deve rejeitar a
hipótese nula. A empresa deve adquirir o
tempo de antena.
Aparece um conflito ao não saber interpretar
os dados obtidos para a tomada de decisão. O
aluno diz que pertence à região crítica e
depois conclui que não se deve rejeitar
(particularização incorreta de uma
propriedade).
Vallecillos (1994, 1999) diz que os alunos podem confundir o critério de decisão ao
aplicar o tipo de definição do teste e chegar a uma decisão equivocada. Observa uma confusão
na definição entre a região de rejeição e de aceitação, assim como sobre a forma em que se
deve construir estas regiões em uma análise unilateral ou bilateral. Falta uma apreensão mais
cuidadosa do que a hipótese alternativa determina, junto con o nivel de significância, ou seja,
a região crítica, e que um maior nível de significância indica uma menor área para a região
crítica. A compreensão deste ponto também se relaciona com a dificuldade assinalada por
Harradine, Batanero y Rossman (2011) de compreensão da lógica subjacente ao contraste da
hipótese, ou seja, a hipótese alternativa.
Considerações Finais
O uso de notação inadequada para representar parâmetros e estatísticas foi um erro
recorrente na formulação das hipóteses (não identificação do parâmetro correto, valor
incorreto do parâmetro e erro de sinal), evidenciando que, em geral, os alunos não
reconhecem a necessidade de fazer a distinção entre valores provenientes da população e da
amostra.
Nos estudos de Albert (1995) e Link (2002) também foi encontrado este erro, tendo os
alunos demonstrado dificuldade em reconhecer o parâmetro a ser testado na inferência
estatística. Comparativamente com os estudos aqui revistos, no presente estudo destaca-se a
identificação de conflitos semióticos decorrentes das produções dos alunos nas várias etapas
de resolução de um problema sobre testes de hipóteses para a proporção. Especificamente, no
caso da estatística do teste e da tomada de decisão, verificou-se a determinação errada do
valor da estatística do teste e a tomada de decisão correta, bem como o cálculo correto da
estatística do teste e a tomada de decisão errada.
Em resumo, este trabalho aponta no sentido da necessidade de rever a forma de
ensino da inferência estatística, e mais concretamente na interpretação do problema, na
formulação das hipóteses estatísticas e do nível de significância. Alguns destes erros podem
provocar dificuldades na resolução dos problemas de testes de hipóteses. Por exemplo, o facto
de se formularem as hipóteses para um teste unilateral à direita em vez de à esquerda fará
com que as regiões de aceitação e rejeição sejam mal construídas e, portanto, pode levar o
aluno a tomar a decisão de aceitar ou rejeitar a hipótese de forma incorreta.
É imprescindível ajudar os alunos na construção do seu raciocínio inferencial,
começando como propõem Ben-Zvi e Garfield (2005) com uma nova abordagem para o
ensino da estatística, que deve dar mais destaque ao raciocínio, pensamento e literacia
estatística. Segundo eles, isso significa uma transformação do ensino da estatística com base
na probabilidade para um ensino centrado em dados, encorajando o uso de dados reais e de
tarefas de grupo como forma de melhorar as habilidades colaborativas e comunicativas por
meio de discussões estatísticas. Por outro lado, Rossman (2008) propõe que se explorem
atividades informais de inferência antes de se iniciar a aprendizagem formal dos testes de
hipóteses.
Para além das sugestões referidas, as dificuldades reveladas pelos alunos no presente
estudo podem ser exploradas para que possa ser delineado um melhor ensino dos testes de
hipóteses, para além de motivar a realização de outros estudos.
Referências
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