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1 PLANTINGA, Alvin. Warrant: The Current Debate. Oxford: Oxford University Press, 1993. [Tradução dos capítulos 9 e 10]. Tradução: Bruno Lomas de Souza, revisão: Agnaldo Cuoco Portugal. 9 – Confiabilismo As visões até aqui consideradas foram todas exemplos de internismo – algumas muito próximas do coração e da alma (e da origem) deontológicos da tradição internista, e outras a alguma distância analógica. Nenhuma dessas visões, como vimos, oferece os recursos para um entendimento adequado de gara 1 ntia ou de status epistêmico positivo. Os agentes obedientes, mas com defeito, de Chisholm; o agente que raciocina de acordo com normas incorretas de Pollock; o alpinista coerente, mas inflexível – todos fracassaram epistemicamente. Nenhuma das sugestões até aqui consideradas chega sequer perto de ser suficiente para a garantia. E a razão não é difícil de achar. O internismo é um acervo de ideias analogicamente relacionadas girando em torno do acesso – acesso especial, de algum tipo, da parte do agente epistêmico à justificação e seu fundamento. O que mantém essas ideias juntas, o que é a fonte da motivação para o internismo, é a deontologia: a noção de que a permissão epistêmica, ou a satisfação do dever epistêmico, ou o ajustar-se à obrigação epistêmica, é necessária e suficiente (talvez com um codicilo para favorecer Gettier) para a garantia. Deontologia gera internismo. Pensando bem, contudo, é totalmente claro que a satisfação do dever epistêmico não chega nem perto de ser suficiente para a garantia. Eu posso ser sempre muito obediente; eu posso realizar obras de um empenho epistêmico magnificente e, todavia, em virtude de desfunção cognitiva, ser tal que minhas crenças não tenham absolutamente nenhuma garantia. Garantia é de fato uma noção profundamente normativa; ela contém um profundo e essencial componente normativo; mas esse componente normativo não é, ou não é meramente, deontológico. É igualmente claro, contudo, que o internismo desprendido da deontologia não dá resultado. Pense nas condições ou estados nos quais se possa plausivelmente pensar que eu possa ter o tipo necessário de acesso epistêmico: cumprir meu dever epistêmico e fazer o meu melhor, é claro, mas também parecer estar de tal e tal modo, ter uma estrutura noética coerente (talvez), seguir as políticas epistêmicas que julgo serem apropriadas, ou as políticas que, ao pensar suficientemente bem, julgaria serem apropriadas, e assim por diante. Para muitos desses estados (talvez a maioria), está longe de ser fácil enunciar uma noção plausível de acesso privilegiado tal que nós possamos de fato ter esse tipo de acesso privilegiado a eles. Estas são dificuldades monumentais. Mesmo se nós as ignorarmos, contudo, o que vimos é isto: as coisas 1 Nota do revisor: “garantia” (warrant em inglês) significa aqui o elemento que se acrescenta à crença verdadeira para que ela seja considerada conhecimento. Este livro trata do debate atual sobre essa condição do conhecimento, analisando em que medida as diferentes propostas sobre “racionalidade”, “justificação” e outras qualidades cognitivas positivas satisfazem essa condição.

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Page 1: Confiabilismo - UnB...que na investigação sobre a natureza da justificação, em analisar e tornar explícito nosso conceito (ou conceitos) de justificação. Propondo-se a equilibrar

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PLANTINGA, Alvin. Warrant: The Current Debate. Oxford: Oxford University Press, 1993. [Tradução dos capítulos 9 e 10]. Tradução: Bruno Lomas de Souza, revisão: Agnaldo Cuoco Portugal.

9 – Confiabilismo

As visões até aqui consideradas foram todas exemplos de internismo – algumas muito próximas do coração e da alma (e da origem) deontológicos da tradição internista, e outras a alguma distância analógica. Nenhuma dessas visões, como vimos, oferece os recursos para um entendimento adequado de gara1ntia ou de status epistêmico positivo. Os agentes obedientes, mas com defeito, de Chisholm; o agente que raciocina de acordo com normas incorretas de Pollock; o alpinista coerente, mas inflexível – todos fracassaram epistemicamente. Nenhuma das sugestões até aqui consideradas chega sequer perto de ser suficiente para a garantia. E a razão não é difícil de achar. O internismo é um acervo de ideias analogicamente relacionadas girando em torno do

acesso – acesso especial, de algum tipo, da parte do agente epistêmico à justificação e seu fundamento. O que mantém essas ideias juntas, o que é a fonte da motivação para o internismo, é a deontologia: a noção de que a permissão epistêmica, ou a satisfação do dever epistêmico, ou o ajustar-se à obrigação epistêmica, é necessária e suficiente (talvez com um codicilo para favorecer Gettier) para a garantia. Deontologia gera internismo. Pensando bem, contudo, é totalmente claro que a satisfação do dever epistêmico não chega nem perto de ser suficiente para a garantia. Eu posso ser sempre muito obediente; eu posso realizar obras de um empenho epistêmico magnificente e, todavia, em virtude de desfunção cognitiva, ser tal que minhas crenças não tenham absolutamente nenhuma garantia. Garantia é de fato uma noção profundamente normativa; ela contém um profundo e essencial componente normativo; mas esse componente normativo não é, ou não é meramente, deontológico.

É igualmente claro, contudo, que o internismo desprendido da deontologia não dá resultado. Pense nas condições ou estados nos quais se possa plausivelmente pensar que eu possa ter o tipo necessário de acesso epistêmico: cumprir meu dever epistêmico e fazer o meu melhor, é claro, mas também parecer estar de tal e tal modo, ter uma

estrutura noética coerente (talvez), seguir as políticas epistêmicas que julgo serem

apropriadas, ou as políticas que, ao pensar suficientemente bem, julgaria serem apropriadas, e assim por diante. Para muitos desses estados (talvez a maioria), está longe de ser fácil enunciar uma noção plausível de acesso privilegiado tal que nós possamos de fato ter esse tipo de acesso privilegiado a eles. Estas são dificuldades monumentais. Mesmo se nós as ignorarmos, contudo, o que vimos é isto: as coisas

1 Nota do revisor: “garantia” (warrant em inglês) significa aqui o elemento que se acrescenta à crença verdadeira para que ela seja considerada conhecimento. Este livro trata do debate atual sobre essa condição do conhecimento, analisando em que medida as diferentes propostas sobre “racionalidade”, “justificação” e outras qualidades cognitivas positivas satisfazem essa condição.

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podem ir tão bem quanto se desejar com relação aos estados em questão e a alguma crença particular minha; mas essa crença ainda pode (em virtude de desfunção cognitiva de um tipo ou outro) estar sem garantia.

O internismo é, por isso, muito insuficiente; para uma explicação de garantia devemos olhar para outro lugar. Mas se o internismo parece não resolver o problema, o que é mais natural do que tentar o externismo? Eu pensarei o externismo como o complemento do internismo; o externista sustenta que não é o caso que, para que uma de minhas crenças tenha garantia para mim, eu deva ter acesso especial ou privilegiado ao fato de que eu tenho garantia, ou ao seu fundamento. Claramente o externismo assim concebido é uma espécie de pega-tudo. Recentemente, contudo, houve uma grande onda de interesse muito oportuno em um certo tipo específico de externismo: as originais e emocionantes visões confiabilistas e quasi-confiabilistas de David Armstrong, Fred Dretske, e Alvin Goldman, e daqueles que se inspiram neles, tais como William Alston, Marshall Swain, Robert Nozick, e muitos outros. O confiabilismo é o garoto novo do bairro; ele é inovador e original no contexto epistemológico contemporâneo. Na verdade, porém, ele não é tão original quanto parece inicialmente; Frank Ramsey propôs o germe de uma explicação confiabilista de garantia em seu ensaio “Truth and Probability” de 1926. De acordo com Ramsey (grosso modo), o grau “razoável” de crença é a proporção de casos nos quais o “hábito” produzindo a crença produz crenças verdadeiras. O confiabilismo regressa, portanto, pelo menos até Ramsey; mas o externismo (tomado em seu sentido amplo) regressa muito mais, até Tomás de Aquino; regressa, na verdade, até Aristóteles. De fato (tirando alguns céticos da Academia Platônica tardia), não é fácil encontrar internistas em epistemologia antes de Descartes. No panorama extenso, é realmente o externismo que, em uma forma ou outra, foi dominante em nossa tradição. Armstrong, Dretske, Goldman, e seus confreres não estão propondo uma nova visão assombrosa tanto quanto estão nos chamando de volta às principais linhas de nossa tradição. (Antes de tomar isso como um ponto contra eles, lembre-se que, como Hobbes observou, aquele que diz o que nunca foi dito antes diz o que provavelmente nunca será dito novamente.)

O externismo, tomado em seu sentido amplo, está correto sobre garantia. Mas o externismo como tal é simplesmente a negação do internismo: e o que é preciso não é simplesmente a negação da deontologia ou do internismo. O que é preciso é uma explicação positiva (e, assim esperamos, correta) de garantia. Neste capítulo, eu me proponho a examinar três explicações externistas e confiabilistas de garantia: aquelas oferecidas ou sugeridas por Alston, Goldman e Dretske – oferecidas ou sugeridas, eu digo, porque Alston e Goldman falam explicitamente de justificação em vez de garantia. Eu argumentarei que essas explicações olham na direção certa; mas cada uma delas também deixa passar um elemento absolutamente essencial para nossa concepção de garantia. Então, em Warrant and Proper Function eu explicarei claramente o que considero ser a séria verdade epistemológica da questão.

Eu argumentarei, contudo, que nenhuma explicação semialgorítmica breve e simples de garantia pesa muito a propósito de esclarecimento. Nosso sistema epistêmico

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de faculdades ou poderes noéticos é complexo e altamente articulado; é detalhado, multifacetado. Há conhecimento de (ou, para evitar questões, crença sobre) uma variedade incrivelmente ampla de tópicos – nosso ambiente externo de todo dia, os pensamentos e sentimentos dos outros, nossa própria vida interna (um solilóquio interno pode ocupar um romance inteiro), o passado, lógica e matemática, beleza, ciência, moralidade, modalidade, Deus e um monte de outros tópicos. Essas faculdades trabalham com sutileza e discriminação refinadas, produzindo crenças sobre esses e outros tópicos, que variam desde a menor das suspeitas até a certeza absoluta. E uma vez que vemos o grau enorme de articulação e sutileza, podemos ver também que a garantia tem requisitos diferentes em diferentes divisões ou componentes ou compartimentos ou módulos (a palavra certa é difícil de achar) desse sistema; talvez em algumas dessas áreas as restrições internistas são de fato necessárias para a garantia.

I. Justificação Alstoniana

A. O Conceito

Eu começo com a explicação de justificação de William P. Alston como apresentada em “Concepts of Epistemic Justification” e “An Internalist Externalism” (citados a partir daqui como CEJ e IE). Como o segundo título indica, o pensamento de Alston aqui é uma espécie de ponte entre o internismo e o externismo, um tipo de casa a meio caminho entre os dois; começar nossa transição para o externismo com isso pode, portanto, reduzir o choque. A explicação é externista e até confiabilista na medida em que, como veremos, ele sustenta que uma pessoa está justificada em acreditar em uma proposição apenas se ela acredita nela com base em um indicador confiável. É claro que a explicação de Alston é de justificação, e não de garantia. Garantia é aquilo (seja lá o que for) tal que o bastante dela, juntamente com a verdade (e talvez um codicilo destinado a Gettier), é necessário e suficiente para o conhecimento; como veremos, Alston não afirma que a justificação (tal como ele a concebe) preenche esse requisito. Penso ainda que podemos ser capazes de progredir a um entendimento mais profundo de garantia por considerar sua explicação de justificação.

Epistemologistas anglo-americanos deste século concentraram-se na noção de justificação epistêmica; mas exatamente o que, pergunta Alston, é justificação? Muito mais energia foi gasta na questão de sob que condições as crenças têm justificação do que na investigação sobre a natureza da justificação, em analisar e tornar explícito nosso conceito (ou conceitos) de justificação. Propondo-se a equilibrar a balança, Alston inicialmente chama a atenção para o fato de que a justificação tem pelo menos as quatro características seguintes: é um conceito de algo que se aplica a crenças ou a crentes; ela é avaliativa, e positivamente avaliativa, de modo que classificar uma crença como justificada é atribuir um caráter desejável ou favorável a ela; mais especificamente, ela é epistemicamente avaliativa, tendo a ver com uma posição favorável com relação à verdade (ou ao objetivo de adquirir crenças verdadeiras); e finalmente, ela tem graus (CEJ, pp. 58-59). (Nós podemos, portanto, pensar nela como

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uma quantidade [em vez de uma propriedade], uma quantidade que talvez varie como uma função de outras quantidades ou propriedades.) É claro que isso nos dá apenas uma visão distante do conceito. Tentando um olhar mais próximo, Alston formula a seguinte a questão: o que é esse status favorável que, de acordo com o núcleo central da ideia de justificação, aumenta para uma crença justificada? Aqui ele nota um importante divisor de águas:

Da forma que eu vejo isso, a maior divergência nesse terreno tem a ver com se acreditar e abster-se de acreditar são sujeitos a obrigação, dever e coisas do gênero. Se forem, podemos pensar no status avaliativo favorável de uma certa crença como consistindo no fato de que, ao sustentar essa crença, a pessoa cumpriu suas obrigações ou absteve-se de violar suas obrigações para alcançar o objetivo fundamental em questão [isto é, “o objetivo de maximizar a verdade e minimizar a falsidade em um corpo amplo de crenças”]. Se não são sujeitas, o status favorável terá de ser pensado de alguma outra forma. (CEJ, p. 59)

Há uma insinuação aqui de que a noção de justificação como uma questão de permissão, de imunidade contra culpabilidade, de cumprimento do dever e da obrigação epistêmicos – em uma palavra, a noção deontológica de justificação – é mais natural, ou de todo modo mais familiar que as alternativas. Isso certamente é plausível; como vimos no capítulo 1, as noções deontológicas de justificação têm sido esmagadoramente dominantes na epistemologia anglo-americana do século vinte. Explorando essa família de ideias com cuidado e discernimento, Alston presta particular atenção aos modos nos quais fenômenos doxásticos podem estar dentro do nosso controle voluntário. Seu veredito é que nenhuma das noções deontológicas resolverá o problema: mesmo a mais promissora do cacho, diz ele, “não nos dá o que esperamos da justificação epistêmica. O defeito mais sério é que ela não se conecta da maneira certa com um fundamento adequado, propício à verdade. Eu posso ter feito o que poderia ser razoavelmente esperado de mim no gerenciamento e cultivo da minha vida doxástica, e ainda sustentar uma crença sobre bases escandalosamente inadequadas” (CEJ, p. 67) .

Assim, a resposta deontológica à questão “Que tipo de avaliação está envolvida na justificação?’ não pode estar certa. “Talvez fosse o tempo todo equivocado”, diz ele, “pensar em justificação epistêmica como imunidade contra culpabilidade. Há alguma alternativa, dado o ponto não negociável de que estamos procurando um conceito de avaliação epistêmica?” (CEJ, p. 69) A resposta, é claro, é que há muitas alternativas. Depois de outra exploração cuidadosa do campo, ele escolhe sua candidata:

S está Jaf [‘a’ para ‘avaliativos’ e ‘f’ para ‘fundamentos’] justificado em acreditar que p se e somente se o acreditar que p de S, como S acreditou, foi uma coisa boa do ponto de vista epistêmico, em que a crença que p de S estava baseada em fundamentos adequados e S carecia de razões suficientes prioritárias para o contrário. (CEJ, p. 77)

Aqui “fundamentos” incluiria outras crenças, mas também a experiência (como no caso de crenças perceptuais); eu remeto o leitor ao texto para o requisito “como S acreditou” (CEJ, p. 70) e para a discussão da natureza da relação de basear-se (CEJ, pp. 71-72; IE, pp. 265-77). Mas por que essa ênfase sobre os fundamentos? Porque, diz

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Alston, ao perguntar se a crença que p de S é justificada (no sentido avaliativo, mas não deontológico) “estamos perguntando se a verdade de p é indicada pelo que S tem a dizer; se, dado o que S tinha a dizer, é pelo menos muito provável que p seja verdadeira. Nós queremos saber se S tinha fundamentos adequados para acreditar que p, onde fundamentos adequados são aqueles suficientemente indicativos da verdade de p” (CEJ, p. 71). Alston explica a ideia de os fundamentos serem indicativos da verdade de p em termos de probabilidade condicional: “Em outros termos, o fundamento deve ser tal que a probabilidade de a crença ser verdadeira, dado esse fundamento, é muito alta” (IE, p. 269).

Uma crença é epistemicamente justificada, portanto, apenas se é aceita com base em fundamentos adequados. Mas há mais uma condição: esses fundamentos devem ser acessíveis ao crente:

Eu encontro intuições amplamente compartilhadas e fortes em favor de algum tipo de requisito de acessibilidade para a justificação. Nós esperamos que, se houver algo que justifique minha crença que p, eu serei capaz de determinar o que é. Achamos algo incongruente, ou conceitualmente impossível, na noção de eu estar justificado em acreditar que p enquanto totalmente carente de qualquer capacidade para determinar o que é responsável por essa justificação. (IE, p. 27)

A forma específica do requisito internista que Alston oferece é determinada pelo que ele acredita ser a origem das intuições que sustentam o requisito de acessibilidade:

Eu sugiro que o conceito [aquele de justificação epistêmica] desenvolveu-se e conseguiu sua influência sobre nós por causa da prática de reflexão crítica sobre nossas crenças, de desafiar suas credenciais e responder a tais desafios, em suma, a prática de tentar justificar crenças. Suponha que não houvesse tal prática; suponha que ninguém jamais desafiasse as credenciais de suas crenças; suponha que ninguém jamais refletisse criticamente sobre os fundamentos ou bases de suas próprias crenças. Nesse caso, estaríamos nós interessados em determinar se uma ou outra crença é justificada? Acho que não. (IE, p. 273)

(Alston argumenta que o que deve ser acessível ao agente é apenas o fundamento

de sua crença; a relação entre o fundamento e a crença, em virtude da qual o fundamento sustenta ou é um indicador confiável da crença, não precisa ser acessível.) E, finalmente, quão acessível deve ser o fundamento ao agente? Aqui (naturalmente o bastante) não há resposta precisa: “O que é necessário aqui é um conceito de algo como ‘acessibilidade suficientemente direta’. Para que os justificadores estejam geralmente disponíveis para apresentação como aquilo que legitima a crença, eles devem estar disponíveis prontamente o bastante ao sujeito, disponíveis por meio de algum modo de acesso muito mais rápido que o da pesquisa, observação ou experimento prolongados” (IE, p. 275).

B. Questões sobre a Justificação Alstoniana 1. De onde ela vem?

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Alston começa argumentando que a família deontológica de conceitos de justificação não bastará, a despeito de sua naturalidade e familiaridade. O que precisamos, diz ele, é de uma concepção avaliativa que não seja deontológica; ele se decide por uma de uma ampla variedade de possibilidades. Mas o que guia a pesquisa aqui? Como determinamos qual de todas as muitas avaliações epistêmicas não deontológicas é a certa? Há um monte de estados de coisas epistemicamente valiosos, mas não deontológicos: acreditar usualmente na verdade; acreditar agora na verdade; ter uma crença formada por um confiável mecanismo produtor de crença; saber que suas crenças são formadas por um confiável mecanismo produtor de crença; ser racional com respeito às crenças de alguém à la Foley2; ter crenças verdadeiras sobre tópicos importantes para sobrevivência, ou uma vida boa, ou entendimento profundo, ou excelência spiritual; ser tal que suas faculdades cognitivas sejam não defectivas, ser tal que suas crenças sejam proporcionais à evidência; estar adequado a seu ambiente epistêmico; ser capaz de esquecer o que de outro modo entulharia sua memória; acreditar com base em um indicador confiável; acreditar com base em um indicador confiável acessível; acreditar com base em um indicador confiável acessível que você saiba ou acredite justificadamente que é confiável; e muito mais. As rejeitadas, tanto quanto a vencedora sortuda, são todas epistemicamente desejáveis; cada uma delas é um estado de coisas epistemicamente valioso. Como Alston decide entre elas, e o que o guia na seleção de uma delas como a que anda junto com a justificação epistêmica?

Para responder a essa questão, devemos retornar à breve excursão histórica do capítulo 1. Primeiro, a tradição dominante na epistemologia anglo-americana foi certamente muito deontológica. A explicação de conhecimento como “crença verdadeira justificada” foi, é claro, a que nós aprendemos no colo de nossas mães; uma crença constitui conhecimento apenas se é uma crença justificada. A justificação é necessária para o conhecimento, e (junto com a verdade) quase suficiente para ele; talvez um impulso ou epiciclo (“a quarta condição”) seja necessário para acalmar Gettier, mas os contornos básicos da noção de conhecimento são dados pela justificação e pela verdade.

E as noções fundamentais de justificação nessa tradição – a ‘tradição recebida’, como nós a chamamos para marcar sua dominância – foram noções deontológicas ou noções analogicamente, mas intimamente, relacionadas a noções deontológicas. Pense, por exemplo, no Chisholm clássico (ver capítulo 2): status epistêmico positivo é, para ele, uma disposição para o cumprimento do dever epistêmico. Sem dúvida Chisholm é a figura dominante entre os deontologistas contemporâneos, mas ele é só um deontologista entre muitos. De fato, o próprio termo ‘justificação’ cheira a deontologia. Estar justificado, estar sem culpa, ter feito o que é exigido, estar, como a esposa de César, Calpurnia, acima de censura. É ser tal que não esteja justamente sujeito a crítica, culpa, censura, reprovação. Alston, por isso, faz objeção ao uso do termo ‘justificação’ para qualquer conceito que não é deontológico:

2 Nota do revisor: referente à proposta de Richard Foley em The Theory of Epistemic Rationality (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1987). Foley apresenta uma noção de racionalidade como coerência entre meios e fins, sendo a finalidade em questão a obtenção de crenças verdadeiras e a eliminação de crenças falsas. Uma crença racional, nesse sentido, portanto, seria aquela que permite atingir esse fim.

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Eu devo confessar que não acho ‘justificado’ um termo bom para estado ou condição favorável ou desejável, quando o que o torna desejável está livre de considerações de obrigação e culpa. Contudo, uma vez que o termo está firmemente consagrado na literatura como o termo a usar para qualquer conceito que satisfaça as quatro condições propostas na seção II, vou conter meus escrúpulos linguísticos e empregá-lo para um conceito não deontológico. (CEJ, p. 86 n. 21)

Mas é claro que ‘justificação’ preenche a lacuna; ela é o termo tipicamente usado

para denotar garantia, aquilo que (deixando Gettier de lado por um momento) fica entre a mera crença verdadeira e o conhecimento.

Assim, a primeira coisa a ver é que na tradição recebida justificação é necessária e quase suficiente para garantia; e a segunda é que justificação, na tradição recebida, é pensada deontologicamente. Mas a próxima coisa a ver é que a tradição recebida segue John Locke em estar inclinada a ver o dever epistêmico central aqui como o de acreditar apenas com base em evidência, de ajustar a crença à evidência. Essa tradição remonta a Locke; ela tem ostentado nuvens de testemunhas desde então. (Entre elas, como vimos no capítulo 1, estão W. K. Clifford, Sigmund Freud, Bland Blanshard, H. H. Price, Bertrand Russell, Michael Scriven, e, mais recentemente, Richard Feldman e Earl Conee.) Talvez esse dever surja, como sugerem Alston e Chisholm, de um Ur-dever3 mais básico de tentar alcançar a relação certa com a verdade; ou talvez (como Locke parece sugerir) o dever em questão é sui generis, ligar-se a uma pessoa conforme isso leve ou não, na maior parte das vezes, à verdade; mas em qualquer evento um dever fundamental é o de acreditar apenas com base em evidência. E quando esse pensamento é combinado com a concepção deontológica de justificação, o resultado é uma ênfase poderosa na evidência, uma forte tendência a ver a justificação, na maioria dos casos, como uma função de qualidade e quantidade de evidência. “Na maioria dos casos”, pois, é claro, até o fundacionismo clássico é uma parte importante da tradição recebida, crenças que são autoevidentes ou apropriadamente sobre seus próprios estados introspectivos terão garantia sem serem aceitos com base em evidência.

A forma do conceito de justificação da tradição recebida é clara: ela envolve um casamento da ideia de que a justificação deontológica é central para a garantia (e, portanto, para o conhecimento) com a noção de que – de qualquer modo em vastas áreas do terreno epistêmico – um dever intelectual fundamental é o de acreditar apenas com base em evidência.

Agora, retornemos à questão: o que guia a pesquisa de Alston para a concepção certa ou adequada de justificação? Por que, dentre todos os estados de coisas epistemicamente valiosos para relacionar com a justificação, ele decide escolher aquele? Qual exatamente é o seu projeto aqui? Talvez a resposta deva ser encontrada ao longo das seguintes linhas: ele tenciona tornar explícitas as várias noções de justificação espreitando na vizinhança contemporânea, e tenciona selecionar a candidata que melhor satisfaz as condições estabelecidas pela tradição recebida. Como vimos, há três

3 Nota do revisor: “Ur-duty” em inglês, significando um dever originário.

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elementos essenciais para essa tradição: (a) a justificação é concebida deontologicamente, (b) justificação está muito envolvida com evidência ou fundamentos, e (c) a justificação é necessária e quase suficiente para a garantia. Podemos entender a escolha de Alston dentre todos aqueles estados de coisas epistemicamente valiosos como uma questão de tentar selecionar a candidata que melhor satisfaz a essas três condições. É claro que ele vê muito corretamente que nenhum conceito satisfaz realmente bem; nenhum conceito deontológico chega sequer perto de ser suficiente para a garantia; portanto, a posição recebida (como argumentei no capítulo 1) é incoerente. Por isso ele procura outro estado de coisas epistemicamente valioso – um que seja por força não deontológico – que preencherá ou chegará perto de preencher os requisitos.

Um problema inicial aparece, contudo. Na tradição em questão, a justificação é pensada como necessária para a garantia e quase suficiente para ela (no sentido de que em adição à justificação tudo que é preciso para a garantia é um item para acalmar Gettier). A justificação Alstoniana, contudo, não é (na visão de Alston) necessária para o conhecimento (e, portanto, não é necessária para a garantia): “Crenças que, até onde o sujeito pode dizer, apenas brotam em sua cabeça saídas de lugar nenhum não seriam tidas como justificadas nessa posição” (IE, p. 281) – porque não haveria um fundamento acessível para a crença. Tais crenças, contudo, podem assim mesmo constituir conhecimento: “Eu sustento que a mera produção confiável de crença, adequadamente interpretada, é suficiente para o conhecimento” (IE, p. 281). Assim, a justificação Alstoniana, diferentemente da justificação na tradição recebida, não é necessária para a garantia.

Mas talvez esse problema seja menos real que aparente. Alston expressa ceticismo quanto a se há conhecimento que não seja baseado em fundamentos, embora ele pense que talvez possa haver; ele duvida que aconteça que um item do conhecimento consista numa crença confiavelmente produzida, mas simplesmente brote na cabeça do sujeito. Poderia haver conhecimento desse tipo, e se houvesse, seria conhecimento desacompanhado de justificação; mas talvez seja o caso de a justificação ser uma condição necessária para o conhecimento no caso de qualquer crença que não brote simplesmente na cabeça do agente. (E se, como Alston provavelmente pensa, nenhum caso de conhecimento é de fato desse tipo, todo caso de conhecimento seria um caso de crença justificada, ainda que não necessariamente justificada.)

Se nós o entendemos assim, é fácil ver por que a noção de justificação de Alston toma a forma que toma. Primeiro, não é de se admirar que, dada a pesada ênfase sobre a evidência na tradição recebida, Alston dê lugar de destaque aos fundamentos. Segundo, é igualmente fácil ver a fonte da exigência de que esses fundamentos sejam acessíveis ao agente. Alston encontra “intuições amplamente compartilhadas e fortes em favor de algum tipo de requisito de acessibilidade para a justificação” (p. 186). Essas intuições, eu sugiro, devem ser explicadas em termos da amplamente compartilhada concepção deontológica de justificação; deontologia, como argumentei no capítulo 1, requer acessibilidade. Alston reconhece que a deontologia não pode desempenhar a função que

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lhe é designada na tradição recebida: todavia, o desideratum prima face da reconstrução da noção recebida de justificação, pensa ele, é o que admite e acomoda aquelas intuições amplamente compartilhadas em favor de um requisito de acessibilidade para a justificação. Mas, finalmente, e o componente especificamente externista da justificação alstoniana, a sugestão de que o fundamento sobre o qual eu acredito que p deve ser um indicador de sua verdade, se é para eu estar justificado? Como ele o encaixa? Talvez de um modo duplo. Em primeiro lugar (como argumentei), a tradição recebida apresenta proeminentemente a noção de que um dever epistêmico central é o de acreditar apenas com base em evidência; essa tradição também apresenta a concepção deontológica de justificação; e essas duas juntas conduzem ao pensamento de que estar justificado em acreditar que p requer ter evidência para p. Mais, onde q é de fato evidência para p, q presumivelmente será de fato um indicador da verdade de p. Podemos, portanto, ver a sugestão de Alston – de que estar justificado em acreditar que p requer que se acredite que p com base em um fundamento que é um indicador da verdade de p – como uma generalização ou alargamento da ênfase da tradição recebida sobre a evidência.

2. A Justificação Alstoniana não Chega nem Perto de Ser Suficiente para a Garantia

Penso que podemos ver que a justificação Alstoniana por si mesma de nenhum modo chega a ser necessária nem quase suficiente para a garantia. É claro que Alston não alega que ela é necessária; como vimos, ele sugere que uma crença que simplesmente brotou na cabeça poderia possivelmente ser conhecimento, mas não seria justificada por não ser fundamentada. Mas também não é suficiente, ou mesmo suficiente o bastante para os problemas de Gettier. A crença que p de S é justificada para Alston se é baseada em um fundamento que seja acessível a S e que seja um indicador confiável da verdade de p. Claramente, contudo, uma crença satisfaria essa condição mesmo que tivesse pouca ou nenhuma garantia. Há diferentes tipos de exemplos aqui. Note que a justificação alstoniana não requer que S saiba ou acredite

justificadamente que o fundamento de sua crença está de fato confiavelmente conectado com a verdade dessa crença (embora ela possa excluir o seu acreditar que o fundamento em questão não é um indicador confiável: essa crença seria uma condição derrubadora e possivelmente refutadora). Concordantemente: suponha que eu frequentemente acredito que alguém que eu encontro é um cara legal com base em um certo tipo de aparência facial, um tipo de aspecto amassado ao redor dos olhos. Eu formo crenças desse modo agora apenas porque uma vez, anos atrás, fiquei muito admirado com um personagem de um livro cômico que tinha essa aparência. Mesmo que aconteça que a aparência em questão realmente seja um indicador confiável de se ser um cara legal, minha crença ainda tem pouca ou nenhuma garantia para mim. Mesmo que ela seja um indicador poderoso e eu acredite muito firmemente na proposição, eu ainda não a saberia.

Um segundo tipo de caso: suponha que algum conjunto padrão de axiomas para análise real tenha a consequência de que há quatro setes sucessivos na expansão decimal

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de π; suponha ainda que eu acredite naqueles axiomas, e acredite que há quatro setes sucessivos lá com base neles. Isso não é, contudo, porque eu possa ver ou mostrar que eles têm aquela consequência, ou porque eu acredite que outra pessoa o tenha mostrado. Em vez disso, isso é devido a uma pequena falha desagradável no meu aparato formador de crença: com base naqueles axiomas eu acredito que, para qualquer número n que eu tenha pensado, há n setes sucessivos na expansão decimal de n. Sob essas condições, eu posso estar justificado em aceitar essas crenças, mas nenhuma delas tem qualquer garantia para mim, nem mesmo aquelas asseguradas pelos axiomas em questão.

Um terceiro tipo de caso: suponha (ao contrário do que a maioria de nós acredita) que o National Enquirer é de fato extremamente confiável em suas explicações de eventos extraterrestres. Um dia ele leva a estridente manchete: Estátua de Elvis

encontrada em Marte!! Devido a uma disfunção cognitiva (induzindo a “incontinência epistêmica” da qual Alston fala em outro lugar), eu sou extremamente crédulo, em particular com respeito ao National Enquirer, sempre confiando nele implicitamente em se tratando do tópico de extraterrestres. (E, devido à mesma disfunção, eu não acredito em nada que refutaria a crença em questão.) Então, minha crença de que uma estátua de Elvis foi encontrada em Marte é de fato baseada em um indicador confiável que é adequadamente acessível a mim; e eu não conheço ou não acredito em nada que refute essa crença. Mas certamente a crença tem pouco a propósito de garantia.

Um quarto exemplo. Onde o fundamento de uma crença é de fato um indicador confiável, isso será, naturalmente o bastante, por causa da natureza do indicador e da relação entre ele e a proposição em questão. Mais geralmente, isso será por causa do caráter do ambiente cognitivo em que o sujeito se encontra. Imagine, portanto, que eu sofro de um tipo raro de doença. Uma certa melodia é tal que sempre que eu a ouço, formo a crença de que há um grande animal roxo por perto. Ora, em meu ambiente cognitivo, isso não é de fato um indicador confiável da verdade dessa crença; logo, a crença não tem justificação alstoniana. Mas imagine que eu repentinamente sou transportado sem meu conhecimento a um ambiente estranho – Austrália, digamos; e imagine ainda que lá, quando aquela melodia é ouvida, há quase sempre um grande animal roxo por perto. (A melodia em questão, tal como se apresenta, é o canto de amor do casuar roxo de papo duplo.) No meu novo ambiente cognitivo, a melodia é de fato um indicador confiável da verdade da crença; mas é claro que a crença em questão não teria (inicialmente, pelo menos) nenhuma garantia – ela não teria mais garantia para mim na Austrália do que teve no meu ambiente cognitivo original.

É fácil ver uma receita para construir exemplos aqui. Tudo de que precisamos são casos nos quais algum fenômeno é de fato um indicador confiável da verdade de alguma proposição, mas o meu acreditar na proposição em questão com base nesse fenômeno forma-se a partir de disfunção cognitiva. Um último exemplo, então: Suponha que eu sofra de duas doenças. Primeiro, eu visito um clínico neural para uma cirurgia ortopédica. Devido a uma confusão espantosa, eu saio da operação com uma séria desordem: sempre que eu sinto uma dor no meu ombro direito, eu formo a crença, com base nessa dor, de que há algo errado com meu joelho esquerdo. Depois, eu caio vítima

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de um tumor cerebral que envolve um sintoma específico e altamente característico: de vez em quando ele causa uma desordem vascular – uma constrição em uma certa veia – no meu joelho esquerdo, e ao mesmo tempo uma dor aguda no meu ombro direito. (Estou inteiramente inconsciente da confusão e do tumor.) Da forma que as coisas estão agora, então, a dor no meu ombro, que é fundamento da minha crença de que há algo errado com meu joelho, é um indicador confiável de uma desordem ali. (Podemos acrescentar que essa crença não é refutada por nada mais que eu saiba ou acredite; talvez o tumor também suprima quaisquer crenças que de outra maneira derrubariam a crença em questão.) Eu satisfaço, portanto, as condições para a justificação alstoniana; mas certamente essa crença tem pouca ou nenhuma garantia para mim. O que é importante ver nesse caso é que um indicador pode de fato ser um indicador confiável, mas apenas acidentalmente confiável – confiável de um modo que, de um ponto de vista epistêmico ou cognitivo, é meramente acidental. Isso pressagia um problema que surge muito mais geralmente para o confiabilismo. Um fundamento, ou indicador, ou um mecanismo formador de crença pode ser confiável apenas por acidente – devido, por exemplo, a uma disfunção anormal; e nesses casos não haverá garantia, ainda que haja confiabilidade.

Mais uma vez, a coisa importante a ver aqui, penso eu, é o papel central, para a garantia, da ideia de função própria, da ausência de disfunção cognitiva.

II. Confiabilismo Dretskiano

A. A Ideia Básica

Os confiabilistas se enquadram em pelo menos dois estilos. O primeiro vê a garantia em termos da origem e da proveniência: uma crença tem garantia para mim se é produzida e sustentada por um mecanismo produtor de crença confiável. O segundo vê a garantia como uma questão de probabilidade; diz-se que uma pessoa sabe uma proposição (verdadeira) A se ela acredita nela e se as relações certas de probabilidade existem entre A e seus outros significantes. No primeiro estilo, a probabilidade pode figurar na explicação do que é, para um mecanismo produtor de crença, ser confiável, mas nada precisa ser dito sobre a probabilidade, condicional ou qualquer outra, da crença particular em questão. Na segunda, o que importa é a probabilidade da crença em questão; a ascendência conta apenas na medida em que figura na probabilidade. A explicação de garantia de Alvin Goldman é do primeiro tipo, e eu retornarei a ela na seção seguinte. A explicação do segundo tipo mais poderosamente desenvolvida, contudo, deve ser encontrada em Knowledge and the Flow of Information (a partir daqui citada como KFI), de Fred Dretske, para a qual me volto agora.

De acordo com Dretske,

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(D1) K sabe que s é F = a crença de K de que s é F é causada (ou causalmente sustentada) pela informação de que s é F. (KFI, p. 86)

Dois comentários preliminares: Dretske está primariamente preocupado com o conhecimento perceptual; em particular, sua explicação não é projetada para se aplicar a conhecimento a priori, tal como o conhecimento de K de que, digamos, 7 + 5 = 12. Em segundo lugar, sua explicação é restrita ao que ele chama “conteúdo de re” (KFI, p. 66); ela é restrita, diz ele, ao tipo de caso em que o que K sabe é uma informação de ou sobre s.

Agora, que tipo de animal é essa “informação de que s é F”? E o que é, para uma coisa desse tipo – presumivelmente um objeto abstrato ou um conjunto de objetos abstratos -, causar ou sustentar causalmente uma crença? Até onde eu posso ver, Dretske oferece pouco para o propósito de responder à primeira questão. O que ele oferece são muitos exemplos do tipo da informação de que s é F. Existe, por exemplo, a informação de que Sam é feliz, de que o amendoim está sob a concha número 3, de que Susan está correndo. Alguém pode dizer que esses são bits de informação, a menos que o termo ‘bit’ tenha sido antecipado por uma medida de informação. Nós estamos pensando informação como sendo gerada por ou associada com estados de coisas; e a quantidade de informação gerada por um dado estado de coisas depende do número e da probabilidade das possibilidades que esse estado de coisas exclui. Suponha que eu lance um dado justo de 64 lados. A informação de que o dado caiu mostrando um lado com um número entre 1 e 32 reduz as possibilidades pela metade e carrega 1 bit de informação; o conhecimento de que o dado caiu mostrando um lado com um número entre 1 e 16 reduz as possibilidades por outra metade e, concordantemente, carrega 2 bits; a informação de que o dado caiu mostrando (digamos) o número 3 reduz as 64 possibilidades originais a uma e carrega 6 bits de informação. Como se pode avaliar do exemplo, se uma notícia reduz n (igualmente prováveis) possibilidades a 1, então a quantidade de informação que essa notícia ostenta é dada por log (à base 2) n. No caso geral, em que as possibilidades envolvidas não precisam ser equiprováveis (e em que P(A) é a probabilidade de uma dada possibilidade A ser realizada), a quantidade de informação gerada por A é dada por

(D2) I(A) = log (1/P(A)), isto é, -log P(A).

Há perplexidades profundas aqui. Quais são as possibilidades relevantes para, por exemplo, Susan está correndo? (D2) é aplicável apenas onde as possibilidades envolvidas são finitas em cardinalidade; será assim para uma determinada possibilidade concreta da vida real como Susan está correndo? Qual seria a probabilidade de algo como Susan está correndo? Essas são questões urgentes para uma explicação desse tipo,

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e eu não sei de nenhuma resposta razoavelmente satisfatória para elas. Elas são menos urgentes do que parecem, contudo, porque a noção de quantidade de informação não entra crucialmente na explicação de conhecimento de Dretske. Nem nós precisamos saber, para os propósitos Dretskianos, o que exatamente é informação; o que nós realmente precisamos saber é o que é, para uma informação, causar ou sustentar

causalmente uma crença. Aqui a resposta é desarmadoramente direta:

Suponha que um sinal r carregue a informação de que s é F e carregue essa informação em virtude de ter a propriedade F. Isto é, é o fato de r ser F (e não, digamos, ser G) que é responsável por r carregar essa informação específica. Não é qualquer batida na porta que diz ao espião que o mensageiro chegou. O sinal é três batidas rápidas seguidas por uma pausa e outras três batidas rápidas... É o padrão temporal das batidas que constitui a característica (F’) de carregar informação do sinal. O mesmo é obviamente verdadeiro em comunicação telegráfica.

Quando, portanto, um sinal carrega a informação de que s é F em virtude de ter a propriedade F’, quando é o fato de o sinal ser F que faz com que ele carregue a informação, então (e só então) diremos que a informação de que F

causa seja o que for que o fato de o sinal ser F’ cause. (KFI, p. 87)

Dado (D1), então, o que nós temos é que uma pessoa K sabe que s é F se e somente se (1) K acredita que s é F, (2) há um sinal r tal que r tem alguma propriedade F’ em virtude da qual ele carrega a informação de que s é F, e (3) r ter a propriedade F’ causa que K acredite que s é F. Uma vez que podemos seguramente abandonar a referência à propriedade F’ do sinal em virtude da qual ele carrega a informação de que s é F, a análise se resume à ideia de que K sabe que s é F se e somente se K acredita que s é F e essa crença é causada por um sinal que carrega a informação de que s é F. Assim, o que ainda precisamos saber é o que é, para um sinal, carregar a informação de que s é F. Isso é dado por

(D3) Um sinal r carrega a informação de que s é F = a probabilidade condicional de s ser F, dado r (e k) é 1 (mas dado k sozinho, menos que 1). (KFI, p.65)

Ora, k, como Dretske explica, é o conhecimento de fundo do recebedor. (D3) deve ser, portanto, relativizada para ser exato; um sinal pode carregar a informação de que s é F relativamente a você, mas não a mim. Você já sabe que s é F; assim, a probabilidade de s ser F relativamente ao seu conhecimento de fundo é 1; nenhum sinal carrega a informação de que s é F relativamente a você. Eu não sei que s é F; assim, qualquer sinal r que é tal que a probabilidade de s ser F dados r&k é igual a 1 (onde k é meu conhecimento de fundo) carrega a informação de que s é F com respeito a mim. Se você sabe que s é F, então nenhum sinal carrega a informação de que s é F com respeito a você; se você não sabe que s é F, então essa informação é carregada com respeito a você por qualquer estado de coisas cuja conjunção com o que você sabe assegura que s é F. Nós podemos, portanto, reescrever (D3) como

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(D4) r carrega a informação de que s é F relativamente a K se e somente se P((s é F/(r&k)) = 1 e P((s é F)/k) < 1.

E agora nós podemos dizer que

(D5) K sabe que s é F se e somente se K acredita que s é F e existe um estado de coisas de r ser G tal que (1) r ser G causa que K acredite que s é F e (2) P((s é F)/(r ser G & k)) = 1 e P((s é F)/k) < 1.

Vimos que a noção perturbadora de quantidade de informação associada com um evento específico ou estado de coisas pode seguramente ser ignorada, uma vez que essa noção não desempenha nenhuma função na explicação final de conhecimento de Dretske. Mas agora vemos que o mesmo vale para outros conceitos especificamente teoréticos de informação; essa análise de conhecimento, quando enunciada, envolve apenas as noções de probabilidade, crença e causação, e não as envolve dos modos problemáticos em que elas apareceram na teoria da informação.

B. Problemas

Como já vimos, o internismo, o coerentismo e o Bayesianismo deontológicos - todos fracassam quando refletimos sobre os modos nos quais nossas faculdades noéticas podem funcionar mal. Mas os mesmos tipos de problemas importunam a explicação de Dretske. Considere (D5). Para ver que ela não dará resultado, considere O Caso da Lesão Epistemicamente Acidental. Suponha que K sofra de uma séria anormalidade – uma lesão cerebral, digamos. Essa lesão causa um estrago na estrutura noética de K, fazendo com que ele acredite em uma variedade de proposições, a maioria das quais são violentamente falsas. Ela também o faz acreditar, contudo, que está sofrendo de uma lesão cerebral. K não tem nenhuma evidência de que é anormal desse modo, pensando nas suas crenças incomuns como resultando de uma inclinação encantadoramente original da mente. Ora, de acordo com (D5), segue-se que K sabe que está sofrendo de uma lesão cerebral. Ter essa lesão faz com que ele acredite que está assim afligido; a probabilidade de ele estar sofrendo de uma lesão cerebral tendo em vista seu conhecimento de fundo k é menor que 1; mas é claro que sua probabilidade tendo em vista k & K está sofrendo de uma lesão cerebral é 1. Mas certamente K não sabe que está sofrendo de uma lesão cerebral. Ele não tem evidência de nenhum tipo – sensorial, memória, introspectiva, seja o que for – de que tem tal lesão; o fato de ele sustentar essa

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crença é, de um ponto de vista cognitivo, nada mais que um afortunado (ou desafortunado) acidente.

De fato, podemos acrescentar, se quisermos, que K tem poderosa evidência para a conclusão de que ele não está sofrendo assim; ele acaba de ser examinado por um trio de especialistas mundialmente famosos da Clínica Mayo, os quais (erradamente) asseguram que seu cérebro está inteiramente normal. Nesse caso, então, a crença de que ele tem uma lesão cerebral não é apenas tal que ele não tem nenhuma evidência para ela; ele tem evidência de primeira ordem contra ela. Em tal situação, K claramente não sabe que tem uma lesão cerebral, a despeito do fato de que essa crença satisfaz as condições de Dretske para o conhecimento.

Exemplos desse tipo podem ser multiplicados; então, multipliquemos um pouco. Você me prejudicou; você roubou minha bandeira frísia. Com o propósito de me vingar, eu entro furtivamente em sua casa à noite e implanto em seu cachorro uma fonte de radiação eletromagnética de frequência extremamente alta. Essa radiação não tem nenhum efeito em você ou em seu cachorro, a não ser fazer você formar a crença de que aliens do espaço exterior invadiram sua casa e substituíram seu cachorro por um extraterrestre, parecido com ele, que emite radiação ultravioleta. Você batiza essa criatura (que é de fato seu cachorro) com o nome de ‘Spot’. Sua crença de que Spot emite radiação ultra-violeta, então, satisfaz as condições de Dretske para o conhecimento; o fato de Spot emitir radiação ultra-violeta faz você acreditar que ele o faz; relativamente ao que você sabe, isso não é provável, mas relativamente à conjunção do que você sabe com Spot emite radiação ultra-violeta, sua probabilidade é 1, é claro. Certamente você não sabe que Spot emite tal radiação. De fato, como no caso anterior, podemos acrescentar que você tem evidência poderosa (embora enganadora) contra essa proposição. Você mandou Spot ser examinado por um grupo altamente competente de físicos baseados no acelerador linear de Stanford; eu os corrompi, pagando a eles para que lhe dissessem que Spot está completamente normal; mas você, todavia, é incapaz de desfazer-se por si mesmo da crença em questão. Certamente você não sabe.

Um terceiro exemplo. Você e eu temos um bilhete cada para uma valiosa loteria; o primeiro prêmio é uma semana na Filadélfia com todas as despesas pagas. (O segundo prêmio, é claro, são duas semanas na Filadélfia.) Eu me aproximo da pessoa designada para fazer o sorteio e lhe ofereci propina para manipular a loteria: eu revisto meu bilhete com uma substância S* e ele reveste sua mão cm uma substância S em virtude da qual meu ticket grudará na sua mão. Depois de eu sair, você aparece e oferece a ele duas vezes mais; ele aceita. Ele então reveste sua mão com uma substância S**; isso faz o seu bilhete grudar na mão dele, fazendo assim você ganhar. Isso também me faz, em virtude de uma anormalidade de minha parte indetectável de outra maneira, acreditar

que você vai ganhar. Você e eu presenciamos o sorteio; eu súbita e inexplicavelmente me acho com a crença de que você vai ganhar. Na explicação de Dretske, eu sei que você vai ganhar, a despeito do meu conhecimento de que manipulei a loteria. Pois T5 ser

revestido com S** (onde T5 é o seu ticket) me faz acreditar que você vai ganhar; que você vai ganhar (podemos supor) tem uma probabilidade de 1 tendo em vista a

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conjunção do meu conhecimento de fundo com T5 foi revestido com S**, mas uma probabilidade mais baixa tendo em vista meu conhecimento de fundo sozinho. Mas certamente eu não sei, sob essas condições, que você vai ganhar.

Alguém pode objetar que esses exemplos se conformaram à letra, mas não ao espírito de (D5). Nessa definição, K sabe que s é F se houver um sinal r tendo alguma propriedade G tal que r ser G faz K acreditar que s é F, e a probabilidade da última tendo em vista a primeira (mais k) é igual a 1 e maior que a da última tendo em vista k sozinho; mas em meus exemplos, o ser G de r é idêntico ao ser F de s. Isso é muito verdadeiro; nesses exemplos, eu de fato fiz confundirem-se o ser G de r com o ser F de

s. Eu assim o fiz, contudo, apenas para evitar problemas evitáveis como o de se P(s ser

F/r ser G) realmente é igual a 1. (Depois de tudo, se o mesmo estado de coisas é tanto o

ser G de r como o ser F de s, então estará além de disputa que a probabilidade de s ser

F tendo em vista r ser G (e k) é 1.) A identidade do ser G de r com o ser F de s, é uma característica inessencial desses exemplos; nós podemos facilmente corrigi-las de modo a abrandar o objetor. N’O Caso da Bandeira Frísia Perdida, seja o ser G de r como antes e façamos o ser F de s equivaler a Spot está emitindo radiação, ou Spot faria um

contador de Geiger ficar louco, ou Spot é composto de átomos, muitos dos quais são

instáveis. Para o bem da concretude, revise o exemplo como segue. Eu implanto uma fonte de radiação de alta energia em seu cachorro Spot; é uma lei tida como verdade que qualquer cachorro no qual foi implantada uma fonte de radiação de alta energia perderá seu pelo dentro de sete dias; Spot emitir essa radiação de alta energia causa uma lesão cerebral em você, que, por sua vez, faz você formar um grande número de crenças violentamente falsas sobre Spot (que ele é na verdade uma sereia, que ele fala francês fluente, mas se recusa a mostrar por pura obstinação, e assim por diante), mas também faz você formar a crença verdadeira de que Spot perderá seu pelo dentro das próximas duas semanas. Você não tem evidência de nenhum tipo para sua crença e muita evidência contra ela. (Você acaba de mandar Spot ser examinado por uma equipe de veterinários que asseguram a você que ele está inteiramente normal no que diz respeito a seus pelos.) Aqui o ser G de r não é confundido com o ser F de s; Você satisfaz as condições para o conhecimento estabelecidas por D5; mas certamente você não sabe. (O exemplo da loteria para Filadélfia pode ser corrigido similarmente.)

Claramente, há tantos exemplos dessa espécie quantos se quiser. Uma receita para construí-los é simplesmente considerar algum evento e que faz K acreditar que e ocorre (ou acreditar em alguma proposição assegurada pela ocorrência de e, ou alguma proposição cuja probabilidade com respeito à ocorrência de e é igual a 1) onde e faz K formar a crença em questão em virtude de alguma anormalidade cognitiva, e de um modo tal que é apenas um acidente, de um ponto de vista cognitivo, que a crença seja verdadeira. O problema para a explicação de Dretske é claro. Se nós nos restringirmos ao tipo de conhecimento que ele está pensando, então, de fato, se eu sei que s é F, deve haver um sinal r ser G relacionado a s ser F em algo como o modo que ele sugere. Mas o problema é que isso não é suficiente para o conhecimento; o conhecimento pode estar ausente mesmo se r ser G e s ser F estiverem relacionados do modo que Dretske sugere;

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pois eles podem estar relacionados desse modo quando é meramente um acidente cognitivo que s é F seja verdadeira. Como argumento em Warrant and Proper

Function, eles podem estar relacionados desse modo, mas falham em estar relacionados do modo requerido pelo plano de desígnio da nossa estrutura noética; mas, então, minha crença de que s é F não constitui conhecimento. O que esses exemplos mostram é que algo mais deve ser acrescentado à explicação de Dretske; nós devemos acrescentar, de algum modo, que as faculdades noéticas de K, ou aquelas envolvidas na produção da crença em questão, estão funcionando adequadamente, estão em boa ordem de funcionamento.

A explicação de Dretske, então, como as outras, sofre por falhar em prestar explícita atenção à noção de função própria do nosso aparelho cognitivo.

III. Confiabilismo Goldmaniano

A. O Velho Goldman

A primeira versão do confiabilismo de Alvin Goldman é confiabilista de fato: “O status justificacional de uma crença”, diz ele, “é uma função da confiabilidade do processo ou dos processos que a causam, onde (como uma primeira aproximação) confiabilidade consiste na tendência de um processo para produzir crenças que são verdadeiras ao invés de falsas.” Depois de alguns conflitos preliminares interessantes, ele dá sua explicação oficial numa espécie de forma recursiva:

(a) Se a crença que p de S resulta de um processo cognitivo confiável, e não há nenhum processo confiável ou condicionalmente confiável disponível para S que, tivesse sido ele usado por S em adição ao processo efetivamente usado, teria resultado em S não acreditar que p em t, então, a crença que p de S em t é justificada. (b) Se a crença que p de S resulta (“imediatamente”) de um processo dependente de crença que é (pelo menos) condicionalmente confiável, e se as crenças (se alguma) nas quais esse processo opera ao produzir a crença que p de S em t são elas mesmas justificadas, então a crença que p de S em t é justificada.

(What is Justified Belief?, p. 10, 13, 20) Ele então acrescenta uma cláusula apropriada de encerramento. Aqui Goldman

fala de justificação em vez de garantia. Como argumentei no capítulo 1, contudo, Goldman não usa o termo ‘justificação’ como um nome para justificação (apropriadamente assim chamada); em vez disso, ele o usa como um sinônimo aproximado para garantia. (Apenas um sinônimo aproximado, pois o que ele chama de justificação não é muito suficiente para garantia; ele acrescenta uma quarta condição à justificação, ‘confiabilidade local’, para chegar à garantia.)

Isso é confiabilismo puro e sem mistura: chamemo-lo confiabilismo paradigma. Embora seu apelo inicial seja inegável, ele enfrenta muitos problemas difíceis – problemas que eu explorei em outro lugar. Em particular, fica claro que as condições estabelecidas pelo confiabilismo paradigma como necessárias e suficientes para garantia não chegam nem perto de serem suficientes. Talvez possamos sumarizar esse ponto

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como segue. Note primeiro que (na exposição de Goldman) o que determina a justificação de uma crença é um tipo de processo (não um exemplar). Ora, qualquer processo cognitivo concreto dado é um exemplar de muitos tipos de processos cognitivos – tipos com graus variantes de confiabilidade. Assim, considere uma dada crença – a crença de Paul de que ele está assistindo a “Dinasty”, por exemplo – e o processo concreto que a produz. Há muitos tipos dos quais esse processo é um exemplar: qual é o tipo relevante – isto é, qual desses tipos é aquele tal que seu grau de confiabilidade determina o grau de justificação de que a crença de Paul goza? Aqui nós encontramos o problema da generalidade, notado por Goldman e desenvolvido por Richard Feldman: se tomarmos o tipo relevante como sendo relativamente estreito, então enfrentamos um conjunto de consequências desagradáveis; se o tomarmos como sendo amplo, enfrentamos outras consequências desagradáveis.

Deixe-me colocar esse problema do meu próprio modo. O que determina o grau de justificação, de acordo com Goldman, é o grau de confiabilidade do tipo relevante de processo. Mas, então, o tipo relevante de processo, aquele que determina o grau de garantia da crença em questão, deve ser um tipo muito estreito: deve ser tal que todas as crenças de sua produção tenham o mesmo grau de garantia. (Ele não poderia ser um tipo amplo como a visão, digamos, porque as produções dos processos que exemplificam esse tipo terão muitos graus diferentes de garantia: crenças perceptuais resultantes do exame de um objeto de um tamanho médio de dez pés em condições luminosas e ensolaradas terão, obviamente, mais garantia que as crenças que surgem de visão distante em uma noite escura e nublada.) Assim, suponha que nós tomemos tipos relevantes estreitos o bastante para que todas as crenças da produção de um tipo relevante tenham o mesmo grau de justificação ou garantia: então, primeiro será extremamente difícil especificar qualquer tipo relevante. De fato, se, como Goldman sugere, o tipo relevante deve ser especificado em termos psicológicos ou fisiológicos, não seremos capazes de especificar qualquer tipo desses; nosso conhecimento é muitíssimo limitado para isso. Mas, segundo e mais importante, haverá muitos processos (assim estreitamente interpretados) que serão confiáveis, mas não tal que as crenças da produção tenham muito de garantia.

Há muitos gêneros de exemplos aqui; eu mencionarei apenas um. Adapte O Caso da Lesão Epistemicamente Acidental. Há uma classe rara, mas específica de lesão cerebral (podemos supor) que é sempre associada com um número de processos cognitivos do grau relevante de especificidade, a maior parte dos quais fazem suas vítimas sustentarem crenças absurdamente falsas. Um dos processos associados, contudo, faz a vítima acreditar que tem uma lesão cerebral. Suponha, então, que S sofre desse tipo de desordem e concordantemente acredita que sofre de uma lesão cerebral. Acrescente que ele não tem nenhuma evidência para essa crença: nenhum sintoma do qual ele esteja consciente, nenhum testemunho da parte de físicos ou outros especialistas, nada. (Acrescente, se lhe agradar, que ele tem muita evidência contra ela; mas então acrescente também que a desfunção induzida pela lesão torna impossível para ele conceber explicação adequada dessa evidência.) Então, o tipo relevante (conquanto possa ser difícil especificar em detalhes) será certamente altamente confiável; mas a crença resultante – de que ele tem uma lesão cerebral – terá pouco de garantia para S.

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B. O Novo Goldman

O confiabilismo paradigma de Goldman tem problemas profundos e debilitantes. Essa não é a única marca que ele oferece do confiabilismo, contudo, e eu me volto agora para a explicação de garantia significativamente diferente que deve ser encontrada em seu livro Epistemology and Cognition (daqui em diante citado como EC). Ele muito apropriadamente começa por destacar (p. 3) que há um importante elemento normativo

em tais noções epistêmicas cruciais como garantia, justificação, evidência e coisas do gênero. Sem dúvida o deontologismo epistemológico é falso; sem dúvida a garantia não pode ser explicada em termos de cumprimento do dever; todavia, as noções centrais da epistemologia são profundamente normativas. Goldman vê essa normatividade essencialmente como uma questão de permissão e obrigação, de conformidade a padrões ou regras. Sua noção de garantia, portanto, conquanto não seja deontológica, está analogicamente relacionada (relacionada pela analogia de governança da regra) às noções deontológicas de garantia. E o que é talvez de maior interesse aqui é ele combinar essa ideia com a noção de que o que chamamos de justificação (chamemo-la ‘Justificação Goldmaniana’) e garantia envolve crucialmente confiabilidade. Suponha que nós comecemos com a justificação Goldmaniana. Uma crença é justificada para uma pessoa, diz Goldman, se ela é permitida por uma regra correta de justificação; uma regra de justificação é correta se ela é um elemento de um sistema correto de regras de justificação; e um sistema de regras é correto se ele é apropriadamente confiável – isto é, tem uma “proporção de verdade” alta o suficiente. Mas a explanação real da visão de Goldman não é tão simples assim. Suponha que nós o sigamos aproximando-nos de sua concepção de justificação (justificação Goldmaniana) por estágios. No primeiro estágio, nós temos

(P1) S acreditar que p no tempo t é justificado se e somente se (a) S acreditar que p em t é permitido por um sistema correto de regras justificacionais (regras-J), e (b) essa permissão não é minada pelo estado cognitivo de S em t. (EC, p. 63) “Sistemas de regras-J”, diz Goldman, “são adotados para permitir ou proibir

crenças, direta ou indiretamente, como uma função de alguns estados, relações ou processos do conhecedor.... Assim, alguém que ‘aparenta estar’ de um certo modo em t pode ter permissão para acreditar que p em t” (EC, p. 60-61).

Por que Goldman fala aqui de sistemas de regras em vez de simplesmente regras? Talvez pelo seguinte tipo de razão. A justificação de uma crença C em um tempo t pode muito bem depender do status justificacional de uma ou mais outras crenças C1 – Cn em tempos anteriores t1 – tn – ou, de fato, do status justificacional de uma crença C* em um tempo posterior t* (EC, p. 78). Pois poderia ser que alguns processos fossem eles mesmos bastante confiáveis (tivessem uma proporção de verdade associada bastante alta), mas fossem tais que sua combinação com certos outros processos não fosse confiável. Por exemplo, alguns processos tomam crenças (dentre outras coisas) como entrada e produzem outras crenças como saídas. Assim, o que leva à minha presente avaliação das suas intenções a meu respeito é (em parte) a minha opinião de como você

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está ordinariamente disposto em relação a mim junto com minha apreensão do seu comportamento presente. E mesmo se esse processo – esse modo de chegar a crenças sobre as intenções de alguém a meu respeito – for ordinariamente confiável, sua combinação com algum processo não confiável para formar as crenças de entrada pode ser bastante não confiável. Eu sou patologicamente paranoico; eu acredito que você (e todo mundo) tem esperado o momento certo, aguardando uma oportunidade propícia para acabar comigo; eu também acredito que, em sua opinião, o tempo agora é propício. Você (um especialista renomado em karatê) se aproxima de mim, sua mão estendida em um cumprimento amigável; eu formo a crença de que você está prestes a me dar um golpe mortal e saio correndo aterrorizado. Minha crença de que você está prestes a me atacar tem pouco da justificação ou garantia Goldmaniana, embora o processo gerador dessa crença seja em geral altamente confiável. Assim, uma regra-J que certificou qualquer crença produzida por qualquer processo confiável, certificaria crenças que têm pouco de justificação.Se uma dada crença da produção de um processo como esse tem justificação, dependerá em parte do status epistêmico das crenças formadoras da sua entrada. Em casos desse tipo, portanto, teremos de pensar numa dada crença como o resultado de uma série de processos, onde as crenças produzidas em estágios anteriores devem elas mesmas ter sido formadas de acordo com regras corretas; concordantemente, o que está em questão (como Goldman vê) são sistemas de regras – ou, se apenas regras, então regras de grande complexidade. Mais, os sistemas de regras em questão devem ter uma certa completude – uma completude que eu me absterei de explorar, observando apenas que as regras relevantes ou conjuntos relevantes de regras terão de conceber a descrição de boa parte da história epistêmica do agente.

Agora Goldman argumenta que as regras-J deveriam ser enunciadas, não em termos de transições de estado cognitivo (EC, p. 77), mas em termos do que ele chama ‘processos cognitivos’, “onde por ‘processo’ significamos um determinado tipo de cadeia causal” (p. 85) – isto é (assim o entendo), um conjunto de eventos e1, ... , en tão relacionados que os ei anteriores permanecem na relação causal relevante com os ei

posteriores. Assim, o “princípio de estrutura”: (P1*) Uma crença que p de um conhecedor no tempo t é justificada se e somente se ela é o membro final de uma sequência finita de estados doxásticos do conhecedor, tal que algum sistema (singular) correto de regras-J licencia a transição de cada membro da sequência de algum(s) estado(s) anterior(es). (EC, p. 83) Mas agora a questão crucial: sob que condições um sistema de regras-J é um

sistema correto? Aqui Goldman especifica um critério, um conjunto de condições necessárias e suficientes para um conjunto de regras-J ser correto (e é aqui que nós vemos o que, de acordo com ele, é garantia):

(ARI) Um sistema R de regras-J é correto se e somente se R permite certos processos psicológicos (básicos), e a instanciação desses processos resultaria numa proporção de verdade de crença que satisfaz algum elevado limite especificado (maior que .5). (EC, p. 106)

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Como podemos entender isso? Aqui encontramos alguns problemas reais.

Primeiro: essas regras, diz Goldman, tomam a forma de permissões de processo; uma regra permite ou autoriza certos processos, processos tipicamente envolvendo uma crença ou um tipo de crença. Os processos em questão, além disso, devem ser pensados como tipos de processo: “nenhum critério será plausível a menos que as regras que ele autoriza sejam regras de permissão para (tipos de) processos cognitivos específicos.” (EC, p. 85; ênfase de Goldman). A razão, diz ele (erradamente, como argumentarei), são apenas tipos de processos cognitivos, não exemplares, que podem apropriadamente serem ditos confiáveis ou não confiáveis. Assim, as regras-J aplicam-se a tipos específicos de processos. É claro que não é qualquer tipo de processo cognitivo que será o modelo em termos do qual as regras devem ser enunciadas. Qualquer processo concreto dado (obviamente o bastante) será um exemplar de muitos tipos diferentes – tipos com graus de confiabilidade diferindo amplamente. Suponha que Paul é, em geral, bastante confiável, mas infelizmente forma a crença falsa de que ele é Napoleão. Então sua crença é exemplar tanto do tipo processo terminando na crença de que Paul é

Napoleão como do tipo processo cognitivo tomando lugar em Paul; o último, mas não o primeiro, é confiável. É claro que a crença em questão tem pouca garantia. O último tipo, então, a despeito de sua confiabilidade, não é tal que cada exemplar seu terá garantia, e um conjunto de regras-J que licenciou processos desse tipo não será um conjunto correto de regras-J, mesmo que ele apenas licencie processos que são confiáveis. Isso quer dizer que as regras-J não concernem a qualquer tipo: apenas certas classes de tipos serão aquelas para as quais as regras-J são endereçadas, aquelas que as regras-J permitem ou proíbem. Esses tipos relevantes – os tipos para os quais as regras-J são endereçadas – serão de grande especificidade. Eles não serão tipos tais como o

processo visual, ou mesmo o processo visual em um australiano de 40 anos, mas tipos muito mais específicos - “o tipo crítico”, diz Goldman, “é o tipo mais estreito, causalmente operativo ao produzir a crença exemplar em questão” (EC, p. 50). Assim, as regras-J permitem ou proíbem tipos, e os tipos que elas permitem ou proíbem serão muito estreitos ou específicos.

Mas (e aqui está o primeiro problema) o que seria um tal tipo estreito? Goldman não nos dá nenhuma orientação. Quando ele argumenta pela plausibilidade do confiabilismo, ele menciona tipos tais como a memória, a percepção, o raciocínio dedutivo e coisas do gênero. Como ele destaca, nós os pensamos como confiáveis e como, para a maioria, produzindo crenças que têm garantia; nós os contrastamos com, por exemplo, devaneios e paranoia, que nós achamos não confiáveis, e tais que as crenças que eles produzem têm pouca ou nenhuma garantia. Mas é claro que percepção, memória, inferência dedutiva e seus parentes não são de jeito nenhum o gênero de tipos para os quais as regras-J devem ser enunciadas; eles são amplos demais. Goldman não dá quaisquer exemplos de tipos relevantes – sem dúvida pela razão muito boa de que não conhecemos nenhum. Tome sua crença de que Aberdeen, Escócia, está a alguns milhares de milhas ao norte de Aberdeen, Dakota Sul: não temos a menor ideia de qual pode ser o tipo mais estreito causalmente operativo a produzir essa crença (se houver um: talvez um par de tipos valha pelo mais estreito). De fato, nós não temos a menor

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ideia de quais podem ser os candidatos a esse posto. Goldman diz que “por ‘processo’ significamos uma espécie determinada de cadeia causal” (EC, p. 85) – uma cadeia causal, presumivelmente, consistindo de eventos tomando lugar no sistema cognitivo de alguém, da qual o último item é uma crença. Mas o que são esses eventos? Que tipo de eventos eles são? Eventos neurais, presumivelmente, e aqueles que não somos muito capazes de descrever ou pensar sobre. Talvez tudo que podemos dizer é que os tipos relevantes serão aqueles deste gênero: evento da espécie e1, seguido por evento da

espécie e2, ..., seguido por evento da espécie en (onde a classe de es elegíveis deve ser especificada em termos psicológicos ou fisiológicos [e, assim, terá de ser deixada para a ciência futura], e onde essa classe deve ser restrita de algum modo a eliminar contraexemplos capciosos bem como os não tão capciosos assim.)

Mais: esses tipos de processo, naturalmente o bastante, têm ou podem ter instanciações. Se um processo é um tipo, então uma instanciação de um processo será um exemplar desse tipo, uma sequência de eventos específicos concretos da qual o último item é uma crença; e os eventos da sequência estarão tão relacionados que os eventos anteriores serão causas (ou parcialmente causas) dos eventos posteriores. Assim, as regras-J serão ou conterão itens tais como processo A é permitido, onde processo A será um tipo k1, ... kn de sequências de eventos cognitivos, kn sendo, por exemplo, a crença de que p para alguma proposição p. (Se dissermos que os termos devem ser enunciáveis numa terminologia psicológica ou fisiológica, kn terá presumivelmente de ser o correlato cortical ou (mais amplamente) psicológico da crença de que p (se de fato houver tal coisa). Uma instanciação ou exemplar de A será uma sequência de eventos cognitivos; o último item da sequência será uma crença de que p, e será apropriadamente causado por membros anteriores da sequência.

E agora nós chegamos a um problema realmente difícil. O critério para a correção de sistemas de regras é contrafactual: um sistema R de regras-J é correto se e somente se R permite certos processos psicológicos, e a instanciação desses processos resultaria em uma alta proporção de razão de crença. Seria, se o quê? Qual é o antecedente do contrafactual relevante e qual é sua modalidade? Goldman não diz. Talvez, contudo, nós possamos fazer progresso como segue. Um sistema de regras-J, diz ele, tem uma proporção de razão associada a ele em um dado mundo possível M (EC, p. 107). Como podemos entender isso? De novo, Goldman não diz. Talvez, contudo, nós devamos pensar nela como segue. Primeiro, um sistema S de regras-J, diz Goldman, permitirá ou certificará certos padrões de processos; o processo P é permissível, desde que ele tenha sido precedido por qualquer dos processos P*1 – P*n; um processo tomando C como entrada é permissível desde que C seja a saída de algum processo permissível. Assim, considere os padrões de processo que são permitidos por S. Esses, é claro, serão os padrões de tipos de processos cognitivos. Nós podemos combinar esses padrões permitidos de tais tipos em um megatipo T: por exemplo, mostrar processos P1 – Pn

(nessa ordem), ou P*1 – P*n, ou P**1 – P**n, ou... Agora, alguns (mas, é claro, não todos) desses megatipos serão instanciados: um megatipo T é instanciado se há uma pessoa que mostra os conjuntos ordenados de processos que ele permite na ordem que ele os permite. E para determinar a proporção de verdade de um conjunto de regras (isto é, a proporção de verdade atual, sua proporção de verdade no mundo atual), nós

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computamos a proporção de crenças verdadeiras em relação às crenças totais nas instanciações dos megatipos que ele permite. (Existem problemas aqui, mas eu vou ignorá-los resolutamente.)

Uma vez que nós vemos o que é a proporção de verdade de um conjunto de regras-J, então é claro que fica fácil ver o que é a proporção de verdade de um conjunto de regras em um mundo possível: a proporção de verdade de S em M é simplesmente a proporção de verdade que S teria tido, se M tivesse sido atual; para colocar de maneira diferente, a proporção de verdade de S em M é a proporção de crenças verdadeiras em relação às crenças simplesmente, assumidas todas as instanciações, em M, de todos os megatipos licenciados por S. (Assim, é claro que um sistema de regras terá diferentes proporções de verdade em diferentes mundos possíveis.) E a ideia de Goldman é que a proporção relevante de verdade para um dado sistema S de regras-J não é simplesmente sua proporção de verdade no mundo atual; o que conta, diz ele, é a proporção de verdade de um sistema de regras em mundos possíveis próximos a M:

(ARI*) Um sistema S de regras-J é correto em um mundo possível M se e somente se S tem uma proporção de verdade suficientemente alta nos mundos próximos a M. Problemas técnicos e quase técnicos ainda espreitam; mas o problema principal e

crucial é que a sugerida condição necessária e suficiente de garantia é vastamente fraca para chegar sequer perto de ser suficiente. Justificação, para Goldman, não é garantia o bastante; não é o caso que um grau suficiente de justificação seja (junto com a verdade) necessário e suficiente para o conhecimento. O que deve ser acrescentado ao último é “confiabilidade local”, um codicilo destinado a lidar com os problemas de Gettier: “uma crença verdadeira falha em ser conhecimento se houver quaisquer situações alternativas

relevantes em que a proposição p seria falsa, mas o processo usado levaria S a acreditar que p de qualquer modo. Se houver tais alternativas relevantes, então o processo utilizado não pode discriminar a verdade de p a partir delas; então S não sabe” (EC, p. 46). Assim, numa explicação completa, uma crença tem garantia se e somente se é justificada (sancionada por um conjunto correto de regras-J) e mostra confiabilidade local.

É fácil ver, contudo que essa alegada condição necessária e suficiente não chega nem perto de ser suficiente. Há muitos tipos de casos aqui. Para ver o primeiro, seja S qualquer sistema de regras-J que é correto no sentido de (ARI*). Agora, no caso típico, nó podemos juntar a S mais regras de igual ou maior proporção de verdade sem reduzir a proporção de verdade de S; seja S*, portanto, o resultado de adicionar

R1 Qualquer processo cuja saída é uma tautologia é permitido

a S. Obviamente a proporção de verdade de S* será pelo menos tão alta nos mundos próximos ao mundo atual quanto a de S; portanto, S* será correto no sentido de (ARI*). Mas então qualquer crença cujo conteúdo seja uma tautologia estará na saída de um processo sancionado por um conjunto correto de regras-J no sentido de (ARI*);

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claramente a crença satisfaz a condição acima para confiabilidade local, uma vez que não há quaisquer situações alternativas em que ela seja falsa; portanto, qualquer crença desse tipo terá garantia na explicação de Goldman. Contudo, nem toda crença em uma tautologia tem garantia (como o próprio Goldman observa); poderia ser que eu acreditasse em uma tautologia complicada T não porque eu veja que ela é verdadeira (talvez seja complicada demais pra isso), mas porque você asseriu a negação de T e eu, devido a contrariedade excessiva, tenho uma tendência poderosa a acreditar na negação de qualquer coisa que você afirme – ou porque eu tenho uma tendência patológica a acreditar em qualquer coisa que pareça complicado e se encontre em um livro de lógica.

Agora, aqui pode ser objetado que as regras-J deveriam ser enunciadas em termos psicológicos ou fisiológicos; elas não deveriam envolver termos como ‘tautologia’, que garantem a verdade das crenças permitidas. Bastante justo. (É claro que nós não sabemos como enunciar as regras-J relevantes desse modo, uma vez que não sabemos nada sobre os tipos de processos psicológicos estreitos que as regras-J devem permitir ou proibir.) Mas claramente as regras devem ser tais que elas licenciem certas crenças ou classes de crenças: de outra maneira o projeto todo falha. E claramente haverá processos no sentido de Goldman cujos últimos itens são crenças cujos conteúdos são tautologias. Assim, escolha alguma classe ampla C de processos cujos últimos itens são crenças tautológicas (algumas delas sendo bastante complicadas); haverá uma propriedade P (possivelmente complexa) psicológica ou fisiológica tida por todos os membros de C, e apenas por eles. Assim, seja S qualquer adequado sistema correto de regras e junte

R1* Qualquer processo tendo P é permitido

para formar o sistema de regras S*. Na apresentação de Goldman, qualquer crença permitida por S* terá um alto grau de garantia, pelo menos se ela satisfizer a condição de confiabilidade local (como todas as crenças permitidas por R1* satisfazem). Mas é claro que muitas dessas crenças não terão na realidade nenhum grau apreciável de garantia. Paul está maravilhado com os lógicos: se ele se depara com uma complicada proposição lógica consistente repleta de ps e qs, ele invariavelmente acredita nela. Ele vê tal proposição em um livro de lógica (em um exercício do tipo “Prove ou dê um contraexemplo”); ela é de fato uma tautologia, mas ele não consegue ver que ela o é e não tem nenhuma outra razão para acreditar nela; essa crença, então, tem pouco de justificação para ele, a despeito de ela estar certificada pela regra acima.

É claro que não são só os processos cujas saídas são tautologias que causam um problema: nós temos o mesmo problema ao juntar a um sistema correto S uma regra sancionando qualquer processo cuja saída seja uma proposição verdadeira em todos os mundos suficientemente similares ao mundo atual. Goldman não diz muito sobre como esses mundos seriam, mas presumivelmente as leis básicas da física que caracterizam o mundo atual também os caracterizariam. Assim, comece por um sistema correto S de regras-J e acrescente

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R2 Qualquer processo cuja saída é a crença de que a velocidade da luz é constante é permitido

(ou que é aproximadamente 186000 milhas por segundo, ou que os planetas viajam em órbitas elípticas, ou seja o que for) e você terá um sistema correto de regras-J. Mas então minha crença de que a velocidade da luz é constante será justificada, na visão de Goldman, não importa como seja formada – mesmo que eu acredite nela apenas porque ela apareceu numa carta a um editor na National Enquirer e eu acredito em tudo que eu leio lá. Similarmente, para qualquer verdade filosófica: que há pelo menos incontavelmente muitos mundos possíveis, por exemplo. Se nós acrescentarmos

R3 Qualquer processo cuja saída é a crença de que há pelos menos incontavelmente muitos mundos possíveis é permitido

a um conjunto de regras-J, o conjunto resultante será correto; mas então qualquer crença de que há pelo menos incontavelmente muitos mundos possíveis será justificada, não importa quão bizarro o processo que a produz. (Mesmo se ela for formada, por exemplo, sob o Princípio Oscar Wilde de Formação de Crença: Sempre acredite no que causará o

máximo de consternação e desgosto entre seus colegas.) Um segundo tipo de exemplo: retorne ao Caso da Lesão Epistemicamente

Acidental. Como um resultado dessa lesão (e nós podemos estipular, se quisermos, que ela se desenvolve antes do nascimento), a maioria de minhas crenças são absurdamente falsas. Ela também me leva a acreditar, contudo, que eu estou sofrendo de uma lesão cerebral. Essa crença minha, tendo sido causada patologicamente, é claramente uma que tem pouca ou nenhuma garantia. Mas haverá um processo cognitivo, no sentido de Goldman, cuja saída seja essa crença; e nós podemos supor que esse processo – chamemo-lo ‘P1’ – ocorre apenas em conjunção com uma lesão do tipo em questão. Assim, o resultado de juntar

R4 P1 é permitido

para um sistema correto de regras-J será ele mesmo um sistema correto. Portanto, a explicação de Goldman leva à conclusão de que essa crença é justificada e, de fato, sob essas condições eu sei que estou sofrendo de uma lesão.

Com efeito, talvez possamos argumentar que na explicação de Goldman quase todas as crenças humanas são justificadas. Primeiro, um argumento de plausibilidade. Sem dúvida a grande maioria de crenças humanas são verdadeiras; a maioria das miríades ou milhões de nossas crenças cotidianas, afinal, são itens relativamente sem risco como parece outro dia chuvoso, sinto aquela dor no meu joelho esquerdo de novo, ela parece entediada esta manhã, esse cereal não está com gosto melhor do que estava

da última vez que o provei, e o gramado miserável precisa ser aparado de novo. Se é assim, contudo, a regra

R5 Qualquer processo cognitivo da parte do ser humano é permitido

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terá uma alta proporção de verdade no mundo atual. Mas então, presumivelmente, o mesmo valerá para os mundos suficientemente similares ao mundo atual; se a grande maioria de crenças humanas são de fato verdadeiras, então qualquer mundo em que a maioria das crenças humanas são falsas será muito diferente. Há razão para pensar, portanto, que R5 tem uma proporção de verdade relativamente alta – uma proporção de verdade maior que ½ - em todos os mundos relevantes. (Ainda mais [já que isso é tudo que preciso para meu argumento], há razão para fazer a afirmação mais fraca de que um análogo infinitário apropriado de uma proporção de verdade excedente de R5, assumidos todos os mundos relevantes, é apropriadamente alto.) É claro que, se R5 realmente tem uma alta proporção de verdade naqueles mundos, então (dependendo de quão alta uma proporção de verdade deve ser para a justificação epistêmica), na apresentação de Goldman todas as crenças humanas – de qualquer modo, aquelas produzidas por processos que sejam localmente confiáveis – serão justificadas e terão garantia.

Mas talvez você esteja inclinado a duvidar que a maioria das crenças humanas sejam de fato verdadeiras; talvez você duvide que R5 tenha uma alta proporção de verdade nos mundos relevantes. Muito bem, considere

R6 Qualquer triplo de processos é permitido, desde que dois deles tenham como saída teoremas de aritmética elementar. Claramente R6 terá uma alta proporção de verdade em todos os mundos e,

portanto, em todos os mundos relevantes (e se você não acha que uma proporção de verdade de 2/3 é alta o bastante, ajuste o exemplo para se adequar). Não se segue, é claro, que todas as minhas crenças serão justificadas, na explicação de Goldman; mas se segue que todas elas serão justificadas, desde que eu acredite em dois teoremas de aritmética elementar para cada proposição não aritmética em que acredito – mesmo que minhas crenças não aritméticas sejam paradigmas absolutos de ausência de justificação epistêmica.

O principal ponto, penso eu, é este: contrariamente à sugestão de Goldman, o que determina se a saída de um processo tem garantia não é simplesmente as proporções de verdade dos conjuntos de regras-J que o permitem. Para conferir garantia ou status epistêmico positivo, o processo em questão deve satisfazer outra condição. Ele deve ser não patológico; podemos dizer que o processo em questão deve ser aquele que pode ser encontrado nos conhecedores cujo aparelho cognitivo está funcionando apropriadamente; deve ser o tipo de processo que pode ocorrer em alguém cujas faculdades estão funcionando adequadamente.

IV. Peroração Concludente

A explicação EC de Goldman é complexa – complexa o bastante para obscurecer as linhas principais das explicações e introduzir dificuldades estranhas. Em alguns aspectos, o confiabilismo paradigma precedente é mais atrativo, mesmo que apenas por causa de sua simplicidade. Deixem-me concluir, portanto, por uma consideração breve, mais geral, de confiabilismo paradigma. A ideia básica é que uma crença tem garantia

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se é produzida por um mecanismo confiável ou poder ou faculdade produtora de crença. Inicialmente, penso eu, o modo natural para entender essa sugestão seria em termos de faculdades concretas produtoras de crença, tais como a memória de Paul ou o sistema visual de Paul. Então, a ideia seria que uma das crenças de Paul tem muita garantia se é produzida por sua memória ou visão, digamos, mas não se é produzida por meio de devaneios. Aqui o que conta é a confiabilidade do sistema concreto, ou órgão, ou faculdade, ou fonte de crença, mas é justamente isso que deve ser interpretado.

O primeiro Goldman, contudo, argumenta: ele propõe que não são sistemas ou faculdades concretas, mas tipos abstratos que são relevantes. Uma crença tem garantia para mim se ela é produzida por algum processo concreto (uma série de eventos de alguma espécie), processo esse que é um exemplo do tipo relevante – tipo relevante porque, é claro, todo processo será uma instância de muitos tipos diferentes. Quais tipos são os tipos relevantes? Essa questão precipita o problema da generalidade (ver p. 18 acima) e é excessivamente difícil de responder. Suponha que nós tivéssemos um meio de respondê-la, contudo: uma crença tem garantia para mim apenas no caso em que o tipo relevante T do processo que a produz é confiável. (E talvez possamos entender isso como a afirmação de que T é tal que a maioria das crenças produzidas por processos que caem sob T [tanto nos adequados mundos possíveis próximos como no mundo atual] são verdadeiras.) Agora, por que Goldman desvia-se de faculdades ou poderes concretos e direciona-se para esses tipos? A resposta: “Nessa interpretação, um processo é um tipo como aposto a um exemplar. Isso é completamente apropriado, uma vez que apenas tipos têm propriedades estatísticas tais como produzir verdade 80% do tempo; e são precisamente tais propriedades estatísticas que determinam a confiabilidade de um processo.” Mas tal como está, isso parece muito errado. Um barômetro concreto atual (como oposto ao tipo barômetro) pode perfeitamente ser confiável, e pode ter a propriedade estatística de registrar corretamente a pressão atmosférica. Meu relógio digital de oito dólares é muito mais preciso do que qualquer daqueles Bulovas caros de dezessete rubis acionado por molas, que pareciam tão elegantes 30 anos atrás. Aqui não são tipos que são comparados para precisão: o que digo é que meu relógio digital, este mecanismo realmente concreto, é mais preciso do que qualquer Bulova acionado por molas. Assim, essa não é uma boa razão para desenvolver o confiabilismo paradigma em termos de tipos em vez de exemplares.

Mas penso que há uma boa razão, da perspectiva Goldmaniana, e ela emerge quando tentamos acomodar graus de garantia. Goldman diz que o grau de garantia desfrutado por uma crença particular é uma função do grau de confiabilidade do tipo relevante de processo. Agora, suponha que tentamos desenvolver a teoria não em termos de tipos, mas de concretos tais como a visão de Paul. Primeiro, nós deveríamos ter de invocar a noção de função própria: as crenças visuais que Paul forma quando bêbado ou quando sua visão está de outra maneira prejudicada não terá muito de garantia para ele, ainda que sua visão seja em geral bastante confiável. Mas então a teoria não seria mais uma teoria confiabilista; ela seria uma teoria mais parecida com a que é apresentada em Warrant and Proper Function. Segundo e igualmente importante, o problema será que algumas das crenças induzidas pela visão de Paul terão muito mais garantia que outras; suas crenças sobre o que vê de perto sob boa luz terão mais garantia do que o que ele vê

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sob luz fraca a alguma distância; então, não pode ser que o que determina o grau de garantia de uma das crenças induzidas pela visão de Paul será apenas a confiabilidade em geral de sua visão. Assim, se nós tentamos explicar o grau de garantia em termos de faculdades ou poderes concretos tais como a visão, corremos para um mau fim.

É claro que há subfaculdades tanto como faculdades: e assim como a visão é uma subfaculdade da percepção, assim pode haver subfaculdades da visão. Talvez haja subfaculdades restritas o bastante para que todas as suas saídas tenham o mesmo grau de garantia, de modo que o confiabilista poderia dizer que o grau de garantia desfrutado pelas saídas dessas subfaculdades é uma função da confiabilidade daquela subfaculdade (embora ele ainda tivesse de estipular que as subfaculdades em questão estavam funcionando apropriadamente). Talvez haja subfaculdades tão restritas quanto aquela – mas então, de novo, talvez não haja. Nós não podemos simplesmente inventar subfaculdades e órgãos; presumivelmente, não há qualquer órgão que seja a soma do meu coração e do meu joelho esquerdo, por exemplo, e não há qualquer subfaculdade cuja saída consista, digamos, em crenças visuais produzidas nos sábados junto com a crença de que 4 + 1 = 5. Nós não podemos manipular processos ou mecanismos concretos de qualquer modo que quisermos. Existe a faculdade ou poder da fala; mas não existe qualquer coisa tal como uma faculdade ou órgão cuja saída é, digamos, metade das palavras que eu falo. Não há nenhum órgão cuja saída seja metade do que minha laringe emite, junto com metade do que seu coração faz. As questões de quais subfaculdades existem e de se há subfaculdades do grau certo de generalidade são questões empíricas para as quais nós não temos, no momento, sequer esboços de respostas decentes.

Então, não podemos absolutamente estar certos de que há faculdades ou subfaculdades concretas de estreiteza correta; e justamente aqui é onde tipos são úteis. Nós podemos inventar tipos ad libitum (mais realisticamente, qualquer tipo que nós possamos achar útil já está lá). Assim, por exemplo, há o tipo é um coração ou um

estômago e há também o tipo crença visual sobre lírios de tigre no quintal de Martha; existe até o tipo crença da parte de Paul que ou é produzida no sábado ou é a crença de

que 4 + 1 = 5. Ainda mais no presente ponto, há tipos do gênero mencionado acima: evento (cognitivo) da espécie e1, seguido por evento da espécie e2, ..., seguido por exemplo da espécie en, onde o último item é uma crença. Esses tipos podem claramente ser do grau relevante de especificidade, uma vez que eles podem ser de qualquer grau de especificidade que se queira.

Tristemente o bastante, contudo, se nós desenvolvermos a teoria em termos de tipos desse gênero, então nós temos os problemas que acabei de mencionar: por exemplo, o tipo de processo cujo último item é a crença em uma tautologia (ou o correlato cortical apropriado disso) é altamente confiável, mas as saídas desse tipo não chegam perto de ter garantia. E é claro que nós também temos aquele problema da generalidade. Deixem-me dar um exemplo final para ilustrar esse problema. Suponha que eu fui atingido por uma descarga de raios cósmicos, resultando na seguinte disfunção desagradável. Sempre que eu ouço a palavra ‘primo’ em qualquer contexto, eu formo uma crença, com respeito a um número natural menor que 100.000 escolhido aleatoriamente, de que ele não é primo. Assim, você diz “Pacific Palisades é uma área

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residencial perfeita” ou “Carne de primeira é minha favorita” ou “Primeiro você deve armar a bomba” ou “(17’) implica (14’)” ou “A taxa principal está diminuindo de novo” ou qualquer outra coisa em que a palavra4 apareça; em cada caso eu formo uma crença, com respeito a um número natural aleatoriamente selecionado entre 1 e 100000, de que ele não é primo. O processo ou mecanismo em questão é de fato confiável (dada a vasta preponderância de não primos nos primeiros 100.000 números naturais), mas minha crença – de que, digamos, 41 não é primo – tem pouca ou nenhuma garantia. O problema não é simplesmente a crença ser falsa; o mesmo vale para minha crença (verdadeira) de que 631 não é primo, se ela for formada desse modo. Assim, a formação confiável de crença não é suficiente para a garantia. O processo ou mecanismo produtor de crença é de fato confiável; mas é apenas acidentalmente confiável; apenas acontece a ele, em virtude de uma peça de serendipidade epistêmica, boa sorte epistêmica, produzir majoritariamente crenças verdadeiras; e isso não é suficiente para garantia. Em Warrant

and Proper Function em tentarei explicar o que é, para um processo, ser apenas acidentalmente confiável. Uma vez que vejamos isso, seremos também capazes de ver o que é exigido para a garantia.

4 Nota do tradutor: a palavra ‘prime’ em inglês é polissêmica. Assim, nos exemplos de sentenças que ele

dá, entenda-se que ‘perfeita’, ‘primeira’, ‘armar’ (mais precisamente, preparar), e ‘principal’, bem como ‘primo’(número) equivalem a significados de ‘prime’, motivo pelo qual ela aparece em todas aquelas sentenças em inglês.

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10 – Prospecto e Retrospecto

É hora de fazer um inventário. Notamos no capítulo I que a epistemologia britânica e americana do século XX foi dominada por noções internistas, das quais a mais importante é a de justificação. Também notamos que a epistemologia contemporânea apresenta um turbilhão de visões vasto, confuso e desorientador, e isso em dois domínios cruciais. Primeiro, há muita confusão sobre o que é a conexão entre justificação, de um lado, e conhecimento, evidência e restrições internistas, de outro. Segundo, há o mesmo turbilhão de opiniões confuso e desorientador sobre o que é a própria justificação. Entre algumas das candidatas mais populares: justificação é tomada como uma questão de responsabilidade ou aptidão epistêmica para o cumprimento de dever epistêmico, como uma “avaliação” de quão bem você cumpriu seus objetivos epistêmicos, como sendo acreditada ou aceita com base em um adequado fundamento que conduz à verdade, como sendo produzida por um confiável mecanismo produtor de crença, sendo sustentada por ou ajustada à evidência, e como uma questão de tudo estar correndo bem, para o sujeito cognoscente, com respeito a processos cognitivos ‘derivados da experiência’.

Nós vimos que pode ser introduzida ordem nesse caos rastreando-se a noção de justificação na sua fonte, no deontologismo clássico de Descartes e (talvez mais importante) Locke. Descartes e Locke falam de dever e obrigação epistêmicos. Descartes parece dizer que alguém é obrigado a não acreditar em qualquer coisa que não seja clara e distinta; Locke vê nosso principal dever epistêmico como de ajustar a crença à evidência fornecida pelo que é certo: meu dever é acreditar em uma proposição que não é certa para mim no grau em que ela é provável com respeito ao que é certo para mim. Ora, alguns de nossos contemporâneos (Bonjour, o Chisholm clássico) descrevem justificação explicitamente em termos de responsabilidade ou aptidão para o cumprimento de dever epistêmico, seguindo assim o exemplo de Descartes e Locke; outros (Alston, Conee e Feldman, muitos outros) descrevem justificação como acreditar com base com base em evidência, isto é, em termos do conteúdo do que Locke vê como nosso principal dever epistêmico. Ainda outras visões (Lehrer, Cohen) podem ser entendidas como relacionadas a essa noção deontológica original por meio de extensões analógicas de um tipo ou de outro. E ainda em outros casos (Goldman), não há conexão real com a noção deontológica, mas, em vez disso, conexão verbal: justificação é usada como um nome para aquela qualidade ou quantidade, seja o que for, da qual o bastante é suficiente para transformar crença verdadeira em conhecimento (e na visão de Goldman essa qualidade ou quantidade não é justificação propriamente denominada). Finalmente, vimos que as preocupações internistas características da epistemologia contemporânea devem também ser entendidas em termos dessa deontologia original; pois o internismo flui da deontologia e torna-se desmotivado sem ela.

Então nos voltamos para um exame das explicações internistas contemporâneas de garantia. O que é característico das explicações internistas é que elas veem garantia

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essencialmente como uma questão de justificação: essa qualidade ou quantidade que transforma crença verdadeira em conhecimento é simplesmente, de acordo com os internistas, justificação, ou talvez justificação junto com um estímulo para acalmar Gettier. Nós começamos com o trabalho impressionante de Roderick Chisholm. Há muito a ser aprendido de Chisholm; mas o que nós vimos foi que justificação, cumprimento de dever epistêmico, não chega nem perto de ser necessário ou suficiente para a garantia. Como nós também vimos, tanto as explicações Chisholmianas clássicas como as pós-clássicas naufragam no choque com a rocha da disfunção epistêmica. Nós notamos que considerações sobre função própria também demonstram a inadequação do coerentismo, se tomadas puras ou na forma sofisticada, perceptiva, oferecida por Laurence Bonjour. Voltando-nos para o Bayesianismo, uma forma específica de coerentismo do século XX, nós observamos primeiro que ela tem pouco a contribuir para uma explicação de garantia, focando-se, em vez disso, naquela noção extravagante, evasiva e pluriforme de racionalidade; e uma consideração do Bayesianismo ofereceu uma oportunidade de explorar essa noção. O que o Bayesiano nos oferece é uma imagem de um aspecto de uma criatura idealmente racional – ou então uma imagem de racionalidade (no sentido tradicional de capacidade de pensamento, reflexão e inferência) extendida e idealizada em uma direção particular.

Tendo falhado em encontrar uma explicação satisfatória de garantia entre os internistas inequívocos, nós nos voltamos para o internismo equívoco de John Pollock, cujo trabalho ocupa um meio termo interessante, mas nada fácil, entre o internismo e o externismo. Fundamentalmente, de acordo com Pollock, você está justificado em acreditar em uma proposição A se você chegou a ela em conformidade com suas normas epistêmicas. O principal problema foi que parece perfeitamente possível proceder em termos de normas incorretas, de tal modo que as crenças de alguém seriam justificadas nos moldes de Pollock, mas ainda não teriam garantia. Nós nos movemos, então, para as explicações de garantia explicitamente externistas e confiabilistas de Alston, Goldman e Dretske. O confiabilismo é um passo substancial na direção certa; talvez nós pudéssemos ver o confiabilismo como uma primeiríssima aproximação da verdade do problema. Ainda, ele sofre de problemas profundamente debilitantes – problemas que não precisam ser recontados aqui (uma vez que, afinal, eles aparecem apenas um capítulo atrás), mas que centram-se, de novo, na noção de função própria.

A ideia de função própria figura proeminentemente nas dificuldades com as principais visões correntes de garantia; isso sugere que essa noção está muito mais profundamente envolvida em nossa ideia de garantia do que é correntemente reconhecido. Essa sugestão, penso eu, é nada mais (nada menos) do que a verdade crua. Em Warrant and Proper Function eu desenvolvo essa ideia em detalhes; aqui eu notarei brevemente suas principais características. O que pretendo explicar e explorar é nossa noção de garantia, uma noção que quase todos nós temos e empregamos em nossas ocupações cotidianas. Essa noção não é mais bem explicada, penso eu, apenas por produzir um conjunto de várias condições necessárias e suficientes. Tal procedimento é adequado em lógica e matemática; ele funciona um pouco menos ou menos diretamente,

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digamos, na metafísica da modalidade, e funciona ainda menos (ou ainda menos diretamente) em epistemologia. O que nós temos realmente são paradigmas: casos centrais, claros e inequívocos de conhecimento e garantia. Mas há também um tipo de zona de penumbra de casos possíveis rodeando os casos centrais; esses casos não se conformam exatamente às condições que caracterizam os casos centrais, mas estão, em vez disso, relacionados por meio de extensão analógica e similaridade. E há ainda um cinturão ainda mais obscuro de casos possíveis além daquele, uma área que é constituída por casos de fronteira, casos onde não é realmente claro se o que nós temos é conhecimento (garantia) ou não. Mais exatamente, há casos de fronteira entre os casos centrais paradigmáticos e aqueles que constituem a zona analógica, e há casos de fronteira entre os últimos e os casos que de maneira nenhuma são casos de garantia.

Nesse sentido, uma boa maneira de caracterizar nosso conceito de garantia (mais precisamente: nosso sistema de conceitos de garantia analogicamente relacionados) é especificar as condições que governam o núcleo paradigmático central (aqui condições necessárias e suficientes são apropriadas) junto com algumas das extensões analógicas e uma explicação da base analógica da extensão. Esse procedimento é menos elegante e lamentavelmente mais complexo que a análise simples que nós aprendemos em nossa juventude; certamente ele é menos sofisticado do que estabelecer, em uma ou duas cláusulas austeramente elegantes, as condições necessárias e suficientes que governam o conceito. Seguir o procedimento que eu defendo também torna muito mais difícil a tarefa de avaliar uma explicação proposta: o suposto contraexemplo é um contraexemplo genuíno às condições apresentadas como necessárias e suficientes para o núcleo central e paradigmático do conceito? Ou, em vez disso, ele cai numa daquelas áreas de penumbra? Tudo que posso dizer a fim de desculpar-me é que, primeiro, nós devemos acatar o dito de Aristóteles em não esperar mais claridade do que o assunto permite e, segundo, esse procedimento, se menos elegante, é também mais realístico e pode nos deixar mais perto da verdade.

A noção de função própria, digo, é crucial para os paradigmas centrais de conhecimento e garantia. Mas essa noção está indissociavelmente envolvida com outra: a do plano de desígnio do órgão, ou organismo, ou sistema em questão – o modo como supõe-se que a coisa em questão funciona, o modo como ela funciona quando funciona apropriadamente, quando ela não está sujeita à disfunção. Plano de desígnio e função

própria são noções interdefiníveis: uma coisa (organismo, órgão, sistema, artefato) está funcionando apropriadamente quando ela funciona de acordo com seu plano de desígnio, e o plano de desígnio de uma coisa é uma especificação do modo como uma coisa funciona quando ela está funcionando apropriadamente. Assim, nós podemos dizer, como eu disse, que a noção central com respeito a garantia é a de função própria; mas podemos igualmente dizer que a noção central é a de plano de desígnio. Em qualquer evento, a primeira condição para a crença ter garantia, da forma como vejo, é ela ser produzida por faculdades funcionando apropriadamente. Mas de maneira nenhuma isso é suficiente. A outra condição é que o ambiente cognitivo no qual a crença é produzida deve ser aquele ou parecido com aquele para o qual ela foi

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designada. Suas faculdades epistêmicas podem estar funcionando com propriedade perfeita; você pode ter passado com excelência em seu exame anual no MIT; mas se foi repentinamente transportado para um ambiente cognitivo totalmente diferente e estranho, suas crenças podem ter pouca ou nenhuma garantia. A imagem básica, aqui, é que nós temos faculdades cognitivas que são adaptadas (por Deus ou pela evolução, ou por ambos) ao nosso meio, ao nosso ambiente cognitivo; e quando uma crença é produzida por essas faculdades funcionando apropriadamente, então nós temos garantia.

Mas nós realmente temos de acrescentar outra condição ou duas. Primeiro, nem todo caso de função própria cognitiva é planejada para a verdade, para a produção de crenças verdadeiras. Sofrendo de uma doença geralmente fatal, você pode formar crenças irrealistas sobre a probabilidade de sua recuperação; você pode pensar que essa probabilidade é muito mais do que as estatísticas em seu domínio garantiriam. Esse não precisa ser o caso de uma disfunção epistêmica; talvez nós sejamos projetados de modo a formar, sob tais condições, crenças mais otimistas do que as estatísticas garantem, porque tal otimismo, por si mesmo, aumenta as chances de sobrevivência. (Compare o caso de William James do alpinista cuja confiança de que ele pode saltar a fenda é alta demais de um ponto de vista [ele nunca saltou uma fenda daquele tamanho], mas é necessária para que ele tenha qualquer chance de conseguir saltar.) Mais geralmente, muitas crenças são formadas parcialmente como um resultado de (por exemplo) devaneio; e não é absolutamente claro se o que nós temos lá é disfunção epistêmica. Devaneio tem seus propósitos, mesmo se formar crenças com grau máximo de verossimilhança não estiver entre eles. Crenças desse tipo são, então, produzidas por faculdades cognitivas que funcionam apropriadamente no ambiente para o qual essas faculdades foram projetadas; contudo, elas carecem de garantia. Então, mais uma condição deve ser acrescentada; para ter garantia, uma crença também deve ser tal que o propósito do módulo das faculdades epistêmicas produtoras da crença é produzir crenças verdadeiras. Outra maneira de colocar isso: a crença tem garantia apenas se o segmento do plano de desígnio que governa sua produção é planejado para a verdade, para a produção de crenças verdadeiras.

Ser produzida por faculdades que funcionam apropriadamente, planejadas para a verdade, no ambiente para o qual essas faculdades são projetadas – estes são aspectos centrais do nosso conceito de garantia. Há um aspecto mais central dele, contudo: e é que o plano de desígnio das faculdades em questão deve ser um bom plano. Um anjo pode projetar minhas faculdades, tencionando produzir criaturas racionais cujas crenças sejam majoritariamente verdadeiras. Contudo, se esse anjo for um dos anjos preguiçosos, ou incompetentes, ou imaturos de Hume, então o fato de que minhas crenças são produzidas por faculdades que funcionam apropriadamente (isto é, exatamente como elas foram projetadas para funcionar), no ambiente para o qual elas foram projetadas, e de acordo com um plano de desígnio orientado para a verdade – esse fato não será suficiente para a garantia. É também necessário que o desígnio em questão seja um bom desígnio: isto é, deve haver uma probabilidade objetiva substancial de que uma crença daquele tipo, produzida sob aquelas condições, seja verdadeira. Nós

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podemos chamar isso de a pressuposição de confiabilidade; é a condição de garantia que o confiabilista capta. Embora não seja a verdade toda, é de fato uma parte da verdade, e é por essa razão que podemos ver o confiabilismo como uma aproximação (mesmo que, pelo menos, uma pequena aproximação) da verdade.

Depois de explicitar a ideia central, eu me voltarei para um número de qualificações que têm a ver com o plano de desígnio. Há multiplicidade funcional: o fato de que uma dada parte do plano de desígnio pode ser planejada para o cumprimento de mais de um propósito; existe a distinção entre o plano de desígnio e o plano máximo, entre propósito e desígnio, entre resultados tencionados e subprodutos não tencionados, entre respostas que satisfazem o propósito principal de um sistema e aquelas que estão lá como resultado de trocas e compromissos, e assim por diante. (Essa última distinção dá-nos um meio de lidar com um análogo do temido problema de Gettier.) Então, nos poucos capítulos seguintes eu explorarei algumas das principais áreas do nosso sistema epistêmico, voltando-me sucessivamente para a memória, conhecimento de si mesmo, conhecimento de outras pessoas, percepção, conhecimento e crença a priori, indução e probabilidade . Depois explorarei certas características gerais do plano de desígnio epistêmico: sua estrutura fundacionista, o sistema defector e superador, e o lugar da evidência. Nos últimos dois capítulos, eu argumentarei, primeiro, que é extremamente difícil ver como dar qualquer coisa como uma explicação ou análise naturalista das noções de função própria, plano de desígnio e seus colegas nesse círculo de noções interdefiníveis. Concluirei, então, argumentando que, enquanto a visão que estou propondo cai indisputavelmente sob a rubrica da epistemologia naturalista, esta floresce muito melhor no jardim do teísmo supranatural do que no do naturalismo metafísico ou teológico.