conferência de berlim

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A Conferência de Berlim História das Relações Internacionais I Licenciatura em Relações Internacionais Docente: Professor Doutor João Pedro Amaral Cabouco Rodrigues Discentes: Joana Filipa Neves Rodrigues – 2015249430 Joana Filipa Prata e Cunha – 2015230979 Rui Pedro da Silva Rodrigues – 2012170427 Sofia Montalvão Furtado Pedro Seguro – 2015231644

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Page 1: Conferência de Berlim

A Conferência de Berlim

História das Relações Internacionais I

Licenciatura em Relações Internacionais

Docente: Professor Doutor João Pedro Amaral Cabouco Rodrigues

Discentes: Joana Filipa Neves Rodrigues – 2015249430

Joana Filipa Prata e Cunha – 2015230979

Rui Pedro da Silva Rodrigues – 2012170427

Sofia Montalvão Furtado Pedro Seguro – 2015231644

Page 2: Conferência de Berlim

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Índice

Nota Introdutória .......................................................................................................................... 3

A política colonial dos países intervenientes na Conferência de Berlim ...................................... 5

Conferência de Berlim ................................................................................................................. 13

A partilha efetiva de África .......................................................................................................... 18

A questão luso-britânica do mapa cor-de-rosa ........................................................................... 20

Nota Conclusiva ........................................................................................................................... 22

Bibliografia .................................................................................................................................. 24

Page 3: Conferência de Berlim

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Nota Introdutória

No âmbito da unidade curricular de História das Relações Internacionais I, lecionada no

primeiro ciclo de Relações Internacionais, na Faculdade de Economia da Universidade de

Coimbra, foi realizado o presente trabalho no sentido de aprofundar conhecimentos acerca da

Conferência de Berlim.

Deste modo, serão referidas numa abordagem prévia as linhas gerais que demarcam o

contexto internacional antecedente à concretização de uma das mais importantes Conferências

no que concerne às Relações Internacionais, como será comprovado.

De especial importância para este trabalho é a designada “Era dos Impérios”, época que

abrange os anos entre 1875 e 1914, período no qual se chegou a um número máximo de

governantes que se intitulavam de Imperadores, fazendo agitar as suas bandeiras, surgindo um

novo tipo de império: o império colonial. Foi então nesta altura que se procedeu à divisão formal

de territórios pelas principais potências imperialistas como iremos referir.

Durante o século XIX, decorria a Revolução Industrial que se alastrava a um número cada

vez maior de países, o que teve uma enorme importância histórica para a sociedade atual. Na

verdade, a substituição do trabalho artesanal ou manufatureiro pelo industrializado acarretou

inúmeras mudanças económicas e sociais, permitindo, por exemplo, a produção em série de

bens industrializados (de maior qualidade frequentemente), o que originou uma maior obtenção

de lucros. Esta profunda transformação económica teve naturalmente repercussões sociais: a

população começou a deslocar-se dos pobres campos para as grandes cidades, verdadeiros

centros urbanos, seduzida pela ideia das máquinas e da modernidade, na esperança de alcançar

melhores condições de vida.

Com efeito, este desenvolvimento económico tão brutal motivou igualmente o

crescimento demográfico, verificando-se a necessidade de procurar novos mercados e áreas

geográficas para onde se pudesse escoar tanto a produção como a população excedente desses

países que se industrializavam.

Assim sendo, nesta altura, verifica-se o acentuar dos nacionalismos pela real

necessidade de expansão agressiva dos Estados, característica que se tornou fulcral deste

movimento colonialista.

Page 4: Conferência de Berlim

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Por todos estes motivos, no decorrer do século XIX, diversas potências a nível mundial

começam a manifestar cada vez mais interesse particular no continente negro. África apresenta-

se, de facto, como um continente abundante em matérias-primas e recursos minerais – por

exemplo, o ouro e o diamante - e igualmente riquíssimo em fontes energéticas, como o petróleo

e o gás natural, tornando-se o foco da atenção global sobretudo no último quartel do século XIX.

De facto, a Ata Geral da Conferência de Berlim redigida pelos países intervenientes

propunha-se a abolir a escravatura e a civilizar os povos africanos, o que não se vai verificar,

dado que prevalecerão os interesses políticos e económicos das potências mundiais.

Page 5: Conferência de Berlim

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A política colonial dos países intervenientes na Conferência de

Berlim

O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda é a maior potência econômica imperialista do

século XIX, possuindo já diversos territórios ultramarinos, como a Índia Britânica e a

Comunidade da Austrália. Na década antecedente à realização da Conferência de Berlim, o

entusiasmo colonial parecia ter-se esbatido: a Inglaterra procurava apenas impor o direito

europeu nos territórios que já possuía, como, por exemplo, na região do Egito, conquistada

provisoriamente desde 1882, e na Província de Cabo, local com uma história de conflitos devido

à Guerra dos Boers, não pretendendo expandir o seu império como algumas das potências

europeias. A política inglesa limitava-se neste período sobretudo a defender as suas rotas

comerciais do Canal do Suez – que permitia um rápido acesso à Índia – e do Cabo.

Neste sentido, considera-se que “The decisive motive behind late victorian strategy in

Africa was to protect the all importante stakes in India and the East” (ROBINSON et

GALLAGHER, 1961, p.464), ou seja, a política inglesa sobre África tendia substancialmente a

proteger o seu antigo império e a manter a sua hegemonia, vendo com maus olhos o

crescimento económico que a Alemanha apresenta.

Gladstone, uma figura inglesa proeminente na política da época, defendia a manutenção

da conceção liberal imperialista associada a uma esfera de influência indireta nos territórios

ultramarinos – garantindo o livre comércio – mas sem intervenções militares nesse espaço, uma

vez que os domínios territoriais implicavam pesados encargos decorrentes, por exemplo, da

necessidade de uma forte presença militar local.

Contudo, havia posições antagónicas na política inglesa. Benjamim Disraeli, opositor de

Gladstone, defendia uma política expansionista agressiva ligada ao fomento naval. Com efeito,

realizaram-se diversas expedições para a exploração do tão desejado continente negro, das

quais se destacam nomes como Samuel e Florence Baker, Speke ou Livingstone. O Império

Britânico pretendia também construir uma linha ferroviária que ligasse as cidades do Cairo e do

Cabo, cortando de Norte a Sul o território africano, esforçando-se para que toda a região em

que a linha se encontra fosse território britânico.

Apesar das intenções de Gladstone de não expandir o império, os Britânicos foram-se

instalando no Natal e no Cabo (África do Sul), na Bechuanalândia (atual Botswana), anexando

também a Baía de Santa Lucia em finais de 1884.

Page 6: Conferência de Berlim

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Desde 1871, o equilíbrio das forças europeias sofreu alterações que prejudicaram a

Inglaterra, favorecendo a Alemanha, e que tiveram repercussões na relação luso-britânica – em

1884, é assinado o Tratado de Zaire entre Inglaterra e Portugal que não teve o efeito pretendido.

Em suma, é possível concluir que a política externa inglesa seguiu preferencialmente, no

início dos anos 80, a posição gladstoniana anti-imperialista; porém, a Grã-Bretanha, à medida

que se apercebia que as ambições expansionistas das potências europeias poderiam pôr em

causa a sua política colonial, começou a interessar-se progressivamente pelo interior de África

e a jogar com a posição estratégica de Portugal na cena internacional.

Em relação à França, na sequência da guerra Franco-prussiana e, consequentemente, da

perda do território de Alsácia-Lorena, a França foi incentivada pelo chanceler Alemão Bismarck

a enveredar por uma política de expansão colonial, sugerindo compensações coloniais por parte

da Alemanha na futura Indochina Francesa, pretensão que foi veemente negada.

Porém, no sentido de tentar diminuir os efeitos da humilhação francesa e de

simultaneamente garantir a sua hegemonia no velho continente, o político alemão incentivava

as ambições dos franceses de obter possessões além-mar. Estas ideias mostraram-se coniventes

com as de Jules Ferry - primeiro-ministro francês entre 1880-81 e 1883-85 - defensor de uma

política de expansão colonial que elevasse de novo a sua nação ao nível de uma grande potência,

conduzindo França à obtenção do protetorado sobre a Tunísia (1881) e na Indochina (1883-85)

e à posse da Guiné (1881).

Na verdade, Jean Stengers – historiador belga – considera que a iniciativa da corrida

colonial a África partiu de França, iniciando-se com a celebração dos tratados concluídos em

1880 entre Brazza (francês que tomou posse de territórios no Congo) e o makoko llo, e seguindo-

se com o estabelecimento de protetorados na África Ocidental. Jules Ferry julgava que França

deveria alargar os horizontes, olhando para o mundo inteiro para assim não entrar em

decadência. Apesar da derrota humilhante na Guerra Franco-Prussiana, a França manteve o seu

prestígio inabalado, dado que o conseguiu reafirmar com a criação, em poucos anos, de um

grande império ultramarino norte africano, “[…] conquistado ou adquirido […] perante a

indiferença de maior parte da opinião pública”. (Brunschwig, 1971, p.39)

Tentando aproveitar os jogos políticos estratégicos internacionais, Ferry procurou

Bismarck que se mostrou disponível para apoiar totalmente França no confronto com os

interesses britânicos no Egito. Nesta reunião, Bismarck advertiu ainda Ferry para o perigo do

tratado luso-inglês supracitado, celebrado em 1884. Na sequência destas audiências, o primeiro-

ministro francês ficou desconfiado dos verdadeiros interesses do chanceler alemão, dado que

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este seu incentivo para França ir contra Inglaterra na questão egípcia poderia ser uma maneira

astuta de enfraquecer França, ao fazê-la entrar em conflito com outras nações europeias.

Posteriormente, os dirigentes franceses convenceram-se finalmente que o apoio de Berlim os

poderia beneficiar dado o seu crescente interesse na bacia do Zaire.

De facto, em inícios de 1884, iniciaram-se as negociações para um entendimento

colonial na bacia do Zaire: França e Alemanha protestaram contra o Tratado Luso-Britânico,

acabando o Programa da Conferência de Berlim por ser acordado entre Ferry e Bismarck em

agosto desse mesmo ano, tomando forma a “entente colonial franco-alemã contra a poderosa

Grã-Bretanha”. (GUEVARA, 2006:40)

Quanto à situação da Bélgica, após dois séculos sob domínio espanhol, este Reino

conseguiu finalmente conquistar a sua independência. O rei Leopoldo II subiu ao trono com a

missão de tornar o seu país mais poderoso, tendo convocado logo em setembro de 1876 a

Conferência Internacional da Geografia que abordaria a criação do Estado Livre do Congo.

Primeiramente, o rei propunha apenas “a abertura de África à civilização”, lutando contra a

escravatura e estabelecendo estações científicas e hospitalares, ocultando assim os seus

verdadeiros propósitos políticos.

No seguimento desta Conferência, criou-se a Associação Internacional para a Exploração

e a Civilização em África, presidida pelo rei belga e constituída por uma comissão internacional.

Aquando da assinatura do Tratado do Zaire Luso-Britânico, Leopoldo solicitou a Bismarck que se

opusesse a este. Esta proposta foi aceite de bom grado, visto que, como já foi referido

anteriormente, o chanceler procurava evitar que a Inglaterra fosse a única potência a dominar

a região do Zaire. Deste modo, Leopoldo assegurou ainda aos comerciantes alemães e britânicos

um tratamento especial, o que conduziu ao reconhecimento da criação do Estado Livre do Congo

pelo governo germânico mesmo antes da primeira reunião da Conferência de Berlim.

Na Conferência de Berlim, é de extrema importância para o povo belga e para o seu

crescimento enquanto nação a manutenção do território congolês sob domínio do Reino

Belga. Assim sendo, o rei belga utilizou também meios pouco ortodoxos – nomeadamente

subornos e acordos secretos – com França e os Estados Unidos, conseguindo assim o seu

aval. Alegadamente movido por ideais humanitários, o rei Leopoldo iniciou ainda uma

campanha contra Portugal, denunciando o obscuro tráfico de escravos empreendido pelos

Portugueses, visando retirar-lhes o direito sobre o Zaire.

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Esta campanha anti esclavagista foi utilizada posteriormente como arma política por

outras nações, chegando inclusivamente a ser usada para atacar o próprio rei belga que a havia

empreendido originalmente.

Por sua vez, a Alemanha realizou várias tentativas de colonizar o território africano. No

final da Guerra dos Trinta Anos, Frederico Guilherme I organizou uma frota em Brandeburgo que

partiu em 1680 para explorar a costa ocidental africana e que originou a Companhia Eleitoral do

Brandeburgo Africano. Esta Companhia abrangia a Costa da Mauritânia, que foi vendida aos

holandeses pelo rei Frederico I da Prússia. Não foi só a Costa Mauritânia que saiu da alçada da

Alemanha; posteriormente esta também perdeu todas as suas colónias - que passara a

administrar após a Conferência de Berlim - com a derrota na I Guerra Mundial.

A Alemanha passara pelo processo de unificação dos seus territórios durante o século

XIX, utilizando a promoção do sentimento nacionalista para incentivar o crescimento

económico. Em 1882, o chanceler alemão Bismarck criou a Tríplice Aliança, acordo militar entre

o reino da Itália, a Áustria-Hungria e a Alemanha, formando-se uma forte união no centro da

Europa. Mais tarde, a Alemanha dá início à sua política imperialista, conquistando os territórios

de Togo e Camarões.

A Conferência de Berlim não foi a primeira reunião a ser realizada com o objetivo de

dividir o território africano. Já a anteriormente concretizada Conferência Geográfica de Bruxelas

partilhava o mesmo propósito, sendo, por isso, vista por muitos historiadores como o início

efetivo da partilha do continente negro.

Na verdade, a Alemanha soube tirar proveito do atraso na assinatura do Tratado luso-

britânico para organizar a sua oposição à ratificação deste tratado até à Conferência de Berlim,

tendo a sua expansão colonial sido mais tardia do que a da Inglaterra e França. Otto Bismarck

queria vincar o papel do povo germânico nas relações internacionais na Europa, posicionando

assim a Alemanha na corrida à colonização africana, a partir de 1883. Este país recebeu ainda a

atenção de Portugal, que acreditava que este e França poderiam ser uma base de apoio que

colmatasse a privação de apoio inglês nas posições portuguesas.

Na Conferência, a Alemanha visa então expandir o seu domínio no território africano

entre Togo e Camarões – zona do sudeste africano; obter a neutralidade e liberdade da bacia do

Congo; e, por fim, a liberdade de uso da bacia do Níger.

Quanto a Portugal, a manutenção das possessões além-mar apresentava-se como uma

condição essencial à subsistência do império luso, que havia sido afetado pela perda do Brasil

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em 1822, orientando os dirigentes portugueses na edificação de um novo império

substancialmente africano, cuja presença lusa se justificava pela sua missão histórica colonial.

Portugal enviara expedições a África desde 1840 e conseguira estabelecer algumas

bases isoladas no interior de Angola; porém, os limites do interior estavam mal definidos,

dependendo também das «cidades fortaleza», no litoral, resultando maior parte das vezes

apenas numa soberania nominal de Portugal nestes territórios.

Quando o rei belga Leopoldo convocou a supramencionada Conferência Internacional

Geográfica sem convidar Portugal, provocou uma reação imediata de Lisboa que rapidamente

preparou homens para realizar expedições que tinham como objetivo final ligar Angola a

Moçambique. Nesta altura, a concorrência de missões estrangeiras alemãs e britânicas em

África teve impacto em Portugal, que se sentiu ameaçado devido à escassez de missionários

lusos para evangelizar a população, tendo-se recorrido a congregações religiosas estrangeiras

católicas. Estes missionários alertaram Portugal para o perigo das intenções germânicas de

entrar na esfera de influência portuguesa junto dos chefes africanos locais.

Entretanto, também vigorava a ideia de que Portugal devia ambicionar novos territórios

ultramarinos e expandir-se, fomentando tanto a prosperidade como a regeneração da

metrópole. Para fazer face à corrida colonial em África, traduzida nas crescentes ambições

ultramarinas das potências europeias, Portugal criou a Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL),

na qual se afirmavam os direitos históricos derivados do papel pioneiro do país na descoberta

da foz do rio Zaire.

Em suma, ao contrário do que às vezes se afirma, Portugal empreendeu ações frenéticas

no sentido de proteger e até mesmo expandir as suas colónias. É importante notar que, apesar

de a ação de Portugal no contexto internacional estar condicionada em diversos aspetos – como,

por exemplo, devido às suas debilidades estruturais – este demonstrou ter conseguido usar uma

«hábil diplomacia» que visava evitar perder as colónias, salvaguardando a imagem da

monarquia portuguesa. Portugal soube então transformar aquilo que se apresentara no início

como um obstáculo numa vantagem: o “fator alemão”, que tornou possível descartar a hipótese

de que a única solução para não perder colónias, sobretudo em África, era uma reaproximação

à Grã-Bretanha, um antigo aliado. Com efeito, a Conferência de Berlim mostrará aos lusitanos

que a diplomacia europeia será o melhor meio para defender as suas possessões além-mar.

Nesta conferência participaram também vários países que não possuíam colónias mas

que tinham outras motivações próprias.

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A primeira metade do século XIX na História dos EUA foi marcada pela conquista de

territórios em direção ao Oceano Pacífico, conhecida como "a marcha para o Oeste".

À exceção da Europa, os Estados Unidos foram o único país da América que reuniu

condições para se industrializar, graças a ter descoberto ouro na Califórnia, à Guerra de Secessão

e, finalmente, aos capitais ingleses investidos. No final do século XIX, a produção industrial

norte-americana superou a da Inglaterra e da Alemanha. Além disso, o expansionismo dos

Estados Unidos também alcançou o Japão, cuja modernização provocada pela Revolução Meiji

(Era das Luzes), em 1868, assimilou a tecnologia norte-americana, propiciando a

industrialização.

Apesar dos Estados Unidos não possuírem colónias no continente africano, era um país

que se encontrava em fase de crescimento, pretendendo conquistar novos territórios. Não

perdendo o foco principal das colónias americanas e asiáticas, os EUA participaram na

conferência graças à crescente importância que ganhavam no contexto internacional, não tendo

de todo a intenção de batalhar por territórios africanos. Participaram também com o intuito de

assegurar o território da Libéria, local onde se estabeleceriam os escravos afro-americanos

libertados na sequência da Guerra da Secessão e africanos que haviam sido salvos do tráfico

negreiro pela marinha norte americana.

Em relação ao Império Otomano, a Guerra Russo-Turca (1877-1878) findou com uma

vitória decisiva para Rússia, gerando, consequentemente rivalidade entre o Império Otomano e

a Rússia. Tanto no Chipre como no Egito, o império Otomano perdia terras, entrando em

declínio, sendo o principal objetivo do Império Otomano na Conferência de Berlim reconquistar

a posse das terras perdidas.

O primeiro-ministro britânico Benjamin Disraeli alegadamente disponibilizou-se no

Congresso de Berlim para ajudar a restaurar os territórios otomanos na Península Balcânica;

porém, durante muito tempo, a nação Otomana tentou recuperar as suas terras, que ficaram

sob liderança dos ingleses.

Quanto ao Império Russo, no século XIX, as relações capitalistas desenvolveram-se,

fomentando uma crescente diferenciação social dentro do campesinato, levando a que a

servidão se tornasse um obstáculo ao desenrolar dessas mesmas relações. Esta situação explica

a progressiva redução da oposição da nobreza às reformas agrárias e à possibilidade de

emancipação dos servos. Em 1861, consegue-se então abolir a servidão e permite-se ao

camponês possuir a terra onde construíra a casa.

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Esta reforma acentuou a crise social devido à desregulação das relações sociais

estabelecidas até então. Simultaneamente, proliferava a compra e venda de terras pelos kulaks

- burguesia rural proprietária de terrenos mais vastos.

Uma boa parte da nobreza rural não se adaptou à "conversão para uma produção de

mercado": nos Zemstvos, que eram assembleias que se realizavam nas províncias, os

representantes da nobreza eram opositores moderados do governo, protestando contra a

política de aumento das taxas alfandegárias destinada a favorecer a industrialização nacional,

mas que, por outro lado, não beneficiava a agricultura. Estes mostravam-se também favoráveis

à instituição de uma Monarquia Constitucional.

Ao contrário dos outros países da Conferência, a Rússia não possuía uma política

imperialista; desejava apenas aumentar os seus territórios tendo por base o ideal absolutista,

que defende que quanto maior for o seu território, maior será o seu poder.

Já em relação Norte da Europa, a Guerra Dano-Prussiana ou Guerra Dinamarquesa,

travada em 1864 entre a Dinamarca e o Reino da Prússia aliado com o Império Austríaco,

enfraqueceu a Dinamarca, que já não apresentava uma economia assim tão forte. Ao perder

territórios para a Prússia na sequência da Guerra, a Dinamarca começou a adquirir uma posição

mais neutra no continente europeu, o que significa que não estabeleceu alianças como os outros

países europeus. Todavia, participou na Conferência de Berlim, tal como os Reinos Unidos da

Suécia e da Noruega, sobretudo por ser um país importante no contexto europeu e por ter

relações económicas estabelecidas com colónias africanas.

No que diz respeito aos Reinos Unidos da Suécia e da Noruega, a 4 de novembro de

1814, finita a guerra entre a Suécia e a Noruega, propôs-se a união entre esses dois países,

através da Convenção de Moss, ficando, por isso, estabelecido que o Chefe de Estado do

Parlamento norueguês fosse o Rei Carlos XIII da Suécia. Apesar desta união, o Reino da Noruega

continua a ser independente do Reino da Suécia, mantendo as suas instituições, a sua estrutura

e legislação próprias.

Desta forma, os dois reinos apresentavam-se unidos no cenário mundial, não tendo,

contudo, tanta influência na Conferência de Berlim como as potências europeias, pelo que muito

dificilmente conseguirão ver as suas propostas ratificadas.

Já o Reino dos Países Baixos teve sempre bastante poder económico e colonialista,

principalmente nos séculos XVI e XVII, possuindo no continente africano, territórios como a

Colónia do Cabo, tomada pelos britânicos no ano de 1797, e a região da Costa do Ouro, vendida

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à Grã-Bretanha em 1871. Além disso, apesar da sua influência no mundo oriental, não conseguiu

revolucionar a sua economia o suficiente para que se tornasse uma potência imperialista. Com

efeito, o Reino dos Países Baixos vai fazer o possível para que consiga novos territórios

ultramarinos em África, mesmo sabendo que será extremamente difícil que isso aconteça.

Em relação ao Império Austro-Húngaro, após a unificação, este fortaleceu os seus laços com

o Império Alemão graças à aliança que havia sido proposta por Bismarck em 1879 e à promoção

da Tríplice Aliança. Assim sendo, a Áustria-Hungria aproveitou o apoio das alianças

supramencionadas para tentar obter territórios ultramarinos no continente africano e aumentar

o seu poderio político-económico face à comunidade internacional.

A sul da Europa, a unificação italiana iniciou-se na segunda metade do século XIX, liderada

pelo reino de Piemonte-Sardenha, com o objetivo de aumentar o mercado de consumo e de

unificar padrões no que diz respeito, a título de exemplo, os impostos, a moeda, entre outro

aspetos da vida económico-social. Apesar de ter conquistado alguns territórios com a unificação,

a Itália não conseguiu estar tão forte economicamente como as outras potências, desejando,

portanto, na Conferência, obter territórios em África. A aliança que estabeleceu em 1822

também favoreceu o seu desenvolvimento económico.

Por fim, relativamente ao Reino de Espanha, durante os séculos XVI e XVII, o foco de

interesse económico europeu era essencialmente a América, que possuía mercados

fornecedores de produtos exóticos e metais preciosos. Nesta época, o colonialismo era liderado

por Portugal e Espanha que orientavam as suas políticas para o mercantilismo, sustentado pelo

monopólio do pacto colonial.

Todavia, a industrialização europeia dos séculos XVIII e XIX forçou as metrópoles a

procurar novos mercados de consumo para escoar a produção como já foi referido, conduzindo

à substituição do exclusivismo comercial pelo liberalismo económico.

A partir do século XVII, o Reino Espanhol debate-se com a escassez de ouro nas colónias

e com a enorme necessidade de encontrar rapidamente um novo mercado, sendo, por isso,

impreterível a manutenção dos territórios africanos e até a sua extensão, aproveitando a

discussão da partilha do continente na Conferência. É importante notar ainda que o monarca

espanhol tornou-se um déspota esclarecido ao aderir aos ideais iluministas e que a escravatura

já havia sido abolida nas colónias americanas, levando a que o argumento apresentado por

Espanha na partilha de África fosse a missão de civilizar os habitantes que se guiavam pelos

padrões de vida espanhóis.

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Conferência de Berlim

Após a unificação alemã, o chanceler alemão, Otto Von Bismarck, convocou os principais

líderes de catorze potências mundiais com o propósito de chegar a um acordo sobre a divisão e

ocupação de África, realizando a Conferência de Berlim.

Esta foi uma das conferências mais importantes realizadas na segunda metade do século

XIX, tendo início no mês de novembro de 1884 e terminando a 26 de fevereiro de 1885. Contou

com a presença do Império Alemão, do Império Austro-Húngaro, da Bélgica, da Dinamarca, do

Império Otomano, de Espanha, dos Estado Unidos da América, de França, da Grã-Bretanha, de

Itália, da Holanda, de Portugal, da Rússia e dos Reinos Unidos da Suécia e Noruega (respetivos

países da Suécia e da Noruega). Os Estados Unidos (potência não europeia), apesar de não

possuírem quaisquer territórios coloniais, encontravam-se na lista de países intervenientes

desta Conferência devido ao seu interesse nos assuntos que dizem respeito ao comércio e à

navegação. Tal como os Estados Unidos da América, a Rússia não era detentora de colónias nem

tinha muitos interesses coloniais em África, no entanto, pretendia apoiar a França contra a

Inglaterra.

Destacam-se também os representantes portugueses nesta Conferência que foram

António Serpa Pimentel, António José da Serra Gomes (Marquês de Penafiel), Luciano Cordeiro,

Carlos Roma du Bocage (adido militar), José P. Ferreira Felívio (adido) e Manuel de Sousa

Coutinho (segundo secretário).

Antes de mais, a conferência pretendia evitar choques imperialistas que pudessem

conduzir a um conflito europeu de grande escala, tendo-se esta, portanto, focado em torno de

três pontos fundamentais: liberdade de comércio na bacia e foz do rio Zaire; a aplicação dos

princípios do Congresso de Viena relativamente à navegação dos rios internacionais para os rios

africanos; e, por último, a redação clara de regras relativamente às ocupações dos territórios

africanos em disputa.

Querendo regular num espírito de boa compreensão mútua as condições mais

favoráveis ao desenvolvimento do comércio e da civilização em certas regiões

da África, e assegurar a todos os povos as vantagens da livre navegação sobre

os dois principais rios africanos que se lançam no Oceano Atlântico; desejosos,

por outro lado, de prevenir os mal-entendidos e as contestações que poderiam

originar, no futuro, as novas tomadas de posse nas costas da África, e

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preocupados, ao mesmo tempo, com os meios de crescimento do bem-estar

moral e material das populações aborígines, resolveram sob convite que lhes

enviou o Governo Imperial Alemão, em concordância com o Governo da

República Francesa, reunir para este fim uma Conferência em Berlim [...]

(Arnaut, p.1)

A ata geral da Conferência de Berlim consiste num resumo das ações que lá se

desenrolaram no âmbito da discussão dos pontos anteriormente referidos e nela encontram-se

as cláusulas que os intervenientes se comprometeram a cumprir. Esta foi dividida em sete

capítulos:

1) Declaração referente à liberdade do comércio na Bacia do Congo, nas suas fozes e países

vizinhos, com algumas disposições conexas;

"Artigo 1: O comércio de todas as nações gozará de completa liberdade em todos os

territórios que constituem a Bacia do Congo e de seus afluentes. [...]"(Arnaut, p.2);

2) Declaração relativamente ao tráfico de escravos e às operações que, por terra ou por

mar, fornecem escravos para tráfico;

Artigo 9: Em conformidade com os princípios dos direitos dos indivíduos tal

como eles são reconhecidos pelas Potências signatárias, estando proibido o

tráfico dos escravos, e [...] igualmente as operações que, por mar ou por terra,

forneçam escravos para o tráfico [...], as Potências que exercem ou que vierem

a exercer direitos de soberania ou uma influência nos territórios que formam

a bacia convencional do Congo, declaram que esses territórios não poderão

servir nem de mercado nem de via de trânsito para o tráfico dos escravos de

qualquer raça. Cada uma das Potências se compromete a empregar todos os

meios disponíveis para pôr fim a esse comércio e para punir aqueles que dele

se ocupam. (Arnaut, p.4).

Por conseguinte, teoricamente, o tráfico de escravos era uma atividade proibida e até

desejável de ser abolida e punida.

3) Declaração referente à neutralidade dos territórios compreendidos na bacia

convencional do Congo;

Artigo 10: A fim de fornecer uma nova garantia de segurança ao comércio e à

indústria e de favorecer, pela manutenção da paz, o desenvolvimento da

Page 15: Conferência de Berlim

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civilização nas regiões mencionadas no artigo 1 e colocadas sob o regime da

liberdade comercial, as Grandes Partes signatárias da presente Ata [...] se

comprometem a respeitar a neutralidade dos territórios ou partes de

territórios dependentes das referidas regiões, inclusive as águas territoriais,

até o tempo em que as Potências que exercem ou que vierem a exercer direitos

de soberania [...] sobre esses territórios [...]. (Arnaut, p.4)

4) Ata de Navegação do Congo;

A navegação do Congo, sem exceção de qualquer das ramificações saídas

desse rio, é e permanecerá inteiramente livre para os navios comerciais, com

carregamentos ou não, de todas as nações, tanto para o transporte das

mercadorias como para o de passageiros. [...]. Os indivíduos [...] de todas as

nações serão considerados, sob todos os aspectos, num nível de uma perfeita

igualdade, tanto para a navegação direta em pleno mar como para os portos

interiores do Congo e vice-versa [...].(Arnaut, p.5)

Deste modo, a navegação não exigiria nenhuma tributação para além das estipuladas na ata;

5) Ata de Navegação do Níger que se entende a esse rio e aos seus afluentes;

A navegação do Níger, sem exceção de nenhuma das ramificações ou das

saídas desse rio, é e permanecerá inteiramente livre para os navios

mercantes, com ou sem carga, de todas as nações, tanto para o transporte

das mercadorias como para o dos viajantes. Ela deverá conformar- se às

disposições da presente Ata de navegação e aos regulamentos a serem

estabelecidos na execução da mesma Ata. (Arnaut, p.8)

6) Declaração introduzindo nos relatórios internacionais regras uniformes referentes às

ocupações que poderão no futuro realizar-se nas costas do continente africano. Desta

forma, consagrou como regra de Direito Internacional o princípio de uti possidetis jure,

o direito de ocupar o litoral africano, inviabilizando, assim, a tese dos "direitos

históricos" de posse e ocupação, defendidos por Portugal, e fazendo aprovar a ideia de

ocupação efetiva das costas do continente africano;

Artigo 34: A Potência que de agora em diante tomar posse de um território

nas costas do continente africano situado fora das suas possessões atuais, ou

que, não o tendo tido até então, vier a adquirir algum, e no mesmo caso a

Potência que aí assumir um protetorado, fará acompanhar a Ata respectiva

de uma notificação dirigida às outras Potências signatárias da presente Ata,

a fim de lhes dar os meios de fazer valer, se for oportuno, suas reclamações.

Page 16: Conferência de Berlim

16

Artigo 35: As Potências signatárias da presente Ata reconhecem a obrigação

de assegurar, nos territórios ocupados por elas, nas costas do Continente

africano, a existência de uma autoridade capaz de fazer respeitar os direitos

adquiridos e, eventualmente, a liberdade do comércio e do trânsito nas

condições em que for estipulada. (Arnaut, p.9)

Este novo entendimento exigiu de todos os Estados uma posse efetiva do território que

se pretendia reclamar. Com efeito, para a legitimação da posse, era exigido do país uma

assinatura com a população local e o exercício de atos efetivos de administração, ou, ainda, o

estabelecimento de uma ocupação militar forte o suficiente para garantir a posse do território,

ou, ainda, a aquisição de direitos de exploração económica permanente. O propósito deste

entendimento era certificar que os Estados reclamavam direitos sobre os territórios onde nunca

tinham tido qualquer presença.

Apesar da insistência britânica para que este princípio fosse extensível a todo o

continente africano, várias potências, inicialmente, não o aceitaram e não o permitiram, ficando,

deste modo, o princípio apenas aplicável às regiões costeiras. A ocupação do interior africano

não ficou, assim, consignada na ata final da conferência, tornando possível para qualquer país

ocupar territórios sem qualquer negociação preambular. Foi devido a este facto que Barros

Gomes (político português ligado ao Partido Progressista, ex-diretor do Banco de Portugal e ex-

ministro dos Negócios da Fazenda) continuou as expedições portuguesas para o interior africano

e apresentou o "mapa cor-de-rosa".

7) Disposições Gerais.

Examinando os pontos discutidos na conferência, é possível compreender que o seu objetivo

fulcral era impossibilitar futuros desentendimentos, que pudessem eventualmente conduzir a

conflitos armados, através da regulamentação dos interesses das potências. A maioria das

nações via a conferência como uma alternativa para preservar os princípios de livre cambismo

que estavam a ser ameaçados com as disputas coloniais. Não houve, de facto, uma divisão clara

das colónias entre as potências; a conferência, no entanto, facilitou uma eventual discussão

sobre essa divisão, pois a partilha era inevitável.

As decisões de maior peso que afetaram diretamente Portugal foram a declaração

relativamente à liberdade de culto e a ocupação efetiva dos territórios. Naquela altura, Portugal

não tinha capacidades para fazer frente a estes desafios, tentando desenvolver diversas ações

para tornar mais efetiva a sua presença e salvaguardar os seus interesses.

Page 17: Conferência de Berlim

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A participação na Conferência de Berlim de potências que não dispunham de colónias veio

dar outra dimensão à questão das colónias. As grandes potências passaram a obrigar-se a

normas que também haviam sido elaboradas e votadas por Estados que não estavam envolvidos

na colonização ou na administração direta de territórios, mas que iriam usufruir dos benefícios

provenientes das colónias sem terem de suportar os respetivos custos.

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A partilha efetiva de África

Tendo em conta as ambições imperialistas de cada uma das nações presentes na

Conferência de Berlim, a partilha do continente africano deu-se, ainda que com alguns

desentendimentos como foi o caso de Portugal e da Inglaterra, conforme o esperado. Desde já

se afirma que os grandes beneficiários desta conferência são a Alemanha e a Bélgica uma vez

que eram países não colonizadores e obtiveram na divisão do continente colónias para si.

Assim, a Alemanha passou a dominar a África Ocidental Alemã, composta por Kamerun

(atual República dos Camarões) e Togolândia (atual Togo), a África Oriental Alemã (atual

Tanzânia) e o Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Bismarck começou a desenvolver uma

política colonial alemã low profile, e que seguisse uma política externa ao país, devido à fraqueza

naval da Alemanha. Assim sendo, os empresários com êxito comercial deveriam manter um

papel ativo no desenvolvimento colonial, o que resultou na criação da Sociedade Colonial Alemã

da África do Sudoeste e da Sociedade Alemã da África Ocidental. A Alemanha mantinha-se assim

à distância de conflitos internacionais, ajudando as companhias de iniciativa privada. Já a Bélgica

ficou com o Estado Livre do Congo e o Congo Belga (atuais estados de Ruanda, Burundi e

República Democrática do Congo). «Em 1890 foi aprovada a primeira Lei Naval que fez emergir

uma marinha de guerra, tendo o país germânico seguido a doutrina de que o mar era um fator

de poder dominante da política mundial.” (Coelho, 2014, p. 7)

Outra conquista foi a da Grã-Bretanha, que conseguiu dominar do norte do Mar

Mediterrâneo até ao extremo Sul do continente (Cabo da Boa Esperança), controlando assim o

Egito, Sudão Anglo-Egípcio (atual Sudão), África Oriental Britânica, Quénia, Uganda,

Somalilândia Britânica, Rodésia do Sul (atual Zimbabwe), Rodésia do Norte (atual Zâmbia),

Bechuanalândia (atual Botswana), Estado Livre de Orange, União Sul-Africana, Gâmbia, Serra

Leoa, Nigéria, Camarões (províncias ocidentais), Costa do Ouro Britânica (atual Gana) e

Niassalândia (atual Malawi).

A França, apesar de ter perdido o Egito para os ingleses, dominava a Argélia, Tunísia,

Marrocos, África Ocidental Francesa, Mauritânia, Senegal, Camarões, Sudão Francês (atual

Mali), Guiné, Costa do Marfim, Níger, Alto Volta (atual Burkina Faso), Daomé (atual Benin), África

Equatorial Francesa, Gabão, Médio Congo (atual República do Congo), Ubangui-Chari (atual

República Centro-Africana), Chade, Somália Francesa (atual Djibouti), Madagáscar e Comores.

Page 19: Conferência de Berlim

19

No caso de Portugal, apesar da questão do mapa cor-de-rosa, abordada no ponto

seguinte, e de ser considerado o grande derrotado desta Conferência devido à negação do

direito histórico como critério de ocupação de território e à permissão do princípio da livre

navegação dos rios internacionais, conseguiu garantir a continuidade do domínio da África

Ocidental Portuguesa (posteriormente Angola), da África Oriental Portuguesa (mais tarde

Moçambique), de Cabo Verde, da Guiné Portuguesa (atual Guiné-Bissau), de São Tomé e

Príncipe e de São João Baptista de Ajudá.

Países como a Espanha e Itália ficaram, respetivamente, com o Río de oro (atual Saara

Ocidental), Ifni, Marrocos Espanhol e Guiné Espanhol (atual Guiné Equatorial) e com a África do

Norte Italiana (atual Líbia), Eritreia e Somália Italiana (atual Somália).

No que respeita aos Estados Independentes, apresentou-se a Libéria (um país com ex-

escravos americanos) fundada pela Sociedade Americana de Colonização dos Estados Unidos

que se declara independente em 1847, e a Abissínia (atual Etiópia) que havia tido as suas

fronteiras redefinidas com a Somália Italiana e a Somália Francesa (Djibouti).

A Turquia, apesar dos seus interesses no norte de África e de serem o centro do Império

Otomano, não conseguiu conquistar nenhuma colónia. Os restantes países europeus que não

foram beneficiados eram potências comerciais ou industriais, logo já possuíam, direta ou

indiretamente, negócios com o continente.

Esta divisão entra em colisão com o desrespeito pelas etnias, uma vez que se fez

meramente de acordo com os interesses coloniais, económicos e políticos da maioria dos países

signatários da Conferência. Devido a esta divisão o continente africano atravessa ainda hoje

problemas de cariz político, económico, social, étnico.

Page 20: Conferência de Berlim

20

A questão luso-britânica do mapa cor-de-rosa

A partilha de África impõe a Portugal a definição das fronteiras das suas colónias tendo

em conta as restantes potências colonizadoras. Isto sucede-se em 1886 através da convenção

luso-francesa e da convenção luso-alemã. No ano seguinte, o Governo português decide avançar

com o plano de expansão colonial no sul de África, uma vez que os limites fronteiriços na Guiné,

Sul de Angola e Norte de Moçambique já haviam sido definidos. O plano em mente pretendia a

ocupação efetiva, a modernização e a afirmação da soberania nesses territórios assim como a

definição de fronteiras no interior do continente e o recurso ao investimento estrangeiro.

As pretensões portuguesas acerca dos territórios a sul, entre as suas duas colónias,

solidificam-se com a proposta apresentada em 1887 no “Mapa cor-de-rosa” de ligar Angola a

Moçambique, através do Chire, onde já estavam a decorrer expedições. Com esta ligação,

Portugal pretendia essencialmente facilitar o comércio e o transporte de mercadorias mas

também aumentar o seu Império Colonial. Apesar da concordância de todos com esta proposta,

e ignorando o Tratado de Windsor (“Aliança Inglesa”) de 1373, a Inglaterra demonstra o seu

desagrado e nega o pedido de Portugal, pois este interferia com suas as pretensões no que

respeitava à divisão do continente. A Inglaterra pretendia ligar o Cairo (Egito) ao Cabo (África do

Sul) através da construção uma linha de caminho-de-ferro na África Central.

Perante a pressão internacional para que se chegasse a um entendimento, tanto à

Inglaterra como a Portugal, para a “definição de esferas de influência e ocupação dos

territórios”, e a incapacidade governativa portuguesa, o Governo Inglês de Lord Salisbury impôs

um ultimato ao povo luso em 1890. Além da concessão de alguns territórios por parte de

Portugal, este teve ainda que lhe retirar territórios pretendidos no “mapa cor-de-rosa”,

especialmente do Chire, sob ameaça de invasão. Os termos em que estava redigido e o curto

prazo concedido pelo ultimato, não permitiam quaisquer negociações, nem apoios externos.

De modo a evitar um possível conflito bélico e com receio de uma crise, o Governo

Português cedeu aos ingleses, reivindicando, no entanto, os seus direitos aos disputados

territórios e pretendendo ver o conflito resolvido, no âmbito do artigo 12º da Ato Geral da

Conferência de Berlim que diz que

Caso um desentendimento sério, nascido do assunto ou dos limites dos

territórios mencionados no artigo 1º e colocados sob o regime da liberdade

comercial, vier a surgir entre as Potências signatárias da presente Ata ou

Page 21: Conferência de Berlim

21

Potências que, a seguir, a ela aderirem, essas Potências se comprometem,

antes do apelo às armas, a recorrer à mediação de uma ou de várias Potências

amigas. No mesmo caso, as mesmas Potências se reservam o recurso

facultativo ao procedimento da arbitragem. (Ato Geral da Conferência, Artigo

12º)

No ano seguinte ao ultimato, Portugal assina, sob coação, um tratado com a Inglaterra

(Tratado Anglo-português) no qual se definiram as fronteiras de Angola e de Moçambique, já

que Lord Salisbury não aceita o pedido português para arbitragem. Com o Tratado de Windsor

de 1899 foi reconhecida a soberania portuguesa nos atuais territórios de Angola e Moçambique

e a Inglaterra comprometeu-se a proteger os domínios da coroa portuguesa. (Barroso, p.22) O

receio de que se instalasse em Portugal um regime republicano, devido à Revolta de 31 de

janeiro de 1891, propiciada pelo Tratado Anglo-português, que poderia resultar numa união

com a França e a Espanha e ter repercussões a nível europeu, levou a Alemanha decidiu intervir

na celebração de um tratado luso-britânico que, ao contrário do que seria de esperar, vinculava

o povo lusitano a condições demasiado severas.

A Inglaterra, com o intuito de manter a Alemanha neutra, permitiu efetivamente a sua

intervenção no tratado e os dois países fizeram acordos secretos, aproveitando-se da crise

financeira que Portugal atravessava e da emergência que este tinha em desenvolver os

territórios africanos, em que faziam um empréstimo comum ao país lusitano mas que se este

não pudesse manter as suas colónias se fazia a sua divisão em esferas de influência. Estes

acordos não foram bem-sucedidos porque Portugal conseguiu obter auxílio financeiro da

França. Apesar da tentativa de boicote da Inglaterra às colónias portuguesas foi feita uma

declaração secreta em que os ingleses garantiam a segurança das colónias portuguesas

Assim conclui-se que a celebração de tratados e contratos não tornou o processo de

colonização mais pacífico tendo levado muitas vezes a novos conflitos entre os colonizadores.

Page 22: Conferência de Berlim

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Nota Conclusiva

Na segunda metade do século XIX, a Europa viu nascer um novo imperialismo que se

podia caracterizar como uma propaganda colonial exacerbada que visava demonstrar a

hegemonia de cada nação; e, também, igualar-se, de certa forma, à ideologia colonial tendo

como objetivo, por parte das elites governantes, desviar as populações dos seus problemas

estruturais. A nova conceção de imperialismo fomentou o nascimento de ideias megalómanas

como o “Mapa cor-de-rosa” em Portugal, o “Dakar-Djibuti” em França, o “Cairo-Cabo” em

Inglaterra, ou a “Mittelafrika” na Alemanha; o aparecimento de conflitos no continente negro

que poderiam pôr em causa a paz europeia; e realçou o caráter fundamental que o mar adquiriu

como fator de poder.

Uma noção igualmente importante do imperialismo europeu foi o social-darwinismo

que defendia que “a evolução social era uma luta pela vida das nações mais aptas, que teriam o

pretenso a devorar as nações mais débeis” (Guevara, p.67) Esta corrente justificou a violação

dos direitos dos Africanos.

Neste sentido, o ideal que norteou a Conferência era o valor da missão da raça branca

de civilizar os não-europeus, consideradas raças inferiores. Apesar dos alegados interesses

civilizacionais, as potências signatárias da Conferência pretendiam obter as matérias-primas e

mão-de-obra que o continente podia providenciar. A Conferência além de não convidar nenhum

país africano, também não considerou os interesses dos habitantes nativos, “embora as decisões

da Conferência tivessem para eles uma gravidade extrema”. (Malet apud Guevara, p.64)

Ao contrário do que seria de esperar, a Conferência de Berlim não dividiu efetivamente

o continente africano. As grandes potências com interesses coloniais discutiram e negociaram

entre si o futuro do continente africano e a continuidade dos impérios coloniais. No entanto, no

decorrer desta Conferência não se definiram fronteiras.

Além disso, os europeus não reconheciam qualquer tipo de estruturas políticas

africanas, facto que levou à crença europeia de que apenas estes poderiam dividir entre si os

territórios africanos, ignorando quaisquer tipo de critérios (geográfico, étnico, cultural). Assim,

mantinha-se a ideia de que “o continente africano era apenas um tabuleiro de xadrez para onde

pretendiam transpor os velhos métodos da diplomacia do continente europeu, o que nem

sempre teve sucesso”. (Guevara, p.66)

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Esta Conferência consagrou como regra de Direito Internacional o princípio de “uti

possidetis jure” para o litoral africano, afastando os “direitos históricos” defendidos por

Portugal. Este princípio exigia a qualquer Estado a posse efetiva do território sobre o qual era

reclamada soberania, sendo esta comprovada com um tratado sobre atos efetivos de

administração assinado com os nativos, através da ocupação militar ou pela aquisição de direitos

de exploração económica permanente. O objetivo era assegurar que os Estados não

reclamassem os direitos sobre territórios não ocupados. Este princípio, apesar da insistência

britânica em contrário, foi apenas aplicado, inicialmente, às regiões costeiras do continente. Daí

a necessidade de o estender ao interior africano através da definição de “esferas de influência”,

que no caso português foi consubstanciada no projeto “África Meridional Portuguesa”

(usualmente conhecido como “Mapa Cor-de-Rosa”). “A Conferência viria a oficializar a

importância e a capacidade de penetração das grandes potências, inviabilizando decisivamente

a tese dos direitos históricos de posse e ocupação e fazendo aprovar no seu Ato Geral, nos

artigos 34º e 35º, o conceito de ocupação efetiva para as costas do continente africano.”1

A participação na conferência de potências não detentoras de colónias veio dar outra

dimensão à questão. As potências coloniais passaram a “depender” também das normas e votos

de Estados não colonizadores, que se dispunham a usufruir dos benefícios provenientes das

colónias, sem suportar os respetivos custos.

As decisões que afetaram diretamente Portugal foram a declaração sobre a liberdade

de culto e a ocupação efetiva dos territórios. Naquela altura, Portugal não conseguiu fazer frente

a estes desafios e tentou desenvolver diversas ações para tornar mais efetiva a sua presença e

defender os seus interesses.

Em suma, a Conferência de Berlim, não correspondeu aos objetivos primordiais que

inicialmente se comprometeu a cumprir, nem tão-pouco teve em consideração os direitos dos

povos africanos que já lá habitavam antes de qualquer intervenção externa. Deste modo, as

potências ao não terem tido em conta nem a geografia nem as tradições culturais e étnicas dos

mesmos, pondo à frente os seus interesses políticos e económicos, criaram situações civis

instáveis, originando alguns problemas socioculturais que ainda hoje são visíveis.

1 In https://idi.mne.pt/pt/relacoesdiplomaticas/2-uncategorised/703-congresso-de-berlim.html

Page 24: Conferência de Berlim

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