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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Ana Paula Soares Gondim
COMPORTAMENTOS E AÇÕES POPULARES NO
ENFRENTAMENTO DE DOENÇAS RESPIRATÓRIAS
INFANTIS EM UM ASSENTAMENTO URBANO
Salvador – Bahia
2007
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Ana Paula Soares Gondim
COMPORTAMENTOS E AÇÕES POPULARES NO ENFRENTAMENTO DE
DOENÇAS RESPIRATÓRIAS INFANTIS EM UM ASSENTAMENTO URBANO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Saúde
Coletiva, com área de concentração em Ciências
Sociais em Saúde, do Instituto de Saúde Coletiva da
Universidade Federal da Bahia, para a obtenção do
título de Doutor.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Caroso
Salvador – Bahia
2007
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Universidade Federal da Bahia
Doutorado em Saúde Pública
Título: Comportamentos e Ações Populares no Enfrentamento de Doenças Respiratórias
Infantis em um Assentamento Urbano
Aluna: Ana Paula Soares Gondim
Tese apresentada ao curso de Doutorado em Saúde Pública do Instituto de Saúde
Coletiva da Universidade Federal da Bahia como requisito para o Título de Doutor em
Saúde Pública.
Defesa em: 09 / 03 / 2007 Conceito obtido: Aprovado
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Carlos Caroso - Orientador
Prof. Dra. Marilyn Kay Nations
________________________________
Prof. Dra. Carla Costa Teixeira
________________________________
Prof. Dra. Maria Lígia Rangel Santos
________________________________
Prof. Dr. Jorge Alberto Bernstein Iriart
4
Dedico este estudo às minhas filhas,
Carol e Bela
E a todas as crianças.
5
AGRADECIMENTOS
A realização deste estudo não seria possível se não tivesse existido o desejo de
partilhar juntos emoções, ensinamentos, discussões coletivas e individuais e apoio para
ultrapassar muitas adversidades e, sobretudo, por nossos sonhos;
Adísio, meu companheiro, agradeço pelo apoio em todos os momentos, até nos
mais obscuros e pela compreensão dos distanciamentos espaciais e emocionais;
À minha mãe Zelinda por estar presente, principalmente nas horas mais difíceis,
pela força que tem me dado nesta caminhada;
A minha tia Celeni por estar presente, principalmente nas horas mais difíceis, pela
ajuda tanto material como de energia que tem me dado nesta caminhada;
À minha irmã Ana Cristina Soares pelas sugestões e disponibilidade em
momentos de leitura e pelo apoio de incentivo;
Ao Prof. Dr. Carlos Caroso, meu orientador, pelo apoio e seriedade na realização
desta conquista;
À Profa. Dra. Marilyn Nations, pelo apoio e disposição em contribuir
valiosamente neste estudo;
Aos Professores Dra. Carla Teixeira, Dra. Maria Lígia Rangel e Dr. Jorge Iriart
por suas disponibilidades de tempo para leitura e imprescindíveis contribuições para o
aprimoramento do estudo;
6
Agradeço a colaboração dos moradores da Comunidade do Dendê, e em especial
às mães e às crianças que permitiram mostrar seus modos de vida por meio das doenças
respiratórias;
À diretora do Centro de Ciências da Saúde da Universidade de Fortaleza, Profa.
Dra. Fátima Fernandes Vera, por sua compreensão e incentivo para a realização deste estudo;
À Profa. Rita de Cássia, ex-diretora do NAMI, pela compreensão e incentivo para
a realização deste estudo.
À Universidade de Fortaleza pelo apoio financeiro indispensável;
Aos amigos de ontem, hoje e sempre, pela presença nos momentos vividos.
Em particular, agradeço à minha amiga Ana Maria Vasconcelos, pela revisão do
português e orientações sobre o texto.
7
“... deve-se sempre começar do começo, por mais óbvio
que pareça o que se observa – ou talvez possa se dizer,
que quanto mais óbvio parecer o que se vê e ouve, mas
se deve desconfiar e buscar desatar tramas.”
Cohn
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RESUMO
Este estudo investiga os comportamentos e ações voltadas para os cuidados com as crianças, que enfrentam as doenças respiratórias infantis ou das pessoas que vivem com essas doenças ao longo da vida em um assentamento urbano em Fortaleza. Tomamos como ponto de partida a análise da semiologia popular construída através de categorias êmicas e identificadas nas narrativas de casos concretos, pelas quais são reconstituídas as experiências dos problemas respiratórios infantis.
O referencial teórico e metodológico adotado foi denominado de sistema de signos, significados e ações desenvolvidos por Corin, Bibeau e outros, aplicado à compreensão e explicação dos comportamentos para enfrentar tais doenças.
O trabalho de campo etnográfico foi realizado com vinte e dois informantes-chave, residentes nesse assentamento. Foram empregadas como técnicas de produção de dados entrevista semi-estruturada, observação participante e informações documentais, tendo essas complementado e facilitado a triangulação de informações.
Os resultados analisados sobre os comportamentos dos sujeitos frente às doenças respiratórias infantis permitiram depreender como dispositivos patogênicos estruturais associados a essas doenças identificados pelos elementos que compõe a cultura, condição socioeconômica, biologia, geografia e política; enquanto a pobreza, o ambiente e a própria história do assentamento constituíram-se como condicionantes estruturantes.
No que se refere à análise do modelo explicativo das doenças respiratórias infantis, observamos que as descrições sobre causalidade, transmissão, manifestações, gravidade, processo terapêutico e preventivo, caracterizam-se sob as óticas cultural, psicológica, espiritual, socioeconômica, política e ambiental. A partir de seus discursos, os informantes produziram uma visão integral de saúde e dessas doenças. Na maioria das vezes, os sujeitos inter-relacionavam os fatores ambientais, sociais, econômicos e psicológicos numa perspectiva multicausal haja vista estarem apoiados em várias formas de tratar e prevenir tais doenças. Constatamos que as mães apresentam reações de cuidado com intuito de promover e construir sólidos vínculos afetivos e emocionais com seus filhos. Verificamos que os diversos comportamentos frente às doenças estão intimamente relacionados ao contexto sociocultural, porém, em grande parte, são influenciados por aspectos como o conhecimento e a disponibilidade de recursos terapêuticos; acessibilidade a recursos do setor comunitário tais como rezadeiras e raizeiros urbanos, uso doméstico de plantas medicinais, e, em alguns casos, constatamos a interferência das emoções, condições sócio-econômicas e da avaliação que fazem parte dos sistemas terapêuticos disponíveis.
Por fim, consideramos esses achados com grande repercussão na vida dessas pessoas, na medida em que há uma integração dos contextos sociocultural, econômico, político e ambiental, nas ações de promoção da saúde infantil. Nesse sentido, percebemos que efetivamente as ações em saúde somente atingirão essas comunidades, quando o universo sociocultural for incluído nas políticas de saúde infantil destinadas a essas comunidades, caso contrário, as ações permanecerão como maneira comunitária de enfrentamento das doenças respiratórias infantis.
Antropologia da saúde, etnografia; doenças respiratórias infantis; comportamentos e ações.
9
ABSTRACT
This study investigates behaviors and actions directed toward children’s cares, who suffer by infantile respiratory illnesses or people who deal with these illnesses during their whole lives in an urban settlement in Fortaleza. This research started from a popular semiology analysis, built up according to emics that were identified on categories of true cases narratives, through which are reconstituted the experiences of these infantile respiratory problems. The theoretical and methodological referential adopted was references adopted were named as system of signs, meanings and action, developed by Corin, Bibeau and others, applied to understanding and explanation of behaviors in order to face these illnesses.
This ethnographic field study was carried with twenty two key-subjects in this settlement. Some following data of production techniques were used as interview, the key-subjects’ comments and dossier information, whose propose was to fulfill and make easy the information triangulation. The analyzed results regarding citizens’ behaviors concerning infantile respiratory illnesses allowed us to infer them as structural pathogenic devices to these illnesses culture, social-economic standing, biology, geography and politics; while poverty, environment and their own stories of settlement consisted of a structuring answers of circumstances.
Concerning clarifying model analysis of infantile respiratory illnesses, we observed that descriptions on causality, transmission, manifestations, gravity, therapeutic and preventive processes are characterized under culture, psychological, spiritual, social-economic, political and environmental points of view.
Considering up from their speeches, the key-subjects produced a holistic vision of health as well as of the studied illnesses. Mostly, they interrelated environmental, social, economic and psychological factors in a multi-causal perspective since they were supported in some forms of treating and preventing such illnesses. It was evidenced that mothers presented precaution reactions to promote and construct solid, affective and emotional bonds with their children. We also verified that several behaviors concerning respiratory illnesses are closely related to social-cultural context, but are mostly influenced by other aspects as knowledge and availability of therapeutic resources; accessibility to resources of communitarian sector such as prayer women and people who prepare remedies from medicine plants and in some cases, we observed the interference of emotions, social-economic conditions as well as of evaluation that make part of the available therapeutic systems.
Finally, we consider these findings of great repercussion in these people’s lives, since there is integration of social-cultural, economic, political and environmental contexts and in attitudes that promote infantile health. Hence, health attitudes, effectively, will only reach these communities, when this social-cultural universe get into the politics responsible for infantile health and destined to these communities, on the contrary, the actions will remain as a communitarian way of infantile respiratory illnesses confrontation.
Keywords: health anthropology; ethnography; infantile respiratory illnesses; behaviors and action.
10
LISTA DE QUADROS
Pág.
Quadro 1: Estrutura do Sistema de Cuidado com a Saúde - Estrutura Interna...... 70
Quadro 2: Modelo Semântico – Pragmático................................................................. 78
Quadro 3: Elementos da Análise Contextual e Sociocultural dos Problemas de
Saúde em um Grupo.......................................................................................................
80
Quadro 4: Características Gerais e Participação dos Informantes-chave no
Estudo……………………...............................................................................................
105
Quadro 5: Glossário Popular dos Problemas Respiratórios
Infantis.............................................................................................................................
159
Quadro 6: Análise das Causalidades Contextual e Sociocultural das Doenças
Respiratórias Infantis.....................................................................................................
175
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...............................................................................................................13 1 DOENÇAS RESPIRATÓRIAS INFANTIS E POBREZA: UM PROBLEMA DE SAÚDE
PÚBLICA?............................................................................................................................ 20 1.1 Doenças Respiratórias Infantis e seu Impacto..........................................................20 1.2 Presença da Pobreza Infantil no Mundo e no Brasil.................................................23 1.3 Abordagens dos Modelos Culturais das Doenças Respiratórias Infantis ..................28 1.4 Breve Histórico das Ações de Saúde Infantil no Brasil............................................30 1.5 Valor e Poder da Infância na Sociedade Contemporânea.........................................34
2 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS AOS
ESTUDOS DA INFÂNCIA E DA SAÚDE.......................................................................... 44 2.1 Infância e suas Abordagens na Antropologia e Sociologia da Infância ....................44 2.2 A Doença como um Processo Social e Cultural.......................................................56 2.3 Aplicação do Modelo de Análise de Sistema de Signos, Significados e Ações ........71
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 84
3.1 Aproximação com o Trabalho de Campo ................................................................84 3.2 Contexto do Estudo.................................................................................................88 3.3 Fases do Procedimento da Pesquisa ........................................................................98 3.4 Seleção dos Informantes-chave ............................................................................. 102
4 EXPERIÊNCIAS DE PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS INFANTIS ......................... 108
4.1 Doença Respiratória Acaba com a Infância ........................................................... 110 4.2 Doença Respiratória Domina Toda a Infância ....................................................... 118 4.3 Doença Respiratória com Impacto na Fase Adulta ................................................ 133
5 COMPORTAMENTOS E AÇÕES DE SAÚDE FRENTE ÀS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS INFANTIS ...................................................................................... 141
5.1 Identificação e Descrição dos Recursos Terapêuticos Locais................................. 143 5.1.1 Setor Profissional ........................................................................................... 143 5.1.2 Setor Comunitário.......................................................................................... 145
5.2 Identificação, Descrição e Análise dos Signos dos Moradores frente às Doenças Respiratórias Infantis.................................................................................................. 153 5.3 Modelo Explicativo das Doenças Respiratórias Infantis ........................................ 161
5.3.1 Causalidade.................................................................................................... 161 5.3.2 Transmissão................................................................................................... 164 5.3.3 Manifestações ................................................................................................ 165 5.3.4 Gravidade ...................................................................................................... 168
5.4 Ações no Enfrentamento dos Problemas Respiratórios Infantis ............................. 170 6 CRIANÇAS E A VIDA NA COMUNIDADE DO DENDÊ ........................................ 177
6.1 Um Olhar sobre a Comunidade ............................................................................. 177 6.2 Qual é o Espaço Social da Criança na Comunidade? ............................................. 181 6.3 A História de um Assentamento Urbano ............................................................... 193
7 CONCLUSÃO ............................................................................................................ 212
12
Anexo 1 – Fotografia Aérea do Local do Estudo (SEINFRA, 2002) ............................... 232 Anexo 2 – Mapa da Secretaria Executiva Regional VI (FORTALEZA, 2001) ................ 233 Anexo 3 – Roteiro sobre a História do Bairro ................................................................. 234 Anexo 4 – Roteiro sobre Saúde e Doença Respiratória Infantil ....................................... 235 Anexo 5 – Roteiro da Reconstrução dos Casos ............................................................... 237
13
INTRODUÇÃO
Este estudo parte do pressuposto que a compreensão das doenças respiratórias
infantis deve tomar em consideração a mediação entre os registros médicos e epidemiológicos
e as maneiras como as diferentes comunidades os concebem e reagem frente a sua ocorrência.
Consideramos, assim, que as explicações dadas para as doenças respiratórias são mediadas
efetivamente por grupos humanos, e que sua percepção resulta da combinação entre processos
sociais, culturais, biológicos, geográficos, políticos e ambientais.
Os processos sociais e culturais podem construir importantes variações dos
comportamentos e significados dos sujeitos frente às doenças respiratórias infantis,
constituindo-se em um modelo classificatório popular das doenças respiratórias. Esse modelo
foi tomado para análise neste estudo e é compreendido como uma abordagem êmica1, que
descreve os comportamentos culturais, a fim de desvendar quais são as estruturas relevantes e
seus significados para os membros dessa cultura, os quais identificam seus critérios quanto à
classificação e conceituação dos problemas respiratórios. Embora sejam visíveis as limitações
da compreensão dos contextos locais, é importante levar em consideração os processos lógicos
predominantes em cada contexto como os da família dos sujeitos. Sendo assim, torna-se
fundamental a contribuição da Antropologia para compreender a construção dos processos
culturais e sociais das doenças respiratórias infantis.
Historicamente, os estudos transculturais sobre as doenças respiratórias infantis
foram iniciados e realizados entre 1980 e 90, com o objetivo de identificar e caracterizar os
explicativos das doenças. Porém, essas descrições estudavam, de forma parcial, os fatores
sociais e culturais de um contexto em particular. Podemos citar os primeiros estudos de Gove
1 PELTO, P.J.; PELTO, G.H. Units of observation: emics and ethic approaches. Anthropological. Cambridge: Cambridge University Press, 1978, p. 54-66.
14
e Pelto (1994), os de Hudelson (1994) e Hudelson et al. (1995) e, ainda os de Martinez et al.
(1997), desenvolvidos e publicados na América Latina e África. Gove e Pelto desenvolveram,
pela primeira vez, uma sistematização para os estudos transculturais das Infecções
Respiratórias Agudas (IRA) ao utilizarem uma abordagem etnográfica para investigar as
percepções e crenças das mães de crianças com IRA. Para isso, foi utilizado como estratégia
metodológica o Procedimento Avaliativo Rápido (RAP), o qual procura realizar uma
combinação de métodos qualitativos e quantitativos em um curto intervalo de tempo, com
vistas a identificar elementos focalizados na doença, não permitindo, dessa forma, um
conhecimento aprofundado do contexto cultural e social (GOVE; PELTO, 1994;
HUDELSON, 1994; HUDELSON et al., 1995).
O campo das Ciências Sociais em Saúde tem se caracterizado pela constante
discussão sobre os estudos transculturais, que abordam os modelos explicativos das doenças
respiratórias infantis, por meio da identificação e coleta dos termos mais utilizados
regionalmente, descrição dos sinais e sintomas da doença e de práticas mais comuns no seu
manejo, em busca de resolução do problema, cuja estratégia metodológica mais empregada é o
RAP (SCRIMSHAW; HURTADO, 1988).
No entanto, Menéndez (1998) afirma que, a escolha por essa metodologia pode
dar lugar a várias deformidades: hiper-empirismo, a-teoricismo, qualidade duvidosa ou não
estratégica da informação. Ou seja, pode chegar a replicarem-se as características dominantes
das produções epidemiológica e sociológica, as quais, paradoxalmente, foram questionadas.
Enquanto a abordagem qualitativa supõe não apenas o uso de determinadas palavras, mas um
rigoroso controle epistemológico em nível artesanal, mas também um questionamento
metodológico das urgências.
De acordo com Bibeau (1981), os estudos antropológicos devem preceder toda
comparação transcultural. Esses estudos fundamentam o desenvolvimento de uma
15
epidemiologia verdadeiramente sociocultural. Para tanto, esse autor propõe uma conjugação
entre as abordagens antropológicas e epidemiológicas no sentido de avançar no debate sobre o
que é específico a um grupo particular e o que é universal por pertencer à natureza humana.
Em antítese a isso, os estudos transculturais podem revelar uma menor variação cultural ou
universal dos comportamentos frente aos problemas respiratórios infantis.
É constatada uma escassez de trabalhos sobre as doenças respiratórias infantis na
perspectiva das Ciências Sociais em Saúde, o que culmina com a inexistência de antropologias
sobre esse tema no Brasil e, particularmente, no Ceará, sobretudo quando se leva em
consideração a magnitude desse problema em todas suas dimensões.
De um modo geral, os estudos antropológicos sobre as doenças respiratórias
infantis não contemplam uma análise dos comportamentos, ações e significados que conferem
a uma dimensão cultural no universo particular e empírico dos grupos sociais envolvidos. Os
estudos antropológicos desenvolvidos no Nordeste Brasileiro, particularmente no Ceará,
abordam temas como doenças diarréicas infantis, mortalidade infantil, alimentação infantil e
amamentação (NATIONS et al., 1984; NATIONS; REBHUN, 1988a, 1988b; NATIONS et
al., 1988; SCHEPER-HUGHES, 1992; MONTE et al., 1997). Tais estudos aplicam uma
abordagem etnomédica para a compreensão dos fenômenos da saúde e doença, os quais
buscam investigar os fatores socioculturais, bem como levantam informações sobre a
taxonomia cultural, etiologia, formas de transmissão, tratamento, prevenção e prognóstico
popular. Contudo, pode-se ainda notar que, em alguns desses estudos, é proposta uma
articulação entre os estudos antropológicos e epidemiológicos, embora sejam estabelecidas
relações complementares entre os primeiros (NATIONS, 1986; NATIONS; AMARAL, 1991;
NATIONS, 1992; GUERRANT; DE SOUSA; NATIONS, 1996).
A compreensão das doenças respiratórias a partir da experiência de adoecer do
sujeito leva a uma descrição mais ampla do seu comportamento diante dessas doenças. Tal
16
experiência do sujeito em relação à doença é bem ilustrada por Bibeau (1992) e Bibeau e
Corin (1995). Segundo esses autores, a experiência do adoecimento é fundada em uma
perspectiva global e articula trajetórias individuais, códigos culturais das comunidades,
contexto macrossocial e determinação histórica.
Trabalhamos com a abordagem da antropologia interpretativa, por tornar possível
a integração do contexto cultural com os problemas de saúde e doença, no caso em questão, as
doenças respiratórias infantis que acometem os moradores de um assentamento urbano na
cidade de Fortaleza. Assim, através da visão da realidade e da noção de cultura, manifestada
pela multiplicidade dos comportamentos concretos e da multivocalidade dos discursos sobre
saúde e doença, é possível identificar uma cultura representada em seu modo de vida e no
universo social. Tal cultura, em última instância, se reflete nos comportamentos e significados
que são atribuídos aos problemas respiratórios infantis.
Helman (1994) ressalta um aspecto importante do papel da cultura e enfatiza que
ela deve sempre ser vista em seu contexto particular, o qual é composto de elementos
históricos, econômicos, sociais, políticos e geográficos. Isso significa dizer que a cultura de
um grupo de pessoas, em qualquer tempo, é sempre influenciada por muitos fatores.
A introdução da abordagem de análise interpretativa nos estudos da Antropologia
Médica Americana, no início dos anos 70, permitiu contribuir para uma mudança de
paradigma capaz de desenvolver uma abordagem teórico-metodológica que considere os
significados locais e os variados comportamentos a eles relacionados, antes de realizarem-se
comparações por meio dos estudos transculturais (GOOD; GOOD, 1980; KLEINMAN, 1980).
Além disso, os estudos antropológicos contribuem efetivamente quando se
pretende uma intervenção em saúde que busque uma transformação comportamental das
pessoas, pela mudança da lógica dos programas de saúde que partem das experiências e
significados dos sujeitos em um determinado contexto cultural e social (FINCHAM, 1992).
17
Quando não se levam em consideração esses estudos, muitas vezes, as intervenções partem do
pressuposto de que a informação é oriunda de uma transformação automática dos
comportamentos das populações frente às doenças.
Cabe esclarecer que a abordagem metodológica adotada baseia-se na análise da
semiologia popular, compartilhada pelas pessoas em seus sistemas de significados, que são
socialmente enraizados e historicamente construídos. Na visão de Bibeau e Corin (1995), os
sistemas de significados não existem como um corpo de conhecimento explicitamente
conceituado, mas são formados por um conjunto de elementos imaginários, simbólicos,
ritualizados e racionais, os quais compõem a prática social dos indivíduos; tanto é que, quando
moradores se defrontam com doenças respiratórias no cotidiano, constroem e respondem
através de seus sistemas de signos, significados e ações (Ibidem).
Com referência à discussão acima apresentada, realizamos, nesta tese, uma
etnografia focalizada para compreender as relações dos moradores de uma área pobre em um
assentamento da cidade de Fortaleza e suas experiências em relação às doenças respiratórias
infantis. Os moradores desse assentamento apresentam marcas culturais próprias, uma forma
própria de gerir suas relações com o meio urbano, além de sinalizarem as experiências que,
enquanto tais, conduzem a elementos importantes para a compreensão das questões sociais,
econômicas, históricas e culturais relacionadas às doenças respiratórias infantis.
Assim, tomamos como ponto de partida da nossa tese a questão de pesquisa
formulada de maneira a compreender como são construídos e compartilhados os modelos de
interpretações e ações frente às doenças respiratórias infantis dos moradores de um
assentamento urbano (grifo nosso).
Com vista a fornecer possíveis respostas à questão de pesquisa, que delimita os
objetivos do nosso estudo ora definidos, foram elaborados e limitados claramente os aspectos
do objeto em estudo.
18
O objetivo principal do estudo foi o de identificar e caracterizar os signos,
significados e ações populares na identificação e interpretação das doenças respiratórias
infantis entre os moradores de um assentamento na cidade de Fortaleza do Nordeste
Brasileiro.
A partir do objetivo geral, elaboramos sistematicamente os objetivos secundários
abaixo, que vieram a orientar a produção do corpus etnográfico desta tese, que foram de:
1. Identificar, caracterizar e analisar os signos relacionados às doenças
respiratórias reconhecidas por moradores desse assentamento, bem como
descrever os significados atribuídos a essas doenças, as reações e cuidados
dispensados aos seus portadores;
2. Identificar e analisar a semiologia popular das doenças respiratórias infantis
entre os moradores desse assentamento;
3. Identificar e analisar as suas ações populares em saúde (preventivas,
terapêuticas, cura, etc.) relacionadas às doenças respiratórias entre os
moradores e;
4. Reconstruir as experiências dos sujeitos frente às doenças respiratórias infantis
nesse assentamento por meio de casos concretos.
Com vistas resolvermos nossa proposta de estudo, tornou-se necessário dividir a
tese em seis capítulos: o primeiro refere-se à discussão de como as doenças respiratórias
infantis são caracterizadas e analisadas no campo da Saúde Pública.
O segundo apresenta as contribuições das Ciências Sociais partindo da
Antropologia da Infância de base nos princípios da Sociologia da Infância à Antropologia da
Saúde com aplicação do modelo teórico da análise dos processos sociais e culturais das
doenças respiratórias infantis, designado como sistema de signos, significados e ações em
19
saúde. Esse modelo teórico é uma proposta de investigação na perspectiva da Antropologia da
Saúde que dialoga em uma aproximação da análise interpretativa, fenomenológica e crítica.
O terceiro capítulo compõe o percurso metodológico em que se destacam as
seguintes seções: introdução ao campo; contexto do estudo; descrições das técnicas de coletas
de dados empregadas no estudo; características e descrições dos vinte e dois informantes-
chave que participaram da pesquisa; procedimentos de coleta de dados e descrição do
processo de análise de interpretação e compreensão dos sujeitos com doenças respiratórias
infantis.
O quarto capítulo apresenta a experiência de seis casos concretos de problemas
respiratórios infantis; partindo da noção de experiência da doença, na qual o sujeito situa-se
perante a doença respiratória a fim de permitir-lhe significados e formular rotinas para lidar
com essa doença.
O quinto capítulo apresenta a construção das redes semânticas das doenças
respiratórias infantis a partir da semiologia popular. Apresenta também a análise do modelo
explicativo das respiratórias infantis, fundamentada no modelo proposto por Kleinman (1980),
que descreve os seguintes elementos: causalidade, manifestações, tratamento, gravidade e
noções de prevenção relacionadas às doenças respiratórias infantis.
Por fim, o sexto capítulo apresenta o modo cotidiano de viver dos moradores da
Comunidade do Dendê, o qual foi relacionado com os problemas de saúde e sociais,
particularmente com a experiência dos moradores em adoecer por problemas respiratórios.
Essa descrição parte de uma observação participante na comunidade e das narrativas de alguns
moradores que foram selecionados como informantes-chave.
20
CAPÍTULO 1
1 DOENÇAS RESPIRATÓRIAS INFANTIS E POBREZA: UM PROBLEMA DE
SAÚDE PÚBLICA?
Neste primeiro capítulo será identificada a problemática a que se refere este
estudo, a qual é representada pelas doenças respiratórias infantis em contextos de pobreza,
abrangendo as relações de valor e poder da infância na sociedade contemporânea. Para isso,
torna-se necessário considerar algumas referências teóricas fundamentais para situarmos tal
problemática em um quadro mais amplo de cuidados em saúde. A discussão começa com
alguns indicadores epidemiológicos de saúde infantil e de pobreza, em contextos mundiais,
nacionais, estaduais e locais, particularmente em Fortaleza. Em seguida, são considerados
alguns aspectos históricos e sociais da infância no mundo e no Brasil, abrangendo as relações
de valor e poder da infância em nossa sociedade contemporânea.
1.1 Doenças Respiratórias Infantis e seu Impacto
Os estudos epidemiológicos revelam que, indiscutivelmente, as doenças
respiratórias infantis representam um relevante problema de Saúde Pública em todas as partes
do mundo. Apesar dessa constatação, esses estudos também demonstram uma severa
desigualdade em termos de distribuição dessas doenças entre países desenvolvidos e em países
em desenvolvimento. Enquanto de 1 a 3% das crianças com menos de cinco anos de idade
21
morrem por doenças respiratórias (pneumonias, bronquiolites e bronquites) nos países
desenvolvidos; os índices aumentam para 10 a 25% nos países em desenvolvimento,
estimando-se que 90% dessas mortes sejam devido à pneumonia (BENGUIGUI et al., 1998).
Em um outro levantamento realizado em oitenta e oito países, foram evidenciadas
as mais elevadas taxas de mortalidade nos países da África, América do Sul e Central para
todas as idades. Embora a situação seja mais dramática para crianças menores de um ano de
idade. Nesse mesmo levantamento, cerca de 25% da população mundial apontaram que os
óbitos por infecções respiratórias agudas no período de doze meses foram de seiscentos e
sessenta e seis mil. Supondo-se que os outros 75% da população mundial apresentem o
mesmo índice, poder-se-ia dizer que, em média, tais doenças ocasionam dois milhões e
duzentas mil mortes por ano (BULLA; HITZE, 1978).
Nos países em desenvolvimento, o agravamento dessas doenças ocorre
principalmente em áreas pobres e pode ser atribuído à degradação da condição de vida
existentes nesses locais, como: precária condição de moradia; falta de saneamento e
deficiência nos serviços de saúde. Tal situação é reforçada pela inexistência de políticas
sociais efetivas, falta de reestruturação do setor público de saúde, precário processo de
urbanização e modernização das pequenas, médias e grandes cidades nesses países - em
particular, no Brasil.
No Brasil, as estatísticas oficiais disponíveis indicam o crescimento de pneumonia
e tuberculose nos últimos anos em decorrência das inadequadas condições de moradias
(HITZE, 1978; BRUCE; PEREZ-PADILLA; ALBALAK, 2000). Esses e outros estudos
demonstram um complexo entrelaçamento de diferentes problemas de caráter social com as
doenças respiratórias, em um contexto cada vez maior de precariedade das condições sócio-
sanitárias (BENGUIGUI, 1987; LIMA; FERNANDES; AMARAL, 1998).
22
Os dados do Ministério da Saúde revelam que as doenças respiratórias têm papel
significativo nas mortes e doenças de crianças menores de quatro anos de idade em todas as
regiões do País. Só no ano de 2003, essas doenças ocuparam a terceira causa de morte em
crianças e, em 2005, representaram a primeira causa de internamentos hospitalares pelo
Sistema Único de Saúde (SUS). Como esses dados provêm somente do serviço de saúde do
SUS e nem toda a população é atendida por esse serviço e muito menos pelo serviço privado,
devido à falta de acesso a esses serviços, imagina-se um quadro bem mais dramático das
doenças respiratórias infantis na população pobre brasileira. No Nordeste, a situação é bem
mais grave entre crianças, idosos e famílias pobres que dispõem de menos informações e falta
de atendimento nos serviços oficiais de saúde.
No Ceará, segundo McAuliffe, Correia e Victora (1991), as doenças respiratórias
em crianças são a causa mais freqüente de atendimento ambulatorial do serviço público. Em
2003, essas doenças apareceram como a quarta causa de mortalidade em crianças menores de
um ano de idade e, em 2005, constituíram a terceira causa de internamento hospitalar pelo
SUS (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
Em Fortaleza, as doenças respiratórias em crianças na faixa de um a quatro anos
de idade vêm ganhando expressivo espaço. Em 2005, revelou-se um dado alarmante, quase
metade (45,2%) dos internamentos hospitalares pelo SUS, de crianças nessa faixa etária,
ocorreu por conta dessas doenças (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).
Diante do quadro epidemiológico das doenças respiratórias infantis no mundo, no
Brasil, no Ceará e especificamente em Fortaleza, constatamos que tal problema é significativo
na população pobre. E isso nos leva tentar encontrar alguns indicadores comparativos sobre
pobreza no Mundo e no Brasil, particularmente no Nordeste, com o objetivo de identificar
algumas dessas características para os moradores pobres de um assentamento urbano de
Fortaleza a fim de as relacionarmos com as doenças respiratórias infantis.
23
1.2 Presença da Pobreza Infantil no Mundo e no Brasil
Os dados internacionais do Relatório da 27a Sessão Especial da Assembléia Geral
das Nações Unidas sobre a criança revelam que a pobreza e a falta de acesso aos serviços
sociais básicos resultam, anualmente, em dez milhões de mortes de crianças com menos de
cinco anos de idade, em todo o mundo. Quase a metade delas ocorre no período neonatal2,
devido às doenças evitáveis e à desnutrição. Esse Relatório também divulga que cem milhões
de crianças ainda estão fora da escola, sendo sessenta por cento delas meninas, e que cento e
cinqüenta milhões de crianças com menos de cinco anos de idade sofrem de desnutrição, além
do vírus HIV/AIDS propagar-se a uma velocidade catastrófica entre populações infantis
(PROGRAMA DO FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2003).
Os dados a seguir reiteram ainda os enormes percentuais quanto à mortalidade
infantil no planeta como: as complicações durante a gravidez e o parto advindas da anemia e
da desnutrição das mães, as quais causam, a cada ano, a morte de meio milhão de mulheres e
adolescentes, bem como provocam danos e incapacidades a tantas outras mais. Mais de um
bilhão de pessoas não dispõem de água tratada; e mais de dois bilhões de pessoas não têm
acesso a serviços de saneamentos adequados. Ainda há pobreza, exclusão e discriminação
persistentes e os investimentos em serviços sociais são insuficientes (PROGRAMA DO
FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2003).
O Relatório também destaca que a carga da dívida externa, os excessivos gastos
militares desproporcionais com as exigências de Segurança Nacional, os conflitos armados, a
ocupação estrangeira, a manutenção de reféns, dentre outros fatores, podem criar obstáculos às
medidas nacionalmente adotadas para lutar contra a pobreza e assegurar o Bem-Estar Social
2 Período neonatal corresponde aos óbitos que ocorrem até 28 dias de vida (ROUQUAYROL; ALMEIDA-
FILHO, 2003).
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das crianças. A infância de milhares de seres humanos continua sendo destruída pela
necessidade de trabalhar em condições de perigo, pela venda e o tráfico de crianças e de
adolescentes, bem como por outras formas de maus-tratos, descuido, exploração e violência.
A experiência alcançada na última década do século XX confirmou que deve ser dada
prioridade às necessidades e aos direitos das crianças em todas as atividades de seu
desenvolvimento (PROGRAMA DO FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2003).
Nos países muito pobres, a pobreza absoluta continua sendo fundamental na
determinação dos diferenciais sociais. Entretanto, nos emergentes, como o Brasil, as
desigualdades relativas, não apenas na renda, mas nas demais condições de vida, adquirem
importância crescente, sem que as diferenças absolutas deixem de ser importantes. Nesses
países, o crescimento da economia é marcado pela maior segregação em que convivem
situações polares de afluência e pobreza, principalmente nos grandes centros metropolitanos,
fato que determina a convivência dos dois tipos de desigualdades: o absoluto e o relativo
(WAITZMAN; SMITH, 1998; NUNES et al., 2001).
No Brasil, convém observar que a pobreza tem características sexuais, étnicas e
regionais. Sendo assim, lares chefiados por negros correspondem a 69% do total de
indigentes, verificando-se ainda que sua renda corresponde a 42% da renda das casas
chefiadas por brancos e a 24% das casas cujos chefes são asiáticos. Além disso, a média de
vencimento mensal é de 2,61 salários para um pardo, de 2,71 para um negro e 5,6 para um
branco. O branco tem, em média, 7,5 anos de estudo, enquanto negros e pardos têm apenas
5,1. A taxa de analfabetismo entre brancos é de 8,4%, ao passo que, entre pardos, essa taxa é
de 20,7% e, entre negros, é de 21,6% (GUILHON, 2001).
É preciso lembrar que a pobreza no Nordeste do Brasil é mais acentuada onde
vivem 30% da população e residem 63% dos indigentes do País. Nessa região, os 50% mais
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pobres detêm 15,4% dos rendimentos, enquanto o mais rico fica com 16,4% (GUILHON,
2001).
A linha de pobreza, definida pelo Governo, é calculada pelo custo da cesta básica
de alimentos: pobres são aqueles que, embora tenham o que comer, não conseguem satisfazer
outras necessidades básicas como habitação, vestuário, transporte e educação. Enquanto os
indigentes são aqueles que não conseguem adquirir a cesta básica de alimentos
(GUIMARÃES, 2000).
Embora a concentração da pobreza brasileira na região Nordeste não seja um dado
novo, ela ganha, certamente, algumas características peculiares em um período mais recente,
quando apontam-se diferenças significativas quanto ao chefe de família, residente em
domicílios particulares, e sua relação com a pobreza. Em um estudo realizado sobre o tema
(Iracema Guimarães, Pobreza, sobrevivência e arranjos familiares, 2000), as principais
observações foram:
há uma maior proporção de mulheres como referências das famílias;
os níveis de rendimento nessa região são os menores do País e as taxas de
atividades dos homens e mulheres são das mais baixas, os homens e, em especial, as mulheres
trabalham mais e são os que têm uma das piores remunerações do País e;
há uma elevada proporção de crianças e adolescentes que vivem em famílias de
indigentes, cuja renda é inferior a ½ salário mínimo (48,2%).
Entretanto, essa definição de pobreza, demonstrada pelos dados, não deve ser
pensada somente como insuficiência de renda, mas como um conjunto de carências sociais,
econômicas, políticas e de saúde. Demo (1996) aponta que a questão da pobreza está ligada à
exclusão política, ou seja, ao problema da desigualdade.
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Entendemos por pobreza política a dinâmica central do fenômeno chamado pobreza e que privilegia a dimensão da desigualdade. Assim, ser pobre não é tanto ‘ter’ menos (carente), mas ‘ser’ menos (desigual). Leva a visualizar, desde logo, que pobreza expressa uma situação de confronto histórico entre os que são menos e mais desiguais, aparecendo sob múltiplas formas concretas. Entre estas, costumamos destacar as carências materiais, como insuficiência de renda, fome, desemprego, etc., todas relevantes, mas ainda não mais cruciais. A condição mais aguda de pobreza é a exclusão de caráter político, historicamente produzida, mantida e cultivada (DEMO, 1996, p. 96-97).
Portanto, a falta de renda, como afirma Demo (1996, p. 94), representa “um
fenômeno decisivo na vida das famílias, mas é, sobretudo, decorrência de precariedade da
cidadania histórica (...). Olhar a pobreza apenas sob a ótica da insuficiência de renda é o
mesmo equívoco”. As diferenças entre ricos e pobres têm gradativamente cedido lugar, nas
sociedades modernas, a formas mais sutis de desigualdades. Nessas sociedades, independente
do nível de desenvolvimento, as desigualdades passam a assumir formas de diferenciais entre
indivíduos situados em distintas posições da organização social (WILKINSON, 1996;
NUNES et al., 2001).
Esse olhar tão impactante sobre os dados epidemiológicos das doenças
respiratórias infantis e da pobreza não respondem a questões como a construção de estratégias
de sobrevivência e de enfrentamento da doença no Nordeste, particularmente em Fortaleza.
Com isso, nos conduzem a realizar uma análise antropológica da relação entre pobreza e
doenças respiratórias infantis para compreendermos como os moradores constroem estratégias
ou práticas de sobrevivências relativas ao acesso à moradia, alimentação, tratamento de saúde,
segurança no bairro e outras necessidades.
Muitos estudos antropológicos caracterizam a pobreza como fatalista (FOSTER,
1953, 1965, 1967a, 1967b, 1967c; DE CASTRO, 1966; LEWIS, 1959, 1966, 1969; PEATTIE,
1968; YOUNG, 1981; ROSS; MIROWSKY; COCKERHAM, 1983). O fatalismo, por sua
vez, é compreendido como uma percepção da incapacidade humana em alterar o curso dos
eventos, nos quais podem ser vistos como determinações do tipo ‘Deus Quis’ ou ‘Destino de
Deus’. George Foster (1965) construiu um modelo de mentalidade fatalista frente à pobreza a
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partir de componentes cognitivos da pessoa, conhecido como ‘the Image of Limited Good’.
Esse modelo foi formulado a partir de uma pesquisa realizada com camponeses mexicanos, no
qual Foster argumenta que os componentes cognitivos podem apresentar bons desejos
(incluindo aspectos não materializados como amor e boa sorte), mas em quantidade limitada;
isto quer dizer, o poder humano pode alterar esses eventos nos quais são vistos como ‘Sorte de
Deus’, de maneira que e a riqueza ou a prosperidade de uma pessoa ou de um grupo
necessariamente pode diminuir a riqueza ou a prosperidade de outros. Esse autor ainda afirma
que os camponeses não procuravam outras formas de ajuda e os componentes cognitivos –
‘the Image of Limited Good’ – destacavam o medo e o ciúme, os quais poderiam ser vistos
como emoções perigosas, capazes de causar doença espiritual (como mal olhado).
A análise fatalista da pobreza foi questionada por outros autores como Oscar
Lewis (1959, 1961, 1966, 1969), que ampliou a visão de pobreza dos camponeses para a
‘Cultura da Pobreza’, que surge a partir da visão desses camponeses como escravo e vítima de
um colonialismo, e leva os mesmos se sentirem menos ajudados e desesperançados nos quais
suas ações preventivas são modificadas de acordo com as circunstâncias. Essa visão é também
controvertida.
Novamente, chamamos atenção para uma questão básica: uma pessoa que tem um
comportamento direcionado a um alvo específico é mais motivada devido à sua situação real,
atual ou derivada culturalmente por meio de uma imagem simbólica? Esse questionamento
está presente em um estudo de Nations e Rebhun (1988a), no qual as autoras realizaram um
estudo em locais pobres de dois municípios da região metropolitana de Fortaleza - Pacatuba e
Guaiuba - e em uma favela do município de Fortaleza - Gonçalves Dias - sobre a percepção
materna e a perda dos filhos por problemas de doença. Elas argumentaram que os
comportamentos das mães frente à pobreza ocorrem prontamente pela estrutura da realidade
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em que vivem, através de uma imagem culturalmente-derivada do mundo, e não por meio de
componentes cognitivos.
Portanto, a relação entre a pobreza e os eventos relacionados à saúde pode ser
melhor explicada com o emprego de uma abordagem antropológica, como é a proposta
discutida no presente estudo, em que se pretende compreender como os processos sociais e
culturais das doenças respiratórias infantis são construídos subjetivamente pelos sujeitos.
1.3 Abordagens dos Modelos Culturais das Doenças Respiratórias Infantis
Uma das abordagens que constituem os modelos culturais das doenças respiratórias
infantis refere-se à epidemiológica. Tal abordagem constitui um dos temas de interesse da
comunidade médica, além da patologia e dos métodos clínicos de cura, como verificamos em
uma consulta realizada ao Banco de Dados Medline. Foram identificados mais de 2.000
estudos sobre a epidemiologia das doenças respiratórias publicados nos últimos quarenta anos,
tais estudos têm como conteúdo predominante a análise de vários determinantes ou a
descrição dos perfis de morbidade e mortalidade dessas doenças. Porém, em nenhum
momento, os estudos contemplam a inter-relação desses elementos com os comportamentos
dos sujeitos frente às doenças respiratórias, o que indica a necessidade de estudos dessa
problemática sob a ótica das Ciências Sociais aplicadas à saúde.
A outra abordagem refere-se à antropológica, tem como interesse investigar a
realidade como os sujeitos percebem a doença. Autores como Nations e Rebhun (1988a,
1988b) e Nations (1992), em seus estudos, demonstram que as mães percebem a doença e a
morte de seus filhos e estabelecem ações de cuidado e prevenção frente a esses problemas de
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saúde. Essas mães apresentaram uma visão mais abrangente da realidade biomédica e
psicossocial do seu filho em relação à doença e à morte, e ainda, identificaram categorias
etnomédicas de doenças não demonstradas pelo modelo cultural biomédico.
De acordo com o modelo cultural biomédico das doenças respiratórias infantis,
sua classificação é considerada complexa, devido à condição biológica das referidas doenças
abrangerem amplas formas, diversas etiologias e distintos níveis de gravidades, tendo em
comum o comprometimento de uma ou mais partes do trato respiratório da criança; suas
manifestações mais comuns são: resfriados, otites médias agudas, amidalites, sinusites ou
pneumonias (GRAHAM, 1990; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1992). Todavia, há
outras racionalidades de explicação dessas doenças por meio dos estudos antropológicos que
vêem outras dimensões além da biológica como as dimensões sociais, culturais, ambientais e
políticas.
Na abordagem antropológica, alguns estudos revelam que os sujeitos classificam e
reconhecem as doenças respiratórias infantis, constituindo o modelo cultural popular das
mesmas pela identificação de terminologias etno-específicas; da construção de indicadores de
severidade para a doença e do estabelecimento de tratamentos alternativos a serem
empregados. Por intermédio dessa abordagem é possível a avaliação das formas de autonomia
materna para a tomada de decisão de tratamento frente às doenças respiratórias em seus filhos
(HUSSAIN et al., 1997). Portanto, nesse estudo, é tomada como referência a construção do
modelo cultural popular das doenças respiratórias infantis por meio da semiologia popular que
parte da visão dos sujeitos frente a essas doenças.
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1.4 Breve Histórico das Ações de Saúde Infantil no Brasil
Desde 1976, mesmo que tardiamente, surge um movimento mundial de atenção à
Saúde Infantil, mobilizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), orientando os países-
membros a adotarem suas estratégias de prevenção e controle das infecções respiratórias
infantis (GARDNER; FRANK; TABER, 1984).
No Brasil, essas estratégias foram adotadas em 1984, como parte integrante das
Ações Básicas de Saúde da Criança promovidas pelo Ministério da Saúde (TUPASI et al.,
1990; VICTORA et al., 1992). Contudo, as ações coletivas de saúde infantil não chegaram
onde deveriam ter chegado, ou seja, nas comunidades pobres do país.
A partir da década de 1980, notou-se uma intensidade de estudos que abordavam a
análise da estratificação etária da morbimortalidade das doenças respiratórias infantis (TORO-
ALBORNOZ, 1987). Alguns deles influenciaram o desenvolvimento de programas de saúde
infantil por meio da adoção de grupos etários prioritários (VAUGHAN; MORROW, 1997).
Isso levou ou leva as instituições sanitárias, tanto internacionais como nacionais, a
estabelecerem políticas hierarquizantes em relação às crianças. O Brasil tem como exemplo
uma intervenção iniciada em 1984, com a criação do Programa de Assistência Integral à
Saúde da Criança (PAISC), cujo foco estava centrado na criança com idade abaixo de cinco
anos (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1985). Embora seu propósito declarado fora
promover a integralidade na assistência prestada pelo serviço de saúde à criança em geral.
Inicialmente, o PAISC foi implantado nos estados do Pará e Rio Grande do Sul,
posteriormente estendeu-se por todo o País. O Programa objetivava a redução da mortalidade
infantil por infecções respiratórias agudas, em especial, a pneumonia, tendo como proposta
inicial à redução do número de casos graves e de suas complicações, além da diminuição do
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uso inadequado de antibióticos e outros medicamentos (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 1992). As estratégias aplicadas para alcançar tal redução foram:
capacitação dos profissionais de saúde no tratamento padronizado dos casos de infecções
respiratórias agudas; organização dos serviços de saúde; abastecimento regular de antibióticos
na rede pública de saúde e elaboração de um trabalho de ‘educação em saúde’, com o
treinamento de mães da comunidade para a melhoria das práticas de cuidados em relação às
crianças.
Poucos anos depois, em 1990, foi elaborado e implantado um Plano Básico de
Ação para a Proteção da Criança e do Adolescente no Brasil. Esse plano foi produto da
participação do país na Reunião Mundial de Cúpula em Favor da Infância, em que foram
assumidas vinte e seis metas em favor desses grupos etários (sendo dezenove deles referentes
ao setor de saúde), a serem atingidas até o ano 2000. Nesse mesmo ano, o Brasil reiterou sua
posição em favor da Infância com o compromisso governamental pelo Pacto da Infância com
a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Decorridos mais de dez anos de compromisso, os resultados de uma avaliação de
médio prazo de cumprimento das metas somente do setor saúde mostram um relativo
progresso no que tange à situação da saúde da criança brasileira. Verificou-se uma redução
nas taxas de mortalidade infantil, declínio na mortalidade por doenças diarréicas e por
infecções respiratórias agudas, queda na desnutrição protéico-calórica na infância e controle
das doenças imunopreveníveis.
Apesar das ‘melhorias’ verificadas, em 1997, mais de 1,6 milhões de crianças
menores de cinco anos foram hospitalizadas pelo SUS, dentre as quais 60% das
hospitalizações relacionavam-se a problemas respiratórios e às doenças infecciosas e
parasitárias (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000).
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Uma outra ação estabelecida a partir do Plano Básico foi a criação do Projeto de
Redução da Mortalidade Infantil e da Infância (PRMI) em 1995, por intermédio da Agenda da
Comunidade Solidária. O PRMI visou ampliar a capacidade do setor saúde em atender, de
forma integral, a criança de até cinco anos de idade, além de integrar todas as áreas do
Ministério da Saúde que atuavam em favor da Infância e promoveram a articulação
intersetorial com outros órgãos governamentais e não governamentais.
Com o propósito de reduzir a mortalidade infantil no País, outras estratégias foram
criadas objetivando priorizar o atendimento às populações de maior risco e revitalizar o nível
de atenção primária em saúde, que resultaram em duas ações concretas implementadas pelo
Ministério da Saúde. A primeira foi a incorporação nas políticas de saúde dos governos
federal, estaduais e municipais do Programa Saúde da Família e Programa dos Agentes
Comunitários de Saúde, como mecanismos de reorientação do modelo assistencial da atenção
primária em saúde. A segunda concerne à estratégia de Atenção Integrada às Doenças
Prevalentes na Infância (AIDPI), preconizada pela OMS e pelo Fundo das Nações Unidas
(UNICEF) e direcionada ao atendimento primário em saúde. Nessa estratégia, destaca-se a
proposta de integração das ações promotoras de saúde da criança que contempla ações
preventivas e curativas e o fortalecimento da participação da comunidade e das mães no
cuidado e na proteção à criança (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).
Comprovadamente essa estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes
na Infância promoveu a redução da mortalidade por infecções respiratórias agudas, segundo os
dados demonstrados em um estudo realizado por Benguigui (2003) que revelou um declínio
nas taxas de mortalidade das infecções respiratórias agudas em dezessete países americanos
logo após a sua implementação. Sobretudo, o referido autor reforça o envolvimento da
comunidade, particularmente da família, no processo terapêutico e de cura dessas doenças.
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Embora a política da OMS insista há tanto tempo em reduzir a mortalidade das
respiratórias infantis pelas atualizações e inovações em termos de ações, pode-se perceber um
distanciamento dessa ação macro em relação à ação local, ou seja, entre os profissionais da
saúde e os sujeitos que sofrem as doenças. Como o resultado de um estudo que revelou logo
após a implementação da estratégia AIDPI no Brasil, em 1996, em seis capitais brasileiras:
Fortaleza, Aracaju, Belém, Brasília, Recife e Rio de Janeiro, um desconhecimento dos
profissionais sobre essas ações. Os resultados apontaram, curiosamente, profundas
deficiências na atenção padronizada das infecções respiratórias agudas e indicaram uma
necessidade urgente de treinamentos voltados para prática clínica dos profissionais de saúde.
Além de revelar uma visão limitada dos profissionais de saúde sobre a dimensão social e
cultural das doenças respiratórias infantis (AMARAL et al., 2000).
No Brasil, atualmente, a principal intervenção no cuidado com a saúde das
crianças pobres é desenvolvida pelo modelo assistencial do Programa Saúde da Família (PSF),
o qual busca integrar a estratégia do AIDPI. Para o PSF, a organização de demanda é um
importante elemento para o planejamento de atenção primária em saúde que leva em
consideração a identificação de grupos sociais prioritários, especialmente de crianças e
mulheres. Algumas práticas de atividades de promoção social e de educação em saúde são
desenvolvidas visando atender as necessidades identificadas nos referidos grupos, como os
programas de atenção integral à criança, e à mulher em sua fase reprodutiva.
Autores como Levcovitz e Garrido (1996) afirmam que a essência do PSF é
enfatizar a atenção à família e não apenas ao indivíduo; ter uma visão ativa de intervenção em
saúde, cuja finalidade é agir preventivamente e organizar a demanda; permitir maior
integração com a comunidade e apresentar um enfoque multiprofissional e interdisciplinar. No
entanto, essas ações ainda reforçam as práticas hierarquizantes e fragmentadas em saúde,
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embora, paradoxalmente, seu princípio seja o de assegurar as condições necessárias à
manutenção e reprodução da vida humana de forma integral em suas diversas dimensões.
Por fim, essa breve descrição histórica das ações de saúde infantil no Brasil, com
destaque às intervenções de controle das doenças respiratórias infantis, revela um panorama
preocupante relacionado à efetividade e eficiência dessas medidas. Em grande parte, isso se
verifica porque as informações culturais e sociais não são consideradas relevantes, mas,
avaliadas como acessórias ou desnecessárias nas intervenções. Entretanto, os estudos
antropológicos demonstram a grande influência que as dimensões sociais e culturais exercem
sobre a adoção de comportamentos de risco e de prevenção ou mesmo sobre a utilização dos
serviços de saúde (MONTE et al., 1997; AMOFAH, 1998; SIMIYU; WAFULA; NDUATI,
2003).
1.5 Valor e Poder da Infância na Sociedade Contemporânea
Como compreender o valor e o poder da infância na sociedade contemporânea em
um contexto objetivo representado por crianças inseridas em um corpus familiar, vivendo em
um espaço social, designado por um assentamento urbano da cidade de Fortaleza, onde sua
realidade é constituída de elementos simbólicos e de condições estruturantes – como a
pobreza?
Iniciamos essa indagação conduzindo a uma primeira ordem de base conceitual, a
qual compreende a noção de espaço social e realidade. Bourdieu (2004, p.133) define espaço
social como “forma de um espaço (várias dimensões) construído na base de princípios de
diferenciação ou de distribuição, constituídos pelo conjunto das propriedades que atuam no
universo social”, e que, portanto, destaca-se como um universo em que há uma atuação por
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parte dos agentes por intermédio da força e do poder, definido por suas posições relativas a
esse espaço. Diante dessa definição, entende-se que o poder da criança na sociedade pode ser
visto como uma posição relativa, devido ao seu espaço de propriedade atuante, bem como
pode ser caracterizado pelo seu capital cultural e capital simbólico, no qual o autor aponta,
respectivamente, como um estado incorporado, que pode ser juridicamente garantido por sua
legítima posição como agente do grupo.
De acordo com Bourdieu (2004), a percepção do mundo social só é essencial
quando incorpora as estruturas objetivas do espaço social, como a questão da pobreza na vida
das famílias dessas crianças no mundo social vivido por eles, tal como eles são, a aceitarem-
no como natural, mais do que rebelarem-se contra elas mesmas, a oporem-lhes possíveis
diferentes, e até mesmo antagonistas. Para o referido autor, a descrição como imposição da
realidade, ou seja, o sentido da posição como sentido daquilo que se pode ou não se pode
permitir a si mesmo ou, o que é a mesma coisa, um sentido das distâncias, a marcar e a
sustentar, a fazer e a respeitar. A descrição é resultado dessa constituição social e só pode ser
vista em seu exterior, ou seja, por pessoas externas ao grupo, como as pessoas sobrevivem a
essa pobreza? Vista pelo sujeito de fora desse espaço social de pobreza como uma indagação
e não vivida. Esse sentido de pensar a realidade não é consciente, percebe-se mais no sentido
metafísico e Bourdieu (2004) o afirma como uma espécie de cogito revolucionário da
consciência coletiva de uma entidade personificada.
A segunda ordem é de base empírica dos aspectos históricos e sociais que
sustentam a presença da infância em nossa sociedade contemporânea, compõe a configuração
do cenário presente em um assentamento urbano da cidade de Fortaleza. Tendo como
propósito compreender a função social e histórica quando a criança adoece por problemas
respiratórios. Podemos dizer que a criança mobiliza a família quando está doente? Ela tem
algum valor histórico e social em seu contexto?
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Segundo o pensamento de Phillipe Ariès (1981), a criança passou a existir no
campo social somente depois do século XVI. Antes desse período, no mundo ocidental, a
criança parecia não se diferenciar do adulto, sendo reconhecida como um ‘adulto em
miniatura’, por isso, não recebia um tratamento diferenciado.
A descoberta da criança começou, sem dúvida, no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas, os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII (ARIÈS, 1981, p. 65).
A pesquisa de Ariès (1981) demonstrou o caráter histórico e social da criança, ou
seja, a criança pôde ser inserida como o resultado de um longo processo social que envolveu
transformações na organização da sociedade. Desde o ponto de vista da esfera privada das
famílias até a esfera pública do convívio social. A criança, como uma categoria socialmente
construída, permitiu a adoção de práticas sociais condutoras do processo de formação da
identidade sociocultural infantil.
Essas práticas resultaram na assistência, saúde e educação que atingiram seu objetivo e se validaram como opção ao enfrentamento da questão social, conforme adotaram um caráter universal, obrigatório e de responsabilidade do Estado (MENDONÇA, 2002, p. 2).
A assistência voltada para os segmentos pobres da sociedade, particularmente para
as crianças pobres, em qualquer sociedade do mundo ocidental onde predominou um enfoque
antiliberal, evoluiu a partir da hipótese de que o sujeito em formação, devidamente assistido,
chega à maturidade pelo exercício do direito de se auto-aperfeiçoar. Só então ele gozaria de
sua cidadania plena ou de um conjunto de direitos que se articulam progressivamente como
um sistema de proteção social que envolve o Estado e sua família (MENDONÇA, 2002).
No entanto a idéia de Ariès (1981) sobre a concepção universal da evolução da
criança foi questionada e novas pesquisas foram propostas nessa área. Piore (2004), em seus
estudos sobre a ‘História das Crianças no Brasil’, afirma que a idéia de evolução da criança no
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País ocorreu de forma muito lenta, devido às características do mesmo, como a presença da
pobreza nos lares, o qual estava apoiado no antigo sistema colonial e, posteriormente, em uma
tardia industrialização, não houve muito espaço para que essa evolução florescesse
precocemente quando foi comparado aos países ocidentais, em que o capitalismo instalou-se
no alvorecer da Idade Moderna.
As duas razões para o atraso social da criança no Brasil apontado por Piore (2004)
foram: inicialmente, devido ao atraso da escolarização, as escolas jesuíticas eram poucas e
surgiram no século XVI, sobretudo, para poucos. Os jesuítas demonstravam uma afeição pelas
crianças quando desenvolveram a estratégia para uma catequese ancorada na educação dos
pequenos indígenas, em que crianças órfãs, trazidas de Portugal, atuavam como mediadores.
Na percepção dos jesuítas, as crianças eram mais doutrináveis, por conseguinte, facilitava o
início do processo da catequese (PIORE, 2004).
A segunda razão referiu-se à precária intimidade da sociedade brasileira, de lares
monoparentais, mestiçagem, pobreza material e arquitetônica, exemplificada nos espaços onde
se misturavam indistintamente crianças e adultos de todas as condições. Outras razões dessa
precariedade estavam associadas à presença de escravos e à forte migração interna, capaz de
alterar os equilíbrios familiares, a qual desencadeou uma proliferação de cortiços no século
XIX e de favelas nos séculos XX e XXI. Esses fatores contribuíram para a formação da noção
de privacidade, que até bem recentemente era encontrada no Brasil, de maneira diferenciada
daquela como era concebida na Europa urbana, burguesa e iluminista (PIORE, 2004).
Assim, a atuação social da criança no Brasil ocorreu lentamente, não foram
implementados instrumentos que permitissem a adaptação ao novo cenário mundial, como a
presença de um sistema econômico que exigisse a adequação física e mental dos indivíduos a
essa nova realidade (PIORE, 2004). Paralelamente, no campo da Medicina Social, a partir do
século XIX, foi adotada no país uma política denominada higienista, a qual reduziu a família e
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a criança a um estado de dependência ao modelo biomédico, recorrendo até os dias atuais. A
apropriação das práticas médicas da infância fez-se à revelia dos pais, por meio de conselhos
higiênicos sobre a educação das crianças (COSTA, 1999).
Tal política utilizou amplamente a tática jesuítica, em que se apropriava das
crianças e as separava dos pais, em seguida, devolvia-as às famílias convertidas em soldados
da saúde. Conforme Costa (1999), as técnicas empregadas no modelo higienista são
consideradas responsáveis pela eficiência da educação médica no Brasil.
O modelo higienista está baseado na disciplina dos corpos e constituem em
intervenções sobre os sujeitos. Esse modelo ainda é visto como um conjunto de normatizações
e preceitos a serem seguidos e aplicados no campo individual, já que produzem um discurso
sobre a boa saúde francamente circunscrita à esfera moral (PAIM; ALMEIDA-FILHO, 2000).
No século XVIII, a assistência social à criança foi manipulada pela religião e
tomada como uma propriedade familiar. Enquanto no campo da saúde essa mesma criança foi
considerada uma apropriação do Estado, entretanto, sua legitimidade inexistia, haja vista dar
lugar a uma posição puramente de instrumento secundário dentro da família, cujo título era de
escravo. Já no século XIX, a assistência à criança é novamente utilizada como instrumento do
poder, dessa vez contra os pais e em favor do Estado.
Em meados do século XX, o papel do Estado no País se firmou como interventor
das ações de assistência à criança, inicialmente com a promulgação do Código de Menores, de
1927; em seguida outras iniciativas de proteção foram consolidadas. No campo da saúde, por
meio do emprego de ações preventivas, como os programas de vacinação e referentes ao
campo social, surge a obrigatoriedade do ensino fundamental no período entre 1930 e 1943.
Outras iniciativas de assistência social, criadas pelo Estado, foram implantadas uma delas é a
Política de Bem-Estar do Menor (PNBEM), entre 1964 e 1988, pela criação da Fundação do
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Bem-Estar do Menor (FUNABEM); bem como a formulação e implantação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), no início dos anos 90.
Mais recentemente, novas formas de atuar com as crianças e adolescentes vêm
sendo experimentadas na sociedade brasileira por diferentes organizações não
governamentais, especialmente na área de educação e de formação do trabalho (ALVIM,
1994; RIZZINI, 1995; VOGEL, 1995). Contudo, em decorrência do processo de globalização
e do neoliberalismo, a partir da segunda metade do século XX, o Estado enfraqueceu suas
funções sociais, tornando as ações assistenciais de proteção às crianças extremamente
fragmentadas e fragilizadas (COSTA, 1997).
A elaboração da política de assistência social a partir da Constituição de 1988,
integrada ao Sistema de Seguridade Social, deve ser considerada como outra iniciativa. Essa
política é constituída por um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade
civil que se voltaram para a proteção à família, maternidade, infância, adolescência e velhice;
o amparo às crianças e aos adolescentes carentes; a integração dos jovens no mercado de
trabalho; a habilitação, reabilitação e a integração de pessoas portadoras de deficiência.
Desde 1924, os direitos da criança foram identificados como um instrumento
internacional de direitos humanos. Existem também declarações que não implicam em
compromisso, pois se tratam de convenções e pactos tratados por força de lei para promover o
exercício do direito da criança.
Para Therborn (1993), os direitos da criança foram definidos tardiamente,
obedecendo a uma lógica inversa à definição dos direitos sociais do homem trabalhador, uma
vez que não dependiam exclusivamente da regulação na esfera da produção. A evolução dos
direitos sociais coincidiu com o avanço de conceitos de Bem-Estar-Social da sociedade
contemporânea que elegeu a educação e a saúde, bem como estabeleceu a universalização e
obrigatoriedade da atenção educacional e sanitária às crianças. Essas são condições mínimas
40
para o desenvolvimento do sujeito dentro de marcos da civilização, além de outras formas de
assistência que conferem à família como renda e trabalho.
O Relatório da Situação Mundial da Infância, elaborado pelo Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF), em 1996, assinala a importância de se respeitar os direitos
da criança e garantir as reivindicações justas que a sociedade contemporânea deve atender.
Entre estas se devem destacar o direito do Bem-Estar, social e da saúde da criança,
gradativamente apropriado em seu processo de desenvolvimento.
No Brasil, ao longo das cinco décadas anteriores à declaração dos direitos da
criança, foi constituído um conjunto de políticas sociais que se aproxima do modelo de
produtividade e desempenho industrial (TITMUSS, 1974) ou conservador (ESPING-
ANDERSEN, 1996) do Estado de Bem-Estar. Durante os anos 80 e 90, a política social
brasileira tornou-se alvo de um conjunto de pressões e de demandas pela sua alteração
proveniente tanto do processo de transição e de consolidação democrática quanto dos
constrangimentos originários do quadro de crise econômica que o País enfrentava (DRAIBE,
1995). Por um lado, observou-se uma tendência no sentido de a questão social ganhar
relevância na agenda pública da transição democrática. Por outro, tratava-se de um contexto
em que adquirira expressão a proposta de descentralização e de maior participação da
sociedade na elaboração e implementação das políticas públicas de âmbito social.
Durante os anos 80, manifestava-se, no Brasil, um quadro de pronunciada crise
econômica que repercutiu de maneira incisiva nos anos 90, paralelamente ocorreu um
processo de redemocratização das políticas sociais, reordenando-as para um sistema de
proteção social, o qual considera os princípios da descentralização, participação social e
universalização da atenção, bem como a procura pela redução da exclusão social e garantia de
maior eqüidade. Ao mesmo tempo, tornou-se inadiável a redefinição de políticas sociais para
reduzir a pobreza entre crianças e adolescentes (MENDONÇA, 2002).
41
Nesse momento, o País optou por adotar políticas sociais de caráter
compensatório, enfatizando a ação reformadora para o equacionamento da questão social
como minimizado, em função da necessidade de um novo regime democrático, onde os
governos civis subseqüentes respondiam aos imperativos da administração macroeconômica
brasileira. Dessa forma, as variáveis de ajustamento econômico foram indutoras de ações de
política social de caráter emergencial e compensatório, além de constituírem importantes
fatores de constrangimento da ação reformadora nos anos 80 e 90 (TORRE, 1987, 1993).
A reordenação das políticas sociais nas últimas décadas conduziu a uma
modernização dos processos sociais que envolvem a infância e a adolescência no Brasil. Ou
seja, a imagem da família brasileira foi reconstruída e, assim, devolveu-lhe a responsabilidade
de criar e educar seus filhos, a partir de suas condições materiais. Logo, prioritariamente, a
criança permaneceu junto aos pais, isso exigiu das políticas públicas um maior enfoque quanto
ao ambiente social onde estão inseridos crianças e adolescentes, e assim atendeu às
necessidades do grupo familiar. A política de atendimento passou a ser centrada não apenas no
indivíduo, mas estava ao alcance de suas relações sociais, quer sejam os demais membros
familiares, quer sejam as comunidades onde eles vivem (MENDONÇA, 2002).
As políticas do setor de saúde também contribuíram consideravelmente para a
modernização dos processos sociais. Os indicadores de saúde: longevidade, esperança de vida
ao nascer e taxa de mortalidade infantil mostraram uma contínua e progressiva ‘melhora’ nas
duas últimas décadas (1980-1990) do século XX, associada aos investimentos realizados na
infra-estrutura de serviços de saúde e saneamento e ao aumento da cobertura dos serviços de
saúde. Ao longo dos anos 90, aprofundou-se a definição mais precisa de programas de saúde
para a população total e para grupos específicos como a mulher, a criança e o adolescente,
dentre outros, ao adotarem uma perspectiva mais coletiva e preventiva.
42
Ainda nos anos 90, a característica mais marcante da evolução das intervenções
públicas na área social relacionou-se com os processos de descentralização e focalização dos
programas de políticas sociais. Essa evolução ocorreu em meio a um quadro de fortes
restrições fiscais, fazendo com que o padrão brasileiro de proteção social se afastasse também
das configurações residuais (TITMUSS, 1974) ou liberais (ESPING-ANDERSEN, 1996) do
Estado de Bem-Estar social e da saúde (DRAIBE, 1995, 1997; CAJUEIRO, 2004).
No Brasil, atualmente, a assistência social à criança pobre incide na estratégia do
‘Bolsa-Escola’, que apresenta um caráter preventivo de cuidado com as crianças na primeira
infância, objetivando que elas cresçam em condições mais favoráveis (GUILHON, 2001). O
programa Bolsa-Escola é financiado pelo Fundo de Combate à Pobreza, com previsão de
recursos na ordem de R$1,7 bilhões e duração prevista para dez anos (SILVA E SILVA,
2001).
De acordo com o panorama da criança aqui apresentado, pode-se verificar um
movimento cíclico das políticas sociais pela participação mais efetiva da criança e, em alguns
momentos históricos, a criança esteve ausente das ações do Estado, porém, em outros, era
assumida como propriedade do próprio Estado. A fragmentação das ações é característica
desses movimentos das políticas assistenciais do país. Pensamos que essas ações
institucionalizadas sejam percebidas no campo micro, ou seja, no cotidiano das crianças que
vivem a realidade ora apresentada.
Como tentamos demonstrar ao longo desse capítulo, na perspectiva de eleger
elementos de interesse para revisar os aspectos relacionados às crianças e às doenças
respiratórias em seu macrocontexto histórico e social, aos quais nos referimos anteriormente,
constatamos uma visível produção de desigualdade social, econômica e epidemiológica das
doenças respiratórias infantis no mundo, no Brasil, no Ceará e, especialmente, em Fortaleza.
Assim, conduzimos a uma questão social e cultural presente nessa pesquisa: Como vivem os
43
moradores pobres de um assentamento urbano na cidade de Fortaleza, os quais
desenvolvem estratégias de sobrevivência e convivência com a pobreza, cercando-se de
saberes e ações populares para lidar com as doenças respiratórias infantis em seu
cotidiano?
Compreendemos que essa questão será respondida pelas histórias cotidianas dos
moradores tanto no âmbito da família como nas relações com sua vizinhança, onde eles
compartilham, cotidianamente, suas condições concretas práticas e estratégias de
sobrevivência para lidar com a criança.
44
CAPÍTULO 2
2 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS AOS
ESTUDOS DA INFÂNCIA E DA SAÚDE
Neste capítulo, apresentamos os principais pressupostos teóricos e metodológicos
que fundamentam a análise dos processos sociais e culturais das doenças respiratórias infantis
a partir das contribuições das Ciências Sociais aos estudos da infância e da saúde. Primeiro,
mostramos as principais linhas de pensamento que cercam a temática da infância na
abordagem da Antropologia e da Sociologia da Infância. Em seguida, expomos uma
abordagem interpretativa da Antropologia da Saúde para o entendimento da doença como um
processo sócio-cultural e, finalmente a aplicação do modelo de análise do sistema de signos,
significados e ações para a compreensão das doenças respiratórias infantis entre os moradores
de um assentamento urbano na cidade Fortaleza.
2.1 Infância e suas Abordagens na Antropologia e Sociologia da Infância
Antes do século XX, a categoria ‘criança’ não era referida no campo científico
nem no campo social. O século XX foi marcado pela descoberta da infância como objeto de
estudo, podendo ser denominado como ‘século da criança’, contudo os estudos antropológicos
e sociológicos sobre a infância ocorreram tardiamente em relação a outros campos do
conhecimento. Até 1968, a Enciclopédia das Ciências Sociais não havia incluído qualquer
45
referência a respeito deste tema, e somente no início da década de 1980 ocorreram os
primeiros encontros científicos interdisciplinares e internacionais no âmbito das Ciências
Sociais, com objetivo de discutir a infância (SILVA; NUNES, 2002).
As mudanças ocorridas nas Ciências Sociais, no século XX, resultaram e
refletiram em um aumento dos estudos sociológicos e antropológicos sobre a infância. Os
estudos mais conhecidos na Antropologia da Infância foram desenvolvidos nas décadas de
1920 e 1930, por antropólogos norte-americanos ligados à Escola de Cultura e Personalidade,
especialmente Margaret Mead, uma das mais interessadas nos estudos das crianças e
adolescentes na época. No final de sua carreira, ela criticou a formação dos antropólogos
ocidentais, pois influenciados pela História Européia nem sempre consideravam as crianças
como seres sociais completos (SILVA; NUNES, 2002).
Os estudos de Mead foram importantes para a Antropologia da Infância por
contribuírem em diversos aspectos: no desenvolvimento de uma descrição moderna dos povos
primitivos através da análise dos estudos comparativos de semelhanças e diferenças entre
grupos humanos; na compreensão de diversos aspectos da personalidade contemporânea das
crianças e adolescentes e; na discussão da formação dos adolescentes em relação à escola,
família e sociedade.
Em um de seus primeiros estudos sobre adolescência, realizado em Samoa, ilha
habitada por polinésios no sul do pacífico, em 1926, a cientista procurou verificar os efeitos da
civilização sobre as mudanças no ser humano, na idade da puberdade. Os aspectos mais
significativos desse estudo em que a autora classificou como “dados impalpáveis e centros das
perturbações na vida dos jovens adolescentes” (1961, p.34) foram: a situação familiar, as
relações sexuais, envolvendo os tipos de amizades, lealdades e responsabilidades pessoais
entre os adolescentes. Sua descrição e comparação resultaram em uma leitura das adolescentes
samoanas que apresentavam temperamentos semelhantes às da cultura norte-americana,
46
embora percebida uma zona de capacidade intelectual possivelmente mais estreita, mostrando
uma uniformidade de conhecimentos, habilidades e atitudes e um desenvolvimento metódico e
regular em um ambiente flexível, mas estritamente delimitado pela família (MEAD, 1961).
No início da década de 1970 houve uma tentativa ‘tímida’ de se criar a
Antropologia da Criança, com a introdução do artigo formulado por Charlotte Hardman
(1973) intitulado ‘Can there be an Anthropology of Children?’, o qual enfatizou a existência
da criança e a necessidade de ultrapassar a visão comum de que a criança nada mais é do que
um receptáculo dos ensinamentos que lhes são passados pelos adultos. Segundo essa autora “a
criança constitui um grupo social que pode e deve ser estudado, especificamente por si só, não
por extensão de outros” (SILVA; NUNES, 2002, p.13). No entanto, essa tentativa não obteve
destaque por apresentar problemas metodológicos como a coleta de poucos dados
etnográficos.
Logo em seguida, Norman Denzin (1977 apud PROUT; JAMES, 1997) levantou
uma polêmica sobre a Sociologia da Infância quando disse que não existe nem nunca existiu
uma Sociologia da Infância e, advogava prioridade para o interesse e respeito pelo tema.
Assim, ficou absolutamente evidente a lentidão desse processo de afirmação de uma nova área
de estudos antropológicos e sociológicos sobre a infância.
Quase uma década depois da tentativa da criação de um campo específico na
Antropologia, em 1982, na London School of Economics, realizou-se um seminário que reuniu
antropólogos, psicólogos, historiadores e sociólogos, cujo objetivo seria chamar a atenção
para um tema negligenciado, a saber, como as crianças adquirem a cultura de seu grupo.
Quatro anos depois, outros encontros ocorreram no King College, e posteriormente no Canadá
e Zimbábue, denominados de Ethnography of Childhood Workshops. Esses últimos,
realizados a partir de dados fornecidos por uma pesquisa européia, ‘Childhood as a Social
Phenomenon’, que agregou dezenove países e inaugurou, em definitivo, o espaço de
47
investigação científica, para legitimar a importância da infância e realizar uma reflexão das
Ciências Sociais sobre temas específicos como a saúde (PROUT; JAMES, 1997).
No decorrer da segunda metade da década de 1990, alguns importantes centros de
investigação sobre a infância estabeleceram-se, por exemplo, o Center for the Social Study of
Childhood (University of Brune/UK); o Center for Child-Focused Anthropological Research,
na Norwegian University of Science and Technology, que também edita a revista Childhood: a
Global Journal of Child Research; o Centro de Documentação; a Informação sobre a Criança
(Universidade do Minho/Portugal) e o Concerted Action Committee of Health Services
Research (COMAC-HSR) da Commission of the European Communities, dentre outros. Foram
criadas novas disciplinas curriculares nos cursos de graduação e pós-graduação na área de
ciências, destacam-se as áreas de sociologia, psicologia, pediatria, antropologia, bem como
seminários e congressos para exposição e debate de idéias. Além disso, surgiram linhas de
financiamento para pesquisas e publicações especializadas sobre o tema infância (SILVA;
NUNES, 2002; TRAKAS; SANZ, 1992).
No início dos anos 90, a Sociologia da Infância ganha ebulição e gradualmente
cativa mais e mais investigadores. Países como Inglaterra, Noruega e Dinamarca são
considerados as nascentes da Sociologia da Infância. As iniciativas e esforços realizados nas
décadas de 1970 e 1980 permitiram à antropóloga Allison James e ao sociólogo Alan Prout a
identificação da emergência de um novo modelo para o estudo da infância, conscientes de que
estavam diante de duas questões epistemológicas importantes: por um lado, o modelo estava
mais para um potencial conjunto de possibilidades de intenções sobre a infância do que um
conjunto de postulados teóricos solidamente desenvolvidos; e, por outro, as linhas de estudos
sobre a infância deveriam ser de importância vital e prioritária para o desenvolvimento desses
estudos na Sociologia (PROUT; JAMES, 1997).
48
Assim, foi concebido um novo modelo sociológico e antropológico para os
estudos da infância fundamentado em seis princípios teóricos (PROUT; JAMES, 1997):
1. A infância deve ser entendida como construção social e assim fornecer um
quadro interpretativo para os primeiros anos de vida humana. A infância, por
oposição à imaturidade biológica, não é nem uma característica natural nem
universal dos grupos humanos, mas deve aparecer como um componente
específico estrutural e cultural das várias sociedades;
2. A infância deve ser considerada como uma variável de análise social, tal como
gênero, classe ou etnicidade, pois estudos comparativos revelam mais uma
variedade de ‘infâncias’ do que um fenômeno único e universal;
3. As relações sociais e culturais das crianças são merecedoras de estudo em si
mesmas, independentemente da perspectiva e dos interesses dos adultos;
4. As crianças devem ser vistas como ativas na construção e determinação de suas
próprias vidas sociais e na sociedade em que vivem. As crianças não são apenas
sujeitos passivos de estruturas e processos sociais;
5. A etnografia é um método particularmente útil ao estudo da infância. Permite à
criança participação e voz mais direta na produção dos dados antropológicos do
que normalmente é possível, por meio das pesquisas experimentais e;
6. A infância é um fenômeno em relação a qual uma dupla hermenêutica das
Ciências Sociais está presente, ou seja, a proclamação do novo modelo da
Sociologia da Infância também deve incluir e responder ao processo de
reconstrução da infância na sociedade.
Nesse ponto, envolvemos a criança como um dos sujeitos de nosso estudo, cuja
experiência de estar doente por problema respiratório e suas relações familiares,
49
particularmente a materna, são componentes essenciais para interpretarmos a construção
social e cultural de seu processo de adoecimento.
Além da concepção de um novo modelo teórico para a Sociologia da Infância
Contemporânea, Prout (1992) propôs a reformulação de velhos conceitos, considerados pilares
convencionais como a noção de desenvolvimento e socialização da criança. Esses dois
conceitos estavam fortemente influenciados pelo pensamento psicológico e, essa influência
dificultava o entendimento da infância em relação ao modo de pensar em seu contexto sócio-
político.
Urgentemente, foi empreendida uma revisão epistemológica por Prout (1992), sem
a qual não adiantava multiplicar as pesquisas centradas nas crianças. Os primeiros estudos
sociológicos e antropológicos sobre a infância perduravam os conceitos evolucionistas e
funcionalistas, confundiam-se as etapas de maturidade biológica e de desenvolvimento social
da criança, e considerava-se toda e qualquer atividade da criança como importante apenas à
medida que fornecia indicações sobre sua futura participação e integração no mundo dos
adultos. O modelo de desenvolvimento infantil construído por Jean Piaget, a partir da década
de 1940, é crucial para entendermos a reformulação desses conceitos na Sociologia da
Infância, uma vez que a influenciou e, simultaneamente, foi influenciado por ela (PROUT,
1992).
Para Prout (1992), a teoria epistemológica de Jean Piaget, baseada em um
pressuposto do desenvolvimento cognitivo, a partir da experiência social da criança, é
centrada em um ataque pré-determinista do poder e da persistência de um modelo explicativo
no desenvolvimento da criança que interage com sua natureza e seu ambiente social. O autor
afirma que essa descrição não é a infância, não é ainda criança específica, mas ‘a criança’ que
constantemente aparece em ambos os títulos e textos de Piaget.
50
Em suma, a criança individual é construída em torno de suposições de
naturalidade e universalidade da infância, ou seja, a ‘criança’ é como uma manifestação
corporal do desenvolvimento cognitivo da infância enquanto a maturidade representa todas as
crianças. Como a tradição intelectual ocidental está centrada na racionalidade científica, ‘a
criança’ representa uma espécie de laboratório para os estudos de formas primitivas da
cognição as crianças passam a fazer parte desse laboratório a fim de sejam estudadas.
Representadas como fase pré-racional, as crianças de várias idades foram usadas para
descobrir o processo seqüencial da racionalidade emergente da mesma (PROUT, 1992).
Segundo o pensamento de Prout (1992), durante a década de 1950, as Ciências
Sociais estavam absorvidas pelo positivismo e funcionalismo; portanto, as explicações
científicas para os processos de aprendizado das crianças davam-se pela participação da
mesma na sociedade e, das quais resultavam bem socializadas e ajustadas.
Nesse período a atenção nem sequer incidia sobre o processo de aprendizagem
que, entretanto, era vivido pela criança. Tonkin (1982) demonstra que a importação do modelo
psicológico para a Sociologia gerou confronto entre o indivíduo enquanto instância das
espécies e o sujeito enquanto instância da sociedade. Ou seja, o confronto ganha outros
contornos, mas permanece uma dificuldade em entender a permeabilidade entre os estágios de
maturidade biológica que, de fato, modificam e ampliam possibilidades da criança, bem como
o verdadeiro lugar que a criança ocupa na sociedade enquanto aprendiz que foi, é e será.
A socialização, contudo, foi identificada como o mecanismo pelas quais as regras
sociais eram transmitidas às gerações sucessivas. Prout (1992) considera que a socialização
tenha falhado no fazer ‘como’, sendo freqüentemente ignorada ou encoberta. O processo de
socialização fora visto como um psicologismo, algumas palavras marcaram esse período, tais
como: assimilação e indução, que inibiam uma discussão de um caminho preciso em que as
crianças poderiam tornar-se sujeitos conhecidos na sociedade.
51
A concepção de ‘socialização’ mudou de uma ‘enculturação’ (integra a criança à
sociedade, por intermédio da formação de indivíduos ajustados social e emocionalmente aos
padrões de comportamentos e aos papéis sociais de uma ordem estabelecida) a uma
socialização dinâmica e historicizada da cultura, em que as crianças passam a ser consideradas
seres plenos, e não adultos em miniatura (PROUT, 1992). Atores sociais ativos capazes de
criar um universo sociocultural com uma especificidade própria, produtor de uma reflexão
crítica sobre o mundo dos adultos (SILVA; NUNES, 1992).
No modelo psicologista implicitamente dualista, no sentido de que o indivíduo se
dá pelo cogito pré-existente em que está fora da sociedade. O dualismo, replicado e não
criticado da teoria da socialização, é tradicional. As crianças eram reconhecidas como
imaturas, irracionais, incompetentes, não sociais e aculturadas, e os adultos eram maduros,
racionais, competentes, sociais e culturados (PROUT, 1992).
Na perspectiva atual, podemos compreender que a categoria ‘criança’ tem uma
conotação de algo original a dizer, socializa-se ao longo de uma relação dialógica com o
mundo à sua volta de tal modo que, justificadamente, sua vivência, representações, modos
próprios de ação e expressão devem constituir objetos da pesquisa social. Onde tornamos
significativa a compreensão da função social da criança no estudo ora apresentado.
No entanto, tal visão continua não sendo fácil, pois depende de um reexame de
nossas próprias avaliações sobre os fatos culturais da infância. Apesar das mudanças
introduzidas pelo novo modelo, o que se sabe sobre a criança continua sendo o que os adultos
sabem sobre ela, e não o que a criança tem a dizer de si mesma, chocamo-nos porque não
estamos preparados para a ‘maturidade e sofisticação’ das crianças em entender o mundo e o
seu lugar nele (BUTLER; SAHW, 1996 apud SILVA; NUNES, 2002).
Dizemos mais, a categoria ‘criança’ é utilizada como a categoria ‘mulher’, ‘mãe’ e
é utilizada como um tipo da categoria universal da ‘criança’. Foi com essa explanação
52
tradicional que Hastrup (1978) chamou de ‘semântica biológica’. Os fatos biológicos da vida
como nascimento e infância são constantemente usados como explicação dos fatos sociais da
infância. São poucos os relatos que tomam a infância ou a criança como um componente
cultural.
Mesmo reconhecendo a existência de uma ‘semântica biológica’, elegemos as
mães de crianças que sofrem de problemas respiratórios como sujeitos potenciais que podem
estabelecer formas culturais e afetivas significativas para compreendermos os processos
sociais e culturais dos problemas respiratórios infantis.
De acordo com Prout (1992), não há dúvida de que o crescimento da abordagem
interpretativa nas Ciências Sociais, especialmente o interacionismo simbólico e a
fenomenologia social conduziram a novas direções nos estudos sobre a infância.
Particularmente, adotaram como interesse a criança como ator social e a infância como um
tipo particular de realidade social. Enquanto a tradição interpretativa concedeu aos aspectos da
vida cotidiana a mudança cultural como um processo detalhado e de reflexão crítica, de
análise da esfera sociológica. Sendo assim, essas duas características da Sociologia
interpretativa têm combinado com o crescimento de interesse particular na perspectiva de
grupos menores na organização social e contextos. Nesta tese, em particular, o envolvimento
de crianças e suas famílias são imprescindíveis para compreensão da construção social e
cultural das doenças respiratórias infantis.
Assim, a vida social é conduzida pelas atividades dos atores sociais, que carreiam
os significados e ações com base em suas crenças e perspectivas. Prout (1992) indica que o
modelo de explanação de vida social requer em segurar os significados dos participantes em
contexto específico.
Deve-se lembrar sempre do alerta dado por Martins (1993) de que as Ciências
Sociais dariam um passo importante no seu desenvolvimento se reconhecessem que são as
53
crianças, nos dias atuais, os principais críticos sociais. Portanto, nesse estudo, foi utilizada a
categoria ‘criança’ como um agente social e dinâmico na construção do seu processo de
adoecimento, pelo seu modo de agir em seu grupo social.
Bluebond-Langer (1978) citado por Prout (1992) rompeu efetivamente com a idéia
de considerar a criança como um mero ator social e reconhece na criança um agente que pode
interpretar e interagir na construção do seu mundo social. O referido autor clama ainda para
uma discussão no interior da Sociologia da Infância em relação à ação e à estrutura da vida
social da criança. Essa discussão baseia-se na determinação de um comportamento social a
partir de um sistema de organização social, por conseguinte, a criança é ativa e produz
significados nesse sistema.
A emergência dos estudos sobre a criança como uma categoria social silenciosa,
ou silenciada, já foi colocada em paralelo com o processo que levou ao surgimento dos
estudos sobre a mulher, nos anos 70, e que revolucionou as teorias sobre gênero na
Antropologia. A grande diferença é que as crianças, diferentemente das mulheres, talvez não
possam desenvolver a própria etnografia, ou pelo menos não da mesma forma. Temos que
deixar o campo aberto para toda e qualquer possibilidade, bem como correr riscos e assumir as
conseqüências dessa escolha teórica e metodológica.
Segundo Jenks (1996), nas mais recentes investigações sociológicas sobre a
infância, já é possível identificar, pelo menos, a existência de quatro abordagens principais:
1. A infância como construção social. Essa abordagem desmonta/ desconstrói
conceitos positivistas e funcionalistas, como a universalidade da infância para
defender sua pluralidade e diversidade. Tem implícito um papel político, pois
liberta a criança do determinismo biológico e insere uma epistemologia própria da
infância nos domínios do social;
54
2. O mundo social da infância como um mundo à parte. É cheio de significados
próprios e não um mero mundo de fantasia e imitação, precursor do mundo adulto.
Essa abordagem enfatiza a infância como socialmente estruturada, mas não
familiar para os adultos e, portanto, passível de ser revelada apenas por meio de
pesquisa, e recomenda que se façam etnografias;
3. As crianças como grupo minoritário. Tem-se desenvolvido no âmbito de uma
sociedade desigual e discriminatória, de relações do poder adulto sobre os rumos
da infância. Considera-se a criança como um outro silenciado e pretende-se dar-
lhes voz, apelando para que as pesquisas se façam ‘para’ as crianças e não apenas
‘sobre’ as crianças e;
4. A criança como categoria sociocultural. A criança volta a ter características
universais e emerge de constrangimentos específicos à estrutura social em que é
inserida; ou seja, sua manifestação pode ser considerada um fato social que varia
de sociedade para sociedade, mas que é uniforme dentro da mesma sociedade.
Tais abordagens mostram o quanto é preciso desenvolver estudos em relação à
infância, localizando-os e engajando-os em dicotomias presentes na teoria social, pois fazem
parte de uma série de outros debates em curso nos dias de hoje: agência – estrutura; universal
– particular; global – local; continuidade – mudança. Autores como Jenks (1996) afirmam ter
havido um significativo progresso nas investigações, porém continuam a chamar atenção para
a lentidão desse processo ao dizerem que ainda há todos os possíveis aspectos a serem
considerados, em que se verificam incompatibilidades como possibilidades de galgar as
fronteiras que esboçam essa temática.
Até a última década do século XX, o tratamento dado às crianças na Sociologia
Médica constitui um reflexo do tratamento que lhe foi dado pela Sociologia da Infância. Prout
(1992) chama atenção para os problemas metodológicos gerados dessa relação. Entre eles, ao
55
que se refere ao tipo de pesquisa, pois muitas delas relacionam-se diretamente à Psicologia do
desenvolvimento e tendem a interpretar o pensamento da criança, quando repetem questões
sobre a doença como um produto dos estágios do desenvolvimento cognitivo de Piaget.
Enquanto outros estudos tendem a comparar as respostas das crianças com as dos adultos e
estabelecem estágios da doença como os estágios piagetianos, já que realizam uma ‘mágica’
para tal base cognitiva.
Os problemas surgem a partir da união dos conceitos psicológicos e sociológicos,
quando o enfoque da pesquisa passa a ser o ambiente social em que a criança vive,
investigam-se suas atitudes e crenças sobre a doença. Muitas vezes utilizam-se instrumentos
como questionários e inventários, produzem-se dados sobre a vida social das crianças,
personalidade materna, seu nível sócio-econômico, estado de saúde e história da criança que
conduzem a um amontoado de variáveis independentes e estágios variados sobre a doença
(PROUT, 1992).
É necessário o entendimento de um modelo teórico que construa a criança como
um produto social e, segundo Prout (1992), também é importante considerar o aspecto
referente ao elevado potencial da criança em resistir ao determinismo social. A criança deve
ser vista como parte ativa no processo de socialização, que pode refletir em vários contextos
sociais (no hospital, na moradia ou na escola).
Chamamos atenção que nos estudos psicossociais são coletados dados da criança
como informante, enquanto nos estudos da Sociologia Médica, isso é uma situação rara. A
criança tem sido e continua sendo excluída desses estudos. Muitas vezes são silenciadas; na
década de 1960, realizou-se um estudo clássico sobre as práticas dos serviços de saúde na
Inglaterra, o qual incluiu crianças com menos de quinze anos, mas os pesquisadores não
permitiram o uso de suas vozes de maneira direta, e elas foram substituídas pelas vozes das
mães (PROUT, 1992).
56
Paradoxalmente, a discussão reconhece que há uma influência do psicologismo da
infância em relação à Sociologia da Infância. Assim, o contexto social deve ser considerado
não como mero somatório dos processos sociais e culturais, mas sim uma ligação teórica dos
estudos empíricos, a fim de se conceber um texto único para a reconstrução da prática social,
em que estão envolvidos crianças e adultos. No presente estudo, procuramos minimizar essa
tensão aproximando-se da Antropologia da Saúde, por meio da compreensão da construção
dos processos sociais e culturais dos sujeitos, que são crianças e adultos que vivenciam os
problemas respiratórios em sua realidade social.
Sinteticamente, apontamos para uma configuração da infância, indicando suas
dimensões sociais e culturais para efeito de articulação com nossa proposição teórica, que
privilegia o esquema conceitual da criança como categoria sociocultural.
2.2 A Doença como um Processo Social e Cultural
Na abordagem da Antropologia da Saúde sobre a doença, esta não deve ser um
evento primariamente biológico, mas concebida inicialmente como um processo vivenciado
cujo significado é elaborado por episódios culturais e sociais, e depois como um evento
biológico, vividos por crianças e adultos. A doença não é um estado estático, mas um processo
que requer interpretação e ação no meio sociocultural, o que implica em uma negociação de
significados na busca da cura das doenças respiratórias (STAIANO, 1981).
Assuntos pesquisados pela Antropologia da Saúde a partir da década de 1970 não
diferenciam muito dos que tradicionalmente faziam parte dos estudos de etnomedicina: as
crenças, as práticas terapêuticas, os especialistas de cura, as instituições sociais, os papéis
sociais dos especialistas e pacientes, as relações interpessoais e o contexto social, econômico e
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político. Segundo Langdon (1995), o que diferencia essa perspectiva da etnomedicina
tradicional é a relativização da biomedicina e uma preocupação com a dinâmica da doença e o
processo terapêutico.
O enfoque tradicional da etnomedicina é a identificação das categorias da doença,
segundo o grupo estudado, reconhecendo-se o que é definido como doença, como é
classificada e quais os sintomas que são identificados como sinais da doença, tudo isto varia
de cultura para cultura e não necessariamente corresponde às categorias da biomedicina
(FRAKE 1977; LANGDON; MACLENNAN, 1979).
Laplantine (1986) argumenta que a etnomedicina integra em seu campo de
pesquisa a interpretação etiológica da doença pelos doentes, que concerne em seu essencial às
sociedades que evoluíram fora da nossa área e, de maneira subalterna, às camadas marginais
de nossa própria sociedade que recusam ou escapam à medicalização.
A nova abordagem da Antropologia da Saúde segundo o pensamento de Langdon
(1995) aponta três mudanças de ênfase e enfoque: 1 – o conceito da cultura como dinâmico e
heterogêneo; 2 – a perspectiva da doença como um processo sociocultural, e; 3 – o conceito de
doença como experiência.
Essas mudanças ocorreram na dinâmica cultural sobre a relação saúde/doença, que
trabalham um conceito de cultura fundamentalmente diferente daquele presente nos trabalhos
de Ackerknecht, Rivers e Clements. Segundo eles, a cultura existe a priori da ação. Consiste
em normas, práticas e valores vistos como anteriormente estabelecidos e fixos que
determinam os pensamentos e as atividades dos membros de uma cultura. Assim, a cultura é
vista como um sistema fixo e homogêneo, no qual todos os membros compartilham as
mesmas idéias e agem igualmente (LANGDON, 1995).
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Com o desenvolvimento da Antropologia simbólica, o conceito de cultura passou
por uma reconceitualização significativa. Cultura é definida como um sistema de símbolos que
fornece um modelo de e um modelo para a realidade (GEERTZ, 1989). Esse sistema
simbólico é público e centrado no ator, que o usa para interpretar seu mundo e para agir de
forma que também o reproduza. As interações sociais são baseadas em uma realidade
simbólica, constituída por significados, e por sua vez, constituem as instituições e relações
legitimadas pela própria sociedade. A cultura é expressa na interação social, na qual os atores
comunicam e negociam os significados. Aplicado ao domínio da medicina, o sistema de saúde
é também cultural e de significados, ancorado em arranjos particulares de instituições e
padrões de interações interpessoais. É aquele que integra os componentes relacionados à saúde
e fornece ao indivíduo as pistas para a interpretação de sua doença e para as ações possíveis.
A partir da década de 1970, estudiosos da Antropologia Médica Americana
introduziram a teoria interpretativa ao empregarem o conceito de cultura formulado por
Geertz (1989), na abordagem da saúde e da doença (KLEINMAN; EISENBERG; GOOD,
1978). Trata-se de um conceito semiótico por dizer que o homem é criador de significações.
Geertz parte da referência de Max Weber ao afirmar que “o homem é um animal inserido em
tramas de significações que ele mesmo tece”, onde a ‘cultura’ é o conjunto de tramas cuja
análise não deverá dar origem a uma ciência experimental à procura de leis, mas a uma ciência
interpretativa, à procura do significado. A explicação consistiria, pois, na interpretação de
expressões sociais (só) enigmáticas a superfície.
De acordo com Uchôa (1997), essa definição estabelece uma ligação entre formas
de pensar e agir de grupos específicos que ressaltam a participação da cultura na construção de
todo fenômeno humano. Enquanto procura com o auxílio do estilo dos narradores, a retórica
de privilegiar as maneiras pessoais de contar algo que pertence a um fundo cultural comum,
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feito de um mesmo imaginário compartilhado, de uma presença de espírito semelhante, de
uma relação respectivamente comum, a palavra e a língua.
A idéia de cultura compartilhada pelos membros de um grupo passa por um
enfoque na praxis, na relação entre a procura do significado e na ação dos eventos. Essa
abordagem enfatiza os aspectos dinâmicos e emergentes do grupo. A cultura emerge da
interação dos atores que estão agindo juntos para entender os eventos e procurar soluções. O
significado dos eventos, seja doença ou outros problemas relacionados à saúde, emerge das
ações concretas tomadas pelos participantes. Tal visão reconhece que a inovação e a
criatividade também façam parte da produção cultural. Portanto, cultura não é mais uma
unidade estanque de valores, crenças, normas, etc., mas uma expressão humana frente à
realidade. É uma construção simbólica do mundo sempre em transformação. É um sistema
simbólico fluído e aberto (GEERTZ, 1989).
Partimos da noção que a doença na criança e no adulto é uma construção
sociocultural. Os atores internalizam as noções simbólicas da doença, expressas pelas
interações do grupo no qual eles participam, interpretam as mensagens contidas nas atividades
culturais, mas agem segundo suas percepções, influenciadas em parte pelos significados
culturais que circulam no seu grupo, mas também por suas próprias subjetividades e
experiências particulares.
Assim, podemos reconhecer que a subjetividade implica que nem todos os
indivíduos de uma cultura são iguais no seu pensamento ou na ação frente à doença ainda que
isso ocorra em grupos mais isolados e distantes de outras culturas. É uma visão que permite
heterogeneidade, não somente porque as culturas estão sempre em contato com outras que têm
outros conhecimentos, mas também porque os indivíduos dentro de uma cultura, por serem
atores conscientes e individuais, têm percepções heterogêneas devido a sua subjetividade e
experiência que nunca são iguais às dos outros. Essa visão ressalta que a relação entre
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percepção e ação frente à doença conduz a uma heterogeneidade e subjetividade diferenciada,
resultando em implicações na nova visão sobre saúde-doença (LANGDON, 1995).
A perspectiva interpretativa introduzida na abordagem da saúde e da doença teve
como precursores Eisenberg (1977), Susser (1973) e Fabrega (1977; 1978) que influenciaram
autores como Kleinman, Eisenberg e Good (1978) e Jean Benoist (1983). Os primeiros
estudos interpretativos e em sua maioria pesquisas anglo-saxônicas, desenvolveram
terminologias sobre a categorização da doença, segundo o idioma e as dimensões biológica e
cultural dos pacientes e estruturas do sistema médico local. Na língua francesa, dispõe-se
apenas de uma categoria da doença (maladie), enquanto a língua inglesa possui tripla
terminologia: disease (a doença tal como ela é apreendida pelo conhecimento médico), illness
(a doença como é experimentada pelo doente) e sickness (um estado muito menos grave e
mais incerto que o precedente, tal como o enjôo em viagens marítimas, o aperto no coração e,
em geral, o mal-estar) (LAPLANTINE, 1986).
Nos estudos de Eisenberg (1977) sobre a categoria illness, ela deve ser reservada
para caracterizar a experiência subjetiva e o sofrimento do paciente, enquanto a categoria
disease explica a anormalidade na estrutura ou função dos órgãos ou sistemas do corpo. Para
Fabrega (1977; 1978), illness designa os comportamentos socioculturais ligados à doença em
uma dada sociedade. Termo que reservou até 1972 apenas as interpretações não ocidentais da
doença e da saúde, por exemplo, as abordagens tradicionais médicas orais (populares e
eruditas) ou as abordagens tradicionais organizadas em um corpus de conhecimentos escritos
e elaborados por especialistas como os médicos eruditos (homeopatia). Enquanto a categoria
disease seria a apreensão propriamente biomédica da doença, única fundamentada em um
conhecimento objetivo dos sintomas físicos do paciente, por parte da prática médica.
Para Laplantine (1986), as interpretações se mostram insuficientes porque a
categoria illness tornou-se tão extensiva que acaba por confundir as dimensões psicológica e
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social, quando se trata de articulá-las. No entanto, ele não reconhece como inútil tais
interpretações, mas conceitua que a doença é subjetivamente experimentada (illness) e tal
como é cientificamente observada e objetivada (disease), e que a prática biomédica consiste
em reintegrar totalmente a primeira à segunda.
Neste sentido, Laplantine (1986) revela a existência de outras classificações sobre
doenças que contrariam os princípios da universalidade e da medicalização das doenças e do
homem, que são sustentadores de ordem médica em uma sociedade como a nossa. Tendo em
vista a compreensão que o ser humano é um ser de relações e de simbolizações, sem as quais
não há vida, nem construção cultural. Argumenta-se ainda que não seja possível interpretar as
doenças, nem no interior de uma patologia individual, nem tão pouco de uma patologia
coletiva, sem considerar o corpo como um todo, movido por uma mesma força vital (ou
energia) que concretiza o princípio de identidade entre o biológico e o simbólico.
Posteriormente, Young (1982) incorpora um terceiro termo, doença (sickness),
como uma desordem relacionada às forças macrossociais (econômica, política e institucional)
determinantes e condicionantes, bem como acrescenta à experiência do adoecimento o reflexo
da opressão política, privação econômica e outras fontes sociais de miséria humana.
Jean Benoist (1983) relacionou os sentidos ao conceito de sickness, que explica as
condições sociais, históricas e culturais da elaboração das representações do paciente e das
representações do médico, e isso qualquer que seja a sociedade considerada. Ele resume que
essa terminologia deve designar o “processo de socialização de disease e illness”.
Estudos realizados no Brasil re-classificam as terminologias de doenças em:
doença (sickness), patologia (disease) e enfermidade (illness) (COELHO, 1999). Enquanto
autores como Uchôa (1997) reafirmam em seus estudos os termos definidos por Kleinman
(1980): doença processo (disease) no paradigma da biomedicina que é o mau funcionamento
ou a má adaptação dos processos biológicos, fisiológicos e/ou psicológicos no indivíduo,
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constituindo o espaço privilegiado de intervenção da biomedicina; doença como experiência
(illness) enfatiza a percepção individual, que representa as reações pessoais, interpessoais e
culturais da doença ou desconforto, sendo a doença percebida pelo sujeito. A chamada illness
é formada pelos fatores culturais regidos pela percepção, explicação e avaliação de
experiências desconfortáveis, os quais estão embutidos nos complexos processos familiar,
social e cultural.
Nessa perspectiva interpretativa, autores como Uchôa (1997) e Young (1976)
afirmam que a experiência da doença não deve ser considerada como um simples reflexo do
processo patológico no sentido biomédico do termo; ela é concebida como uma construção
cultural que se expressa em formas específicas de pensar e de agir. Complementando a
afirmação, o significado da doença em outras culturas não deve se limitar aos sistemas
diferentes de nomeação e classificação de doença (GOOD, 1977; 1994).
Consideramos, nesse sentido, a doença como um processo e não como um
momento único nem uma categoria fixa, mas uma seqüência de eventos que tem dois
objetivos pelos atores: (1) entender o sofrimento no sentido de organizar a experiência vivida,
e (2) se possível, aliviar o sofrimento. A interpretação do significado da doença emerge por
intermédio do seu processo. Assim, para entender a percepção e o significado, é necessário
acompanhar todo o episódio da doença: o seu itinerário terapêutico e os discursos dos atores
envolvidos em cada passo da seqüência de eventos. O significado emerge do processo entre
percepção e ação. Um episódio apresenta um drama social que se expressa e se resolve por
estratégias pragmáticas de decisão e ação (LANGDON, 1995).
Utilizamos no presente estudo o termo ‘doença’ como processo e ‘doença’ como
experiência no mesmo sentido empregado por Langdon (1995), que caracteriza a doença como
processo, em termos gerais como: (a) o reconhecimento dos sintomas do distúrbio como
doença, (b) o diagnóstico e a escolha de tratamento, e (c) a avaliação do tratamento.
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O Reconhecimento dos sintomas: os eventos são iniciados com o reconhecimento
do estado de doença baseado nos sinais que indicam que o todo não vai bem. Quais sinais são
reconhecidos como indicadores de doença que depende da cultura. Não são universais, como
pensados no modelo biomédico. Cada cultura reconhece sinais diferentes que indicam a
presença de doença, o prognóstico e as possíveis causas. Esses sinais, em várias culturas, não
são restritos ao corpo ou sintomas corporais. A situação ambiental, seja do grupo ou da
natureza, faz parte também de possíveis fontes de sinais a serem consideradas na tentativa de
identificar a doença.
O Diagnóstico e a escolha de tratamento: uma vez que um estado de sofrimento é
reconhecido como doença, o processo diagnóstico se institui para que as pessoas envolvidas
possam decidir o que fazer. O momento inicial normalmente acontece dentro do contexto
familiar, onde os membros da família negociam entre eles para chegar a um diagnóstico que
indicaria qual tratamento deve ser escolhido. Se não chegam a nenhum diagnóstico claro, pelo
menos eles procuram um acordo, por intermédio da leitura dos sinais da doença e, portanto, de
qual tratamento deve ser escolhido. No caso de tratar-se de uma doença leve e conhecida, a
cura pode ser um chá ou uma visita ao posto de saúde. No caso de ser uma doença séria com
sintomas não-usuais ou interpretados como resultante de um conflito nas relações sociais ou
espirituais (por exemplo, quebra de tabu), talvez o xamã ou outro especialista em acertar as
relações sociais seria escolhido primeiro. Não é possível predizer a escolha, pois essa vai ser
determinada pela leitura dos sinais da doença negociada pelos participantes.
A Avaliação: uma vez que o tratamento foi feito, as pessoas envolvidas avaliam os
seus resultados. Em casos simples, a doença some depois do tratamento e todos estão
satisfeitos, mas, freqüentemente, a doença continua. Assim, é preciso rediagnosticar a doença,
baseado na identificação de novos sinais ou na reinterpretação dos sinais. Com o novo
diagnóstico, um outro tratamento é selecionado, realizado e avaliado. As etapas se repetem até
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que a doença seja considerada como terminada. Casos graves ou prolongados envolvem vários
eventos de diagnóstico, tratamento e subseqüentes avaliações. Freqüentemente a doença torna-
se uma crise que ameaça a vida e desafia o significado da existência. Muitas pessoas e grupos
são mobilizados no processo terapêutico e os significados da doença no contexto mais
abrangente (relações sociais, ambientais e espirituais) são explorados. Por intermédio dos
episódios da doença, os quais envolvem diagnósticos, tratamentos e avaliações sucessivas, as
pessoas procuram os sinais extracorporais, tais como nas relações sociais ou nos movimentos
cosmológicos, para compreender a experiência de sofrimento.
O processo terapêutico não é caracterizado por um simples consenso; deve ser
melhor entendido como uma seqüência de decisões e negociações entre várias pessoas e
grupos com interpretações divergentes a respeito da identificação da doença e da escolha da
terapia adequada. Há duas fontes principais de divergências: uma se encontra na própria
natureza dos sinais da doença e a outra nas diferentes interpretações das pessoas (LANGDON,
1995, p. 03).
Em primeiro lugar, os sinais da doença não são, por natureza, claros. Eles são
ambíguos, causam interpretações divergentes entre pessoas, mesmo que elas compartilhem do
mesmo conhecimento e classificação diagnóstica. Frake (1977) notou isso entre os Subanum,
duas pessoas quando concordam com os sintomas que indicam uma doença, freqüentemente
na prática identificaram o mesmo caso diferentemente. Talvez porque interpretaram os
sintomas de modo diferente ou reconheceram sintomas diferentes. Pode-se dizer que o mesmo
acontece na biomedicina. Não há sempre um consenso entre os médicos ao examinarem o
mesmo paciente. Na teoria, as classificações das doenças, segundo seus sintomas, podem ser
bem organizadas em categorias discriminadas sem aparência de ambigüidade, mas na prática,
um sinal de doença não é necessariamente claro e fácil de interpretar devido a sua própria
ambigüidade (LANGDON, 1995, p. 06).
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Em segundo lugar, os diferentes diagnósticos de uma mesma doença aumentam
consideravelmente quando os participantes no processo representam diferentes
conhecimentos, experiências e interesses no caso em pauta as doenças respiratórias infantis.
Entre os membros de um grupo, nem todos possuem o mesmo conhecimento, devido a vários
fatores: idade, sexo, papel social, redes sociais e alianças com outros (i.e. pessoa comum,
especialista em cura, pajé) (LANGDON, 1995, p. 06). Em uma situação de pluralidade de
grupos étnicos e sistemas médicos, como no caso da saúde dos moradores em um
assentamento urbano, tal situação pode ser mais complexa. Por isso, cada passo do episódio é
caracterizado por visões dos diferentes participantes e negociadas suas interpretações da
indicação de tratamento, cada um exerce seus diferentes conhecimentos, experiências e
poderes presentes.
Langdon (1995) afirma que o conceito da doença como experiência é bem
entendido como um processo subjetivo, construído por contextos socioculturais e vivenciado
pelos atores. A doença não é mais um conjunto de sintomas físicos universais observados em
uma realidade empírica, mas um processo subjetivo no qual a experiência corporal é mediada
pela cultura. O exemplo mais simples é a questão da dor. Sabemos que membros de culturas
diferentes experimentam e expressam suas dores diferentemente (WOLFF; LANGLEY,
1977).
Até em uma mesma cultura, a dor é experimentada de maneira diferenciada entre
os sexos. Nos descendentes dos açorianos na Ilha de Santa Catarina, os homens negam sentir
dores e sintomas de saúde na mesma freqüência que as mulheres (ELSEN, 1984 apud
LANGDON, 1995). A dor no parto é outro exemplo, enquanto as mulheres de algumas
culturas enfrentam o parto com grande medo da dor e expressam a experiência de parto como
uma terrível dor, outras mulheres de outros lugares ou classes passam pela experiência com
pouca referência à dor. Por exemplo, as índias Siona da região Amazônica fazem pouco drama
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sobre o parto natural. Na primeira vez, a nova mãe vai dar à luz acompanhada pela mãe ‘no
mato’ ou por outra mulher com experiência. Em gravidezes subseqüentes, simplesmente ela
dá à luz sozinha e volta para casa. Hoje, no Brasil, há um movimento em favor do parto
natural, como as mulheres mais velhas falam que o parto é dolorido sempre algum anestésico
é aplicado, mas mulheres que participam do movimento de parto natural falam que o parto dá
um certo tipo de ‘incomodação’, não exatamente dor, até os minutos finais, e que essa dor é
facilmente esquecida (LANGDON, 1995).
Mas, a autora não enfatiza que simplesmente a dor se manifesta de modo
diferente, dependendo da cultura, um fato que parece ser bem estabelecido. A relação
corpo/cultura vai bem além da questão de sofrimento físico. O corpo serve para o ser humano
como uma matriz simbólica que organiza tanto sua experiência corporal como o mundo social,
natural, e cosmológico. O que o corpo sente não é separado do significado da sensação, isto é,
a experiência corporal só pode ser entendida como uma realidade subjetiva na qual o corpo, a
percepção dele e os significados se unem numa experiência única que vai além dos limites do
corpo em si.
A descrição é bem ilustrada no caso de grupos indígenas, como explicar o que
significa ser uma criança e quando se deixa de ser criança. Por exemplo, no caso dos Xikrin,
uma etnia indígena de língua jê, que mora no Pará e se autodenomina Mebengokré, para quem
o corpo de um novo ser humano vai sendo criado durante a gestação, gradativamente, por
meio das relações sexuais; não há, portanto, um momento único de concepção, seguido da
formação do corpo, mas sim uma formação contínua. Como mais de um homem pode
contribuir para essa formação, o bebê pode ter mais de um pai, que será reconhecido e
reconhecerá sua paternidade ao participar de um ritual público quando do nascimento do bebê.
Quando o bebê tem ainda o corpo em formação, ‘mole’, como eles dizem, os genitores devem
respeitar os cuidados com seu próprio corpo que, se infringidos, causariam mal ao corpo do
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bebê. Essa é uma fase crucial, mas a ligação fundada na gestação perdura e se revelará com
toda força em situações de crise, como doenças (COHN, 2005).
Outro grupo indígena da região Amazônica relaciona a doença no corpo como
sendo o momento quando a força da vida está em declínio, e se não curado, a doença leva à
morte. O sintoma mais importante da doença é a perda de peso, e quando uma pessoa está
doente, ele diz literalmente ‘estou morrendo’. Morrer é um processo para eles, não um
momento e, a doença assim como a velhice são processos de morrer (LANGDON, 1995).
Nas últimas décadas, há uma tendência não apenas na Antropologia, mas também
nas ciências médicas de se reconhecer que a divisão cartesiana entre o corpo e a mente não é
um modelo satisfatório para entender o fenômeno saúde, doença e cuidado. As representações
não expressam somente o mundo, mas a experiência vivida, eles também são incorporados ou
internalizados a tal ponto que influenciam os processos corporais. Estudos sobre a ‘doença de
criança’ no Nordeste Brasileiro, e que buscam romper com a explicação meramente biológica
da doença (NATIONS; REBHUN, 1988a, 1988b; NATIONS, 1992), apontam que as crianças
pobres e nordestinas, as quais morrem por ‘doença de criança’, rompem com a explicação do
paradigma biomédico clássico, particularmente no caso da diarréia em que é visível a inter-
relação de fatores biológicos, sócio-ambientais, culturais e espirituais, os quais apontam para
um modelo holístico de explicação das doenças.
Em um outro estudo, também realizado na região Nordeste, o qual abordou sobre a
mãe pobre e seus sentimentos frente ao filho, realizado em 1992 por Scheper-Hughes,
apresenta uma etnografia da vida, doença e morte das crianças nordestinas, bem como coloca
em destaque a negligência e culpabilidade materna frente às mortes de seus filhos. Segundo
ela, “falta um sentimento maternal apropriado nas mulheres pobres” (1992, p. 406).
No final da década de 1970, Kleinman (1978) marcou o início de uma nova
abordagem da Antropologia Médica Americana ao designar o sistema médico como um
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sistema cultural e estabelecê-lo como espaço de pesquisa antropológica. O sistema cultural é
definido como simbólico e de significado, que constrói a realidade social e a experiência da
pessoa, mediadas entre fatores internos e externos do sistema médico. Os fatores internos são
os aspectos psicológicos, comportamentais e comunicativos. Por outro lado, os fatores
externos são os aspectos sociais, políticos, econômicos, históricos, epidemiológicos e
tecnológicos (KLEINMAN, 1978).
Kleinman (1978) estabeleceu uma relação sistemática da doença e da forma de
tratá-la nas diversas sociedades que compõem um sistema cultural. Nele é possível estabelecer
a descrição da doença como um idioma cultural, bem como vincular crenças sobre as causas, a
experiência dos sintomas, os padrões específicos de comportamentos, as decisões de
definições de tratamentos alternativos, a prática terapêutica atual, a evolução terapêutica e a
cura da doença.
O referido autor ainda adverte que uma análise isolada de um desses componentes
pode distorcer a natureza do mesmo e a sua função em um contexto específico de um sistema
de cuidados em saúde, em uma possível comparação transcultural.
De acordo com Kleinman (1978, 1980), os sistemas de cuidado com a saúde não
podem ser comparados a partir de seu contexto local, haja vista o mesmo produzir importantes
variações dos determinantes políticos, econômicos e sociais. Além disso, as comparações
podem revelar diferenças significativas no tamanho de seus sistemas particulares e em seus
setores. Por isso, ele propõe um sistema de cuidado em saúde pluralístico que inclua a
modernização médica e a indigenização capaz de afetar o comportamento e compreensão nas
instituições.
O modelo de sistema de cuidados com a saúde como estrutura interna, proposto
por Kleinman (1980, 1986, 1988), é um método de análise de rede de semântica que
identificou três setores sociais: o popular, o profissional e o folk (Quadro 1), definindo-os
69
como um sistema cultural local, ao mesmo tempo em que sistematizam os modelos
explicativos empregados por diferentes categorias de pessoas para lidar com os episódios de
doença. Em cada um dos setores, médicos, curadores, pacientes e respectivos membros de
suas famílias possuem diferentes significados dos modelos explicativos para a etiologia, os
sintomas, a fisiopatologia, o curso e o tratamento das doenças. As diferentes explicações são
cultural e socialmente construídas e necessitam ser negociadas no processo da cura. O sistema
de cura necessita ser avaliado em diferentes níveis analíticos: psicológico, fisiológico, social e
cultural.
QUADRO 1: Estrutura do Sistema de Cuidado com a Saúde – Estrutura Interna
Fonte: KLEINMAN, A. Concepts and a model for the comparison of medical systems as cultural systems. Social Science Medicine, New York, v. 12, p. 85-93, 1978.
No olhar de Kleinman (1980), o setor popular é o mais amplo, por se constituir de
indivíduos, famílias, redes sociais e atividades comunitárias, pelas quais, crenças vivenciadas
por pessoas não especializadas ou pelos próprios indivíduos que buscam, informalmente, a
Crenças Escolhas e Decisões
Normas Relações
Interações de Contexto Instituições
Setor Profissional
Setor Folk
Pontos de Interação, Entrada e Saída
Pontos de Interação, Entrada e Saída
Setor Popular Individual Família Social
Comunitário
Linhas de Tangência
70
cura pelas orientações dessas pessoas. O autor referencia que ambas as sociedades Ocidentais
e Não-Ocidentais, entre 70% e 90% das doenças, estão gerenciadas unicamente pelo domínio
deste setor.
Kleinman (1978) explica que o setor profissional compreende os profissionais
terapêuticos sindicalizados e legalmente reconhecidos, sendo que, em muitas sociedades, ele
está ligado à medicina científica moderna; enquanto o setor folk seria a experiência do sujeito
mais voltado para o sistema de crença do indivíduo em curandeiros não profissionais.
Entretanto, Rodrigues e Caroso (1996); Caroso et al. (1997) e Caroso; Rodrigues;
Almeida-Filho (1998), em estudos com populações pobres na Bahia, readaptaram esse modelo
e consideraram apenas o setor profissional e o setor comunitário. E o setor comunitário foi
considerado o mais importante em qualquer contexto, constituído por indivíduos, famílias,
redes sociais, crenças e atividades comunitárias e outras práticas não profissionais, no sentido
que é visto por Kleinman, como setor popular e setor folk.
Segundo Kleinman (1978), as doenças processos (diseases) são comumente
associadas aos modelos explicativos dos profissionais praticantes (modernos ou indígenas),
nas quais são relatadas teorias especiais sobre nosografia e a causa da doença. Entretanto,
esses modelos freqüentemente separam o público geral do tradicional e envolvem um acesso
limitado a grupos da elite. Nas sociedades mais modernas, a doença experiência (illness) está
associada ao modelo explicativo do setor da cultura popular e folclórico, cuja doença é
articulada com pessoas não técnicas, que apresentam relação com problemas da vida. Essa
última categoria é freqüentemente documentada com achados dos curadores que trabalham
com explicação cosmológica, a qual estabelece uma relação sensível entre as explicações
sociológicas e psicológicas. Esse autor ainda chama atenção para o conflito que surge a partir
da construção cultural do sistema de cuidado com a saúde, revelando uma base de status
discrepante entre o poder e a relação entre os participantes-chave do sistema.
71
Ao serem considerados os aspectos teórico-conceituais, discutidos anteriormente,
enfatizamos como importante analisar a relação entre as doenças respiratórias infantis e os
moradores de um assentamento urbano, constituídos por crianças e adultos pobres, bem como
suas relações sociais, resultados das forças externas do grupo, e que acabam refletindo uma
realidade do grupo. Nesse sentido, enfrentamos um desafio de construir um sistema de
cuidado com a saúde frente às doenças respiratórias infantis, vivenciado e construído
culturalmente pelos moradores com o intuito de melhorar a saúde das crianças pobres em
assentamentos urbanos.
2.3 Aplicação do Modelo de Análise de Sistema de Signos, Significados e Ações
Esse item apresenta o modelo teórico do sistema de signos, significados e ações
em saúde proposto por Ellen Corin (1992a, 1992b, 1995); Corin; Bibeau; Uchôa (1993);
Bibeau; Corin (1994) e Uchôa; Vidal (1994) e representa uma investigação na perspectiva da
Antropologia da Saúde aproximando da análise interpretativa, fenomenológica e crítica. Tal
modelo foi empregado nesse estudo com o propósito de compreender a construção dos
processos culturais e sociais a partir dos casos concretos de doenças respiratórias infantis.
O sistema de análise resulta em um modelo interdisciplinar do sistema de cuidado
com a saúde em um contexto biocultural e suas relações, inter-relacionando os fatores sociais,
psicológicos e ambientais com a doença respiratória e sua cura. Para Uchôa (1997), o sistema
permite comparar os diversos modelos explicativos e interações entre os modelos culturais
médicos.
72
Um outro arcabouço do modelo teórico-metodológico é a análise das redes
semânticas, formulada por Good (1994; 1977), que trata a doença como uma narrativa
marcada por uma rede de perspectivas. O autor propõe um novo entendimento da doença em
relação à linguagem médica e do paciente, a partir do desenvolvimento de uma nova teoria da
linguagem médica que reforça a concepção de doença do paciente e possa reduzir as
semânticas médicas a ostensivas ou denominar as funções da linguagem. O conhecimento dos
múltiplos pontos de vista não impede que se conduzam estudos transculturais ou que se
utilizem unidades de análise para a elaboração de hipóteses e realização de estudos
comparativos. O reconhecimento das redes para o entendimento dos significados das
linguagens médicas pode ser usado em vários contextos comunicativos.
No entanto, o termo ‘redes semânticas’ não tem significado ou método uniforme.
Pesquisas etnográficas são desenhadas para o mapeamento de padrões simbólicos, associados
a um termo médico, que seja chave; enquanto as categorias de doenças, sintomas e práticas
médicas são importantes nos estudos, pois estão centradas nos significados e tradições das
doenças (GOOD, 1994; 1977).
A abordagem semântica procura explicar e identificar as reações de
comportamentos em um modelo popular do sistema de signos, significados e ações das
doenças respiratórias infantis, porém as reações não podem ser identificadas separadamente
dos seus contextos socioculturais (BIBEAU; CORIN, 1994). O universo semântico dos signos
e ações dos moradores relacionado às doenças respiratórias infantis está explícito nas
dinâmicas da própria Comunidade do Dendê através de seus códigos culturais centrais e
ligados às concepções dos moradores.
Para Uchôa (1997), a abordagem interpretativa vem relativizar o naturalismo
médico da biomedicina, abrindo-se, assim, para outras formas culturais de construção de
realidades médicas quando demonstra não haver correspondência exata entre os modelos
73
profissionais, que geralmente são as intervenções em saúde (preventivas ou terapêuticas) e os
modelos populares do paciente, orientados das percepções e dos comportamentos das
comunidades. A autora ainda afirma que, nessa abordagem, o universo sociocultural de
populações específicas deixa de ser visto como obstáculo principal à efetividade de
intervenções para ser encarado como contexto que deve ser levado em consideração, tanto no
desenho de pesquisas quanto no planejamento de intervenções adequadas às características
dessas populações.
No percurso metodológico das doenças respiratórias infantis dentro do modelo de
análise do sistema de signo, significado e ações, é necessário fazer uma leitura, ao mesmo
tempo, compreensiva, explicativa e interpretativa como forma de superar as dificuldades de
análise dos materiais etnográficos, pela confluência de informações sobre os principais
códigos e categorias-chave do contexto cultural da Comunidade do Dendê. Para tanto, é
necessário seguir algumas regras básicas e, assim, serem construídas interpretações
antropológicas confiáveis:
1 - adquirir familiaridade com a superfície da realidade da Comunidade;
2 – olhar atrás das cenas e ler as entrelinhas;
3 - trilhar os passos dos adivinhos; e
4 – dedicar-se a um esforço cooperativo e criativo (BIBEAU; CORIN,1994).
O programa de âmbito internacional visando promover estudos comparativos entre
“Sistema de signos, de significados e de ações em saúde mental”, em países da África,
Europa, América Latina e América do Norte, desenvolvido por Corin e colaboradores a partir
de 1991, tem como proposta a constituição sobre novos métodos de estudos comparativos de
bases sociais e culturais dos problemas de saúde mental. Na abordagem do grupo, as
explicações privilegiam os signos (comportamentos), assim como as reações que predominam
74
face aos sujeitos que apresentam esses problemas. Contudo, esse método não se encontra
limitado aos estudos da saúde mental e pode ser empregado para outros estudos em outros
aspectos do comportamento em busca de explicações sobre as maneiras como as pessoas
reagem quando se deparam com problemas concretos em suas vidas (BIBEAU, 1992; CORIN,
1995; BIBEAU; CORIN, 1994; 1995; UCHÔA; VIDAL, 1994; UCHÔA, 1997; ALMEIDA-
FILHO et al., s/d.).
No campo da saúde mental, a abordagem visa compreender os processos sociais e
culturais por meio da construção, expressão e evolução dos problemas psiquiátricos, no
sentido de contribuir para modelar as manifestações das desordens psiquiátricas. Parte da
noção que a comunidade constrói, de maneira específica, o universo dos problemas
psiquiátricos, marcado principalmente por esse ou aquele sintoma, privilegiando essa ou
aquela explicação e encorajando certos tipos de reações (CORIN, 1990; UCHÔA, 1997).
Autores como Uchôa et al. (1997) consideram que esse modelo seja aplicável em
outras áreas do campo da saúde, como na área das doenças crônicas e/ou endêmicas.
Adicionalmente, Uchôa e Vidal (1994) enfatizam a importância desse modelo em relação à
formulação de conceitos e à construção de componentes metodológicos, a sua contribuição
para o melhor conhecimento dos sinais e sintomas de uma doença considerada relevante por
populações específicas, bem como na descrição das interpretações culturais associados aos
problemas de saúde e doença.
Segundo Uchôa (1997), o referido modelo é considerado um prolongamento do
grupo de pesquisadores da Antropologia médica de Harvard. Esses pesquisadores adotaram
uma abordagem interpretativa na possibilidade de desenvolver estudos referentes às entidades
nosográficas ocidentais em diferentes contextos para a análise da construção semântica que
confere às doenças e emoções em suas especificidades culturais, bem como a noção de
75
experiência da doença e do adoecimento que conduz a um processo subjetivo e expresso em
formas particulares (GOOD, 1977; KLEINMAN, 1980).
A proposta de análise da construção dos processos sociais e culturais dos
moradores da Comunidade do Dendê em relação às doenças respiratórias infantis preocupa-se
em compreender como os moradores legitimam e definem certas experiências de sentir-se mal
frente às doenças e como comunicam e negociam os significados dos seus sofrimentos e
aflições, e dos sofrimentos dos outros.
Os significados da experiência vivida configuram-se em uma perspectiva
interpretativa e fenomenológica como construções culturalmente herdadas e utilizadas em
situações concretas como o adoecer (CORIN et al., 1992a; 1992b; 1995). A partir dessa
premissa, podem-se abstrair importantes implicações pragmáticas. Primeiro, há uma variação
dos comportamentos das doenças entre as sociedades de acordo com os diferentes sistemas
culturais, fatores ambientais e aspectos históricos. Logo, os indivíduos de uma sociedade
apresentam características particulares quanto à idade, gênero, classe, etnia e expectativa da
doença que refletem no comportamento de seu mal-estar, o qual é aceitável em seu sistema
cultural. Segundo, as medidas terapêuticas utilizadas, bem como a decisão de tentar o
tratamento, dependem dos significados culturais e das expectativas relacionadas à experiência
pessoal com a doença (KLEINMAN, 1980; RABELO; ALVES; SOUZA, 1999).
Bibeau (1992) afirma em seu texto sobre “Hay uma enfermidad em las americas?”
que o modelo do sistema de signos, significados e ações é uma proposta de metodologia
alternativa de investigação na perspectiva da Antropologia Médica que busca uma
aproximação da análise interpretativa, fenomenológica e crítica. Afirma ainda que a
Antropologia Médica latino-americana tem muitas dificuldades para se livrar dos principais
modelos teóricos que influenciaram historicamente e continuam modelando. Esse autor e
Corin (1994) desenvolveram o modelo ora citado, apontado para um processo metodológico
76
que está organizado em três momentos: primeiro lugar: o ponto de partida é o discurso das
pessoas e seus pontos de vista sobre a realidade; segundo lugar: um quadro para estudar a
difícil questão da causalidade por intermédio da noção de ‘dispositivo patogênico estrutural’
e; terceiro lugar: contra as tendências das etnografias gerais da comunidade, ou seja, pretende
reduzir a extensão da investigação etnográfica e delimitar claramente desde o início das
fronteiras de investigação.
As três características desse modelo relacionadas à metodologia são:
1) Ser factual e comportamental, o trabalho de campo tem como ponto de partida
um levantamento de dados, eventos, ações e dos comportamentos, tal como se apresentam
cotidianamente na vida das pessoas sobre os quais a Antropologia da Saúde conduz sua
investigação; ele procura esclarecer a relevância do problema de saúde, reconhecer as
categorias dos problemas de saúde e das doenças que se destacam no conjunto de problemas,
presentes no grupo em particular;
2) A Narratividade deve reconhecer os relatos populares espontâneos sobre os
casos de pessoas conhecidas que vivem várias categorias de problemas e reconstruir
sistematicamente os casos ativos e retrospectivos pelos relatos dos informantes-chave: roteiros
de entrevista sobre a reconstrução de signos (primeiros signos e evolução), sobre a clareza da
explicação dos sintomas e do sistema de explicação da ação realizada para buscar uma solução
ao problema de saúde. A essas primeiras séries de perguntas relativas aos signos e às causas
da doença podem-se acrescentar perguntas sobre as reações do entorno, frente à situação e
sobre os processos empreendidos para encontrar uma solução ao problema de saúde. Tal
conjunto de reações e de processos faz parte do que se chama sistema de ação, que é um
conjunto de ações e de comportamentos no qual a estrutura lógica interna não compreende,
senão o pano de fundo da semiologia popular e do sistema interpretativo existente dentro da
comunidade em estudo. Por essa razão, o colocamos sobre uma aproximação ‘semântico-
77
pragmática’ dos problemas que se encontram na comunidade (Quadro 2). A finalidade é
compreender, de modo sistemático, como podemos esclarecer e empregar estratégias
implícitas de definição de categoria de doença respiratória infantil e de reconhecimento de
caso da categoria em questão, bem como analisar as narrativas das pessoas sobre sua
experiência dessa doença e de seus pontos de vista sobre a realidade. Na maioria das vezes,
podemos identificar semelhanças, parentescos e analogias, além de estabelecer seu modo de
viver, em um plano analítico, de continuidades e descontinuidades de acordo com uma
variedade flutuante de critérios que foram identificados na comunidade do estudo (BIBEAU,
1992; BIBEAU; CORIN, 1994; ALMEIDA-FILHO, 2000).
QUADRO 2: Modelo Semântico – Pragmático
Semântica Pragmática
Moldes para
a Ação (Blueprint)
Fonte: BIBEAU, G. Hay una enfermidad en las Americas? Otro camino de la antropologia médica para nuestro tiempo. In: CONGRESSO DE ANTROPOLOGIA, 1992, COLOMBIA. Resumos. Santa Fé de Bogotá: Universidad de Los Andes, 1992. p. 2-31.
3) A Hermenêutica re-coleciona as múltiplas interpretações e discursos locais tais
como: comentários explicativos dados pelos informantes-chave pelos relatos sistemáticos dos
casos de doença respiratória infantil; discursos públicos dos líderes de grupos e com as
Sistemas de Signos
Sistemas de Significados
Campo Campo Social Cultural
Sistemas de Ações
78
pessoas da comunidade; ‘vozes nativas’ dos intelectuais e investigadores que falam do interior
dos grupos e comunidades; e um trabalho cooperativo com os intérpretes locais para
desenvolver uma hermenêutica propriamente antropológica. A hermenêutica de segundo nível
deve ser construída por interpretações de segundo nível, prolongando as interpretações nativas
que traduzem-se em outra linguagem ou fazem emergir os sentidos que podem escapar aos
atores sociais envolvidos neste estudo. Para prevenir os perigos inerentes ao emprego da
hermenêutica, desenvolvemos uma estratégia que combina a submissão ao texto dos discursos,
no qual retiramos com violência esses mesmos textos. Resgatamos por intermédio de
subtextos com fidelidade o conjunto dos discursos dos outros, antes de penetrarmos no interior
desse discurso e de organizá-los ao redor de categorias centrais do estudo da doença
respiratória infantil (BIBEAU; CORIN, 1994).
O modelo se propõe a fazermo-nos repensar a explicação sobre causalidade dos
problemas respiratórios infantis sob três categorias centrais: condições estruturantes,
experiências organizadoras coletivas e dispositivos patogênicos estruturais (Quadro 3). As
condições estruturantes compreendem o macrocontexto e incluem as restrições ambientais, as
de poder político, as bases de desenvolvimento econômico, as heranças históricas, as
condições cotidianas de existência e a heterogeneidade do grupo em estudo. Os
condicionantes operam como elementos de modulação da cultura e limitadores da liberdade de
função da espécie e da ação individual. Os dispositivos patológicos estruturais constituem uma
múltipla influência de elementos como a cultura, fatores sócio-econômicos, biológicos,
ambientais e geográficos. As experiências organizadoras coletivas implicam elementos do
universo sociosimbólico de pessoas da comunidade que atuam no sentido de manter a
identidade dessa comunidade, seus sistemas de valores, sua organização social, articulando
para a formação dos sistemas de respostas sociais perante os problemas respiratórios infantis
79
da comunidade em estudo (BIBEAU, 1992; BIBEAU; CORIN, 1994; ALMEIDA-FILHO,
2000).
Quadro 3: Elementos da Análise Contextual e Sociocultural dos Problemas de Saúde em um
Grupo
Fonte: BIBEAU, G. Hay una enfermidad en las Americas? Otro camino de la antropologia médica para nuestro tiempo. In: CONGRESSO DE ANTROPOLOGIA, 1992, COLOMBIA. Resumos. Santa Fé de Bogotá: Universidad de Los Andes, 1992. p. 2-31.
O estudo etnográfico de uma cultura se enriquece freqüentemente dos
esclarecimentos inesperados; logo, nos aproximamos da cultura local pelas temáticas
transversais importantes como os temas de saúde, doença, morte, fecundidade, nascimento,
parentesco e da sobrevida biológica e social de um grupo. Os sujeitos com saúde e doença se
articulam, em efeito, diretamente a numerosos aspectos da vida social e são objeto de
tratamento simbólico que forçam o investigador a ler a questão de saúde-doença sobre o pano
de fundo da concepção do mundo e do sistema de representações que prevalece na cultura
estudada. Dessa forma, a tendência a superculturalizar as representações e as práticas das
pessoas é freqüente nesses estudos (BIBEAU, 1992).
Experiência Organizadora
Coletiva
Dinâmica Social e Cultural
Sistemas de Signos, Significados e Ações
Dispositivos Patológicos Estruturais
Dispositivos Terapêuticos Estruturais
Maiores Problemas Coletivos
Condicionantes Estruturantes
80
Sob a perspectiva da Antropologia Limitada ou Focalizada, Bibeau (1992) afirma
que alguns elementos devem ser contemplados como: a Antropologia Médica, que deve
procurar estudar a problemática da saúde a uma etnografia mais ligada a essa questão; a
relação saúde-doença serve de cenário da concepção de mundo e do sistema de representações
que prevalece na cultura estudada; o espaço patológico e terapêutico se apresenta, em efeito,
em todas as sociedades como espaço de fronteiras abertas e porosas. O importante é esclarecer
as ligações organizadoras do sistema, as categorias centrais que servem de pivô na arquitetura
geral.
El espacio patológico y terapéutico se presenta, en efecto, en todas las sociedades como un espacio con fronteras abiertas y porosas: estas deben ser vistas como situándose en un carrefour, en la medida que la patología y la terapia hacen comunicar las concepciones cosmológicas, los modos de organización socio-político y familiar, las maneras locales de pensar y explicar las cosas, así como la concepción que tiene de la persona, del cuerpo y de la vida general (BIBEAU, 1992, p.20).
Na etnografia focalizada, o investigador não pode se satisfazer com uma
etnografia geral, entretanto parece ser muito mais proveitoso separar qualquer setor específico
da cultura e da vida social que pudesse estar mais ligado à gênese, à interpretação e à solução
do problema, como os problemas respiratórios infantis em um assentamento em Fortaleza.
Os fragmentos da etnografia focalizada podem ser identificados sobre a base de
uma revisão crítica de trabalhos anteriores realizados sobre o mesmo tema, ou sobre o
conhecimento geral que dispõe o antropólogo a respeito da sociedade em estudo. As fronteiras
dessa etnografia são arbitrárias, o essencial para o antropólogo é estar aberto e vigilante ao
amplo terreno, muito bem conhecido ao conjunto de trabalhos gerais sobre a cultura do grupo
em estudo (BIBEAU, 1992).
A etnografia focalizada está ligada a uma temática como o fenômeno saúde-doença e terapia que se apresenta como uma dimensão transversal, invade, a qualquer sorte, o conjunto da vida social e cultural de um grupo, sempre da cultura onde trabalha o antropólogo. Neste ponto, é necessário fazer a distinção entre os seguintes aspectos: por um lado, o estudo das instituições terapêuticas centrais, como o xamanismo nas sociedades indígenas e a ritualização da possessão por espíritos nas sociedades africanas. Por outro lado, o estudo de fenômenos que são certamente muito importantes para a ‘gente’, como, a questão da diarréia, das doenças respiratórias e
81
dos problemas de saúde mental. Cada um desses aspectos particulares da cultura permite desenrolar todas as dimensões destes problemas e esclarecer os seus significados. A dificuldade que se coloca ao antropólogo consiste em saber identificar as dimensões, partes e aspectos da cultura que deve estudar para compreender o fenômeno patológico parcial que vai ser explorado (BIBEAU, 1992, p. 20-21) (TRADUÇÃO).
O autor supracitado ainda sugere uma vinculação desses dados ao sistema de
signos, significados e ações com os diversos elementos particulares da cultura e da vida social.
Mas deve-se considerar que, pelos discursos das pessoas, há muitas maneiras de se estabelecer
uma rede complexa de ligações entre representações, ações, valores culturais, organizações e
condições cotidianas de vida. Muitas tramas ou diagramas, com efeito, paralelamente criam
descontinuidades e contradições ao âmago dos sistemas de pensamento e de ação. Portanto, é
importante esclarecer, quem são os laços de organização do sistema ou as categorias centrais
que servem de pivô da arquitetura geral. Mas ainda, o autor afirma que esses eixos maiores
fornecem, de alguma maneira, um esboço que se abre sobre múltiplas possibilidades.
Sabe-se que as interações entre as pessoas com problemas de saúde e seus
familiares dão-se pela compreensão da organização social e da cultura local, as quais resultam
da construção do contexto que se exprime pelos seguintes elementos: o modo de vida das
pessoas, comportamentos compartilhados, instituições sociais, valores e crenças locais,
sistema de normas vigente, modos comunitários de agir e da reconstrução da história do
bairro. Isso nos permite lidar com o seu universo e oferecer um significado à sua experiência
pessoal e coletiva do fenômeno estudado. Embora seja reconhecido que tais elementos da
cultura apresentam um número de códigos limitados, de outra forma, os mesmos são
reconhecidos como códigos culturais fundamentais. Sendo assim, o papel do investigador é
fazer pressuposições culturais para colocar os diversos fragmentos da cultura em relação com
o restante. Portanto, a interpretação do fenômeno da saúde-doença é aberta e porosa para
exercer um trabalho semiótico (BIBEAU, 1992).
82
O texto é uma máquina porosa que exige do leitor um trabalho cooperativo, enfurecido para encher os espaços não ditos e já ditos deixados em branco [...] o texto não é outra coisa que uma máquina pressuposicional (ECO, 1985, apud BIBEAU, 1992, p. 25) (TRADUÇÃO).
Devido à preocupação de como limitar a etnografia, deve-se ter em mente aspectos
bem específicos e devolver o princípio da coerência total. O antropólogo deve fornecer algum
parâmetro pouco arbitrário para responder a essa questão.
O critério fundamental da etnografia não reside na teoria, mas na prática que ela se
desenvolve, observando as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia,
ciência, lei, moralidade, senso comum – de uma forma que não elas se distanciem dos dilemas
existenciais da vida em favor de algum domínio empírico que não conduza emoção, contudo
deve-se mergulhar no meio delas. A prática antropológica é a etnográfica, e é somente a partir
dela que se pode avaliar o conhecimento e o saber antropológico. A etnografia é, sobretudo,
uma descrição densa e não se limita a estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever
textos, ordenar genealogias, desenhar mapas, completar um diário. O etnógrafo deve encarar
seu trabalho de campo como uma multiplicidade de estruturas conceituais complexas,
sobrepostas e interligadas, estranhas, irregulares, não explicitas que, depois de captadas, ele
deve explicar (GEERTZ, 1989).
A descrição etnográfica interpretativa é ‘microscópica’, circunscrita, particular,
mas está aberta a questões mais abstratas e interpretações mais amplas. O problema é a
passagem de um contexto ‘doméstico’ para um contexto ‘concreto espacial-temporal’ quanto
às áreas, épocas e questões de dimensões superiores (GEERTZ, 1989).
A respeito das características de uma demonstração etnográfica, Agar (1982)
sugere descobrir a maioria das categorias de eventos ou cenas culturais; ele define os fatos
pela observação de interações, atos, objetos e lugares que podem ser designados por suas
próprias cenas como regras, rotinas, ‘parafernálias’ e ambientes; e explicar a distribuição de
83
fatos com respeito a um outro, isto é, ao produzir instruções que antecipem ou planejem as
cenas.
Na investigação etnográfica, o antropólogo mergulha ‘num contexto cultural’, num sistema de signos já interpretados pelos próprios observados, mas ainda reinterpretáveis pelo observador. O objeto de estudo antropológico é uma cultura determinada, mas o estudo desse objeto é uma interpretação de interpretação. Pois o antropólogo não transfere a cultura real viva que ele estuda para um texto escrito, como se transfere um objeto para um museu. O ponto central da análise antropológica localiza-se na “ação social” onde se articula “a lógica informal da vida real” perpassando pelas várias formas culturais e as diferentes significações dos fatos observados [...] O que realmente interessa ao etnógrafo é fixar, ou na fórmula de Ricoeur, “inscrever” o discurso social relatado em fatos ou palavras, o dito, o enunciado. O dizer circunstancial o faz passageiro, momentâneo e mecânico, permitindo fazer apenas uma descrição superficial sem atingir a significação, só o fato consumado se integra na cultura, na tradição, na história e só aí adquire significação objetiva, isso é, para além da intenção de quem o escuta (CASAL, 1996, p.80).
Na perspectiva que o tomamos, o desafio do modelo do sistema de signos,
significados e ações das doenças respiratórias infantis é o de defender uma aproximação de
uma dupla hermenêutica da abordagem êmica, semiológica e praxiológica dos sujeitos
envolvidos no estudo, em uma tentativa de ser interpretativa a partir de dois ângulos
complementares. De um lado, por meio da experiência dos sujeitos, tal como revelada por
suas ações, o que permite uma interpretação e contextualização de primeiro nível, pelo
contraste do sistema de signos, significados e ações das doenças respiratórias infantis a partir
das histórias individuais dos casos particulares. Por outro lado, a etnografia focalizada das
doenças respiratórias infantis torna-se possível a uma interpretação e contextualização de
segundo nível, pois permite relacioná-la às questões sociais e culturais, bem como a uma
comparação do grupo em estudo (BIBEAU, 1992).
Diante desses aspectos teóricos, passamos a examinar os contextos coletivos e seu
impacto na gênese dessas doenças respiratórias infantis, mas enraizada numa antiga
preocupação entre a interação indivíduo-grupo e nas relações entre as condições individuais e
coletivas de vida, permitindo de modo a explorar as correlações sócio-simbólicas com o
contexto cultural local.
84
CAPÍTULO 3
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este capítulo tem como objetivo apresentar os procedimentos metodológicos
aplicados para a construção do sistema de signos, significados e ações das doenças
respiratórias infantis em um assentamento de Fortaleza, denominado ‘Comunidade do Dendê’.
O corpus de dados resultante da pesquisa é constituído por narrativas das experiências
individuais, familiares e comunitárias e praticantes dos dois setores do sistema de cuidado
com a saúde: o profissional e o comunitário.
3.1 Aproximação com o Trabalho de Campo
O primeiro contato com a Comunidade do Dendê coincidiu com o começo de
nossas atividades de ensino na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), em 1997, através das
atividades de campo da disciplina de Epidemiologia em alguns cursos de graduação da área da
saúde como Terapia Ocupacional, Odontologia e Enfermagem. Muitos projetos de pesquisa,
ensino e extensão dessa universidade são desenvolvidos nessa comunidade. Apesar de alunos
e professores procurarem amenizar o sofrimento das pessoas que vivem no local, através da
disponibilidade de recursos como o serviço do Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI),
e/ou os projetos de extensão por meio dos cursos profissionalizantes, essas pessoas enfrentam
85
cotidianamente em suas vidas ausência completa de estruturas de vida, bem como precárias
condições de moradias adequadas.
Em muitos levantamentos realizados sobre os problemas de saúde nessa
comunidade, dentre os quais alguns indicam os problemas respiratórios como um dos mais
comuns na vida cotidiana dos moradores, e também, presentes em seus próprios discursos
quando que visam garantir o atendimento no serviço do NAMI e, em outros centros de saúde
e/ou hospitais próximos do local.
Em 1998, foi realizado um dos primeiros levantamentos da Comunidade do Dendê
sobre a sua situação de saúde e de educação. Verificou-se que a região apresentava
aproximadamente 1.935 famílias, com elevada presença de jovens: 60% da população que ali
residiam encontravam-se na faixa etária entre 6 e 15 anos de idade e com baixa escolaridade,
cujo registro apontou que apenas metade desses jovens freqüentava a escola; mais de um
quarto (27%) eram donas de casa e analfabetas e 58% delas não completaram o ensino
fundamental; com uma média de 2,1 crianças menores de cinco anos por família; e em mais de
quarenta porcento (45,0%) das moradias apenas uma pessoa trabalhava. Em grande parte das
casas, a água escorria e empoçava nas ruas, evidenciando-se um aumento da poluição
ambiental e proliferação de vetores de doenças. Com relação aos problemas de saúde, o maior
foi atribuído à hipertensão (50,4 casos/1.000 habitantes), doenças infecciosas e parasitárias
(50,2 casos/1.000 hab.), alcoolismo (31,0 casos/1.000 hab.), problemas cardíacos (20,9
casos/1.000 hab.), problemas renais (11,2 casos/1.000 hab.) e problemas mentais (9,8
casos/1.000 hab.) (PORDEUS et al., 1999).
Várias vezes indagamo-nos sobre os resultados obtidos nessas atividades
acadêmicas, haja vista muitos dos estudos terem revelado uma dissociação entre o modo de
vida das pessoas e o processo saúde-doença nessa realidade. Nos ‘olhares’ daquelas pessoas,
tornava-se visível a degradação econômica e social e a segregação de espaços, estigmatizadas
86
nas manchetes dos jornais como um local ‘violento’, associado à expansão do consumo e
tráfico de drogas. Portanto, ao retornarmos à comunidade, tivemos, de alguma maneira, uma
nova experiência, por não nos encontrarmos no papel de uma docente que atravessou os muros
da universidade com seus alunos para observar os lares dos moradores, para logo em seguida,
voltar ao espaço acadêmico. O retorno seria diferente, estava realizando um trabalho
‘solitário’ que é a pesquisa etnográfica. Este estudo buscava compreender e explorar, pelos
relatos dos moradores, os modos de viver e as diversas maneiras como eles experimentam os
problemas respiratórios, como parte dos problemas sociais mais amplos.
Em fevereiro de 2002, fomos ao encontro de uma amiga e ex-aluna de um curso
de especialização que morava vizinho à ‘favela’, nos ‘apartamentos’, denominação usada por
ela, que nos recomendou, primeiramente, muita cautela e cuidado, quando fosse andar sozinha
na ‘favela’.
Essa amiga, além de nos apresentar os vários moradores antigos, no início,
acompanhou-nos no trabalho de campo. Naquele momento, sentimos ter iniciado nosso
aprendizado sobre o modo de vida das pessoas pobres da Comunidade do Dendê. As primeiras
informações foram estimulantes. Todos externavam a vontade de falar sobre a comunidade e o
tema, ou seja, sobre os problemas de saúde, relacionados com as doenças respiratórias. Ali
estávamos nós, bem no meio dos conflitos sociais que, segundo a mídia, amedrontavam as
pessoas, mas que elas demonstravam clara intenção de falar sobre o tema.
O primeiro momento da coleta de dados foi de aproximação com o campo, por
meio do Núcleo de Assistência de Medicina Integrada – NAMI -, unidade de saúde ligada à
UNIFOR. Na época da nossa primeira aproximação com o campo, fazíamos parte de uma
equipe que realizava um censo da comunidade para levantar dados sobre problemas de saúde
na população local e seu território. Em alguns momentos, acompanhamos as visitas aos
domicílios com o objetivo específico de identificar os informantes-chave. Na ocasião, ao
87
mesmo tempo, percebemos o distanciamento que os instrumentos fechados de coleta de dados
estabelecem com referência à compreensão da realidade.
Muitos comentários a respeito de como me comportar no local foram narrados
pelos próprios moradores da comunidade, como: “não venha de carro”, “ande sem relógio ou
jóias”, “desta maneira as pessoas irão reconhecer que você é uma pessoa simples”.
Conseqüentemente, para andar de porta em porta, a estratégia do “não chamar a atenção”, ou
seja, não ser uma “pessoa estranha” foi útil para nos aproximarmos da vida desses moradores.
Ao chegarmos ao local do estudo, percebemos um cotidiano socialmente perverso;
a experiência, por parte dos moradores adultos e crianças, frente às doenças respiratórias, em
grande parte, relaciona-se às condições ambientais e sócio-econômicas.
A sensação de medo que tivemos do local ocorreu como conseqüência das leituras
dos jornais e em assistir aos telejornais locais que apresentavam a comunidade como
esconderijo de bandidos, traficantes e criminosos. Em que a banalização da imagem da
violência é fortalecida, muitas vezes, por um processo muito antigo de estigmatização dos
pobres.
Além desse sentimento de exclusão por parte dos moradores, havia um sentimento
de abandono social, pois os moradores não têm qualquer perspectiva de melhoria da vida. No
tocante à inserção dos seus moradores nos movimentos reivindicatórios, pode-se observar a
distância de várias dissidências em termos de pequenas lideranças. Não há grupos bem
definidos de defesa da comunidade, mas pequenos grupos que lutam por seus interesses
particulares e individuais, como os grupos dos idosos e algumas lideranças comunitárias bem
pontuais.
O nosso envolvimento no local se deu com a ajuda dos próprios moradores que, ao
saberem da nossa presença e da nossa intenção, revelavam casos infantis e de adultos com
88
doença respiratória. Às vezes ocorria um impasse ético provocado por perguntas tais como: “o
que a senhora pode fazer para resolver esse problema?” ou “será que a senhora vai melhorar
o serviço?” Tais indagações ocorriam freqüentemente; por mais que enfatizássemos nossa
posição de pesquisadora, que buscava conhecer a realidade das suas vidas, não podendo fazer
previsões ou promessas com referência às intervenções no local.
Tendo em vista a necessidade de compreender o contexto social e cultural, pelos
elementos de seu cotidiano, tornou-se necessário obter os dados etnográficos entre os
moradores, constituídos por suas narrativas sobre a vida cotidiana e a reconstituição do
histórico da comunidade, para compreender como ele vem a se formar e assumir a atual
configuração que apresenta.
3.2 Contexto do Estudo
A Comunidade do Dendê está situada no bairro Edson Queiroz, zona sudeste de
Fortaleza; ela é destaque por ser uma área de expressivo crescimento imobiliário desde a
década de 1970. No início de sua expansão e valorização, em 1976, com a construção de
alguns conjuntos habitacionais, vizinho ao bairro como Cidade 2000, que resultaram na
migração de pessoas vindas desse local, além da instalação de grandes empreendimentos,
como universidades privadas, o centro de convenções, o Fórum Clóvis Beviláqua e o shopping
center de grande movimentação na cidade, um dos maiores do Estado (XIMENES, 2004).
O referido bairro é caracterizado por apresentar uma das menores taxa de
densidade da cidade de Fortaleza. Sua área física é de 1.601 ha., conta com 5.847 domicílios e
densidade populacional de 3,6 hab./ha. No bairro, moram 20.291 habitantes, sendo 9.590
89
homens e 10.701 mulheres. Além de apresentar uma alta valorização imobiliária por atender
principalmente às demandas das classes média e alta da cidade (FUNDAÇÃO INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000).
Segundo o censo do IBGE, a Comunidade do Dendê é composta por 2.214
domicílios particulares entre domicílios permanentes e improvisados. A densidade
demográfica estimada é de 51,48 hab./ha. A população é de 9.730 pessoas, sendo 5.085
mulheres e 4.645 homens, esse contingente representa 44% da população do bairro que mora
em uma área pobre. O índice está bem acima da média geral das pessoas que moram em
bairros periféricos ou em favelas de Fortaleza, e que corresponde a 23,02% (FUNDAÇÃO
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000).
Por um lado, a cidade de Fortaleza, com especificidades locais e regionais, aponta
alguns elementos característicos como as organizações populares com vistas à obtenção de
melhoria urbana, as quais não são recentes e obedecem a uma lógica descontínua.
Para Barreira (1992), os movimentos urbanos expressam uma metrópole em fase
de expansão, consubstanciando transformações na esfera do poder político, a partir da
visibilidade da moradia e pobreza urbanas como questões sociais. Os moradores da periferia
urbana são, assim, categorias símbolos do fenômeno das diferenciações que põem em questão
a modernidade da cidade e apresentam o reverso das ‘vitrines’ de residências. Por outro lado,
os bairros populares em Fortaleza são evidências das desigualdades, da dignidade aviltada no
contraste entre a pobreza e a riqueza, que há uma modernidade em expansão, na qual a
pobreza começa a fazer parte da paisagem natural. Acrescentam-se a isso os bairros de classe
média que concentram bolsões de pobreza, como a Comunidade do Dendê, exemplo desse
tipo de ocupação urbana, no qual os contrastes são claramente percebidos, pois ela se encontra
em um dos bairros de maior valor imobiliário da cidade de Fortaleza.
90
Na ‘periferia’ de Fortaleza, constatam-se três modalidades de ocupações de acordo com o
Centro de Treinamento em Desenvolvimento Econômico Regional – CETREDE (1981):
A primeira, construída pelo próprio Estado (os conjuntos habitacionais);
A segunda, realizada pela especulação imobiliária pelo parcelamento do solo em áreas sem
infra-estrutura e;
A terceira relaciona-se à implantação de moradias deficientes com a ocupação por invasão,
cujo resultado é o ‘favelamento’. Assim, a Comunidade do Dendê situa-se na última
modalidade.
O processo de expansão da cidade de Fortaleza, historicamente, deu-se em fins do
século XVIII, quando a vila de Fortaleza se desligou da capitania de Pernambuco e surgiram
duas possibilidades de expansão do comércio: uma de comércio direto com Lisboa e a outra
de expansão do mercado externo que surgiu com a guerra da Independência dos Estados
Unidos. Naquele período, investiu-se muito mais na produção de algodão em áreas próximas a
Fortaleza, outrossim, o porto ganhou uma nova dimensão e passou a exportar para a
Inglaterra, além do algodão, peles, açúcar e farinha. Com isso, Fortaleza, gradativamente, se
firmou em relação às demais cidades do Estado (CENTRO DE TREINAMENTO EM
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO REGIONAL, 1981).
O primeiro projeto urbano da cidade Fortaleza, data de 1812 a 1823, elaborado
pelo engenheiro José Silva Paulet, que mostra a planta de uma cidade com ligeira expansão ao
longo da margem esquerda do riacho Pajeú e uma aglomeração de edificações entre a praia e o
centro da cidade, onde se localiza hoje a Avenida Pessoa Anta.
Nesse projeto existem algumas estradas e atalhos estreitos de acesso às áreas de
interesse econômico, os quais formam um sistema radial ao núcleo central da cidade e
algumas ainda coincidem com as atuais Avenidas Francisco Sá e Bezerra de Menezes, e Rua
Marechal de Deodoro. A vila se ampliou sem maiores preocupações urbanísticas. O projeto
91
seguiu diretrizes de um traçado urbano da vila, sendo influenciado por projetos europeus, que
propuseram um traçado em xadrez, cuja origem se dá nas proximidades do correio central até
a calçada do mercado, a Rua Senador Alencar. Mas, a implantação e a implementação do
referido projeto foram adiadas em virtude de perturbações políticas e da emancipação da vila
Fortaleza para cidade. Somente duas décadas depois, o projeto foi retomado e atualizado para
a nova realidade (CENTRO DE TREINAMENTO EM DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO REGIONAL, 1981).
Entre as décadas de 1930 e 1940, começou-se a observar o ‘inchaço’ da cidade,
mas especificamente quando da seca de 1932. Em 1920, a população registrava 78.536
habitantes, todavia a mesma passou a 180.185 habitantes em uma década, o que representou o
acréscimo de 424% em termos de população.
Somente na década de 1960, houve a necessidade de se realizar um plano diretor
urbano. Precisamente, em 1963, foi incluída a melhoria da circulação urbana (sistema viário e
transportes), da infra-estrutura, dos aspectos de caráter social, cultural, assistencial, de saúde,
religioso e recreativo, com o intuito de disciplinar espacialmente o crescimento populacional e
as atividades por ela exercida, bem como a expansão futura da cidade. Surgiu, em 1971, o
Plano Diretor Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza (PLANDIRF) a fim de usar
racionalmente a ocupação do solo. Deve-se destacar que havia uma preocupação histórica em
elaborar um plano, mas não em executá-lo, não havia planejamento nem continuidade de
propósitos (CENTRO DE TREINAMENTO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
REGIONAL, 1981).
No período de 1976 a 1985, observou-se uma enorme expansão e uma profunda
transformação na paisagem urbana da cidade. Os recursos naturais como as dunas e os
recursos hídricos disponíveis já não representavam impedimentos à ocupação e muitos deles
desapareceram. As invasões aos assentamentos impróprios, como as favelas, em que no ano
92
de 1972 foram registradas 83 novas favelas (19.960 pessoas) e em 1985 chegaram a contar
232 favelas (385.045 pessoas).
A Comunidade do Dendê foi uma dessas 232 áreas de assentamento espontâneo à
época. As características naturais da área, bem como a implantação de estabelecimentos como
vetor de crescimento, universidades privadas e o shopping center favoreceram
consideravelmente a expansão dessa comunidade (FORTALEZA, 2001).
Em 1995, estimou-se um déficit habitacional de 85 mil unidades habitacionais,
cuja posição é de a quinta cidade mais populosa do País e a terceira em déficit habitacional
relativo (19,10%) (FORTALEZA, 2001).
De acordo com o censo do IBGE, a cidade de Fortaleza tem área territorial de 312
quilômetros quadrados e uma população residente de 2.141.402 habitantes (FUNDAÇÃO
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000).
Os fatores que contribuíram para a expansão urbana em Fortaleza foram: as
distorções das políticas sociais que não estavam contempladas nas políticas econômicas; a
ausência de ações para resolver os problemas sociais, os quais nunca foram tratados
devidamente como prioritários e; a inexistência também de um planejamento social que
viabilizasse suas metas. Outro fator foi o fluxo migratório, ocorrido na década de 1980,
Fortaleza foi citada como a cidade que apresentava maior dinâmica populacional entre as
cidades do Nordeste ao concentrar 1/3 dos habitantes do estado do Ceará. A Região
Metropolitana de Fortaleza, em 2000, representou 59% da população de todo o estado
(CENTRO DE TREINAMENTO EM DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO REGIONAL,
1981; BAR-El et al., 2003).
Ao contrário de outros centros mais desenvolvidos do Brasil, em Fortaleza, o
processo de industrialização não precedeu a urbanização. Alguns estudiosos como Bar-El et
93
al. (2003) afirmam que o crescimento eficaz geralmente é acompanhado por um processo de
industrialização e de urbanização, que poderia resultar em uma descentralização dos grandes
centros urbanos para áreas periféricas (cidades secundárias). Pelo contrário, em Fortaleza,
verificou-se um incremento demográfico, um ‘inchaço’, resultado da expansão das atividades
econômicas terciárias, uma vez que a população deslocada não encontrou ali empregos
industriais e nem a oferta de trabalho e, até os dias atuais permanece abaixo do esperado. Um
exemplo dessa situação, ocorrido no ano de 1997, apontou que o setor de serviço atingiu
51,6% de participação na economia de Fortaleza, enquanto a indústria participou com apenas
20,2% da mão-de-obra disponível no mercado (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO, 2000b).
Outro fator relacionado com a expansão urbana de Fortaleza foi a carência de
investimento econômico. O modelo de industrialização, desenvolvido para o País, intensificou
a desigualdade social entre as capitais devido ao aumento da concentração de renda entre as
camadas superiores das populações urbanas. Houve, também, segregação em relação às de
baixa renda, sendo necessário o desenvolvimento de políticas que incentivassem
investimentos em habitação, equipamentos comunitários (educação, saúde e lazer) e infra-
estrutura (saneamento básico), de maneira a atingir as camadas mais baixas da população das
cidades. Segundo o Atlas do Índice de Desenvolvimento Humano de 2000, Fortaleza é
exemplo do aumento da desigualdade social, o percentual de renda apropriada pelos 20% mais
pobres e os 20% mais ricos, no ano de 1991 foi de 2,3% e 69,3%, enquanto, em 2000, esse
índice atingiu 1,9% e 70,2%, respectivamente (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO, 2000a).
Os estudos sobre moradias da população de baixa renda em Fortaleza enfatizam a
autoconstrução que se propagou em grandes espaços desequipados, o crescimento de favelas e
a precariedade do inquilinato popular estão vinculados às formas de acumulação e reprodução
94
do capital. Tais espaços constituem territórios (espaços de identidade), expressão de
desigualdade socioespacial, também estigmatizados como, em particular, a Comunidade do
Dendê que demonstra esse comportamento. As opiniões dos moradores surpreendem por não
se reconhecerem como uma área de favelamento “antigamente isso aqui, era a favela do
Dendê, hoje o pessoal não aceita mais chamar favela...” (Maria, ex-líder comunitária, 47
anos) (grifo nosso).
O processo de urbanização da autoconstrução de moradias é caracterizado como
um urbanismo de risco, ou seja, é aquele marcado pela inseguridade, quer do terreno quer da
construção ou ainda da condição jurídica da posse daquele território. As terras onde se
desenvolvem os mercados de moradia para os pobres são justamente aquelas que, pelas
características ambientais, são mais frágeis, perigosas e difíceis de ocupar com urbanização.
As chamadas Áreas Urbanas de Risco na cidade de Fortaleza são: encostas íngremes, beiras de
córregos, áreas alagadiças, vias férreas, dunas, prédios abandonados. As construções nessas
áreas raramente são estáveis e a posse sempre precária e irregular. O risco é, antes de tudo, do
morador. O barraco pode deslizar ou inundar com chuvas, a drenagem e o esgoto podem se
misturar nas baixadas – onde a saúde e a vida estão assim ameaçadas (HOERNING, 2005).
Em apenas cinco anos, de 1999 a 2004, a Região Metropolitana de Fortaleza
aumentou de 4.500 para 17.000 quanto ao número de famílias que vivem em áreas de risco,
estima-se que existam mais de cem áreas de risco, nas quais residem mais de 69 mil pessoas
nessas áreas (HOERNING, 2005).
A área de risco da Comunidade do Dendê é conhecida como ‘Baixada do Aratu’ e
‘Baixada do Dendê’ ou simplesmente ‘Baixada’, compreende-se como uma micro-área,
considerada área de manguezal, localizada às margens do Rio Cocó, classificada como Área
de Preservação Permanente – APP e faz parte dos 375 hectares de manguezal da bacia desse
rio, principal bacia hidrográfica da cidade de Fortaleza.
95
A expansão na área não ocorreu de forma contínua, acelerou-se no ano de 1994
quando o Governo do Estado do Ceará remanejou famílias para pequenas casas, construídas
em terreno do próprio bairro ou em outras áreas da cidade. Como as novas casas não foram
suficientes, manteve-se o excedente de vinte famílias abaixo do ‘paredão’ que, segundo
compromisso fixado em placa no local, seriam remanejadas posteriormente. Sendo assim, não
somente as vinte famílias remanescentes como muitas outras começaram a vislumbrar a
possibilidade de assegurarem, em futuro próximo, uma casa, mesmo na Baixada ou em outro
local, por meio de mutirões ou outra forma de aquisição promovida pelo Governo. Trata-se de
uma área abaixo do nível da rua, às margens do rio Coco, onde vivem 250 famílias (DINIZ,
2001).
Os moradores da Baixada ocupam o local há mais de dez anos, oriundos de outros
bairros de Fortaleza (50%), do interior do Ceará (20%) e de outros estados (10%). Cerca de
70% das moradias são de alvenaria e 30% de taipa (XIMENES, 2004).
Diniz (2001) realizou um estudo sobre as inter-relações entre saúde e meio
ambiente na Baixada do Aratu na Comunidade do Dendê. Observou-se que a degradação do
meio ambiente associada à pobreza dos moradores os torna vulneráveis como cidadãos, pois
não dispõem de meios objetivos para desenvolver papéis significativos na vida social. O nome
‘Baixada do Aratu’ é proveniente da característica topográfica da área, constituindo-se em um
baixio ou barranco, onde vivem duas espécies de crustáceos conhecidos popularmente como
Aratu.
Segundo dados oficiais, em 1996, 35% da população de Fortaleza recebiam menos
de um salário mínimo, enquanto 70% recebiam até três salários mínimos, os quais se
enquadravam como baixa renda, tal situação é caracterizada como bastante grave
(FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000). O
bairro Edson Queiroz não se distancia desse cenário de Fortaleza, a renda mensal per capita
96
do bairro equivale a três salários mínimos. Nesses dados estão refletidas as condições
financeiras dos moradores da comunidade que depositam a esperança de mudar suas vidas por
iniciativas individuais, tais como se pode perceber no fragmento de discurso apresentado
abaixo,
“Eu vou empregar alguma coisa pra vender em casa mesmo, eu lhe juro pela fé de Deus, (...) há 2 anos atrás apareceu um curso para gente fazer de farmácia viva, aí eu disse, eu vou nessa porque eu já tô vendendo é raiz, essas coisas de remédio (Aninha, comerciante, 33 anos).
As políticas de Saúde Pública da cidade de Fortaleza, nos últimos anos, vêm se
adequando à estratégia do Programa Saúde da Família, proposto pelo governo federal, no
sentido de reorientar os serviços de saúde locais no nível primário de atenção. A estratégia
está centrada na família, compreendida a partir do seu cotidiano. Isso possibilita às equipes de
saúde uma percepção maior do processo saúde/doença e com intervenções que vão além de
práticas curativas.
A estratégia do Programa Saúde da Família foi criado pelo Ministro da Saúde,
Henrique Santilio, em dezembro de 1993, juntamente com um grupo de trabalho formado por
diversos atores: secretários estaduais, municipais, representantes de universidades, serviços de
saúde comunitária do Hospital da Conceição, coordenação do Programa Médico de Família,
UNICEF e OPAS, com o objetivo de discutir a proposta de implantação de um novo modelo
assistencial no Brasil. A estratégia Saúde da Família foi lançada oficialmente pelo Ministério
da Saúde em março de 1994, com o propósito de organizar a prática assistencial em novas
bases e critérios, em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientada para a cura de
doenças e para o hospital (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2000).
Em Fortaleza, esse modelo foi implantado em fevereiro de 1998, foram formadas
trinta e duas equipes de saúde da família. Em 2001, o contingente foi ampliado para cento e
97
sete equipes distribuídas nas seis Secretarias Executivas Regionais (SER) da cidade de
Fortaleza e atualmente está em fase de expansão.
Desde 1997, a cidade de Fortaleza foi dividida em seis Secretarias Executivas
Regionais (SER), de acordo com a reforma administrativa ocorrida nesse mesmo ano, cujos
pontos centrais foram: a descentralização e a intersetorialidade da cidade. A divisão teve como
objetivo proporcionar a melhoria das condições de vida da população da região sob sua
gestão, no que diz respeito ao desenvolvimento territorial e meio ambiente, como também ao
desenvolvimento social da cidade. Cada secretaria é administrada por um secretário que
desenvolve o papel de prefeito, cujas atribuições e poderes permitem tomar decisões para
melhorar as condições de vida da população residente nos diversos bairros pertencentes à
regional por ele administrado, além de prestar serviços, identificar problemas e articular o
atendimento à população, tendo em vista as peculiaridades sociais e urbanas de cada local
(FORTALEZA, 2001).
A Comunidade do Dendê pertence à SER VI do município de Fortaleza. Na SER,
a população deve dispor de um conjunto de serviços como educação, saúde, ocupação, renda,
habitação, cultura, limpeza e esporte. Atualmente, essa secretaria é responsável por vinte e
sete bairros e sua abrangência limita-se ao norte com a Regional II, cujo limite é o Rio Cocó e
o bairro Luciano Cavalcante, ao Sul com o município do Euzébio, Leste com o Oceano
Atlântico e Oeste com as Regionais IV e V, cujos limites são os bairros do Aeroporto,
Serrinha, Itaperi, Dendê, Mondubim e Prefeito José Walter. Ademais, a cobertura do PSF
estende-se em 19.000 famílias que compõem as dezenove equipes de saúde da família
presentes nessa regional, não há equipe de saúde da família vinculada ao bairro Edson Queiroz
(ANEXOS 1 e 2).
Na perspectiva do processo de reordenamento da atenção básica de saúde, o
município vem avançando, como o funcionamento do Programa Saúde da família. No qual se
98
propõe priorizar a assistência à família, enquanto grupo de risco, na agenda da política social,
constituindo-se como um dos fatores condicionantes do Programa Saúde da Família.
Podemos dizer que a Comunidade do Dendê conta com os seguintes serviços de
educação: duas escolas mantidas pelo governo do Estado (Ensinos Fundamental e Médio);
duas creches, sendo uma mantida pela prefeitura de Fortaleza e uma outra creche vinculada a
uma instituição filantrópica.
As principais organizações sociais existentes são as associações de moradores, os
grupos de jovens e de idosos e o conselho comunitário. As organizações são responsáveis pela
oferta de cursos profissionalizantes aos membros da comunidade.
3.3 Fases do Procedimento da Pesquisa
O trabalho de campo iniciou-se, em 2002, com a observação do espaço geográfico
e identificação dos informantes-chave e continuou o tempo de coleta até final de 2005. Os
instrumentos de coleta e registro de dados utilizados nesta pesquisa foram aplicados e
combinados em momentos distintos. Além disso, o trabalho de campo permitiu uma interação
muito próxima com vários informantes em diversas situações e diferentes contextos.
Cotidianamente, visitamos as casas das pessoas que compuseram o grupo de estudo. Em
muitas ocasiões, participamos de eventos sociais e rotinas de trabalho, eventos domésticos
particulares, situações de conflitos familiares, manifestações festivas e comemorações,
conversas pelas ruas da comunidade e visitas na feira semanal do bairro. As observações
foram registradas em caderno de campo e diário de campo, nos quais constaram todas as
informações relevantes que possibilitaram compreender o contexto sociocultural local.
99
Neste estudo, procuramos realizar uma conexão entre os aspectos sociais,
econômicos, históricos e culturais relativos à ocorrência de doenças respiratórias em crianças
de maneira a dar maior profundidade e densidade à compreensão dessas doenças no contexto
em estudo. Para tanto, foi realizada uma etnografia focalizada sobre as doenças respiratórias,
no intuito de compreender as relações da experiência dos moradores dessa comunidade com o
processo saúde-doença. Para compreender a etnografia focalizada das doenças respiratórias
infantis em uma comunidade pobre de Fortaleza, remetemo-nos a diferentes tipos de técnicas
de coleta de dados: entrevista semi-estruturada, observação participante e registros, os quais
são complementares e foram utilizados na triangulação das informações.
Foram incluídos, no estudo, vinte e dois informantes-chave, levando-se em
consideração diferenças de seus contextos e cenários, a descrição dos aspectos mais comuns e
as diferentes abordagens sobre os comportamentos e práticas das doenças respiratórias
infantis. Além disso, observamos a empatia com o entrevistador e a disponibilidade para a
entrevista e observação.
As entrevistas com os informantes-chave foram conduzidas em locais da
preferência dos informantes, na maioria das vezes em suas próprias residências. As questões
foram abordadas como parte de um fluxo de conversação natural a fim de possibilitar a
expressão de objetivos explícitos deste estudo, como a compreensão da doença e das práticas
em saúde. Com vistas a proteger a identidade dos informantes-chave, utilizamos nomes
fictícios para cada um deles ao longo do texto.
Esta pesquisa utilizou como proposta metodológica o modelo de signos,
significados e ações, desenvolvidos por Corin (1992a, 1992b, 1995) e Bibeau (1992), o qual
permite uma sistematização dos elementos do contexto que participam da construção de
maneira típica em relação ao pensar e agir desses informantes diante das doenças respiratórias,
assim, esse modelo é baseado na reconstrução dos casos concretos.
100
O estudo foi dividido em três fases, apresentadas a seguir. Em todas as fases foram
utilizadas entrevistas semi-estruturadas, a observação participante e registros de documentos:
Fase 1: Reconstrução do histórico da comunidade e identificação dos problemas de saúde;
Fase 2: Identificação e descrição dos comportamentos e ações dos sujeitos frente às doenças
respiratórias; e
Fase 3: Reconstrução dos casos de pessoas com doenças respiratórias infantis.
Na Fase 1, foram produzidos dados sobre as trajetórias pessoais com uso de
entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave com vistas a reconstruir a história da
comunidade, bem como identificar e registrar, sistematicamente, as categorias classificatórias
e as concepções dos moradores acerca dos problemas respiratórios. Procurou-se também
identificar os problemas de saúde considerados mais relevantes para a população, por
intermédio de relatos espontâneos sobre os casos de pessoas que vivem ou viveram o
fenômeno em questão. Nessa fase do estudo, o conteúdo dos registros gerais sobre os
comportamentos relacionados aos problemas respiratórios orientou a busca dos dados para as
fases posteriores. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.
Outra técnica de coleta utilizada foi a observação participante, visando à
identificação das diferenças entre gerações, origem, mudança percebidas, identificação de
problemas no bairro e na comunidade, bem como ao processo migratório (ANEXO 3). A
observação sistemática da vida cotidiana da comunidade veio a ser muito importante na
identificação, descrição e compreensão das características locais no que se refere às:
1) Principais serviços disponíveis (serviços de saúde, escolas, creches, mercados,
farmácias, mercearias, praças, igrejas, feiras, creches, etc.);
2) Disponibilidade e circulação de informações (onde a população consegue obter
informações dentro e fora da comunidade);
101
3) Formação e manutenção de grupos formais e informais (grupo de jovens, clubes
de assistência comunitária, creches, encontros de pessoas em bares, praças e feiras, grupo de
idosos e grupos de capoeira para crianças e adolescentes);
4) Identificação das lideranças locais (pessoas que exercem atividades de liderança
comunitária formal e informal) e como elas atuam na promoção de ações comunitárias na
comunidade; e
5) Identificação de crianças com problemas respiratórios e sua participação na
vida social da comunidade.
Além dessas duas técnicas, foram coletados documentais bibliográficos, tais
como: dados censitários sobre a situação histórica, social e econômica em relação às doenças
respiratórias infantis no Brasil, no Ceará e em Fortaleza; dados censitários e mídia sobre as
condições de vida na cidade de Fortaleza e na área.
Na Fase 2, o estudo realizou um registro sistemático das categorias classificatórias
e das concepções dos moradores acerca dos problemas respiratórios infantis por meio de
entrevista semi-estruturada. Esse instrumento procurou caracterizar a vida na comunidade e
sua associação com a percepção, interpretação e reações pertinentes à saúde e aos problemas
respiratórios entre os moradores e agentes terapêuticos. As observações sistemáticas
identificaram e descreveram os comportamentos relevantes frente aos problemas respiratórios
a fim de compreenderem as maneiras populares de denominar e classificá-los, a partir das
informações fornecidas pela entrevista com os informantes, através do conteúdo dos registros
gerais. É importante frisar que também foram sistematizadas as descrições dos
comportamentos por informantes-chave (ANEXO 4).
Na Fase 3, o estudo realizou uma reconstrução de casos através de entrevistas
semi-estruturadas com o objetivo de registrar diversas narrativas dos informantes para
102
recontar a história e trajetória de pessoas com problemas respiratórios, bem como ressaltar a
percepção dos comportamentos, a reação da família/comunidade, a gravidade atribuída aos
problemas respiratórios e tratamentos aplicados. Neste instrumento, foram abordados os
seguintes aspectos: identificação e descrição dos comportamentos, com relação aos problemas
respiratórios e aos problemas de saúde, em geral; explicação das causas, sintomas e
conseqüências das doenças respiratórias; explicação das ações realizadas na busca de solução
para o problema; reações ao problema, mais precisamente às primeiras manifestações do
problema; agravamento e melhora das pessoas doentes; manifestações sucessivas do
problema; explicações do problema, a partir da reconstrução dos casos ativos e retrospectivos
e a busca por serviços terapêuticos (ANEXO 5).
3.4 Seleção dos Informantes-chave
Pelto e Gretel (1996) reconhecem que um dos principais estágios iniciais do
trabalho antropológico é o uso dos informantes-chave como fontes de informação sobre sua
cultura. Os autores afirmam ainda que os informantes são úteis quando a observação direta
não é possível, sendo a fonte de informação principal os indivíduos que participam de uma
determinada cultura.
Os antropólogos geralmente acham que somente um pequeno número de
indivíduos em uma comunidade são bons informantes-chave, porém essa técnica deve ser
parte integrante da observação participante. As notas de campo das pessoas mais envolvidas
na ação, os informantes-chave, são as que, em geral, mais fornecem informações e, por fim,
devem-se verificar e avaliar os dados fornecidos pelos informantes-chave e utilizar outras
técnicas complementares. Uma das características mais importantes dos informantes é a
103
posição que ocupam em uma sociedade. Muitos antropólogos acreditam na especial relação
com líderes políticos, entre outras pessoas importantes, porém não se deve descuidar da
pessoa comum, que ocupa posição especializada ou que tem experiências relevantes para o
propósito do estudo.
Assim sendo, o processo de seleção dos sujeitos do estudo foi orientado por
critérios como: pertencerem a diferentes heterogeneidades sociais (atividade ocupacional,
renda familiar, nível de escolaridade, religião, posição social). Foram, portanto, representados
por pessoas que enfrentaram, em algum momento de suas vidas, as doenças respiratórias;
mães com filhos, independente da idade dela ou do filho; mães que tiveram perdas (morte de
filhos pequenos); mães cujos filhos, em algum momento, apresentaram quadro de problema
respiratório (agudo ou crônico); mães que têm dois ou mais filhos com alguma doença;
agentes terapêuticos somente do setor comunitário do sistema de cuidados em saúde: parteiras,
rezadeiras urbanas, farmacista de farmácia comercial, raizeiros urbanos, pessoas que cuidam
de crianças, em diferentes contextos, como creches e escolas; pessoas que cuidam das
crianças, tais como familiares residentes na mesma moradia ou vizinhos que tenham ou não
relação de parentesco: pais, irmãos, dentre outros parentes, amigos ou profissionais que
cuidam de crianças na comunidade.
Os informantes-chave foram escolhidos devido à relevância do objeto a ser
investigado, isto é, pessoas que vivenciaram as doenças respiratórias infantis ao longo de suas
vidas e por distribuição etária. Foram formados três grupos de informantes de acordo com as
três fases da pesquisa. Assim, os grupos foram organizados no estudo a partir das
características que incluem o nome, idade, ocupação, tempo de moradia no bairro e posição
social. O quadro abaixo apresenta os informantes com as características que se constituem
para o estudo, este quadro descreve as características gerais dos informantes, com
predominância do sexo feminino, idades entre 19 e 77 anos. A maioria tinha baixa
104
escolaridade (ensino fundamental incompleto), com fonte de renda baixa e variável entre R$
50,00 e 240,00. Todos referiram, em algum momento de suas vidas, ter vivenciado algum
problema respiratório (QUADRO 4).
QUADRO 4: Características Gerais e Participação dos Informantes-chave no Estudo
Grupos Nome* Idade Ocupação Tempo de moradia Condição social
2 e 3 Aline 23 anos Dona de casa 14 anos Mãe de Kalina
1 e 2 Aninha 33 anos Raizeira 27 anos Agente terapêutico
1 Diana 64 anos Diarista 41 anos Moradora antiga
1 e 2 Fabiana 46 anos Dona de casa 18 anos Avó de Viviane
1 e 2 Floriano 30 anos Desempregado 22 anos Pai de Vicente
2 e 3 Florinda 34 anos Dona de casa 9 anos Mãe de Alex
1 e 2 Francisco 30 anos Professor de
capoeira
22 anos Líder da Associação
de Moradores
2 e 3 Glória 28 anos Doméstica 1 ano Mãe de Maria e João
1 e 2 Joana 74 anos Parteira 24 anos Moradora antiga
*Todos os nomes foram modificados.
105
Grupos Nome* Idade Ocupação Tempo de moradia Condição social
2 e 3 Josefa 27 anos Doméstica 5 anos Mãe do Gabriel
1 Juca 64 anos Radialista 30 anos Ex-líder comunitário
1 e 2 Manoel 23 anos Farmacista Não mora no bairro Agente terapêutico
1 e 2 Manoela 19 anos Dona de casa 5 meses Mãe do Vicente
1 e 2 Maria 47 anos Líder comunitária 28 anos Fundadora da
associação de
moradores
2 e 3 Polina 32 anos Doméstica 22 anos Mãe de Cláudio
1 e 2 Raimunda 77 anos Rezadeira 10 anos Agente terapêutico
1 Sandra 32 anos Manicure Desde que nasceu Filha de Diana
1 Soraia 44 anos Dona de casa Desde que nasceu Moradora antiga
1 e 2 Sueli 48 anos Diretora da creche 21 anos Moradora antiga
1 e 2 Vânia 24 anos Dona de casa Oito anos só na
baixada
Mãe de Gustavo
1 e 2 Vicência 53 anos Rezadeira 23 anos Agente terapêutico
2 e 3 Zequinha 38 anos Detetive 20 anos Experiência com a
doença desde criança
*Todos os nomes foram modificados.
106
Os dados coletados foram analisados através da proposta da teoria dos signos,
significados e ações associados às doenças respiratórias infantis, ou seja, os comportamentos
de uma pessoa com problema respiratório, interpretações desde a etiologia, gravidade, reações
dos membros da família e da comunidade até as práticas de tratamento e de prevenção frente
às doenças respiratórias infantis.
As categorias analíticas foram agrupadas e selecionadas nos textos que poderiam
corresponder a uma categoria ou mais categorias de informação para a análise de conteúdo.
Utilizou-se como recurso um programa de análise qualitativa (QSR Nudist) que se apresenta
como valioso instrumento para a análise de dados não estruturados.
Os resultados gerados serão apresentados nos próximos três capítulos desta tese;
um capítulo abordará a análise do espaço social da criança na Comunidade do Dendê; outro
capítulo construirá a análise do sistema de signos, significados e ações dos moradores frente
às doenças respiratórias infantis; e um outro em que foram particularizados seis casos
concretos e ativos de problemas respiratórios infantis, houve, portanto, uma necessidade de
relacioná-los.
3.5 Aspectos Éticos:
Todos os informantes-chave foram antecipadamente informados do estudo,
respeitando-se os preceitos da ética segundo a resolução 196/96 do Ministério da Saúde,
bem como o direito de desistir em qualquer tempo do estudo sem sofrer nenhum prejuízo
ou ônus. Os informantes que aceitaram em participar do estudo, em momento algum
tiveram seus nomes citados, ou foram prejudicados de alguma forma e todas as
107
informações obtidas tiveram caráter sigiloso, receberam esclarecimentos do andamento do
estudo todo o período de realização do estudo.
108
CAPÍTULO 4
4 EXPERIÊNCIAS DE PROBLEMAS RESPIRATÓRIOS INFANTIS
Neste capítulo, apresentamos as reconstruções de seis casos de problemas
respiratórios infantis entre os moradores da Comunidade do Dendê, que tomamos para
discussão com vistas a caracterizar sua construção social, bem como compreender e comparar
como os moradores envolvidos percebem, expressam e compartilham os significados sociais
dos seus problemas respiratórios.
O ponto de partida foi a noção de experiência da doença pela qual o indivíduo
situa-se perante os agravos à saúde, atribuindo-lhes significados e formulando rotinas para
lidar com os problemas respiratórios. Para isso, a doença deve ser entendida como um
processo subjetivo, na qual a experiência corporal é mediada pelo contexto sociocultural e
vivenciada pelo indivíduo, não entendida como mais um conjunto de sintomas orgânicos e
universais observados por meio de realidade empírica.
A experiência da doença relaciona-se, também, com as experiências corporais, os
significados intersubjetivos e as narrativas individuais refletidas nas práticas sociais e
mediadas por seus comportamentos. A mesma oferece um processo de reconstrução da visão
de mundo a partir das relações individuais, familiares e comunitárias, em que a noção de
saúde e de doença é considerada uma construção social e cultural, pois o sujeito é doente de
acordo com a classificação de seu grupo e em função de critérios e modalidades que ele
próprio pode fixar (KLEINMAN, 1988; GOOD, 1994).
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Para nos aproximarmos da experiência do adoecer, propomos um olhar
semiológico popular dos problemas respiratórios infantis, visando associar o discurso à ação
do sujeito, ou seja, que procura ver o sentido (significado) ligado às ações do sujeito. Desta
forma, o enfoque teórico tem início na pragmática, remontando-se à semântica (BIBEAU,
1992). Logo, as ações foram apreendidas mediante os casos concretos de problemas
respiratórios infantis entre os moradores da Comunidade do Dendê. Por essa via, remonta o
universo das percepções e dos significados ao tempo em que procuramos determinar o
impacto dos diferentes elementos do contexto pessoal, social e cultural sobre a construção
social e a evolução das reações e dos comportamentos (signos), nos quais surgem entre os
moradores que sofrem e são imediatamente afetados por problemas respiratórios.
Para reconstruir a experiência dos moradores com problemas respiratórios infantis,
iniciamos com a análise das redes semânticas de significados, modelo formulado por Byron
Good (1977, 1994), realizado via registro sistemático de domínio associado ao âmago dos
símbolos e sintomas léxicos médicos, em que o domínio reflete e provoca formas de
experiência e relações sociais, nas quais constituem-se os problemas respiratórios infantis.
A partir das interpretações das redes semânticas de significados realizamos uma
discussão e comparação de seis casos diferentes que, em momentos e com sujeitos diferentes,
revelam ser doentes ou conviver com doentes com problemas respiratórios infantis. Os níveis
de interpretação dos seis casos estudados partiram da experiência de reconhecimento da
etiologia e da terapêutica utilizada para lidar com três categorias de problemas respiratórios
infantis, ou seja, asma, pneumonia e cansaço, como identificados e reconhecidos pelos
moradores da Comunidade do Dendê como mais prevalente entre as doenças que atingem as
crianças. Para análise, dividimos em três momentos distintos em que a doença surgiu na
infância dos moradores da citada comunidade, a saber:
1 – Doença acaba com a infância;
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2 – Doença domina toda a infância e;
3 – Doença tem impacto na fase adulta.
Partimos das narrativas das mães e familiares de crianças que vivem com
problemas respiratórios e alguns doentes que seguem até a fase adulta com esses problemas.
Tornou-se possível as identificação e análise das significações tanto das mães como de suas
crianças que as constroem quando trata-se de seus problemas respiratórios e das informações
que recebem a respeito dos mesmos. Para a análise, não apenas a fala da criança que constrói
narrativas, mas a comunicação com as crianças foram estabelecidas através dos gestos,
articulada com linguagem verbal, ou uma mistura desses aspectos.
4.1 Doença Respiratória Acaba com a Infância
“Foi nove horas da noite que ligaram dizendo que ele já tinha morrido. Agora eu faço como diz: Acho que foi Deus mesmo que chamou ele, porque se fosse pra ser meu, né, ele não tinha bolado por tanto hospital e tinha ficado bom, néra (não era) pra ser meu não” (Josefa, mãe de Gabriel).
Gabriel representa o caso em que a infância foi interrompida quando surgiu um
problema respiratório. Ele não havia completado um ano de idade, estava apenas com cinco
meses quando morreu, segundo a versão dos médicos por pneumonia. Sua história foi contada
por sua mãe, Josefa, de 27 anos, pele queimada do sol, fala muito baixo e pausadamente.
Grávida de seis meses e ainda sofrida com a morte de Gabriel, o seu primogênito.
Josefa mora há uns cinco anos na parte mais baixa da Baixada; morava antes no
Maranhão, em Poção de Pedras. Casou-se assim que chegou ao local, vive com Carlos, cerca
de quatro anos, em uma casa, de piso de terra batida e paredes de taipa, forrada de plástico,
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doado pela defesa civil, composta por um único cômodo em que moram ela, Carlos, sua irmã
e sobrinha.
O seu companheiro é guardador de carro de uma rua em um outro bairro de classe
média, diariamente sai de casa para trabalhar no final da tarde para noite, costuma ir de
bicicleta e sua remuneração aumenta nos finais de semanas, chegando a faturar até dez reis
por noite.
Desde o nascimento de Gabriel, Josefa não trabalha fora de casa. Ultimamente ela
divide uns trabalhos manuais como crochê com sua sogra, por sua vez, sua sogra paga pelo
seu serviço, embora considere o valor muito baixo, mas não se queixa devido à sogra também
ajudar comprando comida para ela e seu marido.
De acordo com sua irmã Mariana, antes da morte do Gabriel, aproximadamente há
um ano atrás ‘ela sentia alegria de viver’. Esse fato não se verifica com a segunda gravidez,
uma vez que: ‘até agora não comprou nada para o filho que vai nascer e não é alegre’.
Gabriel nasceu às duas horas da manhã do dia 19 de setembro de 2001, em uma
maternidade pública, conhecida como ‘Maternidade dos Armadores’; muitas mães da
comunidade costumam ir a esse local para ter seus filhos. Ele nasceu de parto normal, mas
Josefa recorda que não conseguiu vê-lo após o parto somente no outro dia.
Quando fala do Gabriel, Josefa fica em silêncio e de voz muda, ao mesmo tempo
passa uma alegria quando relembra do desenvolvimento do corpo e da espontaneidade do seu
filho considerava-o uma criança ‘gorda’ e ‘danada’:
“Ele engordou foi muito mesmo, mamava, porque ele era muito comelão. Dei o peito bem uns três meses, depois só dava mingau a ele (...). Aquela mamadeira assim miudinha num enchia a barriga dele, de jeito nenhum. Porque não tem aquelas mamadeiras médias né, pois era daquelas mesmo que eu dava a ele. Eu dava, ele não queria nem beber água de chuquinha bebia era no copo... Meu nenê tinha dois meses e já era danado, com quatro meses ele já tava querendo se sentar” (Josefa, mãe de Gabriel).
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O cuidado com Gabriel é algo relembrado na narrativa de Josefa, preocupava-se
muito com a comida do ‘bebê’, como chamava Gabriel, segundo ela, “o bebê nunca passou
fome”. Enquanto ela e o marido chegaram a passar fome, várias vezes deixarem de comprar
seus próprios alimentos para garantir o leite do filho. Além disso, procurava-se em mantê-lo
sempre limpo, costumava lavar a roupa do ‘bebê’ separada de toda a família, recorda que
comprava sabão de coco; e depois que adoeceu por problema respiratório, passou a dar banho
nele com água morna e eucalipto para o “catarro não pregar”.
Antes das primeiras manifestações de problemas respiratórios em Gabriel, ele
desenvolveu uma hérnia, segundo Josefa os médicos informaram que não precisava fazer nada
que sumiria quando ele completasse um ano. Mesmo com esse conselho médico, ela resolveu
levá-lo a uma rezadeira urbana na própria comunidade, que rezou no umbigo dele. Mas,
apesar da tentativa ele continuou com a hérnia.
Segundo sua mãe, seu primeiro problema respiratório foi manifestado por um
sintoma corporal a ‘febre’, Gabriel tinha uns quatro meses de vida. Josefa, imediatamente,
associou a febre à mudança de comportamento do filho, devido ao fato de não manifestar
nenhuma emoção como o choro, percebeu que seu filho na estava bem, estava quieto e logo
recorreu a um hospital público em outro bairro, no qual o serviço médico diagnosticou um
caso de pneumonia:
“Foi só uma febre, ele teve febre com uns 4 meses. Levei lá pro Gonzaguinha. Eu cheguei lá, a enfermeira me mandou ficar, ela disse que ele ia ficar internado, aí eu fiquei com ele. Passei bem uns 15 dias (...) no hospital. Eles disseram que ele tava com pneumonia (...). Eu senti que ele não tava bem não. Ele chorava muito pouco, ele não chorava muito não (...). Só teve uma vez lá, que bem de manhãzinha ele começou a se espreguiçar. Acho que ele tava dando era bem começo de convulsão, ele tava todo se tremendo. Eu chamei a enfermeira e ela disse que era por causa que ele tava tomando remédio, que ele ia melhorar, tava melhorando, fiquei doida nesse dia. Não, eu não vi o médico lá não. Depois dos 15 dias quando a febre passou, ele recebeu alta. Aí eu vim me embora. Aí quando ele adoeceu eu não levei ele pra lá mais não” (Josefa, mãe de Gabriel).
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Dessa experiência ela se ressente pelo esforço que fez para manter o bem-estar do
filho e vivo, por exemplo: por ter ficado muito tempo junto ao filho no hospital e, em nenhum
momento, existiu por parte da equipe médica uma aproximação para lhe explicar o que estava
acontecendo com seu filho. Relembra ainda, que teve que se desfazer de alguns bens tanto
para se locomover como para se manter no hospital, como afirma ‘fiquei sem ter dinheiro aí
depois ele morreu’.
Após receber alta hospitalar do primeiro internamento, poucos dias depois,
Gabriel teve novamente febre e não chorava muito, dessa vez Josefa, resolveu não voltar ao
mesmo hospital, procurou outro por temor do serviço médico oferecido e não percebeu
mudanças no filho, foi então que buscou um outro hospital para tratar o filho:
“Tinha medo daquele hospital e levei pra Francisco Sá, onde ele morreu. Eu levei ele pro Albert Sabin, antes de eu levar ele pra Francisco Sá, eu levei ele pra lá. Foi até de noite, lá onde eu bati o raio-X dele, o médico disse que não deu nada (...). Depois ele foi piorando de novo (...), dando febre de novo, de manhãzinha ele não dava febre não. As febres dele só era das cinco horas em diante. Ele não chorava não. Aí resolvi levar pro Francisco Sá, internaram quando cheguei lá e não deu nem tempo pesar ele” (Josefa, mãe de Gabriel).
Ao ser internado novamente, Josefa recorda que Gabriel manifestou sintomas
nunca visto por ela antes como vômitos de cor preta (hemoptise), que também foi eliminado
pelo nariz. Desesperou-se ao ver o filho nessa circunstância, lembra:
“Fiquei foi apavorada lá dentro, não sabia o que era aquilo. Fiquei doida com ele no hospital; correndo por lá uns cantos. Ele foi logo pro oxigênio. Ele vomitava uma borra véia preta, preta pelo nariz. Foi obrigado emborcar ele assim, acho que é porque já tava sem vida mesmo né. Fiquei lá direto, uns dizia que era infecção, outros dizia que não era” (Josefa, mãe de Gabriel).
A explicação de Josefa para a etiologia popular da pneumonia dá-se por influência
do meio físico, como tomar banho com água fria ou mudar de um ambiente frio para um outro
mais quente; de acordo com o modelo etiológico de Laplantine (1986), essa descrição refere-
se ao modelo exógeno.
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Os sintomas manifestados por Gabriel, no momento de sua alta hospitalar,
segundo sua mãe relata, foram: ‘o pulmão limpo’, chegou a realizar um exame de Raio-X e o
médico atestou que o pulmão do filho não tinha nada. Ao chegar a sua casa, o filho manifestou
também ‘cansaço’ e ‘febre’, para ela esse é um quadro de pneumonia. Embora, o médico
atestasse não tratar-se de pneumonia por ter ‘liberado a criança’.
Para Josefa, há dois níveis de gravidade para a pneumonia, pneumonia como
‘forte’ e ‘fraca’. A pneumonia forte é entendida por ser tratada somente em hospital, enquanto
a pneumonia fraca por ser tratada em casa e ser rapidamente curada. Essas descrições são
percebidas por meio de manifestações em membros de sua família, como sua irmã e sobrinha.
Nos dois níveis de gravidade é importante a busca por serviços médicos, segundo sua
narrativa:
“Pneumonia que tem por uma causa, aquelas que dão fraca, eles dão medicamento e passam outros pra dar em casa. Diz assim não deu pneumonia, mas leve os medicamentos pra ficar dando a ela em casa, pra evitar, aí ela fica tomando e pronto, evita. Pneumonia é forte, mas ela mata (...). Minha irmã já teve pneumonia. Lá de casa só quem teve pneumonia mesmo foi só minha irmã (...). Eu não sei, posso até acreditar. Num sei quando é que o pulmão numa chapa tá limpo quando é que num tá. O médico disse que tinha olhado também. Num sei se é porque ele num quis dá o medicamento na criança, também porque quando ele deu, três horas ao meio deu um medicamento e deu um soro nele no braço, depois mandou dá três aerossol, eu dei os aerossol nele. Num sei se ele cansado ainda pode levar pra casa, mas eu num tenho nada não” (Josefa, mãe de Gabriel).
Apesar de Josefa proferir a expressão “Deus chamou” como uma busca para se
resignar ou até mesmo dar conforto diante do perigo anunciado pela morte de Gabriel,
evidenciamos alguns momentos em que Josefa lutou para que o filho não morresse. Como as
práticas religiosas e atitudes de proteção de cuidado frente à criança:
“Rezar também. Fiz tanta promessa com São Francisco. Fazia tanta da promessa (silêncio)... Mas era porque ele não tinha mesmo capacidade de escapar mesmo não. Eu digo é assim já que ele morreu é porque Deus precisou né dele. Às vezes o pessoal pergunta se eu não penso nele, não me preocupo. Eu digo assim “ele é quem deve se preocupar comigo porque onde ele tá ele não tá sofrendo e eu to”, eu digo assim” (Josefa, mãe de Gabriel).
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Na última internação de Gabriel, segundo sua mãe, ele passou por várias
experiências de sofrimento, no entanto, elas sempre ocorreram no sentido de procurar
recuperar a saúde do filho:
“Ele já tinha sofrido demais dentro do hospital. Ele num chorava, mas, podia furar ele onde quisesse. Furaram pra dar um medicamento dele, até na cabeça eles furaram. Diz que era pra ficar melhor de dar os medicamentos. Disseram pra mim só que iam dar uma injeção pra ele, pra ver se ele resistia ao medicamento aí lá né lá tinha a hora né que o medicamento ia fazer efeito, foi o tempo que eu vim pra casa.... Ele já tinha morrido. Eu pensava também que ele ia ficar bom” (Josefa, mãe de Gabriel).
Josefa, em sua narrativa, preocupava-se com o bem-estar de Gabriel e quando saiu
do hospital percebeu nele algumas mudanças comportamentais como ‘não voltou mais
esperto’. Recorda-se ainda depois desse fato que ele manifestou diarréia, e procurou
novamente a rezadeira, afirmando que seu filho estava com ‘quebrante’. Realizou, assim, um
tratamento religioso, contudo não resolveu o problema do ‘quebrante’ do seu filho: “Ele não
ficava bom... Todo dia mandava rezar”. Para ela, esse problema é devido a sua relação com os
vizinhos, sua vizinhança que olhava ‘mau’ para Gabriel e com isso mantinha o filho em casa,
como explica:
“O quebrante ficava bom uns dois dias depois, bastava sair com ele assim. Às vezes, eu saia com ele assim, o pessoal começava a se admirar dele e pronto. Vinha ali, ele não achava graça mais, ele já chegava em casa se vazando. Aí eu até parei de deixar mais o pessoal andar com ele. Ele só andava de tardezinha, porque o pessoal botava o olhão (...). O pessoal disse que tinha muito né, mas, eu usava uma pulseirinha vermelha no braço dele” (Josefa, mãe de Gabriel).
Por conta dessa relação comprometida, ela resolveu romper sua relação social com
os vizinhos e com a comunidade, como afirmou, nem pensava em não levar o filho à creche,
mas fazia planos para mudar de estrutura da vida, levar à outra creche:
“Na creche eu também num botava não, o nenê eu não ia botar ele. Hum eu tava esperando ele completar o que? Se ele tivesse vivo mesmo só os quatro anos mesmo ou então três anos mesmo eu ficava ensinando ele em casa, fazendo dever: a e i o u que é só o que eu sei fazer mesmo. Aí eu ia arrumar um dinheirinho pra mim botar ele pra estudar particular mais assim mesmo” (Josefa, mãe de Gabriel).
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Constantemente no discurso de Josefa está presente a importância da criança em
seu espaço social, porém referia-se que as crianças da Baixada ‘viviam na lama’, por sofrerem
algumas privações como: precárias condições de moradias, ausência de água tratada e escola
para todas as crianças, contudo reconhece que há uma ‘bondade’ por parte dos funcionários da
companhia de energia elétrica por não cortarem as ligações clandestinas das casas em que há
crianças. Apesar dessas dificuldades, ela tem um sentimento de prosperidade em relação à ela
e aos pais dessas crianças no sentido de que possam melhorar de vida, embora perceba-se uma
falta de ação e esperança por intermédio das instituições governamentais:
“Desde quando eu cheguei aqui que essas casas aqui pra dentro vão sair, vão fazer é, botar pra sair pra fazer vila de casas em outro canto, pra tirar muitas crianças da lama aí, mas num tira, já tá com um bom tempo que eu cheguei do Maranhão é sempre essa conversa ainda tá rolando e nunca saiu. E eu acho que nem vai sair, é como essa tal de fome zero os pessoal vieram aqui em casa eu me cadastrei disse que ia chegar, que ia chegar até o dia de hoje. Eu acho que foi, tá bem com um mês, dois mês por aí assim que eu me cadastrei. Era os bombeiro que tava coisando, botando os nomes... Tavam dizendo que lá na Rocinha que já tavam por aqui né. Por causa que o cadastro foi só até aqui e naquela outra banda de lá que é a mais que necessita, pra ali pra cima eles não botam pra cima do paredão eles não cadastram não. Só esse lado que cadastra quando vem essas coisas assim só é mesmo pra banda de baixo que é o pessoal que necessita mais” (Josefa, mãe de Gabriel).
Quanto ao diagnóstico popular da pneumonia, aqui demonstrado, revela que a mãe
sabe reconhecer quando o filho manifesta os primeiros sintomas de pneumonia. Resultado
semelhante aos estudos realizados em outros locais como em Karachi no Paquistão
(HUSSAIN et al. 1997) e em Belo Horizonte (CALDEIRA; FRANÇA; GOULART, 2001). O
estudo de Hussain et al (1997) foi conduzido entre 1992 e 1993, com o objetivo de analisar
como as mães percebem e tratam seus filhos frente à pneumonia, considerando uma categoria
universal. Os achados desse estudo revelaram que dois terços das mães diagnosticam primeiro
a pneumonia antes do serviço de saúde. No outro estudo, Caldeira, França e Goulart (2001)
realizaram um estudo de caso-controle sobre a mortalidade infantil pós-neonatal e mostraram
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que as mães reconhecem precocemente as doenças mais prevalentes para o óbito infantil que
necessitam intervenção médica, como são os casos da pneumonia e da diarréia.
Embora Josefa não tenha enfatizado a não atenção dos serviços de saúde,
percebemos que seu medo de retornar ao serviço possa ser devido à ausência de qualidade do
serviço de saúde ou até ao atendimento inadequado, o qual, por conseguinte, gerou em Josefa
uma necessidade de buscar outros serviços para resolver o problema de Gabriel. Tal percepção
aproxima-se do resultado dos estudos de Caldeira, França e Goulart (2001) que também
revelaram que os serviços médicos não dão a devida atenção às crianças, pois não atenderem
suas necessidades ou seus riscos antecipados.
Nesse relato de uma mãe pobre, ela não apresentou uma atitude fatalista frente à
morte de Gabriel quando tal atitude é comparada a os resultados de Nations e Rebhun (1988a),
os quais apontam em seus estudos que o fatalismo das mães, frente à morte do filho, se
expressa somente após a morte dele – post factum – antes da morte do filho as mães tentam
‘salvar’ seus filhos. O referido estudo foi realizado nos municípios Pacatuba e Guaiuba do
estado do Ceará, entre 1979 e 1986, nos quais participaram vinte e duas mães em que seus
filhos morreram por doença de criança. As autoras enfatizam que o fatalismo das mães
decorre do comportamento pelos componentes internos da cognição, portanto não deve ser
percebido como negligência, por outro lado, elas identificam uma conformação de ações
preventivas frente à doença da criança devido às suas carências estruturais.
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4.2 Doença Respiratória Domina Toda a Infância
Três casos concretos quanto à experiência do adoecer por problemas respiratórios
foram comparados, os quais dominam toda a infância da criança. Um caso de criança (Kalina)
que já nasceu com um problema respiratório. Enquanto os outros dois casos de crianças
(Cláudio e Alex) adquiriram problemas respiratórios em momentos diferentes da infância.
“Ela já nasceu assim. Ela já nasceu com problema respiratório. Saí de lá, aí a médica disse: mãezinha tenha bastante cuidado porque essa criança nasceu muito prematura e ela não vai ter uma reação pra essas doenças que tem aí pelo meio do mundo... Por isso que sempre eu tive esse cuidado” (Aline, mãe da Kalina).
Kalina é uma menina de quase quatro anos de idade, é filha única, mora com seu
pai e sua mãe. Segundo sua mãe - Aline, Kalina nasceu prematura e de parto normal, carrega
consigo um problema respiratório. Sua história foi contada por sua mãe, de 23 anos, dona de
casa, casada, concluiu o ensino médio e um curso de informática em uma escola pública de
um outro bairro e, também nunca trabalhou. É natural de Fortaleza e mora no bairro há
quatorze anos e sua casa está localizada na área ‘elitizada’ da comunidade, conhecida como
‘Aldeota’. O corpo de Aline é franzino e magro, mas de postura reta ao falar e olhar para
alguém, fixa seu olhar na pessoa com quem está conversando.
Segundo sua mãe, a avaliação da médica que acompanhou Kalina durante o
nascimento dela, considerou-a uma criança prematura e grave, mas ao mesmo tempo foi
classificada como normal. Ela nasceu de sete meses em uma maternidade pública, conhecida
como ‘Maternidade César Cals’, considerada como referência em atendimento ao prematuro,
em Fortaleza. Sua mãe relembra que o parto de Kalina foi normal, mas mal chegou a ver a
filha depois do parto.
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Para sua mãe, ela foi um bebê ‘tão pequenino e fininho’ e, ainda recorda “nasceu
tão miudinha, que você via a veia bem fininha, num era nem o couro era só a pelezinha bem
fininha como um sapinho, era só o cantinho da bundinha, num tinha carne ainda, o rosto era
todo perfeito, cabeluda que ave Maria!”.
No outro dia do seu nascimento, sua mãe se deu conta dos problemas que, tanto
ela como kalina, iriam enfrentar o resto de suas vidas. Os médicos informaram a Aline sobre
os vários problemas que poderiam surgir em Kalina. Ela nasceu com sérios problemas no
pulmão e coração, por conta desses problemas ficou internada em uma unidade de terapia
intensiva por dois meses, mesmo com todos esses problemas, sua mãe via em Kalina uma
alegria de viver:
“A bicha era sorridente e danada dentro da incubadora, elas precisaram amarrar ela com a fralda que era pra ela, ela rodava na incubadora todinha. Era pressa pra nascer, pressa pra vir ao mundo; aí eu botava o dedinho na mãozinha dela, ela apertava; com todos os problemas que ela nasceu, ela era ativa, tinha muita saúde, como a doutora disse: ela tem sangue de ferro, sangue dela aí é forte pra agüentar isso tudo aí... Era problema de coração, teve uma anemia muito forte, ela tomou sangue também uma bolsa de sangue, ela danada perdia tanta veia, danada demais as mulheres faziam era amarrar ela, amarrar o corpinho dela que era pra ela não ficar bolando perigoso era ela bater a cabeça aí elas amarraram, ela disse que ela tava com problema de coração, pulmão e nasceu com anemia” (Aline, mãe da Kalina).
Sua mãe segue a religião neopentencostal ‘Igreja Universal’, buscou esse recurso
tanto para agradecer como para pedir a vida da sua filha e um conforto para enfrentar essa
situação.
“Tanta coisa que eu fiquei foi, valha meu Deus eu tenho que ir na igreja que é pedir a Deus pra ela sobreviver. Senti eu peguei lá tem uma igreja a universal, a catedral da universal. É que é a mãe de todas as igrejas que tem por aqui, aí eu entrei lá aí eu pedi a Deus que o meu Deus, meu pai ou leve ela agora ou então não leve mais tarde porque mais tarde eu já vou estar muito apegada a ela. Disse, pedi a ele né? Aí peguei rezei pedi a ele isso” (Aline, mãe da Kalina).
A mãe de Kalina tem como concepção para o seu cuidado, que nem mesmo a avó
materna de Kalina sabe cuidar bem dela. Ela acredita que esse cuidado surgiu da sua
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experiência no momento do nascimento de Kalina por conta de tantas recomendações médicas
para cuidar da kalina em casa:
“A médica disse: tem que ter bastante cuidado com ela e fazer de tudo pra que ela não fique doente. Elas falaram também que criança assim é muito carinhosa, muito carente. Ela disse que desse muito amor a ela e ela é raivosa que só (...) As enfermeiras que falou e perguntou se alguém tinha morrido disto. Se eu tivesse passado mais uns dois dia com ela em casa, com uma semana ela não tinha escapado. Ela saiu daqui mole, eu queria que você visse, parecia mesmo que ela ia morrer” (Aline, mãe da Kalina).
A concepção de cuidado da mãe de Kalina refere-se em manter o ambiente
doméstico sempre limpo e organizado, e suas atitudes de cuidados dedicadas à Kalina são:
arrumação e limpeza da casa e no tipo de alimento que é oferecido à filha, sendo essas as mais
comuns e motivo de grande preocupação:
“O cuidado que eu tenho com ela é assim não deixar ela, ela num pode pegar um tipo de pó, pode ser até o pó do ‘Kisuqui’ (refresco em pó) ela tem alergia ela começa a espirrar; perfume, ela tem alergia também, aí eu tenho esses cuidados; urso de pelúcia eu não deixo ela encostar, gato assim de rua, quando ela pega nos gato porque diz que gato solta pêlo como fala aí eu não deixo ela pegar porque ela cansa, toda vida que ela pegava em gato ela gritava e cansava então o cuidado é esse. Poeira eu não deixo ela ficar, quando eu vou arrumar a casa eu tiro ela e arrumo sozinha, depois passo um pano espano em tudo, aí eu entro e boto ela pra dentro, aí o cuidado é esse fazer de tudo que ela não leve poeira, porque o problema é esse, o cansaço dela é esse, porque se ela gripar, a tosse dela é seca. Quando ela começa a tossir aí que dar o cansaço” (Aline, mãe da Kalina).
Com essa concepção de cuidado, a mãe de Kalina considera-se uma ‘mãe
cuidadosa’, a qual tem como visão de ‘mãe cuidadosa’ aquela que já nasce com certos
elementos de caráter social e comportamental frente à saúde do filho com a finalidade de
protegê-lo e manter seu bem-estar, esses elementos não são adquiridos. Os elementos de
caráter social, referidos por Aline, seguem determinadas regras sociais como ‘ter
responsabilidade’ e ‘reagir’, ‘ser atenta ao filho’. Já os elementos comportamentais referem-se
as suas atitudes como seguir as recomendações médicas, mas, ao mesmo tempo, ela rompe
com as recomendações em detrimento de preservar à saúde do filho, como modificar a dose
do medicamento da filha, que é uma maneira de protegê-la de conseqüências que o
medicamento possa ocasionar:
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“Uma mãe cuidadosa é uma mãe ter responsabilidade, já nascer com responsabilidade ser atenta ao seu filho como é que é a reação dele né agora sai uma propaganda que diz você conhece o seu filho pelo olhar como eu aprendi minha filha também pelo olhar e pela reação dela também eu já vou atrás dos outros pra mim poder aprender né pra mim fazer igual a eles, nem tudo também por exemplo passa um remédio é tanto eu num dou aquele tanto eu dou menos porque eu sei que vai afetar esse remédio gardenal dela eu não tomo o tanto que ela passava a mulher passou 33 gotas pra ela tomar eu num dava 33 dava só 25 gotas porque, porque eu sabia que tava afetando ela e tava afetando a parte cerebral dela que é também muito grave isso aí. Tinha feito o exame acusou que ela não podia mais tomar, aí eles tiram assim, por exemplo, ela tava tomando 33 gotas hoje eu dava 33 durante o dia e a noite amanhã eu dava 32 vai baixando tinha que tirar baixando porque esse remédio é forte não podia tirar de uma vez porque é como diz um drogado ele usa droga se ele deixar assim totalmente se ele num tiver um acompanhamento lê vaio ficar naquela ânsia de tomar de novo. Então a médica falou não tire de uma vez vai baixando aos poucos todo dia ela me explicou lá. Fiz todos os dias você tira uma gotinha aí vai baixando as gotinhas, se não. Ela deu de novo agora isso, a médica disse que ela vai ter que tomar porque ela deu de novo. Graças a Deus não só febre que eu cuido da febre, só é febre” (Aline, mãe da Kalina).
A primeira manifestação de problema respiratório de Kalina foi aos sete meses e
iniciou com os seguintes sintomas: “gripe”, “febre bem alta” e “diarréia”. Depois de uma
semana tentando tratar em casa, sua mãe resolveu procurar um recurso terapêutico, o primeiro
recurso que buscou foi o serviço médico hospitalar em que estava acostumada levar a filha, ao
avaliarem Kalina, disseram que ela estava com “pneumonia”, mas Aline desconhecia
totalmente essa situação devido ao cuidado que tinha com sua filha:
“Com 7 meses ela teve uma febre muito alta e eu não sabia o que era uma semana a menina com febre e diarréia direto, aí eu corri pro Albert Sabin; quando cheguei lá, fizeram todo tipo de exame e tudo que eles descobrem o que é que a criança tem pelo sangue, aí eu corri, quando chegou lá, a menina tava com começo de pneumonia que eu não sei como foi que ela pegou porque eu tinha tanto cuidado nela dava remédio que elas passava; todos os remédios que ela passou eu comprei pra gripe, pro sangue, tudo... Tava gripada, com febre e diarréia. Valha meu Deus! O que é isso? Eu num vou ficar em casa com essa menina, assim não! No primeiro dia, era febre normal e uma espirradeira direto porque eu tenho problema de estalecido, e ela ficou eu acho também, aí ela começou a derrama, derrama no nariz e começou a febre aí eu me preocupei, eu também ficava em casa dando remédio e não passava a febre de jeito nenhum não passava, podia dá o remédio que fosse” (Aline, mãe da Kalina).
A explicação da mãe da Kalina sobre a etiologia popular do problema respiratório
da filha vem dos antecessores familiares, tanto por sua parte como do pai de Kalina, “o bisavô
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dela morreu com esse problema de pulmão”, refere-se ao modelo endógeno, proposto por
Laplantine (1986).
Por conta desses problemas, Kalina não freqüenta nenhuma creche da
comunidade, devido sua mãe pensar que ela vai adoecer muito mais, assim, procurava
justificar sua permanência em sua casa para cuidar de Kalina.
A mãe de Kalina constrói uma hierarquia de sintomas para as manifestações dos
problemas respiratórios que ocorrem na filha, divididos por etapas de agravamento desses
problemas; inicialmente surgem os sintomas mais simples como ‘espirros’, ‘catarro’, ‘nariz
escorrendo’. O outro momento deve-se ao ‘catarro’ que promove uma obstrução na respiração
e ela começa a tossir, pode ser ‘tosse seca’, devido ao “catarro que gruda no pulmão”.
Portanto, a ‘tosse seca’ pode gerar a fase mais grave dos problemas respiratórios, que é o
cansaço. O último estágio seria a asma, a qual, segundo sua visão, se não for cuidada, terá
como destino a morte da filha. Sendo assim, para ela, deve ser estabelecida uma estratégia de
prevenção ao perceber que Kalina inicia uma gripe para evitar problemas mais graves:
“Acho que no nível de espirrar e escorrer logo aquele catarro né que gruda lá por dentro que eu não sei como é eu é aí tampa a respiração da criança e a tosse que ela tem é seca, não sai também; acho que fica tudo grudado no pulmão. Aí de tanto ela tossir, e tossir, se eu não der o remédio logo, ela cansa, então quando ela der a primeira tosse e o primeiro espirro, já tem que dar o remédio e eu não queria isso porque a criança se torna dependente de remédio né. Mais aí eu tenho cuidado com essa gripezinha dela; o negócio é não deixar ela ter gripe, se ela tem gripe, ela já vai ter febre” (Aline, mãe da Kalina).
Sua mãe faz uma distinção entre a pneumonia e o cansaço, para ela o cansaço
pode manter a criança viva, se for cuidada e pode passar com o crescimento da criança e
assim, o corpo da criança vai ‘reagindo’ e o corpo ‘fica saudável’ a essa doença. Enquanto a
pneumonia pode matar em semanas, caso não seja tratada e ainda há vários tipos de
pneumonias, classifica-se como pneumonia aguda e crônica. A pneumonia aguda, quando a
criança não precisa ser internada, recebe os medicamentos e vai continuar tomando o
medicamento em casa. Enquanto a pneumonia crônica precisa de internamento. Segundo ela,
123
esse conhecimento ela obteve através de leitura de textos em livros e cartazes, costuma ler os
cartazes nos serviços de saúde em que busca atendimento.
As estratégias de tratamento estabelecidas pela mãe da Kalina são: uso de
medicamentos para evitar o cansaço, embora tenha receio em fazer uso desses medicamentos
por achar que eles podem trazer algum problema como “secar o pulmão da criança”.
O caso da Kalina não foi considerado curado. Mas, sua mãe acredita que a “crise”
está regredindo a cada ano devido ao seu crescimento. A crise ocorre por problemas exógenos
como o ambiente e o clima. O caso é totalmente aderente e dependente ao tratamento do setor
profissional, no caso das manifestações de cansaço da filha, com o uso de medicamentos
alopáticos.
“Ele já teve pneumonia quando ele era mais pequeninho pegou uma pneumonia muito forte que eu passei quase um mês internada com ele no hospital Alberto Sabin. Na época ele tinha uns dois aninhos, pneumonia mesmo forte mesmo” (Polina, mãe de Cláudio).
Cláudio é um outro caso que representa a infância dominada pela doença
respiratória desde os seus dois anos de idade. É um menino de dez anos de idade, que mora
com a mãe, o irmão mais velho e dois tios. Teve também uma irmã que morreu com um ano
de idade e quem cuidava dela era sua avó materna, segundo sua mãe ela chegou a ser
internada, mas não sabe da causa da morte da filha. Sua história foi contada por sua mãe,
Polina, de 32 anos, mulher de cor morena clara, separada, vaidosa, mantém as mãos presas à
cintura e as pernas sempre movimentadas quando sentada e fala baixo. Sua mãe desde os oito
anos de idade habita a Comunidade do Dendê, ela lembra quando chegou ao local não tinha
apartamentos nem muitas casas construídas.
Antes da morte da sua avó materna, sua mãe Polina já havia mudado de casa,
devido à separação dos seus avós. Polina mudou-se para outra casa com sua mãe e seus
124
irmãos, sendo no mesmo bairro. A mãe de Polina morreu há 23 anos atrás, em um acidente, na
Avenida Engenheiro Santana Junior, foi atropelada quando ocorreu uma das primeiras greves
de ônibus em Fortaleza. Na época do acidente, Polina estava com 19 anos, já tinha Pedro, o
filho primogênito, de três anos e estava casada. A partir dessa época Polina teve que assumir a
criação dos seus seis irmãos pequenos e do seu filho Pedro.
Embora os pais de Cláudio morassem juntos, os proventos de sua casa advinham
das atividades realizadas por sua mãe Polina, que chegou a trabalhar como catadora de entulho
e passou a fazer serviços domésticos. Segundo ela, chegou a pedir esmola, passou fome e
disse: “Vi a fome mesmo e nunca fui roubar, nunca fui me prostituir, nunca matei ninguém,
quando a fome apertava eu chegava numa casa e pedia eu posso varrer sua casa, eu posso
varrer o seu quintal eu posso juntar o seu lixo”. Sua mãe é domestica há dez anos, trabalhando
sempre nesse bairro, e nas horas vagas ela está aprendendo noções em cabeleireiro; no mesmo
local em que trabalha, há um salão de beleza.
Os pais de Cláudio viveram juntos durante quinze anos, no entanto sua mãe se
separou devido perceber que seu pai mudou de comportamento em relação a ela, o qual
passou a ser violento e agressivo: “ele virou um monstro, ele me batia”; passou desconfiar
dela: “usava blusa de manga cumprida, eu não podia botar a cabeça fora, se eu chegasse do
meu trabalho com a cara bonita eu apanhava, eu vivia com a cara quebrada” e; não ajudava na
criação dos filhos. Descobriu que as mudanças foram decorrentes da sua inserção como
usuário de drogas e esse para ela foi o principal motivo da separação, não admitia de maneira
alguma que seu marido tivesse esse tipo de comportamento. Embora ela reconhecesse que
tomou essa decisão em relação ao marido, teve que enfrentar sozinha um dos irmãos, que atua
no tráfico de drogas do bairro. Depois da separação, ela casou-se novamente, dessa segunda
união, separou-se quando completou cinco anos e não teve nenhum filho. Atualmente ela vive
somente para família, ou seja, para criação dos filhos.
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Cláudio reconhece que sua mãe exerce um controle sobre ele e seu irmão, que
constantemente ameaça-os por meios violentos (agressão verbal e física) para que não se
envolvam com o tráfico drogas, particularmente as agressões ocorrem, mas com seu irmão
mais velho. Para Polina, essa situação seria reconhecer que falhou na criação dos filhos, já que
sequer imagina os filhos sendo entregues à polícia. E isso fica claro quando diz: “Eu não
quero mais antes uma boa morte pra mim e eles, do que eu ver eles apanhando da polícia”.
Quando se refere aos cuidados de Cláudio e do irmão, Polina considera-se uma
‘mãe cuidadosa’, mas reconhece que não tem muito tempo para ficar com os filhos. Polina
tem uma visão de ‘mãe cuidadosa’ que deve apresentar afeto aos filhos; além disso, deve ter
elementos de caráter social e comportamental frente a eles com a finalidade de protegê-los e
manter bem-estar deles, e que não deve, necessariamente, se resumir apenas à atenção à saúde
dos filhos. Os elementos de caráter social referidos por Polina são os mesmos descritos por
Aline - mãe de Kalina -, devem seguir determinadas regras sociais como ‘ter
responsabilidade’ e ‘reagir’, ‘ser atenta ao filho’. Enquanto os elementos comportamentais
referem-se as suas atitudes de como construírem-se rotinas de diálogo e aproximação com os
filhos para saber o pensam, saber dos acontecimentos da escola, como uma maneira de
protegê-los e construir vínculos de carinho e amor aos filhos:
“É prestar bem atenção, porque eu acho que mãe que observa os seus filhos mesmo, ela sabe quando ele tá errado quando ele tá certo (...). As mães que realmente ama seus filhos, elas têm que prestar bem atenção neles, observar aquelas mães que trabalha o dia, à noite, dá o carinho, conversar com eles, observar se realmente ele está indo pro colégio. É olhar a agenda dele, é olhar o caderno se realmente eles foram pro colégio, participar das reuniões pra saber se ele tá freqüentando, está sempre alerta. Eu não sou uma mãe de tá sempre dando carinho, eu não tenho tempo, mas, minha Nossa Senhora, eles me amam; eu digo, vai morar com teu pai, eles dizem, não eu quero a senhora. Então, eu acho assim, a mãe que realmente ama seus filhos, ela tem que cuidar dos seus filhos com mais atenção” (Polina, mãe de Cláudio).
126
A primeira manifestação de problema respiratório surgiu em Cláudio quando ele
tinha uns dois anos de idade, foi “pneumonia”, sua mãe recorda que ele ficou internado quase
um mês em um hospital público.
Cláudio é o único caso em sua casa que tem problemas respiratórios. No entanto,
sua mãe destaca que os problemas respiratórios são constantes e seqüenciais, ou seja, a gripe
se manifesta sempre primeiro, e depois o cansaço. Diz ela: “Só o Cláudio tem esse problema
de gripe e cansaço assim”. Apesar de a mãe reconhecer que seu caso é o único em casa, ela
recorda que um de seus irmãos manifestou sintomas que pareciam “asma”, mas curou-se
sozinho: “Meu irmão teve problema de asma, mas ele, graças a Deus, ele se curou”.
As constantes manifestações em Cláudio estão relacionadas ao ambiente, de
acordo com sua mãe: “Meu filho não pode pegar uma poeirinha que ele já fica cansado e o
nariz todo tempo entupido, é um fungado de nariz, é facílimo de gripar”.
Percebemos que os problemas respiratórios em Cláudio mudam sua rotina como
brincar; suas brincadeiras ficam mais restritas ao ambiente da casa e em assistir aos programas
da televisão, fazendo sozinho; também a rotina de sua casa muda e a mãe fica mais atenta a
esses problemas. Além disso, começa a fazer recomendações a ele como: “Fico falando pra
ele não ficar muito na poeira, não fazer coisas que ele não deve, como ele brincar na calçada
quente; ele brinca na escola na hora do recreio, o terraço que é mesmo que fogo no chão aí e
brinca na areia quente, ele gosta de brincar e assistir televisão”.
Segundo sua mãe, Cláudio é o filho que mais reclama de doença “ele sente dor de
cabeça, ele diz, anda todo tempo com o nariz escorrendo, doendo entupido”, quando começa a
manifestar “cansaço” como a dificuldade de respirar. Ela chama pela mãe e sente que vai
morrer como afirma ele: “mãe eu tô morrendo”.
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A mãe de Cláudio estabelece um procedimento de rotina para empregar os
recursos terapêuticos disponibilizados em casa quando surgem os problemas respiratórios em
seu filho; entretanto tal procedimento depende do nível de gravidade do problema respiratório
manifestado em Cláudio: Para os casos de gripe e de pneumonia “fraca”, geralmente cura-se
com preparações caseiras (lambedores caseiros) e de remédios à base de plantas medicinais,
usando as plantas (malva e courama) da feira semanal que ocorre aos sábados na comunidade.
Para o caso de cansaço, usa-se um kit doméstico, pela combinação das plantas e de
medicamentos alopáticos: “Às vezes dou mel com limão, passo vick, dou massagem de vick
aqui no peito dele, mas bem pra baixo pra ele não ficar sem ar. Dou nas costas, mas ele
ultimamente gripa fácil”.
Há casos em que Polina recorre ao serviço médico para resolver o problema
respiratório de Cláudio; para ela a pneumonia também pode ser classificada como “muito
forte” e quando manifesta esse tipo, leva-o ao hospital. Sua mãe compreende que esse tipo de
doença, a pessoa sente uma dor muito forte nas costas, e quando realiza um exame de Raio-X,
percebe uma ‘mancha no pulmão’. Apesar de não construir uma dependência do serviço
médico para ela mesma, reconhece que busca esse serviço quando o Cláudio adoece e não
pode resolvê-lo em casa através de medidas terapêuticas caseiras:
“Quando eu posso amenizar em casa uma gripe, eu posso curar, cuidar em casa, eu cuidei (...). Já cuidei de muita criança, então eu tenho aquela base, então eu tomava muito remédio pra febre, remédio pra dor nas costa, aspirina, chá de limão, eucalipto, alho e com aspirina pra gripe; aí, quando é uma coisinha simples, aquele remédio ali resolve, vai amenizar, ele vai acabar. Mas, quando é uma coisa mais séria, aquilo não vai melhorar, vai cada vez pior” (Polina, mãe de Cláudio).
Sua mãe não segue uma religião fixa, mas acredita em Deus, quando seu filho
Cláudio apresenta problemas respiratórios pede ajuda espiritual, reconhecendo que Deus está
presente em sua vida, ela diz: “E graças a Deus, que Deus tava olhando pra mim, graças a
Deus”.
128
Cláudio não foi considerado como curado. Mas, sua mãe acredita que a ‘crise’
estava regredindo a cada ano devido o seu crescimento. Esse caso aplicou diversas técnicas de
cuidado (medicamentos, plantas medicinais, etc.), no qual mutuamente e não se excluíam, pois
sua mãe empregava várias medidas terapêuticas como uso de plantas medicinais e
combinando com medicamentos alopáticos para lidar com os problemas respiratórios mais
simples de Cláudio.
De fato, a classificação dos níveis de gravidade das manifestações dos problemas
respiratórios infantis descritos pela mãe de Cláudio, como sendo um dos mais graves a
‘pneumonia forte’, embora o seu contexto sociocultural que conduza a essa graduação das
manifestações nosológicas populares locais, foi evidenciada em um outro estudo essa mesma
classificação de gravidade no estudo de Loyola (1984, p. 130). Este estudo foi realizado no
município de Nova Iguaçu entre 1976 e 1979, que visava analisar o controle do uso do corpo,
pelas instituições religiosas, médicas e escolares. O referido estudo demonstrou que a
pneumonia, a bronquite, a poliomielite e a difteria como os problemas que põem em risco as
vidas das crianças, exigindo assim cuidados médicos, em que a pneumonia é percebida como
uma complicação grave da gripe ou como muito forte ou mancha no pulmão. Comparamos
com os nossos, verificamos uma semelhança quanto à classificação de gravidade e descrição
dos sintomas. Embora em nosso estudo, tenham sido identificados como forte e fraca ou
aguda e crônica as pneumonias.
“Ele não é de novinho, ele pegou esse problema com 9 anos né (...). Eu nunca tinha pegado serviço direto pra todo dia ir e vir (...). Sempre era diária (...). Aí peguei serviço direto todo dia indo todo dia de segunda a sábado né (..). O que eu ganhei, o lucro foi pro meu filho pegar essa asma” (Florinda, mãe de Alex).
Alex é o caso que representa uma parte da infância dominada por uma doença
respiratória grave. É um menino, de onze anos, mora com mãe, pai e seu irmão mais novo, de
cinco anos. Sua história foi contada por sua mãe Florinda, de 34 anos, uma mulher de cor
129
morena clara e olhos acastanhados, franzina, que se mantém sentada e perna cruzada,
simpática com conversa irônica da sua própria condição de vida.
Para ela, o que levou o surgimento do problema de asma em Alex foi a sua rotina
de trabalho fora de casa, justificando assim: “Eu passei o que um ano direto todo dia indo todo
dia de segunda a sábado, durante sete meses, lá era de carteira assinada, o ganho era um
salário, era bom! Mas, eu tive que sair por causa do problema nesse tempo que eu passei lá.
Ele se internou duas vezes. Meu filho nunca tinha sido internado por nada, né”.
Some-se a isso um outro motivo alegado por Florinda diante do surgimento da
asma em Alex recai em uma postura de alteridade, designando-se agressora de si mesmo, no
sentido externo ou fora da sua responsabilidade, percebidos na sua narrativa, “o lucro foi meu
filho pegar essa asma”.
Alex mora há nove anos na área da Baixada, antes morava na parte de cima da
comunidade, com seus avôs paternos, seus pais e seu irmão. Agora mora em sua própria casa
com sua mãe, pai e irmão. No último ano, seus pais oficializaram sua relação marital, já
viviam há dez anos conjugalmente.
A rotina de sua mãe mudou depois do surgimento do seu problema respiratório,
lembra que em períodos anteriores, quando sua mãe tinha que dormir no local de trabalho,
suas folgas costumavam acontecer aos domingos, dia em que ela se dedicava à limpeza da sua
casa e à lavagem da roupa da sua família. No período em que sua mãe dormia fora de casa,
quem cuidava dele e do irmão era seu pai, segundo a mãe, o pai não se dedicava tanto aos
filhos. Hoje, as atividades de sua mãe estão mais direcionadas a serviços que exigem muito da
sua presença no local como passar e lavar roupa ou, às vezes, realiza faxina, porém o tempo
ela emprega fora de casa não corresponde a um dia de trabalho. Ademais, está participando de
cursos de arte para confeccionar velas ornamentais, sabonetes e caixas de presente. Seu pai,
130
Chico, realiza serviços temporários como pintor, pescador, carpinteiro e hidráulico, mas
segundo a mãe, ele é analfabeto, não sabe escrever e nem ler nada.
Segundo Florinda, o único filho que manifestou a asma foi Alex, no entanto, o
outro filho manifestou outro problema respiratório ‘cansaço’, que considera menos grave em
relação à asma; ela resolveu a situação buscando o serviço médico local, o NAMI, e afirmou
que: “A doutora passou salbutamol, e aí não foi pra frente à doença”, acrescenta que procurou
controlar o comportamento do seu filho quando não permitiu que fosse brincar fora de casa
“não deixei ele fazer arte e, não virou asma”.
Florinda ainda lembra que o filho mais novo, André, adoeceu de outro problema
respiratório quando tinha uns dois meses de vida, segundo sua mãe, ele sentiu “febre
constante”, posteriormente o serviço médico atestou tratar-se de uma “pneumonia”:
“De primeira, quando ele era pequenininho, teve aquela tal de como é o nome mulher? Aquela bicha veia que a gente tem, precisa tomar sete injeção, pneumonia (...) Ele era muito doentinho quando era pequeno” (Florinda, mãe de Alex).
Sua mãe Florinda comenta que André ‘já nasceu doente’ de pneumonia, indicando
uma concepção de etiologia popular relacionada com eventos ocorridos no período de sua
gestação; no caso, representado por picada de cobra. O agravo à saúde corporal da mãe passou
diretamente ao corpo do feto, fazendo com que a manifestação da pneumonia surgisse logo
após o nascimento do bebê. Uma evidência disto para ela é a analogia entre a aparência da
pele do seu bebê com a pele de cobra, que para ela ficou ‘descamada’ como a do animal
agressor:
“Ele já nasceu doente por causa de uma mordida de cobra que eu levei com sete meses de grávida, e foi aqui em casa. Ela pregou, tava escuro, taquei a mão assim, mas era uma cobra (...), outra vez fui receber o leite com uma colega e desmaiei, eu num tava com fome, não tava doente, tava com sete meses de grávida, mas não tava doente. (...) Arrumei o ultra-som, tudo normal, quando o menino nasceu, nasceu com a pele sensível, assim bem lisinha, ele era vermelho além do normal. Aí, quando ele completou uns dois meses, ficou enrugadinha, parecia couro de cobra. Nesses dois meses, o ouvido dele vazava pus, muito escuro, era quase verde né, e antes dos três meses, ele teve pneumonia. Além
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desse problema da pele, eu vivia mais no pronto-socorro infantil da UNIFOR do que em casa, lá no Meireles, no posto três, no CIES, lá no Albert Sabin também fui, fui lá naquela Dra. Libânea do centro que era de pele, era sabonete, glicerina pura, pra pele, aí pra pneumonia foi sete injeção de óleo, sabe, e aqueles remédios” (Florinda, mãe de Alex).
Depois dessa primeira manifestação da pneumonia em André sua mãe afirma que
ele não tem mais nenhum problema de saúde, quando lembra, invoca no nome de Deus, “Ah,
Meu Deus. Aí eu sei que passou, hoje em dia ele não sente nenhuma dor na unha, se não for
uma gripe”. Mas, reconhece que tem paz mesmo que o problema de asma de Alex não tenha
sido resolvido: “Hoje em dia é que eu estou tendo mesmo paz, e ao mesmo tempo não é total
por causa dessa asma né, já foi um dilema, aí Jesus, já foi um dilema”.
A primeira manifestação de problema respiratório que surgiu em Alex, como já
apresentado, ele tinha nove anos de idade, foi “asma”, sua mãe recorda que ele foi internado
quatro vezes em um hospital público, distante de casa devido a esse problema.
Uma expressão utilizada por Florinda, quando percebe que estão iniciando as
manifestações de asma em Alex, é “abala o menino”; são descritos os seguintes sintomas
como “tosse” e “cansaço”. Sua mãe estabelece alguns cuidados frente a essa situação, pela
adoção do uso de medicamentos alopáticos, orientados pelo serviço médico, adquiriu até
equipamento de aerossol para tratar de Alex em casa, e quando responde a esses recursos,
busca o serviço médico local:
“Assim o menino passa a noite, em tempo de morrer, como ele já tem costume de fazer isso né? Porque assim ele, ele se abala, abala no sentido assim de ficar doente quando muda à temperatura, quando vai chover, passa assim dois, três dias chovendo pronto ai pam! Começa a fazer sol´aí tudo já abala o menino; já começa naquela tosse e eu entro é com Salbutamol, com Prednisona pra ir combatendo né, mas a temperatura, parece que o mormaço, o frio, ou o calor, sei lá, é que faz com que mude alguma coisa, aí ele fica doente, cansado, quando da pra gente, tanto é que eu comprei um aparelho de aerossol pra poder combater né pra não tá todo tempo na UNIFOR. Aí, eu vou na UNIFOR porque é o lugar que eu vou mais que é bem pertinho, aí a doutora Luciana e a doutora Marília, as duas que me atende né. Elas passa aquela Amoxicilina na veia, e ele toma aquele remédio, toma o soro; aí a gente vem embora, ela passa o Salbutamol e o Prednisona e os aerossol e eu fico dando nisso pra poder não internar” (Florinda, mãe de Alex).
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Para Florinda, as manifestações dos problemas respiratórios estão relacionadas
entre si e não se excluem mutuamente, a saber: ‘pneumonia’ pode ser representada por
‘catarro’ ou ‘gripe mal curada’; ‘asma’ são irmãs da ‘pneumonia’, ‘asma’ e ‘bronquite’; além
disso, ela desenvolveu uma hierarquia da gravidade do problema respiratório: surge o primeiro
problema, que seria a ‘gripe’; em seguida, a ‘pneumonia’, posteriormente a ‘asma’ e por fim a
‘bronquite’ e ‘bronquite alérgica’, os quais ela acredita não ter ‘jeito’ de tratar. Esses últimos
problemas são temidos pela mãe, para ela se seu filho manifestar um desses problemas ela está
próximo da morte:
“Eu acho que a pneumonia também é catarro, assim, gripe mal curada. A asma, a pneumonia e a bronquite são irmãs. Porque primeiro vem a gripe, depois a irmãzinha pneumonia, aí vem a asma e a bronquite. Quando tá na bronquite, aí quase sem jeito” (Florinda, mãe de Alex).
Florinda relaciona o surgimento das complicações da asma à estratificação e
discriminação sociais dos moradores da Baixada que sofrem de problema respiratório, quando
esses buscam recursos médicos profissionais. Para ela, as pessoas de outros locais da
comunidade vêem os moradores da Baixada como ‘porcos’, por serem desprovidos de
recursos estruturais e viverem na parte baixa da comunidade. Assim sendo, não podem
adoecer por bronquite, considerada por ela uma doença de rico. Ao perceber que o filho está
adoecendo por asma, leva-o ao hospital, caso seja bronquite, associa que o destino do seu filho
será o cemitério, por não ter não recursos materiais para cuidar da recuperação do mesmo:
“Tem jeito, mas só gente rica que pode, que nós que somo pobre, quando tá com bronquite, o caminho é o cemitério. É, porque a gente não tem recurso. É, o pessoal chama, porque desse paredão pra cá já é área de risco; sabe, desse paredão pra lá mora gente e pra esse lado de cá, só mora porco. Nesses hospitais, a gente é excluída, sabia? Hoje em dia, na nossa comunidade, ali na Aldeota, é lá num sei aonde, num sei o que. Sabe por que? Pelo seguinte, o pessoal não dá valor pra quem mora nesse lado de cá do paredão, por que? Você só vale o que tem, tá entendendo? Se eu tiver, eu valo alguma coisa, se não tiver nada, você não vale é nada, é em qualquer canto desse jeito, seja é desse jeito, em todo canto” (Florinda, 34 anos mãe de André).
Na narrativa de Florinda sobre o comportamento como um fator promotor do risco
de doenças, percebe-se o julgamento moral relacionado às complicações da asma, como o de
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exclusão social e desigualdade. Os moradores da Baixada são considerados ‘porcos’, e sua
compreensão de gravidade da doença é frequentemente relacionada à situação de pertença a
diferentes classes sociais. Identificam-se, assim, as doenças de rico e de pobre. Problemas
respiratórios como bronquite e pneumonia, nesse modelo classificatório, seriam relacionados,
respectivamente, a ricos e pobres. Sendo assim, no presente estudo, deixamos claro que, no
imaginário popular, há uma idéia de estratificação social da doença semelhante aos estudos
realizados em outros grupos culturais e de categorias de doenças diferentes como HIV/AIDS
(FARMER, 1999, p. 78). O estudo de Farmer (1999) foi realizado em Porto Príncipe, no Haiti,
entre 1994 e 1999, com pessoas portadoras de HIV/AIDS, e revelou que as pessoas que
adoecem por HIV/AIDS são submetidas a uma violência estrutural, por nascerem na pobreza e
que esse é um destino comum a elas.
4.3 Doença Respiratória com Impacto na Fase Adulta
Comparamos dois casos concretos da experiência do adoecer por problema
respiratório, os quais foram conduzidos à fase adulta. Um exemplo é caso de uma mãe
(Glória), que passou o problema respiratório para seus filhos. Há também o outro caso de um
homem (Zequinha) que adquiriu problemas respiratórios ainda criança e permanece com eles.
“Porque a minha parte da asma, depois que eu tive eles, passou pra eles. Eu nunca mais senti depois que eles nasceram. Mas, aquele problema, eu preferia ter ficado do que eles. Eles sofre. O meu de cinco anos teve, ele teve a asma; fizeram ali no Hospital todo tipo de exame dele de todo, mas não deu nada” (Glória, mãe de Maria e João).
O primeiro caso de Glória, 28 anos de idade, nascida em uma família pobre; sua
mãe faleceu quando tinha um ano e meio, passou a ser criada por uma amiga de sua mãe,
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sofreu muitas privações alimentares e falta de cuidados; durante toda sua infância e
adolescência sofreu com seu problema respiratório.
Quanto à etiologia popular de asma, Glória implica à herança biológica dessa
doença devido à mãe ter vivido o problema asmático durante toda sua infância e adolescência
em seu corpo e, ao engravidar, essa herança biológica foi passada para os seus filhos, e depois
que nasceram, não sentiu mais nenhuma crise da doença.
O problema respiratório de Glória foi manifestado ainda em sua infância, quando
vivia com sua mãe adotiva, ela apresentou os primeiros episódios de problemas respiratórios
sob a forma de não poder engolir alimento, em seguida manifestava a falta de ar. A mãe
levou-a para o hospital, sendo-lhe prescrito o uso de um medicamento sob a forma de
aerossol. Após essa ocorrência, diagnosticada como cansaço, sua mãe dava sempre lambedor
caseiro logo que iniciava uma gripe.
Qualquer sintoma de doença respiratória do trato superior (gripes, resfriados etc.),
para ela já constituía-se como um sinal de asma. Relatava que estava ‘boazinha’, mas quando
realizava qualquer tarefa doméstica como limpar, lavar ou varrer, e até andar, sentia-se
cansada. Com o passar do tempo, suas manifestações de sintomas respiratórios diminuíram,
afirma que, atualmente, ao andar de pés descalços ou fazer serviços domésticos, não se
manifesta nenhum dos sintomas relatados.
Familiares relatam que seus problemas respiratórios se agravaram devido à falta
de cuidados de sua mãe, que a deixava só com suas irmãs mais velhas, que, por sua vez, não
tinham cuidado com alimentação ‘saudável’, bem como não tinham regularidade com as
refeições:
“Eu acho que o problema dela aí se agravou devido à falta de cuidado, assim, de uma vitamina, uma alimentação saudável. A tia não tinha tempo de fazer. Elas moravam longe da gente né? Lá no outro bairro e a gente aqui, né. Aí, quer
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dizer, é a falta de cuidado mesmo, porque a pessoa não tem uma vitamina no organismo, não pode ter um organismo forte” (Aninha, prima de Glória).
O cuidado com seus filhos é responsabilidade de seu ex-marido, que tem a posse
dos filhos, argumenta ela que seus filhos têm uma alimentação mais adequada. Na hora das
manifestações das crises de asma dos filhos, ela está sempre presente. Nesse momento,
assume o papel de conduzi-los ao hospital e permanecendo lá até que eles se recuperem
completamente ‘quantas noites já passei acordada com ele no hospital, fazendo todo tipo de
exame, ele até já foi para UTI de criança’.
Na narrativa de Glória, são descritas as modificações que ocorrem em seu corpo,
decorrentes da crise de asma, as modificações também já são percebidas em seus filhos:
“É só o puxado mesmo. Fica assim, tipo assim, é fica piando, fica piando aqui no peito assim, a gente olha é uma coisa que eu tenho também, é que se uma pessoa tiver perto de mim, aí se eu tiver perto de cansar, fica piando, fica pi. Às vezes nem quando a gente não fica, ela não passa, ele não passa, por exemplo, eu num to cansada, mas, aí, eu não to cansada, mas eu não to, mas se eu tossir, tossir bastante, aí você vai notar que eu, vou ta com puxada e vou ta piando, mesmo que eu num esteja cansada mas eu vou tossir, vou coisar, aí vá ficar igual um apito, aquele negócio: “pi!”, chega me dá raiva, Aí o cabra véi lá de casa fica coisando, que é menina, tem um pito dentro de tu?” (Glória, mãe de Maria e João).
Os primeiros sintomas de asma que antecipam uma crise em seus filhos são
imediatamente percebidos por ela, sendo frequentemente identificados por categorias de fala
que refletem concepções etiológicas tais como: “qualquer gripezinha, ela já cansa”, às vezes,
iniciam-se com processos de tosse a associam-se às mudanças climáticas, em seguida,
desencadeia-se o ‘cansaço’.
Glória percebe que tanto em seu corpo como no corpo de seus filhos, os sintomas
da asma manifestam-se da seguinte maneira: sentem ‘dor na garganta’, ‘falta de ar’ e, às
vezes, a ‘pele do rosto ficar toda avermelhada’ ou ‘roxa’. A partir dessas manifestações tanto
ela como seus filhos buscam um isolamento do ambiente e do grupo (família ou vizinhos), os
locais escolhidos para tal isolamento são seus quartos de dormir, ficam quietos e deitados,
procuram não manifestar nenhum som ou fala.
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Para Glória, seus filhos serão curados de asma quando atingirem a idade de sete
anos, idade que não apresentarão mais tais problemas. Essa racionalidade popular é reforçada
e legitimada pelo discurso científico do médico, que surge do relato de Glória. A biomedicina
aponta causa de asma de maneira semelhante ao discurso que é reproduzido por essa mãe.
Durante uma das internações de seu filho mais velho, o médico alertou sobre o curso da
doença em seu primeiro filho, que atualmente está com cinco anos de idade, segundo o
discurso médico, da maneira que é interpretado por ela:
“Eu acho que é a fase dele né? Que já ta mudando, eu acho que é a fase, que ele já vai fazer 6 anos e quando ele fizesse 7 anos, o médico falou pra mim, ele já ta mudando, aí a Malena, ainda falta 3 anos até chegar os 5 anos, ainda falta 2 anos pra poder ela ficar da fase dele pra parar; tem que fazer do mesmo jeito, mas nós num dá água gelada pra ela, nós num dá nada assim, que ela, ela tem tudo separado” (Glória, mãe de Maria e João).
Percebemos um sentimento de culpa na narrativa de Glória, independentemente da
vontade que possa acender o passado para os seus filhos seus problemas de saúde. Ela justifica
a culpa por não seguir normas como ficar “cuidando do filho”, especificamente no segundo
caso passando a responsabilidade do cuidar para o outro, ou seja, o pai da criança.
“Quando eu era pequeno, eu tinha. Quando eu era pequeno eu tinha cansaço, como todas as crianças têm problema de cansaço, a maior parte dos problemas toda criança tem, entendeu!” (Zequinha, problema desde a infância).
Zequinha, 38 anos, concluiu o ensino fundamental e é natural de Fortaleza,
demonstra que o problema respiratório, independente da idade ocorre, embora considere seu
problema como doença de criança.
Zequinha tem pele morena e corpo forte, sua voz é calma e baixa, intitula-se como
‘ex-alcoólatra’ e há mais de um ano participa dos alcoólicos anônimos. Mora com a mãe e seu
filho, separou-se da mulher há quatro anos. Tem um irmão mais velho, de 42 anos, que mora
137
no mesmo bairro. Atualmente está desempregado, trabalhava antes como detetive e de vez em
quando realiza serviços como fotógrafo.
Sua categoria popular de etiologia da asma apresenta-se sob a forma de reações
alérgicas a fenômenos físicos e naturais, tais como pêlos de animais (cães e gatos) e contato
com mudanças bruscas de temperatura.
As reações, particularmente de Zequinha, são extremamente positivas em
colaborar com os problemas de saúde da Comunidade. Há uma integração de ações
executadas por ele em relação às pessoas que moram na Comunidade: protege, cuida e vigia
seus vizinhos. Atua como líder entre os moradores e nas instituições de saúde localizada
próximas à Comunidade. Auxilia as pessoas da Comunidade em conduzi-las quando precisam
dos serviços. Ele justifica o fato devido ao seu problema de saúde: “quando eu chego lá, todo
mundo me conhece. Se eu entrar no laboratório, fulano de tal: “olhe o Zequinha chegou e isso,
aquilo outro”. Todo mundo me conhece lá, os segurança aquele policial, todo mundo, quando
eu chego lá. Dr. Rui, Dr. Fernando, Dr. Paulo, todo mundo me conhece”.
Seu problema respiratório surgiu ainda quando criança, agravando-se ao longo da
vida, particularmente na vida adulta, segundo ele, por utilizar substâncias nocivas como fumo
e bebida alcoólica. A descrição das manifestações de sua asma, relatado por ele são:
“Vou logo sentindo assim, vai acochando os pulmão, a respiração vai logo acochando. A pessoa vai logo como se tivesse um chiado, um piado e daquele piado vai tampando tudo. Escuto porque, é o seguinte, você tampa o nariz e os ouvidos e respira pela boca que é o mesmo que você colocar aquele coisa na pessoa. Aquele aparelho para escutar o coração, mas é uma coisa que a pessoa num pode se deixar levar por isso daí (...)” (Zequinha, problema desde a infância).
Para Zequinha, as manifestações da asma surgem de uma alteração corporal que
sente como um ‘aperto na garganta’, que se desenvolvem para: ‘aperto no peito’, ‘chiado’ e a
138
sensação de uma alteração no estômago; prossegue com a ‘diminuição da respiração’. Assim,
ela se instala. Influenciado e reinterpretando à sua maneira o discurso médico profissional:
“Apertado na garganta, apertado no peito, no pulmão e ele começa assim chiando, como se tivesse um catarro, assim no estômago da gente. Ele vai deixando o estômago da gente curto. Na asma a pessoa procura respirar e não encontra de jeito nenhum, aí se a pessoa se aperrear mesmo, aí é o fim da picada, porque é o seguinte, a asma pode dar aquela parada cardíaca. A asma tá juntamente com o coração da gente e ele fica muito acelerado. Aí com o decorrer do tempo que a pessoa vai indo, vai indo, se a pessoa não tiver um carro perto, uma ambulância, e começar apertar cada vez mais, vai tampando a respiração da gente, tá entendendo, e a pessoa fica sentado, às vezes não pode ficar em p. Quem tem esse problema não pode ficar em pé porque fica pior (...)” (Zequinha, problema desde a infância).
O caso de asma de Zequinha também não é considerado como se já tivesse sido
curado. Mas, Glória acredita que a ‘crise’ em seus filhos está regredindo a cada ano que eles
crescem. Os dois casos são totalmente aderentes e dependentes do tratamento do modelo
biomédico, pois usavam medicamentos alopáticos, entretanto quando surge o primeiro
problema respiratório, a gripe, todos eles fazem uso do lambedor, comprado em farmácia ou
preparado em casa. Nos dois casos foram identificados usos de outras agências terapêuticas
como prática religiosa, por meio da igreja católica ou evangélica, combinado com o modelo
terapêutico biomédico através do uso de medicamentos alopáticos e práticas terapêuticas
tradicionais, como o uso de remédios caseiros à base plantas medicinais.
Nos dois casos, observamos que as conseqüências da asma mais temida por eles
são bronquites alérgicas. Influenciados e reinterpretando, a sua maneira, o discurso médico
profissional, para eles, as crianças que manifestam esse problema estão próximas da morte. O
sintoma mais temido por Glória é uso excessivo de medicamento para tratar a asma, segundo
sua visão, o medicamento pode ‘secar o pulmão' e isso pode desencadear uma falta de ar que a
criança pode morrer. Para Zequinha, o sintoma mais temido é representado por parada
cardíaca, que segundo ele é o fim porque pode levar a morte.
139
De acordo com esses dois casos, a asma é considerada uma doença que tem
origem durante infância, podendo seguir até sua vida adulta também, embora possa ser
caracterizada como ‘doença de criança’ e suas crises possam diminuir em termos de
freqüência quando o indivíduo está adulto, devido contato com vícios como o fumo ou bebida
alcoólica. A categoria “doença de criança” foi também identificada em outros estudos
realizados no Brasil: Loyola (1984) e Nations (1992), que estabeleceu critérios de sintomas de
doença da criança.
Todos concordam que a doença mais comum a ser tratada e curada é a gripe, pela
utilização de recursos de casa, como o preparo de remédios caseiros. Por outro lado, a asma
não é uma doença de fácil tratamento e precisa buscar recursos médicos: “... porque já faz um
lambedor, você elimina com um chá de eucalipto, limão e alho, compra ali salbutamol. A
asma não, você vai para doutora”.
No contexto sociocultural da Comunidade do Dendê, as práticas terapêuticas
populares mais comuns aplicadas são as de cunho religioso pelas rezadeiras urbanas, enquanto
outras técnicas terapêuticas são empregadas como o uso de plantas medicinais que são
prescritos por rezadeiras urbanas, raizeiros urbanos ou fazem parte do próprio kit doméstico
de práticas em saúde. Quando alguém é levado para tratamento clínico no início de uma crise,
caracterizada como grave, a crise, a pessoa poderá ser rotulada como ‘doente de asma’,
conseqüentemente conduzir tal rótulo o resto de sua vida.
Nesse sentido, há uma aproximação da noção de estigma de Goffman (1988), a
partir do alinhamento intragrupal, quando um indivíduo se insere em um grupo que ocupa a
mesma estrutura social. Goffman (1988) refere-se ao estigma como uma linguagem de relação
entre atributo e estereótipo, sendo um desses atributos corresponde à identidade social.
140
Quando surge o primeiro sintoma de problema respiratório e que se identifica
como gripe, o primeiro recurso terapêutico por ambas as mães é o uso do lambedor, comprado
em farmácia ou preparado em casa, percebemos que essas ações fazem parte do costume local.
A responsabilidade do cuidar e criar a criança recai sobre a mãe, mesmo que sua
presença física não seja contínua ou que o pai esteja presente em sua moradia. A mãe
desempenha papel fundamental no momento da doença da criança, evidenciado em estudos
tais como Scheper-Hughes (1992), Nations (1992) e Calvasina et al (2006), que constatam nas
famílias nordestinas há domínio matriarcal, onde o cuidado da saúde da criança é
responsabilidade da mãe.
Os moradores da Comunidade que experimentaram os problemas respiratórios
foram tratados tanto no setor popular como no profissional. Isso demonstra que não há uma
conduta uniforme em relação à decisão de buscar tratamento em um único sistema terapêutico.
Diferente do que menciona Scheper-Hughes (1992, p. 408), que atribui às mães
títulos como os de negligentes, nesse estudo não identificamos qualquer situação em que a
mãe não apresentasse um sentimento maternal frente ao seu filho e negligência materna.
Constatamos reações de cuidado materno que promovem e constroem sólidos vínculos
afetivos e emocionais com seus filhos.
Tentamos demonstrar em nosso trabalho através dos diferentes comportamentos e
ações frente às doenças respiratórias, os quais estão intimamente relacionados ao contexto
sócio-cultural, sendo em grande parte influenciados por outros aspectos tais como
conhecimento e disponibilidade de recursos, acessibilidade aos recursos do setor comunitário
como rezadeiras urbanas e raizeiros urbanos e outras técnicas terapêuticas como uso de
plantas medicinais (LOYOLA, 1984, p. 138). Em alguns casos, descrevemos uma
interferência da emoção, da condição sócio-econômica e da avaliação que é feita pelos/dos
sistemas terapêuticos disponíveis.
141
CAPÍTULO 5
5 COMPORTAMENTOS E AÇÕES DE SAÚDE FRENTE ÀS DOENÇAS
RESPIRATÓRIAS INFANTIS
Neste capítulo acrescentamos o conhecimento sobre a Antropologia das Doenças
Respiratórias Infantis, tomou-se, portanto, como ponto de partida a visão (êmica) dos
moradores da Comunidade do Dendê sobre seus comportamentos e ações frente aos
problemas respiratórios infantis. A importância em analisar a semiologia popular das doenças
respiratórias infantis está em poder contribuir para um melhor entendimento, sob uma visão
integral das ações populares de saúde dessa Comunidade, relacionadas a essas doenças.
Os comportamentos e ações relacionados aos problemas respiratórios infantis são
percebidos pelas mães, que reconhecem em seus filhos tais problemas, ainda na infância, ou
pelas pessoas que vivem-nos desde a infância, perdurando todo o curso de suas vidas,
compreendendo assim, as repercussões sociais e morais em seu contexto particular. As mães,
segundo Boltanski (1984), são atentas à saúde dos filhos, sabem reconhecê-la ao observar
certos sintomas, se a criança está com boa saúde ou doente, e se, na última eventualidade,
buscam os serviços terapêuticos disponíveis no local.
A análise realizada neste capítulo tem como principal informante, as mães de
crianças com problemas respiratórios infantis, que recorrem às redes sociais dos setores
comunitário e profissional do sistema de cuidado com a saúde da Comunidade do Dendê para
resolver esses problemas. O setor comunitário é constituído por diversas agências e agentes
religiosos como: culto-afro-brasileiro como umbanda, raizeiros urbanos, igrejas pentecostais
142
(assembléia de deus) e neopentecostais (igreja universal do reino Deus), rezadeiras urbanas,
que empregam os elementos do catolicismo popular, sistema indígena e africano tradicional;
além dessa constituição, há crenças vivenciadas pelo próprio sujeito que busca a cura para
seus problemas ou pelos vizinhos que compartilham dos mesmos. Enquanto o setor
profissional conduz aos serviços médicos especializados como pediatras e clínicos gerais;
aproximando-se do modelo proposto por Kleinman (1980, 1986, 1988). O modelo sugerido
por Caroso et al (1997); Caroso; Rodrigues e Almeida-Filho (1998) e Lima (2000) propõe
uma aproximação do setor popular com o folk, denominando a aproximação de setor
comunitário em saúde, por considerarem um conceito mais amplo e que melhor refletem os
sistemas de cuidados terapêuticos mais abrangentes.
Sendo assim, este capítulo encontra-se dividido em quatro tópicos principais,
construídos a partir da análise do modelo teórico do sistema de signos, significados e ações
das doenças respiratórias infantis da Comunidade do Dendê:
1 – Identificação e descrição dos recursos terapêuticos locais;
2 – Identificação, descrição e análise dos signos dos moradores frente às doenças
respiratórias infantis;
3 – Signos e Significados das Doenças Respiratórias Infantis na Comunidade do
Dendê; e
4 – Ações no Enfrentamento dos Problemas Respiratórios Infantis.
143
5.1 Identificação e Descrição dos Recursos Terapêuticos Locais
O pluralismo dos sistemas de cuidado com a saúde é marcado pelas sociedades
contemporâneas, em particular, ressaltamos a Comunidade do Dendê em Fortaleza. Os
sistemas de redes extensivas de práticas terapêuticas populares do setor comunitário, em
conjunto com as práticas terapêuticas do setor profissional do sistema de cuidado com a saúde,
há muito tempo vêm sendo registrados na literatura em todas as partes do mundo (KIEV,
1968; HIGGINS, 1975; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1975; LIEBAN, 1976;
BIBEAU, 1982; NATIONS; REBHUN, 1988a). Para análise, destacamos especificamente os
setores profissional e comunitário, a seguir:
5.1.1 Setor Profissional
O setor profissional do sistema de cuidado com a saúde da Comunidade do Dendê
limita-se tanto em termos de quantidade como de qualidade do serviço prestado à população
local. Os cuidados de saúde são direcionados às ações primárias em saúde, os quais estão
disponíveis em um centro de saúde vinculado à secretaria de saúde da prefeitura de Fortaleza,
e em uma instituição filantrópica intitulada Núcleo de Atenção Médica Integrada (NAMI),
pertencente à universidade privada.
Embora o Programa Saúde da Família (PSF) tenha sido criado desde 1998, como
uma estratégia de ações de atenção primária em saúde, até o momento, o centro de saúde da
prefeitura, situado próximo à Comunidade, não desenvolve nenhuma dessas ações
relacionadas ao PSF. A responsabilidade dessas ações está a cargo da instituição filantrópica,
144
considerada como unidade de referência de saúde do município de Fortaleza.
Conseqüentemente a instituição, conhecida como NAMI, tem como missão desenvolver as
ações no cuidado primário de saúde direcionada, particularmente à saúde da população da
Comunidade do Dendê.
Esse núcleo presta assistência de maneira integral e interdisciplinar aos moradores
dessa Comunidade, visando à melhoria da qualidade de vida deles; além disso, promove um
ambiente de aprendizagem aos alunos da área da saúde da referida universidade. O
atendimento à saúde integra o Sistema Único de Saúde (SUS) do município de Fortaleza. No
NAMI, são realizadas, aproximadamente, 2.500 consultas médicas mensais às famílias da
comunidade, distribuídas entre as clínicas de pediatria (648), ginecologia/obstetrícia (400),
clínica médica (700), neurologia (11), otorrinolaringologia (252), ortopedia (33), cardiologia
(175), cirurgia (50) e consulta de enfermagem (927), a maioria dessas consultas resulta em
prescrições medicamentosas, cujos medicamentos são distribuídos gratuitamente à referida
população.
Quando os moradores precisam de serviços de saúde mais especializados como
realização de um exame de Raio-X ou de uma ultrassonografia, eles saem da Comunidade por
encaminhamentos dos serviços de saúde oficiais existentes no local. Ou então, recorrem a
outros serviços de saúde disponíveis em outros bairros como os hospitais, emergências e
maternidades, tanto públicos como privados. Para isso, os moradores acabam usando algum
meio de transporte (ônibus, táxi, bicicleta, carona, etc.) ou caminham longas distâncias até
chegar nos locais desejados.
Considerado como estratégia de ação básica em saúde, o atendimento ambulatorial
de pediatria, disponível nos dois serviços de saúde oficiais, apresenta demandas sempre
maiores que as ofertas, bem como restrições terapêuticas como a oferta de medicamentos à
população infantil. Devido a essa deficiência no atendimento e na carência de recursos
145
disponíveis, as mães desenvolvem estratégias de prevenção à saúde de seus filhos e de sua
vizinhança, bem como buscam atendimento médico para elas obterem medicamentos, que
posteriormente podem ser utilizados por seus filhos ou vizinhos que necessitarem desses
medicamentos. Porém, as mães não apresentam esses problemas, descrevem-nos como
‘sintomas que garantem atendimentos e medicamentos’.
Uma análise mais centrada na ação das mães que falam mais profundamente em
uma ‘necessidade cultural’ instalada em uma ‘necessidade cultivada’, na medida em que ela é
satisfeita pelo serviço de saúde. Isso nos conduz em legitimar uma relação entre o serviço
médico e a evolução dos consumos médicos e resulta em uma produção de serviços médicos
que produz necessidades a esses serviços. Pode ser traduzida na criação de novas doenças ou
novas categorias de sintomas aprendidas pelos pacientes, divulgando-as e ensinando a
linguagem na qual elas podem ser expressas, assinalando assim sua presença no serviço de
saúde (BOLTANSKI, 1984, p.178).
Nesse eixo de reflexão, os medicamentos representam uma apropriação de
recursos terapêuticos de forma simbólica, nos quais elas buscam usá-los em momentos reais
quando necessitam das técnicas terapêuticas (LEFÈVRE, 1991).
5.1.2 Setor Comunitário
O setor comunitário proporciona várias formas de cuidados com a saúde para os
moradores da Comunidade do Dendê. Devemos contar com os agentes terapêuticos, incluindo
rezadeiras urbanas, raizeiros urbanos, ‘farmacistas’, líderes evangélicos e espirituais.
Destacamos, também, as parteiras tradicionais que desempenharam um papel fundamental no
146
cuidado com a saúde da criança, através das práticas de cuidado no pré-natal, durante e após o
parto. Algumas rezadeiras identificadas são parteiras tradicionais que desenvolveram suas
funções como parteiras na antiga casa de parto da Comunidade.
As rezadeiras urbanas são caracterizadas, neste estudo, principalmente, por suas
origens no catolicismo popular (LOYOLA, 1984). Os rituais de cura das rezadeiras baseiam-
se no poder da reza e no emprego de plantas medicinais tradicionais durante os rituais
destinados a curar alguns problemas de doenças em crianças como ‘ventre caído’ relacionado
à diarréia, enquanto outros problemas podem atingir tanto criança como adulto: quando em
criança o ‘quebrante’ está relacionado à falta de apetite, febre, moleza e fontanela baixa,
‘cobreiro’ relaciona-se com a transmissão de microrganismos presentes no chão onde passa a
criança pequena, quando anda de pés descalços ou engatinha sobre o chão, e a ‘espremedeira’
está ligada ao problema intestinal em crianças muito pequenas, consideradas crianças de colo.
“A ‘espremedeira’ é um problema que prejudica muito a criança e a gente também. Porque
não pode deixar a criança chorar, porque quanto mais a criança se espreme. Porque a
pessoa não se espreme pra defecar, assim é a criança, aí grita dia e noite. Não deixa nem a
criança dormir nem os pais dormir. Aí abre o umbigo, sangra o umbigo, cresce o umbigo. É
só bem novinha que tem espremedeira. E pra gente adulto também serve. Uma pessoa que
tá com dor de barriga, não tem remédio, aí faz o chá, toma e se cura. Tem outros remédios
que eu ensino. Tem o chá de alho, tem o chá pra espremedeira” (Vicência, 53 anos,
rezadeira urbana).
Uma das normas estabelecidas no processo terapêutico das rezadeiras urbanas com
o intuito de curar o indivíduo ou o animal parte da diferenciação das rezas realizadas entre a
origem da espécie e a idade dos indivíduos envolvidos; sendo assim, é identificada uma reza
específica para as crianças, outra própria para os adultos, diferenciando-as dos animais. Há
147
uma flexibilidade do espaço para o ritual de cura que pode ocorrer tanto na casa das rezadeiras
como em outros locais, como a residência do doente.
As rezadeiras da Comunidade apresentam semelhanças, no fato de desenvolverem
a ‘sina’ da reza, por volta dos sete anos de idade. Assim, uma delas percebeu o problema com
essa idade: “Foi assim, eu tava brincando de fazer guisado, de boneca, aí minha mãe contava
que eu fiquei doida, doida, me mordendo, com sete anos”. Outra rezadeira contou-nos: “A
minha mãe ensinava e eu com sete anos ali no meio das rezadeiras, cantando que só uma”.
As práticas terapêuticas exercidas pelas rezadeiras urbanas são reconhecidas como
legítimas no setor Comunitário de saúde da Comunidade do Dendê, e aceitas por seus
praticantes, as mães da Comunidade recorrem a esse agente social com bastante freqüência,
principalmente quando seus filhos ainda são bebês. Tais práticas resistem ao tempo, embora
tenham mudado de formato, as rezadeiras urbanas tentam manter um vínculo com o passado.
No entanto, ocorre um alinhamento e não um confronto com o modelo biomédico considerado
hegemônico: “Tem muitas delas que vão pro médico e o médico diz, olha é micose. Que virou
hoje qualquer coisa, mas as mães vêm pra cá e pede explicação, eu pego e dou”.
Na relação entre rezadeiras e pacientes, Oliveira (1998) destaca que as rezadeiras
são capazes de influenciar o comportamento dos pacientes e ressaltar a importância de suas
atitudes no tratamento pela relação de familiaridade com o seu grupo, por isso não nos
surpreendemos quando Vicência afirmou nesse fragmento de narrativa:
“Mulher, tu sai daqui, vai procurar Vicência no Bairro Edson Queiroz, que ela é uma curandeira muito boa, seu filho vai se curar com ela (...) Aí ela chegou aqui; aí botou na radiadora, aí procurando a mão do menino, aí peguei e fui, quando eu cheguei lá o carro parado com a mulher dentro (...) Aí ela disse: “Cura meu filho que eu lhe pago bem pago” Aí eu disse não curo por dinheiro, agora a recompensa vem de vocês, mas por dinheiro eu não curo, porque Deus só andou curando e ele não cobrou, aí foi eu curei (...) Aí foi comecei a reza, aí foi no outro dia o menino veio (...). Aí o coronel disse “Dona Vicência meu filho tá bem dizer curado, porque não criou negócio de bicho nem nada e as feridas já tá sarando” (Vicência, 53 anos, rezadeira urbana).
148
Tomamos como exemplo a história da rezadeira Vicência com vistas a esclarecer
sua formação e atuação na Comunidade, bem como a identificação e descrição dos problemas
respiratórios que surgem nas crianças: Vicência, de 53 anos, nasceu em Itaitinga, município
próximo à Fortaleza, migrou para a Comunidade, vinda de outro assentamento urbano, o
assentamento da Cidade 2000. Do ponto de vista religioso, considera-se espírita, mas não
praticante. Foi levada aos terreiros de Umbanda no início de suas manifestações, quando ainda
era criança “eu sentia muita coisa, uma coisa ruim por dentro de mim, umas vozes. Mas nada
de voz pra fazer o mal, só pra fazer o bem. Umas vozes, e voz foi essa que Deus me deu, essa
sina, e eu tô cumprindo até hoje”.
Seus familiares e vizinhos viam essas manifestações como uma doença mental ou
outras questões envolvidas com religião. Inicialmente, foi levada a um terreiro de Umbanda
por um vizinho, sendo diagnosticada pela entidade da Umbanda como médium de ‘nascença’,
que precisava se desenvolver, classificaram-na como curandeira. Seu processo de iniciação
ocorreu em casa mesmo, por meio de rezas com seus irmãos e sua mãe, que aceitou a sina da
filha, “Tá bom, se a sina dela veio pra isso, tem que ser”.
Na sala de sua casa, ela costuma receber seus clientes locais e até de outros
bairros. Há um altar com imagens de santos da igreja católica. É conhecida como rezadeira e
não curandeira, embora para ela não faça distinção entre as duas denominações. Segundo
Loyola (1984, p. 91), os curandeiros e as rezadeiras estão ligados à tradição católica ou, mais
precisamente, ao catolicismo popular, no qual se define como especialista em cura e não como
agente de alguma religião, prevalecendo a função terapêutica, talvez seja por isso que
Vicência não reconheça a diferença entre as duas especialidades da medicina popular.
A narrativa de Vicência repete o discurso sobre a morte por doenças respiratórias
infantis, presente também nos serviços de saúde e nos documentos institucionais para
149
enfrentar esse problema, “esse negócio, que morre muita gente por causa disso...”
(ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1980).
Para descrever um dos problemas respiratórios infantis mais sérios, considerados
por ela, a pneumonia é percebida como uma alteração no comportamento da criança como o
choro, sugere ainda que esse problema não seja resolvido somente por ela, mas reconhece sua
capacidade em diagnosticá-lo e não de tratá-lo exclusivamente: “eu digo se a criança tiver
com pneumonia, que ele tá chorando, tá lutando com ele, é alguma dor, não sei onde é a dor
que ele tá sentindo, eu tenho certeza que ele tá com uma dor. Eu pego teu filho, boto no meu
colo, fico observando ele assim, toco nele todinho, onde doer que a dor tá colocada e eu rezo
no seu filho, quando acabar eu digo: ele tá com começo de pneumonia, a senhora leve pro
médico; quando chega lá, o médico examina e dá certo de pneumonia”.
Apesar da identificação e descrição do amplo quadro nosológico das rezadeiras
urbanas, que também incluem as doenças respiratórias infantis, alguns desses problemas não
podem ser curados somente com o recurso da técnica terapêutica tradicional - a reza, elas
incrementam outras técnicas terapêuticas tradicionais como a aplicação de plantas medicinais,
que para elas são mais eficazes. No entanto, o procedimento terapêutico deve ser
recomendado por elas, que se fundamentam na noção do modelo subtrativo proposto por
Laplantine (1986), no qual ocorre eliminação de líquidos que saem do ‘peito’ da criança por
meio do uso de lambedor, preparado pelas rezadeiras. Embora ela reconheça que também é
preciso realizar uma combinação entre os recursos médicos e espirituais, particularmente, no
caso da pneumonia “porque a pneumonia cura é com os remédios antibióticos (...). Mas a cura
tem que fechar, quando o médico der alta, ela volta aqui pra eu fechar tudo”.
O processo de cura das doenças respiratórias infantis é algo controverso, mas de
acordo com a gravidade da doença reconhece-se que alguns signos podem ser curados, em
decorrência do crescimento da criança ou estão ligados a outros sintomas, como explica
150
Vicência “se o cansaço for comum, quando ele completa sete anos se acaba. Se acaba por si
mesmo. Ninguém num dá remédio nem nada. Mas, quando é um cansaço que vira pro
intestino, aí não”.
Entre os diversos agentes terapêuticos do setor comunitário, não ocorre uma
disputa de espaço, no entanto, é visível um poder simbólico de integração moral ao modelo
hegemônico do setor profissional como no caso das rezadeiras urbanas (BOURDIEU, 2004).
A categoria ‘farmacista’ corresponde ao proprietário da farmácia comercial, que
orienta a população tanto sobre os problemas de saúde como os procedimentos terapêuticos,
quanto ao uso de medicamentos alopáticos. A formação dessa categoria, em geral, adquire o
conhecimento da população com finalidade mercantilista:
“Tinha uma experiência com medicamentos desde os quatorze, quinze anos, que eu trabalho com medicamentos; meu pai já teve distribuidora, desde farmácia e mesmo depois a gente tendo mudado de ramo de atividade eu continuei trabalhando com medicamento, como vendedor por ultimo como representante e agora como dono de farmácia, farmacista... Orientar mesmo é no caso receber a receita do, do paciente né e poder atender de acordo com a receita e em alguns casos como o medicamento da linha de ATC, o medicamento que não existe prescrição médica também a gente pode orientar e operar nessa parte” (Manuel, 23 anos, farmacista).
Na Comunidade existe uma farmácia comercial, quando os serviços públicos da
saúde não atendem e nem resolvem os problemas das pessoas que buscam esses serviços, o
próprio setor profissional reconhece que a carência estrutural do serviço de saúde pode
estimular a prática da automedicação (MENÉNDEZ, 1992).
Se bem que o serviço de farmácia está ligado ao setor profissional, reconhecemos
a existência de uma categoria com posição intermediária entre o sistema de saúde oficial e não
oficial, o farmacista, em outros estudos, é reconhecido como farmacêutico-comerciante, que
favorece ao sistema oficial de saúde (LOYOLA, 1984).
Além da farmácia comercial e oficial, encontramos na Comunidade um outro tipo
de serviço terapêutico reconhecido pelos moradores como ‘farmácia do mato’, não
151
consideramos um serviço oficial de saúde do setor profissional, mas vinculamos ao setor
comunitário em saúde. Embora muitos moradores busquem esse serviço como mais um
recurso terapêutico local, que encontram à sua disposição plantas medicinais tradicionais
populares e reconhecidas pela própria Comunidade. A responsabilidade desse serviço fica a
cargo da raizeira urbana Aninha, que obteve essa formação a partir de um curso de
capacitação, fornecido pela universidade privada, com o objetivo de despertar o interesse em
lidar com as plantas medicinais e preparar lambedores caseiros e chás para fins comerciais.
A história de Aninha procura compreender esse tipo de serviço disponível na
Comunidade. Há uma placa na fachada de sua casa identificando-a como ‘farmácia do mato’.
Ela é natural de Fortaleza, tem 33 anos, viúva, comercializa esses produtos há muito tempo,
cursou até a segunda série do ensino médio. Há 27 anos mora na Comunidade, em uma casa
de quatro cômodos com seus os pais, um irmão e uma filha de treze anos. A prática religiosa
de Aninha é a Umbanda, buscou essa religião porque sua filha, aos sete anos, manifestou um
problema que não foi resolvido pelo serviço médico oficial, considerado como um problema
espiritual pelos membros da família. Sua filha apresentava um comportamento agitado,
inesperadamente gritava, recusava-se a interagir com outras crianças e chorava o tempo todo.
Aninha é muito calma, mas em alguns momentos se exalta, principalmente, quando menciona
a situação do local onde mora, não do ambiente familiar, mas da vizinhança que manifesta
para ela uma insegurança. Lembra do nascimento de sua filha como um momento de solidão,
ela tinha 19 anos:
“Ave Maria! É como eu, eu me aperreie lá no hospital sozinha. Foi de madrugada e Deus em casa. Em cima da cama, se não fosse a mulher que tava assim. A mulher viu, era minha primeira menina, né? Foi lá no Hospital Batista, o médico veio uma vez me olhar à noite, fazer exame de toque né, aí voltou e disse que eu não ia ter a menina. Ia ter só no outro dia, eu acreditei nele. Passei sete dias sofrendo dela. Aí, veio uma dor horrível que foi o jeito eu me espremer e ele não tava lá. Já tinha descido tava lá embaixo merendando, não sei por onde era. Uma mulher que ia fazer cesárea, ainda bem que ela não tava sentindo dor. Aí ela desceu, foi obrigada descer pra ir buscar o médico lá embaixo. Quando ele chegou, a menina já tava saindo, aí ele não contou conversa, mandou a assistente me levar para outra sala e ela foi me
152
empurrando e eu segurando pra menina num descer mais me vendo de dor e ela me empurrando, quando eu me sentei na cadeira que ele disse abra as pernas, não deu nem tempo eu botar aqui, as pernas aqui, ele aparou a menina e a menina desceu. Ele passou até um carão nela. Ele disse, olha se eu soubesse que a paciente já tava neste estado não tinha mandado tu trazer ela, era pra ter me chamado para eu ir lá, atender ela lá mesmo no quarto. Se a criança tivesse caído no chão, ia processar o hospital e eu também. Aí, quer dizer, eu praticamente tive ela bem dizer só” (Aninha, 33 anos, raizeira urbana).
Seu marido morreu quando sua filha tinha um ano e dez meses de idade, eles
moravam em uma casa próxima da sua mãe. Após a morte do marido, voltou para a casa dos
pais. Precisava trabalhar e não tinha com quem deixar a filha e até que ela completasse sete
anos, trabalhou em vários locais, desde agente sanitarista da extinta SUCAM, serviços gerais
em uma construtora até doméstica. Quando sua filha começou a manifestar os problemas de
comportamento, Aninha deixou de trabalhar fora e começou a desenvolver algumas atividades
que não exigissem muito de seu afastamento, como vendas de bijuterias pelo próprio bairro.
Por fim, participou de um curso promovido pela universidade privada para preparação de
saneantes (desinfetantes e água sanitária) e preparação de remédios caseiros à base de plantas,
passou a produzir e comercializar com seu pai esses produtos e hoje, a atividade com a
preparação de produtos à base de plantas medicinais é seu grande comércio.
Há também, no local, outro raizeiro urbano, é um profissional que desenvolve sua
atividade como feirante, que apresenta uma banca na feira semanal, tem variedades de plantas
medicinais de uso popular que os moradores adquirem para uso próprio. Não realizou nenhum
curso de preparação para lidar com plantas, sua formação ocorreu pelo seu interesse em
observar as plantas e passou a cultivá-las, desde sua infância.
153
5.2 Identificação, Descrição e Análise dos Signos dos Moradores frente às Doenças
Respiratórias Infantis
Merleau-Ponty (1991) afirma que os signos aclamam por um sentido diante do
contexto em que esses não são postos à parte, pois eles nada mais são senão a maneira pela
qual aqueles se comportam, um em relação ao outro, e pela qual se distingue um do outro.
Nesse sentido, devemos compreender o movimento da fala diferenciado e articulado, bem
como sua gesticulação.
A categoria empírica ‘problema respiratório’ foi identificada por todos os
informantes como referência para doença respiratória infantil, a qual foi referenciada para
identificar todas as outras categorias etnográficas e seus significados a partir dos diferentes
comportamentos (signos), tanto das crianças como dos adultos que experimentaram ou
experimentam esses problemas desde a infância até a fase adulta, os quais receberam ou não
os cuidados tanto do setor profissional como do setor comunitário.
As categorias empíricas, neste estudo, foram compreendidas e descritas por meio
da construção e sistematização do modelo explicativo popular das doenças respiratórias
infantis, em que a doença-processo, proposta por Langdon (1995), foi empregada para
reconhecer os sintomas, descrever o diagnóstico, bem como escolher e avaliar o tratamento.
De outro modo, a doença-experiência dos problemas respiratórios é explicada como um
processo subjetivo, construída por contextos socioculturais e experienciados pelos informantes
da Comunidade. Foram identificadas e descritas doze categorias empíricas diferentes dos
comportamentos (signos) das doenças respiratórias infantis, presentes na Comunidade do
Dendê, porém apenas uma categoria foi identificada e descrita em adultos, a categoria sopro.
154
Essas categorias compõem um glossário popular dos problemas respiratórios
infantis da Comunidade do Dendê, apresentados no Quadro 5. A descrição a seguir sumariza
os signos dos sujeitos que enfrentam problemas respiratórios infantis no cotidiano da
Comunidade:
1. Tosse cheia: é um signo de problema respiratório, caracterizado pela ‘tosse
muito forte’, ‘tossezinha’, ‘tosse cheia’. A mesma pode ser uma alteração orgânica no corpo,
como o movimento de produzir tosse e secreção, em que altera o movimento respiratório da
pessoa. Reconhecida pelos informantes-chave como um problema que exige ajuda tanto do
setor comunitário (técnicas terapêuticas tradicionais como preparações de lambedores e chás
caseiros à base de plantas medicinais) como do setor profissional (medicamentos alopáticos
como xaropes) com a finalidade de eliminar o catarro e parar a tosse. Descrita no início de
muitos problemas respiratórios como gripe, cansaço, asma e pneumonia. Pode afetar tanto
crianças como adultos, especificamente, entre as crianças, a tosse conduz a uma atenção maior
por parte dos pais, enquanto a tosse cheia é sinal de que é preciso estabelecer uma ação de
maior cuidado.
2. Tosse seca: é um signo de problema respiratório, caracterizado pela ‘baba que
fica no peito’. A mesma pode ser uma alteração orgânica no corpo, como o movimento de
produzir a tosse, em que altera o movimento respiratório da pessoa. Reconhecida pelos
informantes-chave como um problema que exige ajuda do setor comunitário (técnicas
terapêuticas tradicionais como preparações de lambedores e chás caseiros à base de plantas
medicinais) e do setor profissional (medicamentos alopáticos como xaropes para reduzir
tosse). Descrita no início do cansaço. Pode afetar particularmente as crianças, a tosse conduz a
uma atenção maior por parte dos pais, a tosse seca é sinal de que é preciso estabelecer um
tratamento de imediato por eles.
155
3. Falta de ar: é um signo de problema respiratório, caracterizado por uma
sensação do ambiente ‘abafado’ que pode desencadear o cansaço. O mesmo pode ser uma
alteração orgânica no corpo, como a dor psicológica ou até espiritual. Reconhecida pelos
informantes-chave como um problema que exige ajuda do setor comunitário (técnicas
terapêuticas tradicionais como reza das rezadeiras urbanas) e do setor profissional
(medicamentos alopáticos e serviço médico oficial). Descrita no início de muitos problemas
respiratórios graves como a asma e cansaço. Pode afetar tanto crianças como adultos,
especificamente entre as crianças, a falta de ar conduz a uma atenção maior parte dos pais.
4. Sopro: é um signo de problema respiratório, caracterizado por uma sensação
corporal de aperto, desencadeada pelo cansaço. O mesmo pode ser uma alteração orgânica no
corpo, como a dor no peito. Reconhecida pelos informantes-chave como um problema que
exige ajuda do setor profissional (serviço médico oficial). Descrita no início de um problema
respiratório grave como a asma. Atinge somente os adultos que sofrem de asma e conduz a
uma atenção maior por parte dos serviços médicos.
5. Pulmão: é um signo de problema respiratório, caracterizado por uma alteração
orgânica no pulmão ou pode ser também estabelecida por um rompimento de um laço
familiar. Reconhecido pelos informantes-chave como um problema que exige ajuda do setor
comunitário (técnicas terapêuticas tradicionais como reza das rezadeiras urbanas) e do setor
profissional (serviço médico oficial). Descrito no início de um problema respiratório como
tuberculose ou pneumonia. Pode afetar tanto crianças como adultos, especificamente entre as
crianças, o ‘pulmão’ é o órgão que exige uma atenção maior por parte dos pais e familiares.
6. Catarro: é um signo de problema respiratório, caracterizado por uma alteração
orgânica no corpo, ou seja, o ‘corpo inflamado’. Reconhecido pelos informantes-chave como
um problema que exige ajuda do setor comunitário (técnicas terapêuticas tradicionais como
reza das rezadeiras urbanas) e do setor profissional (medicamentos alopáticos e serviço
156
médico oficial). Descrito no início de muitos problemas respiratórios como gripe, cansaço,
asma e pneumonia. Pode afetar tanto crianças como adultos, especificamente entre as crianças,
o catarro exige uma atenção maior por parte dos pais.
7. Chiado no peito: é um signo de problema respiratório, caracterizado por uma
alteração orgânica no corpo, ou seja, o ‘peito chia de catarro’. Reconhecido pelos informantes-
chave como um problema que exige ajuda somente do setor profissional (medicamentos
alopáticos e serviço médico oficial). Descrito no início do cansaço. Pode afetar tanto crianças
como adultos, especificamente entre as crianças, o chiado no peito demanda uma atenção
maior por parte dos pais.
8. Gripe: é um problema respiratório comum, caracterizado pelo contato com
outras pessoas, percebe-se uma alteração física, como a tosse. Reconhecida pelos informantes-
chave como um problema que exige ajuda somente do setor comunitário (ajuda por parte da
rede social como família e vizinhos e técnicas terapêuticas tradicionais como preparações de
lambedores e chás caseiros à base de plantas medicinais). Descrita como um dos problemas
respiratórios mais comuns. Pode afetar tanto crianças como adultos, especificamente entre as
crianças, a gripe demanda uma atenção por parte dos pais.
9. Cansaço: é um problema respiratório grave, caracterizado por uma alteração
orgânica no sistema respiratório, ou seja, segundo os informantes-chave, o ‘forgo fica
acelerado’ e ‘chiado no peito’. O mesmo provoca uma alteração orgânica, como respirar com
dificuldade, percebe-se na criança uma mudança comportamental, ela fica quieta e pode levar
à morte da pessoa, mesmo que ela receba cuidados específicos. Reconhecido pelos
informantes-chave como um problema que exige ajuda do setor comunitário (técnicas
terapêuticas tradicionais como preparações de lambedores e chás caseiros à base de plantas
medicinais) e do setor profissional (medicamentos alopáticos e serviço médico oficial).
Descrito no início de um problema respiratório grave como a asma. Pode afetar tanto crianças
157
como adultos, especificamente entre as crianças, o cansaço demanda uma atenção muito maior
por parte dos pais.
10. Pneumonia: é um problema respiratório caracterizado por uma alteração
biológica, como infecção, por descuido ou castigo da pessoa. A mesma pode ser uma alteração
orgânica no corpo, como a dor, febre e alteração na respiração, ficando mais rápida,
psicológica ou até espiritual. Reconhecida pelos informantes-chave como um problema que
exige ajuda do setor comunitário (técnicas terapêuticas tradicionais como preparações de
lambedores e chás caseiros à base de plantas medicinais e reza das rezadeiras urbanas) e do
setor profissional (medicamentos alopáticos e serviço médico oficial). Descrita como um dos
problemas mais graves entre os problemas respiratórios. Pode afetar tanto crianças como
adultos, especificamente entre as crianças, a pneumonia demanda uma maior atenção por parte
dos pais.
11. Asma: é um problema respiratório muito grave caracterizado por uma
alteração biológica, como uma infecção, por descuido ou castigo da pessoa. Reconhecida
pelos informantes-chave como um problema que exige ajuda do setor comunitário (técnicas
terapêuticas tradicionais como preparações de lambedores e chás caseiros à base de plantas
medicinais e reza das rezadeiras urbanas) e do setor profissional (medicamentos alopáticos e
serviço médico oficial). Descrita como um problema respiratório que não tem cura, mas tem
tratamento para controlar as ‘crises’. Pode afetar tanto crianças como adultos, especificamente
entre as crianças, a asma demanda uma atenção muito maior por parte dos pais. No adulto esse
problema originou-se ainda na infância.
12. Bronquite: é um problema respiratório muito grave caracterizado por uma
alteração biológica, como ‘catarro recolhido’. Reconhecida pelos informantes-chave como um
problema que exige ajuda somente do profissional (serviço médico oficial). Pode afetar tanto
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crianças como adultos, especificamente entre as crianças, a bronquite demanda uma atenção
muito maior por parte dos pais.
Quadro 5: Glossário Popular dos Problemas Respiratórios Infantis
Signos Descrições
Tosse cheia
Tosse seca
Falta de ar
Pulmão
Catarro
Chiado no peito
Gripe
Cansaço
Pneumonia
Asma
Bronquite
Tosse cheia de catarro; tossezinha; peito cheio;
Tosse sem catarro;
Dificuldade de respirar; angústia; vontade de chorar; o fôlego pára; o peito dói;
Pulmão ver com a chapa; pulmão cheio de ‘coisa de problema de pus’;
Catarro pregado; nariz escorrendo;
Peito faz o som de uma caixa de som velha;
Tosse;
Fôlego fica acelerado; chiado no peito;
Tristeza; dor; medo da morte; gripe mal curada; respiração fica rápida;
Cansaço chega a piar;
Catarro recolhido; catarro junto, agarrado.
Esses signos se aproximam da noção de corpo como espaço de doença, segundo o
pensamento de Foucault (1998), quando afirma existirem diferentes versões de significados
tanto para o doente, no processo de desencadear os sintomas, como para os agentes
terapêuticos, quando procuram os sinais, ao examinarem o corpo do doente e encontrarem
formas visíveis da doença.
Os estudos de Hudelson et al. (1995) e de Hussain et al. (1997), embora realizados
em locais distintos como Bolívia e Paquistão, apontam para resultados semelhantes, como a
categorização das pessoas que identificam a severidade da pneumonia como a asma e a
159
bronquite. Entretanto, os referidos estudos analisam somente uma categoria de doença, a
pneumonia, diferente do nosso estudo que identificou uma pluralidade de signos relacionados
aos problemas respiratórios infantis. Mas, evidenciamos uma aproximação entre os resultados
dos dois estudos por identificarmos a asma e a bronquite como manifestações de severidade
para a pneumonia.
As categorias ‘doença respiratória’ e ‘doença do pulmão’ são categorias de
linguagem médica, consideradas universais no modelo explicativo biomédico, entretanto,
essas categorias não foram reconhecidas entre os informantes-chave neste estudo. Na
biomedicina, a classificação da doença, segundo Foucault (1998, p. 218), tende a considerar
uma reação orgânica de um órgão defeituoso que resulta em um sofrimento orgânico ou em
um funcionamento anormal do respectivo órgão, especificamente nesse caso, o órgão seria o
pulmão associado ao sistema respiratório, reforçando a categoria da doença centrada na
medicina fisiológica.
Assim, neste estudo, não descrevemos a classificação das doenças respiratórias
infantis isoladamente como um sofrimento orgânico, sem considerarmos que essas doenças
fazem parte do cotidiano dos sujeitos que sofrem das respiratórias. Entendemos que essa
descrição não pode ser extraída sem a experiência a partir dos valores dos signos, da sua
estrutura lingüística, do caráter constitutivo da espacialidade corporal e da sua importância
para o próprio sujeito e seu grupo (FOUCAULT, 1998).
Kleinman (1988) diz que o significado é inevitável, sobretudo pode ser ambíguo e
sua conseqüência ser significativamente modificada por modificar o lugar da pessoa no
sistema cultural. Sendo assim, pode não ser legítimo que um sintoma seja visto com uma
atenção particular em um determinado contexto histórico e cultural, mas sim os significados
dos sintomas, como ele tem notado em alguns de seus estudos, os significados dependem do
conhecimento local sobre o corpo e sua patologia.
160
Verificamos, neste estudo, a existência de diferentes dimensões (biológica,
emocional, corporal e comportamental) de significados para a pessoa doente por problemas
respiratórios. Os tipos de significados das doenças são considerados, apropriadamente,
segundo Kleinman (1988), como uma superfície de denotações, que é ostensiva com
significação convencional dos sintomas, por exemplo, a palpitação como noção de aflição.
Para o autor, há uma tendência natural para atender como auto-evidência de significância.
Mas, esse natural depende, em parte, do entendimento da cultura em particular e não diverge
entre os grupos sociais.
A dimensão biológica dos significados de não sentir-se bem frente aos problemas
respiratórios infantis relaciona-se com a tosse seca, fôlego acelerado e cansaço. Como
interpretação de uma sensação de falta de ar, respiração acelerada e chiado no peito,
respectivamente. Essa dimensão é muito valorizada pelo setor profissional, particularmente
pelo serviço médico oficial.
A dimensão emocional dos significados de não sentir-se bem frente aos problemas
respiratórios infantis relaciona-se à angústia, tristeza e medo da morte. Como interpretação de
uma sensação e desespero de querer respirar e não conseguir. “É uma falta de ar que dá, você
procura assim forgo (fôlego) e não encontra, sabe. Quanto mais você sente que vai morrer”.
A dimensão corporal dos significados de não sentirem-se bem frente aos
problemas respiratórios infantis relaciona-se com a dor e a sensação corporal de aperto. Como
a interpretação da sensação de dor ao respirar e não conseguir realizar o processo mecânico de
respirar.
A dimensão comportamental dos significados de não sentirem-se bem frente aos
problemas respiratórios infantis relaciona-se com a vontade de chorar. Como a interpretação
da sensação de falta de ar ao respirar ou dificuldade em respirar, manifestadas nas crianças.
161
Os significados se aproximam do pensamento de Kleinman (1988), nos quais os
significados se apresentam como um problema do paciente, da família e dos agentes
terapêuticos, e cada unidade formula os seus próprios significados. Por outro lado, a visão
individual de cada ator de uma sociedade converge na realidade social do contexto, em
particular, em que são criadas e descobertas as experiências dos significados pelo processo de
encontro das práticas de resistência do mundo real, com seus obstáculos, devido à distribuição
desigual dos recursos terapêuticos, imprevisível e incontrolável problema de vida descrito
neste estudo.
5.3 Modelo Explicativo das Doenças Respiratórias Infantis
Haja vista o local em estudo reconhecer vários signos diferentes para os problemas
respiratórios infantis, construímos uma proposta de modelo explicativo para essa doença a
partir do modelo formulado por Kleinman (1980), seguindo os seguintes elementos:
causalidade, transmissão, manifestações e gravidade, que nortearam a composição complexa
do modelo explicativo popular das doenças respiratórias infantis da Comunidade do Dendê.
5.3.1 Causalidade
No âmbito deste estudo, foi considerado o modelo classificatório da etiologia da
doença, proposto por Laplantine (1986), no qual este autor classifica em dois modelos:
endógeno e exógeno. O modelo endógeno refere-se à compreensão de causa que se exprime,
ao mesmo tempo, nas noções de temperamento, de constituição, de disposições e
162
predisposições, de tipo caráter ou astral (os signos do zodíaco), de natureza, de organismo, de
campo, de hereditariedade, de patrimônio genético, de meio ‘interior’, ou seja, as diversas
secreções glandulares, bem como o sangue e de recurso de autodefesa. Enquanto o modelo
exógeno refere-se à causa na qual pode ocorrer uma relação do ser humano com o meio físico:
dá-se pela influência das condições sociais; influência dos planetas; influência geográfica,
climática e meteorológica; ou dá-se pela relação do ser humano com o meio químico e
bioquímico.
De acordo com a classificação da etiologia popular das doenças respiratórias
infantis, o modelo exógeno foi predominante nas narrativas dos informantes-chave,
particularmente entre as mães. Uma das influências mais evidenciada desse modelo exógeno
foi a condição sócio-econômica relatada como: falta de alimentação, ausência de higiene do
domicílio e ausência de saneamento ambiental. Uma das informantes narrou o seguinte:
“Eu acredito que se a gente tivesse o saneamento, principalmente o esgotamento sanitário, eu acho que muita coisa aqui começava a evitar, por exemplo, doença de pele, cansaço. Também é porque, você sabe né? Que tudo vem no vento, a gente não sabe que tipo de micróbio tá circulando dentro de uma comunidade dessa, né?” (Maria, 47 anos ex-líder comunitária).
Enquanto outras mães relataram as condições sanitárias e a influência climática
frente ao ambiente em que vivem, como a ausência de saneamento e a ausência de ventilação
do ambiente, que podem ser demonstradas pela narrativa, a qual expressa uma noção sanitária
da doença respiratória “que tudo vem no vento, a gente não sabe que tipo de micróbio tá
circulando dentro de uma comunidade”. Enquanto outra narrativa relaciona a causa da doença
respiratória infantil aos aspectos climáticos: “num ando em água quente, num como coisa
gelada e tô doente? Às vezes, uma poeirinha de nada, até mesmo disse que uma poeira do
ventilador, a gente já fica doente. Que a gente pode ir limpar a casa dez vezes, pode abrir o
ventilador que ali aparece sujeira no ventilador e do ventilador vai pro nariz da gente, então na
criança mesmo. Tem muita criança por aí que não usa o ventilador”.
163
Tais evidências coincidem com o pensamento de Boltanski (1984), ao afirmar que
causas como categorias climáticas são essencialmente muito utilizadas para se falar de
doenças pulmonares ou rinofaríngeas, mas raramente podem ser utilizadas para justificar
qualquer outra doença. Esse autor as justifica pelo princípio da explicação universal, que esse
esquema é utilizado em qualquer caso, quando falta outra explicação e sem que o informante,
aparentemente, sequer tente estabelecer um elo lógico entre o frio, o calor e as doenças das
quais se supõe que eles sejam a causa.
Por outro lado, outros informantes relacionaram à etiologia popular dos problemas
respiratórios com os fatores psicológicos, caracterizando o modelo endógeno e,
particularmente, esses fatores foram constatados mais em adultos:
“Tem hora que eu tô boazinha, tem hora que me bate uma tristeza tão grande, uma angústia, uma coisa assim ruim, sabe, eu choro, choro, dá uma vontade de andar, uma vontade de sumir e dá um ponto final na minha vida, aí tem hora que vem assim, eu sinto falta de ar, muita falta de ar eu sinto” (Polina, 32 anos, mãe de Cláudio).
Quando discriminamos os signos específicos percebemos uma variação quanto ao
modelo etiológico, no caso das gripes consideradas as mais comuns, foram classificadas pelo
modelo etiológico popular como exógenas, influenciadas pelos fatores ambientais como
temperatura elevada, ventilação natural ou artificial, condições climáticas e sanitárias.
Precisamente, os fatores ambientais relatados foram: ‘sol quente’; ‘época de chuva assim a
frieza’; ‘tempo mesmo’; ‘muitas águas colifecais correndo a céu aberto’; ‘tudo vem no vento’;
‘da fumaça’; ‘quentura demais na pele’; ‘vem da frieza’ e ‘pega da poeira quente’.
As formas graves das doenças respiratórias podem estar relacionadas ao cansaço e
à pneumonia, essas foram classificadas como modelo endógeno, devido à hereditariedade, já
citada por algumas mães, as quais percebem que tais fatores estão presentes nos respectivos
problemas respiratórios. Além disso, alguns moradores relacionaram a pneumonia a outras
doenças respiratórias como a gripe, classificada também como um modelo endógeno.
164
Algumas rezadeiras urbanas afirmaram que a pneumonia é resultado de outras doenças
respiratórias infantis como a gripe “a criança tem uma gripe (...), aparece já com o problema
de uma dor, a pneumonia dá disso, gripe mal curada”.
Nesses fragmentos de narrativas, percebemos que a etiologia popular das doenças
respiratórias infantis compreende uma influência multicausal com a combinação entre os
modelos endógeno e exógeno. Assim, podemos refletir sobre as diversas dimensões da
etiologia popular dessas doenças e compreender que sua etiologia apresenta uma noção mais
complexa, conseqüentemente, o modelo explicativo popular das doenças respiratórias infantis
está voltado para uma inter-relação entre corpo e ambiente.
Ao contrário dessa evidência, o modelo cultural da biomedicina das doenças
respiratórias infantis é somente influenciado pela dimensão orgânica, sendo predominante a
teoria unicausal. Estudos sobre causalidade das doenças, realizados nessa mesma
Comunidade, identificaram a predominância da teoria unicausal (MOREIRA, 2002).
5.3.2 Transmissão
Para Laplantine (1986), a transmissão das doenças também é classificada como
modelos exógeno e endógeno. O modelo exógeno é representado por uma intervenção
externa, de elemento real ou simbólico, ou seja, uma infecção por microrganismo, espírito
patógeno, fatores ambientais, químicos e bioquímicos. Enquanto o modelo endógeno exprime
uma noção de temperatura, de constituição, de disposição, predisposição e de reação alérgica.
A noção de transmissão fornece importante classificação das doenças respiratórias
infantis e é representada tanto pela doença interna (modelo endógeno) como pela doença
165
externa (modelo exógeno). Na doença interna, a hereditariedade vem da família, do pai para
filho, particularmente no caso do cansaço ou asma.
Todos os informantes associaram a transmissão dos problemas respiratórios
infantis aos aspectos externos ou adquiridos. No caso do cansaço, a transmissão pode ser por
fumaça de cigarro, bebida alcoólica, higiene da casa ou saneamento ambiental por parte da
mãe da criança, como “ter uma casa limpa principalmente se nós tivesse uma área, um povo
que alimpasse o bairro, não traria tanta contaminação” e “fosse mais ou menos ratos, barata,
formiga, mosca, onde aparece todas essas doenças”.
Muitos moradores associam essa forma de transmissão dos problemas
respiratórios infantis do modelo exógeno aos aspectos de dimensões sociais e econômicas,
devido aos baixos salários, e na ausência deles quando desempregados, a ausência de
alimentação e a ausência de ajuda institucional por segmentos sociais e educacionais.
Já no caso da pneumonia, os informantes-chave têm como percepção que ‘a
pneumonia pega’, isto no sentido da hereditariedade, de pai para filho, classificando assim
como um modelo endógeno de transmissão.
5.3.3 Manifestações
A febre/febre normal, estalecido/espirradeira/escorre o nariz, tosse com
catarro/tosse sem catarro, gripe, ‘forgo’ acelerado/respiração difícil/falta de ar/aperto no
peito/aperto na garganta/coração acelerado e chiado no peito. Esses sintomas foram
associados pelas informantes aos problemas respiratórios infantis mais comuns.
166
Uma mãe explicou que percebe quando sua filha está com problema respiratório,
logo no início das manifestações corporais por coincidir com seus problemas respitarórios “no
primeiro dia era febre normal e uma espirradeira direto, porque eu tenho problema de
estalecido, e ela ficou, eu acho, também, aí ela começou a ‘derrama’, derrama no nariz e
começou a febre” (Aline, 23 anos, mãe de Kaline).
O espaço social da criança pode tornar-se restrito ao seu domicílio, quando surgem
as primeiras manifestações de problemas respiratórios. Uma outra mãe, que lida com crianças
de uma creche da Comunidade, descreve que há uma seqüência de manifestações de
problemas respiratórios infantis que pode impossibilitar o acesso da criança à creche, portanto
constituindo uma relação social do problema respiratório infantil com suas manifestações
iniciais, traduzindo-se em restrições de movimento da criança, como a mãe narra: “frieza, a
gente percebe porque na criança é gripe, e aquele problema de ficar escorrendo o nariz,
começa a tossir e, às vezes, tem até febre e a gente não pode ficar com ela aqui, curando aqui,
porque não tem condições” (Sueli, 48 anos, diretora da creche).
Um pai afirmou que a tosse é a primeira manifestação da gripe, por sua vez,
considera-a como primeiro sintoma de um problema respiratório, que segue sucessivos
sintomas, por conseguinte, confirma-se em um quadro de problema respiratório como: há uma
alteração da respiração, ela fica mais rápida e pode até perder o fôlego, que resulta em uma
manifestação mais grave o ‘cansaço’: “tossiu já é a gripe, chegou a tosse, a gripe acompanhou;
aí o cansaço chegou na hora (...) a gripe acompanha. Ela acompanha a gripe, gripou o cansaço
acompanha (...) Acelera mais a, o ‘forgo’, né, o “forgo” fica acelerado, cansado” (Floriano, 30
anos, pai do Vicente).
Para uma outra informante, uma avó que reafirma que a gripe é o sintoma comum
de problema respiratório e o mais grave deles seria também o cansaço: “quando ela começa a
167
gripar, aí ela começa a tossir, aí já começa a cansar, aí fica cansada” (Fabiana, 46 anos, avó de
Viviane).
A descrição do cansaço parte da alteração da respiração como dificuldade em
respirar, relatado por uma mãe:
“Sei logo, a respiração dele fica muito difícil, dificulta muito a respiração dele, começa aí, eu eita! Esse daí vai cansar, aí eu já dou ali, se tiver um lambedor, eu já dou, se tiver uma coisa assim, quando ele começa com a tosse, aquela tosse seca, podes crer que ele vai cansar. Ainda digo assim, esse camarada aí vai amanhecer cansado. É dito e feito, no outro dia ele amanhece cansado, também quando ele começa com a tossezinha dele seca, no outro dia ele amanhece cansado” (Vânia, 24 anos, mãe de Gustavo).
Alguns informantes revelaram que os problemas respiratórios infantis se
manifestam desde a infância como a asma, entretanto a falta de ar é o principal sintoma dessa
manifestação respiratória. Outros informantes associam a falta de ar como um problema
respiratório infantil, independente do tipo da classificação da gravidade do problema, no qual
a emoção ou o medo de morrer ou a sensação de dor poder estar presente pela falta de ar.
Outro signo característico dos problemas respiratórios infantis é a pneumonia, que
se manifesta inicialmente por dores nas costas e, em seguida, desencadeia uma respiração
‘rápida’.
“A dor era tão grande, que ele sentia, chega fazia, respira fundo e rápido, aí assim que eu notei as dores, mandei logo pro médico tirar a dor, disse, tá com uma pneumonia muito grave, operou-se, aí foi pra UTI se operou num dia, quando foi no outro dia morreu (...). Foi o que aconteceu” (Vicência, 53 anos, rezadeira urbana)
O presente estudo se aproxima de outros estudos que relacionam às manifestações
dos problemas respiratórios infantis e à percepção dos familiares das crianças que apresentam
esses problemas. Resultados de outros estudos evidenciam que os familiares das crianças
percebem algumas manifestações dos problemas respiratórios como alteração da respiração
das crianças pequenas, nos quais a percepção da respiração rápida pode ser considerada um
168
prognóstico da pneumonia muito antes de ser percebida pelo profissional do modelo cultural
biomédico (PIO, 1986; LANATA, 2003).
5.3.4 Gravidade
Os informantes relacionam à gravidade dos problemas respiratórios infantis como
bronquite asmática, pneumonia forte, pulmão seco, gripe mal curada; também alguns
informantes os relacionam com problemas cardíacos e até com a morte.
Uma informante relata que o problema respiratório mais grave é a bronquite
asmática “tenho medo de bronquite, bronquite asmática, porque leio muita coisa e bronquite é
uma coisa assim, eu imagino que, se a gente não cuidar, nunca mais a gente vai ficar bom,
né”. (Florinda, 34 anos, mãe do Alex).
Na narrativa de uma das rezadeiras urbanas um dos problemas mais graves em
relação à gripe “mal curada” é a pneumonia que pode levar inclusive à morte da criança e, esta
está associada à falta de cuidado da família junto à criança:
“É uma gripe mal curada, a criança tem uma gripe, você não tem cuidado, dá qualquer remedi. A criança fica boa da gripe, mas deixa que o pulmão tá cheio de coisa, de problema de pus, essas coisas. Aí vem outra gripe, em cima da outra, não trata. Vem outra, pronto naquela outra, a criança já aparece com febre, aparece já com problema de uma dor, a pneumonia dá disso, gripe mal curada” (Vicência, 53 anos, rezadeira urbana).
Uma outra forma grave relatada por esta rezadeira foi propriamente a morte da
criança por conta da pneumonia. Isto pode ser constatada na narrativa. “Ela morre, às vezes, a
criança tá tão doente que até na operação a criança morre porque a pneumonia tem que fazer
operação, que tem que botar aquela drenagem, às vezes pra puxar o sangue, se não levar pro
médico, aí morre mesmo” (Vicência, 53 anos, rezadeira urbana).
169
Outra informante afirma que, segundo o modelo médico, o problema respiratório
infantil mais grave do cansaço é a asma. No entanto, ela relaciona essa gravidade devido ao
uso constante de medicamentos para controlar o cansaço e pode levar os pulmões a perder sua
característica fisiológica do processo respiratório como ela destaca “ficam secos”. Para um
outro informante que sofre de asma desde à infância, a forma mais grave do problema
respiratório refere-se ao problema cardíaco ou circulatório.
A noção de cronicidade dos problemas respiratórios foi evidenciada em alguns
relatos, como de um pai que afirma que toda a vida da pessoa esse problema pode ocorrer,
repercutindo numa atenção tanto por parte da família como dos serviços de saúde oficiais.
Embora, para ele essa cronicidade já seja vista como a própria gravidade do problema
respiratório do filho:
“Não sei a resposta, não é exata, se a medicina não der uma resposta, é claro que a gente vai imaginar que é pro resto da vida né? Quer dizer, se ele passar dez anos sem ter uma gripe, sempre tendo que cuidar com mel, com suco de laranja isso e aquilo outro (...). Lá na frente vai acontecer o mesmo com dez anos, se ele pegar uma gripe, vai voltar novamente, aí o problema” (Floriano, 30 anos, pai de Vicente).
Percebemos nos relatos que a gravidade está visível ao espaço do corpo, como
corpo doente. Segundo o pensamento de Foucault (1998), o corpo humano passou a ser visível
a partir do século XIX, conseqüentemente conseguimos visualizar como formas doentes nos
quais legitimamos o limite do corpo com a morte. Em nossos achados sobre gravidade das
doenças respiratórias podemos perceber que o corpo conduz a um processo seqüencial de
desvelamento do corpo no momento em que novas feições dessas doenças passam a se
manifestar no corpo doente.
170
5.4 Ações no Enfrentamento dos Problemas Respiratórios Infantis
Sabe-se que, em muitas sociedades, as pessoas quando estão doentes ou sofrendo
de algum mal utilizam determinadas medidas terapêuticas que fazem parte do saber popular,
com o propósito de curar e prevenir seus males. Nesse contexto, deve-se levar em
consideração a existência de uma construção social e cultural dos sistemas de saúde em que os
indivíduos interagem entre si (KLEINMAN, 1980).
Portanto, para compreender melhor a relação que se dá entre a Comunidade do
Dendê e o uso de práticas terapêuticas tradicionais populares do setor comunitário em saúde
através do emprego de plantas medicinais, rezadeiras urbanas, preparações caseiras de
remédios, entre outras coisas, dentro do processo de adoecimento das doenças respiratórias
infantis. Consideramos necessário desvelar os sistemas de cuidado com a saúde a partir de sua
construção cultural e social do processo terapêutico das doenças respiratórias infantis.
Os informantes reconhecem que existem várias técnicas terapêuticas, tanto do
setor comunitário como do profissional, indicadas para os problemas respiratórios infantis,
mas para alguns desses problemas eles reconhecem que não têm cura e nem tratamento eficaz,
como no caso do cansaço ou da bronquite asmática. Todos desconhecem um tratamento único
e eficaz para quaisquer que sejam os problemas respiratórios infantis.
Na maior parte das vezes, os moradores buscam o setor comunitário em saúde
para resolver os problemas respiratórios considerados mais simples. Uma informante relatou
que seus filhos, quando crianças, quando adoeciam de gripe, ela não procurava serviço médico
especializado para resolver esse problema aplicava uma técnica terapêutica tradicional como
preparações caseiras de lambedores à base de plantas medicinais:
171
“Quando eles gripavam, eu fazia um lambedor de agrião porque o agrião, ele cura até tuberculoso, aí eu fazia, pegava aquele mói de agrião, botava um pouco de jatobá, aí botava a cebola branca também, botava o agrião pra cozinhar, aí quando ele tava pronto, o mel aí eu botava acolá pra esfriar. Depois eu ia lá, botava num pano, coava, botava num vidro, aí começava dar, aí pronto ficavam bom” (Maria, 47 anos ex-líder comunitária).
No entanto, a técnica terapêutica tradicional como preparações caseiras de
lambedores à base de plantas medicinais só é considerada eficaz quando a criança manifesta
somente um sintoma como a tosse. Quando manifestados outros sintomas concomitantes à
tosse como o cansaço, combinam-se com as técnicas terapêuticas do setor profissional
(serviço médico oficial), alguns informantes classificam esses sintomas como um dos
problemas respiratórios grave:
“Quando eles tão tossindo muito, que não dá pra parar, às vezes, fica cansado, aí vai pro hospital, tomar aerossol, aí eles dão aerossol pras crianças, aí aquela que tá assim mais grave, ela não fica na creche, não tem condição, ela fica o tempo todo tossindo, a gente se preocupa né, mas quando é uma tossezinha que com um melzinho de abelha, um lambedozinho dá pra curar, tudo bem, dá pra ficar na creche. Mas, sendo uma criança que fica todo tempo tossindo, tossindo (...) que a gente vê que num tá certo, aí a mãe tem que ir, a gente vai lá chamar a mãe por telefone, se ela tiver no trabalho, ela vem pegar a criança e leva pro hospital” (Sueli, 48 anos, diretora da creche).
Certos informantes classificaram as práticas terapêuticas de acordo com o nível de
gravidade e o tipo de problema respiratório manifestado na criança. No caso das gripes,
consideradas as mais comuns, geralmente usam técnicas terapêuticas tradicionais do setor
comunitário como soluções caseiras e formas de auto-cuidado. O uso de plantas medicinais
cultivadas em suas casas ou adquiridas na ‘farmácia do mato’ e/ou na feira semanal servem
para preparação dos remédios caseiros (lambedores ou chás), os lambedores ao serem
preparados, costumam ser armazenados em casa por pouco tempo; entretanto, combinam as
técnicas terapêuticas tradicionais às técnicas terapêuticas do setor profissional, como o uso de
medicamentos alopáticos, obtidos, muitas vezes, gratuitamente nos serviços oficiais de saúde,
e que também são armazenados em casa.
Percebemos, em alguns informantes, uma dependência do setor profissional para
resolverem as manifestações dos problemas respiratórios infantis, recorrem imediatamente a
172
esse setor. A situação é evidenciada em sintomas como cansaço, já que, nesse caso, a cura não
é algo visível ou falado: “quando tá em crise de cansaço ou eu procuro o CIES, ou eu procuro
a UNIFOR” (Vânia, 24 anos, mãe de Gustavo). No entanto, outra informante busca o recurso
terapêutico do setor profissional com a finalidade de aliviar tanto a dor como o cansaço, mas
não condiciona uma situação de dependência:
“Foi só o cansaço mesmo, a febre e o cansaço, pois é, febre. E ela chorava muito, parece que ela sentia uma dor. Não, ela não dizia nada, mas eu sentia que era uma dor porque criança quando chora demais tá sentindo alguma coisa, (...) ficou lá quase um mês no Hospital Geral” (Fabiana, 46 anos, avó de Viviane).
Evidenciamos que algumas mães apresentam autonomia em estabelecer diferentes
estratégias terapêuticas para lidar com cada problema respiratório que ocorre em seus filhos,
algumas delas relatam que tratam a gripe de uma forma diferenciada da asma. No caso da
gripe, elas desenvolvem uma autonomia de definir tanto as técnicas terapêuticas tradicionais
como as técnicas terapêuticas do setor profissional a serem empregadas como preparações
caseiras de lambedores à base de plantas medicinais ou o uso de medicamentos alopáticos: “a
gripe, você já faz um lambedor, você elimina com um chá de eucalipto, limão e alho, compra
ali salbutamol, um xarope, sei lá é mais fácil; a asma não, vai à doutora” (Florinda, 34 anos,
mãe do Alex). No caso da asma, percebemos uma dependência do setor profissional, quando
ela se manifesta na criança, elas costumam levá-la ao serviço da saúde local.
Entretanto, evidenciamos em algumas mães que buscam o setor profissional para
resolver os problemas respiratórios do seu filho como um processo terapêutico repetitivo,
segundo a visão delas: “leva ele pro posto, dá amoxicilina a ele e aí ele fica boa (...), resolve
sim. Às vezes, quando ele tá gripada, a doutora manda dar o vidro todinho, enquanto num
acabar não pára de dar e ele fica boa, aí pronto, só quando ele adoece de novo” (Josefa, 27
anos, mãe de Gabriel, o qual morreu de pneumonia).
173
A maior parte das mães faz uma analogia entre a noção de prevenção para os
problemas respiratórios infantis e os seguintes termos das redes semânticas para a prevenção
como: ‘prevenção do câncer’, ‘prevenir pra não ficar doente’, ‘prevenir em relação a tudo se
prevenir pra não faltar o alimento amanhã’, ‘se prevenir pra não ficar doente’ e ‘se prevenir
pra não pegar’.
As ações das mães em relação ao cuidado com os problemas respiratórios infantis
estão ligadas particularmente ao meio ambiente: ‘não ir pro sol, não tomar banho de chuva,
não ir pra quentura’. Especificamente, no caso da gripe, considerada como o caso mais
comum são ‘não ir pro sol, não ir pra chuva, não levar esse mormaço na hora que chove que
levanta um mormaço medonho’.
Os informantes também relacionam a prevenção dos problemas respiratórios
infantis com a restrição de certos comportamentos da criança para evitar a doença. Uma
informante afirma que: “fico falando pra ele não ficar brincando na calçada quente” (Polina,
32 anos, doméstica). Enquanto outra informante argumenta que a prevenção dos problemas
respiratórios ocorre por meio do uso de práticas domésticas como o preparo de lambedor.
Sobretudo, outra agente terapêutica reitera essa ação com medidas profiláticas para evitar
problemas respiratórios específicos como a pneumonia: “na pneumonia é só evitar, e quando a
criança tiver gripada dá um lambedor, dá uma coisa pra puxar o catarro. Não tem problema de
a criança pegar pneumonia” (Vicência, 53 anos, rezadeira urbana).
As mães das crianças da Comunidade do Dendê recorrem a uma complexidade de
estratégias tanto preventivas como terapêuticas em relação às doenças respiratórias infantis,
embora a pobreza esteja rondando sempre as vidas dessas mães e crianças. Além disso,
percebemos que essas mães desenvolveram uma autonomia na escolha do processo
terapêutico das doenças respiratórias infantis, de acordo com o nível de gravidade da doença.
174
De acordo com o modelo de signos, significados e ações proposto por Bibeau
(1992), relacionamos as análises da causalidade contextual e sociocultural das doenças
respiratórias infantis com seus dispositivos patológico estrutural e seus condicionantes
estruturantes. Fatores macrossociais como a pobreza, o ambiente e a formação histórica desse
assentamento foram identificados como condicionantes estruturantes desse modelo. Os
dispositivos patológicos estruturais combinam elementos como a cultura, a condição
socioeconômica, a biologia, a geografia do assentamento, o ambiente que esses moradores
vivem e o impacto da política social e de saúde presente nesse assentamento (Quadro 6).
Quadro 6: Análise das causalidades contextual e sociocultural das doenças respiratórias
infantis
Condicionantes Estruturantes
Pobreza
Ambiente
Dispositivos Patogênicos Estruturais
Biologia Condição Socioeconômica
Geografia Ambiente Política Cultura
Signos:
- Tosse Cheia - Tosse Seca - Falta de Ar - Pulmão - Catarro - Chiado no Peito - Gripe - Cansaço - Pneumonia - Asma - Bronquite
Significados:
- Biológica - Corporal - Comportamental - Emocional
Ações:
- Técnicas Terapêuticas Tradicionais - Técnicas Terapêuticas do Setor Profissional
Formação Histórica
175
Os elementos acima citados constituem o contexto causal das doenças
respiratórias infantis em um assentamento urbano, aplicando como analogia o modelo de
análise do sistema de signos, significados e ações. Além disso, compreendemos que essa
análise está relacionada com a violência estrutural, particularmente a pobreza presente entre os
moradores do assentamento, segundo Paul Farmer (1999) que a pobreza deve ser vista como
um aspecto de constituição dessa violência, devido às desigualdades sociais, particularmente
desigualdades percebidas entre as diferenças de classes sociais, como evidenciado em nosso
estudo.
Outro elemento interpretado neste modelo refere-se à caracterização dos aspectos
culturais e sociais dos moradores do assentamento urbano frente às doenças respiratórias
infantis, que podem ser classificados como heterogêneos. Verificamos a heterogeneidade a
partir da descrição da história cultural e social do assentamento, onde os aspectos podem ser
mobilizados por questões econômicas que desencadeiam uma fragilidade do grupo, resultando
em feições sociais e culturais diversificadas, sendo um dos efeitos visíveis dessa fragilidade as
manifestações dos problemas respiratórios infantis (FARMER, 1999).
A descrição dos comportamentos e ações entre os moradores da Comunidade do
Dendê que interpretaram seus problemas respiratórios infantis envolve um processo com o
próprio paciente, o agente terapêutico ou o profissional e a visão de mundo dentro da cultura
de cada um deles.
O modelo estudado se propôs a realizar uma analogia com o dispositivo
patológico estrutural e os condicionantes estruturantes, que permeiam a cultura estudada e em
todas as sociedades apresentam espaços de fronteiras abertas e porosas, que comunicam e
reproduzem nas concepções patológicas e terapêuticas os fatores macrossociais, bem como
suas concepções cosmológicas e os modos das organizações sociopolíticas da sociedade.
176
Verificamos, no presente estudo, uma influência da pobreza e do ambiente
refletida nos comportamentos e ações dos sujeitos que sofrem os problemas respiratórios na
Comunidade do Dendê, particularmente no sofrer das crianças e de suas mães em seu
cotidiano.
177
CAPÍTULO 6
6 CRIANÇAS E A VIDA NA COMUNIDADE DO DENDÊ
Neste capítulo procuramos analisar o modo cotidiano de viver das crianças como
moradoras da Comunidade do Dendê. O trabalho parte de uma observação direta e
participante na comunidade e das narrativas de alguns moradores que foram selecionados
como informantes-chave.
A Comunidade do Dendê é um lugar muito estudado, sua realidade social,
pobreza, sofrimento, exclusão social, percepção de saúde e de saúde bucal (VERAS et al.,
1989; ANDRADE; CARVALHO; SANTOS, 1992; PORDEUS et al., 1999; DINIZ, 2001;
MOREIRA, 2002; NATIONS; NUTO, 2002). Entretanto, a construção do espaço social da
criança, relacionado às doenças respiratórias infantis, nunca havia sido mencionado em outros
estudos, embora seja apresentado como um problema de saúde comum entre os moradores da
comunidade.
6.1 Um Olhar sobre a Comunidade
Muitas informantes-chave narravam suas histórias enquanto limpavam ou
organizavam suas casas, preparavam seus alimentos ou quando estavam em frente às suas
portas de casas, externando seu cotidiano para as pessoas que passavam pelo local. A partir
dessas histórias, construímos vários recortes seqüenciais de fatos que interligavam ‘ações
178
naturais’ e um sentimento de sobrevivência, como o fato de ‘cuidar da casa’ para preencher o
tempo em suas vidas diárias.
A primeira visão dessa comunidade pobre é a de um amontoado de casas
desiguais, com fachadas coloridas e outras não externamente definidas, que invadem as duas
principais ruas de acesso à comunidade. Vale dizer que uma rua corresponde à entrada para a
comunidade e à outra a saída; seu contorno é definido por vários depósitos de lixo a céu
aberto, jogado pelos próprios moradores, na falta de coletores apropriados. Crianças pequenas
e maiores brincam e jogam futebol entre a sujeira e animais como gatos e cachorros, que se
alimentam do lixo exposto.
Quando caminhamos pelas ruas, observamos esse cenário em algumas ruas
calçadas estreitas, e, às vezes nem há calçadas, caminha-se pela própria rua. A disposição das
casas sempre muito próximas umas das outras, a maioria delas de parede geminada. Tal fato
evidencia a pouca privacidade existente entre as casas, mas permite, nesse sentido, uma vida
em comum e comunitária. Muitos moradores mantêm relações cotidianas, compartilhadas com
os vizinhos. Entretanto, em alguns casos, o compartilhamento torna-se menos visível na área
próxima aos condomínios fechados.
Nas fachadas das casas das ruas principais de acesso à comunidade ou das ruas
próximas, geralmente, encontram-se portas estreitas e janelas, de cores variadas: branco,
vinho, envernizada ou mesmo sem pintura. A porta de entrada na maior parte das casas tem
vista direta para a rua e; portanto, não há muros. Enquanto nas casas em que há jardins, eles
são estreitos e cimentados, decorados com flores coloridas e folhagens colocadas em jarros de
cimento, pintados à cal ou em latas de óleo ou tinta, que servem como jarro. As casas
próximas à Rua do Comércio e aos condomínios fechados apresentam portões de proteção,
enquanto as casas mais distantes, como na Baixada, não dispõem desses recursos.
179
A maioria das moradias é de alvenaria, e muitas moradias que estão localizadas
nas ruas secundárias não têm reboco nem pintura na fachada. Os condomínios próximos são
separados por muros e apresentam entradas únicas. Muitas casas têm piso com cimento
queimado ou apenas terra batida.
Muitas moradias da Baixada são construídas de materiais como taipa, plástico e/ou
papelão, de um só cômodo, comportando mobílias de sala, quarto e cozinha; apresentam ainda
um banheiro localizado na parte externa, precisamente atrás da casa. As moradias são
encontradas em áreas mais baixas da Baixada, comumente construídas como única opção de
moradia daqueles desprovidos de recursos materiais e sociais, com vistas a ter uma fonte de
renda. Ao mesmo tempo, os moradores torcem para que o governo os ajude a sair daquela
condição de moradia e vida, porém, reconhecem que as dificuldades e diferenças sociais
refletem seu poder de reivindicar por direitos como o da moradia adequada, tornando-os
submissos à ajuda externa; esperam que as melhorias surjam de iniciativas governamentais.
Há uma uniformidade na infra-estrutura dos condomínios fechados, bem como das
casas localizadas próximas ao comércio da Comunidade, ou seja, há energia elétrica e
abastecimento de água coletivo, mas sem rede de esgotamento sanitário. A maioria das casas
tem fossa séptica e em outras o esgoto fica a ‘céu aberto’. Há uma desigualdade clara entre as
casas da Baixada e as próximas ao comércio, toda a energia elétrica das casas da Baixada é
clandestina, não há abastecimento de água coletivo e nem rede de esgotamento sanitário. Os
moradores da área buscam água de chafarizes próximos, instalam cisternas ou bombas de água
de procedência inadequada para consumir ou bebê-la. A coleta de lixo passa de duas a três
vezes por semana, na maioria das áreas da Comunidade, porém, na Baixada, esse serviço é
restrito a depósitos localizados em espaços bem definidos e não fazem a coleta individual por
domicílio. No ambiente da Baixada ou nas ruas mais estreitas da Comunidade, percebe-se o
180
mau cheiro constante oriundo dos esgotos, e, em período de chuva, eles extravasam para
outros locais e até para dentro das casas.
A comunidade está, geograficamente, dividida em quatro grandes áreas: Baía,
Baixada, Rocinha e Centro. A divisão segue uma lógica de demarcação de território, segundo
a compreensão institucional da principal e mais antiga associação dos moradores reconhecida
no local. A administração atual propõe descentralizar as ações por meio de um plano
estratégico de ação social para cada uma dessas áreas, baseado na identificação de problemas
sociais mais relevantes da Comunidade. No entanto, os problemas sociais da Baixada são
considerados os mais emergenciais.
Entre os moradores, tal divisão não é percebida. Eles reconhecem que há uma
hierarquia social mais do que geográfica, assim, destacam-se três grandes áreas de grupos
sociais: ‘o povo da baixada’, ‘o povo do bairro’ e ‘o povo dos condomínios’, como se
reproduzissem analogias às classes sociais: baixa, média e alta, respectivamente.
Além da divisão social do espaço da Comunidade, a formação de outras áreas
segue uma ordem de regras sociais estabelecidas pelos próprios moradores. Nos últimos anos,
tal ordem é influenciada pelo aumento do tráfico de drogas e latrocínio que ocorrem no local e
referida por moradores e policiais que trabalham no local. Existem regras a serem seguidas
pelos moradores que são impostas por grupos definidos como gangues, que estabelecem locais
onde os moradores devem circular para que surja uma boa convivência com esses. As novas
áreas são denominadas, segundo as delimitações de espaço onde os membros das gangues
residem, como a ‘rua do gelo’ formada pela ‘gangue da rua do gelo’; a baixada forma a
‘gangue da baixada’; o cantinho do céu forma a ‘gangue do cantinho do céu’; a ‘gangue do
cravo’; a ‘gangue do jucá’ e a ‘gangue do AG’ (Aventureiros do Grafite), assim
sucessivamente.
181
Torna-se visível e evidente que há uma diferença social e geográfica da pobreza
no bairro entre os moradores dos condomínios fechados, moradores da própria Comunidade e
da Baixada, que correspondem a níveis diferenciados de renda e exclusão social. Deve-se ter
em mente, que a pobreza representa um fenômeno decisivo na vida das famílias, mas é,
sobretudo, em decorrência da precariedade da cidadania histórica, que os moradores da
Baixada não tem acesso a certos direitos, como moradia adequada, serviços (abastecimento de
água e energia elétrica) e não está presente o seu poder reivindicatório de bem-estar do ser
humano.
6.2 Qual é o Espaço Social da Criança na Comunidade?
O espaço social da criança é privilegiado na comunidade. A idade das crianças é
um meio de privilegiar o seu status social: o nascimento dela pode resultar em um casamento
formal ou informal entre os membros da Comunidade ou de outros locais fora da comunidade,
mas pode ser sinal de separação e; dá aos pais uma condição de adulto mesmo em se tratando
de adolescentes.
As mães muito jovens são reconhecidas como não preparadas para cuidar dos seus
filhos, geralmente esses cuidados passam para as avós maternas ou paternas. Os filhos são
desejados por seus pais nos contextos em que as uniões são construídas por uma afetividade
entre homem e mulher, dispostos a formarem laços que podem ser formalizados ou não. No
entanto, muitas mães jovens e solteiras assumem a criação de seus filhos sozinhas, sem
qualquer apoio financeiro ou afetivo dos pais das crianças. Elas, sozinhas, buscam a
sobrevivência de sua própria família e constroem valores morais para a educação dos filhos.
182
As crianças costumam nascer em maternidades públicas, localizadas em outros
bairros próximos à Comunidade. No início da década de 1990 existia no local uma casa de
parto, que durante três anos muitos bebês nasceram nessa casa. A criação dessa casa partiu de
uma iniciativa institucional promovida pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com
parceria do governo do estado do Ceará, através de um projeto de extensão universitária,
denominado Programa de Atenção Primária de Saúde – PROAIS (ANDRADE; KISIL;
McAULIFFE, 2003).
O projeto deriva de uma experiência anterior, em 1975, considerada inovadora na
época, realizada em zonas rurais próximas de Fortaleza, desenvolvida pelo Prof. Galba
Araújo, intitulada “Parteiras tradicionais na atenção obstétrica em saúde”, cujo objetivo
visava compreender a concepção das parteiras tradicionais em zonas rurais e associar esse
conhecimento popular ao acadêmico, pela formação dos estudantes de medicina e
enfermagem que adquiriam e trocavam experiências com essas parteiras. No entanto, outra
evidência pode ser destacada dessa experiência refere-se à redução da mortalidade infantil por
meio da participação das parteiras tradicionais no pré-natal da gestante, bem como seu auxílio
em partos normais (ARAUJO et al., 1984).
Posteriormente, o PROAIS foi ampliado, dessa vez, para desenvolver estratégias
de promoção com a participação da comunidade, no cuidado com a saúde, resultando em
ações concretas para melhoria da saúde local. Embora existisse a colaboração técnica dos
profissionais e estudantes de graduação da área da saúde para que se tornassem factíveis a
(VER) essas ações (ANDRADE; KISIL; McAULIFFE, 2003).
Logo, a nova feição do programa estimulava as lideranças locais a uma maior
autonomia em termos de organização e de estrutura. Essa organização foi estabelecida em
administrar as unidades comunitárias baseadas no cuidado em saúde coletiva e individual.
Contudo, sua administração e manutenção financeira da propriedade e do pessoal da unidade
183
estavam nas mãos destes líderes locais. Por sua vez, exigia uma organização mais formal da
comunidade, através do seu registro junto ao Instituto Nacional da Segurança Social para que
fosse efetivamente institucionalizada e assim pudessem garantir o recebimento do auxílio
médico bem como fornecer os salários das parteiras e a compra de materiais e alimentos para
a unidade de saúde (ANDRADE; KISIL; McAULIFFE, 2003).
As ações do PROAIS foram ampliadas para todos os níveis em saúde,
particularmente na saúde infantil, além disso, foram incluídas outras instituições não
governamentais e até internacionais, como a Fundação Kellog (ANDRADE; KISIL;
McAULIFFE, 2003).
No Ceará, em 1990, havia trinta e três centros de nascimentos intitulados como
‘casa de parto’ e mais de 560 parteiras tradicionais foram treinadas com o auxílio desse
programa. Um dos locais de ocorrência desse treinamento foi a Comunidade do Dendê
(ANDRADE; KISIL; McAULIFFE, 2003).
“Aí fui escolhida, fiquei como a maior parteira que tinha aqui, era eu (risos) (...). Nós tivemos cinco dias de treinamento logo aí, cinco dias de treinamento na Lagoa Redonda, cinco dias no Tancredo Neves. Aí nós tivemos de seis em seis meses, nós temos treinamento, renovar o nosso treinamento sabe, com a Dra. Norma. Aí pronto, nós ficamos empregada. Passamos oito anos como empregada. Só o salário, não tinha férias, não tinha nada. Aí nós queremos qualquer coisinha. Aí quando nós saímos não tinha nada” (Joana, 74 anos, parteira).
Nesse local, realizavam-se o pré-natal das gestantes moradoras da Comunidade e
os partos normais. Trabalhavam doze parteiras na casa, oriundas do próprio bairro, muitas
delas já eram antigas parteiras, foram capacitadas por meio de um curso com duração de seis
meses para que pudessem desenvolver suas atividades na casa de parto. Elas mesmas faziam o
controle das gestantes que moravam na área sob a supervisão de uma enfermeira servidora do
estado. Segundo relatos de algumas parteiras, foram contratadas temporariamente pelo estado
por serviço prestado.
184
Atualmente, funciona no local uma creche comunitária vinculada à associação de
moradores e um Centro de Iniciação Profissional (CIP), vinculado ao governo estadual e ainda
são desenvolvidos outros projetos junto ao governo federal (o Comunidade Solidária).
Diante desses fatos, Freedheim (1993) lembra que até 1986, o estado do Ceará foi
governado por Coronéis (a elite rural que dominou a política do estado), essa interferência
política, que existia em todos os níveis, influenciou toda a população. O autor ainda ressalta
que os serviços de saúde eram considerados uma das ferramentas políticas das mais usadas
para influenciar a população. Portanto, as mudanças estruturais que permitissem a participação
da comunidade no nível local de saúde foram vistas por muitos líderes comunitários, como sua
sustentação política, porque forneciam o cuidado com a saúde aos indivíduos ‘selecionados’.
Reforçando assim um sistema de ‘patrão-cliente’, mantido pela própria população, que sempre
foi usada/estimulada/acostumada a esperar ajuda.
Apesar dessa ideologia do sistema ‘patrão-cliente’ estar ainda presente em muitas
atitudes dos moradores da Comunidade, em alguns locais, esse sistema de gerenciamento para
o cuidado com a saúde da Comunidade provou ser uma estratégia eficaz, particularmente no
sentido de baixar os custos operacionais comparando-os aos serviços de saúde formais.
No entanto, podemos somar a isso, que em 1986, o estado do Ceará iniciou uma
reforma política da saúde incrementando o processo de municipalização, em que no ano de
1989, dos 184 municípios foram municipalizados 120. Conseqüentemente, a política de saúde
do estado tomou novos rumos, nos quais a iniciativa da participação da comunidade foi
reprimida, por exemplo, evidenciamos na visão de alguns dirigentes da associação de
moradores uma repercussão da ruptura e repressão percebidas como uma ação inoperante da
diretoria.
Um dos espaços formais de educação infantil que privilegiam as crianças são as
creches. Há duas creches no local, uma é do setor privado e a outra é vinculada à associação
185
de moradores e que atende a mais de cem (100) crianças com idade entre dois e seis anos. A
maior demanda das crianças procede da área mais pobre da comunidade, a Baixada. A creche
da associação, conforme a diretoria afirma, depende de recursos do estado, cujos gastos
integrais destinam as necessidades mais imediatas como manutenção. A dirigente da creche
lembra que “o recurso é do Estado (R$ 5.300,00), destinado ao pagamento do pessoal (11
funcionários), à compra de material didático, alimentação e ao pagamento dos encargos
sociais”.
Há um número maior de crianças pequenas que precisam desse tipo de assistência
e, muitas vezes, elas ultrapassam o número de inscritos no programa da creche. A dirigente da
creche em relação a isso informa que: “inscrevem-se cento e vinte crianças e sempre tem a
mais, sempre tem criança a mais porque vem uma mãe e diz ‘eu quero que você coloque
minha filha, se você puder’, e outras chegam a chorar, não têm com quem deixar a criança,
tem que acolher essas crianças pra mãe poder ir trabalhar”.
Nos finais de semana, o espaço físico da creche é cedido a um grupo da igreja
católica que desenvolve diversas atividades por meio de dinâmicas de grupo e alfabetização
das crianças da igreja pentecostal histórico (assembléia de deus), entretanto procuram
envolver as crianças da Baixada (STEFANO, 2007). Ainda é organizada uma feira de
artesanato em frente à creche por algumas pessoas da própria comunidade. Além disso, são
desenvolvidas atividades musicais como grupos de pagode e atividades esportivas (futebol e
capoeira).
Para alguns funcionários da creche da associação, os comportamentos das crianças
que freqüentam a creche são variados, algumas são reconhecidas como ‘pouquinho
agressivas’, devido às desestruturas familiares e sociais dos pais, por serem separados,
alcoólatras ou por falta de recursos financeiros para manter a casa.
186
Por outro lado, o espaço da outra creche não foi explorado por caracterizar-se
como um serviço privado e está localizado ‘fora’ da comunidade. Essa creche é apoiada pela
Escola de Magistratura do Estado do Ceará e atende aos filhos de funcionários, juízes e
advogados do setor de magistratura do Estado. O Fórum da cidade localiza-se próximo à
Comunidade e a essa área da creche.
Quando voltamos nosso olhar para a criança do Dendê, por exemplo, vemos que o
cuidado com a criança toma a maior parte do tempo das mães que ficam em suas casas ou de
suas avós paternas ou maternas. Há casos em que a mãe tem que trabalhar fora de casa, por
conseguinte, a avó assume o papel de cuidar da criança, como o de levar o(a) neto(a) à creche
e outras necessidades básicas, como preparo da alimentação. As crianças maiores ou
adolescentes passam a cuidar também das menores. Enquanto outras crianças são levadas por
suas próprias mães aos seus locais de trabalho, haja vista algumas mães manifestarem a
sensação de medo da comunidade quanto às agressões e brigas dos membros da própria
comunidade e por perceberem uma rivalidade entre grupos mais jovens.
Tanto as crianças pequenas andam pelo chão, descalças e sem roupas como as
maiores que já andam ou se arrastam pelo chão ou engatinham em suas casas e/ou jardins.
Percebemos que as crianças circulam livremente por todos os espaços da casa, sem controle
das mães e parentes. Por sua vez, esses não demonstram que exista algum ambiente impróprio
ou arriscado dentro de casa para as crianças, elas podem brincar na cozinha, juntas ao fogão
onde suas mães e parentes estão preparando alimentos para toda a família.
Os filhos pequenos costumam dormir com as mães, quando não têm berço. E os
maiores dormem em redes ou camas que dividem com outros irmãos, em algumas casas, os
cômodos para dormir são salas ou cozinhas.
187
Quanto aos cuidados dos filhos, a tarefa é dividida entre a mãe e/ou a avó quando
moram na mesma casa, essa, em muitos casos, é a provedora dos bens da família. Percebemos
que a participação do pai no cuidado com as crianças é muito incipiente na comunidade.
Para alguns moradores, a distribuição geográfica das moradias na comunidade
pode repercutir em maneiras diferentes de organizar o cuidado com as crianças por parte das
mães, alguns moradores que moram fora da Baixada afirmam que as mães das crianças que
moram na Baixada não apresentam uma organização no cuidado com as crianças como: “é
muito dentro da água, num tem como manter a casa assim, bem sequinha, limpa”; enquanto os
mesmos moradores frente às mães que moram em áreas de melhores condições de moradia,
‘no seco’, as casas são organizadas e associam o ambiente ao cuidado com as crianças, como a
mãe “tem bom gosto de cuidar”.
Ao percorrermos algumas casas, percebemos ausência ou insuficiência de
alimentos. Por exemplo, no início da manhã, em algumas casas nas quais as crianças não
saíam, o alimento oferecido era somente um mingau de farinha de mandioca ou café puro, às
vezes, às dez horas da manhã, como primeira refeição do dia. Em outras moradias, no horário
do almoço, eram oferecidos biscoitos industrializados, não havendo nenhuma movimentação
para preparos de alimentos. Por outro lado, as crianças da creche garantem “uma alimentação
diária regular”, segundo a visão de muitas mães e avós de filhos e netos que freqüentam a
creche.
Os espaços de lazer para as crianças praticamente inexistem na comunidade,
alguns pais até se disponibilizam em sair nos finais de semana com seus filhos e não saem
mais por falta de recursos financeiros. Os pais limitam-se em levar os filhos, a pé, para tomar
banho no rio Cocó, local desprovido de qualquer dispositivo de segurança para as crianças
como existência de guarda-vidas no local. Outros locais de lazer, considerados pelas pessoas
da comunidade como não apropriados para as crianças são os bares locais, levados pelos
188
próprios pais, alguns informantes comentam: “no domingo, o lazer dessas crianças é o rio
Cocó, a criança se arrisca a ir”, “o lazer do pai é um bar ou um campo de futebol, é uma
cerveja. É isso, não tem um lazer apropriado para as crianças”.
Alguns aspectos do cotidiano e da atividade lúdica das crianças moradoras da
comunidade foram analisados como as rotinas e o brincar das crianças que estão
intrinsecamente ligadas às brincadeiras simbólicas e improvisadas, por exemplo, a mãe está na
cozinha preparando alimentos e a criança está no chão brincando com utensílios da cozinha
como panelas. Os jogos são freqüentes na vida das crianças como o tempo programado na
escola para o futebol ou a capoeira.
Os estudos de Nunes (2002) compreendem melhor a relação da criança e os vários
grupos sociais com o lúdico, cujos resultados desses estudos indicam que o caráter lúdico age
nas mais variadas circunstâncias da vida da criança. Consideramos os jogos como uma espécie
de denominador comum às crianças de todas as sociedades, manifestando universalidade por
meio de infinitas peculiaridades, que realizam e concretizam em sua essência singular e
sociocultural de cada um dos grupos sociais.
A liberdade nas brincadeiras das crianças é modificada de acordo com o espaço
social; quando as crianças estão em casa, percebe-se maior liberdade para brincar, primeiro
elas exploram todos os espaços da casa, sem delimitar um espaço único para brincar; em
seguida, pode-se constatar que o tempo não é estabelecido para brincar. Por outro lado, na
creche ou escola, perde-se tal liberdade, que é, principalmente, delimitada pelo tempo dado
pela rotina da creche, por exemplo:
“Começa quando ela entra, tem uma brincadeirinha ao receber a criança, a menina brinca, vai faz uma brincadeira com a criança, depois a gente, aquela criança que não vem banhada, a gente vai dar banho. Aí, 8 horas, começa a merenda, depois vai ter a brincadeira de rodinha, conversa, aí começa a atividade, por escrita, é brincadeira de música, é esse tipo de coisa. Tem que ter quatro atividades por escrita, duas pela manhã, fora as brincadeirinhas que têm
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roda, conversa, porque tem que ter essa conversa com as crianças” (Sueli, 48 anos, diretora da creche).
Quanto à temporalidade das brincadeiras das crianças que moram na comunidade,
é referido também um caráter sazonal. Nos meses de setembro e outubro, as crianças maiores
entre 8 e 11 anos brincam de peão em suas próprias casas, nas calçadas ou nas ruas próximas
as suas casas; podem estar sozinhas ou acompanhadas por outras crianças maiores. Mas, as
brincadeiras são vigiadas por suas mães ou avós, bem como o tempo de brincar é determinado,
muitas crianças não brincam durante a noite nas ruas porque seus responsáveis dizem que não
é permitido brincar lá. Segundo eles, “as ruas são perigosas para crianças”.
Os espaços para as brincadeiras das crianças podem ser suas próprias casas,
especificamente para as crianças que ainda não andam ou são muito pequenas. A creche
destina-se às crianças entre 2 e 6 anos, para aquelas famílias cujas mães trabalham fora ou
para famílias mais pobres da comunidade localizadas na Baixada. Entretanto, há muitas
famílias pobres que não conseguem matricular suas crianças na creche, as crianças ficam em
casa com algum membro da família, responsável em cuidar das mesmas.
As brincadeiras podem ser estabelecidas pelo sexo da criança, as meninas brincam
de bonecas de plástico como garrafas pet. Enquanto os meninos brincam de bolas, carros e
bonecos feitos de material de plástico das mesmas garrafas. As meninas são as que mais
ajudam nos afazeres de casa, elas cuidam do irmão mais novo, lavam louças e roupas da casa
ou até limpam toda a casa, com isso, deslocam-se para atividades que não são as brincadeiras
das meninas.
Enquanto outras brincadeiras desafiam o próprio corpo da criança. Sabe-se que o
corpo da criança está em constante desenvolvimento e movimento, mas elas vivem motivadas
por emoções e desafios como pular de locais mais altos que a altura do seu próprio corpo. Por
exemplo, em suas casas, as crianças costumam armar redes de dormir acima da cama dos pais
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e em uma altura que não alcançam subir e, com a ajuda de outros irmãos ou amigos vizinhos,
pulam para a cama ou para o chão. Mas, não percebem que essas brincadeiras podem provocar
conseqüências negativas como cair e machucar-se.
“Criança começou a brincar e tinha uma armadozinho de rede e pulou da cama pra segurar no armador, brincadeira de criança, não conseguiu pegar com a mão, mas de cima que ela veio e aconteceu um acidente com ela, que o beiçozinho dela entrou no armador, arrebentou a pele até o nariz dela, ficou aquele pedaço de beiço aqui pra cima, tava brincando como o menino ali no meio da rua” (Floriano, 30 anos, pai do Vicente).
As crianças que participam da capoeira apresentam uma disciplina corporal e
comportamental durante as aulas e no seu cotidiano da escola.
Percebemos a existência de uma violência intra-domiciliar entre os membros da
família como agressões ou insultos entre casais (homem e mulher), especificamente quando o
homem ou mulher são alcoólatras, em situações como na relação entre mãe e filho, quando a
criança é pequena e fez alguma mal-criação como quebrar algo doméstico, dá-lhe uma surra
ou grita com a criança, quando o filho envolve-se com drogas pode ocorrer algum tipo de
agressão física também.
Os pais costumam se orgulhar dos filhos que gostam de estudar, são quietos não se
envolvem com grupos, como as gangues do tráfico de drogas. Mas é sinal de decepção e
fracasso na criação quando o filho se envolve com o problema do tráfico de drogas. Segundo a
visão de alguns moradores que conhecem ou têm alguém da família envolvido com o tráfico
de drogas, afirmam que as crianças que se envolvem, começam como ‘avião’ e em torno dos
12 anos podem estar viciadas, por conseguinte, passam a traficar drogas ou a praticar furtos ou
assaltar os moradores dos condomínios. Alguns usam estratégias para abordar os moradores.
Polina relata que tem “criança drogada... passo pelo meio deles drogados, às vezes, armados,
converso com eles, mas eu tenho medo sabe, de demonstrar que eu tô com medo”.
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Alguns moradores buscam aproximação no sentido da boa vizinhança pelas trocas
e ajudas: “pego amizade com eles, se me pedem um real se eu tiver te dou, uns dizem assim,
eu tô com fome, me dá pra comprar comida, mas sei que vai ser pra loló, pro cigarro de
maconha”.
De acordo com a diretora da creche, algumas crianças quando saem da creche se
envolvem com o tráfico de drogas; comentou o fato com muita emoção, o narrou chorando.
Ao mesmo tempo, manifesta-se um sentimento não visível de derrota quando diz: “aqui na
comunidade, já vi, é uma pena, porque quando você luta pelas crianças, que você vê cheirando
cola, que você vê ela roubando, você sente como se fosse seu filho”. A diretora busca uma
aproximação tanto com as famílias como com as crianças e ela afirma: "ah tia, isso é coisa da
vida aquilo dói porque você lutou, você deu banho e quando chega na idade de 12 anos,
vivendo na droga”. São crianças que passam para adolescência sem um apóio da família e até
incentivadas pela própria família no tráfico por deixarem suas crianças ‘perambulando’ pelas
ruas da Comunidade.
Consideramos para essa discussão o conceito sociológico de família como um
grupo de pessoas que podem estar unidas pelo casamento, laço sanguíneo, ou por adoção,
podendo constituir de uma família simples, ou mais grupos, interagindo com cada um de seus
membros, construindo suas regras ou mantendo uma cultura comum (BURGESS; LOCKE;
THOMES, 1971). Constatamos, assim, no espaço familiar, um ambiente de socialização da
criança, mas que pode ocorrer em outros ambientes institucionalizados como a creche, e em
ambas as situações, evidencia-se a presença de adultos, particularmente na presença da mãe
que a auxilia em seu processo de aprendizagem e socialização (MAYALL, 1996).
O presente estudo verificou uma satisfação das mulheres em serem mães, embora,
muitas vezes, essa decisão não ocorresse de forma socialmente organizada, a maternidade
surgia de uma gravidez não planejada, ou pensá-la numa condição de pobreza? A satisfação
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aparece também em um estudo que compara mães pobres e mães de classe média em bairros
de ocupação irregular de Porto Alegre, verificou-se que essas mães pensam semelhantes
quanto à maternidade, sentem-se satisfeitas (LORDELO; FONSECA; ARAÚJO, 2000).
Descrevemos várias atividades desenvolvidas pela mãe desde o cuidar e preparar a
alimentação da criança, mas existia a presença paterna, embora não fossem percebidas suas
atividades dentro da rotina da casa. As evidências se aproximam das verificadas em um outro
estudo, que revelou que a presença da autoridade paterna, mas as atividades maternas são mais
significativas entre as famílias no subúrbio de Detroit, classificada como família
‘matricêntrica’ (BLOOD; WOLFE, 1960, p. 36).
Outra evidência do estudo refere-se à situação das ações de saúde infantil no
nascimento das crianças em períodos diferentes. Verificamos uma mudança de mentalidade e
até um sentimento de incapacidade dos moradores da comunidade, como se fossem
responsáveis pelas mudanças estruturais e da ruptura. Isso ocorreu em momentos históricos
como a dissolução de iniciativas para o desenvolvimento da comunidade como o projeto de
estímulo à autonomia do grupo pelas escolhas de serviços da saúde como a implantação da
casa de parto.
Segundo a visão dos moradores, eles sentem-se culpados pela não continuidade do
programa. Por outro lado, verificou-se uma apropriação do Estado em prol das mudanças tanto
econômicas como políticas de saúde, promovendo o ‘cumprimento constitucional’ da
municipalização da saúde, não valorizando as ações que já estavam ocorrendo nas
comunidades locais.
193
6.3 A História de um Assentamento Urbano
A área onde teve início o assentamento urbano era conhecida como “Dendê”,
alguns moradores mais antigos relacionam o nome Dendê à existência no local de algumas
palmeiras que lembram a palmeira de Dendê, localizada próxima à primeira igreja católica do
bairro. As palmeiras de Dendê, identificadas durante o estudo, não são nativas, foram
cultivadas em vários locais da Comunidade e plantadas pelo próprio fundador da universidade
privada localizada próxima ao local.
A área era também conhecida como bairro Água Fria, e atualmente bairro Edson
Queiroz. Alguns moradores mais antigos lembram dessas mudanças de denominações “aqui,
antigamente, era Dendê, de Dendê passou pra Água Fria, da Água Fria passou pra Edson
Queiroz”.
Soraia relata como uma das moradoras mais antigas do bairro: “nasci no bairro”. É
uma mulher branca de 44 anos, sempre falante e simpática, que poucas vezes sentou-se para
conversar, enquanto andava por toda a casa para organizá-la, além de estar sempre atenta ao
filho pequeno, com quase dois anos de idade, diz que se casou depois dos quarenta anos e
desde quando o filho nasceu, não trabalhou mais. “Eu casei, engravidei, saí do trabalho e tô só
cuidando desse pequeninho aqui e também tenho que dar banho na minha mãe”. Mora com
sua mãe, segundo ela, é “safenada”. Mora ainda com um irmão, cunhada e sobrinhos. O irmão
trabalha na universidade privada localizada próxima a sua moradia.
Sua casa está localizada na área dos sítios, considerado o local mais antigo do
bairro, tem um terreno ao redor da sua casa bastante amplo, inclusive em anos anteriores
funcionava uma vacaria. Conforme observações a casa não tinha estrutura bem conservada,
tinham poucos eletrodomésticos e móveis.
194
Tem dez irmãos, o mais velho tem uns cinqüenta e poucos anos. Todos foram
alfabetizados com formação de nível superior. Antes de morarem no bairro moravam no
Icaraí, região metropolitana de Fortaleza. A família ainda tem um terreno no Icaraí. Ela
recorda que não existiam casas no local. O seu pai é falecido há 21 anos e quando morreu
tinha 75 anos. Lembra dele como um dos primeiros moradores do bairro e das dificuldades de
deslocamento tanto para sair como chegar a sua casa, e ainda recorda da ausência de
transporte público no local.
“Ele que saiu abrindo essas varedazinhas porque ele foi praticamente um dos primeiros moradores daqui (...). Então, ali na favela, que é a rua principal do asfalto, antigamente eu ia tomar o ônibus lá pra estudar, peguei o ônibus ali no Iguatemi. Naquela curva ali do Iguatemi pra vir pra cá” (Soraia, 44 anos, moradora antiga).
Na época em que Soraia nasceu, no início da década de 1960, o bairro começava a
ser habitado e dividido por proprietários com poder aquisitivo mais elevado, que adquiriram
terrenos e formavam pequenos sítios para investimento e lazer familiar.
Outras casas foram construídas como a casa da Diana, que mora há mais de
quarenta anos no bairro. O terreno pequeno foi comprado por seu marido, em 1962, morava
antes na Cidade dos Funcionários, bairro próximo ao local. Diana é viúva e tem
aproximadamente 64 anos. Teve seis filhos, sendo quatro mulheres e dois homens, tem ainda
dezesseis netos. Uma das filhas morreu de desidratação aos oito meses de idade, lembra que a
menina nasceu de parto cesáreo. Dois filhos moram no quintal de sua casa e uma das filhas e
duas netas moram com ela na mesma casa. Muitas vezes ela cuida das netas, leva e trás da
escola as netas, porque sua filha trabalha fora, é um serviço autônomo, trabalha como
depiladora, vai aos condomínios do bairro ou às residências de bairros próximos da
Comunidade.
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O corpo de Diana é franzino, sua pele é enrugada e de cabelos grisalhos, costuma
apoiar suas mãos no joelho quando senta. Fala com uma voz muito mansa e baixa. Trabalha
como diarista há 30 anos na mesma residência.
Mudou para o bairro quando seus filhos ainda eram crianças. Construiu sua casa
com paredes de barro e a primeira atitude que teve ao mudar para o local foi construir uma
cacimba. Ela diz que “a água era boa do local, a gente pegava um balde e tirava a água não
tinha esse negócio”.
Na cidade de Fortaleza, o lençol freático é muito superficial, conseqüentemente a
contaminação das águas por agentes biológicos como bactérias ou parasitas é constante.
Quando ela se refere a ‘esse negócio’, reporta-se à contaminação por microrganismos. Mas, a
construção da cacimba conduz recordações tristes, um de seus filhos caiu na cacimba. Ele
tinha uns três anos, diz ela “foi o maior sufoco”; estava grávida de oito meses de uma menina,
que chegou a falecer com oito meses após o nascimento, enquanto o menino sobreviveu ao
triste episódio. Relata que seus filhos viviam com saúde, “era muito difícil eu levar um filho
para o hospital”.
Os primeiros moradores migraram de outros assentamentos da cidade de Fortaleza
como: Verdes Mares, Praia de Futuro e Dunas; ou de outros bairros: Aldeota, Varjota, Cidade
dos Funcionários, Meireles e Papicu; ou de outras cidades do Ceará e; até de outros estados:
Maranhão, Rio Grande do Norte e Paraíba. Os locais iniciais habitados por esses primeiros
moradores foram os espaços entre os sítios e a universidade privada. Oficialmente essa área
não havia estabelecido nenhuma posse de terra e correspondia à área central da Comunidade.
Entre os anos de 1980 e 1990, foram realizados cadastramentos dos moradores para
reconhecer a extensão do assentamento na área e caracterizar os moradores, o cadastro foi
feito pela Secretaria da Assistência Social do estado do Ceará. No local, já moravam pessoas
196
proprietárias de sítios e os proprietários informaram que existia um dono de toda a área, bem
antes dos assentamentos, eles foram os primeiros a abrir ruas para permitir o tráfego local.
O caso de Juca ajuda a compreender esse processo migratório para os
assentamentos urbanos. Ele é natural da cidade de Sobral, chegou a Fortaleza em 1953 e foi
morar com a irmã, imediatamente procurando trabalho para fazer. Começou a trabalhar como
engraxate de casa em casa. Ao mesmo tempo, estudava canto e inscrevia-se em programas de
calouros existentes naquela época em Fortaleza, cantava também em casas de shows.
Mora em Fortaleza há 30 anos, onde primeiro morou em um terreno na Avenida
Santos Dumont, próximo a um dos conjuntos habitacionais mais antigos de Fortaleza, Cidade
2000, construído na década de 1970. Saiu de lá devido ao projeto de urbanização e construção
da referida Avenida e descobriu, por conhecidos, que a área estava em expansão; resolvendo
mudar para cá com alguns vizinhos, há aproximadamente 17 anos atrás. Juca é um homem
negro de 64 anos. Tem corpo muito forte e musculoso. Fala de modo sereno, comunicativo e
simpático. Estudou em escola presbiteriana e católica, lê e escreve muito pouco e não concluiu
seus estudos. É compositor e músico, seu estilo é regional, na hora de escrever as letras das
músicas pedia ajuda a um companheiro que já faleceu. Casou duas vezes, atualmente vive
com a segunda esposa, teve três filhos, todos já são adultos e trabalham. Ele foi o primeiro a
montar uma rádio comunitária com o intuito de ajudar as pessoas sem recursos a bancar
despesas, tais como: pagamento de enterros de crianças muito pobres que moravam na
comunidade:
“Eu fiz uma viagem aqui pro lado de Baturité, foi que eu vi lá umas ‘radiadoras’ no ferro alto e um velho que já morreu por nome Moreira. E todos os anúncios tinha nessa ‘radiadora’, e nós não. E eu, até pra botar um anunciozinho, (...), aí eu pesquisei e vi que se eu trouxesse pra cá, era melhor procurar ajudar qualquer pessoa, porque era aqui na minha ‘radiadora’ a donde nós tirava dinheiro pra enterrar as pessoas, porque nesse tempo a situação financeira dos políticos tava grande e num tinha esse ajudo. Aqui com essa ‘radiadora’ foi que eu tirava, um menino se perdia, uma criança se perdia, uma pessoa tava em situação financeira, nós mesmo não pedia o governo, ia
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logo era com a ‘radiadora’ e todo mundo dava e daí nós fomos” (Juca, ex-líder comunitário, 64 anos).
Segundo ele, vieram aproximadamente umas 120 famílias: “viemos todos pra cá,
fiquei aqui sendo a pessoa de frente, me esforçando, conversando e formando uma reunião
comunitária e aí começou essa”. Imediatamente buscou organizar a Comunidade no que se
refere à infra-estrutura através da ajuda de políticos que favoreceram alguns aspectos
estruturais como: energia elétrica. Responsabilizou-se pela colocação das placas de toda a
Comunidade e definiu o nome das principais ruas: “botava umas placazinhas na rua e botava
os nomes”. Recorda também que nenhuma das casas tem escritura.
Os primeiros a chegaram ao local começaram o fluxo de ocupação, a partir de
terrenos localizados próximos à Rua Central, ou seja, a Rua do Comércio, que liga a entrada
da Comunidade até a igreja de São José, final da Comunidade, conhecido como Dendê. Nessa
divisa, ruas e ruelas foram abertas pelos próprios moradores que chegaram posteriormente. A
escolha dos nomes das ruas foi realizada pelos primeiros moradores, nasceu então a Rua do
Comércio: “eu mesmo botei, porque aqui é onde têm os comércios, aonde vamos fazer os
boteco e tudo” (Juca, ex-líder comunitário, 64 anos); a Rua Otávio Rocha: “morava um rapaz
por nome Otávio nesta rua” (Juca, ex-líder comunitário, 64 anos); Rua Lucas Francisco
Antônio; Rua do Contorno (oficialmente Will Morais); Rua Roberto Silva; Rua Ubaitaba;
travessa Cantoneide; Rua Cantoneide; travessa Muritiba.
Um dos casos que promoveu mudanças estruturais na comunidade foi o de Maria,
natural de Ipueiras, 47 anos. Ela veio morar no bairro, em 1975, depois que se separou do
marido. Pensou em morar em Brasília, mas o dinheiro não dava para as despesas dos filhos.
Então ficou na Comunidade e criou os quatro filhos sem nenhuma ajuda do ex-marido.
Estudou até o início do ensino médio e boa parte de sua vida trabalhou como doméstica.
Contava que os filhos estudassem, mas a dificuldade financeira da família favoreceu que eles
procurassem logo alguma forma de trabalho antes que concluíssem os estudos. Um dos filhos
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foi morar no Rio de Janeiro. Maria tem voz firme e sua conversa parece mais um estilo de
discurso, gesticula muito quando fala.
Sua casa foi reconstruída, tem cinco cômodos, antes era de taipa e possuía apenas
um cômodo, onde morava com os quatro filhos pequenos. Hoje, todos os seus filhos estão
crescidos e casados, segundo ela: “eles têm sua própria casa”. Embora todos morem próximos,
em terrenos de mutirão. Uma de suas filhas é casada e passa todo o dia com o filho em sua
casa, seu neto apresenta um problema visual. Quando chega a noite, a filha retorna para sua
residência construída em um mutirão próximo. Todos os mutirões próximos da comunidade
foram incentivados por Maria e as casas de seus filhos foram construídas por meio de mutirão.
Ela é tomada por certo ressentimento de alguns moradores da Comunidade, desde
que foi eleita como a primeira líder comunitária, em 1977, sempre esteve envolvida em
atividades voltada para as melhorias da Comunidade, atualmente dedica-se a um projeto de
segurança para a Comunidade em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública do estado
do Ceará, é membro do Conselho Comunitário do bairro.
“Em 77, aí a gente já criou a Associação. Ela foi legalizada mesmo em 83, mas já existia a Associação, o espaço e tudo, num sabe? E em 83, foi que ela foi legalizada, acho que foi nessa faixa aí que ela foi legalizada, me lembro que quando a gente terminou, não foi, porque em 81 foi a Federação depois foi que a gente legalizou, mas já existia uma organização muito forte, muito participativa, muito positiva, num sabe? Era uma organização muito grande que a gente tinha aqui” (Maria, 47 anos, ex-líder comunitária).
A Rua do Comércio é a mais importante e freqüentada da Comunidade.
Praticamente corta toda a Comunidade do Dendê, a qual divide-se em dois mundos totalmente
diferentes. De um lado estão os pobres que chegam até a Baixada, reconhecida como a favela
do bairro, e do outro estão os ricos, representados pelos condomínios fechados de
apartamentos e de casas. Essas construções são uma das mais recentes propostas inovadoras e
em expansão do setor imobiliário em Fortaleza. A Avenida Contorno faz limite com a entrada
do bairro e fronteira com o muro da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), situada em uma
199
estrutura do antigo Núcleo de Assistência de Medicina Integrada (NAMI). Os moradores
procuram normalmente essa unidade de saúde, embora a considerem carente quanto aos
serviços de emergência.
O centro que move a economia local é representado pela Rua do Comércio, onde
estão localizados os principais mercadinhos, mercearias, bares e botecos, frigorífico, farmácia,
a rádio comunitária mais antiga da Comunidade, protético e lojas de móveis.
Quanto aos moradores mais antigos, muitos deles residem à Rua do Comércio ou
em suas proximidades, outros moravam em sítios, os que chegaram depois, passaram a residir
em ruas estreitas ou nos becos. Outros espaços são ocupados por condomínios fechados de
apartamentos e de casas para as pessoas de poder aquisitivo mais elevado. Nas narrativas dos
moradores, eles enfatizam que as pessoas residentes nos apartamentos, muitos são professores,
funcionários e alunos da referida universidade situada na vizinhança.
As evidências refletem as sociedades modernas, as diferenças entre ricos e pobres
têm gradativamente cedido lugar às formas mais sutis de desigualdades. Nessas sociedades,
independente do nível de desenvolvimento, as desigualdades passam a assumir a forma de
diferenciais entre indivíduos situados em distintas posições na organização social
(WILKINSON, 1996; NUNES et al., 2001).
Atualmente, espaços disponíveis, como os terrenos particulares e desabitados, são
invadidos por famílias sem moradias ou, em algum momento, já tiveram moradia própria e
perderam por vários motivos como: vender o próprio imóvel. Uma das áreas mais impróprias
para construir moradias é a Baixada, classificada como área de preservação permanente - área
de manguezal.
A Comunidade exprime uma arquitetura bastante peculiar, além de ser visível, a
segregação social entre ‘ricos’, ‘pobres’ e ‘mais pobres’. Aqueles em melhores condições
200
econômicas vivem em casas de alvenaria e em sua maioria apresentam mais de dois ou três
cômodos (sala, quarto, cozinha e banheiro). Enquanto outros vivem em condições de vida
insalubres como suas construções de moradias em terrenos inadequados, como alguns
moradores narram: ‘vivo na lama’ ou ‘moro em terreno molhado’ e em sua maioria, as casas
apresentam um só cômodo.
Nas narrativas dos moradores, são descritos comportamentos sociais de quem mora
ou não na Baixada, os quais expressam uma combinação da condição de vida e necessidade de
aquisição de recursos estruturais para sobreviverem. Segundo os próprios moradores da
Baixada, ‘porcos’ são os que moram nesse lugar, representam cidadãos que vivem em piores
condições de vida por não terem acesso à infra-estrutura básica, já disponível aos outros
moradores da mesma Comunidade como: energia elétrica, saneamento básico – água tratada,
coleta de lixo e boas condições de higiene adequada em suas moradias, limpeza pública no
local. Em princípio, esse ambiente não seria um local apropriado para as pessoas viverem.
Os moradores da Baixada sentem-se discriminados e rotulados, “somos todos
iguais aqui na Baixada” (Florinda, dona de casa, 34 anos); “porque tudo é pai de família, só
teve um que matou e esse tá preso” (Vicência, rezadeira urbana, 53 anos). Embora
reconheçam a relação existente entre a posição social e atuação, outros admitem diferenças no
próprio grupo E são visíveis as condições aparentes de recursos de sobrevivência como o
reconhecimento da presença das redes de apoio aos moradores mais pobres “ele ganha cesta
básica” (Vânia, moradora, 24 anos).
Segundo Paugam (2003), a noção de pobreza não é estigmatizante quando se
banaliza, ou seja, quando ela é muito freqüente o conjunto da sociedade não a discrimina. Na
Comunidade, as pessoas que moram na Baixada não são diferenciadas, os vínculos sociais e
familiares não permitem o isolamento dos mais pobres e fragilizados, pelo contrário, buscam
201
estratégias para integrá-los, e ajudar os vizinhos, quando é preciso suprir algum recurso
material, como o alimento para subsistência.
6.4 Características Socioculturais da Comunidade do Dendê
A realidade local dos moradores, no início de sua emancipação, contou com a
organização de pequenos grupos reivindicatórios que buscaram recursos como energia
elétrica, abastecimento de água, pavimentação das ruas de maior circulação e legalização pela
posse da terra, que gerou entre os moradores uma conformidade do espaço.
“Lutamos muito pela desapropriação da área, era uma das principais lutas daqui. Naquela época ainda tinha, assim, muita resistência, até hoje ela não foi legalmente desapropriada, mas não tem nem perigo; o pessoal num tem medo, não tem nem perigo” (Maria, ex-líder comunitária, 47 anos).
Apesar de uma mobilização inicial, observa-se uma fragmentação aguçada das
organizações que poderiam reivindicar suas ações institucionais. Na Comunidade, há doze
entidades que buscam mobilizar e organizar os moradores. A associação de moradores mais
antiga, reconhecida pelo governo, foi fundada em 1981, atualmente está sendo modificada no
intuito de padronizar todas as entidades existentes no local.
Tal diversificação é formada por organizações não governamentais, grupos em
defesa do idoso e da mulher, grupos religiosos e grupo das crianças e adolescentes da
capoeira. Por conseguinte, surgem divergências entre os grupos e as ações pontuais não
fortalecidas em virtude do individualismo, um dos princípios do processo de globalização das
sociedades modernas. “Ali quem comanda é a Carla, ali tem grupo de jovens, que faz muitos
anos, aí faz prenda para ajudar a Igreja, ela só comanda aqui mesmo. Aí tem a Laura, tem a
Júlia e ela faz o grupinho dela. Cada qual tem o seu grupo, eu não participo não, sabe, porque
202
as pessoas que estão, são muito egoístas, trabalham para a igreja, não melhora nada, tem um
leilão, invés de ajudar a igreja” (Sandra, 32 anos, filha de Diana).
Alguns membros da Comunidade reconhecem que a desintegração e
desarticulação promovem um atraso no desenvolvimento econômico e social da própria
Comunidade, entretanto sentem-se conformadas e complacentes com a situação.
“As lideranças sempre brigavam entre si pelo poder não só essa entidade aqui. Assim, por conta disso, a nossa comunidade está se atrasando. Hoje nós não temos saneamento básico no bairro que poderíamos ter; nós temos em média de quinze mil moradores só nessa comunidade aqui uma média de quinze mil moradores. É, nós temos assim por cima, no NAMI, nós temos treze mil pessoas cadastradas só pra ser atendida. Só as que são escritas então nós temos uma média de vinte e duas mil pessoas a média é essa, não contamos com os apartamentos, não contamos com os conjuntos, só a comunidade do Dendê como é conhecida” (Francisco, líder comunitário, morador há 22 anos).
A proposta da integração de grupos ‘marginalizados’ parte do princípio de que a
maioria da população, em razão da sua condição de pobreza, encontra-se ‘fora’ da sociedade.
É como se a dificuldade de acesso aos produtos e serviços básicos fosse uma decorrência da
ignorância e passividade dessas populações ‘marginais’, ou para utilizar um termo mais
atualizado, os excluídos, isto é, aqueles que estão ‘fora’ por culpa própria, precisando ser
animados, incentivados, esclarecidos, para poderem participar dos benefícios do progresso
econômico e cultural (VALLA, 1998).
O mesmo autor ainda afirma que essa concepção tem raízes fortes em nossa
sociedade e que inspira inúmeros programas governamentais e religiosos há muitos anos, os
quais se desenvolvem com vistas a integrarem os chamados ‘marginalizados’. Esse tipo de
participação obscurece o fato de que os grupos ‘marginalizados’ sempre estiveram dentro da
sociedade, e participam da riqueza de forma bastante desigual. A integração deveria, então,
passar necessariamente pela garantia de empregos, melhores salários, disponibilidade e acesso
aos serviços básicos.
203
É percebida uma segregação entre os moradores dos condomínios fechados e os
moradores das casas próximas à área central da Comunidade. Colocam-se como externos ao
grupo, os moradores dos condomínios reconhecem os moradores da Comunidade como um
grupo “perigoso”, “delinqüente”, sendo uma forma unilateral de segregação. Neste sentido,
rompem-se vínculos ou contrariamente buscam sua própria identidade.
As mudanças estruturais e sociais que o bairro sofreu com o assentamento,
compreendido por alguns moradores mais antigos como algo que promoveu desintegração
entre os moradores, geraram uma resistência para aproximar as pessoas que chegavam ao
local posteriormente, além de revelar um preconceito de grupos étnicos.
“Jamais a gente imaginava (...), a gente veio conhecer uma favela quando eles começaram a construir, no início pensava que fossem os ciganos, eles gostam de invadir terra (...) pessoal que invade os terrenos. Naquela época, eram os ciganos, eu lembro que vinha aquele pessoal com aqueles filhos no cavalo, e tinha uma mangueira e eles ficavam em baixo (...), então papai pegava, mandava se retirar, porque senão eles tomavam aquele canto ali, não queria sair mais e se apossava daquele cajueiro e não saía mais (...) a gente achava que favelado fosse cigano” (Soraia, 44 anos, moradora antiga).
O aumento do número de moradias vincula-se também a um sentimento que o local
perdeu, a segurança e a tranqüilidade das pessoas que circulavam livremente nas ruas, até
durante a noite. Para alguns moradores, a “favela está perigosa”, mas referindo-se às áreas
próximas da Baixada, onde é mais visível a pobreza absoluta.
“Tinha que passar por dentro, mas não tinha perigo. Depois que fechou mesmo com muita casa, aí tinha muita morte (...) você não tem coragem de sair aqui à noite pra ir prum canto, pra ir numa Igreja, porque várias pessoas já foram assaltadas por ali. (...) Já teve um estupro de uma menina que vinha do trabalho 9:00h da noite. Foi passando próximo aos apartamentos, tinha um cajueiro, parece que um cara pegou ela e estuprou” (Soraia, 44 anos, moradora antiga).
“Foi quando começou a favela. Ave Maria, não gosto nem de me lembrar. Não imaginava isso. E agora que tomaram de conta de um terreno aí, invadiram o terreno de um homem bom. Isso aí era pra ser um colégio” (Diana, 64 anos, moradora antiga).
Enquanto outros moradores preservam um sentimento de tranqüilidade em relação
ao bairro, justificado por uma visão banalizada da violência. Assim, pode-se observar na
204
seguinte frase: “tranqüilo, violência tem em todo canto, mas por aí tem demais, aqui é mais
calmo e todo mundo quer vim” (Juca, ex-líder comunitário, 64 anos).
Os eventos lúdico-culturais encontrados na Comunidade é a quadrilha e a capoeira,
porém a quadrilha ocorre durante os festejos do São João no mês junho, particularmente entre
os jovens. O grupo de capoeira é mantido pela associação de moradores, participam quarenta
crianças com idade entre 5 e 7 anos. Os pais pagam mensalmente R$ 5,00 para manter o filho
nessa atividade, mas há crianças que os pais não têm recursos, e elas são mantidas pela própria
associação. A atividade foi elaborada no sentido de oferecer uma opção cultural para as
crianças que moram na Comunidade.
“Esse trabalho eu vim fazer porque eu não via nenhum movimento dentro da comunidade em relação a isso, tinha a quadrilha e hoje, os grupos mais fortes que existe na comunidade são o de capoeira e de quadrilha, são esses que existe trabalhando essa área cultural certo (...) não existia isso pra você ver algum movimento aqui, alguma coisa você teria que esperar na época política porque nessa é que eles aparecem e trazem as novidades” (Francisco, líder comunitário, morador há 22 anos).
A quadrilha é organizada pelos moradores mais antigos do bairro, as festas juninas
são realizadas em uma quadra construída em um terreno particular, de uma família bastante
conhecida da Comunidade, até pouco tempo atrás chegavam a contratar conjuntos musicais
bastantes conhecidos em Fortaleza, organizavam festivais de quadrilha que chegavam a ter
mais de 1.000 pessoas, cobravam apenas uma taxa de entrada de R$ 0,50 por pessoa. As
pessoas da Comunidade participavam dessas festividades, sobretudo, nesse ambiente festivo.
Atualmente, a comunidade é movida por medo da violência, “este ano, só vamos organizar a
quadrilha, mas as festas, hoje faz medo você fazer” (Soraia, 44 anos, moradora antiga). Como
resultado da organização das quadrilhas, chegam a participar, por ano, até doze quadrilhas,
vindas de outros bairros de Fortaleza somente para dançar no local.
Os mais antigos moradores lembram que havia, no local, outros eventos sociais
como os esportivos, em um campo de futebol, conhecido como campo nacional. Nos finais de
205
semanas, as famílias se encontravam para assistir às competições dos times de futebol
formados por moradores. Alguns moradores lembram desses eventos com saudosismo: “ali
era o campo nacional, do lado tem a padaria; lá atrás era um campo de futebol, cansei de ir e
assistir jogo ali”. Atualmente o local está todo ocupado por moradias impróprias.
Outros espaços que são utilizados pelos moradores como espaço de lazer é um
‘terreno da marinha’, localizado no mangue, caracterizado como área de preservação
permanente. No período das chuvas, entre janeiro e março, não é possível jogar futebol no
local, devido ao alagamento da área. Os eventos esportivos são semanais, promovidos pelos
próprios moradores, particularmente entre os homens.
Espaços abertos como as ruas são reconhecidos como as únicas opções de espaço
disponível para as crianças brincarem. No entanto, são vistos como ‘perigosas’ e sem
segurança para as crianças. As atividades de lazer se encontram relacionadas à faixa etária,
porém, praticamente inexiste diversão para as crianças, uma vez que o local não dispõe de
áreas específicas para o desenvolvimento de atividades lúdicas destinadas às crianças.
O lazer na Comunidade passou por mudanças devido à influência de novos
comportamentos, o que pode ser notado na afirmação de “o bairro está muito violento e as
pessoas não têm mais aquele lazer”, referindo-se em ficar nas calçadas conversando com os
vizinhos. Antes, no bairro, segundo os moradores entrevistados, “você podia brincar”, mas no
momento, não há esse espaço e nem tempo para a criança, “você aqui está entregue à
violência, aos marginais”, “o bairro está totalmente diferente”.
Tanto os adolescentes como os idosos não dispõem de espaços destinados ao lazer.
Os moradores não vêem uma boa perspectiva para esses dois grupos. Embora alguns idosos da
Comunidade se envolvam com grupos de apoio de iniciativa da própria universidade privada
existente na vizinhança do bairro, mencionados anteriormente.
206
Outro espaço que, caracteristicamente, pode ser visto como de sociabilidade e de
diversão dos moradores é a feira semanal, que ocorre aos sábados pela manhã há uns cinco
anos. Os feirantes são de outras localidades, são comercializados alimentos, plantas
medicinais, materiais de higiene pessoal, roupas, utensílios elétricos, eletrônicos e até móveis.
Durante a realização do evento, podem-se obter alguns serviços, tais como reparos de
utensílios domésticos. Ocasionalmente, ocorrem pequenos furtos que são acometidos por
membros da própria Comunidade. Normalmente, os equipamentos elétricos e eletrônicos são
os mais visados, e ocorrem quando há uma eventual ‘falta de cuidado’ dos feirantes. Os
vendedores não denunciam temendo represálias, alguns vendedores entrevistados preocupam-
se com a manutenção das relações comerciais tal como um que diz ter “necessidade de
continuar ganhando a vida”.
Ainda nos finais de semana, a face da Comunidade pacata, referida durante a
semana, muda, principalmente, no final da tarde do sábado e durante a noite do sábado para o
domingo. Os bares ficam mais visíveis e movimentados, devido à presença de grupos de
adultos e jovens. Os moradores reconhecem que esses lugares são de diversão. Destacam-se o
forró do Zezé que funciona aos sábados durante a noite e aos domingos no período da tarde. O
local não é visto como tranqüilo para diversão entre os moradores que freqüentam ou não o
local, muitas vezes, ocorrem brigas e desentendimentos provenientes do consumo de bebidas
alcoólicas entre os próprios moradores da Comunidade.
De acordo com a associação de moradores, a escola funciona também como um
espaço para aperfeiçoamento e formação de profissões para os moradores da Comunidade,
como o curso de capacitação para baby-sitter, destinado às jovens moradoras. Há uma
improvisação do espaço, entretanto, é visto como positivo para a Comunidade. Embora o
número de vagas seja restrito para 380 alunos distribuídos nos diversos cursos oferecidos à
Comunidade.
207
Levando em consideração os participantes deste estudo, observamos que havia
quatro tipos de chefes de família residentes na Comunidade:
1. O chefe de família sendo o pai, cuja família é composta por pai, mãe e filhos;
2. A chefe de família sendo a mãe, cuja família é composta por pai, mãe e filhos;
3. A chefe de família sendo a mãe, cuja família é composta por pai, mãe, filhos e
agregados como pais maternos e por fim;
4. A chefe de família sendo a mãe, cuja família é composta por mãe, filhos, netos
e outros parentes.
As famílias visitadas em seus domicílios eram extensas, encontramos pai, mãe,
filhos e agregados como pais maternos, pais paternos, netos ou não. Os filhos podiam ser dos
pais ou não, filho só da mãe ou filho só do pai. Alguns indivíduos circulavam sozinhos de dia
e de noite pela Comunidade, apresentando comportamentos de embriaguez ou muitas vezes
eram reconhecidos como loucos porque falavam sozinhos; quando se aproximavam das casas
eram afastados pelos próprios moradores ou fechavam as portas evitando qualquer
aproximação, eles geralmente moravam sozinhos ou escondidos em ruelas.
Evidencia-se um reconhecimento social das famílias da Comunidade, pois muitas
delas existem identidades próprias como grupos familiares, a história de Floriano, filho do Sr.
Carlos, um dos antigos moradores da Comunidade explica este reconhecimento. O fato
confere a todos os membros da família uma liberdade para caminhar em todo o bairro:
“Aí passando ali o menino me pediu R$ 0,50 e eu disse que não tinha. Aí esse "num dá aqui, mas lá na frente tu dá". Aí o senhor da bodega disse, rapaz não mexe com ele não, ele é conhecido, é fulano de tal. É filho do “Seu” Carlos, você não o conhece, não mexa com quem você não conhece não porque de uma outra hora você pode se cortar, meu pai é muito conhecido” (Floriano, 30 anos, desempregado).
Floriano morou durante seis anos na região Norte, em Santarém, no Pará e depois
em Manaus. Não está trabalhando e realiza pequenos serviços temporários. Ele diz “só pego
208
bico, o último foi de pintor, meus pais moram há vinte e dois anos no Dendê”. Antes de ir para
o Norte, trabalhou no setor de serviços gerais em alguns restaurantes da orla marítima de
Fortaleza, com vínculo empregatício. No Norte, trabalhou como pintor, eletricista e pedreiro e
voltou há três meses. Trouxe uma mulher e dois filhos, sendo que um deles não é
biologicamente seu. Está morando temporariamente com seus pais em uma casa de três
cômodos. Seus pais tiveram seis filhos, somente três estão vivos. A casa dos pais passou por
mudanças estruturais, recorda quando criança da sua casa “era de taipa, era mais pobrezinha”.
Segundo ele, seus pais melhoraram financeiramente e compraram uma casa maior, onde eles
moram atualmente, ele recorda que, no início, parte da casa era feita de uma construção
improvisada de taipa que foi sendo reformada ao longo do tempo para alvenaria.
Outras casas foram adaptadas para comercialização de produtos saneantes como:
água sanitária, desinfetante e plantas medicinais. Os espaços são organizados da seguinte
forma, usam parte da ‘sala de visita’ para esse fim.
As mudanças comportamentais entre os moradores da Comunidade foram
percebidas somente nos últimos vinte anos. Uma delas refere-se a formações de grupos ilícitos
como grupos do tráfico de drogas e grupos que organizam pequenos furtos e roubos no
próprio bairro ou em outros bairros próximos. Alguns membros desses grupos reconhecem
que essas atividades podem ser um meio de vida para obter recursos materiais rapidamente e
serem reconhecidos em todo o grupo.
Os modelos familiares também reproduzem as mudanças e são repassados aos
filhos, conforme afirma Francisco: “geralmente são os filhos que usam drogas que antes os
pais usavam dentro de casa e que aquilo daí influenciava o filho”. Além disso, os moradores
reconhecem que ocorreram mudanças na autoridade dos pais frente aos filhos. Alguns
moradores transferem-nos para as instituições oficiais como: polícia, e se for menor de 18
anos, internam o filho em uma instituição para menores que cometem pequenos atos ilícitos
209
como ‘comprar drogas’. Esse poder de ‘corrigir’ o filho, os pais permitem que outros que
estão fora da família façam isso por eles.
“Os próprios pais são os principais causadores do vício do filho, primeiro o pai manda o filho comprar um cigarro na bodega, o pai manda o filho acender o cigarro pra eles, às vezes eu não tenho, assim, certeza mais talvez até o próprio pai peça pro filho comprar droga pra ele, entendeu? É isso o que leva a essa situação que tá cada vez mais aumentando” (Francisco, líder comunitário, 30 anos).
São percebidas mudanças quanto ao tipo de droga ilícita disponível e utilizada na
Comunidade. Segundo alguns moradores, a droga mais usada antigamente era a maconha,
hoje, além da maconha, usam-se cola, loló, cocaína, medicamentos psicotrópicos, conhecidos
como ‘aranha’, pedra, conhecida também como “crack”. Essas mudanças da diversificação
dos tipos drogas têm uma relação com o aumento populacional e social da Comunidade.
Alguns moradores dizem que ‘os pais não combateram’ o consumo de drogas dos seus filhos,
e hoje, muitas famílias são sustentadas por meio desse recurso, assim, o trafico é permitido
dentro da família.
As drogas são consumidas durante o dia ou à noite, em ruas pequenas, geralmente
os grupos mais expostos são de jovens que fumam cigarros de maconha, conhecidos como
‘baseados’; a ‘aranha’ é bastante usada nas festas dos mais jovens, já o crack ou pedra pode
ser comercializado por R$ 10,00 e as pedras bem pequenas por R$ 5,00. O grupo é formado
por empatia e vizinhos próximos. Por outro lado, a cola é mais usada entre as crianças e a loló
é vendida em algumas bodegas da Comunidade.
O comércio de drogas forma e mobiliza grupos locais como as crianças, utilizadas
como avião. Elas levam as drogas de um lugar para outro da Comunidade. Esse comércio
gera, entre os moradores, o medo da violência e o confronto direto entre traficantes e
moradores e também provoca ‘silêncio’ e ‘passividade’ das pessoas. Essa afirmação é
reiterada pelo seguinte depoimento: “a gente não pode fazer nada, é sofrer duas vezes, vê o
sofrimento, voltar pra casa chorando e continuar no sofrimento sem você poder fazer nada”.
210
A violência e o tráfico de drogas são os maiores problemas sociais eleitos pelos
moradores e policiais que trabalham no local há mais de oito anos para controlar esses
problemas dentro da Comunidade.
Alguns moradores afirmam que os policiais sabem onde ficam os pontos de
tráfico. Existem, em média, cinqüenta locais conhecidos como boca de fumo dentro da própria
Comunidade. Moram no local pouco mais de vinte policiais. Os moradores chegam a afirmar
que a polícia é complacente com o tráfico por ser também beneficiada. Dizem que ela é
subornada pelos grupos envolvidos. As prisões em flagrante acontecem por meio de denúncia
dos moradores ou dos membros de grupos adversários existentes na própria Comunidade.
“Os dois principais problemas da comunidade são a violência física e a questão do tráfico, mas existe um trabalho feito na quarta companhia de policiais, inclusive policiais que moram aqui fazem parte. Ele tem uma meta pra seguir, mas geralmente a gente sabe que distorce o caminho e esses policiais poderiam, de certa forma, tentar combater isso daí, mas, muitas vezes, eles apóiam” (Francisco, líder comunitário, morador há 22 anos).
As ações policiais são consideradas inoperantes e desacreditadas pelos moradores
da Comunidade. Aliadas a isso, os moradores reconhecem que os policiais não têm mais
autoridade para garantir a segurança no bairro. Todas essas afirmações são reforçadas por
narrativas como: “a policia prende e solta na manhã seguinte, não adianta, esse nosso bairro
aqui, ele tá entregue às baratas”.
É uma Comunidade construída por um ideal de uma vida ‘melhor’, embora os
conflitos existenciais e as necessidades estruturais (moradia, alimentação e emprego real)
sempre estejam presentes na vida desses moradores. Além da violência estrutural como a
pobreza, presente no cenário familiar das crianças, nos quais suas famílias desenvolvem
estratégias da sobrevivência, segundo os aspectos sociais, culturais e ambientais influenciados
pela condição de ser e estar no mundo. Fundamentalmente, a vida comunitária vem
continuamente se degradando: os líderes não encontram referenciais, as celebrações (festas
juninas) estão sendo modificadas por novos movimentos (forrós urbanos, festa de halloween),
211
não há uma identidade social de grupo, pelo contrário são reforçadas as divisões de grupos, há
uma restrição de o espaço domiciliar como espaço também de lazer. Talvez possa ser uma
repercussão das mudanças da estrutura da própria cidade de Fortaleza, que direta ou
indiretamente atingiu os movimentos sociais locais.
Conseqüentemente, as casas das crianças e suas famílias perdem por não serem
mais vistas, e sim visualizadas como fenômenos sociais: ‘bairro violento’, ‘só tem bandido’.
Some-se a isso um grupo que vive na esperança do mundo mudar a sua volta e, com isso,
surgirem casas, saúde e vidas dignas. No entanto, é dominante o sentimento ideológico da
dependência dos instrumentos estatais porque não se sentem como cidadãos que podem
reivindicar seus direitos para si e suas crianças.
212
7 CONCLUSÃO
Nesta tese buscamos identificar os processos sociais e culturais associados às
doenças respiratórias infantis em um assentamento urbano em Fortaleza, por intermédio de
uma análise contextual e sociocultural, com vistas a compreender como são interpretados os
comportamentos e as ações desenvolvidas pelos moradores desse assentamento que enfrentam
esses problemas cotidianamente. Para tal, partimos da compreensão da semiologia popular das
doenças respiratórias infantis, construída sob a forma de categorias êmicas, que foram
identificadas pela análise de narrativas de mães de crianças que sofrem esses problemas ou
por pessoas que vivem esses problemas ao longo de sua vida, que reconstruíram suas
experiências de problemas respiratórias infantis. Portanto, essa análise meticulosa, realizada a
partir da contextualização das narrativas, resultou em três deduções genéricas, orientadas pelo
modelo teórico do sistema de signos, significados e ações (BIBEAU, 1992; CORIN, 1992a,
1992b, 1995; CORIN; BIBEAU; UCHÔA, 1993; BIBEAU; CORIN, 1994; UCHÔA; VIDAL,
1994).
Inicialmente, com a identificação dos processos sociais e culturais das doenças
respiratórias infantis e a compreensão do sistema interpretativo dos comportamentos e ações
voltadas para lidar com essas doenças, percebemos que para os moradores do assentamento
em estudo a noção de doença respiratória infantil abrange o espaço do corpo, o contexto local
e a experiência subjetiva do adoecer. O espaço do corpo é reconhecido como um corpo
doente, manifestado por meio de comportamentos e ações relacionadas à doença respiratória
infantil. O contexto local é representado pelo espaço social e caracterizado por seus costumes
locais, fatores ambientais e aspectos históricos. A experiência subjetiva do adoecer
213
identificado dá-se pela construção do significado do caso concreto de adoecer por doença
respiratória infantil.
Em seguida, procedemos de maneira analógica ao modelo do sistema de signos,
significados e ações (BIBEAU, 1992), ao empregarmos a idéia de dispositivo patogênico
estrutural e de condicionante estruturante para explicar a causalidade das doenças respiratórias
infantis. Observamos que o dispositivo patogênico estrutural representa a cultura, a condição
socioeconômica, a biologia, a geografia, a política e o ambiente, que constituem a doença
respiratória infantil em um assentamento urbano. Os condicionantes estruturantes
identificados foram a pobreza, o ambiente e a formação história do assentamento.
Percebemos também que a experiência subjetiva de casos concretos de portadores
de doenças respiratórias expressa diferentes elementos da organização coletiva do
assentamento, em termos de mecanismos de identificação dos problemas respiratórios e as
formas de lidar com eles podem ser representadas pela complexidade das agências
terapêuticas existentes no local, bem como pelo acesso a essas agências que podem tratar as
doenças respiratórias infantis.
De acordo com a pergunta gerada para a realização desta tese: Como são
construídos e compartilhados os modelos de interpretações e ações frente às doenças
respiratórias infantis dos moradores de um assentamento urbano? Pode-se constatar que os
modelos são construídos e compartilhados de maneira polissêmica tanto como parte das
experiências individuais quanto coletivas, a partir dos diferentes e particulares significados
atribuídos pelos sujeitos aos problemas respiratórios infantis.
O assentamento urbano denominado ‘Comunidade do Dendê’ foi formado a partir
de conflitos sociais, particularmente na busca por um espaço de moradia. Em alguns
momentos de sua história era visível seu poder reivindicatório coletivo para garantir
mecanismos de infra-estrutura para Comunidade, no entanto esse movimento foi reprimido
214
por políticas que acentuaram as desigualdades sociais, surgindo assim divisões de lideranças
locais, nas quais predomina o individual, efeito do processo de globalização presente na
referida Comunidade. A infra-estrutura da Comunidade é extremamente deficiente e desigual
e a feição muitas vezes não representa um estímulo real para conquista de uma vida melhor
entre os moradores, entretanto, em seu imaginário, essas conquistas estão presentes. Embora
não seja possível perceber a vida comunitária coesa e bem articulada, quando se refere às
questões de saúde, a coesão social é resgatada, articulando-se os interesses sob a forma de
redes terapêuticas, que se expressam na ajuda que é dada pelos grupos de vizinhança àqueles
que necessitam de apoio para cuidar da saúde e dos doentes.
O modelo do sistema de signos, significados e ações nas doenças respiratórias
infantis é influenciado pelo universo sócio-histórico da Comunidade, conseqüentemente
percebemos um sentimento que tais doenças estão internalizadas em seu universo cultural,
embora elas possam estar enraizadas na cultura. Nesse caso, verificamos que não é a doença
que faz parte da cultura do pobre, mas sua condição de pobreza que favorece o surgimento da
doença; particularmente no universo sociocultural da criança, essa influência está mais
aguçada.
Com a transição das crianças para fase da adolescência, são reveladas
modificações de problemas sociais, ou seja, novos problemas sociais também repercutem na
vida desses jovens e crianças, considerados neste estudo como categorias socioculturais. A
participação social da criança nessa Comunidade, por meio de sua iniciação no tráfico de
drogas, acontece entre 10 e 14 anos, muitas delas desempenham o papel denominado de
‘avião’ nas atividades ilegais de venda de drogas na Comunidade, sendo-lhes atribuída a
função de transportar drogas; essa atividade pode ser tomada freqüentemente como um
reconhecimento ou uma diversão em seu grupo. O ingresso de seus filhos em atividades do
tráfico de drogas causa preocupação, sofrimento e dor entre as mães. Da mesma forma, o
215
consumo precoce de bebidas alcoólicas por crianças ou adolescentes é responsável por sérios
transtornos tanto para os pais como para os próprios jovens envolvidos.
Quanto à identificação dos signos e significados relacionados às doenças
respiratórias infantis reconhecidas pelos moradores dessa Comunidade, verificamos que a
posição social do sujeito doente estabelece parâmetros de diferenciação quanto ao tipo de
signos e significados, bem como construção de estratégias de ações frente à doença e a busca
por ajuda.
Os onze signos descritos pelos moradores, identificadores de doença respiratória
infantil, seguem uma lógica de hierarquia da gravidade, embora nem todos esses signos sejam
identificados de forma homogênea na Comunidade, reconhece-se que sua manifestação se
encontra associada à localização geográfica e ao nível de envolvimento com a doença. Alguns
signos foram classificados como universais, a gripe, a pneumonia, a tosse cheia e a tosse seca,
independente da localização geográfica que eles surgiam, com maior ou menor freqüência. Os
outros se referiam à experiência com a doença como o cansaço, a asma e a bronquite.
Ao analisarmos o modelo explicativo das doenças respiratórias infantis
verificamos que o modelo etiológico exógeno formulado por Laplantine (1986) foi
predominante, reconhecendo que as explicações causais dessas doenças conduzem a uma
visão sociocultural compartilhada, portanto ultrapassam a visão individual do doente, mesmo
se tratando de uma particularidade da noção da doença.
Os problemas de saúde entre as crianças apresentam hierarquias sazonal e social.
No caso das crianças que moram na Baixada, os problemas se encontram relacionados à
própria forma de ganhar a vida dos moradores, tal como quem lida com carvão, e afeta o
sistema respiratório das crianças. Há, portanto, a produção de fumaça no ambiente, porém essa
atividade é desenvolvida apenas em alguns meses do ano, principalmente no verão, entre os
moradores que estão próximos a essa área.
216
Os problemas respiratórios infantis na Comunidade em estudo são complexos
devido à compreensão de sua causalidade, formas de manifestações, gravidade, transmissão,
diagnóstico, processos terapêuticos e preventivos que combinam as dimensões cultural,
biológica, geográfica, psicológica, socioeconômica, política e ambiental.
A relação causal das doenças respiratórias infantis refere-se a questões sociais e de
infra-estrutura do assentamento tais como ausência de um planejamento e de uma política
ambiental, baixa escolaridade dos moradores, falta de perspectiva de ter uma ocupação
remunerada. Entretanto, alguns moradores vêem soluções centradas na dimensão do processo
saúde-doença, ou seja, no que tange à garantia de um serviço de saúde para atender todo o
grupo. Embora haja o reconhecimento do processo terapêutico local, quando os mesmos
fazem uso dos recursos terapêuticos disponíveis, como as agências e agentes terapêuticos do
setor comunitário e do uso dos serviços e técnicas terapêuticas do setor profissional, por meio
dos centros de saúde disponíveis no local ou até a busca por serviços em outros bairros, sem
esquecer do uso plantas medicinais.
Quanto à gravidade dos problemas respiratórios infantis, as mães definem o tipo
de problema em função da seleção da busca por recursos terapêuticos estabelecidos por elas.
No caso das gripes, percebemos uma naturalização desse tipo de problema respiratório
infantil, em que as mães definem esse signo como um problema da saúde comum à vida das
crianças, geralmente, são usados os recursos do setor comunitário, com a aplicação das
técnicas terapêuticas tradicionais, de maneira isolada ou associada com aquelas do setor
profissional.
O uso das medidas terapêuticas ou preventivas pertencentes ao setor comunitário
como recorrer as rezadeiras urbanas, raizeiros urbanos, farmacistas, plantas medicinais,
preparações caseiras, dentre outras, é freqüente como parte do processo terapêutico tanto
217
individual quanto coletivo das doenças respiratórias infantis, variando de acordo com a
gravidade dessas doenças.
Com relação às atitudes dos moradores na prevenção das doenças respiratórias,
observamos nas narrativas relacionadas às condições naturais, como “não ir pro sol, não tomar
banho de chuva, não ir pra quentura”. Particularmente, no caso da gripe, seria ‘não ir pro sol,
não ir pra chuva, não levar esse mormaço na hora que chove que levanta um mormaço
medonho’. Todos relacionam a prevenção das doenças respiratórias à restrição de certos
comportamentos da criança para evitar a doença, como a criança deixar de brincar nas ruas.
Em relação ao cuidado com as crianças, no sentido de protegê-las, surgiu como
categoria a mãe cuidadosa que articula afetividade, “dá o carinho, conversar”, com rigor nas
definições de regras de controle para o filho e construção de diálogo com o mesmo.
Consideramos, dessa forma, que esses achados são de repercussão da vida desses
moradores, em que há uma integração dos contextos sociocultural, econômico, político e
ambiental nas ações de promoção da saúde quando se trata da saúde infantil, particularmente
no manejo das doenças respiratórias infantis. Nesse sentido, percebemos que efetivamente as
ações públicas em saúde atingirão esses assentamentos urbanos apenas quando o universo
sociocultural for tomado em consideração na formulação e aplicação das políticas de saúde
infantil destinados a esses assentamentos, caso contrário, permanecerá como parte das
preocupações das mães em promover o tratamento de seus filhos e buscar, sem grande
sucesso, a cura para os problemas respiratórios infantis que afligem os membros desses
assentamentos.
218
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- ANEXOS -
232
Anexo 1 – Fotografia Aérea do Local do Estudo (SEINFRA, 2002)
233
Anexo 2 – Mapa da Secretaria Executiva Regional VI (FORTALEZA, 2001)
234
Anexo 3 – Roteiro sobre a História do Bairro
1. IDENTIFICAÇÃO:
1.1. Data: 1.2. Nome:
1.3. Endereço:
1.4. Qual a sua idade? 1.5. Quantos filhos o(a) Sr(a). tem?
1.6. Quantos filhos a o(a) Sr(a). tem vivo e/ou morto?
1.7. Onde eles moram? 1.8. O que o(a) Sr(a). faz?
2. RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA:
2.1. Há quanto o(a) Sr(a). mora neste bairro?
2.2. Onde o(a) Sr(a). morava antes de vir morar aqui?
2.3. Fale-me sobre o bairro que o(a) Sr(a). conheceu e que conhece hoje.
2.4. O que tinha neste bairro antigamente?
2.5. Como fazia para beber água e a energia da casa? Quando foi isso?
2.6. O(a) Sr(a). poderia me dizer como ocorreu a chegada das primeiras pessoas que
vieram para este bairro.
2.7. O que levou essas pessoas a vir morar nesse bairro?
2.8. De onde vieram essas pessoas?
2.9. Quando foi que o(a) Sr(a). notou que aumentou o número de casas no bairro?
2.10. O(a) Sr(a). faz alguma diferença entre a baixada e o resto do bairro?
2.11. Fale mais sobre esse bairro.
235
Anexo 4 – Roteiro sobre Saúde e Doença Respiratória Infantil
1. IDENTIFICAÇÃO:
1.1. Nome: 1.2. Endereço: 1.3. Qual a sua idade?
1.4. Quem mora com o(a) Sr.(a)? 1.5. Quantos filhos o(a) Sr(a). tem?
1.6. Quantos filhos a o(a) Sr(a). tem vivo e/ou morto? 1.7. Onde eles moram?
1.8. O que o(a) Sr(a). faz?
2. SAÚDE:
2.1. Que problemas o(a) Sr.(a) considera mais sério aqui no bairro?
2.2 . Desses problemas qual é o que mais lhe preocupa?
2.3. Quais desses problemas pode prejudicar a sua saúde? Como?
2.4. Como esses problemas podem ser resolvidos?
2.5. O que o(a) Sr.(a) entende (sabe) sobre saúde? Fale-me sobre isso?
2.6. Como o(a) Sr.(a) sabe que está com saúde? O que o(a) Sr.(a) faz para ter saúde?
2.7. Como o(a) Sr.(a) sabe que não está com saúde? O que o(a) Sr.(a) faz? O que muda?
3. DOENÇA:
3.1. O que o(a) Sr.(a) entende (sabe) sobre doença? Fale-me sobre isso?
3.2. Como o(a) Sr.(a) sabe que está doente? O que o(a) Sr.(a) faz? O que muda?
4. PREVENÇÃO:
4.1. O que o(a) Sr.(a) entende (sabe) sobre prevenção? Fale-me sobre isso?
4.2. Como o(a) Sr.(a) sabe que está prevenindo uma doença? O que o(a) Sr.(a) faz? O
que muda?
236
5. DOENÇAS RESPIRATÓRIAS (CONCEPÇÕES E PERCEPÇÕES)
5.1. Fale-me o que o(a) Sr.(a) entende (sabe) sobre doenças respiratórias?
5.2. O(a) Sr.(a) já teve ou tem esse problema? Desde quando? O que o(a) Sr.(a) sente?
5.3. Como o(a) Sr.(a) sabe que está com essa doença? O que o(a) Sr.(a) faz para resolver?
5.4. Aqui as pessoas têm esses problemas?
5.5. Quem são essas pessoas?
237
Anexo 5 – Roteiro da Reconstrução dos Casos
1. IDENTIFICAÇÃO DAS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS EM CRIANÇAS:
1.1. Fale-me o que o(a) Sr.(a) entende (sabe) sobre doenças respiratórias?
1.2. Quem tem esse problema? 1.3. Quantos anos ele tem?
1.4. Há quanto tempo seu filho tem esse problema?
1.5. O(a) Sr.(a) já teve ou tem esse problema? Desde quando?
1.6. Desde quando o seu filho tem esse problema?
2. CUIDADOS COM A CRIANÇA:
2.1. Que tipo de cuidados o(a) Sr.(a) tem com o seu filho?
2.2. Esse tipo de cuidado o(a) Sr.(a) tem com os outro filhos? Como?
3. CONCEPÇÕES E PERCEPÇÕES:
3.1. Como o(a) Sr.(a) sabe que está com essa doença? 3.2. O que ele sente?
3.3. O que o(a) Sr.(a) sente quando vê o seu filho doente?
4. CAUSA E CONSEQUÊNCIA DAS DOENÇAS RESPIRATÓRIAS:
4.1. O que faz surgir esse problema? 4.2. Como isso acontece?
4.3. Como o(a) Sr.(a) explica isso?
4.4. Esse problema provoca alguma conseqüência?
4.5. Quais são essas conseqüências?
4.6. Como surgem essas conseqüências?
5. ITINERÁRIO TERAPÊUTICO:
5.1. O que o(a) Sr.(a) faz para resolver? 5.2. Como o(a) Sr.(a) explica?
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5.3. O(a) Sr.(a) procura alguma ajuda? 5.4. Qual é essa ajuda? Como?
5.5. Fale-me mais sobre isso?
6. REDES DE APOIO:
6.1. O que seus familiares fazem quando alguém tem esse problema?
6.2. Quem da família ajuda? 6.3. Que tipo de ajuda é essa?
6.4. Eles procuram outro de ajuda? 6.5. Qual é essa ajuda?
6.6. Quem mais lhe ajuda