competencias psicomotoras e capacidades grafomotoras em crianças de idades escolar

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publicao quadrimestral n82 Setembro/Dezembro 2007 Edio da APEI Associao de Profissionais de Educao de Infncia Preo 5.10 (iva includo)

publicao quadrimestral n82 Tiragem: 3500 exemplares Editora e Proprietria: Associao de Profissionais de Educao de Infncia Bairro da Liberdade, Lote 9, Loja 14, Piso 0. 1070-023 LISBOA Tel. 21 382 76 19/20 Fax. 21 382 76 21 E-mail. [email protected] Directora: Alexandra Marques (Presidente da APEI)

Equipa Redactorial: Elvira Cristina Silva (coord.), Edite Sanches, Filipa Barros, Glicria Gil, Henrique Santos, Isabel Gerardo, Rita Banza e Cludia Cardoso. Colaboradores Permanentes: Mafalda Milhes, Maria Isabel M. Soares, Mrio Cordeiro, Rosrio Leote e Sofia Esteves. Reviso: Rui Teixeira. Design Grfico: Metropolis . www.metropolis.pt Impresso: Selegrafe, Lda. Preo por nmero: 5.10 Assinaturas: 1 ano: 16,50 (iva includo), estrangeiro (1 ano) 20 N de Registo: Direco Geral da Comunicao Social 112028 Depsito legal: 12929/86.Os artigos assinados no exprimem necessariamente o ponto de vista da Redaco.

4 DaDireco 5 conversacom... AnoEuropeudaIgualdadedeOportunidades paraTodos FormaoeCaminhosdeProfissionalidade naEducaodeInfncia

34 Artigo . Ana Rosa Trindade

Profissoprofessor-cientistacriativo DesenvolvimentoProfissionaleEducaoInclusiva

8 Artigo . Isabel Maria Tomsio Correia 14 Artigo . Lus Silva Pereira Diferenanoofensa

39 Convergncias . Sofia Esteves OStresseaaprendizagem

40 Ecos . Maria da Graa Corredoura Ado Pinto

Emoes,culturaeaprendizagem

17 Fontes . Maria Isabel Mendona Soares 18 Prticas . ngela Bala Apromoodeumaeducaoliterriaem contextopr-escolar:ocontributoindispensvel daliteraturainfantil

_SbadosTemticosOporqudestainiciativa? _Interacocomafamlianacrecheenojardim-de-infncia: Demosdadasoudecostasvoltadas _ComoPais,oquefazemos?

42 Digadesuajustia,comjustia 43 Descoberta... . Rosrio Leote Oquesesenteaomisturarguaefarinha?

21 Investigao . Elvira Cristina Silva e Rui Martins

44 ASNOSSASNOTCIAS

Competnciaspsicomotorasecapacidade grafomotoraemcrianasdeidadepr-escolar

26 LEX-LegislaodaEducao 27 FormaoeContributos CentrodeFormaodaAPEI2006/2007 ABibliotecaEscolar

_SnteseIVEncontroSERBEB _Conhecera(s)infncia(s)implicaumaateno,uma escuta,umabuscaparacompreenderooutro. EsseexercciooquenosdeveguiarnaAvaliao _ConfernciadePeterMossPorto,9deNovembro

49 Lercomos5sentidos . Mafalda Milhes

Emcasa,naescola,nocarrooudebarcoanavegar hsempretempoparacantarolar

30 BemVistasasCoisas 33 VamosFalarde...Flvia Julio Porumaeducaodasensibilidade

50 Prelo

_OAlfabetodosBichos _AspartidasdoSebastio _FormarLeitoresDasteoriassPrticas _OMundodasCrianasPedacinhosdeVidanaVida deumProfessor _OPequenoDitadorDacrianamimadaaoadolescente agressivo _Pap,diz-meporquenoandamaszebrasdepatins?

#:EDITORIALAlexandraMarques . Presidente da APEI

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Um mundo para as crianas construdo nos princpios da democracia, da igualdade, da no-discriminao, da paz e da justia social. Relatrio da Sesso Especial das Naes Unidas sobre a Criana No final do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, proponho-me partilhar algumas reflexes sobre a Educao de Infncia em Portugal porque: est reconhecido que a Educao Pr-Escolar a primeira etapa da Educao Bsica numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida, acredito que as respostas educativas para crianas dos 0 aos 6 anos podem desempenhar um papel fundamental na reduo das desigualdades sociais e escolares, entendo que existem compromissos entre estados, a nvel europeu e mundial, que Portugal subscreveu e a que necessrio dar resposta. A OCDE num estudo comparativo1 efectuado em 2001, em 12 pases europeus incluindo Portugal, veio afirmar que a educao e cuidados para a infncia com qualidade oferecem a possibilidade de motivar e preparar as crianas, desde os primeiros anos, para um processo de aprendizagem ao longo da vida. A OCDE considera que a educao e cuidados para a infncia inclui todos os contextos que proporcionam cuidados e educao1 OCDE (2001). Starting Strong. Early Childhood Education and Care Educations anda Skills. Paris:OCDE

para as crianas antes do ingresso na escola obrigatria, independentemente do tipo de estabelecimento, financiamento, horrio de atendimento ou contedos programticos.. data do estudo, este organismo alertou as autoridades portuguesas para a fragilidade das polticas educativas e recomendou que se fizessem investimentos diferenciados para se reduzirem as desigualdades e estabelecer a igualdade de oportunidades. Efectivamente, as respostas educativas e a rede social de suporte s famlias no que concerne ao atendimento de crianas dos 0 aos 6 anos, em Portugal, padece de enormes debilidades, incoerncias e insuficincias. A fragilidade de uma poltica educativa para a infncia, que se vem agravando com maior incidncia nos ltimos anos, tem conduzido instalao de um vazio. Os instrumentos legais e conceptuais at foram criados, com o Programa de Expanso e Desenvolvimento da Educao de Infncia2 e os dados quantitativos revelam que se caminhou para uma maior cobertura nacional, contudo, Se as polticas para a Expanso e Desenvolvimento da Educao de Infncia, nomeadamente a partir de 1995, foram indiscutivelmente2 O lema deste programa era Um bom comeo vale para a vida.

generosas e significativas (em termos de prioridade poltica e de investimento financeiro), elas tm de ser sistematicamente sustentadas, acompanhadas e reguladas pelo Estado e pela sociedade civil, de forma a prosseguir os desgnios consagrados na Lei 5/97, de 10 de Fevereiro Lei-Quadro da Educao Pr-Escolar." Neste momento, pode afirmar-se que a Educao de Infncia vive um momento que se caracteriza, por um lado, pela ausncia de polticas educativas sustentadas na capacidade e coragem de pensar e agir respostas educativas e de cuidado para todas as crianas dos 0 aos 6 anos e, por outro lado, pela adiada discusso e reflexo alargada que conduza a uma alterao fundamental na Lei de Bases do Sistema Educativo, de forma a consagrar o direito Educao desde o nascimento. Essa, sim, seria uma mudana estrutural, na medida em que permitiria diminuir o desperdcio de recursos, o desgaste social e, em ltima anlise, impediria que se continuasse a comprometer o sucesso da Educao enquanto bem comum, ou seja, a pr em causa a equidade e a promover formas cada vez mais duras e precoces de excluso social.

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:EDITORIAL

:DADIRECO

Num pas em que, de acordo com o relatrio do Starting Strong II, 67%3 da fora de trabalho garantida pelas mulheres e que apenas 14% destas esto a tempo parcial (contra 5,8% dos homens), a definio e aplicao de polticas mais articuladas, que apostem na participao e responsabilizao das comunidades, nomeadamente das famlias, devero ser a garantia de que a Educao um direito alcanado com equidade. Citando Sall e Ketelle (1996), a equidade diz respeito ao modo como os custos e as vantagens do investimento educativo so distribudos entre os diferentes grupos da sociedade () um sistema educativo ser to mais equitativo quanto sejam reduzidas as disparidades entre os mais fortes e os mais fracos, entre os grupos favorecidos e desfavorecidos. Os mesmos autores alertam, porm, que a equidade nunca poder ser entendida desligada da noo de justia e que deste binmio depende intrinsecamente a qualidade de vida e o desenvolvimento humano. No estudo prospectivo realizado em 2000, sob a coordenao de Roberto Carneiro,4 foi reafirmada a necessidade de expandir e desenvolver a educao pr-escolar como estratgia-chave para a promoo da qualidade da educao. No relatrio previa-se que em 2010 seria possvel atingir uma taxa de cobertura na ordem dos 100%. As hipteses de evoluo apresentadas eram as seguintes: Idade 5 anos: cobertura a 100% em 2005 Idade 4 anos: cobertura a 84% em 2005, 100% em 2010 Idade 3 anos: cobertura a 79% em 2005; 100% em 2010 Estes objectivos ainda no foram alcanados. Temos ainda um nmero aprecivel de crianas, dos 0 aos 6 anos, que no tm acesso a respostas educativas (creche e jardim de infncia), tambm no o tm a ou3 79% das mulheres com filhos menores de 6 anos est empregada, e 70,8% das mulheres trabalhadoras tm filhos menores de 3 anos 4 O Futuro a Educao

tros equipamentos como bibliotecas, ludotecas, parques e ginsios, teatro, cuidados de sade, habitao condigna, segurana Temos crianas que no so atendidas por serem portadoras de deficincias ou doenas crnicas e o sistema no tem capacidade de resposta nem em infra-estruturas nem em recursos humanos e financeiros. H crianas a quem vedada uma continuidade educativa como passaporte para o sucesso das suas aprendizagens. As famlias tm que se valer de solues prestadas por entidades privadas, com custos normalmente pesados, tm que ver-se diariamente confrontadas com horrios de trabalho incompatveis com os horrios escolares e com a exiguidade de respostas de apoio para os complementos para alm do calendrio escolar, a acrescer a tudo isto existem outras situaes como a mobilidade docente, a falta de consolidao de modelos de gesto e de avaliao do sistema educativo No presente nmero dos CEI, procurmos trazer aos nossos leitores contributos que permitam dar visibilidade reflexo de outros profissionais sobre a aprendizagem mas tambm testemunhos da interveno educativa. Encontrar tambm elementos relativos investigao e formao contnua, muito concretamente, decorrente do trabalho da APEI. Saliento ainda alguns testemunhos sobre o Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades para Todos. Finalmente, o caderno destacvel nesta revista em que podero encontrar um documento, produto do questionamento e reflexo do Grupo de Trabalho tica, coordenado pela associada Maria da Conceio Moita, que a Direco da APEI apresenta para discusso pblica e para o qual todos podero dar o seu contributo. Posteriormente este ser referendado entre todos os associados. A Direco da APEI agradece a fidelidade e interesse de todos os associados e assinantes ao longo de 2007 e formula desde j os seus mais sinceros votos de um excelente ano de 2008.

Estatuto de utilidade pblica No passado dia 28 de Setembro, por despacho do Senhor Primeiro-Ministro Jos Scrates1, foi atribudo APEI o estatuto de utilidade pblica. O pedido foi apresentado pela actual Direco em Abril de 2006 e aps um percurso moroso, que envolveu a consulta de diferentes entidades para darem parecer sobre o papel da associao, chegmos a bom porto. Esta declarao reconhece o relevante trabalho de servio comunidade desenvolvido pela APEI na partilha de informao e a formao contnua dos profissionais de educao de infncia, ao estimular a divulgao de prticas educativas inovadoras, contribuindo assim para o desenvolvimento de uma educao de qualidade da populao e, consequentemente, do Pas, ao organizar e participar em eventos na rea da educao e ao cooperar com as mais diversas entidades pblicas e privadas atravs da celebrao de vrios protocolos.. A Direco pretende, num gesto colectivo de alegria e realizao, congregar todos os associados que ao longo de 26 anos contriburam com o seu trabalho, empenho e profissionalismo para que a APEI possa ser hoje um veculo significativo de formao e informao para os profissionais de Educao de Infncia, Parabns a todos e votos de que este momento reforce os laos de participao de todos e cada um dos associados. Eleio dos rgos Sociais da APEI Recordamos que em Maro de 2008 se dever realizar a Assembleia Geral Extraordinria para eleio dos rgos Sociais para o trinio 2008-2011. Convidamos todos os associados a participar, constituindo e apresentando Mesa da Assembleia listas eleitorais para esse efeito, de acordo com o art. 17 dos Estatutos da APEI.1 Despacho 23469/2007 de 12 de Setembro, Dirio da Repblica, 2 srie N 197.

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:CONVERSACOMRespostas s questes colocadas pela APEI sobre o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos para efeitos de publicao nos Cadernos de Educao de Infncia (CEI)Questo 1. Considerando os objectivos traados para o Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidade para Todos, designadamente sensibilizar para o direito igualdade e alargar o debate sobre as formas de discriminao em diferentes reas, como analisa as aces realizadas? Questo 2. No quadro nacional e europeu, que medidas entende serem fundamentais para garantir, a curto prazo, a igualdade de oportunidades para todas as crianas dos 0 aos 6 anos? Rui Marques Alto Comissrio para a Imigraoe Dilogo Intercultural Resposta 1. Em primeiro lugar, importante deixar claro que a sensibilizao para a igualdade de oportunidades, a preveno e combate discriminao esto implcitas aos objectivos que norteiam a interveno especfica do ACIDI, pelo que se poder afirmar que a sua concretizao se verifica de forma transversal em todos os eixos do plano de actividades do ACIDI. O sentido de toda a nossa aco resume-se no nosso lema ACOLHER e INTEGRAR, cada vez mais e melhor! Procuramos pr em prtica, atravs de todos os meios ao nosso dispor, o princpio da igualdade de direitos e deveres entre cidados nacionais e estrangeiros, ancorando a nossa interveno num conhecimento e num diagnstico fundamentado da realidade. (www.oi.acidi.gov.pt) Recordo que a misso do Alto Comissariado, enquanto estrutura interdepartamental de apoio e consulta ao Governo em matrias de imigrao e minorias tnicas, consiste justamente na contribuio substantiva para uma (melhor) integrao e participao dos imigrantes e minorias tnicas na sociedade portuguesa. Esta colaborao , sempre aqui, entendida numa perspectiva de parceria, com as estruturas representativas das comunidades imigrantes: na definio de polticas de integrao social e de combate excluso e no acompanhamento da aplicao dos instrumentos legais de preveno e proibio das discriminaes no exerccio de direitos por motivos baseados na raa, cor, nacionalidade ou origem tnica. (DL 251/2002).

Maria de Lurdes Rodrigues Ministra da Educao Resposta 1. As muitas aces que tm decorrido por todo o pas so muito meritrias e tm envolvido muitas instituies e pessoas. O trabalho de divulgao de informao, de abertura de espaos pblicos de debate e de sensibilizao para a necessidade da defender valores centrais da nossa sociedade so instrumentos a que o Estado deve apostar, porque so formas de mobilizao da sociedade civil em torno de causas que devem merecem um largo consenso pblico. Um pouco por todo o pas, as escolas aderiram iniciativa em colaborao com autarquias e organizaes da sociedade civil, revelando uma notvel abertura cooperao institucional e empenho em levar os espaos de debate, esclarecimento e sensibilizao s crianas e jovens.

Resposta 2. O caminho no sentido da igualdade de oportunidades implica a interveno em mltiplas reas e medidas integradas. A rea da educao , naturalmente, central nos primeiros anos de vida: a qualidade das aprendizagens a que a criana tem acesso nos primeiros anos condiciona decisivamente o seu desenvolvimento cognitivo e est fortemente correlacionada com o seu desempenho escolar futuro. O caminho a percorrer o do alargamento da proviso pblica de creches e de educao pr-escolar, garantindo progressivamente a todas as famlias e a todas as crianas a oportunidade de um acompanhamento de qualidade, facilitador das aprendizagens futuras, quando as crianas entram na escolaridade obrigatria.

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:CONVERSACOM

A alterao orgnica ( DL 167/2007 de 3 de Maio) que transformou o ACIME em Instituto Pblico, Alto Comissariado para a Imigrao e Dilogo Intercultural ACIDI- I.P., veio reforar as funes de ...concepo, execuo e avaliao das polticas pblicas, transversais e sectoriais, relevantes para a integrao dos imigrantes e das minorias tnicas... atribuindo-lhe, ainda, responsabilidades mais alargadas na promoo activa do dilogo entre as diversas culturas, etnias e religies. Este exerccio de uma poltica voluntria e intencionalmente orientada para a implicao das comunidades imigrantes na definio das polticas que lhes dizem directamente respeito um caminho longo e necessariamente lento e temos conscincia do muito que h por fazer e que as (des)igualdades de partida so inmeras e que os resultados s podero verdadeiramente acontecer atravs de um esforo e de uma cooperao institucional entre diversos sectores da sociedade portuguesa. A expresso deste esforo o Programa para a Integrao de Imigrantes P.I.I. (RCM 63-A/2007, de 7 de Maro) que envolve a actuao de 13 Ministrios e a concretizao de 122 medidas. De uma forma mais concreta, poderei, no entanto, apontar algumas das actividades desenvolvidas pelo ACIDI, I.P. que se enquadram mais directamente nos objectivos do AEIO: - A institucionalizao, por exemplo, de interfaces amigveis e de resposta integrada entre os imigrantes e a Administrao, atravs dos Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante (CNAIs), em Lisboa e Porto, e dos, j 68, Centros Locais de Apoio ao Imigrante (CLAIs), presentes em diversos pontos do Pas. A linha SOS Imigrante, o Boletim de Informao mensal e os programas de televiso NS e de rdio Gente com Ns so outros instrumentos fundamentais na facilitao do acesso informao por parte da comunidade imigrante. - A educao e formao para a interculturalidade outro dos eixos de aco em que os ACIDI tm apostado de forma continuada. Ao servio da sensibilizao de agentes e ins-

tituies que, na sociedade de acolhimento interagem com as comunidades imigrantes, so dinamizadas aces de formao nas instituies que o requeiram, atravs do site do ACIDI (www.acidi.gov.pt - Entreculturas/ Mdulos de Formao). Ao abrigo deste programa, a funcionar desde Abril de 2006, j se realizaram mais de 500 aces, nas quais se destaca a participao expressiva de professores. O lanamento de dois novos sites, (www.entreculturas.pt e www.entrekulturas.pt), direccionados respectivamente para formadores e para jovens constituem duas novas apostas que reforam e enquadram de forma mais sistemtica, instrumentos de apoio aprendizagem intercultural. - A Comisso para a Igualdade e Contra a Discriminao Racial CICDR (Lei n. 134/99, de 28 de Agosto) um rgo independente, especializado na luta contra a discriminao racial que funciona junto do Alto-Comissariado para a Imigrao e Dilogo Intercultural e a que preside o Alto-Comissrio, a plataforma mais directamente vocacionada para assegurar respostas mais concretas a formas de discriminao tnico-racial ou qualquer expresso de xenofobia, nomeadamente nos domnios do trabalho, da sade, da educao e da cidadania. Neste mbito, reala-se ainda a criao de um site (www.cicdr.pt) orientado especificamente para divulgar informao til a todos os cidados sobre a importncia da luta contra o racismo e sobre os meios disponveis para poderem denunciar situaes de racismo e obterem todo o apoio necessrio. - Uma das contribuies do ACIDI no AEIO foi o lanamento, em colaborao com o Ministrio da Educao, do concurso A minha escola no combate discriminao. Este concurso, no qual foram convidados a participar as escolas dos 2., 3. ciclos e ensino secundrio, e que est em fase de anlise de candidaturas, ir premiar aces levadas a cabo pelos alunos, dentro ou fora das escolas, que privilegiem a informao ou a formao contra a discriminao e o racismo e promovam o dilogo e cooperao entre as diferentes pessoas e culturas.

Resposta 2. Do ponto de vista do ACIDI, e tendo em vista sobretudo as crianas descendentes de imigrantes, que so as que se situam na esfera de aco do ACIDI, julgo que valia a pena continuar a apostar na formao inicial e contnua dos agentes e educadores que esto em contacto com as crianas, sensibilizando-os e qualificando-os para um trabalho pedaggico intercultural, ou seja, que acolha a diversidade de todos os alunos e que esta, em vez de ser obstculo ou problema, possa ser transformada em recurso da aprendizagem. (No site do ACIDI www.entreculturas.gov.pt esto disponveis para download duas brochuras que do sugestes neste domnio: Uma Escola Uma sala de Aula Interculturais e Um livro... Uma Histria... Interculturais). O nosso lema Acolher e integrar tambm vlido para estas circunstncias!

Elza Pais Coordenadora da Estrutura de Misso do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos e Pres. da Comisso da Cidadania e da Igualdade de Gnero Resposta 1. A Estrutura de Misso do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, criada pela Resoluo de Conselho de Ministros n88/2006 de 6 de Julho, integra representantes de 7 instituies, a saber: Comisso para a Cidadania e a Igualdade de Gnero (CIG), Alto Comissariado para a Imigrao e o Dilogo Inter-Cultural (ACIDI), Instituto de Emprego e Formao Profissional (IEFP), Instituto Portugus da Juventude (IPJ), Instituto de Segurana Social (ISS), Instituto Nacional para a Reabilitao (INR) e Coordenadora do Plano Nacional para a Incluso (PNAI). A mesma Resoluo do Conselho de Ministros atribuiu a Coordenao Nacional desta Estrutura Senhora Presidente da CIG, Dra. Elza Pais. A natureza da composio da Estrutura de Misso garantiu, a priori, uma interveno alargada por vrias dimenses

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da vida social portuguesa na medida em que estas entidades tm como reas de incidncia os pblicos-alvo que os objectivos do Ano Europeu pretendem alcanar, ou seja, pessoas e grupos susceptveis de discriminao em razo do sexo, da origem tnica, da idade, da deficincia, da orientao sexual ou da religio. Alm disso, garantem ainda a transversalidade da divulgao da mensagem promotora da igualdade de oportunidades, da no-discriminao e da valorizao da diversidade em termos de problemticas que afectam toda a populao, nomeadamente no que se refere s questes da igualdade de gnero e do acesso ao mercado de trabalho. A Estrutura de Misso, responsvel pela elaborao do Plano Nacional de Aco, pretendeu com o tipo de eventos, campanhas e iniciativas nele contemplado fazer chegar a todos os cidados a mensagem do Ano Europeu, nomeadamente no que se refere sensibilizao pblica para a questo dos Direitos, da Representao, do Reconhecimento e do Respeito. Por isso, de forma a concretizar esta inteno procedeu segundo uma lgica de territorializao descentralizada que permitiu sociedade civil participar activamente na implementao desta iniciativa comunitria, criando, para o efeito, um Plano Aberto em que foi possvel tutelar e apoiar por todo o pas as actividades que as associaes, escolas e autarquias pretenderam desenvolver no mbito da Igualdade de Oportunidades, da No-Discriminao e da Valorizao da Diversidade. Neste sentido, a forte adeso da sociedade portuguesa ga-

rantiu o sucesso e o ultrapassar de todas as expectativas a esta iniciativa que contou com o apoio de Governos Regionais, Governos Civis, Autarquias, ONGs e Escolas por todo o territrio nacional, tendo sido realizadas, at ao momento, um conjunto de cerca de 260 aces que, entre Assembleias Municipais, fruns, festas, congressos, espectculos, colquios, mostras, seminrios, exposies, debates, concursos a prmios, ciclos de cinema, etc., permitiram uma ampla promoo das mensagens do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, contribuindo seguramente para a sensibilizao essencial construo de uma sociedade mais justa e mais coesa. Resposta 2. Antes de mais, a criao de condies scio-culturais efectivamente promotoras da prtica da igualdade de oportunidades, sem discriminaes e de forma equitativa, de modo a que a aprendizagem infantil tenha este princpio como um dado adquirido, capaz de garantir s crianas a sua apreenso de forma interiorizada. Neste contexto, urge chamar a ateno para a necessidade da transversalidade da prtica da igualdade de gnero que percorre todas as temticas susceptveis de discriminar, nomeadamente em funo da etnia, da idade, da deficincia, da orientao sexual e da religio ou crena. Sabendo ns o papel fundamental que a imitao e a reproduo comportamental tm na aprendizagem de aquisio de competncias sociais das crianas, as prticas, atitudes e valores

exercidas pelos adultos so, sem dvida, a condio prvia determinante para o exerccio de processos educativos, pedaggicos e formativos que salvaguardem a igualdade de oportunidades entre os membros mais jovens da nossa sociedade. , por isso, fundamental a ateno preservao deste princpio de aco no que respeita aos cuidados a ter relativamente aos ambientes scio-educativos bem como aos contedos dos seus programas de ocupao do tempo das crianas, bem como a vigilncia em relao ao exerccio da violncia social no meio envolvente em que as crianas se desenvolvem com particular ateno dedicada questo dos maus tratos infantis. A educao, a cultura, a afectividade, a proteco social e a assistncia psicossocial s crianas e s famlias em que se processa o seu crescimento so dimenses centrais para o sucesso da integrao e incluso social dos mais novos. Nesse sentido, reiteramos a importncia do cumprimento do exerccio dos Direitos Humanos e dos Direitos das Crianas no que respeita ao desenvolvimento da sua personalidade e no acesso aos meios que o condicionam, designadamente os que se referem s condies materiais de vida que, dada a heterogeneidade dos grupos scio-econmicos, devem contudo atender, sem discriminao e em pleno exerccio da igualdade de oportunidades, satisfao das necessidades bsicas para um crescimento saudvel e integral das competncias e potencialidades de cada criana.

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:ARTIGO

Formao e Caminhos de Profissionalidade 1na Educao de InfnciaA formao um fazer permanente (...) que se refaz, constantemente, na aco. Para se ser, tem de se estar sendo. Paulo Freire, 1972 A formao constri-se atravs de um trabalho de reflexividade crtica sobre as prticas e de (re)construo permanente de uma identidade pessoal. Por isso to importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experincia (Nvoa, 1992, p. 25). A este respeito, tambm Lesne e Mynvielle (1990) consideram que a formao, enquanto processo organizado e intencional, corresponde a um processo contnuo e multiforme de socializao coincidente com a trajectria profissional individual. Assim, a produo das prticas profissionais remete para o processo de socializao profissional vivido nos contextos de trabalho, onde coincidem no espao e no tempo, uma dinmica formativa e um processo de construo identitria. Vrias so as investigaes que se tm realizado em Portugal, nos ltimos anos, sobre a formao de professores Ana Benavente (1990), Antnio Nvoa (1988, 1991, 1992), Rui Canrio (1992, 1994, 1995, 1997, 1999), Ablio Amiguinho (1994) no sentido de considerarem a profisso docente como uma profisso que se constri no dia-a-dia, sendo o produto de um processo de formao contnua, onde os factores pessoais e contextuais ocupam um lugar de destaque. O sujeito, ao contactar diferentes grupos sociais ao mesmo tempo que se socializa, torna-se identificvel, uma vez que na interaco com os outros que interioriza progressivamente modos de ser, estar e pensar dos membros de um grupo social. Neste sentido, o sujeito, ou porque se quer distinguir do grupo ou, pelo contrrio, manifesta o desejo de pertencer ao grupo, vai construindo a sua identidade atravs de adaptaes sucessivas. No caso particular dos Educadores de Infncia, as adaptaes sucessivas a situaes

IsabelMariaTomsioCorreia . [email protected] que vo surgindo no seu quotidiano, bem como a reflexividade das suas prticas, permitem um caminhar para uma identidade profissional, atravs de processos de socializao que Dubar (1997) designa por socializao secundria. Esta est directamente relacionada com a prpria realidade profissional e com a aquisio dos saberes especficos dessa profisso. Spodek e Saracho (1998), ao abordarem os programas de formao dos Educadoress de Infncia, referem que estes devem comportar reas de conhecimentos gerais, amplos, abrangentes, onde estejam presentes as questes da linguagem e alfabetizao, matemtica, arte, educao fsica, sade; conhecimentos profissionais, onde se incluem as reas da histria e filosofia da educao, psicologia do desenvolvimento, pedagogia; conhecimentos curriculares, com o objectivo de aprenderem a planificar, organizar, implementar e avaliar os programas a desenvolver com as crianas; conhecimentos prticos, considerados de extrema importncia para o desenvolvimento de uma interveno de qualidade, sendo adquiridos atravs da observao e participao nos espaos educativos, entrosados com os conhecimentos tericos. Todavia, estes autores consideram que a formao do Educador no termina com o fim do curso (...), ela requer um contnuo desenvolvimento profissional (p. 36). As competncias profissionais so adquiridas de forma gradual, so como habilidades que se podem desenvolver atravs da experincia, da prtica pedaggica quotidiana. Destaca-se, assim, a importncia da formao contnua no desenvolvimento profissional do Educador. A prtica pedaggica na formao dos Educadores ocupa um lugar de destaque, consistindo este o elemento preponderante de anlise e reflexo. Neste sentido, est subjacente uma concepo de formao centrada na actividade quotidiana, nos contextos de trabalho, prxima dos problemas reais dos educadores. Deste modo, est a contribuir-se para o desenvolvimento profissional, na ideia de que este um processo vivencial no puramente individual, mas um processo em contexto, onde transparece uma preocupao com os processos (levantamento de necessidades, participao dos professores na definio da aco), os contedos concretos aprendidos (novos conhecimentos, novas competncias), os contextos da aprendizagem (formao centrada na escola), a relevncia para as prticas (formao centrada nas prticas) e o impacto na aprendizagem dos alunos (Joyce e Showers, 1988, cit., Oliveira-Formosinho, 2000b, p. 43). Atravs desta definio bem visvel como o desenvolvimento profissional um processo que decorre nos contextos profissionais, na aco quotidiana, em que a pessoa do educador tambm tem um papel relevante, verificando-se, assim, uma interaco entre o educador-pessoa e os contextos onde desenvolve a sua aco. O educador, no seu exerccio profissional, faz um grande investimento pessoal, tal como afirma Nias (1991), o professor a pessoa [assim como] uma parte importante da pessoa o professor (cit. Nvoa, 1992, p. 25), o que parece estar de acordo com a relao proposta por Dubar (1997) entre a socializao primria e secundria, uma vez que considera que entre as duas se verifica uma dependncia que no deve ser ignorada, atendendo a que a socializao secundria nunca apaga totalmente a identidade geral construda no final da socializao primria (p. 98). Nesta sequncia, pertinente referir que de extrema importncia que o Educador articule as dimenses pessoais e profissionais, de modo a permitir apropriar-se dos seus processos de formao e atribuir-lhes um sentido no seu percurso de vida porque, de facto, as preocupaes e a compreenso das situaes, quer pessoais, quer profissionais, podem ser pensadas como um processo

1 Este artigo integra-se numa investigao mais alargada realizada no mbito do Mestrado em Cincias de Educao, na rea de Formao de Adultos da Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao, Universidade de Lisboa, orientado pelo Professor Doutor Rui Canrio.

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dinmico que tenha a ver [com as suas vivncias quotidianas] com a experincia do professor, com os significados que lhe atribui, com as interpretaes que faz e com as oportunidades de formao que vivencia (Oliveira-Formosinho, 2000b, p. 111). Katz (1977, 1995, cit. Oliveira-Formosinho, 2000b, p. 111) realizou um estudo sobre a formao dos Educadoress de Infncia e considerou que poderia aplicar o conceito de desenvolvimento formao contnua, e apresenta quatro estdios de desenvolvimento ligados sua experincia no decurso do tempo, s necessidades profissionais que se desenvolvem em cada fase de formao: sobrevivncia, consolidao, renovao e maturidade. O estdio de sobrevivncia corresponde ao primeiro ano de prtica pedaggica, onde educador, ao deparar-se com a realidade, com a funo a desempenhar, pode desencadear sentimentos de falta de preparao para a tarefa, nomeadamente ansiedade e insegurana. A autora considera que as necessidades de formao esto situadas no contexto e consistem em aces de apoio, ajuda, de suporte, compreenso, encorajamento e guia (p. 112). O estdio de consolidao situa-se no fim do primeiro ano de trabalho, onde ser necessrio consolidar as aquisies j feitas e identificar as tarefas e as competncias, a fim de dar seguimento sua interveno. As necessidades de formao continuam a estar situadas no contexto, todavia j esto orientadas no sentido do dilogo, em torno de questes prticas, com recurso e em interaco com outros profissionais. O estdio de renovao surge normalmente entre o terceiro e quarto anos de actividade; a educadora comea a sentir o peso da rotina, comea a questionar-se sobre o que fazer, como fazer, com que materiais, com que tcnicas, necessita de novas ideias, pelo que as necessidades de formao extravasam o contexto de trabalho, surge o recurso troca de experincias, partilha entre colegas, quer em espaos formais como informais; surge a procura de um caminho de cres-

cimento dentro da cultura da educao de infncia (p. 113). Por ltimo, o estdio de maturidade atingido por algumas educadoras em trs anos de exerccio profissional, por outras somente em cinco anos. O educador neste estdio j atingiu um nvel de confiana na sua competncia, reflecte criticamente sobre a sua experincia profissional com pares e vrios especialistas, encaminhando-se as necessidades de formao, desta forma, para a reflexo, quer em pequeno ou em grande grupo, como o caso da participao em conferncias, seminrios ou frequncia de cursos de ps-graduao. Verifica-se, assim, cada vez mais, uma necessidade acentuada da formao de educadores de infncia se afastar da lgica tradicional do modelo escolar, caracterizando-se este, em regra, pela organizao de um conjunto de aces pontuais de formao, dirigidas capacitao individual, sem a unidade e a coerncia que s uma viso estratgica lhe poderia dar (Canrio, 1999, p. 41), abdicando de se socorrer dos principais recursos da formao: a personalidade e a experincia dos respectivos profissionais. Existe, assim, um tempo e um espao prprios para aprender (formao) e um tempo e um espao prprios para agir (aco). O contexto surge como um espao de aprendizagem colectiva dos seus actores, deixa de ser um lugar onde somente os alunos aprendem e passa a ser o lugar onde tambm as educadoras aprendem a sua profisso, adquire um estatuto de relevo para o desenvolvimento profissional das educadoras (Canrio, 1997b). Esta aprendizagem corresponde a um percurso pessoal e profissional, onde se articulam dimenses pessoais, profissionais e organizacionais. Nesta lgica de formao em que o Educador deixa de ser uma tbua rasa, ele o principal recurso da sua formao, atendendo a que o saber profissional s pode ser construdo a partir da experincia e esta, para ser formadora, dever passar pelo crivo da reflexo crtica, o que implica aceitar a ideia de que a aprendizagem se faz, simulta-

neamente, contra a experincia (Bourgeois e Nizet, 1997, cit. Canrio, 1997b, p. 12). de salientar que a experincia corresponde a uma construo feita em contexto pelo prprio sujeito que articula e mobiliza lgicas de aco distintas (Dubet, 1994, cit. Canrio, 1997b, p. 12). A formao vai-se construindo, num processo de relao entre a teoria e a experincia, entre o saber e o conhecimento que se encontra no mago da identidade pessoal (Dominic, 1986). O Educador guarda para si como saber de referncia tudo o que se relaciona com a experincia e com a sua identidade, tal como salienta Dominic, (1990): Devolver experincia o lugar que merece na aprendizagem dos conhecimentos necessrios existncia (pessoal, social e profissional) passa pela constatao de que o sujeito constri o seu saber activamente ao longo do seu percurso de vida. Ningum se contenta em receber o saber, como se ele fosse trazido do exterior pelos que detm os seus segredos formais. A noo de experincia mobiliza uma pedagogia interactiva e dialgica (cit. Nvoa, 1992, p. 25). Pensa-se que a formao dos educadores se encaminha para processos onde a reflexo sobre a prtica uma constante, na expectativa de que a reflexo ser um instrumento de desenvolvimento do pensamento e da aco. Como afirma Gmez (1992, p. 112), o pensamento prtico do professor no pode ser ensinado, mas pode ser aprendido. Aprende-se fazendo e reflectindo na e sobre a aco. A dimenso colectiva e social da reflexo sobre as prticas assume-se assim como um estmulo ao desenvolvimento profissional, como espao de reflexo sobre a formao, como espao de trabalho sobre os prprios saberes de que cada educador portador. Para tal, como diz Nvoa (1992), necessrio investir positivamente nos saberes de que o educador portador, trabalhando-os do ponto de vista conceptual e terico. Desta forma, a formao pode contribuir para uma nova imagem da profissionalidade

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docente e deve ter como eixo de referncia o desenvolvimento profissional na dupla perspectiva do educador individual e do colectivo docente, ou seja, as prticas e experincias que individual e colectivamente os educadores vo construindo nos seus contextos de trabalho contribuem para a emancipao profissional, para a consolidao de uma profisso que autnoma na produo dos seus saberes e dos seus valores (Nvoa, 1992, p. 27). Esta linha formativa tem como finalidade a aquisio e o enriquecimento profissional dos docentes, implicando a construo de diferentes saberes: o saber, o saber-ser e o saber-fazer. Estes saberes estaro alicerados quer nas perspectivas scio-educativas, psicopedaggicas e curriculares, quer nas perspectivas de desenvolvimento humano e de relao social (Sarmento, 1999a, p. 3) e correspondem a um processo de aprendizagem. Neste sentido, pensamos que pertinente reflectir sobre a singularidade da profisso do educador de infncia, sobre o tipo de regras baseadas num conjunto de saberes e saberes-fazer adquiridos num determinado espao e tempo de formao. A singularidade da profissionalidade dos Educadores de Infncia A profisso docente uma profisso que se vai construindo ao longo de uma vida, produto de um processo de formao e co-formao, na qual os factores pessoais e contextuais em que se exerce ocupam um lugar de relevo, nalguns casos determinante. Sacristn (1995) define profissionalidade como o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor (p. 65). Est em permanente elaborao e para ser analisada ter de ser contextualizada de acordo com o momento histrico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende legitimar (idem). Katz (1993) considera que profissionalidade se relaciona com o crescimento em especificidade, racionalidade e eficcia dos conhecimentos, competncias, sentimentos e disposies para aprender ligadas ao exerccio profissional dos educadores de infncia (cit. Oliveira-Formosinho, 2000a, p. 153).

A profisso de educador de infncia tem vindo a passar por momentos difceis, tem-se deparado com alguns obstculos na afirmao social, ainda considerada uma profisso de baixo estatuto, contribuindo bastante para esta situao o facto de que as representaes sociais das famlias e da sociedade, num sentido amplo, tendem a dar continuidade ideia de que para trabalhar com crianas pequenas, requer pouca actividade intelectual, rigor e credibilidade acadmica, continuando-se a pensar que basta gostar-se de crianas e ser-se carinhoso para se ser bom educador (Portugal, 2000, p. 103). Sobressai uma imagem de maternalizao enquanto nos professores dos outros nveis de ensino sobressaem os saberes cientficos e acadmicos. A interveno do educador baseia-se na importncia e valor da actividade ldica como suporte de desenvolvimento da criana; a brincadeira e o jogo so os elementos cruciais, diramos estruturantes, da sua prtica pedaggica e como so coisas que qualquer um pode fazer, como so considerados assuntos que no requerem saberes especficos, provocam alguma indefinio quanto s suas funes, dificultam a valorizao e a afirmao da sua interveno. O educador actua em contextos bastante diversificados e desempenha vrias funes que, segundo Saracho (1984, cit., Spodeck e Saracho, 1998), se agrupam em seis dimenses: diagnosticar, desenvolver currculos, organizar as aprendizagens, gerir as aprendizagens, aconselhar e tomar decises. Os papis do educador tambm so vrios, identificados como afectivos, instrucionais e relacionais, contendo cada um elementos de aco e tomada de decises (Spodeck e Saracho, 1998, p. 31). Cristina Figueira (1992) realizou um estudo sobre a especificidade da profisso do educador de infncia e define essa especificidade segundo cinco caractersticas, a saber: - funes amplas de atendimento criana, que ultrapassam habitualmente as funes atribudas aos professores dos outros nveis de ensino. O educador tende a colocar o nfase nos processos de aprendizagem em detrimento dos contedos de ensino, procurando responder de forma global e inte-

grada s necessidades das crianas desde os primeiros meses de vida at aos seis anos (p. 5); - prticas pedaggicas que privilegiam os espaos ldicos e o jogo na aprendizagem das crianas, no envolvimento de outros actores sociais no acto educativo, na procura de solues para a resoluo dos problemas locais, na preocupao em proporcionar s crianas e famlias aprendizagens que partam do real, do concreto e no do abstracto; - contextos de trabalho, muito diversificados, desde atendimentos muito prolongados, com um grande nmero de horas a funcionar, consistindo em respostas de guarda e de educao extensivas (p. 6), onde se procura servir crianas e famlias, a contextos cuja funo predominantemente educativa; - pblicos com que o educador trabalha crianas e famlias , que pelas suas caractersticas solicitam um investimento complexo, onde a educadora tem de articular o seu saber profissional com as expectativas e desejos das famlias, tem de ser capaz de negociar quais os aspectos mais adequados ao desenvolvimento integrado das crianas que devem ser valorizados, tendo em considerao os valores e cultura da comunidade em que est inserido (idem); - representaes sociais que o prprio educador tem do seu trabalho, a importncia que atribuem sua prtica profissional, a diferenciao que fazem dos outros professores, recusando assumir funes ensinantes. Outro estudo sobre a especificidade da profisso do educador de infncia a investigao realizada por Jlia Oliveira-Formosinho (1998): o desenvolvimento profissional dos educadores de infncia. Um estudo de caso. Ao reflectir sobre a especificidade da profisso do educador, no se refere somente situao portuguesa, mas tambm a outros contextos do mundo ocidental, onde apresenta cinco dimenses nas quais se ancora

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a singularidade da profisso do educador de infncia, a saber: caractersticas da criana pequena; caractersticas da educao pr-escolar; caractersticas dos contextos de trabalho e da condio docente; caractersticas do processo e das tarefas desempenhadas pelas educadoras; caractersticas da educadora de infncia. - Caractersticas da criana pequena A autora reflecte sobre a forma como a criana aprende, como a criana se desenvolve, considerando que segundo uma forma holstica, apresentando-se como um sujeito no sectorizvel, onde se verifica uma dinmica intensa entre o desenvolvimento afectivo, cognitivo e social (pp. 71-72). Focaliza a vulnerabilidade da criana pequena, referindo que um ser frgil, que necessita de cuidados fsicos e psicolgicos constantes (p. 73), pelo que, segundo Katz e Goffin (1990), Medina Revilla (1993), esta caracterstica contribui para diferenciar a profisso. Esta globalidade e vulnerabilidade da criana requer por parte do educador de infncia um alargamento, uma maior abrangncia do seu papel, a fim de nada ficar a descoberto, nada descurar, vindo reforar a ideia acima referida de que o papel do professor de crianas pequenas no s tem um mbito alargado como sofre de indefinio de fronteiras (Katz e Goffin, 1990, cit. Oliveira-Formosinho, p. 72). - Caractersticas da educao pr-escolar Nesta dimenso, a autora analisa algumas caractersticas gerais da educao pr-escolar, nomeadamente a diversidade de modelos curriculares, a menor presena do Estado, a indefinio terminolgica. Considera que o desenvolvimento de vrios modelos curriculares foi (...) uma resposta a esta especificidade da educao de infncia fomentada pela menor presena do estado (p. 74). Em relao indefinio terminolgica para este nvel de ensino (educao pr-escolar, ensino pr-escolar, educao de infncia, educao infantil, ensino pr-primrio, entre outras), a autora refere que as caractersticas especficas se reflectem na indefinio terminolgica e que a opo pela designao

de Educao de Infncia se relaciona com a inteno de contrapor uma posio que sublinha o papel do educador como aquele que contribui para reforar o que a criana tem de nico, recusando o papel preparatrio das aprendizagens da escolaridade bsica ligada designao pr-escolar (Simes, 1995, cit. Oliveira-Formosinho, p. 75). - Caractersticas dos contextos de trabalho e da condio docente A influncia dos contextos organizacionais diversificados nas condies de trabalho e na condio docente o que sobressai nesta dimenso. Como refere a autora: sabido que o contexto onde se trabalha serve para caracterizar a profisso, importante para o bem-estar profissional (Bertram e Pascal, 1997a, 1997b) e para o prestgio do profissional e da profisso (p. 75). - Caractersticas do processo e das tarefas desempenhadas pelas educadoras O papel abrangente, a amplitude e singularidade de tarefas, a dupla funo educativa e assistencial , a importncia das relaes e interaces com crianas, famlias e outros profissionais, consistem nos aspectos mais relevantes desta dimenso. Segundo Bredekamp (1996, cit. Oliveira-Formosinho, 1998, p. 78), as tarefas do educador podem agrupar-se em trs reas: 1. cuidados da criana e do grupo bem-estar, higiene, segurana; 2. educao entendida como socializao, como desenvolvimento, como instruo pr-acadmica; 3. animao infantil. Exige-se do educador uma grande amplitude e singularidade de tarefas; esta ter de articular o saber profissional com as expectativas, anseios, desejos das crianas, famlias e comunidade em geral; requer grande capacitao pessoal e (...) profissional (p. 79) para intervir junto de pblicos com caractersticas muito diferentes. Katz e Goffin (1990, cit. Oliveira-Formosinho, 1998, p. 78) identificam sete elementos que diferenciam os educadores dos outros professores, nomeadamente: mbito alargado

do papel da educadora de infncia (...), a diversidade de misses e ideologias, a vulnerabilidade da criana, o foco na socializao, a relao com os pais, as questes ticas (...), o currculo integrado. - Caractersticas do educador de infncia Nesta dimenso, a autora reflecte sobre a forma como foram construdas historicamente as caractersticas do educador, referindo que as mesmas se aliceram na maternalizao e na feminilizao, uma vez que continua difundida na opinio pblica a ideia de que a aco da educadora de infncia um prolongamento da aco materna (...). A feminilidade da profisso seria, assim, uma consequncia da maternalidade (p. 81). A profisso de educador de infncia necessita de criar um espao de afirmao, visibilidade e valorizao, em suma necessita de dar a conhecer o seu saber profissional, isto , os seus conhecimentos, as suas competncias e as suas atitudes. Necessita de dar a conhecer que produtor de saberes pertinentes e significativos sobre a especificidade da Educao de Infncia e que valoriza as abordagens ecolgicas e sistmicas dos fenmenos educativos em detrimento das perspectivas tecnocratas e mecanicistas da educao. As bases de construo do seu saber profissional concedem um estatuto ao saber emergente da prtica pedaggica, ao saber da experincia, aliceram-se no dia-a-dia a partir da reflexo sobre as prticas, sobre a aco, esperando-se respostas inovadoras, imaginativas, aos problemas que ocorrem nesse quotidiano (Vasconcelos, 1993) e posteriormente confrontadas e reflectidas com as prticas de outros pares e com teoria da especialidade. Gostaramos de salientar que neste conhecimento prtico, nestes saberes feitos da experincia, muitas vezes o educador implica-se afectivamente e isso no suficiente para que sejam apropriados os respectivos saberes; ser necessrio haver reflexo, interpretao. Perrenoud (1993) refere a este respeito: Para que a experincia prtica resulte numa verdadeira maestria profissional preciso que o professor possa analisar a prtica, compreender como e porqu esta activida-

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de ou aquela interveno foram bem ou mal sucedidas, realizar outros ensaios e passar a agir de forma diferente (p. 130). Neste contexto, pensamos que importante dar a conhecer o estudo realizado por Teresa Sarmento (1999b) sobre percursos identitrios de educadoras de infncia em contextos diferenciados, onde identifica trs tipos de saberes essenciais da profisso das educadoras de infncia e d a conhecer onde se aliceram: saber prtico quotidianamente construdo, saber integrado e saber de tipo tico. O saber prtico alicera-se no dia-a-dia do educador, onde este vivencia vrias situaes com cada criana e grupo e na sequncia da sua aco directa podero surgir oportunidades de aquisio de saberes profissionais. No:PUB

obstante, a autora refere que a prtica s por si no suficiente, esta dever ser acompanhada de uma reflexo crtica partilhada quer com pares, quer com as cincias da educao e as cincias da especialidade (p. 82). O saber integrado sustenta-se na integrao das teorias na prtica, onde est subjacente uma reflexo sobre a experincia, resultando num processo de autoformao, onde se articulam os diversos tipos de actuao, sendo uma constante a imprevisibilidade das situaes, a instantaneidade das respostas (p. 84), implicando um saber tcito para intervir junto das crianas, famlias, comunidade... A autora evidencia na aco das educadoras uma no padronizao, considerando que integradora e direccionada para prticas glo-

bais (...) com uma organizao nem sempre muito visvel (p. 85), originando prticas com um cariz muito pessoal em que o pensamento pessoal de cada educadora de infncia surge como uma marca distintiva (idem). O saber de tipo tico apresenta-se condicionado pelas caractersticas da educadora, pelo seu saber ser, traduzindo-se, segundo Teresa Vasconcelos (1997, cit. Sarmento, 1999b, p. 86), pelo respeito enquanto educador, enquanto pessoa, [que] tem perante si mesmo e perante os outros e constantemente (re)construdo nas situaes do quotidiano, nas interaces entre os diferentes actores sociais, em que os constantes dilemas ticos e morais obrigam a tomadas de deciso que se afirmam como novas aprendizagens,

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como novas formas de saber. O Educador est em permanente interaco com crianas, famlias, comunidade, pares, o que implica saber gerir o seu envolvimento, a sua aco com sentido tico. Teresa Estrela (1999), pronunciando-se sobre a problemtica da tica dos docentes, defende que, no caso dos educadores de infncia, a formao e a reflexo tica deveriam constituir um eixo fulcral da [sua] formao profissional (p. 27), devido ao facto do Educador interagir de forma muito prxima com crianas, famlias e comunidade e tambm pela dependncia que existe por parte da criana em relao ao educador e a influncia que este, enquanto adulto, exerce nela. Por conseguinte, exige-se do educador uma coerncia e consistncia tica que garanta a sua credibilidade moral, enquanto agente educativo que realiza uma funo por delegao social (idem). Face ao exposto, pensa-se que os educadores necessitam de implementar os mecanismos que julguem necessrios para afirmar a sua heterogeneidade, no campo dos seus saberes, das suas perspectivas, ou seja, a sua variabilidade profissional, resultante dos diferentes espaos de socializao e contextos de trabalho, traduzindo-se na aplicao de diferentes metodologias, diferentes modelos curriculares, em suma, diferentes abordagens e concepes sobre a Educao de Infncia. Isto significa que, como afirma Oliveira-Formozinho (2000b, p. 47), o desenvolvimento profissional no pode ser concebido como um desenvolvimento encerrado na sala de actividades (...), mas um desenvolvimento aberto ao contributo de vrias entidades exteriores, aos contextos sociais envolventes, portadores de vrios recursos, onde esto presentes uma pluralidade de outros actores que podero contribuir para prticas de qualidade. Assim saiba o educador definir as relaes de comunicao e troca que pode manter com aqueles que so os seus portadores, e (...) situar-se como um interlocutor e um recurso para os outros actores em presena (Benavente et al., 1987, p. 111).

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Emoes, cultura e aprendizagem1LusSilvaPereira . Professor Associado no Instituto Superior de Psicologia AplicadaO que uma emoo? O que cultura? Em que consiste a aprendizagem? O ttulo deste artigo envolve conceitos que assumem ou assumiram particular relevncia no debate cientfico, nomeadamente no campo da filosofia, da psicologia, das neurocincias2, das cincias sociais. A vivncia das emoes essencial nas nossas vidas, porque determina o modo como sentimos e como nos relacionamos com o outro. Na tradio intelectual do Ocidente, as emoes esto associadas ao imprevisto, ao subjectivo, ao instintivo, ao animal. frequente ouvirmos dizer que devemos usar a cabea e no o corao, opondo-se assim o sentir ao saber, o sentimento ao conhecimento, o afecto cognio. Charles Darwin (1872), William James (1884) e Sigmund Freud (1895)3 so os fundadores da pesquisa moderna na rea das teorias da emoo. O que comum viso destes autores a tese das emoes como algo interno aos indivduos, uma manifestao de uma natureza humana ligada a uma gentica hereditria e universal. Na abordagem das emoes esta uma linha de fronteira, bem marcada, entre as teorias universalistas ou inatistas4 e as teorias relativistas sociais5. As primeiras, consideram que as emoes so uma parte da natureza humana universal so inatas, geneticamente determinadas, no cognitivas, involuntrias. As segundas, consideram que as emoes adquirem sentido e valor graas a um determinado contexto social e histrico que as classifica, interpreta e regula so construdas socialmente e como tal variam no tempo e no espao. Antropologia das Emoes teve um grande desenvolvimento atravs dos trabalhos dos construtivistas sociais, a partir de meados dos anos 80 do sculo passado, especialmente nos Estados Unidos, onde avultam as pesquisas de Michelle Rosaldo (1980, 1984), de Catherine Lutz (1988, 1990) e de Lila AbuLughod (1990). Rosaldo considera (1980) que uma apreciao das noes Ilongot do self e dos conceitos emocionais podem esclarecer aspectos centrais da vida social do grupo e prope (1984) que uma tarefa fundamental da Antropologia, seja a de mostrar como a cultura determina a experincia psicolgica dos indivduos. Para a autora, que sustenta os seus argumentos em exemplos etnogrficos e no trabalho que efectuou com os Ilongot (1980 e 1984), o sentimento recebe a sua forma do pensamento e, por sua vez, o pensamento est cheio de sentidos emocionais. A viso construtivista de Rosaldo no s chama a ateno para a relevncia da cultura na vivncia das emoes como no separa esta do mundo intelectual nem cria antagonismos com ele. A autora considera que os sentimentos so prticas sociais, sustentadas nas concepes de corpo e pessoa, culturalmente definidas. Lutz (1988), que fez pesquisa entre os Ifaluk, afirma que o antroplogo s pode traduzir comunicaes emocionais de um idioma, contexto, linguagem ou scio-histrico modo de compreenso para outro (p. 8, a traduo minha), j que no existe um cdigo universal nem uma gramtica nica das emoes. Em 1990, de parceria com AbuLughod, Lutz defende que as emoes pertencem vida social, negando a primazia da interioridade desses estados e instigando os antroplogos a libertarem as emoes dos estudos da psicobiologia, devendo eles abord-las como construes socioculturais, buscando entender a sua especificidade e evitando transferncias para outras sociedades de modelos interpretativos euro-americanos sobre o mundo afectivo ou emocional. Os antroplogos demonstram que outros povos sentem emoes que ns no experimentamos, sendo a inversa igualmente verdadeira, e que o prprio conceito de emoo no universal. Pussetti (2007a e 2007b), por exemplo, refere a clera como uma emoo desconhecida para os Utku e acrescenta que a palavra emoo no tem equivalente nas lnguas dos Papua da Nova Guin (Hallpike, 1979; Poole, 1985), dos aborgenes australianos (Hiatt, 1978), dos Ifaluk da Micronsia (Lutz, 1986), dos Chewong da Malsia (Howell, 1981) e dos Bijags da Guin-Bissau (Pussetti, 2005). A autora esclarece (2007a e 2007b) que em algumas culturas o conceito de emoo no se apresenta como uma categoria autnoma, sendo assimilada a outras parcelas de realidade e relacionada com outros aspectos da vivncia quotidiana, e recorre a algumas pesquisas antropolgicas, as quais revelam, por exemplo, que muitas lnguas africanas assimilam num nico termo tristeza e raiva (Leff 1973: 301), que em chins utilizada a mesma palavra para indicar preocupao, tenso e ansiedade (Leff 1973: 322), que a expresso ilongot liget significa ao mesmo tempo raiva e inveja (Rosaldo M. 1980: 44-47). Atravs do estudo do mundo afectivo ou emocional, a Antropologia das Emoes pode ter acesso a aspectos da organizao social relacionados com a vivncia das hierarquias. A anlise de como os seres humanos, em diferentes contextos culturais, sentem e expressam as suas emoes, bem como a das expectativas sociais quanto ao desempenho dos seus integrantes, pode ajudar a esclarecer como se constri o mundo afectivo individual em articulao com a sociedade, que transmite saberes e valores, educa e condiciona o modo de sentir e de expressar emoes. Na prtica quotidiana do processo de transmisso de valores, de saberes, que caracteriza a vida em sociedade, apercebemo-nos de que a regulao do mundo afectivo essencial para a convivncia entre os seres humanos. No h emoo ou sentimento no tocado pela sociedade onde se expressa. Na transmisso da cultura6, no processo de aprendizagem7 que ela implica, as emoes assumem uma importncia que nem sempre reconhecida pelos intervenientes no processo. A tendncia maioritria na sociedade ocidental para centrar as atenes no saber que transmitido, nos vrios elementos que o compem, na avaliao da prestao de quem aprende, na separao de quem transmite e de quem recebe o saber (como se o processo de aprendizagem no envolvesse ambos, como se um professor que no aprende possa ensinar, como se os alunos

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no ensinassem os professores a transmitir melhor o que querem ensinar) e pouco, demasiado pouco, na componente afectiva que est presente em qualquer relao humana (de tal forma que no existe um no-sentimento) e que essencial na transmisso de conhecimentos. A escola uma instituio de enorme relevncia nas sociedades industrializadas, complexas, constitudas por um elevado nmero de indivduos. As noes de hierarquia, chefia, subordinao e obedincia so transmitidos desde a infncia. A relao de assimetria entre educador de infncia e criana, ou, em geral, entre professor e aluno, tem implicaes diversas, quer pela diferena de idades, de gnero e de experincia, quer devido a diferentes tipos de saber e de valores envolvidos na transmisso do conhecimento, na interaco entre humanos e na aprendizagem ao longo do processo. No entanto, o mundo afectivo e no s o racionalizado, expresso em programas, horrios, teorias e prticas pedaggicas de enorme importncia no desenrolar do processo educativo. Quais as emoes adequadas e as formas de expresso aceites, quem tem autoridade para as apreciar, aplaudir ou reprovar, so aspectos quotidianos da convivncia entre os professores e os alunos. De facto, dentro de uma sala de aula desenvolvem-se situaes em que os professores podem ter aces benficas para a aprendizagem e o desenvolvimento emocional harmonioso dos alunos ou, pelo contrrio, de modo consciente ou inconsciente, podem desencadear bloqueios emocionais nos alunos, criando novos problemas ou agravando outros cuja existncia desconhecem. A diversidade de reaces das crianas ou dos adolescentes prende-se com a diversidade dos meios familiares e sociais em que vivem, bem como com a prpria diversidade psquica dos seres humanos. O sistema educativo um s para todos (se excluirmos a especificidade de algum ensino especial) e o professor, frequentemente, no sabe como lidar com um comportamento que julga como estranho ou inadequado. No submetendo indistintamente todos os alunos s mesmas condies adaptativas que se conseguiro bons resultados. Pelo contrrio, pode-se, assim, agravar as diferenas e afastar alunos que se sentem mais discriminados pela artificial homogeneizao dos processos. Na escola reflectem-se as diferenas sociais, econmicas, culturais dos alunos, bem como

as suas diferentes capacidades adaptativas ao sistema educativo. As assimetrias entre pares so sentidas pelos mais desfavorecidos na comparao e a angstia que provoca a possibilidade de desaprovao por parte do grupo e do professor um fantasma presente nas mentes dos alunos que mais a temem (em regra, aqueles que partem mais atrasados relativamente concorrncia individual). Na escola luta-se pelas notas, pelo aproveitamento escolar, pela aprovao do grupo, pela ateno afectuosa do professor. Nos casos de dificuldades sentidas pelo aluno em casa, no seu meio social de origem, e na escola (com o saber transmitido, com o docente e com o grupo que a tudo assiste), uma atitude positiva, de compreenso e ajuda do professor, pode tornar-se numa ncora (por vezes a nica) de um mundo afectivo ameaado pela instabilidade e pela reprovao. No trabalho de campo que fiz no Chile8 em 1994 e 1995 e nas observaes que efectuei em 1998, 2002 e 2006, pude verificar como as diferenas entre a cultura chilena e a cultura mapuche, indgena, agravavam a situao dos alunos com esta origem. Os mapuche so cerca de 8% da populao do Chile e perderam a sua independncia em 1883. Integram a populao mais pobre do pas e cerca de 60% emigrou das suas terras de origem para as cidades. A comunidade Juana Viuda de Cuminao na qual fiz trabalho de campo intensivo em 1995 situa-se no lugar de Colpanao, no sector Maquehue, departamento de Temuco, a cerca de 18 quilmetros desta cidade, situada a 676 quilmetros a sul da capital do pas, Santiago. Em 1995, a comunidade era composta por um total de 23 casas, habitadas em permanncia por 95 pessoas, entre as quais 21 estudantes residentes, os quais frequentavam a escola da comunidade, 12 rapazes e 9 raparigas, entre os 6 e os 13 anos. Em idade pr-escolar, isto , com menos de 6 anos, existiam 13 crianas, 10 do sexo masculino, 3 do sexo feminino. A escola existente na comunidade foi fundada em 1973 e ministrava, desde 1978, o ensino bsico completo. Foram cinquenta e sete os alunos inscritos e que assistiram s aulas em 1994 (o ano lectivo tem incio em Maro e finda em Dezembro), vinte e um dos quais, como indiquei acima, viviam na comunidade. Cinco docentes e uma cozinheira cuidavam da educao e da alimentao dos alunos, que permaneciam na escola entre as 8.30 e

as 14.00 horas. Desde a sua fundao que esta instituio contribuiu para a formao escolar das pessoas do lugar e cercanias (e a decorrente fixao da populao na zona), para alm de funcionar, frequentemente, como centro de actividades e de reunio das pessoas da comunidade e destas com outras exteriores a ela. As actividades dos residentes na comunidade Juana Viuda de Cuminao eram determinadas, maioritariamente, pelo ciclo agrcola e eram atribudas em funo do sexo e da idade. Quando entravam na escola, com 6 anos, as crianas j conheciam a generalidade das tarefas relacionadas com a vida da comunidade e j tinham participado em muitas delas. Alis, parte importante dos problemas relacionados com o rendimento dos alunos das escolas rurais (mais baixo do que o verificado nas escolas das cidades) devia-se ao facto de eles interromperem a frequncia s aulas devido necessidade de ajuda nos campos por parte dos pais. O futuro acadmico dos adolescentes dependia da vontade e da capacidade econmica dos familiares que decidiam se eles interrompiam os estudos ou os prosseguiam na cidade mais prxima, j que a escola da comunidade no prestava servios no chamado ensino mdio. Nessa situao, ou os alunos tinham um notvel aproveitamento escolar e conseguiam a iseno de pagamento de livros, de propinas e de alimentao num colgio interno, ou o grupo familiar tinha de pagar os encargos, situao que era dificilmente suportada devido extrema pobreza em que vivia a generalidade da populao indgena. A relao dos adultos com as crianas, suas ou alheias, entre os mapuche que conheci, era de extrema ateno, protegendo e aconselhando, dando espao de autonomia e compartilhando as brincadeiras, demonstrando compreenso pelo mundo da criana e um assinalvel respeito mtuo. Era deste mundo protegido que alguns jovens de 14 anos partiam para a cidade para prosseguirem os seus estudos. O processo de aprendizagem, faseado e diversificado segundo o sexo e a idade, do mundo circundante e das pessoas que o habitavam sofria um corte decisivo com a continuao da vida estudantil em Temuco. O afastamento fsico implicava a imerso em distintas condies de vida daquelas que os jovens tinham conhecido at ento. Nos colgios internos da cidade, mistos ou no, onde os jovens

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:ARTIGOmapuche viviam durante a semana (a maioria deles regressava comunidade aos finsde-semana), os colegas, os professores, as matrias de estudo e a disciplina diria eram novidades s quais eles tinham de se adaptar, sendo que na sala de aula os huinca9 eram maioria. Na cidade e na escola, ser do campo e ser mapuche era um duplo desprestgio e essa atitude generalizada por parte dos huinca feria particularmente os jovens mapuche quando provinham de professores e de colegas. Na escola, o contacto com a cultura huinca era mais ntimo e reiterado do que acontecia quando o jovem habitava na sua comunidade de origem. A discriminao e o preconceito eram sentidos diariamente, a afirmao da identidade era assumida em nome individual, j que a famlia, os amigos, os vizinhos e as referncias vivenciais estavam na comunidade. Para romper o processo de empobrecimento da populao indgena, os jovens viam-se obrigados a entrar na corrida aos lugares, aos bancos de escola, aos postos de emprego. A entrada numa lgica alheia leva, frequentemente, a questionar a prpria. Na comparao da vida na cidade com a vida no campo, esta aparecia aos olhos de alguns jovens mapuche como sinnimo de pobreza, atraso e imobilismo. A existncia, na cidade, de gua corrente, de electricidade e de muitos produtos que aparentemente embelezam as pessoas e a vida, determinavam que os jovens mapuche estivessem divididos entre a sua identidade indgena (com fortes laos ao mundo rural mapuche) e o desejo de serem aceites e amados pelas pessoas que passaram a fazer parte do seu novo quotidiano, entre o campo e a famlia (nos fins-de-semana e nas frias) e o grupo de colegas da cidade e da escola, entre as ideias e costumes dos ancestrais e os dos que tinham a mesma idade e, frequentemente, os mesmos sonhos e anseios. Os jovens mapuche eram o centro das atenes e das expectativas dos pais, colegas e professores. A distncia entre as geraes manifestava-se com a ida para a cidade dos jovens mapuche. As dificuldades de comunicao com os parentes marcavam-se neste perodo de vida dos mais novos. A maior liberalidade dos costumes no mundo chileno e a presso exercida por valores relacionados com os hbitos consumistas dos chilenos, particularmente os que tm como pblico-alvo a juventude, desencadeava uma fora de atraco progressiva mas assinalvel sobre os jovens mapuche, o que contribua para os desentendimentos entre geraes. Enquanto que os mais velhos tinham uma atitude de desconfiana (baseada na experincia pessoal e em factos histricos de guerra e discriminao) relativamente sociedade maioritria e aos seus efeitos sobre as geraes mais novas, os que integravam estas ltimas oscilavam nas suas convices e aspiravam a ser aceites e a integrar-se no grupo dos colegas de escola, apesar das dificuldades (entre elas, as prticas discriminatrias que sofriam). O exemplo da cultura mapuche serve, neste contexto, para recordar que o extico no , necessariamente, uma realidade distante e que o facto de Portugal nos ltimos 20 anos ter passado de ser um pas de emigrantes para tambm ser um pas de imigrantes traz novos desafios aos docentes que lidam com alunos de diferentes origens e culturas, o que vem elevar o grau de exigncia no seu desempenho profissional e humano, desenvolvendo a sua sensibilidade para lidar com a diversidade de comportamentos dos seus alunos. Como bvio, a escola no se pode substituir famlia nem resolver problemas sociais, no entanto, os profissionais que nelas trabalham devem estar cientes de que as relaes sociais so cada vez mais complexas e diversas, de que o envolvimento afectivo positivo determinante na aprendizagem e que o conhecimento das origens e das dificuldades dos alunos, bem como a capacidade para os ajudar a superar dificuldades emocionais e de aprendizagem (e quantas vezes difcil distinguir umas de outras, de tal modo se implicam mutuamente), passa pela capacidade de lidar com o diverso e de compreender as motivaes e o fundo das atitudes dos alunos.6 Aqui, com a acepo de conjunto de valores que norteiam o pensamento e a aco de um agrupamento humano (v., para aprofundar aspectos relacionados com o debate em torno da noo de cultura, Cuche, 1996). 7 Aqui, no sentido geral de aquisio de propriedades ou saberes que no so inatos no ser humano envolvido no processo (v., a propsito da aprendizagem na escola, Freire, 1978). 8 V. Silva Pereira, 2000a; na pgina web desta revista: 1997a, 1997b, 1998, 2000b, 2001 e 2002. 9 Em lngua mapuche: no mapuche, estrangeiro e, tambm, ladro.

1 Agradeo o convite para escrever este artigo e para participar no XII Encontro Nacional da APEI - Associao de Profissionais de Educao de Infncia -, formulado pela Dra. Alexandra Marques. 2 V., na pgina web desta revista, uma resumida bibliografia complementar sobre os contributos da psicologia e das neurocincias para o debate do tema. 3 Idem. 4 Ekman (1980a, 1980b), Plutchik (1984), Izard (1971), Frijda (1986), Damsio (1999), respectivamente, consideram, enumerando-as e distinguindo-as, que existem seis, oito, onze, dezassete e cinco emoes bsicas, primrias ou universais. V. pgina web desta revista. 5 V. pgina web desta revista: Rosaldo (1980, 1984), Armon-Jones (1986), Lutz (1988), Abu-Lughold e Lutz (1990), Devisch (1990), Heelas (1996), Lynch (1990), Reddy (2001), Pussetti (2005).

BIBLIOGRAFIA ABU-LUGHOD, Lila e LUTZ, Catherine (orgs.). 1990. Language and the Politics of Emotion. Cambridge: Cambridge University Press. ARMON-JONES, C. 1986. The thesis of constructionism, in Harr R. (org.) The Social Constructionism of Emotions, Oxford: Basic Blackwell, pp.32-56. CUCHE, Denys. 1996/2003. A Noo de Cultura nas Cincias Sociais. Lisboa. Fim de Sculo. DIRVEN, R., e NIEMEIER, S. 1997. The Language of Emotions, Philadelphia, Benjamins Publishing Company, Amsterdam. FREIRE, Paulo. 1978. Pedagogia do oprimido. So Paulo: Paz e Terra. HALLPIKE, C. 1979. The Foundation of Primitive Thought. Oxford, Clarendon Press. HIATT, L.R. 1978. Classification of the Emotions, in Hiarr, L.R., Australian Aborigenal Concepts. Canberra, Australian Institute of Aborigenal Studies, Humanities Press, Princeton. HOWELL, S. 1981. Rules not Words, in Heelas P. e Lock A. (org.) Indigenous Psychologies. The Anthropology of the Self. London, New York, Academic Press. (pp. 133-144). LEFF, J. 1973. Culture and the differentiation of emotional states, British Journal of Psychiatry 123: 299-306. LUTZ, Catherine. 1986. Emotion, Thought and Estrangement: Emotion as a Cultural Category, in Cultural Anthropology, 1, 3, pp. 278-309. LUTZ, Catherine. 1988. Unnatural Emotions: everyday sentiments on a Micronesian atoll and their challenge to Western theory. Chicago: University of Chicago Press. LUTZ, Catherine. 1990. Engendered emotion: gender, power, and the rhetoric of emotional control in American Discourse, in L. Abu-Lughod e C. Lutz (orgs.) Language and the Politics of Emotion. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 69-91. POOLE F. J. P. 1985. Coming into Social Being: Cultural Images of Infans in Bimin-Kuskusmin Folk Psichology, in White G. e Kirkpatrick J. (org) Person, Self and Experience: Exploring Pacific Ethnopsychologies. Berkeley-Los Angeles, University of California Press. (pp. 183-244). PUSSETTI, Chiara. 2005. Poetica delle Emozioni. I Bijag di Bubaque (Guinea Bissau), Roma, Bari, Edizioni Laterza. IDEM. 2007a. Emoes migrantes: os limites das abordagens biologistas e construcionistas, in Psiquiatria Transcultural, APPPT. Lisboa, n. 4. IDEM. 2007b. Psicologias Indgenas: da antropologia das emoes etnopsiquiatria, in Lechner Elsa (eds.) Antropologia, Sade e Transculturalidade. Lisboa. ICS/UL. ROSALDO, Michelle. 1980. Knowledge and Passion: Ilongot Notions of Self & Social Life. Cambridge: Cambridge University Press. ROSALDO, Michelle. 1984. Toward an Anthropology of Self and Feeling, in R. Shweder e R. LeVine (orgs.) - Culture Theory - Essays on Mind, Self, and Emotion - Cambridge, Cambridge University Press. SILVA PEREIRA, Lus. 2000a. Mdico, Xam ou Ervanria? Doena e Ritual entre os Mapuche do Sul do Chile. Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada.

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:FONTES

Maria Isabel Mendona Soares

Diferena no ofensaO povo portugus tido por acolhedor, afvel e com uma facilidade invejvel de se adaptar a culturas diferentes da sua, conservando porm a prpria identidade. Oiamo-lo falar portugus com sotaque anglo-saxo, francs ou sul-americano; vemo-lo como saboreia com um misto de alegria e saudade uma comida que lhe traz a recordao da infncia perdida no tempo e no espao. Logo no alvorecer da nacionalidade, terminados no sculo XIII os combates pela reconquista, viveram em pacfica coexistncia comunidades de cristos, judeus e mouros, ainda que residindo em bairros distintos, no por discriminao mas para salvaguarda de seus usos, tradies e prticas religiosas. Os judeus gozavam de prestigio social e intelectual, j que era uma classe economicamente desafogada que se dedicava ao comrcio, j porque exerciam actividades cientficas, como a medicina, a astronomia, a cartografia; lembremos os nomes conceituados de Mestre Guedelha, astrnomo do rei D. Duarte, Mestre Jos Vizinho e Mestre Abrao Zacuto, o criador do Almanaque Perptuo, e sabemos que entre a equipa que, com o Infante D. Henrique, preparou os Descobrimentos, se contavam muitos judeus e rabes. Aos mouros deviam os habitantes de Lisboa o abastecimento dos produtos hortcolas, cultivados nas almoinhas (as hortas) dos arredores da cidade. s no sculo XVI que toda esta harmoniosa convivncia se quebra em consequncia de interesses polticos e da perverso da doutrina de Cristo, dando origem a perseguies, expulses e massacres. Ter sido a partir dessa poca que entraram na linguagem portuguesa termos pejorativos, como judiar, isto , fazer judiarias, ou seja, atormentar, causar danos fsicos ou psicolgicos, numa evidente culpabilizao dos judeus pelos sofrimentos de Cristo, ou chamar a algum judeu como sinnimo de avarento. Se inadvertidamente algum pisava outro, logo ouvia o remoque irritado: - Ai! O de baixo meu, o de cima do Judeu!. At um jogo carnavalesco que consistia em colocar sub-repticiamente uma tira de papel ou de trapo, nas costas de algum, apupando-o: Larga o rabo que no teu! do filho do Judeu!, reflecte a crena de que os judeus nasciam com cauda que lhes seria cortada, deixando no entanto esse vestgio infamante. Evidente deturpao do rito da circunciso. Menos agressiva a reaco face aos mouros. Ainda que na tradio oral as mouras encantadas fossem guardis de tesouros fabulosos a conceder queles que viessem a merec-los, o seu convvio seria perigoso, pois que, seduzidos pelos encantos delas, poderiam perder os santos leos do baptismo. Assim ressuscitava a ameaa do velho inimigo inicial: o infiel. Nem Cames escaparia ao preconceito em Os Lusadas, tratando-o de torpe ismaelita, logo na dedicatria a D. Sebastio; e na voz do Velho do Restelo (vox populi, decerto) classifica o Islamismo como do Arbio a lei maldita. tambm mouro prfido, o piloto traidor. Mas com os Descobrimentos, novos diferentes entram na sociedade portuguesa, estes agora numa situao de escravatura: so os africanos. E com eles um preconceito de superioridade que vai manifestar-se em numerosas locues, e at infelizmente nas lengalengas infantis: Tenho uma preta / dentro de uma gaveta / Dou-lhe um osso, diz que grosso / Dou-lhe um pau, diz que mau / Dou-lhe chourio. Isso! Isso! De onde se infere um tratamento desumano: a preta, est prisioneira, e a alimentao que se lhe d imprpria. Antnio Torrado corrigiu-a pedagogicamente do seguinte modo: Tenho um macaco/Dentro de um saco... etc. Uma outra bem conhecida, dilogo entre ama e serva: - Maria Coca! - Senhora chama? - Acender o lume! Fazer a cama! - No posso l ir Estou ocupada A fazer biscoitos E marmelada Para o Senhor Capito Que vem nesta armada Com pretos e pretas para o servir. Tambm este final foi modificado: Que vem nesta armada Com a barba de molho E a cala queimada. Duro como a cabea de preto, O trabalho bom para o preto, e Ovelha negra da famlia so outras tantas expresses negativas e injuriosas do vocabulrio popular. - Truz, Truz! - Quem ? - o preto da Guin - Charuto na boca - Chinelo no p. Aqui faz-se a caricatura do negro que presume de senhor, fumando charuto, mas revelando a sua origem pelo calado modesto. Pior ainda a verso que acrescenta: Lava a cara com chul. Estas injrias culminam no conto As Trs Cidras do Amor. Nele, a preta que vai fonte, ao ver a imagem da bela menina reflectida na gua, e julgando ser a sua, quebra a cantarinha numa manifestao de libertao da escravatura. Depois, enfeitiando a menina, toma o seu lugar no corao do prncipe. O pior que no final, quando descoberto o embuste, a menina (a boazinha da histria, pasme-se!) quem lhe dita a sentena de morte: Quero que da pele se faa um tambor, e dos ossos uma escada para eu descer ao jardim!. Sem comentrios. As normas da tica profissional impem aos educadores o respeito incondicional pela cultura das crianas que lhes so confiadas, pelo que a eliminao total de qualquer forma de expresso que possa ofend-las ser do mais elementar cuidado. Com as famlias possvel informarem-se de dietas prescritas pela sua religio que desejam eventualmente verem observadas pelos filhos, (ex.: a carne de porco proibida aos muulmanos; o coelho, s testemunhas de Jeov; o uso de carne e lacticnios na mesma refeio interdito aos Judeus). H um provrbio africano que diz: O rio fica grande graas contribuio dos pequenos riachos.

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:PRTICASA promoo de uma educao literria em contexto pr-escolar: o contributo indispensvel da literatura infantilngelaBala . Universidade de vora - Departamento de Pedagogia e Educao

1 Neste texto, a partir de um olhar lanado por alguns artigos e estudos (Veloso, 2002; Brito, 2006), onde se faz referncia s bibliotecas presentes nas salas de jardim de infncia, pretendemos problematizar e deixar algumas pistas de trabalho que possam contribuir para a promoo de uma educao literria junto das crianas que frequentam a educao pr-escolar. Tendo como pano de fundo um trabalho pensado para as crianas do 1. ciclo do ensino bsico (Bala, 2007), queremos apresentar agora uma proposta desenvolvida para as crianas que frequentam a educao pr-escolar. A promoo de uma educao literria junto das crianas tem sempre como recurso pedaggico privilegiado o texto de literatura infantil, designadamente o livro de literatura infantil. S conseguiremos formar crianas leitoras literrias atravs da leitura de livros de literatura infantil, com os quais muitas vezes elas contactam unicamente no jardim de infncia. O desenvolvimento de uma educao literria visa formar a criana como leitora literria, capaz de apreciar a Literatura, sabendo interpretar, valorizar e activar os seus intertextos, contribuindo para o desenvolvimento da sua competncia literria. Assim, nas Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar encontramos, na rea de contedo rea de Expresso e Comunicao, no Domnio da linguagem oral e abordagem escrita, algumas recomendaes sobre a leitura e o livro. Gostaramos de salientar que as recomendaes apresentadas apontam para o contacto das crianas com o livro, considerando-se que atravs do convvio com os livros que as crianas (tambm) contactam com o cdigo escrito, descobrem o prazer da leitura e desenvolvem a sua sensibilidade esttica. Neste sentido aconselha-se algum cuidado na seleco dos livros que se pem disposio das crianas, devendo-se seguir dois critrios, o de esttica literria e o de esttica plstica.

Na realidade, para estas faixas etrias, o critrio da esttica literria parece-nos muito importante, mas o critrio da esttica plstica no o ser menos, na medida em que os livros tm uma componente icnica muitas vezes superior componente verbal. Podemos, certamente, definir muitos livros literrios, para estas idades, como artextos (Agra e Roig, 2006), na medida em que, nestes livros, existe um casamento, um dilogo ntimo entre o cdigo verbal e o cdigo icnico, e s a leitura conjunta de ambos os textos possibilitar o acesso pleno ao significado da obra. Nestas orientaes curriculares podemos encontrar ainda notas sobre os materiais de leitura que devem estar ao alcance das crianas. Assim, a primeira referncia para a literatura infantil, quer em prosa quer em poesia. A chamada de ateno neste documento para a literatura infantil afigura-se-nos capital, para a promoo de uma educao literria, desde estas idades mais precoces. Mas apesar da referncia explcita, neste documento orientador, literatura infantil, alguns olhares (Veloso, 2002) e estudos (Brito, 2006) do-nos conta da pobreza do acervo bibliogrfico de determinadas salas de jardim de infncia, nomeadamente no que diz respeito ao livro literrio. Ora s os livros literrios encerram uma dimenso esttico-literria capaz de potenciar o desenvolvimento de uma educao literria, uma vez que a leitura da obra literria consente a participao do leitor na construo do sentido de texto. Para alm da presena, maior ou menor, de textos de literatura infantil nas bibliotecas das salas de jardim de infncia, ao alcance e disposio das crianas, h ainda a considerar, na promoo de uma educao literria, o trabalho com o livro literrio. De acordo com o estudo de Brito (2006), os educadores de infncia referiram que o prolongamento didctico, ou seja a realizao de actividades depois da narrao da histria e que estejam relacionadas com ela, ocorria, na maior parte dos casos, esporadicamente, porque, na perspectiva dos inquiridos, a histria pode ser s para ouvir e reflectir.

Muito embora concordemos com esta afirmao, acreditamos que h todo um trabalho a desenvolver com o livro de literatura infantil, que possibilitar criana fazer leituras plurais em redor do texto literrio ou seja preencher os espaos em branco (Eco, 1993) deixados pelo texto literrio, levando a criana a falar dos textos com as suas prprias palavras, Fazer com que o aluno aprenda a falar dos textos com as suas prprias palavras, procurar que os descubra pela sua prpria reescrita, parecem-me condies de possibilidade para conhecer a literatura. Condies privilegiadas para aceder pala