compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - v. 01, n. 03

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TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL V. 01 N. 03

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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

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Page 1: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

TAUÃ LIMA VERDAN

RANGEL

COMPÊNDIO DE ENSAIOS

JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO

DO PATRIMÔNIO CULTURAL

V.

01

N.

03

Page 2: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:

TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

(V. 01, N. 03)

Capa: Cândido Portinari, Pau-Brasil (1938).

ISBN: 978-1517011383

Editoração, padronização e formatação de texto

Tauã Lima Verdan Rangel

Projeto Gráfico e capa

Tauã Lima Verdan Rangel

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

O autor

É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui

apresentados. Reprodução dos textos autorizada mediante

citação da fonte.

Page 3: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

A P R E S E N T A Ç Ã O

Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio

de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas

reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar,

academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber

jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível,

à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é

um campo no qual não se incluem somente as instituições

legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são

computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem

acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões,

materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a

construção do conhecimento advém da interpretação de leis e

as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.

Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado

pelos Operadores do Direito, que se debruçam no

desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o

conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências

empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis

para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional

visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando

conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de

métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios

Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade

interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e

Page 4: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

inquietações produzida durante a formação acadêmica do

autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de

Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o

debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam

maiores reflexões.

Boa leitura!

Tauã Lima Verdan Rangel

Page 5: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

5

S U M Á R I O

A tutela das línguas brasileiras no ordenamento pátrio: a

diversidade linguística enquanto elemento integrante do

meio ambiente cultural imaterial ....................................... 06

Anotações ao instituto do Inventário Nacional de

Diversidade Linguística: breve painel da tutela jurídica

do patrimônio cultural das línguas ..................................... 42

Meio ambiente cultural e desenvolvimento econômico: o

uso dos bens ambientais culturais no ecoturismo .............. 83

As Casas do Patrimônio como instrumentos de promoção

da salvaguarda do patrimônio cultural: singelas

tessituras ............................................................................. 139

Apontamentos ao inventário participativo: breves

comentários à proeminência da participação da

comunidade na proteção do patrimônio cultural ............... 174

Page 6: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

6

A TUTELA DAS LÍNGUAS BRASILEIRAS NO

ORDENAMENTO PÁTRIO: A DIVERSIDADE

LINGUÍSTICA ENQUANTO ELEMENTO INTEGRANTE

DO MEIO AMBIENTE CULTURAL IMATERIAL

Resumo: A cultura apresenta como traços

estruturantes elementos espirituais e materiais,

intelectuais e afetivos, os quais caracterizam uma

sociedade ou, ainda, um grupo social determinado,

compreendendo, também, as artes e as letras, os

modos de vida, as maneiras de viver juntos, os

sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste

passo, é possível evidenciar que, em sede de meio

ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um

dos mais relevantes traços caracterizadores da

cultural, não somente para a presente e as futuras

gerações, viabilizando a compreensão da humanidade

e toda a sua evolução histórica. Ao lado disso, a

linguagem, enquanto manifestação cultural

estritamente atrelada à liberdade e à essência da vida

humana, pode ser considerada no plano jurídico como

Page 7: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

7

bem cultural que confere concreção aos direitos

humanos e como axioma de sustentação do patrimônio

cultural. Ora, não é possível olvidar, em razão da

dinamicidade da vida contemporânea, tal como a

difusão de informações e assimilação de valores

diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos,

em razão da influência do ambiente, das interações

com a natureza e com a história. Neste aspecto, é

possível evidenciar que a tutela jurídica dispensada a

diversidade linguística, no cenário nacional, busca

preservar elementos estruturantes da identidade

pátria, tal como o patrimônio do meio ambiente

cultural.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Tutela

Jurídica. Línguas Brasileiras.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 3 A Tutela Jurídica das Línguas

Brasileiras: A Diversidade Linguística enquanto

Elemento Integrante do Meio Ambiente Cultural

Imaterial; 4 A Tutela Jurídica das Línguas Indígenas;

5 A Tutela Jurídica das Línguas Africanas em razão

da Influência da Cultura Afro-Brasileira; 6 A Tutela

Jurídica da Língua Portuguesa

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8

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO

AMBIENTAL

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

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interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 18 mai.

2013.

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10

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

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11

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

18 mai. 2013. 3 VERDAN, 2009, s.p.

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12

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”4. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 18 mai. 2013.

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sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade5. Ora,

daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

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fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”6.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

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constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível7.

“Têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de

7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 18 mai. 2013. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

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terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais.

2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

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conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”9. Desta maneira, cuida reconhecer que a

proteção do patrimônio cultural se revela como

instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

9 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 fev. 2014, p.

15-16.

Page 18: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

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memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”10. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

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Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de

dunas que encobriam sítios arqueológicos

deve indenizar pelos prejuízos causados ao

meio ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

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Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”11. Esses aspectos

11 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

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constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”12, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister

que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200013, que

institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo14, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 18 mai.

2013. 12 BROLLO, 2006, p. 33. 13 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013. 14 BROLLO, 2006, p. 33.

Page 22: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

22

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

Fiorillo15, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente

cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-

ambiente humano em razão do aspecto cultural que o

caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente

em decorrência de produzir um sentimento de identidade

no grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana.

3 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS

BRASILEIRAS: A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA

ENQUANTO ELEMENTO INTEGRANTE DO MEIO

15 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 80.

Page 23: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

23

AMBIENTE CULTURAL IMATERIAL

Tal como pontuado alhures, a cultura

apresenta como traços estruturantes elementos

espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, os quais

caracterizam uma sociedade ou, ainda, um grupo social

determinado, compreendendo, também, as artes e as

letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os

sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste

passo, é possível evidenciar que, em sede de meio

ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um

dos mais relevantes traços caracterizadores da cultural,

não somente para a presente e as futuras gerações,

viabilizando a compreensão da humanidade e toda a sua

evolução histórica. Com efeito, é possível trazer à

colação, com o escopo de robustecer as ponderações

estruturadas, o conteúdo do preâmbulo da Convenção

sobre a proteção e a promoção da Diversidade das

Expressões Culturais da Unesco:

Considerando que a cultura assume formas

diversas através do tempo e do espaço, e que

esta diversidade se manifesta na

originalidade e na pluralidade das

identidades, assim como nas expressões

Page 24: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

24

culturais dos povos e das sociedades que

formam a humanidade,

Reconhecendo a importância dos

conhecimentos tradicionais como fonte de

riqueza material e imaterial, e, em

particular, dos sistemas de conhecimento

das populações indígenas, e sua

contribuição positiva para o

desenvolvimento sustentável, assim como a

necessidade de assegurar sua adequada

proteção e promoção [...]

Reconhecendo que a diversidade das

expressões culturais, incluindo as

expressões culturais tradicionais, é um fator

importante, que possibilita aos indivíduos e

aos povos expressarem e compartilharem

com outros as suas idéias e valores,

Recordando que a diversidade lingüística

constitui elemento fundamental da

diversidade cultural, e reafirmando o papel

fundamental que a educação desempenha

na proteção e promoção das expressões

culturais,

Tendo em conta a importância da vitalidade

das culturas para todos, incluindo as

pessoas que pertencem a minorias e povos

indígenas, tal como se manifesta em sua

liberdade de criar, difundir e distribuir as

suas expressões culturais tradicionais, bem

como de ter acesso a elas, de modo a

favorecer o seu próprio desenvolvimento16.

Ao lado disso, a linguagem, enquanto

manifestação cultural estritamente atrelada à liberdade

16 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a

proteção e a promoção da Diversidade das Expressões

Culturais. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em

18 mai. 2013

Page 25: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

25

e à essência da vida humana, pode ser considerada no

plano jurídico como bem cultural que confere concreção

aos direitos humanos e como axioma de sustentação do

patrimônio cultural. Ora, não é possível olvidar, em

razão da dinamicidade da vida contemporânea, tal como

a difusão de informações e assimilação de valores

diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em

razão da influência do ambiente, das interações com a

natureza e com a história À sombra do pontuado, a

utilização da língua consiste no exercício dos direitos

culturais linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos

da liberdade de expressão e comunicação, tal como a

substancialização do bem cultural intangível,

notadamente por meio das formas de expressão17.

17 Neste sentido: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.

Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural

Imaterial. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em

18 mai. 2013: “Artigo 2: Definições: Para os fins da presente

Convenção: 1. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as

práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto

com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes

são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,

os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio

cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de

geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza

e de sua história, gerando um sentimento de identidade e

Page 26: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

26

Desta feita, em decorrência do assinalado, a

língua se apresenta como elemento estruturante da

diversidade cultural, não sendo possível, em razão disso,

falar em direitos culturais linguísticos e em direito

fundamental ao patrimônio cultural linguístico sem

sublinhar o acolhimento, pelo arcabouço normativo, do

respeito à língua materna e do reconhecimento dos

direitos das comunidades de se expressar de acordo com

os valores que conferem os contornos de sua identidade

cultural. “No entanto, como a trajetória da política

linguística em nosso país foi de utilização do aparato

jurídico-administrativo para o direcionamento ao

monolinguismo, as atuações do Estado e da sociedade

para proteção da diversidade”18, sendo exigido, após a

promulgação da Constituição da República Federativa do

continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à

diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da

presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio

cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos

internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos

de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do

desenvolvimento sustentável”. 18 SOARES, Inês Virgínia Prado. Cidadania Cultural e Direito à

Diversidade Linguística: A Concepção Constitucional das Línguas e

Falares do Brasil como Bem Cultural. Revista Internacional

Direito e Cidadania. Disponível em: < http://www.reid.org.br>.

Acesso em 18 mai. 2013, p. 02.

Page 27: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

27

Brasil de 198819, uma alteração na perspectiva. Ora, o

Texto Constitucional conferiu o assinalou que o

tratamento da cultura e dos bens culturais deflui dos

elementos que sustentam o Estado brasileiro como

Estado Democrático de Direito. Em razão disso, é

possível afirmar a discussão alicerçada na diversidade

cultural, e, por extensão, nos direitos e bens culturais

destas decorrentes, tem seu alicerce nos dispositivos

constitucionais, já que o sistema jurídico consagra um

Estado de direito cultural e indica a construção de um

Estado Democrático Cultural.

Quadra pontuar que o traço cultural

democrático é estabelecido constitucionalmente,

notadamente: (i) pelos artigos que versam acerca da

cultura, sobre a necessidade de respeito à diversidade

cultural brasileira e sobre a importância da tutela dos

bens culturais que são bastiões dos grupos formadores da

sociedade; e, (ii) pela estruturação do Estado para a

tutela dos valores culturais com a colaboração da

comunidade. Desta sorte, conquanto o Texto

Constitucional não apresenta uma definição estanque do

19 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

Page 28: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

28

que é patrimônio cultural brasileiro, dispõe que o seu

tratamento deve se orientar pelo respeito à diversidade e

à liberdade e na busca da igualdade material entre e

para os grupos constituintes da sociedade brasileira,

maiormente os grupos desfavorecidos histórica, social e

economicamente.

Desse modo, as comunidades brasileiras

falantes de línguas indígenas (Nheengatu e

Guarani), afro-brasileiras (falante de Gira

de Tabatinga-MG) e de imigração (Talian,

Hunsruckkish e Pomerano) encontram no

texto constitucional a fundamentação legal

para edição de normas e a implementação

de medidas, instrumentos e ações que

permitam que não somente se expressem

em seus próprios idiomas nas relações de

repercussão pública, mas que tenham a

língua reconhecida como bem cultural

brasileiro20.

Neste passo, a valorização da diversidade

linguística no Brasil não tem o condão de modificar a

predominância da língua portuguesa nem sustenta a

oficialidade de pluralismo linguístico no arcabouço

normativo pátrio. A fala e a comunicação devem ser

essencialmente em português, quando praticados pelos

órgãos públicos, nos espaços públicos e nas relações

20 SOARES, 2013, p. 04.

Page 29: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

29

privadas dotadas de repercussão social ou público, exceto

que uma lei contemple a exceção no seu uso ou assegure

a possibilidade de expressão em outra língua ou falar,

com arrimo na diversidade cultural. A língua portuguesa,

dessa maneira, além de ser o idioma nacional, em razão

dos influxos do Texto Constitucional, também assume

papel de proeminência, enquanto idioma oficial,

consoante dicção do artigo 13 da Carta de Outubro de

1988.

4 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS

INDÍGENAS

Como país dotado de um multiculturalismo

ímpar, o Brasil, por meio da Constituição Federal,

confere proteção ao pleno exercício dos direitos culturais,

garantindo, em consonância com a forma estabelecida no

§1º do artigo 21521, a tutela jurídica de toda e qualquer

21 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art.

215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos

culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e

incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º

- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,

Page 30: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

30

manifestação vinculada ao processo civilizatório

nacional. Neste viés, essa concepção constitucional de

dimensão multicultural na estruturação e tutela do

patrimônio cultural brasileiro é sagrada pela

manutenção do liame existente entre sociedade-Estado

na materialização de tarefas de promovam tanto o

exercício dos mencionados direitos, tal como a proteção e

fruição dos bens culturais materiais e imateriais que lhe

conferem suporte. “Dessarte, ao proteger as manifestações

das culturas indígenas, o direito constitucional assegura

aos cerca de 220 povos indígenas em território brasileiro

a mais ampla tutela de 180 línguas faladas distribuídas

por pouco mais de 40 conjuntos, denominados famílias

linguísticas”22.

A cultura indígena apresenta proeminência

singular na constituição do meio ambiente cultural,

conferindo uma identidade complexa e diversificada na

formação do povo brasileiro, tanto é assim que diversos

são os exemplos de registros imateriais que buscam

salvaguardar o patrimônio imaterial. Neste aspecto, é

possível conceder destaque a Arte Kusiwa, que

indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do

processo civilizatório nacional”. 22 FIORILLO, 2012, p. 466

Page 31: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

31

compreende uma linguagem gráfica dos índios Wajãpi do

Amapá. Não se pode suprimir que a linguagem kusiwa

configura uma espécie de expressão complementar aos

saberes oralmente transmitido a cada nova geração e

compartilhados por todos os membros dos grupos. É um

conhecimento que se encontra, principalmente, nos

relatos orais que esse grupo indígena, hoje com

quinhentos e oitenta indivíduos, continua a transmitir

aos seus filhos e que explica como surgiram as cores, os

padrões dos desenhos e as diferenças entre as pessoas. A

arte gráfica e a arte verbal dos Wajãpi lhes permite agir

sobre múltiplas dimensões do mundo: sobre o visível e

sobre o invisível, sobre o concreto e sobre o mundo ideal.

Não se trata de um saber abstrato, mas sim de uma

prática permanentemente interativa, viva e dinâmica:

A Arte Kusiwa - pintura corporal e arte

gráfica Wajãpi - foi o primeiro bem

registrado no Livro de Registro das Formas

de Expressão. Trata-se de um sistema de

representação, de uma linguagem gráfica

dos índios Wajãpi do Amapá, que sintetiza

seu modo particular de conhecer, conceber e

agir sobre o universo. O sistema gráfico

kusiwa opera como um catalisador da

expressão, de conhecimentos e de práticas

que envolvem desde relações sociais,

crenças religiosas e tecnologias até valores

estéticos e morais. O excepcional valor

Page 32: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

32

dessa forma de expressão está na

capacidade de condensar, transmitir e

renovar, através da criatividade dos

desenhistas e dos narradores, todos os

elementos particulares e únicos de um modo

de pensar e de se posicionar no mundo

próprio dos Wãjapi do Amapá. [...] A arte

Kusiwa se expressa em desenhos e pinturas

de corpos e objetos, a partir de um

repertório definido de padrões gráficos e de

suas variantes, que representam, de forma

sintética e abstrata, partes do corpo ou da

ornamentação de animais, como sucuris,

jibóias, onças, jabotis, peixes, borboletas, e

objetos, como limas de ferro e bordunas.

Com denominações próprias, os padrões

gráficos podem ser combinados de muitas

maneiras diferentes, que não se repetem,

mas são sempre reconhecidos pelos Wajãpi

como Kusiwa. Trata-se de um acervo

cultural que se transforma de forma

dinâmica, através da inclusão de novos

elementos, do desuso de alguns ou da

modificação, através de suas variantes, de

outros23.

Via de consequência, são reconhecidos aos

índios suas línguas, como, com clareza solar, dicciona a

redação do artigo 231 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 198824, sendo certo que a

23 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

24 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art.

231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,

Page 33: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

33

existência de idioma oficial apontado não tem o condão

de obstar a utilização de sistema de representação

empregados como meio de comunicação dos índios e de

suas comunidades em face das relações e direitos

assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no

País. Neste aspecto, é possível traçar um liame com a

demarcação de áreas indígenas para alcançar a concreção

dos direitos culturais, inclusive costume e tradições,

conforme se infere do aresto coligido:

Ementa: Direito Administrativo. Ação de

indenização. Alegada desapropriação

indireta. Área de fronteira. Título dominial.

Terras indígenas. Indisponíveis e

inalienáveis. [...] 5 . Ao definir quais são as

terras tradicionalmente ocupadas pelos

índios, o § 1º do art. 231 do texto

constitucional não se refere apenas às áreas

ocupadas pelos indígenas no dia 5 de

outubro de 1988 (promulgação da CF), mas

também a todas aquelas que sejam

imprescindíveis à preservação dos recursos

ambientais necessários ao seu bem-estar e

as necessárias a sua reprodução física e

cultural. 6. Não só pelo que dispõe o § 6° do

art. 231 da Constituição, mas inclusive por

desacordo com as regras vigentes nas

ordens constitucionais anteriores, não se

reputam válidas a alienação e a titulação de

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras

que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Page 34: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

34

lotes de terra sobrepostos às áreas que, a

partir de estudos específicos, fundados em

dados concretos, possam ser

individualizadas como de ocupação

indígena. [...] (Tribunal Regional Federal da

Quarta Região – Quarta Turma/ Apelação

Cível e Reexame Necessário Nº.

2002.72.02.003282-4/ Relatora p/ Acórdão:

Desembargadora Marga Inge Barth Tessler/

Publicado no DJ em 22.06.2009).

5 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS

AFRICANAS EM RAZÃO DA INFLUÊNCIA DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Além do contato com a população indígena,

outro liame que influenciou, de maneira determinante, a

língua portuguesa no Brasil foram as línguas dos negros

africanos, trazido no processo de traficância, durante o

período colonial e imperial. “Tendo sido iniciado no

século XVI com a introdução do cultivo de cana-de-açúcar

na capitania de São Vicente (Estado de São Paulo), no

Recôncavo Baiano e em Pernambuco, o comércio de

escravos negros foi intensificado no século XVII”25,

proliferando-se por todas as regiões ocupadas pelos

portugueses. Com o decurso do tempo, os escravos

25 FIORILLO, 2012, p. 469.

Page 35: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

35

chegaram a desenvolver um português crioulo, a exemplo

do que ocorreu nas colônias africanas, tendo sido

descoberta em 1978 no Cafundó, bairro rural localizado o

Município de Salto de Pirapora-SP, a existência de um

léxico de origem banto, quimbundo sobretudo, cuja

relevância reclama destaque em face da tutela

constitucional das culturas afro-brasileiras. Dentro da

estrutura indicada no artigo 215, §1º, do Texto

Constitucional26, as línguas dos negros africanos têm sua

proteção e defesa judicial assegurada, tal como as demais

expressões linguísticas mencionadas alhures.

Segundo a tradição oral dessa comunidade,

tudo começou quando os escravos Antonia,

Ifigênia e seus pais, Joaquim Manoel de

Oliveira e Ricarda, receberam, antes da

abolição, a liberdade e 80 alqueires de terra,

dos quais apenas 7,8 alqueires permanecem

com seus descendentes, em consequência de

doações e da ocupação das áreas adjacentes

pelos fazendeiros. A população do Cafundó,

que flutua entre 60 a 80 pessoas, descende

26 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art.

215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos

culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e

incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º

- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,

indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do

processo civilizatório nacional”.

Page 36: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

36

dos Almeida Caetano e dos Pires Cardoso,

originários das escravas Antonia e Ifigênia.

Plantam milho, feijão e mandioca e criam

galinhas e porcos para atender parte das

necessidades de subsistência. Fora da terra,

trabalham como diaristas, boias-frias e

empregadas domésticas. A comunidade,

além do português, se utiliza do dialeto

africano chamado "cupópia" ou "falange",

muito estudado e documentado por

antropólogos e linguistas27.

6 A TUTELA JURÍDICA DA LÍNGUA

PORTUGUESA

Conquanto a portuguesa seja o idioma

majoritário, além do idioma oficial da República

Federativa do Brasil, fato contundente é que sempre se

relacionou as diversas línguas que eram faladas no

território nacional antes da chegada dos portugueses e

com as que vieram após a colonização. “Após mais de dois

séculos de condição minoritária do uso do português no

Brasil em relação à língua dos nativos, só passou ela a

ser predominante a partir da segunda metade do século

XVIII, vindo a se tornar oficial em 17 de agosto de

27 SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria Estadual de Cultura.

Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br>. Acesso em 18 mai.

2013.

Page 37: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

37

1758”28, sendo instituído um decreto do Marquês de

Pombal, que, concomitantemente, proibiu o uso da língua

geral, ainda que os falantes brasileiros já estivessem, no

século XVIII, tivesse incorporado diversas palavras de

origem indígena e africana em seu vocabulário.

Contemporaneamente, verifica-se uma maciça

movimentação no sentido de obstar a descaracterização

da língua portuguesa brasileira, uma língua constituída

pelas culturas indígenas e afro-brasileiras, tal como das

de outros grupamentos cuja manifestação se tornou

relevante no Estado Brasileiro. O fato em comento

encontra arrimo na invasão indiscriminada e

desnecessária de estrangeirismo totalmente afastados

das culturas participantes do processo civilizatório

nacional. Entendeu o Texto Constitucional, em

consequência, ser pertinente conferir tutela à língua

portuguesa brasileira, alçando ao patamar de natureza

imaterial integrante do patrimônio cultural nacional,

recebendo a contribuição não apenas das línguas

indígenas e africanas, mas também de outros idiomas,

como, por exemplo, o francês, o italiano, o espanhol e o

inglês, que contribuíram para a estruturação do idioma

28 FIORILLO, 2012, p. 468.

Page 38: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

38

pátrio, culminando no conteúdo do artigo 13 da Carta de

Outubro de 198829.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

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Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

___________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

___________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro

de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

29 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art. 13.

A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do

Brasil”.

Page 39: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

39

___________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

___________. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 mai. 2013.

___________. Tribunal Regional Federal da Segunda

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mai. 2013.

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42

ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO INVENTÁRIO

NACIONAL DE DIVERSIDADE LINGUÍSTICA: BREVE

PAINEL DA TUTELA JURÍDICA DO PATRIMÔNIO

CULTURAL DAS LÍNGUAS

Resumo: A cultura apresenta como traços

estruturantes elementos espirituais e materiais,

intelectuais e afetivos, os quais caracterizam uma

sociedade ou, ainda, um grupo social determinado,

compreendendo, também, as artes e as letras, os

modos de vida, as maneiras de viver juntos, os

sistemas de valores, as tradições e as crenças.

Neste passo, é possível evidenciar que, em sede de

meio ambiente cultural, a linguagem se apresenta

como um dos mais relevantes traços

caracterizadores da cultural, não somente para a

presente e as futuras gerações, viabilizando a

compreensão da humanidade e toda a sua evolução

histórica. Ao lado disso, a linguagem, enquanto

manifestação cultural estritamente atrelada à

liberdade e à essência da vida humana, pode ser

considerada no plano jurídico como bem cultural

que confere concreção aos direitos humanos e como

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43

axioma de sustentação do patrimônio cultural. Ora,

não é possível olvidar, em razão da dinamicidade da

vida contemporânea, tal como a difusão de

informações e assimilação de valores diversificados,

que o patrimônio cultural imaterial é

constantemente recriado pelas comunidades e

grupos, em razão da influência do ambiente, das

interações com a natureza e com a história. Neste

aspecto, é possível evidenciar que a tutela jurídica

dispensada a diversidade linguística, no cenário

nacional, busca preservar elementos estruturantes

da identidade pátria, tal como o patrimônio do meio

ambiente cultural.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.

Inventário Nacional. Diversidade Linguística.

Tutela Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica do Direito Ambiental; 2

Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 3 A Tutela Jurídica das Línguas

Brasileiras: A Diversidade Linguística enquanto

Elemento Integrante do Meio Ambiente Cultural

Imaterial; 4 A Tutela Jurídica das Línguas

Indígenas; 5 A Tutela Jurídica das Línguas

Africanas em razão da Influência da Cultura Afro-

Brasileira; 6 A Tutela Jurídica da Língua

Portuguesa; 7 Anotações ao Instituto do Inventário

Nacional de Diversidade Linguística: Breve Painel

da Tutela Jurídica ao Patrimônio Cultural das

Línguas

Page 44: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

44

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO

AMBIENTAL

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

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45

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”30. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

30 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 fev.

2014.

Page 46: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

46

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”31. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

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47

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”32. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

23 fev. 2014. 32 VERDAN, 2009, s.p.

Page 48: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

48

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”33. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

33 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 23 fev. 2014.

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49

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade34.

Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

34 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

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50

fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”35.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

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51

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível36.

“Têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”37. Com efeito, os direitos de

36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 23 fev. 2014. 37 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

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52

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais.

2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

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53

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”38. Desta maneira, cuida reconhecer que a

proteção do patrimônio cultural se revela como

instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

38 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 fev. 2014, p.

15-16.

Page 54: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

54

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”39. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

39 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

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55

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de

dunas que encobriam sítios arqueológicos

deve indenizar pelos prejuízos causados ao

meio ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Page 56: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

56

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”40. Esses aspectos

40 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

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57

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”41, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister

que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200042, que

institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo43, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 23 fev.

2014. 41 BROLLO, 2006, p. 33. 42 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014. 43 BROLLO, 2006, p. 33.

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58

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

Fiorillo44, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente

cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-

ambiente humano em razão do aspecto cultural que o

caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente

em decorrência de produzir um sentimento de identidade

no grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana.

3 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS

BRASILEIRAS: A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA

ENQUANTO ELEMENTO INTEGRANTE DO MEIO

44 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 80.

Page 59: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

59

AMBIENTE CULTURAL IMATERIAL

Tal como pontuado alhures, a cultura

apresenta como traços estruturantes elementos

espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, os quais

caracterizam uma sociedade ou, ainda, um grupo social

determinado, compreendendo, também, as artes e as

letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os

sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste

passo, é possível evidenciar que, em sede de meio

ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um

dos mais relevantes traços caracterizadores da cultural,

não somente para a presente e as futuras gerações,

viabilizando a compreensão da humanidade e toda a sua

evolução histórica. Com efeito, é possível trazer à

colação, com o escopo de robustecer as ponderações

estruturadas, o conteúdo do preâmbulo da Convenção

sobre a proteção e a promoção da Diversidade das

Expressões Culturais da Unesco:

Considerando que a cultura assume formas

diversas através do tempo e do espaço, e que

esta diversidade se manifesta na

originalidade e na pluralidade das

identidades, assim como nas expressões

Page 60: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

60

culturais dos povos e das sociedades que

formam a humanidade,

Reconhecendo a importância dos

conhecimentos tradicionais como fonte de

riqueza material e imaterial, e, em

particular, dos sistemas de conhecimento

das populações indígenas, e sua

contribuição positiva para o

desenvolvimento sustentável, assim como a

necessidade de assegurar sua adequada

proteção e promoção [...]

Reconhecendo que a diversidade das

expressões culturais, incluindo as

expressões culturais tradicionais, é um fator

importante, que possibilita aos indivíduos e

aos povos expressarem e compartilharem

com outros as suas idéias e valores,

Recordando que a diversidade lingüística

constitui elemento fundamental da

diversidade cultural, e reafirmando o papel

fundamental que a educação desempenha

na proteção e promoção das expressões

culturais,

Tendo em conta a importância da vitalidade

das culturas para todos, incluindo as

pessoas que pertencem a minorias e povos

indígenas, tal como se manifesta em sua

liberdade de criar, difundir e distribuir as

suas expressões culturais tradicionais, bem

como de ter acesso a elas, de modo a

favorecer o seu próprio desenvolvimento45.

Ao lado disso, a linguagem, enquanto

manifestação cultural estritamente atrelada à liberdade

45 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a

proteção e a promoção da Diversidade das Expressões

Culturais. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em

23 fev. 2014

Page 61: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

61

e à essência da vida humana, pode ser considerada no

plano jurídico como bem cultural que confere concreção

aos direitos humanos e como axioma de sustentação do

patrimônio cultural. Ora, não é possível olvidar, em

razão da dinamicidade da vida contemporânea, tal como

a difusão de informações e assimilação de valores

diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em

razão da influência do ambiente, das interações com a

natureza e com a história À sombra do pontuado, a

utilização da língua consiste no exercício dos direitos

culturais linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos

da liberdade de expressão e comunicação, tal como a

substancialização do bem cultural intangível,

notadamente por meio das formas de expressão46.

46 Neste sentido: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.

Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural

Imaterial. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em

23 fev. 2014: “Artigo 2: Definições: Para os fins da presente

Convenção: 1. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as

práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto

com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes

são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,

os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio

cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de

geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza

e de sua história, gerando um sentimento de identidade e

Page 62: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

62

Desta feita, em decorrência do assinalado, a

língua se apresenta como elemento estruturante da

diversidade cultural, não sendo possível, em razão disso,

falar em direitos culturais linguísticos e em direito

fundamental ao patrimônio cultural linguístico sem

sublinhar o acolhimento, pelo arcabouço normativo, do

respeito à língua materna e do reconhecimento dos

direitos das comunidades de se expressar de acordo com

os valores que conferem os contornos de sua identidade

cultural. “No entanto, como a trajetória da política

linguística em nosso país foi de utilização do aparato

jurídico-administrativo para o direcionamento ao

monolinguismo, as atuações do Estado e da sociedade

para proteção da diversidade”47, sendo exigido, após a

promulgação da Constituição da República Federativa do

continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à

diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da

presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio

cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos

internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos

de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do

desenvolvimento sustentável”. 47 SOARES, Inês Virgínia Prado. Cidadania Cultural e Direito à

Diversidade Linguística: A Concepção Constitucional das Línguas e

Falares do Brasil como Bem Cultural. Revista Internacional

Direito e Cidadania. Disponível em: < http://www.reid.org.br>.

Acesso em 23 fev. 2014, p. 02.

Page 63: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

63

Brasil de 198848, uma alteração na perspectiva. Ora, o

Texto Constitucional conferiu o assinalou que o

tratamento da cultura e dos bens culturais deflui dos

elementos que sustentam o Estado brasileiro como

Estado Democrático de Direito. Em razão disso, é

possível afirmar a discussão alicerçada na diversidade

cultural, e, por extensão, nos direitos e bens culturais

destas decorrentes, tem seu alicerce nos dispositivos

constitucionais, já que o sistema jurídico consagra um

Estado de direito cultural e indica a construção de um

Estado Democrático Cultural.

Quadra pontuar que o traço cultural

democrático é estabelecido constitucionalmente,

notadamente: (i) pelos artigos que versam acerca da

cultura, sobre a necessidade de respeito à diversidade

cultural brasileira e sobre a importância da tutela dos

bens culturais que são bastiões dos grupos formadores da

sociedade; e, (ii) pela estruturação do Estado para a

tutela dos valores culturais com a colaboração da

comunidade. Desta sorte, conquanto o Texto

Constitucional não apresenta uma definição estanque do

48 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

Page 64: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

64

que é patrimônio cultural brasileiro, dispõe que o seu

tratamento deve se orientar pelo respeito à diversidade e

à liberdade e na busca da igualdade material entre e

para os grupos constituintes da sociedade brasileira,

maiormente os grupos desfavorecidos histórica, social e

economicamente.

Desse modo, as comunidades brasileiras

falantes de línguas indígenas (Nheengatu e

Guarani), afro-brasileiras (falante de Gira

de Tabatinga-MG) e de imigração (Talian,

Hunsruckkish e Pomerano) encontram no

texto constitucional a fundamentação legal

para edição de normas e a implementação

de medidas, instrumentos e ações que

permitam que não somente se expressem

em seus próprios idiomas nas relações de

repercussão pública, mas que tenham a

língua reconhecida como bem cultural

brasileiro49.

Neste passo, a valorização da diversidade

linguística no Brasil não tem o condão de modificar a

predominância da língua portuguesa nem sustenta a

oficialidade de pluralismo linguístico no arcabouço

normativo pátrio. A fala e a comunicação devem ser

essencialmente em português, quando praticados pelos

órgãos públicos, nos espaços públicos e nas relações

49 SOARES, 2013, p. 04.

Page 65: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

65

privadas dotadas de repercussão social ou público, exceto

que uma lei contemple a exceção no seu uso ou assegure

a possibilidade de expressão em outra língua ou falar,

com arrimo na diversidade cultural. A língua portuguesa,

dessa maneira, além de ser o idioma nacional, em razão

dos influxos do Texto Constitucional, também assume

papel de proeminência, enquanto idioma oficial,

consoante dicção do artigo 13 da Carta de Outubro de

1988.

4 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS

INDÍGENAS

Como país dotado de um multiculturalismo

ímpar, o Brasil, por meio da Constituição Federal,

confere proteção ao pleno exercício dos direitos culturais,

garantindo, em consonância com a forma estabelecida no

§1º do artigo 21550, a tutela jurídica de toda e qualquer

50 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 215.

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e

acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a

valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º - O Estado

protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-

Page 66: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

66

manifestação vinculada ao processo civilizatório

nacional. Neste viés, essa concepção constitucional de

dimensão multicultural na estruturação e tutela do

patrimônio cultural brasileiro é sagrada pela

manutenção do liame existente entre sociedade-Estado

na materialização de tarefas de promovam tanto o

exercício dos mencionados direitos, tal como a proteção e

fruição dos bens culturais materiais e imateriais que lhe

conferem suporte. “Dessarte, ao proteger as manifestações

das culturas indígenas, o direito constitucional assegura

aos cerca de 220 povos indígenas em território brasileiro

a mais ampla tutela de 180 línguas faladas distribuídas

por pouco mais de 40 conjuntos, denominados famílias

linguísticas”51.

A cultura indígena apresenta proeminência

singular na constituição do meio ambiente cultural,

conferindo uma identidade complexa e diversificada na

formação do povo brasileiro, tanto é assim que diversos

são os exemplos de registros imateriais que buscam

salvaguardar o patrimônio imaterial. Neste aspecto, é

possível conceder destaque a Arte Kusiwa, que

brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo

civilizatório nacional”. 51 FIORILLO, 2012, p. 466

Page 67: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

67

compreende uma linguagem gráfica dos índios Wajãpi do

Amapá. Não se pode suprimir que a linguagem kusiwa

configura uma espécie de expressão complementar aos

saberes oralmente transmitido a cada nova geração e

compartilhados por todos os membros dos grupos. É um

conhecimento que se encontra, principalmente, nos

relatos orais que esse grupo indígena, hoje com

quinhentos e oitenta indivíduos, continua a transmitir

aos seus filhos e que explica como surgiram as cores, os

padrões dos desenhos e as diferenças entre as pessoas. A

arte gráfica e a arte verbal dos Wajãpi lhes permite agir

sobre múltiplas dimensões do mundo: sobre o visível e

sobre o invisível, sobre o concreto e sobre o mundo ideal.

Não se trata de um saber abstrato, mas sim de uma

prática permanentemente interativa, viva e dinâmica:

A Arte Kusiwa - pintura corporal e arte

gráfica Wajãpi - foi o primeiro bem

registrado no Livro de Registro das Formas

de Expressão. Trata-se de um sistema de

representação, de uma linguagem gráfica

dos índios Wajãpi do Amapá, que sintetiza

seu modo particular de conhecer, conceber e

agir sobre o universo. O sistema gráfico

kusiwa opera como um catalisador da

expressão, de conhecimentos e de práticas

que envolvem desde relações sociais,

crenças religiosas e tecnologias até valores

estéticos e morais. O excepcional valor

Page 68: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

68

dessa forma de expressão está na

capacidade de condensar, transmitir e

renovar, através da criatividade dos

desenhistas e dos narradores, todos os

elementos particulares e únicos de um modo

de pensar e de se posicionar no mundo

próprio dos Wãjapi do Amapá. [...] A arte

Kusiwa se expressa em desenhos e pinturas

de corpos e objetos, a partir de um

repertório definido de padrões gráficos e de

suas variantes, que representam, de forma

sintética e abstrata, partes do corpo ou da

ornamentação de animais, como sucuris,

jibóias, onças, jabotis, peixes, borboletas, e

objetos, como limas de ferro e bordunas.

Com denominações próprias, os padrões

gráficos podem ser combinados de muitas

maneiras diferentes, que não se repetem,

mas são sempre reconhecidos pelos Wajãpi

como Kusiwa. Trata-se de um acervo

cultural que se transforma de forma

dinâmica, através da inclusão de novos

elementos, do desuso de alguns ou da

modificação, através de suas variantes, de

outros52.

Via de consequência, são reconhecidos aos

índios suas línguas, como, com clareza solar, dicciona a

redação do artigo 231 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 198853, sendo certo que a

52 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

53 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 231.

São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,

Page 69: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

69

existência de idioma oficial apontado não tem o condão

de obstar a utilização de sistema de representação

empregados como meio de comunicação dos índios e de

suas comunidades em face das relações e direitos

assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no

País. Neste aspecto, é possível traçar um liame com a

demarcação de áreas indígenas para alcançar a concreção

dos direitos culturais, inclusive costume e tradições,

conforme se infere do aresto coligido:

Ementa: Direito Administrativo. Ação de

indenização. Alegada desapropriação

indireta. Área de fronteira. Título dominial.

Terras indígenas. Indisponíveis e

inalienáveis. [...] 5 . Ao definir quais são as

terras tradicionalmente ocupadas pelos

índios, o § 1º do art. 231 do texto

constitucional não se refere apenas às áreas

ocupadas pelos indígenas no dia 5 de

outubro de 1988 (promulgação da CF), mas

também a todas aquelas que sejam

imprescindíveis à preservação dos recursos

ambientais necessários ao seu bem-estar e

as necessárias a sua reprodução física e

cultural. 6. Não só pelo que dispõe o § 6° do

art. 231 da Constituição, mas inclusive por

desacordo com as regras vigentes nas

ordens constitucionais anteriores, não se

reputam válidas a alienação e a titulação de

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras

que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Page 70: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

70

lotes de terra sobrepostos às áreas que, a

partir de estudos específicos, fundados em

dados concretos, possam ser

individualizadas como de ocupação

indígena. [...] (Tribunal Regional Federal da

Quarta Região – Quarta Turma/ Apelação

Cível e Reexame Necessário Nº.

2002.72.02.003282-4/ Relatora p/ Acórdão:

Desembargadora Marga Inge Barth Tessler/

Publicado no DJ em 22.06.2009).

5 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS

AFRICANAS EM RAZÃO DA INFLUÊNCIA DA

CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Além do contato com a população indígena,

outro liame que influenciou, de maneira determinante, a

língua portuguesa no Brasil foram as línguas dos negros

africanos, trazido no processo de traficância, durante o

período colonial e imperial. “Tendo sido iniciado no

século XVI com a introdução do cultivo de cana-de-açúcar

na capitania de São Vicente (Estado de São Paulo), no

Recôncavo Baiano e em Pernambuco, o comércio de

escravos negros foi intensificado no século XVII”54,

proliferando-se por todas as regiões ocupadas pelos

portugueses. Com o decurso do tempo, os escravos

54 FIORILLO, 2012, p. 469.

Page 71: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

71

chegaram a desenvolver um português crioulo, a exemplo

do que ocorreu nas colônias africanas, tendo sido

descoberta em 1978 no Cafundó, bairro rural localizado o

Município de Salto de Pirapora-SP, a existência de um

léxico de origem banto, quimbundo sobretudo, cuja

relevância reclama destaque em face da tutela

constitucional das culturas afro-brasileiras. Dentro da

estrutura indicada no artigo 215, §1º, do Texto

Constitucional55, as línguas dos negros africanos têm sua

proteção e defesa judicial assegurada, tal como as demais

expressões linguísticas mencionadas alhures.

Segundo a tradição oral dessa comunidade,

tudo começou quando os escravos Antonia,

Ifigênia e seus pais, Joaquim Manoel de

Oliveira e Ricarda, receberam, antes da

abolição, a liberdade e 80 alqueires de terra,

dos quais apenas 7,8 alqueires permanecem

com seus descendentes, em consequência de

doações e da ocupação das áreas adjacentes

pelos fazendeiros. A população do Cafundó,

que flutua entre 60 a 80 pessoas, descende

55 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 215.

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e

acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a

valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º - O Estado

protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-

brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo

civilizatório nacional”.

Page 72: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

72

dos Almeida Caetano e dos Pires Cardoso,

originários das escravas Antonia e Ifigênia.

Plantam milho, feijão e mandioca e criam

galinhas e porcos para atender parte das

necessidades de subsistência. Fora da terra,

trabalham como diaristas, boias-frias e

empregadas domésticas. A comunidade,

além do português, se utiliza do dialeto

africano chamado "cupópia" ou "falange",

muito estudado e documentado por

antropólogos e linguistas56.

6 A TUTELA JURÍDICA DA LÍNGUA

PORTUGUESA

Conquanto a portuguesa seja o idioma

majoritário, além do idioma oficial da República

Federativa do Brasil, fato contundente é que sempre se

relacionou as diversas línguas que eram faladas no

território nacional antes da chegada dos portugueses e

com as que vieram após a colonização. “Após mais de dois

séculos de condição minoritária do uso do português no

Brasil em relação à língua dos nativos, só passou ela a

ser predominante a partir da segunda metade do século

XVIII, vindo a se tornar oficial em 17 de agosto de

56 SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria Estadual de Cultura.

Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br>. Acesso em 23 fev.

2014.

Page 73: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

73

1758”57, sendo instituído um decreto do Marquês de

Pombal, que, concomitantemente, proibiu o uso da língua

geral, ainda que os falantes brasileiros já estivessem, no

século XVIII, tivesse incorporado diversas palavras de

origem indígena e africana em seu vocabulário.

Contemporaneamente, verifica-se uma maciça

movimentação no sentido de obstar a descaracterização

da língua portuguesa brasileira, uma língua constituída

pelas culturas indígenas e afro-brasileiras, tal como das

de outros grupamentos cuja manifestação se tornou

relevante no Estado Brasileiro. O fato em comento

encontra arrimo na invasão indiscriminada e

desnecessária de estrangeirismo totalmente afastados

das culturas participantes do processo civilizatório

nacional. Entendeu o Texto Constitucional, em

consequência, ser pertinente conferir tutela à língua

portuguesa brasileira, alçando ao patamar de natureza

imaterial integrante do patrimônio cultural nacional,

recebendo a contribuição não apenas das línguas

indígenas e africanas, mas também de outros idiomas,

como, por exemplo, o francês, o italiano, o espanhol e o

inglês, que contribuíram para a estruturação do idioma

57 FIORILLO, 2012, p. 468.

Page 74: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

74

pátrio, culminando no conteúdo do artigo 13 da Carta de

Outubro de 198858.

7 ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO INVENTÁRIO

NACIONAL DE DIVERSIDADE LINGUÍSTICA:

BREVE PAINEL DA TUTELA JURÍDICA AO

PATRIMÔNIO CULTURAL DAS LÍNGUAS

Sensível às ponderações apresentadas até o

momento, cuida reconhecer, como manifestação robusta e

indispensável da tutela das línguas no território

nacional, o Inventário Nacional de Diversidade

Linguística como instrumento de identificação,

documentação, reconhecimento e valorização das línguas

portadoras de referência à identidade, à ação, à memória

dos múltiplos e distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Assim, em um primeiro momento, cuida

reconhecer que “o Inventário Nacional da Diversidade

Linguística e o Livro de Registro das Línguas são a

síntese de um percurso histórico de reconhecimento de

58 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 13.

A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do

Brasil”.

Page 75: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

75

direitos humanos que se inicia muito antes, como

demonstra a exposição da evolução da legislação nacional

e internacional”59. Neste cenário, impende reconhecer

que a Constituição Federal de 198860 arvorou marco

nesta evolução jurídica, já que reconheceu aos povos

indígenas, pela primeira vez na história, os direitos

linguísticos e culturais, o que iria fomentar o

desenvolvimento de uma modalidade de ensino calcada

na interculturalidade, consistente no uso das línguas

maternas e participação comunitária.

“Esse ensino diferenciado hoje atende a mais de

174 mil estudantes indígenas em escolas bilíngues e/ou

multilíngues, ancorado na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB) e no Plano Nacional de

Educação, regulamentado pela Resolução 03 do Conselho

Nacional de Educação”61. Contudo, o mesmo diploma que

consagrou os direitos linguísticos dos povos indígenas foi

lacunoso em relação à outras comunidades linguísticas 59 BRASIL. Ministério da Cultura. Grupo de Trabalho da

Diversidade Linguística no Brasil. Disponível em:

<www.cultura.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014, p. 05. 60 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014 61 Idem. Ministério da Cultura. Grupo de Trabalho da

Diversidade Linguística no Brasil. Disponível em:

<www.cultura.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014, p. 05.

Page 76: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

76

brasileiras, a exemplo dos surdos e os descendentes de

imigrantes, os quais só alcançaram a percepção de seus

direitos posteriormente, por meio da organização

carecida. Ora, cuida reconhecer, em atenção à Declaração

Universal dos Direitos Linguísticos, que todas as línguas

são expressão de uma identidade coletiva e de uma

maneira distinta de perceber e de descrever a realidade,

possuindo, portanto, o poder de usufruir das condições

necessárias para o seu desenvolvimento em todas as

funções. De igual maneira, quadra explicitar que cada

língua é uma realidade constituída coletivamente e é no

seio de uma comunidade que se torna disponível para o

uso individual, manifestando a instrumentalização da

coesão, identificação, comunicação e expressão criativa.

Tecidos estes comentários, insta mencionar

que o objetivo do instituto em comento é mapear,

caracterizar, diagnosticar e assegurar visibilidade às

diferentes situações relacionadas à pluralidade

linguística brasileira, permitindo, por consequência, que

as línguas sejam objeto de políticas patrimoniais que

colaborem para sua continuidade e valorização. Aliás, tal

fito encontra-se expressamente entalhado na redação do

artigo 1º do Decreto Nº 7.387, de 09 de Dezembro de

Page 77: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

77

201062, que institui o Inventário da Diversidade

Linguística e dá outras providências. Cuida salientar que

o escopo do instituto em exame está assentado em

permitir ao Estado e à sociedade em geral o

conhecimento e a divulgação da diversidade linguística

do país e o seu reconhecimento como patrimônio cultural.

Aludido reconhecimento e a nomeação das línguas

inventariadas, na condição de referências culturais

brasileiras, integrarão atos de efeitos positivos para a

formulação e implantação de políticas públicas, para a

valorização da diversidade linguística, para o

aprendizado dessas línguas pelas novas gerações e para o

desenvolvimento do seu uso em novos contextos.

Por inventário entende-se o formulário que

recebe os resultados da pesquisa de uma

língua, orientando a visão dos grupos de

trabalho para determinados pontos,

julgados necessários para se avaliar o

estado da língua inventariada: número de

falantes, território, grau de reprodução

intergeracional, entre outros, e de criar

planos de salvaguarda coerentes com os

resultados que se pretende alcançar. Os

inventários das várias línguas integrarão o

62 BRASIL. Decreto Nº 7.387, de 09 de Dezembro de 2010.

Institui o Inventário da Diversidade Linguística e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

em 23 fev. 2014.

Page 78: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

78

banco de dados denominado Inventário

Nacional da Diversidade Linguística do

Brasil63.

Trata-se, com efeito, de instância de

reconhecimento patrimonial e possibilitará

desdobramentos de salvaguarda e promoção. Ao lado

disso, cuida reconhecer que as línguas são constitutivas

da história e da cultura do Brasil, devendo, pois, serem

entendidas como referências culturais da nação, tal como

ocorre com outros bens de natureza material e imaterial.

Ora, é imprescindível salientar que a salvaguarda

jurídica das expressões linguísticas dos distintos e

multifacetados grupos étnicos que contribuíram para a

formação do povo brasileiro encontra, sobretudo na

contemporânea sistemática constitucional, tutela

jurídica, eis que materializa patrimônio cultural

imaterial de inestimável valor. Repisa-se, assim, que o

Inventário da Diversidade Linguística configura como

instrumento proeminente na tutela jurídica do

patrimônio cultural imaterial, objetivando dispensar

tratamento protetivo a bem jurídico dotado de relevância

63 BRASIL. Ministério da Cultura. Grupo de Trabalho da

Diversidade Linguística no Brasil. Disponível em:

<www.cultura.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014, p. 19.

Page 79: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

79

e significação singular para a constituição do povo

brasileiro.

REFERÊNCIA:

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República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

_________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.

Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

_________. Decreto Nº 7.387, de 09 de Dezembro de

2010. Institui o Inventário da Diversidade Linguística e

dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

_________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

Page 80: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

80

_________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

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<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 fev. 2014.

Page 83: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

83

MEIO AMBIENTE CULTURAL E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO: O USO DOS BENS AMBIENTAIS

CULTURAIS NO ECOTURISMO

Resumo: Cuida salientar que o meio ambiente

cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao

lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o

seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é

o resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

Page 84: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

84

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio

ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,

é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da

sociedade brasileira. O conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação

seja de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico

e ambiental.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.

Desenvolvimento Econômico. Ecoturismo.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica do Direito Ambiental; 2

Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Tombamento Ambiental: 4.1 Conceito

e Característicos; 4.2 Natureza Jurídica; 5 Meio

Ambiente Cultural e Desenvolvimento Econômico: O

Uso dos Bens Ambientais Culturais no Ecoturismo

Page 85: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

85

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO

AMBIENTAL

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não

mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

Page 86: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

86

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”64. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural e robusta dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

primevo é assegurar que não haja uma vingança privada,

afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore

priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião

(“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar

que se concretize um cenário caracterizado por aspecto

caótico no seio da coletividade.

64 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 19 jan.

2014.

Page 87: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

87

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”65. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

65 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

Page 88: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

88

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”66. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 13 mar. 2014. 66 VERDAN, 2009, s.p.

Page 89: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

89

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”67. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

67 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 19 jan. 2014.

Page 90: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

90

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade68.

Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

68 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

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91

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”69.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

69 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014.

Page 92: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

92

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível70.

Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos

de terceira dimensão são impregnados densamente pelo

aspecto de solidariedade e fraternidade, extrapolando o

70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.

Page 93: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

93

indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como

algo singular que reclama a adoção de direitos que

salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários

o gênero humano mesmo, num momento expressivo de

sua afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”71. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais. Verifica-se,

nesta esteira, a adoção de valores calcados em

solidariedade, elevados à condição de sustentáculo da

contemporaneidade, concebendo a coletividade como algo

uno, superando o clássico pensamento individual que

tende a refletir as primeiras gerações dos direitos

humanos.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

71 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 94: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

94

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198172,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de

Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que

propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em

todas as suas formas”73.

72 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014. 73 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

Page 95: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

95

Nesta senda, ainda, Fiorillo74, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

74 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 96: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

96

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal75.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

75 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.

Page 97: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

97

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”76.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198877 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

76 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 77 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 98: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

98

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras [...] tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade78.

78 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

Page 99: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

99

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.

Page 100: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

100

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

Page 101: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

101

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

Page 102: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

102

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

Em tom de arremate, é possível destacar que a

incolumidade do meio ambiente não pode ser

comprometida por interesses empresarias nem manter

dependência de motivações de âmago essencialmente

econômico, notadamente quando estiver presente a

atividade econômica, considerada as ordenanças

constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros

corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a

defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e

abrangente das noções de meio ambiente natural, de

meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial

(espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário

Page 103: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

103

do desenvolvimento sustentável, além de estar

impregnando de aspecto essencialmente constitucional,

encontra guarida legitimadora em compromissos e

tratados internacionais assumidos pelo Estado

Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do

justo equilíbrio

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

Page 104: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

104

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”79. Desta maneira, a proteção do patrimônio

cultural se revela como instrumento robusto da

sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

79 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 19 jan. 2014, p.

15-16.

Page 105: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

105

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”80. Quadra anotar, por imperioso, que os bens

compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem

tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;

preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

80 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 106: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

106

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Page 107: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

107

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”81. Esses aspectos

81 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

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108

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial

transmite-se de geração a geração e é constantemente

recriado pelas comunidades e grupos em função de seu

ambiente”82, decorrendo, com destaque, da interação com

a natureza e dos acontecimentos históricos que

permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200083,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo84, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 19 jan.

2014. 82 BROLLO, 2006, p. 33. 83 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014. 84 BROLLO, 2006, p. 33.

Page 109: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

109

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

Fiorillo85, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,

conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente

humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,

sendo dotado de valor especial, notadamente em

decorrência de produzir um sentimento de identidade no

grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana.

4 TOMBAMENTO AMBIENTAL

4.1 Conceito e Característicos

Em uma primeira plana, cuida salientar que o

tombamento se apresenta como um dos instrumentos

85 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 110: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

110

utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar

e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste

sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato

administrativo que visa à preservação do patrimônio

histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a

impedir a destruição ou descaracterização de bem a que

for atribuído valor histórico ou arquitetônico”86. Fiorillo

anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos

tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a

finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o

bem cultural”87. Desta sorte, a utilização do tombamento

como mecanismo de preservação e proteção do

patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à

86 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes

Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da

República. O tombamento é ato administrativo que visa à

preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das

cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem

a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se ressaltar

que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da Constituição

da República, é dever imposto a todos os entes federados. Órgão

Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Antônio

Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008.

Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014. 87 FIORILLO, 2012, p. 428-429.

Page 111: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

111

cultura, substancializando verdadeiro instrumento de

tutela do meio ambiente.

Com realce, o instituto em comento se revela,

em sede de direito administrativo, como um dos

instrumentos criados pelo legislador para combater a

deterioração do patrimônio cultural de um povo,

apresentando, em razão disso, maciça relevância no

cenário atual, notadamente em decorrência dos bens

tombados encerrarem períodos da história nacional ou,

mesmo, refletir os aspectos característicos e

identificadores de uma comunidade. À luz de tais

ponderações, é observável que a intervenção do Ente

Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural,

busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o

tombamento permite que o aspecto histórico seja

salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura

do povo e representa a fonte sociológica de identificação

de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos

existentes na atualidade. “A escolha do bem de

patrimônio cultural que será tombado com precedência

Page 112: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

112

aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e

oportunidade, e não é passível de análise judicial”88.

Desta feita, o proprietário não pode, em nome

de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre

seus bens, se estes se traduzem em interesse público por

atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,

científica, turística e paisagística. “São esses bens que,

embora permanecendo na propriedade do particular,

passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para

esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo

proprietário”89. Os exemplos de bens a serem tombados

88 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação

Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da

Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é

ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial

quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de

acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da

Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a

Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário

indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os

demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será

tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de

conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.

Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda

Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.

Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso

em 19 jan. 2014. 89 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito

Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris, 2011, p. 734.

Page 113: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

113

são extremamente variados, sendo os mais comuns os

imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas

na história pátria, dos quais podem os estudiosos e

pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do

passado e desenvolver outros estudos com vistas a

proliferar a cultura do país. Além disso, é possível

evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou

até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais

do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister

se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam:

Ementa: Direito Constitucional - Direito

Administrativo - Apelação - Preliminar de

não conhecimento - Inovação Recursal -

Ausência de Documentos Indispensáveis

para propositura da Ação - Não

Configuração - Pedido de Assistência

Judiciária - Indeferimento - Ação Civil

Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e

Cultural - Edificação em imóvel localizado

no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -

Tombamento - Aprovação do IPHAN -

Inexistência. [...] - O Município de Ouro

Preto foi erigido a Monumento Nacional

pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e

inscrito pela UNESCO na lista do

Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em

21/09/80, e a cidade teve todo o seu

Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se

de fato notório, conhecido pela apelante e

por qualquer pessoa, de forma que não se

pode afirmar que o processo de tombamento

do Conjunto Arquitetônico do referido

Page 114: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

114

Município seja um documento indispensável

para a propositura da presente ação civil

pública. - O imóvel que faz parte do

Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e

integra o Patrimônio Mundial, Cultural e

Natural da cidade, deve ser conservado por

seu proprietário, e qualquer obra de reparo

de tal bem deve ser precedida de

autorização do IPHAN, sob pena de

demolição. (Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/

Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/

Relator: Desembargador Moreira Diniz/

Julgado em 12.06.2008/ Publicado em

26.06.2008).

Ementa: Ação popular. Instalação de

quiosques no entorno de praças municipais.

Tombamento preservado. Inocorrência de

ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O

fato de as praças municipais serem

tombadas, como partes do Patrimônio

Histórico e Cultural do Município de

Paraisópolis, não podendo,

consequentemente, serem ocupadas ou

restringidas em sua área, para outras

finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não

impede a instalação, ao arredor delas, de

quiosques de alimentação, porquanto o

tombamento se limitou às praças, e não ao

entorno delas. Assim, não há ofensa ao

patrimônio ambiental cultural. A instalação

dos referidos quiosques não configura abalo

de ordem ambiental, visto que não houve

lesão aos recursos ambientais, com

consequente degradação - alteração adversa

- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal

de Justiça do Estado de Minas Gerais –

Quinta Câmara Cível/ Apelação

Cível/Reexame Necessário N°

1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:

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115

Desembargadora Maria Elza/ Julgado em

03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).

É verificável que a proteção dos bens de

interesse cultural encontra respaldo na Constituição da

República Federativa do Brasil90, que impõe ao Estado o

dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais

e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,

nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto

de bens materiais e imateriais necessários à exata

compreensão dos vários aspectos ligados os grupos

formadores da sociedade brasileira”91. O Constituinte, ao

insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de

Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,

registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de

outras formas de acautelamento e preservação.

“Independentemente do tombamento, o patrimônio

cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda

que precária - até definitiva solução da questão em exame

90 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014 91 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735.

Page 116: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

116

- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer

ação futura, pois a demolição é irreversível”92.

Resta patentemente demonstrado que o

tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na

proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem

anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder

Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,

turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por

essa razão, devam ser preservados, de acordo com a

inscrição em livro próprio”93. O tombamento é um dos

institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio

histórico e artístico nacional, que implica na restrição

parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação

que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar

92 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil

Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de

pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -

Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e

histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até

definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for

dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é

irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem

ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,

III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão

Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander

Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.

Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.

93 MEIRELLES, 2012, p. 635.

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117

a proeminente natureza do instituto em comento, é

possível transcrever os arestos que se coadunam com as

ponderações estruturadas até o momento:

Ementa: Constitucional e Administrativo.

Mandado de segurança. Imóvel. Valor

histórico e cultural. Declaração. Município.

Tombamento. Ordem de demolição.

Inviabilidade. São deveres do Poder público,

nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e

216, §1º, da Constituição Federal, promover

e proteger o patrimônio cultural, artístico e

histórico, por meio de tombamento e de

outras formas de acautelamento e

preservação, bem como impedir a evasão, a

destruição e a descaracterização de bens de

valor histórico, artístico e cultural.

Demonstrada, no curso do mandado de

segurança, a conclusão do procedimento

administrativo de tombamento do imóvel,

com declaração do seu valor histórico e

cultural pelo Município, inviável a

concessão de ordem para sua demolição.

Rejeita-se a preliminar e nega-se

provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça

do Estado de Minas Gerais – Quarta

Câmara Cível/ Apelação Cível

1.0702.02.010330-6/001/ Relator:

Desembargador Almeida Melo/ Julgado em

15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).

Ementa: Tombamento - Patrimônio

Histórico e Cultural - Imóvel reputado de

valor histórico pelo município onde se

localiza - Competência Constitucional dele

para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o

Município, mediante tombamento, preserve

imóvel nele situado e que considere de valor

Page 118: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

118

histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso

III, da Lei Fundamental da República, que

a ele - Município, atribui a competência

para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,

com seus hábitos e culturas próprios, cabe

aferir, atendidas as peculiaridades locais,

acerca do valor histórico-cultural de seu

patrimônio, com o escopo, inclusive, de

também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara

Cível/ Embargos Infringentes

1.0000.00.230571-2/001/ Relator:

Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado

em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)

O diploma infraconstitucional que versa acerca

do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro

de 193794, que organiza a proteção do patrimônio

histórico e artístico nacional, trazendo à baila as

disposições elementares e a fisionomia jurídica do

instituto do tombamento, inclusive no que toca aos

registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o

diploma ora aludido traça tão somente as disposições

gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do

tombamento. Entrementes, este se consumará por meio

de atos administrativos específicos, destinados a

94 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.

Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan.

2014.

Page 119: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

119

propriedades determinadas, atento às particularidades e

peculiaridades do bem a ser tombado.

4.2 Natureza Jurídica

Acalorados são os debates que discutem a

natureza jurídica do instituto do tombamento,

entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata

de instrumento especial de intervenção restritiva do

Estado na propriedade privada95, dotado de fisionomia

própria e impassível de confusão com as demais espécies

de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e

específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações

administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso

da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a

natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar

como meio de intervenção do Estado, consistente na

restrição ao uso de propriedades determinadas.

No que se refere à natureza do ato, em que

pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele

vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara

distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos

do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve

95 Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 738.

Page 120: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

120

apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio

cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto

o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo

distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele

constante. Entrementes, no que concerne à valoração da

qualificação do bem como de natureza histórica, artística,

cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua

proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é

privativa da Administração. “A escolha do bem de

patrimônio cultural que será tombado com precedência

aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e

oportunidade, e não é passível de análise judicial”96.

96 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação

Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da

Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é

ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial

quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de

acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da

Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a

Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário

indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os

demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será

tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de

conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.

Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda

Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.

Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso

em 19 jan. 2014.

Page 121: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

121

Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta

as ponderações vertidas até o momento:

Ementa: Mandado de Segurança -

Tombamento de bem imóvel - Ilegitimidade

ativa - Constituição há menos de um ano -

Artigo 5º, LXX, alínea „b' da Constituição

Federal - Poder discricionário da

Administração para decretar o tombamento

- Processo extinto - Art. 267, VI do CPC. [...]

. O tombamento de prédio considerado de

interesse histórico, artístico ou cultural, é

ato discricionário do Administrador, sendo

descabida a intervenção do Poder Judiciário

no processo de tombamento, quando não

demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo

improvido. (Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/

Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/

Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/

Julgado em 14.12.2004/ Publicado em

30.12.2004).

Ementa: Agravo. Liminar em mandado de

segurança. Tombamento de bem imóvel. O

poder discricionário da autoridade

administrativa vale, na medida em que o

ordenamento jurídico concede ao

administrador a prerrogativa de agir

movido pelos critérios de oportunidade e

conveniência, sopesados com parcimônia

para que o fim último seja alcançado.

Descabimento da intervenção do Judiciário

no processo de tombamento, indemonstrada,

""prima facia"", irregularidade no mesmo.

Agravo provido, para cassar a liminar.

(Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de

Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/

Page 122: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

122

Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/

Julgado em 03.02.2004/ Publicado em

20.02.2004).

Da mesma forma, é cabível, ainda, a

observação de que o tombamento constitui um ato

administrativo, sendo imperioso, por via de

consequência, que apresente todos os elementos

necessários para materializar a moldura de legalidade. O

tombamento, enquanto instituto do direito

administrativo, não acarreta a produção de todo um

procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um

ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato

resulta necessariamente de procedimento administrativo

e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação.

Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação,

ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades

prévias.

5 MEIO AMBIENTE CULTURAL E

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O USO DOS

BENS AMBIENTAIS CULTURAIS NO

ECOTURISMO

Page 123: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

123

Inicialmente, quadra salientar que o corolário

do desenvolvimento sustentável se apresenta como um

dos robustos arrimos da tábua principiológica ostentada

pela ramificação ambiental do Direito. Trata-se, com

efeito, de preceito que busca dialogar e harmonizar

vertentes distintas, cada qual dotada de complexidade,

quais sejam: o crescimento econômico, a preservação

ambiental e a equidade social. Nesta esteira de

exposição, “importa frisar que o desenvolvimento somente

pode ser considerado sustentável quando as três vertentes

acima relacionadas sejam efetivamente respeitadas de

forma simultânea”97, como bem afiança Romeu Thomé.

Quadra pontuar que o ideário de desenvolvimento

socioeconômico em consonância com a preservação

ambiental tem seu sedimento na Conferência Mundial de

Meio Ambiente98, realizada, em 1972, em Estocolmo, que

se apresenta como verdadeiro marco histórico da

discussão dos problemas ambientais.

É verificável, ainda, que o corolário em tela

encontra respaldo na redação do artigo 225 da

97 THOMÉ, 2012, p. 58.

98 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração da

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

Humano. Disponível em: <http://www.onu.org.br>. Acesso em 19

jan. 2014.

Page 124: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

124

Constituição da República Federativa do Brasil de

198899, notadamente quando dicciona que é imposição ao

Poder Público e de toda a coletividade defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

“Constata-se que os recursos ambientais não são

inesgotáveis, tornando-se inadmissível que as atividades

econômicas desenvolvam-se alheias a esse fato”100. Desta

feita, é observável que o núcleo sensível do corolário do

desenvolvimento sustentável está alicerçado na

coexistência harmônica entre economia e meio ambiente,

sendo permitido o desenvolvimento, contudo, de maneira

planejada e sustentável, a fim de evitar que os recursos

existentes não se esgotem ou mesmo se tornem inócuos.

Insta anotar, inclusive, que tais ponderações encontram

identificação nos princípios segundo, quarto e quinto da

Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente Humano, consoante se extrai:

99 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

100 FIORILLO, 2012, p. 87.

Page 125: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

125

Princípio 2: Os recursos naturais da terra

incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a

fauna e especialmente amostras

representativas dos ecossistemas naturais

devem ser preservados em benefício das

gerações presentes e futuras, mediante uma

cuidadosa planificação ou ordenamento.

Princípio 4: O homem tem a

responsabilidade especial de preservar e

administrar judiciosamente o patrimônio da

flora e da fauna silvestres e seu habitat, que

se encontram atualmente, em grave perigo,

devido a uma combinação de fatores

adversos. Consequentemente, ao planificar

o desenvolvimento econômico deve-se

atribuir importância à conservação da

natureza, incluídas a flora e a fauna

silvestres.

Princípio 5: Os recursos não renováveis da

terra devem empregar-se de forma que se

evite o perigo de seu futuro esgotamento e

se assegure que toda a humanidade

compartilhe dos benefícios de sua

utilização101.

Sobreleva frisar, deste modo, que o princípio do

desenvolvimento sustentável agasalha a manutenção das

bases vitais da produção e produção do homem e de suas

atividades, assegurando, de igual forma, uma relação

101 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração da

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente

Humano. Disponível em: <http://www.onu.org.br>. Acesso em 19

jan. 2014.

Page 126: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

126

satisfatória entre os homens e destes com o seu meio

ambiente, com o escopo de que as futuras gerações

também tenham a oportunidade de utilizar os mesmos

recursos existentes. Romeu Thomé pontua, em seu

magistério, que “as gerações presentes devem buscar o seu

bem-estar através do crescimento econômico e social, mas

sem comprometer os recursos naturais fundamentais

para a qualidade de vida das gerações subsequentes”102.

Ora, o desenvolvimento sustentável resta

consubstanciado quando faz face às necessidades das

gerações sem que haja comprometimento da capacidade

das gerações futuras na satisfação de suas próprias

carências. A Ministra Carmem Lúcia, ao relatoriar a

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Nº 101/DF, no tocante ao dogma em apreço, manifestou

que desenvolvimento sustentável é “crescimento

econômico com garantia paralela e superiormente

respeitada da saúde da população, cujos direitos devem

ser observados em face das necessidades atuais e

daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e

respeito às gerações futuras”103.

102 THOMÉ, 2012, p. 59.

103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 101/DF.

Page 127: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

127

A Constituição Federal adotou o princípio do

desenvolvimento sustentável, segundo o qual a

preservação do meio ambiente ecologicamente

equilibrado é necessária à manutenção da capacidade

produtiva e à própria sobrevivência do ser humano,

implicando no estabelecimento de limites ao exercício das

atividades econômicas que geram transformação ou

degradação dos recursos naturais. Impende destacar,

ainda, com grossos traços e cores quentes, que a

atividade econômica não pode ser exercida em desacordo

com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção

do meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente,

com realce, não pode ser embaraçada por interesses

empresariais nem ficar dependente de motivações de

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Adequação.

Observância do princípio da subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da

Constituição da República. Constitucionalidade de atos normativos

proibitivos da importação de pneus usados. Reciclagem de pneus

usados: Ausência de eliminação total de seus efeitos nocivos à saúde

e ao meio ambiente equilibrado. Afronta aos princípios

constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente

equilibrado. Coisa julgada com conteúdo executado ou exaurido:

Impossibilidade de alteração. Decisões judiciais com conteúdo

indeterminado no tempo: Proibição de novos efeitos a partir do

julgamento. Arguição julgada parcialmente procedente. Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental julgada parcialmente

procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relatora: Ministra

Cármem Lúcia. Julgado em 24.06.2009. Publicado no 04.06.2012, p.

00001. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.

Page 128: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

128

âmago essencialmente econômico, ainda mais quando a

atividade econômica, em razão da disciplina

constitucional, estiver subordinada a um sucedâneo de

corolários, notadamente àquele que privilegia a defesa do

meio ambiente, o qual abarca o conceito amplo e

abrangente de noções atreladas ao meio ambiente em

suas múltiplas manifestações, quais sejam: o meio

ambiente natural, meio ambiente cultural, meio

ambiente artificial e meio ambiente do trabalho (ou

laboral).

Verifica-se, assim, que os instrumentos

jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional

objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente,

para que não se alterem as propriedades e os atributos

que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável

comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho

e bem-estar da população, além de causar graves danos

ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em

seu aspecto físico ou natural. Com perfeita consonância

com as ponderações aventadas, até o momento, cuida

transcrever o robusto escólio apresentado pelo Ministro

Celso de Mello, ao relatoriar a Medida Cautelar na Ação

Direta de Inconstitucionalidade Nº. 3.540/DF, em

Page 129: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

129

especial quando destaca que:

Concluo o meu voto: atento à circunstância

de que existe um permanente estado de

tensão entre o imperativo de

desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II),

de um lado, e a necessidade de preservação

da integridade do meio ambiente (CF, art.

225), de outro, torna-se essencial reconhecer

que a superação desse antagonismo, que

opõe valores constitucionais relevantes,

dependerá da ponderação concreta, em cada

caso ocorrente, dos interesses e direitos

postos em situação de conflito, em ordem a

harmonizá-los e a impedir que se aniquilem

reciprocamente, tendo-se como vetor

interpretativo, para efeito da obtenção de

um mais justo e perfeito equilíbrio entre as

exigências da economia e as da ecologia, o

princípio do desenvolvimento sustentável,

tal como formulado nas conferência

internacionais […] e reconhecido em

valiosos estudos doutrinários que lhe

destacam o caráter eminentemente

constitucional […]104.

104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº.

3.540/DF. Meio Ambiente – Direito à preservação de sua integridade

(CF, art. 225) – Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade – Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade – Necessidade

de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio

da coletividade, conflitos intergeneracionais – Espaços territoriais

especialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III) – Alteração e

supressão do regime jurídico a eles pertinente – Medidas sujeitas ao

princípio constitucional da reserva de lei – Supressão de vegetação

em área de preservação permanente – Possibilidade de a

Administração Pública, cumpridas as exigências legais, autorizar,

licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais

Page 130: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

130

Prima, ainda, sublinhar que a compreensão do

baldrame do desenvolvimento sustentável reclama a sua

contextualização histórica, a fim de realçar a incidência

de seus feixes principiológicos, porquanto, como é cediço,

o liberalismo tornou-se um sistema inoperante diante do

fenômeno da revolução das massas. “Em face da

transformação sociopolítica-econômica-tecnológica,

percebeu-se a necessidade de um modelo estatal

intervencionista com a finalidade de reequilibrar o

mercado econômico”105. Infere-se, desta sorte, a acepção

conceitual do desenvolvimento, estruturados em um

Estado de concepção liberal, modificaram-se, porquanto

não mais encontravam arrimo na sociedade moderna.

protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos

atributos justificadores do regime de proteção especial – Relações

entre economia (CF, art. 3º, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF, art.

225) - Colisão de direitos fundamentais - Critérios de superação

desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes - Os

direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou

dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) - A questão da

precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma

limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art.

170, VI) – Decisão não referendada - Consequente indeferimento do

pedido de medida cautelar. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro. Celso de Mello. Julgado em 01.09.2005. Publicado no DJe

em 03.02.2006, p. 00014. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 19 jan. 2014. 105 FIORILLO, 2012, p. 88.

Page 131: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

131

Ora, salta aos olhos que se passou a vindicar um papel

ativo do Ente Estatal, precipuamente no que se refere ais

valores ambientais, concedendo outra noção de conceito

de desenvolvimento. Conferindo o realce que o preceito

em testilha reclama, o Ministro Ari Pargendler, ao

relatoriar o Agravo Regimental na Suspensão de Liminar

e de Sentença Nº. 1.448/MA, manifestou-se no sentido

que:

[…] Não é cabível a suspensão de decisão

judicial que determinou a suspensão de

incentivos e benefícios fiscais concedidos

pelo Poder Público a empresa privada que

descumpriu continuamente normas

ambientais na hipótese em que tal pedido é

feito pelo Estado, sob a alegação de que tal

decisão acarreta lesão à ordem

administrativa e econômica estadual,

consubstanciada na perda de empregos

diretos e de arrecadação tributária

propiciados pela empresa, pois a suspensão

dos incentivos fiscais pode repercutir na

economia estadual apenas de modo indireto,

não podendo o Estado defender interesse

econômico de empresa privada, sendo que o

interesse público primário a ser protegido é

justamente o tutelado pela decisão judicial

impugnada que é a proteção ao meio

ambiente e a promoção do desenvolvimento

econômico sustentável106.

106 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido

em Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de Sentença Nº.

1.448/MA. Pedido de Suspensão de Medida Liminar. Suspensão de

Page 132: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

132

A proteção do meio ambiente e o fenômeno

desenvolvimentista, sendo arrimado na livra iniciativa,

passaram a constituir um objetivo comum, pressupondo

a confluência dos escopos das políticas de

desenvolvimento econômico, social, cultural e de proteção

ambiental. Trata-se, com efeito, da concatenação de

elementos que enfatizam “a necessidade de mais

crescimento econômico, mas com formas, conteúdos e usos

sociais completamente modificados, com uma orientação

no sentido das necessidades das pessoas”107,

materializada por meio da distribuição equitativa de

renda e de técnicas de produção adequadas à preservação

dos recursos. Ademais, não se pode olvidar que a

conquista de um ponto de equilíbrio entre o

desenvolvimento social, o crescimento econômico e a

utilização dos recursos naturais carecem de um

adequado planejamento territorial que considere os

incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público. A lesão

de que trata a Lei nº 8.437, de 1992 é aquela que resulta

diretamente da decisão judicial. Na espécie, quem, de fato, sofre

imediatamente os efeitos da decisão sub judice é empresa que não

tem legitimidade para pedir a respectiva suspensão. Agravo

regimental não provido. Órgão Julgador: Corte Especial. Relator:

Ministro Ari Pargendler. Julgado em 05.12.2011. Publicado no DJe

em 29.02.2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 19 jan.

2014. 107 THOMÉ, 2012, p. 59.

Page 133: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

133

limites estabelecidos pela sustentabilidade. Como bem

alardeia o articulista Vianna, “o princípio do

desenvolvimento sustentável colima compatibilizar a

atuação da economia com a preservação do equilíbrio

ecológico”108.

É perceptível, desta maneira, que o corolário

em comento passou a gozar de robusta importância, eis

que numa sociedade desregrada, despida de parâmetros

de livre concorrência e iniciativa, o caminho inexorável

para uma situação ambiental caótica se revela como uma

certeza. “Não há dúvida de que o desenvolvimento

econômico também é um valor precioso da sociedade.

Todavia, a preservação ambiental e o desenvolvimento

econômico devem coexistir, de modo que aquela não

acarrete a anulação deste”109, como bem explicita Fiorillo.

Aprouve ao Constituinte de 1988 afixar que as atividades

econômicas mereciam um tratamento novo, em

consonância com os anseios e modificações apresentados.

Nesta toada, a preservação ambiental passou a figurar

108 VIANNA, José Ricardo Alvarez. O Direito Ambiental e o

princípio do desenvolvimento sustentável. Jus Navigandi,

Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2974>. Acesso em 19

jan. 2014.

109 FIORILLO, 2012, p. 94.

Page 134: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

134

como a flâmula norteadora, eis que a contínua

degradação acarretaria a diminuição da capacidade

econômica do País.

Com efeito, conforme estruturado no decorrer

do presente, o meio ambiente cultural se materializa no

plano jurídico em razão da existência de bens ambientais

considerados constitucionalmente patrimônio cultural

brasileiro, encontrando como arrimo legislativo o artigo

216 da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988. Deste modo, cuida reiterar que “todo bem,

material ou imaterial, vinculado com a identidade, a

ação e a memória dos diferentes grupos formadores da

sociedade brasileira integra a categoria de bem

ambiental”110, assumindo, em consequência disso,

natureza jurídica difusa, sendo sempre passível de

proteção jurídica. Logo, o patrimônio cultural, como bem

de uso comum do povo, poderá ser usado em proveito do

ecoturismo desde que sejam observados os balizamentos

constitucionais indicados, de maneira taxativa, no Texto

Constitucional.

Nesta trilha, torna-se evidente a

imprescindibilidade da realização, por parte daqueles

110 FIORILLO, 2012, p. 799.

Page 135: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

135

empreendedores, os quais busquem conciliar a utilização

do patrimônio cultural e o desenvolvimento econômico,

em proveito da obtenção de lucro, a estruturação do

estudo prévio de impacto ambiental, em consonância com

o acinzelado no artigo 225, §1º, da Constituição de 1988 a

ser exigido pelo Poder Público na proporção em que cuida

o ecoturismo de atividade econômica, a qual poderá

desencadear significativa degradação do meio ambiente

cultural. O estudo prévio de impacto ambiental deverá,

por via de consequência, ser exigido daqueles que

pretendem usar os bens ambientais em proveito de lucro

em face dos naturais impactos provocados pelo

ecoturismo como turismo de massa. Ora, ruídos,

desgastes dos caminhos e trilhas, agressão à paisagem e

à vegetação, erosão das praias e encostas, efluentes,

poluição do a e da água, danos em áreas residenciais,

intensificação do tráfego nas rodovias, ferrovias e

aeroportos, barragens, vandalismo, intromissões no

cotidiano das localidades são algumas hipóteses que

ocorrem com o ecoturismo como atividade desenvolvida

para grande número de consumidores em busca de lazer,

sendo necessária a adoção de mecanismos que promovam

o diálogo entre o desenvolvimento e a preservação

Page 136: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

136

ambiental.

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________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

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________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

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________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

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Page 139: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

139

AS CASAS DO PATRIMÔNIO COMO INSTRUMENTOS

DE PROMOÇÃO DA SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO

CULTURAL: SINGELAS TESSITURAS

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise das Casas de Patrimônio como

instrumentos de promoção da salvaguarda do

patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio

ambiente cultural é constituído por bens culturais,

cuja acepção compreende aqueles que possuem

valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,

espeleológico, fossilífero, turístico, científico,

refletindo as características de uma determinada

sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a

cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada

pela natureza, como localização geográfica e clima.

Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de

uma intensa interação entre homem e natureza,

porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua

atividade e percepção são conformadas pela sua

cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo

Page 140: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

140

que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos

diversos grupos colonizadores e escravos africanos.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e

imateriais portadores de referência à memória, à

ação e à identidade dos distintos grupos formadores

da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja

conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria

ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela

Jurídica. Casas do Patrimônio.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica da Ramificação

Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção

de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio

Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 As Casas do

Patrimônio como instrumentos de Promoção da

Salvaguardado Patrimônio Cultural: Singelas

Tessituras

Page 141: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

141

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

Page 142: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

142

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”111. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

111 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 29

mar. 2015, s.p.

Page 143: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

143

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”112. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

112 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Page 144: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

144

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”113. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

29 mar. 2015. 113 VERDAN, 2009, s.p.

Page 145: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

145

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”114. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

114 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 29 mar. 2015.

Page 146: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

146

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade115·. Ora, daí

se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

115 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

Page 147: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

147

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”116.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

116 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015.

Page 148: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

148

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível117.

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

117 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 29 mar. 2015.

Page 149: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

149

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”118. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

118 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 150: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

150

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981119,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”120.

119 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015. 120 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

Page 151: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

151

Nesta senda, ainda, Fiorillo121, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

121 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 152: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

152

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal122.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 29 mar.

2015.

Page 153: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

153

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”123.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988124 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

123 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 124 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 154: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

154

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade125.

125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 155: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

155

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 29 mar. 2015.

Page 156: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

156

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

Page 157: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

157

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

Page 158: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

158

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

Page 159: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

159

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”126. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

126 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 29 mar. 2015, p.

15-16.

Page 160: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

160

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”127. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

127 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 161: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

161

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

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162

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”128. Esses aspectos

128 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

Page 163: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

163

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”129, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000130, que institui o registro de bens culturais de

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 29 mar.

2015. 129 BROLLO, 2006, p. 33. 130 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015.

Page 164: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

164

bem aponta Brollo131, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo132, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

131 BROLLO, 2006, p. 33. 132 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 165: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

165

4 AS CASAS DO PATRIMÔNIO COMO

INSTRUMENTOS DE PROMOÇÃO DA

SALVAGUARDADO PATRIMÔNIO CULTURAL:

SINGELAS TESSITURAS

Em um primeiro arrazoado, s Casas do

Patrimônio têm o intuito de ampliar os espaços de

diálogo com a sociedade a partir da educação

patrimonial. São o primeiro passo para transformar as

sedes do IPHAN e instituições parceiras da sociedade

civil em polos de referência, sobre o patrimônio cultural,

ampliando as práticas de preservação, sobretudo por

meio de ações educacionais formais e não formais, em

parceria com escolas, agentes culturais, instituições

educativas não formais e demais segmentos sociais e

econômicos. Partindo da ideia que patrimônio é um eixo

do desenvolvimento sustentável, capaz de gerar renda e

oportunidades econômicas para a população, a proposta

pretende, de um lado, dialogar com as atividades e

rotinas administrativas da instituição e, de outro,

promover ações de qualificação e capacitação de agentes

públicos e da sociedade civil. Para tanto, devem atuar de

maneira articulada com outras políticas públicas,

Page 166: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

166

especialmente nas áreas de educação, cultura, cidades,

justiça, turismo e meio ambiente. Não há um programa

de atividades e de estrutura padronizados. Cada caso

exigirá um arranjo próprio em função das características

do local e de seus equipamentos, da existência e

capacitação dos profissionais, do nível de interação com o

poder público e demais agentes sociais. A adequação da

proposta às singularidades de cada cidade ou região é

vital para o seu êxito. É importante centrar o foco em

parcerias com grupos, organizações e projetos locais de

ações educativas.

Entre os objetivos das Casas do Patrimônio

estão: (i) articular coletivamente as representações do

IPHAN nas unidades da federação, as instituições da

sociedade civil e os poderes públicos municipais e

estaduais, instaurando espaços de debate e reflexão

sobre o Patrimônio Cultural; (ii) difundir informações

sobre a ação institucional do IPHAN de forma acessível

ao público; (iii) estimular a participação das comunidades

nas discussões e propostas de redefinição do uso social

dos bens culturais; (iv) promover oficinas para

educadores da rede pública municipal e estadual focadas

na interface Patrimônio e Educação com a finalidade de

Page 167: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

167

que venham a atuar como multiplicadores desse novo

enfoque; (v) garantir o enfoque em práticas educativas

inter/transdisciplinares e com abordagens transversais,

em acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(LDB) e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do

Ministério da Educação; (vi) promover a valorização das

comunidades bem como contribuir para sua inserção

tecnológica e digital por meio, por exemplo, de oficinas

educativas focadas em ferramentas de audiovisual; (vii)

mapear e identificar agentes locais responsáveis por

ações educativas; (viii) buscar temas geradores

significativos para a valorização do patrimônio cultural

das diferentes comunidades; (ix) valorizar ações

educativas que promovam a interface entre Patrimônio

Cultural e Natural; (x) garantir um espaço de trocas de

experiências envolvendo iniciativas de Educação

Patrimonial.

Como resultados, espera-se que as Casas do

Patrimônio sejam, portanto, articuladoras das ações

educativas e de aproximação com as comunidades locais,

papel fundamental para a efetividade de uma gestão

compartilhada de preservação do Patrimônio Cultural. O

resultado aguardado é a construção de uma noção

Page 168: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

168

compartilhada de Patrimônio Cultural que facilite

abordá-lo em sua diversidade. Nesse sentido, as ações

desenvolvidas nas Casas do Patrimônio serão

estruturantes para tal propósito. Pretende-se que elas

contribuam para a formação de agentes multiplicadores

que possam contribuir para a formulação de conceitos

socioculturais, éticos e estéticos, bem como sobre a

importância de sua preservação como garantia do direito

à memória individual e coletiva. Dessa forma, a

potencialidade de multiplicação se alarga. A consciência

da importância do tema Patrimônio Cultural como

elemento de pertencimento dos indivíduos à sua

coletividade, poderá tornar-se uma importante atitude

para a formação de verdadeiros agentes do

desenvolvimento local. Crianças, adolescentes, líderes

comunitários, empresários entre outros segmentos da

sociedade, por meio de um processo educativo, podem

passar a valorizar e considerar o Patrimônio Cultural

como elemento chave para um desenvolvimento

sustentável. Sustentável porque permanece, porque

preserva, porque educa e porque pode gerar riquezas

propondo, por exemplo, a interface com o Turismo

Cultural e com a Educação Ambiental.

Page 169: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

169

A educação e a formação da cidadania são os

fundamentos de qualquer ação, programa ou processo de

preservação do Patrimônio Cultural. A tarefa que está

posta é muito maior do que todas as instituições

culturais do país, juntas, podem realizar. O protagonismo

dos indivíduos e de suas organizações são indispensáveis

para que se possa enfrentar, com sucesso, o desafio que o

conceito de Patrimônio Cultural contemporâneo coloca a

todos que se preocupam com a eficácia de políticas

públicas no âmbito da cultura. As Casas do Patrimônio

devem envolver todos os segmentos sociais, na esfera

pública e privada, que estejam comprometidos com a

proteção e difusão do patrimônio cultural, com especial

ênfase em: (i) escolas e instituições de ensino; (ii)

associações de moradores; (iii) coletivos não formalizados;

(iv) grupos detentores de bens culturais protegidos; (v)

organizações da sociedade civil; (vi) Instituições de

Ensino Superior. Premissas básicas para a implantação

de uma Casa do Patrimônio: (i) a realização das ações

educativas, promoção e fomento que articulem as áreas

de patrimônio cultural, meio ambiente e turismo dentre

outros campos da ação pública; (ii) o estímulo à

participação da população na gestão da proteção,

Page 170: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

170

salvaguarda, valorização e usufruto do patrimônio

cultural; (iii) a promoção permanente de oficinas, cursos

e outros eventos voltados à socialização de conhecimentos

e à qualificação de profissionais para atuar na área; (iv) a

garantia de espaços para o intercâmbio e difusão de

conhecimentos; (v) a manutenção e disponibilização das

informações e acervos sobre o patrimônio para acesso da

população; (vi) fomentar e fortalecer a atuação em redes

sociais de cooperação institucional e com as

comunidades; (vii) fomentar o reconhecimento da

importância da preservação do patrimônio cultural.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

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2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

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171

outras providências. Disponível em:

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Page 174: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

174

APONTAMENTOS AO INVENTÁRIO PARTICIPATIVO:

BREVES COMENTÁRIOS À PROEMINÊNCIA DA

PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA PROTEÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do inventário participativo, colocando em

destaque a proeminência da participação popular

na proteção do patrimônio cultural. Cuida salientar

que o meio ambiente cultural é constituído por bens

culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra

anotar que a cultura identifica as sociedades

humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói

o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira

Page 175: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

175

é o resultado daquilo que era próprio das

populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao

se analisar o meio ambiente cultural, enquanto

complexo macrossistema, é perceptível que é algo

incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens

culturais materiais e imateriais portadores de

referência à memória, à ação e à identidade dos

distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. O conceito de patrimônio histórico e

artístico nacional abrange todos os bens moveis e

imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu

excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Inventário

Participativo. Participação Popular. Proteção.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica da Ramificação

Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção

de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio

Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Apontamentos

ao Inventário Participativo: Breves Comentários à

Proeminência da Participação da Comunidade na

proteção do patrimônio cultural

Page 176: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

176

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

Page 177: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

177

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”133. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

133 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 ago.

2015, s.p.

Page 178: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

178

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”134. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Page 179: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

179

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”135. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

12 ago. 2015. 135 VERDAN, 2009, s.p.

Page 180: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

180

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”136. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

136 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 12 ago. 2015.

Page 181: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

181

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade137·. Ora, daí

se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

137 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

Page 182: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

182

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”138.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente,

que os direitos de terceira geração

(ou de novíssima dimensão), que

materializam poderes de

titularidade coletiva atribuídos,

138 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015.

Page 183: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

183

genericamente, e de modo difuso, a

todos os integrantes dos

agrupamentos sociais, consagram o

princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado

dos denominados direitos de quarta

geração (como o direito ao

desenvolvimento e o direito à paz),

um momento importante no processo

de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível139.

139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 ago. 2015.

Page 184: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

184

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”140. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

140 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 185: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

185

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981141,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

141 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015.

Page 186: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

186

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”142.

Nesta senda, ainda, Fiorillo143, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

142 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 143 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 187: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

187

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal144.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 ago.

2015.

Page 188: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

188

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”145.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988146 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

145 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 146 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 189: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

189

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

Page 190: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

190

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade147.

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

147 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 ago. 2015.

Page 191: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

191

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

Page 192: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

192

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Page 193: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

193

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

Page 194: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

194

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”148. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

148 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 12 ago. 2015, p.

15-16.

Page 195: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

195

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”149. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

149 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 196: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

196

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Page 197: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

197

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”150. Esses aspectos

150 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

Page 198: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

198

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”151, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000152, que institui o registro de bens culturais de

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 12 ago.

2015. 151 BROLLO, 2006, p. 33. 152 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

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199

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

bem aponta Brollo153, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo154, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015. 153 BROLLO, 2006, p. 33. 154 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 200: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

200

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 APONTAMENTOS AO INVENTÁRIO

PARTICIPATIVO: BREVES COMENTÁRIOS À

PROEMINÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA

COMUNIDADE NA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO

CULTURAL

De plano, cuida anotar que o artigo 216 da

Constituição da República Federativa do Brasil de

1988155 estabelece, de maneira exemplificativa, os

155 BRASIL. Constituição. Constituição da República

Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988.

Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015: “Art. 216.

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se

incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar,

fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e

tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e

demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V -

os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,

Page 201: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03

201

institutos e procedimentos a serem empregados em sede

de tutela e salvaguarda do patrimônio cultural,

comportando o alargamento do rol posto no texto

constitucional. Nesta linha de exposição, quadra

ponderar que o instituto do inventário não possui

regulamentação infraconstitucional, de âmbito nacional,

que estipule normas concernentes aos seus efeitos. Ao

lado disso, não se pode olvidar que o Texto

Constitucional estabelece que é competência concorrente

da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal,

bem como dos Municípios dispor acerca de mecanismos

e instrumentos para proteger e salvaguardar o

patrimônio histórico, cultural, artístico, turísticos e

paisagísticos.

Diante desse cenário, no qual se constata a

omissão da norma infraconstitucional federal em

artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O

Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e

protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,

registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras

formas de acautelamento e preservação. § 2º - Cabem à

administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação

governamental e as providências para franquear sua consulta a

quantos dela necessitem. § 3º - A lei estabelecerá incentivos para a

produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º - Os

danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da

lei. § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios

detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”.

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202

estabelecer regramento que disponha acerca do

inventário, na condição de instituto protetivo do

patrimônio cultural, poderão os demais entes

federativos legislar sobre a proteção e preservação de

seus patrimônios culturais. Nesta senda, o inventário, na

condição de instrumento de preservação e salvaguarda

cultural, consiste na identificação das características,

particularidades, histórico e relevância cultural,

objetivando dispensar a proteção dos bens culturais

materiais, públicos ou privados, devendo-se, para tanto,

adotar, no que tange à execução, critérios técnicos

objetivos e alicerçados de natureza histórica, artística,

arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica.

Nesta toada, quadra primar que inventariar significa

descrever, de maneira minuciosa, a relação e conjunto de

bens culturais. “O inventário, na seara patrimonial, é

instrumento de conhecimento de bens culturais, seja

de natureza material ou imaterial, que subsidia as

políticas de preservação do patrimônio cultural”156.

156 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como

instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e

usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.

16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <

http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 12 ago. 2015, p. 121.

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203

Há que se destacar, assim, que o inventário

dos bens culturais implica no levantamento minucioso e

completo dos bens culturais, objetivando abarcar a

diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o

inventário é uma das atividades elementares para o

estabelecimento e priorização de ações dentro de uma

política volvida para a preservação e gestão do

patrimônio cultural, notadamente quando há que se

considerar que toda medida de proteção, intervenção e

valorização do patrimônio cultural reclama o prévio

conhecimento dos acervos existentes. Sobre a temática

colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda,

em seu magistério, explica:

Sob o ponto de vista prático o inventário

consiste na identificação e registro por

meio de pesquisa e levantamento das

características e particularidades de

determinado bem, adotando-se, para sua

execução, critérios técnicos objetivos e

fundamentados de natureza histórica,

artística, arquitetônica, sociológica,

paisagística e antropológica, entre outros.

Os resultados dos trabalhos de pesquisa

para fins de inventário são registrados

normalmente em fichas onde há a descrição

sucinta do bem cultural, constando

informações básicas quanto a sua

importância histórica, características

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204

físicas, delimitação, estado de conservação,

proprietário etc157.

A essência do inventário é o de apreciar o

bem, porquanto só se pode proteger aquilo que se

conhece fundamentando, inclusive, um posterior pedido

de tombamento. O pedido do tombado não é uma

consequência imediata, sendo possível, após o estudo

propiciado pelo instituto em comento, que determinado

bem não seja passível de tombamento, o que mostra a

incoerência de se atrelar ao inventário o efeito de

restrição da propriedade. Prima sublinhar que a ausência

de uma norma infraconstitucional regulamentadora do

instituto do inventário não obsta o Poder Público

utilizar-se de tal instrumento na condição de fonte de

conhecimento dos bens culturais alvos da

patrimonialização. De igual modo, é defeso falar em

produção da insegurança jurídica, eis que o inventário

encontra-se previsto constitucionalmente, afigurando-se

como prática corriqueira dos órgãos da preservação do

patrimônio. “O que gerará turbulência no ofício dos

157 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como

instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural

brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 12 ago. 2015.

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205

gestores do patrimônio é a previsível relutância dos

proprietários de imóveis a ser inventariados de abrir

suas portas para o levantamento de dados desse bem

cultural, o que já acontece com os proprietários de

imóveis tombados”158. Com propriedade, Miranda

apresenta a seguinte distinção:

O Inventário e o Tombamento não se confundem. Trata-se de instrumentos de efeitos absolutamente diversos, embora ambos sejam institutos jurídicos vocacionados para a proteção do patrimônio cultural. O inventário é instituto de efeitos jurídicos muito mais brandos do que o tombamento, mostrando-se como uma alternativa interessante para a proteção do patrimônio cultural sem a necessidade Administração Pública de se valer do obtuso e, não raras vezes, impopular instrumento do tombamento159.

Nesta linha, o tombamento, por mais que

ainda sobrepuje os demais instrumentos elencados como

mecanismos de preservação cultural, há muito não é

destinado apenas à excepcionalidade. Com efeito, cuida

pontuar que o inventário instrumentaliza o tombamento,

não podendo, portanto, ser com ele confundido, eis que

encerra aspectos característicos próprios. Ao lado disso,

158 CAMPOS, 2013, p. 124-125. 159 MIRANDA, 2008, s.p.

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206

os bens inventariados devem, imperiosamente, ser

conservados adequadamente por seus proprietários, eis

que ficam submetidos ao regime jurídico específico dos

bens culturais protegidos. Em igual sedimento, os bens

inventariados somente poderão ser destruídos,

inutilizados, deteriorados ou alterados por meio de prévia

autorização do órgão responsável pelo ato protetivo, que

deve exercer singular vigilância sobre o patrimônio

inventariado. Olender, ao esmiuçar o instituto em

comentário, explicita que:

Entendemos que, a partir do momento que, historicamente, o inventário se consolida, no Brasil, como aquilo que denominamos de “inventário de conhecimento ou de identificação” e que, nos últimos anos – principalmente a partir da própria atuação do poder judiciário – começa, concomitantemente, a ser utilizado como sinônimo daquilo que na França é denominado de “inventário suplementar” nos cabe, para não incorrermos em uma confusão que será bastante prejudicial para o desenvolvimento das políticas e das práticas de preservação do patrimônio em nosso país, partir para uma melhor denominação das ações hoje empreendidas com este nome. Penso que possuímos, neste caso, duas opções: 1) manter-se a denominação de inventário para aquela ação que se já encontra há mais tempo consolidada e criando-se outra denominação para o citado “tombamento flexível”; ou 2) adjetivar, sempre, os dois tipos de

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207

inventário aqui apresentados, denominando-se aquele inventário que entendemos já consolidado como “inventário de conhecimento”, “inventário de identificação” ou “inventário de proteção” e o segundo tipo de “inventário para a preservação” (como faz a legislação baiana), ou “inventário de estruturação e de complementação” (como faz a gaúcha), ou algum outro termo que o diferencie do anterior. Só assim, poderemos contribuir para a resolução desta questão que, infelizmente, provoca um desacordo entre diversos e importantes agentes responsáveis pela preservação deste patrimônio160.

Cuida mencionar, assim, no processo de

preservação do patrimônio cultural, o instituto do

inventário, como parte dos procedimentos de análise e

compreensão da realidade, constitui-se na ferramenta

elementar para o conhecimento do acervo cultural e

natural. Ao lado disso, a realização do inventário com a

participação a comunidade proporciona não somente a

obtenção do conhecimento do acervo por ela atribuído ao

patrimônio, mas, ainda, o fortalecimento dos seus

vínculos em relação ao patrimônio. Verifica-se, assim,

que, mesmo não havendo disposição infraconstitucional

expressa sobre o instituto em comento, tal fato não

160 OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do patrimônio”.

Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:

<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 12 ago. 2015.

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208

obstaculariza a utilização do instrumento em comento

pelo Poder Público, notadamente em decorrência da

proeminente atenção reclamada pela tutela e

salvaguarda de tal bem jurídico. Tecidos tais

comentários, ao se analisar o inventário participativo,

cuida evidenciar que o ideário que norteia esta forma de

inventariar repousa na busca de promover a participação

direta do cidadão, e não somente a opinião técnica, não

estando simplesmente adstrita na concepção óbvia de que

as ações públicas devem ser participativas para ter êxito

em ampla representatividade social.

Ao lado disso, quadra frisar que o inventário

participativo nem tão pouco na premissa de que envolver

a comunidade é uma forma de “educação patrimonial” e

de conscientização social. Um pouco mais que isto, a

concepção de Inventário Participativo tem por trás de si o

debate sobre o direito de decidir o que é e o que não é

possível de preservação e, portanto, merece todos os

esforços do poder público para a sua valorização, difusão

e preservação, o que evidentemente deve ser de todos,

questão esta colocada primeiramente pela Constituição

Cidadã de 1988. E, ainda, outra consequência natural

desta participação ampla, desta abertura no direito de

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209

valorar os bens patrimoniais que é a evocação de bens de

natureza diversas, tangíveis e intangíveis, móveis e

imóveis, documentais, memória de vidas, sítios

arqueológicos, ecológicos e paisagísticos, de acordo com a

reabrangência do conceito de Patrimônio Cultural

estabelecida pelo artigo 216 da Constituição de 1988,

numa prova definitiva da superação do critério da

monumentalidade e da influente tradição arquitetônica.

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