compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - v. 1, n. 1

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TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL V. 01 N. 01

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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

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TAUÃ LIMA VERDAN

RANGEL

COMPÊNDIO DE ENSAIOS

JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO

DO PATRIMÔNIO CULTURAL

V.

01

N.

01

COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:

TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO

CULTURAL

(V. 01, N. 01)

Capa: Cândido Portinari, Cana (1939).

ISBN: 978-1516993505

Editoração, padronização e formatação de texto

Tauã Lima Verdan Rangel

Projeto Gráfico e capa

Tauã Lima Verdan Rangel

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

O autor

É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui

apresentados. Reprodução dos textos autorizada

mediante citação da fonte.

A P R E S E N T A Ç Ã O

Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por

meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de

pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em

trabalhar, academicamente, determinados assuntos.

Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo

dogmático. É possível, à luz da tradicional visão

empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual

não se incluem somente as instituições legais, as ordens

legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados

tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das

mencionadas instituições, ordens e decisões,

materializando, comumente, uma “meta direito”. No

Direito, a construção do conhecimento advém da

interpretação de leis e as pessoas autorizadas a

interpretar as leis são os juristas.

Contudo, o alvorecer acadêmico que é

presenciado pelos Operadores do Direito, que se

debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a

conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando

as experiências empíricas e o contorno regional como

elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.

Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento

jurídico como algo dogmático, buscando conferir

molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos

científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios

Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade

interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e

inquietações produzida durante a formação acadêmica do

autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática

de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca

trazer para o debate uma série de assuntos

contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

Boa leitura!

Tauã Lima Verdan Rangel

5

S U M Á R I O

A construção jurídica do meio ambiente cultural: análise

sob a ótica consolidada pela Constituição Federal ............. 06

Anotações ao instituto do tombamento ambiental como

substancialização do princípio da herança cultural ........... 45

O instituto do registro enquanto instrumento para a

preservação do meio ambiente cultural .............................. 86

Uma análise comparativa dos institutos do registro e do

tombamento: semelhanças e distinções dos instrumentos

de preservação do meio ambiente cultural ......................... 122

Análise do instituto do inventário como instrumento de

tutela e salvaguarda do patrimônio cultural...................... 168

Anotações aos planos de salvaguarda como instrumento

de preservação e proteção do patrimônio cultural ............. 195

Breve painel ao instrumento da vigilância em sede de

promoção e salvaguarda do patrimônio cultural:

argumentações propedêuticas ao tema ............................... 227

6

A CONSTRUÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE

CULTURAL: ANÁLISE SOB A ÓTICA

CONSOLIDADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Resumo: Em sede de comentários introdutórios,

cuida salientar que o meio ambiente cultural é

constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao

lado disso, quadra anotar que a cultura identifica

as sociedades humanas, sendo formada pela

história e maciçamente influenciada pela natureza,

como localização geográfica e clima. Com efeito, o

meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto

aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e

percepção são conformadas pela sua cultural. A

cultura brasileira é o resultado daquilo que era

7

próprio das populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao

se analisar o meio ambiente cultural, enquanto

complexo macrossistema, é perceptível que é algo

incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens

culturais materiais e imateriais portadores de

referência à memória, à ação e à identidade dos

distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. O conceito de patrimônio histórico e

artístico nacional abrange todos os bens moveis e

imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu

excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.

Tombamento Ambiental. Direitos de Terceira

Dimensão.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica do Direito Ambiental; 2

Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Tombamento Ambiental: 4.1

Conceito e Característicos; 4.2 Natureza Jurídica

8

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO

AMBIENTAL

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não

mais prospera o arcabouço imutável que outrora

sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência

dos anseios da população, suplantados em uma nova

sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

9

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 24

mar. 2013.

10

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

24 mar. 2013.

11

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

3 VERDAN, 2009, s.p.

12

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”4. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 24 mar. 2013.

13

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade5·.

Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária” 6.

5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.

14

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível7.

7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

15

“Têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

16

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 19819,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de

Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que

propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em

todas as suas formas”10.

9 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 10 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.

17

Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal12.

11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77. 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

18

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 24 mar.

2013.

19

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198814 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

13 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

20

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade15.

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

21

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito <www.stf.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013.

22

erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

23

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

24

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”16. Desta maneira, a proteção do patrimônio

16 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

25

cultural se revela como instrumento robusto da

sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”17. Quadra anotar, por imperioso, que os bens

compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem

tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;

preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 24 mar. 2013, p.

15-16. 17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

26

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

27

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”18. Esses aspectos

18 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

28

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial

transmite-se de geração a geração e é constantemente

recriado pelas comunidades e grupos em função de seu

ambiente”19, decorrendo, com destaque, da interação com

a natureza e dos acontecimentos históricos que

permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200020,

que institui o registro de bens culturais de natureza

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 24 mar.

2013. 19 BROLLO, 2006, p. 33. 20 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.

29

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo21, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

Fiorillo22, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,

conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente

humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,

sendo dotado de valor especial, notadamente em

decorrência de produzir um sentimento de identidade no

grupo em que se encontra inserido, bem como é 21 BROLLO, 2006, p. 33. 22 FIORILLO, 2012, p. 80.

30

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana.

4 TOMBAMENTO AMBIENTAL

4.1 Conceito e Característicos

Em uma primeira plana, cuida salientar que o

tombamento se apresenta como um dos instrumentos

utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar

e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste

sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato

administrativo que visa à preservação do patrimônio

histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a

impedir a destruição ou descaracterização de bem a que

for atribuído valor histórico ou arquitetônico”23. Fiorillo

anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos

23 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes

Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da

República. O tombamento é ato administrativo que visa à

preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das

cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem

a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se ressaltar

que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da Constituição

da República, é dever imposto a todos os entes federados. Órgão

Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Antônio

Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008.

Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013.

31

tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a

finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o

bem cultural”24. Desta sorte, a utilização do tombamento

como mecanismo de preservação e proteção do

patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à

cultura, substancializando verdadeiro instrumento de

tutela do meio ambiente.

Com realce, o instituto em comento se revela,

em sede de direito administrativo, como um dos

instrumentos criados pelo legislador para combater a

deterioração do patrimônio cultural de um povo,

apresentando, em razão disso, maciça relevância no

cenário atual, notadamente em decorrência dos bens

tombados encerrarem períodos da história nacional ou,

mesmo, refletir os aspectos característicos e

identificadores de uma comunidade. À luz de tais

ponderações, é observável que a intervenção do Ente

Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural,

busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o

tombamento permite que o aspecto histórico seja

salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura

do povo e representa a fonte sociológica de identificação

de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos

24 FIORILLO, 2012, p. 428-429.

32

existentes na atualidade. “A escolha do bem de

patrimônio cultural que será tombado com precedência

aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e

oportunidade, e não é passível de análise judicial”25.

Desta feita, o proprietário não pode, em nome

de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre

seus bens, se estes se traduzem em interesse público por

atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,

científica, turística e paisagística. “São esses bens que,

embora permanecendo na propriedade do particular,

passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para

esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo

proprietário”26. Os exemplos de bens a serem tombados

25 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação

Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da

Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é

ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial

quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de

acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da

Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a

Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário

indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os

demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será

tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de

conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.

Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda

Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.

Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso

em 24 mar. 2013. 26 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito

Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora

33

são extremamente variados, sendo os mais comuns os

imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas

na história pátria, dos quais podem os estudiosos e

pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do

passado e desenvolver outros estudos com vistas a

proliferar a cultura do país. Além disso, é possível

evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou

até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais

do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister

se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam:

Ementa: Direito Constitucional - Direito

Administrativo - Apelação - Preliminar de

não conhecimento - Inovação Recursal -

Ausência de Documentos Indispensáveis

para propositura da Ação - Não

Configuração - Pedido de Assistência

Judiciária - Indeferimento - Ação Civil

Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e

Cultural - Edificação em imóvel localizado

no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -

Tombamento - Aprovação do IPHAN -

Inexistência. (...) - O Município de Ouro

Preto foi erigido a Monumento Nacional

pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e

inscrito pela UNESCO na lista do

Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em

21/09/80, e a cidade teve todo o seu

Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se

de fato notório, conhecido pela apelante e

por qualquer pessoa, de forma que não se

pode afirmar que o processo de tombamento

do Conjunto Arquitetônico do referido

Lumen Juris, 2011, p. 734.

34

Município seja um documento indispensável

para a propositura da presente ação civil

pública. - O imóvel que faz parte do

Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e

integra o Patrimônio Mundial, Cultural e

Natural da cidade, deve ser conservado por

seu proprietário, e qualquer obra de reparo

de tal bem deve ser precedida de

autorização do IPHAN, sob pena de

demolição. (Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/

Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/

Relator: Desembargador Moreira Diniz/

Julgado em 12.06.2008/ Publicado em

26.06.2008).

Ementa: Ação popular. Instalação de

quiosques no entorno de praças municipais.

Tombamento preservado. Inocorrência de

ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O

fato de as praças municipais serem

tombadas, como partes do Patrimônio

Histórico e Cultural do Município de

Paraisópolis, não podendo,

consequentemente, serem ocupadas ou

restringidas em sua área, para outras

finalidades (Lei Municipal n. 1.218/89) não

impede a instalação, ao arredor delas, de

quiosques de alimentação, porquanto o

tombamento se limitou às praças, e não ao

entorno delas. Assim, não há ofensa ao

patrimônio ambiental cultural. A instalação

dos referidos quiosques não configura abalo

de ordem ambiental, visto que não houve

lesão aos recursos ambientais, com

consequente degradação - alteração adversa

- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal

de Justiça do Estado de Minas Gerais –

Quinta Câmara Cível/ Apelação

Cível/Reexame Necessário N°

1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:

Desembargadora Maria Elza/ Julgado em

03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).

35

É verificável que a proteção dos bens de

interesse cultural encontra respaldo na Constituição da

República Federativa do Brasil27, que impõe ao Estado o

dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais

e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,

nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto

de bens materiais e imateriais necessários à exata

compreensão dos vários aspectos ligados os grupos

formadores da sociedade brasileira”28. O Constituinte, ao

insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de

Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,

registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de

outras formas de acautelamento e preservação.

“Independentemente do tombamento, o patrimônio

cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda

que precária - até definitiva solução da questão em exame

- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer

ação futura, pois a demolição é irreversível”29.

27 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 28 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735. 29 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de

36

Resta patentemente demonstrado que o

tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na

proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem

anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder

Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,

turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por

essa razão, devam ser preservados, de acordo com a

inscrição em livro próprio”30. O tombamento é um dos

institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio

histórico e artístico nacional, que implica na restrição

parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação

que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar

a proeminente natureza do instituto em comento, é

possível transcrever os arestos que se coadunam com as

ponderações estruturadas até o momento:

Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil

Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de

pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -

Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e

histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até

definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for

dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é

irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem

ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,

III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão

Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander

Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.

Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 30 MEIRELLES, 2012, p. 635.

37

Ementa: Constitucional e Administrativo.

Mandado de segurança. Imóvel. Valor

histórico e cultural. Declaração. Município.

Tombamento. Ordem de demolição.

Inviabilidade. São deveres do Poder público,

nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e

216, §1º, da Constituição Federal, promover

e proteger o patrimônio cultural, artístico e

histórico, por meio de tombamento e de

outras formas de acautelamento e

preservação, bem como impedir a evasão, a

destruição e a descaracterização de bens de

valor histórico, artístico e cultural.

Demonstrada, no curso do mandado de

segurança, a conclusão do procedimento

administrativo de tombamento do imóvel,

com declaração do seu valor histórico e

cultural pelo Município, inviável a

concessão de ordem para sua demolição.

Rejeita-se a preliminar e nega-se

provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça

do Estado de Minas Gerais – Quarta

Câmara Cível/ Apelação Cível

1.0702.02.010330-6/001/ Relator:

Desembargador Almeida Melo/ Julgado em

15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).

Ementa: Tombamento - Patrimônio

Histórico e Cultural - Imóvel reputado de

valor histórico pelo município onde se

localiza - Competência Constitucional dele

para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o

Município, mediante tombamento, preserve

imóvel nele situado e que considere de valor

histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso

III, da Lei Fundamental da República, que

a ele - Município, atribui a competência

para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,

com seus hábitos e culturas próprios, cabe

aferir, atendidas as peculiaridades locais,

acerca do valor histórico-cultural de seu

38

patrimônio, com o escopo, inclusive, de

também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara

Cível/ Embargos Infringentes

1.0000.00.230571-2/001/ Relator:

Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado

em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)

O diploma infraconstitucional que versa acerca

do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro

de 193731, que organiza a proteção do patrimônio

histórico e artístico nacional, trazendo à baila as

disposições elementares e a fisionomia jurídica do

instituto do tombamento, inclusive no que toca aos

registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o

diploma ora aludido traça tão somente as disposições

gerais aplicáveis ao fato jurídico–administrativo do

tombamento. Entrementes, este se consumará por meio

de atos administrativos específicos, destinados a

propriedades determinadas, atento às particularidades e

peculiaridades do bem a ser tombado.

4.2 Natureza Jurídica

Acalorados são os debates que discutem a 31 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.

Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar.

2013.

39

natureza jurídica do instituto do tombamento,

entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata

de instrumento especial de intervenção restritiva do

Estado na propriedade privada32, dotado de fisionomia

própria e impassível de confusão com as demais espécies

de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e

específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações

administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso

da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a

natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar

como meio de intervenção do Estado, consistente na

restrição ao uso de propriedades determinadas.

No que se refere à natureza do ato, em que

pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele

vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara

distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos

do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve

apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio

cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto

o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo

distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele

constante. Entrementes, no que concerne à valoração da

qualificação do bem como de natureza histórica, artística,

32 Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 738.

40

cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua

proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é

privativa da Administração. “A escolha do bem de

patrimônio cultural que será tombado com precedência

aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e

oportunidade, e não é passível de análise judicial”33.

Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta

as ponderações vertidas até o momento:

Ementa: Mandado de Segurança -

Tombamento de bem imóvel - Ilegitimidade

ativa - Constituição há menos de um ano -

Artigo 5º, LXX, alínea „b' da Constituição

Federal - Poder discricionário da

Administração para decretar o tombamento

- Processo extinto - Art. 267, VI do CPC. (...)

. O tombamento de prédio considerado de

interesse histórico, artístico ou cultural, é

33 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação

Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da

Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é

ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial

quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de

acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da

Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a

Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário

indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os

demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será

tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de

conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.

Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda

Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.

Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso

em 24 mar. 2013.

41

ato discricionário do Administrador, sendo

descabida a intervenção do Poder Judiciário

no processo de tombamento, quando não

demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo

improvido. (Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/

Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/

Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/

Julgado em 14.12.2004/ Publicado em

30.12.2004).

Ementa: Agravo. Liminar em mandado de

segurança. Tombamento de bem imóvel. O

poder discricionário da autoridade

administrativa vale, na medida em que o

ordenamento jurídico concede ao

administrador a prerrogativa de agir

movido pelos critérios de oportunidade e

conveniência, sopesados com parcimônia

para que o fim último seja alcançado.

Descabimento da intervenção do Judiciário

no processo de tombamento, indemonstrada,

""prima facia"", irregularidade no mesmo.

Agravo provido, para cassar a liminar.

(Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de

Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/

Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/

Julgado em 03.02.2004/ Publicado em

20.02.2004).

Da mesma forma, é cabível, ainda, a

observação de que o tombamento constitui um ato

administrativo, sendo imperioso, por via de

consequência, que apresente todos os elementos

necessários para materializar a moldura de legalidade. O

tombamento, enquanto instituto do direito

administrativo, não acarreta a produção de todo um

42

procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um

ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato

resulta necessariamente de procedimento administrativo

e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação.

Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação,

ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades

prévias.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

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43

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45

ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO TOMBAMENTO

AMBIENTAL COMO SUBSTANCIALIZAÇÃO DO

PRINCÍPIO DA HERANÇA CULTURAL

Resumo: Cuida salientar que o meio ambiente

cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao

lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o

seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é

o resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

46

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio

ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,

é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da

sociedade brasileira. O conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação

seja de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico

e ambiental.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Direitos

de Terceira Dimensão. Princípio da Herança Cultural.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: A construção

teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2

Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Anotações ao Instituto do

Tombamento Ambiental como Substancialização do

Princípio da Herança Cultural

47

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: A

CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA RAMIFICAÇÃO

AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não

mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

48

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”34. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural e robusta dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

primevo é assegurar que não haja uma vingança privada,

afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore

priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião

(“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar

que se concretize um cenário caracterizado por aspecto

caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

34 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01 mar.

2014.

49

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”35. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

50

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”36. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 13 mar. 2014. 36 VERDAN, 2009, s.p.

51

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”37. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

37 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 01 mar. 2014.

52

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade38.

Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

38 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.

53

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”39.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

39 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

54

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível40.

Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos

de terceira dimensão são impregnados densamente pelo

aspecto de solidariedade e fraternidade, extrapolando o

indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como

algo singular que reclama a adoção de direitos que

salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários

o gênero humano mesmo, num momento expressivo de 40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

55

sua afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”41. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198142,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

41 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

42 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

56

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de

Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que

propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em

todas as suas formas”43.

Nesta senda, ainda, Fiorillo44, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

43 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 44 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

57

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal45.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar.

2014.

58

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”46.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198847 está abalizado em

46 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 47BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

59

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras [...] tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

60

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade48.

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao 48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

61

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

62

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

63

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

Em tom de arremate, é possível destacar que a

incolumidade do meio ambiente não pode ser

comprometida por interesses empresarias nem manter

dependência de motivações de âmago essencialmente

econômico, notadamente quando estiver presente a

atividade econômica, considerada as ordenanças

constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros

corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a

defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e

64

abrangente das noções de meio ambiente natural, de

meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial

(espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário

do desenvolvimento sustentável, além de estar

impregnando de aspecto essencialmente constitucional,

encontra guarida legitimadora em compromissos e

tratados internacionais assumidos pelo Estado

Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do

justo equilíbrio

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

65

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”49. Desta maneira, a proteção do patrimônio

cultural se revela como instrumento robusto da

sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

49 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 01 mar. 2014, p.

15-16.

66

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”50. Quadra anotar, por imperioso, que os bens

compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem

tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;

preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

50 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

67

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

68

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”51. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

51 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 01 mar.

2014.

69

ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial

transmite-se de geração a geração e é constantemente

recriado pelas comunidades e grupos em função de seu

ambiente”52, decorrendo, com destaque, da interação com

a natureza e dos acontecimentos históricos que

permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200053,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo54, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

52 BROLLO, 2006, p. 33. 53 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 54 BROLLO, 2006, p. 33.

70

Fiorillo55, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,

conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente

humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,

sendo dotado de valor especial, notadamente em

decorrência de produzir um sentimento de identidade no

grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana.

4 ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO

TOMBAMENTO AMBIENTAL COMO

SUBSTANCIALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

HERANÇA CULTURAL

Em uma primeira plana, cuida salientar que o

tombamento se apresenta como um dos instrumentos

utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar 55 FIORILLO, 2012, p. 80.

71

e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste

sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato

administrativo que visa à preservação do patrimônio

histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a

impedir a destruição ou descaracterização de bem a que

for atribuído valor histórico ou arquitetônico”56. Fiorillo

anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos

tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a

finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o

bem cultural”57. Desta sorte, a utilização do tombamento

como mecanismo de preservação e proteção do

patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à

cultura, substancializando verdadeiro instrumento de

tutela do meio ambiente.

56 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes

Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da

República. O tombamento é ato administrativo que visa à

preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das

cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem

a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se ressaltar

que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da Constituição

da República, é dever imposto a todos os entes federados. Órgão

Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Antônio

Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008.

Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 57 FIORILLO, 2012, p. 428-429.

72

Com realce, o instituto em comento se revela,

em sede de direito administrativo, como um dos

instrumentos criados pelo legislador para combater a

deterioração do patrimônio cultural de um povo,

apresentando, em razão disso, maciça relevância no

cenário atual, notadamente em decorrência dos bens

tombados encerrarem períodos da história nacional ou,

mesmo, refletir os aspectos característicos e

identificadores de uma comunidade. À luz de tais

ponderações, é observável que a intervenção do Ente

Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural,

busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o

tombamento permite que o aspecto histórico seja

salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura

do povo e representa a fonte sociológica de identificação

de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos

existentes na atualidade. “A escolha do bem de

patrimônio cultural que será tombado com precedência

aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e

oportunidade, e não é passível de análise judicial”58.

58 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação

Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da

Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é

ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial

73

Desta feita, o proprietário não pode, em nome

de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre

seus bens, se estes se traduzem em interesse público por

atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,

científica, turística e paisagística. “São esses bens que,

embora permanecendo na propriedade do particular,

passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para

esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo

proprietário”59. Os exemplos de bens a serem tombados

são extremamente variados, sendo os mais comuns os

imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas

na história pátria, dos quais podem os estudiosos e

pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do

passado e desenvolver outros estudos com vistas a

proliferar a cultura do país. Além disso, é possível

quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de

acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da

Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a

Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário

indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os

demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será

tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de

conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.

Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda

Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.

Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso

em 01 mar. 2014. 59 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito

Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora

Lumen Juris, 2011, p. 734.

74

evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou

até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais

do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister

se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam:

Ementa: Direito Constitucional - Direito

Administrativo - Apelação - Preliminar de

não conhecimento - Inovação Recursal -

Ausência de Documentos Indispensáveis

para propositura da Ação - Não

Configuração - Pedido de Assistência

Judiciária - Indeferimento - Ação Civil

Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e

Cultural - Edificação em imóvel localizado

no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -

Tombamento - Aprovação do IPHAN -

Inexistência. (...) - O Município de Ouro

Preto foi erigido a Monumento Nacional

pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e

inscrito pela UNESCO na lista do

Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em

21/09/80, e a cidade teve todo o seu

Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se

de fato notório, conhecido pela apelante e

por qualquer pessoa, de forma que não se

pode afirmar que o processo de tombamento

do Conjunto Arquitetônico do referido

Município seja um documento indispensável

para a propositura da presente ação civil

pública. - O imóvel que faz parte do

Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e

integra o Patrimônio Mundial, Cultural e

Natural da cidade, deve ser conservado por

seu proprietário, e qualquer obra de reparo

de tal bem deve ser precedida de

autorização do IPHAN, sob pena de

demolição. (Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/

75

Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/

Relator: Desembargador Moreira Diniz/

Julgado em 12.06.2008/ Publicado em

26.06.2008).

Ementa: Ação popular. Instalação de

quiosques no entorno de praças municipais.

Tombamento preservado. Inocorrência de

ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O

fato de as praças municipais serem

tombadas, como partes do Patrimônio

Histórico e Cultural do Município de

Paraisópolis, não podendo,

consequentemente, serem ocupadas ou

restringidas em sua área, para outras

finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não

impede a instalação, ao arredor delas, de

quiosques de alimentação, porquanto o

tombamento se limitou às praças, e não ao

entorno delas. Assim, não há ofensa ao

patrimônio ambiental cultural. A instalação

dos referidos quiosques não configura abalo

de ordem ambiental, visto que não houve

lesão aos recursos ambientais, com

consequente degradação - alteração adversa

- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal

de Justiça do Estado de Minas Gerais –

Quinta Câmara Cível/ Apelação

Cível/Reexame Necessário N°

1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:

Desembargadora Maria Elza/ Julgado em

03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).

É verificável que a proteção dos bens de

interesse cultural encontra respaldo na Constituição da

República Federativa do Brasil60, que impõe ao Estado o

60 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

76

dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais

e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,

nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto

de bens materiais e imateriais necessários à exata

compreensão dos vários aspectos ligados os grupos

formadores da sociedade brasileira”61. O Constituinte, ao

insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de

Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,

registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de

outras formas de acautelamento e preservação.

“Independentemente do tombamento, o patrimônio

cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda

que precária - até definitiva solução da questão em exame

- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer

ação futura, pois a demolição é irreversível”62.

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 61 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735. 62 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil

Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de

pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -

Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e

histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até

definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for

dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é

77

Resta patentemente demonstrado que o

tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na

proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem

anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder

Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,

turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por

essa razão, devam ser preservados, de acordo com a

inscrição em livro próprio”63. O tombamento é um dos

institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio

histórico e artístico nacional, que implica na restrição

parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação

que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar

a proeminente natureza do instituto em comento, é

possível transcrever os arestos que se coadunam com as

ponderações estruturadas até o momento:

Ementa: Constitucional e Administrativo.

Mandado de segurança. Imóvel. Valor

histórico e cultural. Declaração. Município.

Tombamento. Ordem de demolição.

Inviabilidade. São deveres do Poder público,

nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e

irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem

ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,

III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão

Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander

Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.

Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 63 MEIRELLES, 2012, p. 635.

78

216, §1º, da Constituição Federal, promover

e proteger o patrimônio cultural, artístico e

histórico, por meio de tombamento e de

outras formas de acautelamento e

preservação, bem como impedir a evasão, a

destruição e a descaracterização de bens de

valor histórico, artístico e cultural.

Demonstrada, no curso do mandado de

segurança, a conclusão do procedimento

administrativo de tombamento do im óvel,

com declaração do seu valor histórico e

cultural pelo Município, inviável a

concessão de ordem para sua demolição.

Rejeita-se a preliminar e nega-se

provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça

do Estado de Minas Gerais – Quarta

Câmara Cível/ Apelação Cível

1.0702.02.010330-6/001/ Relator:

Desembargador Almeida Melo/ Julgado em

15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).

Ementa: Tombamento - Patrimônio

Histórico e Cultural - Imóvel reputado de

valor histórico pelo município onde se

localiza - Competência Constitucional dele

para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o

Município, mediante tombamento, preserve

imóvel nele situado e que considere de valor

histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso

III, da Lei Fundamental da República, que

a ele - Município, atribui a competência

para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,

com seus hábitos e culturas próprios, cabe

aferir, atendidas as peculiaridades locais,

acerca do valor histórico-cultural de seu

patrimônio, com o escopo, inclusive, de

também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara

Cível/ Embargos Infringentes

1.0000.00.230571-2/001/ Relator:

Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado

em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)

79

O diploma infraconstitucional que versa acerca

do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro

de 193764, que organiza a proteção do patrimônio

histórico e artístico nacional, trazendo à baila as

disposições elementares e a fisionomia jurídica do

instituto do tombamento, inclusive no que toca aos

registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o

diploma ora aludido traça tão somente as disposições

gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do

tombamento. Entrementes, este se consumará por meio

de atos administrativos específicos, destinados a

propriedades determinadas, atento às particularidades e

peculiaridades do bem a ser tombado.

Assentadas estas ponderações, cuida salientar

que o tombamento ambiental configura clara

materialização do corolário da herança cultural, o qual,

conforme construção de Michael Decleris65, coloca em

especial atenção a imperiosa necessidade de se ofertar,

64 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.

Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar.

2014. 65 DECLERIS, Michael. The Law of sustainable development:

general principles. Disponível em: <http://www.pikpotsdam.de>.

Acesso em 01 mar. 2014, p. 113-115.

80

por meio de institutos robustos, preservar os mais

importantes conjuntos feitos pelo homem, alcançando,

pois, os singulares monumentos, conjuntos

arquitetônicos e sítios arqueológicos. Com efeito, em sede

de desenvolvimento, em nível cultural da humanidade,

uma vez que por meio daquele que o homem adquire a

sua adaptação ao meio ambiente natural. Cuida anotar

que o princípio da herança cultural visa assegurar a

estabilidade e a continuidade histórica da espécie

humana, logo, admitir situações diversas coloca em risco

a identidade cultural dos povos. Assim, o corolário da

herança cultural e do patrimônio natural são as

condições para a estabilidade dinâmica (equilíbrio) e

interdependência dos ecossistemas e sistemas em seu

desenvolvimento perene ao longo do tempo pelo homem.

Ao lado disso, a consciência da relação entre os

dois princípios é relativamente recente, enquanto o

interesse do homem na preservação da memória do seu

passado histórico recebeu maior proeminência na

contemporaneidade, tanto em esfera nacional, como na

órbita internacional. Além disso, a proteção do

patrimônio cultural, compreendendo os monumentos,

conjuntos arquitetônicos e sítios, deve ser completa e

deve apresentar um objetivo importante no ordenamento

81

do território da cidade. De igual modo, o regime jurídico

de proteção deve ser eficaz, ou seja, incorpora os

controles e equilíbrios adequados para assegurar que o

monumento protegido, não permitindo que seja alterado,

demolido ou destruído. Da mesma maneira, o meio

ambiente cultural reclama proteção contra grande perigo

ambiental e danos pela poluição, assim como é

imprescindível um ambiente de alta qualidade tem de ser

mantido na área em torno de monumentos e conjuntos

arquitetônicos e dentro dos sítios arqueológicos. Neste

sentido, o Supremo Tribunal Federal já consagrou visão:

Ementa: Recurso Extraordinário. Limitação

administrativa. Prédio urbano: Patrimônio

Cultural e Ambiental do Bairro Cosme Velho.

Decreto Municipal 7.046/87. Competência e

legalidade. 1. Prédio urbano elevado à

condição de patrimônio cultural. Decreto

Municipal 7.046/87. Legalidade. Limitação

administrativa genérica, gratuita e unilateral

ao exercício do direito de propriedade, em prol

da memória da cidade. Inexistência de ofensa

à Carta Federal. 2. Conservação do patrimônio

cultural e paisagístico. Encargo conferido pela

Constituição (EC 01/69, artigo 15, II) ao Poder

Público, dotando-o de competência para, na

órbita de sua atuação, coibir excessos que, se

consumados, poriam em risco a estrutura das

utilidades culturais e ambientais. Poder-

dever de polícia dos entes estatais na

expedição de normas administrativas que

visem a preservação da ordem ambiental e da

política de defesa do patrimônio cultural.

Recurso extraordinário conhecido e provido.

82

(Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/

RE 121.140/ Relator: Ministro Maurício

Corrêa/ Julgado em 26.02.2002/ Publicado

no DJ em 23.08.2002).

Mesmo sendo insipiente a temática no Direito

Brasileiro, de maneira indireta, o princípio da herança

cultural vem recebendo, de modo paulatino, consagração

no entendimento jurisprudencial. Neste sentido, o

Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que “a

grave crise habitacional que continua a afetar o Brasil

não será resolvida, nem seria inteligente que se resolvesse,

com o aniquilamento do patrimônio histórico-cultural

nacional. Ricos e pobres, cultos e analfabetos, somos todos

sócios na titularidade do que sobrou de tangível e

intangível da nossa arte e história como Nação” (Extraído

do Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp

808.708/RJ/ Relator: Ministro Herman Benjamin/

Julgado em 18.08.2009/ Publicado no DJe em

04.05.2011). Logo, em se tratando de patrimônio cultural,

mutilá-lo ou destruí-lo a pretexto de dar casa e abrigo a

uns poucos corresponde a deixar milhões de outros sem

teto e, ao mesmo tempo, sem a memória e a herança do

passado para narrar e passar a seus descendentes.

83

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

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Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

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Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

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<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

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<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

________. Tribunal Regional Federal da Segunda

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do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,

Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01 mar. 2014.

86

O INSTITUTO DO REGISTRO ENQUANTO

INSTRUMENTO PARA A PRESERVAÇÃO DO MEIO

AMBIENTE CULTURAL

Resumo: Inicialmente, necessário faz-se destacar que

o registro de bem cultural de natureza imaterial, para

que seja considerado válido e legítimo, exige a

existência de consonância com o ordenamento jurídico

vigente. Nesta esteira, o Texto Constitucional

consagra em seu bojo a definição acercam de quais

bens constituem o patrimônio cultural brasileiro,

estabelecendo, por via de consequência, as normas de

proteção a esse patrimônio, consoante afixa a redação

do artigo 216. Denota-se, desde modo, que o

dispositivo supracitado faz clara menção aos bens

portadores de identidade, ação e memória dos

diferentes grupos da sociedade brasileira. Desta feita,

é possível salientar que a Carta de Outubro de 1988

não estrutura a sociedade brasileira como um todo

homogêneo, mas como uma sociedade multifacetada,

87

constituída por diferentes grupos, cada um portador

de identidades e de modos de criar, fazer e viver

específicos. Com efeito, o posicionamento é dotado de

proeminência na medida em que o Texto

Constitucional, com clareza solar, sublinha que o seu

interesse não está centrado apenas em proteger

objetos materiais que gozem valor acadêmico, mas

também os bens de natureza material ou imaterial

portadores de referência à identidade de cada grupo

formador da sociedade brasileira. Ora, cada um dos

diversos grupos, assim como seus modos de fazer,

criar e viver, é objetivo de proteção conferida pelo

Ente Estatal.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Registro.

Patrimônio Imaterial

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica do Direito Ambiental; 2

Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 O Instituto do Registro enquanto

Instrumento para a preservação do Meio Ambiente

Cultural

88

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: CONSIDERAÇÕES

INAUGURAIS À EDIFICAÇÃO DA RAMIFICAÇÃO

AMBIENTAL DA CIÊNCIA JURÍDICA

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais

subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

89

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”66. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

66 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 mai.

2013.

90

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”67. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

67 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

26 mai. 2013.

91

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”68. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 68 VERDAN, 2009, s.p.

92

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”69. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

69 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 26 mai. 2013.

93

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade70.

Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”71.

70 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 71 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

94

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

95

essencialmente inexaurível72.

“Têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”73. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais.

72 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013. 73 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

96

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198174,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de

Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que

propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em

74 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

97

todas as suas formas”75.

Nesta senda, ainda, Fiorillo76, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

75 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 76 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

98

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal77.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

77 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai.

2013.

99

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”78.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198879 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

78 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 79 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

100

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade80.

80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

101

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

102

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

103

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

104

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

105

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”81. Desta maneira, cuida reconhecer que a

proteção do patrimônio cultural se revela como

instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

81 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 26 mai. 2013, p.

15-16.

106

ambiental”82. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

82 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

107

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de

dunas que encobriam sítios arqueológicos

deve indenizar pelos prejuízos causados ao

meio ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

108

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”83. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

83 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 26 mai.

2013.

109

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”84, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister

que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200085, que

institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo86, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

84 BROLLO, 2006, p. 33. 85 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013. 86 BROLLO, 2006, p. 33.

110

Fiorillo87, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente

cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-

ambiente humano em razão do aspecto cultural que o

caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente

em decorrência de produzir um sentimento de identidade

no grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana. Ora, ao se

debruçar sobre o patrimônio imaterial, verifica-se que

este se encontra “enraizado no cotidiano das

comunidades e vinculado ao seu território e às suas

condições materiais de existência”88. Ora, trata-se de

patrimônio material que é transmitido de geração em

geração, sendo, constantemente, recriado e apropriado

87 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 80.

88 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov. br>. Acesso em 19 jul.2013.

111

por indivíduos e grupos sociais como importantes

elementos estruturantes de sua identidade.

4 PONDERAÇÕES À PROEMINÊNCIA DO

INSTITUTO DO REGISTRO COMO MECANISMO

DE PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS

IMATERIAIS: SINGELAS EXPLICITAÇÕES

Em sede de anotações introdutórias, cuida

anotar que o registro do bem cultural de natureza

imaterial, para ser considerado válido e legítimo,

reclama harmonia com o ordenamento jurídico vigente.

Com efeito, o Texto Constitucional consagra em seu bojo

a definição acercam de quais bens constituem o

patrimônio cultural brasileiro, estabelecendo, por via de

consequência, as normas de proteção a esse patrimônio,

consoante afixa a redação do artigo 21689. É verificável

89 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013: “Art.

216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se

incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e

viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as

obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados

às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios

112

que o dispositivo em comento faz expressa referência aos

bens portadores de identidade, ação e memória dos

diferentes grupos da sociedade brasileira. Desta feita, é

possível salientar que a Carta de Outubro de 1988 não

estrutura a sociedade brasileira como um todo

homogêneo, mas como uma sociedade multifacetada,

constituída por diferentes grupos, cada um portador de

identidades e de modos de criar, fazer e viver específicos.

Com efeito, o posicionamento é dotado de

proeminência na medida em que o Texto Constitucional,

com clareza solar, sublinha que o seu interesse não está

centrado apenas em proteger objetos materiais que

gozem valor acadêmico, mas também os bens de natureza

material ou imaterial portadores de referência à

identidade de cada grupo formador da sociedade

brasileira. Ora, cada um dos diversos grupos, assim como

seus modos de fazer, criar e viver, é objetivo de proteção

conferida pelo Ente Estatal. Ao lado disso, a Carta de

1988 apresenta característico forte os ideais republicanos

e democráticos, refletindo em todas as matérias nela

versadas esses corolários, até mesmo porque estrutura-se

como escopo fundamental entalhado na Constituição o de

de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico”.

113

edificar uma sociedade livre, justa e solidária. Desta

feita, a concepção em testilha informa a maneira por

meio da qual o Estado deve proteger e promover a

cultura. Ademais, ao tratar da política cultural e da

democracia cultural, José Afonso da Silva assinala:

A questão da política cultural está

exatamente no equilíbrio que se há de

perseguir entre um Estado que imponha

uma cultura oficial e a democracia cultural.

A concepção de um Estado Cultural no

sentido de um Estado que sustente uma

cultura oficial não atende, certamente, a

uma concepção de democracia cultural. A

Constituição, como já deixamos expresso

antes, não deixa dúvidas sobre o tema, visto

que garante a liberdade de criação, de

expressão e de acesso às fontes da cultura

nacional. Isso significa que não pode haver

cultura imposta, que o papel do Poder

Público deve ser o de favorecer a livre

procura das manifestações culturais, criar

condições de acesso popular à cultura,

prover meios para que a difusão cultural se

funda nos critérios de igualdade. A

democracia cultural pode-se apresentar sob

três aspectos: por um lado, não tolher a

liberdade de criação, expressão e de acesso à

cultura, por qualquer forma de

constrangimento ou de restrição oficial;

antes, criar, condições para a efetivação

dessa liberdade num clima de igualdade;

por outro lado, favorecer o acesso à cultura e

o gozo dos bens culturais à massa da

população excluída90.

90 SILVA, José Afonso da. Ordenação Constitucional da

Cultura. 1 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998, p. 209-210.

114

Nesta linha, ainda, cuida mencionar que a

ação cultural pública se apresenta como absolutamente

imprescindível à democratização da cultura, sendo

considerada como o procedimento que propiciai a

convergência e o alargamento do público, tal como a

extensão do fenômeno de comunicação artístico,

consoante o ideário de que a política cultural é,

juntamente com a política social, um dos modos

utilizados pelo Estado contemporâneo para assegurar

sua legitimação, ou seja, para oferecer como um Estado

que vela por todos e que vale para todos. Ao lado disso,

em razão da proteção cultural se fazer conjuntamente

com o Estado e a sociedade, pode-se destacar que o Texto

Constitucional afixou que o Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, lançando mão, para tanto,

de inventários, registros e tombamentos, além de outras

formas de acautelamento e preservação.

Infere-se que, dentre os instrumentos previstos

para se proteger os bens culturais brasileiros, encontra-

se o instituto do registro, o qual se encontra

regulamentado pelo Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

115

200091, que institui o Registro de Bens Culturais de

Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências. Imperioso se faz

assinalar que a criação do instituto do registro está

vinculada a diversos movimentos em defesa de uma

compreensão mais ampla no que se refere ao patrimônio

cultural brasileiro. “No Brasil, a publicação do Decreto

3.551/2000, insere-se numa trajetória a que se vinculam

as figuras emblemáticas de Mário de Andrade e de

Aloísio Magalhães, mas em que se incluem também as

sociedades de folcloristas, os movimentos negros e de

defesa dos direitos indígenas”92, como bem observa Maria

Cecília Londres Fonseca. Igualmente, o instituto em

comento reflete as reivindicações dos grupos de

descendentes de imigrantes das mais diversas

procedências, alcançando, desta maneira, os “excluídos”

do cenário do patrimônio cultural brasileiro, estruturada

91 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013. 92 FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por

uma concepção ampla do patrimônio cultural in: ABREU, Regina;

CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios

contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 62.

116

a partir de 1937.

Nesta esteira, evidencia-se que o registro tem

por finalidade reconhecer e valorizar bens da natureza

imaterial em seu processo dinâmico de evolução,

viabilizando uma apreensão do contexto pretérito e

presente dessas manifestações em suas distintas versões.

Márcia Sant‟Anna, ao discorrer acerca do instituto em

comento, coloca em realce que “não é um instrumento de

tutela e acautelamento análogo ao tombamento, mas um

recurso de reconhecimento e valorização do patrimônio

imaterial, que pode também ser complementar a este”93.

Ora, neste cenário, o registro corresponde à identificação

e à produção de conhecimento acerca do bem cultural de

natureza imaterial, equivalendo a documentar, pelos

meios técnicos mais adequados, o passado e o presente

dessas manifestações, em suas plurais facetas,

possibilitando, a partir de uma fluidez das relações, o

amplo acesso ao público. Nesta perspectiva, o escopo é

manter o registro da memória dos bens culturais e de sua

trajetória no tempo, eis que este é o mecanismo apto a

assegurar a sua preservação.

93 SANT‟ANNA, Márcia. A face imaterial do patrimônio cultural: os

novos instrumentos de reconhecimento e valorização in: ABREU,

Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios

contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 52.

117

Em razão da dinamicidade dos processos

culturais dinâmicos, as mencionadas manifestações

desbordam em uma concepção de preservação diversa

daquela da prática ocidental, não podendo ser alicerçada

em seus conceitos de permanência e autenticidade. Os

bens culturais de natureza imaterial, a partir do

esposado, são emoldurados por uma dinâmica de

desenvolvimento e transformação que não pode ser

engessado nesses conceitos, sendo mais importante, nas

situações concretas, o registro e a documentação do que

intervenção, restauração e conservação. Acrescente-se,

ainda, que os bens escolhidos para registro serão

inscritos em livros denominados: (i) Livro de registros

dos saberes, no qual serão registrados os conhecimentos

e modo de fazer; (ii) Livro das formas de expressão, o

qual conterá as manifestações literárias, musicais,

plásticas, cênicas e lúdicas; (iii) Livro dos lugares, no

qual se inscreverá as manifestações de espaços em que se

concentram ou mesmo reproduzem práticas culturais

coletivas; e, (iv) Livro das celebrações, no qual serão

lavradas as festas, rituais e folguedos, consoante afixa o

Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200094, que institui

94 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o

118

o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que

constituem o patrimônio cultural brasileiro, cria o

Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras

providências.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

_________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.

Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

_________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

_________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

119

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

_________. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

_________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013.

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122

UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS INSTITUTOS

DO REGISTRO E DI TOMBAMENTO:

SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES DOS

INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DO MEIO

AMBIENTE CULTURAL

Resumo: Inicialmente, necessário faz-se destacar que o

registro de bem cultural de natureza imaterial, para que

seja considerado válido e legítimo, exige a existência de

consonância com o ordenamento jurídico vigente. Nesta

esteira, o Texto Constitucional consagra em seu bojo a

definição acercam de quais bens constituem o patrimônio

cultural brasileiro, estabelecendo, por via de

consequência, as normas de proteção a esse patrimônio,

consoante afixa a redação do artigo 216. Denota-se,

desde modo, que o dispositivo supracitado faz clara

menção aos bens portadores de identidade, ação e

memória dos diferentes grupos da sociedade brasileira.

Desta feita, é possível salientar que a Carta de Outubro

de 1988 não estrutura a sociedade brasileira como um

123

todo homogêneo, mas como uma sociedade

multifacetada, constituída por diferentes grupos, cada

um portador de identidades e de modos de criar, fazer e

viver específicos. Com efeito, o posicionamento é dotado

de proeminência na medida em que o Texto

Constitucional, com clareza solar, sublinha que o seu

interesse não está centrado apenas em proteger objetos

materiais que gozem valor acadêmico, mas também os

bens de natureza material ou imaterial portadores de

referência à identidade de cada grupo formador da

sociedade brasileira. Ora, cada um dos diversos grupos,

assim como seus modos de fazer, criar e viver, é objetivo

de proteção conferida pelo Ente Estatal.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Registro.

Tombamento.

Sumário: 1 Notas Introdutórias: Considerações

Inaugurais à Edificação da Ramificação Ambiental da

Ciência Jurídica; 2 Comentários à concepção de Meio

Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural:

Aspectos Introdutórios; 4 Aspectos Gerais do Instituto

do Registro; 5 O Instituto do Tombamento em exame; 6

Uma Análise comparativa dos Institutos do Registro e

do Tombamento: Semelhanças e Distinções dos

Instrumentos de Preservação do Meio Ambiente

Cultural

124

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: CONSIDERAÇÕES

INAUGURAIS À EDIFICAÇÃO DA RAMIFICAÇÃO

AMBIENTAL DA CIÊNCIA JURÍDICA

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

125

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”95. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

95 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 19 jul.

2013.

126

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”96. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

19 jul. 2013.

127

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”97. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 97 VERDAN, 2009, s.p.

128

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”98. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

98 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 19 jul. 2013.

129

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade99.

Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”100.

99 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 100 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

130

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

131

essencialmente inexaurível101.

“Têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”102. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais.

101 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 102 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

132

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981103,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de

Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que

propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em

103 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

133

todas as suas formas”104.

Nesta senda, ainda, Fiorillo105, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

[...] o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

104 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 105 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

134

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal106.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

106 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

135

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”107.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988108 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

107 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 108 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

136

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade109.

109 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

137

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

138

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

139

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

140

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

141

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”110. Desta maneira, cuida reconhecer que a

proteção do patrimônio cultural se revela como

instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

110 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 19 jul. 2013, p.

15-16.

142

ambiental”111. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

111 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

143

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de

dunas que encobriam sítios arqueológicos

deve indenizar pelos prejuízos causados ao

meio ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

144

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”112. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

112 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 19 jul.

2013.

145

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”113, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister

que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000114, que

institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo115, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo116,

113 BROLLO, 2006, p. 33. 114 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 115 BROLLO, 2006, p. 33. 116 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

146

que os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um

povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação

de seus valores culturais, os quais têm o condão de

substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos

insertos em uma determinada comunidade. No mais,

necessário faz-se salientar que o meio-ambiente cultural,

conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente

humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,

sendo dotado de valor especial, notadamente em

decorrência de produzir um sentimento de identidade no

grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana. Ora, ao se

debruçar sobre o patrimônio imaterial, verifica-se que

este se encontra “enraizado no cotidiano das

comunidades e vinculado ao seu território e às suas

condições materiais de existência”117. Ora, trata-se de

patrimônio material que é transmitido de geração em

geração, sendo, constantemente, recriado e apropriado

por indivíduos e grupos sociais como importantes

elementos estruturantes de sua identidade.

Editora Saraiva, 2012, p. 80.

117 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

147

4 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DO

REGISTRO

Em sede de anotações introdutórias, cuida

anotar que o registro do bem cultural de natureza

imaterial, para ser considerado válido e legítimo,

reclama harmonia com o ordenamento jurídico vigente.

Com efeito, o Texto Constitucional consagra em seu bojo

a definição acercam de quais bens constituem o

patrimônio cultural brasileiro, estabelecendo, por via de

consequência, as normas de proteção a esse patrimônio,

consoante afixa a redação do artigo 216118. É verificável

que o dispositivo em comento faz expressa referência aos

bens portadores de identidade, ação e memória dos

diferentes grupos da sociedade brasileira. Desta feita, é

possível salientar que a Carta de Outubro de 1988 não

118 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013: “Art. 216.

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se

incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e

viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as

obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados

às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios

de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico”.

148

estrutura a sociedade brasileira como um todo

homogêneo, mas como uma sociedade multifacetada,

constituída por diferentes grupos, cada um portador de

identidades e de modos de criar, fazer e viver específicos.

Com efeito, o posicionamento é dotado de

proeminência na medida em que o Texto Constitucional,

com clareza solar, sublinha que o seu interesse não está

centrado apenas em proteger objetos materiais que

gozem valor acadêmico, mas também os bens de natureza

material ou imaterial portadores de referência à

identidade de cada grupo formador da sociedade

brasileira. Ora, cada um dos diversos grupos, assim como

seus modos de fazer, criar e viver, é objetivo de proteção

conferida pelo Ente Estatal. Ao lado disso, a Carta de

1988 apresenta característico forte os ideais republicanos

e democráticos, refletindo em todas as matérias nela

versadas esses corolários, até mesmo porque estrutura-se

como escopo fundamental entalhado na Constituição o de

edificar uma sociedade livre, justa e solidária. Desta

feita, a concepção em testilha informa a maneira por

meio da qual o Estado deve proteger e promover a

cultura. Ademais, ao tratar da política cultural e da

democracia cultural, José Afonso da Silva assinala:

149

A questão da política cultural está

exatamente no equilíbrio que se há de

perseguir entre um Estado que imponha

uma cultura oficial e a democracia cultural.

A concepção de um Estado Cultural no

sentido de um Estado que sustente uma

cultura oficial não atende, certamente, a

uma concepção de democracia cultural. A

Constituição, como já deixamos expresso

antes, não deixa dúvidas sobre o tema, visto

que garante a liberdade de criação, de

expressão e de acesso às fontes da cultura

nacional. Isso significa que não pode haver

cultura imposta, que o papel do Poder

Público deve ser o de favorecer a livre

procura das manifestações culturais, criar

condições de acesso popular à cultura,

prover meios para que a difusão cultural se

funda nos critérios de igualdade. A

democracia cultural pode-se apresentar sob

três aspectos: por um lado, não tolher a

liberdade de criação, expressão e de acesso à

cultura, por qualquer forma de

constrangimento ou de restrição oficial;

antes, criar, condições para a efetivação

dessa liberdade num clima de igualdade;

por outro lado, favorecer o acesso à cultura e

o gozo dos bens culturais à massa da

população excluída119.

Nesta linha, ainda, cuida mencionar que a

ação cultural pública se apresenta como absolutamente

imprescindível à democratização da cultura, sendo

considerada como o procedimento que propiciai a

convergência e o alargamento do público, tal como a

119 SILVA, José Afonso da. Ordenação Constitucional da

Cultura. 1 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998, p. 209-210.

150

extensão do fenômeno de comunicação artístico,

consoante o ideário de que a política cultural é,

juntamente com a política social, um dos modos

utilizados pelo Estado contemporâneo para assegurar

sua legitimação, ou seja, para oferecer como um Estado

que vela por todos e que vale para todos. Ao lado disso,

em razão da proteção cultural se fazer conjuntamente

com o Estado e a sociedade, pode-se destacar que o Texto

Constitucional afixou que o Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, lançando mão, para tanto,

de inventários, registros e tombamentos, além de outras

formas de acautelamento e preservação.

Infere-se que, dentre os instrumentos previstos

para se proteger os bens culturais brasileiros, encontra-

se o instituto do registro, o qual se encontra

regulamentado pelo Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000120, que institui o Registro de Bens Culturais de

Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

120 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui

o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

o patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

151

Imaterial e dá outras providências. Imperioso se faz

assinalar que a criação do instituto do registro está

vinculada a diversos movimentos em defesa de uma

compreensão mais ampla no que se refere ao patrimônio

cultural brasileiro. “No Brasil, a publicação do Decreto

3.551/2000, insere-se numa trajetória a que se vinculam

as figuras emblemáticas de Mário de Andrade e de

Aloísio Magalhães, mas em que se incluem também as

sociedades de folcloristas, os movimentos negros e de

defesa dos direitos indígenas”121, como bem observa

Maria Cecília Londres Fonseca. Igualmente, o instituto

em comento reflete as reivindicações dos grupos de

descendentes de imigrantes das mais diversas

procedências, alcançando, desta maneira, os “excluídos”

do cenário do patrimônio cultural brasileiro, estruturada

a partir de 1937.

Nesta esteira, evidencia-se que o registro tem

por finalidade reconhecer e valorizar bens da natureza

imaterial em seu processo dinâmico de evolução,

viabilizando uma apreensão do contexto pretérito e

presente dessas manifestações em suas distintas versões.

121 FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por

uma concepção ampla do patrimônio cultural in: ABREU, Regina;

CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios

contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 62.

152

Márcia Sant‟Anna, ao discorrer acerca do instituto em

comento, coloca em realce que “não é um instrumento de

tutela e acautelamento análogo ao tombamento, mas um

recurso de reconhecimento e valorização do patrimônio

imaterial, que pode também ser complementar a este”122.

Ora, neste cenário, o registro corresponde à identificação

e à produção de conhecimento acerca do bem cultural de

natureza imaterial, equivalendo a documentar, pelos

meios técnicos mais adequados, o passado e o presente

dessas manifestações, em suas plurais facetas,

possibilitando, a partir de uma fluidez das relações, o

amplo acesso ao público. Nesta perspectiva, o escopo é

manter o registro da memória dos bens culturais e de sua

trajetória no tempo, eis que este é o mecanismo apto a

assegurar a sua preservação.

Em razão da dinamicidade dos processos

culturais dinâmicos, as mencionadas manifestações

desbordam em uma concepção de preservação diversa

daquela da prática ocidental, não podendo ser alicerçada

em seus conceitos de permanência e autenticidade. Os

bens culturais de natureza imaterial, a partir do

122 SANT‟ANNA, Márcia. A face imaterial do patrimônio cultural: os

novos instrumentos de reconhecimento e valorização in: ABREU,

Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios

contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 52.

153

esposado, são emoldurados por uma dinâmica de

desenvolvimento e transformação que não pode ser

engessado nesses conceitos, sendo mais importante, nas

situações concretas, o registro e a documentação do que

intervenção, restauração e conservação. Acrescente-se,

ainda, que os bens escolhidos para registro serão

inscritos em livros denominados: (i) Livro de registros

dos saberes, no qual serão registrados os conhecimentos

e modo de fazer; (ii) Livro das formas de expressão, o

qual conterá as manifestações literárias, musicais,

plásticas, cênicas e lúdicas; (iii) Livro dos lugares, no

qual se inscreverá as manifestações de espaços em que se

concentram ou mesmo reproduzem práticas culturais

coletivas; e, (iv) Livro das celebrações, no qual serão

lavradas as festas, rituais e folguedos, consoante afixa o

Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000123, que

institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem o patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências.

123 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui

o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

o patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

154

5 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO EM EXAME

Em sede de comentários inaugurais, cuida

salientar que o tombamento se apresenta como a forma

de intervenção na propriedade, por meio da qual o Poder

Público objetiva proteger o patrimônio cultural

brasileiro. Neste sentido, já firmou entendimento o

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o

tombamento é ato administrativo que visa à preservação

do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades,

de modo a impedir a destruição ou descaracterização de

bem a que for atribuído valor histórico ou

arquitetônico”124. Com realce, o instituto em comento se

revela, em sede de direito administrativo, como um dos

instrumentos criados pelo legislador para combater a

124 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes

Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da

República. O tombamento é ato administrativo que visa à

preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das

cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de

bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se

ressaltar que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da

Constituição da República, é dever imposto a todos os entes

federados. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator:

Desembargador Antônio Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008.

Publicado em 29.09.2008. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>.

Acesso em 19 jul. 2013.

155

deterioração do patrimônio cultural de um povo,

apresentando, em razão disso, maciça relevância no

cenário atual, notadamente em decorrência dos bens

tombados encerrarem períodos da história nacional ou,

mesmo, refletir os aspectos característicos e

identificadores de uma comunidade. É cediço que quando

o Estado intervém na propriedade privada para proteger

o patrimônio cultural, busca preservar a memória

nacional. Ao lado disso, o instituto em comento permite

que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que

constitui parte da própria cultura do povo e representa a

fonte sociológica de identificação de vários fenômenos

sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade.

Como a Desembargadora Denise Oliveira Cezar já

manifestou visão, “a escolha do bem de patrimônio

cultural que será tombado com precedência aos demais se

relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e

não é passível de análise judicial”125.

125 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação

Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da

Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é

ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial

quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de

acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da

Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a

Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário

156

Desta feita, o proprietário não pode, em nome

de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre

seus bens, se estes se traduzem em interesse público por

atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,

científica, turística e paisagística. “São esses bens que,

embora permanecendo na propriedade do particular,

passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para

esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo

proprietário”126. Os exemplos de bens a serem tombados

são extremamente variados, sendo os mais comuns os

imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas

na história pátria, dos quais podem os estudiosos e

pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do

passado e desenvolver outros estudos com vistas a

proliferar a cultura do país. Além disso, é possível

evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou

até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais

do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister

se faz colacionar o aresto jurisprudencial que acena:

indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os

demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será

tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de

conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.

Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda

Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.

Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso

em 19 jul. 2013. 126 CARVALHO FILHO, 2011, p. 734.

157

Ementa: Direito Constitucional - Direito

Administrativo - Apelação - Preliminar de

não conhecimento - Inovação Recursal -

Ausência de Documentos Indispensáveis

para propositura da Ação - Não

Configuração - Pedido de Assistência

Judiciária - Indeferimento - Ação Civil

Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e

Cultural - Edificação em imóvel localizado

no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -

Tombamento - Aprovação do IPHAN -

Inexistência. - Embora a apelante tenha

feito diversas alegações que deixaram de ser

levantadas na contestação, foi questionada,

na apelação, parte da matéria tratada na

peça de defesa, além de terem sido

atacadas, em alguns pontos, questões

examinadas na sentença, de forma que não

se sustenta a preliminar de não

conhecimento do recurso. - O pedido de

assistência judiciária deve ser indeferido,

pois a apelante efetuou o preparo do

recurso, gerando não apenas presunção,

mas certeza de sua capacidade de custear a

demanda sem prejuízo do próprio sustento e

de familiares. Além disso, não foi juntada a

declaração de pobreza a que se refere a lei

1.060/50, o que leva ao indeferimento do

pedido. - O Município de Ouro Preto foi

erigido a Monumento Nacional pelo decreto

nº. 22.928, de 12/06/33, e inscrito pela

UNESCO na lista do Patrimônio Mundial,

Cultural e Natural em 21/09/80, e a cidade

teve todo o seu Conjunto Arquitetônico

tombado. Trata-se de fato notório, conhecido

pela apelante e por qualquer pessoa, de

forma que não se pode afirmar que o

processo de tombamento do Conjunto

Arquitetônico do referido Município seja um

documento indispensável para a propositura

da presente ação civil pública. - O imóvel

158

que faz parte do Conjunto Arquitetônico de

Ouro Preto, e integra o Patrimônio Mundial,

Cultural e Natural da cidade, deve ser

conservado por seu proprietário, e qualquer

obra de reparo de tal bem deve ser

precedida de autorização do IPHAN, sob

pena de demolição. (Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara

Cível/ Apelação Cível 1.0461.03.010271-

3/001/ Relator: Desembargador Moreira

Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em

26.06.2008).

Ementa: Ação popular. Instalação de

quiosques no entorno de praças municipais.

Tombamento preservado. Inocorrência de

ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O

fato de as praças municipais serem

tombadas, como partes do Patrimônio

Histórico e Cultural do Município de

Paraisópolis, não podendo,

consequentemente, serem ocupadas ou

restringidas em sua área, para outras

finalidades (Lei Municipal n. 1.218/89) não

impede a instalação, ao arredor delas, de

quiosques de alimentação, porquanto o

tombamento se limitou às praças, e não ao

entorno delas. Assim, não há ofensa ao

patrimônio ambiental cultural. A instalação

dos referidos quiosques não configura abalo

de ordem ambiental, visto que não houve

lesão aos recursos ambientais, com

consequente degradação - alteração adversa

- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal

de Justiça do Estado de Minas Gerais –

Quinta Câmara Cível/ Apelação

Cível/Reexame Necessário N°

1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:

Desembargadora Maria Elza/ Julgado em

03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).

É verificável que a proteção dos bens de

159

interesse cultural encontra respaldo na Constituição da

República Federativa do Brasil127, que impõe ao Estado o

dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais

e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,

nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto

de bens materiais e imateriais necessários à exata

compreensão dos vários aspectos ligados os grupos

formadores da sociedade brasileira”128. O Constituinte,

ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de

Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,

registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de

outras formas de acautelamento e preservação.

“Independentemente do tombamento, o patrimônio

cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda

que precária - até definitiva solução da questão em exame

- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer

ação futura, pois a demolição é irreversível”129.

127 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 128 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735.

129 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento

1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil

Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de

pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -

160

Resta patentemente demonstrado que o

tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na

proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem

anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder

Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,

turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por

essa razão, devam ser preservados, de acordo com a

inscrição em livro próprio”130. O tombamento é um dos

institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio

histórico e artístico nacional, que implica na restrição

parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação

que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar

a proeminente natureza do instituto em comento, é

possível transcrever os arestos que se coadunam com as

ponderações estruturadas até o momento:

Ementa: Constitucional e Administrativo.

Mandado de segurança. Imóvel. Valor

histórico e cultural. Declaração. Município.

Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e

histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até

definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for

dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é

irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem

ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,

III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão

Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander

Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.

Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 130 MEIRELLES, 2012, p. 635.

161

Tombamento. Ordem de demolição.

Inviabilidade. São deveres do Poder público,

nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e

216, §1º, da Constituição Federal, promover

e proteger o patrimônio cultural, artístico e

histórico, por meio de tombamento e de

outras formas de acautelamento e

preservação, bem como impedir a evasão, a

destruição e a descaracterização de bens de

valor histórico, artístico e cultural.

Demonstrada, no curso do mandado de

segurança, a conclusão do procedimento

administrativo de tombamento do imóvel,

com declaração do seu valor histórico e

cultural pelo Município, inviável a

concessão de ordem para sua demolição.

Rejeita-se a preliminar e nega-se

provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça

do Estado de Minas Gerais – Quarta

Câmara Cível/ Apelação Cível

1.0702.02.010330-6/001/ Relator:

Desembargador Almeida Melo/ Julgado em

15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).

Ementa: Tombamento - Patrimônio

Histórico e Cultural - Imóvel reputado de

valor histórico pelo município onde se

localiza - Competência Constitucional dele

para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o

Município, mediante tombamento, preserve

imóvel nele situado e que considere de valor

histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso

III, da Lei Fundamental da República, que

a ele - Município, atribui a competência

para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,

com seus hábitos e culturas próprios, cabe

aferir, atendidas as peculiaridades locais,

acerca do valor histórico-cultural de seu

patrimônio, com o escopo, inclusive, de

também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara

Cível/ Embargos Infringentes

162

1.0000.00.230571-2/001/ Relator:

Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado

em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004).

O diploma infraconstitucional que versa acerca

do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro

de 1937131, que organiza a proteção do patrimônio

histórico e artístico nacional, trazendo à baila as

disposições elementares e a fisionomia jurídica do

instituto do tombamento, inclusive no que toca aos

registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o

diploma ora aludido traça tão somente as disposições

gerais aplicáveis ao fato jurídico–administrativo do

tombamento. Entrementes, este se consumará por meio

de atos administrativos específicos, destinados a

propriedades determinadas.

6 UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS

INSTITUTOS DO REGISTRO E DO

TOMBAMENTO: SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES

DOS INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DO

MEIO AMBIENTE CULTURAL

131 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.

Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul.

2013.

163

Em um primeiro momento, é possível salientar

que a distinção caracterizadora do tombamento e do

registro reside na premissa dos livros desse serem

denominados de “livro de registro”, ao passo que naquele

são nomeados de “livro do tombo”. “O tombamento

contém um controle público permanente do bem cultural,

através de autorizações e de sanções; no registro não há

esse sistema de controle ou de intervenção estatal na vida

do bem cultural”132, como bem aduz Paulo Affonso Leme

Machado. Com efeito, o instituto do tombamento deveria

ser mantido, de maneira exclusiva, como instrumento de

salvaguarda dos bens materiais, eis que não apenas em

decorrência da comprovada e específica eficácia, como

também porque é inadequado ao bem imaterial, o qual é,

por sua própria natureza, dotado de dinamicidade. Em

que pese argumentações contrárias, fato é que, mesmo

tratando-se de bens imateriais, o patrimônio cultural

reclama proteção do Poder Público, já que consolida a

identidade nacional.

Com destaque, tomba-se um bem que vindica

proteção eficaz e continua, ancorado pelo Poder Público,

como assegurador da salvaguarda do meio ambiente

132 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental

Brasileiro. 21 ed. , rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros

Editores, 2013, p. 1.104.

164

cultural. Ao lado disso, a pretexto de que não haverá

necessidade de investimento público para a conservação

dos bens culturais de natureza imaterial não se pode

enfraquecer ou mesmo desestimular a política do

tombamento quando este, concretamente, se revelar

como mecanismo imperioso. Insta ponderar que no

registro haverá um comportamento do Poder Público de

promover a valorização e de promoção do bem registrado,

não pressupondo uma ajuda direta na existência do bem,

nem um controle pelo órgão público do patrimônio

cultural. Nesta perspectiva, diante das molduras

estruturantes de ambos os institutos, é possível salientar

que tombamento e registro aproximam-se em decorrência

dos procedimentos administrativos no plano federal, uma

vez que ambos tramitam pelo IPHAN e pelo Conselho

Consultivo do Patrimônio Cultural.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

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cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

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Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

________. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.

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Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 19

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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.

166

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168

ANÁLISE DO INSTITUTO DO INVENTÁRIO COMO

INSTRUMENTO DE TUTELA E SALVAGUARDA DO

PATRIMÔNIO CULTURAL

Resumo: A cultura apresenta como traços

estruturantes elementos espirituais e materiais,

intelectuais e afetivos, os quais caracterizam uma

sociedade ou, ainda, um grupo social determinado,

compreendendo, também, as artes e as letras, os

modos de vida, as maneiras de viver juntos, os

sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste

passo, é possível evidenciar que, em sede de meio

ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um

dos mais relevantes traços caracterizadores da

cultural, não somente para a presente e as futuras

gerações, viabilizando a compreensão da humanidade

e toda a sua evolução histórica. Ao lado disso, a

linguagem, enquanto manifestação cultural

estritamente atrelada à liberdade e à essência da vida

humana, pode ser considerada no plano jurídico como

169

bem cultural que confere concreção aos direitos

humanos e como axioma de sustentação do patrimônio

cultural. Ora, não é possível olvidar, em razão da

dinamicidade da vida contemporânea, tal como a

difusão de informações e assimilação de valores

diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos,

em razão da influência do ambiente, das interações

com a natureza e com a história. Neste aspecto, é

possível evidenciar que a tutela jurídica dispensada a

diversidade linguística, no cenário nacional, busca

preservar elementos estruturantes da identidade

pátria, tal como o patrimônio do meio ambiente

cultural.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.

Inventário. Tutela Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 3 Análise do Instituto do Inventário

como Instrumento de Tutela e Salvaguarda do

Patrimônio Cultural

170

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO

AMBIENTAL

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

171

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”133. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

133 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 21

jun.2014.

172

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”134. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

21 jun.2014.

173

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”135. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 135 VERDAN, 2009, s.p.

174

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”136. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

136 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 21 jun.2014.

175

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade137.

Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”138.

137 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 138 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

176

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun.2014.

177

essencialmente inexaurível139.

“Têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”140. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais.

139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jun.2014. 140 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

178

2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”141. Desta maneira, cuida reconhecer que a

141 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

179

proteção do patrimônio cultural se revela como

instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”142. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 fev. 2014, p.

15-16. 142 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

180

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de

dunas que encobriam sítios arqueológicos

deve indenizar pelos prejuízos causados ao

meio ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

181

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”143. Esses aspectos

143 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

182

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”144, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 21

jun.2014. 144 BROLLO, 2006, p. 33.

183

que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000145, que

institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo146, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

Fiorillo147, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

145 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun.2014. 146 BROLLO, 2006, p. 33. 147 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 80.

184

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente

cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-

ambiente humano em razão do aspecto cultural que o

caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente

em decorrência de produzir um sentimento de identidade

no grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana.

3 ANÁLISE DO INSTITUTO DO INVENTÁRIO

COMO INSTRUMENTO DE TUTELA E

SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Em um primeiro momento, cuida reconhecer

que o artigo 216 da Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988148 estabelece, de maneira

148 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun. 2014: “Art. 216.

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se

incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e

viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as

obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados

às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios

185

exemplificativa, os institutos e procedimentos a serem

empregados em sede de tutela e salvaguarda do

patrimônio cultural, comportando o alargamento do rol

posto no texto constitucional. Nesta linha de exposição,

quadra ponderar que o instituto do inventário não possui

regulamentação infraconstitucional, de âmbito nacional,

que estipule normas concernentes aos seus efeitos. Ao

lado disso, não se pode olvidar que o Texto

Constitucional estabelece que é competência concorrente

da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal,

bem como dos Municípios dispor acerca de mecanismos e

instrumentos para proteger e salvaguardar o patrimônio

histórico, cultural, artístico, turísticos e paisagísticos.

Diante desse cenário, no qual se constata a

omissão da norma infraconstitucional federal em

estabelecer regramento que disponha acerca do

de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio

cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,

tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento

e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei,

a gestão da documentação governamental e as providências para

franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º - A lei

estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e

valores culturais. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural

serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os

documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos

antigos quilombos”.

186

inventário, na condição de instituto protetivo do

patrimônio cultural, poderão os demais entes federativos

legislar sobre a proteção e preservação de seus

patrimônios culturais. Nesta senda, o inventário, na

condição de instrumento de preservação e salvaguarda

cultural, consiste na identificação das características,

particularidades, histórico e relevância cultural,

objetivando dispensar a proteção dos bens culturais

materiais, públicos ou privados, devendo-se, para tanto,

adotar, no que tange à execução, critérios técnicos

objetivos e alicerçados de natureza histórica, artística,

arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica.

Nesta toada, quadra primar que inventariar significa

descrever, de maneira minuciosa, a relação e conjunto de

bens culturais. “O inventário, na seara patrimonial, é

instrumento de conhecimento de bens culturais, seja de

natureza material ou imaterial, que subsidia as políticas

de preservação do patrimônio cultural”149.

Há que se destacar, assim, que o inventário

dos bens culturais implica no levantamento minucioso e

149 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como

instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e

usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.

16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <

http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014, p. 121.

187

completo dos bens culturais, objetivando abarcar a

diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o

inventário é uma das atividades elementares para o

estabelecimento e priorização de ações dentro de uma

política volvida para a preservação e gestão do

patrimônio cultural, notadamente quando há que se

considerar que toda medida de proteção, intervenção e

valorização do patrimônio cultural reclama o prévio

conhecimento dos acervos existentes. Sobre a temática

colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda, em

seu magistério, explica:

Sob o ponto de vista prático o inventário

consiste na identificação e registro por meio

de pesquisa e levantamento das

características e particularidades de

determinado bem, adotando-se, para sua

execução, critérios técnicos objetivos e

fundamentados de natureza histórica,

artística, arquitetônica, sociológica,

paisagística e antropológica, entre outros.

Os resultados dos trabalhos de pesquisa

para fins de inventário são registrados

normalmente em fichas onde há a descrição

sucinta do bem cultural, constando

informações básicas quanto a sua

importância histórica, características

físicas, delimitação, estado de conservação,

proprietário etc150.

150 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como

instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural

brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:

188

A essência do inventário é o de apreciar o bem,

porquanto só se pode proteger aquilo que se conhece

fundamentando, inclusive, um posterior pedido de

tombamento. O pedido do tombado não é uma

consequência imediata, sendo possível, após o estudo

propiciado pelo instituto em comento, que determinado

bem não seja passível de tombamento, o que mostra a

incoerência de se atrelar ao inventário o efeito de

restrição da propriedade. Prima sublinhar que a

ausência de uma norma infraconstitucional

regulamentadora do instituto do inventário não obsta o

Poder Público utilizar-se de tal instrumento na condição

de fonte de conhecimento dos bens culturais alvos da

patrimonialização. De igual modo, é defeso falar em

produção da insegurança jurídica, eis que o inventário

encontra-se previsto constitucionalmente, afigurando-se

como prática corriqueira dos órgãos da preservação do

patrimônio. “O que gerará turbulência no ofício dos

gestores do patrimônio é a previsível relutância dos

proprietários de imóveis a ser inventariados de abrir suas

portas para o levantamento de dados desse bem cultural,

o que já acontece com os proprietários de imóveis

<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 21 jun. 2014.

189

tombados”151. Com propriedade, Miranda apresenta a

seguinte distinção:

O Inventário e o Tombamento não se

confundem. Trata-se de instrumentos de

efeitos absolutamente diversos, embora

ambos sejam institutos jurídicos

vocacionados para a proteção do patrimônio

cultural. O inventário é instituto de efeitos

jurídicos muito mais brandos do que o

tombamento, mostrando-se como uma

alternativa interessante para a proteção do

patrimônio cultural sem a necessidade

Administração Pública de se valer do obtuso

e, não raras vezes, impopular instrumento

do tombamento152.

Nesta linha, o tombamento, por mais que

ainda sobrepuje os demais instrumentos elencados como

mecanismos de preservação cultural, há muito não é

destinado apenas à excepcionalidade. Com efeito, cuida

pontuar que o inventário instrumentaliza o tombamento,

não podendo, portanto, ser com ele confundido, eis que

encerra aspectos característicos próprios. Ao lado disso,

151 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como

instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e

usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.

16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <

http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014, p. 124-125. 152 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como

instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural

brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 21 jun. 2014.

190

os bens inventariados devem, imperiosamente, ser

conservados adequadamente por seus proprietários, eis

que ficam submetidos ao regime jurídico específico dos

bens culturais protegidos. Em igual sedimento, os bens

inventariados somente poderão ser destruídos,

inutilizados, deteriorados ou alterados por meio de

prévia autorização do órgão responsável pelo ato

protetivo, que deve exercer singular vigilância sobre o

patrimônio inventariado. Olender, ao esmiuçar o

instituto em comentário, explicita que:

Entendemos que, a partir do momento que,

historicamente, o inventário se consolida, no

Brasil, como aquilo que denominamos de

“inventário de conhecimento ou de

identificação” e que, nos últimos anos –

principalmente a partir da própria atuação

do poder judiciário – começa,

concomitantemente, a ser utilizado como

sinônimo daquilo que na França é

denominado de “inventário suplementar”

nos cabe, para não incorrermos em uma

confusão que será bastante prejudicial para

o desenvolvimento das políticas e das

práticas de preservação do patrimônio em

nosso país, partir para uma melhor

denominação das ações hoje empreendidas

com este nome. Penso que possuímos, neste

caso, duas opções: 1) manter-se a

denominação de inventário para aquela

ação que se já encontra há mais tempo

consolidada e criando-se outra denominação

para o citado “tombamento flexível”; ou 2)

adjetivar, sempre, os dois tipos de

191

inventário aqui apresentados,

denominando-se aquele inventário que

entendemos já consolidado como “inventário

de conhecimento”, “inventário de

identificação” ou “inventário de proteção” e

o segundo tipo de “inventário para a

preservação” (como faz a legislação baiana),

ou “inventário de estruturação e de

complementação” (como faz a gaúcha), ou

algum outro termo que o diferencie do

anterior. Só assim, poderemos contribuir

para a resolução desta questão que,

infelizmente, provoca um desacordo entre

diversos e importantes agentes responsáveis

pela preservação deste patrimônio153.

Cuida mencionar, assim, no processo de

preservação do patrimônio cultural, o instituto do

inventário, como parte dos procedimentos de análise e

compreensão da realidade, constitui-se na ferramenta

elementar para o conhecimento do acervo cultural e

natural. Ao lado disso, a realização do inventário com a

participação a comunidade proporciona não somente a

obtenção do conhecimento do acervo por ela atribuído ao

patrimônio, mas, ainda, o fortalecimento dos seus

vínculos em relação ao patrimônio. Verifica-se, assim,

que, mesmo não havendo disposição infraconstitucional

expressa sobre o instituto em comento, tal fato não

153 OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do patrimônio”.

Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:

<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014.

192

obstaculariza a utilização do instrumento em comento

pelo Poder Público, notadamente em decorrência da

proeminente atenção reclamada pela tutela e

salvaguarda de tal bem jurídico.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

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Federal, 1988. Disponível em:

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providências. Disponível em:

193

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jun. 2014.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

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194

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<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014.

195

ANOTAÇÕES AOS PLANOS DE SALVAGUARDA

COMO INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO E

PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Resumo: Em sede de comentários introdutórios,

cuida salientar que o meio ambiente cultural é

constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao

lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o

seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é

o resultado daquilo que era próprio das populações

196

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio

ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,

é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da

sociedade brasileira. O conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação

seja de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico

e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Planos de

Salvaguarda. Instrumento de Preservação. Tutela

Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica da Ramificação Ambiental do

Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Anotações aos Planos de Salvaguarda

como Instrumento de Preservação e Proteção do

Patrimônio Cultural

197

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

198

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”154. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

154 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 04 out.

2014.

199

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”155. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

04 out. 2014.

200

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”156. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 156 VERDAN, 2009, s.p.

201

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”157. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

157 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 04 out. 2014.

202

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade158·. Ora, daí

se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”159.

158 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 159 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

203

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.

204

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível160.

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.

205

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”161. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981162,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

161 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569. 162 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.

206

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”163.

Nesta senda, ainda, Fiorillo164, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

163 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 164 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

207

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal165.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

165 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.

208

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”166.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988167 está abalizado em

166 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 167 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

209

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

210

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade168.

O termo “todos”, aludido na redação do

caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

168 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.

211

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

212

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

213

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

214

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”169. Desta maneira, a proteção do patrimônio

cultural se revela como instrumento robusto da

sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

169 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 04 out. 2014, p.

15-16.

215

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”170. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

170 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

216

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

217

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”171. Esses aspectos

171 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

218

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”172, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000173, que institui o registro de bens culturais de

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 04 out.

2014. 172 BROLLO, 2006, p. 33. 173 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.

219

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

bem aponta Brollo174, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo175, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

174 BROLLO, 2006, p. 33. 175 FIORILLO, 2012, p. 80.

220

4 ANOTAÇÕES AOS PLANOS DE SALVAGUARDA

COMO INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO E

PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Cuida assinalar, em um primeiro momento,

que o processo de institucionalização e oficialização de

um conjunto de ações e políticas públicas demonstram o

compromisso do Estado em “promover” e “proteger” o

patrimônio imaterial brasileiro. Nesta trilha, a ideia

associada à promoção e à proteção deve estar atrelada ao

sentido de facilitação das condições de continuidade do

bem, ou seja, fomento maior à cautela e minoração das

intervenções desnecessárias. Nesta toada, é possível

evidenciar que o plano de salvaguarda materializa um

instrumento de apoio e fomento de fatos culturais aos

quais são atribuídos sentidos e valores que

substancializam referências de identidade para os grupos

sociais envolvidos, sendo posteriormente registrados em

consonância com o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000176, que institui o registro de bens culturais de

176 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.

221

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências.

Mais que isso, compreende-se que, em

decorrência da diversidade cultural brasileira e a

especificidade do contexto em que se encontra cada bem

que se pretende salvaguardar, os planos reclamam maior

flexibilidade, volvendo-se, corriqueiramente, para as

particularidades que emolduram o bem cultural. Além

disso, carece reconhecer que o requisito comum para

implantação do plano de salvaguarda está alicerçado na

inscrição de um bem cultural em um dos Livros de

Registro do IPHAN. A partir de tal inscrição que é

elaborado um planejamento estratégico, alicerçado no

diagnóstico e nas recomendações de salvaguarda

enumeradas durante o curso do processo de registro.

Convém, ainda, ponderar, que o planejamento

estratégico é edificado e executado com arrimo na

interlocução continuada entre Estado e sociedade.

Em consonância com o Decreto Nº. 3.551, de 04

de Agosto de 2000177, que institui o registro de bens

177 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

222

culturais de natureza imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional

do Patrimônio Imaterial e dá outras providências,

decorrido dez anos, cada registro deve ser revisto,

ratificado, retificado ou arquivado, consoante o

envolvimento da vontade social e vitalidade do bem

cultural. O plano está previsto para sofrer implantação

no decorrer da primeira década e ambiciona-se alcançar

a autonomia e a sustentabilidade da salvaguarda do bem

cultural no médio e longo prazo. Cuida, dessa sorte,

reconhecer o plano de salvaguarda como instrumento de

gestão consequente com o indicado na instrução do

processo de registro, inventários realizados, pesquisas

complementares e entendimentos preliminares com os

agentes envolvidos na produção e difusão do bem

cultural em destaque. Materializa, pois, política

alicerçada no aumento da participação democrática dos

cidadãos na formulação, no planejamento, execução,

avaliação e acompanhamento de uma série de políticas

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014. Art. 7o O

IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos

a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do

Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de

"Patrimônio Cultural do Brasil". Parágrafo único. Negada a

revalidação, será mantido apenas o registro, como referência

cultural de seu tempo.

223

voltadas para a preservação do patrimônio cultural.

Assim, o plano de salvaguarda consiste no planejamento

de ações de curto, médio e longo prazo, combinadas entre

atores de diferentes estamentos da sociedade e executado

de modo compartilhado e participativo. Tal instrumento

ambiciona promover apoio à continuidade de existência

do bem cultural de modo sustentável, por meio do

fomento à produção, transmissão, reprodução e difusão

dos saberes e práticas a eles associados; e do apoio à

autodeterminação e organização dos grupos detentores

de mencionados saberes e práticas para a gestão de seu

patrimônio.

O ponto inicial do plano de salvaguarda é o

diagnostico de recomendações para a proteção no

processo de registro e pesquisas complementares, bem

como, e, sobretudo, os entendimentos preliminares

realizados com os agentes dos processos culturais em

questão. De acordo com tais reflexões promovidas e com a

experiência acumulada na estruturação dos primeiros

planos de salvaguarda, é possível a identificação de

alguns eixos de ação que têm sido combinadas de modo a

apoiar as condições sociais e materiais que permitem a

existência e continuidade de bens culturais de natureza

imaterial. No decurso de todo o processo da execução do

224

plano de salvaguarda, as informações deverão ser

estruturas e encaminhadas periodicamente ao IPHAN,

dando conta de algumas informações previamente

estabelecidas e outras consideradas importantes,

consoante a especificidade de cada plano, de modo a

proporcionar a construção de indicadores de avaliação de

impacto no longo prazo e bases para as coordenadas de

ação de maneira continuada.

REFERÊNCIA:

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227

BREVE PAINEL AO INSTRUMENTO DE

VIGILÂNCIA EM SEDE DE PROMOÇÃO E

SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL:

ARGUMENTAÇÕES PROPEDÊUTICAS AO TEMA

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do instituto da vigilância como instrumento apto

à promoção e salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

228

conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural,

enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é

algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens

culturais materiais e imateriais portadores de referência

à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos

formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os

bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja

conservação seja de interesse público, por sua vinculação

a fatos memoráveis da História pátria ou por seu

excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico,

bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Vigilância.

Instrumento de Preservação.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à

construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito;

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios;

4 Breve Painel ao Instrumento da Vigilância sem de

Promoção e Salvaguarda ao Patrimônio Cultural:

Argumentações Propedêuticas ao Tema

229

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

230

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”178. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

178 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 jan.

2015, s.p.

231

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”179. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

16 jan. 2015.

232

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”180. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 180 VERDAN, 2009, s.p.

233

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”181. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

181 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 16 jan. 2015.

234

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade182·. Ora, daí

se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”183.

182 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 183 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

235

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

236

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível184.

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

184 Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

237

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”185. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981186,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

185 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569. 186 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

238

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”187.

Nesta senda, ainda, Fiorillo188, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

187 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 188 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

239

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal189.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

189 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

240

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”190.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988191 está abalizado em

190 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 191 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

241

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

242

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade192.

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

192 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

243

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

244

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

245

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

246

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”193. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

193 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 16 jan. 2015, p.

15-16.

247

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”194. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

194 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

248

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

249

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”195. Esses aspectos

195 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

250

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”196, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000197, que institui o registro de bens culturais de

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 16 jan.

2015. 196 BROLLO, 2006, p. 33. 197 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.

251

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

bem aponta Brollo198, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo199, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

198 BROLLO, 2006, p. 33. 199 FIORILLO, 2012, p. 80.

252

4 BREVE PAINEL AO INSTRUMENTO DA

VIGILÂNCIA SEM DE PROMOÇÃO E

SALVAGUARDA AO PATRIMÔNIO CULTURAL:

ARGUMENTAÇÕES PROPEDÊUTICAS AO TEMA

Em um primeiro momento, quadra colocar em

destaque que o instrumento da vigilância encontra-se, de

maneira expressa, positiva no artigo 20 do Decreto-Lei nº

25, de 30 de novembro de 1937200, que organiza a

proteção do patrimônio histórico e artístico nacional,

preconizando, como dever estatal, a obrigação de ser

vigilante pela conservação do bem tombado, tendo o

direito de inspecioná-lo, sempre que julgar conveniente.

Ao lado disso, o Texto Constitucional, em seu artigo 216,

§1º201, consagra, igualmente o instituto em comento, o

200 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.

Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan.

2015. Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância

permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

que poderá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não

podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar

obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao

dôbro em caso de reincidência. 201 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015. Art. 216.

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

253

qual passa ser reconhecido como instrumento de especial

proteção do patrimônio cultural. Salta aos olhos, desta

maneira, a preocupação de fazer do Estado o protetor de

todas as manifestações culturais, notadamente do

patrimônio cultural brasileiro, o qual lhe incumbe

promover a preservação de todos os modos. Igualmente,

cabe ao Estado a incumbência de incentivar a produção e

a divulgação de bens e valores culturais.

O poder de polícia do Estado incide sobre todos

os bens que constituem o patrimônio cultural brasileiro,

de natureza material e imaterial, esta intervenção é

obrigatória, para que haja a conservação e não ocorra a

evasão de obras de arte do território nacional. À luz das

ponderações aventadas a vigilância pode ser concebida

como uma das plurais manifestações do poder de polícia

do Estado, voltado especialmente para a promoção e

salvaguarda do patrimônio cultural. Com espeque na

concepção de José dos Santos Carvalho Filho202, o poder

de polícia materializa a prerrogativa de direito público

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se

incluem: [omissis] § 1º - O Poder Público, com a colaboração da

comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro,

por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e

desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. 202 CARVALHO FILHO, 2011, p. 70.

254

que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública

a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade

em favor do interesse da coletividade. Segundo Celso de

Mello203, o poder de policia, em uma conotação mais

restrita e assentada em função precípua administrativa,

materializa atividade da Administração Pública, sendo

expressa em atos normativos ou concretos, de

condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na

forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos,

por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora

repressiva, cominando coercitivamente aos particulares

um dever de abstenção (non facere), com o escopo de

conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais

consagrados no sistema normativo em vigor.

Trata-se, em linhas conceituais, do modo de

atuar da autoridade administrativa que consiste em

intervir no exercício das atividades individuais

suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por

escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou

generalizados os danos sociais que os diplomas legais

procuram prevenir. No que tange ao benefício resultante

203 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito

Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo:

Malheiros Editores, 2013, p. 853.

255

do poder de polícia, materializa fundamento dessa

prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a

intervenção do Estado no conteúdo dos direitos

individuais somente encontra amparo ante a finalidade

que deve sempre orientar a ação dos administradores

públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro

ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na

supremacia geral da Administração Pública, ou seja,

aquela mantida em relação aos administrados, de modo

indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de

satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado,

interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos

olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção

dos interesses coletivos, o que explicita umbilical

conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se

o interesse público é o axioma inspirador da atuação

restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção

do mesmo interesse. Neste talvegue, cuida anotar,

oportunamente, que este deve ser compreendido em

sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto. Neste

sentido, a vigilância, como materialização do poder de

polícia do Estado, voltado especificamente para a

proteção e salvaguarda do patrimônio cultural, recebe

especial avulte. Há que se reconhecer que tal

256

instrumento substancializa o instrumento imprescindível

da tutela do patrimônio cultural, considerado como

elemento integrante da extensa rubrica imprescindível

para a concreção da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIA:

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__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

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