compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - v. 1, n. 1
DESCRIPTION
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.TRANSCRIPT
TAUÃ LIMA VERDAN
RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL
V.
01
N.
01
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
(V. 01, N. 01)
Capa: Cândido Portinari, Cana (1939).
ISBN: 978-1516993505
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada
mediante citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por
meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de
pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em
trabalhar, academicamente, determinados assuntos.
Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo
dogmático. É possível, à luz da tradicional visão
empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual
não se incluem somente as instituições legais, as ordens
legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados
tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das
mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma “meta direito”. No
Direito, a construção do conhecimento advém da
interpretação de leis e as pessoas autorizadas a
interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é
presenciado pelos Operadores do Direito, que se
debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a
conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando
as experiências empíricas e o contorno regional como
elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.
Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento
jurídico como algo dogmático, buscando conferir
molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos
científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática
de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca
trazer para o debate uma série de assuntos
contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
A construção jurídica do meio ambiente cultural: análise
sob a ótica consolidada pela Constituição Federal ............. 06
Anotações ao instituto do tombamento ambiental como
substancialização do princípio da herança cultural ........... 45
O instituto do registro enquanto instrumento para a
preservação do meio ambiente cultural .............................. 86
Uma análise comparativa dos institutos do registro e do
tombamento: semelhanças e distinções dos instrumentos
de preservação do meio ambiente cultural ......................... 122
Análise do instituto do inventário como instrumento de
tutela e salvaguarda do patrimônio cultural...................... 168
Anotações aos planos de salvaguarda como instrumento
de preservação e proteção do patrimônio cultural ............. 195
Breve painel ao instrumento da vigilância em sede de
promoção e salvaguarda do patrimônio cultural:
argumentações propedêuticas ao tema ............................... 227
6
A CONSTRUÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE
CULTURAL: ANÁLISE SOB A ÓTICA
CONSOLIDADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Resumo: Em sede de comentários introdutórios,
cuida salientar que o meio ambiente cultural é
constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica
as sociedades humanas, sendo formada pela
história e maciçamente influenciada pela natureza,
como localização geográfica e clima. Com efeito, o
meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto
aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e
percepção são conformadas pela sua cultural. A
cultura brasileira é o resultado daquilo que era
7
próprio das populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao
se analisar o meio ambiente cultural, enquanto
complexo macrossistema, é perceptível que é algo
incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens
culturais materiais e imateriais portadores de
referência à memória, à ação e à identidade dos
distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. O conceito de patrimônio histórico e
artístico nacional abrange todos os bens moveis e
imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu
excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.
Tombamento Ambiental. Direitos de Terceira
Dimensão.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica do Direito Ambiental; 2
Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Tombamento Ambiental: 4.1
Conceito e Característicos; 4.2 Natureza Jurídica
8
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não
mais prospera o arcabouço imutável que outrora
sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência
dos anseios da população, suplantados em uma nova
sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
9
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 24
mar. 2013.
10
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
24 mar. 2013.
11
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
3 VERDAN, 2009, s.p.
12
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”4. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 24 mar. 2013.
13
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade5·.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária” 6.
5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
14
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível7.
7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
15
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
16
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 19819,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de
Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
todas as suas formas”10.
9 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 10 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.
17
Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal12.
11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77. 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
18
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 24 mar.
2013.
19
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198814 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
13 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
20
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade15.
15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
21
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito <www.stf.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
22
erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
23
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
24
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”16. Desta maneira, a proteção do patrimônio
16 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
25
cultural se revela como instrumento robusto da
sobrevivência da própria sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”17. Quadra anotar, por imperioso, que os bens
compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem
tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;
preciosidades do passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 24 mar. 2013, p.
15-16. 17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
26
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
27
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”18. Esses aspectos
18 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
28
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial
transmite-se de geração a geração e é constantemente
recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente”19, decorrendo, com destaque, da interação com
a natureza e dos acontecimentos históricos que
permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200020,
que institui o registro de bens culturais de natureza
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 24 mar.
2013. 19 BROLLO, 2006, p. 33. 20 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
29
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo21, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
Fiorillo22, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,
conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente
humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,
sendo dotado de valor especial, notadamente em
decorrência de produzir um sentimento de identidade no
grupo em que se encontra inserido, bem como é 21 BROLLO, 2006, p. 33. 22 FIORILLO, 2012, p. 80.
30
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
4 TOMBAMENTO AMBIENTAL
4.1 Conceito e Característicos
Em uma primeira plana, cuida salientar que o
tombamento se apresenta como um dos instrumentos
utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar
e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste
sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato
administrativo que visa à preservação do patrimônio
histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a
impedir a destruição ou descaracterização de bem a que
for atribuído valor histórico ou arquitetônico”23. Fiorillo
anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos
23 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes
Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da
República. O tombamento é ato administrativo que visa à
preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das
cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem
a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se ressaltar
que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da Constituição
da República, é dever imposto a todos os entes federados. Órgão
Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Antônio
Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
31
tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a
finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o
bem cultural”24. Desta sorte, a utilização do tombamento
como mecanismo de preservação e proteção do
patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à
cultura, substancializando verdadeiro instrumento de
tutela do meio ambiente.
Com realce, o instituto em comento se revela,
em sede de direito administrativo, como um dos
instrumentos criados pelo legislador para combater a
deterioração do patrimônio cultural de um povo,
apresentando, em razão disso, maciça relevância no
cenário atual, notadamente em decorrência dos bens
tombados encerrarem períodos da história nacional ou,
mesmo, refletir os aspectos característicos e
identificadores de uma comunidade. À luz de tais
ponderações, é observável que a intervenção do Ente
Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural,
busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o
tombamento permite que o aspecto histórico seja
salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura
do povo e representa a fonte sociológica de identificação
de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos
24 FIORILLO, 2012, p. 428-429.
32
existentes na atualidade. “A escolha do bem de
patrimônio cultural que será tombado com precedência
aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e
oportunidade, e não é passível de análise judicial”25.
Desta feita, o proprietário não pode, em nome
de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre
seus bens, se estes se traduzem em interesse público por
atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,
científica, turística e paisagística. “São esses bens que,
embora permanecendo na propriedade do particular,
passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para
esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo
proprietário”26. Os exemplos de bens a serem tombados
25 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação
Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da
Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é
ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial
quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de
acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da
Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a
Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário
indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os
demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será
tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de
conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.
Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda
Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.
Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso
em 24 mar. 2013. 26 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora
33
são extremamente variados, sendo os mais comuns os
imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas
na história pátria, dos quais podem os estudiosos e
pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do
passado e desenvolver outros estudos com vistas a
proliferar a cultura do país. Além disso, é possível
evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou
até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais
do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister
se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam:
Ementa: Direito Constitucional - Direito
Administrativo - Apelação - Preliminar de
não conhecimento - Inovação Recursal -
Ausência de Documentos Indispensáveis
para propositura da Ação - Não
Configuração - Pedido de Assistência
Judiciária - Indeferimento - Ação Civil
Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e
Cultural - Edificação em imóvel localizado
no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -
Tombamento - Aprovação do IPHAN -
Inexistência. (...) - O Município de Ouro
Preto foi erigido a Monumento Nacional
pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e
inscrito pela UNESCO na lista do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em
21/09/80, e a cidade teve todo o seu
Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se
de fato notório, conhecido pela apelante e
por qualquer pessoa, de forma que não se
pode afirmar que o processo de tombamento
do Conjunto Arquitetônico do referido
Lumen Juris, 2011, p. 734.
34
Município seja um documento indispensável
para a propositura da presente ação civil
pública. - O imóvel que faz parte do
Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e
integra o Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural da cidade, deve ser conservado por
seu proprietário, e qualquer obra de reparo
de tal bem deve ser precedida de
autorização do IPHAN, sob pena de
demolição. (Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/
Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/
Relator: Desembargador Moreira Diniz/
Julgado em 12.06.2008/ Publicado em
26.06.2008).
Ementa: Ação popular. Instalação de
quiosques no entorno de praças municipais.
Tombamento preservado. Inocorrência de
ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O
fato de as praças municipais serem
tombadas, como partes do Patrimônio
Histórico e Cultural do Município de
Paraisópolis, não podendo,
consequentemente, serem ocupadas ou
restringidas em sua área, para outras
finalidades (Lei Municipal n. 1.218/89) não
impede a instalação, ao arredor delas, de
quiosques de alimentação, porquanto o
tombamento se limitou às praças, e não ao
entorno delas. Assim, não há ofensa ao
patrimônio ambiental cultural. A instalação
dos referidos quiosques não configura abalo
de ordem ambiental, visto que não houve
lesão aos recursos ambientais, com
consequente degradação - alteração adversa
- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais –
Quinta Câmara Cível/ Apelação
Cível/Reexame Necessário N°
1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:
Desembargadora Maria Elza/ Julgado em
03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).
35
É verificável que a proteção dos bens de
interesse cultural encontra respaldo na Constituição da
República Federativa do Brasil27, que impõe ao Estado o
dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais
e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,
nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto
de bens materiais e imateriais necessários à exata
compreensão dos vários aspectos ligados os grupos
formadores da sociedade brasileira”28. O Constituinte, ao
insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de
Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento e preservação.
“Independentemente do tombamento, o patrimônio
cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda
que precária - até definitiva solução da questão em exame
- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer
ação futura, pois a demolição é irreversível”29.
27 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 28 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735. 29 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de
36
Resta patentemente demonstrado que o
tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na
proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem
anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder
Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,
turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por
essa razão, devam ser preservados, de acordo com a
inscrição em livro próprio”30. O tombamento é um dos
institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio
histórico e artístico nacional, que implica na restrição
parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação
que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar
a proeminente natureza do instituto em comento, é
possível transcrever os arestos que se coadunam com as
ponderações estruturadas até o momento:
Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil
Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de
pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -
Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e
histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até
definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for
dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é
irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem
ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,
III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão
Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander
Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013. 30 MEIRELLES, 2012, p. 635.
37
Ementa: Constitucional e Administrativo.
Mandado de segurança. Imóvel. Valor
histórico e cultural. Declaração. Município.
Tombamento. Ordem de demolição.
Inviabilidade. São deveres do Poder público,
nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e
216, §1º, da Constituição Federal, promover
e proteger o patrimônio cultural, artístico e
histórico, por meio de tombamento e de
outras formas de acautelamento e
preservação, bem como impedir a evasão, a
destruição e a descaracterização de bens de
valor histórico, artístico e cultural.
Demonstrada, no curso do mandado de
segurança, a conclusão do procedimento
administrativo de tombamento do imóvel,
com declaração do seu valor histórico e
cultural pelo Município, inviável a
concessão de ordem para sua demolição.
Rejeita-se a preliminar e nega-se
provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais – Quarta
Câmara Cível/ Apelação Cível
1.0702.02.010330-6/001/ Relator:
Desembargador Almeida Melo/ Julgado em
15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).
Ementa: Tombamento - Patrimônio
Histórico e Cultural - Imóvel reputado de
valor histórico pelo município onde se
localiza - Competência Constitucional dele
para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o
Município, mediante tombamento, preserve
imóvel nele situado e que considere de valor
histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso
III, da Lei Fundamental da República, que
a ele - Município, atribui a competência
para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,
com seus hábitos e culturas próprios, cabe
aferir, atendidas as peculiaridades locais,
acerca do valor histórico-cultural de seu
38
patrimônio, com o escopo, inclusive, de
também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara
Cível/ Embargos Infringentes
1.0000.00.230571-2/001/ Relator:
Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado
em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)
O diploma infraconstitucional que versa acerca
do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro
de 193731, que organiza a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional, trazendo à baila as
disposições elementares e a fisionomia jurídica do
instituto do tombamento, inclusive no que toca aos
registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o
diploma ora aludido traça tão somente as disposições
gerais aplicáveis ao fato jurídico–administrativo do
tombamento. Entrementes, este se consumará por meio
de atos administrativos específicos, destinados a
propriedades determinadas, atento às particularidades e
peculiaridades do bem a ser tombado.
4.2 Natureza Jurídica
Acalorados são os debates que discutem a 31 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar.
2013.
39
natureza jurídica do instituto do tombamento,
entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata
de instrumento especial de intervenção restritiva do
Estado na propriedade privada32, dotado de fisionomia
própria e impassível de confusão com as demais espécies
de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e
específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações
administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso
da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a
natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar
como meio de intervenção do Estado, consistente na
restrição ao uso de propriedades determinadas.
No que se refere à natureza do ato, em que
pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele
vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara
distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos
do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve
apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio
cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto
o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo
distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele
constante. Entrementes, no que concerne à valoração da
qualificação do bem como de natureza histórica, artística,
32 Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 738.
40
cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua
proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é
privativa da Administração. “A escolha do bem de
patrimônio cultural que será tombado com precedência
aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e
oportunidade, e não é passível de análise judicial”33.
Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta
as ponderações vertidas até o momento:
Ementa: Mandado de Segurança -
Tombamento de bem imóvel - Ilegitimidade
ativa - Constituição há menos de um ano -
Artigo 5º, LXX, alínea „b' da Constituição
Federal - Poder discricionário da
Administração para decretar o tombamento
- Processo extinto - Art. 267, VI do CPC. (...)
. O tombamento de prédio considerado de
interesse histórico, artístico ou cultural, é
33 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação
Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da
Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é
ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial
quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de
acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da
Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a
Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário
indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os
demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será
tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de
conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.
Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda
Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.
Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso
em 24 mar. 2013.
41
ato discricionário do Administrador, sendo
descabida a intervenção do Poder Judiciário
no processo de tombamento, quando não
demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo
improvido. (Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/
Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/
Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/
Julgado em 14.12.2004/ Publicado em
30.12.2004).
Ementa: Agravo. Liminar em mandado de
segurança. Tombamento de bem imóvel. O
poder discricionário da autoridade
administrativa vale, na medida em que o
ordenamento jurídico concede ao
administrador a prerrogativa de agir
movido pelos critérios de oportunidade e
conveniência, sopesados com parcimônia
para que o fim último seja alcançado.
Descabimento da intervenção do Judiciário
no processo de tombamento, indemonstrada,
""prima facia"", irregularidade no mesmo.
Agravo provido, para cassar a liminar.
(Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de
Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/
Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/
Julgado em 03.02.2004/ Publicado em
20.02.2004).
Da mesma forma, é cabível, ainda, a
observação de que o tombamento constitui um ato
administrativo, sendo imperioso, por via de
consequência, que apresente todos os elementos
necessários para materializar a moldura de legalidade. O
tombamento, enquanto instituto do direito
administrativo, não acarreta a produção de todo um
42
procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um
ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato
resulta necessariamente de procedimento administrativo
e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação.
Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação,
ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades
prévias.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
43
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 24
mar. 2013.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 24 mar. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
44
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 24 mar. 2013.
45
ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO TOMBAMENTO
AMBIENTAL COMO SUBSTANCIALIZAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA HERANÇA CULTURAL
Resumo: Cuida salientar que o meio ambiente
cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é
o resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
46
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio
ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,
é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Direitos
de Terceira Dimensão. Princípio da Herança Cultural.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: A construção
teórica da Ramificação Ambiental do Direito; 2
Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Anotações ao Instituto do
Tombamento Ambiental como Substancialização do
Princípio da Herança Cultural
47
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: A
CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA RAMIFICAÇÃO
AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não
mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
48
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”34. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural e robusta dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
primevo é assegurar que não haja uma vingança privada,
afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore
priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião
(“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar
que se concretize um cenário caracterizado por aspecto
caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
34 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01 mar.
2014.
49
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”35. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
50
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”36. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 13 mar. 2014. 36 VERDAN, 2009, s.p.
51
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”37. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
37 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 01 mar. 2014.
52
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade38.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
38 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.
53
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”39.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
39 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
54
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível40.
Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos
de terceira dimensão são impregnados densamente pelo
aspecto de solidariedade e fraternidade, extrapolando o
indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como
algo singular que reclama a adoção de direitos que
salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários
o gênero humano mesmo, num momento expressivo de 40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
55
sua afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”41. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198142,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
41 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
42 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
56
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de
Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
todas as suas formas”43.
Nesta senda, ainda, Fiorillo44, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
43 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 44 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
57
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
[...] o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal45.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar.
2014.
58
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”46.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198847 está abalizado em
46 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 47BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
59
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras [...] tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
60
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade48.
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao 48 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
61
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
62
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
63
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
Em tom de arremate, é possível destacar que a
incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresarias nem manter
dependência de motivações de âmago essencialmente
econômico, notadamente quando estiver presente a
atividade econômica, considerada as ordenanças
constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros
corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a
defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e
64
abrangente das noções de meio ambiente natural, de
meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial
(espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário
do desenvolvimento sustentável, além de estar
impregnando de aspecto essencialmente constitucional,
encontra guarida legitimadora em compromissos e
tratados internacionais assumidos pelo Estado
Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do
justo equilíbrio
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
65
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”49. Desta maneira, a proteção do patrimônio
cultural se revela como instrumento robusto da
sobrevivência da própria sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
49 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 01 mar. 2014, p.
15-16.
66
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”50. Quadra anotar, por imperioso, que os bens
compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem
tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;
preciosidades do passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
50 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
67
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
68
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”51. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
51 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 01 mar.
2014.
69
ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial
transmite-se de geração a geração e é constantemente
recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente”52, decorrendo, com destaque, da interação com
a natureza e dos acontecimentos históricos que
permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200053,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo54, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
52 BROLLO, 2006, p. 33. 53 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 54 BROLLO, 2006, p. 33.
70
Fiorillo55, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,
conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente
humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,
sendo dotado de valor especial, notadamente em
decorrência de produzir um sentimento de identidade no
grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
4 ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO
TOMBAMENTO AMBIENTAL COMO
SUBSTANCIALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
HERANÇA CULTURAL
Em uma primeira plana, cuida salientar que o
tombamento se apresenta como um dos instrumentos
utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar 55 FIORILLO, 2012, p. 80.
71
e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste
sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato
administrativo que visa à preservação do patrimônio
histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a
impedir a destruição ou descaracterização de bem a que
for atribuído valor histórico ou arquitetônico”56. Fiorillo
anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos
tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a
finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o
bem cultural”57. Desta sorte, a utilização do tombamento
como mecanismo de preservação e proteção do
patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à
cultura, substancializando verdadeiro instrumento de
tutela do meio ambiente.
56 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes
Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da
República. O tombamento é ato administrativo que visa à
preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das
cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem
a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se ressaltar
que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da Constituição
da República, é dever imposto a todos os entes federados. Órgão
Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Antônio
Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 57 FIORILLO, 2012, p. 428-429.
72
Com realce, o instituto em comento se revela,
em sede de direito administrativo, como um dos
instrumentos criados pelo legislador para combater a
deterioração do patrimônio cultural de um povo,
apresentando, em razão disso, maciça relevância no
cenário atual, notadamente em decorrência dos bens
tombados encerrarem períodos da história nacional ou,
mesmo, refletir os aspectos característicos e
identificadores de uma comunidade. À luz de tais
ponderações, é observável que a intervenção do Ente
Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural,
busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o
tombamento permite que o aspecto histórico seja
salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura
do povo e representa a fonte sociológica de identificação
de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos
existentes na atualidade. “A escolha do bem de
patrimônio cultural que será tombado com precedência
aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e
oportunidade, e não é passível de análise judicial”58.
58 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação
Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da
Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é
ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial
73
Desta feita, o proprietário não pode, em nome
de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre
seus bens, se estes se traduzem em interesse público por
atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,
científica, turística e paisagística. “São esses bens que,
embora permanecendo na propriedade do particular,
passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para
esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo
proprietário”59. Os exemplos de bens a serem tombados
são extremamente variados, sendo os mais comuns os
imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas
na história pátria, dos quais podem os estudiosos e
pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do
passado e desenvolver outros estudos com vistas a
proliferar a cultura do país. Além disso, é possível
quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de
acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da
Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a
Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário
indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os
demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será
tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de
conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.
Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda
Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.
Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso
em 01 mar. 2014. 59 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2011, p. 734.
74
evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou
até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais
do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister
se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam:
Ementa: Direito Constitucional - Direito
Administrativo - Apelação - Preliminar de
não conhecimento - Inovação Recursal -
Ausência de Documentos Indispensáveis
para propositura da Ação - Não
Configuração - Pedido de Assistência
Judiciária - Indeferimento - Ação Civil
Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e
Cultural - Edificação em imóvel localizado
no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -
Tombamento - Aprovação do IPHAN -
Inexistência. (...) - O Município de Ouro
Preto foi erigido a Monumento Nacional
pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e
inscrito pela UNESCO na lista do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em
21/09/80, e a cidade teve todo o seu
Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se
de fato notório, conhecido pela apelante e
por qualquer pessoa, de forma que não se
pode afirmar que o processo de tombamento
do Conjunto Arquitetônico do referido
Município seja um documento indispensável
para a propositura da presente ação civil
pública. - O imóvel que faz parte do
Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e
integra o Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural da cidade, deve ser conservado por
seu proprietário, e qualquer obra de reparo
de tal bem deve ser precedida de
autorização do IPHAN, sob pena de
demolição. (Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/
75
Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/
Relator: Desembargador Moreira Diniz/
Julgado em 12.06.2008/ Publicado em
26.06.2008).
Ementa: Ação popular. Instalação de
quiosques no entorno de praças municipais.
Tombamento preservado. Inocorrência de
ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O
fato de as praças municipais serem
tombadas, como partes do Patrimônio
Histórico e Cultural do Município de
Paraisópolis, não podendo,
consequentemente, serem ocupadas ou
restringidas em sua área, para outras
finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não
impede a instalação, ao arredor delas, de
quiosques de alimentação, porquanto o
tombamento se limitou às praças, e não ao
entorno delas. Assim, não há ofensa ao
patrimônio ambiental cultural. A instalação
dos referidos quiosques não configura abalo
de ordem ambiental, visto que não houve
lesão aos recursos ambientais, com
consequente degradação - alteração adversa
- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais –
Quinta Câmara Cível/ Apelação
Cível/Reexame Necessário N°
1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:
Desembargadora Maria Elza/ Julgado em
03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).
É verificável que a proteção dos bens de
interesse cultural encontra respaldo na Constituição da
República Federativa do Brasil60, que impõe ao Estado o
60 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
76
dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais
e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,
nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto
de bens materiais e imateriais necessários à exata
compreensão dos vários aspectos ligados os grupos
formadores da sociedade brasileira”61. O Constituinte, ao
insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de
Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento e preservação.
“Independentemente do tombamento, o patrimônio
cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda
que precária - até definitiva solução da questão em exame
- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer
ação futura, pois a demolição é irreversível”62.
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 61 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735. 62 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil
Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de
pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -
Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e
histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até
definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for
dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é
77
Resta patentemente demonstrado que o
tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na
proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem
anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder
Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,
turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por
essa razão, devam ser preservados, de acordo com a
inscrição em livro próprio”63. O tombamento é um dos
institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio
histórico e artístico nacional, que implica na restrição
parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação
que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar
a proeminente natureza do instituto em comento, é
possível transcrever os arestos que se coadunam com as
ponderações estruturadas até o momento:
Ementa: Constitucional e Administrativo.
Mandado de segurança. Imóvel. Valor
histórico e cultural. Declaração. Município.
Tombamento. Ordem de demolição.
Inviabilidade. São deveres do Poder público,
nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e
irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem
ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,
III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão
Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander
Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014. 63 MEIRELLES, 2012, p. 635.
78
216, §1º, da Constituição Federal, promover
e proteger o patrimônio cultural, artístico e
histórico, por meio de tombamento e de
outras formas de acautelamento e
preservação, bem como impedir a evasão, a
destruição e a descaracterização de bens de
valor histórico, artístico e cultural.
Demonstrada, no curso do mandado de
segurança, a conclusão do procedimento
administrativo de tombamento do im óvel,
com declaração do seu valor histórico e
cultural pelo Município, inviável a
concessão de ordem para sua demolição.
Rejeita-se a preliminar e nega-se
provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais – Quarta
Câmara Cível/ Apelação Cível
1.0702.02.010330-6/001/ Relator:
Desembargador Almeida Melo/ Julgado em
15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).
Ementa: Tombamento - Patrimônio
Histórico e Cultural - Imóvel reputado de
valor histórico pelo município onde se
localiza - Competência Constitucional dele
para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o
Município, mediante tombamento, preserve
imóvel nele situado e que considere de valor
histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso
III, da Lei Fundamental da República, que
a ele - Município, atribui a competência
para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,
com seus hábitos e culturas próprios, cabe
aferir, atendidas as peculiaridades locais,
acerca do valor histórico-cultural de seu
patrimônio, com o escopo, inclusive, de
também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara
Cível/ Embargos Infringentes
1.0000.00.230571-2/001/ Relator:
Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado
em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)
79
O diploma infraconstitucional que versa acerca
do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro
de 193764, que organiza a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional, trazendo à baila as
disposições elementares e a fisionomia jurídica do
instituto do tombamento, inclusive no que toca aos
registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o
diploma ora aludido traça tão somente as disposições
gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do
tombamento. Entrementes, este se consumará por meio
de atos administrativos específicos, destinados a
propriedades determinadas, atento às particularidades e
peculiaridades do bem a ser tombado.
Assentadas estas ponderações, cuida salientar
que o tombamento ambiental configura clara
materialização do corolário da herança cultural, o qual,
conforme construção de Michael Decleris65, coloca em
especial atenção a imperiosa necessidade de se ofertar,
64 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar.
2014. 65 DECLERIS, Michael. The Law of sustainable development:
general principles. Disponível em: <http://www.pikpotsdam.de>.
Acesso em 01 mar. 2014, p. 113-115.
80
por meio de institutos robustos, preservar os mais
importantes conjuntos feitos pelo homem, alcançando,
pois, os singulares monumentos, conjuntos
arquitetônicos e sítios arqueológicos. Com efeito, em sede
de desenvolvimento, em nível cultural da humanidade,
uma vez que por meio daquele que o homem adquire a
sua adaptação ao meio ambiente natural. Cuida anotar
que o princípio da herança cultural visa assegurar a
estabilidade e a continuidade histórica da espécie
humana, logo, admitir situações diversas coloca em risco
a identidade cultural dos povos. Assim, o corolário da
herança cultural e do patrimônio natural são as
condições para a estabilidade dinâmica (equilíbrio) e
interdependência dos ecossistemas e sistemas em seu
desenvolvimento perene ao longo do tempo pelo homem.
Ao lado disso, a consciência da relação entre os
dois princípios é relativamente recente, enquanto o
interesse do homem na preservação da memória do seu
passado histórico recebeu maior proeminência na
contemporaneidade, tanto em esfera nacional, como na
órbita internacional. Além disso, a proteção do
patrimônio cultural, compreendendo os monumentos,
conjuntos arquitetônicos e sítios, deve ser completa e
deve apresentar um objetivo importante no ordenamento
81
do território da cidade. De igual modo, o regime jurídico
de proteção deve ser eficaz, ou seja, incorpora os
controles e equilíbrios adequados para assegurar que o
monumento protegido, não permitindo que seja alterado,
demolido ou destruído. Da mesma maneira, o meio
ambiente cultural reclama proteção contra grande perigo
ambiental e danos pela poluição, assim como é
imprescindível um ambiente de alta qualidade tem de ser
mantido na área em torno de monumentos e conjuntos
arquitetônicos e dentro dos sítios arqueológicos. Neste
sentido, o Supremo Tribunal Federal já consagrou visão:
Ementa: Recurso Extraordinário. Limitação
administrativa. Prédio urbano: Patrimônio
Cultural e Ambiental do Bairro Cosme Velho.
Decreto Municipal 7.046/87. Competência e
legalidade. 1. Prédio urbano elevado à
condição de patrimônio cultural. Decreto
Municipal 7.046/87. Legalidade. Limitação
administrativa genérica, gratuita e unilateral
ao exercício do direito de propriedade, em prol
da memória da cidade. Inexistência de ofensa
à Carta Federal. 2. Conservação do patrimônio
cultural e paisagístico. Encargo conferido pela
Constituição (EC 01/69, artigo 15, II) ao Poder
Público, dotando-o de competência para, na
órbita de sua atuação, coibir excessos que, se
consumados, poriam em risco a estrutura das
utilidades culturais e ambientais. Poder-
dever de polícia dos entes estatais na
expedição de normas administrativas que
visem a preservação da ordem ambiental e da
política de defesa do patrimônio cultural.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
82
(Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/
RE 121.140/ Relator: Ministro Maurício
Corrêa/ Julgado em 26.02.2002/ Publicado
no DJ em 23.08.2002).
Mesmo sendo insipiente a temática no Direito
Brasileiro, de maneira indireta, o princípio da herança
cultural vem recebendo, de modo paulatino, consagração
no entendimento jurisprudencial. Neste sentido, o
Superior Tribunal de Justiça já se manifestou que “a
grave crise habitacional que continua a afetar o Brasil
não será resolvida, nem seria inteligente que se resolvesse,
com o aniquilamento do patrimônio histórico-cultural
nacional. Ricos e pobres, cultos e analfabetos, somos todos
sócios na titularidade do que sobrou de tangível e
intangível da nossa arte e história como Nação” (Extraído
do Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp
808.708/RJ/ Relator: Ministro Herman Benjamin/
Julgado em 18.08.2009/ Publicado no DJe em
04.05.2011). Logo, em se tratando de patrimônio cultural,
mutilá-lo ou destruí-lo a pretexto de dar casa e abrigo a
uns poucos corresponde a deixar milhões de outros sem
teto e, ao mesmo tempo, sem a memória e a herança do
passado para narrar e passar a seus descendentes.
83
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 01
84
mar. 2014.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 01 mar. 2014.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
DECLERIS, Michael. The Law of sustainable
development: general principles. Disponível em:
<http://www.pikpotsdam.de>. Acesso em 01 mar. 2014.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
85
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 01 mar. 2014.
86
O INSTITUTO DO REGISTRO ENQUANTO
INSTRUMENTO PARA A PRESERVAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE CULTURAL
Resumo: Inicialmente, necessário faz-se destacar que
o registro de bem cultural de natureza imaterial, para
que seja considerado válido e legítimo, exige a
existência de consonância com o ordenamento jurídico
vigente. Nesta esteira, o Texto Constitucional
consagra em seu bojo a definição acercam de quais
bens constituem o patrimônio cultural brasileiro,
estabelecendo, por via de consequência, as normas de
proteção a esse patrimônio, consoante afixa a redação
do artigo 216. Denota-se, desde modo, que o
dispositivo supracitado faz clara menção aos bens
portadores de identidade, ação e memória dos
diferentes grupos da sociedade brasileira. Desta feita,
é possível salientar que a Carta de Outubro de 1988
não estrutura a sociedade brasileira como um todo
homogêneo, mas como uma sociedade multifacetada,
87
constituída por diferentes grupos, cada um portador
de identidades e de modos de criar, fazer e viver
específicos. Com efeito, o posicionamento é dotado de
proeminência na medida em que o Texto
Constitucional, com clareza solar, sublinha que o seu
interesse não está centrado apenas em proteger
objetos materiais que gozem valor acadêmico, mas
também os bens de natureza material ou imaterial
portadores de referência à identidade de cada grupo
formador da sociedade brasileira. Ora, cada um dos
diversos grupos, assim como seus modos de fazer,
criar e viver, é objetivo de proteção conferida pelo
Ente Estatal.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Registro.
Patrimônio Imaterial
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica do Direito Ambiental; 2
Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 O Instituto do Registro enquanto
Instrumento para a preservação do Meio Ambiente
Cultural
88
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: CONSIDERAÇÕES
INAUGURAIS À EDIFICAÇÃO DA RAMIFICAÇÃO
AMBIENTAL DA CIÊNCIA JURÍDICA
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais
subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
89
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”66. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
66 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 mai.
2013.
90
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”67. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
67 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
26 mai. 2013.
91
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”68. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 68 VERDAN, 2009, s.p.
92
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”69. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
69 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 26 mai. 2013.
93
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade70.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”71.
70 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 71 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
94
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
95
essencialmente inexaurível72.
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”73. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais.
72 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013. 73 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
96
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198174,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de
Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
74 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
97
todas as suas formas”75.
Nesta senda, ainda, Fiorillo76, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
[...] o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
75 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 76 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
98
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal77.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
77 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai.
2013.
99
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”78.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198879 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
78 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 79 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
100
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade80.
80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
101
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
102
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
103
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
104
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
105
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”81. Desta maneira, cuida reconhecer que a
proteção do patrimônio cultural se revela como
instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
81 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 26 mai. 2013, p.
15-16.
106
ambiental”82. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
82 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
107
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de
dunas que encobriam sítios arqueológicos
deve indenizar pelos prejuízos causados ao
meio ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
108
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”83. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
83 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 26 mai.
2013.
109
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”84, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister
que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200085, que
institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo86, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
84 BROLLO, 2006, p. 33. 85 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013. 86 BROLLO, 2006, p. 33.
110
Fiorillo87, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente
cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-
ambiente humano em razão do aspecto cultural que o
caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente
em decorrência de produzir um sentimento de identidade
no grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana. Ora, ao se
debruçar sobre o patrimônio imaterial, verifica-se que
este se encontra “enraizado no cotidiano das
comunidades e vinculado ao seu território e às suas
condições materiais de existência”88. Ora, trata-se de
patrimônio material que é transmitido de geração em
geração, sendo, constantemente, recriado e apropriado
87 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 80.
88 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov. br>. Acesso em 19 jul.2013.
111
por indivíduos e grupos sociais como importantes
elementos estruturantes de sua identidade.
4 PONDERAÇÕES À PROEMINÊNCIA DO
INSTITUTO DO REGISTRO COMO MECANISMO
DE PRESERVAÇÃO DOS BENS CULTURAIS
IMATERIAIS: SINGELAS EXPLICITAÇÕES
Em sede de anotações introdutórias, cuida
anotar que o registro do bem cultural de natureza
imaterial, para ser considerado válido e legítimo,
reclama harmonia com o ordenamento jurídico vigente.
Com efeito, o Texto Constitucional consagra em seu bojo
a definição acercam de quais bens constituem o
patrimônio cultural brasileiro, estabelecendo, por via de
consequência, as normas de proteção a esse patrimônio,
consoante afixa a redação do artigo 21689. É verificável
89 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013: “Art.
216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e
viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios
112
que o dispositivo em comento faz expressa referência aos
bens portadores de identidade, ação e memória dos
diferentes grupos da sociedade brasileira. Desta feita, é
possível salientar que a Carta de Outubro de 1988 não
estrutura a sociedade brasileira como um todo
homogêneo, mas como uma sociedade multifacetada,
constituída por diferentes grupos, cada um portador de
identidades e de modos de criar, fazer e viver específicos.
Com efeito, o posicionamento é dotado de
proeminência na medida em que o Texto Constitucional,
com clareza solar, sublinha que o seu interesse não está
centrado apenas em proteger objetos materiais que
gozem valor acadêmico, mas também os bens de natureza
material ou imaterial portadores de referência à
identidade de cada grupo formador da sociedade
brasileira. Ora, cada um dos diversos grupos, assim como
seus modos de fazer, criar e viver, é objetivo de proteção
conferida pelo Ente Estatal. Ao lado disso, a Carta de
1988 apresenta característico forte os ideais republicanos
e democráticos, refletindo em todas as matérias nela
versadas esses corolários, até mesmo porque estrutura-se
como escopo fundamental entalhado na Constituição o de
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico”.
113
edificar uma sociedade livre, justa e solidária. Desta
feita, a concepção em testilha informa a maneira por
meio da qual o Estado deve proteger e promover a
cultura. Ademais, ao tratar da política cultural e da
democracia cultural, José Afonso da Silva assinala:
A questão da política cultural está
exatamente no equilíbrio que se há de
perseguir entre um Estado que imponha
uma cultura oficial e a democracia cultural.
A concepção de um Estado Cultural no
sentido de um Estado que sustente uma
cultura oficial não atende, certamente, a
uma concepção de democracia cultural. A
Constituição, como já deixamos expresso
antes, não deixa dúvidas sobre o tema, visto
que garante a liberdade de criação, de
expressão e de acesso às fontes da cultura
nacional. Isso significa que não pode haver
cultura imposta, que o papel do Poder
Público deve ser o de favorecer a livre
procura das manifestações culturais, criar
condições de acesso popular à cultura,
prover meios para que a difusão cultural se
funda nos critérios de igualdade. A
democracia cultural pode-se apresentar sob
três aspectos: por um lado, não tolher a
liberdade de criação, expressão e de acesso à
cultura, por qualquer forma de
constrangimento ou de restrição oficial;
antes, criar, condições para a efetivação
dessa liberdade num clima de igualdade;
por outro lado, favorecer o acesso à cultura e
o gozo dos bens culturais à massa da
população excluída90.
90 SILVA, José Afonso da. Ordenação Constitucional da
Cultura. 1 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998, p. 209-210.
114
Nesta linha, ainda, cuida mencionar que a
ação cultural pública se apresenta como absolutamente
imprescindível à democratização da cultura, sendo
considerada como o procedimento que propiciai a
convergência e o alargamento do público, tal como a
extensão do fenômeno de comunicação artístico,
consoante o ideário de que a política cultural é,
juntamente com a política social, um dos modos
utilizados pelo Estado contemporâneo para assegurar
sua legitimação, ou seja, para oferecer como um Estado
que vela por todos e que vale para todos. Ao lado disso,
em razão da proteção cultural se fazer conjuntamente
com o Estado e a sociedade, pode-se destacar que o Texto
Constitucional afixou que o Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, lançando mão, para tanto,
de inventários, registros e tombamentos, além de outras
formas de acautelamento e preservação.
Infere-se que, dentre os instrumentos previstos
para se proteger os bens culturais brasileiros, encontra-
se o instituto do registro, o qual se encontra
regulamentado pelo Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
115
200091, que institui o Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências. Imperioso se faz
assinalar que a criação do instituto do registro está
vinculada a diversos movimentos em defesa de uma
compreensão mais ampla no que se refere ao patrimônio
cultural brasileiro. “No Brasil, a publicação do Decreto
3.551/2000, insere-se numa trajetória a que se vinculam
as figuras emblemáticas de Mário de Andrade e de
Aloísio Magalhães, mas em que se incluem também as
sociedades de folcloristas, os movimentos negros e de
defesa dos direitos indígenas”92, como bem observa Maria
Cecília Londres Fonseca. Igualmente, o instituto em
comento reflete as reivindicações dos grupos de
descendentes de imigrantes das mais diversas
procedências, alcançando, desta maneira, os “excluídos”
do cenário do patrimônio cultural brasileiro, estruturada
91 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013. 92 FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por
uma concepção ampla do patrimônio cultural in: ABREU, Regina;
CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios
contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 62.
116
a partir de 1937.
Nesta esteira, evidencia-se que o registro tem
por finalidade reconhecer e valorizar bens da natureza
imaterial em seu processo dinâmico de evolução,
viabilizando uma apreensão do contexto pretérito e
presente dessas manifestações em suas distintas versões.
Márcia Sant‟Anna, ao discorrer acerca do instituto em
comento, coloca em realce que “não é um instrumento de
tutela e acautelamento análogo ao tombamento, mas um
recurso de reconhecimento e valorização do patrimônio
imaterial, que pode também ser complementar a este”93.
Ora, neste cenário, o registro corresponde à identificação
e à produção de conhecimento acerca do bem cultural de
natureza imaterial, equivalendo a documentar, pelos
meios técnicos mais adequados, o passado e o presente
dessas manifestações, em suas plurais facetas,
possibilitando, a partir de uma fluidez das relações, o
amplo acesso ao público. Nesta perspectiva, o escopo é
manter o registro da memória dos bens culturais e de sua
trajetória no tempo, eis que este é o mecanismo apto a
assegurar a sua preservação.
93 SANT‟ANNA, Márcia. A face imaterial do patrimônio cultural: os
novos instrumentos de reconhecimento e valorização in: ABREU,
Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios
contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 52.
117
Em razão da dinamicidade dos processos
culturais dinâmicos, as mencionadas manifestações
desbordam em uma concepção de preservação diversa
daquela da prática ocidental, não podendo ser alicerçada
em seus conceitos de permanência e autenticidade. Os
bens culturais de natureza imaterial, a partir do
esposado, são emoldurados por uma dinâmica de
desenvolvimento e transformação que não pode ser
engessado nesses conceitos, sendo mais importante, nas
situações concretas, o registro e a documentação do que
intervenção, restauração e conservação. Acrescente-se,
ainda, que os bens escolhidos para registro serão
inscritos em livros denominados: (i) Livro de registros
dos saberes, no qual serão registrados os conhecimentos
e modo de fazer; (ii) Livro das formas de expressão, o
qual conterá as manifestações literárias, musicais,
plásticas, cênicas e lúdicas; (iii) Livro dos lugares, no
qual se inscreverá as manifestações de espaços em que se
concentram ou mesmo reproduzem práticas culturais
coletivas; e, (iv) Livro das celebrações, no qual serão
lavradas as festas, rituais e folguedos, consoante afixa o
Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200094, que institui
94 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o
118
o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que
constituem o patrimônio cultural brasileiro, cria o
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras
providências.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
_________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
_________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
_________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
119
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
_________. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
_________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
_________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 26
mai. 2013.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 26 mai. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e
cal: por uma concepção ampla do patrimônio cultural in:
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e
patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de
120
Janeiro: DP&A, 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
SANT‟ANNA, Márcia. A face imaterial do patrimônio
cultural: os novos instrumentos de reconhecimento e
valorização in: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.).
Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
_________. Ordenação Constitucional da Cultura. 1
ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
121
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 26 mai. 2013.
122
UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS INSTITUTOS
DO REGISTRO E DI TOMBAMENTO:
SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES DOS
INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE CULTURAL
Resumo: Inicialmente, necessário faz-se destacar que o
registro de bem cultural de natureza imaterial, para que
seja considerado válido e legítimo, exige a existência de
consonância com o ordenamento jurídico vigente. Nesta
esteira, o Texto Constitucional consagra em seu bojo a
definição acercam de quais bens constituem o patrimônio
cultural brasileiro, estabelecendo, por via de
consequência, as normas de proteção a esse patrimônio,
consoante afixa a redação do artigo 216. Denota-se,
desde modo, que o dispositivo supracitado faz clara
menção aos bens portadores de identidade, ação e
memória dos diferentes grupos da sociedade brasileira.
Desta feita, é possível salientar que a Carta de Outubro
de 1988 não estrutura a sociedade brasileira como um
123
todo homogêneo, mas como uma sociedade
multifacetada, constituída por diferentes grupos, cada
um portador de identidades e de modos de criar, fazer e
viver específicos. Com efeito, o posicionamento é dotado
de proeminência na medida em que o Texto
Constitucional, com clareza solar, sublinha que o seu
interesse não está centrado apenas em proteger objetos
materiais que gozem valor acadêmico, mas também os
bens de natureza material ou imaterial portadores de
referência à identidade de cada grupo formador da
sociedade brasileira. Ora, cada um dos diversos grupos,
assim como seus modos de fazer, criar e viver, é objetivo
de proteção conferida pelo Ente Estatal.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Registro.
Tombamento.
Sumário: 1 Notas Introdutórias: Considerações
Inaugurais à Edificação da Ramificação Ambiental da
Ciência Jurídica; 2 Comentários à concepção de Meio
Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural:
Aspectos Introdutórios; 4 Aspectos Gerais do Instituto
do Registro; 5 O Instituto do Tombamento em exame; 6
Uma Análise comparativa dos Institutos do Registro e
do Tombamento: Semelhanças e Distinções dos
Instrumentos de Preservação do Meio Ambiente
Cultural
124
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS: CONSIDERAÇÕES
INAUGURAIS À EDIFICAÇÃO DA RAMIFICAÇÃO
AMBIENTAL DA CIÊNCIA JURÍDICA
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
125
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”95. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
95 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 19 jul.
2013.
126
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”96. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
19 jul. 2013.
127
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”97. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 97 VERDAN, 2009, s.p.
128
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”98. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
98 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 19 jul. 2013.
129
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade99.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”100.
99 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 100 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
130
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
131
essencialmente inexaurível101.
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”102. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais.
101 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 102 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
132
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981103,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de
Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
103 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
133
todas as suas formas”104.
Nesta senda, ainda, Fiorillo105, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
[...] o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
104 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 105 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
134
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal106.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
106 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
135
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”107.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988108 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
107 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 108 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
136
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade109.
109 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
137
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
138
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
139
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
140
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
141
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”110. Desta maneira, cuida reconhecer que a
proteção do patrimônio cultural se revela como
instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
110 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 19 jul. 2013, p.
15-16.
142
ambiental”111. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
111 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
143
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de
dunas que encobriam sítios arqueológicos
deve indenizar pelos prejuízos causados ao
meio ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
144
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”112. Esses aspectos
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
112 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 19 jul.
2013.
145
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”113, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister
que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000114, que
institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo115, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo116,
113 BROLLO, 2006, p. 33. 114 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 115 BROLLO, 2006, p. 33. 116 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
146
que os bens que constituem o denominado patrimônio
cultural consistem na materialização da história de um
povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação
de seus valores culturais, os quais têm o condão de
substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos
insertos em uma determinada comunidade. No mais,
necessário faz-se salientar que o meio-ambiente cultural,
conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente
humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,
sendo dotado de valor especial, notadamente em
decorrência de produzir um sentimento de identidade no
grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana. Ora, ao se
debruçar sobre o patrimônio imaterial, verifica-se que
este se encontra “enraizado no cotidiano das
comunidades e vinculado ao seu território e às suas
condições materiais de existência”117. Ora, trata-se de
patrimônio material que é transmitido de geração em
geração, sendo, constantemente, recriado e apropriado
por indivíduos e grupos sociais como importantes
elementos estruturantes de sua identidade.
Editora Saraiva, 2012, p. 80.
117 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
147
4 ASPECTOS GERAIS DO INSTITUTO DO
REGISTRO
Em sede de anotações introdutórias, cuida
anotar que o registro do bem cultural de natureza
imaterial, para ser considerado válido e legítimo,
reclama harmonia com o ordenamento jurídico vigente.
Com efeito, o Texto Constitucional consagra em seu bojo
a definição acercam de quais bens constituem o
patrimônio cultural brasileiro, estabelecendo, por via de
consequência, as normas de proteção a esse patrimônio,
consoante afixa a redação do artigo 216118. É verificável
que o dispositivo em comento faz expressa referência aos
bens portadores de identidade, ação e memória dos
diferentes grupos da sociedade brasileira. Desta feita, é
possível salientar que a Carta de Outubro de 1988 não
118 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013: “Art. 216.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e
viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico”.
148
estrutura a sociedade brasileira como um todo
homogêneo, mas como uma sociedade multifacetada,
constituída por diferentes grupos, cada um portador de
identidades e de modos de criar, fazer e viver específicos.
Com efeito, o posicionamento é dotado de
proeminência na medida em que o Texto Constitucional,
com clareza solar, sublinha que o seu interesse não está
centrado apenas em proteger objetos materiais que
gozem valor acadêmico, mas também os bens de natureza
material ou imaterial portadores de referência à
identidade de cada grupo formador da sociedade
brasileira. Ora, cada um dos diversos grupos, assim como
seus modos de fazer, criar e viver, é objetivo de proteção
conferida pelo Ente Estatal. Ao lado disso, a Carta de
1988 apresenta característico forte os ideais republicanos
e democráticos, refletindo em todas as matérias nela
versadas esses corolários, até mesmo porque estrutura-se
como escopo fundamental entalhado na Constituição o de
edificar uma sociedade livre, justa e solidária. Desta
feita, a concepção em testilha informa a maneira por
meio da qual o Estado deve proteger e promover a
cultura. Ademais, ao tratar da política cultural e da
democracia cultural, José Afonso da Silva assinala:
149
A questão da política cultural está
exatamente no equilíbrio que se há de
perseguir entre um Estado que imponha
uma cultura oficial e a democracia cultural.
A concepção de um Estado Cultural no
sentido de um Estado que sustente uma
cultura oficial não atende, certamente, a
uma concepção de democracia cultural. A
Constituição, como já deixamos expresso
antes, não deixa dúvidas sobre o tema, visto
que garante a liberdade de criação, de
expressão e de acesso às fontes da cultura
nacional. Isso significa que não pode haver
cultura imposta, que o papel do Poder
Público deve ser o de favorecer a livre
procura das manifestações culturais, criar
condições de acesso popular à cultura,
prover meios para que a difusão cultural se
funda nos critérios de igualdade. A
democracia cultural pode-se apresentar sob
três aspectos: por um lado, não tolher a
liberdade de criação, expressão e de acesso à
cultura, por qualquer forma de
constrangimento ou de restrição oficial;
antes, criar, condições para a efetivação
dessa liberdade num clima de igualdade;
por outro lado, favorecer o acesso à cultura e
o gozo dos bens culturais à massa da
população excluída119.
Nesta linha, ainda, cuida mencionar que a
ação cultural pública se apresenta como absolutamente
imprescindível à democratização da cultura, sendo
considerada como o procedimento que propiciai a
convergência e o alargamento do público, tal como a
119 SILVA, José Afonso da. Ordenação Constitucional da
Cultura. 1 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998, p. 209-210.
150
extensão do fenômeno de comunicação artístico,
consoante o ideário de que a política cultural é,
juntamente com a política social, um dos modos
utilizados pelo Estado contemporâneo para assegurar
sua legitimação, ou seja, para oferecer como um Estado
que vela por todos e que vale para todos. Ao lado disso,
em razão da proteção cultural se fazer conjuntamente
com o Estado e a sociedade, pode-se destacar que o Texto
Constitucional afixou que o Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, lançando mão, para tanto,
de inventários, registros e tombamentos, além de outras
formas de acautelamento e preservação.
Infere-se que, dentre os instrumentos previstos
para se proteger os bens culturais brasileiros, encontra-
se o instituto do registro, o qual se encontra
regulamentado pelo Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000120, que institui o Registro de Bens Culturais de
Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
120 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui
o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
o patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
151
Imaterial e dá outras providências. Imperioso se faz
assinalar que a criação do instituto do registro está
vinculada a diversos movimentos em defesa de uma
compreensão mais ampla no que se refere ao patrimônio
cultural brasileiro. “No Brasil, a publicação do Decreto
3.551/2000, insere-se numa trajetória a que se vinculam
as figuras emblemáticas de Mário de Andrade e de
Aloísio Magalhães, mas em que se incluem também as
sociedades de folcloristas, os movimentos negros e de
defesa dos direitos indígenas”121, como bem observa
Maria Cecília Londres Fonseca. Igualmente, o instituto
em comento reflete as reivindicações dos grupos de
descendentes de imigrantes das mais diversas
procedências, alcançando, desta maneira, os “excluídos”
do cenário do patrimônio cultural brasileiro, estruturada
a partir de 1937.
Nesta esteira, evidencia-se que o registro tem
por finalidade reconhecer e valorizar bens da natureza
imaterial em seu processo dinâmico de evolução,
viabilizando uma apreensão do contexto pretérito e
presente dessas manifestações em suas distintas versões.
121 FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por
uma concepção ampla do patrimônio cultural in: ABREU, Regina;
CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios
contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 62.
152
Márcia Sant‟Anna, ao discorrer acerca do instituto em
comento, coloca em realce que “não é um instrumento de
tutela e acautelamento análogo ao tombamento, mas um
recurso de reconhecimento e valorização do patrimônio
imaterial, que pode também ser complementar a este”122.
Ora, neste cenário, o registro corresponde à identificação
e à produção de conhecimento acerca do bem cultural de
natureza imaterial, equivalendo a documentar, pelos
meios técnicos mais adequados, o passado e o presente
dessas manifestações, em suas plurais facetas,
possibilitando, a partir de uma fluidez das relações, o
amplo acesso ao público. Nesta perspectiva, o escopo é
manter o registro da memória dos bens culturais e de sua
trajetória no tempo, eis que este é o mecanismo apto a
assegurar a sua preservação.
Em razão da dinamicidade dos processos
culturais dinâmicos, as mencionadas manifestações
desbordam em uma concepção de preservação diversa
daquela da prática ocidental, não podendo ser alicerçada
em seus conceitos de permanência e autenticidade. Os
bens culturais de natureza imaterial, a partir do
122 SANT‟ANNA, Márcia. A face imaterial do patrimônio cultural: os
novos instrumentos de reconhecimento e valorização in: ABREU,
Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios
contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 52.
153
esposado, são emoldurados por uma dinâmica de
desenvolvimento e transformação que não pode ser
engessado nesses conceitos, sendo mais importante, nas
situações concretas, o registro e a documentação do que
intervenção, restauração e conservação. Acrescente-se,
ainda, que os bens escolhidos para registro serão
inscritos em livros denominados: (i) Livro de registros
dos saberes, no qual serão registrados os conhecimentos
e modo de fazer; (ii) Livro das formas de expressão, o
qual conterá as manifestações literárias, musicais,
plásticas, cênicas e lúdicas; (iii) Livro dos lugares, no
qual se inscreverá as manifestações de espaços em que se
concentram ou mesmo reproduzem práticas culturais
coletivas; e, (iv) Livro das celebrações, no qual serão
lavradas as festas, rituais e folguedos, consoante afixa o
Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000123, que
institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem o patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências.
123 BRASIL. Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui
o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
o patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
154
5 O INSTITUTO DO TOMBAMENTO EM EXAME
Em sede de comentários inaugurais, cuida
salientar que o tombamento se apresenta como a forma
de intervenção na propriedade, por meio da qual o Poder
Público objetiva proteger o patrimônio cultural
brasileiro. Neste sentido, já firmou entendimento o
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o
tombamento é ato administrativo que visa à preservação
do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades,
de modo a impedir a destruição ou descaracterização de
bem a que for atribuído valor histórico ou
arquitetônico”124. Com realce, o instituto em comento se
revela, em sede de direito administrativo, como um dos
instrumentos criados pelo legislador para combater a
124 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes
Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da
República. O tombamento é ato administrativo que visa à
preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das
cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de
bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se
ressaltar que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da
Constituição da República, é dever imposto a todos os entes
federados. Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator:
Desembargador Antônio Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008.
Publicado em 29.09.2008. Disponível em: <www.tjmg.jus.br>.
Acesso em 19 jul. 2013.
155
deterioração do patrimônio cultural de um povo,
apresentando, em razão disso, maciça relevância no
cenário atual, notadamente em decorrência dos bens
tombados encerrarem períodos da história nacional ou,
mesmo, refletir os aspectos característicos e
identificadores de uma comunidade. É cediço que quando
o Estado intervém na propriedade privada para proteger
o patrimônio cultural, busca preservar a memória
nacional. Ao lado disso, o instituto em comento permite
que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que
constitui parte da própria cultura do povo e representa a
fonte sociológica de identificação de vários fenômenos
sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade.
Como a Desembargadora Denise Oliveira Cezar já
manifestou visão, “a escolha do bem de patrimônio
cultural que será tombado com precedência aos demais se
relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e
não é passível de análise judicial”125.
125 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação
Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da
Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é
ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial
quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de
acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da
Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a
Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário
156
Desta feita, o proprietário não pode, em nome
de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre
seus bens, se estes se traduzem em interesse público por
atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,
científica, turística e paisagística. “São esses bens que,
embora permanecendo na propriedade do particular,
passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para
esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo
proprietário”126. Os exemplos de bens a serem tombados
são extremamente variados, sendo os mais comuns os
imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas
na história pátria, dos quais podem os estudiosos e
pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do
passado e desenvolver outros estudos com vistas a
proliferar a cultura do país. Além disso, é possível
evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou
até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais
do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister
se faz colacionar o aresto jurisprudencial que acena:
indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os
demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será
tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de
conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.
Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda
Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.
Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso
em 19 jul. 2013. 126 CARVALHO FILHO, 2011, p. 734.
157
Ementa: Direito Constitucional - Direito
Administrativo - Apelação - Preliminar de
não conhecimento - Inovação Recursal -
Ausência de Documentos Indispensáveis
para propositura da Ação - Não
Configuração - Pedido de Assistência
Judiciária - Indeferimento - Ação Civil
Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e
Cultural - Edificação em imóvel localizado
no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -
Tombamento - Aprovação do IPHAN -
Inexistência. - Embora a apelante tenha
feito diversas alegações que deixaram de ser
levantadas na contestação, foi questionada,
na apelação, parte da matéria tratada na
peça de defesa, além de terem sido
atacadas, em alguns pontos, questões
examinadas na sentença, de forma que não
se sustenta a preliminar de não
conhecimento do recurso. - O pedido de
assistência judiciária deve ser indeferido,
pois a apelante efetuou o preparo do
recurso, gerando não apenas presunção,
mas certeza de sua capacidade de custear a
demanda sem prejuízo do próprio sustento e
de familiares. Além disso, não foi juntada a
declaração de pobreza a que se refere a lei
1.060/50, o que leva ao indeferimento do
pedido. - O Município de Ouro Preto foi
erigido a Monumento Nacional pelo decreto
nº. 22.928, de 12/06/33, e inscrito pela
UNESCO na lista do Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural em 21/09/80, e a cidade
teve todo o seu Conjunto Arquitetônico
tombado. Trata-se de fato notório, conhecido
pela apelante e por qualquer pessoa, de
forma que não se pode afirmar que o
processo de tombamento do Conjunto
Arquitetônico do referido Município seja um
documento indispensável para a propositura
da presente ação civil pública. - O imóvel
158
que faz parte do Conjunto Arquitetônico de
Ouro Preto, e integra o Patrimônio Mundial,
Cultural e Natural da cidade, deve ser
conservado por seu proprietário, e qualquer
obra de reparo de tal bem deve ser
precedida de autorização do IPHAN, sob
pena de demolição. (Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara
Cível/ Apelação Cível 1.0461.03.010271-
3/001/ Relator: Desembargador Moreira
Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em
26.06.2008).
Ementa: Ação popular. Instalação de
quiosques no entorno de praças municipais.
Tombamento preservado. Inocorrência de
ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O
fato de as praças municipais serem
tombadas, como partes do Patrimônio
Histórico e Cultural do Município de
Paraisópolis, não podendo,
consequentemente, serem ocupadas ou
restringidas em sua área, para outras
finalidades (Lei Municipal n. 1.218/89) não
impede a instalação, ao arredor delas, de
quiosques de alimentação, porquanto o
tombamento se limitou às praças, e não ao
entorno delas. Assim, não há ofensa ao
patrimônio ambiental cultural. A instalação
dos referidos quiosques não configura abalo
de ordem ambiental, visto que não houve
lesão aos recursos ambientais, com
consequente degradação - alteração adversa
- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais –
Quinta Câmara Cível/ Apelação
Cível/Reexame Necessário N°
1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:
Desembargadora Maria Elza/ Julgado em
03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).
É verificável que a proteção dos bens de
159
interesse cultural encontra respaldo na Constituição da
República Federativa do Brasil127, que impõe ao Estado o
dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais
e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,
nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto
de bens materiais e imateriais necessários à exata
compreensão dos vários aspectos ligados os grupos
formadores da sociedade brasileira”128. O Constituinte,
ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de
Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento e preservação.
“Independentemente do tombamento, o patrimônio
cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda
que precária - até definitiva solução da questão em exame
- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer
ação futura, pois a demolição é irreversível”129.
127 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 128 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735.
129 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil
Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de
pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -
160
Resta patentemente demonstrado que o
tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na
proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem
anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder
Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,
turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por
essa razão, devam ser preservados, de acordo com a
inscrição em livro próprio”130. O tombamento é um dos
institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio
histórico e artístico nacional, que implica na restrição
parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação
que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar
a proeminente natureza do instituto em comento, é
possível transcrever os arestos que se coadunam com as
ponderações estruturadas até o momento:
Ementa: Constitucional e Administrativo.
Mandado de segurança. Imóvel. Valor
histórico e cultural. Declaração. Município.
Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e
histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até
definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for
dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é
irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem
ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,
III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão
Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander
Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013. 130 MEIRELLES, 2012, p. 635.
161
Tombamento. Ordem de demolição.
Inviabilidade. São deveres do Poder público,
nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e
216, §1º, da Constituição Federal, promover
e proteger o patrimônio cultural, artístico e
histórico, por meio de tombamento e de
outras formas de acautelamento e
preservação, bem como impedir a evasão, a
destruição e a descaracterização de bens de
valor histórico, artístico e cultural.
Demonstrada, no curso do mandado de
segurança, a conclusão do procedimento
administrativo de tombamento do imóvel,
com declaração do seu valor histórico e
cultural pelo Município, inviável a
concessão de ordem para sua demolição.
Rejeita-se a preliminar e nega-se
provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais – Quarta
Câmara Cível/ Apelação Cível
1.0702.02.010330-6/001/ Relator:
Desembargador Almeida Melo/ Julgado em
15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).
Ementa: Tombamento - Patrimônio
Histórico e Cultural - Imóvel reputado de
valor histórico pelo município onde se
localiza - Competência Constitucional dele
para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o
Município, mediante tombamento, preserve
imóvel nele situado e que considere de valor
histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso
III, da Lei Fundamental da República, que
a ele - Município, atribui a competência
para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,
com seus hábitos e culturas próprios, cabe
aferir, atendidas as peculiaridades locais,
acerca do valor histórico-cultural de seu
patrimônio, com o escopo, inclusive, de
também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara
Cível/ Embargos Infringentes
162
1.0000.00.230571-2/001/ Relator:
Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado
em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004).
O diploma infraconstitucional que versa acerca
do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro
de 1937131, que organiza a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional, trazendo à baila as
disposições elementares e a fisionomia jurídica do
instituto do tombamento, inclusive no que toca aos
registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o
diploma ora aludido traça tão somente as disposições
gerais aplicáveis ao fato jurídico–administrativo do
tombamento. Entrementes, este se consumará por meio
de atos administrativos específicos, destinados a
propriedades determinadas.
6 UMA ANÁLISE COMPARATIVA DOS
INSTITUTOS DO REGISTRO E DO
TOMBAMENTO: SEMELHANÇAS E DISTINÇÕES
DOS INSTRUMENTOS DE PRESERVAÇÃO DO
MEIO AMBIENTE CULTURAL
131 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul.
2013.
163
Em um primeiro momento, é possível salientar
que a distinção caracterizadora do tombamento e do
registro reside na premissa dos livros desse serem
denominados de “livro de registro”, ao passo que naquele
são nomeados de “livro do tombo”. “O tombamento
contém um controle público permanente do bem cultural,
através de autorizações e de sanções; no registro não há
esse sistema de controle ou de intervenção estatal na vida
do bem cultural”132, como bem aduz Paulo Affonso Leme
Machado. Com efeito, o instituto do tombamento deveria
ser mantido, de maneira exclusiva, como instrumento de
salvaguarda dos bens materiais, eis que não apenas em
decorrência da comprovada e específica eficácia, como
também porque é inadequado ao bem imaterial, o qual é,
por sua própria natureza, dotado de dinamicidade. Em
que pese argumentações contrárias, fato é que, mesmo
tratando-se de bens imateriais, o patrimônio cultural
reclama proteção do Poder Público, já que consolida a
identidade nacional.
Com destaque, tomba-se um bem que vindica
proteção eficaz e continua, ancorado pelo Poder Público,
como assegurador da salvaguarda do meio ambiente
132 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. 21 ed. , rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros
Editores, 2013, p. 1.104.
164
cultural. Ao lado disso, a pretexto de que não haverá
necessidade de investimento público para a conservação
dos bens culturais de natureza imaterial não se pode
enfraquecer ou mesmo desestimular a política do
tombamento quando este, concretamente, se revelar
como mecanismo imperioso. Insta ponderar que no
registro haverá um comportamento do Poder Público de
promover a valorização e de promoção do bem registrado,
não pressupondo uma ajuda direta na existência do bem,
nem um controle pelo órgão público do patrimônio
cultural. Nesta perspectiva, diante das molduras
estruturantes de ambos os institutos, é possível salientar
que tombamento e registro aproximam-se em decorrência
dos procedimentos administrativos no plano federal, uma
vez que ambos tramitam pelo IPHAN e pelo Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
165
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
________. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 19
jul. 2013.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
166
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 19 jul. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
FONSECA, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e
cal: por uma concepção ampla do patrimônio cultural in:
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e
patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental
Brasileiro. 21 ed. , rev., atual e ampl. São Paulo:
Malheiros Editores, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
167
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
SANT‟ANNA, Márcia. A face imaterial do patrimônio
cultural: os novos instrumentos de reconhecimento e
valorização in: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.).
Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos.
Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
________. Ordenação Constitucional da Cultura. 1
ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1998.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 19 jul. 2013.
168
ANÁLISE DO INSTITUTO DO INVENTÁRIO COMO
INSTRUMENTO DE TUTELA E SALVAGUARDA DO
PATRIMÔNIO CULTURAL
Resumo: A cultura apresenta como traços
estruturantes elementos espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos, os quais caracterizam uma
sociedade ou, ainda, um grupo social determinado,
compreendendo, também, as artes e as letras, os
modos de vida, as maneiras de viver juntos, os
sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste
passo, é possível evidenciar que, em sede de meio
ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um
dos mais relevantes traços caracterizadores da
cultural, não somente para a presente e as futuras
gerações, viabilizando a compreensão da humanidade
e toda a sua evolução histórica. Ao lado disso, a
linguagem, enquanto manifestação cultural
estritamente atrelada à liberdade e à essência da vida
humana, pode ser considerada no plano jurídico como
169
bem cultural que confere concreção aos direitos
humanos e como axioma de sustentação do patrimônio
cultural. Ora, não é possível olvidar, em razão da
dinamicidade da vida contemporânea, tal como a
difusão de informações e assimilação de valores
diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos,
em razão da influência do ambiente, das interações
com a natureza e com a história. Neste aspecto, é
possível evidenciar que a tutela jurídica dispensada a
diversidade linguística, no cenário nacional, busca
preservar elementos estruturantes da identidade
pátria, tal como o patrimônio do meio ambiente
cultural.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.
Inventário. Tutela Jurídica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 3 Análise do Instituto do Inventário
como Instrumento de Tutela e Salvaguarda do
Patrimônio Cultural
170
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
171
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”133. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
133 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 21
jun.2014.
172
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”134. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
21 jun.2014.
173
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”135. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 135 VERDAN, 2009, s.p.
174
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”136. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
136 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 21 jun.2014.
175
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade137.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”138.
137 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 138 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
176
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun.2014.
177
essencialmente inexaurível139.
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”140. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais.
139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jun.2014. 140 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
178
2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”141. Desta maneira, cuida reconhecer que a
141 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
179
proteção do patrimônio cultural se revela como
instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”142. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 fev. 2014, p.
15-16. 142 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
180
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de
dunas que encobriam sítios arqueológicos
deve indenizar pelos prejuízos causados ao
meio ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
181
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”143. Esses aspectos
143 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
182
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”144, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 21
jun.2014. 144 BROLLO, 2006, p. 33.
183
que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000145, que
institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo146, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
Fiorillo147, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
145 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun.2014. 146 BROLLO, 2006, p. 33. 147 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 80.
184
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente
cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-
ambiente humano em razão do aspecto cultural que o
caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente
em decorrência de produzir um sentimento de identidade
no grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
3 ANÁLISE DO INSTITUTO DO INVENTÁRIO
COMO INSTRUMENTO DE TUTELA E
SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Em um primeiro momento, cuida reconhecer
que o artigo 216 da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988148 estabelece, de maneira
148 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun. 2014: “Art. 216.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e
viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as
obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados
às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios
185
exemplificativa, os institutos e procedimentos a serem
empregados em sede de tutela e salvaguarda do
patrimônio cultural, comportando o alargamento do rol
posto no texto constitucional. Nesta linha de exposição,
quadra ponderar que o instituto do inventário não possui
regulamentação infraconstitucional, de âmbito nacional,
que estipule normas concernentes aos seus efeitos. Ao
lado disso, não se pode olvidar que o Texto
Constitucional estabelece que é competência concorrente
da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal,
bem como dos Municípios dispor acerca de mecanismos e
instrumentos para proteger e salvaguardar o patrimônio
histórico, cultural, artístico, turísticos e paisagísticos.
Diante desse cenário, no qual se constata a
omissão da norma infraconstitucional federal em
estabelecer regramento que disponha acerca do
de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento
e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei,
a gestão da documentação governamental e as providências para
franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º - A lei
estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e
valores culturais. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural
serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os
documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos
antigos quilombos”.
186
inventário, na condição de instituto protetivo do
patrimônio cultural, poderão os demais entes federativos
legislar sobre a proteção e preservação de seus
patrimônios culturais. Nesta senda, o inventário, na
condição de instrumento de preservação e salvaguarda
cultural, consiste na identificação das características,
particularidades, histórico e relevância cultural,
objetivando dispensar a proteção dos bens culturais
materiais, públicos ou privados, devendo-se, para tanto,
adotar, no que tange à execução, critérios técnicos
objetivos e alicerçados de natureza histórica, artística,
arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica.
Nesta toada, quadra primar que inventariar significa
descrever, de maneira minuciosa, a relação e conjunto de
bens culturais. “O inventário, na seara patrimonial, é
instrumento de conhecimento de bens culturais, seja de
natureza material ou imaterial, que subsidia as políticas
de preservação do patrimônio cultural”149.
Há que se destacar, assim, que o inventário
dos bens culturais implica no levantamento minucioso e
149 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como
instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e
usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.
16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <
http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014, p. 121.
187
completo dos bens culturais, objetivando abarcar a
diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o
inventário é uma das atividades elementares para o
estabelecimento e priorização de ações dentro de uma
política volvida para a preservação e gestão do
patrimônio cultural, notadamente quando há que se
considerar que toda medida de proteção, intervenção e
valorização do patrimônio cultural reclama o prévio
conhecimento dos acervos existentes. Sobre a temática
colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda, em
seu magistério, explica:
Sob o ponto de vista prático o inventário
consiste na identificação e registro por meio
de pesquisa e levantamento das
características e particularidades de
determinado bem, adotando-se, para sua
execução, critérios técnicos objetivos e
fundamentados de natureza histórica,
artística, arquitetônica, sociológica,
paisagística e antropológica, entre outros.
Os resultados dos trabalhos de pesquisa
para fins de inventário são registrados
normalmente em fichas onde há a descrição
sucinta do bem cultural, constando
informações básicas quanto a sua
importância histórica, características
físicas, delimitação, estado de conservação,
proprietário etc150.
150 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como
instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural
brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:
188
A essência do inventário é o de apreciar o bem,
porquanto só se pode proteger aquilo que se conhece
fundamentando, inclusive, um posterior pedido de
tombamento. O pedido do tombado não é uma
consequência imediata, sendo possível, após o estudo
propiciado pelo instituto em comento, que determinado
bem não seja passível de tombamento, o que mostra a
incoerência de se atrelar ao inventário o efeito de
restrição da propriedade. Prima sublinhar que a
ausência de uma norma infraconstitucional
regulamentadora do instituto do inventário não obsta o
Poder Público utilizar-se de tal instrumento na condição
de fonte de conhecimento dos bens culturais alvos da
patrimonialização. De igual modo, é defeso falar em
produção da insegurança jurídica, eis que o inventário
encontra-se previsto constitucionalmente, afigurando-se
como prática corriqueira dos órgãos da preservação do
patrimônio. “O que gerará turbulência no ofício dos
gestores do patrimônio é a previsível relutância dos
proprietários de imóveis a ser inventariados de abrir suas
portas para o levantamento de dados desse bem cultural,
o que já acontece com os proprietários de imóveis
<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 21 jun. 2014.
189
tombados”151. Com propriedade, Miranda apresenta a
seguinte distinção:
O Inventário e o Tombamento não se
confundem. Trata-se de instrumentos de
efeitos absolutamente diversos, embora
ambos sejam institutos jurídicos
vocacionados para a proteção do patrimônio
cultural. O inventário é instituto de efeitos
jurídicos muito mais brandos do que o
tombamento, mostrando-se como uma
alternativa interessante para a proteção do
patrimônio cultural sem a necessidade
Administração Pública de se valer do obtuso
e, não raras vezes, impopular instrumento
do tombamento152.
Nesta linha, o tombamento, por mais que
ainda sobrepuje os demais instrumentos elencados como
mecanismos de preservação cultural, há muito não é
destinado apenas à excepcionalidade. Com efeito, cuida
pontuar que o inventário instrumentaliza o tombamento,
não podendo, portanto, ser com ele confundido, eis que
encerra aspectos característicos próprios. Ao lado disso,
151 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como
instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e
usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.
16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <
http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014, p. 124-125. 152 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como
instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural
brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 21 jun. 2014.
190
os bens inventariados devem, imperiosamente, ser
conservados adequadamente por seus proprietários, eis
que ficam submetidos ao regime jurídico específico dos
bens culturais protegidos. Em igual sedimento, os bens
inventariados somente poderão ser destruídos,
inutilizados, deteriorados ou alterados por meio de
prévia autorização do órgão responsável pelo ato
protetivo, que deve exercer singular vigilância sobre o
patrimônio inventariado. Olender, ao esmiuçar o
instituto em comentário, explicita que:
Entendemos que, a partir do momento que,
historicamente, o inventário se consolida, no
Brasil, como aquilo que denominamos de
“inventário de conhecimento ou de
identificação” e que, nos últimos anos –
principalmente a partir da própria atuação
do poder judiciário – começa,
concomitantemente, a ser utilizado como
sinônimo daquilo que na França é
denominado de “inventário suplementar”
nos cabe, para não incorrermos em uma
confusão que será bastante prejudicial para
o desenvolvimento das políticas e das
práticas de preservação do patrimônio em
nosso país, partir para uma melhor
denominação das ações hoje empreendidas
com este nome. Penso que possuímos, neste
caso, duas opções: 1) manter-se a
denominação de inventário para aquela
ação que se já encontra há mais tempo
consolidada e criando-se outra denominação
para o citado “tombamento flexível”; ou 2)
adjetivar, sempre, os dois tipos de
191
inventário aqui apresentados,
denominando-se aquele inventário que
entendemos já consolidado como “inventário
de conhecimento”, “inventário de
identificação” ou “inventário de proteção” e
o segundo tipo de “inventário para a
preservação” (como faz a legislação baiana),
ou “inventário de estruturação e de
complementação” (como faz a gaúcha), ou
algum outro termo que o diferencie do
anterior. Só assim, poderemos contribuir
para a resolução desta questão que,
infelizmente, provoca um desacordo entre
diversos e importantes agentes responsáveis
pela preservação deste patrimônio153.
Cuida mencionar, assim, no processo de
preservação do patrimônio cultural, o instituto do
inventário, como parte dos procedimentos de análise e
compreensão da realidade, constitui-se na ferramenta
elementar para o conhecimento do acervo cultural e
natural. Ao lado disso, a realização do inventário com a
participação a comunidade proporciona não somente a
obtenção do conhecimento do acervo por ela atribuído ao
patrimônio, mas, ainda, o fortalecimento dos seus
vínculos em relação ao patrimônio. Verifica-se, assim,
que, mesmo não havendo disposição infraconstitucional
expressa sobre o instituto em comento, tal fato não
153 OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do patrimônio”.
Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
192
obstaculariza a utilização do instrumento em comento
pelo Poder Público, notadamente em decorrência da
proeminente atenção reclamada pela tutela e
salvaguarda de tal bem jurídico.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
193
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
__________. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 21
jun. 2014.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 21 jun. 2014.
CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como
instrumento de preservação do patrimônio cultural:
adequação e usos (des) caracterizadores de seu fim.
Revista CPC, São Paulo, n. 16, p. 119-135, mai.-out.
2013. Disponível em: < http://www.revistasusp.com.br>.
Acesso em 21 jun. 2014.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como
194
instrumento constitucional de proteção ao patrimônio
cultural brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina,
2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista>. Acesso
em 21 jun. 2014.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do
patrimônio”. Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 21 jun. 2014.
195
ANOTAÇÕES AOS PLANOS DE SALVAGUARDA
COMO INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO E
PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Resumo: Em sede de comentários introdutórios,
cuida salientar que o meio ambiente cultural é
constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é
o resultado daquilo que era próprio das populações
196
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio
ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,
é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Planos de
Salvaguarda. Instrumento de Preservação. Tutela
Jurídica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica da Ramificação Ambiental do
Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;
3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Anotações aos Planos de Salvaguarda
como Instrumento de Preservação e Proteção do
Patrimônio Cultural
197
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
198
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”154. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
154 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 04 out.
2014.
199
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”155. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
04 out. 2014.
200
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”156. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 156 VERDAN, 2009, s.p.
201
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”157. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
157 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 04 out. 2014.
202
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade158·. Ora, daí
se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”159.
158 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 159 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
203
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
204
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível160.
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.
205
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”161. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981162,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
161 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569. 162 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
206
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”163.
Nesta senda, ainda, Fiorillo164, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
163 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 164 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
207
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal165.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
165 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.
208
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”166.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988167 está abalizado em
166 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 167 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
209
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
210
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade168.
O termo “todos”, aludido na redação do
caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
168 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.
211
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
212
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
213
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
214
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”169. Desta maneira, a proteção do patrimônio
cultural se revela como instrumento robusto da
sobrevivência da própria sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
169 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 04 out. 2014, p.
15-16.
215
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”170. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
170 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
216
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
217
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”171. Esses aspectos
171 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
218
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”172, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000173, que institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências, consiste em
instrumento efetivo para a preservação dos bens
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 04 out.
2014. 172 BROLLO, 2006, p. 33. 173 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
219
imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como
bem aponta Brollo174, em seu magistério, o aludido
decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais
de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política
de inventariança, referenciamento e valorização desse
patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado
por Celso Fiorillo175, que os bens que constituem o
denominado patrimônio cultural consistem na
materialização da história de um povo, de todo o caminho
de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,
os quais têm o condão de substancializar a identidade e a
cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada
comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-
ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do
meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que
o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento
de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem
como é propiciada a constante evolução fomentada pela
atenção à diversidade e à criatividade humana.
174 BROLLO, 2006, p. 33. 175 FIORILLO, 2012, p. 80.
220
4 ANOTAÇÕES AOS PLANOS DE SALVAGUARDA
COMO INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO E
PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
Cuida assinalar, em um primeiro momento,
que o processo de institucionalização e oficialização de
um conjunto de ações e políticas públicas demonstram o
compromisso do Estado em “promover” e “proteger” o
patrimônio imaterial brasileiro. Nesta trilha, a ideia
associada à promoção e à proteção deve estar atrelada ao
sentido de facilitação das condições de continuidade do
bem, ou seja, fomento maior à cautela e minoração das
intervenções desnecessárias. Nesta toada, é possível
evidenciar que o plano de salvaguarda materializa um
instrumento de apoio e fomento de fatos culturais aos
quais são atribuídos sentidos e valores que
substancializam referências de identidade para os grupos
sociais envolvidos, sendo posteriormente registrados em
consonância com o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000176, que institui o registro de bens culturais de
176 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
221
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências.
Mais que isso, compreende-se que, em
decorrência da diversidade cultural brasileira e a
especificidade do contexto em que se encontra cada bem
que se pretende salvaguardar, os planos reclamam maior
flexibilidade, volvendo-se, corriqueiramente, para as
particularidades que emolduram o bem cultural. Além
disso, carece reconhecer que o requisito comum para
implantação do plano de salvaguarda está alicerçado na
inscrição de um bem cultural em um dos Livros de
Registro do IPHAN. A partir de tal inscrição que é
elaborado um planejamento estratégico, alicerçado no
diagnóstico e nas recomendações de salvaguarda
enumeradas durante o curso do processo de registro.
Convém, ainda, ponderar, que o planejamento
estratégico é edificado e executado com arrimo na
interlocução continuada entre Estado e sociedade.
Em consonância com o Decreto Nº. 3.551, de 04
de Agosto de 2000177, que institui o registro de bens
177 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
222
culturais de natureza imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional
do Patrimônio Imaterial e dá outras providências,
decorrido dez anos, cada registro deve ser revisto,
ratificado, retificado ou arquivado, consoante o
envolvimento da vontade social e vitalidade do bem
cultural. O plano está previsto para sofrer implantação
no decorrer da primeira década e ambiciona-se alcançar
a autonomia e a sustentabilidade da salvaguarda do bem
cultural no médio e longo prazo. Cuida, dessa sorte,
reconhecer o plano de salvaguarda como instrumento de
gestão consequente com o indicado na instrução do
processo de registro, inventários realizados, pesquisas
complementares e entendimentos preliminares com os
agentes envolvidos na produção e difusão do bem
cultural em destaque. Materializa, pois, política
alicerçada no aumento da participação democrática dos
cidadãos na formulação, no planejamento, execução,
avaliação e acompanhamento de uma série de políticas
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014. Art. 7o O
IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos
a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de
"Patrimônio Cultural do Brasil". Parágrafo único. Negada a
revalidação, será mantido apenas o registro, como referência
cultural de seu tempo.
223
voltadas para a preservação do patrimônio cultural.
Assim, o plano de salvaguarda consiste no planejamento
de ações de curto, médio e longo prazo, combinadas entre
atores de diferentes estamentos da sociedade e executado
de modo compartilhado e participativo. Tal instrumento
ambiciona promover apoio à continuidade de existência
do bem cultural de modo sustentável, por meio do
fomento à produção, transmissão, reprodução e difusão
dos saberes e práticas a eles associados; e do apoio à
autodeterminação e organização dos grupos detentores
de mencionados saberes e práticas para a gestão de seu
patrimônio.
O ponto inicial do plano de salvaguarda é o
diagnostico de recomendações para a proteção no
processo de registro e pesquisas complementares, bem
como, e, sobretudo, os entendimentos preliminares
realizados com os agentes dos processos culturais em
questão. De acordo com tais reflexões promovidas e com a
experiência acumulada na estruturação dos primeiros
planos de salvaguarda, é possível a identificação de
alguns eixos de ação que têm sido combinadas de modo a
apoiar as condições sociais e materiais que permitem a
existência e continuidade de bens culturais de natureza
imaterial. No decurso de todo o processo da execução do
224
plano de salvaguarda, as informações deverão ser
estruturas e encaminhadas periodicamente ao IPHAN,
dando conta de algumas informações previamente
estabelecidas e outras consideradas importantes,
consoante a especificidade de cada plano, de modo a
proporcionar a construção de indicadores de avaliação de
impacto no longo prazo e bases para as coordenadas de
ação de maneira continuada.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
_______. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
_______. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
225
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
_______. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 04 out. 2014.
_______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.
_______. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 04
out. 2014.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 04 out. 2014.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
226
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 04 out. 2014.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 04 out. 2014.
227
BREVE PAINEL AO INSTRUMENTO DE
VIGILÂNCIA EM SEDE DE PROMOÇÃO E
SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL:
ARGUMENTAÇÕES PROPEDÊUTICAS AO TEMA
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise do instituto da vigilância como instrumento apto
à promoção e salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
228
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural,
enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é
algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens
culturais materiais e imateriais portadores de referência
à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos
formadores da sociedade brasileira. O conceito de
patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os
bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja
conservação seja de interesse público, por sua vinculação
a fatos memoráveis da História pátria ou por seu
excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico,
bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Vigilância.
Instrumento de Preservação.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à
construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito;
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios;
4 Breve Painel ao Instrumento da Vigilância sem de
Promoção e Salvaguarda ao Patrimônio Cultural:
Argumentações Propedêuticas ao Tema
229
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
230
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”178. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
178 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 jan.
2015, s.p.
231
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”179. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
16 jan. 2015.
232
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”180. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a 180 VERDAN, 2009, s.p.
233
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”181. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
181 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 16 jan. 2015.
234
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade182·. Ora, daí
se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”183.
182 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 183 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
235
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
236
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível184.
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
184 Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
237
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”185. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981186,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
185 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569. 186 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
238
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”187.
Nesta senda, ainda, Fiorillo188, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
187 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 188 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
239
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal189.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
189 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
240
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”190.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988191 está abalizado em
190 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 191 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
241
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
242
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade192.
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
192 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
243
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
244
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
245
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
246
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”193. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
193 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 16 jan. 2015, p.
15-16.
247
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”194. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
194 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
248
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
249
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”195. Esses aspectos
195 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
250
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”196, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000197, que institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências, consiste em
instrumento efetivo para a preservação dos bens
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 16 jan.
2015. 196 BROLLO, 2006, p. 33. 197 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
251
imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como
bem aponta Brollo198, em seu magistério, o aludido
decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais
de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política
de inventariança, referenciamento e valorização desse
patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado
por Celso Fiorillo199, que os bens que constituem o
denominado patrimônio cultural consistem na
materialização da história de um povo, de todo o caminho
de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,
os quais têm o condão de substancializar a identidade e a
cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada
comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-
ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do
meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que
o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento
de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem
como é propiciada a constante evolução fomentada pela
atenção à diversidade e à criatividade humana.
198 BROLLO, 2006, p. 33. 199 FIORILLO, 2012, p. 80.
252
4 BREVE PAINEL AO INSTRUMENTO DA
VIGILÂNCIA SEM DE PROMOÇÃO E
SALVAGUARDA AO PATRIMÔNIO CULTURAL:
ARGUMENTAÇÕES PROPEDÊUTICAS AO TEMA
Em um primeiro momento, quadra colocar em
destaque que o instrumento da vigilância encontra-se, de
maneira expressa, positiva no artigo 20 do Decreto-Lei nº
25, de 30 de novembro de 1937200, que organiza a
proteção do patrimônio histórico e artístico nacional,
preconizando, como dever estatal, a obrigação de ser
vigilante pela conservação do bem tombado, tendo o
direito de inspecioná-lo, sempre que julgar conveniente.
Ao lado disso, o Texto Constitucional, em seu artigo 216,
§1º201, consagra, igualmente o instituto em comento, o
200 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan.
2015. Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância
permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
que poderá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não
podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar
obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao
dôbro em caso de reincidência. 201 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015. Art. 216.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
253
qual passa ser reconhecido como instrumento de especial
proteção do patrimônio cultural. Salta aos olhos, desta
maneira, a preocupação de fazer do Estado o protetor de
todas as manifestações culturais, notadamente do
patrimônio cultural brasileiro, o qual lhe incumbe
promover a preservação de todos os modos. Igualmente,
cabe ao Estado a incumbência de incentivar a produção e
a divulgação de bens e valores culturais.
O poder de polícia do Estado incide sobre todos
os bens que constituem o patrimônio cultural brasileiro,
de natureza material e imaterial, esta intervenção é
obrigatória, para que haja a conservação e não ocorra a
evasão de obras de arte do território nacional. À luz das
ponderações aventadas a vigilância pode ser concebida
como uma das plurais manifestações do poder de polícia
do Estado, voltado especialmente para a promoção e
salvaguarda do patrimônio cultural. Com espeque na
concepção de José dos Santos Carvalho Filho202, o poder
de polícia materializa a prerrogativa de direito público
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: [omissis] § 1º - O Poder Público, com a colaboração da
comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro,
por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e
desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. 202 CARVALHO FILHO, 2011, p. 70.
254
que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública
a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade
em favor do interesse da coletividade. Segundo Celso de
Mello203, o poder de policia, em uma conotação mais
restrita e assentada em função precípua administrativa,
materializa atividade da Administração Pública, sendo
expressa em atos normativos ou concretos, de
condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na
forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos,
por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora
repressiva, cominando coercitivamente aos particulares
um dever de abstenção (non facere), com o escopo de
conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais
consagrados no sistema normativo em vigor.
Trata-se, em linhas conceituais, do modo de
atuar da autoridade administrativa que consiste em
intervir no exercício das atividades individuais
suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por
escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou
generalizados os danos sociais que os diplomas legais
procuram prevenir. No que tange ao benefício resultante
203 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São Paulo:
Malheiros Editores, 2013, p. 853.
255
do poder de polícia, materializa fundamento dessa
prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a
intervenção do Estado no conteúdo dos direitos
individuais somente encontra amparo ante a finalidade
que deve sempre orientar a ação dos administradores
públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro
ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na
supremacia geral da Administração Pública, ou seja,
aquela mantida em relação aos administrados, de modo
indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de
satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado,
interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos
olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção
dos interesses coletivos, o que explicita umbilical
conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se
o interesse público é o axioma inspirador da atuação
restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção
do mesmo interesse. Neste talvegue, cuida anotar,
oportunamente, que este deve ser compreendido em
sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto. Neste
sentido, a vigilância, como materialização do poder de
polícia do Estado, voltado especificamente para a
proteção e salvaguarda do patrimônio cultural, recebe
especial avulte. Há que se reconhecer que tal
256
instrumento substancializa o instrumento imprescindível
da tutela do patrimônio cultural, considerado como
elemento integrante da extensa rubrica imprescindível
para a concreção da dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
257
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
__________. Tribunal Regional Federal da Segunda
Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 16
jan. 2015.
BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
problemática sobre a existência ou a inexistência das
classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.
Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 16 jan. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de
Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro. 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo Brasileiro. 30 ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros Editores, 2013.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Disponível em:
<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
258
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
Questões. 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 16 jan. 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.
Direito Constitucional Ambiental: Constituição,
Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental
Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:
Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 16 jan. 2015.