compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - v. 01, n. 02

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TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL V. 01 N. 01

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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

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Page 1: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

TAUÃ LIMA VERDAN

RANGEL

COMPÊNDIO DE ENSAIOS

JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO

DO PATRIMÔNIO CULTURAL

V.

01

N.

01

Page 2: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:

TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO

CULTURAL

(V. 01, N. 02)

Capa: Cândido Portinari, Borracha (1939).

ISBN: 978-1516998531

Editoração, padronização e formatação de texto

Tauã Lima Verdan Rangel

Projeto Gráfico e capa

Tauã Lima Verdan Rangel

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

O autor

É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui

apresentados. Reprodução dos textos autorizada

mediante citação da fonte.

Page 3: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

A P R E S E N T A Ç Ã O

Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por

meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de

pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em

trabalhar, academicamente, determinados assuntos.

Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo

dogmático. É possível, à luz da tradicional visão

empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual

não se incluem somente as instituições legais, as ordens

legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados

tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das

mencionadas instituições, ordens e decisões,

materializando, comumente, uma “meta direito”. No

Direito, a construção do conhecimento advém da

interpretação de leis e as pessoas autorizadas a

interpretar as leis são os juristas.

Contudo, o alvorecer acadêmico que é

presenciado pelos Operadores do Direito, que se

debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a

conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando

as experiências empíricas e o contorno regional como

elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.

Page 4: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento

jurídico como algo dogmático, buscando conferir

molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos

científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios

Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade

interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e

inquietações produzida durante a formação acadêmica do

autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática

de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca

trazer para o debate uma série de assuntos

contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

Boa leitura!

Tauã Lima Verdan Rangel

Page 5: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

5

S U M Á R I O

Da utilização do estudo de impacto de vizinhança (EIV)

como instrumento de promoção e salvaguarda ao

patrimônio cultural: comentários em consonância ao

Estatuto das Cidades .......................................................... 06

Do cabimento da desapropriação como instituto para a

preservação e a conservação de bens com valor cultural ... 41

Do cabimento de incentivos e benefícios fiscais e

financeiros como instrumentos de proteção ao patrimônio

cultural: um exame a partir das disposições contidas no

Estatuto das Cidades .......................................................... 73

O exercício do direito de preempção pelo Poder Público

Municipal como instrumento de promoção e salvaguarda

ao patrimônio cultural: uma análise à luz do Estatuto

das Cidades .......................................................................... 107

O instituto da transferência do direito de construir como

instrumento de promoção e salvaguarda ao patrimônio

cultural: breves tessituras em observância ao Estatuto

das Cidades .......................................................................... 143

Comentários às zonas especiais de preservação cultural:

tessituras ao reconhecimento de instrumentos à

salvaguarda do patrimônio cultural ................................... 177

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6

DA UTILIZAÇÃO DO ESTUDO DE IMPACTO DE

VIZINHANÇA (EIV) COMO INSTRUMENTO DE

PROMOÇÃO E SALVAGUARDA AO PATRIMÔNIO

CULTURAL: COMENTÁRIOS EM CONSONÂNCIA

AO ESTATUTO DAS CIDADES

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do estudo de ipacto de vizinhança como

instrumento apto à promoção e salvaguarda do

patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio

ambiente cultural é constituído por bens culturais,

cuja acepção compreende aqueles que possuem

valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,

espeleológico, fossilífero, turístico, científico,

refletindo as características de uma determinada

sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a

cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada

pela natureza, como localização geográfica e clima.

Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de

uma intensa interação entre homem e natureza,

porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua

atividade e percepção são conformadas pela sua

cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo

Page 7: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

7

que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos

diversos grupos colonizadores e escravos africanos.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e

imateriais portadores de referência à memória, à

ação e à identidade dos distintos grupos formadores

da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja

conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria

ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Estudo de

Impacto de Vizinhança. Instrumento de

Preservação. Tutela Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica da Ramificação

Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção

de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio

Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Objetivo da

Política de Desenvolvimento Urbano: Breve Painel

do Estatuto das Cidades; 5 Da Utilização do Estudo

de Impacto de Vizinhança (EIV) como Instrumento

de Promoção e Salvaguarda ao Patrimônio

Cultural: Comentários em consonância ao Estatuto

das Cidades

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8

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

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'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 08 jan.

2015, s.p.

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quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

08 jan. 2015.

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Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

3 VERDAN, 2009, s.p.

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congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”4. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 08 jan. 2015.

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Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade5·. Ora, daí se

verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”6.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

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construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível7.

7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

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Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

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ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 19819,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

9 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

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e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”10.

Nesta senda, ainda, Fiorillo11, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

10 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

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cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal12.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

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fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”13.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198814 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

13 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

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ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade15.

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 21: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

21

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 22: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

22

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 23: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

23

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 24: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

24

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 25: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

25

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”16. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

16 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 08 jan. 2015, p.

15-16.

Page 26: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

26

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”17. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

17 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 27: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

27

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 28: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

28

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”18. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

18 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 08 jan.

2015.

Page 29: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

29

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”19, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200020,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo21, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,

segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo22, que

os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um

19 BROLLO, 2006, p. 33. 20 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 21 BROLLO, 2006, p. 33. 22 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 30: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

30

povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação

de seus valores culturais, os quais têm o condão de

substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos

insertos em uma determinada comunidade. Necessário se

faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto

seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em

razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado

de valor especial, notadamente em decorrência de

produzir um sentimento de identidade no grupo em que

se encontra inserido, bem como é propiciada a constante

evolução fomentada pela atenção à diversidade e à

criatividade humana.

4 OBJETIVO DA POLÍTICA DE

DESENVOLVIMENTO URBANO: BREVE PAINEL

DO ESTATUTO DAS CIDADES

Inicialmente, cuida anotar que o meio

ambiente artificial não está disciplinado tão somente na

redação do artigo 225 da Constituição Federal23, mas sim

é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o

artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a

23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

Page 31: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

31

política urbana, desempenha papel proeminente no tema

em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o

meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata.

“Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da

Constituição Federal, em que encontramos uma proteção

geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio

ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182

do mesmo diploma”24. Salta aos olhos, deste modo, que o

conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está

umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não

sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia

qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores

estruturantes da dignidade humana e da própria

existência do indivíduo. A política urbana afixa como

preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas

alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República

Federativa do Brasil de 198825. Ora, sobreleva ponderar

que a função social da cidade é devidamente

materializada quando esta proporciona a seus habitantes

o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade

24 FIORILLO, 2012, p. 549. 25 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

Page 32: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

32

e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital

mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à

saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à

maternidade, à infância, à assistência aos desamparados,

dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto

Constitucional vigente.

Com efeito, não se pode olvidar que o pleno

desenvolvimento reclama uma participação municipal

intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do

artigo 30 da Constituição Federal26, “que atribui ao

Município a competência de promover o adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo

urbano”27, tal como estabelecendo competência

suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é

possível destacar que a função social da cidade é

devidamente atendida quando propicia a seus habitantes

uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos

fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes

axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988.

26 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015. “Art. 30.

Compete aos Municípios: [omissis] VIII - promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. 27 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 33: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

33

Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só

cumpre a sua função social quando possibilita aos seus

habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder

Público, por conseguinte, proporcionar condições de

habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais

ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar

que a Constituição Federal, em seus artigos 18328 e

19129, consagrou modalidades especiais de usucapião

urbano e rural. “Outra função importante da cidade é

permitir a livre e tranquila circulação, através de um

adequado sistema da rede viária e de transportes,

contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”30.

O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes

centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se

apresenta como um óbice á livre e adequada circulação.

Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social

28 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015. “Art.

183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e

cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e

sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,

adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro

imóvel urbano ou rural”. 29 Ibid. “Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural

ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem

oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta

hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,

tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” 30 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 34: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

34

é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação,

edificando praças e implementando áreas verdes.

Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de

atividades laborativas, produzindo reais possibilidades

de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de

assegurar a existência de condições econômicas

destinadas à realização do consumo de produtos e

serviços fundamentais para a existência da pessoa

humana, bem como da ordem econômica estabelecida no

país.

5 DA UTILIZAÇÃO DO ESTUDO DE IMPACTO DE

VIZINHANÇA (EIV) COMO INSTRUMENTO DE

PROMOÇÃO E SALVAGUARDA AO PATRIMÔNIO

CULTURAL: COMENTÁRIOS EM CONSONÂNCIA

AO ESTATUTO DAS CIDADES

Com destaque, o instituto do Estudo de

Impacto de Vizinhança (EIV) foi regulamentado pelos

artigos 36 a 38 da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de

200131, que regulamenta os arts. 182 e 183 da

31 BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,

estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

Page 35: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

35

Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da

política urbana e dá outras providências. Preconizam

aludidos dispositivos que legislação municipal definirá

as atividades e os empreendimentos privados ou públicos

em área urbana que dependerão de elaboração de estudo

prévio de impacto de vizinhança para obter licenças ou

autorizações de construção, ampliação ou funcionamento

a cargo do Poder Público Municipal. As regras

concernentes ao EIV, oportunamente, não se confundem

com as pertinentes ao direito de vizinhança

estabelecidas na legislação civil de regência, em âmbito

de direito privado.

Ademais, as restrições advindas do EIV são de

caráter ambiental urbanístico e, portanto, de ordem

pública, porquanto buscam tutelar direitos de natureza

difusa. Em decorrência do espancado é a avaliação e a

decisão final sobre a viabilidade ou não do

empreendimento ou atividade ser de competência

própria e indelegável do Poder Público Municipal, que

não pode ser conferida ao exclusivo alvedrio de

particulares. Denota-se, ainda, com clareza ofuscante,

que o EIV é um instrumento norteado pelos postulados

da prevenção e da precaução, cujo escopo consiste em

em: 08 jan. 2015.

Page 36: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

36

avaliar a capacidade do meio ambiente urbano de

comportar a existência e o funcionamento, de forma

sustentável, de determinados empreendimentos e

atividades, atentando-se para os critérios estabelecidos

em legislação municipal, com vistas a assegurar que o

uso da propriedade pelo particular não coloque em risco

ou provoque danos a outros valores e garantias inerentes

à coletividade.

Destarte, o EIV deverá preceder a concessão

de licenças e autorizações que objetivem o início de

construção, o início de exercício de atividades ou a

ampliação de construções já existente e de atividades já

exploradas, que tenham capacidade de perturbar os

direitos dos que moram nas proximidades. Dessa forma,

o EIV será executado de maneira a abarcar os efeitos

positivos e negativos do empreendimento ou atividade

quanto à qualidade de vida da população residente na

área e suas proximidades, incluindo a análise, no

mínimo, conforme preconiza o artigo 37 do diploma

supramencionado, das seguintes questões: (i)

adensamento populacional; (ii) equipamentos urbanos e

comunitários; (iii) uso e ocupação do solo; (iv) valorização

imobiliária; (v) geração de tráfego e demanda por

transporte público; (vi) ventilação e iluminação; e (vii)

Page 37: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

37

paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Em consonância aos princípios da publicidade

e da gestão democrática da cidade, é assegurado pela

legislação urbanística, o acesso aos documentos

integrantes da EIV, os quais ficarão disponíveis para

consulta, no órgão competente do Poder Público

Municipal, por qualquer interessado. Ao lado disso, essa

previsão assegura que a população, principalmente

aquelas pessoas a serem afetadas pelo empreendimento

ou atividade e que detêm informações mais precisas

sobre as condições urbanísticas do local, possam se

manifestar a respeito e inclusive formalizar suas

percepções no âmbito do procedimento do EIV. Tratando-

se de um estudo técnico prévio, o EIV poderá alertar e

precaver o Poder Público Municipal quanto à repercussão

do empreendimento no que se refere às questões

vinculadas à visibilidade, ao acesso, à conservação, ao

uso e à estrutura do meio ambiente cultural que constitui

determinada área. A análise da repercussão que a

implementação do empreendimento trará quanto ao

patrimônio cultural é obrigatório no EIV, já que

integrante do seu conteúdo mínimo. Os estudos poderão

indicar ao Poder Público a total inviabilidade do

empreendimento/atividade ou apontar a necessidade de

Page 38: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

38

adoção de medidas que mitiguem os impactos negativos

ou os compensem.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Page 39: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

39

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição

Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e

dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda

Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 08

jan. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

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40

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Page 41: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

41

DO CABIMENTO DA DESAPROPRIAÇÃO COMO

INSTITUTO PARA A PRESERVAÇÃO E A

CONSERVAÇÃO DE BENS COM VALOR

CULTURAL

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do cabimento da desapropriação como

instrumento apto à promoção e salvaguarda do

patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio

ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja

acepção compreende aqueles que possuem valor

histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,

espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo

as características de uma determinada sociedade. Ao

lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o

seu meio, e toda sua atividade e percepção são

Page 42: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

42

conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural,

enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é

algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens

culturais materiais e imateriais portadores de referência

à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos

formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os

bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja

conservação seja de interesse público, por sua vinculação

a fatos memoráveis da História pátria ou por seu

excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico,

bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural.

Desapropriação. Instrumento de Preservação. Tutela

Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à

construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito;

2 Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios;

4 Do Cabimento da Desapropriação como Instituto para

a Preservação e a Conservação de Bens com Valor

Cultural

Page 43: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

43

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 44: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

44

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”32. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

32 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 08 jan.

2015, s.p.

Page 45: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

45

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”33. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

08 jan. 2015.

Page 46: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

46

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”34. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

34 VERDAN, 2009, s.p.

Page 47: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

47

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”35. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

35 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 08 jan. 2015.

Page 48: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

48

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade36·. Ora, daí se

verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”37.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

36 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 37 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 49: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

49

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível38.

38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 50: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

50

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”39. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 39 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 51: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

51

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198140,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

40 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 52: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

52

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”41.

Nesta senda, ainda, Fiorillo42, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

41 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 42 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 53: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

53

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal43.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

43 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 54: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

54

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”44.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198845 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

44 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 45 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 55: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

55

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade46.

46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 56: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

56

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 57: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

57

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 58: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

58

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 59: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

59

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 60: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

60

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”47. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

47 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 08 jan. 2015, p.

15-16.

Page 61: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

61

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”48. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

48 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 62: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

62

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 63: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

63

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”49. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

49 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 08 jan.

2015.

Page 64: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

64

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”50, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200051,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo52, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,

segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo53, que

os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um

50 BROLLO, 2006, p. 33. 51 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 52 BROLLO, 2006, p. 33. 53 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 65: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

65

povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação

de seus valores culturais, os quais têm o condão de

substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos

insertos em uma determinada comunidade. Necessário se

faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto

seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em

razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado

de valor especial, notadamente em decorrência de

produzir um sentimento de identidade no grupo em que

se encontra inserido, bem como é propiciada a constante

evolução fomentada pela atenção à diversidade e à

criatividade humana.

4 DO CABIMENTO DA DESAPROPRIAÇÃO COMO

INSTITUTO PARA A PRESERVAÇÃO E A

CONSERVAÇÃO DE BENS COM VALOR

CULTURAL

Com destaque, quadra reconhecer que o

ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o

direito de propriedade e, doutro ângulo, nunca proibiu a

desapropriação. “Esses dois direitos, o de propriedade do

administrado e o de desapropriar do Estado, como ocorre

em outros países, sempre conviveram no nosso

Page 66: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

66

ordenamento jurídico”54. Contemporaneamente, a

convivência entre os institutos encontra materializada

nos incisos XXII e XXIV do artigo 5º da Constituição da

República Federativa do Brasil de 198855. Com clareza

ofuscante, insta anotar que o primeiro inciso preconiza

que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o

segundo assinala que a legislação disporá acerca do

procedimento para a desapropriação por necessidade ou

utilidade pública, ou por interesse social, mediante justo

e prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando,

neste ponto, as hipóteses entalhadas no próprio Texto

Maior.

Pertinente faz-se mencionar que a faculdade

constitucional para desapropriação é imprescindível,

porquanto nem sempre o Estado pode lograr êxito aos

fins que se propõe pelos meios que o Direito Privado

oferece e regula. “O proprietário do bem necessário, útil

ou de interesse social para o Estado resiste às suas

pretensões de compra, por não querer vender ou por não

lhe interessar o preço oferecido, impedindo, com essa

54 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São

Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 905. 55 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015.

Page 67: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

67

resistência, a realização do bem comum”56, como bem

anota Diógenes Gasparini. Em tais situações, é tangível

que apenas a desapropriação tem o condão de restaurar a

prevalência do interesse público sobre o interesse

particular, retirando do proprietário, mediante o

pagamento de indenização, a sua propriedade. Denota-se,

portanto, que a desapropriação é o mais eficaz e também

o mais grave instrumento de que dispõe o Estado para

intervir na propriedade, desde que se apresente como

necessária, útil ou de interesse social.

Ao lado do esposado, é mister apontar que

vários são os conceitos estruturados pela doutrina,

calcado no ordenamento jurídico vigente. Assim, com

espeque nas disposições legais norteadoras, notadamente

aquelas contidas na da Constituição da República

Federativa do Brasil de 198857, a desapropriação é

descrita como sendo o procedimento administrativo pelo

qual o Estado, compulsoriamente, retira de alguém certo

bem, por necessidade ou utilidade pública ou por

interesse social e adquire, originariamente, para si ou

para outrem, mediante prévia e justa indenização,

56 GASPARINI, 2012, p. 905. 57 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 06 jan. 2015.

Page 68: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

68

adimplida em dinheiro, salvo os casos que o próprio

Texto Constitucional enumera em que o pagamento é

feito como títulos da dívida pública ou da dívida

agrária58. Convém, ainda, mencionar que o instituto da

desapropriação, assim conceituado, também recebe a

denominação de expropriação. O Poder Público é o

expropriante ou o desapropriante, ao passo que o

proprietário do bem é o expropriado ou desapropriado.

Durante o desenvolvimento do procedimento

expropriatório, o bem é qualificado como expropriando ou

desapropriando.

No tocante ao patrimônio cultural, o artigo 5º,

alíneas “k” e “l”, do Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de Junho

de 194159, que dispõe sobre desapropriações por utilidade

pública, previu a possibilidade da desapropriação por

utilidade pública, para a preservação e a conservação de

bens com valor cultural. Trata-se de instituto que

acarreta a perda da propriedade mediante o pagamento

de indenização, materializando a forma de aquisição

originária do bem pelo Poder Público. Mais que isso, a

desapropriação para o efeito da preservação do

58 Neste sentido: GASPARINI, 2012, p. 906. 59 BRASIL. Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de Junho de 1941.

Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 69: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

69

patrimônio cultural substancia verdadeiro tombamento

indireto, cuja finalidade é a preservação do bem, logo, o

tombamento não poderia deixar de ser a consequência. A

desapropriação com finalidade de preservação de valor

cultural parece bastante para a proteção do bem, embora

o tombamento cumulativo não deixe de ser conveniente.

A desapropriação acarreta a eliminação da propriedade

privada, logo, o bem passa ao domínio público que fica

diretamente obrigado a preservá-lo.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

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__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

Page 70: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

70

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 3.365, de 21 de Junho de

1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade

pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>.

Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

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72

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 73: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

73

DO CABIMENTO DE INCENTIVOS E BENEFÍCIOS

FISCAIS E FINANCEIROS COMO INSTRUMENTOS

DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO CULTURAL: UM

EXAME A PARTIR DAS DISPOSIÇÕES CONTIDAS

NO ESTATUTO DAS CIDADES

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do estudo dos incentivos e benefícios fiscais e

financeiros, previstos no Estatuto das Cidades, como

instrumento apto à promoção e salvaguarda do

patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio

ambiente cultural é constituído por bens culturais,

cuja acepção compreende aqueles que possuem valor

histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,

espeleológico, fossilífero, turístico, científico,

refletindo as características de uma determinada

sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura

identifica as sociedades humanas, sendo formada pela

história e maciçamente influenciada pela natureza,

como localização geográfica e clima. Com efeito, o

meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção

são conformadas pela sua cultural. A cultura

Page 74: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

74

brasileira é o resultado daquilo que era próprio das

populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se

analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo

macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,

abstrato, fluído, constituído por bens culturais

materiais e imateriais portadores de referência à

memória, à ação e à identidade dos distintos grupos

formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange

todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,

cuja conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou

por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Incentivos.

Benefícios. Instrumento de Preservação. Tutela

Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica da Ramificação Ambiental do

Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Objetivo da Política de

Desenvolvimento Urbano: Breve Painel do Estatuto

das Cidades; 5 Do Cabimento dos Incentivos e

Benefícios Fiscais e Financeiros como Instrumentos

de Proteção ao Patrimônio Cultural: Um exame a

partir das disposições contidas no Estatuto das

Cidades

Page 75: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

75

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 76: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

76

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”60. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

60 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 09 jan.

2015, s.p.

Page 77: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

77

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”61. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

61 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

09 jan. 2015.

Page 78: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

78

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”62. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

62 VERDAN, 2009, s.p.

Page 79: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

79

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”63. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

63 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 09 jan. 2015.

Page 80: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

80

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade64·. Ora, daí se

verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”65.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

64 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 65 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jan. 2015.

Page 81: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

81

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível66.

66 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 82: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

82

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”67. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 09 jan. 2015. 67 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 83: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

83

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198168,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

68 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jan. 2015.

Page 84: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

84

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”69.

Nesta senda, ainda, Fiorillo70, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

69 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 70 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 85: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

85

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal71.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 09 jan. 2015.

Page 86: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

86

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”72.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198873 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

72 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 73 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jan. 2015: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 87: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

87

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade74.

74 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 88: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

88

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 09 jan. 2015.

Page 89: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

89

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 90: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

90

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 91: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

91

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 92: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

92

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”75. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

75 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 09 jan. 2015, p.

15-16.

Page 93: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

93

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”76. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

76 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 94: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

94

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 95: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

95

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”77. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

77 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 09 jan.

2015.

Page 96: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

96

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”78, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200079,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo80, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,

segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo81, que

os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um

78 BROLLO, 2006, p. 33. 79 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jan. 2015. 80 BROLLO, 2006, p. 33. 81 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 97: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

97

povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação

de seus valores culturais, os quais têm o condão de

substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos

insertos em uma determinada comunidade. Necessário se

faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto

seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em

razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado

de valor especial, notadamente em decorrência de

produzir um sentimento de identidade no grupo em que

se encontra inserido, bem como é propiciada a constante

evolução fomentada pela atenção à diversidade e à

criatividade humana.

4 OBJETIVO DA POLÍTICA DE

DESENVOLVIMENTO URBANO: BREVE PAINEL

DO ESTATUTO DAS CIDADES

Inicialmente, cuida anotar que o meio

ambiente artificial não está disciplinado tão somente na

redação do artigo 225 da Constituição Federal82, mas sim

é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o

artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a

82 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jan. 2015.

Page 98: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

98

política urbana, desempenha papel proeminente no tema

em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o

meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata.

“Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da

Constituição Federal, em que encontramos uma proteção

geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio

ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182

do mesmo diploma”83. Salta aos olhos, deste modo, que o

conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está

umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não

sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia

qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores

estruturantes da dignidade humana e da própria

existência do indivíduo. A política urbana afixa como

preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas

alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República

Federativa do Brasil de 198884. Ora, sobreleva ponderar

que a função social da cidade é devidamente

materializada quando esta proporciona a seus habitantes

o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade

83 FIORILLO, 2012, p. 549. 84 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jan. 2015.

Page 99: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

99

e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital

mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à

saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à

maternidade, à infância, à assistência aos desamparados,

dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto

Constitucional vigente.

Com efeito, não se pode olvidar que o pleno

desenvolvimento reclama uma participação municipal

intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do

artigo 30 da Constituição Federal85, “que atribui ao

Município a competência de promover o adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo

urbano”86, tal como estabelecendo competência

suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é

possível destacar que a função social da cidade é

devidamente atendida quando propicia a seus habitantes

uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos

fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes

axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988.

85 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jan. 2015. “Art. 30.

Compete aos Municípios: [omissis] VIII - promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. 86 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 100: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

100

Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só

cumpre a sua função social quando possibilita aos seus

habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder

Público, por conseguinte, proporcionar condições de

habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais

ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar

que a Constituição Federal, em seus artigos 18387 e

19188, consagrou modalidades especiais de usucapião

urbano e rural. “Outra função importante da cidade é

permitir a livre e tranquila circulação, através de um

adequado sistema da rede viária e de transportes,

contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”89.

O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes

centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se

apresenta como um óbice á livre e adequada circulação.

Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social

87 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 09 jan. 2015. “Art.

183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e

cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e

sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,

adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro

imóvel urbano ou rural”. 88 Ibid. “Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural

ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem

oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta

hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,

tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” 89 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 101: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

101

é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação,

edificando praças e implementando áreas verdes.

Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de

atividades laborativas, produzindo reais possibilidades

de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de

assegurar a existência de condições econômicas

destinadas à realização do consumo de produtos e

serviços fundamentais para a existência da pessoa

humana, bem como da ordem econômica estabelecida no

país.

5 DO CABIMENTO DOS INCENTIVOS E

BENEFÍCIOS FISCAIS E FINANCEIROS COMO

INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO AO

PATRIMÔNIO CULTURAL: UM EXAME A PARTIR

DAS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO ESTATUTO

DAS CIDADES

Inicialmente, ao esmiuçar o tema em comento,

insta assinalar que os incentivos e benefícios fiscais e

financeiros foram definidos como instrumentos da

política urbana, consoante clara dicção do artigo 4º,

alínea “c”, da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 200190,

90 BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Page 102: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

102

que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição

Federal, materializando, via de consequência,

importante ferramenta a ser empregada na gestão e

preservação compartilhada do patrimônio cultural entre

o Poder Público e a comunidade. Igualmente, o aludido

diploma legal, em seu artigo 2º, preconiza, como diretriz,

a adequação dos instrumentos de política econômica,

tributária e financeira e dos gastos públicos aos escopos

do desenvolvimento urbano, de maneira a privilegiar os

incentivos geradores de bem-estar geral e a fruição dos

bens pelos diferentes segmentos sociais. É salutar,

portanto, a aplicação efetiva desses instrumentos no

âmbito da defesa do patrimônio cultural, assumindo

condições de contribuir, diretamente, para uma

ambicionada repartição mais justa dos encargos, ônus e

benefícios decorrentes da aplicação do regime de proteção

dos bens culturais.

Há que se reconhecer, neste aspecto, que o

diploma em comento inovou no ordenamento jurídico

vigente, porquanto pretendeu instituir um sistema de

incentivo aos investimentos que visem gerar bem-estar

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,

estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

em: 09 jan. 2015.

Page 103: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

103

em favor da comunidade e permitir a fruição dos efeitos

favoráveis ao maior número possível de segmentos

sociais. Em sede de aspecto tributário, a título de

exemplificação, é possível fazer menção à tendência

legislativa no sentido de assegurar aos proprietários de

bens tombados benefícios fiscais, materializando

verdadeiro instrumento de compensação às restrições

decorrentes do ato protetivo. A tendência em comento

harmoniza-se completamente com o estatuto em apreço,

posto que os tributos sobre imóveis urbanos, assim como

as tarifas relativas a serviços públicos urbanos, serão

diferenciados em função do interesse social. Nesse

diapasão, ainda, tem se revelado como eficaz para

auxiliar a preservação de bens imóveis de valor cultural

a isenção do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU),

com o fito de facilitar aos proprietários dos bens

protegidos cuidados com sua proteção e sua manutenção.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

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104

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__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jan. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

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Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

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<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 09 jan. 2015.

__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição

Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e

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__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

Page 105: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

105

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

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Page 107: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

107

O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREEMPÇÃO

PELO PODER PUBLICO MUNICIPAL COMO

INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO E SALVAGUARDA

AO PATRIMÔNIO CULTURAL: UMA ANÁLISE À

LUZ DO ESTATUTO DAS CIDADES

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do direito de preempção, pelo Poder Público

Municipal, como instrumento apto à promoção e

salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida

salientar que o meio ambiente cultural é

constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao

lado disso, quadra anotar que a cultura identifica

as sociedades humanas, sendo formada pela

história e maciçamente influenciada pela natureza,

como localização geográfica e clima. Com efeito, o

meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto

aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e

percepção são conformadas pela sua cultural. A

Page 108: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

108

cultura brasileira é o resultado daquilo que era

próprio das populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao

se analisar o meio ambiente cultural, enquanto

complexo macrossistema, é perceptível que é algo

incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens

culturais materiais e imateriais portadores de

referência à memória, à ação e à identidade dos

distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. O conceito de patrimônio histórico e

artístico nacional abrange todos os bens moveis e

imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu

excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Direito de

Preempção. Instrumento de Preservação. Tutela

Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica da Ramificação

Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção

de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio

Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Objetivo da

Política de Desenvolvimento Urbano: Breve Painel

do Estatuto das Cidades; 5 O Exercício do Direito

de Preempção pelo Poder Público Municipal como

Instrumento de Promoção e Salvaguarda ao

Patrimônio Cultural: Uma Análise à luz do

Estatuto das Cidades

Page 109: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

109

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 110: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

110

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”91. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

91 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 08 jan.

2015, s.p.

Page 111: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

111

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”92. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

08 jan. 2015.

Page 112: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

112

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”93. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

93 VERDAN, 2009, s.p.

Page 113: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

113

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”94. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

94 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 08 jan. 2015.

Page 114: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

114

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade95·. Ora, daí se

verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”96.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

95 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 96 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 115: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

115

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível97.

97 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 116: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

116

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”98. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 98 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 117: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

117

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198199,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

99 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 118: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

118

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”100.

Nesta senda, ainda, Fiorillo101, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

100 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 101 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 119: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

119

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal102.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 120: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

120

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”103.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988104 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

103 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 104 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 121: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

121

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade105.

105 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 122: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

122

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 123: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

123

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 124: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

124

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 125: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

125

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 126: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

126

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”106. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

106 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 08 jan. 2015, p.

15-16.

Page 127: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

127

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”107. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

107 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 128: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

128

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 129: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

129

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”108. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

108 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 08 jan.

2015.

Page 130: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

130

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”109, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000110, que institui o registro de bens culturais de

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

bem aponta Brollo111, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo112, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

109 BROLLO, 2006, p. 33. 110 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 111 BROLLO, 2006, p. 33. 112 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 131: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

131

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 OBJETIVO DA POLÍTICA DE

DESENVOLVIMENTO URBANO: BREVE PAINEL

DO ESTATUTO DAS CIDADES

Inicialmente, cuida anotar que o meio

ambiente artificial não está disciplinado tão somente na

redação do artigo 225 da Constituição Federal113, mas

sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o

artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a

113 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

Page 132: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

132

política urbana, desempenha papel proeminente no tema

em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o

meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata.

“Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da

Constituição Federal, em que encontramos uma proteção

geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio

ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182

do mesmo diploma”114. Salta aos olhos, deste modo, que o

conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está

umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não

sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia

qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores

estruturantes da dignidade humana e da própria

existência do indivíduo. A política urbana afixa como

preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas

alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República

Federativa do Brasil de 1988115. Ora, sobreleva ponderar

que a função social da cidade é devidamente

materializada quando esta proporciona a seus habitantes

o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade

114 FIORILLO, 2012, p. 549. 115 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

Page 133: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

133

e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital

mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à

saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à

maternidade, à infância, à assistência aos desamparados,

dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto

Constitucional vigente.

Com efeito, não se pode olvidar que o pleno

desenvolvimento reclama uma participação municipal

intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do

artigo 30 da Constituição Federal116, “que atribui ao

Município a competência de promover o adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo

urbano”117, tal como estabelecendo competência

suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é

possível destacar que a função social da cidade é

devidamente atendida quando propicia a seus habitantes

uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos

fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes

axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988.

116 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015. “Art. 30.

Compete aos Municípios: [omissis] VIII - promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. 117 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 134: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

134

Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só

cumpre a sua função social quando possibilita aos seus

habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder

Público, por conseguinte, proporcionar condições de

habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais

ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar

que a Constituição Federal, em seus artigos 183118 e

191119, consagrou modalidades especiais de usucapião

urbano e rural. “Outra função importante da cidade é

permitir a livre e tranquila circulação, através de um

adequado sistema da rede viária e de transportes,

contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”120.

O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes

centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se

apresenta como um óbice á livre e adequada circulação.

Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social

118 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015. “Art.

183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e

cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e

sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,

adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro

imóvel urbano ou rural”. 119 Ibid. “Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel

rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem

oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta

hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,

tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” 120 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 135: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

135

é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação,

edificando praças e implementando áreas verdes.

Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de

atividades laborativas, produzindo reais possibilidades

de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de

assegurar a existência de condições econômicas

destinadas à realização do consumo de produtos e

serviços fundamentais para a existência da pessoa

humana, bem como da ordem econômica estabelecida no

país.

5 O EXERCÍCIO DO DIREITO DE PREEMPÇÃO

PELO PODER PÚBLICO MUNICIPAL COMO

INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO E

SALVAGUARDA AO PATRIMÔNIO CULTURAL:

UMA ANÁLISE À LUZ DO ESTATUTO DAS

CIDADES

De plano, o instituto do direito de preempção

encontra regulamentação nos artigos 25 a 27 da Lei Nº.

10.257, de 10 de Julho de 2001121, que regulamenta os

121 BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,

estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

Page 136: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

136

arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece

diretrizes gerais da política urbana e dá outras

providências, tendo por escopo assegurar ao Poder

Público Municipal a preferência para aquisição de bem

imóvel, objeto de alienação entre particulares, para

satisfazer finalidades urbanas específicas. Com

destaque, as áreas compreendidas pelo direito de

preferência devem ser previamente definidas em

legislação municipal, fulcrada no plano diretor

estabelecido. Ao lado disso, prima anotar que o prazo de

vigência do direito também deve ser cominado pela lei

municipal em lapso não superior a cinco anos, renovável

a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de

vigência.

O artigo 26 do diploma legal supramencionado

afixa que o direito de preempção será exercido sempre

que o Poder Público Municipal necessitar de áreas para

o desenvolvimento de ações urbanísticas, dentre as quais

se encontra a proteção de áreas de interesse histórico,

cultural ou paisagístico. A partir do ponto de vista da

concreção do direito de preferência, o procedimento se

principia com o proprietário do bem inserido na área em

que vigora a restrição deverá notificar a intenção de

em: 08 jan. 2015.

Page 137: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

137

alienar o imóvel para que o Município, em prazo máximo

de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse em

adquirir o imóvel. Convém mencionar que à notificação

será anexada proposta de compra assinada por terceiro

interessado na aquisição do bem imóvel, da qual

constarão o preço, as condições de pagamento e o prazo

de validade.

Ao depois, o Município fará publicar, em órgão

oficial e em pelo menos um jornal local ou regional de

grande circulação, edital de aviso da notificação recebida

e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da

proposta apresentada. Decorrido o lapso temporal de

trinta dias sem manifestação do Município, fica o

proprietário autorizado a realizar a alienação para

terceiros, na condição da proposta originariamente

apresentada. Em sendo concretizada a venda a terceiro,

o proprietário fica obrigado a apresentar ao Município,

no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de

alienação imóvel. Anotar é mister que a alienação

processada em condições diversas da proposta

apresentada é nula de pleno direito. Ao lado disso, cuida

anotar que uma vez constatada a transação em

desconformidade com a proposta anteriormente

apresentada, o Município poderá adquirir o imóvel pelo

Page 138: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

138

valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado

na proposta, se este for inferior àquele.

Assim, observa-se que o direito de preempção

poderá ser empregado para assegurar a aquisição, pelo

Poder Público Municipal, de propriedades localizadas em

ares de entorno de bens tombados a fim de se assegurar

a integridade do conjunto. Igualmente, o direito em

comento pode ser utilizado para salvaguardar bens

integrantes de um sítio urbano de expressivo valor

arquitetônico, a ser revitalizado e destinado a escopos

culturais, sem que isso implique na necessidade de

adoção de medidas drásticas com a desapropriação, que,

corriqueiramente, desencadeiam problemas sociais e

jurídicos relevantes. O emprego do direito de preempção

traz outras vantagens adicionais, sendo possível

sublinhar o fato de permitir que o Poder Público tenha

conhecimento de todos os projetos de venda existentes

nas áreas definidas como de seu interesse, podendo

tomar conhecimento das intenções dos particulares,

antecipando-se à ação especulativa do mercado e

evitando que sejam praticados atos danos ao

ordenamento urbano e ao patrimônio cultural, como a

demolição ou a descaracterização de prédios ou locais

que devam ser preservados.

Page 139: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

139

É pertinente destacar que, em sendo adquirido

o imóvel por força do direito de preempção, o Município

tem a obrigação legal de dar-lhe exatamente a

destinação que ensejou a aquisição, conforme

estabelecido em legislação municipal. Ao lado disso, é

necessário estabelecer, oportunamente, que o emprego

de áreas obtidas por meio do direito de preferência em

desacordo com a finalidade preestabelecida legalmente

implica em responsabilização do Prefeito Municipal por

ato de improbidade administrativa, consoante espanca o

inciso III do artigo 52 da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho

de 2001122, que regulamenta os arts. 182 e 183 da

Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da

política urbana e dá outras providências.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

122 BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,

estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

em: 08 jan. 2015. Art. 52. Sem prejuízo da punição de outros agentes

públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o

Prefeito incorre em improbidade administrativa, nos termos da Lei

no 8.429, de 2 de junho de 1992,quando: [omissis] III – utilizar áreas

obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com o

disposto no art. 26 desta Lei;

Page 140: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

140

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__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

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141

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jan. 2015.

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FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

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Page 143: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

143

O INSTITUTO DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO

DE CONSTRUIR COMO INSTRUMENTO DE

PROMOÇÃO E SALVAGUARDA AO PATRIMÔNIO

CULTURAL: BREVES TESSITURAS EM

OBSERVÂNCIA AO ESTATUTO DAS CIDADES

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do instituto da transferência do direito de

construir como instrumento apto à promoção e

salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida

salientar que o meio ambiente cultural é

constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao

lado disso, quadra anotar que a cultura identifica

as sociedades humanas, sendo formada pela

história e maciçamente influenciada pela natureza,

como localização geográfica e clima. Com efeito, o

meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto

aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e

percepção são conformadas pela sua cultural. A

Page 144: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

144

cultura brasileira é o resultado daquilo que era

próprio das populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao

se analisar o meio ambiente cultural, enquanto

complexo macrossistema, é perceptível que é algo

incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens

culturais materiais e imateriais portadores de

referência à memória, à ação e à identidade dos

distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. O conceito de patrimônio histórico e

artístico nacional abrange todos os bens moveis e

imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu

excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural.

Transferência do Direito de Construir. Instrumento

de Preservação. Tutela Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica da Ramificação

Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção

de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio

Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Objetivo da

Política de Desenvolvimento Urbano: Breve Painel

do Estatuto das Cidades; 5 O Instituto da

Transferência do Direito de Construir como

Instrumento de Promoção e Salvaguarda ao

Patrimônio Cultural: Breves Tessituras em

observância ao Estatuto das Cidades

Page 145: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

145

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 146: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

146

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”123. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

123 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 08 jan.

2015, s.p.

Page 147: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

147

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”124. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

08 jan. 2015.

Page 148: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

148

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”125. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

125 VERDAN, 2009, s.p.

Page 149: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

149

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”126. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

126 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 08 jan. 2015.

Page 150: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

150

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade127·. Ora, daí

se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”128.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

127 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 128 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 151: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

151

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível129.

129 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 152: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

152

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”130. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 130 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 153: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

153

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981131,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

131 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 154: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

154

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”132.

Nesta senda, ainda, Fiorillo133, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

132 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 133 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 155: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

155

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal134.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 156: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

156

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”135.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988136 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

135 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 136 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 157: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

157

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade137.

137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 158: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

158

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

Page 159: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

159

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 160: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

160

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 161: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

161

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 162: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

162

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”138. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

138 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 08 jan. 2015, p.

15-16.

Page 163: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

163

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”139. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

139 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 164: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

164

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 165: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

165

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”140. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

140 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 08 jan.

2015.

Page 166: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

166

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”141, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000142, que institui o registro de bens culturais de

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

bem aponta Brollo143, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo144, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

141 BROLLO, 2006, p. 33. 142 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015. 143 BROLLO, 2006, p. 33. 144 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 167: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

167

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 OBJETIVO DA POLÍTICA DE

DESENVOLVIMENTO URBANO: BREVE PAINEL

DO ESTATUTO DAS CIDADES

Inicialmente, cuida anotar que o meio

ambiente artificial não está disciplinado tão somente na

redação do artigo 225 da Constituição Federal145, mas

sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o

artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a

145 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

Page 168: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

168

política urbana, desempenha papel proeminente no tema

em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o

meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata.

“Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da

Constituição Federal, em que encontramos uma proteção

geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio

ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182

do mesmo diploma”146. Salta aos olhos, deste modo, que o

conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está

umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não

sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia

qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores

estruturantes da dignidade humana e da própria

existência do indivíduo. A política urbana afixa como

preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas

alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República

Federativa do Brasil de 1988147. Ora, sobreleva ponderar

que a função social da cidade é devidamente

materializada quando esta proporciona a seus habitantes

o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade

146 FIORILLO, 2012, p. 549. 147 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

Page 169: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

169

e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital

mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à

saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à

maternidade, à infância, à assistência aos desamparados,

dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto

Constitucional vigente.

Com efeito, não se pode olvidar que o pleno

desenvolvimento reclama uma participação municipal

intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do

artigo 30 da Constituição Federal148, “que atribui ao

Município a competência de promover o adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo

urbano”149, tal como estabelecendo competência

suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é

possível destacar que a função social da cidade é

devidamente atendida quando propicia a seus habitantes

uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos

fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes

axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988.

148 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015. “Art. 30.

Compete aos Municípios: [omissis] VIII - promover, no que couber,

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. 149 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 170: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

170

Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só

cumpre a sua função social quando possibilita aos seus

habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder

Público, por conseguinte, proporcionar condições de

habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais

ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar

que a Constituição Federal, em seus artigos 183150 e

191151, consagrou modalidades especiais de usucapião

urbano e rural. “Outra função importante da cidade é

permitir a livre e tranquila circulação, através de um

adequado sistema da rede viária e de transportes,

contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”152.

O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes

centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se

apresenta como um óbice á livre e adequada circulação.

Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social

150 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015. “Art.

183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e

cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e

sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,

adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro

imóvel urbano ou rural”. 151 Ibid. “Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel

rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem

oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta

hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,

tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade” 152 FIORILLO, 2012, p. 550.

Page 171: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

171

é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação,

edificando praças e implementando áreas verdes.

Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de

atividades laborativas, produzindo reais possibilidades

de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de

assegurar a existência de condições econômicas

destinadas à realização do consumo de produtos e

serviços fundamentais para a existência da pessoa

humana, bem como da ordem econômica estabelecida no

país.

5 O INSTITUTO DA TRANSFERÊNCIA DO

DIREITO DE CONSTRUIR COMO INSTRUMENTO

DE PROMOÇÃO E SALVAGUARDA AO

PATRIMÔNIO CULTURAL: BREVES TESSITURAS

EM OBSERVÂNCIA AO ESTATUTO DAS CIDADES

De plano, o instituto da transferência do

direito de construir, consistente na faculdade do exercício

desse direito em imóvel distinto do que originalmente o

detinha, materializa mecanismo demasiadamente útil

para a preservação do patrimônio cultural, encontrando

previsão no artigo 35 da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho

Page 172: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

172

de 2001153, que regulamenta os arts. 182 e 183 da

Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da

política urbana e dá outras providências, tendo por

escopo assegurar ao Poder Público Municipal a

preferência para aquisição de bem imóvel, objeto de

alienação entre particulares, para satisfazer finalidades

urbanas específicas. Com destaque, preconiza o

dispositivo legal em comento que legislação municipal,

ancorada no plano diretor, poderá autorizar o

proprietário do imóvel urbano, privado ou público, a

exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura

pública, o direito de construir previsto no plano diretor

ou em legislação urbanística dele advindo, quando o

imóvel for considerado necessário para fins de: (i)

implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

(ii) preservação, quando o imóvel for considerado de

interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou

cultural; e (iii) servir a programas de regularização

fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população

de baixa renda e habitação de interesse social.

Com pertinência, o instrumento em exame,

153 BRASIL. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,

estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

em: 08 jan. 2015.

Page 173: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

173

comumente, tem sido empregado como forma de

compensar o proprietário do imóvel tombado, que não

ampliá-lo ou demoli-lo para no local realizar construção

contemporânea e com elevado número de pavimentos.

Dessa maneira, contribui para a justa repartição dos

encargos, ônus e benefícios decorrentes de aplicação do

regime de proteção e valorização do patrimônio cultural.

Ao lado disso, aquele que não puder exercer o direito de

construir, em sua plenitude, em decorrência das

limitações que visam à proteção do patrimônio cultural,

poderá ser beneficiado pelo instituto da transferência do

direito de construir, que lhe possibilita empregar, em

outro local, ou mesmo alienar esse direito, em harmonia

com a legislação municipal fundamentada no plano

diretor urbano. Na mesma hipótese, em havendo

previsão legal municipal, caso o proprietário doe seu

imóvel ao Poder Público para fins de proteção ao

patrimônio cultural, ele poderá exercer em outro local o

seu direito de construir remanescente, ou aliená-lo.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

Page 174: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

174

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição

Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e

dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 08 jan. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 08 jan. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda

Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 08

jan. 2015.

Page 175: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

175

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.

Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 08 jan. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de

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de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São

Paulo: Editora Saraiva, 2012.

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MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do

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SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.

Direito Constitucional Ambiental: Constituição,

Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2

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176

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SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental

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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

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Page 177: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

177

COMENTÁRIOS ÀS ZONAS ESPECIAIS DE

PRESERVAÇÃO CULTURAL: TESSITURAS AO

RECONHECIMENTO DE INSTRUMENTOS À

SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise das zonas especiais de preservação cultural

como instrumentos para a salvaguarda do

patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio

ambiente cultural é constituído por bens culturais,

cuja acepção compreende aqueles que possuem

valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,

espeleológico, fossilífero, turístico, científico,

refletindo as características de uma determinada

sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a

cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada

pela natureza, como localização geográfica e clima.

Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de

uma intensa interação entre homem e natureza,

porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua

atividade e percepção são conformadas pela sua

cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo

que era próprio das populações tradicionais

Page 178: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

178

indígenas e das transformações trazidas pelos

diversos grupos colonizadores e escravos africanos.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e

imateriais portadores de referência à memória, à

ação e à identidade dos distintos grupos formadores

da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja

conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria

ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Zonas

Especiais. Preservação Cultural.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves

notas à construção teórica da Ramificação

Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção

de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio

Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Comentários às

Zonas Especiais de Preservação Cultural:

Tessituras ao Reconhecimento de Instrumentos à

Salvaguarda do Patrimônio Cultural

Page 179: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

179

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 180: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

180

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”154. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

154 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 15 ago.

2015, s.p.

Page 181: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

181

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”155. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

15 ago. 2015.

Page 182: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

182

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”156. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

156 VERDAN, 2009, s.p.

Page 183: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

183

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”157. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

157 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 15 ago. 2015.

Page 184: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

184

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade158·. Ora, daí

se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”159.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

158 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 159 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 ago. 2015.

Page 185: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

185

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível160.

160 Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 186: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

186

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”161. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 15 ago. 2015. 161 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 187: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

187

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981162,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

162 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 ago. 2015.

Page 188: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

188

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”163.

Nesta senda, ainda, Fiorillo164, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

163 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 164 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 189: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

189

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal165.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

165 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 15 ago.

2015.

Page 190: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

190

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”166.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988167 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

166 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 167 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 ago. 2015: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 191: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

191

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade168.

168 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 192: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

192

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 15 ago. 2015.

Page 193: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

193

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 194: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

194

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 195: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

195

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 196: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

196

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”169. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

169 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 15 ago. 2015, p.

15-16.

Page 197: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

197

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”170. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

170 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 198: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

198

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 199: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

199

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”171. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

171 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 15 ago.

2015.

Page 200: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

200

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”172, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000173, que institui o registro de bens culturais de

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

bem aponta Brollo174, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo175, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

172 BROLLO, 2006, p. 33. 173 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 ago. 2015. 174 BROLLO, 2006, p. 33. 175 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 201: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

201

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 COMENTÁRIOS ÀS ZONAS ESPECIAIS DE

PRESERVAÇÃO CULTURAL: TESSITURAS AO

RECONHECIMENTO DE INSTRUMENTOS À

SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL

De plano, cuida esclarecer que as Zonas de

Preservação Cultural - ZEPEC são áreas do território

destinadas à preservação, recuperação e manutenção do

patrimônio histórico, artístico, arqueológico, podendo se

configurar como sítios, edifícios ou conjuntos urbanos e

foram introduzidas pelo Plano Diretor Urbano da Cidade

Page 202: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

202

de São Paulo. As ZEPEC pelas suas características

diferenciadas classificam-se em 3 (três) subgrupos: (i)

Bens Imóveis Representativos (BIR) - imóveis ou

conjuntos de imóveis de caráter histórico ou de

excepcional valor artístico, cultural ou paisagístico,

inclusive os que tenham valor referencial para a

comunidade; (ii) Áreas de Urbanização Especial (AUE) -

Conjuntos urbanos com características homogêneas de

traçado viário, vegetação e índices urbanísticos, que

constituem formas de urbanização de determinada época,

que devem ser preservados por suas qualidades

ambientais; (iii) Áreas de Proteção Paisagística (APP) -

sítios e logradouros com características ambientais,

naturais ou antrópicas, tais como: parques, jardins,

praças, monumentos, viadutos, pontes, passarelas e

formações naturais significativas, entre outras. As

intervenções nos imóveis enquadrados como ZEPEC

deverão ser regulamentadas por ato do Executivo,

respeitadas as orientações dos órgãos oficiais de

preservação.

Os usos permitidos em imóvel enquadrado

como ZEPEC são aqueles permitidos na zona de uso ou

categoria de via em que se situa o imóvel desde que

compatíveis com as normas estabelecidas na resolução de

Page 203: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

203

tombamento, quando houver. O potencial construtivo

virtual dos lotes onde se situam os imóveis de caráter

histórico, cultural, artístico, arqueológico, paisagístico ou

ambiental, enquadrados como ZEPEC - Zona Especial de

Preservação Cultural e classificados como BIR, poderá

ser transferido por seus proprietários mediante

instrumento público, obedecidas as disposições para a

transferência de potencial construtivo previstas na parte

I do Plano Diretor Urbano. Aos imóveis classificados

como ZEPEC/BIR poderá ser concedida isenção do

Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU como

incentivo à conservação ou restauração nos termos de lei

específica. A concessão dessa isenção dependerá de

manifestação favorável dos órgãos de preservação

competentes quanto ao: (i) projeto de restauro ou

recuperação proposto, ficando, neste caso, a isenção do

IPTU vinculada à realização da obra; (ii) estado de

conservação do imóvel.

Nos imóveis enquadrados como ZEPEC/BIR, os

pedidos de aprovação de obras, de licenciamentos

relacionados ao restauro e preservação do imóvel e de

sistemas de segurança, ficam isentos do pagamento das

respectivas taxas e emolumentos. A conservação de

imóvel enquadrado como ZEPEC constitui obrigação do

Page 204: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

204

proprietário, que deverá manter, cuidar e proteger

devidamente o imóvel para assegurar sua integridade e

evitar sua perda, destruição ou deterioração. A colocação

de anúncios indicativos em imóveis enquadrados como

ZEPEC ficará condicionada à prévia autorização da

Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e da

Secretaria Municipal de Cultura, que fixará as condições

para a instalação dos mesmos, de forma a não

comprometer a visibilidade e as características do imóvel

protegido, sendo proibida a colocação de anúncios

publicitários. É vedado o recobrimento das fachadas com

painéis ou outros dispositivos, ainda que não contenham

mensagem publicitária.

Nos imóveis enquadrados como ZEPEC os

remembramentos e desdobro de lotes, desmembramento

de glebas, as demolições, reformas, reparos, pintura

interna e externa, reconstruções ou novas edificações,

bem como o corte de vegetação arbórea, ficam sujeitas à

prévia autorização da Secretaria Municipal de

Planejamento Urbano ou por órgão municipal a ser

definido por decreto do Executivo tendo em vista a

preservação das características urbanas e ambientais

existentes. Os pedidos referentes ao disposto neste artigo

serão apreciados e decididos no prazo de 90 (noventa)

Page 205: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

205

dias, pela Secretaria Municipal de Planejamento Urbano,

a qual ouvirá, para fins de direito, os órgãos federal,

estadual e municipal competentes, no prazo estabelecido.

As normas para apreciação dos casos que se enquadrem

neste artigo serão objeto de regulamentação por decreto.

O não atendimento das diretrizes fixadas sujeitará o

proprietário à obrigação de repor o imóvel nas condições

anteriores.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 ago. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 ago. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

Page 206: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 02

206

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 15 ago. 2015.

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Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

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