compêndio de ensaios jurídicos: temas de direito do patrimônio cultural - v. 01, n. 06

195
TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL V. 01 N. 06

Upload: taua-lima-verdan

Post on 12-Jan-2016

8 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

TRANSCRIPT

Page 1: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

TAUÃ LIMA VERDAN

RANGEL

COMPÊNDIO DE ENSAIOS

JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO

DO PATRIMÔNIO CULTURAL

V.

01

N.

06

Page 2: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:

TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO

CULTURAL

(V. 01, N. 06)

Capa: Cândido Portinari, Café (1938).

ISBN: 978-1517027674

Editoração, padronização e formatação de texto

Tauã Lima Verdan Rangel

Projeto Gráfico e capa

Tauã Lima Verdan Rangel

Conteúdo, citações e referências bibliográficas

O autor

É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui

apresentados. Reprodução dos textos autorizada

mediante citação da fonte.

Page 3: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

A P R E S E N T A Ç Ã O

Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por

meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de

pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em

trabalhar, academicamente, determinados assuntos.

Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo

dogmático. É possível, à luz da tradicional visão

empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual

não se incluem somente as instituições legais, as ordens

legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados

tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das

mencionadas instituições, ordens e decisões,

materializando, comumente, uma “meta direito”. No

Direito, a construção do conhecimento advém da

interpretação de leis e as pessoas autorizadas a

interpretar as leis são os juristas.

Contudo, o alvorecer acadêmico que é

presenciado pelos Operadores do Direito, que se

debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a

conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando

as experiências empíricas e o contorno regional como

elementos indissociáveis para a compreensão do Direito.

Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento

Page 4: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

jurídico como algo dogmático, buscando conferir

molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos

científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios

Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade

interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e

inquietações produzida durante a formação acadêmica do

autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática

de Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca

trazer para o debate uma série de assuntos

contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

Boa leitura!

Tauã Lima Verdan Rangel

Page 5: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

5

S U M Á R I O

Anotações introdutórias à proteção do patrimônio

cultural imaterial: a preservação do meio ambiente

cultural como mecanismo para salvaguarda da

identidade nacional ............................................................. 06

Singelos comentários ao Estatuto dos Museus: painel

advindo da Lei nº 11.904/2009 ............................................ 43

Análise jurídica do Sistema dos Museus: singelos

apontamentos à Lei nº 11.904/2009 (Estatuto dos

Museus) ................................................................................ 81

Anotações à Lei nº 11.906/2009: breves comentários ao

Instituto Brasileiro de Museus ........................................... 110

Comentários ao Inventário Nacional dos Bens Móveis

Integrados (INBMI) para a salvaguarda e proteção do

patrimônio cultural ............................................................. 158

Page 6: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

6

ANOTAÇÕES INTRODUTÓRIAS À PROTEÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL: A

PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE CULTURAL

COMO MECANISMO PARA SALVAGUARDA DA

IDENTIDADE NACIONAL

Resumo: O conjunto de manifestações culturais,

enquanto patrimônio imaterial de uma população,

encontra-se estritamente atrelado à liberdade e à

essência da vida humana, pode ser considerado no

plano jurídico como bem cultural que confere

concreção aos direitos humanos e como axioma de

sustentação do patrimônio cultural. Trata-se de uma

estrutura que robustece os laços de identificação de

um determinado grupo populacional. Ora, não é

possível olvidar, em razão da dinamicidade da vida

contemporânea, tal como a difusão de informações e

assimilação de valores diversificados, que o

patrimônio cultural imaterial é constantemente

recriado pelas comunidades e grupos, em razão da

influência do ambiente, das interações com a natureza

Page 7: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

7

e com a história. À sombra do pontuado, a utilização

da língua consiste no exercício dos direitos culturais

linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos da

liberdade de expressão e comunicação, tal como a

substancialização do bem cultural intangível,

notadamente por meio das formas de expressão. Desta

feita, em decorrência do assinalado, o patrimônio

cultural imaterial se apresenta como elemento

estruturante da diversidade característica de uma

população. Ora, o Texto Constitucional conferiu o

assinalou que o tratamento da cultura e dos bens

culturais deflui dos elementos que sustentam o

Estado brasileiro como Estado Democrático de

Direito.

Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Tutela

Jurídica. Patrimônio Cultural

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Meio

Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Inaugurais; 3 Singelos Comentários ao Patrimônio

Cultural Imaterial; 4 Anotações à Proteção do

Patrimônio Cultural Imaterial: A Preservação do Meio

Ambiente Cultural como Mecanismo para

Salvaguarda da Identidade Nacional

Page 8: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

8

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO

AMBIENTAL

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não

mais subsiste uma visão arrimada em preceitos

estagnados e estanques, alheios às necessidades e às

diversidades sociais que passaram a contornar os

Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,

infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável

que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em

decorrência dos anseios da população, suplantados em

uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

Page 9: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

9

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural e robusta dependência das regras

consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo

primevo é assegurar que não haja uma vingança privada,

afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore

priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião

(“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar

que se concretize um cenário caracterizado por aspecto

caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 25 mai.

2013.

Page 10: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

10

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso

em 13 mar. 2014.

Page 11: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

11

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

3 VERDAN, 2009, s.p.

Page 12: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

12

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”4. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 25 mai. 2013.

Page 13: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

13

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os

direitos que constituem a terceira dimensão recebem a

alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de

solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma

patente preocupação com o destino da humanidade5. Ora,

daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um

direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado

com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga

em sua redação tais pressupostos como os princípios

fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.

3º - Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,

justa e solidária”6.

5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Page 14: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

14

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 15: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

15

essencialmente inexaurível7.

“Têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e

tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução

e concretização dos direitos fundamentais..

7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 25 mai. 2013. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 16: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

16

2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Em sede de comentários introdutórios, cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído por

bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que

a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada pela

natureza, como localização geográfica e clima. Com

efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa

interação entre homem e natureza, porquanto aquele

constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são

conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o

resultado daquilo que era próprio das populações

tradicionais indígenas e das transformações trazidas

pelos diversos grupos colonizadores e escravos

africanos”9. Desta maneira, a proteção do patrimônio

9 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Page 17: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

17

cultural se revela como instrumento robusto da

sobrevivência da própria sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”10. Quadra anotar, por imperioso, que os bens

compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem

tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;

preciosidades do passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 25 mai. 2013, p.

15-16. 10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 18: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

18

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

Page 19: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

19

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”11. Esses aspectos

11 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

Page 20: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

20

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial

transmite-se de geração a geração e é constantemente

recriado pelas comunidades e grupos em função de seu

ambiente”12, decorrendo, com destaque, da interação com

a natureza e dos acontecimentos históricos que

permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200013,

que institui o registro de bens culturais de natureza

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 25 mai.

2013. 12 BROLLO, 2006, p. 33. 13 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 21: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

21

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo14, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio.

Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por

Fiorillo15, que os bens que constituem o denominado

patrimônio cultural consistem na materialização da

história de um povo, de todo o caminho de sua formação e

reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o

condão de substancializar a identidade e a cidadania dos

indivíduos insertos em uma determinada comunidade.

Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,

conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente

humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,

sendo dotado de valor especial, notadamente em

decorrência de produzir um sentimento de identidade no

14 BROLLO, 2006, p. 33. 15 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 22: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

22

grupo em que se encontra inserido, bem como é

propiciada a constante evolução fomentada pela atenção

à diversidade e à criatividade humana.

3 Singelos Comentários ao Patrimônio Cultural

Imaterial

Tal como pontuado alhures, a cultura

apresenta como traços estruturantes elementos

espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, os quais

caracterizam uma sociedade ou, ainda, um grupo social

determinado, compreendendo, também, as artes e as

letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os

sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste

passo, é possível evidenciar que, em sede de meio

ambiente cultural, o conjunto de elementos que dá azo ao

patrimônio imaterial se apresenta como um dos mais

relevantes traços caracterizadores da identidade de uma

população, não somente para a presente e as futuras

gerações, viabilizando a compreensão da humanidade e

toda a sua evolução histórica. Com efeito, é possível

trazer à colação, com o escopo de robustecer as

ponderações estruturadas, o conteúdo do preâmbulo da

Convenção sobre a proteção e a promoção da Diversidade

Page 23: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

23

das Expressões Culturais da Unesco:

Considerando que a cultura assume formas

diversas através do tempo e do espaço, e que

esta diversidade se manifesta na

originalidade e na pluralidade das

identidades, assim como nas expressões

culturais dos povos e das sociedades que

formam a humanidade,

Reconhecendo a importância dos

conhecimentos tradicionais como fonte de

riqueza material e imaterial, e, em

particular, dos sistemas de conhecimento

das populações indígenas, e sua

contribuição positiva para o

desenvolvimento sustentável, assim como a

necessidade de assegurar sua adequada

proteção e promoção [...]

Reconhecendo que a diversidade das

expressões culturais, incluindo as

expressões culturais tradicionais, é um fator

importante, que possibilita aos indivíduos e

aos povos expressarem e compartilharem

com outros as suas idéias e valores, [...]

Tendo em conta a importância da vitalidade

das culturas para todos, incluindo as

pessoas que pertencem a minorias e povos

indígenas, tal como se manifesta em sua

liberdade de criar, difundir e distribuir as

suas expressões culturais tradicionais, bem

como de ter acesso a elas, de modo a

favorecer o seu próprio desenvolvimento16.

Ao lado disso, o conjunto de manifestações

culturais, enquanto patrimônio imaterial de uma

16 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a

proteção e a promoção da Diversidade das Expressões

Culturais. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em

25 mai. 2013.

Page 24: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

24

população, encontra-se estritamente atrelado à liberdade

e à essência da vida humana, pode ser considerado no

plano jurídico como bem cultural que confere concreção

aos direitos humanos e como axioma de sustentação do

patrimônio cultural. Trata-se de uma estrutura que

robustece os laços de identificação de um determinado

grupo populacional. Ora, não é possível olvidar, em razão

da dinamicidade da vida contemporânea, tal como a

difusão de informações e assimilação de valores

diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é

constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em

razão da influência do ambiente, das interações com a

natureza e com a história. À sombra do pontuado, a

utilização da língua consiste no exercício dos direitos

culturais linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos

da liberdade de expressão e comunicação, tal como a

substancialização do bem cultural intangível,

notadamente por meio das formas de expressão17.

17 Neste sentido: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.

Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural

Imaterial. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em

25 mai. 2013: “Artigo 2: Definições: Para os fins da presente

Convenção: 1. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as

práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto

com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes

são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,

os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio

cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de

Page 25: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

25

Desta feita, em decorrência do assinalado, o

patrimônio cultural imaterial se apresenta como

elemento estruturante da diversidade característica de

uma população. Ora, o Texto Constitucional conferiu o

assinalou que o tratamento da cultura e dos bens

culturais deflui dos elementos que sustentam o Estado

brasileiro como Estado Democrático de Direito. Em razão

disso, é possível afirmar a discussão alicerçada na

diversidade cultural, e, por extensão, nos direitos e bens

culturais desta decorrentes, tem seu alicerce nos

dispositivos constitucionais, já que o sistema jurídico

consagra um Estado de direito cultural e indica a

construção de um Estado Democrático Cultural. Quadra

pontuar que o traço cultural democrático é estabelecido

constitucionalmente, notadamente: (i) pelos artigos que

versam acerca da cultura, sobre a necessidade de

respeito à diversidade cultural brasileira e sobre a

importância da tutela dos bens culturais que são bastiões

geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza

e de sua história, gerando um sentimento de identidade e

continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à

diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da

presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio

cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos

internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos

de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do

desenvolvimento sustentável”.

Page 26: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

26

dos grupos formadores da sociedade; e, (ii) pela

estruturação do Estado para a tutela dos valores

culturais com a colaboração da comunidade. Desta sorte,

conquanto o Texto Constitucional não apresenta uma

definição estanque do que é patrimônio cultural

brasileiro, dispõe que o seu tratamento deve se orientar

pelo respeito à diversidade e à liberdade e na busca da

igualdade material entre e para os grupos constituintes

da sociedade brasileira, maiormente os grupos

desfavorecidos histórica, social e economicamente.

4 ANOTAÇÕES À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO

CULTURAL IMATERIAL: A PRESERVAÇÃO DO

MEIO AMBIENTE CULTURAL COMO

MECANISMO PARA SALVAGUARDA DA

IDENTIDADE NACIONAL

4.1 A Proeminência da Arte Kusiwa e Ritxòkò: A

Influência da Cultura Indígena

Como país dotado de um multiculturalismo

ímpar, o Brasil, por meio da Constituição Federal,

confere proteção ao pleno exercício dos direitos culturais,

garantindo, em consonância com a forma estabelecida no

Page 27: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

27

§1º do artigo 21518, a tutela jurídica de toda e qualquer

manifestação vinculada ao processo civilizatório

nacional. Neste viés, essa concepção constitucional de

dimensão multicultural na estruturação e tutela do

patrimônio cultural brasileiro é sagrada pela

manutenção do liame existente entre sociedade-Estado

na materialização de tarefas de promovam tanto o

exercício dos mencionados direitos, tal como a proteção e

fruição dos bens culturais materiais e imateriais que lhe

conferem suporte. A cultura indígena apresenta

proeminência singular na constituição do meio ambiente

cultural, conferindo uma identidade complexa e

diversificada na formação do povo brasileiro, tanto é

assim que diversos são os exemplos de registros

imateriais que buscam salvaguardar o patrimônio

imaterial.

18 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013: “Art.

215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos

culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e

incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§1º- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,

indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do

processo civilizatório nacional”.

Page 28: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

28

Fig. 01 – Iconografia Kusiwa: (a) anaconda ou moju; (b) composição

Kusiwa; (c) jiboia aramari; (d) panã (borboleta). Fonte: IPHAN/2013

Neste aspecto, é possível conceder destaque a

Arte Kusiwa, que compreende uma linguagem gráfica

dos índios Wajãpi do Amapá. Não se pode suprimir que a

linguagem kusiwa configura uma espécie de expressão

complementar aos saberes oralmente transmitido a cada

nova geração e compartilhados por todos os membros dos

grupos. É um conhecimento que se encontra,

principalmente, nos relatos orais que esse grupo

indígena, hoje com quinhentos e oitenta indivíduos,

Page 29: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

29

continua a transmitir aos seus filhos e que explica como

surgiram as cores, os padrões dos desenhos e as

diferenças entre as pessoas. A arte gráfica e a arte verbal

dos Wajãpi lhes permite agir sobre múltiplas dimensões

do mundo: sobre o visível e sobre o invisível, sobre o

concreto e sobre o mundo ideal. Não se trata de um saber

abstrato, mas sim de uma prática permanentemente

interativa, viva e dinâmica:

A Arte Kusiwa - pintura corporal e arte

gráfica Wajãpi - foi o primeiro bem

registrado no Livro de Registro das Formas

de Expressão. Trata-se de um sistema de

representação, de uma linguagem gráfica

dos índios Wajãpi do Amapá, que sintetiza

seu modo particular de conhecer, conceber e

agir sobre o universo. O sistema gráfico

kusiwa opera como um catalisador da

expressão, de conhecimentos e de práticas

que envolvem desde relações sociais,

crenças religiosas e tecnologias até valores

estéticos e morais. O excepcional valor

dessa forma de expressão está na

capacidade de condensar, transmitir e

renovar, através da criatividade dos

desenhistas e dos narradores, todos os

elementos particulares e únicos de um

modo de pensar e de se posicionar no

mundo próprio dos Wãjapi do Amapá. [...] A

arte Kusiwa se expressa em desenhos e

pinturas de corpos e objetos, a partir de um

repertório definido de padrões gráficos e de

suas variantes, que representam, de forma

sintética e abstrata, partes do corpo ou da

ornamentação de animais, como sucuris,

jibóias, onças, jabotis, peixes, borboletas, e

Page 30: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

30

objetos, como limas de ferro e bordunas.

Com denominações próprias, os padrões

gráficos podem ser combinados de muitas

maneiras diferentes, que não se repetem,

mas são sempre reconhecidos pelos Wajãpi

como Kusiwa. Trata-se de um acervo

cultural que se transforma de forma

dinâmica, através da inclusão de novos

elementos, do desuso de alguns ou da

modificação, através de suas variantes, de

outros19.

Via de consequência, são reconhecidos aos

índios suas línguas, como, com clareza solar, dicciona a

redação do artigo 231 da Constituição da República

Federativa do Brasil de 198820, sendo certo que a

existência de idioma oficial apontado não tem o condão

de obstar a utilização de sistema de representação

empregados como meio de comunicação dos índios e de

suas comunidades em face das relações e direitos

assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no

País. Em sede de anotações introdutórias, as Ritxòkò –

na condição de expressão artística e cosmológica do Povo

19 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

20 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013: “Art.

231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras

que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,

proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Page 31: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

31

Karajá – constituem uma referência cultural robusta

para o Povo Karajá, representando, muitas vezes, a

única fonte de renda das famílias. Com efeito, “a

confecção dessas figuras de cerâmica, denominadas na

língua nativa de ritxòkò (na ala feminina) e/ou ritxòò (na

ala masculina), é uma atividade exclusiva das mulheres

e envolve técnicas e modos de fazer considerados

tradicionais e transmitidos de geração em geração”21.

Ao lado disso, as bonecas do Povo Karajá

expressam importantes aspectos da identidade do grupo,

tal como simbolizam diferentes planos da sua estrutura

sociocosmologia. Ora, desbordando de meros lúdicos

objetos, as ritxòkòs são consideradas representações

imagéticas que compreendem significados sociais

profundos, por meio dos quais se reproduz o

ordenamento sociocultural e familiar dos Karajá. Com

motivos rituais, mitológicos, da vida cotidiana e da

fauna, as bonecas Karajá são importantes instrumentos

de socialização das crianças que, brincando, se veem

nesses objetos e aprendem a ser Karajá. Trata-se, neste

aspecto de instrumento que permite o desenvolvimento e

o fortalecimento da identidade, desde tenra idade, de

21 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 32: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

32

uma população específica que, em razão de aspectos

complexos, encontram liames comuns e que permitem a

afirmação de cultura própria. Como bem destaca Fiorillo,

“destina-se a satisfazer suas necessidades dentro de um

padrão cultural vinculado à sua dignidade”22.

Fig. 02. Bonecas Karajá

em processo de moldagem.

Fonte: IPHAN/2013

Fig. 03. Comércio de

Artesanato Indígena.

Fonte: IPHAN/2013.

Ademais, a pintura e a decoração das

cerâmicas estão associadas, de maneira respectiva, à

pintura corporal dos Karajá e às peças de vestuário e

adorno consideradas tradicionais. Neste passo,

indicativos de categorias de gênero, idade e estatuto

22 FIORILLO, 2012, p. 536.

Page 33: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

33

social, a pintura e os adereços complementam a

representação figurativa das bonecas, que identificam

então “o Karajá” homem ou mulher, solteiro ou casado,

com todos os atributos que “a cultura” cria para

distinguir convencionalmente essas categorias. “O

processo (criativo) de produção das ritxòkò ocorre por

meio de um jogo de elaboração e variação de formas e

conteúdos determinado por uma série de fatores, como a

experiência, a habilidade técnica”23, tal como a

preferência estética da ceramista pela combinação dos

motivos temáticos e dos diversos padrões de grafismo

aplicados, a função do objeto, o acesso às matérias-

primas e a disponibilidade de recursos financeiros para a

compra de materiais, a exigência do mercado interno e/ou

externo às aldeias, entre outros.

4.2 O Tambor de Crioula e o Jongo: A contribuição

da Cultura Africana na Constituição da Cultura

Brasileira

Outra robusta contribuição para a construção

da cultura brasileira, diversificando o seu leque de

incidência e fortalecendo sua diversidade, resulta da

influência da culta africana, por meio dos negros

23 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 34: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

34

traficados que foram trazidos para trabalhar como

escravos. Dentre as manifestações culturais, é possível

mencionar o “Tambor de Crioula” que ocorre em grande

parte dos Municípios do Estado do Maranhão,

compreendendo uma dança circular feminina, canto e

percussão de tambores. “Dela participam as coreiras ou

dançadeiras, conduzidas pelo ritmo intenso dos tambores

e pelo influxo das toadas evocadas por tocadores e

cantadores, culminando na punga ou umbigada – gesto

característico, entendido como saudação e convite”24. É

possível sustentar que o “Tambor de Crioula”, enquanto

patrimônio imaterial cultural, inclui-se entre as

manifestações do que se convencionou de denominar

“samba”, decorrentes, em sua gênese, do batuque, tal

como o jongo no Sudeste, o samba de roda no Recôncavo

Baiano, o coco no Nordeste e algumas espécies de samba

carioca. Identifica-se, além de sua origem comum, traços

confluentes na polirritmia dos tambores, no ritmo

sincopado, dentre os fundamentais movimentos

coreográficos e na umbigada.

O Tambor de Crioula é praticado livremente,

seja como divertimento ou em devoção a São Benedito,

não tendo local definido, nem época fixa de apresentação,

24 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 35: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

35

embora se observe uma maior ocorrência desse evento

durante o Carnaval e nas manifestações de Bumba-meu-

boi. Trata-se de um referencial de identidade e

resistência cultural dos negros maranhenses, que

compartilham um passado comum. Os elementos rituais

do Tambor permanecem vivos e presentes, propiciando o

exercício dos vínculos de pertencimento e a reiteração de

valores culturais afro-brasileiros. Ao lado disso, “o bem

que compõe o chamado patrimônio cultural traduz a

história de um povo, a sua formação cultural e, portanto,

os próprios elementos identificadores de sua cidadania”25,

o que estrutura o corolário essencial ao norteamento da

República Federativa do Brasil.

O jongo, por sua vez, é constituído percussão

de tambores, dança coletiva e práticas de magia, sendo

praticado nos quintas das periferias urbanas e em

algumas comunidades rurais no sudeste brasileiro.

“Acontece nas festas de santos católicos e divindades afro-

brasileiras, nas festas juninas, nas festas do Divino, no

13 de maio da abolição da escravatura”26. Trata-se de

uma forma de louvação aos antepassados, consolidação

de tradições e afirmação de identidades, encontrando

suas raízes nos saberes, ritos e crenças dos povos

25 FIORILLO, 2012, p. 534.

26 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 36: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

36

africanos, especialmente os de língua bantu. São

sugestivos dessas origens o profundo respeito aos

ancestrais, a valorização dos enigmas cantados e o

elemento coreográfico da umbigada. Em terras

brasileiras, essa forma de manifestação cultural

consolidou-se entre os escravos que trabalhavam nas

lavouras de café e cana-de-açúcar, na região sudeste,

fundamentalmente no vale do Rio Paraíba.

Trata-se de uma espécie de comunicação

desenvolvida no contexto da escravidão e que serviu

também como estratégia de sobrevivência e de circulação

de informações codificadas sobre fatos acontecidos entre

os antigos escravos por meio de pontos que os capatazes e

senhores não conseguiam compreender. Ao lado disso, em

razão do cenário em que essa modalidade de

manifestação floresceu, é possível verificar que esteve em

uma dimensão marginal, no qual os negros falam de si,

da comunidade em que se encontram inseridos, por meio

de crônica e da linguagem cifrada. Nesta esteira, o jongo

também é conhecido pelos nomes de tambu, batuque,

tambor e caxambu, oscilando da comunidade em que é

praticado. Cuida destacar que o jongo é executado por

meio do toque de tambores, sendo formada uma roda de

dançarinos que cantam em coro, respondendo ao solo de

um deles. Além disso, os tambores e os batuqueiros estão

Page 37: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

37

circundando a roda ou mesmo próximo dela, havendo

uma pluralidade de maneiras de se dançar o jongo. São

várias as maneiras de se dançar o jongo, sendo que

sozinhos ou em pares os praticantes vão ao centro da

roda, dançam até serem substituídos por outros

jongueiros. Muitas vezes nota-se, no momento da

substituição, o elemento coreográfico da umbigada. Ora,

“para que um bem seja considerado como patrimônio

histórico é necessária a existência de nexo vinculante com

a identidade, a ação e a memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira”27.

4.3 O Samba de Roda do Recôncavo Baiano

Como uma manifestação musical, coreográfica,

poética e festiva, dotada de importância e significância

da cultura brasileira, o samba de roda baiano tem seus

primeiros registros datados de 1860, inclusive com as

características e aspectos estruturantes existentes até

hoje. Presente em todo o estado da Bahia, ele é

especialmente forte e mais conhecido na região do

Recôncavo, a faixa de terra que se estende em torno da

Baía de Todos os Santos. “O Samba de Roda traz como

suporte determinante tradições culturais transmitidas

27 FIORILLO, 2012, p. 535.

Page 38: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

38

por africanos escravizados e seus descendentes”28. Insta

salientar que o samba de roda baiano inclui, com aspecto

estruturante, o culto aos orixás e caboclos, o jogo da

capoeira e a chamada comida de azeite, subsistindo uma

harmonia entre a herança negro-africana e aspectos

provenientes da culta portuguesa, a exemplo de

instrumentos musicais, tal como à própria língua

portuguesa nos elementos de suas formas poéticas. Ao

lado disso, o samba de roda pode ser realizado em

associação com o calendário festivo, tal como as festas de

São Cosme e Damião, em setembro, ou mesmo a festa da

Boa Morte, em Cachoeira, no mês de agosto. Todavia, é

possível que a manifestação cultural seja realizada em

qualquer momento, como uma diversão coletiva.

Apenas para rememorar, “as formas de

expressão, assim como manifestações das culturas

populares bem como dos grupos participantes de nosso

processo civilizatório nacional, estão tutelados pelo meio

ambiente cultural no plano constitucional”29. A

manifestação cultural em comento consiste em uma

expressão musical possui inúmeras variantes, que podem

ser divididas em dois tipos principais: o samba chula,

cujo similar na região de Cachoeira chama-se

28 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013. 29 FIORILLO, 2012, p. 536

Page 39: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

39

“barravento”, e o samba corrido. Historiadores da música

popular consideram o Samba de Roda baiano como uma

das fontes do samba carioca que, como se sabe, veio a

tornar-se, no decorrer do século XX, um símbolo

indiscutível de brasilidade. A narrativa de origem do

samba carioca remete à migração de negros baianos para

o Rio de Janeiro ao final do século XIX, que teriam

buscado reproduzir, nos bairros situados entre o canal do

Mangue e o cais do porto, seu ambiente cultural de

origem, onde a religião, a culinária, as festas e o samba

eram partes destacadas. “O Samba de Roda é uma das

jóias da cultura brasileira, por suas qualidades

intrínsecas de beleza, perfeição técnica, humor e poesia, e

pelo papel proeminente que vem desempenhando nas

próprias definições da identidade nacional” 30.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

30 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 40: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

40

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

_______. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.

Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

_______. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

_______. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

_______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

_______. Tribunal Regional Federal da Segunda

Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 25

mai. 2013.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

misto. Boletim Jurídico, Uberaba, ano 5, n. 968.

Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 25 mai. 2013.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Page 41: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

41

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São

Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo

Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito

Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000

Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:

Editora Impetus, 2004.

ORGANIZAÇÃO DAS NACÕES UNIDAS. Convenção

sobre a proteção e a promoção da Diversidade das

Expressões Culturais. Disponível em:

<http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em 25 mai. 2013.

_______. Convenção para a Salvaguarda do

Patrimônio Cultural Imaterial. Disponível em:

<http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em 25 mai. 2013.

SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria Estadual de

Cultura. Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br>.

Acesso em 25 mai. 2013.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental

Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

SOARES, Inês Virgínia Prado. Cidadania Cultural e

Direito à Diversidade Linguística: A Concepção

Constitucional das Línguas e Falares do Brasil como

Bem Cultural. Revista Internacional Direito e

Cidadania. Disponível em: < http://www.reid.org.br>.

Acesso em 25 mai. 2013.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:

Conforme o Novo Código Florestal e a Lei

Page 42: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

42

Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora

JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,

Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 25 mai. 2013.

Page 43: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

43

ANOTAÇÕES INTRODUTÓRIAS À PROTEÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL: A

PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE CULTURAL

COMO MECANISMO PARA SALVAGUARDA DA

IDENTIDADE NACIONAL

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do Estatuto dos Museus, instituído pela Lei nº

11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Cuida salientar que

o meio ambiente cultural é constituído por bens

culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar

que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada

pela natureza, como localização geográfica e clima.

Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma

intensa interação entre homem e natureza, porquanto

aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e

Page 44: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

44

percepção são conformadas pela sua cultural. A

cultura brasileira é o resultado daquilo que era

próprio das populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se

analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo

macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,

abstrato, fluído, constituído por bens culturais

materiais e imateriais portadores de referência à

memória, à ação e à identidade dos distintos grupos

formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange

todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,

cuja conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou

por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Estatuto dos

Museus. Tutela Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica da Ramificação Ambiental do

Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Singelos Comentários ao Estatuto dos

Museus: Painel advindo da Lei nº 11.904/2009

Page 45: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

45

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 46: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

46

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”31. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

31 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13

mar. 2015, s.p.

Page 47: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

47

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”32. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

13 mar. 2015.

Page 48: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

48

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”33. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

33 VERDAN, 2009, s.p.

Page 49: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

49

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”34. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

34 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 13 mar. 2015.

Page 50: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

50

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade35·. Ora, daí se

verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”36.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

35 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 36 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 51: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

51

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível37.

37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 52: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

52

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”38. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 38 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 53: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

53

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198139,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

39 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 54: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

54

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”40.

Nesta senda, ainda, Fiorillo41, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

40 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 41 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 55: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

55

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal42.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

42 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar.

2015.

Page 56: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

56

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”43.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198844 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

43 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 44 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 57: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

57

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade45.

45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 58: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

58

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 59: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

59

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 60: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

60

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 61: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

61

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 62: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

62

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”46. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

46 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 13 mar. 2015, p.

15-16.

Page 63: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

63

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”47. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

47 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 64: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

64

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 65: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

65

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”48. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

48 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13 mar.

2015.

Page 66: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

66

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”49, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200050,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo51, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,

segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo52, que

os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um

49 BROLLO, 2006, p. 33. 50 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 51 BROLLO, 2006, p. 33. 52 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 67: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

67

povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação

de seus valores culturais, os quais têm o condão de

substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos

insertos em uma determinada comunidade. Necessário se

faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto

seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em

razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado

de valor especial, notadamente em decorrência de

produzir um sentimento de identidade no grupo em que

se encontra inserido, bem como é propiciada a constante

evolução fomentada pela atenção à diversidade e à

criatividade humana.

4 SINGELOS COMENTÁRIOS AO ESTATUTO DOS

MUSEUS: PAINEL ADVINDO DA LEI Nº

11.904/2009

Em um primeiro momento, cuida anotar que a

Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 200953, que institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências, estabelece,

em uma concepção jurídica, que são considerados museus

as instituições sem fins lucrativos que conservam,

53 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 68: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

68

investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins

de preservação, estudo, pesquisa, educação,

contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor

histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer

outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da

sociedade e de seu desenvolvimento. Igualmente, para a

aplicação da legislação supramencionada, serão

consideradas as instituições e os processos museológicos

voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o

território visando ao desenvolvimento cultural e

socioeconômico e à participação das comunidades. Ao

lado disso, são princípios fundamentais que nortearão a

atuação dos museus: (i) a valorização da dignidade

humana; (ii) a promoção da cidadania; (iii) o

cumprimento da função social; (iv) a valorização e

preservação do patrimônio cultural e ambiental; (v) a

universalidade do acesso, o respeito e a valorização à

diversidade cultural; (vi) o intercâmbio institucional.

A Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 200954

(Estatuto dos Museus), traz ainda, em conformidade com

as características e o desenvolvimento de cada museu, a

possibilidade de existir filiais, seccionais e núcleos ou

54 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 69: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

69

anexos das instituições. Nos termos do diploma

supramencionado, considera-se como filial os museus

dependentes de outros quanto à sua direção e gestão,

inclusive financeira, mas que possuem plano museológico

autônomo; como seccional a parte diferenciada de um

museu que, com a finalidade de executar seu plano

museológico, ocupa um imóvel independente da sede

principal; como núcleo ou anexo os espaços móveis ou

imóveis que, por orientações museológicas específicas,

fazem parte de um projeto de museu. Ademais, poderá o

Poder Público estabelecer mecanismos de fomento e

incentivo visando à sustentabilidade dos museus

brasileiros. Assentado na proeminência do patrimônio

cultural, os bens culturais dos museus, em suas diversas

manifestações podem ser declarados como de interesse

público, no todo ou em parte. Consideram-se bens

culturais passíveis de musealização os bens móveis e

imóveis de interesse público, de natureza material ou

imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência ao ambiente natural, à

identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira. Será declarado

como de interesse público o acervo dos museus cuja

proteção e valorização, pesquisa e acesso à sociedade

Page 70: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

70

representar um valor cultural de destacada importância

para a Nação, respeitada a diversidade cultural,

regional, étnica e linguística do País.

O Estatuto dos Museus estabelece,

oportunamente, que a codificação não se aplica às

bibliotecas, aos arquivos, aos centros de documentação e

às coleções visitáveis. Ao lado disso, são consideradas

coleções visitáveis os conjuntos de bens culturais

conservados por uma pessoa física ou jurídica, que não

apresentem as características previstas no artigo 1º do

diploma legal multicitado, e que sejam abertos à

visitação, ainda que esporadicamente. Dicciona a

legislação que são considerados museus públicos as

instituições museológicas vinculadas ao poder público,

situadas no território nacional. Incumbirá ao Poder

Público firmar um plano anual prévio, de modo a

garantir o funcionamento dos museus públicos e permitir

o cumprimento de suas finalidades. Os museus públicos,

ainda consoante disposição do Estatuto dos Museus,

serão regidos por ato normativo específico. É vedada a

participação direta ou indireta de pessoal técnico dos

museus públicos em atividades ligadas à comercialização

de bens culturais. Atividades de avaliação para fins

comerciais serão permitidas aos funcionários em serviço

Page 71: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

71

nos museus, nos casos de uso interno, de interesse

científico, ou a pedido de órgão do Poder Público,

mediante procedimento administrativo cabível.

No que concerne ao regime aplicável, a criação

de museus por qualquer entidade é livre,

independentemente do regime jurídico estabelecidos no

Estatuto dos Museus. Ao lado disso, a criação, a fusão e a

extinção de museus serão efetivadas por meio de

documento público. A criação, a fusão ou a extinção de

museus deverá ser registrada no órgão competente do

poder público. Os museus poderão estimular a

constituição de associações de amigos dos museus,

grupos de interesse especializado, voluntariado ou outras

formas de colaboração e participação sistemática da

comunidade e do público. Os museus, à medida das suas

possibilidades, facultarão espaços para a instalação de

estruturas associativas ou de voluntariado que tenham

por fim a contribuição para o desempenho das funções e

finalidades dos museus. Os museus poderão criar um

serviço de acolhimento, formação e gestão de

voluntariado, dotando-se de um regulamento específico,

assegurando e estabelecendo o benefício mútuo da

instituição e dos voluntários. A denominação de museu

estadual, regional ou distrital só pode ser utilizada por

Page 72: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

72

museu vinculado a Unidade da Federação ou por museus

a quem o Estado autorize a utilização desta

denominação. Por derradeiro, a denominação de museu

municipal só pode ser utilizada por museu vinculado a

Município ou por museus a quem o Município autorize a

utilização desta denominação.

As entidades públicas e privadas de que

dependam os museus deverão definir claramente seu

enquadramento orgânico e aprovar o respectivo

regimento. Todo museu deverá dispor de instalações

adequadas ao cumprimento das funções necessárias, bem

como ao bem-estar dos usuários e funcionários. Compete

à direção dos museus assegurar o seu bom

funcionamento, o cumprimento do plano museológico por

meio de funções especializadas, bem como planejar e

coordenar a execução do plano anual de atividades. Os

museus garantirão a conservação e a segurança de seus

acervos, sendo que cada museu deverá elaborar

programas, normas e procedimentos de preservação,

conservação e restauração, em conformidade com a

legislação vigente. Aplicar-se-á o regime de

responsabilidade solidária às ações de preservação,

conservação ou restauração que impliquem dano

irreparável ou destruição de bens culturais dos museus,

Page 73: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

73

sendo punível a negligência. Os museus devem dispor

das condições de segurança indispensáveis para garantir

a proteção e a integridade dos bens culturais sob sua

guarda, bem como dos usuários, dos respectivos

funcionários e das instalações, sendo que cada museu

deve dispor de um Programa de Segurança

periodicamente testado para prevenir e neutralizar

perigos. É facultado aos museus estabelecer restrições à

entrada de objetos e, excepcionalmente, pessoas, desde

que devidamente justificadas.

As entidades de segurança pública poderão

cooperar com os museus, por meio da definição conjunta

do Programa de Segurança e da aprovação dos

equipamentos de prevenção e neutralização de

perigos. Os museus colaborarão com as entidades de

segurança pública no combate aos crimes contra a

propriedade e tráfico de bens culturais. O estudo e a

pesquisa fundamentam as ações desenvolvidas em todas

as áreas dos museus, no cumprimento das suas múltiplas

competências. O estudo e a pesquisa nortearão a política

de aquisições e descartes, a identificação e caracterização

dos bens culturais incorporados ou incorporáveis e as

atividades com fins de documentação, de conservação, de

interpretação e exposição e de educação. Os museus

Page 74: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

74

deverão promover estudos de público, diagnóstico de

participação e avaliações periódicas objetivando a

progressiva melhoria da qualidade de seu funcionamento

e o atendimento às necessidades dos visitantes. Os

museus deverão promover ações educativas,

fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na

participação comunitária, contribuindo para ampliar o

acesso da sociedade às manifestações culturais e ao

patrimônio material e imaterial da Nação. Os museus

deverão disponibilizar oportunidades de prática

profissional aos estabelecimentos de ensino que

ministrem cursos de museologia e afins, nos campos

disciplinares relacionados às funções museológicas e à

sua vocação.

As ações de comunicação constituem formas de

se fazer conhecer os bens culturais incorporados ou

depositados no museu, de forma a propiciar o acesso

público, bem como regulamentará o acesso público aos

bens culturais, levando em consideração as condições de

conservação e segurança. Os museus deverão elaborar e

implementar programas de exposições adequados à sua

vocação e tipologia, com a finalidade de promover acesso

aos bens culturais e estimular a reflexão e o

reconhecimento do seu valor simbólico. Os museus

Page 75: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

75

poderão autorizar ou produzir publicações sobre temas

vinculados a seus bens culturais e peças publicitárias

sobre seu acervo e suas atividades, sendo que: (i) serão

garantidos a qualidade, a fidelidade e os propósitos

científicos e educativos do material produzido, sem

prejuízo dos direitos de autor e conexos; e (ii) todas as

réplicas e demais cópias serão assinaladas como tais, de

modo a evitar que sejam confundidas com os objetos ou

espécimes originais. A política de gratuidade ou

onerosidade do ingresso ao museu será estabelecida por

ele ou pela entidade de que dependa, para diferentes

públicos, conforme dispositivos abrigados pelo sistema

legislativo nacional. Os museus caracterizar-se-ão pela

acessibilidade universal dos diferentes públicos, na

forma da legislação vigente. As estatísticas de visitantes

dos museus serão enviadas ao órgão ou entidade

competente do poder público, na forma fixada pela

respectiva entidade, quando solicitadas. Os museus

deverão disponibilizar um livro de sugestões e

reclamações disposto de forma visível na área de

acolhimento dos visitantes.

Os museus deverão formular, aprovar ou,

quando cabível, propor, para aprovação da entidade de

que dependa, uma política de aquisições e descartes de

Page 76: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

76

bens culturais, atualizada periodicamente. Os museus

vinculados ao Poder Público darão publicidade aos

termos de descartes a serem efetuados pela instituição,

por meio de publicação no respectivo Diário Oficial. É

obrigação dos museus manter documentação

sistematicamente atualizada sobre os bens culturais que

integram seus acervos, na forma de registros e

inventários, sendo que: (i) o registro e o inventário dos

bens culturais dos museus devem estruturar-se de forma

a assegurar a compatibilização com o inventário nacional

dos bens culturais; e (ii) os bens inventariados ou

registrados gozam de proteção com vistas em evitar o seu

perecimento ou degradação, a promover sua preservação

e segurança e a divulgar a respectiva existência Os

inventários museológicos e outros registros que

identifiquem bens culturais, elaborados por museus

públicos e privados, são considerados patrimônio

arquivístico de interesse nacional e devem ser

conservados nas respectivas instalações dos museus, de

modo a evitar destruição, perda ou deterioração. No caso

de extinção dos museus, os seus inventários e registros

serão conservados pelo órgão ou entidade sucessora.

A proteção dos bens culturais dos museus se

completa pelo inventário nacional, sem prejuízo de

Page 77: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

77

outras formas de proteção concorrentes. Entende-se por

inventário nacional, em consonância com a Lei nº

11.904, de 14 de janeiro de 200955 (Estatuto dos Museus),

a inserção de dados sistematizada e atualizada

periodicamente sobre os bens culturais existentes em

cada museu, objetivando a sua identificação e proteção. O

inventário nacional dos bens dos museus não terá

implicações na propriedade, posse ou outro direito real. O

inventário nacional dos bens culturais dos museus será

coordenado pela União. Para efeito da integridade do

inventário nacional, os museus responsabilizar-se-ão

pela inserção dos dados sobre seus bens culturais. Os

museus facilitarão o acesso à imagem e à reprodução de

seus bens culturais e documentos conforme os

procedimentos estabelecidos na legislação vigente e nos

regimentos internos de cada museu. A disponibilização

de que trata este artigo será fundamentada nos

princípios da conservação dos bens culturais, do interesse

público, da não interferência na atividade dos museus e

da garantia dos direitos de propriedade intelectual,

inclusive imagem, na forma da legislação vigente. Por

fim, em consonância com o Estatuto dos Museus, os

55 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 78: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

78

museus garantirão a proteção dos bens culturais que

constituem seus acervos, tanto em relação à qualidade

das imagens e reproduções quanto à fidelidade aos

sentidos educacional e de divulgação que lhes são

próprios, na forma da legislação vigente.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

Page 79: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

79

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.

Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em

13 mar. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda

Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13

mar. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.

Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 13 mar. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de

Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio

de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São

Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo

Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais. Disponível em:

Page 80: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

80

<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito

Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000

Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:

Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível

em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.

Direito Constitucional Ambiental: Constituição,

Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental

Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:

Conforme o Novo Código Florestal e a Lei

Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora

JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,

Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 81: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

81

ANÁLISE JURÍDICA DO SISTEMA DOS MUSEUS:

SINGELOS APONTAMENTOS À LEI Nº 11.904/2009

(ESTATUTO DOS MUSEUS)

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise jurídica do sistema dos museus, instituído

pela Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído

por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles

que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar

que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada

pela natureza, como localização geográfica e clima.

Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma

intensa interação entre homem e natureza, porquanto

aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e

percepção são conformadas pela sua cultural. A

cultura brasileira é o resultado daquilo que era

próprio das populações tradicionais indígenas e das

Page 82: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

82

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se

analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo

macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,

abstrato, fluído, constituído por bens culturais

materiais e imateriais portadores de referência à

memória, à ação e à identidade dos distintos grupos

formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange

todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,

cuja conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou

por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Sistema dos

Museus. Tutela Jurídica.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica da Ramificação Ambiental do

Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Análise Jurídica do Sistema dos

Museus: Singelos Apontamentos à Lei nº 11.904/2009

(Estatuto dos Museus)

Page 83: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

83

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 84: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

84

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”56. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

56 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13

mar. 2015, s.p.

Page 85: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

85

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”57. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

57 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

13 mar. 2015.

Page 86: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

86

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”58. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

58 VERDAN, 2009, s.p.

Page 87: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

87

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”59. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

59 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 13 mar. 2015.

Page 88: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

88

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade60·. Ora, daí se

verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”61.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

60 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 61 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 89: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

89

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível62.

62 Idem. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 90: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

90

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”63. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 63 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 91: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

91

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198164,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

64 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 92: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

92

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”65.

Nesta senda, ainda, Fiorillo66, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

65 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 66 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 93: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

93

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal67.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

67 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar.

2015.

Page 94: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

94

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”68.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198869 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

68 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 69 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 95: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

95

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade70.

70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 96: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

96

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 97: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

97

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 98: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

98

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 99: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

99

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 100: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

100

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”71. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

71 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 13 mar. 2015, p.

15-16.

Page 101: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

101

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”72. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

72 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 102: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

102

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 103: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

103

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”73. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

73 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13 mar.

2015.

Page 104: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

104

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”74, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200075,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo76, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,

segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo77, que

os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um

74 BROLLO, 2006, p. 33. 75 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015. 76 BROLLO, 2006, p. 33. 77 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 105: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

105

povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação

de seus valores culturais, os quais têm o condão de

substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos

insertos em uma determinada comunidade. Necessário se

faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto

seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em

razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado

de valor especial, notadamente em decorrência de

produzir um sentimento de identidade no grupo em que

se encontra inserido, bem como é propiciada a constante

evolução fomentada pela atenção à diversidade e à

criatividade humana.

4 ANÁLISE JURÍDICA DO SISTEMA DOS

MUSEUS: SINGELOS APONTAMENTOS À LEI Nº

11.904/2009 (ESTATUTO DOS MUSEUS)

Cuida anotar que a Lei nº 11.904, de 14 de

janeiro de 200978, que institui o Estatuto de Museus e dá

outras providências, introduziu no ordenamento jurídico

o Sistema de Museus, que é uma rede organizada de

instituições museológicas, baseado na adesão voluntária,

78 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 106: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

106

configurado de forma progressiva e que visa à

coordenação, articulação, à mediação, à qualificação e à

cooperação entre os museus. Os entes federados

estabelecerão em lei, denominada Estatuto Estadual,

Regional, Municipal ou Distrital dos Museus, normas

específicas de organização, articulação e atribuições das

instituições museológicas em sistemas de museus, de

acordo com os princípios dispostos neste Estatuto. A

instalação dos sistemas estaduais ou regionais, distritais

e municipais de museus será feita de forma gradativa,

sempre visando à qualificação dos respectivos

museus. Os sistemas de museus têm por finalidade: (i)

apoiar tecnicamente os museus da área disciplinar e

temática ou geográfica com eles relacionada; (ii)

promover a cooperação e a articulação entre os museus

da área disciplinar e temática ou geográfica com eles

relacionada, em especial com os museus municipais; (iii)

contribuir para a vitalidade e o dinamismo cultural dos

locais de instalação dos museus; (iv) elaborar pareceres e

relatórios sobre questões relativas à museologia no

contexto de atuação a eles adstrito; (v) colaborar com o

órgão ou entidade do poder público competente no

tocante à apreciação das candidaturas ao Sistema

Brasileiro de Museus, na promoção de programas e de

Page 107: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

107

atividade e no acompanhamento da respectiva execução.

O Sistema Brasileiro de Museus disporá de um

Comitê Gestor, com a finalidade de propor diretrizes e

ações, bem como apoiar e acompanhar o desenvolvimento

do setor museológico brasileiro. O Comitê Gestor do

Sistema Brasileiro de Museus será composto por

representantes de órgãos e entidades com

representatividade na área da museologia nacional. O

Sistema Brasileiro de Museus tem a finalidade de

promover: (i) a interação entre os museus, instituições

afins e profissionais ligados ao setor, visando ao

constante aperfeiçoamento da utilização de recursos

materiais e culturais; (ii) a valorização, registro e

disseminação de conhecimentos específicos no campo

museológico; (iii) a gestão integrada e o desenvolvimento

das instituições, acervos e processos museológicos; (iv) o

desenvolvimento das ações voltadas para as áreas de

aquisição de bens, capacitação de recursos humanos,

documentação, pesquisa, conservação, restauração,

comunicação e difusão entre os órgãos e entidades

públicas, entidades privadas e unidades museológicas

que integrem o Sistema; (v) a promoção da qualidade do

desempenho dos museus por meio da implementação de

procedimentos de avaliação.

Page 108: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

108

Constituem objetivos específicos do Sistema

Brasileiro de Museus: (i) promover a articulação entre as

instituições museológicas, respeitando sua autonomia

jurídico-administrativa, cultural e técnico-científica; (ii)

estimular o desenvolvimento de programas, projetos e

atividades museológicas que respeitem e valorizem o

patrimônio cultural de comunidades populares e

tradicionais, de acordo com as suas especificidades; (iii)

divulgar padrões e procedimentos técnico-científicos que

orientem as atividades desenvolvidas nas instituições

museológicas; (iv) estimular e apoiar os programas e

projetos de incremento e qualificação profissional de

equipes que atuem em instituições museológicas; (v)

estimular a participação e o interesse dos diversos

segmentos da sociedade no setor museológico; (vi)

estimular o desenvolvimento de programas, projetos e

atividades educativas e culturais nas instituições

museológicas; (vii) incentivar e promover a criação e a

articulação de redes e sistemas estaduais, municipais e

internacionais de museus, bem como seu intercâmbio e

integração ao Sistema Brasileiro de Museus; (viii)

contribuir para a implementação, manutenção e

atualização de um Cadastro Nacional de Museus; (ix)

propor a criação e aperfeiçoamento de instrumentos

Page 109: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

109

legais para o melhor desempenho e desenvolvimento das

instituições museológicas no País; (x) propor medidas

para a política de segurança e proteção de acervos,

instalações e edificações; (xi) incentivar a formação, a

atualização e a valorização dos profissionais de

instituições museológicas; e (xii) estimular práticas

voltadas para permuta, aquisição, documentação,

investigação, preservação, conservação, restauração e

difusão de acervos museológicos.

Poderão fazer parte do Sistema Brasileiro de

Museus, mediante a formalização de instrumento hábil a

ser firmado com o órgão competente, os museus públicos

e privados, instituições educacionais relacionadas à área

da museologia e as entidades afins, na forma da

legislação específica. Terão prioridade, quanto ao

beneficiamento por políticas especificamente

desenvolvidas, os museus integrantes do Sistema

Brasileiro de Museus. Os museus integrantes do Sistema

Brasileiro de Museus colaboram entre si e articulam os

respectivos recursos com vistas em melhorar e

potencializar a prestação de serviços ao público. A

colaboração supracitada traduz-se no estabelecimento de

contratos, acordos, convênios e protocolos de cooperação

entre museus ou com entidades públicas ou privadas. Os

Page 110: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

110

museus integrados ao Sistema Brasileiro de Museus

gozam do direito de preferência em caso de venda judicial

ou leilão de bens culturais, respeitada a legislação em

vigor. O prazo para o exercício do direito de preferência é

de quinze dias, e, em caso de concorrência entre os

museus do Sistema, cabe ao Comitê Gestor determinar

qual o museu a que se dará primazia. A preferência só

poderá ser exercida se o bem cultural objeto da

preferência se integrar na política de aquisições dos

museus, sob pena de nulidade do ato.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 111: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

111

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.

Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em

13 mar. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda

Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 13

mar. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.

Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 13 mar. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de

Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio

de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Page 112: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

112

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São

Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo

Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais. Disponível em:

<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito

Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000

Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:

Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível

em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.

Direito Constitucional Ambiental: Constituição,

Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental

Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:

Conforme o Novo Código Florestal e a Lei

Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora

JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,

Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 13 mar. 2015.

Page 113: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

113

ANOTAÇÕES À LEI Nº 11.906/2209: BREVES

COMENTÁRIOS AO INSTITUTO BRASILEIRO DE

MUSEUS

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do Instituto Brasileiro de Museus, criado pela

Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cuida

salientar que o meio ambiente cultural é constituído

por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles

que possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar

que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada

pela natureza, como localização geográfica e clima.

Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma

intensa interação entre homem e natureza, porquanto

aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e

percepção são conformadas pela sua cultural. A

cultura brasileira é o resultado daquilo que era

Page 114: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

114

próprio das populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se

analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo

macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,

abstrato, fluído, constituído por bens culturais

materiais e imateriais portadores de referência à

memória, à ação e à identidade dos distintos grupos

formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange

todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,

cuja conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou

por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Museus.

Instituto Brasileiro de Museus.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica da Ramificação Ambiental do

Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Ponderações ao Estatuto dos Museus;

5 Anotações à Lei nº 11.906/2009: Breves Comentários

ao Instituto Brasileiro de Museus

Page 115: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

115

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 116: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

116

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”79. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

79 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 jul.

2015, s.p.

Page 117: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

117

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”80. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

23 jul. 2015.

Page 118: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

118

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”81. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

81 VERDAN, 2009, s.p.

Page 119: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

119

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”82. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

82 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 23 jul. 2015.

Page 120: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

120

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade83·. Ora, daí se

verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”84.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

83 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 84 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 121: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

121

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível85.

85 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 122: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

122

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”86. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015. 86 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 123: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

123

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198187,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

87 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a

Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 124: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

124

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”88.

Nesta senda, ainda, Fiorillo89, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

88 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São

Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 89 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 125: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

125

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal90.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 126: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

126

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”91.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 198892 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

91 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 92 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015: “Art. 225.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 127: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

127

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade93.

93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 128: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

128

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 129: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

129

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 130: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

130

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 131: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

131

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 132: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

132

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”94. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

94 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 jul. 2015, p.

15-16.

Page 133: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

133

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”95. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

95 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 134: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

134

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

Page 135: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

135

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”96. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

96 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 23 jul.

2015.

Page 136: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

136

grupos em função de seu ambiente”97, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200098,

que institui o registro de bens culturais de natureza

imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências, consiste em instrumento efetivo

para a preservação dos bens imateriais que integram o

meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo99, em

seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o

registro de bens culturais de natureza imaterial que

integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também

estruturou uma política de inventariança,

referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se,

segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo100,

que os bens que constituem o denominado patrimônio

cultural consistem na materialização da história de um

povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação

97 BROLLO, 2006, p. 33. 98 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015. 99 BROLLO, 2006, p. 33. 100 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 137: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

137

de seus valores culturais, os quais têm o condão de

substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos

insertos em uma determinada comunidade. Necessário se

faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto

seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em

razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado

de valor especial, notadamente em decorrência de

produzir um sentimento de identidade no grupo em que

se encontra inserido, bem como é propiciada a constante

evolução fomentada pela atenção à diversidade e à

criatividade humana.

4 PONDERAÇÕES AO ESTATUTO DOS MUSEUS

Em um primeiro momento, cuida anotar que a

Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009101, que institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências, estabelece,

em uma concepção jurídica, que são considerados museus

as instituições sem fins lucrativos que conservam,

investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins

de preservação, estudo, pesquisa, educação,

contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor

101 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 138: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

138

histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer

outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da

sociedade e de seu desenvolvimento. Igualmente, para a

aplicação da legislação supramencionada, serão

consideradas as instituições e os processos museológicos

voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o

território visando ao desenvolvimento cultural e

socioeconômico e à participação das comunidades. Ao

lado disso, são princípios fundamentais que nortearão a

atuação dos museus: (i) a valorização da dignidade

humana; (ii) a promoção da cidadania; (iii) o

cumprimento da função social; (iv) a valorização e

preservação do patrimônio cultural e ambiental; (v) a

universalidade do acesso, o respeito e a valorização à

diversidade cultural; (vi) o intercâmbio institucional.

A Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009102

(Estatuto dos Museus), traz ainda, em conformidade com

as características e o desenvolvimento de cada museu, a

possibilidade de existir filiais, seccionais e núcleos ou

anexos das instituições. Nos termos do diploma

supramencionado, considera-se como filial os museus

dependentes de outros quanto à sua direção e gestão,

102 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 139: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

139

inclusive financeira, mas que possuem plano museológico

autônomo; como seccional a parte diferenciada de um

museu que, com a finalidade de executar seu plano

museológico, ocupa um imóvel independente da sede

principal; como núcleo ou anexo os espaços móveis ou

imóveis que, por orientações museológicas específicas,

fazem parte de um projeto de museu. Ademais, poderá o

Poder Público estabelecer mecanismos de fomento e

incentivo visando à sustentabilidade dos museus

brasileiros. Assentado na proeminência do patrimônio

cultural, os bens culturais dos museus, em suas diversas

manifestações podem ser declarados como de interesse

público, no todo ou em parte. Consideram-se bens

culturais passíveis de musealização os bens móveis e

imóveis de interesse público, de natureza material ou

imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,

portadores de referência ao ambiente natural, à

identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos

formadores da sociedade brasileira. Será declarado

como de interesse público o acervo dos museus cuja

proteção e valorização, pesquisa e acesso à sociedade

representar um valor cultural de destacada importância

para a Nação, respeitada a diversidade cultural,

regional, étnica e linguística do País.

Page 140: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

140

O Estatuto dos Museus estabelece,

oportunamente, que a codificação não se aplica às

bibliotecas, aos arquivos, aos centros de documentação e

às coleções visitáveis. Ao lado disso, são consideradas

coleções visitáveis os conjuntos de bens culturais

conservados por uma pessoa física ou jurídica, que não

apresentem as características previstas no artigo 1º do

diploma legal multicitado, e que sejam abertos à

visitação, ainda que esporadicamente. Dicciona a

legislação que são considerados museus públicos as

instituições museológicas vinculadas ao poder público,

situadas no território nacional. Incumbirá ao Poder

Público firmar um plano anual prévio, de modo a

garantir o funcionamento dos museus públicos e permitir

o cumprimento de suas finalidades. Os museus públicos,

ainda consoante disposição do Estatuto dos Museus,

serão regidos por ato normativo específico. É vedada a

participação direta ou indireta de pessoal técnico dos

museus públicos em atividades ligadas à comercialização

de bens culturais. Atividades de avaliação para fins

comerciais serão permitidas aos funcionários em serviço

nos museus, nos casos de uso interno, de interesse

científico, ou a pedido de órgão do Poder Público,

mediante procedimento administrativo cabível.

Page 141: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

141

No que concerne ao regime aplicável, a criação

de museus por qualquer entidade é livre,

independentemente do regime jurídico estabelecidosno

Estatuto dos Museus. Ao lado disso, a criação, a fusão e a

extinção de museus serão efetivadas por meio de

documento público. A criação, a fusão ou a extinção de

museus deverá ser registrada no órgão competente do

poder público. Os museus poderão estimular a

constituição de associações de amigos dos museus,

grupos de interesse especializado, voluntariado ou outras

formas de colaboração e participação sistemática da

comunidade e do público. Os museus, à medida das suas

possibilidades, facultarão espaços para a instalação de

estruturas associativas ou de voluntariado que tenham

por fim a contribuição para o desempenho das funções e

finalidades dos museus. Os museus poderão criar um

serviço de acolhimento, formação e gestão de

voluntariado, dotando-se de um regulamento específico,

assegurando e estabelecendo o benefício mútuo da

instituição e dos voluntários. A denominação de museu

estadual, regional ou distrital só pode ser utilizada por

museu vinculado a Unidade da Federação ou por museus

a quem o Estado autorize a utilização desta

denominação. Por derradeiro, a denominação de museu

Page 142: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

142

municipal só pode ser utilizada por museu vinculado a

Município ou por museus a quem o Município autorize a

utilização desta denominação.

As entidades públicas e privadas de que

dependam os museus deverão definir claramente seu

enquadramento orgânico e aprovar o respectivo

regimento. Todo museu deverá dispor de instalações

adequadas ao cumprimento das funções necessárias, bem

como ao bem-estar dos usuários e funcionários. Compete

à direção dos museus assegurar o seu bom

funcionamento, o cumprimento do plano museológico por

meio de funções especializadas, bem como planejar e

coordenar a execução do plano anual de atividades. Os

museus garantirão a conservação e a segurança de seus

acervos, sendo que cada museu deverá elaborar

programas, normas e procedimentos de preservação,

conservação e restauração, em conformidade com a

legislação vigente. Aplicar-se-á o regime de

responsabilidade solidária às ações de preservação,

conservação ou restauração que impliquem dano

irreparável ou destruição de bens culturais dos museus,

sendo punível a negligência. Os museus devem dispor

das condições de segurança indispensáveis para garantir

a proteção e a integridade dos bens culturais sob sua

Page 143: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

143

guarda, bem como dos usuários, dos respectivos

funcionários e das instalações, sendo que cada museu

deve dispor de um Programa de Segurança

periodicamente testado para prevenir e neutralizar

perigos. É facultado aos museus estabelecer restrições à

entrada de objetos e, excepcionalmente, pessoas, desde

que devidamente justificadas.

As entidades de segurança pública poderão

cooperar com os museus, por meio da definição conjunta

do Programa de Segurança e da aprovação dos

equipamentos de prevenção e neutralização de

perigos. Os museus colaborarão com as entidades de

segurança pública no combate aos crimes contra a

propriedade e tráfico de bens culturais. O estudo e a

pesquisa fundamentam as ações desenvolvidas em todas

as áreas dos museus, no cumprimento das suas múltiplas

competências. O estudo e a pesquisa nortearão a política

de aquisições e descartes, a identificação e caracterização

dos bens culturais incorporados ou incorporáveis e as

atividades com fins de documentação, de conservação, de

interpretação e exposição e de educação. Os museus

deverão promover estudos de público, diagnóstico de

participação e avaliações periódicas objetivando a

progressiva melhoria da qualidade de seu funcionamento

Page 144: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

144

e o atendimento às necessidades dos visitantes. Os

museus deverão promover ações educativas,

fundamentadas no respeito à diversidade cultural e na

participação comunitária, contribuindo para ampliar o

acesso da sociedade às manifestações culturais e ao

patrimônio material e imaterial da Nação. Os museus

deverão disponibilizar oportunidades de prática

profissional aos estabelecimentos de ensino que

ministrem cursos de museologia e afins, nos campos

disciplinares relacionados às funções museológicas e à

sua vocação.

As ações de comunicação constituem formas de

se fazer conhecer os bens culturais incorporados ou

depositados no museu, de forma a propiciar o acesso

público, bem como regulamentará o acesso público aos

bens culturais, levando em consideração as condições de

conservação e segurança. Os museus deverão elaborar e

implementar programas de exposições adequados à sua

vocação e tipologia, com a finalidade de promover acesso

aos bens culturais e estimular a reflexão e o

reconhecimento do seu valor simbólico. Os museus

poderão autorizar ou produzir publicações sobre temas

vinculados a seus bens culturais e peças publicitárias

sobre seu acervo e suas atividades, sendo que: (i) serão

Page 145: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

145

garantidos a qualidade, a fidelidade e os propósitos

científicos e educativos do material produzido, sem

prejuízo dos direitos de autor e conexos; e (ii) todas as

réplicas e demais cópias serão assinaladas como tais, de

modo a evitar que sejam confundidas com os objetos ou

espécimes originais. A política de gratuidade ou

onerosidade do ingresso ao museu será estabelecida por

ele ou pela entidade de que dependa, para diferentes

públicos, conforme dispositivos abrigados pelo sistema

legislativo nacional. Os museus caracterizar-se-ão pela

acessibilidade universal dos diferentes públicos, na

forma da legislação vigente. As estatísticas de visitantes

dos museus serão enviadas ao órgão ou entidade

competente do poder público, na forma fixada pela

respectiva entidade, quando solicitadas. Os museus

deverão disponibilizar um livro de sugestões e

reclamações disposto de forma visível na área de

acolhimento dos visitantes.

Os museus deverão formular, aprovar ou,

quando cabível, propor, para aprovação da entidade de

que dependa, uma política de aquisições e descartes de

bens culturais, atualizada periodicamente. Os museus

vinculados ao Poder Público darão publicidade aos

termos de descartes a serem efetuados pela instituição,

Page 146: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

146

por meio de publicação no respectivo Diário Oficial. É

obrigação dos museus manter documentação

sistematicamente atualizada sobre os bens culturais que

integram seus acervos, na forma de registros e

inventários, sendo que: (i) o registro e o inventário dos

bens culturais dos museus devem estruturar-se de forma

a assegurar a compatibilização com o inventário nacional

dos bens culturais; e (ii) os bens inventariados ou

registrados gozam de proteção com vistas em evitar o seu

perecimento ou degradação, a promover sua preservação

e segurança e a divulgar a respectiva existência Os

inventários museológicos e outros registros que

identifiquem bens culturais, elaborados por museus

públicos e privados, são considerados patrimônio

arquivístico de interesse nacional e devem ser

conservados nas respectivas instalações dos museus, de

modo a evitar destruição, perda ou deterioração. No caso

de extinção dos museus, os seus inventários e registros

serão conservados pelo órgão ou entidade sucessora.

A proteção dos bens culturais dos museus se

completa pelo inventário nacional, sem prejuízo de

outras formas de proteção concorrentes. Entende-se por

inventário nacional, em consonância com a Lei nº

Page 147: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

147

11.904, de 14 de janeiro de 2009103 (Estatuto dos

Museus), a inserção de dados sistematizada e atualizada

periodicamente sobre os bens culturais existentes em

cada museu, objetivando a sua identificação e proteção. O

inventário nacional dos bens dos museus não terá

implicações na propriedade, posse ou outro direito real. O

inventário nacional dos bens culturais dos museus será

coordenado pela União. Para efeito da integridade do

inventário nacional, os museus responsabilizar-se-ão

pela inserção dos dados sobre seus bens culturais. Os

museus facilitarão o acesso à imagem e à reprodução de

seus bens culturais e documentos conforme os

procedimentos estabelecidos na legislação vigente e nos

regimentos internos de cada museu. A disponibilização

de que trata este artigo será fundamentada nos

princípios da conservação dos bens culturais, do interesse

público, da não interferência na atividade dos museus e

da garantia dos direitos de propriedade intelectual,

inclusive imagem, na forma da legislação vigente. Por

fim , em consonância com o Estatuto dos Museus, os

museus garantirão a proteção dos bens culturais que

constituem seus acervos, tanto em relação à qualidade

103 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009. Institui o

Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 148: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

148

das imagens e reproduções quanto à fidelidade aos

sentidos educacional e de divulgação que lhes são

próprios, na forma da legislação vigente.

5 ANOTAÇÕES À LEI Nº 11.906/2009: BREVES

COMENTÁRIOS AO INSTITUTO BRASILEIRO DE

MUSEUS

Tecidos estes comentários, cuida anotar que a

Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009104, foi responsável

por criar o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM,

autarquia federal, dotada de personalidade jurídica de

direito público, com autonomia administrativa e

financeira, vinculada ao Ministério da Cultura, com sede

e foro na Capital Federal, podendo estabelecer escritórios

ou dependências em outras unidades da Federação. Ao

lado do exposto, é interessante destacar que, para os fins

da legislação em comento, são consideradas: (i) as

instituições museológicas: os centros culturais e de

práticas sociais, colocadas a serviço da sociedade e de seu

104 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o

Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e

vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da

Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e

Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito

do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 149: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

149

desenvolvimento, que possuem acervos e exposições

abertas ao público, com o objetivo de propiciar a

ampliação do campo de possibilidades de construção

identitária, a percepção crítica da realidade cultural

brasileira, o estímulo à produção do conhecimento e à

produção de novas oportunidades de lazer, tendo ainda

as seguintes características básicas: a) a vocação para a

comunicação, investigação, interpretação, documentação

e preservação de testemunhos culturais e naturais; b) o

trabalho permanente com o patrimônio cultural; c) o

desenvolvimento de programas, projetos e ações que

utilizem o patrimônio cultural como recurso educacional

e de inclusão social; e d) o compromisso com a gestão

democrática e participativa; (ii) bens culturais

musealizados: o conjunto de testemunhos culturais e

naturais que se encontram sob a proteção de instituições

museológicas; e (iii) atividades museológicas: os

procedimentos de seleção, aquisição, documentação,

preservação, conservação, restauração, investigação,

comunicação, valorização, exposição, organização e

gestão de bens culturais musealizados.

O IBRAM tem as seguintes finalidades: (i)

promover e assegurar a implementação de políticas

públicas para o setor museológico, com vistas em

Page 150: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

150

contribuir para a organização, gestão e desenvolvimento

de instituições museológicas e seus acervos; (ii) estimular

a participação de instituições museológicas e centros

culturais nas políticas públicas para o setor museológico

e nas ações de preservação, investigação e gestão do

patrimônio cultural musealizado; (iii) incentivar

programas e ações que viabilizem a preservação, a

promoção e a sustentabilidade do patrimônio

museológico brasileiro; (iv) estimular e apoiar a criação e

o fortalecimento de instituições museológicas; (v)

promover o estudo, a preservação, a valorização e a

divulgação do patrimônio cultural sob a guarda das

instituições museológicas, como fundamento de memória

e identidade social, fonte de investigação científica e de

fruição estética e simbólica; (vi) contribuir para a

divulgação e difusão, em âmbito nacional e internacional,

dos acervos museológicos brasileiros; (vii) promover a

permanente qualificação e a valorização de recursos

humanos do setor; (viii) desenvolver processos de

comunicação, educação e ação cultural, relativos ao

patrimônio cultural sob a guarda das instituições

museológicas para o reconhecimento dos diferentes

processos identitários, sejam eles de caráter nacional,

regional ou local, e o respeito à diferença e à diversidade

Page 151: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

151

cultural do povo brasileiro; e (ix) garantir os direitos das

comunidades organizadas de opinar sobre os processos de

identificação e definição do patrimônio a ser

musealizado.

Compete, nos termos do artigo 4º da a Lei nº

11.906, de 20 de Janeiro de 2009105, ao IBRAM: (i) propor

e implementar projetos, programas e ações para o setor

museológico, bem como coordenar, acompanhar e avaliar

as atividades deles decorrentes; (ii) estabelecer e

divulgar normas, padrões e procedimentos, com vistas

em aperfeiçoar o desempenho das instituições

museológicas no País e promover seu desenvolvimento;

(iii) fiscalizar e gerir técnica e normativamente os bens

culturais musealizados ou em processo de musealização;

(iv) promover o fortalecimento das instituições

museológicas como espaços de produção e disseminação

de conhecimento e de comunicação; (v) desenvolver e

apoiar programas de financiamento para o setor

museológico; (vi) estimular, subsidiar e acompanhar o

desenvolvimento de programas e projetos relativos a

105 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o

Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e

vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da

Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e

Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito

do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 152: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

152

atividades museológicas que respeitem e valorizem o

patrimônio cultural de comunidades populares e

tradicionais de acordo com suas especificidades; (vii)

estimular o desenvolvimento de programas, projetos e

atividades educativas e culturais das instituições

museológicas; (viii) promover o inventário sistemático

dos bens culturais musealizados, visando a sua difusão,

proteção e preservação, por meio de mecanismos de

cooperação com entidades públicas e privadas; (ix)

implantar e manter atualizado cadastro nacional de

museus visando à produção de conhecimentos e

informações sistematizadas sobre o campo museológico

brasileiro; (x) promover e apoiar atividades e projetos de

pesquisa sobre o patrimônio cultural musealizado, em

articulação com universidades e centros de investigação

científica, com vistas na sua preservação e difusão.

Igualmente, ainda nos termos do artigo 4º da

Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009106, compete ao

IBRAM: (xi) propor medidas de segurança e proteção de

acervos, instalações e edificações das instituições

106 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o

Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e

vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da

Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e

Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito

do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 153: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

153

museológicas, visando manter a integridade dos bens

culturais musealizados; (xii) propor medidas que visem a

impedir a evasão e a dispersão de bens culturais

musealizados, bem como se pronunciar acerca de

requerimentos ou solicitações de sua movimentação no

Brasil ou no exterior; (xiii) desenvolver e estimular ações

de circulação, intercâmbio e gestão de acervos e coleções;

(xiv) estimular e apoiar os programas e projetos de

qualificação profissional de equipes que atuam em

instituições museológicas; (xv) coordenar o Sistema

Brasileiro de Museus, fixar diretrizes, estabelecer

orientação normativa e supervisão técnica para o

exercício de suas atividades sistematizadas; (xvi)

promover e assegurar a divulgação no exterior do

patrimônio cultural brasileiro musealizado, em

articulação com o Ministério das Relações Exteriores; e

(xvii) exercer, em nome da União, o direito de preferência

na aquisição de bens culturais móveis, prevista no art. 22

do Decreto-Lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937,

respeitada a precedência pelo órgão federal de

preservação do patrimônio histórico e artístico.

Nos termos do artigo 10 da Lei nº 11.906, de 20

de Janeiro de 2009107, constituem receitas do IBRAM: (i)

107 Ibid.

Page 154: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

154

as dotações orçamentárias que lhe forem consignadas no

Orçamento Geral da União; (ii) os recursos provenientes

de convênios, acordos ou contratos celebrados com

entidades públicas nacionais, estrangeiras e

internacionais; (iii) as doações, legados, subvenções e

outros recursos que lhe forem destinados, as receitas

provenientes de empréstimos, auxílios, contribuições e

dotações de fontes internas e externas; (iv) o produto da

venda de publicações, acervos, material técnico, dados e

informações de emolumentos administrativos e de taxas

de inscrições em concursos; (v) a retribuição por serviços

de qualquer natureza prestados a terceiros; (vi) as

rendas de qualquer natureza, resultantes do exercício de

atividades que sejam afetas ou da exploração de imóveis

e acervos sob sua jurisdição; e (vii) os recursos de

transferência de outros órgãos da administração pública.

O patrimônio do IBRAM, em conformidade com o artigo

11 da Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009108,

constituir-se-á de: (i) bens e direitos transferidos em

decorrência do disposto no art. 8o da legislação em

108 BRASIL. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009. Cria o

Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425 (quatrocentos e

vinte e cinco) cargos efetivos do Plano Especial de Cargos da

Cultura, cria Cargos em Comissão do Grupo-Direção e

Assessoramento Superiores - DAS e Funções Gratificadas, no âmbito

do Poder Executivo Federal, e dá outras providências. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 155: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

155

comento; (ii) doações, legados e contribuições; (iii) bens e

direitos que adquirir; e (iv) rendas de qualquer natureza

derivadas de seus próprios bens e serviços

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 156: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

156

__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.

Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em

23 jul. 2015.

__________. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009.

Cria o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425

(quatrocentos e vinte e cinco) cargos efetivos do Plano

Especial de Cargos da Cultura, cria Cargos em Comissão

do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e

Funções Gratificadas, no âmbito do Poder Executivo

Federal, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 23 jul. 2015.

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda

Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 23

jul. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.

Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 23 jul. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de

Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio

de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São

Paulo: Editora Saraiva, 2012.

Page 157: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

157

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo

Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais. Disponível em:

<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito

Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000

Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:

Editora Impetus, 2004.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível

em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.

Direito Constitucional Ambiental: Constituição,

Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental

Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:

Conforme o Novo Código Florestal e a Lei

Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora

JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,

Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 jul. 2015.

Page 158: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

158

COMENTÁRIOS AO INVENTÁRIO NACIONAL DOS

BENS MÓVEIS INTEGRADOS (INBMI) PARA A

SALVAGUARDA E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO

CULTURAL

Resumo: O objetivo do presente está assentado na

análise do inventário nacional dos bens móveis

integrados (INBMI) e sua proeminência para a

salvaguarda do patrimônio cultural. Cuida salientar

que o meio ambiente cultural é constituído por bens

culturais, cuja acepção compreende aqueles que

possuem valor histórico, artístico, paisagístico,

arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,

científico, refletindo as características de uma

determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar

que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo

formada pela história e maciçamente influenciada

pela natureza, como localização geográfica e clima.

Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma

intensa interação entre homem e natureza, porquanto

aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e

Page 159: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

159

percepção são conformadas pela sua cultural. A

cultura brasileira é o resultado daquilo que era

próprio das populações tradicionais indígenas e das

transformações trazidas pelos diversos grupos

colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se

analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo

macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo,

abstrato, fluído, constituído por bens culturais

materiais e imateriais portadores de referência à

memória, à ação e à identidade dos distintos grupos

formadores da sociedade brasileira. O conceito de

patrimônio histórico e artístico nacional abrange

todos os bens moveis e imóveis, existentes no País,

cuja conservação seja de interesse público, por sua

vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou

por seu excepcional valor artístico, arqueológico,

etnográfico, bibliográfico e ambiental.

Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Inventário

Nacional. Bens Móveis.

Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas

à construção teórica da Ramificação Ambiental do

Direito; 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente;

3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos

Introdutórios; 4 Comentários ao Inventário Nacional

dos Bens Móveis Integrados (INBMI) para a

salvaguarda e proteção do Patrimônio Cultural

Page 160: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

160

1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES

NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA

RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca

do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a

Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de

arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas

ramificações que a integram, reclama uma interpretação

alicerçada nos plurais aspectos modificadores que

passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,

lançando à tona os aspectos característicos de

mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-

se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste

uma visão arrimada em preceitos estagnados e

estanques, alheios às necessidades e às diversidades

sociais que passaram a contornar os Ordenamentos

Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o

arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação

das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,

suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida

hastear, com bastante pertinência, como flâmula de

interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico

Page 161: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

161

'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está

o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de

interdependência que esse binômio mantém”109. Destarte,

com clareza solar, denota-se que há uma interação

consolidada na mútua dependência, já que o primeiro

tem suas balizas fincadas no constante processo de

evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas

Legislativos e institutos não fiquem inquinados de

inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a

realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

estrutural dependência das regras consolidadas pelo

Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar

que não haja uma vingança privada, afastando, por

extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em

que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,

dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça

um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988,

imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de

sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente

109 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do

Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.

2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 22 ago.

2015, s.p.

Page 162: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

162

quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico

e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas

necessidades que influenciam a realidade

contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto

magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao

apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,

peculiar porém porque não envelhece, nem permanece

jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um

dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua

beleza”110. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência

Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível

mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo

que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos

110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa

Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de

Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei

Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de

Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.

Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de

afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,

caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.

Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não

Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação

conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da

União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.

Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.

Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em

22 ago. 2015.

Page 163: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

163

Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles

consagrados.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se

evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a

permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma

rotunda independência dos estudiosos e profissionais da

Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento

de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma

progressiva evolução acerca do valor atribuído aos

princípios em face da legislação”111. Destarte, a partir de

uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,

infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista

cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que

Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo

passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho

vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na

aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das

situações concretas.

Nas últimas décadas, o aspecto de

mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,

quando se analisa a construção de novos que derivam da

Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a

ramificação ambiental, considerando como um ponto de

111 VERDAN, 2009, s.p.

Page 164: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

164

congruência da formação de novos ideários e cânones,

motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de

novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,

de boa técnica se apresenta os ensinamentos de

Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,

aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos

estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar

as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito

mais ligadas às ciências biológicas, até então era

marginalizadas”112. Assim, em decorrência da

proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira

paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas

discussões internacionais envolvendo a necessidade de

um desenvolvimento econômico pautado em

sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em

razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou

mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a

ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir

que ocorra a conservação e recuperação das áreas

degradadas, primacialmente as culturais.

112 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do

meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a

existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do

trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,

ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 22 ago. 2015.

Page 165: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

165

Ademais, há de ressaltar ainda que o direito

ambiental passou a figurar, especialmente, depois das

décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da

farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha

realçar que mais contemporâneos, os direitos que

constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de

direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,

contemplando, em sua estrutura, uma patente

preocupação com o destino da humanidade113·. Ora, daí

se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito

fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com

humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade

mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível

citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que

abriga em sua redação tais pressupostos como os

princípios fundamentais do Estado Democrático de

Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da

República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária”114.

Ainda nesta esteira, é possível verificar que a

113 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –

Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e

atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69. 114 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

Page 166: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

166

construção dos direitos encampados sob a rubrica de

terceira dimensão tende a identificar a existência de

valores concernentes a uma determinada categoria de

pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais

prosperando a típica fragmentação individual de seus

componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira

pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação

o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em

especial quando destaca:

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

direitos de terceira geração (ou de

novíssima dimensão), que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos,

genericamente, e de modo difuso, a todos os

integrantes dos agrupamentos sociais,

consagram o princípio da solidariedade e

constituem, por isso mesmo, ao lado dos

denominados direitos de quarta geração

(como o direito ao desenvolvimento e o

direito à paz), um momento importante no

processo de expansão e reconhecimento dos

direitos humanos, qualificados estes,

enquanto valores fundamentais

indisponíveis, como prerrogativas

impregnadas de uma natureza

essencialmente inexaurível115.

115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

Page 167: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

167

Quadra anotar que os direitos alocados sob a

rubrica de direito de terceira dimensão encontram como

assento primordial a visão da espécie humana na

condição de coletividade, superando, via de consequência,

a tradicional visão que está pautada no ser humano em

sua individualidade. Assim, a preocupação identificada

está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas

influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.

Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,

que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero

humano mesmo, num momento expressivo de sua

afirmação como valor supremo em termos de

existencialidade concreta”116. Com efeito, os direitos de

terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015. 116 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.

Page 168: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

168

ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na

Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível

aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e

concretização dos direitos fundamentais.

2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO

AMBIENTE

Em uma primeira plana, ao lançar mão do

sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso

I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981117,

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,

seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá

outras providências, salienta que o meio ambiente

consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e

influências de ordem química, física e biológica que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do

aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o

meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de

fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,

117 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre

a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

Page 169: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

169

e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas

formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos

apresentados por José Afonso da Silva, considera-se

meio-ambiente como “a interação do conjunto de

elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”118.

Nesta senda, ainda, Fiorillo119, ao tecer

comentários acerca da acepção conceitual de meio

ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em

um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao

intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada

à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o

meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com

os componentes que cercam o ser humano, os quais são

de imprescindível relevância para a sua existência. O

Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com

bastante pertinência, que:

(...) o meio ambiente é um conceito hoje

geminado com o de saúde pública, saúde de

118 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.

São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 119 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:

Editora Saraiva, 2012, p. 77.

Page 170: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

170

cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz

a Constituição, é por isso que estou falando

de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é

imbricado, é conceitualmente geminado com

o próprio desenvolvimento. Se antes nós

dizíamos que o meio ambiente é compatível

com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a

partir da Constituição, tecnicamente, que

não pode haver desenvolvimento senão com

o meio ambiente ecologicamente

equilibrado. A geminação do conceito me

parece de rigor técnico, porque salta da

própria Constituição Federal120.

É denotável, desta sorte, que a

constitucionalização do meio ambiente no Brasil

viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que

concerne, especificamente, às normas de proteção

ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos

corolários e princípios norteadores foram alçados ao

patamar constitucional, assumindo colocação eminente,

ao lado das liberdades públicas e dos direitos

120 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de

Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da

Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe

de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da

Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista

Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput

e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso

Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da

Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08

mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago.

2015.

Page 171: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

171

fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao

Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,

ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira

dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder

amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar

integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,

as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria

de normas constitucionais, com elaboração de capítulo

especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”121.

Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo

225 da Constituição Federal de 1988122 está abalizado em

quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em

conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que

assegura o substrato de edificação da ramificação

ambiental.

Primeiramente, em decorrência do tratamento

dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio

121 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o

Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.

Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 122 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República

Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015: “Art.

225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e

preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Page 172: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

172

ambiente foi içado à condição de direito de todos,

presentes e futuras gerações. É encarado como algo

pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,

não se admite o emprego de qualquer distinção entre

brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-

se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-

poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso

que possui, extrapola os limites territoriais do Estado

Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão

nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste

sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação

Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou

que:

A preocupação com o meio ambiente - que

hoje transcende o plano das presentes

gerações, para também atuar em favor das

gerações futuras (...) tem constituído, por

isso mesmo, objeto de regulações

normativas e de proclamações jurídicas,

que, ultrapassando a província meramente

doméstica do direito nacional de cada

Estado soberano, projetam-se no plano das

declarações internacionais, que refletem, em

sua expressão concreta, o compromisso das

Nações com o indeclinável respeito a esse

direito fundamental que assiste a toda a

Humanidade123.

123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em

Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De

Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -

Page 173: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

173

O termo “todos”, aludido na redação do caput

do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz

menção aos já nascidos (presente geração) e ainda

aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo

àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no

mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato

encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao

gênero humano o direito fundamental à liberdade, à

igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em

ambiente que permita desenvolver todas as suas

potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.

Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou

seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o

meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta

Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições

entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -

Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,

ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade

(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de

metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima

dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção

constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização

da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da

inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta

procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de

exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma

que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –

Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:

<www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

Page 174: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

174

feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa

patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e

protegido pelos organismos sociais e pelas instituições

estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável

que se impõe, objetivando sempre o benefício das

presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao

Poder Público quanto à coletividade considerada em si

mesma.

Assim, decorrente de tal fato, produz efeito

erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,

incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito

público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,

como também ente estatal, autarquia, fundação ou

sociedade de economia mista. Impera, também,

evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a

possibilidade de quantificar quantas são as pessoas

atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população

local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é

indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do

meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa

jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão

robusta de um poder deferido, não ao indivíduo

identificado em sua singularidade, mas num sentido

mais amplo, atribuído à própria coletividade social.

Page 175: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

175

Com a nova sistemática entabulada pela

redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente

passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a

lesões perpetradas contra o ser humano para se

agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em

relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de

uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos

sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser

esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da

sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na

salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie

humana está se tratando do bem-estar e condições

mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em

análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os

preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando

a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).

Por derradeiro, o quarto pilar é a

corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever

geral de se responsabilizar por todos os elementos que

integram o meio ambiente, assim como a condição

positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,

tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e

preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça

intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que

Page 176: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

176

permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio

ambiente, trabalhando com as premissas de

desenvolvimento sustentável, aliando progresso e

conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever

negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o

meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da

referida corresponsabilidade, são titulares do meio

ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.

3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

Quadra salientar que o meio ambiente cultural

é constituído por bens culturais, cuja acepção

compreende aqueles que possuem valor histórico,

artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,

fossilífero, turístico, científico, refletindo as

características de uma determinada sociedade. Ao lado

disso, quadra anotar que a cultura identifica as

sociedades humanas, sendo formada pela história e

maciçamente influenciada pela natureza, como

localização geográfica e clima. Com efeito, o meio

ambiente cultural decorre de uma intensa interação

entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu

Page 177: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

177

meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas

pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado

daquilo que era próprio das populações tradicionais

indígenas e das transformações trazidas pelos diversos

grupos colonizadores e escravos africanos”124. Desta

maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela

como instrumento robusto da sobrevivência da própria

sociedade.

Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente

cultural, enquanto complexo macrossistema, é

perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,

constituído por bens culturais materiais e imateriais

portadores de referência à memória, à ação e à

identidade dos distintos grupos formadores da sociedade

brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio

histórico e artístico nacional abrange todos os bens

moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja

de interesse público, por sua vinculação a fatos

memoráveis da História pátria ou por seu excepcional

124 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio

ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos

bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.

Disponível em:

<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-

05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 22 ago. 2015, p.

15-16.

Page 178: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

178

valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e

ambiental”125. Quadra anotar que os bens compreendidos

pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações

antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do

passado e obras contemporâneas.

Nesta esteira, é possível subclassificar o meio

ambiente cultural em duas espécies distintas, quais

sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o

meio-ambiente cultural concreto, também denominado

material, se revela materializado quando está

transfigurado em um objeto classificado como elemento

integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível

citar os prédios, as construções, os monumentos

arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que

albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,

paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos

citados alhures, em razão de todos os predicados que

ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural

concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o

robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso

Especial N° 115.599/RS:

125 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,

38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.

Page 179: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

179

Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio

cultural. Destruição de dunas em sítios

arqueológicos. Responsabilidade civil.

Indenização. O autor da destruição de dunas

que encobriam sítios arqueológicos deve

indenizar pelos prejuízos causados ao meio

ambiente, especificamente ao meio

ambiente natural (dunas) e ao meio

ambiente cultural (jazidas arqueológicas

com cerâmica indígena da Fase Vieira).

Recurso conhecido em parte e provido.

(Superior Tribunal de Justiça – Quarta

Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro

Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em

27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça

em 02.09.2002, p. 192).

Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente

cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando

este não se apresenta materializado no meio-ambiente

humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura

de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.

Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a

língua e suas variações regionais, os costumes, os modos

e como as pessoas relacionam-se, as produções

acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações

decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.

Neste sentido, é possível colacionar o entendimento

firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda

Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°

Page 180: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

180

2005251015239518, firmou entendimento que “expressões

tradicionais e termos de uso corrente, trivial e

disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo”126. Esses aspectos

constituem, sem distinção, abstratamente o meio-

ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o

patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a

126 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.

Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito

da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.

Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico

(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,

trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o

patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas

características podem inspirar o registro de marcas, pelas

peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável

repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a

marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),

utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos

povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino

desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o

de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso

corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou

alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do

jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo

merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas

circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro

ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação

parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da

relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência

do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº

818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado

por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.

Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em

25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 22 ago.

2015.

Page 181: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

181

geração e é constantemente recriado pelas comunidades e

grupos em função de seu ambiente”127, decorrendo, com

destaque, da interação com a natureza e dos

acontecimentos históricos que permeiam a população.

O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de

2000128, que institui o registro de bens culturais de

natureza imaterial que constituem patrimônio cultural

brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio

Imaterial e dá outras providências, consiste em

instrumento efetivo para a preservação dos bens

imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como

bem aponta Brollo129, em seu magistério, o aludido

decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais

de natureza imaterial que integram o patrimônio

cultural brasileiro, mas também estruturou uma política

de inventariança, referenciamento e valorização desse

patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado

por Celso Fiorillo130, que os bens que constituem o

denominado patrimônio cultural consistem na

127 BROLLO, 2006, p. 33. 128 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o

Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem

patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do

Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015. 129 BROLLO, 2006, p. 33. 130 FIORILLO, 2012, p. 80.

Page 182: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

182

materialização da história de um povo, de todo o caminho

de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,

os quais têm o condão de substancializar a identidade e a

cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada

comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-

ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do

meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que

o caracteriza, sendo dotado de valor especial,

notadamente em decorrência de produzir um sentimento

de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem

como é propiciada a constante evolução fomentada pela

atenção à diversidade e à criatividade humana.

4 COMENTÁRIOS AO INVENTÁRIO NACIONAL

DOS BENS MÓVEIS INTEGRADOS (INBMI) PARA

A SALVAGUARDA E PROTEÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL

De plano, cuida reconhecer que o artigo 216 da

Constituição da República Federativa do Brasil de

1988131 estabelece, de maneira exemplificativa, os

131 BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa

do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso

em 22 ago. 2015: “Art. 216. Constituem patrimônio cultural

Page 183: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

183

institutos e procedimentos a serem empregados em sede

de tutela e salvaguarda do patrimônio cultural,

comportando o alargamento do rol posto no texto

constitucional. Nesta linha de exposição, quadra

ponderar que o instituto do inventário não possui

regulamentação infraconstitucional, de âmbito nacional,

que estipule normas concernentes aos seus efeitos. Ao

lado disso, não se pode olvidar que o Texto

Constitucional estabelece que é competência concorrente

da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal,

bem como dos Municípios dispor acerca de mecanismos

e instrumentos para proteger e salvaguardar o

brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados

individualmente ou em conjunto, portadores de referência à

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da

sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de

expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as

criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos,

documentos, edificações e demais espaços destinados às

manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios

de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a

colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio

cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,

tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento

e preservação. § 2º - Cabem à administração pública, na forma da

lei, a gestão da documentação governamental e as providências para

franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º - A lei

estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e

valores culturais. § 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural

serão punidos, na forma da lei. § 5º - Ficam tombados todos os

documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos

antigos quilombos”.

Page 184: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

184

patrimônio histórico, cultural, artístico, turísticos e

paisagísticos.

Diante desse cenário, no qual se constata a

omissão da norma infraconstitucional federal em

estabelecer regramento que disponha acerca do

inventário, na condição de instituto protetivo do

patrimônio cultural, poderão os demais entes

federativos legislar sobre a proteção e preservação de

seus patrimônios culturais. Nesta senda, o inventário, na

condição de instrumento de preservação e salvaguarda

cultural, consiste na identificação das características,

particularidades, histórico e relevância cultural,

objetivando dispensar a proteção dos bens culturais

materiais, públicos ou privados, devendo-se, para tanto,

adotar, no que tange à execução, critérios técnicos

objetivos e alicerçados de natureza histórica, artística,

arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica.

Nesta toada, quadra primar que inventariar significa

descrever, de maneira minuciosa, a relação e conjunto de

bens culturais. “O inventário, na seara patrimonial, é

instrumento de conhecimento de bens culturais, seja

de natureza material ou imaterial, que subsidia as

políticas de preservação do patrimônio cultural”132.

132 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como

Page 185: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

185

Há que se destacar, assim, que o inventário

dos bens culturais implica no levantamento minucioso e

completo dos bens culturais, objetivando abarcar a

diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o

inventário é uma das atividades elementares para o

estabelecimento e priorização de ações dentro de uma

política volvida para a preservação e gestão do

patrimônio cultural, notadamente quando há que se

considerar que toda medida de proteção, intervenção e

valorização do patrimônio cultural reclama o prévio

conhecimento dos acervos existentes. Sobre a temática

colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda,

em seu magistério, explica:

Sob o ponto de vista prático o inventário

consiste na identificação e registro por

meio de pesquisa e levantamento das

características e particularidades de

determinado bem, adotando-se, para sua

execução, critérios técnicos objetivos e

fundamentados de natureza histórica,

artística, arquitetônica, sociológica,

paisagística e antropológica, entre outros.

Os resultados dos trabalhos de pesquisa

para fins de inventário são registrados

normalmente em fichas onde há a descrição

instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e

usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.

16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <

http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015, p. 121.

Page 186: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

186

sucinta do bem cultural, constando

informações básicas quanto a sua

importância histórica, características

físicas, delimitação, estado de conservação,

proprietário etc133.

A essência do inventário é o de apreciar o

bem, porquanto só se pode proteger aquilo que se

conhece fundamentando, inclusive, um posterior pedido

de tombamento. O pedido do tombado não é uma

consequência imediata, sendo possível, após o estudo

propiciado pelo instituto em comento, que determinado

bem não seja passível de tombamento, o que mostra a

incoerência de se atrelar ao inventário o efeito de

restrição da propriedade. Prima sublinhar que a ausência

de uma norma infraconstitucional regulamentadora do

instituto do inventário não obsta o Poder Público

utilizar-se de tal instrumento na condição de fonte de

conhecimento dos bens culturais alvos da

patrimonialização. De igual modo, é defeso falar em

produção da insegurança jurídica, eis que o inventário

encontra-se previsto constitucionalmente, afigurando-se

como prática corriqueira dos órgãos da preservação do

133 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como

instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural

brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 22 ago. 2015.

Page 187: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

187

patrimônio. “O que gerará turbulência no ofício dos

gestores do patrimônio é a previsível relutância dos

proprietários de imóveis a ser inventariados de abrir

suas portas para o levantamento de dados desse bem

cultural, o que já acontece com os proprietários de

imóveis tombados”134. Com propriedade, Miranda

apresenta a seguinte distinção:

O Inventário e o Tombamento não se confundem. Trata-se de instrumentos de efeitos absolutamente diversos, embora ambos sejam institutos jurídicos vocacionados para a proteção do patrimônio cultural. O inventário é instituto de efeitos jurídicos muito mais brandos do que o tombamento, mostrando-se como uma alternativa interessante para a proteção do patrimônio cultural sem a necessidade Administração Pública de se valer do obtuso e, não raras vezes, impopular instrumento do tombamento135.

Nesta linha, o tombamento, por mais que

ainda sobrepuje os demais instrumentos elencados como

mecanismos de preservação cultural, há muito não é

134 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como

instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e

usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.

16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <

http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015, p. 124-125. 135 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como

instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural

brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 22 ago. 2015.

Page 188: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

188

destinado apenas à excepcionalidade. Com efeito, cuida

pontuar que o inventário instrumentaliza o tombamento,

não podendo, portanto, ser com ele confundido, eis que

encerra aspectos característicos próprios. Ao lado disso,

os bens inventariados devem, imperiosamente, ser

conservados adequadamente por seus proprietários, eis

que ficam submetidos ao regime jurídico específico dos

bens culturais protegidos. Em igual sedimento, os bens

inventariados somente poderão ser destruídos,

inutilizados, deteriorados ou alterados por meio de prévia

autorização do órgão responsável pelo ato protetivo, que

deve exercer singular vigilância sobre o patrimônio

inventariado. Olender, ao esmiuçar o instituto em

comentário, explicita que:

Entendemos que, a partir do momento que, historicamente, o inventário se consolida, no Brasil, como aquilo que denominamos de “inventário de conhecimento ou de identificação” e que, nos últimos anos – principalmente a partir da própria atuação do poder judiciário – começa, concomitantemente, a ser utilizado como sinônimo daquilo que na França é denominado de “inventário suplementar” nos cabe, para não incorrermos em uma confusão que será bastante prejudicial para o desenvolvimento das políticas e das práticas de preservação do patrimônio em nosso país, partir para uma melhor denominação das ações hoje empreendidas com este nome. Penso que possuímos, neste caso, duas opções: 1) manter-se a

Page 189: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

189

denominação de inventário para aquela ação que se já encontra há mais tempo consolidada e criando-se outra denominação para o citado “tombamento flexível”; ou 2) adjetivar, sempre, os dois tipos de inventário aqui apresentados, denominando-se aquele inventário que entendemos já consolidado como “inventário de conhecimento”, “inventário de identificação” ou “inventário de proteção” e o segundo tipo de “inventário para a preservação” (como faz a legislação baiana), ou “inventário de estruturação e de complementação” (como faz a gaúcha), ou algum outro termo que o diferencie do anterior. Só assim, poderemos contribuir para a resolução desta questão que, infelizmente, provoca um desacordo entre diversos e importantes agentes responsáveis pela preservação deste patrimônio136.

Cuida mencionar, assim, no processo de

preservação do patrimônio cultural, o instituto do

inventário, como parte dos procedimentos de análise e

compreensão da realidade, constitui-se na ferramenta

elementar para o conhecimento do acervo cultural e

natural. Ao lado disso, a realização do inventário com a

participação a comunidade proporciona não somente a

obtenção do conhecimento do acervo por ela atribuído ao

patrimônio, mas, ainda, o fortalecimento dos seus

vínculos em relação ao patrimônio. Verifica-se, assim,

136 OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do patrimônio”.

Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:

<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

Page 190: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

190

que, mesmo não havendo disposição infraconstitucional

expressa sobre o instituto em comento, tal fato não

obstaculariza a utilização do instrumento em comento

pelo Poder Público, notadamente em decorrência da

proeminente atenção reclamada pela tutela e

salvaguarda de tal bem jurídico.

No que concerne ao Inventário Nacional dos

Bens Móveis Integrados, quadra anotar que consiste,

essencialmente, na documentação do acerco de bens

móveis e integrados a edificações religiosas tombadas em

órbita federal, considerando sua predominância no

conjunto dos monumentos do patrimônio cultural

brasileiro sob a fiscalização do IPHAN. Neste passo, o

inventário está voltado para a identificação de uma

razoável pluralidade de objetos da cultura material,

portadores de diferentes valores patrimoniais: histórico,

de antiguidade, artístico, rememorativo intencional,

social, de uso, simbólico. Abrange uma grande

quantidade de peças pertencentes a diferentes categorias

de bens móveis e integrados, em uso ou não, que vão

desde a pintura e a escultura, elementos arquitetônicos,

objetos de culto e indumentária, peças de mobiliário,

acessórios de mesa e objetos de iluminação, litúrgicos ou

não, até fragmentos remanescentes de peças antigas, que,

Page 191: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

191

embora desagregados, são parte importante da história

do monumento ou da comunidade religiosa que o habita.

O INBMI apresenta especificidades

metodológicas e precisa, ao mesmo tempo, lidar com a

subjetividade dos responsáveis imediatos pelos acervos

em questão, que são, em geral, os únicos conhecedores da

existência das peças e os únicos capazes de lhes

franquear acesso. A metodologia de execução do INBMI

foi sendo modelada ao longo dos anos por sucessivas

gerações de técnicos, oriundos de diversos campos

disciplinares envolvidos no Projeto. Parte deste

conhecimento, produzido a partir das experiências

realizadas em diferentes cidades e estados do país, está

sistematizado no Manual de Preenchimento do INBMI e

no Tesauro para Bens Móveis e Integrados para uso do

Iphan (em várias versões e em constante atualização) e

mesmo em alguns estudos e artigos científicos sobre o

Projeto.

REFERÊNCIA:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito

Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora

Malheiros Ltda., 2007.

Page 192: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

192

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)

República Federativa do Brasil. Brasília: Senado

Federal, 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

__________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de

2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza

Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,

cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de

1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e

artístico nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.

Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras

providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

__________. Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009.

Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em

22 ago. 2015.

__________. Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009.

Cria o Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, cria 425

(quatrocentos e vinte e cinco) cargos efetivos do Plano

Especial de Cargos da Cultura, cria Cargos em Comissão

do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e

Funções Gratificadas, no âmbito do Poder Executivo

Federal, e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br >. Acesso em 22 ago. 2015.

Page 193: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

193

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível

em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

__________. Tribunal Regional Federal da Segunda

Região. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 22

ago. 2015.

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna

classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a

problemática sobre a existência ou a inexistência das

classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente

misto. Boletim Jurídico, Uberaba, a. 5, n. 968.

Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.

Acesso em 22 ago. 2015.

CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como

instrumento de preservação do patrimônio cultural:

adequação e usos (des) caracterizadores de seu fim.

Revista CPC, São Paulo, n. 16, p. 119-135, mai.-out.

2013. Disponível em: < http://www.revistasusp.com.br>.

Acesso em 22 ago. 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de

Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio

de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito

Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São

Paulo: Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo

Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.

MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais. Disponível em:

Page 194: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

194

<www.tjmg.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como

instrumento constitucional de proteção ao patrimônio

cultural brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina,

2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista>. Acesso

em 22 ago. 2015.

MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito

Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000

Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:

Editora Impetus, 2004.

OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do

patrimônio”. Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:

<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de

Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível

em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em 22 ago. 2015.

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago.

Direito Constitucional Ambiental: Constituição,

Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental

Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental:

Conforme o Novo Código Florestal e a Lei

Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora

JusPodivm, 2012.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário

do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,

Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:

Page 195: Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 06

195

<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 22 ago. 2015.