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COMPARAÇÃO DO PADRÃO ALIMENTAR DE MÃES DE BAIXO NÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO DURANTE A FASE DE LACTAÇÃO E APÓS O DESMAME* Eliete Salomon Tudisco** Nair de Jesus Manoel** Paulete Goldenberg** Yara Juliano** Neil Ferreira Novo** Dirce Maria Sigulem** TUDISCO, E.S. et al. Comparação do padrão alimentar de mães de baixo nível sócio- econômico durante a fase de lactação e após o desmame. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19:133-45, 1985. RESUMO: Analisou-se a ingestão de alimentos de 190 mães de baixo nível sócio- econômico, residentes no município de São Paulo, SP (Brasil) em dois momentos; du- rante a fase de lactação (Inquérito I) e após o seu término (Inquérito II). Para ca- racterizar o padrão alimentar do grupo e dimensionar o risco, utilizou-se o inquérito alimentar recordatório de 24 horas. Os resultados mostraram que o padrão alimentar das mães é constituído por alimentos pertencentes aos grupos de protetores (feijão, leite C e carne de vaca); reguladores (banana, laranja, alface e tomate) e energéticos (arroz, pão, batata, macarrão, açúcar refinado e óleo vegetal), indicando uma dieta qualitativamente adequada. Encontrou-se, ainda, diferença estatisticamente significante no consumo de leite, feijão e café nos dois momentos analisados, indicando um maior consumo do primeiro durante o aleitamento natural (Inquérito I) e um aumento na ingestão de feijão e café após o desmame (Inquérito II). Além disso, o déficit apre- sentado no Inquérito I foi na maioria das vezes calórico-protéico, enquanto que no Inquérito II foi predominantemente calórico, verificando-se que a amostra analisada representa grupo de risco à desnutrição protéico-calórica. UNITERMOS: Inquéritos nutricionais, S. Paulo, Brasil. Hábitos alimentares. Ali- mento. Mães, estado nutricional. INTRODUÇÃO O aleitamento natural constituiu-se em uma das medidas fundamentais na prevenção primária da desnutrição pro- téico-calórica (DPC) na criança 2,18 . Nos últimos anos têm-se observado inte- resse crescente por problemas ligados ao aleitamento natural e ao desmame pre- coce 15,17,18 . Destaca-se, no entanto, no que se refere especificamente ao padrão alimentar da mulher lactante que, em nosso meio, praticamente inexistem tra- balhos que abordem o assunto. A lactação provoca no organismo fe- minimo modificações fisiológicas que re- sultam em aumento dos requisitos nutri- cionais 3,15 . A dieta, nestas circunstân- cias, deveria prover as necessidades bá- sicas do organismo materno e, também, suprir a quota recomendada para a pro- dução láctea de forma a manter as con- * Trabalho apresentado no II Congresso Paulista de Saúde Pública e I Congresso Nacional da ABRASCO. Realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 700.0.22.0/77. ** Do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina — Rua Botucatu, 740 04023 — São Paulo, SP — Brasil.

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COMPARAÇÃO DO PADRÃO ALIMENTAR DE MÃES DE BAIXONÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO DURANTE A FASE DE LACTAÇÃO

E APÓS O DESMAME*

Eliete Salomon Tudisco**Nair de Jesus Manoel**Paulete Goldenberg**Yara Juliano**Neil Ferreira Novo**Dirce Maria Sigulem**

TUDISCO, E.S. et al. Comparação do padrão alimentar de mães de baixo nível sócio-econômico durante a fase de lactação e após o desmame. Rev. Saúde públ., S. Paulo,19:133-45, 1985.

RESUMO: Analisou-se a ingestão de alimentos de 190 mães de baixo nível sócio-econômico, residentes no município de São Paulo, SP (Brasil) em dois momentos; du-rante a fase de lactação (Inquérito I) e após o seu término (Inquérito II). Para ca-racterizar o padrão alimentar do grupo e dimensionar o risco, utilizou-se o inquéritoalimentar recordatório de 24 horas. Os resultados mostraram que o padrão alimentardas mães é constituído por alimentos pertencentes aos grupos de protetores (feijão,leite C e carne de vaca); reguladores (banana, laranja, alface e tomate) e energéticos(arroz, pão, batata, macarrão, açúcar refinado e óleo vegetal), indicando uma dietaqualitativamente adequada. Encontrou-se, ainda, diferença estatisticamente significanteno consumo de leite, feijão e café nos dois momentos analisados, indicando um maiorconsumo do primeiro durante o aleitamento natural (Inquérito I) e um aumento naingestão de feijão e café após o desmame (Inquérito II). Além disso, o déficit apre-sentado no Inquérito I foi na maioria das vezes calórico-protéico, enquanto que noInquérito II foi predominantemente calórico, verificando-se que a amostra analisadarepresenta grupo de risco à desnutrição protéico-calórica.

UNITERMOS: Inquéritos nutricionais, S. Paulo, Brasil. Hábitos alimentares. Ali-mento. Mães, estado nutricional.

INTRODUÇÃO

O aleitamento natural constituiu-seem uma das medidas fundamentais naprevenção primária da desnutrição pro-téico-calórica (DPC) na criança 2,18. Nosúltimos anos têm-se observado inte-resse crescente por problemas ligados aoaleitamento natural e ao desmame pre-coce 15,17,18. Destaca-se, no entanto, noque se refere especificamente ao padrãoalimentar da mulher lactante que, em

nosso meio, praticamente inexistem tra-balhos que abordem o assunto.

A lactação provoca no organismo fe-minimo modificações fisiológicas que re-sultam em aumento dos requisitos nutri-cionais 3,15. A dieta, nestas circunstân-cias, deveria prover as necessidades bá-sicas do organismo materno e, também,suprir a quota recomendada para a pro-dução láctea de forma a manter as con-

* Trabalho apresentado no II Congresso Paulista de Saúde Pública e I Congresso Nacional daABRASCO. Realizado com auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico (CNPq), Processo N° 700.0.22.0/77.

** Do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina — Rua Botucatu,740 — 04023 — São Paulo, SP — Brasil.

dições de nutrição da mulher durante alactação 4,14.

O conhecimento do padrão alimentardeste grupo vulnerável torna-se funda-mental para identificar prováveis defi-ciências de caráter dietético que pode-riam comprometer seu estado de nutri-ção.

Aventa-se a hipótese que o aumentodos requerimentos nutricionais seria umdos fatores predisponentes que determi-naria o início do processo de DPC nanutriz.

A partir dos resultados obtidos em umlevantamento realizado no município deSão Paulo 17, busca-se no presente tra-balho os seguintes objetivos:

— identificar o padrão alimentar deum grupo de mães durante a fasede lactação e após o término damesma;

— quantificar o déficit calórico-pro-téico da dieta, identificando-se ogrupo de maior risco;

— contribuir para o adequado plane-jamento de Programas de Suple-mentação Alimentar para gruposde maior risco.

METODOLOGIA

A presente pesquisa foi parte integran-te de um projeto mais amplo sobre "In-fluências das Práticas Alimentares noEstado Nutricional de Lactantes e Pré-Escolares", realizado no município deSão Paulo nos anos de 1978 e 197917.As 190 mulheres que constituíram aamostra foram selecionadas em três ma-ternidades que atendem população debaixa renda (Amparo Maternal, LegiãoBrasileira de Assistência e MaternidadeEscola Vila Nova Cachoeirinha).

Os critérios de amostragem estabeleci-dos foram os seguintes:

— renda familiar igual ou menor a1,0 salário mínimo per capita(SMPC);

— recém-nascido com peso superiora 2.500 gr.

A fim de se obter informações sobreo padrão básico da dieta do grupo emdois momentos, isto é, durante o aleita-mento natural (Inquérito I) e após o des-mame (Inquérito II), e desta formaquantificar a ingestão, foi utilizado o mé-todo de inquérito alimentar recordatóriode 24 horas 5,10,12. Os alimentos eramanotados por refeição, aceitando-se ainformação da entrevistada sobre a quan-tidade ingerida em medidas caseiras, gra-mas ou unidades e ordenados em gruposseguindo as normas propostas pela Fun-dação Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (FIBGE)8 em seu EstudoNacional de eDspesa Familiar (ENDEF).

O Inquérito I foi aplicado no total daamostra (n =190), durante a primeira vi-sita ao domicílio , que ocorreu em umtempo mediano de 9 dias após o parto. OInquérito II foi executado somente na-queles em que se constatou o desmame,isto é, em 125 casos.

Na avaliação da dieta os alimentos,obtidos na maioria das vezes em medi-das caseiras ou unidades, foram trans-formados em gramas, seguindo-se umatabela elaborada por Tudisco e col.20.Os cálculos de calorias e proteínas in-geridas foram baseados na Tabela deComposição de Alimentos Compiladapelo Departamento de Nutrição da Fa-culdade de Saúde Pública da Universi-dade de São Paulo 21 e, para os alimen-tos não constantes da mesma, na Tabe-la de Composição da FIBGE 7.

Para o cálculo da adequação da dietaempregou-se a seguinte relação:

Obteve-se a ingestão recomendada decalorias e proteínas utilizando-se os re-querimentos sugeridos pelo National Re-search Council, 19743,14, corrigindo-seas necessidades calóricas para peso e ti-po de atividade. Nas mulheres adultaslevou-se em conta o peso ideal para aestatura e, nas adolescentes, o peso idealpara a idade3. Quanto ao tipo de ativi-dade, no Inquérito I considerou-se ematividade leve as mães que permaneciamem casa e em atividade moderada aque-las que possuíam ocupação fora do do-micílio. No Inquérito II consideraram-setodas em atividade moderada, pois, foraou dentro do domicílio, as ocupaçõeseram muito semelhantes.

O trabalho de campo foi executadopor estudantes da área sócio-econômica,treinadas por nutricionistas 19.

Como método estatístico para a análi-se dos resultados utilizou-se o Teste deWilcoxon (T) para amostras correlatas,quando comparados os valores médiosde ingestão por grupo de alimento obser-vado nos Inquéritos I e II. Levando emconta o tamanho da amostra, o teste foirealizado com apromixação à curva nor-mal (estatística Z)16.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao enfocar-se o problema de nutriçãona população, levando-se em considera-ção os hábitos alimentares e a ingestãode alimentos, analisa-se a problemáticano período pré-patogênico da histórianatural da doença; avaliando-se, destaforma, o risco a que a mesma está ex-posta 2,18. Esta informação obtida a par-tir do inquérito alimentar é necessáriapara: a) identificar quais são os princi-pais alimentos que constituem a dietade grupos vulneráveis da população; b)conhecer quais são as fontes mais im-portantes de calorias e proteínas; c) con-tribuir mais efetivamente para os pro-gramas de suplementação alimentar exis-tentes 5,19.

Com o objetivo de se obter o padrãoalimentar do grupo de mães estudadas,observa-se na Tabela l a ingestão mé-dia diária per capita por alimento e porgrupos de alimentos nos Inquéritos I eII. Verifica-se, pelos dados obtidos, umasemelhança de hábito alimentar nos doismomentos analisados.

Nota-se que a ingestão mais importantecorrespondeu ao grupo de cereais e de-rivados, sendo que os alimentos mais con-sumidos foram, em ordem de priorida-de, o arroz e o pão. No grupo de fecu-lentos, o alimento mais consumido foi abatata. Dentre as leguminosas, o feijãofoi o único componente. Quanto ao gru-po de hortaliças, constatou-se a prefe-rência das mães pelo tomate e alface,mas em termos quantitativos as cifrasmédias foram insuficientes. No grupo defrutas observou-se que as mais consumi-das foram a laranja e a banana, mas aquantidade ingerida foi mínima.

No grupo de carnes e ovos nota-seque a carne de vaca foi a mais consu-mida, seguida pela de frango. Os embu-tidos (salsicha, lingüiça, mortadela), asvísceras, os peixes e os ovos apareceramem pequena quantidade. Quanto ao gru-po de leite e substitutos, observa-se queo alimento mais consumido foi o leite C.Os substitutos do leite (queijos e iogur-tes) e o leite integral em pó aparecemem pequenas quantidades, indicando quenão fazem parte do hábito alimentar daamostra estudada.

No grupo de gorduras nota-se que asmais utilizadas são os óleos vegetais e,em menor quantidade, as margarinas.Entre os alimentos constantes do grupodiversos o café é o que aparece em maiorquantidade, percebendo-se ainda que re-frigerantes e bebidas alcoólicas (cerveja,vinho e aguardente) são pouco consumi-dos.

Quanto ao Gestal, suplemento alimen-tar distribuído às gestantes e nutrizes pe-

los centros de saúde, verifica-se que aquantidade ingerida pela mãe, enquantonutriz, é mínima, o que indica baixa co-bertura da atividade de suplementaçãoalimentar na amostra.

A seguir, procurou-se analisar o con-sumo médio diário por grupo de alimen-

to nos dois momentos estudados, a fimde detectar possíveis diferenças de con-sumo. Para tanto, aplicou-se o Teste deWilcoxon nos 125 casos completos, istoé, naqueles em que foram realizados osInquéritos I e II. Observa-se na Tabela2 que apenas nos grupos do leite e de

leguminosas e no grupo de diversos pa-ra o café as diferenças entre as médiasforam estatisticamente significantes.

Para o grupo de leite e substitutos, amédia do Inquérito I é significantemen-te maior; essa análise demonstrou queo consumo de leite C, maior componen-te do grupo, foi mais elevado neste mo-mento, indicando a preferência da mãepor um alimento considerado ideal nafase de lactação. É interessante notar

que no Inquérito II existe um aumentoestatisticamente significante no consumomédio de café e de leguminosas, revelan-do que, na amostra estudada, quando amãe interrompe a lactação, ela diminuia ingestão de leite e aumenta o consu-mo de café e de feijão, único compo-nente do grupo legumonosas, passandoa ter a dieta semelhante aos demais inte-grantes da família8,17. As médias dosdemais grupos não apresentaram diferen-

ças significantes nos dois momentos ana-lisados.

Com a finalidade de se avaliar adistribuição de consumo dos diferentesalimentos no total de casos estudados,calcularam-se as proporções consumidas,agrupando-se agora, os alimentos pelafunção que exercem no organismo, istoé, alimentos protetores, reguladores eenergéticos.

Na Tabela 3 verifica-se que mais de50% das mães ingeriram carne de vaca,sendo esta proporção mais elevada(56,3%) no Inquérito I. Quanto à car-ne de frango, observa-se que cerca de20% das mães consomem-na, e é inte-ressante notar que a proporção é menorno Inquérito I. Este último dado suge-re que o consumo de frango, hábito po-pular utilizado no passado durante o

puerpério, já não é mais uma prática emtermos de população.

Quanto ao feijão, nota-se que cerca de80% das mães o utilizam, tanto no In-quérito I como no II; estes resultadosmostram que este alimento se constituiem uma das principais fontes de amino-ácidos em termos populacionais, dada aalta percentagem de indivíduos que oconsome.

O leite C, no Inquérito I, foi consumi-do por 66% das mães, e, no Inquérito II,a proporção cai para 45 %; assim, alémda quantidade média ingerida diminuirapós o desmame, há também queda na

proporção de mães que ingerem este ali-mento.

Nota-se ainda que a percentagem demães que ingerem ovo é baixa nos doisinquéritos; esperava-se que o consumofosse maior no grupo estudado, por sereste alimento a fonte de proteínas dealto valor biológico de mais baixo custo.Os demais alimentos que integram ogrupo de protetores, quando aparecem,apresentam freqüência de aproximada-mente igual ou menor a 10%. Assim,os alimentos fontes de proteínas que sãoconsumidos por mais de 50% do gru-po analisado são em ordem de priori-dade: feijão, leite C e carne de vaca.

Quanto ao grupo de alimentos regu-ladores, observa-se na Tabela 4 que, en-tre as frutas, as proporções estão entre13% e 14% tanto para a banana como

para a laranja; os demais alimentos des-te grupo aparecem com valor inferiora 6%.

Na Tabela 5 encontram-se descritasas proporções de mães que ingeriramhortaliças; o alface e o tomate, que re-presentaram a maior preferência, nuncaaparecem em proporção superior a 16%.

Esses dados indicam que as hortaliças eas frutas são consumidas por pequenaparcela da população, o que poderia serexplicado pelo preço destes produtos nomercado.

Na Tabela 6 encontram-se discrimina-das as proporções de mães por consu-mo de alimentos energéticos. Observa-se que mais de 90% ingeriram arroz eaçúcar refinado e que mais de 77%, pão.Alimentos do tipo bolacha apareceramem proporção mais elevada no Inquéri-

to I, o que poderia ser explicado porser este um período em que a preferênciarecai sobre alimentos considerados es-peciais.

Outras fontes de hidratos de carbo-no, como macarrão e batata, aparecemna proporção de 20% a 26%; os de-

mais alimentos indicam, pelas propor-ções apresentadas, que não fazem partedo hábito alimentar do grupo estudado.Esses dados mostram que a grande con-tribuição para o grupo de energéticos,além dos óleos vegetais e do açúcar, édada pelo arroz, pão e, em menor quan-tidade, pelo macarrão e batata.

A partir dos dados analisados, orde-nando-se os alimentos pela função quedesempenham no organismo, o padrãoalimentar deste grupo de mães de bai-xa renda é:

Protetores: feijão, leite C e carne devaca

Reguladores: banana, laranja, alfacee tomate

Energéticos: arroz, pão, batata, ma-carrão, açúcares e gorduras.

Verifica-se assim que os alimentos queapresentam maior freqüência de consu-mo, na amostra analisada, pouco dife-rem daqueles encontrados em outros es-tudos realizados na região de São Pau-lo 8,9,17. Estes dados reforçam a hipótesede que a dieta é satisfatória em termosqualitativos, indicando que a populaçãode baixa renda é bastante racional naescolha de seus alimentos.

De maneira geral, pôde-se observargrande racionalidade nas dietas do gru-po analisado, não se verificando aber-rações de consumo que poderiam au-mentar o custo da dieta.

Analisa-se a seguir a composição dadieta que permite quantificar a sua ade-quação em termos de calorias e proteínas.

Na Tabela 7 encontram-se descritos osníveis de ingestão calórica para os In-quéritos I e II. Nota-se que a média de

ingestão observada não alcança os va-lores recomendados em nenhum dosmomentos estudados, sendo que a ade-quação média observada é menor noInquérito I (81%) do que no InquéritoII (85%).

Quanto aos níveis de ingestão de pro-teínas, verifica-se na Tabela 8 que ape-nas no Inquérito I a média de ingestãoobservada não alcança os valores re-comendados, pois se nota uma adequa-ção de 94%. Após o desmame, no In-quérito II, quando se analisam os da-dos de mulheres não-lactantes, e por-

tanto já não existe o acréscimo de pro-teínas necessário para o período de ama-mentação, a dieta apresenta uma ade-quação média de 125%, resultado estecomparável aos observados por diferen-tes autores para outros grupos popula-cionais6,9,22.

Um outro tipo de análise da compa-sição da dieta que contribui para a me-

lhor compreensão, a nível de popula-ção, é apresentado na Tabela 9, onde

se observa a distribuição dos níveis deadequação calórica nos Inquéritos I eII. Nota-se no Inquérito I que cerca de74% das mães apresentam dietas ina-dequadas, sendo de 51% a proporçãodas que estão com adequação calóricainferior a 80%. No Inquérito II, 69%das mães apresentam dieta inadequada,sendo 48% delas com adequação infe-rior a 80%. Estes dados indicam quemesmo ocorrendo uma diminuição dafreqüência de mães com dieta inferiora 100% no Inquérito II, nos dois mo-

mentos observados, mais de 60% dapopulação não conseguiu cobrir suas ne-cessidades calóricas.

Os resultados desta análise mostrama gravidade do problema na amostra es-tudada, pois se a ingestão calórica nãosatisfaz as necessidades, torna-se muitodifícil manter a ingestão e o aproveita-mento adequado dos demais nutrientesessenciais5,6,14.

Quanto à distribuição de adequaçãoprotéica, observa-se, na Tabela 10, queno Inquérito I há cerca de 40% com

adequação inferior a 80%. No Inquéri-to II a proporção de mães com dietainadequada foi da ordem de 35%, sen-do 26% com adequação inferior a 80%.Assim, nota-se que no Inquérito I a ina-dequação protéica é mais acentuada, is-to porque neste momento as necessida-des protéicas do grupo analisado sãomaiores.

A análise da Tabela 11 permite ob-servar que a proporção de proteína deorigem animal que compõem a dieta é

da ordem de 40% para os dois inquéri-tos. Ao analisarem-se esses dados, iso-ladamente, pode-se concluir que, em ter-mos de qualidade protéica, as dietas naamostra estudada são adequadas nasduas situações de observação, fornecen-do mais de 1/3 de proteínas de origemanimal. No entanto, se os requerimen-tos calóricos não forem supridos, umaparcela da proteína ingerida é desviadacomo fonte de energia, o que resulta emdéficit calórico e protéico 1,3,14.

Considerando medidas de intervençãode programas de suplementação volta-dos a mulher enquanto nutriz, apresen-ta-se na Tabela 12 os resultados do In-quérito I, com freqüência absoluta e re-

lativa das dietas com adequação caló-rico-protéica satisfatória e/ou deficiente,

Ressalta-se que apenas 25% das die-tas foram adequadas em calorias e pro-teínas; 16% delas forneciam proteínas

suficientes, mas eram deficientes em ca-lorias. A maior parte das dietas (58,5%),eram deficientes tanto em calorias quan-to em proteínas. Somente em um caso(0,5%) houve deficiência protéica iso-lada 22.

Os resultados indicam que no Inqué-rito I existe predominância do déficit ca-lórico-protéico. Sem dúvida, o reduzidoconsumo de alimentos ocasiona uma bai-xa ingestão de calorias que, por sua vez,diminui a utilização de proteínas dispo-níveis, causando uma deficiência caló-rico-protéica 3,14. Para um grupo popu-lacional como este, é inapropriado tra-tar de melhorar a dieta enfocando uni-literalmente o problema, ou seja, tentarelevar a concentração e a qualidade deproteínas.

As informações dietéticas apresenta-das na Tabela 12 mostram claramenteque uma grande proporção de mães res-ponderia favoravelmente à suplementa-ção calórica, enquanto que outras mos-trariam resposta positiva a um acrésci-mo da dieta habitual. Desta forma, pro-gramas de suplementação alimentar cujoobjetivo básico vise a melhoria das die-tas dos grupos sócio-biologicamente vul-neráveis deveriam seguir a segunda alter-nativa, isto é, aumento em quantidade

da dieta habitual, a níveis que satisfaçamas necessidades calóricas e, portanto, asprotéicas, desses grupos. Esta suplemen-tação deveria ser constituída basicamen-te de cereais e de leguminosas, pois osalimentos que constituem estes dois gru-pos são consumidos com alta freqüênciana amostra estudada e fazem parte doseu hábito alimentar 5,11,13.

CONCLUSÕES

1. O padrão alimentar identificado ca-racteriza-se por açúcar refinado, óleovegetal, arroz, feijão, pão, leite C,carne de vaca, batata, macarrão, al-face, tomate, banana e laranja, mos-trando ser a dieta satisfatória em ter-mos qualitativos e indicando que ogrupo analisado é bastante racionalna seleção de seus alimentos.

2. O déficit calórico-protéico foi pre-dominante durante a fase de lactaçãocaracterizando a mulher, enquantonutriz, como grupo de maior riscoà DPC.

3. O déficit predominantemente calóri-co, fora da fase de lactação, subme-te a mãe aos mesmos riscos da po-pulação geral de nível sócio-econô-mico baixo.

4. As propostas de programas de su-plementação alimentar devem consi-derar, na sua elaboração, o conheci-mento do padrão alimentar, visando

minimizar entre os fatores de riscode DPC aquele caracterizado pelasdeficiências dietéticas de grupos es-pecíficos.

TUDISCO, E.S. et. al. [Comparison of the alimentary habits of mothers of low socio-economic level before and after weaning, in S. Paulo city (Brazil)]. Rev. Saúde públ.,S. Paulo, 19:133-45, 1985.

ABSTRACT: The alimentary conditions of one hundred and ninety low-income parturients from S. Paulo city (Brazil) were assessed at two stages: during thebreast feeding period (Inquiry I) and after it (Inquiry II). The twenty-four hour recallmethod was used to obtain the alimentary patterns and to estimate the nutritionalrisk. The results showed that the mother's alimentary pattern consisted of foods be-longing to the protectors (beans, milk and meat); regulators (banana, orange, lettuceand tomato) and energetics (rice, bread, potatoes, noodles, refined sugar, vegetableoil) thus constituting a diet which is qualitatively satisfying. A relevant statistical dif-ference between the two stages that were analyzed, as between the respective intakeof milk, beans and coffee was found, showing a major intake of milk, during thebreast feeding period (Inquiry I) and an increase of the ingestion of beans and coffeeafter weaning (Inquiry II). Apart from that, the deficiency revealed by Inquiry I wasmost often caloric-proteic while in Inquiry II the major deficiency was caloric, showingthat the sample analyzed is a target group with high risk of protein-caloric mal-nutrition.

UNITERMS: Nutrition surveys, S. Paulo, Brazil. Food habits. Breast feeding.Mothers, nutritional status.

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Recebido para publicação em 30/11/1983Reapresentado em 28/12/1984Aprovado para publicação em 01/02/1985