comentÁrios À medida de conciliaÇÃo voluntÁria na ... · institucional prelecionam que a...

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EXPEDIENTE

CADERNOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA é uma publicação do UNICURITIBA Endereço: Rua Chile, 1678 – CEP 80220-181 – Curitiba, PR – Brasil Telefone: (41) 3213-8700 Site: www.unicuritiba.edu.br E-mail: [email protected] UNICURITIBA Reitor: Danilo Vianna Pró-Reitor Acadêmico: Adriano Rogério Goedert Pró-Reitora Administrativa: Vanessa Santamaria COMISSÃO EDITORIAL Cintia Rubim de Souza Netto Fabiano Christian Pucci do Nascimento Isaak Newton Soares Marlus Vinicius Forigo Paulo Ricardo Opuszka Revisão: Cintia Rubim de Souza Netto e Marlus Vinicius Forigo Diagramação: Marlus Vinicius Forigo Data: 2013

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APRESENTAÇÃO

O Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), visando consolidar a

pesquisa científica que realiza, apresenta à comunidade acadêmica a segunda

edição do seu “Cadernos de Iniciação Científica”. Esta publicação tem como

propósito divulgar anualmente os resultados dos projetos de iniciação científica da

graduação e pós-graduação da Instituição nas suas diferentes linhas de pesquisa,

através de artigos produzidos pelos alunos e professores que desenvolveram as

pesquisas. Desta forma, contribui para expandir o conhecimento e a prática da

pesquisa do corpo discente e docente. Tornar público esses resultados é o

comprometimento do UNICURITIBA, através do Núcleo de Pesquisa e Extensão

Acadêmica (NPEA), complementando, portanto, outro evento de pesquisa já

consolidado, o Simpósio de Iniciação Científica (SPIC). Este Simpósio, realizado

anualmente desde 2009, visa à apresentação de resumos das pesquisas e a

discussão de seus resultados, bem como a interface com trabalhos de outras

Instituições de Ensino Superior.

Esta segunda edição do “Caderno de Iniciação Científica” é composta por

artigos produzidos pelos alunos e seus professores orientadores nas diversas áreas

abordadas pelos projetos ao longo do ano de 2012.

Boa leitura

CINTIA RUBIM DE SOUZA NETTO Supervisora do Núcleo de Pesquisa e Extensão Acadêmica

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SUMÁRIO

COMENTÁRIOS À MEDIDA DE CONCILIAÇÃO VOLUNTÁRIA NA RECOMENDAÇÃO N. 92 DA OIT Cleverson Jose Gusso e Francielli Morêz ............................................................................ 5 A CONCILIAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS: ÂMBITO PREVIDENCIÁRIO Juliana de Abreu Cassemiro .............................................................................................. 13 ANÁLISE JURIMÉTRICA DA CONCILIAÇÃO: SANÇÃO POSITIVA DO DIREITO NA PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA ECONÔMICA Juliana Cristina Busnardo Augusto de Araujo e Eloína Ferreira Baltazar .......................... 23 PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA Luciana Piccinelli Gradowski ............................................................................................. 34 A MEDIAÇÃO COMO MEIO ALTERNATIVO (E POSSÍVEL) À RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS João Paulo Vieira Deschk e Paulo Ricardo Opuszka ........................................................ 46 CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO: ACESSO E EFETIVIDADE, DIREITO E DEVER Luiz Eduardo Gunther, Rosemarie D. Pimpão e Willians F. L. dos Santos........................ 55 A CONCILIAÇÃO COMO UM INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA Maria da Glória M. R. Neiva de Lima e Wagner C. Cordeiro ............................................. 69 JUIZADOS ESPECIAIS: UM CASO DE SUCESSO OU DE FRACASSO NA IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA FÓRMULA DE ACESSO À JUSTIÇA E DA CONCILIAÇÃO Nara Fernandes Bordignon ................................................................................................ 86 CONCILIAÇÃO NO DIREITO COMPARADO. PRINCIPAIS ASPECTOS RELACIONADOS À COMPOSIÇÃO DOS INTERESSES EM LITÍGIO Simone A. Barbosa Mastrantonio e Joanna Vitoria Crippa ................................................ 99

APLICAÇÃO DA RESERVA DO ARTIGO 96 DA CISG PELO ÁRBITRO INTERNACIONAL Felipe Hasson .................................................................................................................. 114 ANÁLISE DAS INELEGIBILIDADES NO TEXTO CONSTITUCIONAL Brunna Helouise Marin e Luiz Gustavo de Andrade ........................................................ 127 A DISCURSIVIDADE NO TEXTO LEGAL: POSSIBILIDADES E LIMITES Aloísio Cansian Segundo ................................................................................................. 143 A CISG E O INSTITUTO DO NACHFRIST Bruna Bauer King ............................................................................................................ 152

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EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DE ACORDO COM O ARTIGO 79 DA CISG Luana Costa Veronesi ..................................................................................................... 160 A LIBERDADE DE CRENÇA: LIMITES AO SEU EXERCÍCIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Fabiana Soares Prestes e Maria da Glória Colucci ......................................................... 168 EXPERIMENTAÇÃO DE MEDICAMENTOS EM SERES HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO Silvia Helena da M. C. Demeterco e Maria da Glória L. da S. Colucci ............................ 189 A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA E A REINSERÇÃO DO CORTADOR DE CANA-DE AÇÚCAR NO SETOR SUCROALCOOLEIRO BRASILEIRO Bruno César Gurski e Maria da Glória Colucci ................................................................ 206 AUTONOMIA DA VONTADE E O TESTAMENTO VITAL NO DIREITO BRASILEIRO Jacqueline Bernardi Benatto e Maria da Glória L. da S. Colucci ..................................... 219 O DIREITO À MORTE DIGNA E O TESTAMENTO VITAL NO BRASIL THE RIGHT TO DIE WITH DIGNITY AND THE LIVING WILL IN BRAZIL Flávia Ludimila K. Baitello e Maria da Glória Colucci ....................................................... 222 O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIZAÇÃO NO DIREITO AMBIENTAL E A SADIA QUALIDADE DE VIDA DE PESSOAS IMPACTADAS PELA POLUIÇÃO MARINHA Aimée Isabella S. Mendes e Maria da Glória Colucci ...................................................... 246

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COMENTÁRIOS À MEDIDA DE CONCILIAÇÃO VOLUNTÁRIA

NA RECOMENDAÇÃO N. 92 DA OIT

Cleverson Jose Gusso ________________________________

Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA Advogado, Pesquisador, Professor do curso de Graduação em Direito do

UNICURITIBA, da Especialização em Direito do Trabalho da PUCPR Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário Internacional

UNINTER

Francielli Morêz ________________________________

Mestra em Direitos Fundamentais e Democracia pela UNIBRASIL, Especialista em Sociologia Política pela UFPR e em Direito Público pela Fundação Escola do

Ministério Público do Paraná – FEMPAR. Advogada, Pesquisadora e Professora dos cursos de Graduação em Direito e Relações Internacionais do UNICURITIBA e do Centro

Universitário Internacional UNINTER, e das Especializações em Direito do Trabalho e Comércio Exterior da PUCP

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1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

Surgida em um contexto histórico deveras peculiar, a Organização Internacional do Trabalho – OIT foi – e ainda é – considerada a primeira organização de caráter misto,1 multilateral e especializada no plano universal.2

Tendo se reunido sua primeira Conferência em Washington, em 1919, como parte do Tratado de Versalhes – que pôs fim à Primeira Guerra Mundial3 e determinou a criação da Liga das Nações4 – predecessora da Organização das Nações Unidas –, a OIT alcançou, ao largo dos vinte anos entre guerras, a redação de mais de cinquenta convenções,5 bem como a realização de uma série considerável de missões de inspeção no âmbito dos seus Estados-Membros.

Em 1944, a OIT reúne a sua 26ª Conferência na Filadélfia, ocasião na qual é elaborada a Declaração de Filadélfia, que, enquanto anexo à Carta da OIT, veio apresentar os propósitos e princípios que norteariam a Organização no cenário pós Segunda Guerra Mundial. Dentre este rol de princípios e de propósitos, visualiza-se a necessidade de desmercantilização do trabalho; de erradicação da pobreza e das más condições de vida dos trabalhadores com base na justiça social; da constituição da liberdade de expressão e de associação como condições indispensáveis para o progresso; da consideração equânime de representantes de empregadores, de trabalhadores e de governos na luta para a consecução dos objetivos da Carta da OIT; e

1 Diz-se de caráter misto porque a estrutura da Organização não contempla apenas Estados, tal como tradicionalmente concebido pela teoria clássica das organizações internacionais governamentais. No caso da OIT, tem-se uma composição de membros consubstanciada em Estados, em outras organizações internacionais e em organizações de empregadores e de trabalhadores, conjuntamente. (nota dos autores) 2 Vide, neste passo, SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Direito Internacional Público. 4. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 114. 3 Neste sentido, coloca Nicolas Valticus que “a Primeira Guerra Mundial produziu profundas modificações na posição e no peso da classe trabalhadora das potências aliadas. A trégua social e cooperação que se estabeleceu na Europa ocidental entre os dirigentes sindicais e os governantes, os grandes sacrifícios suportados especialmente pelos trabalhadores e o papel que desempenharam no desenlace do conflito, as promessas dos homens políticos de criarem um mundo novo, a pressão das organizações obreiras para fazer com que o Tratado de Versalhes consagrasse as suas aspirações de uma vida melhor, as preocupações suscitadas pela agitação social e as situações revolucionárias existentes em vários países, a influência exercida pela Revolução Russa de 1917, foram fatores que deram um peso especial às reivindicações do mundo do trabalho no momento das negociações do tratado de paz. Estas reivindicações expressaram-se, tanto em ambos os lados do Atlântico como em ambos os lados da linha de combate, inclusive durante os anos de conflito mundial. Ao final da guerra, os governos aliados, e principalmente os governos francês e britânico, elaboraram projetos destinados a estabelecer, mediante o tratado de paz uma regulamentação internacional do trabalho.” Citado por SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho: OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, v. 7, n. 9, p. 433-434, jul./dez. 2006. 4 A ligação entre a já extinta Liga das Nações e a OIT se devia ao fato de que os custos de funcionamento desta foram incluídos no orçamento daquela. Ainda hoje esta lógica se mantém, considerando a vinculação da OIT à Organização das Nações Unidas. Ver, neste sentido, GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 59. Outrossim, todos os Estados que subscreveram o Tratado de Paz de Versalhes tornaram-se membros efetivos da OIT. Contudo, o fato de um Estado renunciar à Liga das Nações não implicava na sua exclusão do quadro de membros da OIT, nem tampouco que outros Estados que não integrassem a Liga estivessem impedidos de integrar a Organização Internacional do Trabalho. Cf. SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Op. cit., p. 114. 5 Somente na Primeira Conferência foram redigidas seis convenções, sendo que a primeira delas correspondia a uma das principais reivindicações do movimento sindical e operário do final do século XIX e começo do século XX: a limitação da jornada de trabalho a 8 horas diárias e 48 semanais. As demais convenções adotadas nessa ocasião referem-se à proteção da maternidade, à luta contra o desemprego, à definição da idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria e à proibição do trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos. Vide <http://www.oit.org.br/content/hist%C3%B3ria>. Último acesso em 25/10/2012.

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da exaltação dos direitos sociais como fundamentais a todos os indivíduos, independentemente de sua condição étnica, religiosa, política ou ideológica.6

Com o fito de concretizar estes objetivos genéricos, a OIT possui uma estrutura organizacional interna subdividida basicamente em três níveis: o pleno, consubstanciado em sua Assembléia Geral, com legitimidade genérica para atuar acerca de todos os pontos contemplados pelas atividades da Organização; um Conselho de Administração; e um Secretariado de caráter permanente, denominado Escritório Internacional do Trabalho, com sede em Genebra. Neste sentido, as finalidades de sua estrutura jurídica e institucional prelecionam que a atuação trabalhista deve buscar o pleno emprego, o aumento do nível de vida, a formação profissional dos trabalhadores, sua remuneração digna, a extensão da seguridade social e previdenciária, a participação de empregados e de empregadores na elaboração e na implementação de medidas socioeconômicas, a proteção da infância, da juventude e da maternidade, a promoção de sistemas de saúde adequados, a possibilidade de negociação coletiva dos contratos de trabalho e, na eventualidade de litígios envolvendo estes contratos, o desenvolvimento de mecanismos eficazes de composição destes conflitos, judiciais ou extrajudiciais.

Neste passo, a Recomendação n. 92 da OIT sobre a conciliação e a arbitragem voluntárias, adotada em Genebra a 29 de junho de 1951 por ocasião da 34ª Conferência da Organização, descortinou de forma expressa e contundente a necessidade do desenvolvimento e do aprimoramento de dois mecanismos alternativos de composição de controvérsias trabalhistas no âmago dos Estados-Membros: a conciliação e a arbitragem. Preliminarmente, todavia, convém sublinhar a natureza jurídica do referido instituto, eis que, sob o ponto de vista normativo, a OIT logra de duas modalidades distintas: as recomendações e as convenções.

As convenções são arcabouços jurídicos de efeito vinculante, devendo ser adotadas por no mínimo dois terços dos Estados-Membros por ocasião da Conferência na qual forem levadas à pauta de discussão, para, a posteriori, serem colocadas à disposição dos signatários para internalização. Nestes termos dispõe, in verbis, o artigo 19, item 5 e alíneas, da Carta da OIT:

5. Tratando-se de uma convenção: a) será dado a todos os Estados-Membros conhecimento da convenção para fins de ratificação; b) cada um dos Estados-Membros compromete-se a submeter, dentro do prazo de um ano, a partir do encerramento da sessão da Conferência (ou, quando, em razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo que o seja, sem nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerramento), a convenção à autoridade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim de que estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza; c) os Estados-Membros darão conhecimento ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho das medidas tomadas, em virtude do presente artigo, para submeter a convenção à autoridade ou autoridades competentes, comunicando-lhe, também, todas as informações sobre as mesmas autoridades e sobre as decisões que estas houverem tomado;

6 Para tanto, a OIT adota a expressão trabalho decente para caracterizar o ponto de convergência dos seus quatro objetivos estratégicos: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento, adotada em 1998: a liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado; a abolição efetiva do trabalho infantil; e a eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social. Ver, neste sentido, a Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e seu Anexo (Declaração de Filadélfia). Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf>. Último acesso em 23/10/2012.

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d) o Estado-Membro que tiver obtido o consentimento da autoridade, ou autoridades competentes, comunicará ao Diretor-Geral a ratificação formal da convenção e tomará as medidas necessárias para efetivar as disposições da dita convenção; e) quando a autoridade competente não der seu assentimento a uma convenção, nenhuma obrigação terá o Estado-Membro a não ser a de informar o Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho - nas épocas que o Conselho de Administração julgar convenientes - sobre a sua legislação e prática observada relativamente ao assunto de que trata a convenção. Deverá, também, precisar nestas informações até que ponto aplicou, ou pretende aplicar, dispositivos da convenção, por intermédio de leis, por meios administrativos, por força de contratos coletivos, ou, ainda, por qualquer outro processo, expondo, outrossim, as dificuldades que impedem ou retardam a ratificação da convenção.

Diferentemente, as recomendações - espécie normativa neste texto em tela –, não possuem caráter vinculante propriamente dito, de modo a não implicarem em observância obrigatória por parte dos Estados-Membros. Neste exato sentido, corrobora o artigo 19, item 6 e alíneas, da Carta da OIT, a seguir transcrito:

6. Em se tratando de uma recomendação: a) será dado conhecimento da recomendação a todos os Estados-Membros, a fim de que estes a considerem, atendendo à sua efetivação por meio de lei nacional ou por outra qualquer forma; b) cada um dos Estados-Membros compromete-se a submeter, dentro do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão da Conferência (ou, quando, em razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo que o seja, sem nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerramento), a recomendação à autoridade ou autoridades em cuja competência entre a matéria, a fim de que estas a transformem em lei ou tomem medidas de outra natureza; c) os Estados-Membros darão conhecimento ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho das medidas tomadas, em virtude do presente artigo, para submeter a recomendação à autoridade ou autoridades competentes, comunicando-lhe, também as decisões que estas houverem tomado; d) além da obrigação de submeter a recomendação à autoridade ou autoridades competentes, o Membro só terá a de informar o Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho - nas épocas que o Conselho de Administração julgar convenientes – sobre a sua legislação e prática observada relativamente ao assunto de que trata a recomendação. Deverá também precisar nestas informações até que ponto aplicou ou pretende aplicar dispositivos da recomendação, e indicar as modificações destes dispositivos que sejam ou venham a ser necessárias para adotá-los ou aplicá-los.

As recomendações são, portanto, manifestações com peso jurídico de aconselhamento, e não de imposição, mas cuja redação e divulgação implicam na criação de um ambiente favorável ao encaminhamento de soluções a variados problemas, soluções estas que, de certa forma, tem origem na própria vontade estatal.7

Em circunstâncias tais, a ausência de obrigatoriedade jurídica propriamente dita da Recomendação nº. 92 da OIT, dada a sua natureza jurídico-normativa, não retira a sua relevância do ponto de vista da implementação das suas disposições, sendo, pois, o mais expressivo instrumento alusivo à conciliação e à arbitragem voluntárias em sede trabalhista no âmbito do Direito Internacional Público.

7 Segundo SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Op. cit., p. 115.

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2 DA CONCILIAÇÃO VOLUNTÁRIA NA RECOMENDAÇÃO N. 92 DA OIT

À parte de questões inerentes à contemplação genérica da Recomendação n. 92 da OIT acerca da conciliação e da arbitragem voluntárias sob o prisma trabalhista, mostra-se oportuna e necessária a distinção havida entre ambas, eis que somente a primeira constitui o objeto deste artigo. Ambas se configuram como técnicas alternativas de composição de conflitos trabalhistas, mas de natureza diferenciada. Enquanto que a arbitragem é uma técnica dita heterocompositiva, determinada pela solução do embate por fonte suprapartes, que decide com força obrigatória sobre os litigantes que, de modo tal, são submetidos à decisão do(s) árbitro(s), a conciliação é considerada uma técnica autocompositiva, segundo a qual o conflito é solucionado pelas próprias partes envolvidas mediante ajuste de vontades.8

Em conformidade com o mencionado, a conciliação, enquanto forma de autocomposição de conflitos trabalhistas, é contemplada de forma ampla pelo texto da Recomendação n. 92 da OIT, conforme se pode extrair da literalidade do seu item 1, capítulo I: “Devem ser estabelecidos organismos de conciliação voluntária, apropriados às condições nacionais, com o objetivo de contribuir com a prevenção e a solução dos conflitos laborais entre empregadores e trabalhadores.”9

De tal feita, o texto do documento em tela sublinha a importância e a necessidade do estabelecimento deste instrumento, sem fazer alusão específica a alguma ou a algumas de suas modalidades em Direito aceitas, estabelecendo, contudo, que as modalidades eventualmente utilizadas sejam aplicadas de modo paritário – ou seja, de modo a compreender uma equânime representação de empregadores e de empregados nos procedimentos respectivos (item 2 do capítulo I) –, de acordo com a vontade das partes envolvidas, e não de forma compulsória,10 de modo a inclusive criar-se condições aptas à invocação da boa-fé das partes envolvidas no procedimento, sobretudo no tocante ao compromisso da abstenção de recorrência a atuações que possam minar a condução da prática conciliatória. Eis, neste sentido, a transcrição dos itens 3(2) e 4 da referida Recomendação:

3(2). Deveriam ser adotadas disposições para que o procedimento de conciliação voluntária possa ser entabulado por iniciativa de uma das partes em conflito, ou por organismos de conciliação voluntária. 4. Se um conflito houver sido submetido a um procedimento de conciliação com o consentimento de todas as partes interessadas, estas mesmas deveriam ser

8 Ver, neste sentido, NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6-7. MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 712. 9 Tradução livre dos autores a partir da versão oficial em inglês disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312430:NO>. Último acesso em: 28/10/2012. 10 Conforme classificação proposta por Jorge Sappia para a Oficina Internacional do Trabalho da OIT, em estudo intitulado Justicia Laboral y Medios Alternativos de Solución de Conflictos Colectivos e Individuales del Trabajo: “La conciliación puede asumir dos formas, la voluntaria y la obligatoria. La primera es la simple convocatoria por la autoridad laboral, a constituir una reunión con finalidades de diálogo tendiente a la solución del conflicto. Normalmente carece de formas y plazos reglados y se desarrolla conforme las partes se van manifestando. La segunda por el contrario supone la citación forzosa de los contendores del conflicto y la obligación de estar presentes en el ámbito de las deliberaciones. Suele incluir un reglamento de actuación pero excluye la imposición de conciliar. Ambas se han revelado muy útiles en la experiencia regional y la utilización de una u otra, depende mucho de las características del conflicto.” In SAPPIA, Jorge. Justicia Laboral y Medios Alternativos de Solución de Conflictos Colectivos e Individuales del Trabajo. Lima: Oficina Internacional do Trabalho - OIT, 2002, p. 13.

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estimuladas para que se abstivessem de recorrer a greves e a lock outs enquanto durar o processo de conciliação.11

Por ser a Recomendação nº. 92 da OIT, portanto, de referência ampla à

conciliação voluntária, presume-se a recomendação à utilização da conciliação laboral tanto judicial quanto extrajudicial, privada ou pública, prévia ou posterior à eclosão do embate, unipessoal ou colegiada – ou seja, em todas as espécies consignadas pela doutrina correlata.

A respeito da conciliação judicial, tem-se o seu desenvolvimento perante o próprio Poder Judiciário, no âmbito dos dissídios individuais – caso em que se realiza perante a mesma Vara que aprecia a demanda – ou coletivos – caso em que se realiza previamente à sessão de julgamento, na audiência de conciliação perante o magistrado presidente do tribunal que decidirá o caso, ou perante o juiz do tribunal designado para a audiência de conciliação.12 Em relação à conciliação extrajudicial, tem-se a sua realização prévia ao ingresso da reclamatória no Poder Judiciário, sendo, via de regra, colegiada por um órgão com atribuições para esta finalidade, sendo ele sindical ou não.13

Acerca da conciliação privada, tem-se como principal ilustração a composição realizada pela via sindical. Já acerca da conciliação pública, tem-se como exemplos aquelas conduzidas perante o Poder Judiciário ou o Ministério Público.14 Ademais, a conciliação poderá ser prévia ao surgimento do embate, tal como no caso dos ordenamentos que, em se tratando de atividades essenciais, exigem antes da realização da greve a tentativa de conciliação como condição da legalidade da paralisação15 – presume-se, portanto, que estes ordenamentos não se coadunam com as disposições da Recomendação n. 92 da OIT, pois impelem à realização da conciliação, que no teor da referida Recomendação deverá se dar de forma voluntária. Ou, ainda, e no mais dos casos, poderá ser posterior à eclosão do conflito, tal como nas situações em que a conciliação se dá de forma intercorrente ao processo trabalhista, e, portanto, após a deflagração da lide.16

Por fim, tem-se a conciliação unipessoal e a colegiada, cada qual variando de acordo com a figura do conciliador – se conduzido por um único indivíduo, ou por um colegiado ou órgão de apreciação conjunta.17

Outro aspecto de relevante apreciação à luz da efetividade do mecanismo conciliatório vem a ser aquele disposto no item 3(1) do capítulo I da Recomendação: “O procedimento deveria ser gratuito e expeditivo; toda prestação onerosa neste sentido

11 Tradução livre dos autores a partir da versão oficial em inglês disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312430:NO>. Último acesso em: 28/10/2012. Sublinha-se, contudo, o disposto no item 7 do capítulo III da Recomendação, pelo qual nenhuma das disposições ali sugeridas poderão ser interpretadas em detrimento do exercício do direito de greve. 12 Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit., p. 13. 13 Idem, ibidem. No caso das Comissões de Conciliação Prévia, emanadas no ordenamento brasileiro a partir do advento da Lei n. 9.958/00 e inseridas na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT com os artigos 625-A ao 625-H, há uma série de controvérsias doutrinárias acerca do caráter voluntário ou não da sua instituição. A polêmica em torno da questão é apreciada por autores como Amador Paes de Almeida, que entendem, à luz das disposições do artigo 625-A, a conotação facultativa das referidas Comissões, onde consta que as empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia. Por conseguinte, a obrigatoriedade de a questão trabalhista ser submetida à Comissão de Conciliação Prévia efetivamente existe, desde que se esta se mostrar atuante na localidade da prestação dos serviços, conforme o artigo 625-D. Em termos tais, vide ALMEIDA, Amador Paes de. Curso prático de Processo do Trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 520-522. SAPPIA, Jorge. Op. cit., p. 10. 14 Conforme NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit, p. 13. 15 Idem, ibidem. 16 Idem, p. 14. 17 Idem, ibidem.

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deve ser legal e previamente fixada e se reduzir ao mínimo possível.”18 Neste tópico, invoca-se a referência, em um primeiro momento, aos custos da instância conciliatória per si. Majoritariamente se tem considerado, com base neste trecho, que o trâmite do processo de conciliação deve ser gratuito para ambas as partes. No contexto da elaboração da Recomendação n. 92 da OIT na sua respectiva Conferência, esta disposição se justificou por diversas frentes, dentre as quais o fato de que o Estado acaba sendo o principal beneficiado com a instituição de um mecanismo acessível a todos na busca pela obtenção de soluções adequadas às controvérsias laborais, soluções estas que consolidam o descongestionamento das instâncias judiciais, sobrecarregadas com processos complexos e morosos.19

Outrossim, a respeito da morosidade enquanto fator determinante para o estabelecimento de procedimentos alternativos de solução de controvérsias laborais no âmbito da referida Recomendação, tem-se que a rapidez, a flexibilidade e a economia são algumas condicionantes que operam em favor destes sistemas. Não caberia, afinal, ensejar o aumento da combatividade interpartes se, por uma via alternativa de negociação direta, o conflito pode ser dissolvido. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da Recomendação nº. 92 permite inferir que a OIT pauta-se no pleno emprego, no aumento do nível de vida, na formação profissional dos trabalhadores e na sua remuneração digna, incentivando o desenvolvimento de sistemas eficazes para a composição dos conflitos decorrentes das relações laborais.

Tal recomendação demonstra também a necessidade do desenvolvimento e do aprimoramento constante de mecanismos alternativos de composição de controvérsias na seara trabalhista.

Deste modo, os breves comentários postos neste artigo, podem ser utilizados para se repensar o sistema judicial atual, com o intuito de fomentar novas políticas e incrementar as já existentes, visando a resolução dos conflitos laborais.

Muito embora haja grande esforço do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e dos Tribunais pátrios, depreende-se que ainda há um longo caminho a percorrer até que o Brasil atenda ao contido na sexagenária Recomendação 92 da OIT.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Amador Paes de. Curso prático de Processo do Trabalho. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2003. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 18 Tradução livre dos autores a partir da versão oficial em inglês disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312430:NO>. Último acesso em: 28/10/2012. 19 Vide SAPPIA, Jorge. Op. cit., p. 14.

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ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Disponível em: <http://www.oit.org.br>. SAPPIA, Jorge. Justicia Laboral y Medios Alternativos de Solución de Conflictos Colectivos e Individuales del Trabajo. Lima: Oficina Internacional do Trabalho - OIT, 2002. SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Direito Internacional Público. 4. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. SOUZA, Zoraide Amaral de. A Organização Internacional do Trabalho: OIT. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, v. 7, n. 9, jul./dez. 2006.

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A CONCILIAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS:

ÂMBITO PREVIDENCIÁRIO

Juliana de Abreu Cassemiro ______________________________________

Aluna do curso de especialização em Direito Constitucional da ABDConst Conciliadora da 4ª Vara do JEF Previdenciário de Curitiba – PR

Integrante do grupo de pesquisa Sistemas e Métodos de Conciliação Judicial e Extrajudicial e a Proteção dos Direitos da Personalidade (Resolução nº 125 do CNJ)

sob a coordenação do Prof. Dr. Luiz Eduardo Gunther

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1 INTRODUÇÃO Em tempos atuais, observa-se a crescente elaboração de estudos a fim de

alcançar o “desafogamento” do Judiciário pátrio. Para sustentar as bases do Estado Social, com respaldo no constitucionalismo emergente do pós-guerra, vislumbra-se a utilização de vias alternativas para a salvaguarda do sistema, que objetiva harmonizar políticas de inclusão e capitalismo. Nesse contexto, a judicialização parece constituir canal importante para promover a atuação do Estado em suas bases constitucionais.

O sistema previdenciário compõe a rede de mecanismos e instituições para proteção do trabalhador que se encontra incapacitado. Quando entende fazer jus a um benefício previdenciário, o segurado tem o direito de requerer um benefício perante o Instituto Nacional do Seguro Social, em regra. O indeferimento do benefício previdenciário solicitado gera ao requerente o direito de ingressar com ação previdenciária perante a Justiça Estadual diante da competência delegada, conferida à Vara Cível, ou perante os Juizados Especiais Federais, quando a causa não tiver valor superior a sessenta salários mínimos, como forma de proporcionar uma tutela jurisdicional mais célere, nos termos da Lei nº 10.259/01.

Justamente no âmbito previdenciário, nas ações que versam sobre a capacidade laboral do segurado, tem-se evidenciado a crescente utilização da conciliação para a simplificação do trâmite processual. Quando da constatação de incapacidade laborativa pela perícia médica, verifica-se o encaminhamento dos autos do processo para a conciliação, no intuito de incentivar o acordo entre autor e réu, eliminando a necessidade de aguardo da prolatação da sentença.

2 PERSPECTIVAS CONSTITUCIONAIS E A RESOLUÇÃO Nº 125 DO CNJ

Tratar dos temas conciliação e sistema previdenciário impõe a responsabilidade de elucidar, ainda que sucintamente, a relação com as bases político-jurídicas nas quais foram construídos. Inicialmente, destaca-se a co-implicação entre Estado e Constituição, ou seja, a dialeticidade entre ambos, porquanto não há um como pensá-los separadamente.

Conforme ensina Jose Luiz Bolzan de Morais1, o Estado é uma instituição histórica, surgiu em um dado contexto e evolui segundo os ditames da sociedade, posto que é fruto de uma conquista civilizatória. Nesse sentido, cabe refletir até mesmo quanto à existência do Estado, pois não há garantias de sua eternidade. Em outras palavras, assim como o Estado emergiu de um processo histórico-social, ele pode ser extinto por suas mesmas origens, em razão de uma desnecessidade social de sobrevivência do Estado.

Da mesma forma, as Constituições são um pacto constituinte, produtos de um dado momento histórico que envolve um conjunto de vontades políticas, interesses e anseios que dialogam com o passado e com o presente. As Constituições projetam um ideal ao futuro, estabelecendo objetivos, compondo uma tripla dimensão temporal.

Assim, o Estado Constitucional incorpora uma tradição político-jurídica que formata o poder político sob a lógica de um poder limitado e controlado e, além disso, reconhece os direitos humanos como conteúdos fundamentais que direcionam o poder, voltado à sua consecução como finalidade da ação estatal; e, como tal, é um produto da história, por isso dinâmico, bastando perceber a

1 BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. O Estado e seus limites: reflexões iniciais sobre a profanação do Estado Social e a dessacralização da modernidade. Boletim da Faculdade de Direito. Universidade de Coimbra, v. LXXXII, p. 569-590, 2007.

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passagem – no âmbito do liberalismo – do Estado Mínimo ao Estado Social; dos direitos de liberdade aos direitos de solidariedade etc.2

No século XIX, o Estado Constitucional plasmava a limitação do poder político pela

submissão à Constituição. A transição do Absolutismo para o Liberalismo impunha a concretização das conquistas políticas em jurídicas. Os direitos humanos constituíram o substrato do Estado de Direito da época. A Constituição e os direitos humanos eram os limitadores do poder, porquanto a liberdade dos homens consistia na contenção do poder estatal.

Adiante, na passagem do século XIX para o século XX, o Estado passou a ser demandado a cumprir funções, de modo a promover igualdades. A Constituição passa não mais a prever somente freios à ação estatal, mas incorpora a igualdade a partir do Estado, que adquire um caráter prestacional. O Estado Constitucional absorve esses novos conteúdos, transitando para o Estado Social de Direito. Reconhece-se a desigualdade no âmbito das relações sociais e age para a promoção da igualdade material. Presta serviços, assegura a dignidade da pessoa humana, não com caráter meramente assistencialista, mas como direito de cidadania.

O Estado Social objetiva a atender as demandas da nova classe social, o proletariado, mas sustentando a própria continuidade do modelo econômico liberal. Pretende a convivência entre políticas de inclusão e capitalismo, comprometendo-se com o progresso social, mas vinculando este progresso à eficácia econômica. A reflexão de Bolzan de Morais tem respaldo na limitação do diálogo entre modelo econômico do capitalismo e a políticas de inclusão. Questiona-se a possibilidade da existência mútua das premissas do Estado Social. Tais ponderações são decorrentes de dois fatores por ele elencados, quais sejam a “questão social” e a “questão ambiental”. A questão ambiental está na origem da transição do Estado Social, sintetizando-se na emergência do processo de urbanização, no surgimento das máquinas e fábricas, do nascimento de uma nova classe social – o operariado, e trazendo a necessidade de regulamentação estatal.

O espaço do Estado Social sempre foi aberto e está em constante ampliação. No final da Segunda Guerra Mundial até meados dos anos 70 ocorreram os chamados 30 anos gloriosos do Estado Social. A economia capitalista que está nas origens desse modelo de Estado não é a mesma, assim como as preocupações econômicas. O meio ambiente passou a ser a grande novidade. Anteriormente, os problemas estavam adstritos em âmbito estatal, territorial, após, ultrapassaram as circunscrições fronteiriças nacionais, rompendo com o paradigma da territorialidade e afetando a própria noção de Estado e de Constituição3.

Somado à questão ambiental, observa-se o intenso aumento de demandas para obter direitos que já são assegurados pela Constituição Federal. Além do maior acesso à Justiça, uma explicação plausível é a não concretização da norma constitucional pelo Estado, impondo a necessidade de procurar a via judicial.

Portanto, cabe questionar a sobrevivência do Estado e os caminhos que o mesmo tem percorrido para evitar o seu enfraquecimento. Uma via possível que se vislumbra é repensar o constitucionalismo, não iniciando propriamente pelos Estados, mas com dimensões distintas dele. Esse é o caso do interconstitucionalismo citado por Canotilho4, termo utilizado para tratar das Constituições integradas, a exemplo do Projeto de criação da Constituição Europeia. A outra alternativa está projetada no espaço da judicialização. O Poder Judiciário é, atualmente, um espaço de destaque, não pelo viés de privatização

2 BOLZAN DE MORAIS, p. 570-571. 3 BOLZAN DE MORAIS, p. 570-576. 4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Princípios: Entre a Sabedoria e a Aprendizamgem. Boletim da Faculdade de Direito. Vol. LXXXII. Coimbra. 2006. p.12. apud BOLZAN DE MORAIS, p. 586-587.

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das políticas públicas por meio de ações individuais pretendendo determinadas garantias individuais, mas por meio da própria jurisdição constitucional como um espaço para promover o enquadramento da ação política em bases constitucionais. Nesta seara encontra-se o instituto da conciliação como método alternativo de resolução de conflito para a solução das lides previdenciárias.

A Constituição, como Lei Máxima do ordenamento jurídico Pátrio, posiciona-se em patamar hierarquicamente superior às demais normas do sistema. Nesse sentido, ensina Celso Antonio Bandeira de Mello, “é a matriz última da validade de qualquer ato jurídico.”5 Toda norma jurídica deve ser obedecida quando estabelecida no ordenamento jurídico, razão pela qual as disposições constitucionais, como normas jurídicas que são, não admitem contrariedades, ainda que por omissão.

O artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 elenca a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Este, por sua vez, assume automaticamente o papel de garantidor da efetivação dos seus princípios basilares. Na mesma esteira, Bandeira de Mello afirma a existência de um conjunto normativo inserido na Constituição que compõe a Justiça Social, ressaltando-se os artigos 6º, 7º, 170 e 193. Não cabe, no presente momento, a descrição de cada um dos preceitos constitucionais elencados, mas apontar a proteção constitucional dos direitos sociais. Comumente classificados como normas de caráter programático, carentes de regulamentação, possuem, na realidade, aplicação imediata diante da leitura sistematizada das normas constitucionais.

No mesmo sentido, todavia em um plano processual, José Antonio Savaris associa o direito fundamental à proteção social e a função jurisdicional. A proteção social, que consiste nos “...mecanismos institucionais que são articulados para reduzir e superar os riscos sociais, assegurando, de modo universal, segurança econômica contra as circunstâncias inevitáveis que afetam a subsistência e o bem-estar dos indivíduos e suas famílias6”, vincula-se com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e de justiça social.

Segundo Savaris, o exercício adequado da função jurisdicional assegura e protege o direito material. “Para tanto, deve satisfazer o direito de proteção social de modo tão célere quanto possível, fazendo coincidir a cobertura social com o imediato momento em que surge a necessidade – e o respectivo direito7”. A satisfação do direito pela via judicial deve se assemelhar a sua realização espontânea, sem que para tanto fosse necessário recorrer ao Poder Judiciário.

Dos apontamentos expostos, verifica-se que a conciliação no sistema previdenciário é um pertinente instrumento de proteção dos direitos sociais e salvaguarda do Estado Constitucional. Conforme análise que segue, a utilização do método alternativo de resolução de conflito para a satisfação de um direito do segurado contribui para a obtenção do resultado rápido, útil e eficaz da prestação jurisdicional.

Na década de 90, o Poder Judiciário sofreu uma espécie de pressão para a redução duração das demandas, razão pela qual se observou o advento da Emenda Constitucional nº 45. O artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, destaca a importância da duração razoável do processo e da asseguração dos meios que garantam a celeridade da sua tramitação no plano constitucional. Da citada Emenda adveio o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como instituição plural, responsável pelo controle da magistratura, conforme artigo 103-B da Carta Magna.

5 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficácia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais. São Paulo: Malheiros, 2009.p. 12. 6 SAVARIS, José Antonio. Princípio da Primazia do Acertamento Judicial da Relação Jurídica de Proteção Social. In: Revista Brasileira de Direito Previdenciário. v. 6 (dez./jan.2012). Porto Alegre: Magister, 2011. p. 41. 7 Idem, p. 41-42.

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Com base no artigo 5º, LXXVIII, da CF/88, o CNJ passou a estabelecer metas para a realização da razoável duração do processo. Em síntese, o CNJ possui competência para efetivar os princípios do artigo 37 da CF/88. Em 29 de novembro de 2010, foi editada a Resolução nº 125 do CNJ, tendo por objetivos estratégicos a eficiência operacional, o acesso ao sistema de Justiça e responsabilidade social. Portanto, os sistemas de gestão da Administração Pública são aplicáveis também ao Poder Judiciário.

A Resolução nº 125 do CNJ, do mesmo modo, atribui aplicabilidade à Democracia, na medida que considera o direito de acesso à Justiça como uma de suas premissas. O estabelecimento da “política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses”, em que se insere a conciliação, estimula a regulamentação do método alternativo de resolução de controvérsia no âmbito dos tribunais.

O artigo 4º da Resolução nº 125 determina a competência do CNJ para organização de programas de incentivo à autocomposição de litígios e pacificação social por meio da conciliação e da mediação. A convivência entre o Poder Judiciário e as instituições de ensino é incentivada no seu artigo 5º. No mesmo sentido, o artigo 6º da Resolução nº 125 trata da necessidade de preparo técnico para o enfretamento da questão. Cabe, neste momento, analisar o procedimento da conciliação para a resolução da lide previdenciária e sua adequação com os preceitos constitucionais e parâmetros da Resolução nº 125 do CNJ. 3. CONCILIAÇÃO NO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL PREVIDENCIÁRIO 3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA PREVIDENCIÁRIO

A seguridade social, como instrumento de proteção das necessidades sociais, abrangendo uma rede de normas e relações jurídicas dela consequentes, composta pela previdência, assistência e saúde, tem encontrado amparo na concretização dos direitos por meio do Poder Judiciário.

O subsistema previdenciário visa a proteger, em especial, o trabalhador quando confrontado com a impossibilidade de obter meios de subsistência através da força de trabalho8. Para tanto, criou-se o Regime Geral da Previdência Social, previsto no artigo 9º da Lei nº 8.213/91 e no artigo 6º do Regulamento da Previdência Social (RGPS), aprovado pelo Decreto nº 3.048/99, com o fim de assegurar aos beneficiários meios indispensáveis de manutenção da subsistência, por meio de contribuição.

A gerência do RGPS é incumbida, basicamente, ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), sendo esta uma autarquia federal responsável pela organização da previdência social. No entanto, o aumento progressivo de beneficiários do RGPS e da expectativa de vida, combinado com o índice de desemprego da faixa populacional ativa, dentre outros fatores, vem propiciando o “inchaço” dos cofres da previdência social. Por não outro motivo, inúmeros benefícios previdenciários requeridos diariamente ao INSS são indeferidos, inconformando o pretenso beneficiário.

Na hipótese do segurado do RGPS entender que se encontra incapaz para a execução das atividades habituais, confere-se o direito de requerer o benefício previdenciário por incapacidade que entender mais adequado junto ao INSS. A referida autarquia agendará uma data para a realização de perícia médica a ser efetuada por perito que atua para o próprio INSS. Da perícia administrativa resultará um laudo médico, cujo diagnóstico analisará a eventual incapacidade ou capacidade do segurado para o trabalho ou exercício das atividades habituais.

8 CORREIA, Marcos Orione Gonçalves. CORREIA, Erica de Paula. Curso de direito da seguridade social. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 30-33.

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Desse modo, quando requerido o auxílio-doença, impõe a comprovação da incapacidade temporária para o labor, nos termos do artigo 59 da Lei nº 8.213/91. Se não cumprido os requisitos legais, quais sejam a qualidade de segurado e incapacidade temporária por mais de quinze dias, o pedido é indeferido. O mesmo ocorre com os demais benefícios por incapacidade, quando requerido o benefício de aposentadoria por invalidez ou o auxílio-acidente; faz-se necessária a constatação da incapacidade laboral, cumulada com os demais requisitos legais dos artigos 42 e 86 da Lei nº 8.213/91, respectivamente.

Observando-se o indeferimento do pedido pela via administrativa por motivo de não constatação de incapacidade laboral, o pretenso beneficiário pode interpor recurso administrativo, a fim de alterar a decisão. Contudo, interpondo ou não o recurso administrativo, entende-se que o simples indeferimento inicial é suficiente para a comprovação da lesão ou ameaça de lesão a direito de concessão de benefício previdenciário, sendo desnecessário o exaurimento da via administrativa para ingressar com a ação no Poder Judiciário9.

Para propor ação previdenciária, no caso dos benefícios previdenciários de natureza acidentária, tais como auxílio-acidente, auxílio-doença acidentário, e aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de trabalho, é competente a Justiça dos Estados e do Distrito Federal, em respeito à redação do artigo 129 da Lei nº 8.213/9110. Após o ingresso da ação, o processo se desenvolverá pelo rito sumário, em razão da natureza alimentar.

No entanto, para pleitear benefício previdenciário por incapacidade cuja natureza não tenha caráter acidentário, a competência é da Justiça Federal. Neste âmbito de competência concentraremos nossos esforços para desenvolver uma breve análise sobre a sua efetividade, em especial, com relação ao uso do instituto da conciliação. 3.2 CONCILIAÇÃO: MECANISMO EM DESENVOLVIMENTO

As ações de competência da Justiça Federal podem ser propostas na Vara Federal comum, quando a causa versar sobre valor superior a sessenta salários mínimos, porquanto nos casos em que o valor da causa for até sessenta salários mínimos, são competentes os Juizados Especiais Federais, criados por força da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. O artigo 3º, inciso III, da Lei nº 10.259/01, atribui ao Juizado Especial Cível a competência para julgar ações previdenciárias com valor da causa até sessenta salários mínimos. Significativo número de ações previdenciárias se enquadram na citada hipótese, razão pela qual, a exemplo da cidade de Curitiba, Paraná, existem atualmente uma Vara Federal Previdenciária de Curitiba e quatro Varas do Juizado Especial Federal Previdenciário de Curitiba. Embora a criação da Lei nº 10.259/01 tivesse objetivado efetivar o princípio da celeridade processual, plasmado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional n.º 45 de 08 de dezembro de 2004, o intenso número de demandas previdenciárias ensejadas especialmente pelos recorrentes indeferimentos administrativos dos pedidos de benefícios previdenciários, contribuindo para o interesse do pretenso beneficiário em ser submetido à perícia judicial, aumentando o número de ações para além da capacidade estrutural dos Juizados Especiais Federais

9 SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 3ª ed. rev. amp. et atual. Curitiba: Juruá, 2011. p. 68/69. 10 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 16ª ed. rev. amp. et atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. p. 713.

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Previdenciários, resultou na ineficácia do princípio constitucional e perspectivas da Lei nº 10.259/01. Por tal razão, a Justiça Federal, Seção Judiciária do Paraná, criou um projeto diferenciado para alcançar a celeridade processual e buscar a conciliação entre as partes nominado SICOPP (Sistema Conciliatório Pré-Processual) 11. O Projeto de responsabilidade do Juiz Federal da 1ª Vara do JEF Cível e Previdenciário de Curitiba, José Antônio Savaris, cientificado e autorizado pelo Coordenador do Sistema de Conciliação do TRF da 4ª Região, Desembargador Federal Néfi Cordeiro, foi elaborado em 03 de dezembro de 2008, para desenvolver no âmbito da Coordenadoria Regional do Sistema de Conciliação (SISTCON-PRO), Seção Judiciária do Paraná, conciliações junto às quatro Varas dos Juizados Especiais Cíveis e Previdenciários da Subseção Judiciária de Curitiba. Na atualidade, o projeto é destinado aos processos concernentes à concessão de benefícios previdenciários por incapacidade e aos expurgos de poupança decorrentes do Plano Verão. A redução de prazos e custos são alguns dos objetivos da implantação do projeto, combinados com o incentivo a conciliação e o desafogamento dos Juizados.

Integram a composição do SICOPP o Juiz Federal Coordenador do Sistema de Conciliação (SISTCON-PR), bem como Juízes Federais designados para atuar no SICOPP, Servidores, Estagiários Conciliadores - bacharéis e estudantes de Direito. Ainda, o projeto prevê a participação dos agentes das entidades públicas envolvidas, com poderes para celebrar acordos. O procedimento das ações de benefícios previdenciários por incapacidade no Sistema de Conciliação Pré-Processual – SICOPP foi padronizado pela Portaria nº 02/2009. Protocolada a petição inicial por meio do sistema processual eletrônico E-Proc e efetuada a distribuição pelo mesmo sistema, a uma das Varas do JEF Previdenciário de Curitiba, após análise de eventual prevenção, remete-se o processo ao SICOPP para fazer a análise da exordial, conforme disposto no artigo 1º da Portaria nº 02/2009. Cabe ressaltar que este procedimento é destinado aos processos cujos objetos são a concessão ou restabelecimento de benefícios previdenciários ensejados pela incapacidade laboral do segurado. Determina o artigo 2º da Portaria nº02/2009 que recebido o processo pelo SICOPP, os servidores analisarão a petição inicial. No caso de não observância de informações e documentos indispensáveis ao desenvolvimento do processo, a parte autora será intimada no prazo de dez dias para emendar a inicial, sendo este prazo prorrogável por mais dez dias quando requerido pelo autor, nos moldes do artigo 284 do Código de Processo Civil. Não cumprido o ato de Secretaria, haverá o decurso do prazo e o indeferimento da petição inicial, com consequente prolatação de sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso I, do CPC. Em contrapartida, dispõe o artigo 3º da Portaria nº 02/2009 que quando devidamente emendada a petição inicial, ou inexistindo necessidade de emenda, será designada a perícia médica judicial por ato de Secretaria de acordo com a aptidão técnica necessária para a análise da incapacidade alegada. Alegada mais de uma doença, pertinente a diferentes especialidades da medicina, há a possibilidade de designação de uma segunda perícia judicial por perito diverso. Para a realização da perícia judicial são então intimados o perito, para anexar o laudo pericial após o exame, a Autarquia ré, a fim de anexar dados referentes ao processo administrativo, e a parte autora, para comparecer na data do exame munida de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e documentação médica comprovadora da incapacidade.

11 Projeto: “Sistema Conciliatório Pré-Processual – SICOPP”.

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Observa-se a força probatória do laudo pericial para a solução do litígio. Efetuado o exame pericial e constada a capacidade do autor, as partes são intimidas sobre o resultado do laudo para apresentar manifestação e, após, o processo é remetido para a Vara de origem. No entanto, caso o perito judicial conclua pela incapacidade do autor, serão analisados os demais requisitos essenciais para a concessão ou restabelecimento do benefício previdenciário por incapacidade, quais sejam a qualidade de segurado e a carência legalmente exigida. Observados os citados pressupostos, será designada a audiência de conciliação. Os advogados das partes são intimados, via de regra, por e-mail, porém o artigo 6º da Portaria 02/2009 permite a intimação por telefone ou qualquer outro meio idôneo. A pauta de audiências é disponibilizada no próprio site da Justiça Federal, Seção Judiciária do Paraná. A audiência de conciliação é realizada por vezes pelos juízes federais, mas na maioria dos casos quem preside a audiência de conciliação são os conciliadores nomeados. A condução da audiência de conciliação do âmbito do SICOPP é célere e objetiva. Comparece a parte autora, normalmente por meio de seu procurador, e o representante do INSS, que fará a proposta de acordo, considerando dados como data de início da doença, data de início da incapacidade, temporariedade ou não da incapacidade e cálculo de parcelas vencidas e vincendas para fixação dos valores em atraso e período de concessão do benefício previdenciário. Aceita a proposta de acordo pelo autor da ação, as cláusulas do acordo são reduzidas a termo pelo conciliador, ata que será, então, homologada por sentença. Posteriormente a certificação do trânsito em julgado, a chefia da Agência da Previdência Social de Atendimento às Demandas Judiciais, AADJ, será requisitada para a implantação do benefício concedido ou restabelecido, no prazo de 05 dias, sob pena de multa, nos termos do artigo 9º da Portaria nº 02/2009, e o processo é então remetido para a Vara de origem. No caso de restar infrutífera a realização da audiência de conciliação, o processo será remetido à Vara inicial para a tramitação usual. Importa destacar os limites de responsabilização do SICOPP determinado no artigo 13 da Portaria nº 02/2009. Embora o procedimento de conciliação se desenvolva no SICOPP, as Varas do Juizado Especial Federal Cível e Previdenciário de Curitiba mantêm a responsabilidade sobre os atos de execução do processo, tais como controle de prazos para o cumprimento do acordo pelo INSS, controle das requisições de pagamento aos peritos nomeados, cálculo do valor referente as parcelas vencidas, quando não devidamente fixado em acordo, expedições de requisições de pagamento e instrução e julgamento dos processos na hipóteses em que de frustração da tentativa de realização do acordo. O projeto SICOPP foi implantado no ano de 2009, quando já se vislumbrou a efetividade do sistema de conciliação. No mês de agosto de 2009, quando o projeto efetivamente iniciou, foram designadas 524 audiências, dentre as quais 519 foram realizadas, sendo efetuados acordos em 432 audiências, computando um percentual de 86% de acordos do total das audiências realizadas. No mês dezembro de 2009, o percentual de acordos pactuados subiu para 91% do total das audiências realizadas12. No ano de 2010, os percentuais de audiências realizadas com acordos continuaram significativos. No mês de janeiro de 2010 foi de 89%, subindo para 91% no mês seguinte e mantendo uma média de 88% de acordos efetuados durante o ano. No mês de dezembro de 2010, o percentual chegou ao patamar mais alto, qual seja 96% de acordos realizados13. 12 Dados fornecidos pela Justiça Federal, Seção Judiciária do Paraná, SICOPP. “Tabulação de audiências geral – 2009”. 13 Dados fornecidos pela Justiça Federal, Seção Judiciária do Paraná, SICOPP. “Tabulação de audiências geral – 2010”.

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O percentual de processos em que se realizaram acordos no ano seguinte diminuiu em 1%, desse modo das 2.223 audiências realizadas, foram efetuados 1.868 acordos, totalizando 87% de audiências que resultaram em acordos. O mês de abril de 2011 foi o que se evidenciou o maior percentual de acordos, quando se computou 92% de audiências com acordos realizados14. No início do ano de 2012, verificou-se uma queda no índice de audiências de conciliação realizadas com acordo. Em janeiro de 2012 foram realizadas 187 audiências de conciliação das quais resultaram 154 acordos (85% de audiências com acordos realizados). No presente momento, foram computadas as audiências até o mês de julho de 2012, quando ocorreram 265 audiências de conciliação. Dessas audiências, 212 resultaram em acordo entre as partes, denotando um percentual de 80%15. Muito embora os dados fornecidos pelo SICOPP demonstrem uma diminuição no percentual de realizações de acordos nas audiências de conciliação, o número ainda é significativo. Como descrito, trata-se de projeto diferenciado para reduzir o número de demandas nos Juizados Especiais Federais Previdenciários, incentivar a conciliação e trazer ao plano da eficácia a almejada celeridade processual. Por ora, cada Seção Judiciária da Justiça Federal possui um órgão direcionado para a conciliação como meio alternativo para resolução de conflito, regulamentos por meio de Portarias editadas pelas próprias Seções Judiciárias. Inexiste uma regulamentação específica sobre a matéria, demonstrando que a conciliação no âmbito dos Juizados Especiais Federais ainda é uma novidade, que segue caminhando para o seu desenvolvimento ideal. O pouco tempo de existência do SICOPP e os números percentuais apresentados comprovam a consonância com os objetivos da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, em especial a efetiva aplicação do seu artigo 1º, parágrafo único, porquanto oferece outros mecanismos de soluções de controvérsias além da prolatação de sentença mediante processo judicial. Trata-se de efetiva comunhão entre os princípios constitucionais da celeridade processual e da eficiência, bem como das perspectivas atuais Constituição Federal de 1988, e as novas metas do CNJ, formalizados na Resolução nº 125 de 29 de novembro de 2010. 4 CONCLUSÃO A contribuição das audiências de conciliação para a prestação da tutela jurisdicional célere e em conformidade com os preceitos constitucionais embasados na eficiência estatal, no que concerne às ações previdenciárias, vai ao encontro das soluções propostas para a manutenção e sobrevivência do Estado e da Constituição da República.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLZAN DE MORAIS, José Luis. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espaço-temporal dos direitos humanos. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

14 Dados fornecidos pela Justiça Federal, Seção Judiciária do Paraná, SICOPP. “Tabulação de audiências geral – 2011”. 15 Dados fornecidos pela Justiça Federal, Seção Judiciária do Paraná, SICOPP. “Tabulação de audiências geral – 2012”.

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________ . O Estado e seus limites: reflexões iniciais sobre a profanação do Estado Social e a dessacralização da modernidade. Boletim da Faculdade de Direito. Universidade de Coimbra, v. LXXXII, p. 569-590, 2007. CORREIA, Marcos Orione Gonçalves. CORREIA, Erica de Paula. Curso de direito da seguridade social. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 16ª ed. rev. amp. et atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2011. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficácia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais. São Paulo: Malheiros, 2009. SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 3ª ed. rev. amp. et atual. Curitiba, Juruá, 2011. ______. Princípio da Primazia do Acertamento Judicial da Relação Jurídica de Proteção Social. In: Revista Brasileira de Direito Previdenciário. v. 6 (dez./jan.2012). Porto Alegre: Magister, 2011. ______. Projeto: “Sistema Conciliatório Pré-Processual – SICOPP” SICOPP. Tabulação de audiências geral – 2009. ______. Tabulação de audiências geral – 2010. ______. Tabulação de audiências geral – 2011. ______. Tabulação de audiências geral – 2012.

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ANÁLISE JURIMÉTRICA DA CONCILIAÇÃO:

SANÇÃO POSITIVA DO DIREITO NA PROMOÇÃO

DA EFICIÊNCIA ECONÔMICA

Juliana Cristina Busnardo Augusto de Araujo ______________________________________

Servidora Pública Federal do TRT da 9ª Região. Graduada em Direito pela PUC/PR Especialista em Direito Empresarial pelo IBEJ

Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA Integrante do Grupo de Pesquisa ligado ao Mestrado do UNICURITIBA “Tutela dos

Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial: os Efeitos Limitadores na Constituição da Prova Judiciária” liderado pelo Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther

Eloína Ferreira Baltazar

______________________________________ Servidora Pública Federal do TRT da 9ª Região. Graduada em Direito pela UFPR

Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UCDD – SP Integrante do Grupo de Pesquisa ligado ao Mestrado do UNICURITIBA “Tutela dos

Direitos da Personalidade na Atividade Empresarial: os Efeitos Limitadores na Constituição da Prova Judiciária” liderado pelo Professor Doutor Luiz Eduardo Gunther

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RESUMO O presente artigo refere-se à jurimetria que converge ciência social aplicada – direito - e ciência matemática aplicada – estatística - com o princípio básico de mensurar os fatos relacionados aos conflitos para antecipar cenários e planejar condutas no exercício da advocacia, na elaboração das leis e na gestão do judiciário. O objetivo central é a análise dos resultados sobre o número de conciliações realizadas no Poder Judiciário, constituindo-se intervenção estatal na ordem econômica mediante aplicação de sanção positiva do Direito no fomento à viabilidade econômica das atividades desempenhadas na iniciativa privada mediante a diminuição dos riscos jurídicos, no sentido da calculabilidade e confiança no funcionamento da ordem jurídica. O significativo número crescente dos processos conciliados, bem as ações regulamentadas pelo Conselho

Nacional de Justiça, dentre elas as Resoluções 106, de 06 de abril de 2010 e 125, de 29 de

novembro de 2010, revelam a implementação do paradigma jurídico promocional na melhoria da

economia com a diminuição dos riscos jurídicos das atividades afetas à livre iniciativa. A pacificação dos conflitos pela conciliação pautada no modelo normativo de lógica premial funciona como incremento à eficiência do mercado, aprimorando a segurança jurídica na criação e no desenvolvimento das atividades econômicas, as quais, adequadamente funcionalizadas, são a melhor forma de promover o crescimento econômico e a melhoria das condições de vida da população. Palavras-chave: jurimetria, conciliação, promoção da eficiência econômica.

ABSTRACT

This article refers to jurimetrics that converges applied social science - right - science and applied mathematics - statistics - with the basic principle of measuring the facts related to conflict scenarios to anticipate and plan conducts the practice of law, in making laws and in management of the judiciary. The main objective is to analyze the results on the number of conciliations performed on Judiciary, becoming state intervention in the economic order by applying positive sanction of law in promoting the economic viability of the activities performed in the private sector by reducing legal risks in the sense of calculability and confidence in the functioning of the legal system. The growing number of significant processes conciled and actions regulated by the National Council of Justice, among them the Resolutions 106, April 6, 2010 and 125 of 29 November 2010, shows the implementation of legal paradigm promotional in improving economy by reduced risk of entrerprises legal activities. The conflicts pacification through conciliation based on rewad’s logic normative model increases market efficiency, enhancing legal certainty in the creation and development of economic activities, which, properly functionalized, are the best way to promote economic growth and improvement of living conditions of the population. Keywords: jurimetrics, conciliation, promoting economic efficiency.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo refere-se à jurimetria que converge ciência social aplicada –

direito - e ciência matemática aplicada – estatística - com o princípio básico de mensurar os fatos relacionados aos conflitos para antecipar cenários e planejar condutas no exercício da advocacia, na elaboração das leis e na gestão do judiciário.

O objetivo central é a análise dos resultados sobre o número de conciliações realizadas no Poder Judiciário, constituindo-se intervenção estatal na ordem econômica mediante aplicação de sanção positiva do Direito no fomento à viabilidade econômica das atividades desempenhadas na iniciativa privada mediante a diminuição dos riscos jurídicos, no sentido da calculabilidade e confiança no funcionamento da ordem jurídica.

Tal levantamento, considerada certa informatização da Justiça em todos os níveis, demonstra elaboração viável e alberga informações extremamente interessantes não só

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sobre os efeitos da atuação dos juízes na perspectiva econômica, mas também sobre o impacto de todo o direito sobre a economia brasileira.

A investigação revela alta credibilidade, já que baseada em dados objetivos e instrumentalizada por pesquisa de processos similares nas diversas regiões do país, com demonstração analítica dos dados e resultados obtidos. É claro, preciso, traduz uma realidade fática.

O significativo número crescente dos processos conciliados, bem como as ações regulamentadas pelo Conselho Nacional de Justiça, dentre elas as Resoluções 106, de 06 de abril de 2010 e 125, de 29 de novembro de 2010, revelam a implementação do paradigma jurídico promocional na melhoria da economia com a diminuição dos riscos jurídicos das atividades afetas à livre iniciativa.

2 A JURIMETRIA NO BRASIL

A análise econômica do direito - Law and Economics – L & E – é uma forma

específica de interpretação do direito surgida em Chicago, EUA, no início dos anos 70, inspirada na forte contraposição entre capitalismo e socialismo. A escola de Chicago defendia a economia de mercado; em oposição, surge em Harvard a Critical Legal Studies, politicamente socialista e comunista.

Segundo Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn existem “diferentes correntes doutrinárias que buscam explicar o fenômeno econômico e propor medidas para corrigir distorções geradas por normas de Direito positivo, com fundamento em análises econômicas. Entre elas, encontram-se a Escola de Chicago, a de Yale, a da Nova Economia Institucional, a Escola Pública, entre outras”1.

As esparsas pesquisas jurimétricas antes produzidas eram, em sua maioria, voltadas para questões processuais. A preocupação social com o aperfeiçoamento da Justiça e gestão dos Tribunais promoveu a concentração de estudos quantitativos-empíricos, refletida em políticas implementadas por autoridades judiciárias em todos os níveis, figurando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como a instituição difusora destes anseios.

A jurimetria converge ciência social aplicada – direito - e ciência matemática aplicada – estatística, cujo princípio básico é mensurar os fatos relacionados aos conflitos, para antecipar cenários e planejar condutas no exercício da advocacia, na elaboração das leis e na gestão do Judiciário.

A Estatística tem por objetivo obter, organizar e analisar dados, determinar as correlações que apresentem, tirando delas suas consequências para descrição e explicação do que passou e previsão e organização do futuro.

Traduz ciência e prática de desenvolvimento de conhecimento humano pelo uso de dados empíricos, em que a aleatoriedade e incerteza são modeladas pela teoria da probabilidade.

A premissa jurimétrica aborda discussões jurídicas “de baixo para cima” de forma a propiciar conhecimento profundo das tendências dos conflitos como matéria-prima da elaboração das soluções processuais. A disciplina se assenta na concepção matemática-estatística do estudo tradicional do direito que discute de forma teórica e conceitual leis e princípios abstratos. A Law and Economics foi criada para aplicação no sistema da common law (de baixo para cima), parte-se da lide como realidade absoluta, do fato para o direito posto.

1 ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 77.

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A jurimetria pode medir, por exemplo, o percentual de decisões de um tribunal sobre um determinado assunto ou disciplina e os resultados podem alterar as estratégias de condução de vários casos.

Estudiosos da matéria dedicam-se a questões mais específicas, como teses aceitas com maior ou menor frequência, a frequência em que uma norma é aplicada nos julgamentos, o perfil decisório de um determinado juiz, a probabilidade de descumprimento de uma cláusula contratual, bem como o número de conciliações realizadas pelo magistrado, sendo esta última perspectiva a matriz temática deste estudo.

No Brasil, a jurimetria vem sendo objeto de estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) com o apoio da Associação dos Advogados de São Paulo, Instituto de Matemática e Estatística da USP e Sociedade Brasileira de Direito Público.

A Associação Brasileira de Jurimetria, fundada no Brasil em 2009 por um grupo de professores de direito e estatística da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade de São Paulo, se empenha em “reunir todo mundo que, no Brasil, já tentou algum tipo de diálogo entre essas duas áreas do conhecimento, para compor o repertório da disciplina”2, segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho.

Justifica o advogado Marcelo Guedes Nunes3, presidente da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), diferentemente das normas abstratas, os processos e fatos jurídicos surgem em populações numerosas, cujas características, entretanto, permitem uma sumarização. Explica a jurimetria no seguinte sentido:

A jurimetria é, portanto, a disciplina resultante da aplicação de modelos estatísticos na compreensão dos processos e fatos jurídicos. [...] a jurimetria, ao descrever os interesses concretos dos agentes jurídicos, seus conflitos e as soluções oferecidas pelos julgadores, pode auxiliar o direito a entender melhor o que os cidadãos esperam das autoridades e, assim, auxiliar as autoridades a elaborar leis mais aderentes à realidade social. Ao descrever a vida concreta do direito, a jurimetria se torna uma ferramenta fundamental para desenvolver instituições jurídicas mais justas e capazes de realizar as aspirações políticas da sociedade.

Um dos campos em que o diálogo entre Direito e Economia se demonstra fecundo

reside na calculabilidade dos riscos jurídicos que envolvem a segurança jurídica. Dependendo da forma como o Judiciário se comporta frente a um aspecto pode advir um comportamento econômico negativo, que comprometa o estímulo às atividades empreendedoras.

Pesquisa acerca da morosidade e da falta de previsibilidade das decisões judiciais4 demonstrou que o grande número de casos levados aos tribunais por pessoas, empresas e grupos de interesse, a insuficiência de recursos, as deficiências do ordenamento jurídico, o formalismo processual exagerado e a forma de atuação de magistrados e advogados são as causas que ocupam o topo na lista das mais citadas.

A falta de credibilidade no sistema é demonstrada em outra pesquisa elaborada Associação Nacional dos Magistrados5 que revela que 91% dos empresários avaliaram o Judiciário como ruim ou péssimo no que concerne à sua agilidade.

2 MAGRO, Maíra. Estudiosos querem mapear Justiça. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/noticias/OpiniaoPublica/inc/senamidia/notSenamidia.asp?ud=20110726&datNoticia=20110726&codNoticia=582411&nomeOrgao=&nomeJornal=Valor+Econ%C3%B4mico&codOrgao=47&tipPagina=1>. Acesso em: 13.09.2012. 3 NUNES, Marcelo Guedes. O que é jurimetria: como se fazem boas leis. A jurimetria a serviço da advocacia. Disponível em: < http://abjur.org.br/o-que-e-jurimetria.php>. Acesso em: 13.09.2012. 4 ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 253. 5 VIANNA, L. W.; CARVALHO, M. A. R.; MELO, M. P. C; BURGOS, M. B. O perfil do magistrado brasileiro. Projeto diagnóstico da Justiça. AMB/IUPERJ, 1996. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 251.

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Os que rejeitam a Law and Economics entendem que o direito estaria a serviço do capitalismo, para maximização dos lucros. Porém os lucros são cálculos contábeis e não econômicos, a economia analisa o comportamento do agente econômico diante de certo fato. Assim, a análise economia comporta não somente aspectos contábeis, mas ampla discussão acerca da sociedade.

A própria legislação econômica possui, à semelhança da maior parte do ordenamento, um conteúdo econômico, entretanto, há, porém, neste conjunto, um plus representado pela economicidade que transcende o dado meramente econômico, “apresentando um núcleo caracterizado pela racionalidade econômica a serviço da realização do justo, no âmbito sócio-econômico”6, ou seja, medida jurídica de direção e orientação da justiça sócio-econômica estatal.

A resistência à análise econômica do direito pode ser compreendida em razão das diferenças metodológicas utilizadas na ciência jurídica e na ciência estatística, a primeira baseada em regra genérica a ser aplicada em casos específicos e a segunda assentada em análise de dados gerais para extração da regra específica:

Por conta de diferentes metodologias utilizadas pelos dois ramos do conhecimento – o modelo dogmático e abstrato ensinado nas escolas de Direito e a construção de modelos a partir de dados empíricos recolhidos na sociedade associados a teorias – nas escolas de economia-, os operadores do Direito veem com desconfiança e com restrições as tentativas de associar o raciocínio econômico aos esquemas abstratos predominantes na formulação e análise das normas jurídicas7.

Segundo Rachel Zylbersztajn e Decio Sztajn8, as críticas ao avanço da combinação

de Direito e Economia, entretanto, vêm perdendo terreno pela demonstração de que a contribuição é positiva, demonstrando o equívoco na afirmação de que a economia busca eficiências enquanto o Direito se prende à promoção da questão ser/dever ser, com o objetivo de dizer que as posições são irreconciliáveis. Justificam que os fatos considerados sob a ótica quantitativa e empírica, própria do método econômico, em nada destrói a argumentação jurídica, qualitativa.

O Conselho Nacional de Justiça é um órgão administrativo do Poder Judiciário e tem como missão “contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da sociedade”, destacando-se, dentre suas diretrizes, a “ampliação do acesso à justiça, pacificação e responsabilidade social” – que tem relação direta com os métodos alternativos de solução de conflitos, além da “modernização tecnológica do Judiciário”9.

Nesse sentido, a resolução 125 de 29 de novembro de 2010 dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências, como criar um banco de dados com plena ênfase à tecnologia. Dessa forma, “o que esta resolução dispõe em seu capítulo III, seção IV (Dos Dados Estatísticos), bem como no Anexo (Estatística), nada mais é que um embrião, ainda que rudimentar, da jurimetria”10.

A resolução estabelece o dever dos tribunais criarem e manterem um banco de dados sobre as atividades de cada centro de conciliação. As informações coletadas são compiladas e monitoradas pelo CNJ, disponibilizados na internet no "Portal da Conciliação" da entidade.

6 CARVALHOSA, Modesto. Direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 318. 7 ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 75-76. 8 Idem, ibidem. p. 82. 9 Disponível em: < http://obrasildoprocesso.blogspot.com.br/p/jurimetria.html>. Acesso em: 13.10.2012. 10 Disponível em: < http://obrasildoprocesso.blogspot.com.br/p/jurimetria.html>. Acesso em: 13.10.2012.

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A produtividade dos juízes pode, de fato, ser uma variável importante para identificar problemas de gestão de processos. Celeridade, todavia, não significa qualidade do julgamento. Neste ponto as variáveis “relevantes”, podem ser inúmeras, como reforma de sentença, votos divergentes e decisões recorridas.

O “Programa Valorização da Magistratura” promovida pelo Conselho Nacional de Justiça em Florianópolis no dia 29.06.201211, demonstra a preocupação dos magistrados do Trabalho, compreensão a ser estendida à toda a classe da magistratura, com a excessiva relevância atualmente atribuída aos números alcançados pelo Poder Judiciário, retratada nas propostas consolidadas na Região Sul:

Que os métodos de avaliação estatística sirvam fundamentalmente como instrumento para identificação dos problemas de jurimetria - e não como seu objetivo central; Que os critérios quantitativos deles decorrentes sejam considerados apenas complementarmente na avaliação de desempenho da magistratura; Que a atuação dos Juízes seja valorizada também pelos efeitos concretos de seus atos endoprocessuais, que devem ser potencializados. Para uma valorização política da função judicial, sentenças e decisões interlocutórias não devem ser consideradas apenas sob prisma estatístico, mas sim na dimensão de suas capacidades de imposição e de transformação da realidade empírica. Há que se construir e reforçar técnicas de potencialização dos poderes do juiz na direção do processo, amparadas na noção de “contempt of court”, além da criminalização de condutas processuais atentatórias à eficácia da atuação judicial. Que as avaliações estatísticas evoluam para superar o momento inicial da jurimetria imaterial, ou jurimetria abstrata, fundada exclusivamente em indicadores métricos de produção, técnica central das análises que se servem do conceito de “justiça em números”. Considera-se necessário transcender essa técnica e implementar métodos de avaliação da atuação judicial mais complexos e que captem seu componente axiológico e seu sentido transformador da realidade, por meio de uma jurimetria concreta, focada nos impactos efetivos da produção judicial sobre o mundo empírico e sobre a sociedade, parametrizando os escopos reais da jurisdição na redução da antijuridicidade; Que se promova uma revisão estrutural das ferramentas de apoio à disposição de Juízes para conferir maior efetividade e eficácia à prestação jurisdicional. Essa reestruturação deve estar sustentada especialmente em meios tecnológicos, na ênfase a métodos alternativos de solução de conflitos e no aprimoramento da gestão de dados, e devem ser acompanhadas de uma participação mais frequente e efetiva de Juízes de Primeiro Grau nas administrações dos tribunais. Criar um setor responsável por analisar esses dados estatísticos, identificar em cada região as atividades econômicas nas quais há os maiores índices de descumprimento das normas trabalhistas e planejar ações de prevenção.

O encontro demonstra crítica à avaliação de níveis de produtividade e qualidade da atividade judicial como reconhecimento institucional do trabalho desenvolvido. Propõe, ainda, que se reconheça a importância de um controle estatístico, porém que ele não deva servir como um fim em si mesmo, estimulando a produção judicial acrítica e a concorrência interna, o que no ambiente organizacional “levam à clivagem ética do tecido da magistratura e à desconexão comportamental, pela fragmentação de sua identidade e de seu sentido finalístico”12. O critério quantitativo implementado pelo CNJ e promovido pela jurimetria constitui-se paradigma na atual gestão do Poder Judiciário, abrangendo seu espectro à análise das questões que envolvem a conciliação, de forma a reconhecer-se o método não exclusivamente atrelado ao critério quantitativo, mas também à ótica qualitativa da

11 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Programa Valorização da Magistratura. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/valorizacao-da-magistratura/propostas-regiao-sul>. Acesso em: 28.10.2012. 12 Idem, ibidem.

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análise, sob a perspectiva da influência econômica afeta à atividade conciliatória como promoção à eficiência do mercado e a diminuição dos riscos jurídicos necessariamente impostos pela ordem normativa vigente.

3 SANÇÃO POSITIVA DO DIREITO NA PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA ECONÔMICA

– DIMINUIÇÃO DOS RISCOS JURÍDICOS DA LIVRE INICIATIVA O princípio constitucional da livre iniciativa é não impor intervenção estatal ao

desenvolvimento da atividade empresarial formalmente. Materialmente é promover investimentos, empreendedorismo e a viabilidade econômica dos projetos instituídos pela sociedade.

O empresário no estudo da viabilidade econômica deverá se ater tanto aos custos negociais quanto aos jurídicos, diretos e indiretos. Isto porque o risco não contabilizado pode se converter em custo ou até mesmo em quebra.

Para que haja eficiência econômica deve haver liberdade de concorrência a qual se baseia na segurança jurídica. Como explica Modesto Carvalhosa “o ordenamento jurídico pesa nas opções de comportamento econômico”13.

No Brasil, os riscos jurídicos envolvidos em determinada atividade econômica contribuem decisivamente para o aumento do valor final do preço do produto fabricado ou vendido, ou do serviço prestado.

Isto porque as políticas públicas do Estado não convergem com as necessidades da realidade econômica do país, como, por exemplo, as de incentivo ao empreendedorismo e ao cumprimento da função social das empresas.

Além deste aspecto, o Judiciário se apresenta lento na resposta à demanda a ele submetida, o que demanda tempo e custo para a empresa. A dinâmica e a complexidade das relações comerciais no mundo atual “exigem que os operadores do direito busquem soluções adequadas para cada situação específica, para prevenir e resolver os litígios entre

as partes”14. Por isso muitas empresas pactuam que as divergências porventura surgidas entre as partes serão resolvidas por meio de árbitros, simplesmente eliminando a possibilidade de recorrer ao sistema judiciário brasileiro.

A análise jurídica de determinada situação, partindo-se da lei ao fato concreto, demanda o exame da eficácia do sistema normativo existente, o que, sem dúvida, não direciona a uma resposta positiva, no sentido do valor a ser atribuído ao risco jurídico. As falhas legislativas, albergando inúmeras possibilidades do não cumprimento da lei, contribuem decisivamente para a majoração deste valor.

Estas são algumas das justificativas pelas quais se podem compreender os motivos que levam as empresas a quebrarem em um tempo exíguo, pois menosprezam, simplesmente desconsideram ou desconhecem os riscos jurídicos que a atividade econômica por elas desenvolvidas comportam. Isto ao invés de fielmente contabilizá-los, visando a análise da viabilidade do negócio, da capacidade do lucro a ser obtido e da própria perenidade da empresa, caso estes riscos venham a se transformar em custos.

A calculabilidade e confiança no funcionamento da ordem jurídica são vitais a qualquer Estado, em nome da segurança jurídica.

O risco jurídico deriva, em parte, da qualidade das leis, que retratam ambiguidade e instabilidade na sua aplicação. O excessivo número de normas reguladoras da atividade empresarial no Brasil, muitas vezes conflitantes, bem como a permissão estatal da

13 CARVALHOSA, Modesto. Direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 314. 14 ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO. Roteiro de curso. Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: <http://academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/images/2/28/Arbitragem_e_Media%C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 28.11.2012.

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flexibilidade em sua aplicação, penalizam a competitividade e comprometem o exercício da livre iniciativa.

É preciso evitar a ingenuidade do laissez faire absoluto, sem ignorar, porém, que o adequado funcionamento do mercado é a melhor forma de promover o crescimento econômico e a melhoria das condições de vida da população.

Na economia neoliberal o Estado é chamado a intervir na vida em sociedade. Michel Foucault afirma que a liberdade não se dá de forma espontânea, precisa ser produzida.

O Estado atua para salvaguardar o sistema (formação de trustes, concorrência desleal, medidas inibidoras de expansão do empreendedorismo e do emprego). O sistema de mercado produz muito atrito. O Estado intervém para preservar a racionalidade do sistema. Para evitar efeitos maléficos das crises que ele próprio acaba engendrando, ou seja, “da liberdade frente ao Estado evolui-se para a liberdade através do Estado”15.

Segundo Michel Foucault16, com a instauração do neoliberalismo, a arte de governar renovou-se em seus mecanismos, efeitos e princípios. O limite da competência do governo passa a ser definido pelas fronteiras da utilidade de uma intervenção governamental. O novo governo, a nova razão governamental não lida com as coisas em si da governabilidade, que são os indivíduos, as coisas, as riquezas e as terras, de forma direta. Tal racionalidade lida com os fenômenos da política que são os interesses demonstrados por intermédio de determinado indivíduo, de determinada coisa, ou de determinada riqueza, ou seja, os interesses afetos à coletividade.

Segundo o mesmo autor, para os neoliberais, o essencial do mercado não está na troca, está na concorrência. E o problema da concorrência/monopólio, muito mais do que o problema do valor e da equivalência, é o que vai construir a armadura essencial de uma Teoria de Mercado. O governo liberal deve exercer ação reguladora como objetivo principal. O Poder Público deve impedir os abusos do mercado e da liberdade contratual, tolerando-se “que o Estado amplie suas funções para reequilibrar o processo concorrencial”17.

Segundo Francisco Cardozo Oliveira18 a partir do séc. XIX, portanto, a racionalidade governamental muda porque muda a racionalidade econômica. A racionalidade do Estado é regular a concorrência, com a necessidade de uma política de sociedade e de intervencionismo social, ativo e onipresente. Como o princípio do mercado é a concorrência, ela precisa ser regulada, formalizada, regrada, constituindo-se este o papel do Direito. Em última análise é o próprio Estado que determina e organiza o mercado, dizendo quem ganha e quem perde. O Estado avança, portanto, sobre o modo de vida da sociedade, regulando condutas individuais (biopolítica). A racionalidade governamental vota-se para a política da vida, fazendo a forma da empresarialidade atingir a pessoa.

Para Marcelo Neves19 o Estado Democrático de Direito caracteriza-se por ser uma tentativa de construir uma relação sólida e fecunda entre Têmis e Leviatã, que possibilite enfrentar os graves problemas da sociedade mundial do presente. Ou seja, o a relação entre Estado e Direito deve ser guiada pela efetividade da tutela dos interesses da sociedade.

15 CARVALHOSA, Modesto. Direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 97. 16 FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo : Martins Fontes, 2008. passim. 17 CARVALHOSA, Modesto. Direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 99. 18 OLIVEIRA, Francisco Cardozo de. Estado, direito, biopolítica e totalitarismo na atualidade. Aula ministrada em 15.08.2008 no curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. 19 NEVES, Marcelo. Entre têmis e leviatã – uma relação difícil. São Paulo : Martins Fontes, 2006.

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Oliveira ensina que numa sociedade empresária, onde a concorrência é acirrada, há mais atritos, portanto um aumento de litigiosidade. O Estado de Direito intervém no plano econômico mediante princípios formais. Quanto mais formal a intervenção, maior a necessidade de um serviço judiciário onipresente. A regulação social se torna necessária para garantir a concorrência, cuja interferência se dá pela tecnologia ambiental (modo de vida). Requer-se do Estado a promoção da “edificação dos setores econômicos considerados básicos para a expansão da empresa privada”20.

A ideologia estatal acaba por implantar-se legislativamente, tomando o mercado a feição proposta no projeto governamental, de forma que o Estado estimula condutas irresistíveis mediante a criação de normas que prevejam contraprestação de prêmio à obediência dispositiva, com vistas ao acolhimento voluntário de seus projetos sociais.

Como ainda a matéria é nova e pouco abordada no Brasil, parece que a o problema estaria, segundo o Professor Oliveira21, na dimensão tópico-problematizadora, na aplicabilidade do direito, que vem a ser a tensão entre a abstração da norma e a plasticidade do fato concreto, no sentido da força de sua aplicação no caso concreto, no exato momento da aplicação do direito.

Por isso o teoria do direito Direito buscou uma nova perspectiva, assentada em proposições positivas do Estado, de modo a estimular condutas social e economicamente desejáveis utilizando como uma das ferramentas para esta concretização a jurimetria, à da coercitividade pela repressão da conduta.

Tal paradigma é assim analisado por Decio Zylbersztajn e Rachel Sztajn:

Tomando a Economia como poderosa ferramenta para analisar normas jurídicas, em face da premissa de que as pessoas agem racionalmente, conclui-se que elas responderão melhor a incentivos externos que induzam a certos comportamentos mediante sistema de prêmios e punições.22”

Uma das evidências da aplicação prática desta nova lógica do sistema jurídico é

externada pela quantidade de conciliações realizadas pelo magistrado como um dos critérios analisados para a promoção por merecimento, conforme dispõe a Resolução n. 106, de 06 de abril de 2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)23:

Art. 6º Na avaliação da produtividade serão considerados os atos praticados pelo magistrado no exercício profissional, levando-se em conta os seguintes

parâmetros: [...] II - Volume de produção, mensurado pelo: a) número de audiências realizadas; b) número de conciliações realizadas; c) número de decisões interlocutórias proferidas; d) número de sentenças proferidas, por classe processual e com priorização dos processos mais antigos; e) número de acórdãos e decisões proferidas em substituição ou auxílio no 2º grau, bem como em Turmas Recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais; f) o tempo médio do processo na Vara. [sem grifo no original]

20 CARVALHOSA, Modesto. Direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 99. 21 OLIVEIRA, Francisco Cardozo de. Estado, direito, biopolítica e totalitarismo na atualidade. Aula ministrada em 26.09.2008 no curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. 22 ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 75. 23 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 106, de 06 de abril de 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12224-resolucao-no-106-de-06-de-abril-de-2010>. Acesso em: 13.09.2012.

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A redação do parágrafo único24 da norma revela a prevalência da conciliação frente ao índice de sentenças como parâmetro privilegiado no cálculo da produtividade dos magistrados:

Parágrafo único. Na avaliação da produtividade deverá ser considerada a média do número de sentenças e audiências em comparação com a produtividade média de juízes de unidades similares, utilizando-se, para tanto, dos institutos da mediana e do desvio padrão oriundos da ciência da estatística, privilegiando-se, em todos os casos, os magistrados cujo índice de conciliação seja proporcionalmente superior ao índice de sentenças proferidas dentro da mesma média.

Assim é que o Estado persuade a atividade individual para o atendimento prioritário do interesse social, direcionando os Magistrados à cultura conciliatória, sendo um dos reflexos econômicos de sua concreta aplicabilidade e aceitação pelos destinatários a segurança jurídica de que o mercado e a livre iniciativa nutrem expectativa para seu desenvolvimento. Tais normas dispositivas são “o fruto de um mundo cada vez mais consciente do valor do econômico, como elemento indispensável para a realização integral do homem na sociedade e da impossibilidade de se desenvolver o individual, independentemente de sua inserção em um projeto coletivo”25. A conciliação, no Brasil, estruturada sob a égide da Resolução n. 125 do CNJ, possui como diretriz a jurimetria, com notável contribuição à certeza jurídica, fomentando o resultado da racional perseguição da finalidade social objetiva estatal de promoção da eficiência econômica traduzida na minimização dos riscos jurídicos da livre iniciativa. 4 CONCLUSÃO

A pacificação dos conflitos pela conciliação pautada no modelo normativo de

lógica premial funciona como incremento à eficiência do mercado, aprimorando a segurança jurídica na criação e no desenvolvimento das atividades econômicas, as quais, adequadamente funcionalizadas, são a melhor forma de promover o crescimento econômico e a melhoria das condições de vida da população.

A lógica de a sociedade empresária existir para a realização da livre iniciativa, e, em última instância, trabalhar em nome da dignidade da pessoa humana (das pessoas que a compõe, portanto), na perspectiva de imprimir-se os módulos da eficiência social da entidade (atrelamento das entidades econômicas particulares aos fins sociais da produção), é a justificativa para a criação de normas jurídicas promotoras de comportamentos cujos destinatários se sintam impelidos a praticá-los, mediante atribuição de vantagens aos destinatários.

As normas estatais atinentes à conciliação externalizam intervenção do Estado na ordem econômica mediante criação de norma fiel à consecução dos objetivos constitucionalmente traçados, dentre eles a meta sócio-econômica de promoção da eficiência do mercado mediante a redução dos riscos jurídicos necessariamente atrelados à atividade da livre iniciativa.

24 Idem. Ibidem. 25 CARVALHOSA, Modesto. Direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 313.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Luciana Piccinelli Gradowski ______________________________________

Advogada em Curitiba e Assessora Jurídica do Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado do Paraná.

Pós-graduada em Direito Administrativo e em Direito do Trabalho Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho

Ex-Juiza Leiga do 1º Juizado Especial Cível de Curitiba Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA

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RESUMO Este estudo visa discutir a importância e a função dos princípios das negociações coletivas em um mundo globalizado. A legítima aplicação desses princípios é imprescindível para que a negociação coletiva se amolde aos ditames da democracia, do direito e consiga equilibrar a eficiência econômica com a equidade social. Palavras-chaves: Negociação coletiva, Princípios da negociação coletiva, OIT.

RIASSUNTO Questo studio mira a discutire il ruolo e l`importanza dei principi della trattativa colletiva in um mondo globalizzato. Legittima l´applicazione de questi principi è essenziale per la trattativa colletiva se amolde i dettami della democrazia, del diritto e in grado de bilanciare l´efficienza econômica com l´equitá sociale. Parole chiave: Trattativa coletiva, principi della trattativa coletiva, OIT. 1 INTRODUÇÃO A negociação coletiva sofreu o impacto das profundas transformações que ocorreram nos últimos anos decorrentes da mundialização econômica como a aceitação de uma economia de mercado, o fortalecimento da concorrência, o avanço tecnológico, o encolhimento do Estado, a criação de multinacionais, a queda do Muro de Berlin e de muitos outros fatores que resultaram dessas mudanças no mundo. Ela ganhou relevância mundial, porém, porque se tornou um dos principais objetivos da OIT. A Organização Internacional do Trabalho foi criada pela Conferência de Paz, logo após a Primeira Guerra Mundial em 1919, em meio a reflexões sobre a Revolução Industrial e seus efeitos nos trabalhadores e a “concorrência desleal entre os países, decorrente da não observância, por alguns, de normas mínimas de proteção ao trabalho”1. O reconhecimento do direito a negociação coletiva para a OIT é princípio relativo aos direitos fundamentais2. Contudo, as razões pelas quais ela vem se fortalecendo dizem respeito em “primeiro lugar ao fato de que os códigos de trabalho envelheceram e mostraram-se incompetentes” 3, em segundo lugar ao eficiente método de solução de conflitos que está demonstrando ser, e por último, ao novo papel que assumiu, o de prevenção contra o desemprego 4 na era globalizada. No Brasil, a negociação coletiva é desregulamentada, pois não há leis que tratem das regras pertinentes a negociação, deixando ao alvedrio das partes envolvidas o estabelecimento de critérios para realizá-la. Essencial então, que se formulem diretrizes para auxiliar as tratativas coletivas de modo que ao final, elas se mostrem legítimas garantidoras de melhores condições de trabalho e dignidade para os trabalhadores.

1GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o direito do trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2011, p. 11. 2GERNIGON, Bernard; ODERO, Alberto; Guido, Horacio. Principios de la OIT sobre la negociación coletiva. Revista Internacional del Trabajo, v. 119, nº1, abril 2000, p. 38. 3CÓRDOVA, Efren. As relações coletivas de trabalho da América Latina. São Paulo, LTr, 1985, p. 21. 4GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. Princípios da negociação coletiva de trabalho. Disponível em: WWW.trt4.jus.br/RevistaEletronicaPortlet/servlet/.../76edicao.pdf. Acesso em: 03/08/2012.

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2 PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA Princípio é uma previsão normativa de caráter geral não obrigatoriamente prevê obrigações de caráter específico. Ele inspira o intérprete para extrair da própria norma o melhor sentido possível para cada momento da história da sociedade; carrega, pois, força valorativa. Robert Alexy5 entende que os princípios são “mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas”. Para Bandeira de Mello6, princípio é

por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

A propósito, os princípios inseridos em uma Constituição não tem hierarquia superior às regras, entretanto, na hermenêutica são eles que as norteiam.

“Os princípios, uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo”7, logo são dotados de normatividade. No entendimento de Dworkin8, os princípios tem dimensão de peso porque aplicam-se em maior ou menor grau, diferentemente das regras que são aplicadas ou não. Amauri Mascaro Nascimento9 afirma que “princípio não é algo acabado, pronto, definitivo. A palavra princípio significa começo. Logo, princípio são ideias que refletirão numa estrutura jurídica, econômica e social, daí o sentido prospectivo dos princípios”.

Os princípios, então, como já mencionado, são cânones interpretativos carregados de normatividade, mas “nem sempre se inscrevem nas leis” 10. São considerados por Miguel Reale11 como “enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”. A melhor doutrina elenca vários princípios que devem ser respeitados no trato coletivo, e esse modelo principiológico adotado no Brasil parece ser mais eficiente do que o daqueles que tem um sistema regulamentado de negociação coletiva porque como bem lembra Plá Rodriguez12:

Os princípios tem suficiente fecundidade e elasticidade, para não ficar presos a fórmulas legislativas e concretas. Tem de possuir a devida maleabilidade para inspirar diferentes normas em função da diversidade de circunstâncias. Do mesmo modo que os princípios tem a possibilidade de inspirar diferentes legislações e soluções em diversos países, assim também podem inspirar diversas fórmulas, conforme as épocas e as circunstâncias.

5ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 117. 6MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 545. 7BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 258. 8MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 508. 9NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Princípios do Direito Coletivo do Trabalho. Disponível em: www.tst.jus.br/.../3.+Princípios+do+Direito+Coletivo+do+Trabalho. Acesso em: 21/07/2012. 10PIMENTA, Wagner. Os novos princípios de direito coletivo de trabalho. http://www.tst.jus.br/documents/1295387/1334373/5.+Os+Novos+Princ%C3%ADpios+do+Direito+Coletivo+do+trabalho. Acesso em: 02/08/2012. 11 REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 305. 12 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2000, p. 80.

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No processo de entendimento entre as partes (sindicatos laboral e empresarial ou sindicato laboral e empresa) o respeito a esses princípios agasalha o ato negocial com um manto de democracia e bom senso. A Constituição Federal, a Organização Internacional do Trabalho e a Consolidação das Leis Trabalhistas preocupam-se, além de em garantir o mínimo que cabe ao trabalhador, assegurar que as partes que negociam coletivamente não firam a dignidade da pessoa humana ou o valor social do trabalho. Neste cenário entram os princípios que doutrinariamente são elencados como necessários a negociação coletiva para alcançar o consenso. Otávio Pinto e Silva13 se vale de Hugo Gueiros Bernardes e sua teoria dos princípios da negociação coletiva para afirmar que “com a adoção desses grupos de princípios, estaria explicitado um “código ético e pragmático da negociação”, legitimador da própria atividade negocial e estimulador da contratação coletiva”.

São vários os princípios elencados pelos doutrinadores que serão abordados a seguir. O rol não é taxativo, pois, como bem lembrado por Bernardes, esse conjunto principiológico está mais perto de um código de ética do que de uma normatização estanque. 2.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA COLETIVA Autônomo, independente, não depende de interferência externa. As condições de trabalho são normatizadas pelas próprias partes interessadas. “Autonomia coletiva é a capacidade que certos grupos sociais organizados têm de emitirem normas, através de um processo próprio de expressão do confronto entre interesses coletivos correspondentes” 14. Pode ser chamado também de princípio da criatividade jurídica. A Constituição Federal valoriza as negociações coletivas e a autonomia coletiva quando reconhece as convenções e os acordos coletivos de trabalho (art. 7º inciso XXVI).

A autonomia coletiva advém do pluralismo jurídico que não está alheio aos interesses sociais e que “oferece formas alternativas de realização efetiva das necessidades de uma sociedade múltipla, em face de um Estado unitário e ineficaz, que não mais tutela os interesses e necessidades das maiorias, muito menos os da minoria” 15.

2.2 PRINCÍPIO DA INESCUSABILIDADE NEGOCIAL A Consolidação das Leis do Trabalho prevê no seu artigo 616 que os sindicatos, quando provocados, sejam da categoria econômica ou profissional, não podem se recusar à negociação coletiva. Importante ressaltar que o ente coletivo não é obrigado a se entender com a outra parte, ele precisar querer conversar, dialogar porque para o comando legal isso é um dever, sob pena de surgirem greves legítimas ou a exclusão da parte que se negou a negociar do processo de negociação. Pode-se substituir a parte por entidades coletivas de grau superior. O artigo 114, § 2º da Constituição Federal prevê que se qualquer das partes recusar à negociação coletiva, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio

13 BERNARDES, 1989 apud SILVA, 1998, p. 107. 14LIMA FILHO, Francisco das Chagas. Negociação coletiva e boa-fé: o princípio no ordenamento brasileiro e espanhol. Curitiba: Decisório Trabalhista, 2008, p.28. 15GRIBOGGI, Angela Maria. Pluralismo Jurídico e a crise do positivismo jurídico no Brasil. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/angela_maria_griboggi.pdf. Acesso em: 25/10/2012.

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coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito. Quanto à essa questão, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais no sentido da necessidade ou não do comum acordo para que o dissídio seja aceito e julgado pelos tribunais, entretanto a jurisprudência majoritária entende que há a necessidade do comum acordo. Outro problema que surge da análise desse princípio diz respeito ao direito à negociação coletiva. Arion Sayão Romita16 indica a negociação coletiva como um direito fundamental de solidariedade. Sob esse prisma a recusa em negociar violaria um direito fundamental; inaceitável em um Estado Democrático de Direito que preserva a dignidade da pessoa humana e garante os seus direitos fundamentais. Revela, então, esse princípio, um espírito democrático, que privilegia o diálogo e acredita em um resultado de paz. 2.3 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DA ATUAÇÃO SINDICAL Maurício Godinho Delgado17 nomeia esse princípio como da interveniência sindical na normatização coletiva que “propõe que a validade do processo negocial coletivo submeta-se à necessária intervenção do ser coletivo institucionalizado obreiro – no caso brasileiro, o sindicato”. O texto constitucional prevê a obrigatoriedade da participação do sindicato na negociação coletiva, no seu artigo 8º, incisos III e VI. Esse dispositivo está dentro do Capítulo II (que trata dos direitos sociais), que pertence ao Título II (Dos direitos e garantias fundamentais). Por este motivo é considerado uma cláusula pétrea (que não pode ser abolida) de acordo com o artigo 60, § 4º, IV da Constituição Federal.

Esse princípio terá que ser obedecido obrigatoriamente pelo sindicato profissional. A participação do sindicato patronal não é obrigatória porque a empresa é considerada um ente coletivo que pode firmar, por si só, acordos coletivos com o sindicato laboral de acordo com o artigo 611 § 1º da Consolidação das Leis do Trabalho. 2.4 PRINCÍPIO DA CONTRAPOSIÇÃO Alguns doutrinadores o entendem não como princípio, apenas como uma constatação, eis que para existir uma negociação necessariamente há pretensões contraditórias. Com base nessa peculiaridade ele também é chamado de princípio do contraditório. Abarca interesses antagônicos e em função deles é que surge a necessidade da negociação coletiva. De um lado o interesse em melhorar as condições de trabalho, a remuneração, garantir a preservação do emprego e de outro a maximização dos lucros. Há interesses diferentes, mas há um em comum, o de chegar a um consenso. O conflito social entre os trabalhadores e a atividade econômica geradora de empregos é consequência de uma sociedade capitalista. A negociação decorrente dessa constatação tenta resolver os problemas gerados no âmago da relação trabalhista coletiva, mas com eles não se confunde. Ela pode, inclusive, surgir em uma órbita conciliadora. Exemplo disso é quando negocia-se com interesses comuns, como no caso de os empregados desejarem continuar trabalhando e a empresa quer que eles assim o façam, porém ela está passando por dificuldades financeiras e quer manter os empregos,

16 ROMITA apud GUNTHER, 2008, p. 104. 17DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho e seus princípios informadores. Ver. TST, Brasília, vol. 67, nº 2, abr/jun 2001, p. 91.

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mas não consegue caso siga os parâmetros da legislação trabalhista. A negociação apenas é realizada com o objetivo de adequar o direito a realidade dos fatos sem ferir a norma vigente laboral. Desnecessário, então, elencar como princípio da negociação coletiva o da contraposição, sob pena de desconfigurá-la. 2.5 PRINCÍPIO DA PAZ SOCIAL Denominado também de princípio da busca do equilíbrio social. Objetiva a pacificação do conflito-base das negociações. Também visa os próprios negociadores que devem buscar o entendimento em clima de harmonia e sem tirar de foco o objeto da negociação que é obter um consenso.

Constitui este princípio “um esforço de compreensão, de convivência e de respeito mútuo entre as partes, em que pese à diversidade de interesses imediatos, uma vez que o objetivo mediato é a relação de trabalho, a qual deve ser preservada” 18. É considerado fundamental porque descortina o clima hostil, põe fim ao conflito e pacifica a coletividade. 2.6 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE Também conhecido como princípio da adequação ou da proporcionalidade. Pleitos impossíveis de serem implementados ou recusa em aceitar o que está dentro das possibilidades não é razoável. Extremismo e irredutibilidade impedem um acordo. O comportamento das partes e suas ações devem ser adequadas, proporcionais, tornando o consenso um objetivo mais fácil e próximo de ser alcançado nas negociações coletivas. 2.7 PRINCÍPIO DA IGUALDADE Os entes coletivos negociadores são iguais então devem ser tratados igualmente sem a proteção ao hipossuficiente, inexistente nesta relação coletiva e presente nas relações individuais de trabalho (empresa-empregado). Alguns doutrinadores entendem que a nomenclatura para esse princípio é o da equivalência entre os negociantes, porque não há hierarquia entre eles.

A garantia de emprego e estabilidade dos sindicalistas e os mecanismos que eles tem de pressão, como a greve, faz com que haja a igualdade de nível entre trabalhadores como ente coletivo (sindicatos laborais) e empresários.

Esse princípio quando direcionado ao fruto da negociação, ou seja, a normatização criada, denomina-se princípio protetor e está presente tanto no Direito do Trabalho como no Direito Coletivo do Trabalho. É ligado ao princípio constitucional da igualdade (isonomia) porque compensa a desigualdade tratando diferentemente os desiguais.

Na negociação coletiva, a proteção aos empregados é uma das preocupações quando da confecção dos textos das normas coletivas. O princípio protetor não é uma premissa que afeta as partes da negociação, mas as regras coletivas criadas por elas.

18LIMA FILHO, 2008, p.44.

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2.8 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA A boa-fé “surge como um conceito indeterminado, que carece de preenchimento com valorações, a operar em cada caso concreto”. 19

Ser honesto e ter consideração com o outro é ter boa-fé. Esse princípio considera dois momentos: a negociação em si e o cumprimento do que foi acordado.

A negociação é facilitada se há a confiança e a lealdade entre as partes. Pode ser desdobrado em outros subprincípios, que juntos formam o da boa-fé: o princípio da lealdade (ser leal com a outra parte), do acesso à informação ou da transparência (informar a outra parte para que a negociação seja possível), ligado à responsabilidade das partes (pelo contratado) e do respeito mútuo aos compromissos assumidos nos contratos coletivos (cumprimento da norma coletiva). Há posições de doutrinadores que entendem que esse princípio encerra os demais. O princípio da boa-fé é a bussola que norteia, mas a existência dos outros princípios é necessária para a verificação objetiva dos pressupostos essenciais a uma boa e efetiva negociação coletiva. 2.9 PRINCÍPIO DA SOBREVIVÊNCIA DOS DIREITOS CONCEDIDOS POR CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS APÓS A EXTINÇÃO DOS MESMOS

A súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho foi alterada recentemente mudando o perfil e o entendimento quanto a sobrevivência dos direitos concedidos por instrumentos coletivos após a extinção dos mesmos. Na redação original, as condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoravam no prazo assinado, não integrando de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho. Essa súmula foi alterada na sessão do Tribunal Pleno na sessão realizada em 14/09/2012 pela Resolução 185. De agora em diante o TST entende que as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva, ainda que o prazo de validade destes instrumentos tenha expirado. O princípio em comento agora ganha mais corpo para ser aplicado nas negociações coletivas, pois pelo novo entendimento da mais alta corte trabalhista foi instituída a chamada ultratividade das normas coletivas. Advirão, contudo, críticas a respeito e posições doutrinárias contrárias eis que o artigo 613 inciso II da CLT prevê que as convenções e os acordos deverão obrigatoriamente conter prazo de vigência. A despeito de a súmula ser um elemento facilitador do Direito, não é lei, já que ao Poder Judiciário não cabe legislar. Ela é apenas uma linha direcionadora que o tribunal segue a respeito de determinado assunto. Nessa esteira, cumpre analisar as futuras decisões judiciais e as posições doutrinárias para que se alcance um nível maior de segurança jurídica. 2.10 PRINCÍPIO DO EFEITO ERGA OMNES DOS CONVÊNIOS COLETIVOS Antes da edição do Decreto-lei nº 229 de 28/02/1967 os efeitos dos contratos coletivos se davam entre os associados dos sindicatos convenentes e somente se estendiam a todos os membros da categoria por ato do Ministro do Trabalho. Esse

19 CORDEIRO, 1991 apud SILVA, 1998, p. 109.

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comando legal deu nova redação aos artigos 611 a 625 da Consolidação das Leis do Trabalho e conferiu a convenção e ao acordo coletivo de trabalho efeito erga omnes. O Brasil adota o modelo legal de eficácia geral quanto aos efeitos dos convênios coletivos, pois a convenção coletiva de trabalho não se aplica exclusivamente aos associados do sindicato, ela se estende a todos os membros da respectiva categoria de acordo com o artigo 611 da CLT. 2.11 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA Defendida por Maurício Godinho Delgado, diz respeito a harmonização entre as regras jurídicas criadas e advindas da negociação coletiva e aquelas oriundas da legislação heterônoma estatal. As normas autônomas específicas e coletivas podem prevalecer sobre a geral advinda do Estado em dois casos20:

a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável;

b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta).

No primeiro caso, é indiscutível que, como as regras criadas são mais benéficas, não se analisa os pormenores de uma legislação que não afronta a existente e amplia direitos. No segundo caso, há limitações acerca do que é transacionado porque se relaciona a direitos relativamente indisponíveis.

2.12 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA A função social é um conceito que permeia todo o sistema jurídico brasileiro. Há previsão, por exemplo, da função social da propriedade nos artigos 5º inciso XXIII; 170 inciso III; 182; 185; 186 todos da Constituição Federal e da função social do contrato no artigo 421 do Código Civil. As negociações coletivas com objetivos políticos que visam imposições de ideologias ou ainda mostram-se, simplesmente, como uma alternativa para negociadores ganharem o poder, sem interesse legítimo de proteção à classe trabalhadora, não cumprem a sua função social. Entretanto, aquelas que adequam as relações entre trabalhadores e empregadores ao mundo globalizado sem desconsiderar o valor social do trabalho, previsto no artigo 1º inciso IV da Constituição Federal, cumprem a sua função social. 3 PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA DA OIT A OIT através do conteúdo de suas normas e dos seus princípios “contribuiu para que a negociação coletiva mantenha a sua capacidade de adaptabilidade ao meio, às

20DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, p. 1281.

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mudanças e garanta o equilíbrio entre as partes e as possibilidades de avanço social”21. Inseridos dentro das suas Convenções e Recomendações estão os princípios referentes a negociação coletiva. 3.1 PRINCÍPIO DA LIBERDADE SINDICAL Constante da Convenção 87 da OIT sobre a liberdade sindical e a proteção do direito sindical, esse princípio assegura a independência dos trabalhadores e das entidades patronais para, sem autorização prévia, constituírem organizações da sua escolha, elaborar estatutos, constituírem federações e confederações sem a intervenção das autoridades públicas. Assegura, também, que essas entidades não sejam dissolvidas ou suspensas por via administrativa. O preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho considera que a afirmação do princípio da liberdade sindical está entre os meios viabilizadores da melhora das condições dos trabalhadores e da garantia da paz . O Brasil não ratificou essa Convenção, mas a liberdade sindical está prevista no artigo 8º da Constituição Federal Brasileira, porém de forma mitigada pela unicidade sindical constante do inciso II do mesmo comando legal. Entende-se como unicidade a vedação à criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial. Pode-se destacar deste princípio, o subprincípio da liberdade para decidir o nível da negociação também chamado de princípio da ampliação progressiva do elenco das unidades de negociação coletiva. A Recomendação nº 163 no seu inciso II, número 4, dispõe que medidas condizentes com as condições nacionais devem ser tomadas, para que a negociação coletiva seja possível em qualquer nível, inclusive o do estabelecimento, da empresa, do ramo de atividade, da indústria, ou nos níveis regional ou nacional. Outro subprincípio destacado da liberdade sindical é o do caráter voluntário da negociação coletiva, pelo qual as partes não podem ser obrigadas pela legislação ou pelas autoridades a negociar. A liberdade de associação, outro subprincípio, é a “prerrogativa obreira de associação e de sindicalização e que alcança as prerrogativas de livre estruturação interna, livre atuação externa, autossustentação e direito à autoextinção”22 e que “no Direito Coletivo do Trabalho tem a sua expressão máxima na liberdade sindical”23. A liberdade sindical, contudo, só se concretizará plenamente quando for eliminada a unicidade sindical obrigatória e definida pelo Estado, a contribuição compulsória também chamada de contribuição sindical e a organização apenas por categoria profissional. 3.2 PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA A busca pela verdade dos fatos através do conhecimento das reais condições da empresa e do que efetivamente os empregados necessitam, fazem parte do rol de informações necessárias para que as discussões sejam pautadas pela ética e pelo bom senso.

21GERNIGON, Bernard et. al. A negociação coletiva na administração pública brasileira. Rio de Janeiro: Forense/OIT, 2002, p. 19. 22DELGADO, 2001 apud GOMES, 2012, p. 49. 23GOMES, Miriam Cipriani. Violação dos direitos fundamentais na negociação coletiva de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 49.

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Esse princípio está consagrado no inciso II, nº 7 da Recomendação 163 da OIT que versa sobre a promoção da negociação coletiva de trabalho. O número 7.1 desse instrumento enfatiza que no caso de vir a ser prejudicial à empresa a revelação de informações, sua comunicação pode ser condicionada ao compromisso de que será tratada como confidencial na medida do necessário. 3.3 PRINCÍPIO DA PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE COLETIVO SOBRE O

INDIVIDUAL A lei que define mais claramente o que é interesse coletivo é o Código de Defesa do Consumidor (artigo 81 inciso II). Conceitua-o como sendo aquele de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Previsto na Recomendação 91 de 1951 garante a supremacia do contrato coletivo sobre o contrato individual de trabalho, tendo como exceção as cláusulas dos contratos individuais mais benéficas para os trabalhadores. Somam-se também a esses princípios da OIT, o da boa-fé, não menos importante, mas já mencionado anteriormente, constante da Convenção nº 154 que assinala que a negociação coletiva somente funcionará eficazmente se for dirigida com absoluta boa-fé pelas partes, e ainda o princípio que diz respeito ao caráter vinculante dos acordos e convenções coletivas de trabalho previsto também na Recomendação 91 da OIT. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se que “gradativamente se desloca o eixo, o centro da positividade jurídica, da lei para os contratos coletivos, como consequência, por todos os aspectos normal e desejada, da democratização e da privatização crescente das relações coletivas”.24

Entretanto, para que os documentos coletivos firmados possam ser verdadeiros instrumentos de pacificação social, devem, a priori, respeitar o princípio basilar sobre o qual está fundado o nosso Estado (art. 1º inciso III da Constituição Federal) que é o da dignidade da pessoa humana. Os fundamentos da República são de observância obrigatória porque eles justificam o modelo de Estado em que vivemos. No Brasil, o valor social do trabalho também é considerado princípio fundamental previsto no artigo 1º inciso IV da Constituição Federal, por isso a importância que se dá ao trabalho não pode ser considerada por sindicatos, Estados, cidadãos, empregados ou patrões. José Afonso da Silva25 assevera que “os valores sociais do trabalho estão precisamente na sua função de criar riquezas, de prover a sociedade de bens e serviços e, enquanto atividade social, fornecer à pessoa humana bases de sua autonomia e condições de vida digna”. Importante ressaltar que os valores sociais do trabalho só se materializam com condições equitativas, “direito a uma remuneração que assegure ao trabalhador e à sua família uma existência conforme a dignidade humana do trabalhador e seus familiares”26. Na globalização, o econômico é colocado como primordial e o humano, o pessoal, é relegado ao segundo plano. Então, para assegurar condições de igualdade, remuneração compatível e existência digna, os trabalhadores devem se valer da 24NASCIMENTO, 2012. 25SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2009, p. 39. 26 Idem.

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negociação coletiva como instrumento social de garantia, pacificação e consenso. Os princípios da negociação coletiva assumem, desta forma, um perfil garantidor dos próprios princípios fundamentais insculpidos na Lei Maior.

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A MEDIAÇÃO COMO MEIO ALTERNATIVO (E POSSÍVEL)

À RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

João Paulo Vieira Deschk ______________________________________

Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo (UNICURITIBA) Especialista em Direito Empresarial Contemporâneo pelo Centro de Ensino Superior dos

Campos Gerais (CESCAGE) (2007) Professor nos cursos de Direito e Administração das Faculdades Integradas Cescage

Paulo Ricardo Opuszka ______________________________________

Doutor em Direito (2010), área de Concentração em Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento

Mestre em Direito (2006) pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, área de Concentração em Direito Cooperativo e

Cidadania Professor do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania da

Unicuritiba Professor da Especialização em Educação em Direitos Humanos da Universidade

Federal do Rio Grande e Universidade Aberta do Brasil Professor da Especialização Direito do Trabalho, Processo e Mercado do Centro de

Estudos Jurídicos do Paraná Professor nos Cursos de Graduação em Direito nas disciplinas de Economia e

Direito Constitucional do UNICURITIBA

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RESUMO A solução dos inúmeros conflitos sociais, historicamente está ligada à função jurisdicional do Estado como única forma possível e legal para tal solução. Pretende-se demonstrar a mediação como um meio adequado, célere e juridicamente possível para a pacificação social, passando inicialmente pelos conceitos de jurisdição e sua função, a chamada crise da jurisdição, e os principais pontos a serem destacados sobre a mediação e sua aplicabilidade junto aos conflitos sociais.

1 INTRODUÇÃO

Os conflitos sociais na atualidade buscam uma solução rápida, eficaz e segura, e

para tal, surgem alternativas à busca pelo Poder Judiciário, que dentre elas se apresenta a mediação.

Tendo em vista a infinidade de demandas levadas ao Poder Judiciário, tornando cada vez mais morosa a prestação Jurisdicional pretendida. As alternativas ao controle jurisdicional da solução de conflitos se apresentam como viáveis e juridicamente possíveis para por fim a situações em que não se apresenta como obrigatória participação ativa da jurisdição.

Quanto ao Instituto da Mediação, apesar de ainda não haver uma legislação específica no Brasil, há um Projeto de Lei do ano de 2002, bem como a Resolução 125 do CNJ, que não se tratam de novos institutos, pois, dentro do que se verifica na história, a auto-composição ocorre em diversos momentos, talvez não com a denominação específica de mediação, mas com a ideia de que um terceiro isento, facilita a negociação entre partes litigantes, fazendo com que elas cheguem a um consenso sobre o objeto do litígio, pacificando conflitos que fatalmente seriam levados aos tribunais. 2 JURISDIÇÃO

Mesmo se entendendo que a Jurisdição deve ser movimentada como ultima ratio,

os meios alternativos de solução de controvérsias ainda não têm uma plena utilização por diversos motivos.

A moderna doutrina indica a mudança de nomenclatura do que hoje se chama de meios alternativos, para meios adequados de solução de controvérsias, tendo em vista não só as críticas que adiante serão indicadas, mas também os benefícios que os estas maneiras diferenciadas trazem para a solução de conflitos.

Benefícios estes que podem ser elencados não só de ordem pessoal, processual e empresarial, como também os reflexos dessas decisões, no dia a dia das pessoas, e no desenvolvimento econômico e social.

Tendo como premissa a ideia de que a jurisdição é um poder do Estado, poder este exercido por cidadãos investidos nos cargos por ela determinados, e que ao exercerem sua função, buscam, dentro das limitações impostas, pacificar os conflitos sociais a ele dirigidos, começamos a delinear os pontos destacados pela doutrina que conceitua o tema.

Destaca-se inicialmente o conceito de Jurisdição dos autores, Antonio Carlos de Araujo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Candido Rangel Dinamarco1 utilizada pela maioria dos doutrinadores como base para seus estudos:

1 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, 26ª ed., São Paulo, Malheiros, 2010. Pag. 149

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“... podemos dizer que é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.”

A partir deste conceito, já se podem extrair diversas características, destacando-se de antemão que a jurisdição assume a característica de poder, função e atividade. No entanto, antes de adentrar na questão da chamada crise da jurisdição, importante destacar outros conceitos indicados na doutrina para uma melhor compreensão do tema.

Nesta mesma linha de raciocínio, Antônio Carlos da Costa e Silva2 conceitua o termo jurisdição com a indicação que:

“O Estado, órgão soberano, se possui funções formais organizativas que lhe permitem editar as normas jurídicas e promover sua execução, tem, também, que solucionar os “conflitos de interesses”, promovendo a atuação da vontade da lei, ante cada caso concreto”.

Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini3, não diferem na essência dos conceitos indicado, assim conceituando jurisdição:

“A jurisdição é, portanto, no âmbito do processo civil, a função que consiste primordialmente em resolver os conflitos que a ela sejam apresentados pelas pessoas, naturais ou jurídicas (e também pelos entes despersonalizados, tais como o espólio, a massa falida e o condomínio), em lugar dos interessados, por meio da aplicação de uma solução prevista pelo sistema jurídico.”

Cita-se ainda Humberto Theodoro Junior4 que leciona sobre jurisdição aduzindo que:

“jurisdição é o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica.”

Portanto, a partir da apresentação dos conceitos indicados pela doutrina, serão apresentados comentários que tratam destas características, dando forma a esta solução estatal de conflitos e que ao final deste estudo, se buscará indicar a mediação como meio possível para solução de conflito, trazendo os reflexos econômicos da utilização desta forma de composição. 3 CRISE DA JURISDIÇÃO

Neste ponto, objetiva-se apresentar alguns comentários ao que parte da doutrina chama de crise da jurisdição, pois o modelo estatal de substituição às partes para resolução de conflitos vem sofrendo inúmeras críticas por parte desta e também da população em geral. É sabido que alguns profissionais do direito, em todas as esferas (Advocacia, Magistratura e Ministério Público, entre outros) não possuem a devida capacitação para o exercício da atividade, não se pretendendo discutir o mérito de qualidade das faculdades de direito, porém o que se vê, são inúmeros profissionais que, semestralmente, são colocados no mercado de trabalho, com capacidade profissional no mínimo duvidosa.

Além da questão estrutural, que é preocupante, a velocidade da informação e até mesmo o desenvolvimento econômico e social em que o Brasil passa nos dias de hoje, faz com que o número de demandas aumente, tendo em vista o fato de que os chamados

2 SILVA, Antônio Carlos Costa e. Da Jurisdição executiva e dos pressupostos da execução civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980, pag. 86. 3 WAMBIER, Luiz Rodrigues e TALAMINI, Eduardo, Curso Avançado de Processo Civil. Vol. 1, 11ª ed., Curitiba: Revista dos Tribunais, 2010 pag. 84. 4 THEODORO JUNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1, 49ª ed., Forense. Pag. 38-39

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hipossuficientes culturais passam também a buscar seus direitos junto ao Poder Judiciário.

As palavras de Jose Luis Bolzan de Morais5, sobre o tema, indicam este problema: “Assim, as crises da Justiça fazem parte de um quadro cada vez mais intrincado de

problemas que são propostos à solução, tendo-se como paradigma a continuidade da ideia de Estado de Direito - e por consequência do Direito como mecanismo privilegiado – como instrumento apto, eficaz e indispensável para a solução pacífica dos litígios, e que se ligam umbilicalmente ao trato do problema relativo à transformação do Estado Contemporâneo.”

Diante desta primeira afirmação, veremos que muitos são os autores que tratam deste tema, e que as motivações que levam às afirmações, também se equivalem.

Boa parte dos autores que tratam deste tema vinculam a crise da jurisdição, com as dificuldades do acesso a justiça, o que de fato têm razão, pois, em não sendo garantido um acesso rápido e efetivo à busca de seus direitos, o cidadão já se vê cerceado de um dos seus direitos constitucionalmente garantido.

Mais precisamente quanto aos obstáculos que impedem o acesso a justiça, Zoraide Amaral de Souza6 indica que,

“o acesso à Justiça, no Brasil, enfrenta três tipos de obstáculos para a sua efetividade: barreiras econômicas (o custo da justiça, os honorários de advogados, os riscos da sucumbência), barreiras geográficas (decorrentes da imensidão do território nacional) e barreiras burocráticas (desaparelhamento e inadequação da estrutura judiciária para enfrentar a massa de feitos que lhe são submetidos).”

Diante do que afirmou a autora, já se pode visualizar que os problemas que envolvem o acesso à justiça, e consequentemente a Jurisdição, na busca de um dos seus objetivos, que é fundamentalmente a pacificação social, são recorrentes na doutrina.

Luciane Moessa de Souza cita e comenta a afirmação de Luiz Guilherme Marinoni e Horácio Wanderlei Rodrigues7, que apontam, basicamente, quatro ordens de obstáculos para o acesso à justiça:

“a) obstáculo de natureza financeira, consistentes na incompatibilidade entre a renda da maior parte da população brasileira e os altos valores cobrados por honorários advocatícios no mercado privado, associada á estruturação insuficiente dos órgãos incumbidos de prestar assistência jurídica gratuita; b) obstáculos temporais, consubstanciados na morosidade característica do Poder Judiciário, seja por dificuldades institucionais, relacionadas à má administração, falta de modernização tecnológica e/ou insuficiência do número de magistrados e de servidores, seja em razão da complexidade do nosso sistema processual, que permite a interposição infindável de recursos; c) obstáculos psicológicos e culturais, consistentes na extrema dificuldade para a maioria da população no sentido de até mesmo reconhecer a existência de um direito, especialmente se este for de natureza coletiva, na justificável desconfiança que a população em geral (e em especial a mais carente) nutre em relação aos advogados e ao sistema jurídico como um todo e, ainda, na também justificável intimidação que as pessoas em geral sentem em relação ao formalismo do Judiciário, e dos próprios advogados; d) obstáculos institucionais, referentes aos direitos de natureza coletiva, em que “a insignificância da lesão ao direito, frente ao custo e à morosidade do processo, pode levar o cidadão a desistir de exercer o seu direito por ser a causa antieconômica”.”

5 MORAIS, José Luis Bolzan de, Mediação e Arbitragem: alternativa a Jurisdição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999 Pag. 99 6 SOUZA, Zoraide Amaral de. Arbitragem: conciliação: mediação nos conflitos trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004. Pag.31 7 SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belho Horizonte: Fórum, 2012. Pag. 38

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Segue ainda o comentário da autora8 que sem sombra de dúvida, a primeira e a terceira ordens de obstáculos elencados são as que impedem até mesmo o acesso formal ao Judiciário, ao passo que os obstáculos de natureza temporal impedem, certamente, que se obtenha um processo justo e geram, poderíamos acrescentar, a descrença da população em relação ao aparato jurisdicional como um todo. Esta decorre também – é preciso salientar – de problemas de conteúdo, qualidade ou justiça das decisões, seja por questões estruturais (falta de tempo e de recursos para se dedicar aos processo como seria necessário), seja por questões de falhas na formação dos magistrados, que não são treinados para buscar em primeiro plano a prestação de um serviço jurisdicional de qualidade à população, mas têm, em boa parte, um bagagem jurídica eminentemente formalista e desvinculada dos aspectos éticos e sociais da função judicial, seja ainda por problemas de corrupção ou falta de independência do Judiciário, especialmente no que diz respeito aos processo envolvendo o Poder Público.

No artigo de autoria de Roland Hasson e Hermínio Back9, em obra coordenada pelo professor Luiz Eduardo Gunther, fruto de pesquisas realizadas no mestrado do Unicuritiba, os autores afirmam que

“qualquer instituto de pesquisas é capaz, por meio de entrevistas com leigos, de apontar os principais obstáculos a uma prestação jurisdicional mais eficiente. Esses obstáculos, indicados pelos cidadãos comuns, constituem um vicioso tripé: morosidade, onerosidade, corrupção. São três alicerces da crise, três insidiosas fontes de ineficiência e de frustração aos que buscam a justiça.”

Cabe, porém, diante do que acima foi afirmado, levar em consideração as questões particulares, que fazem com que as opiniões desses leigos, venham carregadas de emoções, de questões pessoais e/ou sentimentos que podem influenciar na opinião desses entrevistados.

Em obra já citada, organizada pelo professor Luiz Eduardo Gunther, Leandro Galli10 chama de irracionalmente morosa a prestação da atividade jurisdicional, citando que a

“atividade jurisdicional brasileira, salvo raríssimas exceções, tributáveis ao talento individual e abnegação de alguns magistrados, é irracionalmente morosa, e, embora não se tenham dados estatísticos seguros, a experiência forense denuncia ser normal que um processo judicial tramite, entre ajuizamento e satisfação, por algo entre quatro e seis anos.”

Contudo se mostra importante a citação feita por Raul Portugal Bacellar11 onde indica que desta denominada crise deve-se observar também as questões pertinentes às faculdades de direito que hoje estão em atividade, dizendo o autor que é

“importante em um primeiro momento fazer uma análise daquilo que se tem denominado crise do Poder judiciário. Essa crise parece ser uma crise não só do Poder judiciário, mas do próprio ensino jurídico que forma os trabalhadores, servidores ou operadores do Direito. O modelo é adversarial e o raciocínio é puramente dialético. De um conflito entre pessoas, analisado sob o prisma da lide em disputa, resultam sempre vencedores e vencidos.”

8 SOUZA, 2012 Pag. 39 9 HASSON, Roland. BACK, Hermínio, Crise na prestação jurisdicional: uma solução radical In GUNTHER, Luiz Eduardo; (coord.). Jurisdição: crise, efetividade e plenitude institucional. 1ª Ed. (ano 2008), 1ª reimpr. Curitiba: Juruá, 2009. Pag.. 666 10 GALLI, Leandro, A crise da jurisdição e o desrespeito às obrigações negociais, In GUNTHER, Luiz Eduardo; SANTOS Willians Franklin Lira dos (coords.). Jurisdição: crise, efetividade e plenitude institucional. Curitiba: Juruá, 2009. Pag. 265 11 BACELLAR, Roberto Portugal, Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional/ coordenadores Morgana de Almeida Richa e Antonio Cezar Peluso.: Rio de Janeiro: Forense, 2011 Pag. 31

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Deste modelo usual para resolução dos conflitos, do resultado analisado sob a ótica de vencedores e vencidos e o que alguns chamam de cultura de sentença é que mais uma vez se observam as soluções alternativas para resolução de conflitos como um meio possível e eficaz para os pontos que estão sendo abordados neste capítulo. 4 A MEDIAÇÃO COMO MEIO ALTERNATIVO À JURISDIÇÃO

A doutrina especializada sobre os meios alternativos de solução de controvérsias, ainda caminham de forma tímida tanto nas publicações, como também nos estudos das faculdades. No entanto, autores consagrados dentro do direito processual, ao tratarem da Jurisdição, citam estes meios alternativos como possíveis e viáveis. Inicialmente se apresenta a lição dei Araujo Cintra, Grinover e Dinamarco12 ao falar do tema:

“Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado cresce a percepção de que o estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista.”

Vale ainda a citação de, Wambier e Talamini13 que também relatam esses meios alternativos afirmando que:

“Os métodos extrajudiciais de solução de conflitos, também denominados pela doutrina de equivalentes jurisdicionais, são aqueles, como o próprio nome denuncia, que prescindem da atuação do Poder Judiciário para que o litígio entre as partes seja dirimido. Tais métodos, em especial a conciliação, a mediação e a arbitragem, possuem como vantagens, segundo alguns: possibilitar uma verdadeira composição da lide, de forma menos custosa, tanto emocional quanto financeiramente, e mais célere.”

Assim, verifica-se que, mesmo a doutrina processualista, que trata fundamentalmente com a solução de controvérsias através da Jurisdição, já trata da mediação e de outros meios de solução de conflitos, como assunto atual dentro da nossa realidade jurídica.

Indicada algumas das doutrinas que tratam das soluções alternativas de solução de conflitos, que já se apresentam como solução viável e juridicamente possível para solução de controvérsias, cabe agora indicar o que a doutrina conceitua por mediação para podermos analisar esta forma alternativa, sua viabilidade e possibilidades.

Inicialmente o conceito de Araujo Cintra, Grinover e Dinamarco14, quando tratam da mediação:

“A mediação assemelha-se à conciliação: os interessados utilizam a intermediação de um terceiro, particular, para chegarem à pacificação do seu conflito.”

No mesmo sentido da conceituação acima, Cláudia de A. Lima Pisco15, leciona que a mediação se trata de

“métodos autocompositivos induzidos, pois as partes necessitam da intervenção de uma terceira pessoa como um mediador ou um conciliador.”

12 ARAÚJO CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2010 pag. 31 13 WAMBIER e TALAMINI, 2010 Pag. 93 14 ARAÚJO CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2010 Pag. 34 15 PISCO, Cláudia de A. Lima. Técnicas para Solução Alternativa de Conflitos Trabalhistas. Revista LTr, n. 11, v. 70 p. 1.349, Nov. 2006

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Verifica-se que a partir do acima indicado, a mediação é eminentemente uma solução de conflito autocompositivo, ou seja, parte-se do consenso entre as partes, para que a mediação possa surtir o efeito esperado.

Vale também indicar a doutrina específica sobre mediação, citando José Luis Bolzan de Morais16, que assim conceitua mediação: “um modo de construção e de gestão da vida social graças a intermediação de um terceiro neutro, independente, sem outro poder que não a autoridade que lhes reconhecem as partes que a escolheram ou reconheceram livremente. Sua missão fundamental é (re) estabelecer a comunicação.”

Pode-se então perceber a similaridade das ideias, entre os processualistas e a doutrina especializada quanto ao tema, apresentando a figura do mediador como o facilitador da negociação, eleito pelos envolvidos, com poderes específicos e indicados por estes que o elegeram. Dentre as diversas características da mediação, tais como a oralidade, privacidade, economia de tempo, destacamos a reaproximação das partes como característica fundamental da mediação por podermos visualizar esta reaproximação como um ideal de justiça e solução justa dos conflitos.

Citando novamente José Luis Bolzan de Morais17, agora quanto a reaproximação das partes, o autor relaciona a mediação com o processo judicial, nos seguintes termos:

“O instituto da mediação, ao contrário da jurisdição tradicional, busca aproximar as partes. Trabalha-se para resolver as pendências através do debate e do consenso, tendo como objetivo final a restauração das relações entre os envolvidos. Não se pode considerar exitoso o processo de Mediação em que as partes acordarem um simples termo de indenizações, mas que não consigam reatar as relações entre elas. Por isso dizer-se que uma das funções do mediador é a de (re) aproximar as partes.”

Exemplificando-se a citação acima indicada, pode-se utilizar das relações tratadas sob a ótica do direito de família, quando, o conflito resolvido junto ao Poder Judiciário, gerará instabilidade no âmbito dos envolvidos, mesmo que a solução do conflito se dê por acordo.

O fato de a questão ser levada ao Judiciário, o trâmite processual, e principalmente a oitiva das partes e testemunhas em audiência com a presença do juiz e do promotor, faz com que a carga emocional envolvida, marque, para sempre, a relação entre os familiares.

E assim, através da mediação, se busca o acordo entre as partes, com o auxílio deste terceiro, porém, fundamentalmente, atuando como facilitador, sem interferir na autonomia da vontade das partes e na solução do conflito.

Diante das considerações acerca da mediação, com seus princípios e fundamentos, faz-se algumas considerações sobre o que se chamou de “Escuta Criativa”, mais precisamente em artigo científico de autoria de Ademir Buitoni18.

Assim, no citado artigo o autor19 indica que, “na mediação, simplesmente escutar, sem interpretar, sem julgar, buscando a

clariaudiência, ou seja, a clareza na escuta é muito importante para que a criatividade apareça”.

Conclui-se ser de fundamental importância a isenção ao ouvir, pois, é inerente ao ser humano, ao ouvir, formar seu convencimento e prima facie já emitir opinião, contrária ou não sobre o caso, e em ocorrendo isto, já se está quebrando a questão da parcialidade e se posicionando a favor de alguma das partes.

16 MORAIS, 1999 Pag. 145 17 MORAIS, 1999 Pag. 149 18 BUITONI, Ademir, A Mediação de Conflitos e a Escuta Criativa, em Revista de Arbitragem e Mediação, ano 8 vol. 31. Revista dos Tribunais, 2011 Pag. 173 19 BUITONI 2011 Pag. 178

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Esta isenção de opinião é ponto primordial para uma mediação bem feita, pois o resultado positivo de uma mediação, depende da vontade das partes, e não do convencimento do mediador.

A já citada tese da escuta criativa em que se defende o ato de ouvir como fundamental para a mediação, e de fato se apresenta como primordial, indica que o mediador deve ser paciente e saber esperar, colocando entre as pessoas com o objetivo de facilitar a tentativa de se chegar a um acordo.

Buitoni20 retrata esta escuta, mesmo quando não se chegue a uma conciliação como importante:

“Pode-se dizer que a escuta criativa na mediação sempre é produtiva, mesmo que não haja êxito na solução da controvérsia. A mediação não é feita para obter acordo entre as partes (se bem que isso possa ocorrer), mas para possibilitar novos comportamentos, inovações criativas e inesperadas que serão usadas pelos mediandos nos momentos vitais que acharem melhor.”

Portanto, esta isenção de opinião, a facilitação na conversa entre as partes, e uma tentativa criativa de solução, é o que se chama de escuta criativa, pois se busca dentro da mediação a pacificação do conflito, e por pacificação não devemos entender apenas o que o direito ordena, e sim um resultado que devolva às partes o status quo ante.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve por objetivo apresentar o instituto da mediação, a partir do

entendimento da Jurisdição como a regra geral para a solução dos conflitos, e devido ao que se chama de crise da Jurisdição, os meios alternativos de solução de controvérsias se mostram como alternativa viável, célere, juridicamente possível, e menos oneroso para pacificação dos conflitos sociais.

De forma especial a mediação, passando pelo que foi chamado de escuta criativa, é possível analisá-la sob o prisma que, o mediador, como terceiro desinteressado, deverá desenvolver as habilidades de ouvir as partes, sem tomar partido ou emitir opiniões sobre o conflito, pois se assim fizer, estaria fadado a tornar-se parcial na tentativa de auxílio na resolução do conflito.

Diante do que se verifica hoje, a Resolução 125 do CNJ visa atingir objetivos numéricos expressivos de resolução de conflitos, pois, a partir dos acordos firmados, tanto extra, quanto judicialmente, diminui a necessidade da prestação jurisdicional por completo, ou seja, não há a necessidade de um completo trâmite processual até a prolação da sentença, pois, as partes, com o poder de decisão que tem de seus próprios direitos, podem decidir o caminho a ser seguido por seus conflitos sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. BACELLAR, Roberto Portugal. Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional/ coordenadores Morgana de Almeida Richa e Antonio Cezar Peluso: Rio de Janeiro: Forense, 2011.

20 BUITONI 2011 Pag. 187

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CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO:

ACESSO E EFETIVIDADE, DIREITO E DEVER

Luiz Eduardo Gunther

__________________________________________ Desembargador do Trabalho do TRT da 9ª Região

Professor do UNICURITIBA Doutor em Direito pela UFPR

Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, do Centro de Letras do Paraná e

da Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho – ALJT

Rosemarie Diedrichs Pimpão

__________________________________________ Desembargadora Presidente do Trabalho do TRT da 9ª Região

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR Especialista em Direito Constitucional do Trabalho, Direito

Administrativo e em Economia do Trabalho Atuou em cursos de direção na École de Magistrature de Paris, bem como

na Cour d' Appel e na Cour de Cassation (2006) Participou de estudos na Corte Constitucional alemã de Karlsruhe na Corte

de Trabalho Regional de Erfurt e no Parlamento alemão (Reichstag) em Berlim (2008). Atuou no Congresso Internacional no Centro de Estudos Judiciários de Lisboa

Willians Franklin Lira dos Santos ______________________________________

Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA Especialista em Direito pela UFPR e pela PUCPR

Graduado em Direito pelo UNICURITIBA e, em Letras, pela UFPR Integrante da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC), da

Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social (AIDDTSS) e da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC)

Assessor Jurídico da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região

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1 INTRODUÇÃO

Desde sua criação, uma das tarefas mais importantes da Justiça do Trabalho voltava-se ao campo da tentativa de conciliar as partes, como indicava a nomenclatura dos seus órgãos de primeiro grau (de meados do século passado até o ano de 1999, quando extinta a representação classista pela EC 24): Juntas de Conciliação e Julgamento.

O tema da conciliação judicial mereceu, recentemente, um incentivo importante do Conselho Nacional de Justiça por intermédio da Resolução nº 125, de 29.11.2010.

Indaga-se, então, diante de sua característica institucional fundamental, e da determinação do CNJ de atenção especial dos órgãos judiciais a essa área, se a Justiça do Trabalho vem cumprindo seu objetivo primordial de dar efetividade à conciliação como dever ético do Juiz, em primeiro lugar, e direito das partes como garantia de pacificação do conflito e duração razoável do processo como consequência.

2 O VOCÁBULO CONCILIAÇÃO

Quando se examina o vocábulo conciliação, convém ter presente que, no sistema jurídico brasileiro, deve ser compreendido como uma função cometida ao juiz da causa, que ultrapassa “seu clássico conteúdo ocupacional de ‘destinatário da prova’, para, indo além, assumir uma postura pró-ativa”, vale dizer, “atuando como um vetor de possível solução negociada da lide, numa evidência de que não são auto-excludentes as técnicas impositiva e suasória”1.

As palavras conciliação e mediação podem ser diferenciadas da seguinte forma: nesta o profissional apresenta-se como um técnico que se limita a equacionar os termos do conflito, “distinguindo os pontos mais atritivos daqueles mais próximos de um consenso”. O conciliador, entretanto, coloca-se mais próximo das partes, “buscando criar ambiente de empatia entre os partícipes, no sentido de favorecer possível acordo”, destacando, sempre, as vantagens da autocomposição, no contraste com os “ônus, encargos e incertezas imanentes ao processo judicial”2.

No cotejo dos termos conciliação, transação e acordo, vê-se que entre eles há uma relação de continente e conteúdo. Aquela é “o meio, o instrumento, o veículo, de que estes últimos eventos constituem o objetivo almejado”. Em outras palavras, pode-se dizer que “a conciliação é o modo, a técnica, o método por que se tenta a justa composição do conflito, podendo ocorrer no plano judicial ou fora dele”, enquanto o acordo ou transação “configuram o almejado resultado, ao final obtido por meio de concessões recíprocas”3.

Quando usamos a palavra conciliar temos em conta a ação de harmonizar, de congraçar, de pôr de acordo. Como exemplo: conciliar dois inimigos.

Quando se procura, na Filosofia, pôr em acordo, em harmonia, textos que parecem divergentes, “por meio de uma interpretação que os concilie, diz-se que há interpretação conciliatória”4.

Derivada do latim conciliatione, o vocábulo conciliação significa ato ou efeito de conciliar; ajuste, acordo ou harmonização de pessoas desavindas; congraçamento, união, composição ou combinação.

1 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 232-233. 2 Ibidem, p. 233. 3 Ibidem, p. 233. 4 SANTOS, Mário Ferreira dos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Matese, 1963. p. 307. v. 1. p. 307.

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Em sentido jurídico, entende-se por conciliação o ato judicial celebrado perante autoridade pública, entre autor e réu, visando compor amigavelmente suas respectivas pretensões ou diferenças.

Em nosso direito, conciliação tanto se emprega com sentido de procedimento de órgão judiciário visando a obter o ajuste entre os interessados, como equivale ao próprio acerto efetuado entre as partes.

Na famosa síntese de Carnelutti dos aspectos processuais e materiais da conciliação, apresenta esta a estrutura da mediação e a substância da sentença judicial, pois “a decisão é uma conciliação imposta às partes e a conciliação é uma decisão aceita por elas”5.

A palavra conciliação também mereceu um verbete do Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, no qual se diz significar “ato, provocado e persuadido pelo juiz, em consequência do qual as partes põem fim à demanda mediante concessões recíprocas em torno da pretensão de cada uma”6.

O mesmo dicionário assevera que o termo é equivalente à transação do Código Civil, sendo ato obrigatório na Justiça do Trabalho7.

Ao referir-se ao substantivo masculino conciliador, explica o léxico ser aquele que concilia as partes, ou as persuade a transigir. E mais, uma figura, como ente autônomo, inexistente no direito brasileiro, em face do qual a função é exercida pelo juiz8.

Pode-se ver que a palavra tem um múltiplo sentido, que deve ser observado através de múltiplos olhares. 3 A CONCILIAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA

Consideremos alguns problemas que dificultam o efetivo acesso à justiça. Dentre

eles podem-se assinalar, conforme estudo de Horácio Wanderlei Rodrigues, os seguintes: a) desigualdade sócio-econômica – grande parte da população não possui recursos econômicos para fazer frente aos gastos de uma demanda judicial; b) direito à informação – a necessidade de conhecimento dos direitos por parte do cidadão e da sociedade; c) legitimidade para agir – o nosso ordenamento jurídico reproduz ainda valores clássicos do liberalismo do século XVIII, considerando a ideia do indivíduo como titular de direitos; d) capacidade postulatória – deve-se considerar exigível a presença de advogado em todo e qualquer processo? e) Poder Judiciário – morosidade na prestação jurisdicional, carência de recursos materiais e humanos, centralização geográfica de suas instalações9. Os problemas que se antepõem ao efetivo acesso à justiça não se esgotam nos acima mencionados. Alguns outros ainda podem ser lembrados, como por exemplo: a) fatores simbólicos – conjunto de fatores axiológicos, psicológicos e ideológicos que afastam da justiça (por medo, insegurança, sentimento de inferioridade, etc.) considerável parte da sociedade brasileira; b) inexistência ou ilegitimidade do direito material – inexistência de normas jurídicas ou existência defasada em relação à realidade social;

5 GIGLIO, Wagner D. A conciliação nos dissídios individuais do trabalho. São Paulo: LTr, 1982. p. 36. 6 SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 165. 7 Idem. 8 Idem. 9 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994. p. 31-48.

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c) criação de direito material sem o correspondente instrumental processual adequado – é insuficiente proteger no plano do direito material, se inexistirem formas de viabilizar essa proteção; d) ausência de assistência judiciária preventiva e extrajudicial – quase completa inexistência, em alguns Estados da Federação, de instituições encarregadas de prestar assistência jurídica preventiva e extrajudicial10. Na exegese que apresenta do princípio do acesso à justiça, Rui Portanova afirma

tratar-se de filosofia libertária, aberta e realista, que “busca, imperativa e ingentemente, métodos idôneos de fazer atuar os direitos sociais e uma justiça mais humana, simples e acessível”11.

Ora, na Justiça do Trabalho, quando empregado (trabalho) e empregador (capital) são convidados para um diálogo, uma aproximação para pôr fim ao conflito, observa o juiz o princípio da igualdade. Por isso, o acesso à justiça consiste “em um movimento para efetividade da igualdade material almejada por todos e consagrada pelo Estado Social”12.

Diante das dificuldades e das limitações do acesso à justiça no Brasil, onde avulta a morosidade judicial, parece necessário buscar-se mecanismos que tornem o Judiciário mais eficiente e célere, encontrando-se os métodos alternativos de solução de conflitos (entre eles a conciliação) nesse caminho. 4 O OLHAR DE UM ECONOMISTA (UM CAMINHO POLÍTICO)

O Prêmio Nobel de Economia de 1998 - Amartya Sen - é conhecido em nosso país sobretudo pela obra Desenvolvimento como Liberdade13.

Mas vamos lembrar aqui outro livro, A Ideia de Justiça14, no qual esse autor baseia sua inspiradora teoria da justiça na noção de equidade (fairness). Suas premissas consistem no reconhecimento de que as pessoas, embora sejam iguais perante a lei, possuem necessidades, capacidades e desejos distintos. A promoção da equidade na justiça, segundo Sen, é o caminho político a ser seguido para a diminuição das brutais desigualdades sociais e econômicas do mundo contemporâneo, bem como para a universalização de suas liberdades democráticas. Equidade na justiça, eis aí um caminho apontado por um dos pensadores mais importantes da atualidade. Lembremos que equidade é a “justiça do caso particular, levadas em conta as peculiaridades que possa apresentar”15. Trata-se, nada mais, nada menos, do que a conciliação, que pode ser efetuada, caso a caso, tomando-se as peculiaridades da situação in concreto.

10 Ibidem, p. 48-50. 11 PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 6. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 113. 12 Idem. 13 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 14 SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 325-351. 15 SIDOU, J. M. Othon. Op. cit., p. 312.

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5 A VISÃO FILOSÓFICA

A palavra filosofia origina-se do grego philos, amante e sophia, saber. Conta-se uma história que Pitágoras, perguntado sobre o que era (numa época em que muitos se chamavam de sophoi, plural de sophos, sábio), respondeu: “sou um amante do saber (philosophos), um amador (amateur) do conhecimento, o que revelava uma humildade sublime”. Desse modo, cunhou-se a palavra filosofia (philosophia)16. Assim, do ponto de vista filosófico, nós todos, que somos amigos do saber, precisamos encontrar alguém que nos ajude com uma “teoria filosófica” a entender melhor o vocábulo conciliação. Vamos nos amparar em Michael J. Sandel, que leciona há duas décadas, na Universidade de Harvard, o famoso curso Justice, pelo qual já passaram mais de 15 mil alunos. E também em Chaïm Perelman (1912-1984), polonês de origem que viveu desde a adolescência na Bélgica, notabilizando-se, sobretudo, por sua vocação intelectual dedicada à emancipação do raciocínio jurídico e da lógica do pensamento jurídico das redes e das tramas reducionistas e positivistas.

A principal preocupação de Chaïm Perelman foi o raciocínio jurídico, ou seja, como lidar e conciliar as seguintes questões:

a) Como se raciocina juridicamente? b) Qual a peculiaridade do raciocínio jurídico? c) Quais as características desse raciocínio? d) De onde extrair o juiz subsídios para a construção da decisão justa? e) Até onde leva a argumentação das partes em um processo? f) Qual a influência que a argumentação e a persuasão possuem para definir as estruturas jurídicas? Essas, entre outras questões, guiaram os escritos de Perelman para a formação de

um conjunto encadeado de conceitos que acabaram por se apresentar hábeis à formação de uma sólida reflexão a respeito do julgamento e do ato jurídico de decisão17.

Para Perelman, “o direito se desenvolve equilibrando uma dupla exigência”, por um lado, uma “ordem sistemática”, a elaboração de uma ordem coerente; de outro, uma “ordem pragmática”, a busca de soluções aceitáveis pelo meio, porque conforme ao que lhe parece justo e razoável”18.

Não se pode esquecer, também, segundo esse doutrinador, que as decisões de justiça devem satisfazer “três auditórios diferentes, de um lado as partes em litígio, a seguir, os profissionais do direito e, por fim, a opinião pública, que se manifestará pela imprensa e pelas reações legislativas às decisões dos tribunais”19.

O que é a conciliação senão o ato judicial que persuade as partes em litígio, os operadores de direito e a opinião pública.

Um outro filósofo, atualmente na moda, é o norte-americano Michael J. Sandel, professor da Universidade de Harvard. Em seu livro Justiça – o que é fazer a coisa certa, explora três abordagens da justiça. A primeira diz que a justiça significa maximizar a utilidade ou o bem-estar – a máxima felicidade para o maior número de pessoas. A segunda diz que justiça significa respeitar a liberdade de escolha – tanto as escolhas reais que as pessoas fazem em um livre mercado (visão libertária) quanto as escolhas hipotéticas que as pessoas deveriam fazer na posição original de equanimidade (visão

16 SANTOS, Mário Ferreira dos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Matese, 1963. p. 656. v. 2, p. 656. 17 BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001. p. 396. 18 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução de Vergínia K. Pupi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 238. 19 Idem.

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igualitária liberal). A terceira diz que justiça envolve o cultivo da virtude e a preocupação com o bem comum, direcionamento preferido pelo autor20.

Quando o Juiz se inclina pela conciliação e direciona toda a sua capacidade de trabalho nesse sentido, não está cultivando a virtude e a preocupação com o bem comum? Esse envolvimento não aproxima mais o Magistrado dos jurisdicionados, passando a entendê-los mais e os ajudando a resolver por eles próprios seus conflitos?

6 A PERSPECTIVA HISTÓRICA

Nossa primeira Constituição (1824) previa, ao tratar do Poder Judicial, que sem se

fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum (art. 161).

A legislação trabalhista, a partir de 1932, estabeleceu a obrigatoriedade de tentativa conciliatória nos litígios entre empregados e empregadores.

Os termos conciliação e acordo vêm consignados em mais de um dezena de artigos da Consolidação das Leis do Trabalho e em cerca de 20 incisos legais, o que revela não só a importância que o legislador vota ao assunto, como também a origem da CLT, amálgama de textos esparsos.

Desde sua criação, competia à Justiça do Trabalho tentar conciliar as partes, como indica a nomenclatura de seus órgãos de primeiro grau: Juntas de Conciliação e Julgamento. Observe-se que a palavra conciliação precedia a palavra julgamento.

Ao que parece, reputou o legislador como primordial a função conciliadora das partes, pois só “não havendo acordo” é que “o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão” (CLT, art. 764, §2º).

A importância dada à conciliação é tanta que Carlos Henrique Bezerra Leite a eleva à condição de princípio peculiar do direito processual do trabalho21.

Ressalta o autor que embora esse princípio “não seja exclusividade do processo laboral”, é aqui que ele se mostra mais evidente22. Destaca uma condição intrínseca para a validade da sentença trabalhista, que somente será proferida “após rejeitada pelas partes a proposta de conciliação” (CLT, art. 831). Ainda, existem dois momentos obrigatórios para a proposta judicial de conciliação: no momento da abertura da audiência (CLT, art. 846) e após o término da instrução e apresentação das razões finais pelas partes (CLT, art. 850). Como última peculiaridade, menciona-se a equiparação prática do termo de conciliação à coisa julgada23.

Seguindo-se esse itinerário histórico, verifica-se a importância atribuída ao instituto da conciliação na Justiça do Trabalho contemporaneamente. 7 A CONCILIAÇÃO COMO DIREITO E COMO DEVER

No Poder Judiciário existe o mito do Juiz Conciliador, que tem dom para isso. A

contrario sensu existiria o Juiz que não teria essa característica. Será mesmo “científica” essa afirmação? Ou se trataria apenas do juiz mais simpático, que deixa as partes mais à vontade em audiência? Ou, ainda, aquele que aprendeu as técnicas de conciliação e as aplica? Parece necessário, assim, falar-se no desenvolvimento de uma tecnologia da

20 SANDEL, Michael J. Justiça - o que é fazer a coisa certa. 3. ed. Tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 321. 21 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 87. 22 Idem. 23 Ibidem, p. 88.

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conciliação, direcionada aos dois tipos de Juízes (àqueles que já conciliam e aos que têm dificuldade em conciliar). Nesse sentido, diz-se que “a tecnologia é o exercício de um certo saber pragmático”. Em nosso dias, fala-se, por exemplo, de “transferência de tecnologia”, quando nos referimos a certas trocas na sociedade industrializada e eletrônica24.

Quando se ouve, portanto, a afirmação de que alguém tem talento inato para a conciliação, talvez seja necessário indagar: mas não existe um aprendizado para conciliar? Por isso fala-se em “tecnologia da conciliação”. As técnicas de conciliação podem ser ensinadas (disseminadas) e aprendidas (praticadas). Determinadas características dessa atividade, suas dificuldades, suas técnicas podem e devem ser teorizadas para melhor compreensão e aplicabilidade. A partir do momento que as técnicas de conciliação, como tecnologia, conseguem implementar-se em uma determinada área judicial, por exemplo, deve-se atentar para a necessidade de aprendizado e troca de informações permanentes, pois “a substituição rápida de tecnologias” exige contínuo aprendizado de “novos códigos”25. Muda a sociedade de tempos em tempos, modificam-se a tecnologia e os códigos da conciliação.

Não se pode nunca esquecer “que o juiz é sempre uma figura do seu tempo e do seu meio, porque ele será sempre aquilo que for a jurisdição”26. Nessa senda, “a função jurisdicional modela o juiz, cria-o à sua imagem e semelhança”27.

Quando se diz que o juiz deve sempre conhecer os autos nos quais atua é porque deve estar “plenamente integrado na relação processual da qual faz parte, ciente de suas responsabilidades e de seus poderes, que não podem descambar para o puro arbítrio”28.

Nem sempre os juízes compreendem bem as disposições do CPC (arts. 447 a 449) e da CLT (arts. 846 e 850) quanto à possibilidade de acertamento voluntário entre os contendores.

José Renato Nalini menciona os juízes que não possuem perfil de “bons conciliadores” e precisam adquirir essas qualidades, “mediante vontade e empenho pessoal”29. Mesmo com essa afirmação, pode-se dizer: os bons conciliadores precisam continuar aprendendo novas técnicas, acompanhando tendências de boas práticas; quanto aos “ainda não tão bons”, precisam aprender técnicas eficientes, treinar sobretudo, compreendendo que a conciliação é uma das funções mais importantes do Juiz, sendo necessário a ela se dedicar como tarefa de “dar a cada um o que é seu” eficientemente, atingindo de forma consensual a duração razoável do processo.

Mesmo com essa afirmação, pode-se discutir se a tentativa de conciliação consiste em dever funcional do juiz, ou se deve ser exigível a ativa participação do magistrado no ato, ou mesmo se estaria essa atividade elencada no exercício das funções de direção material do processo. Não se pode, entretanto, olvidar o aspecto da paz social, do sentido de justiça e de democratização ínsitos na atividade conciliatória.

Quando bem-sucedida, a tentativa conciliatória faz com que se alcance a paz social, “que é objetivo fundamental da sociedade brasileira”. Há, também, um inegável “aspecto de democratização” na tentativa conciliatória, pois “outorgando valia às ponderações das partes” o juiz chega mais próximo “ao destinatário do serviço público essencial”, alcançando de maneira mais transparente “o objetivo da justiça”30.

24 SANT’ANNA, Affonso Romano de. Ler o mundo. São Paulo: Global Editora, 2011. p. 17. 25 Ibidem, p. 19. 26 ROSA, Eliézer. Dicionário de Processo Civil. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1973. p. 259. 27 Idem. 28 ARAÚJO, Justino Magno. Os poderes do juiz no processo civil moderno. Revista de Processo, ano VIII, out-dez 1983, nº 32. São Paulo: RT, 1983. p. 104. 29 NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 90. 30 Ibidem, p. 90-91.

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Torna-se essencial, assim, que a máxima “fazer com que as partes se conciliem é também fazer justiça” habite “a consciência dos juízes, para que venham a encarar a tentativa conciliatória como instrumento de relevância no desempenho de sua tarefa”31.

A tarefa de conciliar atribuída ao Juiz do Trabalho pode ser criticada, como em situação análoga, quando da análise dos juizados especiais, retratou Ada Pellegrini Grinover: “critica-se, ainda, a atribuição da função de conciliador ao próprio juiz da causa, em razão da dificuldade de desvincular o papel mais ativo do juiz, na obra de convicção das partes, de um verdadeiro pré-julgamento”32.

Tal hipótese, se existe na realidade, pode ser objeto de modificação por métodos que disseminem a cultura conciliatória e possam conduzir o juiz a se conscientizar, desde o início da sua carreira, aprender e executar constantemente técnicas modernas conciliatórias que o distanciem de um pré-julgamento da causa, possibilitando atingir o desiderato de aproximar as partes.

José Herval Sampaio Júnior destaca que o juiz, no exercício das funções conciliatórias, não pode ser confuso, indeciso, agressivo e emotivo. Para esse autor, tais situações emocionais deixam as partes instáveis e descredibilizam a atuação judicial, “podendo gerar desconfiança e, com isso, uma das partes ou todas não quererem sequer começar ou continuar o ato de tentativa da solução amigável”33.

Algumas condutas do juiz, assim, devem ser evitadas, com o objetivo de manter o equilíbrio e a harmonia no ato de conciliar, como, por exemplo:

a) de modo algum coagir as partes a acordar sobre o que não desejam; b) redigir o acordo sem expressar a real vontade das partes; c) não entregar o termo de acordo para as partes assinarem sem que seja lido em voz alta; d) propor acordo que tem ciência que uma das partes não pode cumprir; e) permitir acordo que tenha cláusula leonina; f) não permitir composição em processo onde estejam as partes dele se servindo para fins escusos ou ilegais; g) conduzir o debate de forma atribulada, indo e voltando a pontos já discutidos; h) sugerir, de plano, sem provocação dos envolvidos, acordo que possa ser bom para, já que, nesse caso, dependendo dos litigantes, pode ser que um deles fique desconfiado de que o juiz esteja prestigiando uma das partes34. Um outro aspecto, sempre a ser lembrado, é que os juízes não podem ter aquela

ideia pré-concebida “de que um processo conciliado não conta como pronunciamento judicial para fins de estatística”. Esse pensamento é muito pequeno para sopesar com os escopos da atividade jurisdicional, que até mesmo não se limita ao jurídico “incluindo-se o político e econômico, afora o mais importante, que é a pacificação social”35. Além do mais, existe hoje uma valorização do Magistrado conciliador, pois as estatísticas mostram frequentemente as Varas que se destacam nessa área, merecendo destaque e elogios por isso.

Ao tratar da conduta do juiz, Sidnei Agostinho Beneti salienta como especial dever o de tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes (CPC, art. 125, IV), registrando que não

31 Ibidem, p. 90. 32 GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas. In WATANABE, Kazuo (Coord.). Juizado especial de pequenas causas (Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984). São Paulo: RT, 1985. p. 150. 33 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. O papel do juiz na tentativa de pacificação social: a importância das técnicas de conciliação e mediação. In CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org.). Bases científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009. p. 599. 34 Ibidem, p. 600. 35 Ibidem, p. 600.

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se deve designar “todas as audiências para as 13 horas, ou para a mesma hora, qualquer que seja”36.

Segundo esse autor, as partes, seus advogados e testemunhas têm direito ao tratamento civilizado da hora marcada, não podendo submeter-se a “longa e inútil espera, muitas vezes terminando com adiamento de audiências, ao fim do dia, depois de haverem chegado no seu início ao Fórum”37.

Observa-se que a conciliação é integrada por características próprias, especialmente na Justiça do Trabalho, sendo essencialmente um dever do juiz aplicar o instituto e um direito das partes exercitá-lo. Não basta, portanto, apenas formalmente, propor a conciliação (na abertura da audiência, e após o término da instrução, arts. 846 e 850 da CLT). É dever do Juiz criar um espaço próprio de aproximação entre as partes, para que se conciliem num tempo razoável, sem pressa nem pressão.

8 A ANÁLISE PELO JUIZ DA REGULARIDADE DA CONCILIAÇÃO

Há uma pergunta recorrente na Justiça do Trabalho sobre a essencialidade ou não

de homologação do ato conciliatório. Dois argumentos inicialmente podem ser trazidos a respeito. Primeiro, não se

poderia alcançar os efeitos que se atribui ao acordo “sem a providência elementar da homologação”38.

Outro argumento é a aplicação subsidiária do processo civil (CLT, art. 769; CPC, 475, III), prevendo a indisponibilidade do ato homologatório “para fazer do acordo um título executivo judicial”39. Recorde-se, ainda, que “no caso da conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível” (parágrafo único do art. 831 da CLT).

O órgão jurisdicional trabalhista, assim, deve “não apenas escrutinar a regularidade formal do ato, como ainda proceder ao controle de sua conveniência para o empregado”40.

Mas, também, deve ser examinado se o acordo não é excessivamente oneroso ao pequeno empregador ou àquele que, mesmo de grande porte econômico, esteja em situação patrimonial difícil. Nessas condições, o acordo não deve ser homologado por “tornar-se impraticável”, tornando inviável, eventualmente, o empreendimento econômico. Nessas hipóteses, não serve a conciliação ao empregador e também não serve “aos seus outros empregados, nem à sociedade em geral”41.

O importante exame judicial, na verificação da existência de alegada transação realizada por Câmara de Conciliação Prévia, pode levar a uma desconstituição dos seus desejados efeitos, como se lê de trecho do julgado de lavra do Desembargador Márcio Dionísio Gapski, nos seguintes termos:

É nulo acordo em Câmara de Conciliação Prévia quando não fruto de diálogo franco e aberto e sem amplos esclarecimentos ao trabalhador, tanto sobre os direitos transacionados como sobre os efeitos da quitação, respeitado o princípio da razoabilidade. Pior ainda quando se somam a ausência de regular assistência,

36 BENETI, Sidnei Agostinho. Da conduta do juiz. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 163 e 44. 37 Ibidem, p. 44. 38 VILLELA, João Baptista. Sobre renúncia e transação no direito do trabalho. In BARROS, Alice Monteiro de. (Coord.). Curso de direito do trabalho: estudos em memória de Célio Goyatá. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 1994. V. I. p. 160. 39 Idem. 40 Ibidem, p. 161. 41 Ibidem, p. 161.

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ao menos por representante de classe, e assinatura do documento, sob ameaça de retaliações para novo emprego.42

Pode-se, então, afirmar como essencial à regularidade do ato conciliatório a análise

criteriosa do Juiz (verificar não apenas se convém ao empregado, mas se não é excessivamente oneroso ao empregador). Do mesmo modo, para sentir todos os efeitos desejados (coisa julgada, pacificação social), indispensável a homologação do ato conciliatório.

Quando se tratar de acordo em Câmara de Conciliação Prévia parece possível, também, ao Judiciário Trabalhista verificar a validade conciliatória quanto aos direitos transacionados e os efeitos da quitação. 9 A CONCILIAÇÃO COMO EFETIVIDADE DA JUSTIÇA

Existem dois estereótipos que espreitam a Justiça do Trabalho e são difíceis de

demover, mas são irremediavelmente anacrônicos e irreais. O primeiro deles é que o trabalhador sempre vence nas decisões perante a Justiça do Trabalho. Tal afirmação (quando não feita de má-fé) pode ser desconstituída simplesmente com uma visita às Varas do Trabalho, aos Tribunais Regionais ou ao próprio Tribunal Superior do Trabalho. Melhor, a consulta a qualquer revista especializada em Direito do Trabalho torna sem valor essa afirmação. O segundo deles, que parte de certo grupo de defensores dos trabalhadores (a outra hipótese ajusta-se mais ao lado patronal), consiste na afirmativa de que sempre há prejuízo na conciliação por parte do autor da ação (normalmente o empregado). Também basta frequentar-se o foro trabalhista para essa hipótese ser desconstruída.

Importante trazer à colação (e esclarecer), quanto a isso, a seguinte afirmativa: “no país como um todo, metade dos processos individuais resulta em conciliação, o que quer dizer que o trabalhador abriu mão de parte do que demandara a princípio”43.

Na transação, conciliam-se parcelas que são discutíveis, demandam prova, não são líquidas e certas ao trabalhador. De qualquer modo, “a proposta obrigatória de conciliação e seu amplo debate pelas partes, no transcurso da demanda, continuam sendo um cânone tradicional do processo do trabalho”44.

Nessas condições, “aquilo que é irrenunciável e intransacionável extrajudicialmente passar a ser transacionável e renunciável ante o juiz”. A razão disso se prende ao fundamento de que o juiz “pode e deve fiscalizar os termos da conciliação”, garantindo, desse modo, com sua presença e atuação, “a autenticidade e a autonomia da manifestação de vontade do trabalhador”45.

Ao tratar dos mecanismos de mediação e conciliação, voluntários ou compulsórios, Leonardo Greco condiciona o sucesso dessas medidas à credibilidade que possuam, vale dizer, “da sua aptidão de gerar soluções que satisfaçam aos contendores”46.

Não se pode deixar de mencionar, sobre o tema, a obra clássica “Acesso à Justiça” de Cappelletti e Garth. Consideram a existência de “vantagens óbvias tanto para as

42 PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Ac. TRT-PR 31.329-2010-041-09-00-9, publicado em 23/02/2012, Rel. Des. Márcio Dionísio Gapski. In Revista Eletrônica do TRT da 9ª Região. Conciliação I, ed. maio 2012, V. 1, nº 7. Disponível em: <http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial//index.jsp?edicao=1328>. Acesso em: 24.out.2012. 43 CARDOSO, Adalberto; LAGE, Telma. As normas e os fatos: desenho e efetividade das instituições de regulação do mercado de trabalho no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. p. 126. 44 RUSSOMANO, Mozart Victor. O decálogo do processo trabalhista. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 42. 45 Idem. 46 GRECO, Leonardo. Estudos de direito processual. Campos dos Goytacazes: Ed. Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 215.

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partes quanto para o sistema jurídico, se o litígio é resolvido sem necessidade de julgamento”47.

Ao contrário do processo judicial, que geralmente declara uma parte “vencedora” e outra “vencida”, registram esses autores que é significativo que um processo dirigido para a conciliação “ofereça a possibilidade de que as causas mais profundas de um litígio sejam examinadas e restaurado um relacionamento complexo e prolongado”48.

Do ponto de vista psicológico, os gastos (materiais e emocionais), no transcorrer de um conflito, vão se acumulando, criando uma autêntica “caderneta de poupança de sofrimentos”49.

Para resgatar essa caderneta de poupança, procura-se, com ansiedade, uma vitória, que se torna, a cada momento, importante, necessária, mas sobretudo cara. O advogado encontra frequentemente reclamantes (que foram empregados) dispostos a tudo “para dar um troco”, “compensar o que já perdi”, etc. Os chamados “defensores das causas impossíveis” acenam, nesse momento, com o argumento falso de que “depois de tudo o que já passamos, não podemos voltar atrás”50.

A única forma de descongestionar efetiva e rapidamente os tribunais, tornando-os aptos a decidirem todas as questões que lhes são colocadas num prazo razoável, é o “recurso preferencial à arbitragem, a conciliação e à mediação”51.

Somente dessa forma o acesso dos cidadãos à Justiça surtirá os desejados efeitos práticos, “repondo-se dessa forma a confiança das populações na administração da justiça”52.

Quando se sabe que um dos escopos da jurisdição é pacificar os conflitos com a justiça, e se isso pode ser mais facilmente alcançado pelo atalho da conciliação, “por que então não incrementar esse instrumento, em vez de insistir na prolação de decisões de mérito, que demandam mais tempo”, e, além disso, “protraem o desfecho da causa, sujeitam-se aos recursos da parte sucumbente e implicam na espera pela coisa julgada”53.

Apresenta Paulo Cezar Pinheiro Carneiro analogia com uma empresa que tivesse o mesmo problema, dizendo:

Qualquer empresa que tivesse uma determinada atividade ligada à composição de litígios, que verificasse que mais de metade deles poderiam ser resolvidos através de mediação e conciliação, certamente dirigiria seus maiores esforços na busca e no treinamento de funcionários capazes de cumprir e mesmo de superar tal meta. Cabe indagar por que não fazer o mesmo no Judiciário?54

Ao contrário do que se possa supor num primeiro momento, a grande motivação do

estímulo à conciliação não está “em aliviar numericamente a sobrecarga de processos”, e menos ainda “em dividir com as partes e advogados o mister judicante, este, de resto,

47 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 83. 48 Ibidem, p. 84. 49 FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio Olivé. Psicologia aplicada ao direito. São Paulo: LTr, 2006. p. 36. 50 Idem. 51 CARDOSO, Ana Carolina Veloso Gomes. Acesso à justiça em Portugal: vias alternativas de solução de conflitos. Rev. TST, Brasília, vol. 68, nº 1, jan/mar 2002. p. 84. 52 Idem. 53 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. O plano piloto de conciliação em segundo grau de jurisdição, do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, e sua possível aplicação aos feitos de interesse da Fazenda Pública. In MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2055. p. 857. 54 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

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indelegável”. Busca-se, na verdade em primeiro lugar, “alcançar a deformalização do processo, fugindo à tirania dos ritos e dogmas e rompendo com a cultura demandista”. Em segundo momento, espera-se que a conciliação, por sua idoneidade em resolver o conflito sem necessidade de uma decisão de mérito, “possa contribuir ponderosamente para a redução do acúmulo dos processos, com isso liberando o julgador para dedicar-se com mais tempo e afinco aos demais casos, singulares e complexos”55.

Não adianta exaltar as virtudes conciliatórias se esse instituto não for aplicado permanentemente nas audiências trabalhistas. A cultura conciliatória tem por finalidade romper com a cultura demandista produzindo o fruto da pacificação social e resultando em efetividade da Justiça do Trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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55 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. cit., p. 857.

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo estado de direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. ______. O plano piloto de conciliação em segundo grau de jurisdição, do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, e sua possível aplicação aos feitos de interesse da Fazenda Pública. In MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). Estudos de direito processual civil: homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2055. p. 857. NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. PARANÁ. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Ac. TRT-PR 31.329-2010-041-09-00-9, publicado em 23/02/2012, Rel. Des. Márcio Dionísio Gapski. In Revista Eletrônica do TRT da 9ª Região. Conciliação I, ed. maio 2012, V. 1, nº 7. Disponível em: < http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial//index.jsp?edicao=1328>. Acesso em: 24.out.2012. PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução de Vergínia K. Pupi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 6. ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2005. RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994. ROSA, Eliézer. Dicionário de Processo Civil. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1973. RUSSOMANO, Mozart Victor. O decálogo do processo trabalhista. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2007. SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. O papel do juiz na tentativa de pacificação social: a importância das técnicas de conciliação e mediação. In CARNEIRO, Athos Gusmão; CALMON, Petrônio (Org.). Bases científicas para um renovado direito processual. 2. ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009. p. 599. SANDEL, Michael J. Justiça - o que é fazer a coisa certa. 3. ed. Tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. SANT’ANNA, Affonso Romano de. Ler o mundo. São Paulo: Global Editora, 2011. SANTOS, Mário Ferreira dos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Matese, 1963. p. 307. V. 1. SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. ______. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SIDOU, J. M. Othon. Dicionário jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

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VILLELA, João Baptista. Sobre renúncia e transação no direito do trabalho. In BARROS, Alice Monteiro de. (Coord.). Curso de direito do trabalho: estudos em memória de Célio Goyatá. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 1994. V. I. p. 149-167.

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A CONCILIAÇÃO COMO UM INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA

Maria da Glória Malta Rodrigues Neiva de Lima ______________________________________

Membro do grupo de pesquisa “Tutela dos Direitos de Personalidade na atividade empresarial: os efeitos limitadores na constituição da prova judiciária” – UNICURITIBA

sob a coordenação do professor Doutor Luiz Eduardo Gunther Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA

Especialista em Direito do Trabalho pela UNIBRASIL Graduada em Direito pela UFPR

Wagner Chequeleiro Cordeiro ______________________________________

Membro do grupo de pesquisa “Tutela dos Direitos de Personalidade na atividade empresarial: os efeitos limitadores na constituição da prova judiciária” – UNICURITIBA

sob a coordenação do professor Doutor Luiz Eduardo Gunther Graduando o 6º período em Direito pelo UNICURITIBA

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RESUMO Na busca pela pacificação social, a sociedade e o Estado procuram implementar instrumentos e condições que viabilizem a solução de conflitos sociais. O presente estudo enfoca a conciliação, como instrumento de acesso e de resultado à justiça, devido a relevância dada pelo Conselho Nacional de Justiça, com a edição da Resolução 125, de 29 de novembro de 2010. A importância histórica da conciliação no ordenamento pátrio, bem como a sua implementação como um mecanismo primordial posto ao cidadão para a solução dos conflitos sociais são objetos do presente trabalho. Este artigo explana as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça para a implementação do acesso à Justiça por intermédio da conciliação. Denota-se nítida preocupação do Poder Judiciário em proporcionar condições aos órgãos competentes e aos jurisdicionados na concretização da paz social. Palavras chave: conciliação, acesso à justiça, instrumentalização e efetividade.

RÉSUMÉ

In order to get top social pacification, the society and the State try to implement ways and conditions that viable the solution for social conflicts. The present study approaches the conciliation as an instrument and result of acess to the Justice due to relevant given by National Council of Justice with edition of resolution 125 of November 29th. 2010. The historic importance of the conciliation as well as implementation like principal mechanism have been put in for the citizen in order to get solution for social conflitcts. They are objects of the present work. This article explains to the directives established by National Council of Justice in the implementation for the access by means of conciliation. It appears clear preoccupation from Justice authority to provide conditions for competent institution and for society on realization of social peace. Keywords: conciliation, access to Justice, instrumentalism and effectiveness. 1 INTRODUÇÃO

Na busca pela pacificação social, a sociedade e o Estado priorizam a

implementação de instrumentos que viabilizem a solução de conflitos sociais. A conciliação é uma forma alternativa de solução de conflitos, mas também um

direito do cidadão de exigir uma postura do Estado em proporcionar condições de apaziguar as intempéries que estancam o exercício de direitos e os relacionamentos sociais.

O art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal preconiza o direito subjetivo de acesso à Justiça. O Estado tem o dever de proporcionar meios que visem à paz social e a observância dos direitos e garantias individuais. Esse aspecto revela-se na viabilização de instrumentos de melhoria, proveitosos e úteis para encerrar problemas decorrentes do convívio social.

Há uma conjugação, o do pleno acesso à justiça como um direito de resposta do Poder Judiciário, garantido pela Constituição Federal, e a conciliação como instrumento de solução de conflitos oferecido aos cidadãos.

A ideia do desenvolvimento deste estudo originou-se da relevância dada pelo Conselho Nacional de Justiça, com a edição da Resolução 125, de 29 de novembro de 2010. Nesse documento consta como pressupostos: a) a eficiência operacional; b) a

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organização dos serviços prestados pelo Poder Judiciário por meio de outros mecanismos de solução de conflitos; c) o incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios; d) o papel da conciliação na redução da judicialização de conflitos; e) a uniformização de procedimentos quanto à conciliação no Poder Judiciário.

Denota-se uma expectativa de efetivação de um plano de trabalho estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça e, por conseguinte, de implementação de novas diretrizes do acesso à Justiça por intermédio da conciliação.

O objetivo deste estudo é o de analisar a implementação de mecanismos que auxiliem à concretização do direito do cidadão em ter acesso à justiça, na acepção de uma resposta adequada e rápida do Estado para o conflito. No primeiro momento, pondera-se a busca da sociedade pela pacificação social e a atuação do Poder Judiciário. Posteriormente, aborda-se de forma breve, a importância histórica da conciliação no ordenamento pátrio e são expostos os fundamentos legais e constitucionais. Por último, aprecia-se a forma de implementação da conciliação como um mecanismo primordial posto ao cidadão para a solução dos conflitos sociais.

A presente análise não tem o intuito de tecer críticas favoráveis ou não, mas, sim, destacar a preocupação que o Estado deve ter em viabilizar condições aos órgãos competentes e aos jurisdicionados na busca da paz social.

2 A BUSCA DA SOCIEDADE PELA PACIFICAÇÃO SOCIAL E A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

A vida em sociedade tem como ideal a redução dos conflitos sociais1. As

controvérsias são reguladas justamente porque os homens não podem [...] viver em meio às coisas sem formar a respeito delas idéias (sic), de acordo com as quais regulam sua conduta. [...]2.

A pacificação social é a busca pela minimização dos conflitos sociais. Nesta busca o Direito, a partir da regulamentação de condutas, de forma deôntica, visa estabelecer os limites do próprio Direito e ordenar a sociedade3. Os limites do Direito, quanto a sua aplicação, tem como competente o Poder Judiciário, como detentor exclusivo da jurisdição, de dizer o direito.

Além disso, pode-se acrescentar o exposto por Enio Galarça Lima quanto ao processo ser um instrumento de jurisdição avançado e civilizado, para resolução de conflitos, pois mediante o poder-dever do Estado, este se torna imparcial a partir de critérios axiológicos e normativos para desempenhar o papel de terceiro perante as partes na resolução do conflito.4

O judiciário é chamado a resolver os conflitos sociais intersubjetivos5, a resolução da lide, resultado de conflitos sociais sobre o direito ou de direito. Assim, este Direito sobre a gerência exclusiva do Poder Judiciário conta com o suporte processual, o direito formal, para a proteção do direito material.

1 MAGANO, Octavio Bueno. Autocomposição e tutela. In: FREDIANI, Yone. DA SILVA, Jane Granzoto Torres. O direito do trabalho na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001. p. 109. 2 DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução de Eduardo Brandão. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 15. 3 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 25. 4 LIMA, Enio Galarça. O acesso à justiça do trabalho e outros estudos. São Paulo: LTr, 1994. p. 100. 5 CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, op. cit., p. 25.

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O legislador, ao estabelecer regras de direito processual, sempre priorizou critérios e medidas que valorizassem a conciliação como um instrumento efetivo e facilitador de diálogos entre os sujeitos da relação conflituosa. 2. 1 A CONCILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

É indispensável para o estudo da conciliação, como mecanismo primordial na solução dos conflitos sociais, a evolução histórica no ordenamento jurídico brasileiro e a pesquisa sobre a atual política adotada pelo Conselho Nacional de Justiça, autorizada pela Resolução 125, de 29 de novembro de 2010.

2.1.1 Desenvolvimento Histórico

A implementação de condições e de incentivo à conciliação, como instrumento de solução de conflitos sociais, tem sido perseguida ao longo da História. Desde a colonização brasileira por Portugal, a conciliação se fez presente. O Ordenamento do Reino já previa a conciliação como uma das formas de resolução de conflito no Livro referente ao diploma do Processo Civil. A respeito, Ives Gandra da Silva Martins Filho6 pondera com propriedade sobre a subordinação do Brasil, como colônia, a Portugal:

Como Colônia portuguesa, o Brasil estava submetido às Ordenações do Reino, que eram as compilações de todas as leis vigentes em Portugal, mandadas fazer por alguns de seus monarcas e que passavam a constituir a base do direito vigente. São verdadeiras consolidações gerais, que servirão de molde para as codificações futuras (Código Civil, Comercial, Penal, Processual, etc).

E no mesmo sentido coloca Cândido Rangel Dinamarco7 sobre o encontro de

culturas ao dizer que:

O direito lusitano das Ordenações Filipinas havia sido plantado de galho em solo brasileiro, mediante a expressa determinação, contida em lei decretada pelo primeiro de nossos dois imperadores, de que ‘as Ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos e resolução promulgados pelos reis de Portugal, e pelas quais o Brasil se governava até o dia 25 de abril de 1821 [...] ficam em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas, para por elas se regularem os negócios do interior do Império enquanto se não organizar um novo Código ou não forem especialmente alteradas’ (lei de 20 de outubro de 1823). [...].

Posteriormente, houve a implementação de legislação nacional com as

Ordenações Afonsinas de 1466 a 1521; Ordenações Manuelinas de 1521 a 1603 e a última, as Filipinas que teve vigência de 1603 até a edição de normas nacionais.8 As normas de Direito Civil contidas no Livro IV – Direito Civil e Direito Comercial das Ordenações Filipinas permaneceram até promulgação do primeiro Código Civil Nacional,

6 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jurídica Virtual. Brasília, v. 1, n. 3, jul. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_03/ ordenamento%20jur%20brasil.htm>. Acessos em: 5 set. 2012 e 30 out. 2012.(grifos do autor). 7 DINAMARCO, Cândido Rangel. Liebman e a cultura processual brasileira. In: RIBEIRO, José Horácio Halfed Rezende; DINAMARCO, Pedro da Silva; COSTA, Hélio Rubens Batista Ribeiro. (Coords.) Linhas mestras do processo civil: comemoração dos 30 anos de vigência do CPC. São Paulo: Atlas, 2004. p. 83. 8 CRISTIANI, Claudio Valentim. O Direito no brasil colonial. In: Antonio Carlos Wolkmer (Org.). Fundamentos de história do direito. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 403-404.

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em 1º de janeiro de 19169 e sob a égide da Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891.

O instituto da conciliação surgiu no Brasil como prática judiciária nas Ordenações do Reino, mas com o advento das Ordenações Filipinas ocorreu a edição do Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850 que instituiu o Processo Commercial10 (sic) e trouxe sob o Título II - Da ordem do Juízo, o Capítulo I “Da Conciliação”, os artigos 23 a 38. O decreto regulamentar estava previsto no artigo 2711 do Título Único do Código Comercial (Lei nº 556, de 25 de junho de 1850). O artigo 23 do supracitado decreto exigia, como requisito de admissibilidade da ação, a passagem por conciliação, antes do juízo contencioso. O artigo 27 do referido diploma previa diversos requisitos da petição para a conciliação, como: qualificação das partes, endereço para citação, exposição dos fatos, declaração de solicitação de audiência de conciliação. Denota-se, portanto, que no ramo do Direito Comercial, havia destaque à conciliação, como instrumento de resolução de conflitos.

As Constituições brasileiras, desde a imperial de 1824, dispuseram sobre a conciliação. A primeira Constituição de 1824, assim dispôs no artigo 161: “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começara processo algum”

12. Manoel Antonio Teixeira Filho13 destaca que o processo civil curvou-se à

conciliação, sob a influência do processo do trabalho, e reconheceu como uma forma célere e mais adequada do ponto de vista social para a solução dos conflitos de interesses.

Com o advento da república, nova ordem constitucional se instalou no país e, por conseguinte, aboliu o instituto da conciliação, por meio do Decreto nº 359/1890. O texto constitucional da época autorizou os Estados a legislar sobre a matéria de processo, o que derivou a adoção facultativa da conciliação.

No entanto, em 5 de janeiro de 1907, o Decreto 1637 criou os sindicatos profissionais e sociedades cooperativas, com a finalidade de harmonização na relação trabalhista entre empregados e empregadores e estabeleceu sobre o Conselho Permanente de Conciliação e Arbitragem que tinha o propósito de dirimir divergências entre capital e trabalho. Segundo Josué Luís Zaar, esse Conselho se aperfeiçoou e originou a Justiça do Trabalho, a qual tinha caráter administrativo e não judicial.14

O próximo diploma legal a substituir os Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem foi o Decreto nº 21.39615, de 12 de maio de 1932, que instituiu a Comissões Mistas de Conciliação com a finalidade de resolver os dissídios entre empregadores e empregados.

9 BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm>. Acesso em: 7 set. 2012. 10 BRASIL: Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1800-1850/D737.htm>. Acesso em: 7 set. 2012. Primeiro Código nacional que dispõe regras de Processo, Direito Civil e Direito do Trabalho. 11 BRASIL: Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0556-1850.htm>. Acesso em: 7 set. 2012. 12 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 4 out. 2012. Havia previsão no art. 162 dos juízes de paz. 13 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de direito processual do trabalho. v. 1. São Paulo: LTr, 2009. p. 163-164. 14 ZAAR, Josué Luís. A conciliação prévia. Cascavel: Assoeste, 2008. p. 9. 15 Senado Federal. Decreto nº 21.396, de 12 de maio de 1932. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=33743>. Acesso em: 7 set. 2012.

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Em 16.07.1934 foi promulgada a segunda Constituição republicana, que ao instituir a Justiça do Trabalho, previu as Comissões de Conciliação16, que tratavam de divergências coletivas. As Juntas de Conciliação e Julgamento já haviam sido criadas como órgãos administrativos em 1932 (Decreto Legislativo 22.132) pelo presidente Getúlio Vargas que tinham a competência de apreciar os dissídios individuais de empregados sindicalizados e podiam impor soluções às partes. As Constituições que se seguiram, de 1937 e a 1946, trouxeram alterações relevantes, em especial, a última que transformou a Justiça do Trabalho como órgão integrante do Poder Judiciário, com competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, as demais controvérsias oriundas de relações do trabalho regidas por legislação especial.

Em 1º.05.1943, o Decreto-Lei 5.452 aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho, que estabeleceu no caput do art. 76417 a sujeição dos dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho à conciliação. No procedimento ordinário do processo trabalhista, a proposta de conciliação deve ser feita na abertura da audiência, conforme previsão do art. 84618 da CLT e antes da sentença, após as razões finais, conforme preceitua o art. 85019, caput, da CLT.

Rêmolo Letteriello destaca a iniciativa da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) com respaldo do Tribunal de Justiça, na criação do Conselho de Conciliação e Arbitramento, instalado em 23.07.1982 na Comarca de Rio Grande. Esse evento, segundo o autor20, foi um dos motivos de inspiração para o advento da Lei nº 7.244, de 07 de novembro de 198421, que dispunha sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas. 16 Art 122 - Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I. Parágrafo único - A constituição dos Tribunais do Trabalho e das Comissões de Conciliação obedecerá sempre ao princípio da eleição de membros, metade pelas associações representativas dos empregados, e metade pelas dos empregadores, sendo o presidente de livre nomeação do Governo, escolhido entre pessoas de experiência e notória capacidade moral e intelectual. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 05 out. 2012. 17 Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. § 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos. § 2º - Não havendo acordo, o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão na forma prescrita neste Título. § 3º - É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 4 out. 2012. 18 Art. 846 - Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação. § 1º - Se houver acordo lavrar-se-á termo, assinado pelo presidente e pelos litigantes, consignando-se o prazo e demais condições para seu cumprimento. § 2º - Entre as condições a que se refere o parágrafo anterior, poderá ser estabelecida a de ficar a parte que não cumprir o acordo obrigada a satisfazer integralmente o pedido ou pagar uma indenização convencionada, sem prejuízo do cumprimento do acordo. (Incluído pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995). BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 4 out. 2012. 19 Art. 850 - Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão. Parágrafo único - O Presidente da Junta, após propor a solução do dissídio, tomará os votos dos vogais e, havendo divergência entre estes, poderá desempatar ou proferir decisão que melhor atenda ao cumprimento da lei e ao justo equilíbrio entre os votos divergentes e ao interesse social. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 4 out. 2012. 20 LETTERIELLO, Rêmolo. Repertório dos juizados especiais cíveis estaduais. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 109-110. 21 O diploma legal orientava a observância dos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes (artigo 2º). BRASIL. Lei nº

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A ordem constitucional brasileira, por fim recebeu a Constituição de 198822, promulgada em 05 de outubro, que preconizou como um dos direitos e garantias fundamentais, a observância do princípio da razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação no âmbito administrativo e judicial.

Segundo Octavio Bueno Magano23, a conciliação teve destaque com a Lei nº 9.022, de 5.4.1995 (DOU de 6.4.95) e após com a Lei nº 9.958/2000 (DOU-I de 13.1.2000) que estabeleceu a possibilidade de criação das Comissões de Conciliação no âmbito das empresas e dos sindicatos.

Contudo, ainda que a legislação pátria incentive a conciliação, é necessária a implementação de condições e mecanismos que orientem e auxiliem os magistrados e, por conseguinte, toda a sociedade para a promoção da paz e a solução dos conflitos.

2.1.2 A Conciliação e a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), incluído pela Emenda Constitucional nº

45/2004, tem a incumbência de proceder controle administrativo-financeiro do Poder Judiciário, bem como exercer a correição de juízes. A respeito de suas atribuições, o Supremo Tribunal Federal se manifestou consoante ementa da ADI 3.367-1:

Ação direta. Emenda Constitucional 45/2004. Poder Judiciário. Conselho Nacional de Justiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida. Separação e independência dos Poderes. História, significado e alcance concreto do princípio. Ofensa a cláusula constitucional imutável (cláusula pétrea). Inexistência. Subsistência do núcleo político do princípio, mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições materiais do seu exercício imparcial e independente. Precedentes e Súmula 649. Inaplicabilidade ao caso. Interpretação dos arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF. Ação julgada improcedente. Votos vencidos. São constitucionais as normas que, introduzidas pela EC 45, de 8-12-2004, instituem e disciplinam o CNJ, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. Poder Judiciário. Caráter nacional. Regime orgânico unitário. Controle administrativo, financeiro e disciplinar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado-membro. Inadmissibilidade. Falta de competência constitucional. Os Estados-membros carecem de competência constitucional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciário, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça. Poder Judiciário. CNJ. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do STF. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional. Inteligência dos arts. 102, caput, I, letra r, e 103-B, § 4º, da CF. O CNJ não tem nenhuma competência sobre o STF e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito."

7.244, de 7 de novembro de 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7244.htm>. Acesso em: 8 out. 2012. 22 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 8 out. 2012. 23 MAGANO, 2001. p. 111.

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(ADI 3.367-1, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 13-4-2005, Plenário, DJ de

22-9-2006.) 24

Dentre as competências do Conselho Nacional de Justiça previstas no §4º do art. 103-B da Constituição Federal25, destaca-se a Resolução nº 125, de 29 de novembro de 201026, a qual estabelece a Política Judiciária para tratamento de conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, a partir de padronização de procedimentos e de conceitos, com objetivo de promover: a) a pacificação social através do uso de meios alternativos de resolução de conflitos e de meios consensuais; b) a sistematização e aprimoramento das práticas judiciárias existentes no território nacional; e c) a busca pela eficiência operacional do Judiciário e garantia de acesso ao sistema judiciário.

O Conselho Nacional de Justiça é responsável pela prática fundadora da conciliação no Brasil, com destaque ao trabalho pioneiro de sistematização e padronização nacional. A importância dada à conciliação revela com o estabelecimento de várias diretrizes com objetivo primordial de viabilizar o acesso à justiça e a solução dos conflitos. A obrigatoriedade de criação de núcleos permanentes de métodos consensuais de solução de conflitos pelos Tribunais e de instalação de centros judiciários de solução de conflitos, previstos nos artigos 7º e 12 e Anexo I da Resolução, são estabelecidas como atribuições dos Tribunais para viabilizar o cumprimento dos objetivos propostos para solucionar as controvérsias sociais.

O propósito da implementação de providências e de procedimentos visa assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiariedade. Isso porque há uma relevante expectativa dos jurisdicionados em receber a resposta do Poder Judiciário de forma célere e adequada. Contudo, a adoção de métodos de resolução dos conflitos, entre eles, a conciliação, deve abranger desde o tratamento adequado às partes, à controvérsia e, ao menos, a recomposição mínima com a satisfação dos jurisdicionados que aguardam a atuação do Poder Público na pacificação social, ou seja, na solução do problema.

No entanto, pondera Susana Bruno 27 que:

A promoção da efetividade do acesso à justiça deve ocorrer através de várias vertentes, simultaneamente. A solução para a insatisfação do jurisdicionado com a resposta que recebe sobre os seus conflitos não está unicamente no incentivo à utilização dos métodos consensuais de solução de conflito. De um lado, busca-se a redução dos custos e da duração do processo, de outro promovem-se esclarecimentos à população sobre direitos e deveres, além de ampliar as formas de acesso à justiça, implementando os métodos de composição pacífica de conflitos.

Essa preocupação revela-se com a exigência de capacitação dos conciliadores e mediadores a partir de exigências mínimas do curso de capacitação estabelecida no

24 BRASIL. ADI 3.367-1, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 13-4-2005, Plenário, DJ de 22-9-2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=8750>. Acesso em: 17 out. 2012. (grifos nossos). 25 As atribuições do Conselho Nacional de Justiça compreendem: zelar pela autonomia judiciária e pela aplicabilidade do art. 37 da Constituição, exercer a correição funcional no Judiciário e realizar diagnósticos quanto à situação do Judiciário. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 17 out. 2012. 26 A Resolução dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. BRASIL. Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, de 29 de novembro de 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/12243-resolucao-no-125-de-29-de-novembro-de-2010>. Acesso: em 30 out. 2012. 27 BRUNO, Susana. Conciliação: prática interdisciplinar e ferramentas para a satisfação do jurisdicionado. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 56.

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artigo 12 e Anexo I da Resolução 125. Posteriormente, a Resolução 126, de 22 de fevereiro de 2011, determinou no artigo 5º28, como uma das disciplinas a serem ministradas na formação inicial dos magistrados, técnicas de conciliação. Isso porque a atuação do julgador perante as partes, a promoção do diálogo e a forma de tratamento à controvérsia representam fatores importantes e até decisivos para a obtenção do acordo entre as partes.

As medidas estabelecidas na Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, complementada no aspecto citado, demonstram que a conciliação assume relevância perante a sociedade e prioridade adotada pelo Poder Judiciário para a solução dos conflitos sociais.

3 A CONCILIAÇÃO E A SOLUÇÃO DE CONFLITOS

3.1 CONCILIAÇÃO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

O termo conciliação advém do latim conciliatio, conciliatione de conciliare. Significa

ajuste, acordo, harmonização de pessoas desavindas, combinação e composição29. A conciliação formaliza um negócio jurídico, razão pela qual devem ser observadas

as condições de validade, agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável30. Trata-se de uma modalidade de resolução de conflitos atingida pela consensualidade entre as partes, mas também representa uma forma de pacificação social não menos legítima que a prestada pelo Judiciário.31

Teixeira Filho complementa, ao dizer que se trata de uma transação, por constituir um negócio jurídico entre as partes bilateral, desenvolvida consensualmente, desvestida da intervenção na resolução do conflito.32

A conciliação, sob o aspecto da forma, pode ser classificada como judicial33, extrajudicial34 e extrajudicial e judicial35. No tocante à manifestação de vontade, a doutrina enumera como facultativa36 e obrigatória37. Com relação à primeira modalidade, a Lei nº

28 Consta no art. 5º, inciso VII da Resolução: “Técnicas de Conciliação – apresenta as mais modernas e eficazes formas de se obter a solução negociada das demandas judiciais”. BRASIL. Resolução nº 126 do Conselho Nacional de Justiça, de 22 de fevereiro de 2011. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/resolucao_n_126_gp_2011.pdf>. Acesso em: 20 out. 2012. 29 MARTINS, Sérgio Pinto. Comissões de conciliação prévia. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p.13. 30 Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 04 out. 2012. 31 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Omega, 2010. p. 286. 32 TEIXEIRA FILHO, 2009. p. 165. 33 MARTINS, 2008, p. 14. O autor explica que a conciliação judicial ocorre na presença de juiz e em juízo. 34 MARTINS, loc. cit. Segundo Martins, a conciliação extrajudicial é realizada fora de juízo, em empresas, em sindicatos e etc. 35 MARTINS, loc. cit. O autor apresenta como terceira modalidade e refere-se à existência simultânea de mecanismos extrajudiciais de conciliação e a possibilidade de se ajuizar a ação para a discussão da questão trabalhista. 36 A Lei nº 9.958/2000 dispôs sobre as Comissões de Conciliação Prévia e prevê a conciliação facultativa e permite a execução de título executivo extrajudicial na Justiça do Trabalho. Art. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho. Parágrafo único. As Comissões referidas no caput deste artigo poderão ser constituídas por grupos de empresas ou ter caráter intersindical. BRASIL. Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9958.htm>. Acesso em: 30 out. 2012.

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9.958, de 12 de janeiro de 2000, estabeleceu as Comissões de Conciliação Prévia no âmbito dos sindicatos e empresas. A conciliação obrigatória encontra-se prevista nos artigos 764, 846 e 850 da Consolidação das Leis do Trabalho. Sérgio Pinto Martins38 menciona sobre o disposto no artigo 514 do mesmo diploma legal, que prevê como um dos deveres dos Sindicatos, promover a conciliação nos dissídios coletivos do trabalho. No procedimento sumaríssimo39, o magistrado deve esclarecer sobre as vantagens da conciliação às partes e o emprego de meios adequados de persuasão em qualquer audiência. Da leitura dos dispositivos elencados, denota-se que o escopo da Justiça do Trabalho é prestigiar a conciliação como um mecanismo de solução da controvérsia.

Outra perspectiva para classificação da conciliação é a sugerida por Letteriello40, dividindo em pré-processual e judicial. A pré-processual ocorre sem utilização de processo judicial, enquanto essa se constitui como um ato dentro do processo instaurado. Nesse aspecto, Adriana Gourlart de Sena41 explica que a conciliação pode ser entendida em um conceito mais abrangente do que o acordo, ou seja, como uma recomposição de relações não harmônicas. Explica a autora que a conciliação judicial trabalhista representa uma modalidade muito importante no Direito do Trabalho.

Sérgio Pinto Martins42 salienta que as partes que chegam à conciliação. Justifica que o conciliador não faz propostas ou mediação, mas somente aproxima as partes.

Rêmolo Letteriello43, por sua vez, destaca

A conciliação, induvidosamente, sempre foi o instrumento de maior significação e importância na mecânica do funcionamento do microssistema, eis que, imprimindo uma filosofia diversa no tratamento dos conflitos de interesses, proporciona a solução deles sem ingerência do Poder Judiciário, realizando a verdadeira razão de ser da justiça especial, que é a pacificação social.

Teixeira Filho pondera uma frágil diferença no tocante à participação de terceiro e explica a atuação do conciliador, como um elemento que formula propostas ou sugestões direcionadas à solução do conflito, diverso do sujeito que apenas media o conflito e aproxima os pares, aconselhando para que elas diretamente encontrem uma forma de solução para o conflito, de maneira consensual. Na visão do autor, na conciliação, o terceiro age de maneira mediata na busca da solução do conflito44, aspecto que a diferencia da mediação e da arbitragem.

Raúl Jimenez45 salienta que na conciliação prescinde a atuação de um sujeito ou órgão conciliador, porque as partes podem conciliar-se.

As observações sobre a atuação do sujeito que envida esforços para a aproximação das partes conflituosas, revelam o papel relevante e essencial para a sua concretização. Destaca Enio Galarça Lima46 que a conciliação

37 MARTINS, op. cit., p. 14. Segundo Martins, a conciliação obrigatória é determinada por lei, exemplo do autor, como nas ações trabalhistas. 38 MARTINS, loc. cit. 39 Art. 852-E. Aberta a sessão, o juiz esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação e usará os meios adequados de persuasão para a solução conciliatória do litígio, em qualquer fase da audiência. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 4 out. 2012. 40 LETTERIELLO, 2008. p. 113. 41 SENA, Adriana Goulart. Formas de resolução de conflitos e acesso à justiça. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 46, n. 76, p. 93-114, jul/dez. 2007. p. 98. 42 MARTINS, 2008. p. 13. 43 LETTERIELLO, 2008. p. 110. 44 TEIXEIRA FILHO, 2009. p. 168-169. 45 JIMENEZ, Raúl. Conflitos coletivos do trabalho e as soluções extrajudiciais. In: ZAINAGHI, Domingos Sávio. FREDIANI, Yone (Coords.). Novos rumos de direito do trabalho na América latina. São Paulo: LTr, 2003. p. 93. 46 LIMA, 1994. p. 99-100.

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[...] é um conjunto de medidas e ações destinadas a tornar convergentes opiniões e atitudes diferentes e contraditórias. Na prática, a conciliação laboral equivale a possibilitar dita convergência mediante medidas e ações que supõem a presença de um terceiro imparcial (o conciliador individual ou colegiado), que escuta as pretensões das partes e as ajuda a estruturar e formular suas pretensões, preside a exposição de seus fundamentos de fato e de direito, as orienta e informa a respeito dos aspectos legais sobre os pontos de controvérsia e sobre o procedimento de solução de conflitos, transmite a cada parte as observações e proposições formuladas separadamente por cada uma delas, procura a existência de condições ambientais e materiais que facilitem o diálogo, proporciona, enfim, informações a respeito da situação econômica-financeira da empresa.

No processo da conciliação, em todas as suas modalidades, verifica-se que a

atuação do conciliador é de especial importância, desde da aproximação das partes até os esclarecimentos sobre os aspectos envolvidos no possível ajuste de vontades.

3.2 CONCILIAÇÃO E DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS A doutrina utiliza diversas expressões para identificar as formas de resolução de

conflitos. Segundo Enio Galarça Lima47, existem três formas de resolução de conflitos: a autodefesa, a autocomposição e a solução processual. Segundo este autor, a autodefesa seria uma forma de autocomposição, unilateral, enquanto a solução processual seria o método heterocompositivo. A autocomposição compreende a vontade da parte sem interferência de terceiro, o Estado, e a heterocomposição revela a vontade do terceiro que recai sobre as partes.

Na linha de raciocínio de Lima, quanto à definição de formas de resolução de conflitos, Antonio Carlos de Araujo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, mencionam que a autocomposição representa [...] sacrifício total ou parcial do próprio interesse [...]48, e a autodefesa ou autotutela [...] sacrifício do interesse alheio [...]49, enquanto a heterocomposição revela [...] a defesa de terceiro, a conciliação, a mediação e o processo (estatal ou arbitral) [...]50. Os doutrinadores acrescentam que a autocomposição apresenta três formas, pelas quais a parte ou ambas as partes abrem mão do interesse ou de parte dele, a saber: a) desistência, ao renunciar a pretensão; b) transação, por meio de concessões recíprocas; c) submissão, no ato de renunciar à resistência quanto à pretensão.51 Mas Lima52 discorda desse entendimento em relação à conciliação, por entendê-la como método autocompositivo e não como heterocompositivo, como nos casos de arbitragem e de mediação.

A divergência apresentada demonstra o problema de se considerar a conciliação como método autocompositivo. Nesse aspecto, a visão de Letteriello, que propõe a conciliação no campo intermediário entre o método autocompositivo e heterocompositivo, porquanto trata-se de um procedimento que tem início pela vontade das partes, mas ritualizado por terceiro imparcial.53 O autor define autocomposição como sendo um processo de negociação direto dos sujeitos envolvidos no conflito, confundível com processo de negociação, mas que serve de instrumento para o resultado da autocomposição.54

47 LIMA, 1994. p. 97. 48 CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2011. p. 26. 49 Ibid., p. 26. 50 CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, loc. cit. 51 Ibid., p. 27. 52 LIMA, 1994. p. 99. 53 LETTERIELLO, 2008. p. 110. 54 LETTERIELLO, 2008. p. 98.

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No entanto, Mauricio Godinho Delgado55 aponta como meio heterocompositivo, no qual se revela a ingerência de um terceiro na dinâmica da solução do conflito. A preocupação na classificação como modalidade autocompositiva ou heterocompositiva, segundo Mauricio Godinho Delgado56 tem relevância nos aspectos dos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do processo utilizado.

4 A CONCILIAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA

4.1 A CONCILIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA

A conciliação revela a possibilidade de uma resolução judicial mais célere, a qual prioriza a vontade das partes, não como negociação ou transação entre elas, mas como uma forma de solução ao conflito, adotada pela vontade das partes, sem resolução propriamente oriunda da vontade estatal57. Contudo, não é adequado afirmar que o Judiciário está delegando a função de buscar a paz social, ou afastando a jurisdição da resolução de conflitos ou afastar o direito ao processo58. A conciliação judicial possui uma função de pacificação social alternativa a jurisdição59, bem como uma forma autocompositiva de solução de conflitos.

A conciliação judicial, ainda que se trate de um resultado de uma atividade assistida pelo Estado, não impede as partes, voluntariamente, resolverem o conflito.

Rêmolo Letteriello60 afirma que no âmbito dos Juizados Especiais, a conciliação sempre exerceu o papel de proporcionar uma solução ao conflito de interesse sem ingerência imediata de terceiro. No entanto, o autor61 salienta que pode ser intentada não somente no início do processo ou na audiência de instrução e julgamento, mas a qualquer momento que o juiz entenda cabível.

A conciliação como solução processual, verifica-se com a adoção do Código de Processo Civil62, compartilhando do caminho percorrido pela Justiça do Trabalho63, que por excelência, sempre teve a finalidade de conciliar.

A preocupação de uma política pela viabilização da conciliação revela como uma busca pela efetividade de direitos e de sistematização do ordenamento pátrio. Representa, ainda, uma alternativa que garante o acesso ao sistema judiciário e a resolução de conflitos.

55 Mauricio Godinho Delgado aponta a conciliação como uma modalidade de heterocomposição, mas destaca a divergência doutrinária que reserva à heterocomposição apenas a jurisdição e a arbitragem. Explica que o terceiro não tem o poder de decidir o litígio, embora seja inegável a participação na dinâmica autocompositiva. GODINHO, Mauricio Delgado. Curso de direito do trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 1.444. 56 GODINHO, 2004. p. 1445. 57 TEIXEIRA FILHO, 2009. p. 163. 58 BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil na perspectiva do estado constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 82. Segundo o autor, o direito ao processo contempla dois aspectos. O primeiro faz referência ao acesso à jurisdição e o segundo quanto ao direito abstrato à tutela jurídica estatal. 59 CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2011. p. 33. 60 LETTERIELLO, 2008. p. 110. 61 LETTERIELLO, 2008. p. 111. 62 Como exemplo, os artigos 125, IV, 277, 278, 331, §§1º e 2º e 447 a 449. BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 30 out. 2012. 63 TEIXEIRA FILHO, 2009. p. 163-164.

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4.2 A CONCILIAÇÃO COMO RESULTADO DO ACESSO À JUSTIÇA As diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da

Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, demonstram que apenas a previsão constitucional do princípio da duração razoável do processo64 e a observância de dispositivos legais que determinam a conciliação como obrigatória nos procedimentos ordinário e sumaríssimo não são suficientes para que se concretize a pacificação social.

A tutela estatal, na resolução de conflitos, exercida pelo Poder Judiciário, depende da implementação de promoção de acesso à justiça. Desta forma Mauro Cappelletti e Bryant Garth, ao tratar do tema “Acesso à Justiça”65, dividiram o acesso à justiça em três ondas de acesso. A primeira onda foi promover aos necessitados o acesso ao Judiciário. Na segunda onda, destina-se a garantia do acesso, via processual, aos interesses coletivos e difusos, e por último, a terceira onda objetiva a simplificação do processo, para promover o acesso.

Outra perspectiva é a de Guilherme Botelho66, ao classificar o acesso à Justiça em duas dimensões, uma objetiva – tutela jurisdicional, e outra subjetiva – tutela qualificada e aderente ao direito material. O autor67 explica que o acesso à Justiça estabelece estudo da instrumentalização do processo e efetivação de direitos, que ocorreu inicialmente na Itália e Espanha, com repercussões na América Latina, a partir do movimento pós-positivista. Pondera que o acesso ao Judiciário

[...] Não se configura em direito de mero acesso formal ao Poder Judiciário, comportando uma complexidade de atos a se desenvolverem em procedimento firmado em constante contraditório, garantindo-se, assim, um diálogo entre as partes e o julgador.68

Susana Bruno69 compartilha que o acesso à justiça só é viabilizado, não puramente com uma administração eficiente do Poder Judiciário, mas com a criação de meios adequados para a tutela de direitos materiais.

Na implementação de condições de se viabilizar a conciliação e a sua efetivação na relação endoprocessual decorrem inúmeros efeitos, que merecem especial destaque, que, contudo, não se pretende esgotá-los nesse trabalho. A primeira hipótese de resultado refere-se ao prosseguimento do conflito, com a busca do direito ao processo, se frustrada a tentativa de conciliação. A segunda considera exitosa conciliação, cominando na sentença homologatória do acordo, para dar segurança jurídica e transformar este acordo em título executivo70, este último encontra-se previsto no artigo 475-N, inciso III do Código de Processo Civil. Há outros efeitos, como o não comparecimento do autor que implicará extinção do processo, conforme o inciso I do artigo 50 da Lei dos Juizados Especiais - LJE, e se o réu não aparecer, acarretará a veracidade dos fatos e julgado a revelia, salvo se do contrário o juiz entender, conforme artigo 20 da Lei dos Juizados Especiais.

Contudo, a prática da conciliação judicial apresenta obstáculos a serem superados. Letteriello71 aponta alguns problemas: a) a quantidade desmedida de feitos, bem como o excesso de audiências simultâneas impedem o acompanhamento e desenvolvimento da

64 LETTERIELLO, 2008. p. 112. 65 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. 66 BOTELHO, 2010. p. 118-132. 67 Ibid., p. 32-39. 68 Ibid., p. 112. 69 BRUNO, 2012. p. 26. 70 LETTERIELLO, 2008. p. 110. 71 LETTERIELLO, 2008. p. 112.

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conciliação; b) a falta de presença do juiz togado nas sessões de conciliação para homologar o acordo em um único ato; c) a continuidade de orientação e instrução do conciliador. Os aspectos citados contribuem na falta de celeridade e eficácia da conciliação, mas se comparada com o processo, revela ser mais ágil.

O autor identifica a exclusão de causas que não dispõem da conciliação como forma de resolução, são: as de natureza alimentar, as falimentares, as fiscais, as de interesse da Fazenda Pública, as relativas ao acidente de trabalho, conforme determina o parágrafo segundo do artigo 3º da Lei dos Juizados Especiais. Explica que as causas não excepcionadas pelo artigo 3º da citada lei, podem ser resolvidas por meio da conciliação, desde que versem sobre direitos disponíveis.72

A conciliação representa e contribui para a adoção de uma conduta do Poder Judiciário e na mudança de postura no tratamento aos jurisdicionados e na apreciação dos conflitos sociais. Os efeitos decorrentes da conciliação demonstram a busca pela efetividade de direitos e a sistematização do ordenamento pátrio, bem como a resolução de conflitos de forma célere. Representa, em síntese, uma alternativa que permite o acesso ao sistema judiciário de igual valia ao procedimento heterocompositivo judicial de resolução de conflitos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A conciliação, sob uma forma de desformalização, de desprocessilização, tem

como objetivo aproximar os jurisdicionados da pacificação social, mediante a inclusão das partes como autores de um processo resolutivo e não mais como meros expectadores.

O ordenamento jurídico brasileiro sempre priorizou a conciliação como uma medida de utilidade e importância para a solução dos conflitos apreciados pelo Poder Judiciário. A Constituição Federal de 1998 preconizou como um dos direitos e garantias fundamentais a observância do princípio da duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação no âmbito administrativo e judicial. Contudo, ainda que a legislação pátria incentive a conciliação, é necessária a implementação de condições e mecanismos que orientem e auxiliem os magistrados e toda a sociedade na promoção da paz social.

O Conselho Nacional de Justiça, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, implantou com a Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. A postura adotada representa a grande responsabilidade na prática fundadora da conciliação no Brasil. O estabelecimento de diretrizes e orientações para a viabilização de métodos consensuais aos tribunais demonstra o relevante papel na solução das controvérsias sociais.

Apesar das divergências doutrinárias na classificação da conciliação como método de solução de conflitos, emerge a importância da atuação do terceiro conciliador perante as partes, com finalidade de garantir a duração razoável do processo e garantir acesso ao Poder Judiciário.

A conciliação representa e contribui para a adoção de uma conduta do Poder Judiciário e na mudança de postura no tratamento aos jurisdicionados e na apreciação dos conflitos sociais. Os efeitos decorrentes da conciliação demonstram a busca pela efetividade de direitos e a sistematização do ordenamento pátrio, bem como a resolução de conflitos de forma célere. Representa, em síntese, uma alternativa que permite o acesso ao sistema judiciário de igual valia ao procedimento heterocompositivo judicial de resolução de conflitos.

72 Ibid., p. 116.

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JUIZADOS ESPECIAIS: UM CASO DE SUCESSO OU

DE FRACASSO NA IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA FÓRMULA DE

ACESSO À JUSTIÇA E DA CONCILIAÇÃO

Nara Fernandes Bordignon

______________________________________ Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA

Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo UNICURITIBA Graduada em Direito pelo UNICURITIBA Graduada em Administração pela UFPR

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RESUMO A efetividade dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis, criados pela Lei 9.099 de 1995 é analisada neste artigo como uma das formas de acesso à Justiça, tendo em vista que este é um direito fundamental amparado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O objetivo do presente artigo consiste em analisar o acesso à Justiça, como um princípio fundamental e amparado constitucionalmente. Posteriormente, analisam-se as características dos Juizados Especiais e, por fim, a identificação da crise judiciária e da efetividade dos Juizados Especiais. Palavras-chave: Acesso à justiça, juizados especiais, efetividade. 1 INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 garante o acesso à Justiça como um direito fundamental. Tendo em vista que, muitas vezes, para se efetivar um direito e/ou uma garantia, seja ela individual ou coletiva, é necessário recorrer ao Poder Judiciário, verifica-se que a efetividade de acesso à Justiça somente se dá com a possibilidade real do cidadão mover a máquina judiciária. Para isto, importante se faz entender o que realmente é considerado como acesso à Justiça para depois verificar-se entre uma das formas de sua efetivação os Juizados Especiais. Neste ponto, faz-se necessário verificar a origem, a história, os princípios norteadores e os objetivos dos Juizados Especiais, para posteriormente, verificando-se a presente crise judiciária e as formas alternativas de solução de conflitos, a real efetividade do acesso à Justiça permitida pelos Juizados. 2 ACESSO À JUSTIÇA 2.1 ACESSO À JUSTIÇA

O termo acesso à Justiça é de difícil conceituação, mas pode ser considerado como a forma pela qual os indivíduos podem reivindicar direitos e solucionar seus conflitos. Possui, ainda, como finalidades, a obrigatoriedade de ser um sistema que deve ser acessível a todos e produzir soluções e resultados iguais e justos para todas as situações fáticas ocorridas na vida das pessoas. Ou seja, a função principal do acesso à Justiça consiste em dar uma solução a um litígio (AIRES, 2012).

De acordo com Motta (2012) o acesso à Justiça por parte de classes economicamente inferiores foi ampliada com a racionalização e com a redução dos custos necessários para a movimentação do Poder Judiciário, com a simplificação e com a modificação dos procedimentos nas diferentes esferas jurídicas, com a representação de causas coletivas e com a alteração no desenvolvimento dos operadores do Direito, sejam eles juízes, advogados, promotores, defensores, etc., pois a instauração de uma cultura democrática é urgente. A garantia ao acesso à Justiça é considerada como um direito social que necessita da interferência do Estado para que se aplique a política de bem-estar (MOTTA, 2012).

Da leitura de Cappelletti e Garth (1988) percebe-se que o acesso à Justiça está intimamente ligado à cidadania, tendo em vista que ambos necessitam do Judiciário para sua efetivação. Para Aires (2012) é uma função estatal a garantia dos “[...] Direitos fundamentais do cidadão, incluindo nestes o acesso á Justiça, tendo em vista ser tal acesso considerado um dos principais direitos conferidos ao homem, uma vez que por meio dos demais direitos podem ser concretizados”.

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2.2 UM DIREITO CONSTITUCIONAL E UM PRINCÍPIO FUNDAMENTAL

No âmbito positivo jurídico, o acesso à Justiça é um direito que está inserido como

fundamental na Constituição, e, no plano internacional, nos tratados, nas convenções e nos pactos internacionais (AIRES, 2012). Para Pereira (2004, p. 34) a promulgação da Constituição da República de 1988 reforçou as formas de se promover o acesso à Justiça.

De Cappelletti e Garth (1998) tem-se que o princípio do acesso à Justiça pressupõe a possibilidade de que todas as pessoas, sem distinção alguma, tenham a possibilidade de pleitear suas demandas nos órgãos do Judiciário. Sendo que este comando possui relação as garantias de que a lesão ou a simples ameaça a um direito possa ser objeto de apreciação do Judiciário, dando asilo estatal aos indivíduos que, por sua hipossuficiência, não poderiam arcar com custos da demanda. Significa, ainda, que o legislador não pode obstaculizar o acesso à Justiça, pode apenas criar condições para o seu exercício. Para que desta forma, o acesso à Justiça seja efetivo e material, isto é, o Estado deve apresentar uma resposta satisfatória ao cidadão, auxiliando-o a dirimir seu conflito dentro de um prazo razoável. Ou seja, não basta o Judiciário receber a demanda, é necessário que solucione dentro de modo célere.

Os direitos fundamentais brotam e se crescem com as Constituições, pois são nelas é que não adotados e garantidos. O artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem declara que todo o indivíduo tem direito ao acesso à justiça em igualdade de condições, julgada de modo independente e imparcial. Assim como o artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Desta feita, é visível que o direito ao efetivo acesso à Justiça, seja ela interna, ou internacional, é considerado como um Direito Humano. Percebe-se que o nascimento dos Juizados Especiais é como o marco de uma prestação jurisdicional, como um exemplar de justiça acessível e pouco burocratizada, por privilegiar a conciliação para a dissolução da disputa. A conciliação “[...] significa ato ou efeito de conciliar, ajuste , acordo ou harmonização de pessoas desavindas; congraçamento, união, composição ou combinação” (CUNHA, 1997, p. 33)’. De acordo com Moraes (1998, p. 23), “[...] o efetivo acesso ao aparato jurisdicional significa direito fundamental num sistema igualitário, onde todos possam ter esse direito garantido e não apenas declarado”. Continua que (p. 33) não se tem acesso à vias judiciais a toda a população do país, principalmente aos pequenos litigantes, pois estes não possuem condições econômicas, sociais e psicológicas para bater na porta do Judiciário, tendo a defesa de seus direitos cerceada. Em função disto, complementa (p. 39) que as consequências das dificuldades de acesso à justiça acarretam em uma litigiosidade contida, isto é, “[...] conflitos de interesses que ficam sem qualquer solução, não chegando sequer ao conhecimento do Judiciário. Fenômeno que traz, evidentemente, grandes riscos à tranquilidade e paz sociais”. Paroski (2008, p. 210-296) afirma que existem diversos obstáculos ao acesso à Justiça, como: a) fatores políticos e sociais; b) fatores de ordem econômica e financeira, como as despesas processuais, a insuficiência econômica seja dos litigantes ou do Poder Judiciário e a relação de custo-benefício do processo; c) os fatores relacionados à prestação jurisdicional, como a assistência judiciaria gratuita, a defensoria pública, a interpretação e a aplicação do direito, as técnicas processuais, a tutela de interesses transindividuais, o acesso aos advogados e o manejo dos processos, a imparcialidade e a neutralidade dos juízes, a morosidade processual com o excesso de demandas, a litigiosidade do poder público, os recursos e a falta de adequada tutela jurisdicional.

Em geral, para que os cidadãos tenham o direito de acesso à justiça é necessário que a cidadania seja exercida. Desse modo todos necessitam ter ciência de seus direitos para ter a capacidade de cumpri-los. Na atualidade, o Brasil se apresenta como um pais escasso financeira e intelectualmente, pois existem muitos

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analfabetos. A cultura, apesar de estar em evolução, ainda não foi democratizada [...]. assim, é necessária a proliferação de instrumentos viabilizadores do cesso à justiça para que levem a cidadania e a democracia àqueles que delas necessitem.

Passa-se agora à análise dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis como forma de promoção do acesso à Justiça no Brasil. 3 JUIZADOS ESPECIAIS 3.1 ORIGEM, HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DOS JUIZADOS NO BRASIL

No que tange à história dos Juizados Especiais, observa-se que a conciliação

originou-se na bíblia, mais precisamente no livro de Mateus, pelo qual os pacificadores seriam considerados filhos de Deus. A partir daí, toda a civilização percebeu a vantagem e os benefícios da solução de conflitos pela de modo mais simples.

[...] os romanos distinguiam a categoria de conciliatrix às senhoras que se incumbiam de reunir os esposos separados. [...] Na França, em 1790 foram criados os Juízes de Paz, de forma que nenhuma ação principal seria recebida, sem antes o certificado de haver-se juntado previamente a conciliação. [...] Data de 1827, quando as Ordenações Filipinas criaram os Juízes de Paz, em que estes assumem competência para conciliação entre as partes, pretendendo demandar por todos os meios pacíficos que estivessem ao seu alcance, mandando lavrar termo da conciliação obtida, que era assinado pelas partes e pelo escrivão (MARTINS, 2006).

A Constituição do Brasil de 1824 já buscava a reconciliação entre as partes conflitantes, por isto criaram-se os chamados Juízes de Paz. Já a Constituição de 1967 previu os Juizados de Pequenas Causas que tinham como finalidade solucionar causas de baixo valor econômico, instituto regulado pela Lei n.º 7.244/84. Destes resultaram, conforme a Constituição Brasileira de 1988, artigos24, X e 98, I, os Juizados Especiais que posteriormente foram organizados pela Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 (MARTINS, 2006).

Alvim (2010, p. 17-18) continua, afirmando que a conciliação é de extrema relevância, pois faz com que as partes no processo, possam colocar fim a seus conflitos. Sendo o conciliador, auxiliar da justiça, essencial para uma maior celeridade processual. Desta maneira, a conciliação não pode ser uma simples formalidade processual. Tendo em vista que é sim, uma maneira de acalmar as almas conflitantes, seja em benefício próprio, ou da sociedade. Garantindo um resultado mais satisfatório do que a sentença, já que acata interesses do autor e do réu.

Restando o processo como um instrumento de jurisdição, isto é, uma “[...] relação jurídica processual que interliga sujeitos processuais, em busca de uma idêntica finalidade, que é a atuação da lei, mediante provocação da parte interessada”. O julgamento consiste na ação de julgamento da lide, aplicando o direito a um determinado caso concreto, a chamada subsunção do fato à regra jurídica, por intermédio da sentença. E, não abrange simplesmente o mérito, mas sim todas as questões, sejam elas processuais ou não, que apareçam no processo. O processo de execução está também englobado por esta lei (ALVIM, 2012, p. 18-19).

Desta maneira tem-se que os Juizados Especiais Cíveis e Criminais são instrumentos da justiça ordinária, criados nos Estados e no Distrito Federal, para processar e julgar, seja por vontade do autor, nas causas de diminuído valor, não superiores a 40 salários mínimos, vigentes no país; as situações do artigo 275, II do

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Código de Processo Civil; as ações de despejo para uso próprio e possessórias, bem como as infrações de menor potencial ofensivo.

Os processos, nos Juizados Especiais, guiam-se pelos seguintes princípios: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Objetivando, quando possível, a conciliação das partes, devendo o juiz dirigir o processo de modo livre para adotar em cada caso concreto a decisão que considerar justa e equânime. Quanto às partes do processo, não poderão ser, incapazes, presos, pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas da União, massas falidas e insolventes civis. Os atos processuais são públicos e podem ocorrer, em algumas hipóteses, no período noturno.

O pedido, oral ou escrito, feito à Secretaria do Juizado, dá início ao processo, devendo, a sessão de conciliação realizar-se em até 15 dias. A execução da sentença poderá processar-se no próprio juizado. Para ingressar com uma ação nos Juizados Especiais, em primeiro grau de jurisdição, não depende do pagamento de custas, de taxas ou de despesas. Não há, ainda, a obrigatoriedade de constituição de advogado, exceto se o valor da causa for superior a 20 salários mínimos e em grau recursal. Diante de todo o exposto, verifica-se que os Juizados'1 Especiais podem ser considerados, por alguns doutrinadores, como a “justiça do futuro”.

Assim, os Juizados Especiais permitem que o juiz seja um legislador de um caso concreto, isto é: “A lei é geral e abstrata. Ele deve, a princípio, ter a lei como bússola para procurar resolver o caso concreto, mas muitas vezes é imprescindível quando esse instrumento falha [...]” utilizar-se de outros princípios para se alcançar um bom termo. “Nem sempre a lei é a solução. Justiça não é misericórdia nem caridade. Nem vingança. Nem instrumento do mais forte. Deve-se com a justiça buscar o equilíbrio, a boa convivência social, a paz” (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 865).

3.2 COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

A competência é conceituada como a “[...] quantidade de jurisdição atribuída pela Constituição ou pela lei aos órgãos jurisdicionais para o julgamento de determinadas causas, segundo determinados critérios (objetivo, territorial, funcional)”. É tida, ainda como a medida da jurisdição, do poder de julgamento do juízo, ou seja, caso nenhuma lei restrinja a jurisdição de um juiz, ele poderá avaliar qualquer demanda, porém, caso exista uma lei que imponha restrições, somente poderá solucionar algumas lides, sendo a jurisdição restringida pela competência (ALVIM, 2010, p. 25).

Desta forma, para ingressar com uma ação, verifica-se, em primeiro lugar, o local onde deve ser proposta, ou seja, o foro. Posteriormente, caso exista mais de um juízo competente, deve-se definir o juízo competente. Seja pelo critério objetivo, territorial ou funcional. Conforme o artigo 4º, Lei 9.099, pelo critério objetivo analisam-se o valor da causa, ou seja, o valor econômico do objeto do litígio, normalmente, presente no pedido; e a natureza da causa, isto é, a substância do processo, o caráter da relação jurídica. O critério territorial consiste na averiguação do local onde o réu está domiciliado; ou de celebração do contrato; ou onde achar-se o bem objeto da demanda e da ocorrência do fato; entre outras. E, por fim, o critério funcional, pelo qual se investiga a natureza da função que o juiz deve exercer no processo. Sendo a competência relativa, pode ser escolhida esta Justiça, por vontade do titular, por ser direito potestativo (ALVIM, 2010, p. 25-27).

Conforme Alvim (2010, p. 17), a competência dos Juizados Especiais na esfera Cível se dará em casos de menor complexidade (artigo 3° da Lei 9.099) e na criminal, nas infrações de menor potencial ofensivo (artigo 60° da Lei 9.099). Contudo, caso o processo exibir fatos complexos que comprometam o juizado, aplica-se o artigo 51, II da Lei 9.099, enviando ao juízo comum (ALVIM, 2010, p. 18, 29).

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3.3 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Os princípios dos juizados especiais, também chamados de critérios informativos do processo, são comandos nucleares de um sistema, são o alicerce, tendo em visa que estão no cerne. São considerados como princípios dos juizados especiais aqueles enumerados pelo artigo 2° da Lei 9.099, são eles: a oralidade, a economia processual, a simplicidade, a informalidade e a celeridade. Passe-se agora a uma breve análise dos princípios centrais da Lei 9.099. Por este princípio da oralidade tem-se:

[...] a) prevalência da palavra como meio de expressão combinada com o uso de meios escritos de preparação e documentação; b) imediação da relação entre o juiz e as pessoas cujas declarações deva apreciar; c) identidade das pessoas físicas que constituem o juízo durante a condução da causa; d) concentração do conhecimento da causa em um único debate, a desenvolver-se numa audiência ou em poucas audiências contíguas; e) irrecorribilidade das decisões interlocutórias em separado (ALVIM, 2010, p. 20).

Desta forma, tem-se o princípio da oralidade como informativo do processo, tendo

em vista que prevalece da palavra "falada", havendo a concentração da discussão oral do conflito objeto da audiência, mas não se excluindo a forma escrita do processo. Com este princípio, tem-se que uma melhor adequação às necessidades da vida moderna, buscando garantir uma melhor decisão (PISKE, 2012).

Este princípio engloba outros princípios, segundo Tourinho Neto e Figueira Júnior (2011, p. 78), são os princípios do imediatismo, da imutabilidade do juiz, da concentração e da irrecorribilidade de decisões.

Pelo princípio da simplicidade tem-se que o processo não poderá oportunizar obstáculos processuais, desta forma, toda matéria de defesa deve se fazer presente na contestação ou, se houver, no pedido contraposto do réu (ALVIM, 2010, p. 21).

O referido princípio busca “[...] estimular os juizados especiais a funcionarem sem ostentação ou pompa, a fim de que as partes e terceiros possam se manifestar livremente, à vontade, com isso, facilitando a produção da prova oral” (PEREIRA, 2004, p. 43).

O princípio da informalidade faz com que os atos processuais, sejam eles, a petição inicial, a contestação, as arguições incidentais, os requerimentos e as decisões interlocutórias, não se acabam em formalidades comprometedoras de seus objetivos e de suas finalidades. Tendo em vista que são realizados pela própria parte que não detém os conhecimentos técnicos e teóricos necessários, seja de forma oral ou por escrito (ALVIM, 2010, p. 21).

Para Alves de Melo, Silva e Moura de Souza (2000, p. 16) o princípio da informalidade não é a inexistência de regras. Mas sim na simplicidade, “[...] sendo descabidas as arguições, questões prejudiciais ou mesma realização de perícias”, conforme Moraes (1998, p. 52).

A economia processual consiste no princípio de que o processo deve ser, na medida do possível, mais barato, gratuito. Além de conter apenas atos processuais que sejam realmente indispensáveis ao alcance de sua finalidade. Sem a possibilidade de correção, repetição ou anulação de ato processual que não tenha causado prejuízo algum à parte contrária (ALVIM, 2010, p. 21).

É o princípio pelo qual o processo deve procurar, “[...] no menor espaço de tempo possível, satisfazer as partes com a prestação jurisdicional rápida e segura, sem delongas” (PEREIRA, 2004, p. 45). Exemplos deste princípio são: o bom emprego de atos processuais, sempre que possível, a possibilidade de que as audiências e os serviços de cartório sejam feitos fora da sede, podendo ser realizados em outros locais da Comarca, etc.

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A celeridade processual é o princípio de que o processo deve ser ligeiro, isto é, ter o menor andamento possível, já que o conflito é, via de regra, simples econômica e juridicamente. O referido princípio busca, alternativamente uma sentença judicial, estimular a conciliação e a transação (ALVIM, 2010, p. 21-22).

Para Piske (2012) o “[...] princípio da celeridade diz respeito à necessidade de rapidez e agilidade do processo, com o fim de buscar a prestação jurisdicional no menor tempo possível”. Para Pereira (2004, p. 46) “[...] por serem os juizados especiais órgãos jurisdicionais competentes para julgar, essencialmente, pequenas causas, deve-se esperar deles rapidez e praticidade, além de segurança no processamento do feito [...]”.

É, portanto, caracterizado, conforme salienta Moraes (1998, p. 52) como resultante do esforço em se evitarem os aumentos de prazos que impossibilitam que o processo se solucione mais rapidamente e que faz com que ele se arraste no tempo. 3.4 OBJETIVOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Os objetivos dos Juizados Especiais são, basicamente, os de permitir e facilitar à população mais carente e humilde da sociedade o acesso à Justiça, sobretudo dos que sofreram pela desigualdade social e não possuem recursos para aguentar os custos de um processo judicial e que, em consequência disto, não buscariam o judiciário para proteção de seus interesses.

Tomando-se por base os princípios norteadores dos Juizados Especiais, verifica-se que seus objetivos são: fazer o processo mais rápido, mais simples, mais informal, permitindo um maior acesso à justiça àqueles que não teriam condições em razão da onerosidade processual. Para Aires (2012) os objetivos dos Juizados foram:

[...] propiciar solução célere aos conflitos que especifica em sua norma, de modo a haver o menor intervalo de tempo possível entre a ofensa ao direito e a reposição das coisas em seu status quo.[...] O objetivo precípuo dos Juizados e a especificidade do processo que eles trazem não fazem referência apenas a regras procedimentais simplificadoras, mas dizem respeito a um novo sistema processual com princípios próprios, buscando a desformalização que indica e implanta a facilitação do efetivo acesso à Justiça.

No mesmo sentido Batista (2010, p. 94), “o objetivos dos Juizados Especiais é

estender o acesso à Justiça aos cidadãos, sendo uma forma de o Poder Judiciário se aproximar deles com uma Justiça célere e eficaz, de maneira que possam exercitar a mediação nesse sistema que é informal e gratuito à população [...]”.

Diante de todo o exposto, verifica-se que a Lei 9.099 procurou dar efetividade ao acesso à justiça, por intermédio de uma nova regra jurídica que criou estruturas com vistas a desafogar à Justiça Comum. É principalmente no segundo capítulo que se visualiza a busca por uma justiça rápida, sem burocracia, gratuita, simples, informal e possível para os cidadãos.

4 CRISE E EFETIVIDADE DOS JUIZADOS ESPECIAIS 4.1 CRISE JUDICIÁRIA

Para Tourinho Neto e Figueira Júnior (2011, p. 42), os Juizados Especiais não devem e nem podem ser tidos como uma justiça de segunda classe. Pois significam:

[...] um avanço legislativo de origem eminentemente constitucional, que vem dar guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente aos da

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população menos abastada, de uma justiça apta a proporcionar uma prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura, capaz de levar à liberação da indesejável litigiosidade contida. [...] trata-se, em última análise de mecanismo hábil na aplicação do acesso à ordem jurídica justa (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 42-43).

Para isto, os Juizados Especiais “são ancorados na simplicidade, informalidade,

concentração, celeridade, economia, equidade, com a ingerência da comunidade local (justiça participativa) e fundados na autocomposição circunstanciada (ampla) (justiça coexistencial)” (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 44). Para Cunha (1997, p. 43) “o modelo dos Juizados Especiais Cíveis, implementado em nosso País atende a todos os requisitos da justiça coexistencial, sem os prejuízos decorrentes de uma atividade extrajudicial [...]”. Neste cenário é que surge as chamadas justiças participativas e coexistenciais. Pela primeira, gestão da justiça é feita por indivíduos leigos e, pela segunda, a solução de conflitos que ainda não tenham sido jurisdicionalizados se dá pela atocomposição.

Sendo os juízos conciliatórios “[...] manejados por cidadãos leigos da comunidade local, que se utilizam da oralidade em grau máximo [...] em busca da solução não adversarial dos conflitos apresentados”. (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 57). A coletividade provoca conflitos que necessitam de decisões aceleradas e eficientes, levando os aplicadores da lei sistematizada em um ordenamento jurídico a atuarem de modo casuístico e pragmático (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 45).

Tourinho Neto e Figueira Júnior (2011, p. 50-53) afirmam que no Brasil há diversas crises, são elas: a legislativa (processual e material); a do sistema jurídico (direito positivo); a institucional (judiciária-administrativa); a operacional (formação de profissionais do direito) e a jurisdicional. A crise jurisdicional se dá, basicamente, pela vagarosidade na prestação da tutela jurisdicional; pelo excesso de demandas; pela falta e, por vezes, ausência, de infra-estrutura; pela incompatibilidade do número de juízes e de serventuários e, finalmente, pela qualidade dúbia dos julgados (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 50-53).

4.2 FORMAS ALTERNATIVAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

As ADRs (Alternative Dispute Resolution) estão, segundo Tourinho Neto e Figueira Júnior (2011, p. 53-54):

[...] à disposição dos interessados de novos mecanismos de pacificação social, como também as formas de solução e composição das lides (v.g. arbitragem, mediação judicial e extrajudicial, conciliação, jurisdição especializada fundada no princípio da oralidade em grau máximo, incremento judicial-processual das audiências preliminares e/ou tentativa de autocomposicão, etc.).

Além do fato de o sistema incentivar as maneiras de solução de conflitos de forma

alternativa, como é o caso no foro extrajudicial, por exemplo, “[...] dos Conselhos de Contribuintes e Tribunais de Impostos e Taxas; Tribunais de Comércio, Desportivos, de Contas e de Arbitragem [...]”; na mediação com o juiz de paz em certos locais do país; na conciliação, inclusive depois de judicializado o conflito e; em situações de conflito já judicializado tem-se a jurisdição especializada e [...] o incremento judicial-processual das audiências preliminares e/ou tentativa de autocomposição [...]” (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 54).

A transação consiste em consentimentos recíprocos que previnem ou eliminam conflitos (FIGUEIRA JÚNIOR e LOPES, 2000, p. 76). A mediação, seja ela judicial ou

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extrajudicial, permite o encontro dos conflitantes com um mediador para que se busque uma solução amigável do conflito e capaz de resolvê-lo definitivamente. Pois o mediador procura permitir a conversa entre as partes, para que elas mesmas cheguem a uma saída e coloquem fim ao litígio (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 55).

Já na conciliação, “[...] o conciliador – não só aproxima as partes como ainda realiza atividades de controle das negociações, [...] apontando as vantagens ou desvantagens[...]” e formulando propostas buscando a autocomposição (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 55).

4.3 DESCENTRALIZAÇÃO DA JUSTIÇA E JURISDIÇÃO DIFUSA: CÂMARAS DE AUTOCOMPOSIÇÃO

A descentralização da justiça serve para tornar a justiça, tanto de fato como de direito, acessível a todas as pessoas. Descentralizando a justiça das comarcas para os municípios, mas sem deixar de respeitar os seguintes valores, consoante a Tourinho Neto e Figueira Júnior (2011, p. 62). : segurança (devido processo legal), tempo hábil (celeridade), justiça (atenção do julgado ao princípio da congruência – pedido e pronunciado – ao direito aplicável à espécie) e acessibilidade (proximidade entre o jurisdicionado e a jurisdição – a justiça deve estar onde o povo está).

Os Juizados Especiais visam a abertura de diversas vias de acesso ao Judiciário, evidenciam a descentralização da justiça, uma vez que a maioria das ações é resolvida na primeira audiência de forma conciliatória, a qual pode ser realizada pelo conciliador, pelo juiz leigo ou pelo juiz togado (MARTINS, 2006).

A jurisdição difusa, por meio das câmaras de autocomposição consistem em uma opção para a facilitação do acesso à Justiça de pessoas que encontram-se bairros mais distantes e/ou de difícil acesso (TOURINHO NETO e FIGUEIRA JÚNIOR, 2011, p. 63-64). 4.4 EFETIVIDADE DOS JUIZADOS ESPECIAIS: SUCESSO OU FRACASSO?

Analisar a efetividade dos Juizados Especiais como sendo um caso de sucesso ou de fracasso obtido pelo Poder Judiciário brasileiro, mister se faz entender o pensamento de Batista:

Como instituto de acesso à Justiça, a legislação brasileira conta com os Juizados Especiais, que surgiram da preocupação com a morosidade processual que atinge o sistema processual e a dificuldade, em certos casos, de acessá-lo. São tribunais especiais que têm finalidade de garantir direitos que tenham um valor pecuniário pequeno, transpassando as barreiras das custas judiciais e a delonga no procedimento ordinário. A característica dos juizados especiais é basicamente informal, envolvendo-os num caráter competente e rápido a realização do pleito jurisidicional (2010, 93-94).

Para se falar em efetividade dos Juizados Especiais, necessário se faz, primeiro,

definir efetividade, mesmo sem a existência de precisão conceitual do termo. Diante disto, com sob enfoque do Direito Constitucional tem-se que a efetividade consiste na realização do Direito, isto é, do desempenho concreto de sua função social, a consolidação das normas legais do dever-ser no mundo real. Já quanto à efetividade do processo ou da jurisdição, tem-se que consiste no direito do indivíduo que não poderá fazer justiça por suas próprias mãos, de provocar o Poder Judiciário para a solução de uma lide, exercendo seu direito de ação. Buscando a realização da justiça em um

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determinado fato concreto, tendo em vista que o processo não é o fim desejado pela parte, mas sim a solução de seus litígios (SILVA, 2012).

Desta forma, tem-se que a efetividade processual caracteriza-se por sua possibilidade de eliminação das insatisfações da comunidade, buscando a justiça com o cumprimento do direito e educando toda a sociedade. A efetividade tem relação com a celeridade, mas não se confundem, pois esta é apenas um aspecto daquela. Assim, quando a celeridade processual não for respeitada, a efetividade será prejudicada. Assim, a efetividade é tida como o fim maior do processo (SILVA, 2012).

É indispensável que o processo acarrete para as partes resultados justos e efetivos para a solução de conflitos e sossego de ânimos pela aplicação da norma jurídica a um caso concreto (AIRES, 2012).

Complementa que a efetividade dos Juizados Especiais pode ser tida como princípio implícito, tendo em vista que decorre dos demais e que pressupõe que o processo alcance resultados, tutelando direitos, e garantindo o proveito das decisões, isto é, alcançando o objetivo de solução de conflito com qualidade e quantidade.

Ao se verificar a prática do que acontece com a Lei 9.099 que se utiliza de uma redação destinada ao cumprimento de um processo rápido e não dispendioso, nota-se que a teoria não está sendo aplicada, pois o procedimento dos Juizados Especiais está tão demorado e caro como os da Justiça Comum.

Ou seja, o que a lei garante na teoria não ocorre na prática. Outros exemplos são a previsão de que, assim que registrado o pedido a Secretaria do Juizado agendará uma sessão de tentativa de conciliação a ser realizada a até quinze dias. Porém, na realidade ocorre extrema demora na designação da audiência conciliatória. Mais uma vez a lei não é observada na prática quando o magistrado deveria, na audiência de instrução e julgamento, ouvir às partes, colher as provas e proferida a sentença. Porém, não é isso que ocorre, fazendo do processo moroso e das partes descrentes no Poder Judiciário e, consequentemente, na Justiça.

“Em razão de não estudarem o método do juizado, muitos questionam o excesso de facilidade e a não leitura da lei dos Juizados Especiais” (ALVES DE MELO, SILVA E MOURA DE SOUZA, 2000, p. 16). Para Miranda Netto (2008, p. 193): “o Poder Judiciário tem prestado um grande serviço à população por meio dos Juizados Especiais, não obstante a lei tenha defeitos em inúmeros pontos [...]”. mas continua (p. 196), afirmando que “não que a lei seja rigorosa; mas é que alguns juízes optam por interpretá-la contra o cidadão, preferindo parar a marcha processual em razão de vício sanável, com a eliminação imediata dos autos, afrontando, sem dó, o princípio da informalidade”. Já para Martins (2006) a Lei 9.099 é mal compreendida e mal-aplicada, pois os “[...] juízes resolveram ordinarizar o procedimento [...] Não sentenciam em audiência, particionam a audiência de instrução e julgamento, admitem incidentes processuais incompatíveis com os critérios que a orientam”.

Complementa que é preciso analisar-se o processo, pois este serve para efetivação de direitos, desta forma, novas medidas devem ser tomadas, pois os Juizados foram criados para ampliar a possibilidade de solução de conflitos pelo Judiciário, mas está a caminho de tornar-se morosa assim como a Justiça Comum. Martins (2006) conclui que é notório que os fóruns e os tribunais estão entupidos de processos e que os Juizados Especiais diminuíram esse amontoamento, porém, com este novo sistema de acesso à Justiça, a procura pelo Poder Judiciário para a solução de controvérsias cresceu demasiadamente. Consequência disto é que o acesso à Justiça não engloba simplesmente a acessibilidade do Judiciário, mas sim o alcance de bons resultados e a expansão da tutela jurisdicional. Para Aires (2012):

A realidade atesta que os efetivos destinatários da Justiça não concebem o Poder Judiciário como legítimo guardião de seus direitos, na medida em que vêem,

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diuturnamente, seus direitos sonegados, seja por dificuldades financeiras que os impossibilitam arcar com as custas processuais, seja pelos anos ao longo dos quais os processos se arrastam pelos Tribunais, fazendo com que, ao final, se alcançarem o almejado acesso à Justiça, este não mais surtirá efeitos práticos, tendo em vista que a ausência de acesso impossibilita ao cidadão a real satisfação de seu direito, ao se resolver o conflito.

Aires (2012) acredita que a comunidade respondeu favoravelmente a esta nova forma de acesso à Justiça, chamada Juizados, pois vê nela possibilidade de solução de seus conflitos. Ainda mais pelo fato de que a lei que os regulamenta tem um valor social, tendo em vista que “[...] isenta de custas, a população, prezando pela conciliação e resolução do conflito em primeiro grau, uma vez que o Recurso, nos Juizados, é ato oneroso, demonstrou, mais uma vez, a preocupação em que a decisão seja proferida e efetivamente cumprida, dentro do menor tempo possível”. Permitindo a Justiça, já que torna os juízes mais próximos das partes, acarretando um melhor conhecimento sobre o litígio e a diminuição das dúvidas e dos erros de decisão.

“O grande problema é que não estamos preparados para a conciliação. Nossa formação jurídica é para discutir o processo em lugar de satisfazer o cidadão” (ALVES DE MELO, SILVA E MOURA DE SOUZA, 2000, p. 16). Os Juizados Especiais possuem, como forma de auxílio na sua efetivação e, principalmente, da efetivação dos direitos individuais e da promoção da cidadania, o aumento de sua cobertura, isto é, por intermédio de parcerias e convênios firmados com instituições de ensino superior, públicas e particulares. Por estas parcerias, tem-se o provimento da estrutura física para instalação das atividades do juizado e da atuação dos alunos do Curso de Direito supervisionados por seus professores (AIRES, 2012).

A efetividade do processo nos Juizados Especiais somente poderá ser concretizada quando realizar-se o processo obedecendo aos princípios enumerados pela Lei 9.099, colocando termo à insatisfação da população que buscou e confiou no Poder judiciário (SILVA, 2012). Desta forma, verificando-se que as funções do Poder Judiciário não são cumpridas dentro de um prazo razoável, nem tampouco com a qualidade desejada, chega-se a uma Justiça inacessível. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto no presente trabalho, verificou-se que o Poder Judiciário vive uma crise com diversos problemas, morosidade processual, baixa qualidade nos julgados, falta de espaços adequados à promoção da justiça, falta de informação às diferentes classes sociais quanto a seus direitos, etc. ou seja, nota-se que o acesso à Justiça, garantido pela Constituição, não vem sendo efetivado da forma como deveria. Mesmo com a criação dos Juizados Especiais, órgãos que possuíam como finalidade se aproximar do cidadão de mais baixa renda para que este tivesse acesso aos órgãos do Poder Judiciário, não vem cumprindo com as definições e com os mandamentos de sua lei de criação. Padecendo de problemas muito parecidos com os sofridos pela justiça Comum. Desta forma, vê-se que a cidadania, no que tange ao acesso a uma ordem jurídica, não vem sendo respeitada. Assim, ainda falta uma estrutura mais adequada para a promoção da Justiça a toda a população. Incentivando, de modo eficaz as formas alternativas de resolução de conflitos, como a conciliação, não apenas como o preenchimento de um requisito legal, mas como uma tentativa de mostrar às partes que a conciliação, além de ser mais barata, mais rápida, é mais eficiente para ambas as partes.

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CONCILIAÇÃO NO DIREITO COMPARADO.

PRINCIPAIS ASPECTOS RELACIONADOS À COMPOSIÇÃO DOS

INTERESSES EM LITÍGIO Simone Aparecida Barbosa Mastrantonio

______________________________________ Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA

Especialista em Direito do Trabalho pela AMATRA IX Graduada em Direito pela PUC-PR

Integrante do grupo de pesquisa “Tutela dos direitos da personalidade na atividade empresarial: os efeitos limitadores na constituição da prova judiciária” do Centro

Universitário Curitiba – UNICURITIBA Professor orientador: Doutor Luiz Eduardo Gunther

Joanna Vitoria Crippa ______________________________________

Especialista pela Universidade de Roma I, “La Sapienza - Università di Roma”/PUC Graduada em Direito pelo UNICURITIBA

Integrante do grupo de pesquisa “Tutela dos direitos da personalidade na atividade empresarial: os efeitos limitadores na constituição da prova judiciária” do Centro

Universitário Curitiba – UNICURITIBA Professor orientador: Doutor Luiz Eduardo Gunther

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RESUMO O presente artigo objetiva traçar uma linha comparativa entre o instituto da conciliação nos sistemas judiciário brasileiro e italiano. A conciliação surge como uma forma de solução alternativa de controvérsias, traduzindo-se numa via eficaz da resolução de conflitos. As normas da OIT representam os aspectos da visão internacional acerca desse instituto e, das quais, orienta-se o Brasil, na composição dos interesses em litígio. Palavras-chave: conciliação. direito comparado. normas da OIT.

1 INTRODUÇÃO

Os métodos alternativos de resolução de conflitos têm obtido enfoque nas discussões jurídicas brasileiras, devido ao elevado número de demandas judiciais e a impossibilidade de cumprimento ao princípio da celeridade processual (CF, art. 5º, LXXVIII)1.

Na análise do Direito Comparado, Brasil e Itália passam por momentos opostos no que tange aos métodos alternativos de resolução de conflitos, especialmente em relação à conciliação. É notória a influência do direito italiano no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, em decorrência da mudança social de cada país, as legislações acabaram por se direcionar em vertentes opostas, na medida em que a legislação brasileira passa a estabelecer normas sobre o tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, apenas nos dias atuais, quando tal normatização está deixando de fazer parte da legislação italiana.

Não obstante, procurar-se-á averiguar se a Itália, por intermédio de suas normas, consiste num exemplo ao direcionamento que o Brasil vier a utilizar sobre a composição dos interesses em litígio pela via da conciliação.

Objetiva-se, assim, traçar uma linha comparativa entre o instituto da conciliação nos sistemas judiciário brasileiro e italiano. Pretende-se, portanto, averiguar quais os caminhos e escolhas efetuadas por estes países no que diz respeito aos meios alternativos de resolução dos conflitos.

Com o intuito de delinear um panorama sobre a Conciliação no Brasil e na Itália, faz-se necessário proceder à evolução histórica da conciliação e delinear os aspectos da visão internacional acerca desse instituto, utilizando como base a Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo dos quais o Brasil faz parte e dela se orienta.

Na mesma esteira, mister realizar a distinção entre os principais meios alternativos de resolução de conflitos, a fim de viabilizar a análise dos institutos da conciliação, mediação, negociação e arbitragem nos países mencionados. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CONCILIAÇÃO NO BRASIL

De se notar que a partir da Resolução nº 125 do CNJ2, o instituto da conciliação

ganhou força no sistema jurídico brasileiro. Não obstante, sempre existiu, antes mesmo

1 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituições. Constituição de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constitui cao/Constituicao.htm>. Acesso em: 27 set. 2012. 2 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12243-resolucao-no-125-de-29-de-novembro-de-2010%3Cbr%3E>. Acesso em: 28 set. 2012.

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da independência, vez que as Ordenações Filipinas, no Livro 3º, T. 20, §1º,3 trazia norma estabelecendo expressamente acerca da conciliação:

E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despezas, e se sigam entre elles os ódios e dissensões, se devem concordar e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre he duvidoso(...)

Após a independência, na Constituição do Império de 18244, foi estabelecido no art. 161 que “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará Processo algum” e o artigo 162 complementava “Para esse fim haverá juiz de paz (...)”.

O Código de Processo Criminal de 18325 trouxe Disposição Provisória sobre a Administração da Justiça Civil, sendo a lei inspirada nas ideias liberais a que estavam imbuídos os homens que detinham o poder, com o objetivo de transformar o processo civil em um instrumento mais dúctil e menos complicado, com atos reduzidos e formalidades inúteis, bem como, de recursos excessivos.

A disciplina do cargo de Juiz de Paz surgiu com a Lei de 15 de outubro de 18276, que criava em cada uma das “freguezias” e das “capellas” curadas por um Juiz de Paz e suplente, seguida da lei de 1º de outubro de 18287, que dá nova forma às Câmaras Municipais, marca suas atribuições e o processo para a sua eleição, e dos Juízes de Paz.

No entanto, o instituto dos juízes de paz foi objeto de intensa disputa entre liberais e conservadores. Aos juízes de paz foram atribuídas tantas funções, inclusive jurisdicionais, o que favorecia as intenções descentralizadoras dos liberais. Porém, os conservadores reagiram e em 03 de dezembro de 18418 foi promulgada a Lei que reformou o Código de Processo Criminal e esvaziou as atribuições do juiz de paz.

O Regulamento n. 737, de 18509, que determinava a ordem do Juízo no processo Comercial, em seu artigo 23, disciplinava a conciliação. Mas, o Decreto 359, de 26 de abril de 189010, editado por Marechal Deodoro da Fonseca, aboliu a conciliação como

3 WATANABE, Kazuo. Política Publica do Poder Judiciário Nacional para Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. In Conciliação e Mediação: Estruturação da política judiciária nacional. Coord. Ministro Antonio Cezar Peluso e Morgana de Almeida Richa. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 4-9. 4 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituições. Constituição de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 28 set. 2012. 5 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. BRASIL. Lei de 29 de novembro de 1832. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-29-11-1832.htm>. Acesso em: 27 set. 2012. 6 BRASIL. Câmara dos Deputados. Atividade Legislativa. Lei de 15 de outubro de 1827. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1827. p.67. vol. 1 pt. I (Publicação Original). Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38396-15-outubro-1827-566688-norma-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2012. 7 BRASIL. Câmara dos Deputados. Atividade Legislativa. Lei de 1 de outubro de 1828. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1828. vol. 2 (Publicação Original). Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-35062-1-outubro-1828-532606-norma-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2012. 8 BRASIL. Câmara dos Deputados. Atividade Legislativa. Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1841. p.101. vol. pt I (Publicação Original). Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-261-3-dezembro-1841-561116-norma-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2012. 9 BRASIL. Câmara dos Deputados. Atividade Legislativa. Decreto n. 737, de 25 de novembro de 1850. Coleção de Leis do Império do Brasil – 1850, p.271 vol. 1 pt. II (Publicação Original). Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-737-25-novembro-1850-560162-publicacaoor iginal-82786-pe.html>. Acesso em: 20 out. 2012. 10 BRASIL. Câmara dos Deputados. Atividade Legislativa. Decreto n. 359, de 26 de abril de 1890. Coleção de Leis do Brasil – 1890. p.684. vol. 1 fasc. IV (Publicação Original). Disponível em:

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formalidade preliminar ou essencial para serem intentadas ou prosseguirem as ações cíveis.

Segundo Francisco Osani De Lavor11, o Decreto n. 1.073, de 1907, criava mecanismos de solução de conflitos de trabalho, mediante a arbitragem praticada por intermédio dos sindicatos. Ainda, o Decreto 22.132, de 1932, que instituiu as juntas de conciliação e julgamento, possibilitava a arbitragem facultativa para dissídios individuais e, arbitragem obrigatória, em alguns casos. Em 1983, o Decreto 88.984, criou uma arbitragem pública facultativa, junto às Delegacias Regionais do Trabalho, por meio dos Conselhos Federais e Regionais de Relações de Trabalho e do Serviço Nacional de Mediação e Arbitragem.

Com o advento da Constituição Cidadã o acesso à justiça tornou-se fator imprescindível para as relações sociais, disposto no artigo 5º, inciso XXXV da referida Magna Carta de 198812, trouxe também no artigo 98, inciso II, a tutela da Justiça de Paz, remunerada, eleita e temporária, o que demonstra a busca por uma maior participação política dos cidadãos.

O artigo 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal de 198813, expressamente faz alusão aos mecanismos extrajudiciais de composição de interesses controvertidos, possibilitando a eleição de árbitros e a solução dos conflitos coletivos, via arbitragem, antes do ajuizamento da ação coletiva.

A Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/93)14, em seu art. 83, XI, instituiu a possibilidade do Ministério Público do Trabalho atuar como árbitro nos dissídios de competência da Justiça do Trabalho.

De se notar, ainda que a Lei 9.307/9615 objetiva incrementar a utilização da arbitragem em questões civis e comerciais.

Vale ressaltar a existência da instituição e implementação de uma política pública adequada de tratamento de conflitos de interesses, adotada pela Resolução n. 125 do CNJ16, em que essa supõe cuidados com critério técnico-científico na organização do serviço de solução conciliada dos conflitos com a formação de um quadro de mediadores/conciliadores, adequadamente preparados, e instalação obrigatória, em todo o país, de setores de conciliação/mediação. Objetiva criar uma nova cultura na sociedade brasileira, ou seja, a negociada e amigável dos conflitos de interesses. Com esse breve histórico, é possível observar que no Brasil existia a obrigatoriedade da proposta conciliatória, mas que, por circunstâncias políticas e sociais foi extinta. Atualmente, denota-se a retomada, não da sua obrigatoriedade, mas a necessidade de utilização de meios alternativos para a resolução de conflitos, dentre os quais a

<http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-359-26-abril-1890-506287-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 27 set. 2012. 11 DE LAVOR, Francisco Osani. Formas alternativas de solução dos conflitos individuais. GENESIS - Revista de Direito do Trabalho. p.171-181. Curitiba: Genesis, fev./1999. p.176/177. 12 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituições. Constituição de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 27 set. 2012. 13 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Constituições. Constituição de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 27 set. 2012. 14 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Leis. Lei Complementar 75 de 20 de maio de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm>. Acesso em: 22 out. 2012. 15 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Leis. Lei 9307 de 23 de setembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9307.htm>. Acesso em: 22 out. 2012. 16 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/323-resolucoes/12243-resolucao-no-125-de-29-de-novembro-de-2010%3Cbr%3E>. Acesso em: 28 set. 2012.

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conciliação, que visa uma cultura de pacificação, com a solução do litígio de maneira mais célere, menos dispendiosa e amigável. 3 NORMAS DA OIT RELACIONADAS À CONCILIAÇÃO

As Organizações Internacionais consistem numa forma institucionalizada de cooperação pacífica entre os Estados-Membros e visam alcançar objetivos comuns.17 A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agência multilateral vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) e especializada nas questões do trabalho. Possui representação paritária de governos dos Estados-Membros e de organizações de empregadores e de trabalhadores. De se notar que, segundo Luiz Eduardo Gunther, as Convenções da OIT constituem-se em um tratado-lei de caráter multilateral, porquanto muitos Estados podem aderir a uma Convenção. Assim, equivalem a um tratado firmado entre Estados.

É um tratado-lei porque desse documento emanam normas jurídicas de caráter geral, aplicáveis indefinidamente em todos os Estados que a ela aderirem, vale dizer, não se criam normas jurídicas particulares suscetíveis de esgotar-se por sua só aplicação em um caso concreto.18

Já, as Recomendações da OIT possuem um caráter acessório, podendo servir de complemento a uma Convenção, mas sem a obrigatoriedade constante dos termos dessa última. É utilizada quando a matéria tratada não será imediatamente adotada como uma Convenção, servindo para abrir caminho e posterior adoção de uma Convenção a respeito. Desse modo, as Recomendações consistem em simples sugestões direcionadas aos Países-Membros.

As Convenções distinguem-se das Recomendações porque aquelas, quando ratificadas pelo Brasil, constituem-se em autênticas fontes formais de direito, sendo instrumentos que criam obrigações jurídicas ao serem ratificadas, ao passo que as Recomendações, aprovadas pela OIT, atuam somente como fontes materiais de direito, na medida em que não estão abertas à ratificação e são utilizadas apenas como orientação para a atividade legislativa.19

No que diz respeito ao instituto da conciliação, a Organização Internacional do Trabalho, que sempre se preocupou com as técnicas de negociação coletiva nos conflitos coletivos do trabalho, desenvolveu importantes documentos diretamente ligados à conciliação, dentre eles, a Recomendação n. 9220, convocada em 29 de junho de 1951, a Recomendação n. 16321, convocada em 19 de junho de 1981 e a Convenção n. 15422, convocada em 3 de junho de 1981.

17 GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o direito do trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2011. p.21. 18 GUNTHER, op. cit., p.50. 19 GUNTHER, op. cit., p.51. 20 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Recomendação n. 92 da OIT, adotada em Genebra no dia 29 de junho de 1951. R092 - Recomendación sobre la conciliación y el arbitraje voluntarios, 1951 (núm. 92). Recomendación sobre la conciliación y el arbitraje voluntarios Adopción: Ginebra, 34ª reunión CIT (29 junio 1951) - Estatus: Solicitud de información (Convenios Técnicos). Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P121 00_INSTRUMENT_ID:312430:NO>. Acesso em: 28 set. 2012. 21 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Recomendação n. 163 da OIT, adotada em Genebra no dia 19 de junho de 1981. R163 - Recomendación sobre la negociación colectiva, 1981 (núm. 163). Recomendación sobre el fomento de la negociación colectiva Adopción: Ginebra, 67ª reunión CIT (19 junio 1981) - Estatus: Instrumento actualizado (Convenios Técnicos). Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312501:NO>. Acesso em: 28 set. 2012.

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De se notar que tanto as Recomendações n. 92 e n. 163 quanto a Convenção n. 154 preconizam o uso do instituto da conciliação como forma de solução de conflitos judiciais.

A Recomendação n. 92 diz respeito ao primeiro instrumento normativo internacional diretamente voltado à conciliação e à arbitragem voluntárias, orientando o estabelecimento de organismos específicos para essa finalidade, em âmbito nacional “com objetivo de contribuir à prevenção e à solução dos conflitos de trabalho entre empregadores e trabalhadores, estimulando às partes para que se abstenham de recorrer a greves e lock outs”,23 enquanto perdurar o procedimento da conciliação bem como, para que elas aceitem o laudo arbitral, em atenção ao disposto no item II.6.

Importante notar que referida Recomendação n. 92 serve de orientação para o desenvolvimento das Comissões de Conciliação Prévia – CCPs -, para o auxílio do Poder Judiciário na resolução dos conflitos, reduzindo demandas e dando celeridade processual. O artigo 1º determina que deverão ser estabelecidos organismos de conciliação voluntária, “apropriados às condições nacionais, com o objetivo de contribuir para a prevenção e solução dos conflitos de trabalho entre empregadores e trabalhadores”. Seguido pelo artigo 2º que dispõe acerca da representação paritária de empregadores e trabalhadores bem como, que o procedimento deveria ser livre de encargos, e com prazo para a duração determinado, fixado antecipadamente pelas leis nacionais, porém não deixando de se ater a um prazo curto, e próximo do mínimo necessário.

De acordo com Ludmila Feilenberger de Oliveira Martins, em sua dissertação de mestrado, tal Recomendação foi acatada pelo Brasil e por vários outros países-membros da OIT. “Mas, o modelo adotado de organismos de conciliação voluntária não foi idêntico em todos os países. O Brasil adotou as CCPs, mas outros países adotaram a mediação ou a arbitragem”.24

Ressalta-se, no entanto, no Brasil, após o julgamento do Supremo Tribunal Federal, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº. 2139 e nº 2160, as CCPs perderam sua eficácia e não são mais utilizadas. Porém, observa-se a crescente inserção da mediação e arbitragem no sistema.

A Recomendação n. 163 trata da utilização de métodos para fomentar a negociação coletiva e, especialmente no item 8, estabelece a necessidade de serem adotadas, em caráter voluntario, medidas adequadas à composição dos interesses das partes litigantes.

A Convenção n. 154 estabelece o regramento das negociações coletivas e incentiva maiores esforços na aplicação de suas normas. Releva observar, que o artigo 4º da Convenção n. 154 explicita as formas e métodos de sua utilização, aplicadas por meio da legislação nacional e o artigo 6o protege a negociação coletiva efetuada por meio de

22 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Recomendação n. 154 da OIT, adotada em Genebra no dia 3 de junho de 1981 e com entrada em vigor no dia 11 de agosto de 1983. C154 - Convenio sobre la negociación colectiva, 1981 (núm. 154). Convenio sobre el fomento de la negociación colectiva (Entrada en vigor: 11 agosto 1983) Adopción: Ginebra, 67ª reunión CIT (03 junio 1981) - Estatus: Instrumento actualizado (Convenios Técnicos). Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312299:NO>. Acesso em: 28 set. 2012. 23 KOLLER, Carlos Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. Conciliação no Direito Comparado e seus Aspectos Sociais e Econômicos. Revista Eletrônica do TRT da 9. Região. Conciliação, 7. ed. maio, 2012. p.60. 24 MARTINS, Ludmila Feilenberger de Oliveira. As Comissões de Conciliação Prévia no Brasil sob a perspectiva da Recomendação nº 92 da Organização Internacional do Trabalho e uma análise comparativa dos modelos Latinoamericanos e da União Européia. Defesa da tese em 17-08-2009. Biblioteca digital. PUC Goiás. Sistema de Publicação Eletrônica de Teses e Dissertações – TEDE. Disponível em: <http://tede.biblioteca.ucg.br/tde_busca/processaPesquisa.php?listaDetalhes%5B%5D=702&processar=Processar>. Acesso em 10 out. 2012.

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mecanismos ou instituições de conciliação ou de arbitragem, nos quais as partes venham a participar de forma voluntária.25

Referida Convenção reafirma a passagem da Declaração da Filadélfia (norma que complementa a Constituição da OIT), que se reconhece a obrigação solene da OIT em fomentar, entre todos os Estados, programas que possam alcançar o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, e levando em consideração que tal princípio é plenamente aplicável a todas as nações do mundo.

Assim, os países-membros que celebrarem referida Convenção deverão empreender esforços para adotar meios necessários às condições nacionais visando fomentar a negociação coletiva.

Observa-se, que por intermédio da Convenção 154, de 1981, foram estabelecidos os princípios do reconhecimento da representatividade e legitimação bem como, o incentivo para as partes estabelecerem um processo de comunicação, orientado para o fim de se conciliar.

No que tange à ratificação desta Convenção Internacional pelos países aqui analisados, verifica-se que o Brasil26 a ratificou em 10 de julho de 1992, não tendo sido ratificada pela Itália27. 5 MODALIDADES DA CONCILIAÇÃO NO DIREITO COMPARADO. BRASIL

E ITÁLIA

Os conflitos judiciais podem ser solucionados tanto na esfera individual, por meio

da arbitragem, como no âmbito coletivo, por intermédio da mediação. Há formas autocompositivas de solução de litígios, dentre os quais a conciliação e

a mediação, quanto formas heterocompositivos de resolução de conflitos, dentre eles a arbitragem e a decisão judicial.28

A arbitragem, de todas as formas alternativas para solução de conflitos, é a que mais se aproxima do litígio judicial e pode ser definida, segundo Osvaldo Alfredo Gozaíni, como um método ou técnica pelo qual se busca resolver extrajudicialmente diferenças existentes entre os litigantes, por meio de um terceiro, que decide a questão conflituosa.29 Denota-se, na delimitação da arbitragem, o caráter privado, a ausência de intervenção

25 BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Decretos. Decreto nº 1.256, de 29 de setembro de 1994. Promulga a Convenção nº 154, da Organização Internacional do Trabalho, sobre o Incentivo à Negociação Coletiva, concluída em Genebra, em 19 de junho de 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D1256.htm>. Acesso em 22 out. 2012. 26 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 154 da OIT, adotada em Genebra no dia 3 de junho de 1981 e com entrada em vigor no dia 11 de agosto de 1983. C154 - Convenio sobre la negociación colectiva, 1981 (núm. 154). Convenio sobre el fomento de la negociación colectiva (Entrada en vigor: 11 agosto 1983) Adopción: Ginebra, 67ª reunión CIT (03 junio 1981) - Estatus: Instrumento actualizado (Convenios Técnicos). Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:11300:0::NO:::>. Acesso em: 28 set. 2012. 27 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 154 da OIT, adotada em Genebra no dia 3 de junho de 1981 e com entrada em vigor no dia 11 de agosto de 1983. C154 - Convenio sobre la negociación colectiva, 1981 (núm. 154). Convenio sobre el fomento de la negociación colectiva (Entrada en vigor: 11 agosto 1983) Adopción: Ginebra, 67ª reunión CIT (03 junio 1981) - Estatus: Instrumento actualizado (Convenios Técnicos). Disponível em: <http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:11310:0::NO:11310:P11310_INSTRUMENT_ID:312299:NO>. Acesso em: 28 set. 2012. 28 LORENTZ, Lutiana Nacur. Métodos extrajudiciais de solução de conflitos trabalhistas: comissões de conciliação prévia, termos de ajuste de conduta, mediação e arbitragem. São Paulo: LTr, 2002. p.37. 29 GOZAÍNI, Osvaldo Alfredo. Formas alternativas para la resolución de conflictos. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1995. p.17.

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estatal, porém resultando em uma decisão com eficácia de sentença judicial. Esta resolução é imperativa para as partes e denomina-se laudo ou sentença arbitral.

As próprias partes litigantes podem decidir por se submeterem à arbitragem, voluntariamente, chamada de arbitragem convencional, autônoma ou livre, ou por assim estar disposto na legislação, obrigando-as, de forma compulsória, após o fracasso de outras tentativas de composição do litígio, denominada de arbitragem obrigatória, imperativa ou legal.30

O instituto da arbitragem representa uma função jurisdicional, no momento em que o terceiro soluciona o conflito, as partes têm suas vontades substituídas, mesmo sendo o árbitro uma pessoa eleita, pelas próprias partes, para resolver o litígio. No entanto, apontam Adriana Caetana dos Santos e Gabriela Maia Rebouças31, que há quem entenda que se trata de um sistema autocompositivo de resolução, na medida em que há, logo no início, um acordo entre as partes para a escolha do sistema usado, incluindo o direito aplicado e a espécie de juízo a ser proferido, de direito ou de equidade.

Em relação à conciliação e a mediação, as diferenças são mais sutis e até mesmo em muitos países não há distinção entre um e outro.

Para Francisco Osani de Lavor32, a “conciliação é a mais praticada, de forma ‘voluntária’. Trata-se de forma pacífica de se dirimirem as controvérsias, tanto individuais quanto coletivas”.

A mediação, conceituada por Juan Carlos Vezzulla33, é uma técnica de resolução alternativa dos conflitos, de modo não adversarial, em que o profissional devidamente formado, auxilia as partes a procurarem seus verdadeiros interesses e a preservá-los, em um acordo no qual as duas partes venham a obter vantagens positivas.

Roberto Portugal Bacellar34 explica que:

A conciliação em um dos prismas do processo civil brasileiro é opção mais adequada para resolver situações circunstanciais, como uma indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrentes de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem conduzido permite a manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante e depois da discussão da causa.

Impende notar que a solução encontrada na mediação, “na maior parte das vezes, é mais benéfica, mais eficaz, mais duradoura e mais aceita pelos querelantes do que a solução judicial” 35.

Na conciliação ressalta-se a voluntariedade e preferência do instituto, no qual o conciliador é mais atuante, propondo a solução para a controvérsia, ao passo que a mediação tem por característica principal a intervenção de um terceiro, qual seja, o

30 AMARAL, Lídia Miranda de Lima. Mediação e arbitragem: uma solução para os conflitos trabalhistas no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p.25-26. 31 DOS SANTOS, Adriana Caetana. REBOUÇAS, Gabriela Maia. Cultura Jurídica da Conciliação no Judiciário Brasileiro: algumas inferências sobre o movimento pela conciliação do CNJ a partir de dados da Justiça Federal em Sergipe. In Anais do [Recurso eletrônico] / XX Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 897-913. 32 DE LAVOR, op. cit., p.172. 33 VEZZULA, Juan Carlos, Teoria e prática da mediação. Curitiba: Instituto de Mediação, 1995. p.15. 34 BACELLAR, Roberto Portugal. O poder judiciário e o paradigma da guerra na solução dos conflitos in Conciliação e mediação: estruturação da política judiciária nacional. Coord. Morgana de Almeida Richa e Antonio Cezar Peluso – Rio de Janeiro: Forense, 2011. p.35-36. 35 DE LAVOR, op. cit., p.175.

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mediador. Assim, na mediação a decisão é obtida pelas próprias partes, com a ajuda de terceiro, estranho às partes em litígio. O terceiro auxilia as partes a elas mesmas acharem a solução para o conflito. De se notar, que esse terceiro neutro não fornece, como na arbitragem e conciliação, nenhuma decisão de mérito, sua verdadeira virtude consiste na condução das partes ao diálogo.

No anteprojeto do Código de Processo Civil brasileiro, há a inserção da figura conciliatória, inclusive, na exposição dos motivos36 de sua elaboração, é demonstrada a intenção:

Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz. Como regra, deve realizar-se audiência em que, ainda antes de ser apresentada contestação, se tentará fazer com que autor e réu cheguem a acordo. Dessa audiência, poderão participar conciliador e mediador e o réu deve comparecer, sob pena de se qualificar sua ausência injustificada como ato atentatório à dignidade da justiça. Não se chegando a acordo, terá início o prazo para a contestação.

É suprida a lacuna existente no nosso Código de Processo Civil em vigor, conceituando e disciplinando a conciliação e mediação, do artigo 134 ao artigo 144, do anteprojeto do Código de Processo Civil.

Observa-se a crescente importância que se dá à conciliação e mediação, principalmente vinculada ao Poder Judiciário, na medida em que as disposições normativas, por exemplo, possibilitam que cada tribunal crie um setor de conciliação e mediação, com o controle dos conciliadores e mediadores habilitados, causas de exclusão e impedimento.

Ainda, no artigo 33337 do anteprojeto do Código de Processo Civil, se a petição inicial preencher os requisitos essenciais, o juiz designará a audiência de conciliação, com antecedência mínima de quinze dias e o prazo da contestação, nos termos do artigo 334, será de quinze dias, a partir da realização da referida audiência38.

Na Europa, destaca-se a arbitragem italiana, porquanto dividida em ritual, seguindo as normas processuais civis (Código Processual Civil italiano de 1940) e em não ritual, com forma livre, possuindo natureza e efeitos contratuais. Contudo, a Itália também possui o Decreto Legislativo n.º 51/199839, destinado a regulamentar a conciliação.40

36 BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. p.381. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 22 out. 2012. 37 BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Artigo 333. p.122. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 22 out. 2012. 38 BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto / Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. – Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010. Artigo 334. p.122. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf>. Acesso em: 22 out. 2012. 39 ITÁLIA. Parlamento Italiano. Camara dei deputati. Decreto Legislativo 19 febbraio 1998, n. 51. "Norme in materia di istituzione del giudice unico di primo grado" pubblicato nella Gazzetta Ufficiale n. 66 del 20 marzo 1998 - Supplemento Ordinario n.48 (Rettifica G.U. n. 229 del 1° ottobre 1998). Disponível em: <http://www.parlamento.it/parlam/leggi/deleghe/98051dl.htm>. Acesso em: 29 set. 2012.

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Assim, na Itália, a conciliação tinha previsão no Decreto Legislativo n.º 51/1998, o qual previa a obrigatoriedade da tentativa conciliatória antes do ajuizamento das ações, portanto, figurava como um requisito para a admissibilidade da inicial. Porém esse instituto foi revogado pela Lei n.º 183 de 04 de novembro de 201041, quando, então, a conciliação passou a ser tratada de modo facultativo.

São quatro, além da judicial, as principais formas de soluções de conflitos, encontradas no Direito Italiano: mediação, a conciliação, a arbitragem e a comissão de investigação.42

Ressalta-se que a previsão legal da Itália, acerca da solução de conflitos, está basilarmente na sua Constituição de 1947, em seus artigos 3º, 4º, 35, 41, 44, 4643, e a mediação não aparece diretamente, através do artigo 23, letra ‘d, do Decreto do Presidente da Republica nº 520, de 19 de março de 1955 e o artigo 12, parágrafo primeiro, da Lei nº 628, de 22 de julho de 1961.

Convém diferenciar que a conciliação na seara trabalhista do Direito Italiano é possível em três modalidades: Conciliação extrajudicial, regulado pelo Código de Processo Civil, em seu artigo 410 e seguintes44; Conciliação “monocrática”, regulada pelo artigo 11 do Decreto Legislativo n. 124/200445; e a Conciliação sindical, prevista no contrato ou acordo sindical.

Descreve, Wagner D. Giglio46, que na Itália foi enfatizada a tentativa prévia de conciliação, desde a lei sobre os Probiviri, de 15 de junho de 1893 (arts. 8º e 10). Faz uma retrospectiva da evolução da conciliação na Itália e explica que, na época do fascismo, vedava-se ingressar em juízo sem denúncia anterior do litígio à entidade sindical, sendo este entendimento retomado no período pós-Guerra, em que se valorizava a autonomia sindical, mas, o Código de Processo Civil prevalecia e nos contratos coletivos, eram inseridas cláusulas que previam que:

La domanda giudiziale concernente controversie che dovessero sorgere nell’applicazione del presente contratto e nello svolgimento del rapporto di lavoro è improcedibile se precedentemente la controversia stessa non sia stata sottoposta all’esame delle competenti Associazioni degli Industriali e dei lavoratori per

esperire il tentativo di conciliazione delle parti (...).47

40 KOLLER, Carlos Eduardo. VILLATORE, Marco Antônio César. Conciliação no Direito Comparado e seus Aspectos Sociais e Econômicos. Revista Eletrônica do TRT da 9. Região. Conciliação, 7. ed. maio, 2012. p.58. 41 ITÁLIA. Codice di procedura civile, agg. al 09.12.2011, G.U. 28.10.1940. Pubblichiamo il testo coordinato del codice di procedura civile aggiornato con le successive modifiche ed integrazioni legislative. Regio Decreto 28 ottobre 1940, n. 1443. Disponível em: <http://www.altalex.com/index.php?idnot=33723>. Acesso em: 22 out. 2012. 42 VILLATORE, Marco Antônio César. Mediação na solução de conflitos de trabalho e o direito comparado. CMMA/SP. Câmara Metropolitana de Mediação e Arbitragem do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.arbitragemsantos.com.br/conteudo/artigos021.htm>. Acesso em: 22 out. 2012. 43 ITÁLIA. Senato della Repubblica. Costituzione della Repubblica Italiana. Disponível em: <http://www.senato.it/documenti/repository/costituzione.pdf>. Acesso em: 10 out. 2012. 44 ITÁLIA. Codice di procedura civile, Libro II, Titolo IV, agg. al 22.10.2012. Disponível em: <http://www.altalex.com/index.php?idnot=33739>. Acesso em: 22 out. 2012. 45 ITÁLIA. Parlamento Italiano. Camara dei deputati. Decreto Legislativo 23 aprile 2004, n. 124. "Razionalizzazione delle funzioni ispettive in materia di previdenza sociale e di lavoro, a norma dell'articolo 8 della legge 14 febbraio 2003, n. 30" pubblicato nella Gazzetta Ufficiale n. 110 del 12 maggio 2004. Disponível em: <http://www.parlamento.it/parlam/leggi/deleghe/04124dl.htm>. Acesso em: 10 out. 2012. 46 GIGLIO, Wagner. A conciliação nos dissídios individuais do trabalho. Porto Alegre: Síntese, 1997. p. 20-22. 47 Tradução livre: “processos relativos a litígios que possam surgir no presente contrato e no curso de emprego declinam a competência, se o litígio não for previamente apresentado às Associações Industriais e trabalhadores competentes para a tentativa de conciliação entre as partes (...)” GIGLIO, op. cit., p. 20-22

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A Conciliação Extrajudicial no Direito Italiano foi alterada quando entrou em vigor a Lei n. 183 de 04 de novembro de 201048, anteriormente a essa lei era obrigatório e condição constitutiva de admissibilidade da ação intentada perante a justiça do trabalho, ou seja, deveria ser comprovado a tentativa conciliatória para a inicial ser admitida, caso contrário o juiz apenas daria prosseguimento ao feito após a realização da tentativa conciliatória.

Assim, o entendimento predominante até o ano de 2010 era de que propor conciliação antes da interposição de medida judicial era requisito obrigatório para o recebimento da petição inicial, no entanto, o novo Código de Processo Civil italiano, passou a estabelecer que a tentativa conciliatória sindical passou a ser facultativa, mesmo havendo expressa previsão da obrigatoriedade no contrato coletivo.

Também foram instituídas as “comissões provinciais”, em todas as províncias italianas, compostas pelo diretor do escritório provincial do trabalho, ou de um seu delegado, quatro membros efetivos e quatro suplentes dos empregadores, e em igual número de representantes trabalhadores, funcionando com o presidente e um representante de cada classe, no mínimo.

Convém ressaltar, que a possibilidade de conciliar perante esse órgão é uma alternativa à intervenção sindical e à discussão perante o órgão judicial, havendo uma conciliação frutífera, lavra-se o termo, pelo qual, o pretor, a requerimento de qualquer das partes, empresta força executiva por decreto.

Assim, nos dias atuais, as disposições do art. 410 do novo Código de Processo Civil italiano49, estabelece a possibilidade da tentativa conciliatória, antes obrigatória, entendida como uma espécie de condição para a propositura da ação. Impende notar que a entidade sindical ainda pode tentar conciliar as partes, com ou sem previsão em norma coletiva, somente tal diligência não pode mais ser exigida como requisito para a interposição da medida judicial.

5 CONCLUSÃO

No Brasil, bem como, na Itália, a conciliação vêm sendo discutida, porquanto em ambos os países está havendo um sobrecarga de demandas judiciais e a cultura conciliatória é pouco desenvolvida.

A análise efetuada neste artigo permitiu constatar que, atualmente, no Brasil, estão sendo desenvolvidos meios com vínculos mais estreitos ao Poder Judiciário para a conciliação e mediação, ainda que, na maioria das vezes, não seja realizada por um juiz togado, basta notar a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, a criação de núcleos de conciliação nos Tribunais, e a proposta de reforma do Código de Processo Civil, quanto a ser inserida, antes da apresentação da contestação, a audiência de conciliação.

Já, na Itália, marcada pela obrigatoriedade da conciliação antes da propositura da ação judicial, se assim estivesse previsto no Acordo Coletivo, passou por uma ruptura e com a reforma legislativa de 2010, essa obrigatoriedade, não mais pode ser exigida.

Enquanto o Brasil pretende a inserção da cultura conciliatória, por meio de Núcleos de Conciliação, a Itália direciona-se pela exclusão dessa obrigatoriedade.

48 ITÁLIA. Codice di procedura civile, Libro II, Titolo IV, agg. al 25.11.2011. Disponível em: <http://www.camera.it>. Acesso em: 10 out. 2012. 49 ITÁLIA. Codice di procedura civile, agg. al 09.12.2011, G.U. 28.10.1940. Pubblichiamo il testo coordinato del codice di procedura civile aggiornato con le successive modifiche ed integrazioni legislative. Regio Decreto 28 ottobre 1940, n. 1443. Disponível em: <http://www.altalex.com/index.php?idnot=33723>. Acesso em: 22 out. 2012.

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Culturalmente, há uma desconfiança da resolução de litígios que não sigam a via comum, por intermédio do Poder Judiciário. Não obstante, verifica-se que o direito contemporâneo direciona-se ao estímulo da composição de litígios pela via conciliatória, visando a melhor maneira de atendimento aos interesses de sua população.

Denota-se, assim, que a composição dos interesses em litígio precisa ser mais utilizada, melhor compreendida e mais difundida entre os países, necessitando de maior estímulo, com vistas à rápida solução das controvérsias.

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APLICAÇÃO DA RESERVA DO ARTIGO 96

DA CISG PELO ÁRBITRO INTERNACIONAL

THE RESERVATION UNDER ARTICLE 96 OF THE CISG

AND ITS APPLICATION BY THE INTERNATIONAL ARBITRATOR

Felipe Hasson

______________________________________ Advogado sócio de Hasson Advogados

Professor de Direito Internacional Privado e Mediação e Arbitragem do UNICURITIBA e da UTP-PR

Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia Doutorando em Contratos Internacionais pela Universidad de Buenos Aires

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RESUMO A ratificação recente pelo Brasil da Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980 (CISG) traz à lume novas discussões para os doutrinadores brasileiros. A questão da aplicação da reserva do artigo 96 é ainda hoje controversa tanto na doutrina como na jurisprudência internacional. Ainda, a aplicabilidade da reserva deve ser analisada não somente do ponto de vista do juiz nacional, mas também, e principalmente do arbitro internacional, que muitas vezes se verá confrontado com esta questão. Palavras-chave: CISG, direito internacional privado, arbitragem internacional, contratos internacionais, lex contractus, ordem pública internacional, normas imperativas,vinculação do árbitro.

ABSTRACT The recent ratification of the 1980 Vienna Convention on International Sale of Goods (CISG) brings to light new discussions for brazilian scholars. The question regarding the application of article 96’s reservation is still to this Day controversial between scholars and also in international case Law. Moreover, the applicability of the reservation must be analyzed not only from a national judge’s point of view, but also from the international arbitrator perspective, who might be confronted with such issue many times. Keywords: CISG, private international law, international arbitration, international contracts, lex contractus, public policy, mandatory rules, arbitrator’s binding. 1 INTRODUÇÃO

A Convenção de Viena sobre Compra e Venda Internacional de Mercadorias de 1980 (CISG) foi recentemente aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro, e a partir do dia 1o de abril de 2014, passará a fazer parte do ordenamento jurídico pátrio. Com ela, algumas novidades irão vigorar com relação à contratação internacional, e cenários desconhecidos dos brasileiros certamente surgirão.

Dado este pano de fundo, uma questão que se apresenta controversa com relação à CISG diz respeito à reserva prevista no seu artigo 96, que permite aos países que optarem por declará-la, exigirem que os contratos firmados por pessoas que tenham seus locais de negocio (estabelecimento comercial ou residência) no país contratante, sejam necessariamente realizados na forma escrita, não se permitindo portanto a contratação, modificação ou término do contrato pela via oral.

A questão da reserva do artigo 96 traz à baila diversos aspectos que devem ser considerados, com relação à sua aplicação, seja por cortes nacionais ou por tribunais arbitrais internacionais, e a abordagem de cada um será baseada em diferentes pressupostos, dada a diferença na natureza do poder jurisdicional estatal e o poder conferido ao árbitro ou tribunal arbitral.

O presente artigo busca elucidar as opiniões doutrinárias a respeito do âmbito de aplicação da reserva, bem como analisar casos onde a aplicação desta reserva se deu de maneiras diferentes, buscando ao final determinar: a) a natureza da reserva como norma de aplicação imediata ou de ordem pública; e b) a vinculação do arbitro internacional à aplicação do disposto na reserva.

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2 A RESERVA DO ARTIGO 96 E A SUA NATUREZA COMO NORMA DE APLICAÇÃO IMEDIATA OU DE ORDEM PUBLICA

O problema do 20o. Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot, trouxe

aos competidores a questão da aplicação ou não da reserva do artigo 96 da CISG, em um contrato governado por esta, onde as partes, pelo princípio da autonomia da vontade, haviam eleito a Convenção para reger o contrato (Lex contractus ou proper Law), excluindo expressamente a aplicação de qualquer reserva nacional oposta pelos Estados.

A controvérsia relativa à competição se foca em dois pontos: 1) por um lado, as partes na arbitragem teriam autonomia para eleger uma lei parcialmente, como regras (rules of Law), e portanto com a possibilidade de excluir desta lei, aqueles dispositivos com os quais as partes não concordam; 2) de outro lado, existe a possibilidade de as regras “excluídas” serem consideradas normas de aplicação imediata (mandatory rules) e portanto estariam fora do campo de autonomia das partes, que por sua vez não teriam a possibilidade de derrogar da aplicação destas.

Para que se possa analisar esta questão, faz-se necessária inicialmente a caracterização da reserva do artigo 96, para se determinar se esta de fato constitui norma de aplicação imediata. Num segundo momento, a análise deve se voltar para a obrigatoriedade de aplicação desta norma, de acordo com as regras de Direito Internacional Privado, quando apenas um dos Estados contratantes envolvidos no litígio tiver feito a declaração da reserva. E finalmente, num terceiro momento, analisar-se-á a vinculação de juízes nacionais em contraste com a posição de árbitros internacionais (tendo como marco Teórico a teoria da “deslocalização”) à aplicação desta reserva. 2.1 NORMAS IMPERATIVAS OU DE APLICAÇÃO IMEDIATA

Segundo a definição de Pierre Mayer, uma norma imperativa seria

an imperative provision of law which must be applied to an international relationship irrespective of the law that governs that relationship. To put it another way: mandatory rules of law are a matter of public policy (ordre public), and moreover reflect a public policy so commanding that they must be applied even if the general body of law to which they belong is not competent by application of the relevant rule of conflict of laws. It is the imperative nature per se of such rules that make them applicable.1

Portanto, a norma imperativa carregaria consigo uma carga de valor que não

poderia ser desconsiderada, dada a sua importância e relevância dentro da ordem pública de um determinado país.

Nesta esteira, veja-se o texto do artigo 96 da CISG, que traz a seguinte previsão:

Artigo 96 Um Estado contratante no qual a sua legislação requeira que contratos de venda sejam concluídos ou evidenciados por escrito pode a qualquer momento fazer a declaração de acordo com o artigo 12 de que qualquer provisão dos artigos 11, artigo 29, ou a parte II desta Convenção, que permite que um contrato de venda ou sua modificação ou terminação por acordo, ou qualquer oferta, aceitação, ou outra indicação de intenção seja feita em qualquer outra forma que não por

1 MAYER, Pierre. Mandatory rules of law in international arbitration, Arbitration International, (Kluwer Law International 1986 Volume 2 Issue 4 ) pp. 274

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escrito, não se aplica onde qualquer parte tiver seu local de negocio naquele Estado.2

Do artigo se extrai que as previsões da CISG relativas ao contrato de compra e

venda, e às ofertas e seus desdobramentos, que permitem tais ações serem concluídas ou evidenciadas por outras formas que não por escrito, não terão validade se um dos contratantes tiver seu domicilio no País que opôs tal reserva. Nestes países, os contratos, ofertas, aceitação e intenções em geral, deverão ser emitidos sempre por escrito.

Analisando o texto da norma do artigo 96, em um primeiro momento, tem-se uma ideia de prevalência da reserva oposta em relação ao contrato, bastando que uma das partes tenha seu local de negócio em um Estado que tenha efetuado a reserva, para que esta deva ser respeitada.

Não bastasse o texto do artigo 96, o artigo 12 da CISG complementa a questão da reserva, e confere caráter aparentemente mandatório à aplicação desta, restringindo a autonomia da vontade das partes.

Artigo 12 Qualquer provisão do artigo 11, artigo 29 ou Parte II desta Convenção que permite que um contrato de venda ou sua modificação ou terminação por acordo ou qualquer oferta, aceitação ou outra indicação de intenção, seja feita em qualquer outra forma que não por escrito, não se aplica onde qualquer parte tiver seu local de negócios em um Estado Contratante que tenha feito a declaração sob o artigo 96 desta Convenção. As partes não podem derrogar ou variar os efeitos deste artigo.”3

Como se vê, a previsão do artigo 12 aparenta conferir caráter mandatório à reserva

do artigo 96, sem fazer qualquer menção a regras de Direito Internacional Privado, no sentido de se ter a necessidade de que estas regras apontem para o direito aplicável do país que fez a declaração da reserva. O texto da lei prevê uma situação ampla, bastando que uma das partes tenha seu estabelecimento comercial em um país que tenha declarado a reserva para que esta seja aplicável e deva ser respeitada, independente da escolha do país do outro contratante em efetuar ou não a reserva.

Neste sentido foram algumas decisões como nos casos Forestal Guarani S.A vs. Daros International Inc4., e também em um caso da Corte Suprema de Arbitragem da Rússia5, em que um comprador russo e um vendedor alemão entraram em um contrato para a venda de materiais para a reforma de um restaurante.

Em ambas as decisões, os árbitros e juízes aplicaram a CISG de acordo com a reserva oposta, no primeiro caso pela Argentina e no segundo pela Rússia, tendo em vista que uma das partes tinha seu estabelecimento comercial nestes países. A aplicação

2 “Article 96. A Contracting State whose legislation requires contracts of sale to be concluded in or evidenced by writing may at any time make a declaration in accordance with article 12 that any provision of article 11, article 29, or Part II of this Convention, that allows a contract of sale or its modification or termination by agreement or any offer, acceptance, or other indication of intention to be made in any form other than in writing, does not apply where any party hás his place of business in that State.” 3 “Article 12. Any provision of article 11, article 29 or Part II of this Convention that allows a contract of sale or its modification or termination by agreement or any offer, acceptance or other indication of intention to be made in any form other than in writing does not apply where any party hás his place of business in a Contracting State which hás made a declaration under article 96 of this Convention. The parties may not derrogate from ou vary the effect of this article.” 4 Forestal Guarani S.A. vs. Daros International Inc. US District Court, New Jersey. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/081007u1.html. Acesso em 12/11/2012. 5 The High Arbitration Court of the Russian Federation, 16 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/980216r1.html. Acesso em 05/03/2013.

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da reserva nesses casos se deu de plano, sem que se analisasse regras de Direito Internacional Privado para determinar qual seria a sede do contrato.

No caso Forestal vs. Daros, a US District Court de Nova Jersey decidiu pela aplicação da reserva Argentina à CISG, inobstante a própria parte argentina ter requerido que esta fosse desconsiderada:

[…] Likewise, Argentina's assent to the CISG, and its further declaration under Article 96 to opt out of Article 11, indicates that a written contract is required where one of the contracting parties has its principal place of business in Argentina. The argument that Forestal urges on this Court, that is, to disregard the plain language of the CISG and Argentina's Article 96 declaration, is unpersuasive. As explained above, the CISG drafters' goal was to remove impediments to international commerce and contracting, by allowing for more liberal enforcement ] of oral agreements. However, the same drafters allowed individual nations to decide autonomously, whether they wished to enforce oral agreements, or require written contracts. The CISG, as adopted by Argentina, and thus, as incorporated into Argentinean law, provides that Article 11's freedom from form principles do not apply to contracts between Argentinean citizens and citizens of other signatory nations. Such contracts must be in writing.6

Na decisão arbitral russa, o tribunal também entendeu pela aplicação da reserva,

ainda que a Alemanha não a tenha feito, tendo em vista a efetivação desta pela Rússia. No entanto, a decisão russa, apesar de mais objetiva, traz consigo uma diferença em relação à decisão americana, pois leva a crer que por conta da reserva da Rússia, a lei russa se aplicaria ao contrato, como se elemento de conexão fosse:

Since the commercial enterprises of the parties were located in the Russian Federation and the Federal Republic of Germany, CISG must be applicable to the business relationship between them. The form of the contract for the international sale of goods was governed by Russian law, in view of the declaration made by the Russian Federation under article 96 CISG that such contracts must be put in writing.7

Note-se que a decisão indica aplicação da lei russa para reger a forma do contrato,

em vista da declaração feita pela Rússia do artigo 96, que exclui as previsões de maior informalidade na contratação dos artigos 11 e 29.

Decisões como as ora apresentadas reforçam a ideia do caráter mandatório do artigo 96 (combinado com o artigo 12), e aplicam as disposições da reserva independentemente de uma análise a partir do conflito de leis.

Porém, com o desenvolvimento das relações e da incidência da CISG, e a diversidade de jurisdições e culturas jurídicas que costumam decidir sobre a convenção, alguns tribunais interpretaram esta questão a partir de um ponto de vista de conflito de leis, para determinar a aplicação ou não da regra.

Segundo a teoria aplicada por estes tribunais, o fato de uma das partes estar sediada em um país que opôs a reserva do artigo 96 não faz necessariamente com que o requisito de forma deste país seja aplicado. Logo, dever-se-ia utilizar as regras de conexão do Direito Internacional Privado da Lex fori para se determinar qual das formas “nacionalizadas” da CISG seria aplicável.

No caso Hispafruit B.V. v. Amuyen S.A., a corte holandesa decidiu pela aplicação da reserva do artigo 96 feita pela Argentina, país onde o vendedor tinha seu estabelecimento comercial, mas somente pelo fato de que as regras de conexão holandesas apontavam para a aplicação da lei argentina:

6 Forestal Guarani S.A. vs. Daros International (...) 7 The High Arbitration Court of the Russian Federation, 16 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/980216r1.html

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Article 12 CISG does not entail that the rules concerning form requirements laid down in the applicable domestic law of the State which made a declaration as meant in article 96 CISG (here: Argentina) automatically govern the contract of sale when one of the parties has its place of business in that State. The question whether the contract has been validly concluded, while considering the form requirements, should be answered by the law which is applicable according to the rules of private international law. This is also in accordance with article 7 CISG. Following the Dutch rules of private international law, articles 9(1), 9(2) and 9(4) of the Treaty of Rome are of importance.8

Em sentido idêntico foi a decisão da Corte Metropolitana de Budapest, no caso Adamfi Video Production GmbH v. Alkotók Studiósa Kisszövetkezet9, que envolvia um vendedor alemão e um comprador húngaro. As partes firmaram um contrato por via telefônica para venda de bens, e após a entrega dos produtos, o comprador se recusou a pagar o preço, alegando que não havia contrato concluído, eis que o mesmo teria sido feito pelo telefone, contrariando a reserva do artigo 96 oposta pela Hungria.

Inicialmente, a Corte decidiu pela aplicação da CISG, já que ambas as partes estavam estabelecidas em Estados contratantes. Porém, com relação aos requisitos de forma, a Corte entendeu que, tendo em vista a declaração do artigo 96 pela Hungria, havia a necessidade de se analisar a partir do Direito Internacional Privado da Hungria, qual seria o direito nacional aplicável. Como as regras de conexão húngaras apontavam para a aplicação da lei alemã, que não continha os requisitos formais do artigo 96, a corte considerou o contrato válido, e condenou o comprador a pagar o valor devido, acrescido de juros.

Contrariamente às decisões da corte arbitral russa e da US District Court que apontavam uma “mandatoriedade” no respeito à reserva do artigo 96, decisões como estas parecem afastar a ideia de norma imperativa do citado dispositivo, o que demonstra que a situação ainda é controversa com relação a esta característica.

Especificamente em relação ao método aplicado por estes últimos tribunais, alguns doutrinadores defendem que esta abordagem de Direito Internacional Privado para resolver situações que envolvem normas imperativas, decorreria da teoria da “deslocalização” ou “desnacionalização” que se prestaria por se amoldar às peculiaridades do comércio internacional.

Neste sentido, Horacio Grigera-Naon10 explica que,

This choice-of-law trend is clearly a de-localizing and de-nationalizing one. It favours the search for substantive solutions to international disputes specially adapted to the needs and multinational or transnational nature of the issues at stake. It privileges or permits to privilege such specialized solutions — showing varying degrees of detachment from those commanded by specific national laws — over solutions found in any particular national legal system.11

Destarte, partindo-se da teoria da deslocalização, ainda que a norma contida no

artigo 96 seja de fato uma norma imperativa, ou que sua interpretação teleológica leve a tal conclusão, a mesma não gera automaticamente uma obrigação de aplicação pelo juiz, a menos que a lei aplicável segundo o Direito Internacional Privado da Lex fori aponte

8 Hispafruit B.V. v. Amuyen S.A., Rechtbank Rotterdam, Netherlands, 12 de julho de 2001. Publicado em Nederlands Internationaal Privaatrecht, 2001, n. 278. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/010712n1.html. Acesso em 12/11/2012 9 Adamfi Video Production GmbH v. Alkotók Studiósa Kisszövetkezet. CLOUT case n. 52. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/920324h1.html. Acesso em 12/11/2012 10 GRIGERA NAON, Horacio A. Choice-of-law problems in international commercial arbitration. Hague Academy of International Law. Reccueil de Cours, vol. 289, 2001. p. 184 11 id.

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para o ordenamento jurídico do país que optou por formalizar a reserva, o que tornaria a versão nacionalizada “com reserva” da CISG, a lei aplicável.

Para Naon, a abordagem deslocalizada seria favorável ao desenvolvimento do comercio internacional, no sentido de que

It encourages the exclusion of parochial mandatory rules which, because aimed at furthering domestic policies, are unfit to govern international disputes. It furthers the formation or recognition of the existence of substantive rules governing international business transactions enjoying international recognition and not necessarily finding their source in a particular national legal system.12

Não obstante, ainda que se aceite a teoria da deslocalização como sendo válida e

aplicável, a questão ainda apresenta situações delicadas, quando envolvem a resolução da disputa através da arbitragem, graças ao disposto na Convenção de Nova Iorque sobre reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, conforme se verá adiante.

2.2 ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL

Diante do que foi visto até o momento, percebe-se a existência de uma controvérsia interpretativa acerca da natureza da reserva do artigo 96 da CISG, como norma imperativa ou de aplicação imediata, pois apesar do caráter aparentemente mandatório dado pelo artigo 12, a maioria dos tribunais adotou uma abordagem a partir do conflito de leis, o que, segundo a concepção clássica de ordem pública positiva e negativa, retira a “aplicação imediata”.

Não obstante, ainda há que se verificar se a reserva do artigo 96 não configura questão de ordem pública no país que declarou a mesma, fato que impediria a exclusão do requisito de forma escrita.

As normas de ordem pública são por definição aquelas que buscam proteger determinados valores tidos por uma sociedade em um dado tempo, os quais se violados, atentariam contra a segurança e a ordem daquela sociedade.

De acordo com Julian Lew, a ordem pública reflete

… the fundamental economic, legal, moral, political, religious and social standards of every state or extra-national community. Naturally public policy differs according to the character and structure of the state or community to which it appertains, and covers those principles and standards which are so sacrosanct as to require their maintenance at all costs and without exception.13

Logo, a reserva do artigo 96, apesar de não conter aparentemente a natureza de

norma de aplicação imediata – que levaria à sua aplicação anterior à aplicação da regra de conexão –, pode ser considerada pelos países que a adotaram como sendo um valor a ser protegido, relacionado à segurança das transações contratuais.

Se este for o caso, faz-se necessária a análise de como a ordem pública da lei aplicável ao mérito (Lex contractus) irá afetar a transação, e quais os efeitos desta, com relação ao juiz nacional e ao árbitro internacional.

De acordo com Yves Derains, esta questão vem sendo debatida por subjetivistas e objetivistas do Direito Internacional Privado14. Em suas palavras, 12 Ibid. p. 184 13 Lew, Julian D. M. , Applicable Law in International Commercial Arbitration (Oceana Publications 1978) 14 Derains, Yves. Public Policy and the Law Applicable to the Dispute in International Arbitration in Pieter Sanders (ed), Comparative Arbitration Practice and Public Policy in Arbitration, ICCA Congress Series, 1986 New York Volume 3 (Kluwer Law International 1987) p. 234

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The subjectivist theory is that no law is recognized as having the power to govern an international contract unless the parties have decided that it is to do so. There are two consequences of this: firstly, the application of a law to an international contract is always based on the will of the parties, in the sense that if that will has not been expressed or was actually non-existent the judge has to establish what the parties would have decided if they had considered the question of the law applicable to their contract. Secondly, the law applicable to the international contract has no mandatory effect except insofar as the will of the parties has given it that effect.15

Portanto, para Derains, se analisarmos a questão da ordem pública desde o ponto

de vista de um juiz nacional e dentro da teoria subjetivista, a lei aplicável ao contrato internacional não tem efeitos de mandatoriedade, a menos que a vontade das partes seja conferir esse efeito.

Logo, sob essa teoria, o juiz nacional não teria que aplicar qualquer norma de ordem pública (seja ela positiva ou negativa) de uma lei estrangeira que não a Lex fori, a menos que as partes expressamente tenham dado este efeito, ou que o juiz entenda que a intenção delas era de fazê-lo. Nesta situação, a reserva do artigo 96 não teria que ser levada em conta no momento da decisão, ainda que constituísse norma de ordem pública em outro pais.

Por outro lado, um juiz partindo de uma análise objetivista, chegaria a uma conclusão um pouco diferente. Como ensina Derains,

The objectivist theory is that an international contract is of necessity governed by a law. This law is determined by the judge on the basis of various objective criteria: place of conclusion of the contract, place of performance, etc. It may, for example, be a matter of applying one single criterion (e.g., in the case of a sale, the location of the seller's main establishment), or of looking at each case separately and weighing up the different criteria in each case and their relative importance in relation to the center of gravity of the contract. The will of the parties, whether express or implied, then features as an objective criterion which is a particularly important determining factor.16

No caso da abordagem objetivista, a escolha ou determinação da lei aplicável

envolve todas as situações presentes naquela lei ou ordenamento jurídico, de modo que as partes teriam autonomia para a escolha da lei, mas não poderiam escolher qual parte daquela lei ou ordenamento seria aplicável. Sob o ponto de vista desta teoria, a escolha da lei engloba todas as disposições desta, e portanto normas imperativas e de ordem pública desta lei serão aplicadas pelo juiz, ainda que esteja sito em outro foro.

Esta divisão entre subjetivistas e objetivistas se baseia na visão que cada teoria tem sobre a lei dentro do contrato. Para os subjetivistas, a lei faz parte do contrato, e suas disposições são tão importantes quanto as demais cláusulas contratuais, de modo que uma não deve se sobrepor à outra. Já para os objetivistas, a lei aplicável governa o contrato, e portanto está acima dele, tendo suas disposições imperativas e de ordem pública ascensão sobre ele.17

De acordo com Yves Derains, a jurisprudência internacional tem transitado entre as duas teorias, apesar de os puramente subjetivistas serem minoria. Nas últimas décadas, a teoria objetivista tem se firmado, e portanto atualmente tem-se que a lei é considerada como governadora do contrato, seja ela escolhida pelas partes ou determinada pelo juiz.18

15 ibid. p. 234 16 Ibid. p. 235 17 Neste sentido ver H. Batiffol, “Subjectivisme et objectivisme dans le droit international privé des contrats”, p. 53. 18 Derains, Yves. Op. Cit. P. 237

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it can be concluded that as far as the judge is concerned, because of the failure of the pure subjectivist doctrine to be admitted under the law in force, the contract is subject to the proper law, whether this law was chosen by the parties or determined by the judge in the absence of such choice. This is probably one of the effects of the bilateralist concept of the conflict of laws rule whereby the world's legislative jurisdictions are divided up. For the judge, there is always a law proper to a contract, and once that law has been determined by the conflict of laws rules, the contract is subject to that law, whatever the role played by the will of the parties in bringing it into play. Therefore, the public policy rules of that law must be applied by the judge even if that leads him to call into question the parties' contractual agreement.19

Esta visão sobre a posição do juiz nacional é relevante para uma análise da

posição do árbitro internacional quando confrontado com a mesma situação, pois ao contrário do juiz, o árbitro não tem foro, e mais do que isso, o árbitro extrai seus poderes das partes, e estas tem diferentes níveis de liberdade dentro da arbitragem.

3 A VINCULAÇÃO DO ÁRBITRO INTERNACIONAL À NORMAS IMPERATIVAS E DE ORDEM PUBLICA

Muito se discute na doutrina arbitral a respeito da lei aplicável ao mérito do

contrato, e dentro deste contexto, sobre a linha que divide a autonomia da vontade das partes e as regras de caráter público que devem ser respeitadas por estas e que portanto se mostrariam como limites a tal autonomia20.

No Direito Internacional Privado, a grande maioria dos países reconhece o principio da autonomia da vontade das partes em suas leis nacionais. E, especialmente no que toca à arbitragem, a doutrina e a jurisprudência dão grande valor ao que foi determinado entre particulares, sendo inclusive considerada por alguns como sendo um direito em si mesmo, com caráter transnacional. Como explicam Lew, Mistellis e Kroll,

Due to the universal acceptance of party autonomy in most developed legal systems and its origin in the express or determinable intention of the parties, it is now recognised that party autonomy operates as a right in itself. The rule has a special transnational or universal character and has binding effect because it has been agreed to and adopted by the parties. Unquestionably, party autonomy is the most prominent and widely accepted international conflict of laws rule. These national conflict of laws systems recognise that contracting parties do express their view as to the law to govern their contractual relations, and the national laws have no reason to ignore and very limited rights to interfere with the expressed will of the parties.21

Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência também concordam que a autonomia

da vontade não é infinita e ilimitada, pois encontraria resistência à sua aplicação diante de regras de caráter publico, que se sobreporiam ao interesse particular. Igualmente nas palavras de Lew, Mistellis e Kroll,

19 Id. p. 237 20 Neste sentido, Lew, Mistellis e Kroll afirmam que: “The determination of the applicable substantive law is a critical issue in international arbitration. It has a legal, practical and psychological influence on every arbitration. Nothing is more important in any international arbitration than knowing the legal or other standards to apply to measure the rights and obligations of the parties. This is an independent exercise in the dispute resolution process for resolving the dispute itself.” Julian D. M. Lew , Loukas A. Mistelis , et al., Comparative International Commercial Arbitration, (Kluwer Law International 2003) pp. 411 21 id. p. 412

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The extent to which parties are free to choose any law or rules has always been an issue. Courts are constrained by their national conflict of laws rules. International tribunals have no national conflict of laws rules. The question is whether a tribunal must always apply the law chosen by the parties or is it constrained by limitations either in the law of the place of arbitration or by some other controlling factor?22

A pergunta sobre os limites da aplicação da escolha de lei pelas partes encontra guarida na Convenção de Nova York de 1958 sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, a qual abarcou a exceção de ordem pública, comum ao Direito Internacional Privado, estipulando a possibilidade de uma corte nacional recusar o reconhecimento e a execução de uma sentença arbitral estrangeira, quando esta violar princípios de ordem publica do foro. 23

Tal previsão, constante no artigo V (2)(b), também existe em outros diplomas relacionados à arbitragem, como a Lei Modelo da Uncitral [artigo 34 (b) (ii)], e a lei brasileira 9.307/96, em seu artigo 39, II.

O fato de tais disposições estarem presentes nas leis arbitrais e na Convenção de NY traz para o árbitro um problema diferente daquele enfrentado pelas cortes nacionais, pois agrega uma preocupação a mais na prolação da sentença. O árbitro deve se ocupar em garantir que a mesma será reconhecida e executada, e que será de acordo com as expectativas das partes no mesmo sentido. Nesta linha, Grigera Naon defende que

The application of such mandatory rules — even ex officio or on the initiative of the Arbitral Tribunal when none of the parties has pleaded their application — has been advocated or justified along lines purporting to reconcile it with the legitimate expectations of the parties. The rationale is that not applying lois de police or not taking them into account might lead to the nullity or non-enforcement of the arbitration award in national jurisdictions having enacted such rules, thus defeating the parties’ expectation that the ensuing award shall be valid and enforceable.24

Ora, o juiz nacional está vinculado às normas imperativas e de ordem pública do

seu foro, e irá aplicá-las a despeito da lei aplicável apontada pela regra de conexão. Ainda, como visto anteriormente, o juiz nacional será levado a aplicar as normas de ordem pública da Lex contractus quando entender que o contrato está governado por esta.

Já o árbitro internacional, por outro lado, não tem “foro”, o que faz com que ab initio ele não esteja atrelado a nenhuma norma mandatória que não faça parte da lei escolhida pelas partes para reger o contrato. Nas palavras de Emmanuel Gaillard, “C’est dans cette conception que l’on observe volontiers que «les arbitres n’ont pas de for» ou que leur for est le monde, non un Etat déterminé, fût-il celui du siège.”25

O árbitro internacional portanto se aproximaria muito mais da teoria subjetivista, pois dá à lei e ao contrato valores iguais, de modo que as partes teriam o poder de excluir provisões que considerassem indesejáveis. Como coloca Derains,

It is important to underline that so far as the arbitrator is concerned, there is no natural hierarchy between the contract and any particular national law. Quite the contrary, a law is only applied if the parties have chosen it and within the bounds of that will. If the parties have expressly excluded certain rules of that law, the arbitrators may not enforce the application of those rules in the name of public policy of which they are not the guardians. By introducing appropriate clauses into

22 Lew, Mistellis e Kroll. Comparative international... Op. Cit. p. 418 23 Artigo V. 2. Recognition and enforcement of an arbitral award may also be refused IF the competent authority in the country where recognition and enforcement is sought finds that: (b) The recognition or enforcement of the award would be contrary to the public policy of that country. 24 GRIGERA NAON. Op. Cit. p. 187 25 GAILLARD, Emmanuel. Aspects philosophiques Du Droit de L’Arbitrage International. Recueil dês Cours. P. 82

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their contract, it is possible that the parties intended to exclude the public provisions of a law which they intended to apply to the rest of the contract.26

Por outra banda, deve-se lembrar que a sentença arbitral deve buscar a sua

exeqüibilidade em qualquer foro onde as partes tenham ativos executáveis, e portanto, a questão das normas imperativas e de ordem pública representam para o árbitro uma preocupação maior do que aquela tida pelo juiz nacional. Grigera Naon explica que

On the other hand, a growing number of Arbitral Tribunals have been or are being confronted with the need to consider whether certain national mandatory rules (“international mandatory rules” or “lois de police”) should necessarily be applied or taken into account to resolve specific disputed issues of international character as a matter of public policy, irrespective of the explicit or implicit choice-of-law stipulations of the parties or the proper law of the contract.27

Nesta mesma esteira, Lew, Mistellis e Kroll defendem que

The effect of national mandatory rules is more complicated. Mandatory rules limit the parties’ choice and must be applied to certain situations. These rules define themselves. A national court will normally apply its mandatory laws whatever the applicable substantive law it applies to the issues before it. There can be little argument that arbitrators must apply the mandatory rules of the law chosen by the parties, subject only to compliance with international public policy. However, as international arbitrators have no national forum, all national mandatory rules are “foreign” to them. Other than that of the chosen applicable law, there is no mandatory law for international arbitration.28

A situação também é vista de maneira diferente quando a Lex contractus não é

escolhida pelas partes, mas sim pelo árbitro. Nestas situações, a doutrina considera que o árbitro deverá aplicar a lei como um todo, sem exclusão das suas provisões mandatórias. Novamente segundo o pensamento de Yves Derains,

If the arbitrator determines the applicable law, where the parties have not specified it, he must apply that law as it stands. It is difficult to see by what right the arbitrator might decide to exclude one provision or another on the grounds that it is contrary to one of the contractual clauses.29

Nota-se portanto, que a questão da ordem pública exerce um papel importante no

processo decisório de tribunais arbitrais, pois ao invés de o tribunal se preocupar unicamente com as normas de ordem pública de determinado foro ou de determinada lei aplicável, ele ainda deve considerar possíveis violações à ordem pública do local de execução da sentença, alem de questões referentes à ordem pública transnacional (ou truly international public policy30). Como explica Emmanuel Gaillard,

La deuxième siege representation de l’arbitrage international est celle qui trouve la source de la juridicité de la sentence non dans le seul ordre juridique du siege, mais dans l’ensemble des ordres juridiques prêts, à certaines conditions, à reconnaître l’efficacité de la sentence.31

Destarte, a atuação do árbitro internacional deve ser muito mais ampla e abrangente que a do juiz nacional, pois o árbitro convive com uma pluralidade de leis

26 Derains, Yves. Op cit. pp. 239-240 27 GRIGERA NAON. Op. Cit. P. 185 28 Lew, Mistellis e Kroll. Comparative international... Op. Cit. p. 29 Derains, Yves. Op. Cit. p. 240 30 Neste sentido veja-se LALIVE, Pierre. 31 GAILLARD, Emmanuel. Aspects philosophiques Du Droit de L’Arbitrage International. Recueil dês Cours. P. 81

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aplicáveis que surgem por conta do local da execução do laudo a ser proferido. Logo, o árbitro internacional estará constantemente transitando entre as teorias do Direito Internacional Privado, ao mesmo tempo que deverá levar em conta os lugares apontados pelas partes como possíveis locais de execução da sentença, e somente então determinar exatamente qual o conjunto de regras que deverá pautar sua atuação, e até onde estas regras terão efeitos no julgamento. 4 CONCLUSÃO

Da pesquisa realizada a partir da problemática posta pelo 20th Willem C. Vis Moot, pode-se concluir que a vinculação do árbitro internacional às normas imperativas e de ordem pública vai depender diretamente da escolha da lei, seja pelas partes, seja pelo árbitro, e também do local onde a sentença arbitral será possivelmente executada.

A vinculação do árbitro internacional não vai, por outro lado, ser influenciada por regras de foro, eis que o árbitro internacional é tido como sediado no mundo, sem nenhuma conexão real com qualquer estado nacional, nem mesmo o da sede da arbitragem.

A lógica seguida pelo arbitro internacional difere daquela aplicada pelos juízes nacionais, pela questão da existência de uma Lex fori que vincula este juiz às normas de ordem pública e de aplicação imediata do seu foro, ao passo que o mesmo não vai se preocupar com normas imperativas que não tem ligação direta com o foro ou com a Lex contractus, pois ao contrário do árbitro o juiz não tem que se preocupar com o reconhecimento e a execução de sua sentença em jurisdições diferentes.

Aplicando-se esta conclusão ao problema do Vis Moot, entende-se que, no caso específico, a reserva do artigo 96 feita por um dos Estados onde uma das partes tinha seu estabelecimento comercial não será automaticamente aplicada, e só será aplicável se as regras de Direito Internacional Privado apontarem para a lei daquele Estado como sendo a Lex contractus, ou eventualmente no caso de o Estado que fez a reserva ser um dos locais possíveis de execução da sentença arbitral a ser proferida.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS DERAINS, Yves. Public Policy and the Law Applicable to the Dispute in International Arbitration. In: Pieter Sanders (ed), Comparative Arbitration Practice and Public Policy in Arbitration, ICCA Congress Series, 1986 New York Volume 3 (Kluwer Law International 1987). GAILLARD, Emmanuel. Aspects philosophiques Du Droit de L’Arbitrage International. Recueil dês Cours. GRIGERA NAON, Horacio A. Choice-of-law problems in international commercial arbitration. Hague Academy of International Law. Reccueil de Cours, vol. 289, 2001. LEW, Julian D. M., Applicable Law in International Commercial Arbitration (Oceana Publications 1978). ______, Loukas A. Mistelis , et al. Comparative International Commercial Arbitration, (Kluwer Law International 2003).

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MAYER, Pierre. Mandatory rules of law in international arbitration, Arbitration International, (Kluwer Law International 1986 Volume 2 Issue 4 ). Tabela de Casos

Forestal Guarani S.A. vs. Daros International Inc. US District Court, New Jersey. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/081007u1.html. Acesso em 12/11/2012. The High Arbitration Court of the Russian Federation, 16 de fevereiro de 1998. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/980216r1.html. Acesso em 05/03/2013. Hispafruit B.V. v. Amuyen S.A., Rechtbank Rotterdam, Netherlands, 12 de julho de 2001. Publicado em Nederlands Internationaal Privaatrecht, 2001, n. 278. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/010712n1.html. Acesso em 12/11/2012. Adamfi Video Production GmbH v. Alkotók Studiósa Kisszövetkezet. CLOUT case n. 52. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/920324h1.html. Acesso em 12/11/2012.

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ANÁLISE DAS INELEGIBILIDADES NO TEXTO CONSTITUCIONAL

Brunna Helouise Marin ___________________________________

Graduanda em Direito pelo UNICURITIBA Integrante do Grupo de Estudos Hermenêutica Constitucional e a Concretização dos

Direitos Fundamentais na Pós-Modernidade

Luiz Gustavo de Andrade

___________________________________ Advogado, Mestre em Direito

Professor da Graduação e da Pós-Graduação do curso de Direito do UNICURITIBA

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RESUMO A democracia pressupõe o exercício do poder pelo povo. Para tanto, o texto constitucional dispõe sobre instrumentos voltados a permitir que o cidadão participe do processo de tomada de decisões. Pelo voto, escolhe-se o representante popular; aquele que, em nome de muitos, atuará no processo de elaboração das leis e na escolha de políticas públicas. Para concorrer a mandatos eletivos, é necessário o preenchimento de requisitos constitucionais de elegibilidade. Além disso, a Constituição apresenta hipóteses de restrição que impedem determinados cidadãos de postularem mandato eletivo. O presente trabalho trata das inelegibilidades relativas, em razão da função, do parentesco e da condição militar. Palavras-chave: eleitoral, inelegibilidades constitucionais.

ABSTRACT Democracy presupposes the exercise of power by the people. Thus, the Constitution provides for instruments designed to allow the citizen to participate in the decision making process. By voting, you choose the popular representative, who, on behalf of many, will serve in the drafting of laws and choice of public policies. To run for elective mandates, it is necessary to fill the constitutional requirements for eligibility. Moreover, the Constitution presents hypotheses restriction preventing certain citizens of positing an elective office. This paper addresses the ineligibility for, by reason of function, kinship, and veteran status. Keywords: electoral, constitutional ineligibility. 1 INTRODUÇÃO

Os Direitos Políticos, por serem tema de fundamental importância, foram normatizados através da inserção de um capítulo especial na Constituição Federal de 1988, sendo definidos por Thales Cerqueira como o “conjunto de normas que disciplinam os meios necessários ao exercício da soberania popular1”. Neste contexto, a Carta Magna adotou a forma da democracia representativa conjugada a mecanismos de participação popular, exercida por meio dos direitos políticos positivos, por meio do voto, do exercício de cargo público, além de outros instrumentos, através dos quais se assegurará que o cidadão participe na formação e decisões do governo, como ponto basilar do Estado Democrático de Direito.

Na mesma linha e mais especificamente, no que tange aos direitos públicos políticos subjetivos passivos, ao poder de postular o voto dos demais cidadãos, conforme determina a Lei Maior, o candidato deve ter capacidade para submeter seu nome à avaliação do eleitorado, cujo propósito é resguardar a probidade da administração pública e, sobretudo, o interesse público, uma vez que os representantes do povo serão escolhidos através do sufrágio universal.

Assim, antes mesmo de colocar o seu nome na disputa eleitoral, o pretenso candidato deve preencher todas as condições de elegibilidade, para que possa validamente postular um mandato, e, ainda, não pode para tanto, estar incurso nas hipóteses de inelegibilidade.

1 CERQUEIRA, Thales Tácito. Direito eleitoral esquematizado. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 85.

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Neste viés, é necessário que o postulante reúna as condições de elegibilidade elencadas no art.14, §3º da CF, quais sejam: nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária e idade mínima para postular o mandato relativo ao respectivo cargo que pretenda disputar.

Na ausência de qualquer um desses requisitos, o cidadão não poderá concorrer a qualquer cargo eletivo, não se confundido, porém, como uma hipótese de inelegibilidade, conforme o Ministro Moreira Alves “para que alguém possa ser eleito, precisa preencher pressupostos de elegibilidade (requisito positivo) e não incidir em impedimentos (requisito negativo). Quem não reunir estas duas espécies de requisitos - o positivo (preenchimento de pressupostos) e o negativo (não incidência em impedimentos) - não pode concorrer a cargo eletivo”2.

Sobre as causas de inelegibilidade, a Carta Magna prevê no art.14, §§ 4º a 7º, as hipóteses de restrição que impedem determinados cidadãos de postularem mandato eletivo.

Conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral “a inelegibilidade importa no impedimento temporário da capacidade eleitoral passiva do cidadão, que consiste na restrição de ser votado (...)3”.

Importante salientar que as inelegibilidades constituem-se em um direito político negativo, uma vez que importam em uma forma de impedimento, restringindo a participação de determinados cidadãos no processo político de forma passiva. De acordo com Adriano Soares da Costa “a inelegibilidade é o estado jurídico de ausência ou perda de elegibilidade. Sendo a elegibilidade o direito subjetivo público de ser votado (direito de concorrer a mandato eletivo), a inelegibilidade é o estado jurídico negativo de quem não possui tal direito subjetivo - seja porque nunca o teve, seja porque o perdeu”4. Podem ser classificadas de acordo com diversos critérios, quanto à origem, são divididas em constitucionais e infraconstitucionais, destacando-se no presente artigo, aquelas, que decorrem diretamente do texto constitucional, diferenciando-se destas quanto à força normativa e prazo de impugnação.

As inelegibilidades constitucionais têm aplicabilidade imediata e eficácia plena, independem de lei infraconstitucional para que produza seus efeitos, além de poderem ser arguidas a qualquer tempo, não estando sujeitas a preclusão.

2 INELEGIBILIDADES ABSOLUTAS

As inelegibilidades absolutas são aquelas que implicam na restrição a ocupação de qualquer cargo eletivo, não havendo prazo para cessação do impedimento, ou seja, incorrendo nessa hipótese, o cidadão não poderá pleitear eleição alguma, uma vez que não é titular de elegibilidade.

Por terem caráter excepcional, apenas são legitimas as hipóteses previstas no texto constitucional, que prevê como inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos, conforme dispõe o §4º do art. 14.

Em relação aos inalistáveis, observa-se primeiramente que os direitos da cidadania são adquiridos por meio do alistamento eleitoral, que, segundo Djalma Pinto, “é o processo através do qual o individuo é introduzido no corpo eleitoral, ou seja, quando seu nome é inscrito no rol dos eleitores. Trata-se, por assim dizer, do mecanismo de aquisição de cidadania. Por ele se obtém a aptidão para participar da condução dos negócios 2 Ibid. p. 627. 3 Tribunal Superior Eleitoral. AAG 4598, Rel. Min. Fernando Neves da Silva; Julg. 03/06/2004; DJU 13.08.2004, p. 401 4 COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 3. ed. São Paulo: Del Rey, 2010. p. 63.

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públicos”5. O alistamento é feito mediante qualificação e inscrição da pessoa junto à Justiça Eleitoral, atendidos certos requisitos legais.

Ressalta-se que o alistamento eleitoral é condição de elegibilidade, está intimamente ligado à aquisição de cidadania, outorgando ao cidadão capacidade eleitoral ativa, e sua ausência, por conseguinte, ensejará na inelegibilidade do cidadão.

Em vista das outras espécies de inelegibilidades, essa hipótese é mais genérica, uma vez que existem vários casos em que o cidadão não possuirá aptidão para se alistar, porquanto é exigido que a pessoa tenha nacionalidade brasileira, idade mínima, e que sejam apresentados alguns documentos para comprovação da qualificação. Adverte Djalma Pinto que “o requerimento que não contenha os dados exigidos é tido por imprestável, devendo ser devolvido ao interessado que fica, em conseqüência, sem alistar-se”6.

Nessa linha, a própria Constituição descreve de forma expressa no §2º do art.14 quais indivíduos não podem se alistar: os estrangeiros e os conscritos. Neste caso, estão os recrutas, alistados nas Forças Armadas, no período de prestação do serviço militar obrigatório. Conforme o Ministro Nilson Naves “a proibição de o conscrito votar não é mais e nem menos que a suspensão temporal de direitos políticos”7, afirma, ademais, que o jovem que “vier a prestar o serviço militar, será, forçosamente, impedido de votar, por estar com seus direitos políticos suspensos durante o período da conscrição, embora esta causa de suspensão, não esteja elencada no artigo 15 da Carta Magna”8.

Os estrangeiros, também são inalistáveis, por não possuírem nacionalidade brasileira não preenchem os requisitos para o alistamento eleitoral, portanto, não possuem capacidade eleitoral ativa, sendo inelegíveis. Entretanto, depois de adquirida a nacionalidade brasileira, através do processo de naturalização, obtêm todos os direitos políticos inerentes aos cidadãos brasileiros, inclusive a elegibilidade, salvo para postular os cargos previstos no art.12, §3º, da CF, que somente podem ser ocupados por brasileiros natos.

Da mesma forma, não podem se alistar aqueles cidadãos que incorram nas hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos, com previsão no art.15 da CF, porquanto se encontram privados destes direitos. No caso de perda de direitos políticos, segundo Marcos Ramayana, “o cidadão ficará afastado de suas capacidades ativas e passivas (direito de votar e ser votado) por absoluta impossibilidade de reversibilidade (reaquisição)”9, não havendo previsão de cessação do cerceamento das capacidades eleitorais. Poderá ocorrer com o cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado ou como conseqüência da recusa de cumprir obrigação a todos imposta. Neste caso, consoante o art.5º, inciso VIII, da Constituição, é permitido que o indivíduo, uma vez que lhe é assegurado à liberdade de crença religiosa, convicção filosófica e política, deixe de cumprir uma obrigação legal a todos imposta, evocando escusa de consciência, com a condição de que cumpra uma prestação alternativa, sob pena de perda dos direitos políticos.

Na hipótese de cancelamento da naturalização, após o transito em julgado da decisão, como consequência o individuo retornará a situação de estrangeiro, uma vez que cometeu atividades nocivas ao interesse nacional, tornando-se novamente inalistável. Não obstante, lembra Thales Cerqueira a propósito da aquisição voluntária de outra

5 PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 150. 6 Ibid. p. 151. 7 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.165; Processo Administrativo n. 16.337; Rel. Nilson Naves; j. 07.04.1998; DJU 14.05.1998; p. 85. 8 Ibid. 9 RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 64.

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nacionalidade pelo cidadão brasileiro que, desse modo, “perderá a nacionalidade brasileira e, consequentemente, seus direitos de cidadania. Neste caso, deve-se fazer a interpretação sistemática da própria Constituição Federal de 1988, para incluir, no art.15, o art.12, §4º, II, não se cogitando a hipótese de inconstitucionalidade, pois ambas as normas retiram fundamento de validade da própria Constituição”10.

Por outro lado, no caso de suspensão dos direito políticos, o cidadão somente terá restringido os seus direitos políticos pelo prazo estabelecido pela lei ou com a reaquisição deles, podendo surgir como conseqüência da: condenação criminal transitada em julgado enquanto perdurarem seus efeitos, improbidade administrativa e incapacidade civil absoluta. Esta se refere aos menores de 16 anos, àqueles que, por moléstia ou deficiência mental, foram declarados incapazes por sentença judicial, porquanto não possuem discernimento para exercer os atos da vida civil, e também, aos que por momento transitório não consigam exprimir sua vontade.

Em relação à condenação criminal transitada em julgado, de acordo com o entendimento do TSE, ela “ocasiona a suspensão dos direitos políticos, enquanto durarem seus efeitos, independentemente da natureza do crime”11, e ainda, essa suspensão “prevista no art. 15, III, da Constituição Federal é efeito automático da condenação criminal transitada em julgado e não exige qualquer outro procedimento à sua aplicação”12. Portanto, nesta hipótese, tem-se que a suspensão é uma conseqüência automática e imediata da sentença condenatória e persiste até o cumprimento da pena ou extinção da punibilidade, consoante a Súmula nº 09 do TSE.

No mesmo sentido, prevê o art.37, §4º da CF, regulado pela Lei nº 8.429/92, que os atos de improbidade administrativa importam na suspensão dos direitos políticos, além de vislumbrar outras sanções aplicáveis ao agente público. Entretanto, a condenação por ato de improbidade administrativa, por si só, não gera inelegibilidade, conforme ponderação do TSE “a sanção de suspensão dos direitos políticos, por meio de ação de improbidade administrativa, não possui natureza penal e depende de aplicação expressa e motivada por parte do juízo competente, estando condicionada a sua efetividade ao trânsito em julgado da sentença condenatória, consoante expressa previsão legal do art. 20 da Lei nº 8.429/92”13.

Contudo, note-se que o pretenso candidato condenado por ato doloso de improbidade administrativa, tipificado como lesivo ao patrimônio público e gerador de enriquecimento ilícito, ao contrário do que dispõe a Lei de Improbidade Administrativa, poderá ser declarado inelegível perante a Justiça Eleitoral bastando somente condenação por órgão colegiado, consoante preceitua o art. 1º, alínea “l” da Lei Complementar nº 64/1990, com redação dada pela LC 135/2010. Nesse sentido, afirma Marcos Ramayana que essa hipótese “trata-se de uma causa de inelegibilidade que é efeito secundário da sentença ou acórdão não eleitoral, mas que impedirá o registro de uma candidatura e até mesmo servirá como matéria de impugnação ao mandato eletivo”14.

A respeito da inelegibilidade absoluta do analfabeto, depreende-se que há uma exceção, visto que ele possui, facultativamente, capacidade eleitoral ativa, conforme dispõe o art. 14, §1º, inciso II, alínea “a”, da Constituição, entretanto, é inelegível, por força do §4º do aludido artigo. Essa hipótese tem como escopo a premissa de que o cidadão necessita ter um mínimo de conhecimento da língua para que possa exercer seu mandato de forma autônoma e digna.

10 CERQUEIRA, Thales Tácito. Direito eleitoral esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 126. 11 Tribunal Superior Eleitoral. AgRg-REsp 35.803; Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, j. 15.10.2009, DJU 14.12.2009, p. 15. 12 Ibid. 13 Tribunal Superior Eleitoral. RESPE 23347; Rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos; j. 22.09.2004. 14 RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 336.

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Consoante o entendimento do TSE, o simples fato de o cidadão saber escrever seu nome não afasta essa hipótese, podendo ser avaliado, ainda que singelamente, o domínio da escrita e da compreensão de textos. Segundo o Ministro Néri da Silveira “não se pode considerar analfabeto, para os efeitos da Constituição, candidato que ler e tiver condições mínimas de escrever um texto, ainda que não seja um texto suscetível de aplausos por parte de um critico de redação ou um critico literário”15. Destarte, a interpretação jurisprudencial acerca do respectivo dispositivo constitucional é feita de forma restritiva, uma vez que o seu reconhecimento acarretará na restrição de um direito fundamental do cidadão.

Não obstante, tal interpretação, exigi-se que no momento do pedido do registro da candidatura seja apresentado comprovante de escolaridade para aferição da condição de alfabetizado do candidato, gerando uma presunção relativa. Porém, “quando o comprovante de escolaridade não se mostrar suficiente para formar a convicção do juiz, deve-se exigir declaração de próprio punho do candidato. Se for intimado e não comparecer em cartório para firmar essa declaração, perderá oportunidade de comprovar sua condição de alfabetização”16, conforme ponderação da Corte Superior Eleitoral.

No mais, esta Corte entende que “na falta do comprovante de escolaridade, é imprescindível que o candidato firme declaração de próprio punho em cartório, na presença do juiz ou de serventuário da Justiça Eleitoral, a fim de que o magistrado possa formar sua convicção acerca da condição de alfabetizado do candidato”17.

Contudo, havendo dúvida ou suspeita, o magistrado pode submeter o candidato a um teste, sendo legal e legítima essa avaliação, com a condição de que seja respeitada a dignidade do candidato, consoante juízo do TSE “a Constituição Federal não admite que o candidato a cargo eletivo seja exposto a teste que lhe agrida a dignidade. Submeter o suposto analfabeto a teste público e solene para apurar-lhe o trato com as letras é agredir a dignidade humana (CF, art. 1º, III). Em tendo dúvida sobre a alfabetização do candidato, o juiz poderá submetê-lo a teste reservado”18. Todavia, segundo o Ministro Gilmar Mendes, ainda que o teste de alfabetização seja reservado, se “traz constrangimento ao candidato, não pode ser considerado legítimo”19. Ademais, a alegação de que o candidato já ocupou mandato eletivo e por isso é alfabetizado, sendo elegível, não encontra respaldo nas decisões do TSE, uma vez que esse entendimento já foi pacificado, sendo, inclusive sumulado, através da súmula nº 15 que expõe que “o exercício de cargo eletivo não é circunstância suficiente para, em recurso especial, determinar-se a reforma de decisão mediante a qual o candidato foi considerado analfabeto”20. 3 INELEGIBILIDADES RELATIVAS

Relativas são aquelas inelegibilidades que impedem o cidadão de postular determinados mandatos em dada eleição, devido a situações específicas que recaem sobre ele. Assevera Marcos Ramayana que “a expressão “relativa” tem o significado específico de restrição ao direito de ser votado para uma determinada eleição em razão de relações de parentesco, pela condição funcional do servidor público, seja o militar ou civil, e por motivos vedatórios do sistema de reeleição e desincompatibilização”21.

15 Tribunal Superior Eleitoral. RESPE 17132; Rel. Min. Walter Ramos da Costa Porto; j. 14.09.2000. 16 Tribunal Superior Eleitoral. AgRg-REsp 22.128, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 23.09.2004. 17 Tribunal Superior Eleitoral. AgRg-REsp 31.937; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; j. 05.05.2009. 18 Tribunal Superior Eleitoral. RESPE 21707, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; j. 17.08.2004. 19 Tribunal Superior Eleitoral. AgRg-REsp 24.343, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.10.2004. 20 RAMAYANA, Marcos. Legislação Eleitoral Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 205. 21 Idem. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 271.

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Consoante o referido autor, essa inelegibilidade pode caracterizar-se em razão da incompatibilidade pelo exercício de função pública, pelo vínculo de parentesco ou afinidade, ou ainda, na hipótese em que o candidato é militar, conforme dispõe os §§5º a 8º do art. 14 da Lei Maior, que, por sua vez, impedem o candidato em tal situação, de pleitear determinado mandato.

Todavia, há possibilidade de reversão, uma vez que havendo o desvencilhamento do candidato com a situação que limita sua capacidade eleitoral passiva, é readquirida a elegibilidade em relação a determinados cargos eletivos.

Nesse contexto, a Constituição, além de prever as referidas hipóteses, delegou à lei complementar a implementação de outros casos, consoante o §9º do aludido artigo. 3.1. INELEGIBILIDADE RELATIVA EM RAZÃO DA FUNÇÃO

A inelegibilidade por motivo funcional decorre do exercício de função pública pelo candidato, e mais especificamente, no que tange aos casos previstos diretamente na Carta Magna, pela ocupação do cargo de chefe do Poder Executivo.

Consoante o § 5º do art.14 da CF, com redação dada pela Emenda Constitucional nº16, de 04 de junho de 1997, é permitida a recondução para o mesmo cargo por um único período subseqüente pelos chefes do executivo, surgindo a inelegibilidade apenas em relação ao exercício de um terceiro mandato sucessivo.

Nesse sentido, a jurisprudência da Corte Superior Eleitoral é uníssona quanto à claridade da referida regra constitucional, no sentido de que uma mesma pessoa não pode ocupar mais do que duas vezes seguidas o mesmo cargo eletivo, independentemente das circunstâncias, ou duração, em que o mandato foi exercido.

Há que ressaltar, que esse dispositivo constitucional também abrange o candidato que substituiu ou sucedeu o titular, que somente poderá pleitear o cargo deste uma única vez, porquanto o que se veda é a eleição para mandato sucessivo de quem, no período anterior, o tenha exercido, não apenas o de quem tenha sido eleito para ele.

Cumpre ainda salientar que a atribuição do cargo de vice consiste em substituir o titular em suas faltas e impedimentos, e suceder-lhe no caso de vaga, consoante o art.79, caput, da CF. Desse modo, sua função principal é dar continuidade à administração na ausência do titular, segundo o Ministro Fernando Neves o vice “somente dá continuidade temporária aos atos, programas e diretrizes já determinados, até porque – e isto é importante – ele não tem a chave do cofre, ou seja, não tem o poder de destinar verbas a qualquer projeto. Não deixa sua marca pessoal na administração”22.

Noutro passo, é importante frisar a distinção entre substituição e sucessão. Naquela situação, o exercício do cargo se dará em caráter temporário, em virtude de impedimento provisório do chefe do poder executivo, permanecendo o substituto como titular do cargo de vice. Já na sucessão, há investidura definitiva do cargo de titular pelo vice, ora sucessor, de acordo com o STF “o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo”23.

Destarte, o TSE entende que no caso de substituição o vice é elegível para o cargo de titular, inclusive para reeleição, desde que não ocorra nos 6 meses que antecedem o pleito, conforme o Ministro Fernando Neves “nessa circunstância, o vice que substituiu nos seis meses ficou equiparado ao que assumiu o cargo definitivamente, ou seja, sucedeu o titular”24.

22 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.889, Consulta 689. Rel. Min. Fernando Neves, j. 09.10.2001. 23 Supremo Tribunal Federal. RE n. 366.488, Rel. Carlos Velloso, j. 03.10.2005. 24 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.889, Consulta 689, Rel. Min. Fernando Neves, j. 09.10.2001.

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Por outro lado, havendo sucessão, leva-se em consideração, sobretudo, a assunção definitiva do cargo, ainda que interina, porquanto o sucessor exercerá poderes inerentes ao mandato popular outorgados ao titular. Assim, o vice apenas poderá pleitear o cargo do titular uma única vez, partindo da premissa de que ele já esta pleiteando sua reeleição, e, consoante Thales Cerqueira, “isto ocorre porque o Vice exerceu o cargo do titular em sua plenitude, em caráter de definitividade; logo, pode apenas se reeleger, pois mais do que isso caracterizaria terceiro mandato”25.

Nesse viés, conforme o Ministro Cesar Peluso “o vice-prefeito reeleito pode candidatar-se, uma única vez, ao cargo de prefeito na eleição subseqüente”26. Entretanto, na hipótese em que “o vice-prefeito que tenha sucedido o titular, tornando-se prefeito, e, posteriormente, tenha concorrido e vencido as eleições para o cargo de prefeito, não poderá disputar o mesmo cargo no pleito seguinte, sob pena de se configurar o exercício de três mandatos consecutivos no âmbito do Poder Executivo”27.

Todavia, o titular reeleito não pode candidatar-se à vice consecutivamente, já que poderia tornar-se titular pela terceira vez nas hipóteses de substituição e sucessão. De acordo com o Ministro Peçanha Martins “o chefe do Executivo que se reelegeu para um segundo mandato consecutivo não pode se candidatar para o mesmo cargo nem para o cargo de vice, no pleito seguinte naquela circunscrição”28, afirma ainda que “o fato de o pleito ser renovado não gera a elegibilidade daquele que exerceu o mandato por dois períodos consecutivos”29.

Ademais, o §6º do art.14 da Carta Magna, prevê que para que o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos possam concorrer a outro cargo eletivo, devem se desincompatibilizar até seis meses antes da eleição que pretendam disputar.

Nesse contexto, a desincompatibilização consiste no afastamento do cargo para que o candidato possa disputar outra vaga na representação popular. Em relação ao referido parágrafo do texto constitucional, a desincompatibilização é definitiva, uma vez que é exigida a renúncia ao mandato eletivo para que o chefe do executivo possa disputar outro cargo.

Esse instituto tem como escopo afastar o postulante de sua função pública, para que não faça uso desta em favor de sua candidatura. Nesse sentindo, afirma Marcos Ramayana que “tutela-se com a desincompatibilização a isonomia entre os pré-candidatos ao pleito eleitoral específico, bem como a lisura das eleições contra influência do poder político e/ou econômico e a captação ilícita de sufrágio, porque incide uma presunção jure et de jure que o incompatível utilizará em seu benefício a máquina da Administração Pública ”30.

Ressalta-se que, em relação a outros cargos, para que a elegibilidade seja readquirida é necessário que o pré-candidato desincompatibilize-se dentro do prazo legal, qual seja, seis meses antes do pleito, conforme determina a Lei Maior. Esse prazo é contado a partir do dia do primeiro turno das eleições, que ocorrem no primeiro domingo do mês de outubro do ano eleitoral, e, não sendo respeitado, o cidadão tornar-se-á inelegível para postular outros mandatos em relação àquela eleição.

25 CERQUEIRA, Thales Tácito. Direito eleitoral esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 640. 26 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.679, Consulta 1.471, Rel. Min. Antonio Cezar Peluso, j. 13.12.2007. 27 Tribunal Superior Eleitoral, Resolução n. 22.679, Consulta 1.471, Rel. Min. Antonio Cezar Peluso, j. 13.12.2007. 28 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.993, Consulta 1.138, Rel. Francisco Peçanha Martins, j. 24.02.2005. 29 Ibid. 30 RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 272.

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Por outro lado, no caso em que o chefe do executivo deseja reeleger-se não é necessário que renuncie a seu mandato, por inteligência do §5º do art.14 da CF, porquanto não há previsão, estando em consonância com o parágrafo seguinte. Conforme o Supremo Tribunal Federal “Somente a Constituição poderia, de expresso, estabelecer o afastamento do cargo, no prazo por ela definido, como condição para concorrer à reeleição prevista no § 5º do art. 14, da Lei Magna, na redação atual. Diversa é a natureza da regra do § 6º do art. 14 da Constituição, que disciplina caso de inelegibilidade, prevendo-se, aí, prazo de desincompatibilização”31.

No que diz respeito ao vice que sucedeu o titular, é necessário que haja desincompatibilização, porquanto a Corte Superior Eleitoral entende que “caso o sucessor postule concorrer a cargo diverso deverá obedecer ao disposto no art.14, §6º, da Constituição da República”32, uma vez que o vice assumiu definitivamente o cargo do titular, equiparando-se a este, submetendo-se, a partir de então, as mesmas regras.

Não obstante, caso o vice queira candidatar-se ao cargo do titular, ou para outro cargo, não necessita desincompatibilizar-se, desde que não haja sucedido, ou substituído o titular nos seis meses anteriores ao pleito. Pois, de acordo com Marcos Ramayana, “a solução referente aos titulares dos mandatos do Executivo deve ser ampliado por princípio isonômico aos vices, considerando que os direitos públicos políticos subjetivos passivos não podem ser restringidos quando não há expressa menção constitucional, além da vinculação das eleições realizadas em chapa uma e indivisível”33.

Entretanto, havendo sucessão, ou substituição nos seis meses que antecedem as eleições, impõem-se a desincompatibilização, visto que “já definiu o STF que a Emenda Constitucional no 16/97 não alterou a regra do § 6o do art. 14 da Constituição Federal. Se o vice que se tornou titular desejar ser eleito para o cargo de vice, deverá renunciar ao mandato de titular que ocupa até seis meses antes do pleito, para afastar a inelegibilidade”34, consoante ponderação do TSE. 3.2 INELEGIBILIDADE RELATIVA EM RAZÃO DO PARENTESCO

Determinados cidadãos são inelegíveis para certas eleições em razão de condições inerentes aos seus laços consanguíneos ou socioafetivos, ou ainda, em virtude de seu vínculo matrimonial, com o chefe do poder executivo, conforme prevê o §7º do art.14 da Constituição.

Consoante o referido dispositivo “São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”35.

Assevera-se que, de acordo com o entendimento do TSE, essa norma constitucional busca evitar que tais candidatos sejam beneficiados pela influência do ocupante do cargo de chefe do executivo, bem como visa impedir a consolidação do poder político em mãos de uma única família, coibindo-se a perpetuação de grupos familiares no poder.

Note-se que a inelegibilidade somente existirá quanto aos cargos em disputa dentro da circunscrição em que o chefe do executivo exerce suas funções, caso ocorra

31 Supremo Tribunal Federal. ADI-MC 1805-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 26.03.1998. 32 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.889, Consulta 689, Rel. Min. Fernando Neves, j. 09.10.2001. 33 RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 291. 34 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.129, Consulta nº 1.179, Rel. Min. Marco Aurélio; j. 15.12.2005. 35 RAMAYANA, Marcos. Legislação Eleitoral Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 4.

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pretensão de candidatura em local diverso não haverá incidência deste impedimento, todavia, dispõe a súmula nº 12 da Corte Superior Eleitoral que “são inelegíveis, no Município desmembrado e ainda não instalado, o cônjuge e os parentes consaguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Prefeito do Município-mãe, ou de quem o tenha substituído, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo”36.

Nesse sentido, consoante o Ministro Fernando Neves, “é possível a candidatura de cônjuge de prefeito reeleito para o mesmo cargo em outro município do mesmo estado, sendo vedada apenas em localidade que resulte de desmembramento, incorporação ou fusão do município em que o referido prefeito exerce seu cargo”37.

Ademais, ressalta-se que essa restrição também se insurge na hipótese em que o chefe do poder executivo do município-mãe pretende candidatar-se para o mesmo cargo no município desmembrado, segundo o TSE “Não há impedimento para que o prefeito reeleito possa candidatar-se para o mesmo cargo em outro município, salvo em se tratando de município desmembrado, incorporado ou resultante de fusão, não cuidando tal hipótese de um terceiro mandato, vedado pelo art. 14, § 5º, da Constituição Federal”38.

Em relação à sucessão ou substituição do titular, somente subsistirá a inelegibilidade dos parentes do substituto se ela ocorrer nos seis meses anteriores ao pleito. Por outro lado, na hipótese de sucessão, independentemente do momento, aqueles que têm vínculo parental com o sucessor ficarão impedidos de postular mandato dentro daquela circunscrição.

Nesse viés, frise-se que, de acordo com a parte final do citado §7º, se o parente ou cônjuge já é titular de um mandato eletivo e postula sua reeleição, não persistirá a inelegibilidade, visto que, segundo Thales Cerqueira, “esse direito lhe fora assegurado antes do nascimento da inelegibilidade decorrente do parentesco com o titular do Poder Executivo”39.

Não obstante, em 1997, com o advento da Emenda Constitucional nº16, que possibilitou a reeleição dos chefes do executivo, ainda que tenha alterado somente a redação do §5º do art.14 da Lei Maior, influenciou o entendimento da Corte Superior Eleitoral quanto à interpretação do §7º do referido artigo.

Anteriormente, a jurisprudência era uníssona no sentido de que se a renúncia pelo titular do mandato, nos seis meses anteriores à eleição, viabilizava sua candidatura para outro cargo, então, era viável a candidatura de seus parentes e cônjuge para outros cargos, desde que não ao mandato do titular.

Todavia, para que chegasse a esta conclusão, o TSE conjugava os §§6º e 7º do art.14 da Constituição, visto que, de acordo com Thales Cerqueira “a leitura isolada do §7º do art.14 levava à inelegibilidade absoluta dos parentes e cônjuge do titular do Executivo (...)”40. Porém, este era o entendimento da Corte Superior Eleitoral, consoante a revogada Súmula nº6 deste tribunal, que considerava inelegível para o cargo de prefeito, os parentes e cônjuge do titular do mandato, independentemente da renúncia, mesmo que feita dentro do prazo legal.

Contudo, a partir da EC nº16/97, consoante o referido autor “o TSE deu nova interpretação à Súmula nº6, assentando que o cônjuge e os parentes do chefe do Executivo são elegíveis para o mesmo cargo do titular, quando este for reelegível e tiver se afastado definitivamente até 6 meses do pleito”41.

36 Ibid. p. 205 37 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 21.696, Consulta 1.015, Rel. Min. Fernando Neves, j. 30.03.2004. 38 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.487, Consulta 936, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 04.09.2003. 39 CERQUEIRA, Thales Tácito. Direito eleitoral esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 631. 40 Ibid. p. 663. 41 Ibid.

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Nesse sentido, afirma o Ministro Sepúlveda Pertence que “com essa tradição uniforme do constitucionalismo republicano, rompeu, entretanto, a EC 16/97, que, com a norma permissiva do § 5º do art. 14 CF, explicitou a viabilidade de uma reeleição imediata para os Chefes do Executivo. Subsistiu, no entanto, a letra do § 7º, atinente a inelegibilidade dos cônjuges e parentes, consangüíneos ou afins, dos titulares tornados reelegíveis, que, interpretado no absolutismo da sua literalidade, conduz a disparidade ilógica de tratamento e gera perplexidades invencíveis”42.

Com efeito, não era razoável que os parentes e o cônjuge fossem inelegíveis, enquanto o titular do mandato podia reeleger-se, porquanto se admitiu com o implemento da aludida emenda constitucional. Destarte, a jurisprudência optou por uma interpretação conjunta e sistemática de alguns parágrafos do art.14 da CF, tendo em vista a nova realidade constitucional, conforme a Ministra Ellen Gracie “a única solução razoável é a que conjuga os ditames dos §§5º e 7º e lhes dá leitura condizente com os princípios que informaram a redação das normas constitucionais”43.

A compatibilização da reeleição com a regra da inelegibilidade reflexa impõe que daquela, que se refere somente aos chefes do executivo, surtam efeitos em relação aos parentes e cônjuges. Logo, pode-se dizer que, se de um lado, o titular do mandato determina a inelegibilidade de seu cônjuge ou parente, é pertinente que sua desincompatibilização, no prazo legal, restitua-lhes a elegibilidade.

Desse modo, conforme Marcos Ramayana “se o chefe do executivo estiver no seu primeiro mandato e se desincompatibilizar 6 (seis) antes da eleição libera seu parente para fins de sucessão ao mandato eletivo, caso contrário, não é possível a sucessão”44. Todavia, caso o chefe do executivo reeleito desincompatibilize-se, dentro do prazo legal, seu parente e cônjuge apenas poderá pleitear mandatos diversos do cargo do titular.

No que concerne aos vices, adota-se a mesma regra aplicada ao titular, consoante o Ministro Joaquim Gomes “o irmão do vice-prefeito poderá se candidatar ao mesmo cargo de seu parente, ou ao cargo de prefeito, desde que o titular seja reelegível e se desincompatibilize seis meses antes do pleito. Se o vice-prefeito assumir a prefeitura nos seis meses anteriores ao pleito, seu irmão será inelegível”45.

Em relação aos cônjuges, o TSE entende que a referida norma constitucional não se refere somente àqueles que mantêm vínculo matrimonial com o chefe do executivo, mas também recai sobre concubinos, uma vez que a Constituição reconhece a união estável como entidade familiar. Além do mais, em relação às relações homoafetivas, consoante o Ministro Gilmar Mendes “É um dado da vida real a existência de relações homossexuais em que, assim como na união estável, no casamento ou no concubinato, presume-se que haja fortes laços afetivos. Assim, entendo que os sujeitos de uma relação estável homossexual (denominação adotada pelo Código Civil alemão), à semelhança do que ocorre com os sujeitos de união estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art.14, §7º, da Constituição Federal”46.

No mais, consoante o entendimento da Corte Superior Eleitoral, o namoro não gera inelegibilidade, uma vez que esta relação não se caracteriza como união estável. De acordo com o Ministro Fernando Neves “a regra da inelegibilidade inserida no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, não alcança aqueles que mantêm tão-somente um relacionamento de namoro, uma vez que esse não se enquadra no conceito de união estável”47.

42 Supremo Tribunal Federal, RE n. 344.882, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 06.04.2003. 43 Tribunal Superior Eleitoral, REspe 19.442, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 21.08.2001. 44 RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 296. 45 Tribunal Superior Eleitoral. REsp 29.191; Decisão Monocrática ; Rel. Joaquim Benedito Barbosa Gomes; Julg. 11/09/2008; PSESS 46 Tribunal Superior Eleitoral, RESPE 24.564, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01.10.2004. 47 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.655, PA nº 16.337, Rel. Min. Fernando Neves, j. 11.03.2004.

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No caso de dissolução do vínculo conjugal, é pacífico na jurisprudência do TSE que caso ocorra durante o mandado do titular ainda subsistirá a inelegibilidade do cônjuge. Consoante a Súmula nº 18 do STF “a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7º do artigo 14 da Constituição Federal”48.

Todavia, caso a separação de fato tenha ocorrido antes do mandato, sendo reconhecida através do Poder Judiciário durante o curso deste, o STF entende que não se caracterizará a inelegibilidade. Conforme a Ministra Ellen Gracie “havendo a sentença reconhecido a ocorrência da separação de fato em momento anterior ao início do mandato do ex-sogro do recorrente, não há falar em perenização no poder da mesma família (Consulta nº964/DF – Res./TSE nº 21.775, de minha relatoria)”49.

Ressalta-se que a dissolução de vínculo conjugal fraudulenta, com o intuito de garantir a permanência de um mesmo grupo familiar no poder, assim reconhecida em decisão judicial, gera inelegibilidade, conforme dispõe o art.1º, inciso I, alínea “n”, da Lei 64/1990, adicionado pela Lei 135/2010.

Não obstante, se o chefe do executivo vem a falecer durante seu primeiro mandato, antes dos seis meses anteriores ao pleito, seus parentes e cônjuge tornar-se-ão elegíveis, para disputar outros cargos na mesma circunscrição. Porém, apenas o ex-cônjuge será elegível para sucessão do titular, e, sendo eleito, não poderá postular sua reeleição, pois, consoante o TSE, “trata-se de hipótese vedada pelo art.14, §5º, da Constituição Federal, por configurar o exercício de três mandatos seguidos por membro de uma mesma família no comando do poder público”50.

Por outro lado, se o titular reeleito falece, ou tem seu diploma cassado, nos seis meses anteriores ao pleito, persistirá a inelegibilidade do cônjuge e parentes. Todavia, caso a morte, ou cassação, tenha ocorrido mais de seis meses antes das eleições, os familiares do titular são elegíveis em relação a outros cargos naquela circunscrição. Frise-se que nessa hipótese, a cassação e a morte produzem o mesmo efeito da desincompatibilização. 3.3 INELEGIBILIDADE DOS MILITARES

Consoante a Carta Magna, os militares são servidores públicos que integram as Forças Armadas, quais sejam, Exército, Marinha e Aeronáutica. No que concerne à elegibilidade dos militares, dispõe o art.14, §8º, da CF, que o militar alistável é elegível, ou seja, não estando conscrito, possui capacidade eleitoral ativa e passiva, porém, existem certas peculiaridades que a própria Constituição conjecturou.

Dentro deste contexto, note-se que o sistema eleitoral brasileiro não admite candidatos avulsos, desvinculados de um partido político, de modo que a filiação partidária é uma das condições de elegibilidade, prevista no art.14, §3º, inciso V, da CF. Pois, conforme Djalma Pinto, “o partido detém o monopólio da indicação dos postulantes aos cargos eletivos, cabendo aos eleitores a escolha dos nomes, entre os apontados pelas agremiações, para investidura na representação popular”51.

Contudo, a própria Constituição prevê que o militar ativo, em serviço, não pode filiar-se a partido político, conforme dispõe o art.142, §3º, inciso V, que tem como intuito manter os militares desvinculados da militância político-partidária.

48 RAMAYANA, Marcos. Legislação Eleitoral Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 205. 49 Supremo Tribunal Federal. RE n. 446.999-5n. Rel. Min. Ellen Gracie, j. 28.06.2005. 50 Tribunal Superior Eleitoral, Resolução n. 21.508, CTA nº 937, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 25.09.2003, 51 PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 164

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Dessa maneira, em que pese essa aparente antinomia entre normas constitucionais, o TSE optou por uma interpretação construtiva da própria Constituição, entende que “a filiação partidária contida no art. 14, § 3º, V, Constituição Federal não é exigível ao militar da ativa que pretenda concorrer a cargo eletivo, bastando o pedido de registro de candidatura após prévia escolha em convenção partidária”52.

Destarte, em razão dessa situação excepcional, ao militar abre-se uma exceção, visto que para que ele seja candidato não necessita filiação partidária, apenas é necessário que o partido, pelo qual ele pretende concorrer, indique-o através da convenção partidária, com sua prévia aquiescência. Posteriormente, o militar deve pedir o registro de sua candidatura ao órgão competente da Justiça Eleitoral, e informar sua organização, sendo assim, atendidas estas exigências, supre-se a necessidade de filiação.

Todavia, a partir de então, para que adquira totalmente a elegibilidade, o militar deverá afastar-se do cargo, porém, somente após “(...) o deferimento do registro de candidatura é que se dará, conforme o caso, a transferência para inatividade ou a agregação”53.

Conforme dispõe a Lei Maior, o militar deverá afastar-se de suas atividades, se contar menos de dez anos de serviço, sendo desligado da organização que pertence, consoante o TSE “o afastamento do militar, de sua atividade, previsto no art. 14, § 8°, I, da Constituição, deverá se processar mediante demissão ou licenciamento ex-officio, na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada”54.

Por outro lado, de acordo com o art.14, §8º, inciso II, da CF, se tiver mais de dez anos de serviço, o militar será agregado pela autoridade superior, sendo afastado temporariamente do serviço ativo.

Note-se, todavia, que este afastamento somente persistirá até ao ato de diplomação do candidato militar. Caso seja eleito, ele passará para a reserva, caso contrário, regressará às Forças Armadas.

Ademais, ressalta-se que o militar deverá afastar-se do cargo, dentro do prazo legal, estabelecido pela Lei Complementar nº64/90, observando o período máximo para que a Justiça Eleitoral defira seu registro de candidatura, e que tenha sido informado à sua Força. Porém, não havendo desvencilhamento dentro deste período, o militar tornar-se-á inelegível, por força de sua incompatibilidade, conforme entendimento da Corte Superior Eleitoral. E, durante esse período o militar “ficará afastado da zona que exerceu suas atividades funcionais, de modo que não poderá praticar qualquer atividade militar em conjunto com seus comandados, influenciando ou intimidando o eleitorado, pondo em desequilíbrio a isonomia do pleito”55, consoante Thales Cerqueira.

Contudo, frise-se que o militar inativo, que já estiver na reserva, deve filiar-se a partido político dentro do prazo legal, sendo-lhe exigível a condição de elegibilidade referente à filiação partidária, uma vez que os aludidos dispositivos constitucionais apenas abrangem os militares na ativa.

Não obstante, caso o militar passe para inatividade a menos de um ano da escolha em convenção, ele deverá filiar-se a partido político no prazo de 48 horas, contado da entrada na inatividade, cumprindo, assim, a condição de elegibilidade relativa à filiação partidária, conforme entendimento do TSE.

Noutro passo, filiado a partido político que, posteriormente, torna-se militar “perde automaticamente a filiação, e, conseqüentemente, não pode ser eleito para cargo de

52 Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.787, CTA n. 1.014, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 01.06.2004. 53 Tribunal Superior Eleitoral, REsp n. 20.169, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12.09.2002. 54 Tribunal Superior Eleitoral, Resolução n. 20.598, CTA n. 571, Rel. Min. Costa Porto, j. 13.04.2000. 55 CERQUEIRA, Thales Tácito. Direito eleitoral esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 103.

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direção partidária e praticar atos daí decorrentes”56, consoante precedente da Corte Superior Eleitoral.

No mesmo sentido, ressalta-se que se aplica também aos magistrados e membros do Ministério Público a vedação à atividade político-partidária, desse modo, no ato de investidura, caso o servidor seja filiado a partido político, extingue-se a filiação, conforme o TSE a “Filiação partidária não impede a investidura; esta é que impedirá, sob pena de perda do cargo, a permanência daquela”57. Aos magistrados, essa limitação decorre do art.95, parágrafo único, inciso III, da CF, devendo ser observado os prazos de desincompatibilização previstos por lei complementar. Porém, em relação aos membros do MP existe uma peculiaridade, visto que anteriormente a promulgação da EC nº45/2004, que modificou a redação do art.128, §5º, da CF, era possível a candidatura. Contudo, a partir da aludida emenda, restringiu-se o exercício de cargo eletivo sem o devido afastamento definitivo daqueles de suas funções, consoante entendimento da Corte Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise dos dispositivos constitucionais estudados e da legislação infraconstitucional, trazida a lume, em obediência ao comando contido no § 9º, do artigo 14 da Constituição Federal, constata-se que houve um aprimoramento das regras que versam sobre as inelegibilidades, sobretudo com a fixação de critérios legais, objetivando igualar os postulantes, impedindo a pratica de posturas que atentem contra os princípios da administração pública contidos na Lei Maior.

Nesse viés, conforme o exposto, depreende-se que as inelegibilidades, além de limitadoras da capacidade eleitoral passiva, evidenciam a preocupação do legislador constituinte em estatuir um verdadeiro filtro legal, a fim de proteger o regime democrático, a probidade administrativa, e, acima de tudo, o interesse público, colocando a disposição do eleitor, postulantes com conduta isenta de vícios que maculam a legitimidade de sua candidatura.

Neste contexto sobressai com nitidez, a preocupação contida na Carta Magna de resguardar o processo eleitoral e criar barreiras legais, objetivando preservar a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência e o abuso do poder político e econômico, na obtenção do mandato popular e no exercício da função pública. Note-se, no que concerne às inelegibilidades previstas diretamente na Lei Maior, coibi-se com vigor, as condutas tendentes ao aproveitamento do exercício de cargo público, especialmente, da chefia do poder executivo, em proveito próprio, ou de familiares, interferindo no resultado de eleições.

A jurisprudência emanada do TSE tem interpretado de forma restritiva esses dispositivos constitucionais, uma vez que podem acarretar na obstrução a um direito fundamental do cidadão, porém, tem se posicionado firmemente, quanto à clareza destas normas, coibindo as condutas repudiadas pela Constituição, interpretando-a sistemática e construtivamente, sob a égide dos postulados constitucionais.

Os avanços trazidos pela legislação eleitoral, e pelo próprio legislador constituinte reformador, no que tange a inelegibilidades, vem alçando o objetivo de afastar da vida pública postulantes a cargos eletivos, descomprometidos com a ética, a moralidade e a probidade administrativa, impedindo assim previsíveis danos ao erário público.

56 Tribunal Superior Eleitoral, RESPE 9.732; Rel. Min. Torquato Jardim, j.. 19.09.1992. 57 Tribunal Superior Eleitoral, Resolução n. 10.137, Processo n. 4.964, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 08.10.1976.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CERQUEIRA, Thales Tácito. Direito eleitoral esquematizado. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito eleitoral. 3. ed. São Paulo: Del Rey, 2010. PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e responsabilidade fiscal. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. ______. Legislação Eleitoral Brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011. p. 205. Supremo Tribunal Federal. RE nº 366.488; Rel. Carlos Velloso; Julg. 03/10/2005; DJU 28/10/2005. ______. RE nº 344.882; Rel. Sepúlveda Pertence; Julg. 06/04/2003; DJ 06/08/2004; Pág. 22. ______. ADI-MC 1805; DF; Tribunal Pleno; Rel. Min. Néri da Silveira; Julg. 26/03/1998; DJU 14/11/2003; p. 00011. ______. RE nº 344.882; Rel. Sepúlveda Pertence; Julg. 06/04/2003; DJ 06/08/2004. Tribunal Superior Eleitoral. AAG 4598; 4598; Rel. Juiz Fernando Neves da Silva; Julg. 03/06/2004; DJU 13/08/2004. ______. Resolução nº 20.165; PA nº 16.337; Rel. Nilson Naves; Julg. 07/04/1998; DJU 14/05/1998; Pág. 85. ______. Resolução nº 20.165; PA nº 16.337; Rel. Nilson Naves; Julg. 07/04/1998; DJU 14/05/1998; Pág. 85. ______. AgRg-REsp 35.803; Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira; Julg. 15/10/2009; DJU 14/12/2009; Pág. 15. ______. AgRg-REsp 35.803; Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira; Julg. 15/10/2009; DJU 14/12/2009; Pág. 15. ______. RESPE 23347; 23347; Rel. Juiz Carlos Eduardo Caputo Bastos; Julg. 22/09/2004; PSESS 22/09/2004. ______. RESPE 17132; 17132; Rel. Juiz Walter Ramos da Costa Porto; Julg. 14/09/2000; PSESS 14/09/2000. ______. AgRg-REsp 22.128; Rel. Min. Gilmar Mendes; Julg. 23/09/2004; PSESS 23/09/2004.

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______. AgRg-REsp 31.937; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 05/05/2009; DJU 02/06/2009; Pág. 36. ______. RESPE 21707; 21707; Rel. Juiz Humberto Gomes de Barros; Julg. 17/08/2004; PSESS 17/08/2004. ______. AgRg-REsp 24.343; Rel. Min. Gilmar Mendes; Julg. 11/10/2004; PSESS 11/10/2004. ______. Resolução nº 20.889; Consulta 689; Rel. Fernando Neves; Julg. 09/10/2001; DJU 14/12/2001; ______. Resolução nº 20.889; Consulta 689; Rel. Fernando Neves; Julg. 09/10/2001; DJU 14/12/2001. ______. Resolução nº 22.679; Consulta 1.471; Rel. Min. Antonio Cezar Peluso; Julg. 13/12/2007; DJU 11/02/2008. ______. Resolução nº 22.679; Consulta 1.471; Rel. Min. Antonio Cezar Peluso; Julg. 13/12/2007; DJU 11/02/2008. ______. Resolução nº 20.889; Consulta 689; Rel. Fernando Neves; Julg. 09/10/2001; DJU 14/12/2001. ______. Resolução nº 22.129; Consulta nº 1.179; Rel. Marco Aurélio; Julg. 15/12/2005; DJU 13/03/2006. ______. Resolução nº 21.696; Consulta 1.015; Rel. Fernando Neves; Julg. 30/03/2004; DJU 26/04/2004. ______. Resolução nº 21.487; Consulta 936; Rel. Barros Monteiro; Julg. 04/09/2003; DJ 16/09/2003. ______. REspe 19.442; Rel. Min. Ellen Gracie; Julg. 21/08/2001; DJU 07/12/2001. ______. RESPE 9.732; 12.589; Rel. Torquato Jardim; Julg. 19/09/1992; PSESS 19/09/1992. ______. Resolução nº 10.137; Processo nº 4.964; Rel. Néri da Silveira; Julg. 08/10/1976.

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A DISCURSIVIDADE NO TEXTO LEGAL: POSSIBILIDADES E LIMITES

DISCOURSIVITY IN LEGAL TEXT: POSSIBILITIES AND LIMITS

Aloísio Cansian Segundo ______________________________________

Acadêmico do 10º período do curso de Direito pelo UNICURITIBA e do 6º período do curso de Filosofia pela UFPR

Integrante do Projeto de Iniciação Científica “Relações interdiscursivas entre Direito e Literatura”, sob a orientação do Prof. Dr. Benedito Costa Neto e subvenção da Fundação

Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular - FUNADESP

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RESUMO O texto legal apresenta nítidas especificidades quando comparado a outros gêneros dicursivos, tanto no que concerne à sua forma quanto à sua função. No entanto, por ser um enunciado material, como qualquer outra espécie de texto está submetido ao entrecruzamento de discursos em seus interstícios. Deste modo, o texto legal pode ser perfeitamente lido a partir da análise do discurso, bastando para isso que se levem em consideração as peculiaridades de gênero. O presente trabalho pretende, a partir das contribuições de Michel Foucault, Mikhail Bakhtin, Michel Pêcheux e Teun A. van Dijk, analisar como estas peculiaridades são relevantes para as possibilidades e para os limites discursivos do texto legal, especificamente nos campos do poder, da interlocução e da formação. Palavras-chave: lei, análise do discurso, controles discursivos, gêneros textuais.

ABSTRACT The legal text displays marked specificities when compared to other discoursive genders, regarding both its form and its function. However, for being a material enunciation, like any other kind of text it is submitted to the intersection of several discourses inside its interstices. Thus, the legal text can be perfectly read through the perspective of discourse analysis, simply by taking into account the peculiarities of gender. This work intends, starting from the contributions of Michel Foucault, Mikhail Bakhtin, Michel Pêcheux and Teun A. van Dijk, analyze how these peculiarities are relevant to the discoursive possibilities and limits of the legal text, specifically in power, interlocution and formation fields. Keywords: law, discourse analysis, discursive controls, textual genders. 1 INTRODUÇÃO

A análise do discurso, compreendida não como uma disciplina, mas mais propriamente como uma prática acadêmica, pode aclarar o substrato de formação e conformação dos textos, levando a questão a um nível social e ideológico. Deter-se sobre a estrutura dos textos pode revelar o entrecruzamento de discursos que produz a trama sobre a qual determinado texto repousa, e a partir da qual age sobre o sujeito, impondo suas condições, suas limitações e suas permissões do ponto de vista enunciativo. Deste modo, o próprio ato de enunciação textual revela-se submisso à estrutura discursiva que lhe precede e vincula – e, assim, abriga saberes ocultos, entremeados, não-ditos. Vários autores se debruçaram sobre esta questão, dando enfoque não propriamente à estrutura formal do texto, mas nas manifestações de subjetividade (em termos do poder e do saber) que dão a possibilidade para sua ocorrência ou lhe inflam de sentido – colocando o sujeito como o ponto central da análise discursiva.

Entretanto, quando a análise é levada ao campo jurídico, mais propriamente ao campo do enunciado legal, a questão assume outras conformações, outras vias e possibilidades. A lei, como texto e enunciado, também se submete às limitações e travessias discursivas, e também permite manifestações subjetivas sub-reptícias. No entanto, a maleabilidade discursiva da lei ocorre em medida diversa do que em outros territórios do enunciado – um romance, um texto jornalístico, um livro didático, por exemplo –, porquanto sua permeabilidade às manifestações subjetivas do indivíduo que

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escreve é limitada. Isto ocorre porque o texto legal, em sua materialidade discursiva, é rígido, uniforme, sujeito a protocolos específicos que estreitam a passagem das manifestações subjetivas e das recorrências de construção discursiva.

Neste desiderato, a abordagem se pauta pela contribuição de quatro autores tradicionais no campo da análise do discurso, ou de uma possível filosofia da linguagem. Michel Foucault, em várias de suas obras, apresenta esta submissão, este entrecruzamento, como um dos elementos de possibilidade das ciências humanas, no sentido do desvelamento dos poderes e dos saberes que se manifestam nos textos. Em sentido semelhante, Michel Pêcheux analisa o discurso do ponto de vista do acontecimento, e como os eventos que circundam os enunciados podem determinar e subverter sua materialidade e seu encadeamento lógico. Um tanto deslocado temporal e espacialmente da linha francesa contemporânea, Mikhail Bakhtin lança uma ênfase interessante sobre como as funções da linguagem e os gêneros do discurso podem tornar os enunciados mais ou menos permeáveis à subjetividade. Uma outra abordagem possível é trazida por Teun Adrianus van Dijk, que busca revelar como o discurso pode tornar-se uma prática social carregada de poderes políticos e sociais, incentivando e moldando condutas através da dominação do discurso público.

Assim, as funções discursivas que surgem a partir e através do texto legal apresentam possibilidades peculiares em face de outros gêneros discursivos. Este trabalho pretende investigar a questão a partir de três perspectivas: seus desníveis de poder, de interlocução e de formação.

2 ENTRECHOQUE DE PODERES

Dentre as várias perspectivas possíveis na análise do discurso, o exame feito por Michel Foucault caracteriza-se justamente por levar a questão ao campo dos saberes e dos poderes ocultos nos interstícios dos discursos. A busca de regularidades discursivas é o ponto de partida para o delineamento dos elos e das interconexões que se manifestam na materialidade do enunciado, a partir e através do sujeito que enuncia. Nas palavras do próprio Foucault (2009a, p. 30), trata-se de

encontrar, além dos próprios enunciados, a intenção do sujeito falante, sua atividade consciente, o que ele quis dizer, ou ainda o jogo inconsciente que emergiu involuntariamente do que disse ou da quase imperceptível fratura de suas palavras manifestas, […] de reconstituir um outro discurso, de descobrir a palavra muda, murmurante, inesgotável, que anima do interior a voz que escutamos, de restabelecer o texto miúdo e invisível que percorre o interstício das linhas escrita e, às vezes, as desarruma.

Assim, qualquer texto possui, por detrás de si, uma grade de discursos que falam

(ou sussurram) nas suas entrelinhas, revelando saberes cujo percurso pode ser traçado de modo mais ou menos preciso – é desta concepção que se cunha a expressão “arqueologia do saber”. Foucault afirma, na mesma obra (2009a, p. 50), que as condições para o aparecimento de um ou mais discursos envolvem um feixe complexo de relações que “são estabelecidas entre instituições, processos econômicos e sociais, formas de comportamento, sistemas de normas, técnicas, tipos de classificação, modos de caracterização”, e que “determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para poder falar de tais ou tais objetos, para poder abordá-los, nomeá-los, classificá-los”. Partindo desse ponto de vista, Foucault vê ser possível traçar o percurso dos discursos a partir do modo como se manifestam nos diferentes textos ou enunciados; como as regularidades discursivas no discurso clínico, por exemplo, limitavam a abordagem de

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certos temas e determinavam sua forma ‒ apresentando esta restrição como puramente clínica, e não discursiva.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao texto legal: à lei só é dado tratar de certos temas, relativos ao patrimônio, às relações civis, ao complexo de direitos e deveres que constituem o indivíduo, aos danos que uma conduta divergente pode produzir na sociedade, às consequências de tal conduta, etc. Não se confere à letra da lei qualquer espécie de valoração subjetiva, porque a norma legal deve ser objetivamente apreensível por todos. E, como qualquer outro enunciado, a lei revela saberes: seu conteúdo normalmente pode ser compreendido observando-se a dinâmica das sociedades anteriores, e o modo como determinados temas eram retirados do escopo da lei. O conjunto de práticas legislativas reflete de modo mais ou menos preciso o conjunto de práticas sociais.

Neste escopo, é importante destacar também uma função de seletividade presente no discurso legal. De modo geral, o conteúdo da lei é restrito apenas a um grupo limitado de indivíduos, tidos como os únicos aptos a trabalhar com os institutos jurídicos, a interpretá-los, a descrevê-los. O modo como a lei é redigida, os termos que utiliza, a localização dos termos na dinâmica das frases normativas torna a lei praticamente ininteligível para os “não-iniciados”. Por mais que esta seja uma questão de formulação, é certo que revela um tipo de poder social, uma segregação ou estratificação entre os “doutores” e os “leigos”.

Foucault também aborda em outra obra (2009b, p. 9) a existência de controles sobre a produção discursiva, e apresenta a hipótese da “interdição”: um poder, externo ao discurso, que fixará o ponto limítrofe da enunciação. Há coisas sobre as quais não se pode falar, ou ao menos não se pode falar abertamente em qualquer situação. A lei também se submete às interdições sociais. É por conta delas, por exemplo, que o regramento legal da morte no Código Civil Brasileiro (Livro V da Parte Especial) cria um instituto intermediário (a figura da “sucessão”), para que não se trate diretamente da morte, e transforma a morte em um evento que deflagra eventos meramente patrimoniais. Em outras espécies de enunciados, como a literatura, como as valorações em torno da morte são possíveis, seu aparecimento discursivo é mais complexo, rico.

Quanto a este ponto específico, a questão toca o limite entre o poder discursivo e o poder político. A lei se pretende objetivamente cogente, mas é inconscientemente adstrita ao conjunto de discursos que a precedem, e por isso é dotada de uma dupla coatividade: além de perpetuar os discursos ocultos, vincula a conduta social dos indivíduos. Assim, a sedimentação das forças discursivas na dinâmica da sociedade acaba se tornando mais rápida e eficaz, porque a lei não pode ser questionada, mas apenas obedecida. A trama discursiva e suas regularidades manifestadas no texto legal acabam se tornando não apenas vinculativas, mas também indiretamente obrigatórias.

Neste contexto, Teun A. van Dijk, teórico holandês, estabelece uma relação entre o domínio do discurso e o controle da conduta social. Por mais que leve a análise a um território mais propriamente político, e que tome por pressuposto fático o poder exercido pela mídia em face da sociedade, o raciocínio é perfeitamente aplicável ao monopólio da produção legislativa. Se a lei está sujeita a grades discursivas como qualquer outro texto, e se possui a característica complementar de perpetuar os discursos com maior eficácia, consequentemente poderá ser utilizada como instrumento de dominação dos grupos sociais que detém o poder de fato. Na análise das possíveis “dimensões do poder”, van Dijk lista em primeiro lugar as instituições de poder (os governos, os parlamentos, etc.), que podem “associar-se com seus gêneros de discurso específicos, eventos comunicativos, tópicos, estilos e retóricas” (VAN DIJK, 2012, p. 55). Por meio dessas relações estratégicas de dominação discursiva, é possível ao Estado incutir ideologias, perpetuar práticas e vincular ações sociais. Psicologicamente,

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Obtém-se um controle direto sobre a ação por meio de discursos que possuem funções pragmáticas diretivas (força ilocutória), tais como comandos, ameaças, leis, regulamentos, instruções e, mais indiretamente, por meio de recomendações e conselhos […]. Nesse caso, consegue-se a aquiescência muitas vezes através de sanções legais ou de outros tipos de sanção institucional. (VAN DIJK, 2012, p. 52)

A lei é o dispositivo mais eficaz à disposição do Estado para perpetuar práticas sociais por meios enunciativos, pois funde as possibilidades do poder discursivo com a objetividade do poder político. Se van Dijk parte da análise do discurso midiático para relacioná-lo com o poder (consubstanciado na influência ideológica da sociedade em favor das elites simbólicas), a lei adequa-se perfeitamente a uma rede semelhante de poder discursivo-institucional – e com muito mais força, porque, ao contrário da informação, a coatividade da lei atinge todos os cidadãos indistintamente.

Assim, a perspectiva do poder, tanto político quanto enunciativo, amplia o escopo discursivo do texto legal.

3 A FUNÇÃO ENUNCIATIVA DA LEI

Outro aspecto importante é a função comunicativa da lei (tomada agora como enunciado). Como materialidade discursiva, a lei é apenas uma das formas possíveis de utilização da linguagem para a atividade humana, e, como tal, apresenta suas peculiaridades na realização destas atividades. Em outras palavras, o texto legal possui uma faceta essencialmente comunicativa, que envolve interlocução e responsividade. Bakhtin coloca a questão nos seguintes termos:

Porque todo trabalho de investigação de um material linguístico concreto […] opera inevitavelmente com enunciados concretos (escritos e orais) relacionados a diferentes campos da atividade humana e da comunicação – anais, tratados, textos de leis, documentos de escritório e outros […]. Ora, a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua. (BAKHTIN, 2011, p. 264)

Como fenômeno linguístico, o enunciado da lei representa uma unidade de comunicação discursiva. Assim, pressupõe a existência de falantes e ouvintes, de interação comunicacional, de uma certa postura por parte de quem fala e de quem responde. Por mais que Bakhtin resuma a finalidade essencial da língua como sendo a expressão do mundo individual do falante (BAKHTIN, 2011, p. 270), é certo que lhe atribui, ainda que secundariamete, uma função comunicativa. E, neste sentido, a dinâmica da interação comunicativa entre o prolator do discurso e seu “ouvinte” assume, para Bakhtin, uma estrutura específica: em vez da passividade do ouvinte, espera-se por parte deste uma “ativa posição responsiva”, ou seja,

Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2011, p. 271)

Tomando o texto da lei como um fenômeno comunicativo da língua (deixaremos a questão da subjetividade para a próxima seção), a intersubjetividade assume contornos muito peculiares. Afinal, quem são os sujeitos dessa relação comunicativa? Quem fala? Quem ouve, e que tipo de resposta se espera do ouvinte? Em se tratando da lei, por conta de sua função muito bem definida na dinâmica das relações sociais, é certo que

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não se espera um “diálogo” propriamente dito, mas muito mais uma determinação compreendida e cumprida pelos cidadãos.

Assim, quem prolata o discurso é, por pressuposto, o Estado, a figura abstrata e descontínua do “legislador” – em última instância, ao menos no plano teórico-utópico, é a própria sociedade. Na outra ponta, na figura do “ouvinte”, o cidadão, submetido às determinações unilaterais e cogentes da norma; e tomado pela própria lei da perspectiva da alteridade. O interlocutor da lei é “o outro”, submisso, vulnerável, compelido – por mais que o Direito e as demais ciências sociais reafirmem, com razão, a coatividade da lei como expressão e contraface do próprio poder do Estado. Por fim, como toda interlocução exige uma “atitude responsiva” por parte do receptor, no caso específico da lei a situação é muito mais clara: o Estado-prolator espera apenas a eficácia da norma no plano da conduta do cidadão-interlocutor. A única ação responsiva perante o texto legal é o seu cumprimento ou não-cumprimento (devidamente sancionado ou justificado), o que é determinado pela posição do Estado em face dos cidadãos. O fundo político vincula a função comunicativa da lei, e volta a remetê-la aos territórios do poder – no entanto, os elementos da relação comunicacional estão claramente caracterizados, o que reafirma o caráter discursivo do texto legal, ao menos no plano enunciativo.

Essa dinâmica da comunicação pelo texto legal – o Estado como único prolator, o indivíduo como único ouvinte, a questão da eficácia como única resposta possível – determina uma parcela considerável das possibilidades da discursividade na lei. Paralelamente à questão do poder, a função comunicativa do texto legal traça os limites precisos de suas condições discursivas.

4 O GÊNERO COMO FATOR LIMITADOR DA SUBJETIVIDADE

Devido às modalidades de criação e de surgimento do texto legal (sua aparência, seu vocabulário tecnicista, sua estrutura intransponível para aqueles que não conhecem os fundamentos da ciência jurídica, seu relativo distanciamento do mundo dos fatos), que não deixa também de revelar estruturas de poder em um nível inferior à materialidade do enunciado, fica claro que outra forma de controle se exerce sobre a lei: um ritual típico de aparecimento, nos moldes do que afirma Foucault (2009b, p. 10) quando trata da interdição como forma de controle ligada ao desejo e ao poder. No texto legal, as palavras devem aparecer de uma forma bem específica, a voz passiva e a inversão de frases dificultam a apreensão do objeto das normas, a repetição de termos é evitada, criam-se termos exclusivamente jurídicos cujo significado é praticamente o mesmo de seus correspondentes ordinários, termos estrangeiros (latinos, franceses, italianos) são integrados ao léxico das leis e regulamentos.

Por conta dessa especificidade, a qual (inconscientemente, talvez) torna o texto da lei relativamente uniforme e padronizado, os caminhos discursivos são novamente afetados, por meio da contenção de um elemento fundamental na emergência dos discursos: a subjetividade. Se o discurso precede o enunciado e o sujeito, ao mesmo tempo é permeável a centelhas de subjetividade que o prolator imprime no próprio ato de enunciação. Isso é visível no diálogo cotidiano, no texto jornalístico, no texto literário, didático, etc., os quais permitem essa transposição (do sujeito através do discurso) com maior facilidade; entretanto, há determinados gêneros textuais que filtram a subjetividade devido à sua função, sua forma ou sua circunstância específica.

Bakhtin (2011, p. 270) entende ser a função primordial da linguagem expressar o “mundo individual do falante”, de modo que

a essência da linguagem nessa ou naquela forma, por esse ou por aquele caminho, se reduz à criação espiritual do indivíduo […]. O enunciado satisfaz ao seu objeto (isto é, ao conteúdo do pensamento enunciado) e ao próprio

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enunciador. Em essência, a língua necessita apenas do falante – de um falante – e do objeto de sua fala. (BAKHTIN, 2011, p. 270)

No entanto, mais adiante, Bakhtin (2011, p. 282) aborda a questão dos gêneros do enunciado (definidas por ele como as “formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo”), e de como a escolha – no caso da lei, não se trata de uma “escolha”, mas simplesmente da perpetuação involuntária de uma estrutura já definida – do gênero enunciativo obedece às circunstâncias específicas do falante, relativas à situação, à posição social, e às relações pessoais de reciprocidade entre os interlocutores. Assim, há certos gêneros que, por elevados, oficiais ou respeitosos, adquirem formas padronizadas estáveis e nos quais “só leves matizes de uma entonação expressiva […] podem refletir a individualidade do falante (a sua ideia discursivo-emocional)” (BAKHTIN, 2011, p. 284). Assim, a conformação do texto legal seleciona de modo muito claro as parcelas de subjetividade que serão transpostas à materialidade do enunciado, dominando seu aparecimento e suas manifestações. Trata-se de um controle muito específico, peculiar, próprio da lei, que novamente determina suas condições discursivas.

Ainda no campo da subjetividade, outro espectro de análises é possível: desta vez a partir da perspectiva fornecida por Michel Pêcheux, o qual situa o enunciado no centro de um cruzamento de discursos. O enunciado seria, para Pêcheux, equívoco – porque os discursos que se obliquamente entrechocam ao seu redor possuem significações distintas. Sobre um enunciado, é perfeitamente possível a tentativa de parafraseá-lo; no entanto, tal tentativa redundaria sempre em confrontos discursivos, porque apesar de a remissão coincidir ao mesmo fato, não se constroi a mesma significação (PÊCHEUX, 2008, p. 20). Neste ponto específico, Pêcheux se vale da distinção feita por Frege, teórico da lógica formal, entre Sinn (significado) e Bedeutung (referência); e demonstra como estas constelações discursivas rompem o nexo lógico dos enunciados.

Na obra em comento, Pêcheux descreve como o enunciado “on a gagné” (algo como “ganhamos”, em tradução livre) é matizado pelo contexto dos acontecimentos que cercam a vitória presidencial de François Mitterand na França, em 1981. A cada nova enunciação, o fato ganha novos contornos, a depender dos feixes discursivos que lhe dão substrato. Assim, um enunciado a princípio opaco é inflado pelo que se poderia chamar de uma “subjetividade coletiva”, ou seja, uma variância de significados sobre o mesmo enunciado estruturada sobre as possíveis concepções de um mesmo fato.

A partir do exemplo de um acontecimento, o do dia 10 de maio de 1981, a questão teórica que coloco é, pois, a do estatuto das discursividades que trabalham um acontecimento, entrecruzando proposições de aparência logicamente estável, suscetíveis de resposta unívoca (é sim ou não, é x ou y, etc.) e formulações irremediavelmente equívocas. (PÊCHEUX, 2008, p. 28)

Um raciocínio semelhante pode ser desenvolvido a partir do texto legal. A lei, como enunciado, pode também ser caracterizada como um “evento coletivo”, um fato que submete e vincula todos os indivíduos. Por isso, caracteriza-se por conjunturas fáticas que a matizarão, inflarão seu significado de acordo com as circunstâncias políticas e sociais que a circundam; é, portanto, possível afirmar que a lei, como enunciado-evento, absorve os discursos sociais. Esse é um dos motivos pelos quais há conflitos normativos hermenêuticos, tanto no plano jurisdicional quanto no acadêmico (sem esquecer as eventualmente prosaicas valorações individuais): apesar de constituir um único enunciado, o texto da lei é por essência equívoco; logo, admite tantas valorações quantos serão os intérpretes. É por isso que se justifica o esforço hermenêutico diante da qualquer norma, ainda que o resultado de tal esforço seja apenas mais uma manifestação discursiva. Além disso, a lei é uma construção enunciativa cujo aparecimento se submete

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à estrutura discursiva já preexistente – de modo que, no campo da subjetividade coletiva, reproduz os mesmos discursos, continuando seu fluxo.

Assim, se por um lado o surgimento do texto legal como gênero do enunciado limita a emergência subjetiva, por outro, admite valorações coletivas e desvios de significado por meio de uma subjetividade descontínua, plural, no âmbito do acontecimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para cada vértice discursivo apontado pela análise do discurso (como prática acadêmica), o Direito apresentará uma razão jurídica que a justifique. A teoria geral do Direito afirmaria, por exemplo, que a lei deve ser objetiva tanto quanto possível, para que os subjetivismos morais não interfiram na interpretação e na aplicação da norma; ou que a terminologia da lei deve respeitar as especificidades dos institutos jurídicos e preservar uma técnica específica. De todo modo, é nítido que as justificativas jurídicas para os percursos discursivos do texto legal simplesmente deslocariam a questão para outro plano: por qual caminho se chegou a tais ou quais conclusões; quais as conjunturas histórico-sociais que desembocaram na objetividade e na técnica legislativa; quais fluxos de poderes podem ser mapeados no âmbito da teoria geral do Direito? Trata-se, fundamentalmente, da mesma problemática discursiva, desterritorializada, mas ainda assim visível.

A lei atua como um universo possível de criação do real. Por meio dela, uma faceta do indivíduo é manifestada, um plano jurídico, um âmbito no qual se desenvolvem relações específicas por meio da delimitação precisa de sua atuação e de sua enunciação. Assim, o texto legal, para além de vincular as condutas individuais, efetivamente constroi uma parte do sujeito, forma e conforma o homem-jurídico a partir não somente do conteúdo normativo, mas também (e principalmente) dos feixes discursivos situados sob sua materialidade visível.

Seja no âmbito do poder, da interlocução ou da formação dos enunciados legais, é certo que a lei reveste-se de um caráter discursivo. Submete-se, portanto, a saberes, a poderes, a limites, a controles, a valorações – é um enunciado como qualquer outro, conquanto apresente suas peculiaridades no que tange às possibilidades discursivas. Os trajetos discursivos no texto legal, então, são delimitáveis à sua maneira, porque formados pelo cruzamento de poderes discursivos e políticos, porque construídos interlocutoriamente em uma dinâmica de interação entre o Estado e o cidadão, e, apesar de limitar as manifestações subjetivas do falante, porque permitem valorações subjetivas na conjuntura fática da coletividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 6 ed. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 2009. ______. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

PÊCHEUX, Michel. O discurso – estrutura e acontecimento. Tradução de Eni Orlandi. São Paulo: Pontes, 1999.

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VAN DIJK, Teun Adrianus. Discurso e poder. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

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A CISG E O INSTITUTO DO NACHFRIST

THE CISG AND THE NACHFRIST

Bruna Bauer King ______________________________________

Academica do curso de Direito do UNICURITIBA Integrande do grupo de iniciação científica em arbitragem e contratos internacionais e

participante do Vis Moot em 2012 e 2013

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RESUMO O presente artigo visa abordar a Convenção de Viena de 1980 (CISG) bem como um de seus institutos, ainda desconhecido ao ordenamento jurídico brasileiro: o Nachsfrist. Tal ferramenta constitui verdadeira inovação ao sistema vigente e, assim como as demais novidades trazidas com a aprovação da Convenção, deve ser estudada a fundo para sua melhor compreensão e utilização. O Nachfrist consiste em uma extensão de tempo garantida a uma das partes em um negócio jurídico, para que esta execute suas obrigações contratuais. Basicamente, o instrumento configura uma opção em detrimento da resolução imediata do contrato, inserindo a flexibilidade necessária da qual as relações jurídicas internacionais necessitam. Palavras-chave: CISG, Nachfrist, extenção de tempo.

ABSTRACT The present article aims to address the Vienna Convention of 1980 (CISG) as well as one of its institutes, still unknown to the national legal system: the Nachsfrist. This tool represents a true innovation to the current system and, like other instruments introduced with the adoption of the Convention, it should be deeply analyzed, in order to understand it and use it. The Nachfrist consists of an extension of time granted to one party in a transaction for it to perform its contractual obligations. Basically, the instrument configures an option to be used instead of the immediate resolution of contract, giving the flexibility which the international relations requires. Keywords: CISG, Nachfrist, extention of time.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil aprovou no dia 04 de março deste ano a Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), tornando-se o 79 Estado-Membro da Convenção. A norma jurídica entrará em vigor em 01 de abril de 2014 e trará um padrão uniforme e equitativo para os contratos de sua esfera de aplicação1.

A Convenção nasceu em 1980 e veio para estabelecer um padrão, com vistas à unificação do direito comercial na era pós-guerra2. Assim, a CISG representa uma resposta à necessidade de uma lei uniforme de compra e venda internacional de ampla aceitação. A lei foi aderida por uma considerável quantidade de nações, abrangendo os cinco continentes e diversas culturas e sistemas legais pelo mundo.

A Convenção se aplica a contratos cujas partes possuem sede negocial em países distintos, ou se as regras de conexão de direito internacional levarem à aplicação da lei de um Estado-Membro da Convenção. A CISG ainda pode ser aplicada por meio da escolha

1 Site da ONU/BR - http://www.onu.org.br/brasil-adere-a-convencao-da-onu-sobre-contratos-internacionais-de-compra-e-venda-de-mercadorias/ 2 Harold S. Burman, Building on the CISG: International Commercial Law Developments and Trends for the 2000’s, 17 J.L. & COM. 355 (1998). Efforts to unify international commercial law date back to the 1930s, under the initiative of the International Institute for the Unification of Private Law, pg. 28

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das partes, nos casos de países que permitem a escolha de lei pela autonomia da vontade3.

Considerando a ratificação da lei pelo Brasil, bem como a contínua globalização das relações comerciais no país, a familiaridade com as disposições contidas na CISG se torna essencial. Com vistas a tal fato, o presente artigo pretende analisar um de seus institutos, ainda desconhecido para o ordenamento jurídico brasileiro. Em seu art. 47, a Convenção traz a possibilidade de se fixar uma extensão de tempo para que uma das partes execute suas obrigações, no caso de estas não terem sido executadas, ou na ocasião de uma execução falha. Como o Código Civil brasileiro não traz qualquer disposição homologa a esta, a inovação trazida pela CISG será brevemente introduzida neste trabalho.

2 O ARTIGO 47 DA CISG E SUA ORIGEM

O artigo 47 da CISG concede às partes o direito de fixar um período de tempo adicional para que uma delas cumpra suas obrigações:

Art. 47: (1) O comprador pode conceder ao vendedor um prazo suplementar de duração razoável, para a execução das suas obrigações. 2) A menos que o comprador tenha recebido do vendedor uma notificação informando de que não este não cumpriria suas obrigações no prazo assim concedido, ele não pode, antes da expiração desse prazo, prevalecer- se de qualquer dos meios de que dispõe em caso de contravenção ao contrato. O comprador não perde, no entanto, por este fato, o direito de exigir indenização por perdas e danos pelo atraso na execução4.

O dispositivo tem sua procedência de sistemas legais de origem germânica, nos

quais recebe o nome de Nachfrist5. Contudo, deve-se destacar que, conforme o art. 7(1) da Convenção, sua

interpretação deve se dar sem a influência de princípios encontrados em leis domésticas6, logo, o conceito como é encontrado nos sistemas germânicos não deve servir de base para a interpretação do art. 47 da CISG.

O art. 47 estabelece que, tanto o comprador como o vendedor, podem fixar um tempo adicional para que a outra parte cumpra suas obrigações, independentemente se tal obrigação é principal ou acessória7.

Para o comprador, o período de extensão pode ser aplicado para o vendedor entregar os bens, substituí-los em caso de não conformidade, repará-los, entregar documentos necessários ou praticar outros atos referentes ao contrato, como por exemplo, a montagem das mercadorias8.

3 Ingeborg Schwenzer, Christiana Fountoulakis, Mariel Dimsey, International Sales Law: a guide to CISG, pg. 1 4 Article 47 of CISG: (1) The buyer may fix an additional period of time of reasonable length for performance by the seller of his obligations. (2) Unless the buyer has received notice from the seller that he will not perform within the period so fixed, the buyer may not, during that period, resort to any remedy for breach of contract. However, the buyer is not deprived thereby of any right he may have to claim damages for delay in performance.Tradução: Prof.ª Dr.ª Iacyr de Aguilar Vieira. Data da publicação neste website: 09/03/2011. 5 Schwenzer, Fountoulakis, Dimsey, op. cit., pg. 369 6Bruno Zeller: GUIDE TO ARTICLES 47 & 49(1)(b): http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/peclcomp47.html 7 Peter Schlechtriem, Commentary on the UN Convention on the International Sale of Goods (CISG), 1998, pg. 395. 8Id.

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Para o vendedor, por sua vez, o período adicional pode ser aplicado para que o comprador realize atos necessários para que a entrega possa ser feita, também para que o comprador possa tomar a posse dos bens ou para que pague as mercadorias9.

3 OS REQUISITOS NO NACHFRIST

3.1 A UM PERÍODO DE RAZOÁVEL DURAÇÃO

Para que o Nachfrist exista, é necessário que a parte fixe um período de tempo adicional razoável.

O primeiro requisito é que tal período de tempo seja específico. Assim, o mero pedido de desempenho da obrigação, por si só, não é suficiente para que o dispositivo do art. 47 seja efetivado10, devendo as partes estipular uma data determinada para o fim do Nachfrist.

Cabe salientar que a determinação deste prazo não requer forma específica. Neste sentido, a jurisprudência internacional demonstra que a mera tolerância por uma das partes, do atraso na execução da obrigação pela outra parte, é suficiente para restar caracterizada a extensão de tempo positivada pelo art. 47 (Rolled steel case)11.

O segundo requisito quanto à fixação do Nachfrist, é que tal período de tempo deve ser razoável. Tal adjetivo, contudo, dependerá em grande parte das circunstâncias que permeiam cada caso, podendo abrir espaço para incertezas, posto que são muitos os fatores que envolvem a estipulação de um tempo que possa ser considerado como razoável12.

Assim, de acordo com Professor Peter Schlechtriem, algumas questões devem ser analisadas para que se determine se a extensão de tempo, em um determinado caso, é razoável ou não13.

Primeiramente, deve-se avaliar o período de tempo inicialmente estipulado pelo contrato, posto que transações com datas de entrega mais curtas justificam um período adicional também mais curto e vice-versa.

O interesse do comprador na rápida entrega das mercadorias e o conhecimento do vendedor sobre tal preocupação, quando da conclusão do contrato, também devem ser objetos de observação na hora de determinar o que será entendido como razoável para um determinado caso.

Posteriormente, deve ser analisada a natureza da obrigação, posto que um período mais longo pode ser considerado razoável quando o contrato tem por objeto maquinário de fabricação complexa e exclusiva, por exemplo. Diferentemente do que ocorre com bens fungíveis, fabricados por atacadistas, caso em que o tempo adicional razoável poderia ser mais curto.

Por fim, para que se chegue a um período de tempo razoável, deve ser analisada a natureza do impedimento que levou à impossibilidade da entrega dentro do tempo estipulado14, sendo que um lapso de tempo mais longo será aceitável quando o óbice for imprevisível ou fora do controle da parte.

9 Id. 10 Id. 11 Rolled steel case, disponível em http://cisgw3.law.pace.edu/cases/971103s4.html. Acesso em 30-04-2013. 1 12Joseph Lookofsky, The 1980 United Nations Convention on Contracts for the International Sale of

Goods, pg. 350 13 Schlechtriem,op. cit., pg. 396 14Schlechtriem,op.cit., pg. 396

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Existe uma diferencia essencial entre um Nachfrist estipulado com razoabilidade e aquele estipulado de forma muito curta.

Mas para que tal diferença seja esclarecida, faz-se preciso analisar o art. 49, 2 (ii) da Convenção:

Artigo 49: (2) Todavia, se o vendedor tiver entregue as mercadorias, o comprador perderá o direito de declarar o contrato rescindido, a não ser que o faça: (ii) após o vencimento do prazo suplementar fixado pelo comprador conforme o parágrafo (1) do artigo 47, ou após o vendedor declarar que não executará suas obrigações no referido prazo suplementar, ou

Tal dispositivo traz a possibilidade de resolução do contrato na hipótese de a outra

parte não cumprir com sua obrigação dentro do tempo adicional concedido para tal fim. Assim, ainda que a parte execute a obrigação, se esta se der após o lapso do

período fixado pelo Nachfrist, a outra parte ainda detém o direito de rescindir o contrato. Entretanto, este direito fica excluído em caso de o Nachfrist não ser de razoável

duração. Ou seja, se o período fixado carecer de razoabilidade, sendo claramente muito curto, a parte lesada não poderá exercer o direito de rescisão do contrato, a não ser que a quebra contratual seja fundamental15.

Para o entendimento desta disposição, imperioso faz-se analisar outra inovação inserida pela CISG: a graduação da quebra contratual.

Diferentemente do que ocorre no sistema brasileiro, a Convenção de Viena de 80 faz distinção entre os tipos de quebra contratual, sendo a quebra fundamental aquela apta a frustrar completamente a expectativa da outra parte com relação ao objeto contratual16.

Assim, frente a um Nachfrist de curta duração, apenas esta espécie de quebra – fundamental - poderia dar ensejo à rescisão do contrato devido ao inadimplemento de uma das partes.

4 APÓS O NACHFRIST SER FIXADO

Após o período adicional de tempo ser fixado por uma das partes, esta não pode recorrer a nenhum outro remédio até que tal período se esgote17, mesmo que o inadimplemento constitua uma quebra contratual fundamental.

A parte que optou pelo Nachfrist pode apenas recorrer a outros remédio em duas situações: no caso de a parte inadimplente se recusar a executar sua obrigação, sendo que, frente a tal situação, não é preciso esperar o período adicional se esgotar para que outros remédios previstos pela CISG sejam utilizados; e se o período adicional expira e a parte em quebra continua a não cumprir sua obrigação18.

Nas duas situações, a parte lesada tem o direito de rescindir o contrato, requerer perdas e danos, além de outros direitos assegurados pela Convenção19.

De se destacar que, ainda que o Nachfrist seja devidamente fixado e a obrigação executada durante a extensão de tempo concedida, a parte lesada resguarda o direito de pedir perdas e danos devido à execução tardia, e tal fato está expresso no texto da lei:

15 Id, p. 397 16 Lauro Gama Jr., A hora e a vez da Convenção de Viena, publicado no jornal Valor Econômico em 22/09/2009. 17 CISG, arts. 47(2), 63(2); Schlechtriem, op.cit, pg. 399. 18 Id. 19 Id.

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2) A menos que o comprador tenha recebido do vendedor uma notificação informando de que não este não cumpriria suas obrigações no prazo assim concedido, ele não pode, antes da expiração desse prazo, prevalecer- se de qualquer dos meios de que dispõe em caso de contravenção ao contrato. O comprador não perde, no entanto, por este fato, o direito de exigir indenização por perdas e danos pelo atraso na execução20.

Assim, o fato de a obrigação ter sido cumprida dentro do prazo estipulado pelo Nachfrist, não exclui qualquer direito ao pleito de danos oriundos pelo atraso.

Neste sentido, John O. Honnold esclarece que tais danos incluem também aqueles gerados durante o Nachfrist, e este entendimento é coerente com a regra geral do artigo 45(2)21 da Convenção, o qual impõe que o comprador não é privado do direito à indenização das perdas e danos por exercer seu direito a outras ações.

Assim, Segundo o doutrinador, o exercício do artigo 47 impossibilita a alegação de que uma modificação foi acordada ou que houve uma renúncia ao direito de requerer danos resultantes do cumprimento tardio22.

5 OS OBJETIVOS DO ART. 47 DA CISG

O propósito por trás da extensão de tempo garantida pelo art. 47 é explicado pelo fato de a CISG ter como um de seus princípios a continuidade da relação contratual, enquanto houver possibilidade de execução das obrigações23.

A ideia de preservação das relações jurídicas é, assim, objeto central da Convenção, logo, o termino destas deve apenas ocorrer em situações extremas. Este princípio da força obrigatória contratual não é apenas uma obrigação moral, mas também figura item essencial do ponto de vista econômico, uma vez que reduz as frustrações dos contratantes quanto às obrigações por eles assumidas24. Neste sentido, Joseph Lookofsky explica que o Nachfrist seria uma segunda chance dada às partes para que cumpra com sua obrigação25.

Além disto, o art. 47 tem a função de eliminar incertezas frente a não entrega de mercadorias no tempo estipulado pelo contrato.

Em um primeiro momento, a notificação do Nachfrist dá uma resposta objetiva sobre se a mercadoria vai ser entregue ou não, e em caso positivo, o dispositivo clarifica quando tal entrega se dará26.

Ademais, a extensão de tempo viabilizada pelo artigo 47 ainda acaba com a incerteza do comprador quanto à necessidade ou não rescisão contratual.

20 Article 47 CISG: (1) The buyer may fix an additional period of time of reasonable length for performance by the seller of his obligations. (2) Unless the buyer has received notice from the seller that he will not perform within the period so fixed, the buyer may not, during that period, resort to any remedy for breach of contract. However, the buyer is not deprived thereby of any right he may have to claim damages for delay in performance.Tradução: Prof.ª Dr.ª Iacyr de Aguilar Vieira. Data da publicação neste website: 09/03/2011. 21 (2) O comprador não perde o direito à indenização das perdas e danos por exercer seu direito a outras ações. 22 John O. Honnold, Uniform Law for International Sales under the 1980 United Nations Convention, 1999, pg, 313-317 23Zeller: op. Cit 24 Lauro Gama Jr., op. cit. 25Lookofsky, op. cit. 26 Chengwei Liu, Additional Period (Nachfrist) for Late Performance: Perspectives from the CISG, UNIDROIT Principles, PECL and Case Law, pg. 5.

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Isto porque, de acordo com Chengwei Liu, no momento da inadimplência da parte, nem sempre é possível averiguar se tal fato irá geral uma quebra essencial do contrato ou não, consequentemente, não há base sólida para que se opte com convicção pela rescisão do negócio ou por sua continuidade27. Com o art. 47, contudo, é possível que se conceda uma extensão de tempo, cujos acontecimentos durante ele, permitem definir se houve ou não a quebra fundamental do contrato.

Desta forma, o Nachfrist constitui uma arma em favor da continuidade das relações contratuais, bem como um instrumento que dá direção à parte lesada frente às incertezas geradas pelo descumprimento de obrigações.

6 CONCLUSÃO

A assinatura da Convenção de Viena de 1980 pelo Brasil deixará os juristas em contato com as inovações introduzidas pela nova lei. O art. 47 é uma destas importantes novidades da CISG. O chamado Nachfrist constitui flexível instrumento, através do qual se permite que a concessão de um prazo adicional para execução de obrigações contratuais pendentes.

Através deste procedimento, a parte prejudicada tem a oportunidade de expressar seu interesse na continuidade da relação negocial, oferendo a outra parte uma nova chance para o cumprimento do contrato. Ademais, a ferramente permite que a parte lesada não seja obrigada a decidir de imediato acerca da essencialidade da quebra contratual e, consequentemente, acerca da necessidade de rescindir o negócio.

Assim, este instituto desmontra-se compatível com os anceios das relações negociais, principalmente as internacionais, as quais requerem flexibilidade, dinamismo e segurança jurídica, para que, ao mesmo tempo que se adequem às peculiariedades de contratos travados entre agentes provenientes de culturas diversas, estes instrumentos concedam a devida previsibilidade e homogeinidade esperada pelo contratantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ZELLER, Bruno. Guide To Articles 47 & 49(1)(B). Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/peclcomp47.html> Acesso em 29 abr. 2013. LIU, Chengwei. Additional Period (Nachfrist) for Late Performance: Perspectives from the CISG, UNIDROIT Principles, PECL and Case Law Commentary on Art. 43 of the 1978 Draft [draft counterpart of CISG Art. 47]: Comment 2. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/secomm/secomm-47.html>. Acesso em 25 mar. 2013. BURMAN, Harold S. Building on the CISG: International Commercial Law Developments and Trends for the 2000’s. 1998. SCHWENZER, Ingeborg; FOUNTOULAKIS, Christiana; DIMSEY, Mariel. International Sales Law: a guide to CISG. 2012.

27 Secretariat Commentary on Art. 43 of the 1978 Draft [draft counterpart of CISG Art. 47]: Comment 2; disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/text/secomm/secomm-47.html>

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LOOKOFSKY, Joseph. The 1980 United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods. Disponível em: <http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/loo47.html> Acesso em 25 abr. 2013. HONNOLD, John O. Uniform Law for International Sales under the 1980 United Nations Convention. 1999. Gama Jr, Lauro. A hora e a vez da Convenção de Viena, publicado no jornal Valor Econômico em 22 set. 2009. Schlechtriem, Peter. Commentary on the UN Convention on the International Sale of Goods (CISG). 1998.

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EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE DE ACORDO

COM O ARTIGO 79 DA CISG

Luana Costa Veronesi

______________________________________ Artigo produzido com base nos estudos do grupo de iniciação científica “Arbitragem como

instrumento para solução de conflitos decorrentes de contratos internacionais” Orientação dos professores Felipe Hasson e Rodrigo Vidal

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RESUMO

Nas relações contratuais privadas internacionais, é muito freqüente que as partes adotem uma lei como a CISG para governar o contrato, afinal, diferentes interpretações do contrato pelas partes são muito comuns. Desta forma, a CISG uniformiza tais discrepâncias e facilita a interpretação e solução para o conflito de leis. Neste estudo, daremos destaque ao Artigo 79 da CISG, relacionado à exclusão de responsabilidade de umas das partes em caso de inadimplemento com uma das cláusulas do contrato. Tal tema é de extrema fragilidade, visto que ao assinar um contrato de partes de diferentes países, cada parte passa por situações econômicas e sociais distintas, ficando suscetível a eventos que, muitas vezes, a impedem de cumprir com o contrato com êxito.

Palavras-chave: contrato, CISG, exclusão de responsabilidade, Artigo 79.

ABSTRACT In the international private contractual relations, it is very usual the parties to adopt

legislation such as the CISG in order to govern the contract signed between them, due to the fact that different interpretations of the contract by the parties are very common. Thus, the CISG standardizes such discrepancies and facilitates the interpretation and the solution for the conflict of laws. In this study, the article 79 of the CISG, which relates to the exemption of liability by one of the parties in case of non performance, will be highlighted. Such subject is of extreme fragility as, when parties from different countries sign a contract, each party goes through distinct economic and social situations, being susceptible to events that sometimes deprive it from complying to the contract successfully.

Keywords: contract, CISG, exemption from liability, Article 79.

1 FUNÇÃO DA CISG Tendo em vista o atual cenário do comércio mundial, fica claro que o intercambio

de produtos e mercadorias entre empresas privadas de diferentes países tornou-se uma prática bastante comum. Apesar de, muitas vezes, haver uma distância física significativa entre vendedor e comprador, acarretando em altos custos de frete, ainda assim o comércio internacional faz-se vantajoso. Todavia, ao celebrar um contrato internacional, não é raro ocorrer um conflito entre as leis dos países das empresas contratantes, especialmente se forem de sistemas jurídicos diferentes.

A fim de solucionar tal conflito de leis, existem certas regras de direito internacional privado, às quais os países podem adotar, visando uniformizar tais discrepâncias. Neste caso, teremos como base a CISG (United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods) ou, em português, CVIM (Convenção de Viena Sobre Contratos de Compre e Venda Internacional). O texto da CISG foi adotado em 10 de abril de 1980, sendo que a Convenção foi aberta para assinatura e adesão no dia 11 de abril de 1980. O Brasil foi o 79 país a ratificar a convenção, em 4 de março de 2013, entrando efetivamente em vigor no dia 1 de abril de 2014.

A função de tal Convenção é governar um contrato celebrado entre partes de diferentes países – que devem ser signatários da Convenção - e, constando no contrato uma cláusula arbitral, seria a lei escolhida pelas partes para aplicar ao mérito do caso.

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A CISG possui um artigo relacionado ao inadimplemento de obrigações contratuais, o artigo 79 – o qual será abordado neste estudo, que visa compreender quais os requisitos necessários para que uma das partes do contrato se torne isenta de responsabilidade por não cumprir com alguma cláusula do contrato.

2 ARTIGO 79

O artigo 79 da CISG compreende as situações em que uma das partes pode se tornar isenta de responsabilidade em caso de inadimplemento com alguma de suas obrigações. Muitas vezes, o não cumprimento com o contrato é uma conseqüência de um subcontrato de uma das partes, ou alguma catástrofe natural, acarretando em prejuízo tanto para vendedor, comprador, e terceiros envolvidos. Não raro é isso ocorrer, afinal, existe uma forte dependência entre diversos setores de produção, envolvendo desde o recolhimento da matéria prima, até o serviço de transporte utilizado para que a mercadoria chegue ao seu destino final.

Artigo 79 (1) Nenhuma das partes será responsável pelo inadimplemento de qualquer de suas obrigações se provar que tal inadimplemento foi devido a motivo alheio à sua vontade, que não era razoável esperar fosse levado em consideração no momento da conclusão do contrato, ou que fosse evitado ou superado, ou ainda, que fossem evitadas ou superadas suas consequências. (2) Se o inadimplemento de uma das partes for devido à falta de cumprimento de terceiro por ela incumbido da execução total ou parcial do contrato, esta parte somente ficará exonerada de sua responsabilidade se: (a) estiver exonerada do disposto no parágrafo anterior; e (b) o terceiro incumbido da execução também estivesse exonerado, caso lhe fossem aplicadas as disposições daquele parágrafo. (3) A exclusão prevista neste artigo produzirá efeito enquanto durar o impedimento. (4) A parte que não tiver cumprido suas obrigações deve comunicar à outra parte o impedimento, bem como seus efeitos sobre sua capacidade de cumpri-las. Se a outra parte não receber a comunicação dentro de prazo razoável após o momento em que a parte que deixou de cumprir suas obrigações tiver ou devesse ter tomado conhecimento do impedimento, esta será responsável pelas perdas e danos decorrentes da falta de comunicação. (5) As disposições deste artigo não impedem as partes de exercer qualquer outro direito além da indenização por perdas e danos nos termos desta Convenção.

Primeiramente, deve-se estabelecer que o “não cumprimento com o contrato” deve ser interpretado da maneira mais ampla possível.

Os critérios para exclusão de responsabilidade por inadimplemento de qualquer obrigação são: motivo alheio à vontade da parte, que não seria razoável levar em consideração no momento da conclusão do contrato; tal evento e suas consequências também não poderiam ser evitados e superados no momento de conclusão do contrato.

De acordo com a Professora Ingeborg Schwenzer, o artigo 79 pode ser aplicado em qualquer caso em que uma das partes não cumpriu devidamente com o que estava estipulado no contrato1. Tais eventos, por exemplo, podem estar relacionados a não

1 SCHELECHTRIEM, PETER & SCHWENZER, INGEBORG. Commentary on the UN Convention on the International Sale of Goods (CISG). New York: Oxford University Press Inc., 2005.

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conformidade do produto, o atraso em sua entrega e também questões relacionadas à fabricação deste (o que acarreta não em um defeito físico em si, mas um defeito “moral”. Por exemplo: produtos que deveriam ser produzidos de maneira ética e tal recomendação ou obrigação não é cumprida). Todavia, não há nenhuma distinção entre tais eventos, cabendo a todos a aplicação do artigo 79 (o evento apenas necessita encaixar-se em um rol de características que serão citadas abaixo).

A opinião na doutrina em geral diverge, pois cada caso deve ser analisado em particular. Deve-se levar em consideração elementos como previsibilidade, controlabilidade, cadeia de fornecedores, as práticas usuais das partes e os subcontratados das partes.

Em suma, os principais aspectos para que a parte seja exclusa de responsabilidade são: imprevisibilidade, incontrolabilidade e, caso o contrato não seja cumprido devido a uma falha de um terceiro, esse terceiro também deveria estar isento de responsabilidade.

3 O QUE SERIA UM “IMPEDIMENTO” VÁLIDO Como será explicado adiante, o evento que impede a parte de cumprir com o

contrato, para ser válido, deve ser: imprevisível, incontrolável e fora da esfera de controle da parte (e de seus subcontratados também). Estão abrangidas situações de force majeure (impedimento de força maior), impraticabilidade e hardship2. O ocorrido também deve estar fora da esfera de controle da parte – não era possível prever e, caso pudesse prever, não poderia evitar.

Isso significa que, se o evento estiver dentro da esfera de controle da parte, ela torna-se responsável automaticamente pelo não cumprimento. Sabendo da possibilidade da ocorrência desse evento, ainda assim assinou o contrato e assumiu o risco – deve ser responsabilizada pelo “ônus” e prejuízo causados à outra parte.

O termo “impediment”, utilizado na versão em inglês da CISG (em português, traduzido para “inadimplemento”), não pode ser interpretado baseando-se em leis domésticas de um país apenas, pois já que o papel da lei é justamente uniformizar e estabelecer uma “língua comum” para os contratos internacionais privados3.

Destarte, ao assinar um contrato internacional e escolher como lei governante a CISG, as partes estão deliberadamente derrogando das definições e conceitos dos códigos civis/comerciais de seus países, para que a interpretação do contrato ocorra de uma forma mais simples e universal.

No caso de um impedimento válido, os Professores Peter Schlechtriem e Ingeborg Schwenzer deixam muito claro, em seu livro Commentary on the UN Convention on the International Sale of Goods (CISG), que no caso de um impedimento temporário, quando este deixa de existir, a parte deixa de ter o direito de exclusão de responsabilidade e deve cobrir todos os danos causados à outra parte4.

De qualquer forma, preenchendo os critérios mencionados acima – imprevisibilidade, incontrolabilidade e impossibilidade de evitar o evento e suas conseqüências - a parte estará escusa de responsabilidade por haver cometido uma quebra contratual.

2 SCHWENZER, Ingeborg; FOUNTOULAKIS, Christiana; DIMSEY, Mariel. International Sales Law.New York: Routledge-Cavendish, 2007. 3 LIU, Chengwei. Force Majeure: Perspectives from the CISG, UNIDROIT Principles, PECL and Case Law. Electronic Library on the International Commercial Law and the CISG. Abril de 2005. 4 SCHLECHTRIEM, PETER; SCHWENZER, INGEBORG. Commentary on the UN Convention on the International Sale of Goods (CISG). New York: Oxford University Press Inc, 2005.

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4 IMPREVISIBILIDADE E INCONTROLABILIDADE Julgar certa ocorrência ou evento como imprevisível e incontrolável é algo

extremamente complexo. Levando em consideração o lugar em que o contrato foi assinado, o lugar onde as partes estão situadas, a economia e o governo dos países, é possível verificar que muitas vezes, a eficácia e o cumprimento de contratos estão submetidos a fatores externos e de maior peso.

O evento que impediu a parte de cumprir com o contrato deve ser imprevisível no momento de celebração do contrato. De acordo com Professor Dionysios P. Flambouras, esta é uma questão relacionada à possibilidade da parte razoavelmente prever a real possibilidade de um evento que a impedisse de cumprir com o contrato5.

O escopo do artigo 79 assume que as partes possuem uma esfera de controle “típica”, pela qual as partes devem ser responsáveis. Em relação aos eventos que ocorrem fora desta esfera, impossíveis de prever e controlar, é que a parte estará isenta de responsabilidade.

De acordo com Professor Chengwei Liu, se a parte previu que o evento que a impediu de cumprir com o contrato poderia acontecer, a parte deve ser considerada responsável, por ter assumido o risco6. Desta forma, fica claro que a parte não pode ser escusa de um fato que, apesar de não provável, era previsto de acontecer. Vale ressaltar também, de acordo com a Professora Schwenzer, que o evento, além de ser imprevisível, deve ser externo à esfera de responsabilidade da parte que deixou de cumprir com o contrato.

Para estabelecer se o impedimento era de fato previsível, deve-se ter como base os termos do contrato, as práticas usuais das partes e todas as circunstâncias relevantes que indicam se a parte poderia ou não ter conhecimento da existência ou da ocorrência do impedimento.

Além de o evento que impede a parte de cumprir com suas obrigações contratuais ser imprevisível, para que a parte seja isenta de responsabilidade, o evento necessita ser também incontrolável.

O impedimento deve ser de um risco impossível de administrar e totalmente excepcional. Se, de alguma forma, a parte poderia ter controle e o evento estava dentro de sua esfera de contemplação, a parte se torna totalmente responsável. Todavia, flutuações no valor de mercado ou no custo de produção geralmente não são aceitos como argumentos válidos, visto que tais fatos são considerados como um risco comum de se correr em qualquer atividade comercial7.

Professor Dionysio Flambouras faz uma lista de eventos que estão dentro do rol abrangido pelo artigo 79, que excluem a responsabilidade da parte por não cumprimento com o contrato:

a) “Atos de Deus”: terremotos, trovões, enchentes, incêndio, tempestade, quebra de safra.

b) Eventos relacionados a circunstancias sociais e políticas: guerra, revolução, motim, golpe de estado, greve.

5 FLAMBOURAS, Dionysios P.. The Doctrines of Impossibility of Performance and clausula rebus sic stantibus in the 1980 Vienna Convention on Contracts for the International Sale of Goods and the Principles of European Contract Law: A Comparative Analysis. Pace International Law Review .Fall 2001. P. 261-293. 6 LIU, Chengwei. Force Majeure: Perspectives from the CISG, UNIDROIT Principles, PECL and Case Law. Electronic Library on the International Commercial Law and the CISG. Abril de 2005. 7 SCHWENZER, Ingeborg; FOUNTOULAKIS, Christiana; DIMSEY, Mariel. International Sales Law.New York: Routledge-Cavendish, 2007.

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c) Impedimentos legais: apreensão dos bens, embargo, proibição de transferência de fundos estrangeiros, proibição ou restrição de importações/exportações estrangeiras.

d) Outros tipos de impedimento: perda da embarcação durante o transporte, furto, roubo ou sabotagem durante o armazenamento ou transporte, greve geral, corte na fonte de alimentação geral8.

Todos os eventos citados acima poderiam, de certa forma, arruinar o negócio da parte e/ou prejudicar o contrato. Entretanto, como já mencionado previamente, cada situação deve ser analisada em particular, visto que o Professor Dionysios Flambouras também cita um incêndio como um evento que poderia ser evitado, caso a culpa do incêndio tenha sido da própria parte – caso ela não tenha tomado todas as medidas necessárias para evitar que ele ocorresse.

Na jurisprudência, já é estabelecido que, preenchidos tais critérios, a parte estará isenta de responsabilidade, como é demonstrado no Stolen Car Case: O [Vendedor] tinha provado com sucesso, que a quebra de contrato ocorreu devido a um impedimento além de seu controle e que não se poderia razoavelmente esperar que tivesse tomado o impedimento em conta no momento da celebração do contrato ou ter evitado ou superado suas conseqüências. O [Vendedor] fez-se tanto no momento da compra e no momento da venda do carro, que o carro estava em condições. Tinha, portanto, feito tudo que fosse necessário para cumprir com as suas obrigações contratuais9.

Eventos que não excluem a responsabilidade da parte por não cumprimento com o contrato: falhas de negócios, incapacidade pessoal, liquidação ou falência, falência dos sistemas de produção ou contabilidade, insuficiência de equipamentos de processamento de dados, falha em manter o pessoal necessário, doença, morte ou prisão do promitente, incapacidade do promitente da fornecedor para lhe fornecer matéria-prima, constituindo greve confronto interno em uma fábrica (uma greve geral, no entanto, constituirá impedimento), ou o aumento excessivo do preço da matéria-prima10.

5 POSSIBILIDADE DE EVITAR/CONTORNAR O IMPEDIMENTO

A parte apenas estará escusa de responsabilidade se provar que tomou todas as

atitudes necessárias para evitar ou contornar as conseqüências do não cumprimento com o contrato11.

O fato de cobrir com os custos adicionais ou aceitar perda de “bônus” do contrato são medidas razoáveis a ser tomadas12. Entretanto, é evidente que se, apesar de ter agido com toda a cautela para que o contrato fosse cumprido com êxito, porém o impedimento estava dentro de sua esfera de controle, a parte deverá ser responsabilizada.

8 FLAMBOURAS, Dionysios P.. The Doctrines of Impossibility of Performance and clausula rebus sic stantibus in the 1980 Vienna Convention on Contracts for the International Sale of Goods and the Principles of European Contract Law: A Comparative Analysis. Pace International Law Review .Fall 2001. P. 261-293. 9 STOLEN CAR CASE. Germany 5 March 2008 Appellate Court München 10 FLAMBOURAS, Dionysios P.. The Doctrines of Impossibility of Performance and clausula rebus sic stantibus in the 1980 Vienna Convention on Contracts for the International Sale of Goods and the Principles of European Contract Law: A Comparative Analysis. Pace International Law Review .Fall 2001. P. 261-293. 11 LIU, Chengwei. Force Majeure: Perspectives from the CISG, UNIDROIT Principles, PECL and Case Law.

Electronic Library on the International Commercial Law and the CISG. Abril de 2005. 12 SCHWENZER, Ingeborg; FOUNTOULAKIS, Christiana; DIMSEY, Mariel. International Sales Law.New York: Routledge-Cavendish, 2007.

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6 SUBCONTRATADOS Nas palavras do Professor Dionysios Flambouras: “No que diz respeito ao

significado de "terceira pessoa", a história da CISG artigo 79 sugere que ele só cobre pessoas que estão agindo de forma independente e não estão dentro da esfera organizacional do promitente, nem sob a sua responsabilidade. Embora tal definição parece bastante simples, é incerto que inclui os fornecedores do vendedor. Sugere-se que os fornecedores do vendedor não devem ser considerados terceiros para efeitos de CISG artigo 79 (2), uma vez que essas pessoas simplesmente criam as pré-condições ou ajudam na preparação para o desempenho da obrigação do promitente, sem, no entanto, a execução de todas ou parte do contrato real (como CISG artigo 79 (2) exige).”

Novamente de acordo com os Professores Peter Schlechtriem e Ingeborg Schwenzer, o Artigo 79(1) é suplementado pelo Artigo 79(2), o qual deixa claro que a parte não pode se esquivar de responsabilidade empenhando terceiros para cumprir com seus obrigações. A parte é basicamente responsável por si mesmo, da mesma forma que é responsável por seus subcontratados13.

Destarte, para efeitos do Artigo 79 da CISG, não deve haver uma distinção entre a parte que assinou o contrato e seus subcontratados. Quando o impedimento para cumprir com o contrato é uma decorrência de um contrato com terceiros, a parte não está isenta de responsabilidade, visto que a parte que sofreu os prejuízos nada tem a ver com a falta do terceiro. A exceção para a regra é que a parte apenas será isenta de responsabilidade, se o terceiro também estiver14.

Ainda assim, o evento deve ser imprevisível e incontrolável, cabendo ao subcontratado todas as características previamente mencionadas para a exclusão de responsabilidade.

7 INFORMAR A OUTRA PARTE SOBRE O IMPEDIMENTO A parte que está deixando de cumprir com o contrato, mesmo que em situações de

force majeure e além de sua esfera de responsabilidade, deve notificar a outra parte o quanto antes15.

Como já estabelecido em jurisprudência, se há qualquer impedimento para cumprir o contrato, de acordo com o Artigo 79(4) da CISG, a parte que não cumprir com sua obrigação contratual deve notificar a outra parte sobre o impedimento e tais conseqüências na performance do contrato. Se a notificação não é recebida pela outra parte num período de tempo razoável após a parte ter conhecimento do impedimento, ela se torna responsável pelos danos causados devido ao não recebimento.

13 SCHLECHTRIEM, PETER; SCHWENZER, INGEBORG. Commentary on the UN Convention on the International Sale of Goods (CISG). New York: Oxford University Press Inc, 2005. 14 FLAMBOURAS, Dionysios P.. The Doctrines of Impossibility of Performance and clausula rebus sic stantibus in the 1980 Vienna Convention on Contracts for the International Sale of Goods and the Principles of European Contract Law: A Comparative Analysis. Pace International Law Review .Fall 2001. P. 261-293. 15 SCHWENZER, Ingeborg; FOUNTOULAKIS, Christiana; DIMSEY, Mariel. International Sales Law.New York: Routledge-Cavendish, 2007.

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8 CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DA EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE O escopo do Artigo 79, neste caso, aplica-se apenas à cobertura dos danos

causados pelo não desempenho. Contudo, a parte que sofreu os danos possui o direito de recorrer e todos os outros remédios contratuais presentes na CISG.

9 CONCLUSÃO Analisando tais argumentos e eventos, fica claro que a exclusão de

responsabilidade é algo extremamente relativo: cada contrato é único e particular, possuindo características relacionadas às partes, ao local onde estão situadas, às suas praticas usuais e à lei escolhida para governar o contrato. Contudo, em todas as hipóteses, a parte tem a obrigação de tomar todas as medidas possíveis necessárias a fim de evitar o evento e amenizar suas conseqüências.

A contratação de terceiros para realização de parte do contrato também é algo para se pensar com cautela, pois em caso de falha do subcontratado – quando esta falha não está dentro da esfera abrangida pelo Artigo 79 da CISG, a parte ainda assim será responsabilizada, respondendo como se fosse sua própria falha.

Finalmente, também faz-se mister que a parte comunique a outra sobre a impossibilidade de cumprir com o contrato. Caso contrário, torna-se responsável a cobrir todos os danos causados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SCHLECHTRIEM, PETER; SCHWENZER, INGEBORG. Commentary on the UN Convention on the International Sale of Goods (CISG). New York: Oxford University Press Inc, 2005. SCHWENZER, Ingeborg; FOUNTOULAKIS, Christiana; DIMSEY, Mariel. International Sales Law.New York: Routledge-Cavendish, 2007. FLAMBOURAS, Dionysios P.. The Doctrines of Impossibility of Performance and clausula rebus sic stantibus in the 1980 Vienna Convention on Contracts for the International Sale of Goods and the Principles of European Contract Law: A Comparative Analysis. Pace International Law Review .Fall 2001. P. 261-293. FROZEN PEAS CASE. Slovak Republic 12 March 2009 District Court in Komarno <http://cisgw3.law.pace.edu/cases/090312k1.html>. LIU, Chengwei. Force Majeure: Perspectives from the CISG, UNIDROIT Principles, PECL and Case Law. Electronic Library on the International Commercial Law and the CISG. Abril de 2005. STOLEN CAR CASE. Germany 5 March 2008 Appellate Court München <http://cisgw3.law.pace.edu/cases/080305g1.html>.

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A LIBERDADE DE CRENÇA: LIMITES AO SEU EXERCÍCIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 19881

Fabiana Soares Prestes _______________________________________ Graduanda do Curso de Direito do UNICURITIBA

Pesquisadora do JUS VITAE – Pesquisa em Biodireito e Bioética pelo UNICURITIBA Participante do IV SPIC – IV Simpósio de Pesquisa e Iniciação Científica promovido pelo Cetro Universitário de Curitiba – Unicuritiba, sobre tema “Liberdade Religiosa e o uso de

animais em rituais religiosos” em setembro/2012

Maria da Glória Colucci ______________________________________

Mestre em Direito Público pela UFPR Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR

Profa. Titular de Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA Profa. Emérita do UNICURITIBA

Profa. Adjunta IV, aposentada, da UFPR Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília (SBB)

Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Membro do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Membro da Sociedade Brasileira para

o Progresso da Ciência (SBPC)

1 Síntese de Texto de Conclusão de Curso a ser apresentado em banca de avaliação do Unicuritiba – Centro Universitário de Curitiba, em junho/2013.

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RESUMO A presente pesquisa, inicialmente, traz noções de religião e liberdade religiosa. No capítulo seguinte apresenta-se a conceituação e análises psicológicas e sociológicas da religião e das liberdades derivadas da liberdade religiosa, as limitações e garantias dos direitos fundamentais, bem como a noção de liberdade religiosa e sua derivação no ordenamento pátrio, em face aos princípios das diversas religiões nos dias de hoje. No terceiro capítulo analisou-se a crítica da liberdade de crença e culto no que tange às religiões de matriz africana, originada pela exceção da Lei 12.131/2004, e opiniões contrárias e favoráveis. Palavras-chave: religião, liberdade religiosa, consciência, culto e crença. 1 INTRODUÇÃO

Mesmo sendo a liberdade religiosa um dos direitos fundamentais, como afirma a Declaração dos Direitos Humanos (1948), por puro preconceito ou falta de conhecimento, vê-se este direito violado constantemente, quase sempre se referindo aos cultos afro-brasileiros. Mas a pluralidade formada por várias raças, culturas e religiões permite que todos sejamos iguais, sendo cada um com sua diferença; isso faz do Brasil o Brasil que é1. Entre uma religião e outra, seja católica, evangélica, judaica, muçulmana, ou de matriz afro, enfim, seja qual for, há fé e fanatismo. A importância do estudo está em explorar o assunto considerando as opiniões divergentes no que tange às garantias constitucionais da liberdade religiosa e suas derivações.

Estudos de psicanálise associados à antropologia buscam explicar o real significado do mito, rituais religiosos estranhos, além da grande influência na sociedade quando de uma organização religiosa, mas tudo muito primitivo, uma vez que são relatos das pesquisas realizadas pelo Pai da Psicanálise no século XIX. Enfim, analisa-se a religião sobre este foco, pois os “fatos psíquicos – consciência, e a organização social, familiar, jurídica, econômica, política e religiosa constituem os significados”2.

Abordar-se-á no trabalho os conceitos de religião e de liberdade religiosa e suas derivações, assim como pela evolução como direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, e de forma pouco mais abrangente, a liberdade de crença e suas limitações, através de legislação vigente e pesquisas jurisprudenciais. 2 RELIGIÃO E LIBERDADE RELIGIOSA

Religião deriva do latim “re ligare”, que significa religação com o divino, englobando qualquer forma de aspecto místico e religioso que abranja seitas, mitologias, doutrinas ou formas de pensamento que tenham como característica fundamental um conteúdo além do mundo físico. Entende-se que a religião é o sistema de crença em seres espirituais, ou seja, crença no sobrenatural, cerne da religião, cujas ações podem ser por eles dirigidas.

1 BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Cartilha da Diversidade Religiosa e Direitos Humanos. Brasília, 2004. 2 VIDILLE, Wagner. Revista Ciência e Cultura: psicanálise e linguagem mística. Ano 64. Nº 1. São Paulo, 2011, p. 25-28.

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Basicamente, estuda-se a religião sobre os aspectos sociais e culturais3. Marina Marconi e Zélia Presotto, quanto ao aspecto cultural da religião dizem que:

[...] reforça e mantém os valores culturais estando muitos deles ligados à ética e à moral. Sustenta e incute normas particulares de comportamento culturalmente aprovadas, exercendo poder coercitivo. Ajuda na conservação de conhecimentos ou normas de conduta importantes em determinada cultura4.

Conforme Èmile Durkein, a religião, em sendo vista nos seus elementos de composição e organização da vida social, só pode ser analisada de fato pela história. E em sua análise, destaque-se o entendimento quanto ao aspecto social da religião:

[...] todas as grandes instituições sociais nasceram da religião. Ora, para que os principais aspectos da vida coletiva tenham começado por ser meras variedades da vida religiosa, é preciso evidentemente que a vida religiosa seja a forma mais elevada e como que uma expressão abreviada de toda a vida coletiva. [...] a sociedade é a alma da religião.5

Observa-se, ao longo da história que a religião tende a ligar-se a setores da vida econômica, política, familiar, estética, de lazer, de segurança; estes são elementos que identificam a função interpenetrativa6 da religião.

Neste sentido, John Bowker de acordo com o entendimento de Èmile Durkhein diz que:

[...] em muitos aspectos a sociedade independe dos indivíduos que por acaso a integram em determinada época; as pessoas criam a religião e os símbolos religiosos, para declarar e reafirmar os valores que mantêm a ordem social; e assim, em qualquer sociedade as estruturas e sanções sociais serão uma contrapartida direta das suas crenças diretas.7

O estudo acerca da religião tem-se realizado, ao longo dos anos, mediante observações das religiões de hoje e análise dos descritos antropológicos das religiões mais antigas, assim como estuda-se a sua origem por teorias classificadas como: psicológicas pela influência sobre o pensamento e as emoções das pessoas, e sociológicas pelo fundamento que diverge das doutrinas psicológicas8.

De acordo com Marina Marconi e Zélia Presotto, pelas teorias psicológicas tem-se como principais fases as seguintes:

a) Mito: pela crença no sobrenatural; entende-se que pela crença em divindades com

poderes para controlar a natureza, o homem primitivo venerava os fenômenos da natureza como o sol, a lua, as estrelas, trovões e raios, pela magnitude com que estes fenômenos aconteciam;

b) Manismo: pela crença nos espíritos; acreditava-se que o culto aos mortos e aos seus espíritos deu origem à religião; no âmbito da religião, tal como da Filosofia, o espírito é absoluto;

3 MARCONI, Marina de Andrade, PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. Cap. Religião e Magia. 6 ed. São Paulo, 2005, p. 151-153. 4 Ibid., p. 160. 5 DURKEIM, Èmile. Sociologia. Cap. III - Religião e Conhecimento. 9 ed. São Paulo, 2005. p. 169. 6 MARCONI, PRESOTTO, op. cit., p. 161-162. 7 BOWKER, John. O Livro de Ouro das Religiões: a fé no Ocidente e no Oriente, da pré-história aos nossos dias. Tradução: Laura Alves e Aurélio Rabello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 12. 8 MARCONI, PRESOTTO, op. cit., p. 160.

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c) Animismo: pela crença na alma; busca-se a compreensão das alucinações,

premonições, sonhos e vida; busca-se a compreensão ao que transcende a matéria, a força vital. No animismo, onde a crença baseia-se nos poderes pessoais9, todos os seres são dotados de alma e esta anima a natureza;

d) Animatismo: pela crença no poder sobrenatural; tinham-se como essenciais as forças emanadas de vegetais, animais e de pessoas, a força espiritual; o poder de fazer coisas incomuns aos homens. Marina Marconi e Zélia Presotto, com base na análise de Durkeim entre outros,

dizem que “[...] pelas teorias sociológicas da religião, observa-se que a principal teoria refere-se ao sagrado e ao profano”. No Brasil do Império, ou no Brasil Colônia, houve uma miscigenação de culturas, tal e qual no tocante à religião. Nesta época, conforme explica Charley Antonio dos Santos10, surgiu o sincretismo religioso como uma ”autodefesa” dos escravos que associaram os seus mandamentos de fé, baseados na natureza, às imposições jesuítas da religião católica. Simbolicamente, os santos católicos passaram a ser cultuados pelos escravos sem que estes deixassem sua cultura, religião e mandamentos de lado. Sendo assim, a religiosidade é conceituada como um conjunto de valores éticos e com tendência a incorporar ensinamentos religiosos à forma de pensar. A liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais do homem, como afirma a Declaração dos Direitos Humanos (1948), é também consagrada como tal em tratados internacionais e nas constituições de países democráticos, bem como pode ser definida como uma liberdade pública, em face do poder estatal11 de impedir violações a este direito.

Pontes de Miranda entende que a liberdade religiosa é uma emanação da liberdade de pensamento de forma específica12. Esta liberdade foi entendida, por Rui Barbosa, como uma liberdade de consciência, “[...] um direito de natureza tão elevada e tão difícil de analisar em teorias, as suas relações com os interesses individuais do homem”13.

O artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) dispõe que: Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras14.

Portanto, a liberdade religiosa, direito fundamental constitucionalizado, passando ao homem, ao indivíduo o direito de ser ateu ou não, o direito de ser agnóstico ou não, o direito de escolher ou não uma religião e, em assim o fazendo, direito de manifestá-la e praticá-la, pela exteriorização da sua fé, buscando adorar a sua divindade de acordo com a sua consciência, e com a sua crença. Foi proposta no século passado, a teoria que a

9 HINNELLS, John R. Dicionário das Religiões. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p. 25. 10 SANTOS, Charley Antonio dos. Sincretismo Religioso. Belo Horizonte, 2007. Disponível em: <http://www.recantodaltras.com.br/resenhas/72983>. Acesso em: 01/09/2012 11 SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 5. 12 Cf. MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1946. t. IV, p. 444. 13 SORIANO, op. cit., p. 8. 14 CORRÊA, Anelize Maximila, MOLIN, Lucia Dal, PAULSEN, Carolina Moreira (orgs.). Direitos Humanos – Documentos Básicos. Pelotas: Educat – UCPEL, 2005, p. 29.

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religião nada mais era que uma reminiscência que o homem guardava de um período primitivo do seu desenvolvimento15.

As normas religiosas de comportamento baseiam-se nas incertezas da vida e variam de uma sociedade para outra16. Por conta disto, prima-se pelo amadurecimento, por parte do povo, da garantia constitucional da liberdade religiosa, ou da liberdade de crença.

O preceito constitucional é amplo, sendo a religião dotada de complexos princípios que orientam ações, pensamentos e adorações de um homem fiel (fé) com o seu deus, sua divindade17, seja ela quem ou qual for.

Alexandre de Moraes ainda explica que:

O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofia e a própria diversidade espiritual. Assim, a Constituição de 1988 ao consagrar a inviolabilidade de crença religiosa, está assegurando a proteção à liberdade de culto e a suas liturgias18.

Assim, em relação ao radicalismo suplantar a liberdade religiosa constitucionalizada, Pedro Lenza destaca que: [...] não podemos discriminar ou reprimir [...] o preconceito deve ser afastado, a sociedade tem que conviver e harmonizar com as escolhas antagônicas [...]19.

Neste sentido, Gilmar Ferreira Mendes, Ministro do STF diz que a Constituição ao reconhecer o princípio de liberdade religiosa faz com que o sistema jurídico tome a religiosidade para si, como “valor a ser preservado e fomentado”20.

A respeito do reconhecimento deste princípio, Mendes, entre outros destaca:

O reconhecimento da liberdade religiosa decerto que contribui para prevenir tensões sociais, na medida em que o pluralismo se instala e se neutralizam rancores e desavenças decorrentes do veto oficial a crenças quaisquer. [...] também tem por si o argumento de que tantas vezes a formação moral contribui para moldar um bom cidadão21.

Observa-se que, para alguns doutrinadores, há de se afastar o desrespeito à liberdade religiosa, sendo esta um direito fundamental com base de tutela na Lei Maior desde a primeira Constituição da República de 1891.

Em relação ao Direito Constitucional internacional, faz-se necessário destacar a importância da adoção de tratados internacionais no ordenamento jurídico nacional. Para adoção de tratados, acordos e pactos internacionais acerca da liberdade religiosa, além da manifestação de vontade entre os poderes, deve-se observar a existência de lei que regulamente o ato junto ao ordenamento interno22, uma vez que não haverá fusão frente a este. A respeito desta incorporação, Flávia Piovesan diz que “[...] os tratados internacionais versam sobre os direitos humanos recebem tratamento privilegiado”23; e 15 SILVA, Claudete Araújo Guerreiro. Novos movimentos religiosos: o quadro brasileiro. São Paulo: Paulinas, 2006. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/filosofia da religião>. Acesso em: 03/03/2012. 16 MARCONI, PRESOTTO, 2005, p. 151. 17 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.50. 18 Ibid., p. 51. 19 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. Revisão atual e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 761. 20 BRANCO, Paulo G., COELHO, Inocêncio, MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Revisão atua. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 463. 21 BRANCO, COELHO, MENDES, loc. cit. 22 SORIANO, 2002, p. 105. 23 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 1997, apud SORIANO, loc.cit.

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assim, entende-se que estes tratados, especificamente, são recebidos como norma constitucional.

Na Constituição Federal de 1988, a tutela aos direitos constantes nos tratados internacionais que o Brasil assina está em dois dispositivos: artigo 4º e incisos, e artigo 5º, § 2º24, dispondo sobre a constitucionalidade dos direitos versados nos tratados junto ao ordenamento pátrio e seus efeitos.

Entende-se que os dispositivos constitucionais, ao trazerem efetiva garantia aos direitos dos tratados internacionais, visam a prevalência destes direitos, caso haja conflito entre os próprios tratados e a Constituição.

Em consonância com o ordenamento jurídico nacional, no que se refere à liberdade religiosa está a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 – Pacto de São José da Costa Rica25. Encontra-se em alguns dos seus artigos a disposição sobre a liberdade de religião e suas derivações. No artigo 12 do Pacto26 percebe-se que a tutela à liberdade religiosa foi declarada de forma diferente à constante na Constituição Federal.

De acordo com a análise do artigo 12 da Convenção, e conforme Aldir Guedes Soriano, percebe-se que além de notada ampliação do direito, há referenciais quanto aos limites da liberdade de manifestar a religião, por não ser esta absoluta:

[...] é fundamental determinar até que ponto a liberdade religiosa, de forma pública pode ser restringida; [...] as limitações devem ser prescritas em lei e necessárias, para proteger a ordem, a saúde, a moral pública ou os direitos das demais pessoas. Por outro lado, se uma lei ordinária passa a restringir a liberdade religiosa, mesmo de uma minoria, essa lei há de ser declarada inconstitucional27.

Faz-se necessário dizer que, além do artigo 12, o Pacto de São José da Costa Rica contém dispositivos28 que se poderão invocar, acerca do direito de liberdade religiosa, dentre outros direitos:

24 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Lex: Legislação administrativa. Vade Mecum. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011: Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único: [...] buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos [...]. Art. 5º. [...] - § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 25 Convenção aberta à assinatura em 22 de novembro de 1969; aprovada e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, através do Decreto Lei nº 27; promulgada no Brasil em 6 de novembro de 1992 pelo Decreto Lei nº 678: Art. 12. Liberdade de consciência e de religião. 1. [...]; esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças; ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar [...], individual ou coletivamente, tanto em público como em privado; 2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião e suas crenças, ou de mudar de religião ou de crença; 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos ou liberdades das demais pessoas; 4. [...]. (grifo nosso). 26 CORRÊA, MOLIN, PAULSEN, 2005, p. 174. 27 SORIANO, 2002, p. 109. Neste ponto, Soriano cita e comenta o inciso 2 do Art. 16 do Pacto de São José da Costa Rica no tocante às restrições do direito à liberdade de associação. 28 CORRÊA, MOLIN, PAULSEN, 2005, p. 176, 178-179, 181-183.

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Art. 16. Incisos 1 e 2 – dispõem sobre a liberdade de associação;

Art. 22. Inciso 8 – dispõe sobre o direito de circulação e residência em condição de estrangeiro;

Art. 27. Incisos 1 e 2 – dispõem sobre a suspensão de garantias;

Art. 29 – dispõe sobre normas interpretativas dos dispositivos da Convenção;

Art. 30 – dispõe sobre o alcance das restrições, de acordo com a convenção.

Nada obsta em salientar-se que outros dispositivos da Convenção Americana de Direito Humanos de 1969 poderão ser invocados mediante necessidade e análise de um caso concreto, sob a ótica lógico-sistemática. 2.1 LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CULTO A liberdade religiosa está munida de diversas modalidades. Seus desdobramentos estão basicamente compreendidos em três expressões: liberdade de consciência, liberdade de culto e liberdade de organização religiosa.

Nesta linha de subdivisão do direito à liberdade religiosa, pode-se apresentar a seguinte decomposição em comparação à liberdade de crença que se verá a seguir:

a) Liberdade de Consciência: de foro individual, é a liberdade mais ampla que a

liberdade de crença; compreende o direito de crer e o de não crer. b) Liberdade de Culto: pode manifestar-se através de ritos, cerimônias, ou reuniões,

em público ou em particular; resultando na exteriorização da crença. c) Liberdade de Organização Religiosa: decorre do Estado laico e está sobre proteção

da legislação civil e penal29. Para a liberdade de consciência, tem-se a associação deste direito à liberdade de

pensamento ou fundamentação básica das liberdades de pensamento filosófico e político, sem deixar de se observar o disposto no artigo 15 da Constituição Federal, que prevê a limitação do direito quando invocado para a escusa de consciência para dispensa de obrigação legal imposta a todos30. A limitação mais comum é em função do serviço militar obrigatório, conforme disposição no artigo 143, § 1º da Constituição Federal31.

Além da discussão acerca do direito de escusa de consciência e o serviço militar obrigatório, se tem notícias, até mesmo em âmbito jurídico, em que este direito é invocado por adeptos da Religião Adventista do Sétimo Dia e da Religião Cristã Não-Trinária, mais conhecida como Comunidade Religiosa Testemunhas de Jeová.

A primeira religião invoca o seu direito em função do respeito ao sábado no mesmo período das horas do sábado bíblico, através de mandados de segurança. A segunda

29 SORIANO, 2002, p. 11. 30 MORAES, 2011, p. 50. 31 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Lex: Legislação administrativa. Vade Mecum. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011: Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. - § 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência religiosa, entendendo-se com tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. Os parágrafos do art. 143 da Constituição Federal foram regulamentados pela Lei 8.239, de 4 de outubro de 1991.

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religião recorre ao Judiciário em decorrência de sua oposição ao tratamento médico com transfusão de sangue.

Registra-se que para os adventistas, o dia de sábado é reservado pelos adeptos para o descanso e meditações, conforme está escrito no livro de Êxodo32.

Dois critérios são analisados nos casos deste pedido de escusa em especial: discricionariedade e igualdade.

Sobre o critério de igualdade, dizia Rui Barbosa que “[...] nesta desigualdade social proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira igualdade”33, assim como Miguel Reale, que diz:

Nas relações dos homens surge, no entanto, uma outra lei da igualdade, que é aquela que manda tratar desiguais como desiguais, na medida em que se desigualem, dando-se a cada um o que é seu, pelo ditame da justiça distributiva34.

Sobre o critério de discricionariedade, mesmo que a Lei Maior limite a sua administração, Maria Sylvia Zanella Di Pietro em análise apropriada afirma que:

[...] o poder de administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é feita segundo critério de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade; o poder de ação administrativa, embora discricionário, não é livre, pois a lei impõe limitações sob os seguintes aspectos: competência, forma e finalidade35. Este conceito se aplica à atuação do administrador em qualquer situação, ao interpretar e aplicar a lei.

Portanto, observa-se que a discricionariedade possui limites que estão previstos em lei, e em ocorrência de serem confrontados ao se invocar o direito de escusa de consciência, poderão ser classificados como arbitrários e ilegais, completa Aldir Guedes Soriano.

Enfim, os casos em que houver invocação do direito de recusa com motivos religiosos apresentados, analisar-se-ão com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade pelo Judiciário.

Ao que pese a invocação do direito de escusa de consciência por parte dos adeptos da seita Testemunhas de Jeová, percebe-se nesta situação a ocorrência de um conflito entre valores e direitos tutelados constitucionalmente: a liberdade religiosa e o direito à vida36, um embate entre os preceitos religiosos e os preceitos da Medicina. Alegam os adeptos desta religião que aquele que se encontra enfermo é vulnerável à transfusão de sangue impuro, além de estar, no caso, desobedecendo aos mandamentos de Deus.

De acordo com Thiago Massao Cortizo Tereoka, os adeptos da seita seguem e citam os fundamentos escritos nos livros de Gênesis, Levítico, Deuteronômio, Salmo e Atos para justificar suas oposições à transfusão sanguínea.

De fato e dependendo do caso, tem-se a possibilidade de o paciente ser tratado de modo alternativo, mas se refuta que em situação de maior periculosidade à vida, o tratamento com transfusão de sangue seja ministrado conforme estabelece o Conselho Federal de Medicina, independentemente do consentimento do enfermo ou de seus

32 Livro de Êxodo: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor. Neste dia não farás trabalho algum, nem tu, nem tua família, nem teus servos, nem teus animais, nem o estrangeiro que está dentro de tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor o céu, a terra, o mar e tudo o que neles está, e ao sétimo dia descansou; [...]”. (grifo nosso) 33 SORIANO, 2002, p. 144. 34 Cf. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 641. 35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 81, 196-197. 36 SORIANO, 2002, p. 118.

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representantes37, bem como discutido pelo sistema do ordenamento jurídico pelos ramos do Direito Constitucional, Civil e Penal. Sobre este assunto, Aldir Guedes Soriano diz que:

Nos casos em que é possível o tratamento alternativo e é desnecessária a transfusão sanguínea, é evidente que a liberdade religiosa do paciente deverá ser respeitada; [...] a infusão de fluidos e demais terapias alternativas são insuficientes; eis que surge não apenas um problema médico, mas jurídico de difícil solução. No entanto, observa-se a determinação na CF/88 [...], art. 5º, inciso II. Por outro lado, existe o dever legal do médico de prestar socorro. [...] Não há como harmonizar ou conciliar os dois direitos conflitantes, sem o sacrifício integral de um dos direitos38.

Miguel Reale entende que em se tratando de hierarquia de direitos humanos, “[...] é razoável admitir que esta, dependerá de um juízo de valor” e da análise do caso concreto, pois se faz necessário um ato de renúncia dos direitos humanos39. Percebe-se o quanto se faz controverso e complexo um apontamento de solução a este conflito.

Aldir Guedes Soriano, seguindo este mesmo entendimento, sugere que deve se considerar duas linhas de raciocínio, que por sua vez trazem uma contradição: a primeira é de que a Constituição Federal tem como um de seus princípios a inalterabilidade do direito à vida e não a sua irrenunciabilidade, pois, por exemplo, não se pune o ato de tentativa de suicídio; e a segunda é de que o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza a renúncia à vida, no que se refere à aplicação da eutanásia40. A situação de um médico, nestes casos, apresenta-se de forma bem complexa, pois sua intervenção, sem o consentimento do paciente é justificada quando da eminência de perigo da vida. Esta intervenção tem tutela no Código de Ética Médica: “Art. 46. Efetuar qualquer procedimento médico sem esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida”41.

2.2 A LIBERDADE DE CRENÇA NO DIREITO BRASILEIRO 2.2.1 Conceito De Liberdade De Crença Liberdade de Crença é a liberdade de escolher, aderir ou mudar de religião, assim como também é a liberdade de não escolher e nem aderir a religião alguma42, sem privação de direitos, por motivos, além de crença religiosa, de convicção filosófica ou política.

De acordo com José Afonso da Silva, este conceito não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, pois a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade de outrem43.

37 OLIVEIRA, Fábio Dantas de. Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi. Ano 16, nº 2966. Teresina, 15/08/2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19770>. Acesso em: 05/06/2012. 38 SORIANO, op. cit., p. 119-120. 39 Cf. REALE, 1996, p. 175-277. 40 SORIANO, 2002, p. 121. 41 Ibid., p. 124. 42 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 241 43 SILVA, 1997, p. 244.

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Crença é o fato de acreditar-se em uma coisa ou pessoa. Está muito associada à fé do indivíduo. Consiste em um sentimento de respeito, reverência, confiança e até mesmo medo em relação ao desconhecido44. Aceita-se, enfim, qualquer coisa que instiga o mistério, o oculto.

Na opinião de Gilmar Ferreira Mendes, os argumentos de formação moral do indivíduo não “[...] são razões suficientes para explicar a razão de ser da liberdade de crença”. 2.3 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS O Brasil é um Estado laico, um Estado tanto independente de qualquer confissão religiosa quanto o relativo no mundo da vida civil45. O modo laico de pensar está na raiz do princípio da tolerância, de acordo com o que escreveu John Locke, em sua Carta acerca da Tolerância46, os grupos religiosos são formações voluntárias que reúnem os que concordam com as mesmas proposições de fé. Pode-se dizer que, atualmente, o Estado laico do Brasil esteja sendo interpretado de forma errônea, mas há que se dizer que todos foram aderindo, mesmo que desconhecendo esta interpretação. Ao longo da história brasileira, a religião católica e mesmo com toda a liberdade que se tem garantida, tange-se às mais distintas e diferenciadas espécies de religião a uma divindade universal; divindade esta apresentada pela religião católica, religião “oficial” do Brasil do Império. Não há, enfim, estudo que conteste esta afirmação; independentemente da religião, ouvir-se-á a expressão: “Que Deus te abençoe!”. 2.3.1 Liberdade Religiosa Nas Constituições Brasileiras

Em nome da Santíssima Trindade foi outorgada a primeira Constituição brasileira

encomendada pelo Imperador Dom Pedro Primeiro. A Constituição Imperial de 1824 trazia a religião católica romana como religião oficial do Brasil; pois na época não havia liberdade de crença como é entendida hoje, sendo livre apenas, o culto católico.

A Constituição previa a liberdade de culto, mas de forma doméstica, os cultos eram realizados nas residências de adeptos às demais religiões da época; nas senzalas, também havia cultos religiosos e o canto aproximava os fiéis de sua terra natal, algo que estava distante:

Após dia de labuta e batalha, preto vai se recolhê... viu o quanto sofria e o tempo que nunca passô... não chores no cativeiro, pois no cativeiro não deves chorar... quando chega a tardinha preto pegava o tambô... fazia festa na senzala... saravá Pai Ogum e saravá Pai Xangô47. (autor desconhecido)

44 MARCONI, PRESOTTO, 2005, p. 152. 45 LAFER, Celso. Estado Laico. In: Direitos Humanos, Democracia e República – Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2009, apud RACHEL, Andrea Russar. Brasil: a laicidade e a liberdade religiosa desde a Constituição da República Federativa de 1988. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 01/03/12. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11292. Acesso em: 18/03/12. 46 LOCKE, John. Carta acerca da Tolerância. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, apud GIUMBELLI, Emerson. A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil. In: Religião e Sociedade. n. 28. v. 2. Rio de Janeiro, 2008, p. 80-101. 47 No sincretismo religioso, Ogum é São Jorge, no Candomblé, é o orixá guerreiro, divindade do ferro, da tecnologia e da metalúrgica; é tido como um protetor dedicado a quem lhe é fiel; Xangô é São Jerônimo, no Candomblé, é o orixá da sabedoria, a divindade do fogo e da justiça. Os adeptos da Umbanda denominam

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Para Aldir Guedes Soriano e José Afonso da Silva, a liberdade religiosa no Brasil Império, praticamente era inexistente, já que as demais religiões não podiam se estabelecer oficialmente48. Em 1890, Rui Barbosa, na época, Ministro da Fazenda do Governo Provisório da República sobre comando do Marechal Deodoro da Fonseca, e seguindo o modelo constitucionalista norte americano, separou o Estado da Igreja Católica no Brasil com o Decreto 119-A, no artigo 1º, marcando o nascimento do Estado laico brasileiro. Neste artigo havia a determinação da não interferência e a proibição dos entes federados legislarem sobre este tema, ao mais próximo de não ferir princípios, como o da isonomia e igualdade. Nos artigos 2º e 3º estavam previstos a ampla liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. No ano seguinte, em 1891, o Estado laico brasileiro foi consolidado pela Constituição do novo regime republicano. O feito foi considerado um marco no que tange à laicidade do Estado, pois as constituições que a sucederam, teoricamente mantiveram esta neutralidade49. De acordo com Aldir Guedes Soriano, sob uma forte tendência antidemocrática da época, e influências autoritárias dos modelos representados pelo fascismo, nazismo e comunismo, o então Presidente Getúlio Vargas, aniquilava qualquer vestígio de federalismo no Brasil50. Na Constituição de 1934, sem que houvesse perturbações ou contrariedades à ordem pública, previa-se a liberdade de culto. Foi a primeira Constituição a fazer menção a Deus no Preâmbulo. Mesmo com o golpe militar de 1937, uma nova Constituição da República foi outorgada. Tinha-se por interpretação ao seu texto a abolição do federalismo com a representação unitária de poder do País. Com o advento, retirou-se a menção da divindade católica do Preâmbulo, mas se reconheceu a liberdade de culto de forma ampla. A Constituição de 1946 recebeu a alcunha de Constituição Democrática por ter resgatado o federalismo no Brasil, ora extinto na década de 30, além de “coincidir a forma com a realidade”51. Os entes federados recuperavam a autonomia política com a democracia, fluindo de forma mais ampla, o que proporcionou a consagração do direito às liberdades, religiosa e de culto, mas com novidades na implementação deste direito. Thiago Massao Cortizo Tereoka em seu artigo cita:

No capítulo pertinente aos direitos e garantias individuais, a Constituição de 1946 assegura o livre exercício dos cultos religiosos, “salvo os dos que contrariam a ordem pública ou os bons costumes”. As organizações religiosas adquirem a personalidade jurídica dos termos da lei civil. A constituição de 1946 inovou ao prever a escusa de consciência, a assistência religiosa aos militares, a imunidade tributária aos templos de qualquer culto, a possibilidade de efeitos civis ao casamento religioso, ensino religioso nas escolas de forma facultativa, [...]52.

os orixás, suas divindades como pai e mãe, em sinal de respeito ao que representam pela associação aos elementos da natureza. 48 SORIANO, 2002, p. 72. 49 OLIVEIRA, Fabio Dantas de. Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16. n. 2966. 15.ago.2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19770>. Acesso em: 20/03/2012. 50 SORIANO, 2002, p. 74. 51 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Malheiros, p. 72. 52 TERAOKA, Thiago Massao Cortiza. A liberdade Religiosa no direito Constitucional Brasileiro. Tese de Doutorado em Direito. Faculdade de Direito Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010, p. 118-119.

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Nela, havia a menção a Deus no Preâmbulo, além de chamar a atenção pela permissão dada às organizações religiosas de praticarem seus ritos nos cemitérios seculares. A Constituição de 1967 tinha no Preâmbulo a menção à divindade católica e as mesmas prevenções no que tange à liberdade religiosa e de culto da Constituição anterior com algumas alterações. Sobre a matéria, o que se destacava no texto constitucional era a prevenção expressa de colaboração do Estado com as organizações religiosas com base, também nos direitos sociais. 2.3.1.1 Constituição de 1988

A Constituição de 1988 foi promulgada, seguindo a consagração das constituições anteriores. A referência ao direito de liberdade religiosa está disposta em seu artigo 5º, VI – “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”.

De acordo com Thiago Teraoka, não há consagração da expressão liberdade religiosa, mas em passagens do seu texto a referência está nas expressões “culto”, “religião” e “crença”53.

Muito se discute acerca da menção a Deus no Preâmbulo, mas em todas as Constituições havia menção à divindade. Entende-se que esta invocação tem o mesmo peso das expressões de benção:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir em Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada em harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.54 (grifo nosso)

O Preâmbulo por sua vez, não figura nas Constituições Federais como parte normativa, pois tem, este documento, a característica de anunciar, de forma introdutória as diretrizes políticas, filosóficas, ideológicas, assim como as econômicas e culturais da Carta Magna. Não há, por fim característica de norma jurídica no Preâmbulo da Constituição, mas se observa a existência de discussões na doutrina e na jurisprudência sobre este fato, ou seja, sobre sua natureza jurídica. Alexandre de Morais diz que o Preâmbulo:

[...] deve sintetizar sumariamente os grandes fins da Constituição, servindo de fonte interpretativa para dissipar as obscuridades das questões práticas e de rumo para a atividade do governo. [...] por não ser constitucional, o texto do Preâmbulo não poderá prevalecer contra o texto da Constituição Federal, assim como também não poderá ser paradigma comparativo para a declaração de inconstitucionalidade, porém será uma de suas linhas mestras interpretativas55.

Mas o que se cumpre deste enunciado? Mesmo que não tenha obrigatoriedade pode-se dizer que a sociedade deve praticar o respeito à diversidade. O Supremo

53 Ibid., p. 122-123. 54 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Lex: Legislação administrativa. Vade Mecum. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 55 MORAES, 2011, p. 14-15.

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Tribunal Federal pronunciou-se defendendo que não há motivo para invocar o Preâmbulo como parâmetro de controle de constitucionalidade, não é norma de produção obrigatória na Constituição. Quando questionado sobre este fato, o STF declarou, na ADI 2.076-AC56, a irrelevância jurídica do mesmo, por não se situar no domínio do Direito, em outras Ações Diretas de Inconstitucionalidade57.

Aldir Guedes Soriano diz que, em se tratando do Preâmbulo, a tolerância é fundamental para sociedade brasileira que quer ter fraternidade, pluralidade e justiça em relação à religião; sem esta não há liberdade como valor supremo58.

Outra menção a Deus foi feita no discurso de promulgação. O então Presidente da Câmara, saudoso Deputado Ulisses Guimarães dotado de muita emoção e ovacionado pela Assembleia, tinha em mãos o documento original da Constituição que acabara de assinar: “Declaro promulgado o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude e que isto se cumpra”59.

A expressão “Deus” deve ser entendida em sentido amplo, como sinônimo de “divindade”, ser dotado de poderes sobrenaturais, digno de respeito e devoção. 2.3.2 A Liberdade De Crença Na Constituição Federal De 1988 A liberdade de crença, conforme José Afonso da Silva e pelo seu livre exercício, compreende-se a liberdade de escolher, aderir e mudar de religião; é a liberdade de também não se praticar nenhuma religião. José Afonso da Silva afirma a máxima de que: “[...] a liberdade de um vai até onde não prejudique a liberdade de outro”.60 A liberdade de crença, como já observado, está tutelada na Constituição Federal em seu artigo 5º, sem reservas de religiões e seitas religiosas. Esta liberdade, bem como as demais liberdades desdobradas da liberdade religiosa, em parte não sofrerá intervenção do Estado. Pelos questionamentos feitos em relação a esta intervenção, não se deve basear em nome da religião o critério de análise se o Estado deve ou não proteger os ritos e tradições de determinadas religiões, mas deve-se, sim, observar quais os objetivos religiosos, por assim dizer, firmando-se a possibilidade de proteção efetiva do Estado.

O legislador constituinte de 1988 deu ao direito à liberdade religiosa, e por consequência à liberdade de crença, o caráter de cláusula pétrea; o que não quer dizer que por advento de uma nova Constituição não seja alterada esta condição61. Percebe-se que o direito fundamental de credo deve ser interpretado em relação a outros direitos diversos sobre a ótica da proporcionalidade, para que na situação de conflito um direito não se sobreponha ao outro. Em suma, a crença nada mais é do que a fé exteriorizada e pode ser confundida pela sociedade no que tange a algumas distintas religiões. Há uma distinção entre crença

56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2076-AC – “Preâmbulo da Constituição não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa”. Relator Ministro Carlos Velloso, julgamento em 15 de agosto de 2002, Plenário, DJ de 8 de agosto de 2003. 57 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. Revisão atual e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 758. 58 SORIANO, 2002, p. 86. 59 DISTRITO FEDERAL. Promulgação da Constituição de 1988 – Deputado Federal Ulisses Guimarães – Presidente da Assembleia Constituinte. Brasília,1988. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=mlSDpvriBeM>. Acesso em: 19/03/2012. 60 SILVA, 1999, p. 252. 61 OLIVEIRA, Fabio Dantas de. Aspectos da liberdade religiosa no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16. n. 2966. 15.ago.2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19770>. Acesso em: 20/03/2012.

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e rituais, assim como há uma distinção entre fé e fanatismo, mas estas diferenciações serão tratadas a seguir. 2.4 O DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA E SUA LIMITAÇÃO Não há no ordenamento jurídico brasileiro a tutela de um direito absoluto, e assim sendo, nada obsta que a liberdade religiosa, assim com as demais liberdades, encontrem limites, se na sua exteriorização ferir preceitos como a ordem, tranquilidade e sossego públicos62.

Silva Junior diz que “[...] para cada caso concreto deve haver uma solução justa e não uma aplicação literal do texto da lei”63, salvo os casos em que forem comprovadas práticas ilícitas.

Apresentam-se no ordenamento jurídico brasileiro disposições sancionatórias aos crimes de intolerância à liberdade religiosa. Os dispositivos do Código Penal, analisados em relação aos casos são os artigos 140, § 3º que tratam da injúria em resposta aos tratados internacionais com intenção de aplacar qualquer preconceito, e artigo 208 e § único que regulam dos crimes de intolerância, bem como o emprego de violência64.

Nelson Hungria destaca que:

O sentimento religioso é protegido independentemente da religião professada. O Estado moderno não impõe esta ou aquela religião, mas faltaria à sua própria missão se se abstivesse de assegurar pleno ensejo à difusão ou cultivo do sentimento religioso.65

Entende-se por bem que no Estado brasileiro não há de se falar na existência de uma única religião com fundamentos de verdade, justiça e fé; mas não há como não observar que muitas situações de intolerância e violência provêm do entendimento errôneo sobre a religião em sua multiplicidade e sua verdade. 2.5 A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

Destaca-se em breve pesquisa que a legislação infraconstitucional federal, resguarda, dispositivos de direitos e garantias, além dos já citados, acerca da liberdade religiosa e suas derivações, entre outros, nos seguintes diplomas legais do ordenamento jurídico brasileiro:

Código Civil: Art. 44, IV. Atribuições de personalidade jurídica às organizações religiosas.

Constituição Federal e Código Tributário Nacional: Art. 150, VI, b e §§ CF. isenção de pagamento de tributos aos templos de qualquer culto.

Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA: Art. 15 e 16, III. A criança e o adolescente têm direito à liberdade [...] de crença e culto religioso.

62 MORAES, 2011, p. 52. 63 SILVA JUNIOR, Edison Miguel da. No Estado democrático, não existe direito absoluto. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2007-mar27/estado_democratico_nao_existe_direito_ absoluto>. Acesso em: 25.out.2011. 64 SORIANO, 2002, p. 128-129. 65 Cf. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, p. 53.

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Estatuto do Idoso: Art. 10º, §1º, III. É obrigação do estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa liberdade [...] de crença e culto religioso. Pela pesquisa realizada, observa-se que, além do âmbito federal, há ampla tutela

feita à liberdade, como a Lei 5.896/90 da cidade de Ribeirão Preto66, no Estado de São Paulo.

Percebe-se, também que há pouca manifestação dos Tribunais de Justiça acerca da liberdade religiosa. Contudo, pesquisou-se a presença de decisões de julgados acerca de liberdade religiosa no sentido amplo.

Sobre o assunto, Luis Roberto Barroso diz que “o direito à liberdade religiosa, e suas vertentes, independem de lei infraconstitucional em razão de sua eficácia contida; [...] a atividade infraconstitucional eventualmente surgirá para regular, especificamente a possibilidade de delimitação do direito protegido”67 3 O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS NO BRASIL

Nada obsta em apontar que as pesquisas das jurisprudências foram realizadas através de consultas em sites de todos os Tribunais de Justiça Brasileira, cujas ementas de Ações Diretas de Inconstitucionalidade mencionam: Com incidência ao artigo 208 do Código Penal:

EMENTA: CRIMES DE LESÃO CORPORAL GRAVE, PERTURBAÇÃO DE CULTO RELIGIOSO (PROCISSÃO) E RESISTÊNCIA- MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA CONFESSA - DELITOS CONFIGURADOS EM SUA MODALIDADE DOLOSA- Desclassificação do delito de lesão corporal para a modalidade culposa - Inadmissibilidade - Dolo eventual demonstrado - Estado de embriaguez - Fato que não exime o agente de culpa - Teoria da "actio libera in causa"- Sentença Mantida- Recurso Desprovido.

APELAÇÃO CRIMINAL (APELANTE) Nº 1.0000.00.339813-8/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE – Apelante(s): Joel Alves de Oliveira - Apelado(s): Ministério Público Estado Minas Gerais, PJ 3 V CR Comarca Belo Horizonte- Relator: Exmo. Sr. Des. Luiz Carlos Biasutti – 02/10/2003 [...] acusado denunciado, pelo Ministério Público Estadual, como incurso nas sanções do art. 129, § 2º, inciso IV (lesão corporal grave, resultando deformidade permanente na vítima), art. 163, § único, inciso I (dano qualificado- cometido com violência à pessoa ou grave ameaça), art. 329 (resistência) e art. 331 (desacato), art. 208, § único (perturbação de cerimônia ou prática de culto religioso, no caso, procissão, com emprego de violência), todos do Código Penal. [...]Após regular instrução criminal, Inconformado com a decisão, dela recorre o acusado, por sua defensora, pleiteando a sua total absolvição, ou, senão, seja absolvido das iras do art. 208, parágrafo único, e 329, desclassificando-se o delito do art. 129, § 2º, IV, para o do art. 129, § 6º, do Código Penal, concedendo-lhe a substituição da pena corporal por restritiva de direitos. [...]. ACÓRDÃO: Vistos etc., acorda, em Turma, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO. (TJMG – AC

66 Lei 5.896/90: trata da vedação ao impedimento de construções de templos em bairros de baixa renda, que venham a implicar em violação da liberdade de consciência e de crença, além da violação do livre exercício dos cultos religiosos. 67 BARROSO, Luis Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 222.

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1.0000.00.339813-8/000 – 2ª Câmara Criminal – Rel. Des. Luiz Carlos Biasutti em 02/10/2003) 68.

No tocante à liberdade religiosa e tratamento transfusional, apresentam-se Agravos de Instrumento69:

1) AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DECIMA CAMARA CIVEL - DECISÃO DO RELATOR 1. Recurso contra decisão que determinou a realização de transfusão de sangue em paciente, diante da recusa de aceitar a intervenção por razão de credo. 2. O agravado, às fls. 309, noticia o falecimento da agravante. 3. Assim sendo, DECLARO PREJUDICADO o agravo, por ausência do pressuposto de constituição regular do recurso. (TJRJ - 0018847-70.2008.8.19.0000 (2008.002.18677) – Rel. Des. Celso Peres em 04/12/2008)

2) AGRAVO DE INSTRUMENTO – 11ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ESTABELECIMENTO HOSPITALAR. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARA PERMITIR O PROCEDIMENTO DE TRANSFUSÃO SANGÜINEA EM PACIENTE PRATICANTE DA SEITA DENOMINADA TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PRODUÇÃO DE PROVAS. Trata-se de ação de cumprimento de obrigação de não fazer, com pedido de liminar inaudita altera para, pleiteando o estabelecimento hospitalar autor, a antecipação dos efeitos da tutela, no intuito de obstar que os réus oponham qualquer obstáculo à realização da transfusão sangüínea, imprescindível para salvar a vida da paciente / 1ª agravante, visto que, como os demais agravantes, professa a seita denominada como Testemunhas de Jeová e, por este motivo, não permitem a prática de transfusão sangüínea. Os réus/agravantes requerem que o hospital/agravado comprove nos autos a origem do sangue e hemoderivados transfundidos à paciente e a realização dos testes mínimos obrigatórios quanto aos males decorrentes da hemotransfusão. Entretanto, conforme corretamente decidiu o magistrado a quo, ao indeferir a pretensão dos agravantes, tal prova é desnecessária à solução da lide posto que, não restou demonstrado nos autos ter a 1ª agravante contraído doenças decorrentes da transfusão sangüínea. Registre-se, que o artigo 130 do Código de Processo Civil confere poderes ao Magistrado para, de ofício ou a requerimento da parte, determinar os meios probantes necessários à instrução do processo, indeferindo diligências inúteis ou protelatórias, e sendo ele o destinatário da prova, encontra-se dentro do seu juízo aferir a necessidade, ou não, de sua realização. Recurso conhecido e improvido. (TJRJ - 2007.002.09293 – Rel. Des. Cláudio de Melo Tavares em 27/06/2007). 3) AGRAVO DE INSTRUMENTO – 18ª CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. Testemunha de Jeová. Recusa à transfusão de sangue. Risco de vida. Prevalência da proteção a esta sobre a saúde e a convicção religiosa, mormente porque não foi a agravante, senão seus familiares, que manifestaram a recusa ao tratamento. Asseveração dos responsáveis pelo tratamento da agravante, de inexistir terapia alternativa e haver risco de vida em caso de sua não realização. Recurso desprovido. (TJRJ - 2004.002.13229 – Rel. Des. Carlos Eduardo Passos em 05/10/2004).

Confirmam-se, pelos agravos citados acima, situações favoráveis ao direito de recusa à transfusão de sangue do paciente que é Testemunha de Jeová. Porém, observa-se que no agravo 1 (um) em função do perigo, o agravante veio a óbito; já o agravo 3 (três) tem negado o seu provimento, em análise, justamente, o perigo de vida do paciente.

68 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Processo nº 1.0000.00.339813-8/000. Disponível em: <http:www.tjmg.jus.br>. Acesso em 10/06/2012. Conteúdo inteiro disponível no site do TJMG. 69 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Agravos de Instrumento. Disponível em: <http:www.tjrj.jus.br>. Acesso em 10/06/2012. Conteúdo inteiro disponível no site do TJRJ.

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A seguir apresentam-se pedidos de indenização com alegações de violação e desrespeito ao direito destes religiosos em específico, além de um pedido de Habeas Corpus em benefício do representante de um paciente falecido pela falta de tratamento adequado70:

1) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Danos moral e material - Desrespeito a crença religiosa - Transfusão de sangue - Autora Testemunha de Jeová - Não cabimento - Intervenção médica procedida tão somente após esgotados outros tratamentos alternativos - Prevalência da tutela à vida sobre suas convicções religiosas - Recurso não provido. (JTJSP- 256/125) 2) AÇÃO INDENIZATÓRIA- Reparação de danos - Testemunha de Jeová - Recebimento de transfusão de sangue quando de sua internação - Convicções religiosas que não podem prevalecer perante o bem maior tutelado pela Constituição Federal que é a vida - Conduta dos médicos, por outro lado, que se pautou dentro da lei e ética profissional, posto que somente efetuaram as transfusões sangüíneas após esgotados todos os tratamentos alternativos- Inexistência, ademais, de recusa expressa a receber transfusão de sangue quando da internação da autora-Ressarcimento, por outro lado, de despesas efetuadas com exames médicos, entre outras, que não merece acolhido, posto não terem sido os valores despendidos pela apelante - Recurso não provido. (Apelação Cível Nº 123.430-4 - Sorocaba - 3ª Câmara de Direito Privado- Rel. Flávio Pinheiro em 07.05.02 - V.U.). 3) HABEAS CORPUS - Pretendido trancamento de ação penal - Homicídio - Paciente que influenciou para que a vítima fatal testemunha de Jeová, não recebesse transfusão de sangue - Alegando os motivos espirituais e de religião - Fato típico - Ausente a falta de justa causa - Ordem denegada. (Habeas Corpus n. 253.458-3 - 3ª Câmara Criminal – Rel. Pereira Silva em 05.05.98 - V.U.).

Observa-se que no pedido de Habeas Corpus, citado acima, houve indeferimento. No tocante aos dias de guarda religiosa, ou seja, aos sábados, o entendimento dos Tribunais, bem como do Supremo Tribunal Federal, quase sempre, é de não ser favorável se comprovado que o objeto do Recurso ou da Ação Direta de Inconstitucionalidade não seja “erga omnes”. Outrossim, estes entendimentos não se apresentam como regras. Verifica-se que além da diversidade de crenças, a religiosidade humana se expressou ao longo dos séculos de acordo com a cultura, tradições, valores de cada época e lugar. Neste sentido, os rituais religiosos são diversificados, exaltando a fé, esperança, anseios e gratidão dos fiéis, procurando, assim traduzir o respeito e expectativas daqueles que buscam se comunicar com sua divindade. 3.1 CRÍTICA ACERCA DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA Não há como estudar a garantia à liberdade religiosa sem se observar as críticas feitas sobre as religiões de matriz africana.

Todas as religiões possuem como característica, um rito que é uma ação ou prática específica, que incluindo movimentos físicos e palavras de acompanhamento71, ou seja,

70 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Ações de Indenização e Habeas Corpus. Departamento de Gestão de Acervos Bibliográficos – DGTEC. Disponível em: <http:www.tjrj.jus.br>. Acesso em 10/06/2012. Conteúdo inteiro disponível no site do TJERJ. 71 HINNELLS, 1984, p. 234.

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nada mais é do que um conjunto de regras que norteia as ações e cerimônias práticas religiosas.

Em simbologia e linguagem, de acordo com Claudete Araújo Guerreiro Silva, “[...] todos os rituais são classificados pela sua finalidade”72 como, por exemplo, ritos de oferendas e oração, expiação, reforço vital, sacrifício, entre outros.73

Ao se pesquisar a crença de exteriorização da fé no Brasil, assim como em outras partes do mundo, percebe-se que há manifestações quanto à diversidade religiosa, do ponto de vista jurídico.

O desrespeito às religiões de raízes africanas se apresenta, muitas vezes, pela falta de representação política, bem como pela deficiência de organização ou estrutura centralizada e hierárquica, diferente das religiões católica e evangélica74.

Por ser de uma religião diferente, culto e crença que não se entende, há que se criticar a fé? Fé em iorubá (um dos muitos dialetos africanos) significa Amor. Um ponto cantado75 na Umbanda diz: “quem tem fé tem tudo, quem não tem fé não tem nada”. Quem tem fé tem o saber, conhece o porquê de dedicar algum tempo de adoração ao próximo e ao seu antepassado, como é feito em muitos cultos religiosos.

Ao se falar em fanatismo e ódio, tenta-se enfatizar um pouco o exagero e o não entendimento de o que é ser um religioso. O fanatismo religioso, muito se aproxima de um ideal sem propósito. Esta coisa de “matar-se” ou guerrear por que assim determinou “meu Deus”, ao que se parece, é totalmente descabida; assim como é a guerra de décadas entre Israel e Palestina.

E o ódio, em torno da religião que envolve mulçumanos e judeus? Por quê? Será que o Deus de um é mais que o Deus de outro? Se é, por que o é? Talvez a questão seja complexa e de respostas mais complexas ainda, mas mesmo assim, por quê?

A carga deste ódio todo reflete no mundo inteiro; intolerância passada de geração para geração. Desde as sociedades mais primitivas transfere-se ao imaginário religioso todas as adversidades, dores e sofrimentos humanos. O temor do desconhecido ainda é um forte instrumento de opressão religiosa, assim como é elemento base para ignorância a culminar em intolerância.

Pode-se aqui, concordar com o que disse Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da pele, origem ou religião [...] para odiar precisam aprender e se aprendem a odiar, podem também aprender a amar”. É neste ponto que se percebe a desorganização religiosa, a falta de senso, mas esse comportamento existe em muitas outras religiões.

Faz-se necessário abordar, de forma breve a discussão surgida no Rio Grande do Sul, após a aprovação do Código Estadual de Proteção aos Animais – Lei 11.915, em 2003.

Objeto de discussão no Estado do Rio Grande do Sul, o sacrifício de animais em rituais religiosos foi matéria debatida em todos os meios sociais. Observou-se que o assunto despertara maior interesse pelo fato e forma com que foi abordado em análise e votação da Lei 12.131/2004. Deste feito culminou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pelo relato de Arakem de Assis:

72 SILVA, Claudete Araújo Guerreiro. Novos movimentos religiosos: o quadro brasileiro. São Paulo: Paulinas, 2006. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/filosofia da religião>. Acesso em: 03/03/2012. 73 Ibid. 74 AZEVEDO, Eduarda Peixoto de. A tutela da liberdade religiosa na legislação infraconstitucional. Departamento de Direito da PUC-Rio. Rio de Janeiro, 2010.Disponível em: <http:www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/relatorios/ccs/dir/eduarda_peixoto_de_azevedo.pdf> Acesso em: 30/03/2012. 75 Ponto cantado: é muito comum nas sessões de Umbanda e de Candomblé; é semelhante ao uma reza feita em coro acompanhada de toques de atabaques.

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Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS. CONSTITUCIONALIDADE. 1. Não é inconstitucional a Lei 12.131/04-RS, que introduziu parágrafo único ao art. 2.º da Lei 11.915/03-RS, explicitando que não infringe ao "Código Estadual de Proteção aos Animais" o sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana, desde que sem excessos ou crueldade. Na verdade, não há norma que proíba a morte de animais, e, de toda sorte, no caso a liberdade de culto permitiria a prática. 2. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. VOTOS VENCIDOS. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70010129690, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 18/04/2005)

Diante do exposto, na ausência de proibição legal quanto ao uso de animais em rituais religiosos, a Lei 11.915/2003, do Rio Grande do Sul – Código Estadual de Proteção aos Animais dispõe em parágrafo único do artigo 2º, que a “[...] não aplicação do artigo em razão da liberdade de culto e liturgias que praticam o ritual”.

Em São Paulo, a lei de proteção deste Estado também traz muitas divergências de opiniões, mas não há um posicionamento tão claro e definido a respeito do assunto como a lei gaúcha. Percebe-se que a política serve-se dos preceitos religiosos para atrair eleitores, manifestar ideias e elaborar propostas voltadas à formalização de interesses de grupos religiosos.

Faz-se importante informar que tramita Câmara dos Deputados dois projetos considerados polêmicos, apresentados pelo Deputado Pastor Marcos Feliciano (PSC-SP). Acerca da matéria, o Projeto Lei 4331/12, mostra-se o mais complexo considerando a tutela do direito a liberdade religiosa e suas derivações, uma vez que o projeto apresentado tem por objetivo tornar crime o sacrifício de animais em rituais religiosos, incidindo sobre o ato, pena de detenção e multa.76

Salienta-se que este ponto será abordado, de forma mais aprofundada em um próximo trabalho de pesquisa. 4 CONCLUSÃO

A liberdade religiosa deve ser interpretada como direito fundamental representativo,

mas não se deve deixar de observar suas limitações, as sanções a serem aplicadas àqueles que ilicitamente usam a religião como subterfúgios.

A tutela do Estado para a liberdade religiosa, que além de direito também é um princípio, estende-se aos que preferem não aderir à religião alguma. Mas embora seja livre a organização religiosa, espera-se do Estado o dever, conforme Aldir Guedes Soriano, de disciplinar em regras gerais a manutenção da convivência pacífica entre credos diferentes.

Percebe-se que o caráter laico do Brasil não se faz muito bem entendido. Costuma-se, ao invocar os direitos fundamentais de liberdade religiosa associar o texto do preâmbulo da Constituição da República. Reforça-se aqui, que o texto do preâmbulo é introdutório e não possui força normativa; e de acordo com Letícia de Campos Velho Martel, o preâmbulo só teria força normativa se forem reproduzidas as suas palavras em artigos constitucionais.

76 SÃO PAULO. Assembleia Legislativa do Estado. Noticia. 11 de novembro de 2011. Disponível em: <http://al-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2924048/audiencia-aborda-sofrimento-dos-animais-em-rodeios>. Acesso em: 04/03/2013.

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É fato que a discussão em torno da religião gera intolerância e incoerência em alguns casos, tanto quanto é fato que sempre haverá conflito entre os demais direitos e princípios fundamentais no que tange à liberdade religiosa e suas vertentes.

Este não é um direito absoluto, e será confrontado constantemente em debates e discussões, e inevitáveis serão as acusações, assim como as defesas. O objetivo, enfim estará em conhecer, entender e proteger para que não haja abuso em sentido amplo.

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EXPERIMENTAÇÃO DE MEDICAMENTOS

EM SERES HUMANOS NO DIREITO BRASILEIRO

Silvia Helena da Mata Caetano Demeterco

______________________________________ Graduanda do Curso de Direito do Unicuritiba

Graduada em Administração Hospitalar na Faculdade de Estados Sociais do Paraná

Membro do grupo de estudos JUS VITAE – Pesquisa em Biodireito e Bioética pelo UNICURITIBA.

Maria da Glória Lins da Silva Colucci ______________________________________

Mestre em Direito Público pelo UFPR Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR

Prof.° titular de Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA Prof.° Emérita do Centro Universitário Curitiba

Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – JUS VITAE, do UNICURITIBA desde 2001

Prof.° adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília (SBB). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná

Membro do CONPED – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

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RESUMO O Trabalho em questão contém informações acerca das Resolução 196/96 e 251/97 do Conselho Nacional de Saúde. A primeira regulamenta as pesquisas em seres humanos de forma mais geral e com dados essenciais para cumprimento de qualquer experimentação. Já a segunda Resolução é voltada exclusivamente a experimentos com fármacos. Para tratar de tal assunto é fundamental a abordagem dos princípios da Bioética, quais sejam: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça distributiva. O princípio da Dignidade Humana também é estudado, visto que é base para qualquer trabalho na área. A intenção é finalizar com uma explanação do se trata o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e como que ele contribui para as pesquisas e como protege as pessoas que delas participam. Palavras chave: experimentos, fármacos, pesquisa clínica e Bioética.

ABSTRACT

The work in question contains information about Resolutions 196/96 and 251/97from the National Health Council. The first one regulates researches on human beings on a more general mode and with essential data for the compliance of any experimentation. Yet, the second resolution is exclusively dedicated to experiments with drugs. To address this issue is critical the approach of the principles of bioethics, namely: autonomy, beneficence, non-maleficence and distributive justice. The principle of Human Dignity is also studied, since it is the basis for any work in the area. The purpose is to conclude with an explanation of what it stands for Free Consent Form and how it contributes to the researches and how it protects people who take part in them. Keywords: experiments, drugs, clinical research and bioethics. 1 INTRODUÇÃO Desde o final da Segunda Grande Guerra Mundial havia documentos instituindo regras, princípios e diretrizes para as pesquisas em seres humanos. O Brasil, em 1996, estabeleceu seu próprio regulamento acerca do assunto e isso aconteceu com a Resolução 196, que foi elaborada pelo Conselho Nacional da Saúde. Documento fundamentado naquelas diretrizes, regras e princípios internacionais, além de estar em consonância com legislações nacionais, como a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente. A Resolução estabelece questões como: aspectos éticos, consentimento livre e esclarecido, riscos e benefícios e outras questões técnicas relevantes aos experimentos. Além daquela Resolução existe a 251/97 que é o foco neste Trabalho. Nesta seara, o que este trabalho pretende abordar são questões como: será que a comunicação do pesquisador com o sujeito da pesquisa é exaustiva e clara, evitando constrangimentos e desentendimentos? Esse mesmo consentimento continua sendo o núcleo da questão, como aconteceu na proposta dos Documentos internacionais? Ainda, as pesquisas com seres humanos, sejam elas de natureza preventiva, diagnóstica ou terapêutica têm que levar em consideração princípios éticos básicos relacionados ao assunto, como: princípio da Dignidade Humana, princípio da Beneficência, Não Maleficência, Justiça Distributiva e o princípio da Autonomia. Neste trabalho mostrar-se-á quão importantes são estes princípios e ainda serão discutidas

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questões como: Quem deve responder quando estes Princípios não são aplicados? O Estado tem alguma responsabilidade nesse sentido? Pode-se dizer que o principal objetivo aqui é analisar se o ser humano está sendo respeitado e também se as Resoluções acima têm sido aplicadas de forma efetiva e eficaz. 2 EXPERIMENTAÇÃO DE FÁRMACOS EM SERES HUMANOS 2.1 REGULAÇÃO 2.1.1 Resolução 196/96 A Resolução 196/96 resultou da atuação do Conselho Nacional de Saúde, sendo composta por diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Fazendo uma análise detalhada, verifica-se que a Resolução é dividida em dez capítulos, a saber1:

- I. Preâmbulo: neste capítulo faz-se menção a diversos documentos, nacionais e internacionais. Inicia-se dando ênfase aos documentos basilares da experimentação em seres humanos, como o Código de Nuremberg (1947) e a Declaração de Helsinque (1964). Cita a Lei Maior e legislações infraconstitucionais que têm relação com o assunto, como o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. As legislações esparsas também aparecem referidas no texto, como por exemplo, o Decreto que dispõe sobre a retirada de tecidos, órgãos e outra partes do corpo humano com fins humanitários e científicos (Decreto n.° 879, de 22/07/93).

Interessante observar que no Preâmbulo já são identificados os quatro princípios da Bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça. Além de constar o objetivo da Resolução: “...visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado”2.

- II. Termos e definições: termos como: pesquisa, pesquisador responsável patrocinador, indenização, ressarcimento, entre outros, são explicados nesta parte da Resolução. São 16 vocábulos no total e por ser uma quantidade considerável serão explicados neste trabalho, de acordo com a necessidade. - III. Aspectos Éticos da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos: os princípios citados no Preâmbulo, aqui tomam forma e se desenvolvem. Há a relação do princípio com o que se espera da pesquisa. Como, por exemplo, ao tratar da autonomia fala-se sobre o consentimento livre e esclarecido dos indivíduos e sua proteção, fazendo uma relação com a dignidade, autonomia e vulnerabilidade3.

1 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013. 2 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013. 3 Vulnerabilidade é um dos termos tratados no capítulo II da Resolução e assim é conceituada: “refere-se ao estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.”.

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No item dois deste capítulo explica-se o que será considerado como pesquisa e quais as problemáticas tratadas na Resolução quanto aos procedimentos, não apenas médicos, mas também:

[...] os de natureza instrumental, ambiental, nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou terapêutica.4

São descritas, na terceira parte do capítulo, 23 exigências a serem observadas para a realização das pesquisas. Dentre elas serão analisadas algumas com maior detalhamento: Exigência b: identifica que a pesquisa não pode começar diretamente com seres humanos, ou seja, deve haver um prévio estudo realizado em laboratórios, em animais ou inseridos em outros fatos científicos. Demonstra-se dessa forma o respeito ao ser humano e que sua dignidade deve ser a análise primordial, acima de qualquer questão. Exigência n: os benefícios alcançados devem ser disponibilizados às pessoas que participaram das pesquisas, sendo que tal possibilidade deve estar prevista no protocolo de pesquisa. Essa questão é interessante porque pode ser colocada como mais um benefício aos possíveis sujeitos da pesquisa5, mas deve-se tratar de forma cautelosa e não ser vista como uma chantagem ou meio de coerção, mas sim como algo natural do processo. Exigência o: determina a obrigatoriedade de que as descobertas que sejam benéficas à população sejam divulgadas às autoridades sanitárias, observando-se o intuito coletivo das experimentações.

- IV. Consentimento Livre e Esclarecido: esse item faz relação indubitável com a dignidade humana, a necessidade de consentimento do sujeito ou de seus representantes legais é fundamental e deve seguir aspectos pré determinados na Resolução. Vale ressaltar que se dá atenção à questão da linguagem acessível, visto a vulnerabilidade dos sujeitos da pesquisa.

Os aspectos abrangidos neste capítulo são nove, além de requisitos e situações em que possa ocorrer restrição à liberdade.

- V. Riscos e Benefícios: a Resolução deixa claro que toda pesquisa é passível de riscos, mas determina em um primeiro momento o que será reconsiderado a ponto de se dar continuidade à pesquisa: conhecimento, prevenção e alívio de sujeitos de pesquisas e pessoas que sofrem com os mesmos problemas, além de que o risco em questão justifique o trabalho a ser realizado.

Talvez, em razão do ocorrido na Segunda Guerra Mundial e em outros momentos da história, o item dois deste capítulo da Resolução remete à real situação do sujeito da pesquisa e pela necessidade de se considerar com suas condições: “As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo devem prever condições de serem suportadas pelos sujeitos da pesquisa, considerando sua situação física, psicológica, social e educacional.”6

4 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013. 5 Para a Resolução 196/96 o Sujeito da pesquisa: “é o(a) participante pesquisado(a), individual ou coletivamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração.”. 6 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013.

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Interessante observar que no capítulo em questão remete-se à responsabilidade dos danos decorrentes de riscos aos pesquisadores responsáveis7, patrocinadores8 e instituição9. Assim como determina que se houver dano, estando ou não no termo de consentimento, o sujeito da pesquisa tem direito à assistência integral e, além disso, à indenização, que é um direito irrenunciável.

- VI. Protocolo de Pesquisa: o protocolo de pesquisa deve obedecer a toda uma metodologia que está descrita neste capítulo. Os itens exigidos vão desde a apresentação do documento em português, passando por 13 descrições detalhadas sobre a pesquisa em si, 8 informações relativas ao sujeito da pesquisa e qualificação dos pesquisadores, que se resume ao Curriculum Vitae dos mesmos.

O protocolo será submetido à revisão ética e sem os documentos especificados não será aceito. No que se refere à pesquisa nota-se, mais uma vez, a preocupação com a justificativa da pesquisa, análise de riscos e benefícios, duração total da pesquisa e o que havia sido dito anteriormente: “declaração de que os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles favoráveis ou não.”10 Com relação ao sujeito da pesquisa há a necessidade de informação das características da população, os métodos, descrição das possibilidades de riscos, assim como a gravidade dos mesmos, previsão de ressarcimentos11 e o mais importante, descrito no item ‘e’:

Apresentar o formulário ou termo de consentimento, específico para a pesquisa, para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, incluindo informações sobre as circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem irá tratar de obtê-lo e a natureza da informação a ser fornecida aos sujeitos da pesquisa.12

Nesse item demonstra-se a importância que o Comitê de Ética dedica ao consentimento, sendo um dever repassar todos os dados acerca do mesmo, para se ter todo respaldo de que o sujeito da pesquisa não terá problemas de qualquer natureza relativos à sua real intenção de participar da pesquisa.

- VII. Comitê de Ética Em Pesquisa: conhecido também pela abreviatura CEP, o Comitê deve existir, em um número ou mais, nas instituições que realizam pesquisas envolvendo seres humanos, com sua função de apreciar tais pesquisas.

O que mais chama a atenção no item acima e no subsequente é a obrigatoriedade de uma equipe multi e transdisciplinar, a fim de tratar a situação com visões diferentes, tudo em prol da pesquisa e seus benefícios. Há também a necessidade de serem pessoas dos dois sexos e a possibilidade de consultores ad hoc. A presença de um membro da sociedade também é uma condição interessante, para não aparentar que as

7 O pesquisador responsável, segundo a Resolução em questão é a: “pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem estar dos sujeitos da pesquisa.”. 8 Pela Resolução 196/96, o patrocinador é a “pessoa física ou jurídica que apoia financeiramente a pesquisa”. 9 A Instituição de pesquisa é uma “organização, pública ou privada, legitimamente constituída e habilitada na qual são realizadas investigações científicas.”. 10 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013. 11 Ressarcimento, conforme a Resolução 196/96, é: “cobertura, em compensação, exclusiva de despesas decorrentes da participação do sujeito na pesquisa”. 12 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013.

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decisões tomadas no CEP são tendenciosas, sem considerar a situação em seu âmago, assim como os interesses dos sujeitos e da coletividade. Indo nesse mesmo caminho, em seu oitavo parágrafo cita-se que se o membro do CEP fizer parte da pesquisa não poderá tomar decisão em nome do Comitê.13

- VIII. Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS): antes mesmo de se falar do capítulo em si, vale ressaltar o que é o Comitê Nacional, com as palavras da própria Resolução:

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS) é uma instância colegiada, de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde. O Ministério da Saúde adotará as medidas necessárias para o funcionamento pleno da Comissão e de sua Secretaria Executiva.14

Como se percebe acima, o Comitê Nacional tem várias competências, além de ser independente. Exatamente por este motivo sua composição demanda uma cobrança muito mais em sua composição e lista de atribuições. O CONEP será composta por:

[...] 13 (treze) membros titulares e seus respectivos suplentes, sendo 5 (cinco) deles personalidades destacadas no campo da ética na pesquisa e na saúde e 8 (oito) personalidades com destacada atuação nos compôs teológico, jurídico e outros, assegurando-se que pelo menos um seja da área de gestão da saúde.15

Um ponto muito relevante é que o CONEP/MS “[...] consultará a sociedade sempre que julgar necessário”16. Ou seja, os assuntos não ficam fechados e sem participação dos maiores interessados, há uma abertura para uma comunicação entre os dois extremos.

- IX. Operacionalização: o capítulo é iniciado com a responsabilidade do pesquisador: “A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreende os aspectos éticos e legais.”17 . Isto é, mesmo que o sujeito da pesquisa dê o seu consentimento, o risco e responsabilidade da pesquisa continuam sendo do pesquisador. Esta é uma forma de frisar a necessidade de estabelecer de forma clara e evidente os riscos e benefícios da pesquisa, que podem ser motivos para que a pesquisa seja considerável não razoável, sendo reprovada pelo CEP.

Estipula-se neste capítulo as sete obrigações do pesquisador, são itens mais administrativos, relativos principalmente aos relatórios a serem confeccionados e sua apresentação ao CEP. O parágrafo quatro contém uma determinação muito importante relativa à responsabilização do projeto aprovado pelo Comitê de Ética: “Uma vez aprovado o projeto, o CEP passa a ser co-responsável no que se refere aos aspectos éticos da pesquisa.”18. Aqui se pode, novamente, identificar a importância de que o projeto seja

13 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 24 fev. 2013. 14 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 24 fev. 2013. 15 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 24 fev. 2013. 16 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 24 fev. 2013. 17 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 24 fev. 2013. 18 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 24 fev. 2013.

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minuciosamente trabalhado e que os riscos e benefícios sejam ponderados, de forma a não trazer complicações ao sujeito da pesquisa e, por consequência, ao Comitê de Ética. Uma responsabilidade dessa magnitude pode trazer complicações ao órgão, de forma até de ser reconhecido de forma negativa perante à sociedade e comunidade científica. A Resolução é finalizada com o capítulo X, onde constam as Disposições Transitórias que não têm relevância para o Trabalho aqui apresentado. 2.1.2 RESOLUÇÃO 251/1997 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE Denise Oliveira entende que as Resoluções tratadas neste Trabalho têm natureza própria, ou seja, definem seus termos, criam regras no que diz respeito a fiscalização e estipulam regras de conteúdo próprio.19 Além disso, é importante observar que, conforme analisa a autora: “As definições e regras gerais contidas na Resolução MS n.º 196/96 aplicam-se a todas as modalidades de pesquisa, ainda que sobre elas haja disposições especiais, como expressamente previsto.”20. Nesse mesmo sentido, o objetivo deste capítulo é analisar as especificações da Resolução 251/97 no que complementa e regulamenta a Resolução 196/1996. Isto é, no que se refere a pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos. Já no seu Preâmbulo a Resolução em questão estabelece tais condições, fixando que as disposições do Documento anterior são incorporadas ao novo.21 Há informações destinadas ao sujeito da pesquisa, colocando-o como quem deve ser o mais beneficiado, em detrimento de todos os outros interesses: “[...] na pesquisa com novos produtos, a dignidade e o bem estar do sujeito incluído na pesquisa devem prevalecer sobre outros interesses, sejam econômicos, da ciência ou da comunidade.”22 Além de determinar que novos produtos sejam investigados apenas quando houver, de fato, “avanços significativos em relação aos já existentes.”23 A segunda parte da Resolução que traz os termos e definições, regula as quatro fases que obrigatoriamente devem ocorrer nos experimentos com fármacos. Que são as seguintes24:

- Fase 1: quando são feitos os primeiros experimentos em pessoas voluntárias e sadias - observa-se nessa fase a importância dada à questão do voluntariado. Utilizam-se novos princípios ativos ou novas formulações. Desta forma consegue-se verificar preliminarmente a segurança na administração dos componentes, assim como o perfil farmacocinético25 e farmacodinâmico26.

- Fase 2: é conhecido como Estudo Terapêutico Piloto. Nessa fase os estudos são realizados com sujeitos que possuem uma determinada enfermidade

19 CEZAR, Denise Oliveira. Pesquisa com medicamentos: aspectos bioéticos. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 100. 20 CEZAR, 2012, p.100. 21 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013. 22 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013. 23 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013. 24 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013. 25 Segundo a Resolução em questão, são todas as modificações que um sistema biológico produz em um princípio ativo. 26 A Resolução explica que se trata de todas as modificações que um princípio ativo produz em um sistema biológico. É o estudo dos efeitos bioquímicos e fisiológicos dos medicamentos e seus mecanismos de ação.

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ou condição patológica. A administração do princípio ativo é realizado em curto espaço de tempo para determinar sua segurança e em um número pequeno de pessoas. - Fase 3: é o chamado Estudo Terapêutico Ampliado. Nesta fase, como sugere o próprio nome, a quantidade de pacientes aumenta e dois objetivos são almejados: determinar o resultado risco/benefício curto e longo prazos das formulações do princípio ativo e também determinar de maneira geral o valor terapêutico relativo. É nessa fase se observam as reações adversas e características do medicamento. - Fase 4: são pesquisas realizadas depois da comercialização, com o intuito de vigilância, para estabelecer o valor terapêutico, surgimento de reações adversas, assim como a confirmação das já descobertas na fase 3 e também para determinar as estratégias de tratamento de tais reações. Nesta fase, como nas anteriores, deve prevalecer a aplicação de normas éticas e científicas.

A responsabilidade do pesquisador também é item da Resolução, determinando-a como indelegável e intransferível. E itens específicos, inerentes ao objeto da Resolução, como por exemplo: “Comunicar ao CEP a ocorrência de efeitos colaterais e ou de reações adversas não esperadas;”27 e “Recomendar que a mesma pessoa não seja sujeito da pesquisa em novo projeto antes de decorrido um ano de sua participação em pesquisa anterior, a menos que possa haver benefício direto ao sujeito da pesquisa.”28 No capítulo Protocolo de Pesquisa são 18 itens que tratam, além de outras, das seguintes questões: descrição da substância e suas propriedades físicas, químicas e farmacêuticas; detalhamento sobre os estudos experimentais com animais, materiais e métodos. Determina também que, de acordo com a importância da pesquisa, e na ausência de outros métodos, o CEP pode aprovar projetos sem cumprimento de todas as fases da farmacologia, sendo que nesse deve haver também a aprovação da CONEP e da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS); justificativa para uso do placebo; garantir com o patrocinador o acesso ao fármaco caso haja comprovação de sua superioridade em relação ao tratamento já realizado; descreve, ainda, que no caso de fármacos com ação psicofarmacológica deve-se analisar os riscos de dependência.29 2.2 PRINCÍPIOS 2.2.1 Autonomia A Autonomia tem relação direta com o Consentimento Informado, isso porque o sujeito da pesquisa tem que ser livre para tomar decisões e atitudes que entender melhores para ele ou para uma pessoa da qual ele é responsável, devendo ser respeitado. Nesse sentido que os CEP devem trabalhar, fiscalizando se a vontade das pessoas está sendo considerada e que o estudo não está cursando caminho diferente do planejado. Um exemplo factível de quando este princípio é violado é quando as pessoas são chamadas para servirem no experimento mediante favores remuneratórios. Isso pode ser

27 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013. 28 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013. 29 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 15 mar. 2013.

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um chamariz para pessoas que não têm conhecimento ou que, simplesmente não vêem problema de serem tratadas de tal forma, devido suas necessidades econômicas. A origem etimológica da palavra é do grego autos (eu) + nomos (lei)30, ou seja, a própria pessoa tem a capacidade de se auto governar, tomar a decisão que achar melhor em cada circunstância. Pode-se dizer que essa autonomia pode existir ao tomar uma decisão, agir e, também, no sentido de ter liberdade, “independência do controle da influência”31, que é a forma que deve prevalecer quando é dado o consentimento para participação em algum experimento. Para que exista a autonomia deve haver a possibilidade de mais de um caminho a ser seguido, ou que o próprio homem possa criá-lo. É uma liberdade necessária para a tomada de qualquer decisão. Pode-se dizer que tal princípio está ligado ao avanço que houve com relação à relação médico paciente, ou seja, não apenas à questão da experimentação, mas ao envolvimento das duas partes, a que precisa de ajuda e que está disposta a ajudar. O que o médico disser ao paciente será fundamental para sua decisão sobre qualquer assunto, que pode ser, até mesmo, não receber amparo da Medicina. Isso demonstra que a autonomia não está apenas presente em pesquisas, mas no dia a dia de qualquer um. O que varia é o grau dessa autonomia: ela pode ir desde a decisão, por exemplo, de uma pessoa não querer ser atendida por um determinado profissional, o que é algo simples, como até participar de um teste com uma substância que pode virar um medicamento, bem mais complexo! Para finalizar tal assunto é de essencial importância observar que a autonomia é uma reserva constitucional, assegurada no Art. 5.°, II da Lei Magna, que determina: “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”32. Ou seja, é um direito inerente ao ser humano, que deve ser respeitado e observado em qualquer circunstância. 2.2.2 Beneficência Esse princípio tem como objetivo fazer o bem, e conforme Clotet e Kipper é uma forma de se manifestar a benevolência33. A beneficência tem natureza intrínseca, devendo ser motivada pelo próprio ser humano. É uma condição de caráter, sendo manifestada de fora para dentro. Há a necessidade de estimulação para ser demonstrada, já fazendo parte da índole da pessoa. No papel do patrocinador de uma pesquisa esse princípio se manifesta quando o bem estar do sujeito da pesquisa fica em primeiro lugar, podendo ser conceituada por Clotet e Kipper como:

O princípio da beneficência tem como regra norteadora da prática médica, odontológica, psicológica e da enfermagem, entre outras, o bem do paciente, o seu bem-estar e seus interesses, de acordo com os critérios do bem fornecidos pela medicina, odontologia, psicologia e enfermagem34

30 DIAFÉRIA, Adriana; FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Biodiversidade, patrimônio genético e biotecnologia no Direito Ambiental. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.105. 31 DIAFÉRIA; FIORILLO, 2012, p.105. 32 PORTAL DO PLANALTO. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 mar. 2013. 33 CLOTET, Joaquim; KIPPER, Délio José. Princípios da Beneficência e Não-maleficência. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 42. 34 CLOTET; KIPPER; 1998, p. 44.

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Não há como se escrever sobre o assunto sem remeter ao Juramento de Hipócrates, que é proferido em formaturas de Bacharéis em Medicina: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento.”35 Interessante observar que desde Hipócrates o médico tem o papel de fazer o bem, percebe-se isso quando se pergunta aos jovens que pretendem cursar Medicina; grande maioria responde que quer fazer o bem aos doentes e salvar vidas. Isso já está enraizado na população, que vê o médico como uma pessoa que presta o bem e que pratica a Medicina para a cura de doenças. Mas, como defendem Clotet e Kipper, esse princípio deve ter limites e deve variar de acordo com as situações apresentadas, sendo que essencial se considerar a dignidade individual, ou seja, não se pode desrespeitar uma vida humana quando se percebe que a mesma não tem condições de se manter diante de uma doença terminal.36 Como afirmam os autores: “É difícil poder mostrar onde fica o limite entre a beneficência como obrigação ou dever e a beneficência como ideal ético que deve animar a consciência moral de qualquer profissional.”37 Uma questão muito interessante a ser considerada: até que ponto há um real benefício quanto às informações dadas a pacientes e seus mais próximos? Será que dizer a verdade de pronto é preferível a omiti-la com o intuito de conseguir identificar uma forma de fazer o bem ao ser humano? Desta forma, entende-se que o princípio da beneficência tem que ser utilizado de maneira cautelosa. Sua aplicação deve ser ponderada, considerando-se até que ponto o mesmo pode trazer conforto (emocional e físico) ao paciente. Além disso, não se pode esquecer do meio em que o ser humano vive e as consequências que uma má administração de informações pode trazer. 2.2.3 Não Maleficência O princípio da não maleficência é estudado por alguns autores como um desdobramento do princípio da Beneficência. Porém, para que se tenha uma visão mais ampliada e detalhista, neste Trabalho serão abordados separadamente, como propuseram de forma inédita, Beauchamp e Childress, em sua obra Principles of Biomedical Ethics.38 Os autores tratam os dois princípios da seguinte forma: “[...] não maleficência ou a obrigação de não causar danos, e beneficência ou a obrigação de prevenir danos e promover o bem.”39 Ou, também, como defendem Iannotti e Junior: “[...] uni-los numa mesma ideia obscurece distinções relevantes, nivelando-os, ainda, aprioristicamente, no mesmo plano hierárquico.”40 E, da mesma forma, aduzem Clotet e Kipper:

[...] o princípio de não maleficência envolve abstenção, enquanto o princípio da beneficência requer ação. O princípio da não maleficência é devido a todas as pessoas, enquanto que o princípio da beneficência, na prática, é menos

abrangente.41

35 CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Juramento de Hipócrates. Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3>. Acesso em: 24 mar. 2013. 36 CLOTET; KIPPER; 1998, p. 46. 37 CLOTET; KIPPER; 1998, p. 46. 38 CLOTET; KIPPER, 1998, p. 41. 39 CLOTET; KIPPER, 1998, p. 41. 40 IANNOTTI, Giovano de Castro; JUNIOR, Ítalo Marcio Batista Astoni . Pesquisa médica em seres humanos, não maleficência e autoexperimentação homeopática. Revista Bioética, Brasília, v.20, n.1, 2012. p. 50. 41 CLOTET; KIPPER, 1998, p. 47.

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Devidamente conceituados e diferenciados pode-se prosseguir com o estudo do princípio em questão. A manifestação primária do princípio sucede do latim, com a expressão primum non nocere, que significa: antes de tudo, não causar dano.42 Sua origem, assim como o do princípio anteriormente tratado, foi com Hipócrates e está presente no Juramento que leva o nome do Pai da Medicina:

Aplicarei os regimes [...]nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.43

Importante observar que o risco é inerente às pesquisas envolvendo seres humanos, mas de forma alguma deve prevalecer sobre os benefícios que as mesmas podem causar. Desta forma pode-se dizer que tal princípio, a priori, deve ser o primeiro a ser analisado ao se montar uma proposta de experimentação. Justifica-se o termo a priori, porque o princípio não deve ser sempre analisado de forma fechada, mas em conjunto com o da beneficência, sobretudo quando se têm dúvidas da atitude ou decisão a ser tomada. Neste cerne é que se identifica o porquê de alguns autores acabarem por tratá-lo juntamente, pois não é fácil mencioná-lo sem fazer alusão ao outro. Enfim, o que se deve considerar em todos os casos é o benefício ao ser humano, o respeito à sua dignidade e a justiça acima de qualquer circunstância, independentemente de qual princípio prevalecerá. 2.2.4 Justiça Distributiva O princípio da justiça distributiva conhecido também apenas como princípio da justiça, leva este nome pois tem como objetivo distribuir de forma equânime os riscos e benefícios de uma pesquisa. Importante a diferenciação feita nas Diretrizes Internacionais com relação a essas duas denominações e o porquê que o da justiça distributiva é melhor aplicado no âmbito da pesquisa biomédica:

A justiça se refere à obrigação ética de tratar cada pessoa de acordo com o que se considera moralmente correto e apropriado, dar a cada um o lhe é devido. Na ética da pesquisa em seres humanos o princípio se refere, especialmente, à justiça distributiva, que estabelece a distribuição equitativa de encargos e benefícios ao participar da pesquisa.44

Entende-se que tal princípio vem com outro objetivo, além dos acima citados, que é o de equilibrar a aplicação dos princípios da beneficência e maleficência. Isso porque a intenção do mesmo é a proteção do bem-estar do sujeito da pesquisa, principalmente quando se trata de situações que envolvem a vulnerabilidade do ser como ensina Maria Helena Diniz:

[...] deve haver uma distribuição equânime tanto dos ônus como das vantagens decorrentes da pesquisa, permitindo-se distinções entre pessoas vulneráveis, para a proteção de seu bem-estar ou de seus interesses, por serem incapazes de dar o

42 IANNOTTI; JUNIOR, 2012. p. 50. 43 CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Juramento de Hipócrates. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3>. Acesso em: 24 mar. 2013. 44 BRASIL, Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos. São Paulo: Loyola, 2004. p. 28.

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consentimento pós-informação, pela sua situação subordinada, e pela falta de meios alternativos de obter assistência médica”45

O fato da pessoa/comunidade/país ser vulnerável não pode ser um motivo para que a pesquisa seja feita desconsiderando as peculiaridades existentes. Não se pode esquecer que a possibilidade de favorecer o sujeito deve existir e ser a prioridade. Se isso não ocorrer, só poderá haver a pesquisa se houver algum bem para a comunidade do qual ele faça parte. Fiorillo e Diaféria, porém, levantam uma questão polêmica com relação a esse princípio. Entendem que a justiça não tem um conceito absoluto e assim se torna vago, sendo difícil aplicá-la em países de terceiro-mundo, discutindo a possibilidade da alteridade ser considerada para se conseguir ser mais assertivo ao lidar com o princípio.46 Autores já colocam a alteridade como um princípio da Bioética, como Claudia Magalhães: “Os princípios da bioética são: a beneficência, não maleficência, autonomia, justiça e alteridade.”47 A autora assim explica o novo princípio adotado:

O princípio da alteridade significa respeito pela outra pessoa, de modo que o homem deve agir em relação aos outros como quer que os outros se comportem em relação a ele mesmo.48

Mesmo que seja mais uma forma de se preservar o sujeito da pesquisa, como Fiorillo e Diaféria explicam, um novo conceito é convite para muitas discussões, então até haver um consenso se passará algum tempo.49 2.2.5 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Pode-se afirmar, sem dúvida alguma, que a base para a estruturação de uma Resolução e a criação de princípios próprios para a Bioética é o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Tudo em favor do ser humano, para que não seja desrespeitado como pessoa e ser vivo. A primeira coisa que deve estar em mente é o fato de que o princípio aqui exposto é fundamento determinado pela Carta Magna (Art. 1.°, inciso III)50, devendo sobrepor-se a qualquer situação, não podendo ser deixado de lado em detrimento de qualquer bem, por mais valioso que se apresente. Considerando desta forma, deve-se, antes da aplicação de qualquer experimento, ter a certeza que a dignidade, princípio maior, está sendo respeitado. Nesse sentido, Claudia Loureiro faz sua explanação: “Se houver conflito entre a livre expressão da atividade científica e o direito fundamental da dignidade humana, este deverá prevalecer, pois é o fundamento do Estado Democrático de Direito.”51 Se for tomado como parâmetro o imperativo categórico de Kant, conseguir-se-á adequar este princípio ao que o filósofo ensinava, no sentido de que o ser humano não pode ser considerado como um meio para a consecução de fins, mas sim que ele é o fim em si mesmo, assim, em um experimento não pode a pessoa ser utilizada sem qualquer

45 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 422-423. 46 DIAFÉRIA; FIORILLO, 2012, p.108-110. 47 LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães da Silva. Introdução ao Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 12. 48 LOUREIRO, 2009. p. 15. 49 DIAFÉRIA; FIORILLO, 2012, p.110. 50 PORTAL DO PLANALTO. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 mar. 2013. 51 LOUREIRO, 2009. p. 15.

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escrúpulo, a fim de, única e exclusivamente, favorecer um grupo específico de indivíduos, mas, sim, também com o objetivo de ajudar o sujeito da pesquisa na solução de um problema preexistente.52 Nesta altura cabem comentários com relação ao termo Coisificação, que algumas vezes se escuta ou lê. Utiliza-se esta expressão para diversos objetivos, mas aqui se pode demonstrar como se aplica em um experimento. Isso ocorre quando o sujeito da pesquisa não sabe exatamente qual é o seu papel, quais os benefícios que pode ter ou riscos que corre ao participar de determinada pesquisa. A falta de conhecimento e sua ignorância no assunto podem dar margem a experimentos que não respeitam as Resoluções vigentes no que se refere ao consentimento informado e aos princípios estudados, tendo como foco o da dignidade da pessoa humana. Com relação a esse assunto, Barros Júnior esclarece: “[...] não haverá dignidade onde não existir o efetivo respeito pela vida, pela integridade ou onde não houver limitação do poder estatal. Esta concepção do homem-objeto é exatamente o oposto da noção de dignidade da pessoa humana.”53 Neste panorama pode-se acrescentar também o pagamento dos patrocinadores aos sujeitos da pesquisa, que é totalmente proibido e vai em sentido completamente oposto ao princípio que está sendo estudado neste capítulo. O jornalista Marcos Coronato explana:

Mas por que alguém aceitaria tomar um remédio que ninguém sabe exatamente como funciona? Na maior parte dos casos, o convite é feito pelo médico a pessoas que não obtiveram resultados com a terapia tradicional, ou cuja doença não tem tratamento eficaz. O convite não pode envolver dinheiro, porque o pagamento ao sujeito de pesquisa é proibido no Brasil (na Europa também. Já nos Estados Unidos e no Canadá é permitido e os testes são até anunciados no rádio). A idéia é que as pessoas decidam participar só pelos possíveis benefícios a sua saúde.54

Com segurança pode-se considerar neste cenário, pessoas não instruídas como também pessoas esclarecidas. Independentemente de sua classe social ou do seu grau de estudo, há participação nas pesquisas – sem saber os riscos que está correndo - em troca de uma remuneração indevida. É uma atitude antiética por parte do patrocinador, mas é uma realidade existente no País. Segundo Stella Galvão, o Conselho Nacional de Saúde e Comissão Nacional de Ética em Pesquisa alegam que tal prática fere a ética e “[...] introduz vícios na relação entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa.”55 Nesse sentido há um desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, pelo fato de que o ser humano não está sendo considerado em sua essência, não houve um consentimento com base em informações prévias que relacionassem os riscos da pesquisa. O foco dado foi a remuneração. Interessante, por outro lado, salientar a importância da análise da dignidade da pessoa humana por um viés social, que complementa a ideia acima descrita, no âmbito de que independente do ser humano, a dignidade é uma garantia intangível56. O enfoque deste capítulo foi para alguns dos vários aspectos que a dignidade

52 KANT, Emmanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 20111, p.61. 53 JUNIOR, Edmilson de Almeida Barros Junior. Direito Médico abordagem constitucional da responsabilidade médica. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.24. 54 CORONATO, Marcos. Cobaias humanas. Super Interessante. São Paulo, 01/03/2004: Disponível em: <http://super.abril.com.br/ciencia/cobaias-humanas-444410.shtml >. Acesso em: 26 mar. 2013. 55 GALVÃO, Stella. Os testes clínicos com sadios e a polêmica da remuneração. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. São Paulo, Março de 2008: Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=349>. Acesso em: 26 mar. 2013. 56 JUNIOR, 2011. p. 24.

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humana pode seguir. Este princípio é muito rico e por ser inerente à pessoa humana, há um leque muito grande de informações. 2.3 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Para que qualquer pesquisa seja realizada deve haver o consentimento do sujeito mediante esclarecimentos de todos os procedimentos, objetivos e fases que o experimento terá. O sujeito não pode sofrer qualquer tipo de coação ou coerção para que aceite participar do experimento, assim como não pode receber remuneração ou qualquer outro privilégio que o incentive. Neste capítulo, o objetivo é conceituar o consentimento, demonstrar quais são os itens necessários a serem colocados ao sujeito, de que forma deve ser proposto a qualquer pessoa, dentre outros aspectos. Para Gozzo e Ligiera, o consentimento é um negócio jurídico que integra o contrato de prestação de serviço médico-paciente, podendo ser regido pelo Código de Defesa do Consumidor.57 A relação existente entre esses dois lados é fundamental, pois o médico é quem tem o conhecimento e tem o dever de prestar informações para que a pessoa possa tomar a decisão que lhe vier a ser mais benéfica. No caso das pesquisas em seres humanos, a responsabilidade de obtenção do consentimento é do pesquisador responsável.58 Vê-se que o consentimento informado não é uma exclusividade de experimentos, mas sim do dia a dia do profissional médico. Qualquer tipo de procedimento deve ser assentido pelo paciente. Desse modo percebe-se que é algo corriqueiro e que se deve resguardar de todas as formas para que a autonomia e a dignidade da pessoa humana sejam respeitadas. No tocante a experimentos entende-se que a atenção deve ser redobrada, isso porque haverá um procedimento ou administração de substâncias que não estão no cotidiano, é uma pesquisa, de forma que há a possibilidade de não dar certo, e o sujeito tem que estar ciente disso. Não é ético dar falsas esperanças, deve-se apresentar os riscos, em contraponto com os benefícios e o sujeito que decidirá o que é melhor para ele. O nome do documento apresentado para o sujeito é Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE e é assim conceituado na Cartilha de Pesquisa Clínica do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo:

Processo pelo qual um paciente confirma voluntariamente a sua disposição em participar de um estudo clínico, após ter sido informado sobre todos os aspectos que sejam relevantes para sua tomada de decisão. Esse consentimento deve ser documentado por meio de um formulário de consentimento informado (TCLE) a ser preenchido , assinado e datado.59

O termo deve ter linguagem clara para que o sujeito entenda perfeitamente o que se quer no projeto. Deve-se pensar que são pessoas que não tem conhecimento de

57 GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo. Bioética e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012, p.93. 58 CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cartilha de Pesquisa Clínica. Disponível em: < http://portal.crfsp.org.br/publicacoes-/doc_download/121-cartilha-da-comissao-de-pesquisa-clinica.html >. Acesso em: 28 mar. 2013. 59 CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cartilha de Pesquisa Clínica. Disponível em: < http://portal.crfsp.org.br/publicacoes-/doc_download/121-cartilha-da-comissao-de-pesquisa-clinica.html >. Acesso em: 28 mar. 2013.

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termos técnicos e nem tem a obrigação de ter! O termo tem que ter 9 (nove) itens60: 1. Justificativas para que o estudo seja realizado; 2. como que será realizado; 3. lista dos efeitos colaterais e riscos possíveis; 4. lista dos benefícios esperados caso o estudo dê certo; 5. informação sobre outras possibilidades de tratamento; 6. descrição da forma de acompanhamento; 7. apresentação de como e quando o medicamento será administrado; 8. nome e contato dos investigadores e 9.possibilidade de recusa em participar o estudo ou de retirada do consentimento a qualquer momento, sem que isso signifique prejuízo. Entende-se, ao verificar todas as exigências formais, que se houver todos os tópicos acima exigidos, de forma clara e detalhada, o sujeito terá condições para tomar uma decisão. Um formulário completo como esses dá segurança para o sujeito, principalmente pelo fato de se ter o contato direto com os investigadores. Vale a pena ressaltar uma situação observada nas questões acima: os riscos aparecem antes dos benefícios. Pode ser algo psicológico, mas se houvesse a inversão poderia até ser considerada uma forma de tentar induzir a pessoa a aceitar participar do estudo. 3 CONCLUSÃO O Brasil é um país que tem proporções continentais e que, conforme verificado no decorre desta Monografia, tem sido um dos países que mais tem pesquisas em desenvolvimento. Está certo que o tamanho dele não é parâmetro para tal estatística, mas é um alerta para que algumas questões sejam revistas. Há, de fato, uma estrutura: estamos amparados por duas Resoluções que são extremamente detalhadas e que têm por base nossa Lei Magna e outros importantíssimos Códigos e Estatutos. Há também uma preocupação grande com relação aos princípios tão discutidos, mas muitas vezes abstratos demais para aplicação e entendimento da população. Uma crítica a ser colocada é porque não haver uma lei, assim como temos para outros casos da Bioética. Um assunto como o experimento é muito invasivo para ser tratado apenas por uma Resolução, é uma situação tão delicada que está sem uma regulação legal efetiva e coercitiva. Deve-se pensar que a cada tempo temos novos medicamentos no mercado e não se sabe se passaram por um rígido controle dos Comitês. Os Comitês têm um papel fundamental, mas dotam de muita discricionariedade, não havendo uma padronização: o que se fazer para um caso e o que fazer para outro caso. Interessante observar também a questão da sociedade brasileira utilizar medicamentos que na sua grande maioria não foram analisados e aprovados em nosso País. Até que ponto isso é saudável? Não seria mais correto uma pesquisa com a população em que o mesmo será aplicado? Mesmo que seja um tanto quanto filosófico e romântico, o ideal é que houvesse acompanhamentos paralelos, com comunidades, países, pessoas diferentes! Além disso, tem-se a preservação da dignidade do ser humano, tão amplamente abordada. Até que ponto o Termo de Consentimento Livre e Informado tem eficácia em uma pesquisa? Talvez até haja uma falha na exposição deste Termo e, por consequência, um consentimento que não é válido, isto porque as informações não foram claras o suficiente. Deve-se entender que, conforme explanação detalhadíssima das Resoluções, o ser humano, em hipótese alguma pode ser prejudicado, ou seja, os riscos devem sim ser

60 CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cartilha de Pesquisa Clínica. Disponível em: < http://portal.crfsp.org.br/publicacoes-/doc_download/121-cartilha-da-comissao-de-pesquisa-clinica.html >. Acesso em: 28 mar. 2013.

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ponderados, não podem ser omitidos com a esperança que talvez haja benefícios. Não! Os riscos e benefícios devem ser tratados de forma conjunta e equilibrada. Já se tem uma carga muito negativa a respeito do assunto e não é justo fazer a população passar por algo parecido, é cruel! Acredita-se, desta forma, que o ser humano como pessoa, paciente e participante de uma pesquisa só terá mais amparo quando a situação for tratada pelo Legislativo, de forma a solidificar um entendimento e assim beneficiar a população como um todo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Diretrizes éticas internacionais para a pesquisa biomédica em seres humanos. São Paulo: Loyola, 2004. CEZAR, Denise Oliveira. Pesquisa com medicamentos: aspectos bioéticos. São Paulo: Saraiva, 2012. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução 196/96 de 10 de outubro de 1996. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_96.htm>. Acesso em: 17 jan. 2013. ______. Resolução 251/97 de 07 de agosto de 1997. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/reso_97.htm>. Acesso em: 13 mar. 2013. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Cartilha de Pesquisa Clínica. Disponível em: <http://portal.crfsp.org.br/publicacoes-/doc_download/121-cartilha-da-comissao-de-pesquisa-clinica.html>. Acesso em: 28 mar. 2013. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Juramento de Hipócrates. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3>. Acesso em: 24 mar. 2013. CLOTET, Joaquim; KIPPER, Délio José. Princípios da beneficência e não-maleficência. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. CORONATO, Marcos. Cobaias humanas. Super Interessante. São Paulo, mar. 2004. Disponível em: <http://super.abril.com.br/ciencia/cobaias-humanas-444410.shtml>. Acesso em: 26 mar. 2013. DIAFÉRIA, Adriana; FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Biodiversidade, patrimônio genético e biotecnologia no Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. GALVÃO, Stella. Os testes clínicos com sadios e a polêmica da remuneração. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. São Paulo, mar. 2008. Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=349>. Acesso em: 26 mar. 2013. GOZZO, Débora; LIGIERA, Wilson Ricardo. Bioética e direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012.

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IANNOTTI, Giovano de Castro; JUNIOR, Ítalo Marcio Batista Astoni . Pesquisa médica em seres humanos, não maleficência e autoexperimentação homeopática. Revista Bioética, Brasília, v.20, n.1, 2012. JUNIOR, Edmilson de Almeida Barros Junior. Direito Médico abordagem constitucional da responsabilidade médica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2011. LOUREIRO, Claudia Regina Magalhães da Silva. Introdução ao Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2009. PORTAL DO PLANALTO. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 mar. 2013.

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A MECANIZAÇÃO DA LAVOURA E A REINSERÇÃO

DO CORTADOR DE CANA-DE-AÇÚCAR NO SETOR

SUCROALCOOLEIRO BRASILEIRO

THE MECHANIZATION OF FARMING AND THE

REINSERTION OF SUGARCANE CUTTER IN THE

BRAZILIAN ALCOHOL AND SUGAR INDUSTRY

Bruno César Gurski ______________________________________

Engenheiro Agrônomo (UFPR) Mestrando em Ciência do Solo (UFPR/CAPES)

Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA Membro do grupo de pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae (CNPq)

Maria da Glória Colucci ______________________________________

Advogada pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil Especialista em Filosofia do Direito pela PUC-PR

Mestra em Direito pela UFPR Profa. Titular do UNICURITIBA

Presidente do grupo de pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae (CNPq)

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RESUMO

Procurou-se analisar no texto aspectos referentes à subordinação dos trabalhadores rurais aos capitais agroindustriais e financeiros, à causa da dependência dos cortadores de cana-de-açúcar por políticas sociais e à indagação sobre a contribuição para o êxodo rural e o crescimento não planejado da população urbana. A previsão de recapacitação dos cortadores de cana-de-açúcar está estimada em cerca de 165 mil trabalhadores, só no Estado de São Paulo. O número de trabalhadores da mecanização agrícola cresceu 25%, entre 2006 e 2008, já o número de trabalhadores canavieiros não especializados registrou queda de 3,8 %. O problema atual da alta taxa de desemprego da classe dos cortadores de cana-de-açúcar só tende a piorar se soluções mais eficientes não forem tomadas. Palavras-chave: Colheita mecanizada, queima da palha, recapacitação profissional.

ABSTRACT

The text is aimed at analyzing aspects relating the subordination of rural workers to agro-industrial and financial capitals, because of dependence of sugarcane cutters by social policies and the question into the contribution to the rural exodus and unplanned growth of urban population. The prediction of retraining sugarcane cutters is estimated at around 165,000 employees, only in state of São Paulo. The number of workers in the agricultural mechanization grew 25% between 2006 and 2008, now the number of unskilled sugarcane workers declined by 3.8%. The current problem of high unemployment in class of sugarcane cutters only get worse if more efficient solutions are not taken.

Keywords: Mechanized harvesting, straw burning, job retraining.

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa começa abordando a origem da agricultura no mundo, enfatizando o

fato de ser uma agricultura de subsistência baseada somente no trabalho humano. Posteriormente, comenta-se sobre a sustentabilidade como uma nova forma de se pensar a agricultura, com ênfase nos três setores principais do desenvolvimento sustentável: o social, ambiental e econômico.

A mecanização agrícola no Brasil é apresentada como decorrência de um processo histórico-político, refletindo com grande influência no setor sucroalcooleiro. É então apresentado um panorama geral do setor sucroalcooleiro com base em estatísticas e diagnósticos de diversos autores e entidades públicas. Passa-se então, ao principal tema ambiental atualmente discutido no Brasil que é a proibição da queima da palha da cana-de-açúcar como uma das principais formas de incentivo à mecanização da cultura da cana-de-açúcar. Por meio de um enfoque social, faz-se um diagnóstico da situação histórica e atual do cortador de cana-de-açúcar nesse contexto e as mudanças ocasionadas pela mecanização da lavoura. Como uma forma de remediação do problema social da alta taxa de desemprego no setor, é abordada a recapacitação desse cortador de cana-de-açúcar, realizando sua reinserção na própria cadeia produtiva sucroalcooleira.

Procurou-se analisar no texto aspectos referentes à subordinação dos trabalhadores rurais aos capitais agroindustriais e financeiros, à causa da dependência dos cortadores de cana-de-açúcar por políticas sociais e à indagação sobre a contribuição para o êxodo rural e o crescimento não planejado da população urbana.

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2 SUSTENTABILIDADE: UMA NOVA FORMA DE PENSAR A AGRICULTURA

2.1 OS PARADIGMAS DA AGRICULTURA ATUAL A agricultura é um sistema econômico que teve início em aldeias fixas juntamente

com o pastoreio em propriedades familiares ou clãs. As técnicas de sobrevivência para obtenção do alimento se iniciaram com a coleta de produtos vegetais, passando para caça e pesca que exigiam técnicas e instrumentos apropriados à atividade, mas essas técnicas eram diretamente dependentes da disponibilidade dos produtos na natureza. A agricultura rudimentar iniciou no período Neolítico, cerca de 7.500 a 6.000 anos a.C. nas regiões dos Balcãs, Criméia, Ásia Menor, Cáucaso, Palestina e Iraque. Era denominada “cultura da enxada” porque era predominantemente manual1.

A agricultura depende do grau de conhecimento tecnológico, que pode limitar a capacidade de produção, mas todas as sociedades desenvolvem pelo menos, as técnicas mínimas necessárias a sua sobrevivência.

Segundo Ignacy Sachs, os sistemas produtivos deveriam ser baseados em projetos sustentáveis com o uso da biomassa. A otimização do uso da biomassa deve cumprir os seus cinco principais usos: combustíveis, suprimentos, alimento, fertilizante e ração industrial. O mais importante requisito é o desenvolvimento de uma química verde para substituir plenamente a energia fóssil pelos biocombustíveis2.

Essa questão energética juntamente com o desenvolvimento são temas inerentes a todos os países do mundo, porque são fundamentos do bem estar social. A energia é, consequentemente, uma atividade socioeconômica que responde a uma política energética praticada pelo Estado que tem o dever de respeitar a sustentabilidade ambiental e corporativa. Galvão e outros autores defendem uma análise em que a sustentabilidade nos sistemas energéticos deve ser vista em razão do ser humano. Posteriormente, sintetizam que o homem é afetado por elementos socioeconômicos, recursos e suprimentos e pelo meio ambiente, portanto, a possibilidade do desenvolvimento sustentável é diferente a cada momento e em cada local3.

Segundo Leonardo Boff, a crise ambiental é conceitual e não econômica. O termo “Economia Verde” ganha ênfase para evitar a questão da sustentabilidade que se encontra em oposição ao atual modo de produção e consumo. A questão central do desenvolvimento sustentável não é salvar a Terra, é como fazer para salvar a civilização, essa é a grande questão que muitos acabam não dando importância. O etanol, por exemplo, é dado como energia limpa e alternativa, mas todo o seu processo de produção é altamente poluidor4.

Os três pilares do desenvolvimento sustentável, segundo Sachs, seriam: “[...] atender simultaneamente os critérios de relevância social, prudência ecológica e viabilidade econômica, ou seja, harmonizar os objetivos sociais, ambientais e econômicos”5.

1 MARCONI, M. A. Antropologia: uma introdução. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.119-127. 2 SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p.33-34. 3 GALVÃO, L. C. R.; GRIMONI, A. B.; UDAETA, M. E. M. Iniciação a conceitos de sistemas energéticos para o desenvolvimento limpo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004, p.34-37. 4 BOFF, L. A ilusão de uma economia verde. In: Radis comunicação e saúde: nova chance ao desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro - RJ. nº 112. Dez. 2011, p.43-44. 5 SACHS, 2002, p.35.

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2.2 A MECANIZAÇÃO AGRÍCOLA E SEU REFLEXO NO SETOR SUCROALCOOLEIRO

Para Mialhe a mecanização agrícola foi criada para o uso racional, sendo

considerada a chave para o desenvolvimento e crescimento econômico da agricultura moderna. Ela é descrita como:

[...] um conjunto ou sistema de máquinas empregadas de forma técnica e economicamente organizadas na execução de tarefas exigidas pela produção agrícola, visando obter o máximo de rendimento com o mínimo de dispêndio de energia, tempo e capital6.

Segundo Martine e Beskow, as origens da modernização agrícola brasileira encontram-se na década de 50, com a pretensão de substituição das importações. A partir de 1964 houve a implantação de parques industriais extensivos sob a ótica conservadora do governo militar. Em paralelo ocorria uma fase de rápido crescimento econômico denominada “Milagre Brasileiro”, que permitiu privilegiar uma forma mais moderna de produção agrícola7.

Houve fortes estímulos e subsídios a culturas consideradas dinâmicas, dentre elas o café e a cana-de-açúcar, por serem destinadas à exportação para regular a balança comercial brasileira e por demandarem máquinas e insumos agrícolas. Na década de 60 desenvolveu-se um movimento para a implantação de um pacote tecnológico estrangeiro baseado no modelo norte-americano de produção agrícola chamado “Revolução Verde”, que utilizava insumos agrícolas, principalmente os químicos, conjugado com o uso intensivo da mecanização agrícola. O elevado preço de determinados produtos agrícolas no mercado internacional contribuiu para consolidar esse novo sistema. Assim, o Brasil desistiu da agricultura de subsistência e adotou uma agricultura nova denominada de “Agronégocio”, aumentando sua dependência do mercado externo8.

Com a criação do programa federal do Pró-Alcool em 1975, o plantio da cana-de-açúcar aumentou de forma exponencial, criando necessidade crescente de mão-de-obra para trabalhar principalmente na colheita, levando as usinas sucroalcooleiras a buscarem trabalhadores em regiões distantes de onde estavam instaladas. Prova disso foi a contratação de “bóias-frias” advindos do Nordeste, culminando no resultado do Censo Agropecuário de 1980 que acusou um aumento significativo de trabalhadores ocupados em atividades agropecuárias passando de 17,6 milhões em 1970 para 21,2 milhões em 19809.

Baccarin et al. descrevem a rotina que tinha um típico cortador de cana-de-açúcar:

O processo iniciava- se com o trabalhador, com auxílio de um podão (espécie de facão de lâmina mais larga), cortando rente ao solo os colmos de cana e os depositando, em montes ou em leira contínua, na rua central do eito de trabalho, composto normalmente por cinco ruas de cana. Após era feito, também manualmente, o carregamento da cana cortada, por outro grupo de trabalhadores, em carroças, carretas de tratores ou em pequenos caminhões para que produto fosse transportado para as usinas e destilarias, aonde viria a ser transformado em rapadura, açúcar e/ou álcool10.

6 MIALHE, L. G. Manual de mecanização agrícola. São Paulo: Agronômica Ceres, 1974, p.9-14. 7 MARTINE, G.; BESKOW, P. R. O modelo, os instrumentos e as transformações na estrutura de produção agrícola. In: MARTINE, G.; GARCIA, R. C. Os impactos sociais da modernização agrícola. São Paulo: Caetés, 1987, p. 19-20. 8 Ibid, p.19-22. 9 Ibid, p.41-56. 10 BACCARIN, J. G.; GEBARA, J. J.; BARA, J. G. Trabalhadores rurais nas empresas sucroalcooleiras do estado de São Paulo – evolução recente. Cadernos Ceru, série 2, v. 22, n. 1, junho de 2011, p.77.

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Segundo Martine, a modernização agrícola criou um problema social muito grave: ao intensificar a utilização de mão-de-obra em determinadas épocas específicas do ano, como na colheita da cana-de-açúcar, reduziu-se a oferta de empregos estáveis ao longo do ano. Esse emprego temporário atraiu muitos trabalhadores pelo rápido retorno financeiro, mas geralmente esse emprego era associado a uma residência no local, levando as famílias a uma desestruturação das ocupações que antes eram garantidas pela pequena produção de subsistência11. No setor sucroalcooleiro se reduziu o número de trabalhadores empregados e diminuiu o poder de negociação dos sindicatos que mobilizavam os trabalhadores por meio de greves12.

A subordinação dos trabalhadores rurais aos capitais agroindustriais e financeiros causa uma grande dependência destes por políticas sociais que geralmente não são prioridade do governo e nem das grandes empresas, contribuindo para o êxodo rural e o crescimento não planejado da população urbana13.

Segundo Ortega e outros autores, a mecanização da colheita da cana-de-açúcar vem se intensificando desde a década de 80, levando à diminuição do emprego rural temporário em todas as regiões do Brasil. Aliado a isto existe outro problema que é o fenômeno da terceirização da execução das atividades agrícolas realizadas por meio de empresas de serviços situados no meio urbano diminuindo ainda mais os postos de trabalho no setor rural14.

Estimativas apontam que a área colhida mecanicamente no Estado de São Paulo passou de apenas 18% da área total com cana, em 1997, para 40%, em 2006, e a área colhida mecanicamente, sem queima da palha passou de 21% para 73% do total da área colhida com colheitadoras15.

As inovações mecânicas na cultura da cana-de-açúcar estão presentes em todas as fases da cultura: preparo do solo, plantio, tratos culturais e principalmente na colheita diminuindo ainda mais o número de empregos no setor, porque a mecanização diminui os gastos com mão-de-obra, o rendimento é muito superior, além de diminuir os impactos no meio ambiente por não haver a necessidade da queima da palha. Dados indicam que em um dia de colheita uma colheitadeira mecânica, utilizada em condições ideias, pode cortar até 960 toneladas de cana, enquanto um cortador manual corta cerca de sete toneladas por dia. Consequentemente, a colheitadeira mecânica realiza o trabalho de aproximadamente 137 homens em um dia. A colheita mecanizada da cana-de-açúcar só não ocorre em todas as regiões porque não é possível utilizar as colheitadeiras em áreas com declive superior a 12%, pelo custo elevado do equipamento, pelas modificações necessárias a serem realizadas na parte logística e nas usinas e também pela cultura da cana ser de ciclo semi-precoce, porque gera uma necessidade de um novo sistema de plantio obedecendo a um espaçamento próprio para o trânsito das máquinas16.

11 MARTINE, G.; Êxodo rural, concentração urbana e fronteira agrícola. In: MARTINE, G.; GARCIA, R. C. Os impactos sociais da modernização agrícola. São Paulo: Caetés, 1987. p. 59-79 12 DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Desempenho do setor sucroalcooleiro brasileiros e os trabalhadores. Estudos e Pesquisas. Ano 3, nº 30 ,2007, p.12. 13 ANGELA A. K. Alguns efeitos sociais da modernização agrícola em São Paulo. In: MARTINE, G.; GARCIA, R. C. Os impactos sociais da modernização agrícola. São Paulo: Caetés, 1987. p. 99-123. 14 ORTEGA, A. C.; GRALIPP, A. A. D.; JESUS, C. M. Terceirização e emprego rural na agricultura do Cerrado Mineiro: os casos da mecanização no café e na cana-de-açúcar. In: CAMPANHOLA, C.; SILVA, J. G. O novo rural brasileiro: novas atividades rurais. V.6 - Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica, 2004. p. 96-97. 15 PAES, L. A. D. Áreas de expansão do cultivo da cana. In: MACEDO, I. C. (Org.). A energia da cana-de-açúcar: doze estudos sobre a agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil e sua sustentabilidade. 2 ed. São Paulo: UNICA, 2007. p. 125-133. 16 ORTEGA et al., op. cit., p.114-120.

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2.3 PANORAMA DO SETOR SUCROALCOOLEIRO

Em 2000/01, a produção de cana-de-açúcar no Brasil alcançou 254,9 milhões de toneladas, em uma área de 4,8 milhões de hectares. Em 2008/09, a produção atingiu 536,6 milhões de toneladas, aumento de 110,5%, em uma área de 8,9 milhões de hectares, um crescimento de 85,4%. A produção de etanol passou de 10,5 bilhões de litros, em 2000/01, para 27,6 bilhões de litros, em 2008/09, aumento de 162,9%, e a de açúcar passou de 16,0 milhões de toneladas, em 2000/ 01, para 31,3 milhões de toneladas, em 2008/09, crescimento de 95,6%17.

Com o preço do petróleo em alta, a adição do álcool em aditivo a gasolina é uma opção natural. A porcentagem de álcool anidrido na gasolina passou de 13% em 1990 para 20% em 2011. A produção de cana-de-açúcar no Brasil passou de 496.353.211 milhões de toneladas em 2007 para 623.719.902 milhões de toneladas em 2011. As exportações brasileiras de álcool etílico foram de 1.905.419.419 litros, gerando uma receita de US$ 1.014.260.873,00 dólares18.

Com a cotação do açúcar alcançando grandes níveis no mercado internacional, crescem as incertezas sobre o destino da safra brasileira de cana-de-açúcar ao mesmo tempo em que a produção de açúcar para exportação pode garantir alta lucratividade. Com isso, embora se preveja ampliação de 69,5% na área colhida e de 77,6% na produção de cana-de-açúcar, o emprego de canavieiros cairia em 63,9%, entre 2006 e 2015, no Centro-Sul19.

Seria uma diminuição significativa no emprego setorial e que poderia trazer impactos sociais consideráveis, se não houver perspectivas de emprego em outros setores e não se implantarem programas específicos de requalificação profissional20. 2.4 A LEGISLAÇÃO SOBRE A QUEIMA DA PALHA DA CANA-DE-AÇÚCAR

O art. 27 da lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 explicita que “é proibido o uso

de fogo nas florestas e demais formas de vegetação”21. Mas a queima da palha de cana-de-açúcar para fins de colheita manual é prevista como uma peculiaridade justificável, devido ao fato de ser uma atividade socialmente e tecnicamente aceita, porque antigamente não existia maquinário agrícola para a colheita.

O Poder Público estabeleceu o decreto nº 2.661, de 8 de julho de 1998 que regulamenta o art. 27, § único da lei nº 4.771/65, estabelecendo no capítulo IV (da redução gradativa do emprego do fogo), o art. 16 estabelece o seguinte:

O emprego do fogo, como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de mecanização da colheita, será eliminado de forma gradativa, não podendo a redução ser inferior a um quarto da área mecanizável de cada unidade agroindustrial ou propriedade não vinculada à unidade agroindustrial, a cada período de cinco anos, contados da data de publicação deste decreto22.

17 MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil. Anuário estatístico da agroenergia. Brasília: MAPA/ACS, 2009. 160 p. 18 ALCOPAR – Associação de Produtores de Bioenergia do Estado do Paraná. Estatísticas. Disponível em: <http://www.alcopar.org.br/estatisticas/hist_prod_br.php> Acesso em: 19 jun. 2012. 19 DIEESE, 2007, p. 15-19. 20 BACARRIN et al., 2011, p. 81-82. 21 BRASIL. Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965. Código Florestal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4771.htm>. Acesso em: 18 mai. 2012. 22 BRASIL. Decreto nº 2.661 de 8 de julho de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2661.htm>. Acesso em: 18 mai. 2012.

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Essa prerrogativa do Poder Público é ambientalmente correta, no entanto, não é suficiente para promover a sustentabilidade da cadeia sucroalcooleira em curto prazo, porque é crescente o apelo social ao desenvolvimento sustentável e corporativo, sintetizado no art. 225 da Constituição Federal:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações23.

Em São Paulo, a lei n. 11.241, de 19/9/2002 estabelece que as queimadas devam ser eliminadas até 2031, em áreas não mecanizáveis (declividade acima de 12%), e até 2021, em áreas mecanizáveis (declividade abaixo de 12%). Por sua vez, o decreto federal nº 2.661/98 trata apenas das áreas mecanizáveis e estabelece o ano de 2018, como prazo para extinção completa da queima dos canaviais (PAES, 2007).

O Estado de São Paulo é o maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil e, por conseguinte, possui a maior responsabilidade de tentar reduzir o emprego do fogo na colheita. Esse dever foi satisfeito pelo firmamento do “Protocolo Agroambiental” 24 em junho de 2007, criado pelo Estado de São Paulo juntamente com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a ÚNICA (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), que prevê a antecipação do final das queimadas da cana-de-açúcar em São Paulo para 2014, em áreas mecanizáveis, e 2017, em áreas não mecanizáveis.

O protocolo prevê, dentre outras diretrizes, a demarcação das áreas produtoras, a proteção das nascentes, a redução do consumo de água, além de boas práticas trabalhistas e sociais. As indústrias sucroalcooleiras que aderirem à determinação governamental receberão um selo ambiental, que servirá de credencial para a futura comercialização do álcool fabricado. O documento antecipa em sete anos, de 2021 para 2014, a extinção da prática da queima da palha em áreas planas, onde é possível introduzir a colheita mecanizada. Mesmo em regiões onde a inclinação é superior a doze graus, consideradas não mecanizáveis com tecnologias existentes, o prazo foi antecipado em catorze anos em relação ao que determina a lei, de 2031 para 2017. Embora a adesão ao Protocolo seja voluntária, sua edição deixa clara a opção, pelo menos, das lideranças dos empresários paulistas, em extinguir, o quanto antes, as queimadas25.

Por outro lado, entre 2006 e 2007 verificou-se uma mudança no discurso dos empresários sucroalcooleiros que, ao invés de continuar destacando os empregos gerados na cana-de-açúcar, passaram a enfatizar a necessidade de agirem com maior celeridade para que se extinguisse a queimada dos canaviais26.

2.5 A SITUAÇÃO DO CORTADOR DE CANA-DE-AÇÚCAR Nos tratos culturais e na colheita da cana-de-açúcar são empregados em torno de

um milhão de assalariados no Brasil. É difícil precisar esse número, porque parte dos trabalhadores é empregada de forma ilegal e temporária. Também há variações conforme

23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 02 jun. 2012. 24 SÃO PAULO. Protocolo Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro. Disponível em: <http://www.unica.com.br/userFiles/Protocolo_Assinado_Agroambiental.pdf> Acesso em: 09 jun. 2012. 25 FREDO, C. E.; VICENTE, M. C. M.; BAPTISTELLA, C. S. L.; VEIGA, J. E. R. Índice de mecanização na colheita da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo e nas regiões produtoras paulistas, junho de 2007. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 3. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br. Acesso em: mar. 2008, p.4. 26 BACARRIN et al., 2011, p. 83-85.

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o clima, mudanças de remuneração e outros fatores. Outro fator que contribui para o achatamento salarial é a terceirização. As usinas vêm transferindo os custos de corte, carregamento e transporte da cana das áreas mais distantes para terceirizadas ou fornecedores, que, por sua vez transferem para terceiros. Essas empresas terceirizadas tendem a assegurar piores condições de salário e trabalho para os trabalhadores do que as usinas27.

O pagamento do corte manual é feito proporcionalmente à quantidade, em toneladas, que o trabalhador corta no período de pagamento. Esse método faz com que o trabalhador se esforce até o limite de sua força física28. Sabe-se que o padrão de adoecimento do cortador de cana-de-açúcar está estreitamente relacionado com o modo de organização e de realização do seu trabalho. Para piorar a situação, as empresas medem o potencial do trabalhador rural pela sua capacidade de permanecer ausente dos serviços de saúde29.

O descumprimento das leis trabalhistas e de acordos e convenções coletivas de trabalho marcam as relações de trabalho do setor. Entre outras práticas, o rebaixamento da diária, a redução da base salarial convencionada; a elevação da tarefa convencionada por meio da classificação irregular da cana; erros ou fraudes na medição e na conversão e o não pagamento de verbas salariais, como repouso semanal remunerado, férias e 13º salário30.

Além disso, a profissionalização do setor, o aumento da fiscalização e a busca de selos sociais e ambientais por parte das usinas fizeram com que a formalização crescesse significativamente nos últimos anos. Porém, isso não significa que a remuneração dos canavieiros seja adequada e nem que as condições de trabalho sejam boas31.

Percebe-se uma diminuição de 10.708 pessoas, entre 2007 e 2008, e de 11.184 pessoas, entre 2008 e 2009. O número de pessoas ocupadas em junho de 2007 foi 80,2% maior que o número de pessoas ocupadas em dezembro do mesmo ano, podendo-se notar a grande sazonalidade no número de empregos do setor sucroalcooleiro. Devido a essa sazonalidade, as regiões produtoras de cana-de-açúcar recebem grande número de migrantes no período de corte da cana-de-açúcar. A situação desses trabalhadores é de agricultores familiares empobrecidos, que tentam obter, através do serviço de corte de cana, uma fonte de renda complementar32.

No auge da safra, entre maio e julho, o número de trabalhadores canavieiros não especializados contratados chega a ser de mais de 90% do número constatado no mês de janeiro33. Nos momentos de pico da atividade agrícola, as usinas recrutam trabalhadores temporários por meio das empreiteiras que, na maioria das vezes, são pequenas empresas ilegais em que predominam as relações informais de trabalho34.

Em parte considerável das usinas, os trabalhadores que no primeiro mês de contrato não conseguem cortar dez toneladas diárias são demitidos e substituídos por outros que conseguem atingir tal média. Os trabalhadores são contratados, em geral, através do contrato de safra. De uma safra para outra só são recontratados os que demonstraram ter alcançado tal média na safra anterior. Trabalhadores com baixo índice de faltas também são preteridos35. 27 DIEESE, 2007, p. 19-22. 28 BACARRIN et al., op. cit., p. 86-89. 29 SCOPINHO, R. A. Qualidade total, saúde e trabalho: uma análise em empresas sucroalcooleiras paulistas. RAC, v. 4, n. 1, Jan./Abr., 2000. p. 94-95. 30 DIEESE, 2007, p.81. 31 Ibid, p. 85-86. 32 BACARRIN et al., 2011, p. 88-91. 33 Ibid, p. 91. 34 SCOPINHO, 2000, p. 99. 35 DIEESE, 2007, p.30.

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Assim, segundo Scopinho,

[...] a política de gestão de recursos humanos do setor sucroalcooleiro em muito contribui para que os trabalhadores não reconheçam a saúde como processo social, mediado também por questões de ordem econômica e política, e um direito básico de cidadania. Eles tratam a saúde como questão estritamente biológica, individual e curativa, isenta de relações com seus modos específicos de trabalhar e viver, apesar de ser o próprio corpo o único bem que possuem36.

As questões sociais e de saúde dos trabalhadores são como que colocadas em “planilhas” de cálculo de custo-benefício das empresas.

3 DA NECESSIDADE DE MUDANÇAS

3.1 AS MUDANÇAS NOS RECURSOS HUMANOS DAS USINAS

SUCROALCOOLEIRAS A preocupação formal com a gestão do cortador de cana-de-açúcar surgiu na

década de 40, com a edição do decreto-lei nº 3.855 de 1941 que promulgou o Estatuto da Lavoura Canavieira, que continha alguns dispositivos que tratavam da assistência trabalhista e social dos trabalhadores. Posteriormente foi editada a lei nº 4.870 de 1965, que previa a aplicação de 1% do valor da produção de cana e de açúcar e 2% da produção de álcool em Programas de Assistência Social. Nota-se historicamente que a assistência social é prática instituída, permanente e importante elemento da política de recursos humanos do setor sucroalcooleiro porque sempre se criou uma legislação social fortemente revestida de um caráter assistencial-paternalista37.

A atual política de recursos humanos do setor sucroalcooleiro visa a formar opinião pública favorável à reestruturação produtiva, ao mesmo tempo que envolve os trabalhadores na direção do alcance das metas organizacionais, no sentido de elevar os índices de produtividade com máxima qualidade e baixo custo, independentemente da qualidade de vida dos trabalhadores38.

O número de trabalhadores da mecanização agrícola cresceu 25%, entre 2006 e 2008, revelando a maior necessidade de contratação de trabalhadores especializados. Já o número de trabalhadores canavieiros não especializados registrou queda de 12.655 pessoas, ou 3,8%. Percebe-se uma queda de 4% no total da ocupação das empresas sucroalcooleiras entre 2007 e 2009, queda esta puxada pelos trabalhadores da agricultura, cujo número caiu 11% nos dois anos considerados39.

Observa-se que alguns serviços, como transporte, assistência médica, são oferecidos como benefícios, mas isto é somente o cumprimento de direitos já conquistados na legislação trabalhista. Também é grande a demanda por gêneros alimentícios básicos, não havendo procura por bolsas de estudo e assistência psicológica. Em suma, a política de benefícios sociais do setor sucroalcooleiro continua sendo, essencialmente, um instrumento gerencial de combate à rotatividade, de fixação do trabalhador na empresa40.

Houve um aumentou no número de trabalhadores da mecanização agrícola e, em contrapartida, uma diminuição no número de trabalhadores canavieiros não

36 SCOPINHO, op.cit., p. 97. 37 SCOPINHO, 2000, p. 101. 38 Ibid, p. 96. 39 BACARRIN et al., 2011, 89-91. 40 SCOPINHO, op.cit., p. 106-107.

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especializados, motivada pela necessidade empresarial de se reforçar a imagem do etanol como um combustível renovável e com poucos efeitos negativos ao meio ambiente. A expansão significativa da área e da produção canavieira não tem sido suficiente para compensar as mudanças tecnológicas, de forma que o resultado é uma diminuição no número de trabalhadores não especializados ocupados na lavoura41. 3.2 A RECAPACITAÇÃO DO CORTADOR DE CANA-DE-AÇÚCAR

Castigados pelas condições do ambiente de trabalho e ameaçados pelo

desemprego, na maioria das vezes, os cortadores enfrentam as consequências negativas da modernização por meio de práticas de natureza individual, haja vista que a greve não tem sido uma estratégia sindical adequada para enfrentar as problemáticas trabalhistas e sociais. Com relação à saúde e segurança no trabalho, essas práticas individuais consistem, por exemplo, na procura de assistência médica e no exercício da automedicação como as únicas formas de tratar da saúde42. Por outro lado, a Constituição Federal estabelece a melhoria da condição social do trabalhador rural em face da mecanização:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei43.

A maior parte dos cortadores de cana-de-açúcar brasileiros não tem capacitação profissional, baixa escolaridade, nem ao menos o ensino fundamental, muitos chegando ao analfabetismo completo. Com a mecanização da colheita da cana-de-açúcar haverá uma inexorável e grave questão social a ser resolvida, exigindo da instituição ou usina um programa de recolocação profissional, treinamento e capacitação dessa mão de obra. A previsão de recapacitação dos cortadores de cana-de-açúcar está estimada em cerca de 165 mil trabalhadores, só no Estado de São Paulo44.

Esse compromisso das usinas advém da escassez de mão-de-obra no mercado, apesar de ser uma necessidade fundamental do setor, essa alternativa mostra um problema muito maior que é a falta de assistência e capacitação da população proveniente do poder público, que podem ser confirmadas com as palavras de Bertelli, “[...] atualmente há a imprescindibilidade de políticas governamentais, voltadas ao setor da agroindústria, a fim de que não tenhamos graves problemas sociais, decorrentes da substituição humana pela mecanização”45. O poder público deveria ter esse compromisso na base da educação dos trabalhadores e não somente quando ocorre a necessidade explícita, que acaba gerando falta de organização e capacitações incompletas devido ao curto espaço de tempo.

Em contrapartida o governo do Estado de São Paulo criou o programa “Via Rápida Emprego”. O programa é coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, e oferece cursos básicos de qualificação profissional de acordo com

41 BACARRIN et al., loc.cit. 42 SCOPINHO, op.cit., p. 100. 43 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 12 jun. 2012. 44 BERTELLI, L. G. O problema social da mecanização da cana-de-açúcar. Artigo publicado no jornal Diário Comércio Indústria & Serviços (DCI), edição de 15 de setembro de 2010, p. 34-35. 45 BERTELLI, L. G. Queimadas da cana incomodam. Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo/ Caderno "Dinheiro", edição de 15 de junho de 2010, p.20.

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as demandas regionais. O objetivo é capacitar gratuitamente a população que está em busca de uma oportunidade de trabalho ou que deseja ter seu próprio negócio46.

Está havendo uma mudança no perfil dos trabalhadores sucroalcooleiros contratados, com redução da importância daqueles que se dedicam às atividades que não exigem maior nível de qualificação. O mercado de trabalho passou a exigir um tipo de trabalhador, cuja característica principal do perfil é ser tecnicamente experiente, qualificado e polivalente47. Essa afirmativa pode ser visualizada na diminuição do número de trabalhadores canavieiros não especializados em 30.231 pessoas ou 14%, entre junho de 2007 e junho de 200948.

Um dos principais programas de recapacitação do cortador de cana-de-açúcar para novas funções no setor sucroalcooleiro e outros setores da sociedade chama-se “Projeto RenovAção”, é proveniente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar de São Paulo (ÚNICA) em parceria com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA), Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), patrocínio das empresas John Deere, CASE-IH, Syngenta e da Fundação Solidaridad com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os cursos são selecionados com base nas demandas locais por mão-de-obra e incluem também conceitos de cidadania e estímulos ao empreendedorismo. Podem ser encontrados mais de trinta cursos diferentes, dentre estes o de mecânico, soldador, eletricista, tratorista e operador de colheitadeira. Em dois anos de atuação o projeto requalificou mais de 4.550 cortadores, dentre estes, cerca de 78% dos trabalhadores foram inseridos no setor sucroalcooleiro49.

Nesta mesma linha de programa existe o “Projeto Qualifica” da União dos Produtores de Bioenergia - SP (UDOP) que tem previsão de recapacitar em 2011 cerca de 30% de seus cortadores o que corresponde a mais de dez mil trabalhadores. São vinte e dois cursos, dentre os principais estão operador de moenda, mecânico, motorista e borracheiro50.

A recapacitação procura educar o trabalhador para adaptar-se a um determinado modo de divisão e organização do trabalho; mas, por outro, pode também contribuir para desenvolver a consciência da necessidade de transformar as condições em que se realiza o trabalho como item fundamental da melhoria das condições de vida e saúde dos trabalhadores51.

4 CONCLUSÃO Analisou-se no texto a importância da sustentabilidade no discurso de uma nova

agricultura, demonstrando os paradigmas e desafios atuais em detrimento de problemas históricos, como a mecanização. Em seguida, mostrou-se o panorama do setor sucroalcooleiro, que atualmente é essencial para a economia brasileira, bem como, a legislação sobre a proibição da queima da palha de cana-de-açúcar para fins de colheita manual e a situação do cortador frente a essa proibição. Posteriormente, abordou-se a necessidade de mudanças em decorrência dos problemas expostos, com ênfase na sustentabilidade corporativa da cadeia sucroalcooleira brasileira e finalizando com uma abordagem de como a recapacitação do cortador de cana-de-açúcar está ocorrendo no contexto brasileiro.

46 SÃO PAULO. Prefeitura do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.viarapida.sp.gov.br.>. Acesso em: 01 ago. 2012. 47 SCOPINHO, 2000, p. 105. 48 BACARRIN et al., 2011, p.90. 49 UNICA. Disponível em <http://www.unica.com.br/>. Acesso em: 16 jul. 2012. 50 UDOP. Disponível em: <http://www.udop.com.br/>. Acesso em: 18 jul. 2012. 51 SCOPINHO, 2000, p. 109-110.

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A iniciativa pública e privada da proibição da queima da palha para a colheita da cana-de-açúcar é uma solução ambiental considerável, mas o problema atual da alta taxa de desemprego da classe dos cortadores de cana-de-açúcar só tende a piorar se soluções mais eficientes não forem tomadas imediatamente. É recomendável também, o fortalecimento das ações sociais e de apoio à agricultura familiar nas regiões de origem dos migrantes sazonais para evitar que estes se dirijam ao corte da cana-de-açúcar em decorrência da insuficiência de renda obtida nessas regiões.

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AUTONOMIA DA VONTADE E O TESTAMENTO

VITAL NO DIREITO BRASILEIRO

AUTONOMY OF WILL AND THE LIVING

WILL ON BRAZILIAN’S LAW

AUTONOMÍA DE LA VOLUNTAD Y EL TESTAMENTO

VITAL EN EL DERECHO BRASILEÑO

Jacqueline Bernardi Benatto ______________________________________

Graduanda em Direito pelo UNICURITIBA

Membro do grupo Jus VITAE – Pesquisa em Biodireito e Bioética desde 2012 Estagiária da Justiça Federal

Bolsista da FUNADESP do ano de 2013

Maria da Glória Lins da Silva Colucci _____________________________________

Mestre em Direito Público pela UFPR Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR

Professora titular de Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA Professora Emérita do UNICURITIBA

Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001

Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Membro da Sociedade

Brasileira de Bioética – Brasília Membro do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e

Pós-Graduação em Direito Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

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RESUMO

O presente trabalho tem como tema principal a manifestação de vontade contemplada no testamento vital. Neste sentido, o estudo demonstrará a conexão entre o testamento vital e a dignidade da pessoa humana, enfatizando o direito subjetivo do ser humano de morrer com dignidade. Marcada por conflitos atuais na esfera da Medicina, a autonomia de vontade do paciente, principalmente daqueles que se encontram em estágio terminal de vida, vem sendo objeto de grande discussão, uma vez que há um embate entre os princípios da sacralidade e a qualidade de vida, noções ambas ligadas ao direito à vida. A partir desse referencial, torna-se importante estudar os limites legais impostos à manifestação de vontade do paciente, de modo a não lhe ferir, mesmo que nos instantes finais de sua vida, sua condição humana. Palavras-chave: testamento vital, dignidade da pessoa humana, autonomia da vontade.

ABSTRACT

The present work has as main theme the manifestation of will contemplated in the living will. In this sense, the study will demonstrate the connection between the living will and the dignity of the human person, emphasizing the human beings' individual desire to die with dignity. Marked by current conflicts in the sphere of Medicine, the autonomy of the patient's will has been the object of great discussion, especially of those who are in terminal stage of life, since there is a discussion between the principles of sacredness and the quality of life, both linked to the right to life. From that reference, it is important to study the legal limits imposed to the manifestation of patient's will, so as not to hurt him/her, even if in the final stages of his life, his/her human condition.

Keywords: living will, dignity of human person, autonomy of will.

1 INTRODUÇÃO

A busca incessante pela imortalidade e eterna juventude humana, somada aos avanços médicos e tecnológicos trouxeram consequências significativas no campo da Medicina e do Direito, no sentido de se questionar até que ponto é lícita a utilização de inúmeros tratamentos médicos-hospitalares com o fim de manter vivo um paciente.

Os avanços tecnológicos possibilitaram a cura e o tratamento de inúmeras doenças, entretanto, é certo o uso indiscriminado de medicamentos e tratamentos em paciente que estão em estágio final de vida e que não apresentam melhoras efetivas?

Recentemente, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução n.º 1995/2012, de 05 de setembro de 2012, que previu a possibilidade de o paciente elaborar uma declaração prévia de vontade, que deverá ser respeitada pela equipe médica, indicando os possíveis tratamentos e procedimentos médicos-hospitalares que quer ou que se refuta submeter, em eventual e futura perda de capacidade.

O testamento vital, embora não tratado no ordenamento jurídico, é um documento que visa, acima de tudo, garantir que os desejos de uma pessoa sejam respeitados, ainda mais quando está incapacitada de proferir juízos acerca da iniciação, ou não, de determinado tratamento ou procedimento médico-hospitalar. Tal instrumento não beneficia só o declarante no que concerne ao atendimento de suas vontades, mas

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também serve como baliza ao médico para que melhor possa tomar as decisões em prol do paciente.

Atualmente, outros países, principalmente os europeus, já dispõem de legislações pertinentes à declaração de vontade prévia do paciente, tais como a Itália, Espanha e Inglaterra, ao passo que na legislação brasileira as diretivas antecipadas de vontade carecem de regulamentação, o que, entre outros fatores, dificulta a difusão de sua idéia aos cidadãos.

Esse instrumento é de suma importância, uma vez que respeitar e seguir as decisões do paciente é respeitar seus valores, crenças e convicções e, acima de tudo, reconhecê-lo como sujeito digno de direitos, valor intrínseco à noção de direito à vida para a Constituição Federal, que não engloba só o direito de existir, mas também e, principalmente, o direito a viver uma vida com qualidade e dignas condições.

2 DESENVOLVIMENTO

A relação médico-paciente vem sofrendo profundas transformações, no sentido de

que as convicções e vontades do paciente devem ser levados em conta no momento da tomada de decisões do médico.

Antigamente, tinha-se na figura do médico um sujeito paternalista, ou seja, cabia ao médico, e só a ele, averiguar qual o melhor tratamento e procedimento a ser aplicado no paciente.

Entretanto, esta visão está sendo justaposta pela noção de que a Medicina deve respeitar as crenças, valores e convicções dos pacientes, pois nasce a noção da autonomia da vontade do paciente.

Essa autonomia refere-se à faculdade do paciente em escolher a que tratamentos médico-hospitalares deseja ser submetido, uma vez que ninguém melhor do que ele para saber o que lhe confere bem-estar.

Para tanto, a relação entre médico e paciente deve estar embasada em um diálogo aberto e honesto, no qual incumbe ao profissional expor de maneira clara ao paciente sobre sua eventual doença, os tratamentos possíveis e mais adequados para o caso, as consequências de cada um, bem como os possíveis resultados no caso da não iniciação do tratamento.

De outro lado, o paciente deve se manifestar sobre a recusa ou aceitação do tratamento, de modo que ambos (paciente e médico) devem juntos elaborá-lo.

Correta a opinião do Médico Drauzio Varella, para quem:

[...] A função do médico moderno, a quem, ao contrário do que ocorria com os antigos, cabe não o papel de dar ordens ou impor condutas prescritas em letra ilegível, mas apresentar à pessoa doente o leque de alternativas disponíveis e as prováveis consequências de cada escolha, para ajudá-la a selecionar a que melhor atenda a seus interesses.

Não é outro o entendimento do Código de Ética Médica1. Nas considerações iniciais, o referido Código almeja um melhor relacionamento com o paciente e a garantia de maior autonomia à sua vontade. Além disso, tem-se como um dos princípios fundamentais a aceitação das escolhas do paciente, relativos aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos.

Insta transcrever, também, os artigos 22, 24 e 31 do mesmo Código, que abordam as vedações aos médicos. Tais artigos, respectivamente, proíbem-nos de: “Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”, “Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu

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bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo” e “Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”.

Interessante abordar sobre o entendimento da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para a qual o médico deve respeitar a vontade do paciente, sob pena de ferir a sua dignidade1. Entendimento é o de que descartar seu posicionamento com relação ao tratamento, é desrespeitar também suas crenças, valores e convicções e, por consequência, negar seu direito a uma vida digna.

Enquanto o paciente possui discernimento, é fácil para os médicos descobrirem qual a real vontade daquele. Entretanto, em caso de incapacidade, por exemplo, em coma, como os médicos poderiam saber a real vontade do paciente? Surge, então, a importância do testamento vital, que deve, acima de tudo, garantir uma morte digna ao paciente.

Conceito de Luciana Dadalto Penalva é o de que o testamento vital “[...] é um documento escrito por pessoa capaz, que objetiva dispor sobre tratamentos em geral aos quais porventura venha a submeter-se1”.

O testamento vital, em outras palavras, consiste num instrumento através do qual o testador clarifica quais os tratamentos e procedimentos a que se deseja, ou não, submeter, em caso de eventual e futura incapacidade de discernimento.

A idéia do testamento vital surgiu nos Estados Unidos por volta de 1960, recebendo a denominação de “living will”, que na sua mais adequada tradução consiste em “disposições de vontade de vida”. Embora seu esboço tenha aparecido em 1960, o testamento vital apenas foi legislativamente regulamentado pela primeira vez em 1991, também nos Estados Unidos, recebendo a denominação de “Patient Self Determination Act – (PSDA)”.

Atualmente, outros países, principalmente os europeus, já dispõem de legislações pertinentes à declaração de vontade prévia do paciente, tais como a Itália, Espanha e Inglaterra.

Anote-se que o testamento vital não beneficia só o declarante no que concerne ao atendimento de suas vontades, mas também serve como baliza ao médico para que melhor possa tomar as decisões em prol do paciente.

A Resolução n.º 1931/2009 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que instituiu o Código de Ética Médica, estabeleceu em seu artigo 41, parágrafo único que:

Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal (grifo nosso).

Por sua vez, a Resolução n.º 1995/2012, do CFM, previu a possibilidade de o paciente elaborar uma declaração antecipada de vontade, na qual constarão os tratamentos e procedimentos que gostaria, ou não, se submeter, se porventura sobrevier incapacidade de discernimento.

De acordo com a referida Resolução, a importância da edição do documento sustenta-se na carência de regulamentação sobre o testamento vital no âmbito da ética médica brasileira, bem como na ausência de disciplina da conduta médica frente a tal instrumento. Ainda, a Resolução do CFM considerou a relevância da autonomia de vontade do paciente na relação médico-paciente e o uso de recursos tecnológicos que “[...] permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem trazer benefícios”, ao passo “[...] que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo1”.

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De acordo, ainda, com Luciana Dadalto Penalva1, o testamento vital apresenta características próprias:

a) O documento deve ser elaborado por pessoa que possui discernimento. Não se deve, aqui, confundir o instituto do discernimento com a capacidade civil de direito. Deste modo, caberá analisar caso a caso se a pessoa está apta, ou não, a elaborar uma declaração de vontade. Por exemplo, uma pessoa de 15 anos, embora não esteja no gozo da sua capacidade de fato, já pode possuir o discernimento necessário que possibilite a elaboração do documento;

b) A declaração de vontade somente terá eficácia quando o declarante se encontrar em fase terminal e sem discernimento. Portanto, enquanto o sujeito ainda não se encontrar em tais condições, pode modificar a qualquer tempo o conteúdo da declaração;

c) O conteúdo da declaração não pode ser contrário ao ordenamento jurídico. Deste modo, é nulo o testamento vital no qual o paciente faz constar em sua declaração que deseja ser vítima de eutanásia.

A declaração de vontade do paciente vincula a tomada de decisões do médico? Dito de outra forma, ao ter conhecimento da existência da declaração de vontade do paciente, deve o médico obedecê-la? O artigo 28 do antigo Código de Ética Médica1 dispunha que é direito do médico se recusar a realizar atos médicos lícitos que vão de encontro com a sua consciência. Diante desse caso, deve o médico apresentar uma justificativa plausível à recusa de realizar o ato médico, encaminhando o paciente a outro médico que queira seguir a declaração de vontade. O atual Código de Ética Médica, no seu artigo 9º1, do capítulo que trata sobre os direitos dos médicos, também cuidou de trazer à baila a recusa de tratamento pelo médico, quando for contrário a seus ditames, crenças e costumes.

Ainda, juntamente ao testamento vital, ou em documento próprio, é possível a elaboração de um mandato duradouro, que é o instrumento através do qual “[...] o paciente nomeia um ou mais procuradores que deverão ser consultados pelos médicos na circunstância de sua incapacidade – terminal ou não-, para decidirem sobre o tratamento ou não1”.

Hodiernamente, na falta de capacidade de discernimento de um paciente, as tomadas de decisões ficam a cargo de sua família, conjuntamente com a equipe médica que o assiste. Entretanto, mister perguntar se as decisões tomadas efetivamente seriam as mesmas corroboradas pelo paciente, caso estivesse plenamente capacitado para decidir.

Em algumas circunstâncias faz-se difícil descobrir qual a real vontade do paciente. Além disso, há possibilidades de a família, mesmo conhecendo a vontade daquele, decidir de forma contrária, ou por que os laços afetivos a impedem emocionalmente de acatá-la, ou porque há interesses mal intencionados. Exemplo do que foi exposto é a situação em que a família de um paciente em coma conhece de sua vontade de ter seus aparelhos mantidos, mas interessada na herança daquele, solicita ao médico que se retirem os suportes vitais, acarretando na sua morte.

Com o conhecimento da existência de um testamento vital deixado pelo paciente, o médico poderia ter mais uma ferramenta para auxiliá-lo nas tomadas de decisões, haja vista que “Decifrar intenções contidas no que diz a pessoa doente e seus familiares talvez seja o mais difícil na medicina1”.

Entretanto, como ocorre na maioria dos casos, não tendo ciência de haver uma declaração prévia de vontade, deve o médico analisar cada caso, de modo a tentar resgatar a real vontade do paciente.

Insta ponderar também até que ponto a vida humana deve ser sempre preservada. Atualmente, tem-se uma busca incessante pela imortalidade humana e pela eterna

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juventude, uma vez que a sociedade de uma maneira geral vê com bons olhos a protelação da morte.

Tanto isso, que aos médicos é imposta a missão de prolongar a vida humana ao seu extremo limite, utilizando-se de qualquer meio para atingir esse fim.

Percebe-se, portanto, que há um dualismo entre a duração da vida e a qualidade de vida, embora a primeira ainda prevaleça atualmente.

Decorrente da idolatria/obstinação da sociedade contemporânea pela tecnologia e melhorias na qualidade de suas vidas, surge o instituto da distanásia, também denominada de obstinação terapêutica. Tal palavra tem origem grega: “dis”, que significa afastamento, e “thanatus”, morte, ou seja, é o distanciamento da morte, prolongamento da vida a qualquer custo. “Subjaz um compromisso médico em empenhar todos os esforços e meios técnicos viáveis para manter vivo o paciente1”.

É inegável a positiva contribuição que os avanços médicos e tecnológicos proporcionaram à sociedade contemporânea. Graças a essas tecnologias, é possível curar ou controlar a grande maioria das enfermidades. Não obstante, avançam muito mais rapidamente do que os éticos, de modo que acabam por submeter os pacientes a tratamentos desumanos.

Isto acaba por inverter a principal finalidade dos avanços tecnológicos: busca-se proporcionar uma existência mais digna ao ser humano, mas resulta por lhe dar mais dor e sofrimento. A Medicina e a tecnologia criam situações desumanas e degradantes, e recusam-se a tomar para si as responsabilidades de seus efeitos.

A dignidade da pessoa humana, portanto, tem de ser utilizada como limite para as intervenções tecnológicas.

Entretanto, é mister salientar que a prática da distanásia não é totalmente abominada. Ela só deve ser praticada se assim for a vontade do paciente, uma vez que respeitar seus desejos é também, de algum modo, conferir-lhe uma vida digna.

A obstinação terapêutica é justificada com base em dois principais argumentos: a sacralidade da vida e a equiparação da omissão em prestar auxílio ao paciente, ao de matá-lo.

Quanto ao primeiro, o médico tem o dever absoluto de proteger a vida do paciente, sendo-lhe vedado suprimir sua vida, ou seja, deve fazer o possível para que o paciente se mantenha vivo.

Já com relação ao segundo argumento, a morte do paciente é sinônimo de fracasso profissional e, por receio de ser culpado pela morte, bem como por recair sobre si sanções administrativas ou judiciais, o médico pratica o prolongamento da vida como forma defensiva. Desta forma, deixá-lo morrer equipara-se a matá-lo, por isso, deve-se praticar a distanásia1.

Entendimento de Maria da Gloria Colucci é no sentido de que:

[...] refletindo-se sobre a postura diante da morte, à luz da percepção pós-moderna, verifica-se que se dá contra as doenças uma conotação de “duelo”, em que não se pode aceitar a possibilidade de fracasso, mesmo que os avanços da medicina tenham se esgotado... Nesta vereda, a morte é tratada como arqui-inimigo, cruel opositora do homem, mesmo que em avançada idade, não lhe sendo respeitado o “direito de morrer”, ainda que a morte seja o inevitável sim de todo os seres vivos [...]

Deve-se levar em consideração que a distanásia não consiste no prolongamento da vida, mas sim do processo de morrer. Prolongamento que é exagerado, causando considerável dor e sofrimento ao paciente. Deste modo, deve-se ponderar se o tratamento é proporcional ao resultado visado como benéfico ao paciente.

Embora os avanços tecnológicos possibilitem maior exatidão e “controle” do momento na morte de um paciente, não se deve olvidar que o fim da vida é algo natural,

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que faz parte do ciclo biológico da vida humana, e não deve ser visto como uma situação excepcional.

Correto o entendimento de Maria Elisa Villas-Bôas, para a qual:

[..] o fato de os recursos existirem não os torna, automaticamente, de aplicação obrigatória. Os recursos terapêuticos são indicados ou não conforme o benefício que representem para o interessado. O direito à vida não implica uma obrigação de sobrevida, além do período natural, mediante medidas, por vezes desgastantes e dolorosas, colocando em séria ameaça a dignidade humana do doente. Muitas vezes, a adoção de tais medidas extrapola o que deveria ser para seu benefício e entra na esfera da mera obstinação terapêutica.

O Código Brasileiro de Ética Médica veda a prática da distanásia. O princípio fundamental nº XXII dispõe que “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados1”.

A função primordial da atual Medicina é a de cuidar do paciente e lhe proporcionar uma qualidade de vida, e não mais simplesmente curá-lo, que é um dever secundário que deve ser visado pela equipe médica. Deste modo, se a vida do paciente não pode ser sadia, que seja, ao menos, digna.

Entendimento de Drauzio Varella é no sentido de que:

[...] o que existe de mais difícil em nossa profissão: reconhecer o momento em que a morte é iminente e ajudar o paciente a atravessá-lo sem sofrer, conduzi-lo com sabedoria e arte para permitir que a vida se apague em silêncio, como uma vela.

Ao contrário da distanásia, que visa prolongar faticamente a existência do indivíduo, tem-se o instituto da eutanásia. Malgrado ambas interfiram no marco temporal da morte de um indivíduo, a eutanásia visa antecipar o momento da morte, ao contrário da distanásia, que objetiva prolongar esse momento.

A eutanásia deve ser compreendida como uma conduta, tanto comissiva quanto omissiva, movida por compaixão e piedade, através da qual se objetiva antecipar a morte de um indivíduo que padece de grandes sofrimentos e está no estágio terminal de vida.

O ordenamento jurídico brasileiro veda a prática da eutanásia, entretanto, o Direito Penal a trata como homicídio privilegiado (artigo 121, §1º). Desta forma, o legislador brasileiro não entendeu à época que haveria um direito de morrer, de antecipar voluntariamente o momento da morte, mesmo que esta seja certa e ocorra em momento breve.

Por sim, cumpre ressaltar que a retirada de aparelhos do indivíduo diagnosticado com morte encefálica não caracteriza a prática da eutanásia, uma vez que seconsidera como falecida a pessoa que apresenta parada irreversível do funcionamento do sistema nervoso e, deste modo, não constitui crime a retirada dos suportes vitais de quem não mais possui vida.

Conceito oposto ao de distánasia e eutanásia, tem-se a figura da ortotanásia. O vocábulo tem origem grega, na qual “orthos” significa certo/bom, e “thanatus”, morte. Desta forma, a ortotanásia consiste na boa morte, morte ao seu tempo natural.

Ao contrário da obstinação terapêutica e da eutanásia, a ortotanásia não almeja prolongar a vida, nem tampouco encurtá-la, mas sim que ela ocorra de forma natural, ou seja, não interfere no lapso temporal de vida do paciente. Desta forma, evita-se a utilização de mecanismos desproporcionais e extraordinários, uma vez que somente acarretam mais dor e sofrimento aos pacientes.

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Visa-se utilizar somente cuidados paliativos (hidratação, alimentação, analgésicos, higiene), de forma que o paciente, no seu estágio final de vida, possa morrer com a maior dignidade possível e com o mínimo de dor e sofrimento.

Oportuno colacionar entendimento de Maria Elisa Villas-Bôas, para quem a ortotanásia:

[...] é o objetivo médico quando já não se pode buscar a cura: visa prover o conforto ao paciente, sem interferir no momento da morte, sem encurtar o tempo natural de vida nem adiá-lo indevida e artificialmente, possibilitando que a morte chegue na hora certa, quando o organismo efetivamente alcançou um grau de deteriorização incontornável.

Interessante a decisão proferida pela 14ª Vara Federal, da Seção Judiciária do Distrito Federal, nos autos de Apelação Cível n.º 200734000148093, na qual o MM. Juiz Federal julgou pela constitucionalidade da Resolução n.º 1805/2006, do Conselho Federal de Medicina, que autorizou ao médico a suspensão de aparelhos que auxiliam no prolongamento da vida do paciente que tem sua morte como breve e certa.

Está tramitando também o Projeto de Lei n.º 6715/09, que visa alterar o Código Penal, de modo a retirar expressamente a ilicitude da ortotanásia. O referido Projeto de lei encontra-se atualmente aguardando a aprovação da Câmara dos Deputados.

Não é correto confundir a eutanásia com a ortotanásia, visto que esta última não almeja encurtar a vida de uma pessoa, mas tão somente propiciar-lhe cuidados paliativos para que a morte ocorra de maneira menos sofrida e no seu devido tempo.

A utilização de práticas ortotanásicas é mais tangível nos cuidados com o paciente terminal.

Considera-se terminal aquele paciente que possui uma enfermidade incurável, irreversível, ou em razão de graves traumatismos, não apresentando também nenhum sinal de melhora frente aos tratamentos. Além disso, sua morte é prevista como breve e certa.

Não é correto o entendimento de que o estágio terminal é o fim da relação médico-paciente. É principalmente nesse momento que se faz mister uma maior atenção do médico, no sentido de ampará-lo e confortá-lo.

Os profissionais de saúde são treinados para proferir decisões puramente técnicas nas situações que envolvem pacientes terminais. Infelizmente, em virtude principalmente dos avanços tecnológicos, a relação entre médicos e pacientes terminais tem sido muito distante. Vê-se, portanto, uma falta de preparo técnico com relação ao apoio humanitário que deve ser dado ao paciente. Este apoio deve constituir o núcleo da relação médico-paciente.

Assim, melhor dignidade terá o paciente que, além de ser assistido materialmente e moralmente pelo médico, tenha suas crenças e convicções respeitadas pelo mesmo, de modo que possa viver seus últimos dias com o maior conforto e dignidade possível, conforme estabelece o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, ao assegurar a todos os seres humanos, o direito a viver dignamente.

3 CONCLUSÃO

O testamento vital, embora não tratado no ordenamento jurídico, é um documento

que visa, acima de tudo, garantir que os desejos de uma pessoa sejam respeitados, ainda mais quando está incapacitado de proferir juízos acerca da iniciação, ou não, de determinado tratamento ou procedimento médico-hospitalar.

Esse documento é de suma importância, uma vez que respeitar e seguir as decisões do paciente é respeitar seus valores, crenças e convicções e, acima de tudo, reconhecê-lo como sujeito digno de direitos, valor intrínseco à noção de direito à vida para

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a Constituição Federal, que não engloba só o direito de existir, mas também e, principalmente, o direito a viver uma vida com qualidade e dignas condições.

Malgrado o testamento vital não tenha regulamentação no Direito Brasileiro, faz-se imperioso legislar sobre este tema, uma vez que o embasamento principiológico do documento é a garantia da dignidade da pessoa humana e respeito à sua autonomia de vontade.

Como explanado, o objeto da declaração de vontade constante no testamento vital pode ser em relação a qualquer conteúdo que o ordenamento jurídico brasileiro não vede, por exemplo a solicitação de eutanásia.

A Carta Magna preceitua o direito à vida. Entretanto, não é correta a inversão desse direito, qual seja, o direito a morrer, a ceifar a própria vida, mesmo diante de estágio terminal.

Aqui, não se deve confundir o direito de morrer com o direito de morrer dignamente. No ordenamento jurídico brasileiro, principalmente o Direito Penal, veda-se qualquer conduta que ponha em risco ou extermine a vida de uma pessoa, com exceção de alguns casos, por exemplo, legítima defesa.

O que o presente trabalho pretende não é que haja um direito subjetivo de por fim à própria vida, mas sim que a morte de uma pessoa não ocorra em situações degradantes e desumanas. Daí o direito a morrer com dignidade.

Não se deve olvidar que a dignidade da pessoa humana deve ser preservada mesmo durante os instantes finais de vida, e não tão somente antes desse estágio.

Assim, vislumbra-se na figura do testamento vital um instrumento capaz de assegurar uma morte digna ao paciente, especialmente aos que se encontram em estágio terminal de vida.

Nesta fase, deve a Medicina não procurar curar o paciente, submetendo-lhe a tratamentos fúteis, desproporcionais, que apenas o desgastam fisicamente e emocionalmente mais (distanásia), mas sim lhe proporcionar bem-estar, uma situação confortável (ortotanásia), visto que sua morte é iminente e inevitável.

Deve-se lembrar que a morte é um fato certo a todos que estão na condição de ser humano. A utilização de cuidados paliativos deve, então, proporcionar maior conforto ao paciente, de modo que passe seus últimos dias vivendo como sua condição humana demanda: com dignidade.

Desta forma, deve-se reconhecer a manifestação de vontade do paciente, que pode estar clarificada pelo testamento vital, de modo a possibilitar que uma pessoa esteja submetida a um tratamento digno, que atenda a seus interesses e valores. Desta forma, não se trata propriamente do direito subjetivo do paciente de ceifar sua própria vida, adiantando esse momento, bem como retardando-o, mas sim de receber tratamento digno durante seu estágio final de vida, de modo que possa morrer com o máximo de dignidade possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COLUCCI, Maria da Glória. O elo da morte no processo vital: O Biodireito e a Bioética “em defesa da vida”. Revista Brasileira de Direito da Saúde, Brasília, vol. 1, julho/dezembro 2011. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Dispõe sobre o Código de Ética Médica. Resolução nº 1246, de 08 de janeiro de 1988. Disponível em: <http://www.cremesp.com.br/?siteAcao=PesquisaLegislacao&dif=s&ficha=1&id=2940&tipo=RESOLU%C7%C3O&orgao=Conselho%20Federal%20de%20Medicina&numero=1246&situacao=VIGENTE&data=08-01-1988>. Acesso em: 24 fev. 2013.

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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Aprova o Código de Ética Médica. Resolução nº 1931, de 24 de setembro de 2009. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20660:codigo-de-etica-medica-res-19312009-capitulo-v-relacao-com-pacientes-e familiares&catid=9:codigo-de-etica-medica-atual&Itemid=122 >. Acesso em: 22 fev. 2013. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Resolução nº 1995, de 09 de agosto de 2012. Disponível em: < http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf >. Acesso em: 22 fev. 2013. FEIO, Ana Goreti Oliveira e OLIVEIRA, Clara Costa. Responsabilidade e tecnologia: a questão da distanásia. Revista Bioética, Brasília, vol. 19, nº 3, 2011 PENALVA, Luciana Dadalto. Declaração prévia de vontade do paciente terminal. Revista Bioética, Brasília, vol. 17, n° 3, 2009. VARELLA, Drauzio. Por um fio. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. VILLAS-BÔAS, Maria Elisa. A ortotanásia e o Direito Penal brasileiro. Revista Bioética, Brasília, vol. 16, nº 1, 2008.

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O DIREITO À MORTE DIGNA E O TESTAMENTO VITAL NO BRASIL

THE RIGHT TO DIE WITH DIGNITY AND THE LIVING WILL IN BRAZIL

Flávia Ludimila Kavalec Baitello ______________________________________ Mestre em Ciências Farmacêuticas pela UFPR

Especialista em Farmácia Hospitalar Acadêmica de Direito do UNICURITIBA

Integrante do Grupo de Pesquisa em Biodireito e Bioética - Jus Vitae

Maria da Glória Colucci _____________________________________

Mestre em Direito Público pela UFPR Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR

Titular de Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética - Jus Vitae do Unicuritiba

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RESUMO

Nos dias atuais, diante dos avanços técnico-científicos aplicados na área da Saúde, surgem novas formas de prolongar a vida, ainda que com questionável qualidade. O tema deste estudo refere-se aos aspectos médicos e jurídicos envolvidos no final da vida, com enfoque no reconhecimento da vontade do paciente que se encontra sem capacidade de comunicação ou de expressão livre e independente. São analisados os conceitos de morte digna, autonomia e dignidade da pessoa humana, além de abordar os fundamentos ético-jurídicos do testamento vital. Palavras-chave: testamento vital, terminalidade da vida, dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT

Nowadays, given the technological advances implemented in healthcare, there are new ways to prolong life, though with questionable quality. The theme of this study refers to the medical and legal aspects involved in end of life, focusing on the recognition of the will of the patient without free and independent ability of communication or expression. It analyzes the concepts of death with dignity, autonomy and dignity of the human person, in addition to addressing the ethical and legal foundations of the living will. Keywords: living will, end of life, dignity of person human. 1 INTRODUÇÃO

Com os avanços científicos e tecnológicos surgem novas formas de prolongamento

e encurtamento da vida humana. O direito à vida, previsto na Constituição Federal, não impõe às pessoas que resistam obstinadamente à morte quando a vida não se mostra mais possível. Ao contrário, aceitar a terminalidade da vida é reconhecer a morte como parte integral da vida e da existência humana, tão natural e previsível como nascer. No entanto, observa-se que nas sociedades ocidentais atuais a morte é vista como um tabu e erroneamente associada ao fracasso pelos profissionais da saúde. Essa recusa em não aceitar esta condição colabora com o prolongamento da vida a qualquer custo, sem qualquer qualidade e sem respeitar a dignidade da pessoa humana.

Assim, as diretivas antecipativas de vontade que disponham sobre tratamentos médicos se tornam instrumentos úteis para a concretização da autonomia do paciente, além de respaldarem os atos da equipe médica. Conhecida como testamento vital, a declaração prévia da vontade do paciente é um documento que deve estar ao alcance de todos, no qual qualquer pessoa possa indicar seu desejo de que se deixe de lhe aplicar um tratamento em caso de enfermidade terminal, sendo, portanto, somente eficaz quando o paciente não mais puder exprimir sua vontade.

Em agosto de 2012 o Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução no. 1995/2012 que trata das Diretivas Antecipadas de Vontade. Esta Resolução marca um importante momento na evolução do reconhecimento da autonomia e autodeterminação dos pacientes envolvidos na tomada de decisão sobre questões envolvidas em seus tratamentos de saúde.

Diante de importante tema, o presente estudo pretende pesquisar a evolução do conceito de testamento vital no Brasil; analisar os conceitos de morte digna, autonomia e dignidade da pessoa humana e abordar os fundamentos ético-jurídicos do testamento

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vital. Para isso serão utilizados pensamentos postulados de renomados doutrinadores, pesquisadores, bem como jurisprudência, dados e matérias fornecidas por artigos. 2 O DIREITO À MORTE DIGNA 2.1 CONCEITO DE MORTE

Questionamento atribuído ao pensador e filósofo chinês Confúcio, nascido em

meados do século IV a.C. serve de ponto de partida neste tópico: "Quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?". De fato, conceituar a vida é tentar responder a um dos enigmas mais instigantes, visto que merece ser considerada além do sentido biológico, de riqueza significativa por sua dinâmica. Trata-se de bem supremo do qual decorrem todos os demais direitos. Também a morte deve ser entendida além da cessação da vida física ou mental, ou seja, a cessação total e permanente de todas as funções ou ações vitais de um organismo.

Os grande valores da vida podem originar-se da reflexão sobre a morte. Através dos tempos, inúmeros pensadores buscaram encontrar seu significado nas vidas humanas e, à medida que o esclareciam, contribuíam também para a compreensão do significado da vida (HORTA, 1999).

A morte sempre existiu e sempre existirá porque morrer é parte integral da vida e da existência humana, tão natural e previsível como nascer. Mesmo aceitando-a desse modo, é difícil morrer porque isto significa renunciar à vida nesse mundo (HORTA, 1999).

A terminalidade da vida talvez seja uma das únicas verdades incontestáveis: trata-se de evento inevitável e imutável (SANTORO, 2011).

Cercada por um misto de fascinação e pavor, o fenômeno morte sempre despertou preocupação ao longo da história da humanidade. Desde os primeiros hominídeos, dispendeu atenção especial no sepultamento de seus semelhantes, comportamento diferente do executado com outros animais (D'ASSUMPÇÃO,2010).

A maioria das pessoas se prepara para a vida, mas apesar da inevitabiliade da morte, são poucos os que se planejam para o fim de suas vidas, admitindo-o como necessário, embora esperado e distante (COLUCCI, 2011).

Nas palavras de Dworkin (2011, p. 78):

A morte domina porque não é apenas o começo do nada, mas o fim de tudo, e o modo como pensamos e falamos sobre a morte - a ênfase que colocamos no 'morrer com dignidade' - mostra como é importante que a vida termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido.

Para a constatação da morte de uma pessoa, utilizava-se o método de verificação

do cessamento dos batimentos cardíacos e da respiração. No entanto, os avanços científicos obrigaram à revisão do conceito de morte, definindo-a como morte encefálica.

De acordo com Luciano de Freitas Santoro:

Morte encefálica é a parada definitiva e irreversível do encéfalo (cérebro e tronco cerebral), provocando em poucos minutos a falência de todo o organismo. É a morte propriamente dita. Utilizam-se como parâmetros clínicos para constatação da morte encefálica o coma aperceptivo com ausência de atividade motora supraespinal e a apneia. Há a necessidade de realização de duas avaliações clínicas para a caracterização da morte encefálica, cujo intervalo mínimo dependerá da faixa etária. Os exames complementares a serem observados para a sua constatação deverão demonstrar de forma inequívoca a ausência e ao

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menos, um destes eventos: atividade elétrica cerebral, atividade metabólica ou perfusão sanguínea cerebral (SANTORO, 2011, p. 92).

O aprimoramento da técnica para a detecção do cessamento da vida foi extremamente importante para possibilitar a utilização de órgãos e tecidos para transplante1 por meio da Resolução do Conselho Federal de Medicina no. 1480/972 que trata dos critérios para a caracterização da morte encefálica. O cenário da morte e do morrer se transforma não só para os pacientes incuráveis e terminais, mas também para os próprios médicos, quando chegam até mesmo a discutir princípios deontológicos como do juramento de Hipócrates referente à proibição de administrar medicamentos letais ainda que a pedido do paciente (HORTA, 1999). "A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda”3. Essa cláusula do juramento entra em discussão por conta que na época vivida por Hipócrates, o pai da Medicina (460-377 a.C.), a prática da eutanásia era frequente na Grécia antiga, sendo comum que os médicos fossem procurados pelos enfermos para que lhes conseguisse alguma substância aliviadora através da morte. De acordo com Miguel Núnez Paz (apud CARVALHO, 2001, p. 35):

Essa cláusula do juramento tem sido tradicionalmente interpretada como uma condenação à eutanásia, ainda que em diversas ocasiões se discuta seu verdadeiro significado, já que não se pode assegurar que uma tradução exata dos textos onde aparece possa conduzir a uma afirmação incostestável nesse ou noutro sentido.

Até poucas décadas, as decisões médicas eram tomadas exclusivamente pelos médicos por conta de sua autoridade moral e científica. Recentemente essas decisões passaram a considerar a preferência do paciente, incluindo as discussões e repercussões a respeito do reconhecimento de sua liberdade e autodeterminação nos momentos finais da vida.

2.2 A MORTE COMO UM DIREITO Com os avanços científicos e tecnológicos, surgem novas formas de

prolongamento e encurtamento da vida humana, que acabam por despertar o interesse em seu estudo, permitindo assim a compreensão dos limites da intervenção do homem e também da própria legislação (SANTORO, 2011).

A expressão "direito de morrer" é usada numa variada gama de condições, incluindo o direito do paciente de não ser submetido a terapias inapropriadas ou inoportunas e o de receber medicamentos para aliviar a dor mesmo sob o risco de abreviação da vida. Esta ambiguidade limita o valor da expressão em uma discussão séria. Isto porque qualquer questionamento em relação à eutanásia dependeria, primeiramente, de remeter ao direito da própria pessoa decidir sobre a quantidade de sofrimento que ela está preparada a aceitar e, a partir desse limiar atingido, se teria o "direito de morrer" como forma de pôr fim ao sofrimento (HORTA, 1999).

1 BRASIL, Lei no 9434 de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 5 fev. 1997. Seção 1, p. 2191. 2 BRASIL, Resolução no 1480/97 do Conselho Federal de Medicina de 8 de agosto de 1997. Diário Oficial da União, Brasília, 21 ago. 1997. p. 18227. 3 Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Juramento de Hipócrates. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3>. Acesso em: 21 jan. 2013.

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O direito de morrer dignamente não deve ser confundido com direito à morte. O direito de morrer dignamente é o desejo, a reivindicação por vários direitos e situações jurídicas, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência, os direitos de personalidade. Refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil. Isso não se confunde com o direito de morrer.

2.2.1 A Evolução dos Direitos de Personalidade A prestação dos cuidados da saúde atinge bens como a vida humana, a

integridade física, a intimidade e, eventualmente, a imagem, a beleza, entre outros. Estes bens comportam aos seus titulares direitos ditos personalíssimos e absolutos (SILVA, 2011).

Para Roxana Borges, (apud SILVA, 2011, p. 2) os direitos de personalidade:

[...] foram reconhecidos a partir da oposição entre indivíduos e Estado, visando proteger a pessoa contra as intervenções arbitrárias deste. Com o aumento populacional das cidades, com o crescimento dos veículos de comunicação em massa, com o aumento do desequilíbrio nas relações econômicas e com o avanço tecnológico, outros direitos de personalidade emergiram, desta vez não apenas para proteger o indivíduo contra o Estado, mas para protegê-lo também contra a intervenção lesiva de outros particulares

Os direitos de personalidade são aqueles direitos que exigem o absoluto

reconhecimento da lei e da sociedade, porque exprimem aspectos que não podem ser desconhecidos sem afetar a própria personalidade humana (SILVA, 2011).

O indivíduo tem, assim, direito à vida, ao próprio corpo, à imagem, entre outros. Embora a lei e a doutrina tracem diversas características dos direitos de personalidade, tais como intransmissibilidade, irrecunciabilidade, indisponibilidade e ilimitabilidade, os fatos cotidianos e a práxis levam à conclusão de que existe a possibilidade de uma certa disponibilidade de tais direitos, levando-se em conta a autonomia jurídica individual e a autonomia privada (SILVA, 2011). Questiona-se se o titular destes direitos tem plena disponibilidade sobre eles, se pode dispor de seu próprio corpo, vivo ou morto, ou de partes dele (FABRO, 1999).

No Brasil, pode-se então dizer que há uma disponibilidade controlada ou parcial. É lícito, assim, concluir-se que a primeira grande limitação à autonomia do paciente é a impossibilidade de livre disposição do próprio corpo ou de partes dele (FABRO, 1999), decorrendo desta vedação legal os conflitos éticos e os impasses doutrinários causados em torno da eutanásia. 2.2.2 Eutanásia: Conceito. Características. Modalidades

Indispensável fazer-se uma correta distinção entre as diversas terminologias

presentes na literatura, de forma a compreender os seus elementos, possibilitando-se a identificação da consequência jurídica de determinada conduta (SANTORO, 2011).

A primeira nomenclatura a ser abordada é a eutanásia (do grego eu, bom, thanatos, morte). O vocábulo teve origem no século XVII, por obra do filósofo inglês Francis Bacon, que denominou eutanásia o estudo das enfermidades incuráveis. De acordo com Diego Gracia (apud SANTORO, 2011), a eutanásia está presente na história do homem desde os povos primitivos, podendo ser distinguida em três períodos distintos: eutanásia ritualizada, eutanásia medicalizada e eutanásia autonomizada.

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A eutanásia ritualizada é característica das sociedades primitivas, nas quais anciãos se despediam dos membros de sua tribo e se retiravam para local afastado e deixavam-se morrer, por ter chegado a sua hora. Muitos povos utilizavam produtos químicos (como drogas, vinhos e derivados do ópio) para que o moribundo perdesse a consciência e morresse em paz. Outros povos, como os brâmames e os celtas, matavam crianças com malformações e idosos enfermos.

O desenvolvimento da Medicina na Grécia marca o período da denominada eutanásia medicalizada, na qual os médicos tornam-se responsáveis por humanizar a morte. Houve até mesmo divergência entre Platão e Hipócrates, já que Platão acreditava que a morte deveria ser dada a todos os indivíduos por ele considerados indesejáveis enquanto que, para Hipócrates, apenas aos incuráveis. Verifica-se que a Medicina nem sempre se opôs às práticas eutanásicas.

Para Ana María Marcos del Cano (apud SANTORO, 2011), mesmo com o Cristianismo defendendo o princípio da sacralidade da vida, que o homem é imagem e semelhança de Deus, na Idade Média, não houve mudanças significativas na história da eutanásia.

Somente após a Segunda Guerra Mundial observa-se a autonomia dos pacientes presentes nas práticas de eutanásia: é o período denominado eutanásia autonomizada. Desde a Antiguidade até a época nazista, sempre foram motivos sociais, políticos ou médicos que justificavam a eliminação da vida através da eutanásia.

Hoje a pergunta não é apenas se o Estado tem o direito de eliminar a vida de um membro da sociedade, mas se tem o direito de obrigar aquele que já iniciou o processo mortal a continuar agonizando, sofrendo, para que tenha mais alguns "períodos" de vida em termos quantitativos (SANTORO, 2011).

Na "Declaração sobre a Eutanásia" de 1980 da Igreja Católica há o conceito que a eutanásia é uma ação ou omissão que por sua natureza ou nas intenções provoca a morte a fim de eliminar a dor (HORTA, 1999).

Já Luciano de Freitas Santoro conceitua de forma mais detalhada: "Eutanásia pode ser entendida como o ato de privar a vida de outra pessoa acometida por uma afecção incurável, por piedade e em seu interesse, para acabar com os seus sofrimentos e dor” (SANTORO, 2011, p. 117).

De acordo com o modo de execução, a eutanásia pode ser classificada em ativa e passiva. Na eutanásia ativa o evento morte é resultado de uma ação direta do médico ou de interposta pessoa, como, por exemplo, o ato de ministrar doses letais de drogas ao paciente. Trata-se da eutanásia propriamente dita que se efetiva através da realização de atos para ajudar a morrer (CARVALHO, 2001). Já a eutanásia passiva é uma conduta omissiva, em que há a supressão ou interrupção dos cuidados médicos que oferecem um suporte indispensável à manutenção vital.

Para Sandro Spinsanti (apud SANTORO, 2011, p. 117):

A omissão é legítima quando se deixa que o paciente entre naturalmente no processo de morrer, renunciando-se ao enrijecimento que qualificamos de obstinação terapêutica. O preço dessa obstinação é uma soma indivizível de sofrimentos gratuitos, tanto para o morimbundo quanto para seus familiares.

A eutanásia ativa pode ser subdividida em direta (por interrupção da vida do

paciente mediante atos positivos) e indireta (utilização de medicamentos para alívio da dor e do sofrimento do paciente, o que consequentemente levará à causa de seu óbito).

Na eutanásia ativa indireta há uma dupla finalidade: aliviar o sofrimento do doente e ao mesmo tempo abreviar seu tempo de vida. Utilizam-se doses cada vez maiores de analgésicos que podem precipitar o encurtamento da fase terminal da vida do paciente (ANDRADE, 2003 apud SANTORO, 2011, p. 119).

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A distinção entre as modalidades de eutanásia ativa é principalmente a finalidade pretendida com a injeção dos fármacos. Na eutanásia ativa direta objetiva-se a morte para se alcançar o alívio do sofrimento. Em contrapartida, a eutanásia ativa indireta consiste em aliviar a dor insuportável, ainda que leve o paciente à morte (CARVALHO, 2001).

Cabe lembrar que o ordenamento jurídico brasileiro não pune a eutanásia indireta, já que o médico não pode permanecer inerte diante de intenso sofrimento quando existem meios que possibilitem ao moribundo ter o mínimo de dignidade (SANTORO, 2011).

De outro lado, a eutanásia passiva consiste na abstenção deliberada da prestação de tratamentos médicos ordinários e úteis que poderiam prolongar a vida do paciente e cuja ausência antecipa sua morte (CARVALHO, 2001). Trata-se da modalidade mais frequente de eutanásia, pois pressupõe um desgaste emocional de menor intensidade na tomada de decisões do que a eutanásia ativa direta. Exemplos de atitudes omissivas seriam: a não-iniciação de um tratamento, o não-tratamento de uma enfermidade ou complicação intercorrente surgida ao longo do acompanhamento de uma doença originária ou a suspensão do tratamento já iniciado. Em relação ao desligamento dos aparelhos médicos que mantêm artificialmente as funções vitais do paciente, há discussões quanto à na classificação de tal conduta. Parte majoritária entende se tratar de omissão, visto que referida ação apenas suspende o tratamento (constituindo os aparatos um prolongamento das atividades médicas), contra corrente que sustenta uma conduta ativa quanto ao ato de desconectar os aparelhos.

De acordo com o motivo que impulsiona o agente, a eutanásia pode ser dividida em libertadora ou terapêutica, eugênica ou selecionadora e econômica (CARVALHO, 2001).

Na eutanásia libertadora ou terapêutica, a sua prática se dá por razões solidárias ou de compaixão para com o enfermo que padece. Busca-se eliminar o sofrimento do doente, estando a ação frequentemente envolta por uma carga ou tensão emocional de maior ou menor intensidade sobre o autor, que desse modo se libera da mesma. O objetivo é justamente libertar o paciente de sua agonia, acelerando o momento da morte. Nesse caso, a vítima é normalmente um paciente terminal, termo que genericamente se refere àquele paciente em que a doença não responde a nenhuma terapêutica conhecida e, consequentemente, entrou num processo que conduz irreversivelmente à morte (NUNES, 2009).

A eutanásia eugênica ou selecionadora emprega a supressão indolor de pessoas portadoras de deformidades, doenças contagiosas e incuráveis e de recém-nascidos degenerescentes com o objetivo de promover o melhoramento da espécie humana. O sujeito passivo não vive uma agonia lenta e cruel, nem está próximo da morte (CARVALHO, 2001).

De outro turno, a eutanásia econômica consiste na morte de doentes mentais, loucos irrecuperáveis, inválidos e anciãos movida pelo escopo de aliviar a sociedade do peso de pessoas economicamente inúteis de forma a dispor de meios adicionais e extraordinários para outros pacientes que possuam melhores chances de recuperação, ou ainda, de modo a atender o desejo de parentes e familiares de aliviarem a carga econômica e emocional atrelada à manutenção desses pacientes (CARVALHO, 2001).

Importante notar que a única que atende aos objetivos de causar a boa morte ao enfermo terminal, com o objetivo de aliviar sua dor é a eutanásia libertadora. As demais identificam-se com as condutas homicidas qualificadas por motivo torpe (art 121, § 2o. I, do Código Penal) (CARVALHO, 2001).

Já o suicídio assistido, também conhecido como auto-eutanásia, eutanásia voluntária ou, para Ana María Marcos del Cano, suicídio eutanásico, é a eutanásia realizada pelo próprio indivíduo, que dá fim à sua vida sem a intervenção direta de terceiros, quando, diante da aproximação do momento da morte, a utiliza para abreviar o sofrimento físico ou moral derivado de uma doença terminal ou de um estado irreversível

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(CARVALHO, 2001). Cabe destacar a diferença crucial entre eutanásia, em qualquer de suas formas, e o auxílio ao suicídio: na eutanásia o doente encontra-se mergulhado num estado tal de debilidade física que é incapaz de dar a morte a si mesmo (CARVALHO, 2001).

Outra classificação proposta é em relação ao consentimento do sujeito passivo. A eutanásia voluntária ou consentida é aquela que pressupõe o consentimento ou a petição da vítima ou de seus representantes legais, que autorizam ou solicitam ao agente que execute o ato de matar (CARVALHO, 2001). Já a eutanásia involuntária implica numa decisão da sociedade ou de um indivíduo em pôr fim à vida daquele que sofre, sem que este exprima sua vontade, como, por exemplo, nos casos de crianças com grave deficiência mental ou das pessoas dementes e inconscientes (HORTA, 1999).

Por sua vez, em franca oposição ao conceito de eutanásia, a distanásia (do grego "dis", afastamento, e "thanatos", morte) é o comportamento excessivo do médico em lutar pela vida do paciente, também conhecida como obstinação terapêutica, retardando inutilmente a morte natural por meio da utilização de métodos terapêuticos injustificáveis em pacientes que se encontram em estado de morte iminente e irreversível (SANTORO, 2011). Não se prolonga, contudo, a vida propriamente dita, mas o processo de morrer (CARVALHO, 2001).

Assim, procedimentos heróicos alcançados por avanços tecnológicos possibilitam a manutenção quantitavida da vida, ainda que sem qualquer qualidade44. Para Maria Helena Diniz (2003 apud SANTORO, 2011, p. 132): "[...] trata-se, pois, de um tratamento fútil, caracterizado por não conseguir reverter o distúrbio fisiológico que levará o paciente à morte".

Importante distinguir os meios empregados para o prolongamento artificial das funções vitais: os meios ordinários e os extraordinários. Os meios ordinários são caracterizados pela disponibilidade em um grande número de casos, aceitos clinicamente, econômicos, habitualmente utilizados e de aplicação temporária. Já os meios extraordinários são de utilização facultativa e estão comumente restritos a apenas alguns casos, são custosos e possuem caráter agressivo. Assim, diante da dificuldade em precisar com exatidão tais conceitos, costuma-se utilizar os termos meios proporcionais (intervenções que são adequadas aos resultados esperados levando em consideração o estado do paciente, os custos e os desgastes produzidos) e desproporcionais (os meios parecem exagerados se comparados aos resultados previsíveis). Desta maneira, a distanásia emprega sem moderação os meios extraordinários e desproporcionais para o prolongamento, a todo custo, das funções vitais do paciente terminal (CARVALHO, 2001).

Enquanto a eutanásia provoca a morte antes da hora, a distanásia leva a uma morte tardia, repugnante. Certamente são hoje milhares de pacientes que se acham submetidos a uma parafernália tecnológica que não só consegue minorar-lhes a dor e o sofrimento, como ainda os prolonga e os acrescenta, inutilmente (HORTA, 1999).

Cabe então buscar o meio termo: a ortotanásia, entendida como a morte correta, justa (junção dos termos gregos "orthos" correto e "thanatos" morte) (SANTORO, 2011).

Assim, a ortotanásia é o comportamento do médico que, frente a uma morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e a um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe o cuidados paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade

(SANTORO, 2011). A ortotanásia deve ser entendida como o direito a morrer dignamente, ou a

exigência ética de auxiliar a quem procura exercitar esse direito. É a "morte correta" mediante a abstenção, supressão ou limitação de todo tratamento fútil, extraordinário ou desproporcional, ante a iminência da morte do paciente. Pretende-se humanizar o processo de morrer, sem prolongá-lo abusivamente, e resultará da própria enfermidade (CARVALHO, 2001).

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A ortotanásia seria a verdadeira boa morte, já que o paciente poderá morrer com dignidade, no momento correto, sem encurtar ou prolongar a sua vida (CARVALHO, 2001).

O direito à vida, previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, não impõe às pessoas que resistam obstinadamente à morte quando a vida não se mostrar mais possível, porque não é lícito exigir de qualquer pessoa que se submeta a um tratamento cruel e desumano, vedado que é pelo art. 5o, inciso III, da Constituição Federal

(CARVALHO, 2001).

2.2.2.1 Direito comparado Dois países foram os primeiros no mundo a legalizar a eutanásia em 2002. A

Holanda legalizou o procedimento através da Lei sobre a Cessação da Vida a Pedido e o Suicídio Assistido em 01/04/2002. Na Bélgica, em 28/05/2002, o Parlamento promulgou a lei que autoriza a eutanásia (SANTORO, 2011).

Os critérios legais estabelecem que a eutanásia só pode ser realizada: a) quando o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores insuportáveis, b) o paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morre e c) após a opinião de um segundo médico

(NUNES, 2009). Atualmente nesses países o recurso da eutanásia vem sendo praticado em mais de 4 mil pacientes por ano4.

Soren Holm (2009), médico e membro da Associação Internacional de Bioética, apresentou em seu artigo "Legalizar a eutanásia? Uma perspectiva dinamarquesa” a situação da discussão da eutanásia na Dinamarca. Embora o debate tenha surgido várias vezes ao longo do século, a publicação do Comitê Dinamarquês de Ética em 1996 disse não à legalização ativa e recomendou o incremento dos cuidados paliativos na área de pesquisa e educação dos profissionais de saúde. Também muito oportuna a observação do autor que a Dinamarca é um país rico, com uma população pequena, um bom nível de educação, constituição homogênea, longa história de ininterrupta democracia e um sistema público de saúde e de seguridade social baseado em impostos. Sem dúvida a discussão sobre a preocupação da eutanásia não gira em torno das pessoas serem forçadas a escolher esse procedimento por razões econômicas.

Noutros países europeus, a prática é ilegal, mas estão previstas algumas alternativas, como na Grã-Bretanha a interrupção das medidas é autorizada em alguns casos desde 2002. Já a Suíça apresenta uma atitude tolerante, em que o médico pode dar a um paciente terminal que deseje morrer uma dose letal de medicamentos para que ele próprio ingira. Em Luxemburgo está em curso o processo de legalização da eutanásia em situações médicas "sem saída".

A Espanha reconhece o direito dos doentes de recusarem serem tratados, assim como ocorre na Hungria e na República Checa. Na França existe desde 22 de abril de 2005 a lei "deixar morrer". Na Alemanha e Áustria, o desligar de uma máquina não é ilegal, desde que com autorização do paciente.

Na América do Sul, o Uruguai foi o primeiro país a ter legislação com a possibilidade da realização da eutanásia. O artigo 37 do capítulo III do Código Penal Uruguaio de 1934 caracteriza o "homicídio piedoso", no qual aborda a questão da impunidade ao facultar ao juiz a exoneração do castigo a quem realizou este tipo, desde que preencha três condições básicas: ter antecedentes honráveis, ser realizado por motivo piedoso e a vítima ter feito reiteradas súplicas (LIMA NETO, 2003).

4 Legalização da eutanásia faz 10 anos na Holanda e na Bélgica. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5694794-EI8142,00-Legalizacao+da+eutanasia+faz+dez+anos+na+Holanda+e+na+Belgica.html>. Acesso em: 11 fev 2013.

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A Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano Face às Aplicações da Biologia e da Medicina (1996) e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, proposta pela Unesco em 2005, reforçam a ideia que sempre deve prevalecer o padrão de "melhor interesse" do doente, de acordo com critérios universais de razoabilidade.

A noção de que a vontade previamente manifestada do doente deve ser respeitada vem progredindo. A Califórnia foi a primeira unidade federativa dos Estados Unidos a legalizar o testamento vital (living will) em 1976 com a aprovação do documento intitulado California Natural Death Act. Na sequência vários legislações foram aprovadas em outros Estados e em muitos países europeus. Essa legalização é uma prova concreta de afirmação dos direitos individuais, especialmente dos pacientes terminais, reforçando o sentimento de autodeterminação e de independência face a intervenções médicas não desejadas (NUNES, 2009). 2.2.3 Direito de Morrer

Visto que a morte é realidade contra a qual não se pode lutar, adota-se a

expressão direito de morrer ao invés do direito à morte (VIEIRA,1999). A morte compreendida em seus diversos aspectos temporais, culturais e históricos

trazem um elemento comum como referencial social: o conceito de boa morte (FLORIANI, 2009).

Há de se ter dignidade na hora da morte, então o que seria uma morte indigna? O simples morrer não pode ser considerado algo indigno. Quando, então, a morte será digna? Ela será digna sempre que for natural, tendo o ser humano feito passagem desta vida com o mínimo de sofrimento e com a máxima atenção - tanto médica quanto familiar - possível naquele momento (SANTORO, 2011).

A concepção da morte digna deve ser entendida no sentido de ser a morte o final da existência humana, ou melhor, o caminho natural de todos os homens. Portanto, se a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental a ser respeitado em todos os momentos, existe o direito à morte digna tanto quanto o direito a uma vida digna

(SANTORO, 2011). Para a psicóloga Mirta Videla (2003 apud SANTORO, 2011, p. 180): "[...] morrer

bem seria acompanhado da família, em um lugar agradável, com pessos capacitadas no alívio físico e espiritual do paciente terminal, com consciência e com menor sofrimento e degradação possíveis". Não seria um enfrentamento da morte, mas a sua aceitação.

No entanto, observa-se que nas sociedades ocidentais atuais a morte é vista como um tabu e erroneamente associada ao fracasso pelos profissionais da saúde (MOTA, 1999). Essa recusa em não aceitar esta condição colabora com o prolongamento da vida a qualquer custo, sem qualquer qualidade e sem respeitar a dignidade da pessoa humana

(SANTORO, 2011). A reflexão desta postura diante da morte demonstra o modo como se dá a luta

contra as doenças, em que não se pode aceitar a possibilidade de fracasso, mesmo que os avanços da Medicina tenham se esgotado (COLUCCI, 2011). Torna-se ainda mais contraditória a postulação por um direito à morte digna quando não há sequer o direito da pessoa suprimir a sua própria vida (SANTORO, 2011).

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2.3 TERMINALIDADE DA VIDA: CASOS POLÊMICOS Recentemente alguns casos de repercussão mundial fomentaram o debate em

torno da eutanásia, do suicídio assistido e sobre o limite ao respeito à autonomia do paciente em decidir seu tratamento.

Nos Estados Unidos se destacou o caso de Karen Quinlan, em relação à qual foi obtida a autorização concedida pelo Tribunal do Estado de New Jersey para o desligamento das máquinas que sustentavam sua vida vegetativa causada após a ingestão de uma mistura de drogas e álcool em 1975. Mesmo assim, ela continuou a respirar por mais dez anos, falecendo por conta de múltiplas infecções (CARVALHO, 2011).

A vida e luta de Ramón Sanpedro foi retratada no filme espanhol Mar Adentro, produzido por Alejandro Almenábar. O jovem, porém experiente marinheiro Ramón, sofreu um acidente à beira-mar que o deixou tetraplégico. Apesar do incansável cuidado de sua família, solicitou à Corte Espanhola o direito de morrer. O pedido foi negado, mas suscitou ampla discussão na sociedade sobre até quanto lutar (PESSINI, 2008).

Na França outro caso emblemático é o de Vincent Humbert. Aos vinte anos de idade sofreu um acidente automobilístico que o deixou tetraplégico, surdo e mudo. Com a ajuda de sua mãe, escreveu uma carta ao então presidente Jacques Chirac na qual argumentava que a lei lhe dava o direito de indultar os prisioneiros, pois então a ele suplicava, como última escolha, o direito de morrer. Posteriormente escreveu um livro (Je vous demande le droit de mourir). Três anos após o acidente, sua mãe praticou a eutanásia com a administração de altas doses de barbitúricos (SANTORO, 2011).

O médico norte-americano Jack Kevorkian, também conhecido como Dr. Morte, tornou-se mundialmente famoso por sua luta para fazer do suicídio assistido um direito de todos os pacientes terminais. Chegou a criar uma máquina que era acionada pelo próprio paciente disposto a morrer sem dor, demora ou sofrimento. Foram 130 casos registrados5

Já a americana Terri Shiavo vivia há quinze anos em estado vegetativo causado por uma isquemia cerebral. Embora os pais de Terri fossem contra, seu marido conseguiu uma autorização judicial em 2005 para a retirada da sonda de alimentação, pois alegou que várias vezes ela declarava não querer viver de forma artificial. Também participaram desse caso polêmico o Congresso dos Estados Unidos e o presidente George W. Bush

(SANTORO, 2011). Outro caso foi a agonia pública do Papa João Paulo II que lutou contra uma doença

crônico-degenerativa (Mal de Parkinson) e sua decisão em permanecer em seus aposentos, recusando-se a retornar ao hospital, pois estava consciente da proximidade do final da vida. Assim, foi atendido em seu pedido de ortotanásia e faleceu em maio de 2005

(SANTORO, 2011). Recentemente a declaração do ministro das Finanças no Japão, Taro Aso de 72

anos, causou polêmica no país e em toda comunidade internacional. Ele sugeriu que os idosos são um dreno desnecessário nas finanças do país e que "deveriam" morrer para poupar gastos do governo com a saúde pública. Mais tarde, relatou que seria apenas sua opinião pessoal e que jamais pretendeu sugerir a morte como tratamento de doentes terminais6.

5 "Doutor Morte" Jack Kerkovian morre aos 83 anos nos EUA. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/mundo/924893-doutor-morte-jack-kevorkian-morre-aos-83-anos-nos-eua.shtml >. Acesso em: 21 jan. 2013. 6 Ministro japonês causa polêmica ao dizer que idosos devem se 'apressar e morrer'. Disponível em: < http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,ministro-japones-causa-polemica-ao-dizer-que-idosos-devem-se-apressar-e-morrer,987487,0.htm>. Acesso em: 24 jan. 2013.

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Como se verifica das diversas situações esboçadas quanto à terminalidade da vida, o enfrentamento dos últimos momentos de uma pessoa suscita inúmeros desafios à família, à equipe médica, à sociedade, etc. Tentando contornar o quadro já descrito, o Direito Comparado e o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestaram uma solução intermediária, a saber, a possibilidade do paciente ter assegurado o direito de expressar a sua vontade nos momentos finais de vida quando estiver impedido de fazê-lo, garantindo-se, assim, o seu direito à autonomia. Tal iniciativa é denominada de Testamento Vital, como se examinará a seguir. 3 O TESTAMENTO VITAL NO BRASIL 3.1 CONCEITO: ORIGEM

Existem diversas maneiras de denominar o testamento vital. A Resolução

1995/2012 do Conselho Federal de Medicina adotou o termo Diretivas Antecipadas de Vontade, mas existem outras formas de designar esta mesma questão: manifestação explícita da própria vontade, biotestamento, testamento biológico, diretivas avançadas, vontades antecipadas, entre outras (ALVES, 2012).

Embora a declaração prévia de vontade do paciente terminal assemelha-se ao testamento, já que ambos são negócios jurídicos caracterizados como unilaterais, personalíssimos, gratuitos e revogáveis, a utilização do termo "testamento" pode gerar confusão, pois embora seja uma manifestação antecipada, o testamento só tem sua eficácia apenas com a morte da pessoa (PENALVA, 2009). Assim, para Cristiane Avancini Alves, a denominação Diretivas Antecipadas de Vontade, conforme expressa na Resolução 1995/2012 caracteriza adequadamente o seu propósito:

a) Diretiva, por ser um indicador, uma instrução, uma orientação, não uma obrigação; b) Antecipada, pois é dita de antemão, fora do conjunto das circustâncias do momento atual da decisão c) Vontade, ao caracteriza uma manifestação de desejos, com base na capacidade de tomar decisão no seu melhor interesse (ALVES, 2012, p. 358).

Os dois principais objetivos da declaração prévia da vontade do paciente seriam:

garantir que os desejos do paciente serão atendidos no momento da terminalidade da vida e proporcionar ao médico respaldo legal para a tomada de decisões em situações conflitivas (SANCHES, 2003 apud PENALVA, 2009). Já o conteúdo abordaria os aspectos relacionados ao tratamento médico, como a suspensão dos esforços terapêuticos que não alterarão a terminalidade da vida, a nomeação de um procurador e a manifestação sobre eventual doação de órgãos (PENALVA, 2009). Seus efeitos vinculam médicos, familiares e eventual procurador de saúde às suas disposições. 3.2 DIREITO POSITIVO INTERNO

A Constituição da República Federativa do Brasil proclamada em 1988, conhecida

como a Constituição Cidadã, concedeu à dignidade da pessoa humana o status de princípio fundamental. Desta forma, a Constituição se volta à proteção do indivíduo, suas liberdades e diversas concepções individuais de vida digna (PENALVA, 2009).

Além do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana prevista no art 1o, III, há o princípio da autonomia (implícito no art. 5o.) bem como a proibição de tratamento

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desumano (art 5o., III) (PENALVA, 2009). Desta forma, garante-se constitucionalmente o direito à morte digna pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia privada e da liberdade individual, sendo a diretiva de vontade o seu instrumento garantidor (PENALVA, 2009). No Direito Penal são evidentes as influências dos ensinamentos do filósofo Tomás de Aquino, na Summa Theologica, que servem de suporte para a concepção contrária à eutanásia com a condenação do suicídio e a proibição da solicitude da própria morte mesmo por parte de enfermos terminais. Para este filósofo e doutor da Igreja, a eutanásia representa um triplo atentado: falta de caridade para consigo, contra a sociedade e contra o direito exclusivo de Deus sobre a vida humana, consistindo uma usurpação do poder divino (CARVALHO, 2001). O suicídio enquanto privação da vida pelo próprio indivíduo, mantém estreita ligação com a eutanásia, porquanto denota o mesmo desígnio de disposição daquele bem jurídico. Enquanto historicamente o suicídio era defendido pelos estoicos, Marco Aurélio e Schopenhauer entendiam tratar-se de uma manifestação do único direito incostestável do homem: o direito de dispor da própria vida. Já Beccaria, ao realizar a sua análise do suicídio em "Dos delitos e das penas", compara o suicida com a pessoa que abandona o Estado e, desta forma, gera um duplo prejuízo para sua nação: haverá uma pessoa a menos na origem e uma a mais no destino (BECCARIA, 2005). No entanto, prevaleceu a influência de Santo Agostinho em que o Direito Canônico equiparou o suicídio ao homicídio, visto que para os teólogos cristãos, a vida pertence a Deus e não ao homem, por isso esse não tem o direito de dispor de algo que não possui

(CARVALHO, 2001). Do mesmo modo, a legislação civil inspirou-se nos dispositivos religiosos, acrescendo penas seculares às sanções canônicas. Para Miguel Ángel Nunez Paz, a equiparação do suicídio ao homicídio é um ponto comum entre a legislação secular e o direito da Igreja, embora para a Igreja a justificativa é que o homem é criatura de Deus, por isso não pode dispor do bem que não lhe pertence. Para a legislação secular a finalidade é endurecer as penas como forma de intimidação (CARVALHO, 2001). A despenalização do suicídio surge a partir do final do século XVIII em vários países como Prússia, França e Itália. Contemporaneamente, alguns doutrinadores defenderam a descriminalização do homicídio eutanásico, como Enrico Ferri e Grispigni, de forma a acolher a atenuação da pena nos casos de indução e auxílio ao suicídio e de homicício com consentimento da vítima, desde que concorrente o móvel piedoso. A polêmica obra "Da autorização para eliminar vidas carentes de valor vital" lançada em 1920 pelo penalista alemão Carl Binding e pelo médico psiquiatra Alfred Hoche também contribuiu para a aceitação da atenuação da pena ou mesmo do perdão judicial para aqueles que matassem um enfermo incurável ou demente mediante seu requerimento, movido por sentimentos de piedade (CARVALHO, 2001). 3.3 O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA E A RESOLUÇÃO 1995/2012 CFM

O Conselho Federal de Medicina possui competência legal para estabelecer

normas para os profissionais médicos, sendo que a proposta da Resolução 1995/2012 se justifica com base nos princípios contidos no próprio Código de Ética Médica de 2009, observando um de seus pontos fundamentais que é o reconhecimento da autonomia do paciente (ALVES, 2012).

Na própria exposição de motivos da Resolução 1995/2012 são referenciados os códigos de ética médica da Espanha, Itália e Portugal que inseriram o dever de o médico respeitar as diretivas antecipadas do paciente, inclusive as verbais. Assim fica evidente

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que a elaboração da regulamentação do assunto pelo Conselho Federal de Medicina acompanha tendência mundial.

A referida Resolução foi publicada no Diário Oficial da União em 31 de agosto de 2012 e possui três artigos. Logo no primeiro artigo traz a definição das diretivas antecipadas de vontade como:

[...] o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Conforme observa Maria da Glória Colucci, a possibilidade de manifestar a vontade

do paciente é, de fato, o reconhecimento da liberdade da pessoa em dispor do próprio corpo de forma antecipada às situações de terminalidade ou em circunstâncias em que estiver temporariamente privado de consciência7 Nota-se que os desejos são antecipações que devem orientar a tomada de decisão no caso de incapacidade do paciente. No entanto, conforme expresso no artigo seguinte, essas orientações somente serão executadas pelo médico se estiverem em acordo com os preceitos contidos no Código de Ética Médica. Não há a necessidade de um documento específico, bastando apenas um registro feito no prontuário pelo médico. Essas diretivas prevalecerão sobre qualquer outro parecer não-médico, inclusive sobre a vontade de familiares. Também existe a possibilidade que o paciente autorize outra pessoa a representá-lo no caso de incapacidade, fazendo com que a vontade desta pessoa designada seja levada em consideração pelo médico (ALVES, 2012).

Para Roberto Luiz D'Avila e Diaulas Costa Ribeiro (2012):

A Resolução do Conselho Federal de Medicina reafirma o respeito dos médicos à autonomia e reconhece, inclusive, a autonomia ampliada ou em prospectiva, que se materializa nas diretivas antecipadas de vontade, como um valor inerente à dignidade da pessoa humana a ser preservado e respeitado na relação do médico com o paciente em fase terminal.8

Assim, a Resolução no. 1995/2012 representa um instrumento útil no processo de tomada de decisão em situações que o paciente esteja incapacitado de expressar sua vontade, facilitando e garantindo o respeito aos seus desejos. 4 CONCLUSÃO

Partiu-se, no texto, da análise da morte digna à luz dos principíos constitucionais de dignidade da pessoa humana, autonomia, autodeterminação e liberdade individual. Foram abordados os conceitos de morte, entendida como um direito de morrer de forma digna, casos polêmicos de terminalidade da vida, bem como a evolução do conceito de testamento vital. A recente publicação da Resolução do Conselho Federal de Medicina (1.995/2012) é reconhecida como um importante progresso na busca pela morte digna no Brasil, podendo ser vista como o equilíbrio entre a antecipação da morte e o

7 COLUCCI, Maria da Glória. Diretivas antecipadas de vontade do paciente (Resolução no. 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina). Disponível em: <http://rubicandarascolucci.blogspot.com.br/>. Acesso em: 28 mar 2013. 8 D'AVILA, Roberto Luiz e RIBEIRO, Diaulas Costa. A última lição teológica de Carlo Maria Martini e o Conselho Federal de Medicina. Set, 2012. Disponível em: <http://www.portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23215:a-ultima-licao-teologica-de-carlo-maria-martini-e-o-conselho-federal-de-medicina&catid=46>. Acesso em: 11 de fev de 2013.

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prolongamento do processo de morrer. A disseminação desse entendimento permitirá a muitos pacientes com doenças potencialmente limitantes à vida a concretização da expressão da sua própria vontade. A temática é geradora de inúmeros conflitos de ordem moral, além dos embates religiosos, políticos e, até econômicos, que a terminalidade da vida pode ensejar. Apesar das inúmeras e intermináveis discussões, não se pode esperar que haja, ainda que em futuro distante, uma aceitação ou mesmo pacificação em relação à prática da eutanásia no Brasil. Há um temor generalizado de que a liberação da prática da eutanásia, ainda que dentro de estritos limites, venha a causar uma eliminação em escala alarmante de muitos seres humanos indefesos devido à falta de controle e fiscalização do Estado.

Por estas e outras razões, a manifestação de vontade do paciente representa um significativo passo na regulamentação das condições de terminalidade da vida no País, a exemplo do que já ocorre em outros lugares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Cristiane Avancini et al. Diretivas antecipadas de vontade: um novo desafio para a relação médico-paciente. Revista HCPA, Porto Alegre, v. 32, n. 3, 2012. p. 358. BECCARIA, Cesare Bonesana Marchesi di. Dos delitos e das penas. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 112. BRASIL. Lei no 9434 de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 5 fev. 1997. Seção 1, p. 2191. ______. Resolução no 1480/97 do Conselho Federal de Medicina de 8 de agosto de 1997. Diário Oficial da União, Brasília, 21 ago. 1997. p. 18227. CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídicos-penais da eutanásia. Ed. São Paulo. IBCC. 2001, p. 35. COLUCCI, Maria da Glória. O elo da morte no processo vital: o biodireito e a bioética em defesa da vida". Revista Brasileira de Direito da Saúde, Brasília, v.1, n. 1, p. 11, dez. 2011. ______. Diretivas antecipadas de vontade do paciente (Resolução no. 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina). Disponível em: <http://rubicandarascolucci.blogspot.com.br/>. Acesso em: 28 mar 2013. CONSELHO Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Juramento de Hipócrates. Disponível em: <http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Historia&esc=3>. Acesso em: 21 jan. 2013. D'ASSUMPÇÃO, Evaldo A. Sobre o viver e o morrer: manual de tanatologia e biotanatologia para os que partem e os que ficam. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 17. D'AVILA, Roberto Luiz e RIBEIRO, Diaulas Costa. A última lição teológica de Carlo Maria Martini e o Conselho Federal de Medicina. Set, 2012. Disponível em: <http://www.portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23215:a-

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O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIZAÇÃO NO DIREITO

AMBIENTAL E A SADIA QUALIDADE DE VIDA DE PESSOAS

IMPACTADAS PELA POLUIÇÃO MARINHA

THE RESPONSIBILITY PRINCIPLE IN THE

ENVIRONMENTAL LAW CONTEXT AND THE HEALTHY QUALITY OF

PEOPLE IMPACTED BY MARINE POLLUTION

Aimée Isabella S. Mendes

_______________________________________ Graduanda do Curso de Direito do UNICURITIBA

Pesquisadora do JUS VITAE – Pesquisa em Biodireito e Bioética pelo UNICURITIBA Pesquisadora do grupo de iniciação científica do mestrado do UNICURITIBA sobre “Direito

Ambiental e Empresarial no Contexto da Crise Socioambiental” Especialista em Poluição Marinha pela Universidade Miguel Cervantes (Espanha) através

do curso Contaminación Marinha promovido pela FUNIBER Diretora Geral da Statera Inteligência Socioambiental

Maria da Glória Colucci

______________________________________ Mestre em Direito Público pela UFPR

Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR Professora titular de Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA

Professora Emérita do UNICURITIBA Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – JUS VITAE do

UNICURITIBA Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR

Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília (SBB) Membro do IAP – Instituto de Advogados do Paraná

Membro do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

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RESUMO A presente pesquisa busca inserir o conceito de sadia qualidade de vida, já conhecido no Biodireito e na Bioética, no contexto do Direito Ambiental brasileiro. Busca-se nos princípios em que se baseia a legislação ambiental, especialmente o da responsabilização, instrumento para dar efetividade à defesa da sadia qualidade de vida de pessoas impactadas pela poluição marinha. O bioma marinho é cada vez mais cenário de poluições de níveis letais e intoxicações pelas mais diversas razões e é, também, fonte natural de alimento, trabalho e cultura para uma série de indivíduos. Este artigo foca apenas a hermenêutica dos princípios, buscando na essência destes o dever de responsabilização de agentes poluidores face às vítimas humanas, ainda que indiretas. Palavras-chave: poluição marinha, responsabilidade civil, sadia qualidade de vida,

princípio da responsabilização, princípio do poluidor pagador, meio ambiente.

ABSTRACT This research seeks to insert the context of Brazilian Environmental Law the concept of healthy quality of life, already known in Bio law and Bioethics, through the research regarding the principles that regulate the environmental legislation, especially the Responsibility Principle. It will be analyzed how these principles are related to the defense of a healthy quality of life of people affected by marine pollution. The marine biome is increasingly a place that happens lethal levels of pollution and poisoning for several reasons and is also a natural source of food, employment and culture for a number of individuals. This article focuses only on the principles of hermeneutics, seeking the essence of the responsibility duty of polluters considering its victims, even if they are indirectly affected. Keywords: marine pollution, liability, healthy quality of life, the responsibility principle, the

polluter principle, environment. 1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento econômico no Brasil evoluiu em desarmonia com a questão da sustentabilidade e da preservação dos recursos socioambientais, ocorrendo, durante muito tempo, de forma a degradar o potencial produtivo futuro.

A tutela do meio ambiente marinho face ao Direito Ambiental apresenta dupla finalidade: a proteção e capacidade do ecossistema e a sua possibilidade de aproveitamento humano. Entretanto, é também responsável pela sadia qualidade de vida de muitos dos diferentes grupos habitantes do território brasileiro, entre eles os pescadores.

A questão da sadia qualidade de vida no ordenamento jurídico denota bem estar, sendo ele físico, mental e espiritual, significando a possibilidade efetiva do sujeito desenvolver suas potencialidades em todas as acepções de meio ambiente conhecidas pelo Direito. É partindo desta norma matriz que se analisa o tema da poluição marinha em território nacional, estando a mesma diretamente relacionada à dignidade da pessoa humana. Os bens necessários à sadia qualidade de vida seriam bens fundamentais à garantia da dignidade da pessoa humana, logo, ter uma vida sadia é necessariamente

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ter uma vida digna. O dano ambiental ocasionado sob o foco da perspectiva marinha é considerado

nesta pesquisa na dimensão individual, sendo avaliada a necessidade da reparação efetiva e célere daqueles sujeitos que têm suas vidas impactadas direta ou indiretamente através da pesca.

O tema proposto considera o fato de que a questão ambiental no Brasil é relativamente nova (regras e princípios, formais e materiais), especialmente com relação à normatização da mesma, portanto, as contribuições científicas têm sido de grande valia aos tribunais e legisladores pátrios. A preocupação com a preservação ambiental, no entanto, já tem sido objeto de inúmeros tratados, convenções e protocolos mundialmente, o que denota um avanço do Direito Internacional Público em relação à proteção dos bens ambientais, especialmente os marinhos. Os danos ambientais atingem níveis transfronteiriços impactando coletividades e comprometendo a biodiversidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, traz em seu art. 2251, caput, a previsão para um dos princípios norteadores mais importantes do Direito Ambiental no Brasil, o direito à sadia qualidade de vida, que se pretende analisar no texto.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO AMBIENTE MARINHO

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) ratificada em 22

de dezembro de 1988 pelo Brasil, estabelece o conceito de mar territorial, de acordo com a referida convenção, (arts. 2 e 3), a soberania do Estado costeiro sobre o seu território e suas águas interiores estende-se a uma faixa de mar adjacente – mar territorial – com dimensão de até 12 milhas marítimas (1 m.m.= 1.852 metros) a partir das linhas de base1. Ademais, no mar territorial, o Estado costeiro exerce soberania ou controle pleno sobre a massa líquida e o espaço aéreo sobrejacente, bem como sobre leito e o subsolo deste mar.

De acordo com Rodrigo Fernandes More,

O mar é um todo integrado de recursos vivos e não-vivos que compõe, em seu conjunto, o chamado meio ambiente marinho. Como um bem protegido pelo direito, a natureza jurídica do mar se revela na máxima ‘o mar é um conjunto de bens (direitos e obrigações) inapropriáveis em sua unidade, mas exploráveis, de acordo com regras de direito internacional.’2

A respeito de uma melhor definição do meio ambiente marinho, estabelece o

capítulo 17.1 da Agenda 21 da ECO/92:

O meio ambiente marinho -- inclusive os oceanos e todos os mares, bem como as zonas costeiras adjacentes -- forma um todo integrado que é um componente essencial do sistema que possibilita a existência de vida sobre a Terra, além de ser uma riqueza que oferece possibilidades para um desenvolvimento sustentável. 3

1 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.) 2 MORE, Rodrigo Fernandes. A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3194>. Acesso em: 30 mar. 2013. 3 ONU. Agenda 21. 1992. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Table/Agenda-21-ECO-92-ou-RIO-92/>. Acesso em: 30 mar. 2013.

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Do ponto de vista econômico, o meio ambiente marinho deve ser conceituado considerando seus recursos vivos e os não-vivos. Já quanto ao direito internacional ambiental a melhor definição está contida no artigo 1º da Convenção para Proteção do Meio Ambiente Marinho do Atlântico Nordeste, assinada em Paris em 1992:

Segundo esta Convenção (que no Preâmbulo reconhece a vital importância tanto do meio ambiente marinho quanto da fauna e da flora para todas as nações), sua área de aplicação estende-se às águas internas e ao mar territorial dos Estados-partes, ao mar além e adjacente ao mar territorial sob jurisdição do Estado costeiro, conforme reconhecido pelo direito internacional, bem como ao alto-mar, inclusive o solo de todas as águas internas e seu subsolo. As águas internas são definidas como as águas que se estendem da linha base para o mar territorial até o limite de água fresca. Finalmente, o limite de água fresca é aferido no período da maré baixa, estabelecendo-se no local onde o curso d’água interno adquire salinidade devido à presença da água do mar.

Assim, de acordo com o art. 1o. da referida convenção, o meio ambiente marinho

compreenderia todos os seres vivos e não-vivos que se estabelecem sob as águas do mar, com inclusão daqueles cuja cadeia alimentar está obrigatoriamente vinculada à vida marinha (i.e. aves marinhas).

A normatização da questão marinha não se diferenciou muito da evolução no tema ambiental como um todo, como assinala Valdir Andrade Santos, relatando que:

Em 1954 chegou-se à primeira convenção internacional sobre a matéria, concluída em Londres, destinada a prevenção da poluição marítima causada por óleo. [...] Em 1969 surge a Convenção Internacional Sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, aplicados aos danos causados por poluição causados no território, incluindo o mar territorial de um Estado, causado por óleo que tenha sido descarregado ou derramado de um navio (SANTOS, 2010, p. 9).

No Brasil a legislação não tem acompanhado de maneira dinâmica as problemáticas ambientais envolvendo o meio ambiente marinho, de forma que ainda se tem inovado na tentativa de relacionar a questão tradicional de dano civil e o dano ambiental, que ao mesmo tempo é individual, coletivo e difuso. Acerca do assunto, entende José Rubens Morato Leite:

O dano causado ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, não preenche as condições tradicionais, pois, conforme já foi citado, trata-se de um bem incorpóreo, imaterial, autônomo de interesse da coletividade. Neste sentido, a opinião de Veronese: ‘A questão do ressarcimento do dano também está sujeita à uma série de transformações, pois, segundo a sua concepção tradicional, somente a parte que postulou em juízo é que deverá ser ressarcida, o que não se aplica em se tratando de interesses difusos’ (apud SANTOS, 2010, p. 10).

Dessa forma, deve-se entender que por mais que se tenha uma problemática atual e consistente, houve uma evolução significativa da maneira que se enxerga o meio ambiente, principalmente da segunda metade do século XX para cá, inclusive na própria concepção do objeto de estudo da ciência do direito ambiental: o meio ambiente. 3 A CONCEITUAÇÃO DE MEIO AMBIENTE

A fim de se conceituar o que se entende por meio ambiente para o universo jurídico é preciso compreender a transdisciplinariedade do Direito Ambiental. É recente a preocupação com a proteção ambiental e a qualidade de vida, sendo possível afirmar que a questão só chegou a ser considerada tema fundamental na gestão dos Estados a partir

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da evidente constatação da degradação ambiental e a consequente piora da qualidade de vida humana.

Paulo Freire Vieira salienta que, o tema meio ambiente não serve para designar um objeto específico, mas, de fato, uma relação de interdependência:

Tal interdependência é verificada de maneira incontestável pela relação homem-natureza, posto que não há possibilidade de se separar o homem da natureza, pelo simples fato da impossibilidade de existência material, isto é, o homem depende da natureza para sobreviver. O meio ambiente é conceito que deriva do homem, e a ele está relacionado; entretanto, interdepende da natureza como duas partes de uma mesma fruta ou dois elos do mesmo feixe (VIEIRA, 1995, p. 49).

O meio ambiente compreende “[...] o humano como parte de um conjunto de relações econômicas, sociais e políticas que se constroem a partir da apropriação dos bens naturais que, por serem submetidos à influência humana, transformam-se em recursos essenciais para a vida humana” (ANTUNES, 2008, p.9). Segundo José Afonso da Silva, é “[...] a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, 2007, p. 20).

Destarte, independente do conceito adotado é inegável que o meio ambiente é a junção de diversos elementos do Homem e da Natureza que se comunicam e se interdependem, o que significa por sua vez, que realizar um dano a um elemento integrante do meio ele se estende aos demais, inclusive a coletividade humana. Daí se conclui que parte do conceito do meio ambiente está o caráter de holístico de interação e interdependência, como bem doutrina Paulo Roney Fagundes (2000):

O holismo oferece outra visão de mundo, diferente daquele que a ciência tradicional apresenta, baseada na falsa crença de que a natureza deve ser fragmentada para ser mais bem compreendida. Para resolução dos problemas, a visão de integridade não se satisfaz com as respostas prontas, e nem com os caminhos previamente

traçados pela ciência tradicional.

Hoje, a visão antropocêntrica, vale dizer, de um meio ambiente que existe em torno do Homem e de seus interesses foi substituída pela ideia de que o meio ambiente é que é o centro de todas as providências, precauções, defesas. Dessa forma, o homem configura-se mais como um gestor e não dono do meio ambiente.

O princípio I da Eco/92 esclarece que o desenvolvimento sustentável tem seu principal compromisso com os seres humanos, porém, essa visão, ainda que antropocêntrica, está aliada a outros elementos de valor que admitem uma preocupação com a proteção ambiental, tais como uma vida saudável e a harmonia com a natureza.

Ensina Marcelo A. Rodrigues que as primeiras “normas ambientais” surgem em um contexto em que o meio ambiente é relegado ao papel secundário, em um momento em que não era tutelado de forma autônoma, pois o objetivo dessa tutela era de “proteger o interesse privado e financeiro do bem pertencente ao indivíduo. Essa modalidade de proteção do meio ambiente, pode ser vislumbrada no antigo Código Civil brasileiro revogado em 2002, nas normas que regulavam o direito de vizinhança (RODRIGUES, 2011). Essa fase perdurou até a segunda metade do século XX. É como se houvesse de um tempo para cá uma mudança no grau dos óculos em que o ser humano enxerga o meio ambiente. Essa visão era antes, de certa maneira, preocupantemente antropocêntrica, de tal forma que alguns elementos da natureza, como a água, eram tidos como res nullius. O que implica, de acordo com Marcelo Abelha Rodrigues (2011), em uma tutela mediata ambiental, assim, esses bens eram vistos apenas em acepção econômica. Em uma segunda fase, a ideologia antropocêntrica pura já havia sido superada, no

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entanto a tutela relacionada ao meio ambiente ainda só existia quando podia ser relacionada a algum tipo de ganho ao ser humano. Entretanto, foi um momento importante, pois evidenciou a vital associação entre meio ambiente e saúde. Foi neste momento que “a legislação ambiental podia ser tipificada pela sua preponderância na tutela da saúde e qualidade de vida humana” (RODRIGUES, 2011, p. 21). Aqui, a preocupação deixava de ser meramente econômica em termos de propriedade, a valoração econômica está ligada à questão da qualidade de vida e saúde. Note-se, ainda não há uma preocupação genuína com relação ao meio e à saúde por si só, mas, há um cenário de valorar benefícios econômicos indiretos e se preservar um meio ambiente sadio.

Hoje, a sociedade encontra-se em plena superação deste último posicionamento, já se entende que bens como a água e o ar são res omnium, é uma forma de superar o radicalismo antropocêntrico do passado e incluir valores maiores que passam a integrar os fundamentos básicos na proteção ambiental na legislação brasileira, valores estes como, por exemplo, a proteção da saúde do ser humano, o surgimento de áreas novas do saber humano, como a Bioética, que contribui para uma crescente valoração da qualidade de vida, que segundo Hubert Lepargneur é o “estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais” (LEPARGNEUR, 1996, p. 16). O início dessa fase ocorreu com o advento da Lei 6.938/1981, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que:

[...] introduziu um novo tratamento normativo para o meio ambiente. Primeiro porque deixou de lado o tratamento atomizado em prol de uma visão molecular, considerando o entorno como um bem único, imaterial e indivisível, de tutela autônoma (art. 3, I) (...) Adota, pois, inegável concepção biocêntrica, a partir da proteção do entorno globalmente considerado (ecocentrismo). Há, ratificando, nítida intenção do legislador em colocar a proteção da vida no plano primário das normas ambientais. Repita-se: todas as formas de vida (RODRIGUES, 2011, p. 23).

O Homem, então, sai de cena como protagonista para dar espaço a um sistema mais justo, inclusivo, no qual não há principais e coadjuvantes, todas as formas de vidas são consideradas igualmente importantes. 4 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO DA POLUIÇÃO

MARINHA

No Direito Ambiental, de acordo com José Joaquim Gomes Canotilho, os princípios têm inúmeras finalidades, merecendo destaque as seguintes: permitem verificar a validade dos atos regulamentares, sendo possíveis torná-los inconstitucionais ou ilegais; amparam a interpretação das normas jurídicas; e, ainda, auxiliam no preenchimento de lacunas e clarificação de obscuridades legais (CANOTILHO, 1998).

Dessa forma, para a finalidade deste trabalho será feito um recorte com os princípios tidos como fundamentais para a compreensão do tema. Rubens Morato Leite doutrina que “a utilização da expressão princípios estruturantes deve-se ao fato de se referirem a princípios constitutivos do núcleo essencial do direito do ambiente, garantindo certa base e caracterização” (CANOTILHO, 2012, p. 182).

O Direito Ambiental, por conter em seu bojo uma série de valores e direitos tidos como fundamentais, é inevitável que tenha um caráter principiológico de altíssima importância, especialmente, pois, como já foi tratado, é uma novel ciência que muito vem desenvolvendo ancorada nos valores e princípios constitucionais. Com relação aos valores sociais contidos nos princípios, Mirra afirma que “[...] é importante destacar que os princípios cumpram igualmente essa outra função: definir e cristalizar determinados valores

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sociais, que passam, então, a ser vinculantes para toda atividade de interpretação e aplicação do direito” (MIRRA, 1996, p. 103-104).

Fundamental frisar ainda que ainda que não existe uma hierarquia entre princípios, há uma série de conflitos hermenêuticos entre os princípios fundamentais constitucionais quando se trata de temas ambientais, vez que é uma vertente do Direito que busca inibir outros direitos, os princípios ambientais colidem com outros tradicionais como, por exemplo, o direito de propriedade, direito adquirido, direito à livre atividade econômica (CANOTILHO, 2012). 4.1 PRINCÍPIO DO MÍNIMO EXISTENCIAL ECOLÓGICO

O princípio do mínimo existencial ecológico segue a esteira do pensamento de que não basta apenas viver, é preciso viver com qualidade, dessa forma, é conteúdo “inderrogável dos direitos fundamentais” (GARCIA, 2004, p. 194), pois está relacionado ao mínimo de condições dignas para se viver.

Apesar de ser considerado como direito fundamental, não existe previsão expressa na Constituição pátria, o que lhe confere o status de fundamental pois, “sua previsão é captada indutivamente da dignidade da pessoa humana, conforme o art. 1o., III, da Carta Magna, coração de todos os direitos fundamentais” (BELCHIOR, 2011, p. 226).

O que figura como indispensável para a dignidade humana neste princípio é o mínimo equilíbrio ambiental, assim, deve-se incluir a qualidade ambiental como parte integrante dos direitos identificados pela doutrina como básicos existenciais.

Há de se ressaltar aqui que o termo mínimo existencial ecológico abrange naturalmente um mínimo existencial social, de forma que:

Busca-se a identificação de um conjunto normativo que atenda um compromisso antrópico viabilizador da existência do ser humano, defendendo, antes de tudo, sua dignidade, dirigindo-nos à manutenção de um estágio mínimo ao ambiente, vedando-se a degradação ambiental (MOLINARO, 2007, p. 31).

Portanto, o referido princípio é de suma importância para o contexto da afronta à

sadia qualidade de vida na ocorrência de uma dano ambiental, considerando que é uma forma de garantir a manutenção de um conjunto de condições essenciais para proporcionar uma vida digna e saudável, incluindo, fundamentalmente, a qualidade ambiental e consequentemente a social. 4.2 PRINCÍPIO DA EQUIDADE INTERGERACIONAL

Está diretamente relacionado com o desenvolvimento sustentável, na medida que busca a conservação dos recursos ambientais presentes para o possível gozo dos mesmos pelas gerações futuras, na lição de Alexandre Kiss:

A preservação do meio ambiente está obrigatoriamente focalizada no futuro. Uma decisão consciente para evitar o esgotamento dos recursos naturais globais, em vez de nos beneficiarmos ao máximo das possibilidades que nos são dadas hoje, envolve necessariamente pensar sobre o futuro. Entretanto o futuro pode ter uma dimensão de médio ou longo prazo, enquanto a preocupação relacionada ao interesse das gerações futuras é, necessariamente, de longo prazo e, sem dúvida, um compromisso vago (KISS, 2004, p. 6).

Acrescenta, ainda, Alexandre Kiss, antevendo futuros reflexos da degradação ambiental:

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A mudança global que está ocorrendo no momento afeta não só os recursos naturais, mas também os recursos culturais humanos que foram acumulados durante milhares de anos. Esses recursos consistem, por exemplo, de conhecimentos de povos indígenas, de registros científicos ou até mesmo de películas que se deterioraram com o passar do tempo. Fatores psicológicos e éticos explicam nossas reações a tais questões. Nossa primeira reação pode ser genética, instintiva. Todas as espécies vivas procuram instintivamente assegurar sua reprodução, e os mais desenvolvidos entre elas também fazem a provisão para o futuro bem-estar de seus descendentes. A história humana é testemunha dos constantes esforços dos seres humanos para proteger não somente suas próprias vidas, mas também para garantir o bem-estar e melhorar as oportunidades para sua prole. Os cuidados instintivos com as crianças e netos fazem parte da natureza humana (KISS, 2004, p. 6).

O princípio da equidade intergeracional procura implementar a justiça entre as gerações. Tal justiça satisfaria a equidade de oportunidade quanto ao desenvolvimento socioeconômico futuro, devido à responsabilidade quanto à utilização do meio ambiente no presente. Há, portanto, o respeito ao direito que cada indivíduo tem de usufruir de um ambiente com a sadia qualidade de vida.

No art. 225 da Constituição Federal está contido o dever de sua conservação ambiental, o mesmo estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Dessa forma, cabe ao Poder Público e a toda a sociedade o dever de defender o meio ambiente e preservá-lo para as gerações presentes e futuras.

Tais especificações contidas na Constituição tratam da ética intergeracional, que reflete um objetivo comum de todos e da justiça entre todas as gerações. 5 PRINCÍPIO DO POLUIDOR–USUÁRIO–PAGADOR E DA RESPONSABILIZAÇÃO O princípio do poluidor-usuário-pagador (Verursacherprinzip) (DERANI, 2008, p. 142), ou, apenas poluidor pagador, é um dos mais importantes e eficientes do Direito Ambiental. Rodrigues contextualiza sua existência, explicando que “[...] é um postulado com raízes inspiradas no direito econômico, que passou por substancial mudança quando veio a constituir-se num dos postulados mais nobres e sérios do direito ambiental (RODRIGUES, 2011, p. 29). Sob a ótica econômica, o princípio do poluidor pagador é um auxiliar do instituto da responsabilidade, vez que é multifuncional, na medida em que busca à precaução e prevenção da degradação ambiental, ou, em último caso, como forma de redistribuir os custos da poluição (DIAS. 1997). De forma sintética, não se trata de uma fórmula matemática, na qual poluir=pagar, isso seria legalizar, ou ainda, precificar a poluição. O alcance deste princípio inclui os custos das esferas básicas do Direito Ambiental: a preventiva, a reparatória e a repressiva (MILARÉ, 2001).

Dessa forma, ocorre a internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental. Ao aplicar esse princípio o “sujeito econômico” (produtor, consumidor, transportador) arca com os custos sociais e ambientais do dano (DERANI, 2008), logo, quem se beneficia direta, ou indiretamente da degradação ambiental levará consigo não apenas o bônus, mas também o ônus econômico.

Em um processo de produção regular são produzidas externalidades negativas que, ainda que advindas da produção são recebidas pela sociedade, enquanto o lucro é percebido pelo produtor. Pela aplicação do princípio do poluidor-pagador, busca-se inverter essa lógica, de forma que, quem percebe o lucro recebe também as externalidades

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negativas necessárias à mitigação, eliminação ou neutralização do dano. Nesse sentido, a Declaração do Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento adota

o referido princípio no enunciado 16:

As autoridades nacionais devem, procurar assegurar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o critério de que quem contamina deve, em princípio, arcar com os custos da contaminação, levando-se em conta o interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais. 4

Os tribunais pátrios vêm aplicando tanto o princípio do poluidor pagador, quanto o da responsabilização em casos de poluição marinha:

Ação civil pública. Baía de Paranaguá. Limpeza e recuperação. Polo passivo. Legitimidade passiva. (...) 3. Em matéria ambiental, o principio do poluidor-pagador assume papel fundamental no que tange a prevenção do dano ambiental e, sucessivamente, sua reparação da forma mais integral possível. Assim sendo, surgem como responsáveis solidários pela reparação do dano ambiental todos aqueles que, direta ou indiretamente, se aproveitam da atividade poluidora. Portanto, não há como afastar da cadeia causal, geradora do prejuízo ao meio ambiente, a participação dos compradores e vendedora da mercadoria, já que a presença da substancia tóxica no território, pressupõe o negócio jurídico firmado entre as partes.5

Na entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes do acidente ambiental do rompimento do poliduto Olapa, “[...} o dano ambiental, cujas consequências se propagam ao lesado, é, por expressa previsão legal, de responsabilidade objetiva, impondo-se ao poluidor o dever de indenizar”6.

Ainda, na mesma linha de raciocínio: Na ação de indenização por danos materiais e morais a pescadores, causados por

poluição ambiental por vazamento de Nafta em Paranaguá, decidiu o tribunal julgador que:

[...] Há legitimidade da parte proprietária do navio transportador de carga perigosa, devido a responsabilidade objetiva, princípio do poluidor-pagador. Inadmissível a exclusão de responsabilidade por fato de terceiro. Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva. A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador 7.

Como bem se percebe, a jurisprudência dos pátrios tribunais já consagrou na prática o que se denomina de princípio da reparação, ou segundo alguns doutrinadores, da responsabilização. Como diz Rubens Morato Leite:

4 CONFERÊNCIA das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente. 1992. Disponível em < http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. 5 (TRF 4ª Região – AG 2006.04.00.003071-7 – 3ª Turma – Relª. Desª. Vânia Hack de Almeida – DOU 09.05.2007). 6 AgRg no AREsp 89444/PR.Processo número 8011/0229870-0. Min Paulo de Tarso Sanseverino (1144) – 3 Turma. Julgado dia 21/08/2012. Publicado dia 24/08/2012.) 7 REsp 1114398/PR. RECURSO ESPECIAL 2009/0067989-1. Min. Sidnei Beneti. 2 turma. 08/02/2012. publicado em 16/02/2012.

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O principio poluidor-pagador tem reflexos na economia ambiental, na ética ambiental, na administração publica e no Direito Ambiental, pois tenta imputar, na economia de mercado e no poluidor, custos ambientais, e com isso visa a combater a crise em suas origens ou na fonte (CANOTILHO, 2012, p. 189).

Derani (2008), por sua vez, apresenta uma antítese ao princípio do poluidor pagador e da responsabilização, que seria o princípio do ônus social (Gemeinlastprinzip), segundo o qual as medidas de implementação da qualidade ambiental deve ser arcada pela coletividade. No entanto, ao analisar este princípio em conjunto com o princípio da subsidiariedade, a autora remonta a teoria descrita por Rehbinder, que acaba por fazer total sentido na realidade nacional. Rehbinder (apud DERANI, 2008, p. 145) explica que “uma utilização oculta do principio do ônus social resulta do fato de que o Estado frequentemente não consegue transferir à empresa ou ao cidadão poluidor o custo total do aparelhamento da despoluição” Partindo desses dispositivos (poluidor-pagador e responsabilização) que se adotou na seara na responsabilidade civil ambiental a chamada responsabilidade objetiva, na qual o agente poluidor independentemente de culpa ou dolo deve ser responsabilizado civilmente por danos e prejuízos causados, sendo necessário apenas comprovar o nexo causal entre a conduta (dragar uma área por exemplo) e o fato (extermínio de espécie de peixes). Esse raciocínio pode ser aplicado através da interpretação do art. 225, §3º8. da Constituição em conjunto com o art. 14, §1º. da Lei 6.938/19819. Sobre a questão, trata o ilustre Rubens Morato Leite:

[...] um passo importante para direcionar a responsabilidade civil à tarefa da efetiva responsabilização será adequá-la e adaptá-la às necessidades exigidas pela complexidade do bem ambiental e de sua proteção. Cabe, dessa forma, fazer uma releitura do Direito Civil e incluir no instituto da responsabilidade a proteção ao direito ou interesse coletivo e difuso do ambiente, ecologicamente equilibrado, e a qualidade de vida” (CANOTILHO, 2012, p. 215).

Importante frisar que apesar da vocação preventiva do sistema de responsabilidade civil no intuito de desestimular o potencial poluidor a prática do ato, pode ser adaptado ao dano na esfera privada. Ao se vislumbrar a possibilidade de indivíduos, assim como entidades representativas, pleitearem a reintegração dos bens ambientais lesados, bem como a compensação dos prejuízos experimentados, se confirma o exercício da cidadania. Além disso, a possibilidade de postular indenizações que deverão ser submetidas ao apreço judicial, é uma opção que deve ser a última instância, mas aquela opção dos que não têm resultados satisfatórios com a aplicação de outras medidas no combate à degradação.

8 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998) 9 Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (Brasil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 02 set 1981; Seção 1:1.)

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De fato, o instituto da responsabilidade civil, aliado ao princípio do poluidor pagador e da responsabilização, ainda está desenvolvendo e se adaptando a realidade local, daí a importância da constante pesquisa para o desenvolvimento da área, que, nas palavras de Martin:

[...] será, pois, através de um esforço conjunto de investigação e de criatividade, profundamente inspirado nas iniciativas internacionais e nas soluções dos diferentes direitos positivos, que poderão estabelecer-se novas normas, para evitar que os danos causados à vida e às gerações futuras fiquem por reparar (MARTIN, 1990, p. 140).

Como já abordado anteriormente, a Constituição Federal brasileira dispõe em seu

artigo 225 o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, necessário à sadia qualidade de vida, sendo assim a titularidade do bem “meio ambiente sadio e equilibrado” é da coletividade, entretanto isso não afasta o direito individual de cada sujeito integrante do meio ambiente em lato sensu10.

De acordo com a jurisprudência da Corte do Supremo Tribunal Federal:

Direito ao meio ambiente é um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social .11

Ainda de acordo com o autor Edis Milaré:

A vítima do dano ambiental reflexo pode buscar a reparação do dano sofrido, no âmbito de uma ação indenizatória de cunho individual, fundada nas regras gerais que regem o direito de vizinhança. Esse ramo do Direito vem sofrendo diversas reformulações, incorporando conceitos relativamente novos, como a função socioambiental da propriedade, e ampliando conceitos mais antigos, como o da vizinhança, que hoje, por exemplo, já não abrangeria apenas as áreas contíguas a uma indústria poluidora, mas se aplicaria por igual às propriedades mais distantes e que houvessem de alguma forma sido atingidas por emissões atmosféricas lesivas à saúde dos moradores locai (MILARÉ, 1970, p. 178).

Destarte, eventual dano que alcance a esfera pessoal de um indivíduo de forma a prejudicar ou alterar o seu meio ambiente, em qualquer dos sentidos tutelados pelo sistema jurídico, pode ser considerado um dano ambiental individual homogêneo. Por ser capaz de apresentar significativo risco ao particular e ao todo, o dano ambiental tem sua reparação civil fundada na responsabilidade objetiva do poluidor, em outras palavras, a responsabilização do poluidor pelo dano ambiental independe de culpa ou dolo pois é imputado ao mesmo com base no mero risco ou fato dano, é o chamado

10 Tanto a palavra meio quanto o vocábulo ambiente passam por conotações, quer na linguagem científica quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas. (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 63.) 11 MS 22.164 – Rel. Min. Celso de Mello – Tribunal Pleno – j. em 30.10.1995 – DJ 17.11.1995.

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principio da externalização do ônus social, no qual a responsabilidade é fruto do risco da atividade potencialmente poluidora. Sobre a questão apresenta a Lei 6.938, de 31.08.81 previsão expressa em seu art. 14, §1º:

Art. 14. (...) § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.

É possível extrair-se do dispositivo legal acima transcrito a responsabilidade

objetiva, compreendida pela expressão “independentemente da existência de culpa”. Neste sentido, doutrina Nelson Nery Junior (2010, p. 279), que os pressupostos da responsabilidade civil por dano ecológico, são, apenas, o evento danoso e nexo de causalidade, ou seja, o causador de dano ambiental, tem o dever de indenizar, mesmo não tendo culpa no evento causado.

Não resta dúvida que a responsabilidade imputada ao poluidor, na hipótese de danos ocasionados por poluição marinha, é objetiva. A doutrina e a jurisprudência pátria se orientam para tanto pela teoria do risco integral, a qual determina que aquele que exerce atividade potencialmente poluidora, da qual se possa fruir benefícios, tem que suportar os riscos da própria atividade, ainda que tenha tomado todas as precauções para evitar o possível dano. A teoria do risco integral não aceita excludente de responsabilidade, sendo necessários:

[...] a ação do agente , o dano e o nexo de causalidade entre eles. O Nexo de causalidade aqui não é encarado como liame entre o dano e a conduta individual do responsável, mas entre dano e a atividade desenrolada por ele (conjunto de atos e condutas potencialmente causadores de dano). ... (omissis) Assim, não interessa que o agente tenha intenção danosa, basta a existência do dano. A teoria do risco tem corolários importantes: prescinde de culpa e de dolo do responsável, é irrelevante a licitude da conduta do responsável, não há excludentes de responsabilidade (caso fortuito, força maior, cláusula de não indenizar) (ROCHA, 2000, p. 139-140).

Logo, os pressupostos para a responsabilização por dano causado pela poluição marinha seriam apenas: o evento danoso e o nexo de causalidade, sendo irrelevante para a determinação da responsabilidade a atitude do causador, como bem ilustra Nelson Nery Junior no seguinte exemplo:

Ainda que haja autorização da autoridade competente, ainda que a emissão esteja dentro dos padrões estabelecidos pelas normas de segurança, ainda que a indústria tenha tomado todos os cuidados para evitar o dano, se ele ocorreu em virtude da atividade do poluidor, há o nexo de causalidade que faz nascer o dever de indenizar (NERY JUNIOR, 2010, p. 280).

O fundamento jurídico do dever de indenizar reside no fato de que o agente poluidor desenvolve atividade que por sua natureza lhe traz benefícios (lucros) e, ao mesmo tempo, coloca em risco o ambiente saudável. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O princípio da responsabilização, talvez o mais importante dos princípios de Direito Ambiental, pode ser entendido como uma última forma de repressão ao poluidor, é um

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princípio que se aplica em situações nas quais cabem medidas compensatórias, ou seja, quando já houve o dano, porém também educacional, de forma que o pagamento do poluidor pela dano possa ser tão prejudicial aos negócios a fim de evitar o dano ambiental.

Ao mesmo tempo em que a sadia qualidade de vida já está comprometida no momento em que se aplica o referido princípio, pois houve um dano, é na aplicação reiterado mesmo, através de uma medida sancionatória, que se busca reduzir ou eliminar as causas da poluição.

Há situações nas quais não se pode falar em devida reparação, como são os casos que afetaram diretamente a saúde do bioma marinho, impedindo a pesca local, porém, há como minimizar os impactos gerados através de uma indenização pecuniária, que será reivindicada principalmente com base no princípio da responsabilização pela afronta à sadia qualidade de vida do pescador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AgRg no AREsp 89444/PR. Processo número 8011/0229870-0. Min Paulo de Tarso Sanseverino (1144) – 3 Turma. Julgado dia 21/08/2012. Publicado dia 24/08/2012. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. BELCHIOR, Germana Parente Neiva Belchior. Hermenêutica Jurídica Ambiental. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. ______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 02 set 1981; Seção 1:1. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Introdução ao direito do ambiente. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. CONFERÊNCIA das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Declaração do Rio de Janeiro sobre meio ambiente. 1992. Disponível em: < http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf>. DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. DIAS, José Eduardo de Oliveira Figueiredo. Tutela ambiental e contencioso administrativo. Coimbra: Coimbra Ed., 1997. REHBINDER, E. Prinzipen des Umweltrechts, cit., p. 96. In: DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. FAGUNDES, Paulo Roney Ávila. Direito e holismo - introdução a uma visão jurídica de integridade. São Paulo: LTR, 2000.

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