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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL Faculdade de Letras– FALE Disciplina: Organização do Trabalho Acadêmico Professora: Fabiana de Oliveira ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O GÊNERO RESENHA Caro(a) aluno(a), O gênero resenha tem como função a apreciação de um produto cultural que pode ser um livro, um filme, um álbum de música, um espetáculo teatral, entre outras obras. Sua forma de composição é marcada pelos estágios de apresentação, descrição, avaliação e recomendação ou não da obra. Mas dependendo do estilo do autor, do seu objetivo e do suporte onde a resenha será publicada, esses estágios podem variar e, então, haverá resenhas mais descritivas, outras mais avaliativas; em outras, a recomendação será implícita ou o autor fará questão de indicar o público ao qual a resenha se destina; você poderá encontrar resenhas mais curtas para divulgar um lançamento de livro, mais longas publicadas em revistas acadêmicas. A variedade é tão grande que, às vezes, você pode ter dificuldade para reconhecer o gênero porque existem a sinopse e a crítica literária que também são gêneros que descrevem e/ou avaliam outras obras. Mas eu não quero confundi-lo(a). Meu objetivo é apresentar uma coletânea de resenhas para, numa primeira leitura, você reconhecer o gênero e, numa segunda, observar os trechos nos quais o produto cultural é descrito e avaliado. Sendo assim, selecionei várias resenhas produzidas em diferentes contextos para que perceba essas diferenças. No entanto, não esqueça que, embora possa ter variação de estilo, as sequências avaliativas não podem faltar na sua forma de composição. Características textuais da Resenha Como as resenhas apresentam elementos avaliativos a respeito da obra resenhada, podemos identificar índices ou marcas linguísticas que mostram a subjetividade do enunciador e a polifonia textual. a) A subjetividade do enunciador – mesmo quando o resenhista evita escrever em primeira pessoa, ele continua “expressando sua subjetividade de maneira indireta, garantindo veracidade ao dito e fazendo com que o comentário pareça surgir como uma característica da própria obra” (MACHADO, LOUSADA e ABREU-TARDELLI, 2005, p. 33). Podemos identificar essa subjetividade nos comentários do resenhista quanto à organização do texto, à qualidade do trabalho e ao estilo do autor, expressos por meio de: - adjetivos: “O autor define e exemplifica com extrema clareza [...] nessa sua aula magistral”; - sintagmas nominais: “Estilo perfeitamente apropositado”; “O livro figura como um prático manual”; - expressões modalizadoras – no caso de avaliação negativa, o resenhista usa de ‘polidez’ para fazer sua crítica, faz uma crítica ‘educada”, portanto, modalizada, para não atingir a imagem pública do autor da obra. Geralmente, são expressões atenuadoras, como “parece que uma das lacunas da obra”, “talvez falte ao livro...”; ou verbos no futuro do pretérito: “O levantamento de tais indagações permitiria...”, “a obra fica aquém do que se esperaria no quesito clareza”. 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFALFaculdade de Letras– FALE

Disciplina: Organização do Trabalho AcadêmicoProfessora: Fabiana de Oliveira

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O GÊNERO RESENHA

Caro(a) aluno(a),

O gênero resenha tem como função a apreciação de um produto cultural que pode ser um livro, um filme, um álbum de música, um espetáculo teatral, entre outras obras. Sua forma de composição é marcada pelos estágios de apresentação, descrição, avaliação e recomendação ou não da obra. Mas dependendo do estilo do autor, do seu objetivo e do suporte onde a resenha será publicada, esses estágios podem variar e, então, haverá resenhas mais descritivas, outras mais avaliativas; em outras, a recomendação será implícita ou o autor fará questão de indicar o público ao qual a resenha se destina; você poderá encontrar resenhas mais curtas para divulgar um lançamento de livro, mais longas publicadas em revistas acadêmicas. A variedade é tão grande que, às vezes, você pode ter dificuldade para reconhecer o gênero porque existem a sinopse e a crítica literária que também são gêneros que descrevem e/ou avaliam outras obras.

Mas eu não quero confundi-lo(a). Meu objetivo é apresentar uma coletânea de resenhas para, numa primeira leitura, você reconhecer o gênero e, numa segunda, observar os trechos nos quais o produto cultural é descrito e avaliado. Sendo assim, selecionei várias resenhas produzidas em diferentes contextos para que perceba essas diferenças. No entanto, não esqueça que, embora possa ter variação de estilo, as sequências avaliativas não podem faltar na sua forma de composição.

Características textuais da Resenha

Como as resenhas apresentam elementos avaliativos a respeito da obra resenhada, podemos identificar índices ou marcas linguísticas que mostram a subjetividade do enunciador e a polifonia textual.

a) A subjetividade do enunciador – mesmo quando o resenhista evita escrever em primeira pessoa, ele continua “expressando sua subjetividade de maneira indireta, garantindo veracidade ao dito e fazendo com que o comentário pareça surgir como uma característica da própria obra” (MACHADO, LOUSADA e ABREU-TARDELLI, 2005, p. 33). Podemos identificar essa subjetividade nos comentários do resenhista quanto à organização do texto, à qualidade do trabalho e ao estilo do autor, expressos por meio de:

- adjetivos: “O autor define e exemplifica com extrema clareza [...] nessa sua aula magistral”;

- sintagmas nominais: “Estilo perfeitamente apropositado”; “O livro figura como um prático manual”;

- expressões modalizadoras – no caso de avaliação negativa, o resenhista usa de ‘polidez’ para fazer sua crítica, faz uma crítica ‘educada”, portanto, modalizada, para não atingir a imagem pública do autor da obra. Geralmente, são expressões atenuadoras, como “parece que uma das lacunas da obra”, “talvez falte ao livro...”; ou verbos no futuro do pretérito: “O levantamento de tais indagações permitiria...”, “a obra fica aquém do que se esperaria no quesito clareza”.

b) A polifonia textual – numa resenha há menções ou referências ao texto original ou texto-fonte; e, também, a outros textos e autores. Essas referências são feitas para serem comentadas pelo resenhista. No entanto, conforme esclarece Andrade (2006, p. 35): “essas duas vozes (a do autor do texto original e a do resenhista) devem ficar bem claras para o leitor”. Andrade acrescenta que “o resenhista faz uso de alguns procedimentos para evidenciar o autor da obra e seus diferentes atos, distinguindo-os do que é a sua opinião e/ou avaliação como autor da resenha, como por exemplo:- atos atribuídos ao próprio livro ou obra: a obra tem por objetivo, o livro revela;- aparecimento de forma impessoal: define-se, estrutura-se, encontram-se;- introdução da voz do autor da obra: No dizer do próprio autor, segundo o autor, para o autor;- introdução de vozes de especialistas no assunto, contrapondo opiniões e justificando a sua avaliação: Sobre este assunto Lafetá também afirma que [...].

Espero que esses textos possam inspirá-lo(a) a produzir outras resenhas.

Boa leitura!

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TEXTO 1 – Crítica de filme

"Cidade de Deus" desmascara nossa crueldade

Não. "Cidade de Deus" não é um filme, apenas. É um fato importante, é um acontecimento crucial; um furo na consciência nacional. Fui ver o filme e saí modificado. Tenho a impressão de que esse filme não se diluirá como um espetáculo digerível. Nós não vemos esse filme; esse filme nos vê. Com essa epopéia da guerra dos miseráveis que nasceram no livro de Paulo Lins, sentimo-nos desamparados na platéia. Nossa vida de espectadores, com roupas e comidas, com namorada do lado, com pizza depois, ficou ridícula. "Cidade de Deus" faz balançar nossa sensação de "normalidade". Não dá mais para acreditarmos apenas que o crime tem de ser combatido para que a "ordem" seja mantida. Destrói-se nosso "ponto de vista" e viramos uma platéia de culpados. Esse filme agrega uma descoberta à opinião pública do país que nunca mais poderá ser ignorada. Enquanto a miséria era dócil, ninguém se preocupava com ela. Nossas empregadas surgiam de manhã, sumiam de noite, nossos faxineiros, copeiros e engraxates eram seres abstratos. Os pobres pareciam não ter vida interior. Podíamos romantizá-los, rir deles, paternalizá-los, tudo. Mas, a TV, a comunicação democratizante do consumo fez surgir uma massa miserável, mas desejante. Pulsa nos bailes funk uma brutal corrente de expressão, a violência como fome e linguagem. A indústria cultural estimulou o desejo, e a cocaína e o tráfico de armas trouxeram os meios para sua possível realização. Depois que a cocaína despejou milhões de dólares sobre o mundo da miséria, o contentamento letárgico da exclusão virou fome de consumo, a aceitação da escravidão disfarçada de "emprego" virou uma invasão do país "branco". Não é mais inferioridade; é diferença. Agora, é pau a pau. Existimos nós e eles. Um outro mundo está aparecendo, não como decadência ou ameaça, mas como sinistra cultura, pavorosos valores, tudo sob o manto sombrio da morte. Estamos enfrentando a morte no olho. A tragédia das periferias brasileiras sempre foi um terremoto ignorado, para o qual ninguém enviou patrulhas de salvamento. Já houve um terremoto e todos nós tentamos esquecê-lo, subindo grades em nossas casas, com os socialites cheirando o pó malhado de otários e perpetuando essa miséria. Sempre tivemos uma consciência epidérmica dos problemas do crime. E só sabíamos dizer "Que horror!", mas esse filme nos faz entrar dentro dos lamaçais, dentro das chacinas, dentro de tudo que sempre detestamos ver. "Cidade de Deus" não é o retrato condoído das favelas; não tem um só traço de sentimentalismo. Ele é também o nosso retrato, a 24 quadros por segundo, com nossos rostos aparecendo por trás dos meninos de 10 anos se matando com metralhadoras e fuzis. Ali estão visíveis todas as pistas de nosso caos, que levam à sordidez de nossas classes dominantes, às mentiras políticas, às falsas bondades, aos retóricos ideais nacionais. O filme prova nosso despreparo para resolver as tragédias sociais, mesmo que houvesse vontade política. O filme não conta o que aconteceu; o filme mostra o que está acontecendo agora, sem parar, enquanto assistimos a ele ou lemos estas linhas. O filme nos revela que houve uma "mutação social", ética, física. Ao sair do cinema, tive vontade de gritar nas ruas: "E aí? Ninguém vai fazer nada? Há milhares de crianças se matando e vamos continuar falando em criminalidade como um caso de polícia?" E logo depois penso: "’Fazer’ o quê?” Com que verbas, com que bilhões de dólares, com que vontade política, com que aparelhos do Estado, se o Estado está sendo tragado para dentro da miséria armada?" Os fatos estão mais adiantados que a lei. Não adianta esta eterna guerra triste de policiais mal pagos e corrompidos (justamente) contra miseráveis lutando por existir. Aquelas crianças armadas estão acima do bem e do mal, sim. Precisamos de novos conceitos para entender este problema de Estado e da sociedade. Filme e fato são um retrato da sinuca de bico em que está o país todo. Em "Cidade de Deus", o documento invade a ficção. Antes, havia uma "esperança" teórica; hoje há o absoluto impasse. Há 40 anos talvez houvesse uma solução higiênica, assistencialista. Hoje, não adianta mais o papo de luta de classes, de conscientização, cidadania. Eles já se "conscientizaram" sozinhos, em outra direção. Tarde demais, políticos egoístas; trata-se agora de um muro de chumbo, com raízes fundas. Quem vai resolver? Com que verbas, com que direito, com que poderes? E quem disse que eles ainda querem que nós os "salvemos? O filme de Fernando Meirelles, co-dirigido por Kátia Lund, é extraordinariamente bem produzido, bem dirigido, bem fotografado. Uma obra-prima; mas não se trata de dizer na saída: "Gostei ou não gostei". Não se qualifica a descoberta de uma doença. "Cidade de Deus" fura as leis do espetáculo normal, trai a indústria cultural e joga em nossa cara não uma "mensagem", mas uma sentença. Estamos condenados a viver com essa tragédia, ela vai continuar crescendo como um tumor e não estamos preparados para curá-lo, porque fazemos parte dele, com a polícia vendida, a lei vendida, os negociantes envolvidos; aqui e nas fronteiras. Esse filme vai ser visto pelo país todo, num terror fascinado. Creio que vai provocar mudanças na conduta política, pois faz parte de um processo de conscientização que ninguém pode mais deter, dentro e fora do cinturão da miséria. Qualquer projeto nacional teria de passar prioritariamente pela salvação das periferias. Infelizmente, os "projetos nacionais" chegam sempre depois. "Cidade de Deus" já foi vendido para o mundo todo. Será um sucesso planetário e vai revelar para sempre nosso segredo: somos um dos países mais cruéis do mundo. "Cidade de Deus" mostra que o inferno é aqui, atrás de Ipanema ou dos Jardins. Esse filme nos desmascara para sempre.(JABOR, Arnaldo. "Cidade de Deus" desmascara nossa crueldade. O GLOBO, de 27/09/02).

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TEXTO 2 – Resenha de filme publicada na internet

O RETRATO DE DORIAN GRAY (2009)(Dorian Gray, 2009)

09/03/2011 14h14por Celso Sabadin

Ficha do FilmeVem polêmica por aí. Afinal, o romance O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, que vem conquistando corações e mentes desde 1890, ano de sua primeira publicação, já rendeu mais de uma dezena de adaptações para o cinema e para a TV. E esta nova versão tem tudo para ser uma das mais combatidas. Motivo: o filme dirigido por Oliver Parker (o mesmo de O Marido Ideal) não se importa muito em ser fiel ao original, e adapta livremente o antigo texto para as novas plateias ávidas por boas doses de terror e suspense.

Nesta produção inglesa de 2009 que chega agora aos cinemas do Brasil, o personagem título (vivido por Ben Barnes, o Príncipe Caspian da saga As Crônicas de Nárnia) é um belo, ingênuo e simplório rapaz que vem do interior da Inglaterra para assumir seu posto de herdeiro solitário numa riquíssima mansão londrina. Ao chegar à capital, Dorian logo percebe que, junto com a mansão e a herança, vem também um apêndice atrativo, mas nem sempre fácil de lidar: a alta sociedade local.

Com todas as suas pompas, circunstâncias, melindres, convenções, ironias e jogos de aparência que o ferino Oscar Wilde adorava ridicularizar. Dorian se vê então dividido – e atraído – por dois interessantes representantes desta sociedade: o artista plástico Basil (Ben Chaplin, sem parentesco com Charles) e o cínico Lord Wotton (Colin Firth, de O Discurso do Rei). Enquanto Basil se encanta com a beleza de Dorian e se propõe a pintar o famoso retrato que desencadeará toda a história, Wotton preocupa-se somente em destilar sobre o rapaz toda a sua acidez crítica e sarcástica contra o mundo.

A partir deste triângulo, o roteirista estreante Tob Finley desenvolve praticamente um novo Dorian Gray que, certamente em busca de um público jovem, dialoga mais de perto com filmes de vampiros que propriamente com a sutileza da obra de Wilde. Com direito a sons fantasmagóricos, efeitos especiais e até uma transformação monstruosa que nada fica a dever ao gênero horror. Isso sem falar numa refinadíssima direção de arte iluminada pela requintada fotografia de Roger Pratt, fotógrafo de dois episódios de Harry Potter e do irretocável Chocolate.

Novos personagens – inexistentes no livro – são criados para dar maior dramaticidade ao filme. Entre eles, a bela e prematura esposa de Dorian e a enigmática filha de Lord Wotton, Emily (Rebecca Hall, de Vicky Cristina Barcelona, ótima).

Os mais puristas vão pular da cadeira. Não de susto, mas de ódio. Mas a boa notícia é que boa parte da ironia de Wilde permanece no filme, garantido deliciosos momentos de pura sagacidade verbal. Como, por exemplo, “Não se deve dar a uma mulher nada que ela não possa usar à noite”. Ou “Os homens querem ser felizes, mas a sociedade exige que eles sejam bons”, “Nenhum homem civilizado se arrepende do prazer” e “As pessoas morrem a toda hora por causa do bom senso”. Na boca do sempre ótimo Colin Firth, estas preciosidades tipicamente britânicas ganham tempero especial.

Assim, o artifício de repaginar O Retrato de Dorian Gray na tentativa de apresentá-lo a um público diferente não deve ser visto necessariamente com maus olhos. Nem com o coração fechado. Se apenas um punhado desta nova plateia se interessar o suficiente pela história a ponto de buscar e descobrir os textos originais, a empreitada já terá valido. Mesmo porque o tema da beleza e da juventude a qualquer custo, e a crítica à ditadura da aparência parecem estar mais em pauta do que nunca, mesmo depois de mais de um século da morte do famoso escritor irlandês.(www.cineclick.com.br)

TEXTO 3 – Resenha de livro publicada em revista de circulação nacional

Formas breves e instigantesSusana Souto Silva

O escritor argentino Ricardo Piglia, atualmente professor da Universidade de Princenton, nos Estados Unidos, alem de romances (Respiração artificial, Cidade ausente, Dinheiro Queimado) e contos (A invasão, Nome falso), escreveu também textos críticos. O volume Formas breves, recém publicado pela Companhia das Letras, reúne textos críticos desse escritor. Alguns desses ensaios foram publicados em livros anteriores, como O laboratório do escritor

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(Iluminuras, 1994) e El arte de narrar (Humanitas/FFLCH/USP, 1999), que aparece agora dividido em dois trabalhos, “O ultimo conto de Borges” e “Novas teses sobre o conto”.

Onze ensaios curtos e um epílogo formam o livro em que se lê uma interessante definição de crítica: “A critica é a forma moderna de autobiografia. A pessoa escreve sua vida quando crer escrever suas leituras”. Escrevendo, portanto, sua autobiografia, a biografia de um leitor voraz, Piglia retoma, partilhando com outros leitores, as suas descobertas e perplexidades diante das obras de Macedônio Fernandez, Jorge Luis Borges, Robert Arlt, Julio Cortazar. Mas não só os escritores argentinos figuram nesse diário de leituras. Em um belo ensaio, “Os sujeitos trágicos (psicanálise e literatura)”, o autor coloca em dialoga Freud, Joyce, Nabokov, Jung, Kafka.

Essas formas breves de Piglia problematizam o estatuto da crítica. Estamos diante de escritos que mesclam propositalmente o diário intimo e a análise literária, o relato ficcional e o histórico, compondo textos nos quais o crítico e o escritor de textos literários misturam-se, e embaralham as fronteiras, ha muito indistintas, entre esses dois campos, pois se a critica é uma forma de autobiografia, podemos desdobrar essa afirmação e dizer que, assim como a autobigrafia é uma forma de ficção, a crítica também o é, como nos mostra Borges em diversos dos seus textos, entre os quais o mais famoso e comentado talvez seja “Pierre Menard, autor de Quixote”. Piglia leva ao extremo essa proposição e nos leva, encantados e surpresos, a sua cabeceira, onde vivemos a ilusão de partilhar notas escritas a margem dos seus livros preferidos, criando entre o leitor e o autor do texto crítico uma inuasitada intimidade, como se conversássemos com ele em uma mesa de bar, na qual a descontração e a confissão dessem o tom da conversa, despindo a crítica da pretensão, não raro enfadonha, de ser mais importante do que a obra.

Saímos da leitura dessas formas breves com reflexões que se prolongam, com o desejo de buscar textos ainda não conhecidos e de retornar a textos já lidos, guiados por um autor que vê a literatura como um texto que nos provoca, como ele mesmo escreve, “surpresas, epifanias, visões. Na experiência renovada dessa revelação que e a forma, a literatura tem, como sempre, muito que nos ensinar sobre a vida”. _____________________________________________________________________________________

TEXTO 4 – Sinopse de livro

NOITEErico Verissimo

A novela Noite é única na obra de Erico Verissimo. Isenta do caráter épico de O tempo e o vento, não pratica a crônica de costumes dos romances do "ciclo de Porto Alegre", não busca o realismo e não tem o tom de crítica e sátira política de O senhor embaixador e Incidente em Antares. Noite é uma viagem ao interior da culpa. O personagem central, o "Desconhecido", ou "Homem de gris", perambula pelas ruas de uma cidade submersa no anonimato sem reconhecê-las. Não sabe quem é, nem de onde veio, nem aonde dirigir seus passos. Atormenta-o uma culpa inenarrável. Sabe que cometeu um crime, mas não sabe como fazer para descobrir qual foi esse crime - e qual é sua identidade.Usando os cenários conhecidos, Erico compôs o painel social de uma sociedade que se perdeu em seus labirintos, tomada pelo anseio de modernidade, e ao mesmo tempo presa a suas raízes do passado. A novela fala de seres neutralizados pelo anonimato que caracteriza a modernidade: por isso todos os personagens flutuam no espaço intermediário das almas condenadas ao eterno purgatório.

Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12849

TEXTO 5 - Resenha acadêmica utilizada como instrumento de avaliação

Por Fabiana de Oliveira

O livro O que é linguística, escrito por Eni Pulcinelli Orlandi, faz parte da Coleção Primeiros Passos. Publicado pela editora Brasiliense, tem como principal objetivo apresentar uma visão geral da Linguística, desde os estudos que precederam essa ciência até a apresentação das vertentes contemporâneas, num percurso que revela o confronto entre essas diferentes perspectivas e as contribuições para a reflexão da linguagem resultantes de suas instalações teóricas. O caráter multidisciplinar da linguística revela que há várias maneiras de se pensar a linguagem, de mostrar seus modos de existir e de significar.

Dividido em sete pequenos capítulos, perfazendo o total de 69 páginas, dotado de uma linguagem simplificada e bastante clara, o livro se mostra acessível e interessante para leitores iniciantes e curiosos em desvendar os mistérios da linguagem, como também, para leitores já familiarizados com a Linguística.

No primeiro capítulo, intitulado de “Saber e poder”, encontra-se uma introdução bem sucinta sobre a relação do homem com a linguagem. Neste capítulo, discutem-se a quantidade e a variedade dos fatos linguísticos que há muito fascinam o homem, tais como, a organização da língua, as diferenças entre as línguas, as convenções etc. Esse interesse se instala em várias áreas de estudo, como a literatura, a filosofia, a religião, envolve diferentes povos, como a

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ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é linguística. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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Grécia antiga, os hindus e atravessa o tempo. Entretanto, é só com o surgimento e estabelecimento da Linguística como ciência, no começo do século XX, com objeto e métodos próprios, que esse interesse pela linguagem toma forma definida e reconhecida pela sociedade. Dessa forma, a Linguística definiu-se como “o estudo científico que visa descrever ou explicar a linguagem verbal humana” (ORLANDi, 1994, p. 09).

“O que é e o que não é linguística” é título e tema do segundo capítulo, no qual a autora delimita o objeto de estudo (linguagem verbal, oral ou escrita) e seu objetivo (refletir e descrever a língua). Nesse capítulo, também são mostrados os estudos precursores da Linguística, que consistem em dois momentos-chave: o século XVII, que é o século das gramáticas gerais, e o século XIX, com suas gramáticas comparadas. O capítulo é finalizado com o reconhecimento de duas grandes tendências que dividem os estudos linguísticos e atravessam a história dessa ciência: o formalismo e o funcionalismo.

O terceiro capítulo, “Duas obras, um Saussure e nenhuma publicação”, expõe a contribuição marcante de Ferdinand de Saussure para a edificação da Linguística moderna que começou com publicação do Curso de Linguística Geral. A ciência constituída por Saussure tem quatro níveis de análise: a fonologia, a sintaxe, a morfologia e a semântica.

Saussure conceitua a língua como “um sistema de signos, ou seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo” (ORLANDI, op. cit. p. 23). O signo é definido como a associação entre significante e significado. Essa associação é responsável pela organização do sistema da língua e tem um caráter arbitrário, linear e assume uma relação de valor.

Uma oposição é estabelecida entre língua e fala. “Para ele, a língua é um sistema abstrato, um fato social, geral, virtual; a fala, ao contrário, é a realização concreta da língua pelo sujeito falante, sendo circunstancial e variável” (p.24). Também é estabelecida a dicotomia sincronia (o estado atual do sistema da língua) x diacronia (sucessão, no tempo, de diferentes estados da língua em evolução). É com o método estruturalista, especialmente, com os pressupostos epistemológicos defendidos por Saussure, como a teoria do signo e a teoria do valor, que a Linguística assume uma posição de destaque entre as Ciências Humanas.

“As muitas funções” é o título do quarto capítulo, o qual é dedicado à apresentação de outra forma do funcionalismo, o que considera as funções constitutivas da natureza da linguagem. Essas funções são caracterizadas segundo o papel de cada um dos elementos do esquema da comunicação: mensagem, código, emissor, receptor, canal e referente.

Assim, têm-se as funções: expressiva (centrada no emissor); conativa (centrada no receptor); referencial (centrada no objeto da comunicação); fática (centrada no canal, na interação entre emissor e receptor); poética (centrada na mensagem) e metalinguística (centrada no código). Essas funções estão presentes em nossa fala e, dependendo da situação, algumas podem estar mais evidentes que outras.

A reflexão sobre a linguagem reunia grupos de estudiosos que contribuíram bastante para o desenvolvimento da Linguística, foram chamados de círculos linguísticos (O Círculo Linguístico de Moscou, de Praga, Copenhague, de Viena). É nesse ambiente teórico que se forma a conjuntura na qual a Linguística vai-se desenvolver do estruturalismo ao gerativismo de Noam Chomsky.

Chomsky instala uma mudança radical nos estudos que estavam sob o domínio do estruturalismo. Deixando um pouco de lado a descrição da língua, ele procura estabelecer uma teoria explicativa e científica. Ele traz para a linguística as contribuições dos estudos da lógica e da matemática e levanta reflexões sobre o caráter biológico da linguagem.

Detendo-se especialmente no nível sintático, Chomsky propõe em sua teoria a formulação de uma gramática que apresenta um sistema de regras que permite gerar um número infinito de frases. Essa teoria trabalha com as noções de competência (capacidade que o falante tem de produzir frases da língua), e com o falante ideal, ou seja, não é o falante real que usa concretamente a língua em seu cotidiano. A língua é definida como um conjunto infinito de frases, mas que são produzidas a partir de número limitado de regras intrínsecas ao falante.

Todas estas vertentes estruturalistas apresentadas constituem na Linguística uma tendência formalista. Isto é, a teoria formulada por Saussure, o distribucionalismo, as diferentes formas de funcionalismo e o gerativismo têm como maior preocupação a descrição da estrutura da língua, sua organização, a competência do falante ideal, por isso, fazem parte do paradigma formalista.

Entretanto, há os estudos que privilegiam a heterogeneidade e a diversidade linguísticas, que buscam um meio de sistematizar os usos concretos da linguagem por falantes reais. Esses estudos constituem o paradigma funcionalista, que é objeto do capítulo seguinte.

“O social e o cultural” é o título do quinto capítulo, no qual Orlandi mostra a relação entre os aspectos sociais-históricos-culturais e os linguísticos. Esses aspectos já constituem o foco de atenção de muitas pesquisas, no entanto, é difícil estabelecer a natureza da relação entre linguagem e sociedade. A isso se deve o surgimento de diferentes metodologias, como a Etnometodologia, a Etnografia...

Entre elas, encontra-se a Sociolinguística que estuda na linguagem os reflexos das estruturas sociais. Seu objetivo é sistematizar a variação existente na linguagem porque o sistema da língua é heterogêneo e dinâmico. Os sociolinguistas analisam as formas linguísticas usadas pelos falantes reais em suas comunidades numa perspectiva evolutiva/cronológica, mas observando essa mudança na atualidade. A Sociolinguística Quantitativa se utiliza de números e estatísticas para estudar a variação relacionando as variantes linguísticas com as variantes sociológicas.

A língua é vista em seu uso concreto pelo falante, desse modo, a noção de comunicação vai se tornando mais complexa e surge a necessidade de teorias que expliquem a relação entre o falante e a língua e as questões de significação. Entre as teorias que se propõem trabalhar nessa perspectiva está a Pragmática que estuda as relações entre os signos e o mundo e as relações entre os signos e seus usuários. Segundo a Orlandi, essa teoria se divide em três direções: a análise conversacional, os atos de linguagem e a teoria da enunciação.

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Com a teoria da enunciação vem à tona a reflexão sobre a subjetividade na linguagem, isto é, essa teoria se preocupa em explicitar e sistematizar as marcas linguísticas deixadas pelo falante que indicam a posição do falante em relação ao que diz e à situação de que participa. Essas marcas são denominadas de marcas da enunciação. O estudo da interlocução revela a capacidade que o locutor tem de se apropriar da língua para definir a si mesmo como falante e ao seu interlocutor. Essa relação remete à própria constituição do sujeito, da identidade.

Continuando a abordagem da língua sob as influências socioculturais, encontra-se a Análise de Discurso que considera como primordial a relação da linguagem com a exterioridade (o falante, o ouvinte, o contexto da comunicação e contexto histórico-social). “A análise de discurso procura mostrar o funcionamento dos textos, observando sua articulação com as formações ideológicas” (ORLANDI, p.63).

Essa teoria seleciona o texto como unidade de análise, mas como há controvérsias na passagem da frase para o texto houve uma dissidência que culminou na linha americana e a linha europeia da análise do discurso. A análise de discurso mostra que o discurso não serve apenas como meio de transmissão de informações, mas precisamente existe pelo efeito de sentido que traz entre os locutores, o estabelecimento de sentidos por eles num contexto social e histórico.

No último capítulo, “Uma parada”, a autora expõe sua opinião sobre o caráter multifacetário da linguagem e a multidisciplinaridade da Linguística. Para a autora, as diferentes linhas teóricas e métodos, no percurso por ela mostrado, significam que há várias maneiras de se pensar a linguagem, de mostrar seus modos de existir e de significar. Essas diferentes percepções da Linguística revelam o desejo de conhecimento que moveu pensadores de diferentes épocas na busca incessante de desvendar os mistérios da linguagem humana.

Continuando com sua apresentação didática, Eni Orlando finaliza o livro com sugestões de leitura para quem deseja aprofundar o conhecimento sobre alguma linha teórica mais específica. Para isso, ela lista uma série de títulos que tratam especificamente de cada vertente exposta ao longo do livro e que tem como autores especialistas reconhecidos. Sem dúvida, trata-se de uma leitura obrigatória para os alunos iniciantes no curso de Letras.

TEXTO 6 – Resenha de documentário

Lima Barreto descortina o Rio de Janeiro do final do séc. XIX e início do séc. XX

Fabiana de Oliveira

A série Mestres da Literatura (www.tvescola.mec.gov.br) é um excelente projeto educacional criado e desenvolvido pela TV Escola/MEC no formato de documentários de grandes nomes da literatura brasileira. Destinado à sala de aula, a partir do 9º ano do ensino fundamental, com duração de 28 minutos e envolvendo conteúdos de disciplinas, como Língua Portuguesa, Literatura, História, Ética e Meio Ambiente, o episódio “Lima Barreto: um grito brasileiro” apresenta a biografia do escritor brasileiro pré-modernista e analisa aspectos temáticos e estilísticos de algumas de suas obras, como o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma.

A partir de imagens do Rio de Janeiro do final do século XIX e início do século XX, da leitura de crônicas do autor, de uma trilha sonora composta de nomes, como Chiquinha Gonzaga e Villa-Lobos, mostram-se fatos marcantes da vida de Lima Barreto desde a descrição da casa onde nasceu, passando pelo racismo sofrido na escola de engenharia, pela doença do pai, pelos primeiros textos do autor, pelo alcoolismo, pelas várias internações em hospícios, pela reclusão, até a morte.

Boa parte do vídeo é composta pelo resumo do romance Triste Fim de Policarpo Quaresma acompanhado de imagens do filme Policarpo Quaresma: o herói do Brasil, dirigido por Paulo Thiago e contracenado por Paulo José. Nesse resumo, várias participações de professores de literatura e historiadores revelam pontos coincidentes entre o comportamento sonhador, contestador e muitas vezes obsessivo de Lima Barreto e da personagem Policarpo Quaresma. O documentário traz importantes participações de especialistas em crítica literária que mostram como os temas tratados por Lima Barreto são atuais, como ética, meio ambiente, desenvolvimento urbano, entre outros. Além de ser um escritor que inovou em relação à linguagem, muito mais leve e informal para a época, Lima Barreto mostrou um olhar de cronista que descrevia aspectos cotidianos dos moradores do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que refletia sobre o regime republicano e a defesa da pátria.

Por tudo isso, vale a pena levar esse vídeo para sala de aula, em especial para mostrar aos alunos que Lima Barreto deixou um legado para a constituição da literatura brasileira e para a pesquisa da história e da cultura brasileira. Para se ter uma ideia do valor de Lima Barreto, o vídeo é encerrado com uma frase muito impactante de Antônio Prado, professor e ensaísta renomado, que diz “Não se lê Lima Barreto para aprender língua portuguesa, lê-se Lima Barreto para aprender a ser brasileiro”.

TEXTO 7 – Resenha de livro publicada em site educacional

Um romance de perdição

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O século XIX findava, na então jovem República dos Estados Unidos do Brasil. Aos 28 anos, dois anos depois de publicar “A Normalista”, seu primeiro romance, Adolfo Caminha dá a público “O Bom Crioulo”.

Nos meios literários, os tempos eram de realismo e naturalismo, ao menos no que diz respeito à prosa. Assim, ninguém estranhava a aparição de textos “mal acabados”, de temas ousados, de escritas mais diretas, até mesmo rudes. Afinal, se a palavra de ordem era fazer do texto literário uma expressão da natureza, não se poderia mesmo esperar abordagens equilibradas, composições estudadas, linguagem elaborada.

Entretanto, o clima favorável às extravagâncias não livrou Adolfo Caminha do escândalo. Afinal, a trama de “O Bom Crioulo” desenhava-se contra um pano de fundo de preconceitos arraigados e punha em jogo instituições respeitadas. Um marinheiro negro e um jovem e loiro grumete (marinheiro auxiliar) protagonizam uma história explosiva, em que homossexualismo, rebeldia militar e relações inter-raciais se misturam.

Amaro é o bom crioulo a que o título se refere. A expressão com que Adolfo Caminha apelida o personagem é parenta próxima de velhas conhecidas nossas: preto de alma branca, escurinho decente, crioulo boa-praça etc. Como se o próprio dos negros fosse o contrário de cada uma dessas qualidades; daí a necessidade de ressaltar que “este aqui” é diferente dos demais. Seja como for, a alma branca, a decência, o bom caráter e a simpatia são sempre ameaçados, nesses epítetos, pelo negro. Já que é crioulo, o que é bom pode facilmente tornar-se mau. Afinal, “negro, quando não faz na entrada, faz na saída”.

E se nos reportamos ao contexto escravista do século XIX, a questão é ainda mais candente. Pois assim se passa com Amaro. O bom crioulo é, sim, manso e bom, ordeiro, amigo de toda a gente, trabalhador. Mas é negro; portanto, é também uma “força da natureza”, um “pedaço de bruto”, “um conjunto respeitável de músculos” que, ao ver, todo mundo admira, boquiaberto. E faz das suas, se lhe pisam nos calos, ou mesmo se lhe dá na veneta. Por isso, é amoroso, mas colérico; é bem quisto, mas temido; é respeitado pelos oficiais, mas é punido com freqüência. Do alto de suas contradições, o personagem Bom Crioulo anima todo o romance, tão surpreendente e imprevisível quanto ele próprio.

O enredo central do romance é a violenta paixão de Amaro, o Bom Crioulo, por Aleixo, jovem grumete embarcado em Santa Catarina. Loiro de olhos azuis, o belo adolescente torna-se objeto de preocupações e ciúmes de Amaro, cada vez mais torturado pela idéia de que o menino pudesse ceder aos caprichos de algum oficial. Até então um homem casto — mantendo-se “longe de intriguinhas e fingimentos de mulher” — Amaro não desgruda o olhar nem o pensamento de Aleixo, cercando-o de atenções, cuidados e mimos. Em meio à vigilância e à brutalidade dos oficiais, sempre dispostos a castigar o menor desvio com chibatadas, Bom Crioulo faz de Aleixo um amigo querido, um protegido. Mas sonha, de olhos abertos, em tê-lo como amante. Contra as rígidas normas da Marinha, contra as “leis da natureza”, contra a “infância inocente” de Aleixo, Bom Crioulo trama. E até o fim do romance, faz ouvir a voz única de seu desejo, debatendo-se, como numa tragédia grega, contra a fatalidade das leis e do destino.

O que esperar de uma situação como esta? Que vida pode dar-se um negro fugido, numa ordem escravista? O que pode fazer valer de seus direitos, e mais ainda de seus desejos? O que pode um “marinheiro rude e analfabeto” contra oficiais cultos e refinados? Que destino pode ter um impulso que aproxima um homem de outro, um negro de um branco, um homem feito de um garoto? Sejam quais forem as respostas, enfrentamentos tamanhos dificilmente escaparão à crueza e à maldição. E permanecerão estranhamente atuais por muito tempo, como tudo que está “perto do coração selvagem” da vida.

Boa parte da força e da eficácia de “Bom Crioulo” está no manejo lúcido que o autor faz desses conflitos, escolhendo o quê, quando e como contar deste verdadeiro enredo de notícia de jornal sensacionalista. A narrativa é simples e direta, mas tem as suas manhas: não entrega o jogo facilmente, cria suspenses, vai e volta no tempo, de modo a dar a cada momento, a cada situação, a sua atualidade e a sua história, o seu desenvolvimento próprio. Assim, o enredo central se desdobra em alusões a muitas outras histórias; e o dia-a-dia do século XIX brasileiro se insinua a cada passo, fazendo ecoar as falas e as ações das personagens centrais. A seu modo, assim como “O Mulato” ou “O Cortiço”, livros de Aluísio Azevedo historicamente próximos, “Bom Crioulo” traça um interessante painel do Brasil da segunda metade do século XIX.

Algumas cenas, como a que abre o romance, com o navio da marinha em que Amaro servia navegando garbosamente os mares, ou mesmo as cenas de punição a bordo, têm grande poder de sugestão: surgem inteiras diante de nossos olhos, como uma tela que lentamente se desdobra. Em outros casos, como o da cena final, a dramaticidade e o movimento dão o tom: os personagens parecem agir à nossa frente, como num teatro; quase podemos participar da ação.

Por esses e outros traços de sua composição e de seu estilo, “Bom Crioulo” se comporta como um cinema falado. Em mãos de um diretor sensível e talentoso, certamente renderia um belo filme. No olhar do leitor atento, renderá momentos de perplexidade, inconformismo e indignação. Ingredientes necessários, todos esses, à leitura solidária que Adolfo Caminha nos propõe, convidando-nos à crítica e à compreensão.

Texto original: Egon Rangel Revisão: Equipe EducaRede_____________________________________________________________________________________

Texto 8 _ Resenha de filme publicada em revista de circulação nacional

AMORMichael Haneke

Filme aborda de maneira fria e concisa o tema da inevitabilidade da morte.

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Não são poucos os filmes que tratam da morte com um falso peso doloroso e, para tornar o tema um pouco mais palatável, abusam de recursos apelativos, como flashbacks, músicas tristes e excessos cromáticos. Amor, vencedor da Palma de Ouro do Festival do Cannes 2012, assume o risco de ir pelo caminho inverso ao retratar a finitude da vida de maneira mais crua., fria e realista possível. Mais introspectivo do que grandiloquente, o filme centra no octogenário Georges diante do sofrimento e da degeneração da sua esposa, Anne, após um derrame. O diretor Haneke, coerente na economia e no distanciamento emocional, dispensa o aconchego melódico da trilha sonora de fundo e traz interferências mínimas do ambiente externo da casa. As visitas da filha incitam o conflito não só pelas durezas dos diálogos mas também pela ruptura da reclusão mórbida. Uma pomba que entra da janela está longe de incitar a paz, pelo contrário. Ela é o tormento, representando em sua ingenuidade animal o incômodo da vida.

Revista Rolling Stone. Por Érico Funks. 11 janeiro 2013._____________________________________________________________________________________TEXTO 9 – Resenha acadêmica

À la recherche de Ferdinand de Saussure, de Michel Arrivé. Paris: PUF (Formes Sémiotiques), 2007, 229 p.

Ano passado surgiu no cenário editorial este importante livro de Michel Arrivé. Bela homenagem vem à luz, justo no ano do sesquicentenário de nascimento do principal mentor dos estudos da lingüística moderna — Ferdinand de Saussure [1857-1913] — justo no centenário do primeiro Curso de Lingüística Geral [1907]. Por certo, diversos eventos, congressos, simpósios se deram ao longo do ano, mas o porte de um livro inteiro dedicado ao mestre genebrino sobressai como evento ímpar.

Meticuloso conhecedor de Saussure, participante ativo na discussão crítica do cenário linguístico desde meados do século findo, Arrivé é, decerto, muito mais conhecido, lido e estudado no âmbito da lingüística e da semiótica. Mas o campo psicanalítico, freudiano e lacaniano, recebeu atenção primorosa, a mais fina e empenhada, dentre todos os lingüistas, de qualquer tempo.

Dois livros anteriores, inteiramente dedicados à interface entre lingüística e psicanálise, já tiveram tradução brasileira: Lingüística e psicanálise. Freud, Saussure, Hjelmslev, Lacan e os outros (São Paulo: Edusp, 2001) e Linguagem e psicanálise. Freud, Saussure, Pichon, Lacan (Rio de Janeiro: Zahar, 1999). A resenha deste último, em Ágora [v.II n. 2, 1999, p.134], o considerou "seguramente um dos livros mais importantes publicados nos últimos anos".

Nesses livros, Arrivé equilibrou a presença de Saussure e Lacan, o pensador lingüista e seu leitor psicanalista, num cenário finamente pesquisado e argumentado. Em meio a suas próprias e apropriadas "releituras" de Saussure, trouxe-nos a experiência singular, difícil e altamente esclarecedora: extrair da sua leitura de Lacan, a mais plausível leitura de Lacan extraída de Saussure.

Em busca de Ferdinand de Saussure apresenta cenário diferente. Conquanto aqui e acolá o autor põe Lacan em cena, é Saussure o centro das atenções. Desejo vintenário de dedicar o livro inteiro ao lingüista de Genebra, confessa que todo novo livro de outrem, dedicado a Saussure, nesse período, lhe batia à cara como um "insulto". Era, pois, hora de "responder ao insulto com insulto" (p.3), isto é, com o seu livro sobre Saussure.

O novo livro beneficia o leitor a partir de um novo dado. Um evento histórico, altamente significativo, ocorreu nos últimos anos: em 1996, foram localizados novos manuscritos de Saussure, publicados em 2002 sob o título de Escritos de lingüística geral, e já traduzidos para o português (Cultrix: 2004). A descoberta está agitando o mundo da pesquisa saussuriana e Arrivé se destaca como um dos mais assíduos freqüentadores do pensamento do mestre de Genebra, agora recuperado no frescor dos novos manuscritos.

Sempre com a meticulosidade de um arqueólogo textual, o autor se apresenta como leitor do pensamento de Saussure há mais de meio século (p.1). Nas reflexões dessa busca do criador da lingüística moderna e sem mistificar o pai da lingüística moderna, revela que a obra saussuriana é na verdade a origem de uma "mutação considerável na evolução da disciplina", mesmo sob o aspecto lembrado como "insólito": o de que Saussure "não publicou o que escreveu e não escreveu o que se publicou sob seu nome" (p. 9-10).

"Uma vida na linguagem", primeiro capítulo, percorre um inventário cronológico das atividades de Saussure, sobre as questões da linguagem, centrado na sua vida intelectual. O propósito epistemologicamente rigoroso é "situar a reflexão de Saussure nas condições históricas de sua elaboração" (p.11). Notícias cronológicas sobre a família, a vida, a carreira e as atividades, destaque-se nesse entremeio um texto que, em l894, o jovem lingüista prepara (sem concluir) em memória ao importante lingüista da época, W. D. Whitney, reflexão que Arrivé considera "uma das meditações mais profundas e audaciosas de Saussure sobre os problemas da linguagem e da semiologia" (p. 26).

Segue-se um "modesto ensaio de releitura" sobre o Curso de lingüística geral. O leitor certamente discordará do modesto título do segundo capítulo, quando se depara com nada menos do que 50 páginas nas quais observa uma

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situação diferente das outras precisões e leituras minuciosas levadas a efeito nos dois livros anteriores. Aqui Arrivé tem nova baliza: os novos documentos descobertos, escritos do punho próprio de Saussure. Interroga o Curso a partir das reflexões totalmente inéditas, intituladas "Sobre a essência dupla da linguagem", nada menos do que as 70 páginas que abrem os Escritos.

É digno de se ressaltar algo de fundamental, sobretudo diante do modo como o pensamento de Saussure circula e pouco a pouco fica desdenhado no campo psicanalítico. Trata-se justamente de evitar o erro que consiste em deduzir que Saussure exclui do campo da lingüística tudo o que seria utilização pelo "sujeito falante". Relê, na perspectiva ajustada aos novos manuscritos, o signo saussuriano, a arbitrariedade do signo lingüístico, e discussões suscitadas em Pichon, em Benveniste, em Toussaint, em Milner, e em suas próprias avaliações de releitor. O capítulo contempla o que de mais atual, crítico e arguto se pode hoje ler sobre essas questões. Outras preciosidades: a questão da linearidade do signo, mormente restritas ao significante, mas que aqui se estendem ao significado, discussões sobre a noção de valor, das relações sintagmáticas e paradigmáticas, sincronia e diacronia.

O capítulo terceiro traz informes sobre a lenda na carreira do lingüista, no interior da Semiologia. E nota que a pesquisa legendária é praticamente "co-extensiva" no tempo com a pesquisa lingüística (p.88), sendo um ponto curiosamente observado: o "silêncio" no Curso sobre a semiologia legendária.

"Fala, discurso e faculdade da linguagem na reflexão de Saussure" é o título do quarto capítulo. A temática é de toda a importância diante das relações da lingüística com a psicanálise. Atento ao estatuto da fala, entre o que foi retido no Curso e o que se lê nos Escritos, o propósito é demolir dois "rumores" funestos: a) de que Saussure (do Curso) teria eliminado de seu projeto teórico toda a atividade do sujeito falante. Arrivé dá voz ao autor dos Escritos, que critica a escola de F. Bopp justamente por ter dado à língua "um corpo e uma existência imaginários fora dos indivíduos falantes" (p.102). Saussure julgava mesmo uma conquista de seu tempo ter situado língua e linguagem no seu "verdadeiro lugar exclusivamente no sujeito falante seja como ser humano seja como ser social" (ibid); b) o rumor inverso, de que a parte mais importante de Saussure seria efetivamente voltada para a parole. Condena os dois rumores como extremados, sem respaldo seguro em Saussure.

Com serenidade, retoma os efetivos pronunciamentos de Saussure sobre a fala, o discurso e a faculdade de linguagem. Procura "precisar a situação" para evidenciar que a lingüística da fala, do discurso ou mesmo da enunciação (p.110) não fora de modo algum descartada por Saussure, impressão talvez deixada pelo Curso. Mesmo se não "realizada por ele" permaneceu como "programa no mais alto ponto sedutor e promissor, mas não levado a efeito" (p.116).

Arrivé mostra que a oposição langue/parole que no Curso atribui algo de pejorativo ao campo da fala, é muito menos marcada ou polarizada no Saussure "autêntico" no qual a fronteira é um tanto mais "porosa" (p.114). Dentre as "soluções" saussurianas destaque-se a que faz "integrar na língua os fenômenos sintagmáticos previamente situados na fala" (p.115). A discussão interessa sobremaneira ao campo psicanalítico, quando com facilidade e pressa se aposta num distanciamento do Lacan da la langue, o assim chamado último Lacan, por relação ao Lacan da linguagem, o primeiro, forçando-se uma operação ilegítima de opor língua, fala, linguagem, como se fossem distintos e irreconciliáveis campos da atividade linguageira normal (e inconsciente).

Em seguida, investiga a questão do Tempo em Saussure, sendo a maiúscula a própria letra manuscrita do lingüista. Num pensamento de caráter "profundamente dialético" (p.119), demonstra que o tempo é central em Saussure e que os editores do Curso teriam feito perder a "gravidade" que Saussure lhe conferia (p.122). Introduz esclarecedores argumentos sobre o tempo diacrônico e o tempo da linearidade, a repercussão da linearidade não apenas no significante, mas estendida ao significado, apoiado em proposições fortemente audaciosas e elucidativas do lingüista dinamarquês, continuador de Saussure, L. Hjelmslev.

"Saussure às voltas com a literatura" é o tema seguinte, em que Arrivé confessa suas "perplexidades": a) o Cursodeixa em posição marginal a noção de literatura, enquanto que a pesquisa de tipo literário — anagramas e lendas — obteve interesse perene e constante ao longo de todo o itinerário de Saussure; b) a relação entre literatura e escrita em Saussure, o privilégio concedido ao significante "incorpóreo", dado como exclusivamente sonoro (" imagem acústica"), ou seja, convocando a pesquisa a se voltar à questão: os textos anagramáticos, objetos de inúmeras análises saussurianas, terão eles um regime propriamente literário?

Por fim, os dois últimos capítulos tematizam respectivamente: a influência de Saussure no nascimento da semiologia de R. Barthes e da semiótica de A. J. Greimas, e uma reflexão de Saussure sobre a naturalidade da relação entre a linguagem e a voz humana.

Perseguindo enfim, as "porosidades" — termo seu de escolha antiga — entre o campo da linguagem e do inconsciente, da lingüística e da psicanálise, eis que nesse empenho infatigável Arrivé está prestes a publicar em outubro próximo, pela PUF, mais um rebento dessa perseguição: O lingüista e o inconsciente. Que seja bem-vindo!

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982008000200012&lang=pt

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Texto 10 – Resenha de livro publicada em revista de circulação nacional

APRENDER A VIVER

O francês Luc Ferrry pôs a filosofia nas listas de livros mais vendidos – e sem baratear suas ideias.

Jerônimo Teixeira

Filósofo fundamental do pensamento moderno, o alemão Immanuel Kant é complexo nas ideias e árido no estilo. O francês Luc Ferry, no entanto leu a Crítica da razão pura quando tinha 15 anos. “Não entendi rigorosamente nada, mas tive a impressão de que aquele era um pensador importante, de qeu havia ali uma espécie de tesouro escondido.” Disse a Veja o filósofo e ex-ministro da Educação da França, hoje com 56 anos. Ferry é autor de Aprender a viver (tradução de Vera Lúcia dos Reis; Objetiva; 304 páginas; 37,90 reais), um livro de divulgação filosófica que discute de forma acessível, mas séria, autores como Nietzsche, Husserl e Heidegger. A obra vendeu impressionantes 230.000 exemplares na França e respeitáveis 14.000 no Brasil. Já aparece há seis semanas na lista de mais vendidos de Veja. Feito talvez mais extraordinário que a precocidade de sua formação, Ferry transformou a filosofia em best-seller. [...]

É claro que Ferry não é nem o único nem o primeiro “popularizador” da filosofia. O norueguês Jostein Gaarder foi best-seller mundial ao recontar a história da filosofia com uma simpática moldura ficcional em O mundo de Sofia. O suíço radicado na Inglaterra Alain de Botton tem se firmado como um “filósofo popular” - embora não tenha ainda frequentado as listas de mais vendidos -, recorrendo a Sêneca ou Schopenhauer para consolar o leitor que sofre uma desilusão amorosa ou inveja o sucesso do vizinho. Nenhum dos dois, porém, vêm de uma carreira acadêmica, como Ferry, que estudou nas tradicionais universidades Sorbonne, na França, Heidelberg, na Alemanha. Nos livros de Botton, em particular, a filosofia é reduzida a uma coletânea e citações cosméticas. Aprender a viver, pelo contrário, explica sistematicamente o pensamento dos autores abordados. [...]

Salvação é a palavra-chave do livro. A filosofia, na visão de Ferry, é uma alternativa laica à religião: busca resposta para a angústia fundamental que todo ser humano tem ao tomar consciência de sua irremediável finitude. Aprender a viver investiga as respostas que diferentes escolas filosóficas deram a esse problema [...], encerrando-se com a alternativa do próprio Ferry, sua proposta-talvez excessivamente otimista - de um novo humanismo secular, que supere os becos sem saídas construídos pela dúvida radical de pensadores como o alemão Friedrich Nietzsche. São ideais que o autor já apresentou de forma mais ”técnica”, em livros anteriores, como O homem deus e especialmente O que é uma vida bem sucedida?, publicados no Brasil pela Difel. Aprender a viver, porém, é voltado especificamente para o leigo e, em particular, para o leitor jovem. O título, com certo jeitão de autoajuda, tem um apelo inegável, que talvez responda por parte do sucesso da obra - e talvez prometa mais do que este ou qualquer livro pode dar. A busca da vida boa, virtuosa, é de fato uma ambição ancestral dos filósofos. Qualquer resposta, porém, será sempre provisória e insuficiente. O entusiasmo de Ferry por seu humanismo secular não basta para matar a charada dessa esfinge antiga.

FERREIRA, Jerônimo. Veja, São Paulo: Abril, ano 40, ed. 2004, n. 15, 18 abr. 2007. p. 118-9 (Fragmento).

TEXTO 11 – Resenha jornalísticaPatativa do Assaré :  O sertão dentro de mim

Edições SESC SP lança Patativa do Assaré: O sertão dentro de mim, um olhar carinhoso sobre a vida de um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina.

Tiago Santana passou a infância e adolescência ouvindo e vivenciando histórias do sertão. Eram comuns em sua casa as famosas rodas de viola e os saraus de poesia, e foi assim que Tiago conheceu e testemunhou o trabalho de Patativa do Assaré. "Patativa me viu nascer, colocou-me no colo, fez versos para minha família", comenta Tiago.

Apaixonado pela fotografia desde cedo, Tiago se profissionalizou e resolveu imortalizar o mestre dos poemas populares. Dois anos antes da morte de Patativa, ele retornou a Assaré para fotografá-lo. Este ensaio resultou no livro Patativa do Assaré: O sertão dentro de mim, com textos de Gilmar de Carvalho e publicado pelas Edições SESC SP.

"Patativa me permitiu entrar na sua intimidade e fotografá-lo. Fiz um registro amoroso, movido por seus versos e apaixonado pela figura humana que era o Velho Pata". Ao longo das páginas do livro é possível conhecer um homem tímido e imerso nos mistérios do sertão. Por meio das lentes de Tiago observa-se mais que um simples registro fotográfico, ele consegue captar o universo do qual Patativa fazia parte e em que ele próprio cresceu. A experiência de viver no Cariri "mágico", como ele gosta de mencionar, deu a Tiago tudo que ele necessitava para entender e recriar por meio da fotografia o fascínio e encanto do sertão nordestino.

Além da fotografia, é possível conhecer histórias de Patativa do Assaré contadas por meio de um abecedário - prática recorrente na literatura de cordel - escrito por um dos maiores pesquisadores da vida e obra do poeta, Gilmar de Carvalho. Os tópicos deste abecedário trazem uma aventura em torno dessa grande personagem por meio de uma prosa quase cantada, ao tom do repente nordestino. Uma descrição do modo de vida sertanejo, das feiras, das casas, da relação com o outro e dos encontros, de onde também emerge um Patativa político, interessado nas questões sociais e atuante na cena cultural.

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Ao longo do livro é possível encontrar trechos de alguns dos poemas mais representativos da carreira de Patativa: Poeta da roça, Cante lá que eu canto cá, Triste partida. Composições que aproximam o texto da oralidade com que Patativa compunha seus versos, numa sequência harmônica e ritmada.

O cancioneiro de Assaré viveu naquela cidade até os 93 anos de idade. Casou cedo, teve nove filhos e influenciou uma geração de novos poetas. Dizia que cantava o sertão porque ninguém era capaz de decifrá-lo: "A tua beleza é tanta qui o poeta canta, canta, e inda fica o qui cantá".http://www.sescsp.org.br/sesc/Revistas/subindex.cfm?ParamEND=1&IDCategoria=7025_____________________________________________________________________________________

TEXTO 12 – Resenha jornalística

O retrato da ditadura por Milton Hatoum não tem a força de seus romances anteriores.

O amazonense Milton Hatoum é um escritor sem pressa. Estreou em 1989, com Relato de um Certo Oriente, e nos dezesseis anos que se seguiram só produziu mais dois romances - Dois Irmãos, de 2000, e Cinzas do Norte (Companhia das Letras; 312 páginas; 39 reais), que chega às livrarias nesta semana. A longa espera entre um livro e outro talvez revele um escritor seguro, que não quer se dispersar. Mas tem uma contraindicação: intensifica a expectativa do leitor. Quem se impressionou com o exame das relações sociais e familiares de Dois Irmãos esperava que Hatoum, cinco anos depois, conseguisse se superar. Não foi o que aconteceu. Cinzas do Norte não chega a ser um mau romance, mas decepciona.

Como nos livros anteriores, a história se passa em Manaus (desta vez, porém, os personagens não são descendentes de libaneses). O romance é narrado por Lavo, um órfão pobre que, criado pela tia costureira, consegue se tornar advogado. Ele conta sua amizade com o artista Raimundo (ou Mundo), filho de Alícia, a sedutora alpinista social que conseguiu um casamento rico, mas infeliz com o empresário Trajano (ou Jano). Homem de mentalidade prática e estreita, Jano vive às turras com as ambições artísticas do suposto filho (a dúvida sobre a paternidade de Mundo só é resolvida nas últimas páginas). Esse carregado drama familiar quer ser um retrato espiritual da ditadura militar. As datas são significativas: a amizade entre Lavo e Mundo começa em 1964, e a ação prossegue até as vésperas da posse malograda de Tancredo Neves, em 1985.

A trama se perde entre o embate trágico de pai e filho e o retrato meio truncado da época autoritária. As referências a uma guerrilha na Amazônia ficam perdidas no meio do livro, sem desenvolvimento. Como representante típico do empresário que apoiou a ditadura, Jano é um personagem um tanto esquemático. E alguns episódios que deveriam ser cruciais, desenvolvem-se numa correria desabalada: o esbaforido Lavo adentra à sala bem no momento culminante de uma discussão entre Mundo e Jano, que em seguida tomba no chão, à beira da morte. Esses momentos melodramáticos seriam plausíveis em uma ópera, não em um romance.

O livro cresce nas páginas finais, quando Mundo volta do exílio para morrer no Rio De Janeiro. É só então que se afina o tom entre o drama dos personagens e a tragédia coletiva da ditadura: artista frustrado, Mundo representa o talento e a sensibilidade que se perderam nos anos brutos da repressão. Como contraponto, aparece a vitória ambígua da farsante Arana, uma artista que fez sucesso pintando paisagens “exóticas” da Amazônia para consumo de filistinos estrangeiros.

Festa na ditaduraMundo me puxou para um canto da cozinha, apontou os convidados e cochilou: “aquele grandalhão ali é o Albino Palha... amigo e conselheiro de meu pai. Se derrete toda na frente dos militares. Olha com bajula os caras. Só falta pentear o bigode do mais alto, o coronel Zanda. Aquele esqueleto corcunda é o presidente da Associação Comercial. Quando fala, parece que está numa tribuna. O leso se considera um historiador.

(Jerônimo Teixeira, Revista Veja, 15 ago. 2005)

TEXTO 13 – Resenha jornalística

Amargura fulminante

No romance Cinzas do Norte, o autor Milton Hatoum constrói uma história triste e irresistível.

ObraRelato de um Certo Oriente e Dois Irmãos ganharam o Prêmio Jabuti. Milton Hatoum integra a rara cepa de

escritores capazes de transformar ficção em memória. Seus livros têm aroma, sabor e textura, têm temperatura e unidade, são repletos de ruídos e sons. À medida que a leitura avança, detalhes como ‘cheiro de limão, alho e pimenta’ que vem de uma cozinha ‘a gritaria de peixeiros, ambulantes e carregadores’ num porto de Manaus vão formando uma espécie de repertório de lembranças na mente do leitor. E uma trama inventada, criada com riqueza de imaginação e destreza narrativa, torna-se uma história tão real que parece ter sido vivida de fato. Foi assim com Relato de um Certo Oriente (1989), obra de estreia do autor, com o seguinte, Dois Irmãos (2000) e agora, a bordo de amargura fulminante, com Cinzas do Norte, que chega às livrarias na terça-feira 16. A história se passa, mais uma vez, na capital amazonense, cidade natal de Hatoum. É um enredo aflito e desgraçado. Ao final, o livro deixa o gosto do passado que afeta o presente, difícil de digerir.

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Cinzas do Norte conta a trajetória de dois amigos. Lavo, que narra tudo em primeira pessoa, é um órfão, criado por Ranulfo e Ramira, dois tios pobres, irmãos da mãe falecida. Mundo, ou Raimundo, nascido numa família rica e decadente, vive numa contenda cruel com o pai, que despreza a rebeldia e os talentos artísticos do filho, com quem disputa o amor da mulher, Alicia, mãe do garoto. No correr das páginas, vão surgindo intrigas e vínculos mal resolvidos entre os dois núcleos, e tudo é desvendado com sutileza – às vezes apenas sugerido. Outros narradores somam-se a Lavo, e as diferentes versões da história acabam por formar um círculo que se fecha apenas nas linhas finais.

Desavenças familiares, competição pelo amor de uma mulher e rivalidade entre o pai e filho (como no novo romance) ou entre irmãos (como no anterior) são temas recorrentes na curta, porém vigorosa bibliografia de Hatoum. Nascido numa cidade meio isolada do resto do Brasil, o escritor morou também em Brasília, Paris e Barcelona, e atualmente vive em São Paulo. ‘Sou um pouco desses dois personagens, dividido entre ficar na província e sair para o mundo’, diz o romancista. Esse desejo de pertencer a algum lugar e a sensação permanente de deslocamento, onde quer que se esteja, são outros dilemas comuns aos personagens. Manaus, com seu calor opressivo e suas fronteiras ilhadas por braços de rio, é uma espécie de clausura para os protagonistas de Cinzas do Norte. Mas sair de lá representa liberdade. Mundo circula pelo Rio de Janeiro e Londres, apenas para se perceber preso ao passado que sua cidade de origem representa: ‘Minha reclusão não é atributo de geografia conclui ele, numa carta a Lavo.

Pequenas porções de realidade parecem ser peças importantes na literatura de Hatoum. A própria história do autor serve como base – ainda que, diga-se, o romance não seja autobiográfico. Mesmo assim, o escritor, arquiteto por formação, parte de fundações reais para erguer sua ficção. Os dois protagonistas são contemporâneos de Hatoum, nascido no início dos anos 50. Ao longo da trama, acompanham o que ele mesmo viu: o golpe de 1964, os Anos de Chumbo, um milagre econômico e a abertura. O colégio Pedro II de Manaus, por onde passam Lavo e Mundo, teve como aluno o autor. ‘O escritor sempre paga um dízimo ao real’, conforma-se o autor. Com essa mistura de memória, ficção, dramas bem urdidos e detalhes que enchem a narrativa de verdade e cotidiano, Milton Hatoum enjaula o leitor, torna-o refém de sua história triste e irresistível. Cinzas do Norte é prisão amarga, à imagem da trajetória dos personagens, mas nos proporciona o prazer que é a leitura de um grande romance.

TrechoCresci ouvindo meus tios brigarem por causa de Alícia, que tinha morado no bairro vizinho, o Jardim dos Barés. Uma história anterior ao meu nascimento que, no entanto, ainda era comentada no Morro da Catita e parecia não ter fim. Certa vez, eu e minha tia avistamos Alícia e Jano na rua da Instalação, saindo da Casa Vinte Dois Paulista. Vinham abraçados e sorridentes em direção a nós; tia Ramira diminuiu o passo, ficou nervosa, me puxou pelo braço, quis voltar. Paramos numa atitude ridícula, e os dois se aproximaram, ela mais alta e mais altiva que ele, mas só Jano cumprimentou Ramira, com um sorriso, erguendo a mão. Vi o rosto maquiado de Alícia, senti sua mão espanar meu cabelo, os dedos perfumados roçarem os meus lábios, e ouvi a voz dizer: ‘Como está grandinho, é a cara da mãe’.

Beatriz Veloso, Revista Época, 15/ago./2005.

Texto 14 - Resenha

Uma Noite em 67

Mesmo para quem já viu várias cenas no Youtube, “Uma Noite em 67″ — que relembra o III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, realizado em de 21 de outubro de 1967, no Teatro Paramount, São Paulo — passa a fazer parte da ainda discreta lista dos filmes imprescindíveis de serem assistidos em 2010. Além de trazer de volta a tão necessária reflexão musical (e comportamental, e política) do Brasil do final dos anos 60, os diretores Renato Terra e Ricardo Calil, no primeiro longa de suas carreiras, criaram um filme extremamente simples, mas totalmente capaz de emocionar. Para quem gosta de música brasileira, é impossível não se arrepiar e muitas vezes chorar com algumas cenas.

Mas é um filme também muito bem humorado, seja nas imagens da época (com Cidinha Campos e Blota Jr fazendo entrevistas impagáveis), seja nos depoimentos recentes de grandes astros da música como Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Edu Lobo e Sergio Ricardo (que acabou ficando mais famoso por quebrar e arremessar um violão contra a plateia na noite final do festival do que propriamente por seu grande talento), além de outros nomes ligados à música, como Zuza Homem de Mello, Sergio Cabral, Solano Ribeiro e em especial Nelson Motta.

Uma bela e necessária viagem no tempo. Vale a pena relembrar Edu Lobo e Marilia Medalha cantando “Ponteio” logo no início, com depoimentos atuais do próprio Edu. As cenas da época são em preto em branco, em baixa qualidade de imagem e som (mas com o melhor da tecnologia da época) se contrapõem a uma excelente fotografia (de Jacques Cheuiche) com enorme nitidez (assisti na sala 5 do Unibando Arteplex, uma das melhores do Rio). Vale a pena lembrar também do contexto político da época, das opiniões musicais (dois meses antes, houve uma “passeata contra as guitarras”), da qualidade enorme de criação pela qual a música brasileira passava: as 12 concorrentes da grande final eram compostas e/ou defendidas por nomes que sem dúvida fazem e sempre farão parte da história da MPB e de nossa memória musical e afetiva.

Os trechos dos músicos se apresentando ou apenas circulando nos bastidores do festival são deliciosos — enquanto um Gilberto Gil de barba que quase não foi à final dá entrevista, Nara Leão se intromete na cena, Nana Caymmi magérrima passa por trás, Roberto Carlos conversa com alguém pelo caminho… Os Mutantes são ainda tratados como “estes meninos” e Chico Buarque dá show de não-entrevista…

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Nos depoimentos atuais, Roberto Carlos confessa que também gostava de cantar canções de Chet Baker, que não escolheu a música “Maria, Carnaval e Cinzas” para defender no festival, mas “foi escolhido”: a canção de Luiz Carlos Paraná ficou em 5º lugar.

Já Caetano Veloso (que também fala sobre o Tropicalismo posterior) não consegue tocar direito nem ao menos lembrar da letra de uma de suas músicas mais conhecidas pelo grande público, “Alegria, Alegria”, 4º lugar na grande final, interpretada por ele e os Beat Boys com guitarras, tão criticadas na época.

Com seus olhos claros em close e sem lembrar de algumas passagens da época (“Caetano lembra, mas eu…”, revela ele), Chico Buarque também se enrola ao relembrar “Roda Viva”, mas as cenas de Chico com o MP4 interpretando novamente a canção ao ser anunciado o 3º lugar são inesquecíveis e emocionantes.

Rever Gilberto Gil e Mutantes com “Domingo no Parque” (2º lugar) também emociona: como um dos depoimentos bem colocou, é sem dúvida uma das grandes canções brasileiras de todos os tempos, embora Gil nem a ache tão bela assim.

Edu Lobo, Marília Medalha e o grupo Quarteto Novo enfim entoam seu “Ponteio” (de Edu e Capinam) como a grande vencedora, com todos no palco (abaixo, foto de Wilson Santos, do Jornal do Brasil, um dos grandes jornais da época e que sintomática e infelizmente deixou de existir em sua edição impressa no dia em que assisti a “Uma Noite em 67″).

Ao final do filme, ainda podemos ouvir a Melhor Intérprete, Elis Regina (que, como Nara, aparece apenas circulando nos bastidores), entoando “O Cantador”, de Dori Caymmi e Nelson Motta.

Imperdível. Simples, direto, objetivo, emocionante: um dos melhores filmes de 2010. Mais um documentário nacional que poderia ser tranquilamente exibido nas escolas. Quem não conhece nada da história precisa conhecer. Quem já viu tantas vezes vai se emocionar ao rever.

Site oficial: <http://www.umanoiteem67.com.br/>

TEXTO 15 – Resenha de filme

Pro Dia Nascer FelizZidelmar Alves Santos [ii]

O diretor João Jardim esbanja coragem e competência ao expor, no longa-metragem Pro dia nascer feliz, um retrato da educação brasileira. Desde que iniciou sua carreira em 1982, Jardim trabalhou tanto na área de publicidade e televisão, quanto no cinema, assumindo várias funções: desde técnico de edição e assistente de direção, a editor e diretor. Estreou como diretor de longa-metragem para cinema em 2002, com o filme Janela da Alma, filme que permaneceu por mais de quarenta semanas em cartaz nos cinemas do Brasil, um recorde se tratando de documentários. Este sucesso é, de fato, fruto da experiência adquirida em sua formação como jornalista, do aprendizado obtido no curso de cinema intensivo da Universidade de Nova York e das mais de duas décadas de trabalho e dedicação a profissão.

Em Pro dia nascer feliz, Jardim faz abordagens acerca da fragilidade do sistema educacional brasileiro. Deixa transparecer a personalidade dos jovens da atualidade, retratando sonhos e expectativas de educandos de 13 a 17 anos, em relação ao futuro. Estudantes ricos e pobres, elucidando um painel sociocultural da educação no Brasil. Dando força a essa abordagem, estão os depoimentos de pais, alunos e professores. Apresenta-nos um quadro comparativo expondo a realidade de instituições de ensino distintas, espalhadas por três estados: Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo.

Desta maneira, expõe o contraste entre as diferentes realidades: de um lado, escolas com estruturas precárias, a exemplo da Escola Estadual Cel. Souza Neto (em Manari, Pernambuco) e escolas com estruturas modernas, como no caso do Colégio Santa Cruz (em São Paulo). E assim, salienta a desigualdade social, ao expor estudantes marcados por uma realidade de pobreza e violência aliadas a má administração dos recursos destinados à escola pública.

O resultado: a educação na UTI. Surge então uma pergunta: de quem é a culpa? Quem assiste ao documentário logo percebe o embate entre o discurso do aluno e o discurso do professor. De um lado, alunos que culpam os professores, visto que estes faltam muito; do outro, professores que jogam a culpa para os alunos, alegando que estes vão à escola sem o propósito de assistir às aulas, como se o colégio fosse apenas uma válvula de escape à realidade vivida.

O inciso I, do artigo 3º da Lei 9394/96 (LDB) expõe a "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola"[iii] como um dos princípios do ensino. No entanto, a chocante realidade exposta no filme demonstra contradição. Jardim evidência a dificuldade dos estudantes de Manari em chegar à escola, visto que, na cidade, durante o período de gravação do documentário, não havia ensino médio. A prefeitura da cidade disponibilizava um ônibus sucateado aos estudantes, para que estes pudessem ter "acesso" à educação em outra cidade. Houve o caso de uma estudante que frequentou a escola apenas três vezes num período de duas semanas devido à quebra do ônibus.

O diretor demonstra maturidade ao "construir" e nos apresentar o filme sob três óticas: a dos alunos menos abastados, que enfrentam dificuldades e que lutam para chegar à escola; a dos que estão à margem da sociedade, em contato com uma situação de violência e criminalidade e aqueles ligados à elite, que enfrentam "problemas" para harmonizar a vida social às exigências escolares.

O documentário lançado em 2006 vai muito além do entretenimento. Ele é inovador, visto que nos apresenta "realidades" pouco difundidas nos meios de comunicação de massa, como a televisão. Desse modo, levando em

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consideração que o Brasil é um país de proporções continentais, é pertinente perguntar-nos: em que "Brasil" nós vivemos? É possível ascender socialmente através da educação se os reais indicadores educacionais são camuflados?

Se partirmos da conjetura de que os indicadores são encobertos, chegamos à conclusão de que há uma falsa impressão acerca da melhora dos índices da educação. Por fim Pro dia nascer feliz se destina a todos que acreditam que a educação é o verdadeiro instrumento de transformação social e que o esforço coletivo de pais, alunos, professores, enfim, de toda a comunidade, pode transpor as barreiras da desigualdade.

[i] Resenha do filme `` PRO DIA Nascer Feliz. Direção: João Jardim. Produção: Flavio R. Tamberllini; João Jardim. Roteiro: João Jardim. Produtora: Tamberllini Filmes; Fogo Azul Filmes; Globo Filmes. [S.I.]. 2006. 1 DVD.´´[ii] Graduando em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz, UESC, Ilhéus, BA.[iii] BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996.Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/a-educacao-na-uti-resenha-do-filme-pro-dia-nascer-feliz/19836/#ixzz2zpRdAxzS

Texto 16 - Resenha 1( por Sueli Nunes Leite )

Este é um trabalho no qual pretendo fazer uma crítica ao livro de Dulcirene Moletta, intitulado Zezé & Zuzu, de literatura infantil.

O livro aborda, numa linguagem clara e objetiva, a história de dois alunos que conversavam muito durante as aulas e não prestavam atenção aos ensinamentos da professora, preferindo discutir entre si sobre suas possíveis habilidades. É revolucionário no sentido em que convida o leitor a uma reflexão a respeito de como é ministrado o ensino neste país, nas escolas de 1º grau. Nele, a Autora tece habilmente críticas ao ensino brasileiro – a história se passa numa “sala verde”, do colégio amarelo” –, mostrando os aspectos que podem levar os alunos a se desinteressarem pelas aulas. Zezé e Zuzu não prestavam atenção por não associarem o conteúdo das aulas à vida prática, ao seu cotidiano. Isso ocorria porque o ensino, na escola, não partia de seus interesses individuais, e aprender resultava em algo enfadonho, que nada tinha a ver com eles. Entretanto, quando os colegas Nico e Neco programaram uma brincadeira, e, por meio dela, ensinaram aos amigos o conteúdo que a professora não conseguira transmitir-lhes, estes perceberam o quanto poderia ser agradável aprender a respeito do mundo e das coisas, por meio do raciocínio. Os colegas ensinaram a Zezé e Zuzu, usando a demonstração prática, com argumentos partindo da realidade e interesse dos companheiros, e eles aprenderam a lição. Eis por que os ensinamentos têm importância, se verificada a sua utilidade na prática: caso permaneça no plano das abstrações, o conhecimento se perde ou se esvazia o seu sentido.

Do ponto de vista ideológico, não há, nas entrelinhas, ideologias que sustentam a dominação de uns sobre os outros: o que se pode ver é, antes, uma proposta de libertação por meio do pensamento crítico, de desmistificação da figura do professor, que é avaliado enquanto orientador. Há uma crítica expressa de forma clara no último diálogo entre Zezé e Zuzu, quando um dos dois diz: “É. Se as aulas fossem tão divertidas como foi a competição, nós seríamos os mais atentos da escola.”

No que se refere à forma, a quantidade de páginas convida à leitura. As gravuras são simples, contudo, ilustram muito bem a parte escrita. A ausência das cores não tira o brilho dos desenhos, mesmo porque o texto, por si só, é muito interessante e prende a atenção do leitor.

Assim, o livro é recomendável porque conduz o leitor ao questionamento. A Autora reconhece na criança um ser pensante capaz de compreender o mundo em que vive, mediante o seu nível de raciocínio, e reforça a idéia de que aprender não significa reproduzir conhecimentos evidentes, mas reconstruir tais conhecimentos a partir das próprias experiências.

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TEXTO 17 - Resenha 2 (por Ana Galdino dos Santos)

O romance Zezé & Zuzu, de Dulcirene Moletta, criticou o péssimo nível de ensino das escolas do Brasil, contrastando com o elogio ao excelente resultado de assimilação por parte do aluno. A Autora censurou o ensino nas escolas brasileiras muito sutilmente. Nota-se que se refere ao Brasil devido às duas cores nacionais, o verde e o amarelo; mas foi infeliz quando tentou amenizar a situação do corpo discente, mostrando que existe um bom rendimento da turma concernente à matéria exposta pelo professor, quando isso não é verdade. Não é a metade dos alunos que responde positivamente ao ensino, e sim, uma minoria insignificante, mas suficiente, para comprovar que a deficiência está, em maior escala, nos mestres: essa realidade já começa a ser observada pelo aluno desde o seu primeiro contato com a escola. Numa turma de aproximadamente trinta e cinco alunos, apenas dois ou três se destacam no rendimento. Os que não conseguem bom aproveitamento não atribuem a culpa ao professor, por não possuírem ainda o senso crítico, somente isso acontecendo uns poucos anos mais tarde, quando atingirem mais maturidade.

Também a Autora expressou pensamentos contraditórios quando criticou a educação escolar no Brasil e ao mesmo tempo usou os verbos discutir, compenetrar e explicar, indicando fracasso, como foi o caso de Zezé e Zuzu, que viviam compenetrados, discutindo com explicações detalhadas e, no entanto, perderam a competição da corrida. Ela deveria usar o potencial desses garotos com relação aos professores, e eles, os meninos, seriam os melhores da classe em termos de conhecimento. Desse modo, os pequenos leitores seriam induzidos ao questionamento, que é de

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fundamental importância para o desenvolvimento cultural, social e político de um país. É excelente o aluno que faz perguntas e reflete sobre os acontecimentos e exige uma explicação detalhada da matéria apresentada pelo professor, mas não aquele que aceita a explicação passivamente, como é o caso de Nico e Neco. Assim, a Autora preocupou-se exclusivamente com o bom comportamento do alunado e em deixar o professor dono da verdade.

Também nas figuras que representam Zezé e Zuzu há, em sua parte inferior, animais que simbolizam lerdeza, como por exemplo: tartaruga, minhoca e lesma; e sobre as imagens de Nico e Neco, uma ave significando a superioridade e a agilidade de ambos: pelas observações feitas até o momento, as ordens dos símbolos devem ser invertidas.

Contudo, o romance da Dulcirene Moletta tem o seu aspecto positivo, que é o incentivo ao esporte nas instituições escolares, sobretudo quando ela coloca Nico e Neco, os melhores da turma, em sua concepção, como vencedores da corrida. Sabe-se que o esporte no Brasil ocupa as últimas posições, isto é, não há estímulos por parte dos governantes, e nas escolas os alunos que participam de alguma modalidade esportiva, geralmente, são os de pouco aproveitamento escolar.

Neste país, somente haverá boas mudanças se começarem a conscientizar as crianças por meio de leituras que mostrem a realidade brasileira e o caminho para a transformação.

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