caderno de resenhas: no sítio de lobato
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CADERNO DE RESENHAS: No Sítio De Lobato
Organização:
Maria Afonsina Ferreira Matos
Ana Lúcia de Jesus Santos
Publicações CEL/UESB
Jequié-BA
2015
2 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA
UESB
Paulo Roberto Pinto Santos
Reitor
Fábio Félix Ferreira
Vice-Reitor
Talamira Taita Rodrigues Brito
Pró-Reitora de Graduação
Alexilda de Oliveira Souza
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Maria Madalena Neta
Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários
Adriano Rodrigues Brandão Correia
Pró-Reitor de Administração e Recursos Humanos
Luciano Alves Costa
Prefeito de Campus de Jequié
Francislene Cerqueira Alves
Diretora do Departamento de Ciências Humanas e Letras
Marco Salviano Bispo Queiroz
Coordenador do Colegiado do Curso de Letras
Roberta Azoubel
Coordenadora de Extensão/Jequié
Nádia Machado Aragão
Assessora Especial da Reitoria/Jequié
Bruno Ferreira dos Santos
Assessor Acadêmico/Jequié
3 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
CENTRO DE ESTUDOS DA LEITURA- CEL
PROGRAMA ESTAÇÃO DA LEITURA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM LOBATO- GPEL
EQUIPE DE TRABALHO
Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos
Coordenação Acadêmica
Profª. Ms. Carla da Silva Lima
Coordenação Administrativa
Ana Lúcia de Jesus Santos
Coordenação Editorial Interina
Profª Drª Elane Nardotto Rios Cabral
Coordenação de Pesquisa
Profª. Esp. Gizelen Santana Pinheiro
Coordenação de Projetos e Relatórios
Profª. Dr.ª Adriana Maria de Abreu Barbosa
Grupo de Estudo em Teorias do Discurso- GETED
Profª. Amanda Silva Cardoso
Grupo de Pesquisa e Extensão e Lobato- GPEL
Profº. Esp. Luciano Chaves Sampaio
Núcleo de Imagem e Leitura
Antonio Bobbio Maria Codina
Bruno Ferreira de Matos
Profª. Esp. Cristiane Ghidetti Caetité
Leonardo Mendes Menezes
Maria Célia da Silva Cruz
Comissão de Revisão e Tradução
Jeane Cristina Barbosa Paganucci
Estagiária de Docência- Mestrado/ UESC
Ana Lúcia de Jesus Santos
Jeane de Oliveira Cruz
Estagiárias
4 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
Copyrigth © 2015 Maria Afonsina Ferreira Matos; Ana Lúcia de Jesus Santos.
Publicações CEL/UESB (http://estacao-da-leitura.webnode.pt/)
Coordenação Editorial: Ana Lúcia de Jesus Santos
Coordenadora do projeto: Maria Afonsina Ferreira Matos
Co-coordenador do projeto: Ana Lúcia de Jesus Santos
Projeto de capa: Ana Lúcia de Jesus Santos
Supervisão de Arte e Diagramação: Ana Lúcia de Jesus Santos
Apoio Técnico: Profª Drª. Maria Luzia Braga Landim
FICHA CATALOGRÁFICA
M382 Matos, Maria Afonsina Ferreira.
Caderno de resenhas: no Sítio de Lobato./ Maria Afonsina Ferreira Matos, Ana Lúcia de Jesus
Santos.- Jequié: CEL/ UESB, ano1 n.1 v.1 (jul/ago/2015).
51p.
1.Literatura – Monteiro Lobato 3.Leitura I.Santos, Ana Lúcia de Jesus II.Título
CDD – 869
Jandira de Souza Leal Rangel - CRB 5/1056. Bibliotecária – UESB – Jequié
Correspondências para:
CEL/UESB – a/c Ana Lúcia de Jesus Santos ou Maria Afonsina F. Matos
Av. José Moreira Sobrinho, S/Nº (Sala Anexa à Biblioteca Jorge Amado) –
Bairro Jequiezinho
Jequié/BA - Brasil – CEP 45 206-510
Obs.: * As resenhas publicadas neste caderno são de inteira responsabilidade dos seus autores
*Conselho Editorial Consultivo: Profª Ms. Zilda de Oliveira Freitas/UESB; Profª Drª
Maria Antônia Ramos Coutinho/UNEB; Profª Drª Lícia Maria Freire Beltrão/UFBA
5 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
Os dez anos de história do GPEL – Grupo de
Pesquisa e Extensão em Lobato tem a cor das
mãos voluntárias que se entrelaçaram em nome de
um sonho e uma provocação: abrir espaços de
leitura da obra lobatiana e de produção de
conhecimento responsável e responsivo sobre sua
obra e biografia.
Aos inúmeros voluntários que aceitaram essa
parceria de desejo, aqui representados por:
*Luana Lopes – fundadora do Grupo;
*Davi Carvalho Porto e Profa. Dra. Elane
Nardotto Rios Cabral – que mais tempo de
vonluntariado dedicaram ao grupo,
dedicamos reconhecimento por meio desta
publicação.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...................................................................................................................................................7
1. RESENHAS DE OBRAS SOBRE A BIOGRAFIA DE MONTEIRO LOBATO 1.1. MONTEIRO LOBATO: UM BRASILEIRO SOB MEDIDA..........................................................................8
1.2. FURACÃO NA BOTOCÚNDIA...................................................................................................................11
2. RESENHAS DAS OBRAS ADULTAS DE MONTEIRO LOBATO:
2.1. CIDADES MORTAS.....................................................................................................................................13
2.2. O PRESIDENTE NEGRO..............................................................................................................................15
2.3. O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO E FERRO...............................................................................................16
3. RESENHAS DAS OBRAS INFANTIS E JUVENIS DE MONTEIRO LOBATO:
3.1. O SACI...........................................................................................................................................................19
3.2. O SACI...........................................................................................................................................................20
3.3. O SACI...........................................................................................................................................................21
3.4. FÁBULAS......................................................................................................................................................22
3.5. REINAÇÕES DE NARIZINHO....................................................................................................................24
3.6. CAÇADAS DE PEDRINHO..........................................................................................................................27
3.7. HISTÓRIAS DO MUNDO PARA AS CRIANÇAS.....................................................................................28
3.8. EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA..........................................................................................................29
3.9. EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA..........................................................................................................30
3.10. ARITMÉTICA DA EMÍLIA..........................................................................................................................32
3.11. MEMÓRIAS DA EMÍLIA.............................................................................................................................33
3.12. DOM QUIXOTE DAS CRIANÇAS..............................................................................................................35
3.13. O POÇO DO VISCONDE..............................................................................................................................37
3.14. HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA................................................................................................................38
3.15. A CHAVE DO TAMANHO...........................................................................................................................40
3.16. OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES...................................................................................................41
3.17. DOZE MOTIVOS PARA LER “OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES”............................................43
4. RESENHA DE ADAPTAÇÕES DA OBRA LOBATIANA
4.1. AS MELHORES HISTÓRIAS EM QUADRINHO DO SÍTIO DO PICAPAU AMARELO......................46
REFERÊNCIAS......................................................................................................................................................50
AGRADECIMENTOS...........................................................................................................................................51
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APRESENTAÇÃO
“Numa casinha branca, lá no sítio do Pica-pau Amarelo,
mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se dona
Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de
cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do
nariz, segue seu caminho pensando:
— Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto...
Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós...”
Monteiro Lobato, em: Reinações de Narizinho
Foi assim que Lobato começou a saga do Picapau Amarelo, partindo da realidade ordinária de uma
modesta casinha branca para se lançar cada vez mais nas ondas da imaginação...
Com o GPEL – Grupo de Pesquisa e Extensão em Lobato - também foi dessa maneira... Numa
salinha branca, de fundo de biblioteca, uma aluna, uma professora e uma estagiária são vistas pelos
passantes que não dão nada por elas... Enganam-se, elas também mobilizaram o sonho, formaram
parcerias de desejo com mais alunos, professores estagiários, bolsistas, prestadores de serviço e
voluntários, mergulhando numa produção de conhecimentos intensa e instigante... Isso faz dez
anos... Dez anos de estudos... Dez anos de Pesquisa... Dez anos de Extensão... Dez anos de
publicações...
Esse Caderno de Resenhas é apenas uma amostra do trabalho feito ao longo desse tempo... Ele
revela, em pequena escala, a quantidade de pessoas mobilizadas em saber e produzir saber sobre
Lobato e sua obras, a quantidade de estudos, conhecimento produzido em sessões de estudo em
grupo, e, sobretudo, ele mostra que houve estudo de fato para gerar opiniões e declarações
responsáveis sobre o autor e sua produção intelectual. Em outras palavras, ele atesta que não só a
quantidade que aqui importa, mas que a qualidade da assertiva, a profundidade da reflexão, o juízo
crítico com conhecimento de causa estão sendo procurados e realizados nessa trajetória acadêmica
Essas lições lobatianas, de busca por conhecimento responsável e responsiva, de exercício da ação
criativa e do pensamento crítico sabe-se de cor no GPEL... Lá, cada um escolhe do que quer falar e
como falar. Uns se propõem falar do Saci, outros de Hércules... Uns discutem as memórias da
Emília, outros vão ao Escândalo do Petróleo e ao Poço do Visconde (tema tão pertinente para o
momento histórico do país)... Uns se voltam para as cidades mortas, outros preferem a história da
Humanidade e assim por diante...
E, desse jeito quase picapau, vai seguindo o grupo unido pela vontade de entender e partilhar
conhecimento – fruto de reflexão - dentro e fora da Universidade... Uns e outros podem se deter
sobre diferentes textos, mas todos estão irmanados na ideia de investigação e de emissão de juízo a
partir da observação atenta e cuidadosa sobre as letras lobatianas...
Pelas páginas que se seguem, os leitores desse Caderno poderão conferir e sentir um pouco do que
foi realizado até então... Um trabalho de modestos sonhadores e de leitores apaixonados da obra
lobatiana....
Boa leitura! Maria Afonsina Ferreira Matos Orientadora do GPEL/CEL/UESB
Inverno/2015
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1 - RESENHAS DE OBRAS SOBRE A BIOGRAFIA DE
MONTEIRO LOBATO
MONTEIRO LOBATO: UM BRASILEIRO SOB MEDIDA (2000)
Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*
Profª.Esp.Gizelen Santana Pinheiro**
“A literatura atravessa diferentes saberes humanos, sociais e mesmo científicos, antecipando em narrativas,
realizações e experiências que só o imaginário o concebe para então materializá-las”. (Eliana Yunes)
LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo: Moderna, 2000.
Em Um brasileiro sob medida, Lajolo, é apresentada a biografia de Monteiro Lobato a partir de uma
cuidadosa pesquisa. Inicia-se com o nascimento do escritor, relatos da infância, da vida escolar até o
ingresso na faculdade de Direito; fala do casamento, da constituição da família; conta sua trajetória
como fazendeiro, editor, empresário, escritor de livros literários para adultos e crianças; encerrando-
se com dados sobre sua morte.
Conta a biografia que Monteiro Lobato nasce em 18 de abril de 1882 em Taubaté - filho primogênito
de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato. Neto pelo lado materno do
visconde de Tremembé, de quem herdará mais tarde a Fazenda Buquira, o menino é batizado como
José Renato, mudando mais tarde para o nome José Bento no desejo de usar uma bengala do pai. Sua
infância é marcada pela vivência na roça e temporadas longas na casa que os pais mantinham na
cidade, além das visitas demoradas à casa do avô Visconde.
Lajolo informa que as primeiras lições de Lobato são ministradas em casa por sua mãe, cita os
primeiros colégios frequentados por ele, até o ‘Colégio São João Evangelista’, onde conhece o
diretor Antônio Quirino de Souza Castro, em cuja casa, mais tarde se aproxima de sua futura esposa.
No final do século XIX, vai estudar no Instituto Ciências e Letras as matérias necessárias ao ingresso
no curso de Direito, porém é reprovado em Português e retorna a Taubaté para o Colégio Paulista.
Lá, estreia como escritor, colaborando com ‘o Guarany’ - jornalzinho estudantil. Segundo a biógrafa,
em 1895, Lobato retorna a São Paulo para novos exames, agora bem sucedidos, sendo aprovado no
Instituto Ciências e Letras, onde permanecerá por três anos... Entre 1898 e 1899, após a morte dos
pais, e tendo a sua guarda assumida pelo avô, é obrigado a abandonar a sua vocação para as Belas-
Artes e a matricular-se na Faculdade de Direito, demonstrando desde o início desinteresse. Sua
atenção é voltada para a colaboração no jornal ‘Onze de Agosto’ e para a ‘Arcádia Acadêmica’.
Formado, o doutor Monteiro Lobato retorna a Taubaté. Pretende casar-se. Em 1907, é nomeado
Promotor de Areias, cidadezinha no Vale do Paraíba. Areias se transforma, pois, em modelo para
todas as ‘cidades mortas’, cuja imagem percorre a sua obra, dando nome ao livro de contos que
publica em 1919. Para ir preenchendo o tempo ocioso de promotor público, escreve muitos contos
que são publicados em revistas e mais tarde reunidos em Urupês, livro de 1918. Em 1908, casa-se
com Maria Pureza. Após a morte do avô, o visconde de Tremembé, torna-se fazendeiro. Nasce em
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1909 sua primogênita Marta, sucedendo-se o nascimento de seu filho Edgar no ano seguinte. No
final de 1914, em carta direcionada à seção ‘Queixas e reclamações’ de ‘O Estado de São Paulo’,
“explode contra antigo, ecológico e economicamente desastroso hábito caipira de tocar fogo no
mato” (p. 25). Esse tema é abordado em ‘Velha praga’, seguido de outro artigo: ‘Urupês’.
Lobato vende a fazenda em 1917 e no ano de 1918 compra a ‘Revista do Brasil’. A compra da
revista é o ‘princípio’ para transformação do escritor em escritor-editor, introduzindo a marca
editorial Monteiro Lobato com seu livro ‘Urupês’. Ao chegar à capital paulista, organiza para o ‘O
Estado de São Paulo’ uma pesquisa sobre o saci-pererê, que resulta em livro. ‘Urupês’ é um sucesso,
vendendo milhares de volumes. Ele passa por vários postos na sua carreira: aprendiz de escritor e
colaborador de jornais estudantis; depois, escritor de verdade, colaborador de jornais e revistas de
prestígio; em seguida, escritor-editor e, por fim, editor de obras alheias. Segundo Lajolo (p. 33) – “A
travessia de um polo a outro não se fez sem impasse e hesitações, remorsos”, vez que, “o lastro
pragmático do editor quase não deixa espaço para a utopia do escritor”.
O fim da vida interiorana de lobato, com a venda da fazenda Buquira, não encerra sua relação com o
mundo rural: ao longo da carreira, e mesmo após sua morte, “a imagem do Jeca continua a espreitar
seu criador em reaparições”. Assim “o Jeca volta e meia ressurge no cenário nacional – ainda que à
revelia do seu escritor” (p.53). Nesse sentido, o próprio Lobato retoma a sua criatura, revendo-a, para
compreendê-la em outro contexto: “o da saúde pública brasileira, corroída pelas endemias”. Ele
mesmo resume: “O Jeca não é assim, está assim” (p. 54). No livro ‘O problema vital’ isso se
confirma: Monteiro aponta as causas da miséria do Jeca. Por fim o ‘Jeca Tatuzinho’, que coroa e
encerra sua participação na campanha sanitarista.
A editora da Revista do Brasil se transforma na ‘Monteiro Lobato & Cia’ e, mais tarde, na
“Companhia Gráfico-Editora”. Monteiro Lobato fale e, a partir de seus escombros, nasce em 1925 a
“Companhia Editorial Nacional”. Em São Paulo, é impressa a primeira obra da nova editora: ‘Hans
Staden: meu cativeiro entre os selvagens do Brasil’, texto ordenado literariamente pelo próprio
Lobato. Entre a inauguração e a falência da editora que leva seu nome, o escritor concebe a mais
famosa de suas criações: ‘O Sítio do Picapau Amarelo’, que começa a circular em 1921 com ‘A
menina do narizinho arrebitado’. Lajolo reforça que a partir daí o autor “transfere para o gênero
infantil o sucesso adquirido com os livros não infantis” (p. 59). Desse modo, é com o Sítio que
inaugura a literatura infantil brasileira - onde as qualidades de sua obra e seus índices de
modernidade são mais visíveis.
Monteiro Lobato vive sua experiência norte-americana. O escritor fica impressionado com a
industrialização dos EUA, pela modernidade das máquinas e da tecnologia. Aposta nesse novo estilo
de vida. Investe na Bolsa de Valores de Nova Iorque e perde tudo na crise mundial em 1929. Ele fica
pobre mais uma vez e regressa ao Brasil. As dificuldades obrigam-no a vender as ações de sua
Companhia Editora Nacional, deixando de ser editor, já que “sua participação na editora volta a
ocupar o outro lado da mesa do capital” (p. 74). Já com 50 anos de idade, tendo que garantir a
sobrevivência, passa horas e horas na máquina de escrever: “está mergulhado no rearranjo de seus
textos, na produção de novas historias do Sítio, na tradução de obras alheias” (p. 75). Em 1936,
publica ‘O escândalo do petróleo’, obra que relata os percalços de seu projeto petrolífero – o livro é
um sucesso, mas atrai a ira da censura. O tempo passa e o relacionamento de Lobato com o poder se
complica. Em 1940, ao recusar assumir a direção do Ministério de Propaganda, para o qual fora
convidado por Getúlio Vargas, acaba preso. Poucos meses depois, liberto, já não é o mesmo; está
desencantado com o governo e amargurado: “seus dois filhos morrem muito jovens, o cunhado
suicida-se, sua situação financeira é precária. Sobrevive de direitos autorais e das traduções que lhe
consomem tempo e energia” (p. 78).
O escritor chega aos 60 anos, cheio de problemas, mas consegue ressurgir. Em 1946, muda-se para a
Argentina, onde coloca suas esperanças. Lá, suas obras são traduzidas e ele funda com amigos uma
nova editora ‘Acteon’. Porém, sente-se exilado e resolve voltar ao Brasil. Na bagagem, traz uma
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lição importante – “parece compreender mais amplamente a natureza do capitalismo” (p. 79). No
bojo desse realinhamento ideológico, a imagem do caipira reaparece pela terceira e última vez –
“agora na perspectiva que supera integralmente a ótica patronal e paternalista que orientava ‘Urupês’
e ‘Jeca Tatuzinho’” (p. 81). Nasce ‘Zé Brasil’, um pequeno livro autocrítico. O escritor, mais
maduro, vê o Jeca do ponto de vista econômico (o problema agrário brasileiro). Nos anos 20, em
meio a campanhas sanitaristas, não conseguia entender que a suposta preguiça do Jeca advinha da
infraestrutura brasileira. ‘Zé Brasil é seu último texto. Ele morrerá um ano após sua publicação, no
auge da fama.
A biografia traçada por Lajolo é rica de dados sobre a vida de Lobato: retrata bem a trajetória desse
escritor atemporal. Dá conta da sua história de vida: alguém que escreve obras genuinamente
brasileiras, que, se lançando no mercado editorial, vende inúmeras edições de obras, numa época de
Brasil rural, onde a leitura limitava-se a textos de traduções. Lajolo consegue mostrar, em palavras,
imagens e documentos, como ele: cria um esquema de distribuição de livros num tempo em que a
rede de livrarias era muito precária; denuncia, em seus primeiros artigos, os problemas recorrentes
no Brasil, envolve-se com questões econômicas, preocupa-se com o desenvolvimento do país;
escreve e publica textos infantis para as crianças de sua época –“público específico, que precisa de
uma literatura diferente da destinada aos adultos” (p. 60), tornando-se o iniciador da literatura para as
crianças brasileiras; morre deixando um marco na história, transformando-se num dos mais
renomados e influentes escritores...
*Maria Afonsina Ferreira Matos – Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),
Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela
FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.
Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,
especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com
Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9847283486611328
**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de
Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos
Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de
Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e
pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da
Leitura/CEL/UESB.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087
***
11 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
FURACÃO NA BOTOCÚNDIA(2001)
Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos/ UESB*
Profª.Esp. Gizelen Santana Pinheiro- UESB**
“Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de
outra maneira - mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum”. (Monteiro
Lobato, In: Miscelânea)
AZEVEDO, Carmen Lúcia de; CARMAGOS, Márcia & SACCHETTA, Vladimir. Monteiro
Lobato: Furacão na Botocúndia. 3º Ed. São Paulo: Editora SENAC, 2001.
A obra Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia é uma ampla biografia de caráter documental que
apresenta um panorama sobre a vida e obra de um intelectual brasileiro de referência na primeira
metade do século XX. Nesse sentido, a obra traz informações detalhadas do precursor da nossa
literatura infantil e juvenil e da indústria editorial do país.
O livro se inicia com dados referentes à infância de Lobato, retratando a vida interiorana do autor, a
sua paixão pelos livros, pela leitura, que estenderia ao longo de toda sua vida - “Foi crescendo
diferente dos outros garotos, a cara enfiada nos livros e os olhos brilhantes a enxergar para muito
além da janela do quarto. Seu espaço preferido era a biblioteca do Visconde (...)” (p. 27). Nessa
sessão da biografia infantil, o contexto em que o escritor viveu é apresentado, apontando para o que
posteriormente se fará presente no cenário de muitas de suas obras infantis.
Na sequência, o texto apresenta um Lobato com quase 18 anos, saindo do universo interiorano rumo
a cidade de São Paulo para cursar Direito. Embora tivesse como sonho cursar Belas Artes, por
imposição de seu avô, entra para Academia de Direito. Ao término da vida acadêmica, em 1904,
Lobato retorna ao Vale do Paraíba, dedicando-se à leitura, (re)escritura de textos e colaboração com
a imprensa.
Nessa direção, o livro segue, descrevendo a vida do Lobato fazendeiro - função que assumiu logo
após a morte de seu avô, o Visconde de Tremembé. Nesse período, surge uma de suas mais
emblemáticas personagens, o Jeca Tatu – ““Uma velha praga” foi a faísca que faria alastrar o fogo
da revolta lobateana. Pouco mais de um mês depois ele pública outro artigo, “Urupês”, de 23 de
dezembro, fixando o personagem-símbolo não só da sua obra, mas de toda uma fase da literatura
brasileira: Jeca Tatu” (pág.58). Segundo depõe essa biografia, por meio de um estilo simples e
direto, seus textos vão conquistando um público cada vez maior, enquadrando-o na categoria de
“escritor consumado e empolgante”, por imprimir sua marca nos meios em que atuava.
No que se refere à literatura, o testemunho dos biógrafos diz que o autor inaugura um estilo próprio,
que se entrelaça com o do jornalista. Na imprensa, Lobato cedo adotou a estratégia de levantar
polêmicas, estimulando os leitores a participar delas de maneira ativa, fosse respondendo a
questionários, como no caso do inquérito sobre o saci, ou enviando textos ou qualquer tipo de
contribuição que abordasse problemas concretos da realidade brasileira.
Se o escritor confunde-se com o jornalista - o homem de imprensa virava publicista, e ambos
lançavam mão de meios de comunicação na época – o livro, o jornal e a revista – para tentar
despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo. À medida que seus
artigos em torno de problemas nacionais iam levantando debates, crescia a sua preocupação em
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desvendar a realidade de um Brasil desconhecido a que a intelectualidade da época teimava em dar
as costas. A biografia conta ainda que o autor, Monteiro Lobato, envereda pelo caminho já trilhado
por quase todas as editoras, passando a investir no gênero didático. Assim, lança um livro de leitura
que, submetido à aprovação do governo de São Paulo, é aceito e adotado para uso no segundo ano
das escolas públicas. Então, sob o título Narizinho arrebitado, e recebendo elogios da crítica e do
professorado, em 1921, é lançado uma edição de cinquenta mil exemplares.
Nesses livros, conforme contam os biógrafos, Lobato reaviva suas lembranças dos tempos de
menino, repletas de cenas da roça onde passara a infância. E, assim inspirado, lança a primeira
versão de A menina do narizinho arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia,
e a inseparável boneca de pano, Emília, além da tia Anastácia.
Em suma, Furacão na Botocúndia, como as demais biografias do escritor, vem trazer informações
históricas sobre um cidadão, um empresário, um intelectual comprometido com o seu tempo e, além
disso, vem reafirmar que “Intuitiva e pioneiramente, Monteiro Lobato já explorava o imaginário,
percorria os arquétipos e viajava pelos meandros do inconsciente coletivo de uma maneira crítica e
criativa” e que, com toda a sua inventividade, por intermédio de suas reinações narrativas, ele tinha
como ideal ensinar a meninada a questionar a veracidade das convenções impostas pelos adultos.
Pelo exposto, é possível afirmar que, a partir dessa biografia, fica difícil não reconhecer o lugar de
importância do intelectual combativo e sonhador que foi Lobato e do papel inaugural da sua
Literatura Infantojuvenil.
*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),
Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela
FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.
Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,
especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com
Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328
**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de
Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos
Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de
Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e
pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da Leitura.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087
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2- RESENHAS DAS OBRAS ADULTAS DE MONTEIRO
LOBATO
CIDADES MORTAS(1919)
Suzane Reis Bonfim*
“Lobato nunca fez literatura por literatura. Poucos escritores botaram tanta intenção, tanto sofrimento, tanta
preocupação, tão sério amor, nos seus livros e nos seus artigos, como o fez ele, em sua literatura combativa e
tantas vezes combativa.” - Orígenes Lessa
LOBATO, Monteiro. Cidades Mortas. 2ºed. São Paulo: Globo, 2009.
O livro Cidades Mortas de Monteiro Lobato, teve sua primeira publicação em 1919, na Revista do
Brasil, este foi seu segundo livro e levava o subtítulo Contos e Impressões. Sua composição foi
realizada de trabalhos bastante antigos, alguns do tempo de estudante. Em edições atualizadas, novos
textos foram acrescentados à obra. O título do livro é tomado de um texto de 1906. Cidades Mortas
está entre os primeiros livros publicados e divulgados pelo país.
Este livro reúne 25 contos, a saber: Cidades mortas, A vida em Oblivion, Os perturbadores do
silêncio, Vidinha ociosa, Cavalinhos, Noite de São João, O pito do reverendo, Pedro pichorra,
Cabelos compridos, O Resto de onça, Por que Lopes se casou, Júri na roça, Gens ennyyeux, O fígado
indiscreto, O plágio, O romance do chopin, O luzeiro agrícola, A cruz de ouro, De como quebrei a
cabeça à mulher do Melo, O espião alemão, Café! Café! Toque outra, Um homem de consciência,
Anta que berra, O avô de Crispim, Era no paraíso, Um homem honesto, O rapto, A nuvem de
gafanhotos, Tragédia de um capão de pintos, dentre os quais alguns são focalizados nesta resenha.
Neles, o autor de maneira bem humorada revela costumes dos povoados do interior do Brasil.
Monteiro Lobato faz menção ao coronelismo, as missas rezadas em latim e do chamado ouro verde -
do apogeu a decadência dos cafezais.
Desta forma, foi possível constatar que seus personagens são tipicamente brasileiros, envolvidos em
situações cotidianas, engraçadas e apresentados com objetividade e clareza. Tratando de assuntos
relacionados ao comportamento da sociedade, Lobato critica as futilidades encontradas nas reuniões
das casas de família. Em um tom irônico e ferrenhamente crítico, Lobato especifica o espaço em que
se desenvolvem os contos, sendo ele: o norte paulista do vale do Paraíba. Em um cenário de
decadência com ruas desertas, casarões em ruína e armazéns vazios, o autor introduz o leitor a um
ângulo diferenciado. Os personagens são igualmente decadentes.
Cidades Mortas é o primeiro conto do livro. Nele se ambienta as cidades do interior de São Paulo,
mais especificamente do Vale do Paraíba, após a decadência do café. Lobato revela a vida sem
horizontes, o êxodo rural, a conexão com o mundo apenas por carta, a dificuldade das jovens em
conseguir um marido, já que os homens solteiros foram para outras cidades trabalhar, ficando
somente os poucos que tinham um emprego garantido. Já o segundo, nomeado A Vida em Oblivion,
faz referência à cidade onde morou, uma cidade que já foi muito rica, mas que na atualidade não se
tem nada para fazer e os poucos livros existentes são motivo de orgulho para a população. A cidade
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é dividida em uma aristocracia mental por receberem jornais e aqueles que não o recebem. Neste
local, veneram-se três livros, são eles: La mare d’Auteuil de Paulo de Rock, para quem soubesse
Francês, uns volumes do Rocombole para as meninas e A Ilha Maldita de Bernardo Guimarães para
os nacionalistas. O autor critica os livros assim como seus leitores, ressaltando de forma irônica a
alienação dos moradores.
No conto Os Perturbadores do Silêncio, faz menção ao silêncio de Oblivion, considerado constate.
Porém, esta “paz” somente é quebrada por alguns perturbadores, sendo eles: o sino da igreja, a
limpeza das ruas com suas enxadas, os sons dos sapos, as brincadeiras das crianças, o horário de
saída dos alunos da escola e o carrinho da câmera com seu ranger de ferros.
Em Vidinha Ociossa, o escrito Apólogo, ironiza a preguiça de pensar fazendo referência aos
agrícolas. Em A mesmice, cita a história de um coronel que se suicidou por estar cansado de abotoar
e desabotoar a farda, assim rebate a argumentação do porquê de a cidade se manter a pesar da
decadência. Tendo como distração a botica, as fofocas, os mexericos e o jogo. Em A folhinha, faz
referência aos dias da semana na cidade em que, somente se distingue da mesmice, o domingo,
quando as praças se movimentam e os bares vendem mais cachaça. Nas Touradas, fala-se de um
velódromo transformado em circo de touros que se apresenta para a população. São empresários do
empreendimento: o Antônio Corajoso, assessor do inteligente, e os dois açougueiros vestidos de
toureiros.
O conto, A enxada e o parafuso, retrata um teatrinho que sempre usou uma campainha peculiar -
uma enxada pendurada no arame com parafuso. Veio o mambembe e o substituiu por três pancadas
no assoalho, justificando sua atitude por ser moda em Paris, mas o povo não aceitou. Em Rabulices,
critica a reunião de ‘advogados e rábulas’ que passam uma sessão do júri (trabalho) em “comichão
de mexeriqueira”, servindo de reflexão filosófica para o autor.
São características marcantes na literatura lobatiana e que estão presentes no livro, Cidades Mortas, a
crítica fina a respeito da sociedade e o tom bem humorado. A pesar do livro ser composto por contos
isolados, estes algumas vezes se interligam com a utilização de personagens que já apareceram em
outros contos. O autor traça um panorama completo da decadência de uma cidade e
consequentemente de seu povo com um tom intensamente irônico. São histórias que nos transportam
para a realidade das cidades atingidas pela decadência do café.
*Suzane Reis Bonfim - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia (2013), foi
Bolsista de Iniciação à Docência do Programa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID, entre os anos de
2010 a 2012 no subprojeto intitulado: Multiculturalismo Étnico Racial e Igualdade Educacional: Sentidos e
Propostas, Pós-graduação em Literatura e Linguagens: o texto infanto-juvenil (2015). Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2345168549111657
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15 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
O PRESIDENTE NEGRO (1926)
Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*
Profª.Esp. Gizelen Santana Pinheiro**
“Após sucessivas leituras de trechos do romance O Presidente Negro acabei recompondo a minha admiração
por Lobato que, na realidade, com este livro, faz um dramático e realista libelo contra o racismo, os
preconceitos e a violência, que poucos anos depois causariam o holocausto de vários povos e os terríveis
massacres de populações civis em geral.” - Teócrito Abritta
LOBATO, Monteiro. 1882-1948. O presidente negro/ Monteiro Lobato. – São Paulo: Globo, 2008.
Único romance (adulto) e de ficção científica escrito por Lobato, em 1926. Uma narrativa em dois
tempos distintos: o presente e o futuro (ano 2228). O personagem Ayrton Lobo, funcionário da
empresa Sa, Pato & Cia, depois de sofrer um acidente automobilístico perto de Nova Friburgo,
encontra-se na Casa do Professor Benson, homem tido como misterioso nas redondezas.
O Professor Benson adota Ayrton como seu confidente, revelando-lhe todos os seus segredos: o
“porviroscópio” – máquina que permite ver o futuro; as visões que lhe permitiram obter lucros no
mercado de bolsas, etc. e apresentando-lhe Miss Jane – a sua bela filha, por quem Ayrton se
apaixona platonicamente. Com a morte do cientista, Ayrton passa a frequentar sua casa aos
domingos, ocasião em que Jane o coloca a par dos acontecimentos políticos dos E.U.A., em 2228,
incentivando o protagonista a escrever um romance sobre o tema. Miss Jane conta a Ayrton o que
viu pelo “porviroscópio” antes deste ser destruído por seu pai – o Professor Benson. Seu relato
informa sobre a futura disputa presidencial entre o partido masculino (representado por Kerlog) e o
partido feminino (representado pela feminista Evelyn Astor).
Divididos, os eleitores brancos acabam dando a vitória a um terceiro candidato – Jim Roy,
representante dos negros. Entretanto, a alegria dos negros sofre um golpe mortal. Insatisfeitos com a
derrota os partidos brancos se unem e adotam a solução proposta pelo inventor John Dudley:
presentear os negros com o alisamento dos cabelos por meio de raios ômega. Todos os negros
aderem à moda. No final, a grande e terrível revelação: os raios ômega, além de alisarem os cabelos
crespos, provocam a esterilização de toda a raça negra. Trata-se, pois, de uma obra em que a ironia
lobatiana vai ao extremo e seu particular discurso dialético (com teses explícitas e antíteses
implícitas) se realiza plenamente, driblando a atenção de muitos leitores desavisados. Nesse sentido,
ao declarar a derrota negra, o que a obra faz realmente é desnudar a crueldade fria dos
brancos/americanos quando o poder ( especialmente o da Casa Branca)é posto em questão
*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),
Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela
FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.
Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,
especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-
autoria com Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328
**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de
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Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos
Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de
Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e
pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da
Leitura/CEL/UESB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087
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O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO (1936) E FERRO (1931)
Elizeu Silva Souza*
“O solo, a superfície, apenas permite a subsistência. O enriquecimento vem de baixo. Vem do subsolo". Lobato- O Escândalo do Petróleo e Ferro.
MONTEIRO LOBATO, José Bento. O escândalo do Petróleo e Ferro. 12 ed. São Paulo: Brasiliense
1972. 142 p.
Quando se fala em Monteiro Lobato, logo vem à nossa mente as fantásticas histórias do famoso Sítio
do Pica-pau Amarelo, as traquinagens da bonequinha sapeca: Emília e suas tantas histórias infantis.
É certo que essas são suas obras que mais caíram no gosto popular, mas Lobato ultrapassou as
fronteiras das obras ficcionais infantis e da literatura. Ao lado sua vida de escritor, passou a investir
na extração de petróleo, quando não se acreditava que no território brasileiro pudesse haver. Lobato,
ao contrário, enxergava o Brasil como uma rica fonte desse minério. Em nome desse sonho, chegou a
enfrentar a política ditatorial de Getúlio Vargas. Por isso, foi preso e passou três meses em cárcere
fechado. Lobato acreditava na existência do petróleo e do ferro no território brasileiro e defendia que
sua extração seria suficiente para tornar o Brasil um país independente economicamente. Porém, os
governantes estavam amordaçados por uma espécie de cabresto posto pelo mercado norte-americano
quetinha interesse nessa matéria-prima.
Para provar que suas suspeitas eram verdadeiras, Lobato abre uma empresa no ramo de prospecção e
extração de petróleo aqui no Brasil, usando tecnologias avançadas as mesmas que os americanos
usavam na época. Vendo que ele estava certo quanto à existência do mesmo nas terras brasileiras, o
governo, por não admitir a própria inércia diante do óbvio, passa a intervir e sabotar frequentemente
a empresa de Lobato. Diante de tais atitudes retaliatórias, ele logo conclui o que suspeitava, o
mercado estrangeiro estava realmente manipulando os governantes corruptos brasileiros para por as
mãos em nossa fonte de riqueza.
Em 1936 Lobato cansado de tanta omissão, de tanta podridão no governo brasileiro, lança o livro
intitulado: O Escândalo do Petróleo e Ferro. Logo de inicio, o autor chama atenção das forças
armadas para atentarem quanto as suas responsabilidades na questão da soberania nacional: "Se não
ter petróleo é inanir-se economicamente, militarmente é suicidar-se” (LOBATO, 1936 folha de rosto
1ª edição) Na sequência, apresenta uma série de protestos contra a burocracia federal existente aqui
no Brasil- que não extraía e nem permitia que se extraísse a matéria-prima, contra a ação das
companhias estrangeiras e a submissão da elite brasileira aos interesses internacionais. Lobato usa
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vários argumentos para defender a existência e a importância do petróleo para o desenvolvimento
econômico e social do país, apontando para o grande atraso em que se encontrava o Brasil em
relação aos outros países por não aderir às pesquisas e não explorar a matéria-prima de suas ricas
terras.
O livro teve uma estrondosa repercussão e não agradou a todos, pois tratava de assunto delicado e
provocativo para interesses de diferentes ordens e esferas. Nele, Lobato traz uma série de textos
incluindo artigos, cartas, depoimentos que traduziam sua visão sobre assunto e as barreiras impostas
pelos políticos brasileiros. Fala sobre as empresas internacionais que exportavam petróleo e como
elas convenceram as autoridades e os brasileiros de que não existia petróleo com a intenção do país
continuar importando enquanto as mesmas iriam se apoderando de forma branda e sigilosa das
reservas petrolíferas brasileiras “— Nada mais fácil do que botar um tapa-olho nessa gente. Com um
bom tapa-olho, eles, que vegetam de cocaras sobre um bom oceano de petróleo, ficarão a vida
inteiraa comprar o petróleo nosso; enquanto isso, iremos adquirindo de mansinho suas terras
potencialmente petrolíferas[...]” (LOBATO, 1936 P. 25 § 3. 1ª edição)
O Escândalo do Petróleo e Ferro relata o enfrentamento de Lobato diante ao escárnio, à forma podre
como o Brasil era regido e à submissão em relação ao mercado norte-americano. Expõe a
passividade, a inércia, o descaso a falta de compromisso, a falta de respeito por parte dos
governantes corruptos para com a pátria. Através de palavras irônicas, contundentes, Lobato não se
conteve diante da repressão governamental: lutou por um país independente livre dos cabrestos
postos pelo capital estrangeiro. Ele sonhava em ver o Brasil longe da miséria, da ditadura infernal
que não permitia brasileiro nem pensar como cidadão. Com sua ética de responsabilidade, ele
projetava um desenvolvimento econômico em que a fome cessasse e o Brasil se tornasse um país
melhor para todos. Com esses pensamentos, Lobato atraiu olhares negativos para si. O livro O
Escândalo do Petróleo e Ferro – que os traduziam - apesar de ter atingido uma tiragem imensa de
exemplares, devido seu conteúdo de denuncia, trouxe para o autor forte dores de cabeça. Esse livro
foi o responsável pelo período mais árduo da vida de Lobato, impondo-lhe uma série de entraves e
dificuldades: além de ser perseguido com apreensão de tiragens inteiras, ele também foi preso pelo
fato de querer ver seu país livre do monopólio americano e por estar expondo a verdade para a
sociedade.
“O Escândalo do Petróleo e Ferro”, “O Poço do Visconde” mostram a face mais nítida de Monteiro
Lobato - o autor exercendo sua cidadania na escrita e usando a literatura para protestar contras os
absurdos pelos quais o país tinha que passar por conta da incompetência e desleixo dos governantes.
Essas obras revelam um brasileiro sonhador e visionário que buscava a elevação, a independência
mercatorial do Brasil.
Tudo isso permite afirmar que as leituras das obras lobatianas causam efeito considerável em seus
leitores, sendo possível notar que, até os dias atuais, elas ainda aguçam o sentido crítico nos que as
leem, chamando cada um para a responsabilidade diante da própria vida e do país. Sejam elas obras
de caráter real ou simplesmente uma bela ficção, com Emília, Visconde de Sabugosa, D. Benta,
Pedrinho, Narizinho etc. Todas convidam a lutar pelo que realmente é nosso e a não desistir dos
sonhos, mesmo que muitos não acreditem ou que tentem intercepta-los. Esses e outros livros de
Lobato ensinam que devemos sempre lutar pelo que acreditamos por mais fundo que seja o poço de
nossos sonhos. ..
*Elizeu Silva Souza - Graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 5º
semestre. Monitor das disciplinas Teoria da Literatura V e Literatura Brasileira VI. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9701669898190207
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3 - RESENHAS DAS OBRAS INFANTIS E JUVENIS DE
MONTEIRO LOBATO
O SACI (1921)
Jéssica Hellen da Silva Santos*
Jussara da Silva Santos **
“O Estadinho inaugura hoje uma série de estudos em que todos são chamados a colaborar. Abre um
inquérito(...) Sobre o futuro presidente da República? Não. Sobre o Saci.”- (O Estadinho)
LOBATO, Monteiro. O Saci. Editora: Brasiliense. Edição 57ª. São Paulo, 1996.
A referida história conta as aventuras do menino Pedrinho, que mora na cidade grande e vai passar as
férias na casa da sua avó, Dona Benta. Após capturar um Saci, Pedrinho vive grandes aventuras no
seio da mata. Através de uma linguagem bastante acessível á crianças e adolescentes, a história de
Lobato testemunha uma força do pensamento que ultrapassa o mundo real, levando-as a um mundo
de imaginação.
A obra divide-se em 28 partes. Na primeira parte, Pedrinho ainda se encontra na cidade grande; no
decorrer da história, ou seja, nas outras 27 partes, o autor narra as aventuras de Pedrinho com o Saci.
Uma característica marcante e ponto alto da história se configuram nos ensinamentos que o Saci, ao
longo da história, repassa a Pedrinho. Desse modo, o autor assume respeito aos saberes que se
constroem fora do mundo letrado, o Saci (ser da mata) assume, nesse livro, o lugar de detentor de um
conhecimento digno de atenção. Mesmo sem saber ler e escrever, ele consegue ter e passar
experiências de vida para o menino. Nesse sentido, em outra parte da história, Lobato, através da fala
do Saci, questiona o fato dos homens se acharem os maiores inventores do mundo. Segundo o Saci,
na verdade, os humanos só sabem imitar o que já está pronto, ou seja, algumas de suas invenções são
baseadas em práticas dos animais, como é o caso do avião.
Outros seres também são apresentados pelo autor. Algumas lendas são destacadas como forma de
estimular a criatividade e imaginação das pessoas, levando-as para um mundo de historias de seres
fantásticos. Essas histórias fantásticas tem também um papel de relevância na sociedade: na
formação dos seres humanos. Colaborando para que se cumpra esse papel, Lobato mostra cada
pedacinho da floresta, trazendo para o livro uma aventura de um menino no mundo imaginário que
bem poderia ser a história de muitos meninos da vida real. Quantas crianças, como Pedrinho, vivem
a procura uma vida de aventura, passam por situações semelhantes, sozinhas, tendo que matar um
leão a cada dia - obstáculos e mais obstáculos - sem medo de enfrenta-los? A diferença é apenas que,
ao invés de livres nas florestas, os “Pedrinhos” da vida real estão presos numa sociedade perversa.
Por fim, pode-se dizer que “O Saci” é uma obra encantadora para ser trabalhada nos espaços de
educação formal: faz circular muitos saberes no decorrer da historia e mostra que cada personagem
tem seu papel na natureza - dos animais reais aos seres mitológicos. Nesse livro, Lobato abre espaço
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para nossa cultura, faz reviver nossa imaginação, valoriza em sua obra seres do nosso folclore, que
ainda estão esquecidos e pouco valorizados.
*Jéssica Hellen da Silva Santos - Graduada em Letras, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no Subprojeto Interdisciplinar
com Linha de Ação em Educação de Jovens e Adultos, realizado pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia, campus de Jequié. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1086749741962259
**Jussara da Silva Santos- Graduada em Letras, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Bolsista
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no Subprojeto Interdisciplinar com Linha
de Ação em Educação de Jovens e Adultos, realizado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
campus de Jequié. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4702247899536053
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O SACI (1921)
Jeane de Oliveira Cruz *
“A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência
humana, como as mãos são um atributo do homem.” (José Ortega y Gasset.)
MONTEIRO, Lobato. O Saci. 56ª edição, São Paulo: Brasiliense, 2004.
Neste livro, Monteiro Lobato conta uma das aventuras vividas por Pedrinho, um dos principais
personagens de sua obra infantil, apresentando habilmente todas as figuras lendárias pertencentes ao
folclore brasileiro no intento de torná-las mais conhecidas e mantê-las bem vivas no imaginário das
crianças de sua e de outras épocas.
A aventura tem início quando Pedrinho, ao substituir o seu medo da floresta por fome de
conhecimento, consegue capturar um saci, utilizando uma peneira e uma garrafa, ambas as
ferramentas recomendadas por tio Barnabé.
Movido então pela curiosidade, Pedrinho embrenha-se na mata fechada, tendo como única
companhia o saci engarrafado. Este, ao notar que o menino está perdido no coração da mata, não
hesita em propor um acordo: sua liberdade em troca da segurança do garoto. Aceitando a proposta do
traquinas de uma perna só, Pedrinho pôde conhecer os misteriosos seres noturnos que tanto
despertaram a sua curiosidade e o medo em inúmeras pessoas.
Com o saci, que se mostra um verdadeiro companheiro, Pedrinho aprende um pouco da vida dos
sacis, das mulas sem cabeça, dos lobisomens, dos boitatás, do Negrinho do Pastorejo e da Cuca.
Com esta última criatura, o menino e o Saci travam uma verdadeira batalha para conseguir salvar a
menina Narizinho, que tinha sofrido um encantamento lançado pela bruxa. Ao mesmo tempo, ele é
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levado a apreciar a beleza encantadora e fatal da Iara. O final do livro é bastante poético, uma vez
que, ao libertar Narizinho do encanto da Cuca, o Saci deixa em cima do travesseiro da mocinha um
raminho de miosótis, flor que na língua inglesa é “forget-me-not” e que, em português, se traduz
por “não te esqueças de mim”.
Trata-se, pois, de uma obra em que Lobato explora a fundo o folclore nacional, ressaltando assim
parte da riqueza existente na cultura popular do Brasil - esta que é, muitas vezes, esquecida e até
depreciada pelos próprios brasileiros. Desta forma, ao ler o livro “O Saci”, os leitores brasileiros
estão se divertindo e concomitantemente aprendendo um pouco sobre a cultura do seu país.
*Jeane de Oliveira Cruz: Graduanda em Letras Vernácula pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia/UESB-Campus de Jequié. É estagiária do Cento de Estudos da Leitura/CEL/UESB e faz parte do Grupo
de Estudos em Sociolinguística/UESB – Campus de Jequié.
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O SACI (1921)
Edmila Silva de Oliveira*
“Em O Saci, em vez de utilizar histórias de outros lugares, Lobato mergulha dentro do nosso próprio folclore.
É nesse livro que descobrimos como nascem os sacis, aprendemos sobre mula sem cabeça, lobisomem, boitatá,
Negrinho do Pastoreio e a Cuca, além de nos apaixonarmos pela Iara. É uma excelente forma de conhecermos
um pouco mais de nossa própria cultura, às vezes muito negligenciada.” - Rafael Fontana
LOBATO, Monteiro. O Saci. 15ª impressão da 56 ed. de 1994. São Paulo: Brasiliense, 2004.
Obra infantil de caráter educativo, O Saci representa mais uma maneira que Lobato encontrou de
atingir um de seus grandes objetivos: valorizar a cultura nacional por meio da Literatura, além de
realizar estudos sobre os personagens do folclore brasileiro.
A história é centrada em Pedrinho e suas aventuras com o Saci - criatura que ele tanto queria
capturar, e, orientado por Tio Barnabé, finalmente conseguiu. No entanto, o desejo de prender o Saci
transformou-se em curiosidade, os dois se tornaram amigos, passaram a noite na floresta explorando
os segredos da mata e ajudaram a desfazer um encantamento feito pela Cuca em Narizinho. Lobato
apresenta o Saci numa versão de criança, brincalhão e cheio de travessura. É como se a imagem do
personagem de um pé só, nesta obra, fosse suavizada, até porque em 1918 ele retratou, em “O Sacy –
resultado de um inquérito”, um saci malvado, perverso e maléfico em suas ações. Agora, o Saci
ocupa posição de herói, é generoso com Pedrinho e realiza boas ações no decorrer da narrativa.
Os vinte e oito capítulos da obra são bem detalhados, as descrições dos lugares e seres da floresta são
minuciosas. É perceptível também que os episódios são mesclados, visto que Lobato evidencia a
presença de outros personagens folclóricos, como o Jurupari, o Curupira, a Iara, o Caipora, a Porca-
dos-sete-leitões, o Negrinho do Pastoreio, a Cuca, o Boitatá, a Mula-sem-cabeça e o Lobisomem. A
história traz a tona, por meio dos diálogos entre Pedrinho e Saci, estas figuras importantes do nosso
tão rico folclore, o que torna a obra uma grande fonte de pesquisa acerca do folclore brasileiro. O
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livro lobatiano aqui abordado, assim como Aritmética da Emília (1935) e História das Invenções
(1935), tem caráter didático, podendo ser utilizado em diversas disciplinas escolares. Conhecimentos
geográficos, históricos, culturais são marcantes durante a leitura e é notória também a presença de
temas transversais - como: meio ambiente, ética e pluralidade cultural - os quais remetem a novas
maneiras de trabalho com problemas cotidianos, tornando-se, portanto, objetos de reflexão na prática
educativa.
Dentro de um contexto de integração curricular, é possível reafirmar a relevância e necessidade do
trabalho de forma interdisciplinar na escola, uma vez que as disciplinas não podem ser vistas como
um conhecimento recortado: elas precisam dialogar entre si. Nesse sentido, O Saci é uma excelente
sugestão para a realização de um trabalho diferenciado e cheio de novidades literárias, deixando os
leitores ansiosos por novas histórias.
*Edmila Silva de Oliveira Graduanda do V Semestre de Letras pela Estadual do Sudoeste da Bahia, bolsista
do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, pesquisadora voluntária do Projeto
Memórias das Escritoras Brasileiras nas Escolas, coordenado pelo Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB.
Estudante intercambista na Licenciatura de Español e Lenguas Estranjeras da Universidade Pedagógica
Nacional de Bogotá, Colômbia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2165030751597412
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FÁBULAS (1922)
Ana Lúcia de Jesus Santos*
“Ora, um fabulário nosso, com bichos daqui em vez dos exóticos, se for feito com arte e talento dará coisa
preciosa. As fábulas em português que conheço, em geral traduções de La Fontaine, são pequenas moitas de
amora do mato – espinhentas e impenetráveis. Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas
assim seriam um começo da literatura que nos falta. Como tenho um certo jeito para impingir gato por lebre,
isto é, habilidade por talento, ando com ideia de iniciar a coisa.” (LOBATO, 1956, 2o. tomo, p. 104)
LOBATO, Monteiro. 1882-1918. Fábulas/ Monteiro Lobato: Ilustrações Alcy Linares, - São Paulo:
Globo 2006.
A obra “Fábulas” do escritor Monteiro Lobato teve sua primeira edição lançada em 1942. Nesse
livro, Lobato põe em cena Dona Benta, a vovó do Sítio do Picapau Amarelo, recontando fábulas da
sua autoria e também dos escritores, Esopo e La Fontaine. Adaptadas para o universo do Sítio, as
fábulas estimulam a participação de todos os personagens através de perguntas e críticas.
“A cigarra e as formigas”, “A coruja e a águia”, “O velho e o burro”, “A rã e o boi”, “O reformador
do mundo”, “O julgamento da ovelha”, “Os dois viajantes na macacolândia”, “A menina do leite”,
“As duas cachorras”, “Os dois ladrões”, “A onça doente”, “A raposa e as uvas”, “Pau de dois bicos”,
“A galinha dos ovos de ouro”, essas são algumas das 74 fábulas contidas na obra de Lobato. Cada
uma dela compõe um capítulo onde personagens como Pedrinho, Emília, Narizinho, Visconde fazem
interferências com perguntas e opiniões.
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Em um dos capítulos, está a história “A cigarra e a formiga”. A fábula possui duas versões; a
primeira versão conta a história de uma formiga que trabalha durante todo o verão procurando
alimentos para guardar em sua casa e folhas que pudessem servir de agasalhos para protegê-la.
Assim, quando o inverno chegasse, ela não passaria fome e frio. Enquanto a formiga trabalhava dia e
noite, a cigarra só queria saber de cantar e nada de trabalhar. Quando o inverno chegou, a cigarra,
que não tinha procurado sua comida e nem formas de se agasalhar, foi pedir ajuda à formiga que a
acolheu em sua casa e ajudou-a, lembrando que a enquanto ela trabalhava, a amiga cigarra alegrava
os dias de trabalho com suas músicas. A segunda versão conta a mesma história, mas com uma moral
diferente. Com a chegada do inverno, a cigarra que antes era alegre e saudável, se viu triste e doente.
Debilitada, ela foi à casa de uma formiga a fim de pedir ajuda. Após dizer que estava com fome,
doente e com frio, a formiga perguntou-a de forma irônica o que a ela fizera durante o verão. A
cigarra, com a voz embargada, respondeu que no verão ela havia cantado. Imediatamente, a formiga
respondeu que, já que ela havia cantado durante o verão, agora, no inverno, que dançasse.
Depois que Dona Benta terminou a história, Narizinho fez uma intervenção, discordando da segunda
versão da história. Ela alegou que a fábula contada pela a sua avó estava errada, pois ela havia lido
em um livro informava serem as formigas um dos únicos animais bons entre todos.
Outra fábula que compõe um capítulo da obra é “A coruja e a águia”. Retrata a história de uma
coruja e uma águia que viviam em guerra e um dia resolveram fazer as pazes. No tratado de paz, elas
decidiram que nunca mais iriam comer os filhotes uma da outra. Mas, durante o acordo, a águia
surgiu com uma dúvida: como ela faria para identificar os filhotes da sua nova amiga? A coruja
respondeu que, quando ela avistasse uns filhotes pequenos, lindos e cheios de uma graça especial que
não existisse em nenhuma outra ave, estes seriam os seus. A águia concordou e foi embora. Em um
dia de caça, a águia avistou ao longe um ninho com três monstrengos de bico aberto, logo a águia
pensou que aqueles não seriam os filhotes da coruja, pois não se pareciam em nada com o que a
amiga descrevera. Dessa forma, a águia comeu os filhotes.
Assim que Dona Benta acabou de contar a fábula, Narizinho faz outro comentário, dizendo que essa
era a rainha das fábulas, pois todos os pais acham seus filhos os melhores, os mais bonitos. Pedrinho
surge com uma dúvida a nível ortográfico: “Mostrengo ou monstrengo, vovó?”. Dona Benta
responde que os gramáticos querem que seja “mostrengo”, referente a “mostrar” algo, mas que o
povo costuma falar “monstrengo”, algo que venha de “monstro”. Logo Pedrinho questiona a avó
sobre quem está correto e Dona Benta responde que é o povo e que os gramáticos se cansaram de
insistir no “mostrengo”.
“O velho, o menino e o burro” é uma fábula conhecida e que também faz parte da obra de Monteiro
Lobato. Ela conta a história de um velho, um menino e um burro. Juntos, eles vão à cidade para
vender o burro. Durante a viagem, o velho seguiu puxando o burro e o menino foi montado no lombo
do animal. No meio do percurso, passaram dois viajantes que viram a cena e criticaram, dizendo que
era um despropósito um menino, forte e saudável, seguir montado no burro enquanto o velho
cansado ia puxando o animal. Desse modo, o velho trocou de lugar com o menino. Mais à frente,
eles passaram por um bando de lavadeiras que fizeram comentários criticando o fato do velho seguir
montado e o menino puxando o burro. Mais uma vez, o velho escutou e fez mudanças a fim de
querer agradar as pessoas que o criticavam. Ele colocou o menino montado junto a ele no lombo do
burro e seguiram. Outra vez, encontraram pessoas para criticar a situação, por fim, e mais uma vez
ouvindo a opinião alheia e afim de “calar a boca do mundo”, ele colocou o burro nas costas e seguiu
a pé com o menino. De nada adiantou, foi criticado novamente. Ao final dessa fábula, Dona Benta é
quem resolve fazer comentário da vez, ela lembra as crianças que muitas vezes, na tentativa de
agradar a todos, nós não somos fieis aos nossos ideais e acabamos por não agradar a ninguém. Para
finalizar seu pensamento, ela faz uso de uma frase do dramaturgo e poeta inglês, William
Shakespeare que diz: “E isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo!”.
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Monteiro Lobato sempre se preocupou com o lugar da imaginação na formação dos seus pequenos
leitores. Ele buscou interessar os leitores sem nunca perder de vista que as crianças são sujeitos e não
simples receptoras de valores que os adultos querem impor. Segundo Ana Filipouski (1983), o autor
adota o comprometimento de apontar erros às crianças, para torná-los possíveis de serem corrigidos.
Nesse sentido, ele assume ainda, o compromisso ético com a situação por ele instaurada, alterando
a visão tradicional de valores como a liberdade e a verdade.
*Ana Lúcia de Jesus Santos - Graduanda em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia/UESB- Campus de Jequié, estagiária do Centro de Estudos da Leitura- CEL/UESB; atua como
pesquisadora voluntária no Grupo de Pesquisa e Extensão em Lobato- GPEL/CEL/UESB e no Projeto
Memórias das Escritoras Brasileiras na Escola. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0764770220953738
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REINAÇÕES DE NARIZINHO (1931)
Maria Afonsina Ferreira Matos*
Gizelen Santana Pinheiro**
“Temos apenas que seguir a trilha do herói... e lá onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do
mundo todo.” (Campbell) - “A bolsa ou a vida! – intimou o chefe da quadrilha apontando o trabuco. Narizinho a tremer, olhou para ele
e franziu a testa. “Eu conheço esta cara!” – pensou consigo. É Tom Mix, o grande herói do cinema!... Mas
quem havia de dizer que esse famoso cowboy, tão simpático, havia de acabar assim, feito chefe duma
quadrilha de lagartos?... - A bolsa ou a vida! – repetiu Tom Mix carrancudo.
- Bolsa não temos, Senhor Tom Mix – disse a menina – mas temos aqui uns bolinhos muito gostosos. Aceita
um?” (Monteiro Lobato, In: Reinações de Narizinho)
MONTEIRO, Lobato. Reinações de Narizinho, 36ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1983.
Reinações de Narizinho reúne onze histórias escritas entre 1920 e 1931, a saber: ‘Narizinho
Arrebitado’ (1920), a essa primeira obra, muitos outros se seguiram: ‘O Sítio do Picapau Amarelo’,
‘O Marquês de Rabicó’, ‘O casamento de Narizinho’, ‘As aventuras do príncipe’, ‘O Gato Felix’,
‘Cara de coruja’, ‘O irmão de Pinóquio’, ‘O circo de escavalinho’, ‘Pena de papagaio’ e ‘O pó de
pirilimpimpim’, sendo que cada uma corresponde a uma seção (capítulo).
Algumas histórias são originais, outras são jogos, combinações entre histórias e vozes de
personagens já conhecidos. Esse livro marca o início da série protagonizada no ‘Sítio do Picapau
Amarelo’. Ele se inicia, apresentando o local e alguns de seus principais personagens: ‘uma casinha
branca, lá no sítio do Picapau Amarelo’ onde vivem Dona Benta, uma vovó de mais de sessenta anos,
sua neta Narizinho, de sete anos, Nastácia, a melhor cozinheira do mundo, e Emília, “uma boneca de
pano bastante desajeitada de corpo” (p.7) feita por tia Nastácia.
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Conta o enredo que Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, sempre vai passear com sua boneca
Emília, no ribeirão, no fundo do pomar. Numa tarde, elas conhecem um besouro de casacão e o
Príncipe Escamado, Rei do Reino das Águas Claras... e, a partir daí, protagonizam a primeira grande
aventura da saga Picapau Amarelo: o encontro de Narizinho e Emília com Dona Carochinha, o
Pequeno Polegar, Dona Aranha (a costureira das fadas), o Major Agarra-e-não-Larga-Mais e o
Doutor Caramujo. Desse último encontro, Emília, que ainda era muda, toma uma pílula mágica
(falante) e começa a falar, “falou três horas sem tomar fôlego” (p. 19)... O estrondo da voz de tia
Nastácia traz as duas de volta ao Sítio. O retorno traz surpresas: a notícia de que Pedrinho, neto de D.
Benta, virá passar as férias no sítio e o espanto das duas velhas ao verem Emília falando.
Enquanto aguarda a chegada de Pedrinho, Narizinho e Emília vivem as lembranças do ‘Reino das
Águas Claras’. Emília se intitula ‘Condessa de Três Estrelinhas’ e Narizinho planeja casá-la com
Rabicó. Pedrinho chega. Narizinho e Emília viajam para o ‘Reino das Abelhas’. No caminho, são
assaltados pela quadrilha de lagartos denominada ‘Chupa-Ovo’ e chefiada pelo herói do cinema, Tom
Mix - que passa a fazer o papel de cavaleiro\vassalo de Narizinho...
Narizinho convence Emília a se casar com o Marquês de Rabicó e Pedrinho faz um novo
personagem, o Visconde de Sabugosa, suposto pai do Marquês. Emília fica noiva e, após o
casamento arranjado, vira ‘Marquesa de Rabicó’. Por seu turno, a visita de Narizinho ao Reino das
Águas Claras, deixa o Príncipe Escamado, caído de amores, com intenções de casamento. Os
personagens vão ao Reino para a cerimônia, entretanto, ela não se concretiza, porque Rabicó come a
coroa real - na realidade uma rosquinha de polvilho feita por Narizinho. Após o desastre, os
personagens do Reino vêm visitar os personagens do Sítio. Novos eventos tristes acontecem: Miss
Sardine, uma sardinha norte-americana, acaba mergulhando na frigideira, sendo comida por tia
Nastácia e o Príncipe desaparece... Coincidentemente, o Gato Félix chega ao Sítio, noticiando a
morte de Escamado por afogamento: - “O príncipe está se afogando”... (p. 79) – na verdade, ele o
degustara – e chegava, dizendo-se tetraneto do Gato de Botas. Ele conta sua história, mas ela não
convence Visconde e Emília que o desmascaram: ele é somente um gato ordinário comedor dos
pintos do sítio. Descoberta a farsa, Tia Nastácia o expulsa a vassouradas... Passado o incidente com o
gatuno, Narizinho prepara uma festa para os personagens do País das Maravilhas: o Gato de Botas,
Aladim, Branca de Neve, Cinderela etc. são convidados. Ao partirem, esquecem seus objetos
mágicos no sítio. Dona Carochinha vem para recuperá-los, apesar de Emília tentar retê-los consigo.
Esgotado seu repertório de histórias, D. Benta encomenda o Pinocchio a um livreiro de São Paulo.
Entusiasmados com a leitura feita pela avó, as crianças decidem criar o irmão do Pinocchio, feito
com madeira nacional. O irmão do Pinocchio, João Faz de Conta, mostra aos personagens o poder do
faz-de-conta... Daí, Emília vence o concurso de ideias, propondo organizar um circo, Todos os
personagens do Mundo das Maravilhas são convidados. O circo é um desastre, mas todos se
divertem.
Um garoto invisível, que Pedrinho acredita ser Peter Pan, aparece no Sítio e promete levá-los ao País
das Fábulas com a ajuda de um pó mágico, o pó de pirlimpimpim. Pedrinho, Narizinho, Emília,
Visconde e o garoto invisível, que eles apelidam de Peninha, encontram La Fontaine, escrevendo
suas fábulas. Assim, eles entram em várias fábulas: Emília interfere na fábula da ‘Cigarra e a
Formiga’, castigando a formiga; eles salvam o burro (falante) da fábula ‘O Leão e os animais doentes
da peste’ e o Conselheiro acaba partindo com Peninha para o Sítio.
No retorno ao Sítio, Dona Benta, sabendo da aventura, decide participar da próxima excursão ao País
das Fábulas para conversar com La Fontaine. Mas eles erram na quantidade de pó e vão parar no País
das Mil e uma Noites, onde sofrem ataques do pássaro Roca – no primeiro, são salvos pelo Barão de
Munchausen, indo para o palácio do Imperador – e, no segundo ataque, eles recorrem ao pó de
pirlimpimpim para voltar ao Sítio, mas o pó está molhado e seus poderes, anulados. Eles são salvos
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por Emília que usa o poder do faz-de-conta para trazê-los para casa. De volta ao Sítio, eles
reencontram Nastácia, ciente do ocorrido, pois o burro falante, que chegou primeiro, lhe contara tudo.
Uma carta de Dona Antonica, chama o filho, Pedrinho, de volta pra casa. Ele deixa o sítio,
escondendo as lágrimas nos olhos.
Trata-se de uma obra onde a intertextualidade comanda o espetáculo. Sonho, fantasia e História se
colocam em diálogo numa verdadeira globalização cultural, onde: a voz de ‘Alice no país das
Maravilhas’ ecoa no sonho, o filme de faroeste ressoa num assalto, a novela de cavalaria se fala pela
vassalagem de Tom Mix (herói cinematográfico), os finais trágicos dos casamentos mitológicos
entram em cena, o repertório de personagens da tradição entra em comunicação (entre si e com os
personagens modernos), histórias são discutidas e recontadas, fazendo com que, na obra, esse
conjunto de vozes ecoe como uma nova voz, soando diferente das anteriores, conferindo-lhes novas
entonações, produzindo o humor e o questionamento sobre o instituído. Como diz Cristina Maria
Vasques (2007, 96), em seu estudo sobre a obra em questão, Lobato “emprega a intertextualidade
com (...) maestria”, e como que, “regendo uma orquestra textual...” “fez tocar uma nova e
revolucionária sinfonia”...
*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),
Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela
FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.
Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,
especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com
Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9847283486611328
**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de
Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos
Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de
Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atualmente Pesquisadora Voluntária do Centro de Estudos da
Leitura/CEL/UESB.É professora de Redação no Educandário Santa Therezinha, em Jequié-BA. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3584971780537087
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CAÇADAS DE PEDRINHO (1933)
Tatiana Costa da Silva *
Lindiana da Silva Oliveira **
"... A vida da gente neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e
mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os
reumatismos; por fim pisca a última vez e morre. _ E depois que morre? — perguntou o Visconde. _ Depois
que morre vira hipótese. É ou não é?” (Monteiro Lobato, In: Memórias da Emília.)
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LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho (1933), Editora Globo, 72p.
Na primeira parte do livro “Caçadas de Pedrinho”, Monteiro Lobato apresenta, uma astuta caçada,
onde o grupo de aventureiros decide adentrar na mata e, ao encontrar uma onça, se sente ameaçado
pelo feroz animal. Nesta aventura, o valente Pedrinho, se destaca como o figurante principal da
história, ocupando, desta forma, o protagonismo que comumente pertenceria a Emília, a boneca de
pano.
A história segue, relatando o temor dos demais animais que vivem na floresta, em serem os próximos
alvos das caçadas. Assim, como medida de proteção, eles decidem por atacar o Sítio do Pica-pau-
amarelo no intuito de vingarem a morte da onça e dar fim aos caçadores. Surpreendidos, os
moradores do Sítio por pouco não foram abatidos. Estes foram salvos, graças a um plano bem
arquitetado por Emília.
A história causou polêmica porque o autor, em um dos trechos, denomina Tia Anastácia de negra.
Em outro segmento esta foi transformada em um macaco. Como todo fato pode ser apreciado de
vários ângulos, os críticos se dividiram entre prós e contras o incentivo a essa leitura.
Na segunda parte do livro, um rinoceronte foge de um circo e vai até o sítio do Pica-pau Amarelo em
busca de tranquilidade. No início, os moradores desse sítio ficam com medo, mas depois até brincam
com o rinoceronte. A fuga leva o governo a designar o Departamento Nacional de Caça ao
Rinoceronte, órgão criado, com um número alto de ocupantes de cargos de destaque. Várias pessoas
tentam resgatar o rinoceronte, mas não conseguem, e por isso as crianças do sítio se tornam as
proprietárias do mesmo.
No nosso ponto de vista, após leitura reflexiva sobre o livro em pauta, concordamos que não houve
intenção de Lobato de abordar assunto de racismo em sua obra. Ao que parece o autor desejou
abordar temas polêmicos sobre a realidade do nosso país. Esta reflexão foi feita em forma de gênio e
de ironia. Assim, Lobato não colocou teor racista na obra, mas sim fez reflexões sobre a realidade
do Brasil, usando humor na forma de ironia. Desta forma, concordamos com Jesus (2012) quando
ele afirma que o significante valor dos textos escritos por Monteiro Lobato estão na sua habilidade
de apresentar, de maneira crítica e divertida, os valores em vigência.
Assim construído, o livro Lobatiano, como toda literatura, tem o poder de fascinar as crianças
despertando o imaginário que permite ir da elaboração de uma representação simbólica essencial ao
desenvolvimento social, às descobertas e, consequentemente, melhor visão crítica do mundo.
Em Caçadas de Pedrinho, realidade e fantasia se misturam, de forma que os anseios e as emoções se
evidenciem de forma prazerosa e significativa – condições essenciais ao desenvolvimento humano -
quer seja este relacionado ao campo social ou cognitivo. Nesse sentido, concordamos com Farias e
Silva (2012) ao enfatizarem que “as obras de Monteiro Lobato trazem grandes contribuições
relevantes ao imaginário infantil”.
*Tatiana Costa da Silva - Possui graduação em Ciências Contábeis pela Faculdade Integrada Euclides
Fernandes - FIEF(2011). Atualmente é discente regular do curso de Letras Vernáculas na Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, campus Jequié. Tem experiência como professora na área de Letras,
com ênfase em Língua Portuguesa, Literatura e Línguas Estrangeiras nas modalidades de Ensino Fundamental
I, II e Médio. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8350774729881575
**Lindiana da Silva Oliveira - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia. Graduanda em Ciências Biólogicas pela UESB. Pesquisadora ex-bolsista de Iniciação Científica pela
UESB. Participante do projeto de Extensão em Cultura Afro- brasileira. Participante do grupo de pesquisa em
Língua de Sinais Brasileira- UESB/ DCHL. Foi ainda participante do grupo de pesquisa do Centro de Estudos
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da Leitura- UESB/ DCHL. Professora/monitora pelo projeto Universidade Para Todos – UESB - JQ. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3554312933057929
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HISTÓRIA DO MUNDO PARA AS CRIANÇAS (1933)
Alana Souza Santos*
“Roda mundo, vira gente e cai tudo no mesmo lugar...” (Ditado Popular)
LOBATO, Monteiro. Histórias do mundo para crianças. São Paulo: Brasiliense, 2004.
O livro “História do Mundo para Crianças” de Monteiro Lobato, publicado pela primeira vez em
1933, narra a história da humanidade desde a origem da terra até a bomba atômica lançada em plena
Segunda Guerra Mundial na cidade de Hiroshima, no Japão. Nesse livro, Lobato teve a habilidade de
escrever de maneira sucinta, mas intimamente prazerosa e clara sobre um longo período da história
da humanidade. Com 81 capítulos, essa narrativa é de certo, um romance da trajetória humana
juntamente com todos os feitos - sejam naturais ou humanos-, conquistas, perdas e mazelas, cujo
percurso cronológico forma o indivíduo de hoje, em suas diferentes culturas.
No início da narrativa, Dona Benta, personagem que se remete a uma fonte de conhecimento, recebe
pelo correio o clássico “Child’s history of the world”, de V. M. Hillyer. Depois de ler o livro e
consultar outros livros em sua vasta biblioteca, decide contar aos netos a história do mundo. Assim,
durante as noites Emília, Narizinho e Pedrinho escutam e também inferem sobre essa história
universal. A criação do mundo, o homem da caverna, a descoberta do fogo, a criação de códigos
linguísticos, as construções, a busca pelo poder e pelo conhecimento, as guerras, as vitórias e
derrotas, são contos apresentados que mostram o homem como um ser ativo em um mundo que pede
por continuidade, em um tempo que não pára, mas que convida cada civilização a estar em
movimento para as novas etapas que se seguem em direção a uma aparente nova configuração social
e cultural.
Um ponto relevante a ser ressaltado é que, nesse livro, tanto os personagens infantis, como Dona
Benta tecem comentários, do início ao fim, sobre os acontecimentos da história da humanidade. Isso
faz com que as histórias contadas se tornem prazerosas; passíveis de comparações com a era
moderna na qual os personagens já estavam vivendo e faz também refletir acerca da natureza
humana. Reforçando a condição animal do ser humano desde o tempo da Idade da Pedra, Lobato
discute sobre a selvageria dos homens, que ainda persiste:
“Eram homens de luta permanente. Atacar, roubar, matar o mais fraco, bem como fugir do mais forte, constitui
a regra da vida que vem da primeira lei da Natureza: - cada qual é por si. Ou mata ou é matado; ou rouba ou é
roubado. Nós somos descendentes dessas bárbaras criaturas e por isso temos no sangue muito de sua
selvageria. Apesar da educação que o progresso geral trouxe, inúmeros homens hoje ainda agem como os da
Idade da Pedra. Por isso é que existem tantas cadeias e forcas e cadeiras elétricas. ( p.11)
O autor evidencia algumas figuras heroicas que são lembradas até hoje, em suas lutas, conquistas e
ensinamentos e que contribuíram para a construção de civilizações e ideologias. Ele não exclui nem
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mesmo os vilões da história do mundo que destruíram, mataram, roubaram, e, por isso, também são
lembrados. A história dos anti heróis também é contada.
Ao analisar todas as situações descritas, é imprescindível refletir: em tudo o que se passou na história
do mundo, o que subsiste até hoje no ser humano? De certo, o desejo de sempre querer mais: mais
conhecimento, poder, riquezas, vitórias... sempre dentro de uma incessante busca. Embora tenha
chegado a um estágio dito “evoluído”, capaz de ser crítico, veloz ao poupar tempo para facilitar a
vida a seu favor, construindo e sobrepondo ideias, conclui-se que, apesar dos caminhos percorridos
em seu passado, alguns hábitos, comportamentos e práticas nunca mudam.
*Alana Santos Souza - Graduanda do curso de Letras Vernáculas da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, campus de Jequié-Bahia, é também ex-bolsista de Iniciação Científica-FAPESB. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4777702840754060
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EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA (1934)
Thaís Pires do Carmo Santana*
“A gramática, a mesma árida gramática, transforma-se em algo parecido a uma feitiçaria evocatória; as
palavras ressuscitam revestidas de carne e osso, o substantivo, em sua majestade substancial, o adjectivo, roupa
transparente que o veste e dá cor como um verniz, e o verbo, anjo do movimento que dá impulso á frase.” (Baudelaire.)
MONTEIRO, Lobato. Emília no país da gramática, 40ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1996.
Emília no país da gramática reúne 24 histórias escritas em 1930, a saber: ‘uma ideia da senhora
Emília’, ‘Portugália’ ‘Gente importante e gente pobre’, ‘ Em pleno mar dos substantivos’, ‘Entre os
adjetivos’, ‘Na casa dos pronomes’, ‘Artigos e numerais’, ‘No acampamento dos verbos’, ‘ Emília na
casa do verbo ser’, ‘A tribo dos advérbios’, ‘As preposições’, ‘Entre as conjunções’, ‘a casa da
gritaria’, ‘A senhora etimologia’, ‘Uma nova interjeição’, ‘Emília forma palavras’, ‘ O susto da
velha’, ‘Gente de fora’, ‘Nos domínios da sintaxe’, ‘As figuras de sintaxe’, ‘Os vícios de linguagem’,
‘As orações ao ar livre’, ‘Exame e pontuação’, ‘E o visconde’, ‘Passeio ortográfico’, e por fim
‘Emília ataca o reduto etimológico’.
Tudo começa quando a danada da boneca Emília, ao ver Pedrinho estudando gramática com D.
Benta em plenas férias, sugere uma viagem ao país da gramática no lombo do rinoceronte Quindim -
um sábio gramático africano. Empolgados com a ideia, os pica-pauzinhos seguem viagem. Chegando
ao país da gramática, a meninada conhece afundo a língua portuguesa. A “priori”, Emília atordoada
com os sons que as sílabas emitiam crítica as nomenclaturas utilizadas pelos gramáticos para
denominar cada tipo delas. Segundo a bonequinha, algo tão simples torna-se complexo.
Gramática é um pais com várias cidades e eles decidiram visitar a cidade de Portugália, onde moram
as palavras da língua portuguesa. Quindim, como se percebe em todo o livro, não é um mero
condutor das crianças ao país da gramática, é sim um grande conhecedor da língua, que vai por meio
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de explicações lúdicas, facilitar o conhecimento das regras e dos conceitos gramaticais de nossa
língua. Lá conheceram diversas ruas e localidades habitadas por diferentes fenômenos da língua. Um
dos lugares visitados foi o Arcaismo, lugar onde residiam palavras que não são mais usadas pelos
usuários da língua. Na ocasião, Quindim comenta que assim como as pessoas as palavras nascem,
crescem e morrem, ou seja, não são imutáveis. Ainda são visitadas localidades povoadas pelos
estrangeirismos e gírias - modalidades da língua desprestigiada. Além disso, foram muitos os
elementos gramaticais conhecidos, como: substantivos, advérbios, verbos, pronomes, sintaxe etc.,
cada um de fundamental importância para o funcionamento da língua portuguesa.
Lobato, nessa obra, parece dar um puxão de orelha no ensino tradicional de língua materna e chama
a atenção para um ensino de língua mesclado de didática, teoria e prática, além de conduzir uma
maravilhosa viagem com a turma do sítio.
*Thaís Pires do Carmo Santana - Graduada em Licenciatura em Letras com habilitação em Língua
Portuguesa e suas Literaturas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, atualmente
pesquisadora voluntária do projeto Escritoras feministas na escola.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8848305089132993.
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EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA (1934)
Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*
Profª.Esp. Gizelen Santana Pinheiro**
“A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda. (Luís Fernando Veríssimo, em: O
Gigolô das Palavras) “- Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramática até virava
brincadeira.”(Pedrinho, em: Emília no País da Gramática)
MONTEIRO, Lobato. Emília no País da Gramática. 27ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1983.
Nesse livro, Lobato questiona os métodos ronceiros de ensino da Língua Portuguesa ao tempo em
que realiza o projeto pedagógico de apresentar conteúdos escolares de forma lúdica e atrativa para as
crianças. A pretexto de aprenderem gramática - que Pedrinho detestava na escola - Emília propõe
uma viagem ao país da gramática. Assim, montados no Quindim, o rinoceronte gramático, os
picapauzinhos partem para uma aventura recheada de questionamentos e reflexões lingüísticas,
antecipando, em muito, o que será discutido só bem mais tarde pelos nossos cursos de Letras.
No que se refere ao ludismo pedagógico: a viagem tem um guia e mestre sui generis, o professor
Quindim - com todo o seu cascão gramatical. Logo de entrada, os heróis\picapaus são recebidos
pelo zumbido dos sons orais. Emília, a mais questionadora e com sua lógica arrevesada, expõe de
forma jocosa suas dúvidas e indignações com tantos nomes “feios”, difíceis - xingamentos, como diz
- e tantas normas. No primeiro capítulo, eles conhecem as cidades, como são chamadas as divisões
dos grupos de palavras: a Portugália, onde vivem as palavras da língua portuguesa, Galópolis a
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cidade das palavras francesas... Em seguida, passeiam pela Portugália: conhecem o centro (morada
de gente importante) e os subúrbios (habitados por gente de baixa condição ou decrépita).
No bairro do Refugo, eles vêm palavras muito velhas, bem corocas (...), tomando sol à porta de seus
casebres (p.11). Tudo é personificado: sílabas, palavras, figuras... se comportam como humanos em
uma cidade. Assim, eles conhecem as classes de palavras, as variações como as gírias, os
neologismos; visitam as que já estão morrendo e quase não são mais usadas - os Arcaísmos – ouvem
a emocionada autobiografia do advérbio Bofé (= em verdade, francamente), vão ao cemitério, onde
se encontram as palavras latinas, mortas... Eles também conversam com D. Etimologia sobre a
formação das palavras, com D. Sintaxe sobre suas figuras auxiliares... e com D. Ortografia sobre a
ortografia etimológica, etc. Além disso, nesse passeio inusitado, os picapauzinhos visitam o bairro
dos substantivos e dos adjetivos, a casa dos pronomes, dos artigos e numerais, das preposições,
conjunções, interjeições (A Casa da Gritaria), a praça da analogia, o acampamento dos verbos, a
tribo dos advérbios e brincam no jardim dos períodos... Emília ataca o reduto da ortografia
etimológica.
O Visconde rapta o ditongo ÃO e é flagrado pela boneca. O sabugo sofria do coração e raptou o
ditongo por medo do som parecido com tiro de canhão e latido de canzarrão. Emília o faz devolver
o pobre ditongo, já que ele não era da Academia Brasileira de Letras para poder mexer nas palavras
(p.68). Trata-se, pois, de uma ludoteca da Língua Portuguesa. Uma aula de reflexão sobre a língua e
o modo de ensiná-la, indo muito além do mero repasse de informações gramaticais. Os heróis
discutem: arbitrariedade do signo, diferenças linguísticas; relativizam a noção de erro, relacionam
sentido a contexto... O Quindim ensina que a língua é viva, dinâmica e está em constante construção
popular (pelo uso) e não pelas normas ditadas por vozes de autoridade - atitude de vanguarda para a
época e tão cara à Linguística hoje: “Quem altera as palavras e as faz e desfaz e esquece umas e inventa
novas, é o dono da língua — o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não passam dos ‘grilos’
da língua”. (LOBATO, 1983, p. 26).
*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),
Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela
FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.
Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,
especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com
Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9847283486611328
**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de
Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos
Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de
Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e
pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da
Leitura/CEL/UESB.Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087
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ARITIMÉTICA DA EMÍLIA (1935)
Profª Amanda Silva Cardoso*
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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
“Em Aritmética da Emilia, quem assume o papel de educador é o Visconde de Sabugosa, personagem
responsável pela ideia de trazer os habitantes do País da matemática para o Sítio de Dona Benta”. Lajolo e
Ceccantini
MONTEIRO, Lobato. Aritmética da Emilia, 29ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1995.
A obra “Aritmética da Emilia” foi escrita pelo grande escritor brasileiro Monteiro Lobato. Essa
história iniciou-se com uma ideia do Visconde. Ele era o único do grupo do Sitio do Pica Pau
Amarelo que ainda não tinha criado uma viagem, por tudo, ele disse que visitariam o país da
matemática. Só que ao invés de irem ao país da matemática, este viria até o Sitio.
Foi montado um circo no Sitio do Pica-pau Amarelo para receber os artistas da matemática. Os
primeiros artistas a se apresentarem foram os Algarismos Arábicos. Daí, vem a primeira explicação
matemática: “A especialidade deles é serem grandes malabaristas. Pintam o sete uns com os outros,
combinam-se de todos os jeitos formando Números e são essas combinações que constituem a
Aritmética” ( p.9).
Emília questiona e fica impressionado com a apresentação dos algarismos, mas o que mais chama
atenção dela foi o zero. Ela chamou os demais algarismos de feixes de um, mas o zero era feixe de
nada. Dessa brincadeira, vem à explicação do uso do zero. Segundo a boneca, o zero não era número,
podia ser um feiticeiro ou coisa parecida, porque, a depender da posição que ele aparece, pode valer
muito ou quase nada.
Logo após a apresentação dos algarismos, veio à apresentação da Unidade. “Dona Unidade é a mãe
de todas as quantidades de coisas” ( p.9). Logo em seguida, Visconde dá a explicação de unidades e
alguns exemplos.
Agora vem a apresentação da Quantidade. “Sirvo para indicar uma porção de qualquer coisa que
possa ser contada, pesada ou medida” (p.9). Aí, vem o exemplo da quantidade de pessoas presente
no circo etc. Esse bloco é encerrado com a apresentação dos números pares e impares.
No capitulo “Manobra dos números”, Visconde explica como se faz a leitura dos números na casa
das: dezenas, centenas, milhar, centena de milhar, milhão. Então, Visconde vai explicar que é preciso
dividir os números em espacinhos de três em três algarismos que começa da direita para a esquerda.
Em seguida, será apresentada a Quantia que lida com o dinheiro e segue falando de moedas, contos
de reis e cruzeiros. Neste momento, o Visconde vai ensinar como se lia as quantias em cruzeiros.
No capítulo “Acrobacia dos artistas arábicos”, vão surgir às acrobacias matemáticas que são as
contas ou operações fundamentais da Aritmética - no livro chamadas: Reinação que aumenta;
Reinação de diminuir; Reinação de multiplicar; Reinação da divisão. No fim, são explicados os
sinais e operações de maneira detalhada e lúdica.
Após falar de todas as reinações, vem o capitulo “Frações”, quando e a partir de uma melancia que o
coronel Teodorico enviou para Dona Benta, o Visconde começou a explicar as frações. A melancia é
chama de inteiro e as partes, que tia Nastácia picou de pedaços, frações. Em seguida o Visconde
afirma que existem as operações como: somar fração; subtrair fração; dividir fração; multiplicar
fração e, então, vem a explicação das frações decimais: “Frações decimais são pedaços de uma
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unidade dividida em décimos, centésimos, milésimos, milionésimos e em outras partes ainda
menores” ( p.53).
No capitulo XVIII, o assunto é “Medidas”. De acordo com Lobato, medir é uma das coisas mais
importantes da vida humana. A parte daí, ele dá exemplo do que medimos no dia a dia. Metro=
medida de comprimento; Litro= medida de capacidade; Quilo= medida de peso.
No último capitulo, Visconde diz: “números complicados”, que são os números complexos. De
acordo com Monteiro Lobato o sistema de decimais é fácil por que tudo se divide de dez em dez,
mas nos antigos sistemas não era assim.
Essa obra, “Aritmética da Emília”, pode ser considerada uma aula de matemática, pois o escritor
Monteiro Lobato apresenta algarismos, principais categorias conceituais da matemática. Essas
apresentações são realizadas de forma lúdica, contribuindo para que as crianças tenham facilidade no
entendimento dos conceitos. Acreditamos que essa obra deveria ser adotada em sala de aula, pois,
através da fantasia, a aprendizagem acontece.
*Amanda Silva Cardoso - Graduada em Letras pela UESB; Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão
em Lobato – GPEL/CEL/UESB; atua como pesquisadora voluntária no Projeto Memórias das Escritoras
Brasileiras na Escola; É professora do ensino básico/Jequié-BA. Ex-estagiária do Centro de Estudos da Leitura
– CEL/UESB; Atuou como bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência/PIBID/UESB.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1802570424480452
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MEMÓRIAS DA EMÍLIA (1936)
Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*
Profª Jeanne Cristina Barbosa Paganucci **
“Em ‘Memórias da Emília’, a boneca faz indagações muito pertinentes sobre o gênero autobiográfico.”- Eliana Yunes
LOBATO, J. B.M. Memórias da Emília. 42. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Em Memórias da Emília, Monteiro Lobato (1994) dá vida a um projeto mágico: Emília escreve de
próprio punho o que pensa e entende acerca de sua existência. Nessa autobiografia, a “boneca” é
boneca somente nos fatos narrados em suas memórias e, como ela mesma diz:
Nasci, fui enchida de macela que todos entendem e fiquei no mundo feito uma boba, de olhos parados, como
qualquer boneca. E feia. Dizem que fui feia que nem uma bruxa. Meus olhos tia Nastácia os fez em linha preta.
Meus pés eram abertos para fora. [...] Eu era assim. Depois fui melhorando. [...] Tia Nastácia foi me
consertando, e Narizinho também. Mas nasci muda, como os peixes. Um dia aprendi a falar. ( p.10-11).
A personagem conta a história de seu nascimento e observa o quanto é diferente, em sua percepção
de agora, a vida de boneca, ali, parada, somente boba, aguardando. Entre linhas e carretéis, Emília
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distinguiu o mundo real do mundo encantado dos brinquedos da infância, mas é aí que transita,
compondo uma terceira realidade pela confluência real/ mágico.
Assim, Emília é uma personagem liberta das linhas e tecidos, das tintas e lãs, mostra sangue em suas
veias e um pensamento forte - mais que qualquer outra personagem de Lobato. Em suas memórias, a
ex-boneca demonstrou autonomia, audácia e muita criatividade, questionando o discurso
autobiográfico e impondo “respeito” com suas opiniões insólitas, suas indagações risíveis e respostas
inusitadas. Sua definição de memórias, suas indagações sobre suas condições de produção e processo
de composição antecipam as discussões acadêmicas sobre as fronteiras real/ficcional, pois, como ela
mesma observa: “... é nas memórias que os homens mentem mais” (p.7). Nessa terceira realidade,
Emília assume a complexa problemática do ser, colocando em evidência questões dos humanos que
nela se veem representados: qualidades e defeitos, sensibilidade e crueldade, desrespeito, sabedoria,
iniciativa, ou seja, um misto de sentidos e propriedades numa só existência... Persuasiva em todos
os sentidos, Emília faz com que Visconde escreva boa parte de suas memórias e as assina: uma falha
humana bem acentuada na “boneca” – apropriação indébita no que se refere à autoria...
Na direção de paródia da autobiografia clássica que, segundo a ex-boneca, “arruma as coisas de um
jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia do escrevedor” (Idem), nas memórias emilianas, há
lugar para a antítese na voz do Visconde. Revoltado com a boneca pela falta de honestidade
intelectual, ele revela:
Emília é uma tirana sem coração. Não tem dó de nada. Quando tia Nastácia vai matar um frango, todos correm
de perto e tapam os ouvidos. Emília, não. Emília vai assistir. Dá opiniões acha que o frango não ficou bem
matado, manda que tia Nastácia o mate novamente – e outras coisas assim. Também é a criatura mais
interesseira do mundo. Tudo quanto faz tem uma razão egoística. Só pensa em si, na vidinha dela, nos
brinquedos dela. Por isso mesmo está ficando a pessoa mais rica da casa ( p.48).
Nesses termos, Visconde em sua tentativa de registrar a revolta contra Emília e dar fim à
“autobiografia” arrevesada, acaba por revelar sua natureza ambígua, contrariando, nas páginas das
memórias da personagem, as inúmeras qualidades que ele mesmo havia escrito sob pressão. Há,
nessas memórias “sui generis”, uma escrita invalidando a outra.
Ao perceber sinceridade na escrita do Visconde, Emília retoma seu turno de fala para fazer uma
confissão que impressiona seus leitores, certamente. Em destaque, finalizou com um xeque-mate,
contestando as palavras do nobre cientista:
“Antes de pingar o ponto final quero que saibam que é uma grande mentira o que dizem a respeito do meu
coração. Dizem todos que não tenho coração. É falso. Tenho, sim, um lindo coração – só que não é de banana.
Coisinha à-toa não o impressionam; mas ele dói quando vê uma injustiça. Dói tanto que estou convencida de
que o maior mal deste mundo é a injustiça” ( p.58).
Nessas memórias, Emília é esse paradoxo do ser e não ser, do estar e não estar. Para não dizer que
não ficou uma ponta de verdade nos ditos de Visconde, a boneca/menina afirma que “É isso mesmo.
Sou tudo isso e ainda mais alguma coisa. Pode ficar como está” ( p.50).
Daí, ser possível afirmar que especialmente nesse livro, não se recomenda Emília, pois, ela mesma se
recomenda, em sua natureza complexa, transitável, engraçada, inteligente, amorosa, zangada,
birrenta e muito aguardada no mundo infantil. Cabe ser lida e interpretada nesse mundo novo de
novas e outras leituras, de tecnologias da informação e comunicação, concentrada que está Emília em
múltiplos sentidos - sendo ela mesma até nas despedidas: “_Respeitável público, até logo. Disse que
escreveria minhas Memórias e escrevi. Se gostaram delas muito bem. Se não gostaram, pílulas!
Tenho dito.” ( p.60).
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*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),
Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela
FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB, juntamente com a Profª. Drª.
Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,
especialmente da obra lobatiana. É autora do livro Mais uma História de Três Porquinhos em co-autoria com
Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328
**Jeanne Cristina Barbosa Paganucci - Licenciada em Letra pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB); Pós-graduada em Docência do Ensino Superior pela Universidade Norte do Paraná
(UNOPAR); Vinculada, na condição de pesquisadora voluntária, ao Centro de Estudos da Leitura
(CEL/UESB). Mestranda em “Letras: Linguagens e Representações” pela Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), investiga a narrativa Roseana, “Grande Sertão: Veredas”, focalizando a personagem Diadorim.
Professora de Língua Portuguesa, redação, e Literatura (s); Escritora, palestrante, poeta, contista, articulista,
ensaísta, contadora de ‘estórias’. Participou de antologias poéticas, revistas e de congressos, fóruns, encontros,
seminários, como autora, convidada ou participante, além de discussões (Gênero, sexualidade, Educação,
Literatura(s) infantil e adulta, mitologia, entre outras). Pesquisadora do “Núcleo de Estudos Avançados sobre
Autoconhecimento” (NEAC), no Instituto Superior de Educação Ocidente, Salvador/BA.
Lattes:http://lattes.cnpq.br/7286476819549936
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DOM QUIXOTE DAS CRIANÇAS (1936)
Filipe Pereira Almeida*
“E quando caço o sol, atiro em relógios. Acho que é isto que a leitura faz. Nos solta na floresta com uma arma
na mão. Nos dá munição para atirar em tudo o que nos distrai de nós mesmos, no que nos desconcentra. O
livro não permite que fiquemos sem nos escutar. A leitura me faz mirar em mim e acertar no que eu nem sabia
que também sentia e pensava. E, por outro lado, me ajuda a matar tudo o que pode haver em mim de
limitante: preconceitos, ideias fixas, hipocrisias, solenidades, dores cultuadas. Lendo, eu caço a mim e atiro
em mim.”– Martha Medeiros
LOBATO, Monteiro. Dom Quixote das crianças. Disponível em
ttp://ir.nmu.org.ua/bitstream/handle/123456789/139075/13e6dbfad71bbd510023295985839fcd.pdf?s
equence=1 . Acesso em: 07 de Jul. 2015.
“Dom Quixote das crianças” (1936) é uma releitura da história original de “Dom Quixote de la
Mancha”, escrita em linguagem não tão erudita - mais fácil de ser compreendida - propiciando,
assim, a difusão das façanhas do “cavaleiro da triste figura” entre todos aqueles que não dominam a
forma culta da língua, em especial as crianças, público alvo de Lobato.
A história começa no momento em que Emília e o Visconde de Sabugosa se encontram na biblioteca
da casa de dona Benta a admirar os livros. De repente, se deparam com um exemplar enorme.
Quando finalmente conseguem tirá-lo da prateleira dão de cara com a edição clássica do livro O
engenhoso fidalgo D. Quixote de la Mancha. Neste instante, chegam dona Benta, Pedrinho e
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Narizinho à biblioteca. Ao dar de cara com o livro jogado ao chão, a matriarca da família decide ler a
história para as crianças e para a boneca sapeca.
Utilizando-se de uma linguagem mais simples e inteligível, dona Benta conta as principais aventuras
de Dom Quixote, seu fiel escudeiro Sancho Pança e seu cavalo Rocinante. Começando com a
fascinação do fidalgo por livros de cavalarias e sua loucura decorrente deste hobbie, relata suas
principais aventuras, a exemplo das lutas contra os moinhos de vento, contra o exército de carneiros,
a libertação dos presos e os inúmeros duelos que travou durante toda a sua jornada. O livro expressa
de maneira perspicaz as emoções das crianças e de Emília durante a contação da história - seus
sentimentos pueris, sua identificação quase espontânea em relação ao personagem e a empatia que
tinham com o louco e carismático fidalgo. Em um ponto da história, a boneca chega a se convencer
de que é uma cavaleira andante, fazendo de Rabicó, o seu cavalo e, do Visconde, o seu escudeiro
fiel...
Trata-se, pois, de uma obra em que a sensibilidade lobatiana atinge um nível radiante, pelo fato de
entender a realidade e o grau de instrução dos brasileiros da época, e, por isso, criar uma forma de
disseminar no universo popular uma das maiores obras literárias de todos os tempos e, mais
especialmente ainda, inserir no universo infantil as histórias de Dom Quixote, com sua linguagem
rebuscada e seus ensinamentos que nos ajudam a viver melhor. Outro aspecto interessante é o
incentivo constante que Lobato faz ao leitor para que este leia a obra original de Cervantes e brinde à
grandeza de tal criação.
*Filipe Pereira Almeida - Graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia, ingresso no primeiro semestre letivo de 2013, foi monitor bolsista da disciplina Teoria da Literatura I,
durante o segundo semestre letivo no ano de 2013. Foi bolsista CAPES do Projeto Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência – PIBID entre os anos de 2014 e 2015. Atualmente é bolsista de Iniciação
Científica/FAPESB/UESB do projeto de pesquisa Emília vai à escola, sob orientação da Profª. Drª Maria
Afonsina Ferreira Matos e Co-orientação da Profª Drª Elane Nardotto Rios Cabral. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4522737307970891
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O POÇO DO VISCONDE (1937)
Rubens Alves Duarte *
Poliana Souza Lapa**
“Lobato teve a empresa que buscava extrair petróleo. Faliu. Crítico da política de exploração de Getúlio
Vargas, sofreu a censura do seu livro “O Escândalo do Petróleo”, em que denunciava a venda de segredos do
subsolo a empresas estrangeiras, Foi preso.” Paulo Cesarino
LOBATO, José Bento Monteiro. O poço do Visconde. São Paulo: Brasiliense 2004.
Entre os anos de 1920 a 1930, Lobato percebeu a desenvolvimento da indústria automotiva norte-
americana, que teria nas décadas vindouras grande importância econômica para o Brasil. Com isso,
fundou a “Companhia Petróleos do Brasil” e passou a década de 30 fazendo levantamentos
geofísicos e prospecções num esforço privado. Perfurou vários poços, e realizou palestras,
impulsionando os meios de comunicação a discutir a importância do petróleo para a economia
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brasileira. Foi considerado um desequilibrado, pois os técnicos do governo afirmavam que o Brasil
não tinha nem poderia ter petróleo.
A inquietação de Lobato, nesse sentido, tornou-se literatura ao publicar, em 1937, uma de suas mais
importantes obras infantojuvenis: “O poço do Visconde”, que tinha o objetivo de sensibilizar o leitor
quanto à importância do tema para o progresso da nação e, ao mesmo tempo, possibilitar através do
livro o aprendizado da geologia de forma prazerosa e divertida.
“O poço do Visconde” apresenta um conhecimento cientifico minucioso, que faz o jovem leitor
mergulhar no mundo da geologia de maneira mágica. Os personagens, que outrora faziam parte de
obras anteriores, emprestam sua intrepidez e sagacidade para uma história que abunda em
criatividade. Já em seu introito, a agitação borbulha a partir da leitura de Pedrinho, que percebe nos
jornais norte-americanos uma atenção voltada para o petróleo. A personagem inicia uma força tarefa
e convoca a todos do sítio de Dona Benta a participarem da aula inaugural, a qual seria ministrada
pelo Visconde de Sabugosa, que, por sua vez, havia lido um tratado de geologia, encontrado pelo
sabugo de milho nas coisas de Dona Benta. Porém, Pedrinho, impaciente, logo se cansou de ficar
sentado, ouvindo as aulas do Visconde. Queria “abrir logo o poço salvador da pátria”. ”Foi assim que
começou o petróleo no Brasil.”
Ao pensar a vida de Lobato, observa-se uma nítida relação entre realidade e ficção. O autor tece, de
forma lúdica, uma crítica ao Brasil desinteressado na existência de ouro negro em seu subsolo. A
obra em análise mostra que autor fez uma profunda pesquisa geológica, que abrange desde os
conhecimentos básicos de geologia até as técnicas de perfuração. Toda esta ciência é materializada
por Lobato em forma de literatura, possibilitando montar na mente do leitor a relação autor
personagem. Com isso, se encontram características diluídas do autor nas personagens Visconde e
Pedrinho, Emília, respectivamente o conhecimento, intrepidez e irreverência.
Podemos concluir que a leitura do livro “O poço do Visconde” suplanta o conhecimento literário,
levando-nos a uma viagem científica e política, abrindo margem para afirmar que a obra não se
restringe apenas a categoria infantojuvenil. Dessa forma, a obra é enriquecida com o diálogo entre as
sábias peripécias das personagens lobatianas e a histórica e atrasada realidade política de um país que
suprime o conhecimento em prol dos interesses orgulhosos de seus governantes militarizados, da era
Vargas, e do interesse das empresas internacionais.
*Rubens Alves Duarte - Graduando do curso de Letras vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB - Jequié). Bolsista de Iniciação Científica do projeto Memórias das Escritoras Brasileiras nas
Escolas, vinculado ao Estação da Leitura da UESB - Jequié. Pesquisador voluntário do Grupo de Estudos da
Teoria do Discurso (GETED) da UESB - Jequié. Discente do curso de Educação Popular em Direitos Humanos
da UESB - Jequié. Experiência na área de dependência química e mediação de conflitos. Coordenador de
grupos de ajuda mútua em comunidades terapêuticas, atuando com dependentes químicos e familiares em
prevenção ao uso de drogas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2066628344514344
**Poliana Souza Lapa - Graduada em Letras Vernáculas, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB) Campus - Jequié (2014). Graduanda em Fisioterapia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB) Campus - Jequié. Participou como Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID). Integrou como pesquisadora voluntária o Grupo de Estudos da Teoria do Discurso
(GETED) da (UESB) Campus - Jequié. Atuou como professora/monitora do Projeto Universidade Para Todos
(UESB) Campus Jequié (2013 - 2014). Membro do Grupo de Pesquisa: Saúde e Qualidade de Vida (SQV) -
CNPq/UESB .Lattes: http://lattes.cnpq.br/9736432462075868
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HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA (1937)
Jeane da Silva Rosário*
Renata Pereira Santos**
“Tia Nastácia é tratada de forma muito amorosa em toda a obra de Lobato. Existem milhares de citações
afetivas em relação à personagem, que tem uma função crucial na vida dos demais personagens: eles
recorrem a ela em busca de conselho, de carinho. Devemos observar ainda que Lobato usa Tia Nastácia como
pretexto para criticar a superstição, a religiosidade e o excesso de crença no sobrenatural. Mas não há
nenhum traço de ódio racial nessas passagens.” João Luís Ceccantini (em entrevista a VEJA em 17/12/2010)
LOBATO, Monteiro. Histórias da Tia Nastácia. 32°. ed. São Paulo. 1994.79.p
Histórias de Tia Nastácia é um livro infantil de autoria de Monteiro Lobato, publicado em 1937. A
obra reúne 44 histórias populares, narradas por tia Nastácia e comentadas por Emília, Narizinho e
Pedrinho...
Esse livro apresenta um conjunto de lendas que mexem com o imaginário de quem ouve e chama
bastante à atenção para o fato de a mesma história ser contada de várias formas, já que cada contador
possui uma crença e uma cultura. Logo, fica evidente, no meio de cada lenda, as mudanças ocorridas
e a inserção de alguns elementos característicos de algumas culturas.
Dentre as várias histórias contadas por Lobato nessa obra, provavelmente, a história do jabuti que foi
a uma festa no céu é a mais conhecida. Essa história diz que iria acontecer uma festa no céu e todos
os bichos que sabiam voar foram convidados. Porém o jabuti, mesmo sem asas, queria muito ir à
festa no céu e arranjou um jeito de participar. O jeito que ele achou foi se esconder no violão do
urubu que, sem desconfiar de nada, o levou para a festa. Chegando lá, o jabuti saiu de dentro do
violão e foi curtir. Quando a festa acabou, o jabuti se escondeu novamente no violão. Mas, no
caminho de volta, o urubu descobriu a façanha do jabuti e, num movimento, fez com que o
clandestino caísse e se espatifasse no chão, transformando seu casco em caquinhos, Deus, com pena
daquela situação, emendou o casco do jabuti e por isso ele tem o casco do jeito que é. Essa é a
história que normalmente conhecemos, porém Lobato acrescenta alguns elementos e muda outros,
afirmando assim, a assertiva de que quem conta um conto aumenta um ponto.
Na versão contada por Lobato, no livro Histórias de tia Nastácia, o Jabuti também foi convidado para
a festa no céu e contou com a ajuda de uma cegonha muito malvada (veja que o urubu foi substituído
por outra ave). No caminho de ida, a cegonha malvada faz uma manobra radical e derruba o pobre
do jabuti que, ao cair, pede que pau e pedra saiam do caminho, pois ele está caindo e pode quebrar o
que tiver no caminho. Sendo assim, paus e pedras abrem caminho para que o jabuti se espatife no
chão. Deus, com muita compaixão, junta seus caquinhos, reestruturando seu casco que virara cacos.
Por conta disso é que seu casco é cheio de remendos.
A partir dessas duas narrativas podemos observar o quanto as histórias populares são ricas de
detalhes e o quão rica foi à colaboração de Lobato no que tange a temática. Além das várias histórias
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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
de Jabuti, são recontadas as histórias de João e Maria, as histórias da onça e o coelho, o sapo e o
coelho, dentre várias outras.
Através dessa obra, Monteiro Lobato narra as histórias populares brasileiras, mostrando o quanto a
cultura estrangeira influência nossas lendas e contos populares, posto que em muitas histórias
aparecem como personagens recorrentes as figuras de reis, rainhas princesas e castelos - alegorias
que não se fazem presentes na nossa cultura. Embora seja uma obra direcionada aos públicos infantil
e juvenil, esse livro discute de forma magistral as lendas que passam de geração a geração e a
riqueza cultural que emana do povo e suas histórias, sendo este muito bem representado através da
personagem tia Nastácia.
Quem melhor que Tia Nastácia para contar às histórias que são fruto da imaginação e criatividade de
um povo? A obra “Histórias de Tia Nastácia” de Monteiro Lobato, está repleta dessas histórias que
são passadas de pais para filhos e ainda fazem parte, de nossa realidade atualmente. Um fato bastante
relevante é ter um personagem negro narrando uma história e assim ganhando voz na literatura.
Mesmo com as “alfinetadas” de Emília, tia Nastácia consegue transmitir seu leque de conhecimentos
sobre as histórias populares.
Lobato apresenta as histórias mais populares do nosso folclore narradas por tia Nastácia e
comentadas pelas crianças, que, ao fim de cada narração, expõem um juízo de valor e fazem um
exercício crítico acerca das mudanças e algumas perdas de partes da história ocorridas no passar dos
anos. Pode-se dizer, por fim, que Lobato procurou narrar histórias populares através dos personagens
do sítio, mostrando os dois horizontes de perprctivas, o lado rico da cultura popular e as críticas que
a cultura erudita tece a respeito da cultura popular no intuito de subjugar a cultura do povão.
Jeane da Silva Rosário- Atualmente cursa o 6° semestre de Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia- UESB, Campus de Jequié. Exerceu a função de estagiária administrativa na biblioteca
Jorge Amado (UESB), durante o período de fevereiro de 2013 a dezembro de 2013. Possui experiência na área
de letras, com ênfase nas discussões de gênero e autoria feminina.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7139926356246278
Renata Pereira Santos- Atualmente cursa o 6° semestre de Letras Vernáculas pela Universidade estadual do
sudoeste da Bahia- UESB, Campus Jequié. Exerce a função de professora da educação infantil no Colégio
Dom Pedro II
***
A CHAVE DO TAMANHO (1942)
Jorge Luís Barreto Pinto* .
“A Chave do Tamanho parece ser, juntamente talvez com O Poço do Visconde, o livro em que Lobato foi
mais sensível às ocorrências contemporâneas a que assistia. Emília toma as dores do mundo e decide, com um
único golpe, dar fim ao morticídio.” (Regina Zilberman)
LOBATO, Monteiro. A Chave do Tamanho; ilustrações Paulo Borges - São Paulo: Globo, 2008.
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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
Era um pôr-do-sol de trombeta (as cores reunidas a fim de proporcionar um único espetáculo)
quando Emília e o resto da turma do sitio comentaram sobre as guerras lá fora. Quando Emília teve
uma ideia. Ela queria tomar o pó de pirlimplimpin (pó mágico) para voar até a “casa das chaves’ para
desligar a chave da guerra e nunca mais haver guerra em lugar algum do mundo. Tratava-se da
Segunda Guerra Mundial. Como eram muitas chaves, Emília puxa a chave errada, e todos os seres
encolhem. Todas as pessoas se tornam tão pequenas quanto os insetos. Animais inofensivos como
cães, gatos e galinhas se tornaram verdadeiras ameaças aos humanos. O dinheiro, as armas e os bens
materiais perderam totalmente o seu valor nessa nova organização mundial.
A velocidade e a pressa, princípios de vida que predominavam entre os homens, tiveram que ser
substituídos pela calma e paciência, pois, segundo Emília, o significado do viver reduziu-se a andar
pelo mundo, zelar por ele e manter o estômago da população suprido… sendo assim, todos iam
construindo as coisas por prazer e não só por necessidade. Escrito em 1942 a obra “A chave do
tamanho” mostra-se extremamente atual em vários aspectos. Com o advento da globalização, a
quantidade e velocidade de informações que chegam ao grande público, elencamos um
questionamento: uma criança com os recursos midiáticos que dispõe, é capaz de refletir sobre a
importância da sua vida, da sociedade em que vive e obter conhecimentos científicos através da
leitura de um livro? Essa obra parece confirmar o pressuposto.
Nesta verdadeira arquitetura literária, Lobato mantém as características que lhe são peculiares, ou
seja, sempre procura ensinar às crianças os assuntos complexos das ciências de forma simples,
porém rica, sem banalizar os assuntos ou subestimar seus leitores. O grande mérito lobatiano nessa
produção é a diversidade de temas abordados tais como, a segunda guerra mundial, a teoria do
evolucionismo e o ciclo da água. Digno de nota também, é o fato do autor instigar seus leitores a
realizarem pesquisas, buscando obter mais informações sobre assuntos muito importantes e
interessantes que são rapidamente abordados, por exemplo: como os ninhos dos pássaros são
construídos, quem seria o grande general de bigode (Hitler) e onde se localiza a Universidade de
Princeton, local em que o construtor da magnífica Cidade do Balde (Pail City) lecionava enquanto
tinha seu tamanho natural.
Nessa história, Monteiro Lobato faz um exercício de olhar extremamente inteligente. Há a
possibilidade de se ver e de se entender o mundo sobre outra perspectiva. Emília, começa a perceber
elementos da natureza que antes sequer pensava. Abre-se assim o mundo do conhecimento para o
leitor, uma nova visão. Além de elementos naturais agora mais entendidos, percebe-se uma
transformação na postura das pessoas. Há uma necessidade de se reavaliar as próprias atitudes. Com
todos os seres minimizados, a guerra acaba e há uma vontade, por parte das crianças, de continuarem
minúsculos. Assim, ocorre um plebiscito em que as crianças perdem unicamente por causa de
Visconde. Ao fim da história, compreendemos que a criança representa a possibilidade de mudança,
bem ao contrário dos adultos que já se acostumaram com o mundo como ele está.
*Jorge Luís Barreto Pinto - Graduado em Letras Vernáculas com Inglês (UNEB); Pós-graduado em
Literatura e Linguagens: o texto Infanto-juvenil (UNEB). Lattes: http://lattes.cnpq.br/3403274211495106
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OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES (1944)
Profª Mara Rúbia Souza Machado*
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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
Profª Drª Maria Afonsina Ferreira Matos**
“... devemos ser iguais a Hércules, ter força e coragem para superar todos os obstáculos de nossas
vidas.”(M.D.)
“...devemos sempre estar prontos para enfrentar os monstros que a vida nos reserva.” (T.) Assistidos do
CRAS/Jitaúna-BA
LOBATO, Monteiro. Os Doze Trabalhos de Hércules. 19ª edição, São Paulo: Brasileense. 2004.
Há mas de setenta anos Monteiro Lobato encanta jovens, crianças e demais leitores com
este clássico da literatura infantojuvenil que serve para instruir, divertir e educar. Com uma
linguagem simples e corriqueira, própria do ambiente rural “zanga”, “chupando os dedos”
“taquara-do-reino”, “carrapato”, “diabinho”, “moita”... ele conduz o leitor a uma aventura
inesquecível, vivenciando emoções dramáticas, cômicas e ameaçadoras com riqueza de
detalhes. O escritor demonstra ser conhecedor da historia e da mitologia grega, pois,
descreve detalhadamente o cenário onde ocorreram as aventuras, lutas, batalhas, desafios e
conquistas do semideus Hércules. O conjunto de obras da mitologia grega - com deuses,
monstros mitológicos, histórias, mitos, superstições e espaço geográfico - são reescritas
com criatividade, leveza e emoção. Dessa forma a narrativa apresenta o duelo entre a
vingança da deusa HERA e o heroísmo do semideus HÉRCULES.
Narra o nascimento de Hércules a partir da intenção de Zeus de ter um filho capaz de
solucionar os problemas políticos da Grécia; da sua educação no cenário de heroísmo da
Hélade e das interferências de Hera no seu destino: induzido pela deusa, ele comete um
crime bárbaro e, em consulta ao oráculo de Delfos, recebe orientações de ficar a serviço do
primo Euristeu (rei de Micenas) que, ao contrário do herói, era débil, medroso, maligno e
temia a própria sombra.
O livro “Os Doze Trabalhos de Hércules”, é apresentado por LOBATO em dois volumes. O
volume I narra do o primeiro trabalho – O LEAO DE NEMEIA - até o sexto – AS AVES
DO LAGO ESTINFALE. O segundo volume descreve do sétimo trabalho – O TOURO DE
CRETA – até o ultimo – HÉRCULES E CÉRBERO. O escritor apresenta as aventuras de
Pedrinho, Visconde de Sabugosa e a boneca Emília em uma viagem a Grécia Antiga. Nessa
viagem, os três personagens da turma do Sítio do Picapau Amarelo conhecem a historia, os
deuses e os mitos gregos e criam fortes laços de amizades com o herói Hércules de forma
que a pequena boneca passeia sentada nos ombros do semideus, aconselhando-o com
espertas ideias para facilitar a realização dos doze desafios que lhe foram impostos.
Comovida com o rito de iniciação do herói, a turma do sitio começa a observar, vibrar e
interferir em cada trabalho de Hércules. Assim, o guerreiro grego conta com as habilidades
e conhecimentos dos personagens do sitio, a exemplo dos “olhinhos de telescópio” da
Emília. O herói já possuía força, coragem e valentia, mas, carecia de esperteza da boneca
falante.
Lobato descreve Hércules como um “burrão de nascença como todos os grandes atletas”,
mas muito honesto, pois capturou a corça e não serrou os chifres de ouro, “grande como
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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
uma estatua,” “extremamente forte”, “imponente”, “herói invencível,” “bruto”, mas,
dotado de um grande coração e com uma doçura que ninguém a possuía, bondoso e
companheiro,... Mesmo com estas gigantescas qualidades, ele é apelidado por Emília de
LELÉ e sentia medo a cada novo trabalho. É um homenzarrão de muita força bruta, mas de
inteligência vazia e depende dos picapauzinhos para sair vitorioso em suas gestas.
Influenciado pelo sentimento de ciúme e vingança da deusa Hera, o rei Euristeu, primo de
Hércules, impõe realização doze terríveis trabalhos: O Leão da Nemeia, A Hidra de Lerna,
A Corça de Pés de Bronze, O Javali de Erimanto, As cavalariças de Augias, As Aves do
Lago Estinfale, O Touro de Creta, Os Cavalos de Diomedes, O Cinto de Hipólita, Os Bois
de Gerião, o Pomo das Hesperídes, Hércules e Cérbero. Todos esses desafios são
executados com a participação dos picapauzinhos e, ao final de cada gesta, a amizade e o
afeto dos heróis do sítio pelo herói grego crescem, comovendo os leitores.
Trata-se, pois, de uma obra parodística que exige dos leitores informações históricas
anteriores ao texto para ser lida de fato. Por isso, costuma ser relegada ao esquecimento nos
espaços de educação formal. Perdem os professores que são privados de um exercício de
mediação qualificada, perdem aos alunos que não podem rir de aventuras construídas sobre
o jogo de vozes clássica e moderna e perdem ambos por não acessarem uma obra poética em
prosa...
*Mara Rúbia Souza Machado - Licenciada em Letras e Especialista em Literatura Infanto-juvenil pela
UESB. Professora da Rede Municipal de Jequié. Ex-bolsistas de Pesquisa do Projeto “Letras de Nossa Terra”
pela FAPESB. Idealizadora do Projeto “Os doze trabalhos de Hércules: no conto e encanto de uma história
mitológica”. Colaboradora Voluntária do CEL/UESB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8311113695554037
**Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),
Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela
FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB, juntamente com a Profª. Drª.
Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,
especialmente da obra lobatiana. É autora do livro Mais uma História de Três Porquinhos em co-autoria com
Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328
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DOZE MOTIVOS PARA LER “OS DOZE TRABALHOS DE
HÉRCULES” (1944)
Davi Carvalho Porto*
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“Em ‘Os Doze trabalhos de Hércules’, Lobato renova a voz de uma civilização clássica, atualizando a fala de
um herói do passado, para (res)significá-lo junto com os leitores de todos tempos” (Maria Afonsina Ferreira
Matos)
LOBATO, Monteiro. Os Doze Trabalhos de Hércules. 19ª edição, São Paulo: Brasileense. 2004
Trata-se de uma adaptação do mito grego Hércules, para “leitores infantis e juvenis”, bem ao modo
lobatiano de recriar histórias clássicas. A obra foi publicada por Lobato em 1944, década conturbada
da história humana, que assolada pelos horrores da II Guerra Mundial, clamava por paz e
prosperidade. Vale lembrar que, no Brasil, a coisa não era diferente. O povo vivia assustado e
acompanhava as notícias da guerra pelo rádio e pelos jornais.
Primeiro motivo: singular nos parece o olhar de Lobato, que neste contexto histórico de barbárie e
horror, mergulha na história da humanidade e nos feitos de um herói grego, poeticamente acolhido,
para, a partir daí, refletir sobre o humano. Assim, o livro narra a viagem dos moradores do Sítio do
Picapau Amarelo, através do Pó de Pirlimpimpim, à Grécia Antiga. Pedrinho, Emília e Visconde vão
à Grécia Antiga em busca do herói grego Hércules, porém ao encontrá-lo, se deparam com um herói
desajeitado e atrapalhado, e, ao mesmo tempo, forte e sensível.
Segundo motivo: na Grécia Antiga, Hércules era um herói de grandes feitos, famoso por sua imensa
força, e por ter cumprido os doze trabalhos que o diabólico Rei Euristeu, a pedido de Hera, o
ordenava a fazer. O ódio de Hera pelo herói advinha do fato dele ser filho de Zeus com a mortal
Alcmena, portanto, fruto de uma traição. Por esta razão, Hera o perseguira por toda a vida. A
genealogia de Hércules revela o seu caráter de semideus, que é traço comum aos heróis gregos.
Terceiro motivo: o livro revela a profunda erudição de Lobato acerca da Grécia Antiga e da
Mitologia Grega, o que já havia ocorrido anteriormente em O Minotauro. O autor crê na necessidade
das crianças de seu tempo conhecerem a cultura clássica, para, a partir daí, refletirem sobre o seu
tempo histórico, por isso não diminui os feitos e defeitos dos deuses, semideuses e humanos, ao
contrário, evidencia o estado de hýbris (= falta) de Hércules.
Quarto motivo: Os doze trabalhos de Hércules revela uma intenção de Lobato de demonstrar que o
que garante o sucesso da empreitada é a união do grupo. Isto fica claro na ordem, e, na forma como
se apresentam e são resolvidos os trabalhos. No primeiro trabalho, que foi matar o Leão da Neméia,
em cuja pele nada penetrava, é com a ajuda de Emília que o trabalho foi resolvido. De cima de uma
árvore - onde se encontrava juntamente com Pedrinho e Visconde – ela gritou para Hércules asfixiar
o leão. Assim, ele saiu vitorioso.
Quinto, sexto e sétimo motivos: a união do grupo é a base da questão, isto se presentifica no segundo
trabalho, que foi buscar a cabeça da Hidra de Lerna, no terceiro trabalho, que foi capturar a corça dos
pés de bronze, animal sagrado, protegido pela Deusa Artemis, bem como, no quarto trabalho, onde o
Rei Euristeu ordenou que Hércules capturasse o pavoroso javali do Monte Erimanto, na Arcádia, e
Pedrinho deu a ideia de capturá-lo vivo - para isso fizeram um mundéu, o animal caiu na armadilha e
foi levado a Micenas.
Oitavo motivo: o mesmo acontece no quinto trabalho, quando o herói limpou as cavalariças do Rei
Augias, amigo do Rei Euristeu, cujos estábulos possuíam um cheiro venenoso e mortal. Então, para
ajudar Hércules, Pedrinho teve a ideia de fazer a junção de dois rios, o Alfeu e o Peneu. Assim
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aconteceu, Hércules fez a junção entre os dois rios e limpou os estábulos onde se encontravam os
cavalos.
Nono motivo: no sexto trabalho de Hércules, que foi banir as aves do Lago Estinfale, cujas penas
eram de bronze e afiadas como facas, e, também eram antropófagas, é com a ajuda do címbalo de
Hefaístos entregue ao herói pelo mensageiro de Palas de Atenas, que ele toca o objeto sagrado e
expulsa as aves que em debandada fogem do lago.
Décimo e décimo primeiro motivos: no sétimo trabalho de Hércules, ele capturou vivo o touro louco
que vivia na região de Creta, com a brilhante ideia de Pedrinho, a de fazer uma armadilha, tais como
as que ele armava no Sítio de Dona Benta. É também através da união que o grupo resolve o oitavo
trabalho de Hércules, que tinha ordens para acabar com as quatro éguas de Diomedes, cujos nomes
eram Podargo, Lampom, Janto e Deno. É também assim que o grupo consegue levar para Micenas o
cinto de Hipólita no nono trabalho. Já no décimo trabalho, eles conseguem levar para Micenas os
bois selvagens do mais horrendo gigante que havia na Hélade, Gerião.
Décimo segundo motivo: nos dois últimos trabalhos, Hércules tem de ir ao Jardim das Hespérides e
levar para o Rei Euristeu os pomos de ouro que ficavam em uma árvore e eram guardados por um
dragão de cem cabeças. Ele mata o dragão e ganha como presente das Ninfas uma cesta cheia de
pomos de ouro, como agradecimento. No último trabalho, Hércules desce ao Hades, que era um
reino para onde ia a sombra dos mortos. Ele traz de lá Cérbero, o cão do mau, que era um mastim de
três cabeças e possuía cauda de dragão, levando-o quase morto para o Rei Euristeu. Por fim,
Hércules se despediu dos “três picapaus” que o auxiliaram, indo com ele Meioameio ( um
centaurinho) e Cérbero. Concluídos os trabalhos, aspirando o pó de pirlimpimpim, Pedrinho, Emília
e Visconde voltaram ao Sítio do Picapau Amarelo.
Doze trabalhos, doze motivos para lê-los: gestas, heroísmo, construção de amizade, união, aventura,
humor, conhecimento, coragem, força moral, inteligência em ação, reflexão e trabalho são lições que
Lobato e Hércules ensinam para os leitores de sempre. Assim, nesta breve resenha, só nos resta,
enquanto humildes entusiastas da leitura da obra lobatiana, nos despedirmos com uma citação da
música Os doze trabalhos de Hércules, de autoria do cantor e compositor Zé Ramalho: “Os doze
trabalhos de Hércules /a todos eles irá cumprir, /herói dos heróis da Grécia, /com muitos deuses irá
seguir.” Com esse livro, Lobato nos faz também segui-lo...
*Davi Carvalho Porto: Graduado em Letras/ UESB-Jequié; Especialista em Língua Portuguesa/ UESB-
Jequié; Especializando em Literatura e Linguagens: o texto Infanto-Juvenil/UNEB-Ipiaú; Tutor do Curso de
Leras Ead UAB/UFS; Servidor do Hospital Universitário da UFS. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/6013922434961473
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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
4- RESENHA DE ADAPTAÇÕES DA OBRA LOBATIANA
AS MELHORES HISTÓRIAS EM QUADRINHO DO
SÍTIO DO PICAPAU AMARELO
Profª Ms. Adilma Nunes Rocha*
“Traduzir é muito difícil, não menos difícil do que escrever textos mais ou menos originais – mas não é
impossível (...). Tradução e criação são operações gêmeas. De um lado, [...] a tradução é indistinguível muitas
vezes da criação; de outro, há um incessante refluxo entre as duas, uma contínua e mútua fecundação.”
(Otávio Paz)
“No caso da função poética, contudo, um signo traduz o outro não para completá-lo, mas para reverberá-lo,
para criar com ele uma ressonância, o que,[...] constitui-se num princípio fundamental para as operações de
tradução estética.” (Julio Plaza)
LOBATO, Monteiro. 1882- 1948. As melhores histórias em quadrinhos do Sítio do Picapau
Amarelo. – São Paulo: Globo, 2008. (Coleção HQs do Sítio do Picapau Amarelo).
Muito comum na contemporaneidade, o processo de tradução estética caracteriza-se por produzir
diálogos entre diferentes artes, dentre eles destacamos a tradução de obras literárias em histórias em
quadrinhos (HQ). Monteiro Lobato foi um dos escritores que tiveram suas obras como força motriz
de produções quadrinísticas tanto na vertente das HQs lançadas pela Editora Globo desde a década
de 1970, quanto nas quadrinizações literárias com projeto publicado em 2012 pela mesma editora.
As HQs da turma do Sítio do Picapau Amarelo ganharam maior visibilidade nas bancas de jornal a
partir de 2003 quando tornaram-se um dos principais títulos de quadrinização infantil da Editora
Globo em substituição à Turma da Mônica, apresentando o processo ilustrativo inspirado na última
série televisiva homônima.
Em 2008, a mesma editora resolveu tirar de circulação das bancas as HQs Sítio do Picapau Amarelo,
Emília e Cuca tornando-as coletâneas exclusivas das livrarias em formato de livro. Tal projeto foi
intitulado As melhores histórias do Sítio do Picapau Amarelo, lançado em duas edições (2008 e
2010).
As melhores histórias do Sítio do Picapau Amarelo, na segunda edição, é a republicação das
histórias em quadrinhos Sítio do Picapau Amarelo nº 02, 07, 08, 09, 10 e 14; e Emília nº01 e 07 com
roteiros de Arcon, André Simas, Rai, Stil, Roberto Munhoz e Jacquline e ilustrações do grupo Cor e
Imagem e Traviata Produções Artísticas. São elas: A casa bem assombrada; Quem nunca reinou um
dia?; O amor sempre vence; Mão boa; Figado indiscreto; A desmiolice da Emília; Grande Rabicó;
Quem acha é dono?; Advinhe quem veio pro Sítio?; O que é, o que é?; O indirigível.
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Da revista Sítio do Picapau Amarelo foram selecionadas sete das onze HQs que compõem a
coletânea. Destaca-se a história que inicia o projeto A casa bem assombrada cujo enredo traz Emília,
Pedrinho e Narizinho em busca de um bom lugar para um piquenique. Eles acabam por se instalar
em frente a uma casa mal-assombrada, fato que só é notado por Rabicó que segue os três amigos.
Apesar dos receios, eles resolvem entrar para explorar o ambiente. Lá se assustam com barata,
barulho de gotas d’água em pia e portas rangendo, até que se defrontam com um vulto branco que
desce as escadas. Desesperados, derrubam uma parede de madeira e fogem. Só então Zé Carneiro
retira o lençol que o cobre, reclama que não se pode dormir sem sossego e vai embora.
E o insólito ocorre, quando se nota que em algum canto dentro da casa, o conde Drácula levanta
exausto e reclama que está ficando impossível dormir ali. Percebe-se que, como ocorre nas obras de
Lobato, a relação entre o real e o sobrenatural é tratada de forma inusitada e instigante, levando o
leitor a refletir qual seria o liame entre estes dois mundos: o medo ou o mistério?
Outra história que merece comentário é Quem nunca reinou um dia?. O enredo inicia-se com Dona
Benta reclamando Pedrinho, Narizinho e Emília pela última arte: trazer para o sítio o Barba Azul que
queria casar com Tia Nastácia. Emilia questiona se Dona Benta nunca aprontara quando criança. As
duas senhoras passam a lembrar do que gostavam de fazer na tenra infância.
A bonequinha muito arteira, com o mágico recurso do “faz de conta que”, provoca o recuo do tempo
apenas para Dona Benta e Tia Nastácia que voltam a ser crianças. Pedrinho e Narizinho tornam-se
babás das meninas desastradas e já cansados de evitar as peraltices das duas, exigem que Emília
desfaça o encanto. Quando voltam à idade normal, as duas senhoras continuam a reclamar do
comportamento deles e afirmam terem sido elas crianças de bons modos, o que provoca a risadaria
dos três.
Nesta HQ, uma marca da escrita lobateana aqui potencializada pelo icônico é a crítica à postura
adulta cristalizada em comportamentos preconizados como aceitáveis para a infância,
invisibilizando e negando a própria condição do ser criança.
Das revistas Emília, foram republicadas nesta coletânea duas HQs. Em A desmiolice da Emília, a
bonequinha de pano entra em estado catatônico, o que provoca a preocupação de Narizinho,
Pedrinho e dos leais besourinhos. A notícia chega até a Cuca que se transforma em uma lagartixa
para acompanhar de perto o fato.
Visconde é informado do acontecido e deduz que Emília estava com desmiolice aguda, estado típico
de quem passa muito tempo com a cabeça no mundo da lua e a cura só ocorreria se eles fossem até a
lua buscar os pensamentos da bonequinha. Neste intuito, utilizando o pó de pirlimpimpim, Visconde,
os dois primos, os besourinhos levam a bonequinha para Lua, acompanhados pela Cuca disfarçada
de lagartixa.
Lá, os amigos dedicam-se à busca dos pensamentos emilianos e surpreendem-se com os outros
diversos encontrados: desmatamento, queimada, guerra, violência, miséria, poluição. Enquanto a
busca continua, a Cuca, transformada em lagartixa, instiga um dragão a incinerar os pensamentos
perdidos com o fito de destruir os pensamentos da bonequinha falante e por consequência ela
própria.
Narizinho desesperada, ajoelha-se e clama por São Jorge que aparece e domina o dragão, refugiando-
o na gruta. Lá, sem o feitiço que a tornava lagartixa, a Cuca torna-se objeto da paixão da fera que a
submete a cuidar de sua gruta.
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Os amigos de Emília devolvem os pensamentos da bonequinha, quando ela mesma revela que o
motivo de estar com a cabeça no mundo da lua era por pensar no belo São Jorge. A turma resolve
voltar para o sítio, antes que Emília deixasse São Jorge louco com suas insinuações.
Temos nesta HQ a tradução como trânsito de sentidos, como transcriação da própria historicidade no
diálogo da obra lobatiana com temática pós-moderna, para além do contexto de criação da obra base.
É o quadrinista-leitor que ao reelaborar a história faz uma leitura crítica da própria História. O
retorno à lua se dá em circunstância de problematização do pensar e atuar do ser humano na
sociedade contemporânea.
A HQ O indirigível fecha com chave-de-ouro a coletânea, tanto pela incomum estratégia narrativa
quadrinística adotada quanto pelas marcas do texto lobatiano nela implícitas. No que se refere a
estratégia narrativa, o enredo é introduzido de forma inovadora: na primeira página temos a
apresentação do clímax da história, quando o caos se instala com varal voando, pendurada em uma
vaca que por sua vez está pendurada na Cuca. Esta, por meio de uma corda, está pendurada numa
invenção de Emília.
Após apresentar o clímax na introdução, a narrativa se desenvolve com requadros num recuo
temporal da história para apresentar o motivo e os fatos consecutivos geradores do caos. Inicia com
as informações que Emília obteve de Visconde sobre a invenção de Santos Dumont. Então ela
consegue o material para a construção do seu indirigível utilizando de várias artimanhas. Pedrinho,
Visconde, Saci e a Cuca (que teve grande prejuízo com a arte da bonequinha) descobrem as
peraltices por ela feitas, porém a inventora e seu aparelho voador já tinha ganhado o céu. A Cuca
irada acaba com os planos da bonequinha conseguindo provocar a pane do indirigível que vai ao
chão. Finaliza com os tombos da Cuca, da vaca e o retorno de Emília desconsolada e sendo
confortada por Visconde, apesar dos protestos de Tia Nastácia.
A HQ em questão, ao apresentar uma das principais personagens com uma aventura rica em
peripécias, potencializa a obra lobatiana, perpetuando na metáfora que é Emília, a crença no
potencial criatitivo e empreendedor que toda a criança tem quando lhe é respeitada a condição da
infância.
Assim, na obra infantil quadrinístico As melhores histórias do Sítio do Picapau Amarelo reverberam
muitas das características do texto literário infantil Lobatiano, tais como os neologismos, a quebra do
maniqueísmo, a valorização do ser criança, a diversidade cultural. Também agregam valores
apontados por Nelly Novaes Coelho como característicos da produção contemporânea da literatura
infantil, a saber, intensificação do protagonismo grupal; visibilidade das personagens que sempre
ficaram nas margens ou apenas coadjuvantes surgindo aventuras onde a ação se desenvolvem a partir
delas, a exemplo da Cuca, Rabicó, Tia Nastácia, Tio Barnabé; criação de novos personagens que dão
maior dinâmica ao enredo como Pesadelo (serviçal da Cuca), Ciça (sobrinha boazinha da Cuca),
entre outros.
Nota-se dessa maneira que as HQs surgem como tradução de forma criativa da obra lobatiana para a
linguagem dos quadrinhos. Não se trata de identidade, ou seja, a mera reprodução-cópia dos textos
literários de Monteiro, mas de semelhança por desenvolver para outros contextos temporais e
culturais os elementos literários da obra infantil por ele criada no início do século XX. Tal
potencialização faz surgir uma nova obra/arte em qualidade diversa, produto da transformação do
texto que a inspira.
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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588
*Adilma Nunes Rocha - Graduada em Letras Vernáculas pela UESB/Campus de Jequié (1996), Especialista
em Literatura Brasileira pela UESB/Campus de Vitória da Conquista(1997). Mestra em Estudos de Linguagens
pela UNEB/Campus I/Salvador-Bahia (2012).Professora da área de Estudos Literários da UNEB/Campus XXI,
desde 2004.Coordenadora da Pós-graduação Lato Sensu: Especialização em Literatura e Linguagens: o texto
infanto-juvenil – UNEB, Campus XXI. Professora de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio.
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REFERÊNCIAS
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AZEVEDO, Carmen Lúcia de; CARMAGOS, Márcia & SACCHETTA, Vladimir. Monteiro Lobato:
Furacão na Botocúndia. 3º Ed. São Paulo: Editora SENAC, 2001.
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LOBATO, Monteiro. 1882-1918. Fábulas/ Monteiro Lobato: Ilustrações Alcy Linares, - São Paulo: Globo
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LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho (1933), Editora Globo, 72p.
LOBATO, Monteiro. Histórias do mundo para crianças. São Paulo: Brasiliense, 2004.
MONTEIRO, Lobato. Emília no país da gramática, 40ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1996.
MONTEIRO, Lobato. Emília no País da Gramática. 27ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1983.
MONTEIRO, Lobato. Aritmética da Emilia, 29ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1995.
LOBATO, J. B.M. Memórias da Emília. 42. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
LOBATO, Monteiro. Dom Quixote das crianças. Disponível em
ttp://ir.nmu.org.ua/bitstream/handle/123456789/139075/13e6dbfad71bbd510023295985839fcd.pdf?s
equence=1 . Acesso em: 07 de Jul. 2015.
LOBATO, José Bento Monteiro. O poço do Visconde. São Paulo: Brasiliense 2004.
LOBATO, Monteiro. Histórias da Tia Nastácia. 32°. ed. São Paulo. 1994.79.p
LOBATO, Monteiro. A Chave do Tamanho; ilustrações Paulo Borges - São Paulo: Globo, 2008.
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Amarelo. – São Paulo: Globo, 2008. (Coleção HQs do Sítio do Picapau Amarelo).
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AGRADECIMENTOS
O sonho de comemorar dez anos de atividades GPEL- Grupo de Pesquisa e Extensão em Lobato se
fez realidade graças à colaboração de todos: professores, estudantes, voluntários... Como ilustra este
Caderno, a festa está animada com palestras, círculos de leitura e oficinas aplicadas em vários
espaços de educação formal do território de Jequié/BA...
A comunidade do Médio Rio de Contas está sendo homenageada com uma série de eventos,
atividades comemorativas: sessões de estudo, worshops, oficinas e publicações... Tudo em nome de
uma celebração digna do aniversariante: sua memória e horizonte de expectativas...
Assim, fica aqui registrada a gratidão do grupo a todos os colaboradores da comunidade acadêmica
da UESB e comunidade externa, em especial aos voluntários – marca registrada do grupo que se
iniciou e sobrevive ainda hoje, graças à ação voluntária de tantas pessoas de boa vontade...
Grato,
GPEL.
Jequié/BA, julho de 2015.