caderno de resenhas: no sítio de lobato

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CADERNO DE RESENHAS: No Sítio De Lobato Organização: Maria Afonsina Ferreira Matos Ana Lúcia de Jesus Santos Publicações CEL/UESB Jequié-BA 2015

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CADERNO DE RESENHAS: No Sítio De Lobato

Organização:

Maria Afonsina Ferreira Matos

Ana Lúcia de Jesus Santos

Publicações CEL/UESB

Jequié-BA

2015

2 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA

UESB

Paulo Roberto Pinto Santos

Reitor

Fábio Félix Ferreira

Vice-Reitor

Talamira Taita Rodrigues Brito

Pró-Reitora de Graduação

Alexilda de Oliveira Souza

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação

Maria Madalena Neta

Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários

Adriano Rodrigues Brandão Correia

Pró-Reitor de Administração e Recursos Humanos

Luciano Alves Costa

Prefeito de Campus de Jequié

Francislene Cerqueira Alves

Diretora do Departamento de Ciências Humanas e Letras

Marco Salviano Bispo Queiroz

Coordenador do Colegiado do Curso de Letras

Roberta Azoubel

Coordenadora de Extensão/Jequié

Nádia Machado Aragão

Assessora Especial da Reitoria/Jequié

Bruno Ferreira dos Santos

Assessor Acadêmico/Jequié

3 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

CENTRO DE ESTUDOS DA LEITURA- CEL

PROGRAMA ESTAÇÃO DA LEITURA

GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM LOBATO- GPEL

EQUIPE DE TRABALHO

Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos

Coordenação Acadêmica

Profª. Ms. Carla da Silva Lima

Coordenação Administrativa

Ana Lúcia de Jesus Santos

Coordenação Editorial Interina

Profª Drª Elane Nardotto Rios Cabral

Coordenação de Pesquisa

Profª. Esp. Gizelen Santana Pinheiro

Coordenação de Projetos e Relatórios

Profª. Dr.ª Adriana Maria de Abreu Barbosa

Grupo de Estudo em Teorias do Discurso- GETED

Profª. Amanda Silva Cardoso

Grupo de Pesquisa e Extensão e Lobato- GPEL

Profº. Esp. Luciano Chaves Sampaio

Núcleo de Imagem e Leitura

Antonio Bobbio Maria Codina

Bruno Ferreira de Matos

Profª. Esp. Cristiane Ghidetti Caetité

Leonardo Mendes Menezes

Maria Célia da Silva Cruz

Comissão de Revisão e Tradução

Jeane Cristina Barbosa Paganucci

Estagiária de Docência- Mestrado/ UESC

Ana Lúcia de Jesus Santos

Jeane de Oliveira Cruz

Estagiárias

4 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Copyrigth © 2015 Maria Afonsina Ferreira Matos; Ana Lúcia de Jesus Santos.

Publicações CEL/UESB (http://estacao-da-leitura.webnode.pt/)

Coordenação Editorial: Ana Lúcia de Jesus Santos

Coordenadora do projeto: Maria Afonsina Ferreira Matos

Co-coordenador do projeto: Ana Lúcia de Jesus Santos

Projeto de capa: Ana Lúcia de Jesus Santos

Supervisão de Arte e Diagramação: Ana Lúcia de Jesus Santos

Apoio Técnico: Profª Drª. Maria Luzia Braga Landim

FICHA CATALOGRÁFICA

M382 Matos, Maria Afonsina Ferreira.

Caderno de resenhas: no Sítio de Lobato./ Maria Afonsina Ferreira Matos, Ana Lúcia de Jesus

Santos.- Jequié: CEL/ UESB, ano1 n.1 v.1 (jul/ago/2015).

51p.

1.Literatura – Monteiro Lobato 3.Leitura I.Santos, Ana Lúcia de Jesus II.Título

CDD – 869

Jandira de Souza Leal Rangel - CRB 5/1056. Bibliotecária – UESB – Jequié

Correspondências para:

CEL/UESB – a/c Ana Lúcia de Jesus Santos ou Maria Afonsina F. Matos

Av. José Moreira Sobrinho, S/Nº (Sala Anexa à Biblioteca Jorge Amado) –

Bairro Jequiezinho

Jequié/BA - Brasil – CEP 45 206-510

[email protected]

Obs.: * As resenhas publicadas neste caderno são de inteira responsabilidade dos seus autores

*Conselho Editorial Consultivo: Profª Ms. Zilda de Oliveira Freitas/UESB; Profª Drª

Maria Antônia Ramos Coutinho/UNEB; Profª Drª Lícia Maria Freire Beltrão/UFBA

5 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Os dez anos de história do GPEL – Grupo de

Pesquisa e Extensão em Lobato tem a cor das

mãos voluntárias que se entrelaçaram em nome de

um sonho e uma provocação: abrir espaços de

leitura da obra lobatiana e de produção de

conhecimento responsável e responsivo sobre sua

obra e biografia.

Aos inúmeros voluntários que aceitaram essa

parceria de desejo, aqui representados por:

*Luana Lopes – fundadora do Grupo;

*Davi Carvalho Porto e Profa. Dra. Elane

Nardotto Rios Cabral – que mais tempo de

vonluntariado dedicaram ao grupo,

dedicamos reconhecimento por meio desta

publicação.

6 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO...................................................................................................................................................7

1. RESENHAS DE OBRAS SOBRE A BIOGRAFIA DE MONTEIRO LOBATO 1.1. MONTEIRO LOBATO: UM BRASILEIRO SOB MEDIDA..........................................................................8

1.2. FURACÃO NA BOTOCÚNDIA...................................................................................................................11

2. RESENHAS DAS OBRAS ADULTAS DE MONTEIRO LOBATO:

2.1. CIDADES MORTAS.....................................................................................................................................13

2.2. O PRESIDENTE NEGRO..............................................................................................................................15

2.3. O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO E FERRO...............................................................................................16

3. RESENHAS DAS OBRAS INFANTIS E JUVENIS DE MONTEIRO LOBATO:

3.1. O SACI...........................................................................................................................................................19

3.2. O SACI...........................................................................................................................................................20

3.3. O SACI...........................................................................................................................................................21

3.4. FÁBULAS......................................................................................................................................................22

3.5. REINAÇÕES DE NARIZINHO....................................................................................................................24

3.6. CAÇADAS DE PEDRINHO..........................................................................................................................27

3.7. HISTÓRIAS DO MUNDO PARA AS CRIANÇAS.....................................................................................28

3.8. EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA..........................................................................................................29

3.9. EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA..........................................................................................................30

3.10. ARITMÉTICA DA EMÍLIA..........................................................................................................................32

3.11. MEMÓRIAS DA EMÍLIA.............................................................................................................................33

3.12. DOM QUIXOTE DAS CRIANÇAS..............................................................................................................35

3.13. O POÇO DO VISCONDE..............................................................................................................................37

3.14. HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA................................................................................................................38

3.15. A CHAVE DO TAMANHO...........................................................................................................................40

3.16. OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES...................................................................................................41

3.17. DOZE MOTIVOS PARA LER “OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES”............................................43

4. RESENHA DE ADAPTAÇÕES DA OBRA LOBATIANA

4.1. AS MELHORES HISTÓRIAS EM QUADRINHO DO SÍTIO DO PICAPAU AMARELO......................46

REFERÊNCIAS......................................................................................................................................................50

AGRADECIMENTOS...........................................................................................................................................51

7 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

APRESENTAÇÃO

“Numa casinha branca, lá no sítio do Pica-pau Amarelo,

mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se dona

Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de

cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do

nariz, segue seu caminho pensando:

— Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto...

Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós...”

Monteiro Lobato, em: Reinações de Narizinho

Foi assim que Lobato começou a saga do Picapau Amarelo, partindo da realidade ordinária de uma

modesta casinha branca para se lançar cada vez mais nas ondas da imaginação...

Com o GPEL – Grupo de Pesquisa e Extensão em Lobato - também foi dessa maneira... Numa

salinha branca, de fundo de biblioteca, uma aluna, uma professora e uma estagiária são vistas pelos

passantes que não dão nada por elas... Enganam-se, elas também mobilizaram o sonho, formaram

parcerias de desejo com mais alunos, professores estagiários, bolsistas, prestadores de serviço e

voluntários, mergulhando numa produção de conhecimentos intensa e instigante... Isso faz dez

anos... Dez anos de estudos... Dez anos de Pesquisa... Dez anos de Extensão... Dez anos de

publicações...

Esse Caderno de Resenhas é apenas uma amostra do trabalho feito ao longo desse tempo... Ele

revela, em pequena escala, a quantidade de pessoas mobilizadas em saber e produzir saber sobre

Lobato e sua obras, a quantidade de estudos, conhecimento produzido em sessões de estudo em

grupo, e, sobretudo, ele mostra que houve estudo de fato para gerar opiniões e declarações

responsáveis sobre o autor e sua produção intelectual. Em outras palavras, ele atesta que não só a

quantidade que aqui importa, mas que a qualidade da assertiva, a profundidade da reflexão, o juízo

crítico com conhecimento de causa estão sendo procurados e realizados nessa trajetória acadêmica

Essas lições lobatianas, de busca por conhecimento responsável e responsiva, de exercício da ação

criativa e do pensamento crítico sabe-se de cor no GPEL... Lá, cada um escolhe do que quer falar e

como falar. Uns se propõem falar do Saci, outros de Hércules... Uns discutem as memórias da

Emília, outros vão ao Escândalo do Petróleo e ao Poço do Visconde (tema tão pertinente para o

momento histórico do país)... Uns se voltam para as cidades mortas, outros preferem a história da

Humanidade e assim por diante...

E, desse jeito quase picapau, vai seguindo o grupo unido pela vontade de entender e partilhar

conhecimento – fruto de reflexão - dentro e fora da Universidade... Uns e outros podem se deter

sobre diferentes textos, mas todos estão irmanados na ideia de investigação e de emissão de juízo a

partir da observação atenta e cuidadosa sobre as letras lobatianas...

Pelas páginas que se seguem, os leitores desse Caderno poderão conferir e sentir um pouco do que

foi realizado até então... Um trabalho de modestos sonhadores e de leitores apaixonados da obra

lobatiana....

Boa leitura! Maria Afonsina Ferreira Matos Orientadora do GPEL/CEL/UESB

Inverno/2015

8 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

1 - RESENHAS DE OBRAS SOBRE A BIOGRAFIA DE

MONTEIRO LOBATO

MONTEIRO LOBATO: UM BRASILEIRO SOB MEDIDA (2000)

Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*

Profª.Esp.Gizelen Santana Pinheiro**

“A literatura atravessa diferentes saberes humanos, sociais e mesmo científicos, antecipando em narrativas,

realizações e experiências que só o imaginário o concebe para então materializá-las”. (Eliana Yunes)

LAJOLO, Marisa. Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo: Moderna, 2000.

Em Um brasileiro sob medida, Lajolo, é apresentada a biografia de Monteiro Lobato a partir de uma

cuidadosa pesquisa. Inicia-se com o nascimento do escritor, relatos da infância, da vida escolar até o

ingresso na faculdade de Direito; fala do casamento, da constituição da família; conta sua trajetória

como fazendeiro, editor, empresário, escritor de livros literários para adultos e crianças; encerrando-

se com dados sobre sua morte.

Conta a biografia que Monteiro Lobato nasce em 18 de abril de 1882 em Taubaté - filho primogênito

de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato. Neto pelo lado materno do

visconde de Tremembé, de quem herdará mais tarde a Fazenda Buquira, o menino é batizado como

José Renato, mudando mais tarde para o nome José Bento no desejo de usar uma bengala do pai. Sua

infância é marcada pela vivência na roça e temporadas longas na casa que os pais mantinham na

cidade, além das visitas demoradas à casa do avô Visconde.

Lajolo informa que as primeiras lições de Lobato são ministradas em casa por sua mãe, cita os

primeiros colégios frequentados por ele, até o ‘Colégio São João Evangelista’, onde conhece o

diretor Antônio Quirino de Souza Castro, em cuja casa, mais tarde se aproxima de sua futura esposa.

No final do século XIX, vai estudar no Instituto Ciências e Letras as matérias necessárias ao ingresso

no curso de Direito, porém é reprovado em Português e retorna a Taubaté para o Colégio Paulista.

Lá, estreia como escritor, colaborando com ‘o Guarany’ - jornalzinho estudantil. Segundo a biógrafa,

em 1895, Lobato retorna a São Paulo para novos exames, agora bem sucedidos, sendo aprovado no

Instituto Ciências e Letras, onde permanecerá por três anos... Entre 1898 e 1899, após a morte dos

pais, e tendo a sua guarda assumida pelo avô, é obrigado a abandonar a sua vocação para as Belas-

Artes e a matricular-se na Faculdade de Direito, demonstrando desde o início desinteresse. Sua

atenção é voltada para a colaboração no jornal ‘Onze de Agosto’ e para a ‘Arcádia Acadêmica’.

Formado, o doutor Monteiro Lobato retorna a Taubaté. Pretende casar-se. Em 1907, é nomeado

Promotor de Areias, cidadezinha no Vale do Paraíba. Areias se transforma, pois, em modelo para

todas as ‘cidades mortas’, cuja imagem percorre a sua obra, dando nome ao livro de contos que

publica em 1919. Para ir preenchendo o tempo ocioso de promotor público, escreve muitos contos

que são publicados em revistas e mais tarde reunidos em Urupês, livro de 1918. Em 1908, casa-se

com Maria Pureza. Após a morte do avô, o visconde de Tremembé, torna-se fazendeiro. Nasce em

9 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

1909 sua primogênita Marta, sucedendo-se o nascimento de seu filho Edgar no ano seguinte. No

final de 1914, em carta direcionada à seção ‘Queixas e reclamações’ de ‘O Estado de São Paulo’,

“explode contra antigo, ecológico e economicamente desastroso hábito caipira de tocar fogo no

mato” (p. 25). Esse tema é abordado em ‘Velha praga’, seguido de outro artigo: ‘Urupês’.

Lobato vende a fazenda em 1917 e no ano de 1918 compra a ‘Revista do Brasil’. A compra da

revista é o ‘princípio’ para transformação do escritor em escritor-editor, introduzindo a marca

editorial Monteiro Lobato com seu livro ‘Urupês’. Ao chegar à capital paulista, organiza para o ‘O

Estado de São Paulo’ uma pesquisa sobre o saci-pererê, que resulta em livro. ‘Urupês’ é um sucesso,

vendendo milhares de volumes. Ele passa por vários postos na sua carreira: aprendiz de escritor e

colaborador de jornais estudantis; depois, escritor de verdade, colaborador de jornais e revistas de

prestígio; em seguida, escritor-editor e, por fim, editor de obras alheias. Segundo Lajolo (p. 33) – “A

travessia de um polo a outro não se fez sem impasse e hesitações, remorsos”, vez que, “o lastro

pragmático do editor quase não deixa espaço para a utopia do escritor”.

O fim da vida interiorana de lobato, com a venda da fazenda Buquira, não encerra sua relação com o

mundo rural: ao longo da carreira, e mesmo após sua morte, “a imagem do Jeca continua a espreitar

seu criador em reaparições”. Assim “o Jeca volta e meia ressurge no cenário nacional – ainda que à

revelia do seu escritor” (p.53). Nesse sentido, o próprio Lobato retoma a sua criatura, revendo-a, para

compreendê-la em outro contexto: “o da saúde pública brasileira, corroída pelas endemias”. Ele

mesmo resume: “O Jeca não é assim, está assim” (p. 54). No livro ‘O problema vital’ isso se

confirma: Monteiro aponta as causas da miséria do Jeca. Por fim o ‘Jeca Tatuzinho’, que coroa e

encerra sua participação na campanha sanitarista.

A editora da Revista do Brasil se transforma na ‘Monteiro Lobato & Cia’ e, mais tarde, na

“Companhia Gráfico-Editora”. Monteiro Lobato fale e, a partir de seus escombros, nasce em 1925 a

“Companhia Editorial Nacional”. Em São Paulo, é impressa a primeira obra da nova editora: ‘Hans

Staden: meu cativeiro entre os selvagens do Brasil’, texto ordenado literariamente pelo próprio

Lobato. Entre a inauguração e a falência da editora que leva seu nome, o escritor concebe a mais

famosa de suas criações: ‘O Sítio do Picapau Amarelo’, que começa a circular em 1921 com ‘A

menina do narizinho arrebitado’. Lajolo reforça que a partir daí o autor “transfere para o gênero

infantil o sucesso adquirido com os livros não infantis” (p. 59). Desse modo, é com o Sítio que

inaugura a literatura infantil brasileira - onde as qualidades de sua obra e seus índices de

modernidade são mais visíveis.

Monteiro Lobato vive sua experiência norte-americana. O escritor fica impressionado com a

industrialização dos EUA, pela modernidade das máquinas e da tecnologia. Aposta nesse novo estilo

de vida. Investe na Bolsa de Valores de Nova Iorque e perde tudo na crise mundial em 1929. Ele fica

pobre mais uma vez e regressa ao Brasil. As dificuldades obrigam-no a vender as ações de sua

Companhia Editora Nacional, deixando de ser editor, já que “sua participação na editora volta a

ocupar o outro lado da mesa do capital” (p. 74). Já com 50 anos de idade, tendo que garantir a

sobrevivência, passa horas e horas na máquina de escrever: “está mergulhado no rearranjo de seus

textos, na produção de novas historias do Sítio, na tradução de obras alheias” (p. 75). Em 1936,

publica ‘O escândalo do petróleo’, obra que relata os percalços de seu projeto petrolífero – o livro é

um sucesso, mas atrai a ira da censura. O tempo passa e o relacionamento de Lobato com o poder se

complica. Em 1940, ao recusar assumir a direção do Ministério de Propaganda, para o qual fora

convidado por Getúlio Vargas, acaba preso. Poucos meses depois, liberto, já não é o mesmo; está

desencantado com o governo e amargurado: “seus dois filhos morrem muito jovens, o cunhado

suicida-se, sua situação financeira é precária. Sobrevive de direitos autorais e das traduções que lhe

consomem tempo e energia” (p. 78).

O escritor chega aos 60 anos, cheio de problemas, mas consegue ressurgir. Em 1946, muda-se para a

Argentina, onde coloca suas esperanças. Lá, suas obras são traduzidas e ele funda com amigos uma

nova editora ‘Acteon’. Porém, sente-se exilado e resolve voltar ao Brasil. Na bagagem, traz uma

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lição importante – “parece compreender mais amplamente a natureza do capitalismo” (p. 79). No

bojo desse realinhamento ideológico, a imagem do caipira reaparece pela terceira e última vez –

“agora na perspectiva que supera integralmente a ótica patronal e paternalista que orientava ‘Urupês’

e ‘Jeca Tatuzinho’” (p. 81). Nasce ‘Zé Brasil’, um pequeno livro autocrítico. O escritor, mais

maduro, vê o Jeca do ponto de vista econômico (o problema agrário brasileiro). Nos anos 20, em

meio a campanhas sanitaristas, não conseguia entender que a suposta preguiça do Jeca advinha da

infraestrutura brasileira. ‘Zé Brasil é seu último texto. Ele morrerá um ano após sua publicação, no

auge da fama.

A biografia traçada por Lajolo é rica de dados sobre a vida de Lobato: retrata bem a trajetória desse

escritor atemporal. Dá conta da sua história de vida: alguém que escreve obras genuinamente

brasileiras, que, se lançando no mercado editorial, vende inúmeras edições de obras, numa época de

Brasil rural, onde a leitura limitava-se a textos de traduções. Lajolo consegue mostrar, em palavras,

imagens e documentos, como ele: cria um esquema de distribuição de livros num tempo em que a

rede de livrarias era muito precária; denuncia, em seus primeiros artigos, os problemas recorrentes

no Brasil, envolve-se com questões econômicas, preocupa-se com o desenvolvimento do país;

escreve e publica textos infantis para as crianças de sua época –“público específico, que precisa de

uma literatura diferente da destinada aos adultos” (p. 60), tornando-se o iniciador da literatura para as

crianças brasileiras; morre deixando um marco na história, transformando-se num dos mais

renomados e influentes escritores...

*Maria Afonsina Ferreira Matos – Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),

Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela

FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.

Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,

especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com

Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9847283486611328

**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de

Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos

Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de

Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e

pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da

Leitura/CEL/UESB.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087

***

11 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

FURACÃO NA BOTOCÚNDIA(2001)

Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos/ UESB*

Profª.Esp. Gizelen Santana Pinheiro- UESB**

“Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de

outra maneira - mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum”. (Monteiro

Lobato, In: Miscelânea)

AZEVEDO, Carmen Lúcia de; CARMAGOS, Márcia & SACCHETTA, Vladimir. Monteiro

Lobato: Furacão na Botocúndia. 3º Ed. São Paulo: Editora SENAC, 2001.

A obra Monteiro Lobato: Furacão na Botocúndia é uma ampla biografia de caráter documental que

apresenta um panorama sobre a vida e obra de um intelectual brasileiro de referência na primeira

metade do século XX. Nesse sentido, a obra traz informações detalhadas do precursor da nossa

literatura infantil e juvenil e da indústria editorial do país.

O livro se inicia com dados referentes à infância de Lobato, retratando a vida interiorana do autor, a

sua paixão pelos livros, pela leitura, que estenderia ao longo de toda sua vida - “Foi crescendo

diferente dos outros garotos, a cara enfiada nos livros e os olhos brilhantes a enxergar para muito

além da janela do quarto. Seu espaço preferido era a biblioteca do Visconde (...)” (p. 27). Nessa

sessão da biografia infantil, o contexto em que o escritor viveu é apresentado, apontando para o que

posteriormente se fará presente no cenário de muitas de suas obras infantis.

Na sequência, o texto apresenta um Lobato com quase 18 anos, saindo do universo interiorano rumo

a cidade de São Paulo para cursar Direito. Embora tivesse como sonho cursar Belas Artes, por

imposição de seu avô, entra para Academia de Direito. Ao término da vida acadêmica, em 1904,

Lobato retorna ao Vale do Paraíba, dedicando-se à leitura, (re)escritura de textos e colaboração com

a imprensa.

Nessa direção, o livro segue, descrevendo a vida do Lobato fazendeiro - função que assumiu logo

após a morte de seu avô, o Visconde de Tremembé. Nesse período, surge uma de suas mais

emblemáticas personagens, o Jeca Tatu – ““Uma velha praga” foi a faísca que faria alastrar o fogo

da revolta lobateana. Pouco mais de um mês depois ele pública outro artigo, “Urupês”, de 23 de

dezembro, fixando o personagem-símbolo não só da sua obra, mas de toda uma fase da literatura

brasileira: Jeca Tatu” (pág.58). Segundo depõe essa biografia, por meio de um estilo simples e

direto, seus textos vão conquistando um público cada vez maior, enquadrando-o na categoria de

“escritor consumado e empolgante”, por imprimir sua marca nos meios em que atuava.

No que se refere à literatura, o testemunho dos biógrafos diz que o autor inaugura um estilo próprio,

que se entrelaça com o do jornalista. Na imprensa, Lobato cedo adotou a estratégia de levantar

polêmicas, estimulando os leitores a participar delas de maneira ativa, fosse respondendo a

questionários, como no caso do inquérito sobre o saci, ou enviando textos ou qualquer tipo de

contribuição que abordasse problemas concretos da realidade brasileira.

Se o escritor confunde-se com o jornalista - o homem de imprensa virava publicista, e ambos

lançavam mão de meios de comunicação na época – o livro, o jornal e a revista – para tentar

despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo. À medida que seus

artigos em torno de problemas nacionais iam levantando debates, crescia a sua preocupação em

12 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

desvendar a realidade de um Brasil desconhecido a que a intelectualidade da época teimava em dar

as costas. A biografia conta ainda que o autor, Monteiro Lobato, envereda pelo caminho já trilhado

por quase todas as editoras, passando a investir no gênero didático. Assim, lança um livro de leitura

que, submetido à aprovação do governo de São Paulo, é aceito e adotado para uso no segundo ano

das escolas públicas. Então, sob o título Narizinho arrebitado, e recebendo elogios da crítica e do

professorado, em 1921, é lançado uma edição de cinquenta mil exemplares.

Nesses livros, conforme contam os biógrafos, Lobato reaviva suas lembranças dos tempos de

menino, repletas de cenas da roça onde passara a infância. E, assim inspirado, lança a primeira

versão de A menina do narizinho arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia,

e a inseparável boneca de pano, Emília, além da tia Anastácia.

Em suma, Furacão na Botocúndia, como as demais biografias do escritor, vem trazer informações

históricas sobre um cidadão, um empresário, um intelectual comprometido com o seu tempo e, além

disso, vem reafirmar que “Intuitiva e pioneiramente, Monteiro Lobato já explorava o imaginário,

percorria os arquétipos e viajava pelos meandros do inconsciente coletivo de uma maneira crítica e

criativa” e que, com toda a sua inventividade, por intermédio de suas reinações narrativas, ele tinha

como ideal ensinar a meninada a questionar a veracidade das convenções impostas pelos adultos.

Pelo exposto, é possível afirmar que, a partir dessa biografia, fica difícil não reconhecer o lugar de

importância do intelectual combativo e sonhador que foi Lobato e do papel inaugural da sua

Literatura Infantojuvenil.

*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),

Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela

FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.

Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,

especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com

Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328

**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de

Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos

Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de

Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e

pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da Leitura.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087

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13 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

2- RESENHAS DAS OBRAS ADULTAS DE MONTEIRO

LOBATO

CIDADES MORTAS(1919)

Suzane Reis Bonfim*

“Lobato nunca fez literatura por literatura. Poucos escritores botaram tanta intenção, tanto sofrimento, tanta

preocupação, tão sério amor, nos seus livros e nos seus artigos, como o fez ele, em sua literatura combativa e

tantas vezes combativa.” - Orígenes Lessa

LOBATO, Monteiro. Cidades Mortas. 2ºed. São Paulo: Globo, 2009.

O livro Cidades Mortas de Monteiro Lobato, teve sua primeira publicação em 1919, na Revista do

Brasil, este foi seu segundo livro e levava o subtítulo Contos e Impressões. Sua composição foi

realizada de trabalhos bastante antigos, alguns do tempo de estudante. Em edições atualizadas, novos

textos foram acrescentados à obra. O título do livro é tomado de um texto de 1906. Cidades Mortas

está entre os primeiros livros publicados e divulgados pelo país.

Este livro reúne 25 contos, a saber: Cidades mortas, A vida em Oblivion, Os perturbadores do

silêncio, Vidinha ociosa, Cavalinhos, Noite de São João, O pito do reverendo, Pedro pichorra,

Cabelos compridos, O Resto de onça, Por que Lopes se casou, Júri na roça, Gens ennyyeux, O fígado

indiscreto, O plágio, O romance do chopin, O luzeiro agrícola, A cruz de ouro, De como quebrei a

cabeça à mulher do Melo, O espião alemão, Café! Café! Toque outra, Um homem de consciência,

Anta que berra, O avô de Crispim, Era no paraíso, Um homem honesto, O rapto, A nuvem de

gafanhotos, Tragédia de um capão de pintos, dentre os quais alguns são focalizados nesta resenha.

Neles, o autor de maneira bem humorada revela costumes dos povoados do interior do Brasil.

Monteiro Lobato faz menção ao coronelismo, as missas rezadas em latim e do chamado ouro verde -

do apogeu a decadência dos cafezais.

Desta forma, foi possível constatar que seus personagens são tipicamente brasileiros, envolvidos em

situações cotidianas, engraçadas e apresentados com objetividade e clareza. Tratando de assuntos

relacionados ao comportamento da sociedade, Lobato critica as futilidades encontradas nas reuniões

das casas de família. Em um tom irônico e ferrenhamente crítico, Lobato especifica o espaço em que

se desenvolvem os contos, sendo ele: o norte paulista do vale do Paraíba. Em um cenário de

decadência com ruas desertas, casarões em ruína e armazéns vazios, o autor introduz o leitor a um

ângulo diferenciado. Os personagens são igualmente decadentes.

Cidades Mortas é o primeiro conto do livro. Nele se ambienta as cidades do interior de São Paulo,

mais especificamente do Vale do Paraíba, após a decadência do café. Lobato revela a vida sem

horizontes, o êxodo rural, a conexão com o mundo apenas por carta, a dificuldade das jovens em

conseguir um marido, já que os homens solteiros foram para outras cidades trabalhar, ficando

somente os poucos que tinham um emprego garantido. Já o segundo, nomeado A Vida em Oblivion,

faz referência à cidade onde morou, uma cidade que já foi muito rica, mas que na atualidade não se

tem nada para fazer e os poucos livros existentes são motivo de orgulho para a população. A cidade

14 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

é dividida em uma aristocracia mental por receberem jornais e aqueles que não o recebem. Neste

local, veneram-se três livros, são eles: La mare d’Auteuil de Paulo de Rock, para quem soubesse

Francês, uns volumes do Rocombole para as meninas e A Ilha Maldita de Bernardo Guimarães para

os nacionalistas. O autor critica os livros assim como seus leitores, ressaltando de forma irônica a

alienação dos moradores.

No conto Os Perturbadores do Silêncio, faz menção ao silêncio de Oblivion, considerado constate.

Porém, esta “paz” somente é quebrada por alguns perturbadores, sendo eles: o sino da igreja, a

limpeza das ruas com suas enxadas, os sons dos sapos, as brincadeiras das crianças, o horário de

saída dos alunos da escola e o carrinho da câmera com seu ranger de ferros.

Em Vidinha Ociossa, o escrito Apólogo, ironiza a preguiça de pensar fazendo referência aos

agrícolas. Em A mesmice, cita a história de um coronel que se suicidou por estar cansado de abotoar

e desabotoar a farda, assim rebate a argumentação do porquê de a cidade se manter a pesar da

decadência. Tendo como distração a botica, as fofocas, os mexericos e o jogo. Em A folhinha, faz

referência aos dias da semana na cidade em que, somente se distingue da mesmice, o domingo,

quando as praças se movimentam e os bares vendem mais cachaça. Nas Touradas, fala-se de um

velódromo transformado em circo de touros que se apresenta para a população. São empresários do

empreendimento: o Antônio Corajoso, assessor do inteligente, e os dois açougueiros vestidos de

toureiros.

O conto, A enxada e o parafuso, retrata um teatrinho que sempre usou uma campainha peculiar -

uma enxada pendurada no arame com parafuso. Veio o mambembe e o substituiu por três pancadas

no assoalho, justificando sua atitude por ser moda em Paris, mas o povo não aceitou. Em Rabulices,

critica a reunião de ‘advogados e rábulas’ que passam uma sessão do júri (trabalho) em “comichão

de mexeriqueira”, servindo de reflexão filosófica para o autor.

São características marcantes na literatura lobatiana e que estão presentes no livro, Cidades Mortas, a

crítica fina a respeito da sociedade e o tom bem humorado. A pesar do livro ser composto por contos

isolados, estes algumas vezes se interligam com a utilização de personagens que já apareceram em

outros contos. O autor traça um panorama completo da decadência de uma cidade e

consequentemente de seu povo com um tom intensamente irônico. São histórias que nos transportam

para a realidade das cidades atingidas pela decadência do café.

*Suzane Reis Bonfim - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia (2013), foi

Bolsista de Iniciação à Docência do Programa Institucional de Iniciação à Docência - PIBID, entre os anos de

2010 a 2012 no subprojeto intitulado: Multiculturalismo Étnico Racial e Igualdade Educacional: Sentidos e

Propostas, Pós-graduação em Literatura e Linguagens: o texto infanto-juvenil (2015). Lattes:

http://lattes.cnpq.br/2345168549111657

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15 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

O PRESIDENTE NEGRO (1926)

Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*

Profª.Esp. Gizelen Santana Pinheiro**

“Após sucessivas leituras de trechos do romance O Presidente Negro acabei recompondo a minha admiração

por Lobato que, na realidade, com este livro, faz um dramático e realista libelo contra o racismo, os

preconceitos e a violência, que poucos anos depois causariam o holocausto de vários povos e os terríveis

massacres de populações civis em geral.” - Teócrito Abritta

LOBATO, Monteiro. 1882-1948. O presidente negro/ Monteiro Lobato. – São Paulo: Globo, 2008.

Único romance (adulto) e de ficção científica escrito por Lobato, em 1926. Uma narrativa em dois

tempos distintos: o presente e o futuro (ano 2228). O personagem Ayrton Lobo, funcionário da

empresa Sa, Pato & Cia, depois de sofrer um acidente automobilístico perto de Nova Friburgo,

encontra-se na Casa do Professor Benson, homem tido como misterioso nas redondezas.

O Professor Benson adota Ayrton como seu confidente, revelando-lhe todos os seus segredos: o

“porviroscópio” – máquina que permite ver o futuro; as visões que lhe permitiram obter lucros no

mercado de bolsas, etc. e apresentando-lhe Miss Jane – a sua bela filha, por quem Ayrton se

apaixona platonicamente. Com a morte do cientista, Ayrton passa a frequentar sua casa aos

domingos, ocasião em que Jane o coloca a par dos acontecimentos políticos dos E.U.A., em 2228,

incentivando o protagonista a escrever um romance sobre o tema. Miss Jane conta a Ayrton o que

viu pelo “porviroscópio” antes deste ser destruído por seu pai – o Professor Benson. Seu relato

informa sobre a futura disputa presidencial entre o partido masculino (representado por Kerlog) e o

partido feminino (representado pela feminista Evelyn Astor).

Divididos, os eleitores brancos acabam dando a vitória a um terceiro candidato – Jim Roy,

representante dos negros. Entretanto, a alegria dos negros sofre um golpe mortal. Insatisfeitos com a

derrota os partidos brancos se unem e adotam a solução proposta pelo inventor John Dudley:

presentear os negros com o alisamento dos cabelos por meio de raios ômega. Todos os negros

aderem à moda. No final, a grande e terrível revelação: os raios ômega, além de alisarem os cabelos

crespos, provocam a esterilização de toda a raça negra. Trata-se, pois, de uma obra em que a ironia

lobatiana vai ao extremo e seu particular discurso dialético (com teses explícitas e antíteses

implícitas) se realiza plenamente, driblando a atenção de muitos leitores desavisados. Nesse sentido,

ao declarar a derrota negra, o que a obra faz realmente é desnudar a crueldade fria dos

brancos/americanos quando o poder ( especialmente o da Casa Branca)é posto em questão

*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),

Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela

FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.

Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,

especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-

autoria com Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328

**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de

16 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos

Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de

Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e

pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da

Leitura/CEL/UESB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087

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O ESCÂNDALO DO PETRÓLEO (1936) E FERRO (1931)

Elizeu Silva Souza*

“O solo, a superfície, apenas permite a subsistência. O enriquecimento vem de baixo. Vem do subsolo". Lobato- O Escândalo do Petróleo e Ferro.

MONTEIRO LOBATO, José Bento. O escândalo do Petróleo e Ferro. 12 ed. São Paulo: Brasiliense

1972. 142 p.

Quando se fala em Monteiro Lobato, logo vem à nossa mente as fantásticas histórias do famoso Sítio

do Pica-pau Amarelo, as traquinagens da bonequinha sapeca: Emília e suas tantas histórias infantis.

É certo que essas são suas obras que mais caíram no gosto popular, mas Lobato ultrapassou as

fronteiras das obras ficcionais infantis e da literatura. Ao lado sua vida de escritor, passou a investir

na extração de petróleo, quando não se acreditava que no território brasileiro pudesse haver. Lobato,

ao contrário, enxergava o Brasil como uma rica fonte desse minério. Em nome desse sonho, chegou a

enfrentar a política ditatorial de Getúlio Vargas. Por isso, foi preso e passou três meses em cárcere

fechado. Lobato acreditava na existência do petróleo e do ferro no território brasileiro e defendia que

sua extração seria suficiente para tornar o Brasil um país independente economicamente. Porém, os

governantes estavam amordaçados por uma espécie de cabresto posto pelo mercado norte-americano

quetinha interesse nessa matéria-prima.

Para provar que suas suspeitas eram verdadeiras, Lobato abre uma empresa no ramo de prospecção e

extração de petróleo aqui no Brasil, usando tecnologias avançadas as mesmas que os americanos

usavam na época. Vendo que ele estava certo quanto à existência do mesmo nas terras brasileiras, o

governo, por não admitir a própria inércia diante do óbvio, passa a intervir e sabotar frequentemente

a empresa de Lobato. Diante de tais atitudes retaliatórias, ele logo conclui o que suspeitava, o

mercado estrangeiro estava realmente manipulando os governantes corruptos brasileiros para por as

mãos em nossa fonte de riqueza.

Em 1936 Lobato cansado de tanta omissão, de tanta podridão no governo brasileiro, lança o livro

intitulado: O Escândalo do Petróleo e Ferro. Logo de inicio, o autor chama atenção das forças

armadas para atentarem quanto as suas responsabilidades na questão da soberania nacional: "Se não

ter petróleo é inanir-se economicamente, militarmente é suicidar-se” (LOBATO, 1936 folha de rosto

1ª edição) Na sequência, apresenta uma série de protestos contra a burocracia federal existente aqui

no Brasil- que não extraía e nem permitia que se extraísse a matéria-prima, contra a ação das

companhias estrangeiras e a submissão da elite brasileira aos interesses internacionais. Lobato usa

17 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

vários argumentos para defender a existência e a importância do petróleo para o desenvolvimento

econômico e social do país, apontando para o grande atraso em que se encontrava o Brasil em

relação aos outros países por não aderir às pesquisas e não explorar a matéria-prima de suas ricas

terras.

O livro teve uma estrondosa repercussão e não agradou a todos, pois tratava de assunto delicado e

provocativo para interesses de diferentes ordens e esferas. Nele, Lobato traz uma série de textos

incluindo artigos, cartas, depoimentos que traduziam sua visão sobre assunto e as barreiras impostas

pelos políticos brasileiros. Fala sobre as empresas internacionais que exportavam petróleo e como

elas convenceram as autoridades e os brasileiros de que não existia petróleo com a intenção do país

continuar importando enquanto as mesmas iriam se apoderando de forma branda e sigilosa das

reservas petrolíferas brasileiras “— Nada mais fácil do que botar um tapa-olho nessa gente. Com um

bom tapa-olho, eles, que vegetam de cocaras sobre um bom oceano de petróleo, ficarão a vida

inteiraa comprar o petróleo nosso; enquanto isso, iremos adquirindo de mansinho suas terras

potencialmente petrolíferas[...]” (LOBATO, 1936 P. 25 § 3. 1ª edição)

O Escândalo do Petróleo e Ferro relata o enfrentamento de Lobato diante ao escárnio, à forma podre

como o Brasil era regido e à submissão em relação ao mercado norte-americano. Expõe a

passividade, a inércia, o descaso a falta de compromisso, a falta de respeito por parte dos

governantes corruptos para com a pátria. Através de palavras irônicas, contundentes, Lobato não se

conteve diante da repressão governamental: lutou por um país independente livre dos cabrestos

postos pelo capital estrangeiro. Ele sonhava em ver o Brasil longe da miséria, da ditadura infernal

que não permitia brasileiro nem pensar como cidadão. Com sua ética de responsabilidade, ele

projetava um desenvolvimento econômico em que a fome cessasse e o Brasil se tornasse um país

melhor para todos. Com esses pensamentos, Lobato atraiu olhares negativos para si. O livro O

Escândalo do Petróleo e Ferro – que os traduziam - apesar de ter atingido uma tiragem imensa de

exemplares, devido seu conteúdo de denuncia, trouxe para o autor forte dores de cabeça. Esse livro

foi o responsável pelo período mais árduo da vida de Lobato, impondo-lhe uma série de entraves e

dificuldades: além de ser perseguido com apreensão de tiragens inteiras, ele também foi preso pelo

fato de querer ver seu país livre do monopólio americano e por estar expondo a verdade para a

sociedade.

“O Escândalo do Petróleo e Ferro”, “O Poço do Visconde” mostram a face mais nítida de Monteiro

Lobato - o autor exercendo sua cidadania na escrita e usando a literatura para protestar contras os

absurdos pelos quais o país tinha que passar por conta da incompetência e desleixo dos governantes.

Essas obras revelam um brasileiro sonhador e visionário que buscava a elevação, a independência

mercatorial do Brasil.

Tudo isso permite afirmar que as leituras das obras lobatianas causam efeito considerável em seus

leitores, sendo possível notar que, até os dias atuais, elas ainda aguçam o sentido crítico nos que as

leem, chamando cada um para a responsabilidade diante da própria vida e do país. Sejam elas obras

de caráter real ou simplesmente uma bela ficção, com Emília, Visconde de Sabugosa, D. Benta,

Pedrinho, Narizinho etc. Todas convidam a lutar pelo que realmente é nosso e a não desistir dos

sonhos, mesmo que muitos não acreditem ou que tentem intercepta-los. Esses e outros livros de

Lobato ensinam que devemos sempre lutar pelo que acreditamos por mais fundo que seja o poço de

nossos sonhos. ..

*Elizeu Silva Souza - Graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 5º

semestre. Monitor das disciplinas Teoria da Literatura V e Literatura Brasileira VI. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9701669898190207

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18 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

3 - RESENHAS DAS OBRAS INFANTIS E JUVENIS DE

MONTEIRO LOBATO

O SACI (1921)

Jéssica Hellen da Silva Santos*

Jussara da Silva Santos **

“O Estadinho inaugura hoje uma série de estudos em que todos são chamados a colaborar. Abre um

inquérito(...) Sobre o futuro presidente da República? Não. Sobre o Saci.”- (O Estadinho)

LOBATO, Monteiro. O Saci. Editora: Brasiliense. Edição 57ª. São Paulo, 1996.

A referida história conta as aventuras do menino Pedrinho, que mora na cidade grande e vai passar as

férias na casa da sua avó, Dona Benta. Após capturar um Saci, Pedrinho vive grandes aventuras no

seio da mata. Através de uma linguagem bastante acessível á crianças e adolescentes, a história de

Lobato testemunha uma força do pensamento que ultrapassa o mundo real, levando-as a um mundo

de imaginação.

A obra divide-se em 28 partes. Na primeira parte, Pedrinho ainda se encontra na cidade grande; no

decorrer da história, ou seja, nas outras 27 partes, o autor narra as aventuras de Pedrinho com o Saci.

Uma característica marcante e ponto alto da história se configuram nos ensinamentos que o Saci, ao

longo da história, repassa a Pedrinho. Desse modo, o autor assume respeito aos saberes que se

constroem fora do mundo letrado, o Saci (ser da mata) assume, nesse livro, o lugar de detentor de um

conhecimento digno de atenção. Mesmo sem saber ler e escrever, ele consegue ter e passar

experiências de vida para o menino. Nesse sentido, em outra parte da história, Lobato, através da fala

do Saci, questiona o fato dos homens se acharem os maiores inventores do mundo. Segundo o Saci,

na verdade, os humanos só sabem imitar o que já está pronto, ou seja, algumas de suas invenções são

baseadas em práticas dos animais, como é o caso do avião.

Outros seres também são apresentados pelo autor. Algumas lendas são destacadas como forma de

estimular a criatividade e imaginação das pessoas, levando-as para um mundo de historias de seres

fantásticos. Essas histórias fantásticas tem também um papel de relevância na sociedade: na

formação dos seres humanos. Colaborando para que se cumpra esse papel, Lobato mostra cada

pedacinho da floresta, trazendo para o livro uma aventura de um menino no mundo imaginário que

bem poderia ser a história de muitos meninos da vida real. Quantas crianças, como Pedrinho, vivem

a procura uma vida de aventura, passam por situações semelhantes, sozinhas, tendo que matar um

leão a cada dia - obstáculos e mais obstáculos - sem medo de enfrenta-los? A diferença é apenas que,

ao invés de livres nas florestas, os “Pedrinhos” da vida real estão presos numa sociedade perversa.

Por fim, pode-se dizer que “O Saci” é uma obra encantadora para ser trabalhada nos espaços de

educação formal: faz circular muitos saberes no decorrer da historia e mostra que cada personagem

tem seu papel na natureza - dos animais reais aos seres mitológicos. Nesse livro, Lobato abre espaço

19 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

para nossa cultura, faz reviver nossa imaginação, valoriza em sua obra seres do nosso folclore, que

ainda estão esquecidos e pouco valorizados.

*Jéssica Hellen da Silva Santos - Graduada em Letras, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no Subprojeto Interdisciplinar

com Linha de Ação em Educação de Jovens e Adultos, realizado pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia, campus de Jequié. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/1086749741962259

**Jussara da Silva Santos- Graduada em Letras, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Bolsista

do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), no Subprojeto Interdisciplinar com Linha

de Ação em Educação de Jovens e Adultos, realizado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,

campus de Jequié. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4702247899536053

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O SACI (1921)

Jeane de Oliveira Cruz *

“A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma dimensão constitutiva da existência

humana, como as mãos são um atributo do homem.” (José Ortega y Gasset.)

MONTEIRO, Lobato. O Saci. 56ª edição, São Paulo: Brasiliense, 2004.

Neste livro, Monteiro Lobato conta uma das aventuras vividas por Pedrinho, um dos principais

personagens de sua obra infantil, apresentando habilmente todas as figuras lendárias pertencentes ao

folclore brasileiro no intento de torná-las mais conhecidas e mantê-las bem vivas no imaginário das

crianças de sua e de outras épocas.

A aventura tem início quando Pedrinho, ao substituir o seu medo da floresta por fome de

conhecimento, consegue capturar um saci, utilizando uma peneira e uma garrafa, ambas as

ferramentas recomendadas por tio Barnabé.

Movido então pela curiosidade, Pedrinho embrenha-se na mata fechada, tendo como única

companhia o saci engarrafado. Este, ao notar que o menino está perdido no coração da mata, não

hesita em propor um acordo: sua liberdade em troca da segurança do garoto. Aceitando a proposta do

traquinas de uma perna só, Pedrinho pôde conhecer os misteriosos seres noturnos que tanto

despertaram a sua curiosidade e o medo em inúmeras pessoas.

Com o saci, que se mostra um verdadeiro companheiro, Pedrinho aprende um pouco da vida dos

sacis, das mulas sem cabeça, dos lobisomens, dos boitatás, do Negrinho do Pastorejo e da Cuca.

Com esta última criatura, o menino e o Saci travam uma verdadeira batalha para conseguir salvar a

menina Narizinho, que tinha sofrido um encantamento lançado pela bruxa. Ao mesmo tempo, ele é

20 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

levado a apreciar a beleza encantadora e fatal da Iara. O final do livro é bastante poético, uma vez

que, ao libertar Narizinho do encanto da Cuca, o Saci deixa em cima do travesseiro da mocinha um

raminho de miosótis, flor que na língua inglesa é “forget-me-not” e que, em português, se traduz

por “não te esqueças de mim”.

Trata-se, pois, de uma obra em que Lobato explora a fundo o folclore nacional, ressaltando assim

parte da riqueza existente na cultura popular do Brasil - esta que é, muitas vezes, esquecida e até

depreciada pelos próprios brasileiros. Desta forma, ao ler o livro “O Saci”, os leitores brasileiros

estão se divertindo e concomitantemente aprendendo um pouco sobre a cultura do seu país.

*Jeane de Oliveira Cruz: Graduanda em Letras Vernácula pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia/UESB-Campus de Jequié. É estagiária do Cento de Estudos da Leitura/CEL/UESB e faz parte do Grupo

de Estudos em Sociolinguística/UESB – Campus de Jequié.

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O SACI (1921)

Edmila Silva de Oliveira*

“Em O Saci, em vez de utilizar histórias de outros lugares, Lobato mergulha dentro do nosso próprio folclore.

É nesse livro que descobrimos como nascem os sacis, aprendemos sobre mula sem cabeça, lobisomem, boitatá,

Negrinho do Pastoreio e a Cuca, além de nos apaixonarmos pela Iara. É uma excelente forma de conhecermos

um pouco mais de nossa própria cultura, às vezes muito negligenciada.” - Rafael Fontana

LOBATO, Monteiro. O Saci. 15ª impressão da 56 ed. de 1994. São Paulo: Brasiliense, 2004.

Obra infantil de caráter educativo, O Saci representa mais uma maneira que Lobato encontrou de

atingir um de seus grandes objetivos: valorizar a cultura nacional por meio da Literatura, além de

realizar estudos sobre os personagens do folclore brasileiro.

A história é centrada em Pedrinho e suas aventuras com o Saci - criatura que ele tanto queria

capturar, e, orientado por Tio Barnabé, finalmente conseguiu. No entanto, o desejo de prender o Saci

transformou-se em curiosidade, os dois se tornaram amigos, passaram a noite na floresta explorando

os segredos da mata e ajudaram a desfazer um encantamento feito pela Cuca em Narizinho. Lobato

apresenta o Saci numa versão de criança, brincalhão e cheio de travessura. É como se a imagem do

personagem de um pé só, nesta obra, fosse suavizada, até porque em 1918 ele retratou, em “O Sacy –

resultado de um inquérito”, um saci malvado, perverso e maléfico em suas ações. Agora, o Saci

ocupa posição de herói, é generoso com Pedrinho e realiza boas ações no decorrer da narrativa.

Os vinte e oito capítulos da obra são bem detalhados, as descrições dos lugares e seres da floresta são

minuciosas. É perceptível também que os episódios são mesclados, visto que Lobato evidencia a

presença de outros personagens folclóricos, como o Jurupari, o Curupira, a Iara, o Caipora, a Porca-

dos-sete-leitões, o Negrinho do Pastoreio, a Cuca, o Boitatá, a Mula-sem-cabeça e o Lobisomem. A

história traz a tona, por meio dos diálogos entre Pedrinho e Saci, estas figuras importantes do nosso

tão rico folclore, o que torna a obra uma grande fonte de pesquisa acerca do folclore brasileiro. O

21 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

livro lobatiano aqui abordado, assim como Aritmética da Emília (1935) e História das Invenções

(1935), tem caráter didático, podendo ser utilizado em diversas disciplinas escolares. Conhecimentos

geográficos, históricos, culturais são marcantes durante a leitura e é notória também a presença de

temas transversais - como: meio ambiente, ética e pluralidade cultural - os quais remetem a novas

maneiras de trabalho com problemas cotidianos, tornando-se, portanto, objetos de reflexão na prática

educativa.

Dentro de um contexto de integração curricular, é possível reafirmar a relevância e necessidade do

trabalho de forma interdisciplinar na escola, uma vez que as disciplinas não podem ser vistas como

um conhecimento recortado: elas precisam dialogar entre si. Nesse sentido, O Saci é uma excelente

sugestão para a realização de um trabalho diferenciado e cheio de novidades literárias, deixando os

leitores ansiosos por novas histórias.

*Edmila Silva de Oliveira Graduanda do V Semestre de Letras pela Estadual do Sudoeste da Bahia, bolsista

do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID, pesquisadora voluntária do Projeto

Memórias das Escritoras Brasileiras nas Escolas, coordenado pelo Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB.

Estudante intercambista na Licenciatura de Español e Lenguas Estranjeras da Universidade Pedagógica

Nacional de Bogotá, Colômbia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2165030751597412

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FÁBULAS (1922)

Ana Lúcia de Jesus Santos*

“Ora, um fabulário nosso, com bichos daqui em vez dos exóticos, se for feito com arte e talento dará coisa

preciosa. As fábulas em português que conheço, em geral traduções de La Fontaine, são pequenas moitas de

amora do mato – espinhentas e impenetráveis. Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas

assim seriam um começo da literatura que nos falta. Como tenho um certo jeito para impingir gato por lebre,

isto é, habilidade por talento, ando com ideia de iniciar a coisa.” (LOBATO, 1956, 2o. tomo, p. 104)

LOBATO, Monteiro. 1882-1918. Fábulas/ Monteiro Lobato: Ilustrações Alcy Linares, - São Paulo:

Globo 2006.

A obra “Fábulas” do escritor Monteiro Lobato teve sua primeira edição lançada em 1942. Nesse

livro, Lobato põe em cena Dona Benta, a vovó do Sítio do Picapau Amarelo, recontando fábulas da

sua autoria e também dos escritores, Esopo e La Fontaine. Adaptadas para o universo do Sítio, as

fábulas estimulam a participação de todos os personagens através de perguntas e críticas.

“A cigarra e as formigas”, “A coruja e a águia”, “O velho e o burro”, “A rã e o boi”, “O reformador

do mundo”, “O julgamento da ovelha”, “Os dois viajantes na macacolândia”, “A menina do leite”,

“As duas cachorras”, “Os dois ladrões”, “A onça doente”, “A raposa e as uvas”, “Pau de dois bicos”,

“A galinha dos ovos de ouro”, essas são algumas das 74 fábulas contidas na obra de Lobato. Cada

uma dela compõe um capítulo onde personagens como Pedrinho, Emília, Narizinho, Visconde fazem

interferências com perguntas e opiniões.

22 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Em um dos capítulos, está a história “A cigarra e a formiga”. A fábula possui duas versões; a

primeira versão conta a história de uma formiga que trabalha durante todo o verão procurando

alimentos para guardar em sua casa e folhas que pudessem servir de agasalhos para protegê-la.

Assim, quando o inverno chegasse, ela não passaria fome e frio. Enquanto a formiga trabalhava dia e

noite, a cigarra só queria saber de cantar e nada de trabalhar. Quando o inverno chegou, a cigarra,

que não tinha procurado sua comida e nem formas de se agasalhar, foi pedir ajuda à formiga que a

acolheu em sua casa e ajudou-a, lembrando que a enquanto ela trabalhava, a amiga cigarra alegrava

os dias de trabalho com suas músicas. A segunda versão conta a mesma história, mas com uma moral

diferente. Com a chegada do inverno, a cigarra que antes era alegre e saudável, se viu triste e doente.

Debilitada, ela foi à casa de uma formiga a fim de pedir ajuda. Após dizer que estava com fome,

doente e com frio, a formiga perguntou-a de forma irônica o que a ela fizera durante o verão. A

cigarra, com a voz embargada, respondeu que no verão ela havia cantado. Imediatamente, a formiga

respondeu que, já que ela havia cantado durante o verão, agora, no inverno, que dançasse.

Depois que Dona Benta terminou a história, Narizinho fez uma intervenção, discordando da segunda

versão da história. Ela alegou que a fábula contada pela a sua avó estava errada, pois ela havia lido

em um livro informava serem as formigas um dos únicos animais bons entre todos.

Outra fábula que compõe um capítulo da obra é “A coruja e a águia”. Retrata a história de uma

coruja e uma águia que viviam em guerra e um dia resolveram fazer as pazes. No tratado de paz, elas

decidiram que nunca mais iriam comer os filhotes uma da outra. Mas, durante o acordo, a águia

surgiu com uma dúvida: como ela faria para identificar os filhotes da sua nova amiga? A coruja

respondeu que, quando ela avistasse uns filhotes pequenos, lindos e cheios de uma graça especial que

não existisse em nenhuma outra ave, estes seriam os seus. A águia concordou e foi embora. Em um

dia de caça, a águia avistou ao longe um ninho com três monstrengos de bico aberto, logo a águia

pensou que aqueles não seriam os filhotes da coruja, pois não se pareciam em nada com o que a

amiga descrevera. Dessa forma, a águia comeu os filhotes.

Assim que Dona Benta acabou de contar a fábula, Narizinho faz outro comentário, dizendo que essa

era a rainha das fábulas, pois todos os pais acham seus filhos os melhores, os mais bonitos. Pedrinho

surge com uma dúvida a nível ortográfico: “Mostrengo ou monstrengo, vovó?”. Dona Benta

responde que os gramáticos querem que seja “mostrengo”, referente a “mostrar” algo, mas que o

povo costuma falar “monstrengo”, algo que venha de “monstro”. Logo Pedrinho questiona a avó

sobre quem está correto e Dona Benta responde que é o povo e que os gramáticos se cansaram de

insistir no “mostrengo”.

“O velho, o menino e o burro” é uma fábula conhecida e que também faz parte da obra de Monteiro

Lobato. Ela conta a história de um velho, um menino e um burro. Juntos, eles vão à cidade para

vender o burro. Durante a viagem, o velho seguiu puxando o burro e o menino foi montado no lombo

do animal. No meio do percurso, passaram dois viajantes que viram a cena e criticaram, dizendo que

era um despropósito um menino, forte e saudável, seguir montado no burro enquanto o velho

cansado ia puxando o animal. Desse modo, o velho trocou de lugar com o menino. Mais à frente,

eles passaram por um bando de lavadeiras que fizeram comentários criticando o fato do velho seguir

montado e o menino puxando o burro. Mais uma vez, o velho escutou e fez mudanças a fim de

querer agradar as pessoas que o criticavam. Ele colocou o menino montado junto a ele no lombo do

burro e seguiram. Outra vez, encontraram pessoas para criticar a situação, por fim, e mais uma vez

ouvindo a opinião alheia e afim de “calar a boca do mundo”, ele colocou o burro nas costas e seguiu

a pé com o menino. De nada adiantou, foi criticado novamente. Ao final dessa fábula, Dona Benta é

quem resolve fazer comentário da vez, ela lembra as crianças que muitas vezes, na tentativa de

agradar a todos, nós não somos fieis aos nossos ideais e acabamos por não agradar a ninguém. Para

finalizar seu pensamento, ela faz uso de uma frase do dramaturgo e poeta inglês, William

Shakespeare que diz: “E isto acima de tudo: sê fiel a ti mesmo!”.

23 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Monteiro Lobato sempre se preocupou com o lugar da imaginação na formação dos seus pequenos

leitores. Ele buscou interessar os leitores sem nunca perder de vista que as crianças são sujeitos e não

simples receptoras de valores que os adultos querem impor. Segundo Ana Filipouski (1983), o autor

adota o comprometimento de apontar erros às crianças, para torná-los possíveis de serem corrigidos.

Nesse sentido, ele assume ainda, o compromisso ético com a situação por ele instaurada, alterando

a visão tradicional de valores como a liberdade e a verdade.

*Ana Lúcia de Jesus Santos - Graduanda em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia/UESB- Campus de Jequié, estagiária do Centro de Estudos da Leitura- CEL/UESB; atua como

pesquisadora voluntária no Grupo de Pesquisa e Extensão em Lobato- GPEL/CEL/UESB e no Projeto

Memórias das Escritoras Brasileiras na Escola. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0764770220953738

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REINAÇÕES DE NARIZINHO (1931)

Maria Afonsina Ferreira Matos*

Gizelen Santana Pinheiro**

“Temos apenas que seguir a trilha do herói... e lá onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do

mundo todo.” (Campbell) - “A bolsa ou a vida! – intimou o chefe da quadrilha apontando o trabuco. Narizinho a tremer, olhou para ele

e franziu a testa. “Eu conheço esta cara!” – pensou consigo. É Tom Mix, o grande herói do cinema!... Mas

quem havia de dizer que esse famoso cowboy, tão simpático, havia de acabar assim, feito chefe duma

quadrilha de lagartos?... - A bolsa ou a vida! – repetiu Tom Mix carrancudo.

- Bolsa não temos, Senhor Tom Mix – disse a menina – mas temos aqui uns bolinhos muito gostosos. Aceita

um?” (Monteiro Lobato, In: Reinações de Narizinho)

MONTEIRO, Lobato. Reinações de Narizinho, 36ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1983.

Reinações de Narizinho reúne onze histórias escritas entre 1920 e 1931, a saber: ‘Narizinho

Arrebitado’ (1920), a essa primeira obra, muitos outros se seguiram: ‘O Sítio do Picapau Amarelo’,

‘O Marquês de Rabicó’, ‘O casamento de Narizinho’, ‘As aventuras do príncipe’, ‘O Gato Felix’,

‘Cara de coruja’, ‘O irmão de Pinóquio’, ‘O circo de escavalinho’, ‘Pena de papagaio’ e ‘O pó de

pirilimpimpim’, sendo que cada uma corresponde a uma seção (capítulo).

Algumas histórias são originais, outras são jogos, combinações entre histórias e vozes de

personagens já conhecidos. Esse livro marca o início da série protagonizada no ‘Sítio do Picapau

Amarelo’. Ele se inicia, apresentando o local e alguns de seus principais personagens: ‘uma casinha

branca, lá no sítio do Picapau Amarelo’ onde vivem Dona Benta, uma vovó de mais de sessenta anos,

sua neta Narizinho, de sete anos, Nastácia, a melhor cozinheira do mundo, e Emília, “uma boneca de

pano bastante desajeitada de corpo” (p.7) feita por tia Nastácia.

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Conta o enredo que Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, sempre vai passear com sua boneca

Emília, no ribeirão, no fundo do pomar. Numa tarde, elas conhecem um besouro de casacão e o

Príncipe Escamado, Rei do Reino das Águas Claras... e, a partir daí, protagonizam a primeira grande

aventura da saga Picapau Amarelo: o encontro de Narizinho e Emília com Dona Carochinha, o

Pequeno Polegar, Dona Aranha (a costureira das fadas), o Major Agarra-e-não-Larga-Mais e o

Doutor Caramujo. Desse último encontro, Emília, que ainda era muda, toma uma pílula mágica

(falante) e começa a falar, “falou três horas sem tomar fôlego” (p. 19)... O estrondo da voz de tia

Nastácia traz as duas de volta ao Sítio. O retorno traz surpresas: a notícia de que Pedrinho, neto de D.

Benta, virá passar as férias no sítio e o espanto das duas velhas ao verem Emília falando.

Enquanto aguarda a chegada de Pedrinho, Narizinho e Emília vivem as lembranças do ‘Reino das

Águas Claras’. Emília se intitula ‘Condessa de Três Estrelinhas’ e Narizinho planeja casá-la com

Rabicó. Pedrinho chega. Narizinho e Emília viajam para o ‘Reino das Abelhas’. No caminho, são

assaltados pela quadrilha de lagartos denominada ‘Chupa-Ovo’ e chefiada pelo herói do cinema, Tom

Mix - que passa a fazer o papel de cavaleiro\vassalo de Narizinho...

Narizinho convence Emília a se casar com o Marquês de Rabicó e Pedrinho faz um novo

personagem, o Visconde de Sabugosa, suposto pai do Marquês. Emília fica noiva e, após o

casamento arranjado, vira ‘Marquesa de Rabicó’. Por seu turno, a visita de Narizinho ao Reino das

Águas Claras, deixa o Príncipe Escamado, caído de amores, com intenções de casamento. Os

personagens vão ao Reino para a cerimônia, entretanto, ela não se concretiza, porque Rabicó come a

coroa real - na realidade uma rosquinha de polvilho feita por Narizinho. Após o desastre, os

personagens do Reino vêm visitar os personagens do Sítio. Novos eventos tristes acontecem: Miss

Sardine, uma sardinha norte-americana, acaba mergulhando na frigideira, sendo comida por tia

Nastácia e o Príncipe desaparece... Coincidentemente, o Gato Félix chega ao Sítio, noticiando a

morte de Escamado por afogamento: - “O príncipe está se afogando”... (p. 79) – na verdade, ele o

degustara – e chegava, dizendo-se tetraneto do Gato de Botas. Ele conta sua história, mas ela não

convence Visconde e Emília que o desmascaram: ele é somente um gato ordinário comedor dos

pintos do sítio. Descoberta a farsa, Tia Nastácia o expulsa a vassouradas... Passado o incidente com o

gatuno, Narizinho prepara uma festa para os personagens do País das Maravilhas: o Gato de Botas,

Aladim, Branca de Neve, Cinderela etc. são convidados. Ao partirem, esquecem seus objetos

mágicos no sítio. Dona Carochinha vem para recuperá-los, apesar de Emília tentar retê-los consigo.

Esgotado seu repertório de histórias, D. Benta encomenda o Pinocchio a um livreiro de São Paulo.

Entusiasmados com a leitura feita pela avó, as crianças decidem criar o irmão do Pinocchio, feito

com madeira nacional. O irmão do Pinocchio, João Faz de Conta, mostra aos personagens o poder do

faz-de-conta... Daí, Emília vence o concurso de ideias, propondo organizar um circo, Todos os

personagens do Mundo das Maravilhas são convidados. O circo é um desastre, mas todos se

divertem.

Um garoto invisível, que Pedrinho acredita ser Peter Pan, aparece no Sítio e promete levá-los ao País

das Fábulas com a ajuda de um pó mágico, o pó de pirlimpimpim. Pedrinho, Narizinho, Emília,

Visconde e o garoto invisível, que eles apelidam de Peninha, encontram La Fontaine, escrevendo

suas fábulas. Assim, eles entram em várias fábulas: Emília interfere na fábula da ‘Cigarra e a

Formiga’, castigando a formiga; eles salvam o burro (falante) da fábula ‘O Leão e os animais doentes

da peste’ e o Conselheiro acaba partindo com Peninha para o Sítio.

No retorno ao Sítio, Dona Benta, sabendo da aventura, decide participar da próxima excursão ao País

das Fábulas para conversar com La Fontaine. Mas eles erram na quantidade de pó e vão parar no País

das Mil e uma Noites, onde sofrem ataques do pássaro Roca – no primeiro, são salvos pelo Barão de

Munchausen, indo para o palácio do Imperador – e, no segundo ataque, eles recorrem ao pó de

pirlimpimpim para voltar ao Sítio, mas o pó está molhado e seus poderes, anulados. Eles são salvos

25 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

por Emília que usa o poder do faz-de-conta para trazê-los para casa. De volta ao Sítio, eles

reencontram Nastácia, ciente do ocorrido, pois o burro falante, que chegou primeiro, lhe contara tudo.

Uma carta de Dona Antonica, chama o filho, Pedrinho, de volta pra casa. Ele deixa o sítio,

escondendo as lágrimas nos olhos.

Trata-se de uma obra onde a intertextualidade comanda o espetáculo. Sonho, fantasia e História se

colocam em diálogo numa verdadeira globalização cultural, onde: a voz de ‘Alice no país das

Maravilhas’ ecoa no sonho, o filme de faroeste ressoa num assalto, a novela de cavalaria se fala pela

vassalagem de Tom Mix (herói cinematográfico), os finais trágicos dos casamentos mitológicos

entram em cena, o repertório de personagens da tradição entra em comunicação (entre si e com os

personagens modernos), histórias são discutidas e recontadas, fazendo com que, na obra, esse

conjunto de vozes ecoe como uma nova voz, soando diferente das anteriores, conferindo-lhes novas

entonações, produzindo o humor e o questionamento sobre o instituído. Como diz Cristina Maria

Vasques (2007, 96), em seu estudo sobre a obra em questão, Lobato “emprega a intertextualidade

com (...) maestria”, e como que, “regendo uma orquestra textual...” “fez tocar uma nova e

revolucionária sinfonia”...

*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),

Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela

FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.

Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,

especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com

Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9847283486611328

**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de

Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos

Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de

Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atualmente Pesquisadora Voluntária do Centro de Estudos da

Leitura/CEL/UESB.É professora de Redação no Educandário Santa Therezinha, em Jequié-BA. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/3584971780537087

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CAÇADAS DE PEDRINHO (1933)

Tatiana Costa da Silva *

Lindiana da Silva Oliveira **

"... A vida da gente neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e

mama; pisca e anda; pisca e brinca; pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os

reumatismos; por fim pisca a última vez e morre. _ E depois que morre? — perguntou o Visconde. _ Depois

que morre vira hipótese. É ou não é?” (Monteiro Lobato, In: Memórias da Emília.)

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LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho (1933), Editora Globo, 72p.

Na primeira parte do livro “Caçadas de Pedrinho”, Monteiro Lobato apresenta, uma astuta caçada,

onde o grupo de aventureiros decide adentrar na mata e, ao encontrar uma onça, se sente ameaçado

pelo feroz animal. Nesta aventura, o valente Pedrinho, se destaca como o figurante principal da

história, ocupando, desta forma, o protagonismo que comumente pertenceria a Emília, a boneca de

pano.

A história segue, relatando o temor dos demais animais que vivem na floresta, em serem os próximos

alvos das caçadas. Assim, como medida de proteção, eles decidem por atacar o Sítio do Pica-pau-

amarelo no intuito de vingarem a morte da onça e dar fim aos caçadores. Surpreendidos, os

moradores do Sítio por pouco não foram abatidos. Estes foram salvos, graças a um plano bem

arquitetado por Emília.

A história causou polêmica porque o autor, em um dos trechos, denomina Tia Anastácia de negra.

Em outro segmento esta foi transformada em um macaco. Como todo fato pode ser apreciado de

vários ângulos, os críticos se dividiram entre prós e contras o incentivo a essa leitura.

Na segunda parte do livro, um rinoceronte foge de um circo e vai até o sítio do Pica-pau Amarelo em

busca de tranquilidade. No início, os moradores desse sítio ficam com medo, mas depois até brincam

com o rinoceronte. A fuga leva o governo a designar o Departamento Nacional de Caça ao

Rinoceronte, órgão criado, com um número alto de ocupantes de cargos de destaque. Várias pessoas

tentam resgatar o rinoceronte, mas não conseguem, e por isso as crianças do sítio se tornam as

proprietárias do mesmo.

No nosso ponto de vista, após leitura reflexiva sobre o livro em pauta, concordamos que não houve

intenção de Lobato de abordar assunto de racismo em sua obra. Ao que parece o autor desejou

abordar temas polêmicos sobre a realidade do nosso país. Esta reflexão foi feita em forma de gênio e

de ironia. Assim, Lobato não colocou teor racista na obra, mas sim fez reflexões sobre a realidade

do Brasil, usando humor na forma de ironia. Desta forma, concordamos com Jesus (2012) quando

ele afirma que o significante valor dos textos escritos por Monteiro Lobato estão na sua habilidade

de apresentar, de maneira crítica e divertida, os valores em vigência.

Assim construído, o livro Lobatiano, como toda literatura, tem o poder de fascinar as crianças

despertando o imaginário que permite ir da elaboração de uma representação simbólica essencial ao

desenvolvimento social, às descobertas e, consequentemente, melhor visão crítica do mundo.

Em Caçadas de Pedrinho, realidade e fantasia se misturam, de forma que os anseios e as emoções se

evidenciem de forma prazerosa e significativa – condições essenciais ao desenvolvimento humano -

quer seja este relacionado ao campo social ou cognitivo. Nesse sentido, concordamos com Farias e

Silva (2012) ao enfatizarem que “as obras de Monteiro Lobato trazem grandes contribuições

relevantes ao imaginário infantil”.

*Tatiana Costa da Silva - Possui graduação em Ciências Contábeis pela Faculdade Integrada Euclides

Fernandes - FIEF(2011). Atualmente é discente regular do curso de Letras Vernáculas na Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, campus Jequié. Tem experiência como professora na área de Letras,

com ênfase em Língua Portuguesa, Literatura e Línguas Estrangeiras nas modalidades de Ensino Fundamental

I, II e Médio. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8350774729881575

**Lindiana da Silva Oliveira - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia. Graduanda em Ciências Biólogicas pela UESB. Pesquisadora ex-bolsista de Iniciação Científica pela

UESB. Participante do projeto de Extensão em Cultura Afro- brasileira. Participante do grupo de pesquisa em

Língua de Sinais Brasileira- UESB/ DCHL. Foi ainda participante do grupo de pesquisa do Centro de Estudos

27 Caderno de Resenhas: Estação da Leitura, Ano 1, Nº 1, V 1, ( Set/ Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

da Leitura- UESB/ DCHL. Professora/monitora pelo projeto Universidade Para Todos – UESB - JQ. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3554312933057929

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HISTÓRIA DO MUNDO PARA AS CRIANÇAS (1933)

Alana Souza Santos*

“Roda mundo, vira gente e cai tudo no mesmo lugar...” (Ditado Popular)

LOBATO, Monteiro. Histórias do mundo para crianças. São Paulo: Brasiliense, 2004.

O livro “História do Mundo para Crianças” de Monteiro Lobato, publicado pela primeira vez em

1933, narra a história da humanidade desde a origem da terra até a bomba atômica lançada em plena

Segunda Guerra Mundial na cidade de Hiroshima, no Japão. Nesse livro, Lobato teve a habilidade de

escrever de maneira sucinta, mas intimamente prazerosa e clara sobre um longo período da história

da humanidade. Com 81 capítulos, essa narrativa é de certo, um romance da trajetória humana

juntamente com todos os feitos - sejam naturais ou humanos-, conquistas, perdas e mazelas, cujo

percurso cronológico forma o indivíduo de hoje, em suas diferentes culturas.

No início da narrativa, Dona Benta, personagem que se remete a uma fonte de conhecimento, recebe

pelo correio o clássico “Child’s history of the world”, de V. M. Hillyer. Depois de ler o livro e

consultar outros livros em sua vasta biblioteca, decide contar aos netos a história do mundo. Assim,

durante as noites Emília, Narizinho e Pedrinho escutam e também inferem sobre essa história

universal. A criação do mundo, o homem da caverna, a descoberta do fogo, a criação de códigos

linguísticos, as construções, a busca pelo poder e pelo conhecimento, as guerras, as vitórias e

derrotas, são contos apresentados que mostram o homem como um ser ativo em um mundo que pede

por continuidade, em um tempo que não pára, mas que convida cada civilização a estar em

movimento para as novas etapas que se seguem em direção a uma aparente nova configuração social

e cultural.

Um ponto relevante a ser ressaltado é que, nesse livro, tanto os personagens infantis, como Dona

Benta tecem comentários, do início ao fim, sobre os acontecimentos da história da humanidade. Isso

faz com que as histórias contadas se tornem prazerosas; passíveis de comparações com a era

moderna na qual os personagens já estavam vivendo e faz também refletir acerca da natureza

humana. Reforçando a condição animal do ser humano desde o tempo da Idade da Pedra, Lobato

discute sobre a selvageria dos homens, que ainda persiste:

“Eram homens de luta permanente. Atacar, roubar, matar o mais fraco, bem como fugir do mais forte, constitui

a regra da vida que vem da primeira lei da Natureza: - cada qual é por si. Ou mata ou é matado; ou rouba ou é

roubado. Nós somos descendentes dessas bárbaras criaturas e por isso temos no sangue muito de sua

selvageria. Apesar da educação que o progresso geral trouxe, inúmeros homens hoje ainda agem como os da

Idade da Pedra. Por isso é que existem tantas cadeias e forcas e cadeiras elétricas. ( p.11)

O autor evidencia algumas figuras heroicas que são lembradas até hoje, em suas lutas, conquistas e

ensinamentos e que contribuíram para a construção de civilizações e ideologias. Ele não exclui nem

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mesmo os vilões da história do mundo que destruíram, mataram, roubaram, e, por isso, também são

lembrados. A história dos anti heróis também é contada.

Ao analisar todas as situações descritas, é imprescindível refletir: em tudo o que se passou na história

do mundo, o que subsiste até hoje no ser humano? De certo, o desejo de sempre querer mais: mais

conhecimento, poder, riquezas, vitórias... sempre dentro de uma incessante busca. Embora tenha

chegado a um estágio dito “evoluído”, capaz de ser crítico, veloz ao poupar tempo para facilitar a

vida a seu favor, construindo e sobrepondo ideias, conclui-se que, apesar dos caminhos percorridos

em seu passado, alguns hábitos, comportamentos e práticas nunca mudam.

*Alana Santos Souza - Graduanda do curso de Letras Vernáculas da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, campus de Jequié-Bahia, é também ex-bolsista de Iniciação Científica-FAPESB. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4777702840754060

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EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA (1934)

Thaís Pires do Carmo Santana*

“A gramática, a mesma árida gramática, transforma-se em algo parecido a uma feitiçaria evocatória; as

palavras ressuscitam revestidas de carne e osso, o substantivo, em sua majestade substancial, o adjectivo, roupa

transparente que o veste e dá cor como um verniz, e o verbo, anjo do movimento que dá impulso á frase.” (Baudelaire.)

MONTEIRO, Lobato. Emília no país da gramática, 40ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1996.

Emília no país da gramática reúne 24 histórias escritas em 1930, a saber: ‘uma ideia da senhora

Emília’, ‘Portugália’ ‘Gente importante e gente pobre’, ‘ Em pleno mar dos substantivos’, ‘Entre os

adjetivos’, ‘Na casa dos pronomes’, ‘Artigos e numerais’, ‘No acampamento dos verbos’, ‘ Emília na

casa do verbo ser’, ‘A tribo dos advérbios’, ‘As preposições’, ‘Entre as conjunções’, ‘a casa da

gritaria’, ‘A senhora etimologia’, ‘Uma nova interjeição’, ‘Emília forma palavras’, ‘ O susto da

velha’, ‘Gente de fora’, ‘Nos domínios da sintaxe’, ‘As figuras de sintaxe’, ‘Os vícios de linguagem’,

‘As orações ao ar livre’, ‘Exame e pontuação’, ‘E o visconde’, ‘Passeio ortográfico’, e por fim

‘Emília ataca o reduto etimológico’.

Tudo começa quando a danada da boneca Emília, ao ver Pedrinho estudando gramática com D.

Benta em plenas férias, sugere uma viagem ao país da gramática no lombo do rinoceronte Quindim -

um sábio gramático africano. Empolgados com a ideia, os pica-pauzinhos seguem viagem. Chegando

ao país da gramática, a meninada conhece afundo a língua portuguesa. A “priori”, Emília atordoada

com os sons que as sílabas emitiam crítica as nomenclaturas utilizadas pelos gramáticos para

denominar cada tipo delas. Segundo a bonequinha, algo tão simples torna-se complexo.

Gramática é um pais com várias cidades e eles decidiram visitar a cidade de Portugália, onde moram

as palavras da língua portuguesa. Quindim, como se percebe em todo o livro, não é um mero

condutor das crianças ao país da gramática, é sim um grande conhecedor da língua, que vai por meio

29

Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

de explicações lúdicas, facilitar o conhecimento das regras e dos conceitos gramaticais de nossa

língua. Lá conheceram diversas ruas e localidades habitadas por diferentes fenômenos da língua. Um

dos lugares visitados foi o Arcaismo, lugar onde residiam palavras que não são mais usadas pelos

usuários da língua. Na ocasião, Quindim comenta que assim como as pessoas as palavras nascem,

crescem e morrem, ou seja, não são imutáveis. Ainda são visitadas localidades povoadas pelos

estrangeirismos e gírias - modalidades da língua desprestigiada. Além disso, foram muitos os

elementos gramaticais conhecidos, como: substantivos, advérbios, verbos, pronomes, sintaxe etc.,

cada um de fundamental importância para o funcionamento da língua portuguesa.

Lobato, nessa obra, parece dar um puxão de orelha no ensino tradicional de língua materna e chama

a atenção para um ensino de língua mesclado de didática, teoria e prática, além de conduzir uma

maravilhosa viagem com a turma do sítio.

*Thaís Pires do Carmo Santana - Graduada em Licenciatura em Letras com habilitação em Língua

Portuguesa e suas Literaturas pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, atualmente

pesquisadora voluntária do projeto Escritoras feministas na escola.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/8848305089132993.

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EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA (1934)

Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*

Profª.Esp. Gizelen Santana Pinheiro**

“A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda. (Luís Fernando Veríssimo, em: O

Gigolô das Palavras) “- Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramática até virava

brincadeira.”(Pedrinho, em: Emília no País da Gramática)

MONTEIRO, Lobato. Emília no País da Gramática. 27ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1983.

Nesse livro, Lobato questiona os métodos ronceiros de ensino da Língua Portuguesa ao tempo em

que realiza o projeto pedagógico de apresentar conteúdos escolares de forma lúdica e atrativa para as

crianças. A pretexto de aprenderem gramática - que Pedrinho detestava na escola - Emília propõe

uma viagem ao país da gramática. Assim, montados no Quindim, o rinoceronte gramático, os

picapauzinhos partem para uma aventura recheada de questionamentos e reflexões lingüísticas,

antecipando, em muito, o que será discutido só bem mais tarde pelos nossos cursos de Letras.

No que se refere ao ludismo pedagógico: a viagem tem um guia e mestre sui generis, o professor

Quindim - com todo o seu cascão gramatical. Logo de entrada, os heróis\picapaus são recebidos

pelo zumbido dos sons orais. Emília, a mais questionadora e com sua lógica arrevesada, expõe de

forma jocosa suas dúvidas e indignações com tantos nomes “feios”, difíceis - xingamentos, como diz

- e tantas normas. No primeiro capítulo, eles conhecem as cidades, como são chamadas as divisões

dos grupos de palavras: a Portugália, onde vivem as palavras da língua portuguesa, Galópolis a

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

cidade das palavras francesas... Em seguida, passeiam pela Portugália: conhecem o centro (morada

de gente importante) e os subúrbios (habitados por gente de baixa condição ou decrépita).

No bairro do Refugo, eles vêm palavras muito velhas, bem corocas (...), tomando sol à porta de seus

casebres (p.11). Tudo é personificado: sílabas, palavras, figuras... se comportam como humanos em

uma cidade. Assim, eles conhecem as classes de palavras, as variações como as gírias, os

neologismos; visitam as que já estão morrendo e quase não são mais usadas - os Arcaísmos – ouvem

a emocionada autobiografia do advérbio Bofé (= em verdade, francamente), vão ao cemitério, onde

se encontram as palavras latinas, mortas... Eles também conversam com D. Etimologia sobre a

formação das palavras, com D. Sintaxe sobre suas figuras auxiliares... e com D. Ortografia sobre a

ortografia etimológica, etc. Além disso, nesse passeio inusitado, os picapauzinhos visitam o bairro

dos substantivos e dos adjetivos, a casa dos pronomes, dos artigos e numerais, das preposições,

conjunções, interjeições (A Casa da Gritaria), a praça da analogia, o acampamento dos verbos, a

tribo dos advérbios e brincam no jardim dos períodos... Emília ataca o reduto da ortografia

etimológica.

O Visconde rapta o ditongo ÃO e é flagrado pela boneca. O sabugo sofria do coração e raptou o

ditongo por medo do som parecido com tiro de canhão e latido de canzarrão. Emília o faz devolver

o pobre ditongo, já que ele não era da Academia Brasileira de Letras para poder mexer nas palavras

(p.68). Trata-se, pois, de uma ludoteca da Língua Portuguesa. Uma aula de reflexão sobre a língua e

o modo de ensiná-la, indo muito além do mero repasse de informações gramaticais. Os heróis

discutem: arbitrariedade do signo, diferenças linguísticas; relativizam a noção de erro, relacionam

sentido a contexto... O Quindim ensina que a língua é viva, dinâmica e está em constante construção

popular (pelo uso) e não pelas normas ditadas por vozes de autoridade - atitude de vanguarda para a

época e tão cara à Linguística hoje: “Quem altera as palavras e as faz e desfaz e esquece umas e inventa

novas, é o dono da língua — o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não passam dos ‘grilos’

da língua”. (LOBATO, 1983, p. 26).

*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),

Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela

FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB juntamente com a Profª. Drª.

Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,

especialmente da obra lobatiana. É autora do livro “Mais uma História de Três Porquinhos” em co-autoria com

Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9847283486611328

**Gizelen Santana Pinheiro - Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (2012), foi Bolsista de Iniciação Científica/FAPESB/UESB, entre os anos de 2010 e 2011 do Projeto de

Pesquisa Emília vai à escola. Atuou como Auxiliar de Coordenação no Programa do Governo Federal Todos

Pela Alfabetização/TOPA em parceria com a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no período de

Janeiro de 2012 a Abril de 2012. Atuou como professora na Educação Básica em escolas da rede particular e

pública de Jequié. Atualmente é Coordenadora de Relatórios e Projetos do Centro de Estudos da

Leitura/CEL/UESB.Lattes: http://lattes.cnpq.br/3584971780537087

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ARITIMÉTICA DA EMÍLIA (1935)

Profª Amanda Silva Cardoso*

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

“Em Aritmética da Emilia, quem assume o papel de educador é o Visconde de Sabugosa, personagem

responsável pela ideia de trazer os habitantes do País da matemática para o Sítio de Dona Benta”. Lajolo e

Ceccantini

MONTEIRO, Lobato. Aritmética da Emilia, 29ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1995.

A obra “Aritmética da Emilia” foi escrita pelo grande escritor brasileiro Monteiro Lobato. Essa

história iniciou-se com uma ideia do Visconde. Ele era o único do grupo do Sitio do Pica Pau

Amarelo que ainda não tinha criado uma viagem, por tudo, ele disse que visitariam o país da

matemática. Só que ao invés de irem ao país da matemática, este viria até o Sitio.

Foi montado um circo no Sitio do Pica-pau Amarelo para receber os artistas da matemática. Os

primeiros artistas a se apresentarem foram os Algarismos Arábicos. Daí, vem a primeira explicação

matemática: “A especialidade deles é serem grandes malabaristas. Pintam o sete uns com os outros,

combinam-se de todos os jeitos formando Números e são essas combinações que constituem a

Aritmética” ( p.9).

Emília questiona e fica impressionado com a apresentação dos algarismos, mas o que mais chama

atenção dela foi o zero. Ela chamou os demais algarismos de feixes de um, mas o zero era feixe de

nada. Dessa brincadeira, vem à explicação do uso do zero. Segundo a boneca, o zero não era número,

podia ser um feiticeiro ou coisa parecida, porque, a depender da posição que ele aparece, pode valer

muito ou quase nada.

Logo após a apresentação dos algarismos, veio à apresentação da Unidade. “Dona Unidade é a mãe

de todas as quantidades de coisas” ( p.9). Logo em seguida, Visconde dá a explicação de unidades e

alguns exemplos.

Agora vem a apresentação da Quantidade. “Sirvo para indicar uma porção de qualquer coisa que

possa ser contada, pesada ou medida” (p.9). Aí, vem o exemplo da quantidade de pessoas presente

no circo etc. Esse bloco é encerrado com a apresentação dos números pares e impares.

No capitulo “Manobra dos números”, Visconde explica como se faz a leitura dos números na casa

das: dezenas, centenas, milhar, centena de milhar, milhão. Então, Visconde vai explicar que é preciso

dividir os números em espacinhos de três em três algarismos que começa da direita para a esquerda.

Em seguida, será apresentada a Quantia que lida com o dinheiro e segue falando de moedas, contos

de reis e cruzeiros. Neste momento, o Visconde vai ensinar como se lia as quantias em cruzeiros.

No capítulo “Acrobacia dos artistas arábicos”, vão surgir às acrobacias matemáticas que são as

contas ou operações fundamentais da Aritmética - no livro chamadas: Reinação que aumenta;

Reinação de diminuir; Reinação de multiplicar; Reinação da divisão. No fim, são explicados os

sinais e operações de maneira detalhada e lúdica.

Após falar de todas as reinações, vem o capitulo “Frações”, quando e a partir de uma melancia que o

coronel Teodorico enviou para Dona Benta, o Visconde começou a explicar as frações. A melancia é

chama de inteiro e as partes, que tia Nastácia picou de pedaços, frações. Em seguida o Visconde

afirma que existem as operações como: somar fração; subtrair fração; dividir fração; multiplicar

fração e, então, vem a explicação das frações decimais: “Frações decimais são pedaços de uma

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

unidade dividida em décimos, centésimos, milésimos, milionésimos e em outras partes ainda

menores” ( p.53).

No capitulo XVIII, o assunto é “Medidas”. De acordo com Lobato, medir é uma das coisas mais

importantes da vida humana. A parte daí, ele dá exemplo do que medimos no dia a dia. Metro=

medida de comprimento; Litro= medida de capacidade; Quilo= medida de peso.

No último capitulo, Visconde diz: “números complicados”, que são os números complexos. De

acordo com Monteiro Lobato o sistema de decimais é fácil por que tudo se divide de dez em dez,

mas nos antigos sistemas não era assim.

Essa obra, “Aritmética da Emília”, pode ser considerada uma aula de matemática, pois o escritor

Monteiro Lobato apresenta algarismos, principais categorias conceituais da matemática. Essas

apresentações são realizadas de forma lúdica, contribuindo para que as crianças tenham facilidade no

entendimento dos conceitos. Acreditamos que essa obra deveria ser adotada em sala de aula, pois,

através da fantasia, a aprendizagem acontece.

*Amanda Silva Cardoso - Graduada em Letras pela UESB; Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão

em Lobato – GPEL/CEL/UESB; atua como pesquisadora voluntária no Projeto Memórias das Escritoras

Brasileiras na Escola; É professora do ensino básico/Jequié-BA. Ex-estagiária do Centro de Estudos da Leitura

– CEL/UESB; Atuou como bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência/PIBID/UESB.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1802570424480452

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MEMÓRIAS DA EMÍLIA (1936)

Profª. Drª. Maria Afonsina Ferreira Matos*

Profª Jeanne Cristina Barbosa Paganucci **

“Em ‘Memórias da Emília’, a boneca faz indagações muito pertinentes sobre o gênero autobiográfico.”- Eliana Yunes

LOBATO, J. B.M. Memórias da Emília. 42. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Em Memórias da Emília, Monteiro Lobato (1994) dá vida a um projeto mágico: Emília escreve de

próprio punho o que pensa e entende acerca de sua existência. Nessa autobiografia, a “boneca” é

boneca somente nos fatos narrados em suas memórias e, como ela mesma diz:

Nasci, fui enchida de macela que todos entendem e fiquei no mundo feito uma boba, de olhos parados, como

qualquer boneca. E feia. Dizem que fui feia que nem uma bruxa. Meus olhos tia Nastácia os fez em linha preta.

Meus pés eram abertos para fora. [...] Eu era assim. Depois fui melhorando. [...] Tia Nastácia foi me

consertando, e Narizinho também. Mas nasci muda, como os peixes. Um dia aprendi a falar. ( p.10-11).

A personagem conta a história de seu nascimento e observa o quanto é diferente, em sua percepção

de agora, a vida de boneca, ali, parada, somente boba, aguardando. Entre linhas e carretéis, Emília

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

distinguiu o mundo real do mundo encantado dos brinquedos da infância, mas é aí que transita,

compondo uma terceira realidade pela confluência real/ mágico.

Assim, Emília é uma personagem liberta das linhas e tecidos, das tintas e lãs, mostra sangue em suas

veias e um pensamento forte - mais que qualquer outra personagem de Lobato. Em suas memórias, a

ex-boneca demonstrou autonomia, audácia e muita criatividade, questionando o discurso

autobiográfico e impondo “respeito” com suas opiniões insólitas, suas indagações risíveis e respostas

inusitadas. Sua definição de memórias, suas indagações sobre suas condições de produção e processo

de composição antecipam as discussões acadêmicas sobre as fronteiras real/ficcional, pois, como ela

mesma observa: “... é nas memórias que os homens mentem mais” (p.7). Nessa terceira realidade,

Emília assume a complexa problemática do ser, colocando em evidência questões dos humanos que

nela se veem representados: qualidades e defeitos, sensibilidade e crueldade, desrespeito, sabedoria,

iniciativa, ou seja, um misto de sentidos e propriedades numa só existência... Persuasiva em todos

os sentidos, Emília faz com que Visconde escreva boa parte de suas memórias e as assina: uma falha

humana bem acentuada na “boneca” – apropriação indébita no que se refere à autoria...

Na direção de paródia da autobiografia clássica que, segundo a ex-boneca, “arruma as coisas de um

jeito que o leitor fique fazendo uma alta ideia do escrevedor” (Idem), nas memórias emilianas, há

lugar para a antítese na voz do Visconde. Revoltado com a boneca pela falta de honestidade

intelectual, ele revela:

Emília é uma tirana sem coração. Não tem dó de nada. Quando tia Nastácia vai matar um frango, todos correm

de perto e tapam os ouvidos. Emília, não. Emília vai assistir. Dá opiniões acha que o frango não ficou bem

matado, manda que tia Nastácia o mate novamente – e outras coisas assim. Também é a criatura mais

interesseira do mundo. Tudo quanto faz tem uma razão egoística. Só pensa em si, na vidinha dela, nos

brinquedos dela. Por isso mesmo está ficando a pessoa mais rica da casa ( p.48).

Nesses termos, Visconde em sua tentativa de registrar a revolta contra Emília e dar fim à

“autobiografia” arrevesada, acaba por revelar sua natureza ambígua, contrariando, nas páginas das

memórias da personagem, as inúmeras qualidades que ele mesmo havia escrito sob pressão. Há,

nessas memórias “sui generis”, uma escrita invalidando a outra.

Ao perceber sinceridade na escrita do Visconde, Emília retoma seu turno de fala para fazer uma

confissão que impressiona seus leitores, certamente. Em destaque, finalizou com um xeque-mate,

contestando as palavras do nobre cientista:

“Antes de pingar o ponto final quero que saibam que é uma grande mentira o que dizem a respeito do meu

coração. Dizem todos que não tenho coração. É falso. Tenho, sim, um lindo coração – só que não é de banana.

Coisinha à-toa não o impressionam; mas ele dói quando vê uma injustiça. Dói tanto que estou convencida de

que o maior mal deste mundo é a injustiça” ( p.58).

Nessas memórias, Emília é esse paradoxo do ser e não ser, do estar e não estar. Para não dizer que

não ficou uma ponta de verdade nos ditos de Visconde, a boneca/menina afirma que “É isso mesmo.

Sou tudo isso e ainda mais alguma coisa. Pode ficar como está” ( p.50).

Daí, ser possível afirmar que especialmente nesse livro, não se recomenda Emília, pois, ela mesma se

recomenda, em sua natureza complexa, transitável, engraçada, inteligente, amorosa, zangada,

birrenta e muito aguardada no mundo infantil. Cabe ser lida e interpretada nesse mundo novo de

novas e outras leituras, de tecnologias da informação e comunicação, concentrada que está Emília em

múltiplos sentidos - sendo ela mesma até nas despedidas: “_Respeitável público, até logo. Disse que

escreveria minhas Memórias e escrevi. Se gostaram delas muito bem. Se não gostaram, pílulas!

Tenho dito.” ( p.60).

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

*Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),

Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela

FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB, juntamente com a Profª. Drª.

Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,

especialmente da obra lobatiana. É autora do livro Mais uma História de Três Porquinhos em co-autoria com

Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328

**Jeanne Cristina Barbosa Paganucci - Licenciada em Letra pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (UESB); Pós-graduada em Docência do Ensino Superior pela Universidade Norte do Paraná

(UNOPAR); Vinculada, na condição de pesquisadora voluntária, ao Centro de Estudos da Leitura

(CEL/UESB). Mestranda em “Letras: Linguagens e Representações” pela Universidade Estadual de Santa Cruz

(UESC), investiga a narrativa Roseana, “Grande Sertão: Veredas”, focalizando a personagem Diadorim.

Professora de Língua Portuguesa, redação, e Literatura (s); Escritora, palestrante, poeta, contista, articulista,

ensaísta, contadora de ‘estórias’. Participou de antologias poéticas, revistas e de congressos, fóruns, encontros,

seminários, como autora, convidada ou participante, além de discussões (Gênero, sexualidade, Educação,

Literatura(s) infantil e adulta, mitologia, entre outras). Pesquisadora do “Núcleo de Estudos Avançados sobre

Autoconhecimento” (NEAC), no Instituto Superior de Educação Ocidente, Salvador/BA.

Lattes:http://lattes.cnpq.br/7286476819549936

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DOM QUIXOTE DAS CRIANÇAS (1936)

Filipe Pereira Almeida*

“E quando caço o sol, atiro em relógios. Acho que é isto que a leitura faz. Nos solta na floresta com uma arma

na mão. Nos dá munição para atirar em tudo o que nos distrai de nós mesmos, no que nos desconcentra. O

livro não permite que fiquemos sem nos escutar. A leitura me faz mirar em mim e acertar no que eu nem sabia

que também sentia e pensava. E, por outro lado, me ajuda a matar tudo o que pode haver em mim de

limitante: preconceitos, ideias fixas, hipocrisias, solenidades, dores cultuadas. Lendo, eu caço a mim e atiro

em mim.”– Martha Medeiros

LOBATO, Monteiro. Dom Quixote das crianças. Disponível em

ttp://ir.nmu.org.ua/bitstream/handle/123456789/139075/13e6dbfad71bbd510023295985839fcd.pdf?s

equence=1 . Acesso em: 07 de Jul. 2015.

“Dom Quixote das crianças” (1936) é uma releitura da história original de “Dom Quixote de la

Mancha”, escrita em linguagem não tão erudita - mais fácil de ser compreendida - propiciando,

assim, a difusão das façanhas do “cavaleiro da triste figura” entre todos aqueles que não dominam a

forma culta da língua, em especial as crianças, público alvo de Lobato.

A história começa no momento em que Emília e o Visconde de Sabugosa se encontram na biblioteca

da casa de dona Benta a admirar os livros. De repente, se deparam com um exemplar enorme.

Quando finalmente conseguem tirá-lo da prateleira dão de cara com a edição clássica do livro O

engenhoso fidalgo D. Quixote de la Mancha. Neste instante, chegam dona Benta, Pedrinho e

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Narizinho à biblioteca. Ao dar de cara com o livro jogado ao chão, a matriarca da família decide ler a

história para as crianças e para a boneca sapeca.

Utilizando-se de uma linguagem mais simples e inteligível, dona Benta conta as principais aventuras

de Dom Quixote, seu fiel escudeiro Sancho Pança e seu cavalo Rocinante. Começando com a

fascinação do fidalgo por livros de cavalarias e sua loucura decorrente deste hobbie, relata suas

principais aventuras, a exemplo das lutas contra os moinhos de vento, contra o exército de carneiros,

a libertação dos presos e os inúmeros duelos que travou durante toda a sua jornada. O livro expressa

de maneira perspicaz as emoções das crianças e de Emília durante a contação da história - seus

sentimentos pueris, sua identificação quase espontânea em relação ao personagem e a empatia que

tinham com o louco e carismático fidalgo. Em um ponto da história, a boneca chega a se convencer

de que é uma cavaleira andante, fazendo de Rabicó, o seu cavalo e, do Visconde, o seu escudeiro

fiel...

Trata-se, pois, de uma obra em que a sensibilidade lobatiana atinge um nível radiante, pelo fato de

entender a realidade e o grau de instrução dos brasileiros da época, e, por isso, criar uma forma de

disseminar no universo popular uma das maiores obras literárias de todos os tempos e, mais

especialmente ainda, inserir no universo infantil as histórias de Dom Quixote, com sua linguagem

rebuscada e seus ensinamentos que nos ajudam a viver melhor. Outro aspecto interessante é o

incentivo constante que Lobato faz ao leitor para que este leia a obra original de Cervantes e brinde à

grandeza de tal criação.

*Filipe Pereira Almeida - Graduando em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia, ingresso no primeiro semestre letivo de 2013, foi monitor bolsista da disciplina Teoria da Literatura I,

durante o segundo semestre letivo no ano de 2013. Foi bolsista CAPES do Projeto Institucional de Bolsas de

Iniciação à Docência – PIBID entre os anos de 2014 e 2015. Atualmente é bolsista de Iniciação

Científica/FAPESB/UESB do projeto de pesquisa Emília vai à escola, sob orientação da Profª. Drª Maria

Afonsina Ferreira Matos e Co-orientação da Profª Drª Elane Nardotto Rios Cabral. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4522737307970891

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O POÇO DO VISCONDE (1937)

Rubens Alves Duarte *

Poliana Souza Lapa**

“Lobato teve a empresa que buscava extrair petróleo. Faliu. Crítico da política de exploração de Getúlio

Vargas, sofreu a censura do seu livro “O Escândalo do Petróleo”, em que denunciava a venda de segredos do

subsolo a empresas estrangeiras, Foi preso.” Paulo Cesarino

LOBATO, José Bento Monteiro. O poço do Visconde. São Paulo: Brasiliense 2004.

Entre os anos de 1920 a 1930, Lobato percebeu a desenvolvimento da indústria automotiva norte-

americana, que teria nas décadas vindouras grande importância econômica para o Brasil. Com isso,

fundou a “Companhia Petróleos do Brasil” e passou a década de 30 fazendo levantamentos

geofísicos e prospecções num esforço privado. Perfurou vários poços, e realizou palestras,

impulsionando os meios de comunicação a discutir a importância do petróleo para a economia

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

brasileira. Foi considerado um desequilibrado, pois os técnicos do governo afirmavam que o Brasil

não tinha nem poderia ter petróleo.

A inquietação de Lobato, nesse sentido, tornou-se literatura ao publicar, em 1937, uma de suas mais

importantes obras infantojuvenis: “O poço do Visconde”, que tinha o objetivo de sensibilizar o leitor

quanto à importância do tema para o progresso da nação e, ao mesmo tempo, possibilitar através do

livro o aprendizado da geologia de forma prazerosa e divertida.

“O poço do Visconde” apresenta um conhecimento cientifico minucioso, que faz o jovem leitor

mergulhar no mundo da geologia de maneira mágica. Os personagens, que outrora faziam parte de

obras anteriores, emprestam sua intrepidez e sagacidade para uma história que abunda em

criatividade. Já em seu introito, a agitação borbulha a partir da leitura de Pedrinho, que percebe nos

jornais norte-americanos uma atenção voltada para o petróleo. A personagem inicia uma força tarefa

e convoca a todos do sítio de Dona Benta a participarem da aula inaugural, a qual seria ministrada

pelo Visconde de Sabugosa, que, por sua vez, havia lido um tratado de geologia, encontrado pelo

sabugo de milho nas coisas de Dona Benta. Porém, Pedrinho, impaciente, logo se cansou de ficar

sentado, ouvindo as aulas do Visconde. Queria “abrir logo o poço salvador da pátria”. ”Foi assim que

começou o petróleo no Brasil.”

Ao pensar a vida de Lobato, observa-se uma nítida relação entre realidade e ficção. O autor tece, de

forma lúdica, uma crítica ao Brasil desinteressado na existência de ouro negro em seu subsolo. A

obra em análise mostra que autor fez uma profunda pesquisa geológica, que abrange desde os

conhecimentos básicos de geologia até as técnicas de perfuração. Toda esta ciência é materializada

por Lobato em forma de literatura, possibilitando montar na mente do leitor a relação autor

personagem. Com isso, se encontram características diluídas do autor nas personagens Visconde e

Pedrinho, Emília, respectivamente o conhecimento, intrepidez e irreverência.

Podemos concluir que a leitura do livro “O poço do Visconde” suplanta o conhecimento literário,

levando-nos a uma viagem científica e política, abrindo margem para afirmar que a obra não se

restringe apenas a categoria infantojuvenil. Dessa forma, a obra é enriquecida com o diálogo entre as

sábias peripécias das personagens lobatianas e a histórica e atrasada realidade política de um país que

suprime o conhecimento em prol dos interesses orgulhosos de seus governantes militarizados, da era

Vargas, e do interesse das empresas internacionais.

*Rubens Alves Duarte - Graduando do curso de Letras vernáculas pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (UESB - Jequié). Bolsista de Iniciação Científica do projeto Memórias das Escritoras Brasileiras nas

Escolas, vinculado ao Estação da Leitura da UESB - Jequié. Pesquisador voluntário do Grupo de Estudos da

Teoria do Discurso (GETED) da UESB - Jequié. Discente do curso de Educação Popular em Direitos Humanos

da UESB - Jequié. Experiência na área de dependência química e mediação de conflitos. Coordenador de

grupos de ajuda mútua em comunidades terapêuticas, atuando com dependentes químicos e familiares em

prevenção ao uso de drogas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2066628344514344

**Poliana Souza Lapa - Graduada em Letras Vernáculas, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

(UESB) Campus - Jequié (2014). Graduanda em Fisioterapia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (UESB) Campus - Jequié. Participou como Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à

Docência (PIBID). Integrou como pesquisadora voluntária o Grupo de Estudos da Teoria do Discurso

(GETED) da (UESB) Campus - Jequié. Atuou como professora/monitora do Projeto Universidade Para Todos

(UESB) Campus Jequié (2013 - 2014). Membro do Grupo de Pesquisa: Saúde e Qualidade de Vida (SQV) -

CNPq/UESB .Lattes: http://lattes.cnpq.br/9736432462075868

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

HISTÓRIAS DE TIA NASTÁCIA (1937)

Jeane da Silva Rosário*

Renata Pereira Santos**

“Tia Nastácia é tratada de forma muito amorosa em toda a obra de Lobato. Existem milhares de citações

afetivas em relação à personagem, que tem uma função crucial na vida dos demais personagens: eles

recorrem a ela em busca de conselho, de carinho. Devemos observar ainda que Lobato usa Tia Nastácia como

pretexto para criticar a superstição, a religiosidade e o excesso de crença no sobrenatural. Mas não há

nenhum traço de ódio racial nessas passagens.” João Luís Ceccantini (em entrevista a VEJA em 17/12/2010)

LOBATO, Monteiro. Histórias da Tia Nastácia. 32°. ed. São Paulo. 1994.79.p

Histórias de Tia Nastácia é um livro infantil de autoria de Monteiro Lobato, publicado em 1937. A

obra reúne 44 histórias populares, narradas por tia Nastácia e comentadas por Emília, Narizinho e

Pedrinho...

Esse livro apresenta um conjunto de lendas que mexem com o imaginário de quem ouve e chama

bastante à atenção para o fato de a mesma história ser contada de várias formas, já que cada contador

possui uma crença e uma cultura. Logo, fica evidente, no meio de cada lenda, as mudanças ocorridas

e a inserção de alguns elementos característicos de algumas culturas.

Dentre as várias histórias contadas por Lobato nessa obra, provavelmente, a história do jabuti que foi

a uma festa no céu é a mais conhecida. Essa história diz que iria acontecer uma festa no céu e todos

os bichos que sabiam voar foram convidados. Porém o jabuti, mesmo sem asas, queria muito ir à

festa no céu e arranjou um jeito de participar. O jeito que ele achou foi se esconder no violão do

urubu que, sem desconfiar de nada, o levou para a festa. Chegando lá, o jabuti saiu de dentro do

violão e foi curtir. Quando a festa acabou, o jabuti se escondeu novamente no violão. Mas, no

caminho de volta, o urubu descobriu a façanha do jabuti e, num movimento, fez com que o

clandestino caísse e se espatifasse no chão, transformando seu casco em caquinhos, Deus, com pena

daquela situação, emendou o casco do jabuti e por isso ele tem o casco do jeito que é. Essa é a

história que normalmente conhecemos, porém Lobato acrescenta alguns elementos e muda outros,

afirmando assim, a assertiva de que quem conta um conto aumenta um ponto.

Na versão contada por Lobato, no livro Histórias de tia Nastácia, o Jabuti também foi convidado para

a festa no céu e contou com a ajuda de uma cegonha muito malvada (veja que o urubu foi substituído

por outra ave). No caminho de ida, a cegonha malvada faz uma manobra radical e derruba o pobre

do jabuti que, ao cair, pede que pau e pedra saiam do caminho, pois ele está caindo e pode quebrar o

que tiver no caminho. Sendo assim, paus e pedras abrem caminho para que o jabuti se espatife no

chão. Deus, com muita compaixão, junta seus caquinhos, reestruturando seu casco que virara cacos.

Por conta disso é que seu casco é cheio de remendos.

A partir dessas duas narrativas podemos observar o quanto as histórias populares são ricas de

detalhes e o quão rica foi à colaboração de Lobato no que tange a temática. Além das várias histórias

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de Jabuti, são recontadas as histórias de João e Maria, as histórias da onça e o coelho, o sapo e o

coelho, dentre várias outras.

Através dessa obra, Monteiro Lobato narra as histórias populares brasileiras, mostrando o quanto a

cultura estrangeira influência nossas lendas e contos populares, posto que em muitas histórias

aparecem como personagens recorrentes as figuras de reis, rainhas princesas e castelos - alegorias

que não se fazem presentes na nossa cultura. Embora seja uma obra direcionada aos públicos infantil

e juvenil, esse livro discute de forma magistral as lendas que passam de geração a geração e a

riqueza cultural que emana do povo e suas histórias, sendo este muito bem representado através da

personagem tia Nastácia.

Quem melhor que Tia Nastácia para contar às histórias que são fruto da imaginação e criatividade de

um povo? A obra “Histórias de Tia Nastácia” de Monteiro Lobato, está repleta dessas histórias que

são passadas de pais para filhos e ainda fazem parte, de nossa realidade atualmente. Um fato bastante

relevante é ter um personagem negro narrando uma história e assim ganhando voz na literatura.

Mesmo com as “alfinetadas” de Emília, tia Nastácia consegue transmitir seu leque de conhecimentos

sobre as histórias populares.

Lobato apresenta as histórias mais populares do nosso folclore narradas por tia Nastácia e

comentadas pelas crianças, que, ao fim de cada narração, expõem um juízo de valor e fazem um

exercício crítico acerca das mudanças e algumas perdas de partes da história ocorridas no passar dos

anos. Pode-se dizer, por fim, que Lobato procurou narrar histórias populares através dos personagens

do sítio, mostrando os dois horizontes de perprctivas, o lado rico da cultura popular e as críticas que

a cultura erudita tece a respeito da cultura popular no intuito de subjugar a cultura do povão.

Jeane da Silva Rosário- Atualmente cursa o 6° semestre de Letras Vernáculas pela Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia- UESB, Campus de Jequié. Exerceu a função de estagiária administrativa na biblioteca

Jorge Amado (UESB), durante o período de fevereiro de 2013 a dezembro de 2013. Possui experiência na área

de letras, com ênfase nas discussões de gênero e autoria feminina.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/7139926356246278

Renata Pereira Santos- Atualmente cursa o 6° semestre de Letras Vernáculas pela Universidade estadual do

sudoeste da Bahia- UESB, Campus Jequié. Exerce a função de professora da educação infantil no Colégio

Dom Pedro II

***

A CHAVE DO TAMANHO (1942)

Jorge Luís Barreto Pinto* .

“A Chave do Tamanho parece ser, juntamente talvez com O Poço do Visconde, o livro em que Lobato foi

mais sensível às ocorrências contemporâneas a que assistia. Emília toma as dores do mundo e decide, com um

único golpe, dar fim ao morticídio.” (Regina Zilberman)

LOBATO, Monteiro. A Chave do Tamanho; ilustrações Paulo Borges - São Paulo: Globo, 2008.

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Era um pôr-do-sol de trombeta (as cores reunidas a fim de proporcionar um único espetáculo)

quando Emília e o resto da turma do sitio comentaram sobre as guerras lá fora. Quando Emília teve

uma ideia. Ela queria tomar o pó de pirlimplimpin (pó mágico) para voar até a “casa das chaves’ para

desligar a chave da guerra e nunca mais haver guerra em lugar algum do mundo. Tratava-se da

Segunda Guerra Mundial. Como eram muitas chaves, Emília puxa a chave errada, e todos os seres

encolhem. Todas as pessoas se tornam tão pequenas quanto os insetos. Animais inofensivos como

cães, gatos e galinhas se tornaram verdadeiras ameaças aos humanos. O dinheiro, as armas e os bens

materiais perderam totalmente o seu valor nessa nova organização mundial.

A velocidade e a pressa, princípios de vida que predominavam entre os homens, tiveram que ser

substituídos pela calma e paciência, pois, segundo Emília, o significado do viver reduziu-se a andar

pelo mundo, zelar por ele e manter o estômago da população suprido… sendo assim, todos iam

construindo as coisas por prazer e não só por necessidade. Escrito em 1942 a obra “A chave do

tamanho” mostra-se extremamente atual em vários aspectos. Com o advento da globalização, a

quantidade e velocidade de informações que chegam ao grande público, elencamos um

questionamento: uma criança com os recursos midiáticos que dispõe, é capaz de refletir sobre a

importância da sua vida, da sociedade em que vive e obter conhecimentos científicos através da

leitura de um livro? Essa obra parece confirmar o pressuposto.

Nesta verdadeira arquitetura literária, Lobato mantém as características que lhe são peculiares, ou

seja, sempre procura ensinar às crianças os assuntos complexos das ciências de forma simples,

porém rica, sem banalizar os assuntos ou subestimar seus leitores. O grande mérito lobatiano nessa

produção é a diversidade de temas abordados tais como, a segunda guerra mundial, a teoria do

evolucionismo e o ciclo da água. Digno de nota também, é o fato do autor instigar seus leitores a

realizarem pesquisas, buscando obter mais informações sobre assuntos muito importantes e

interessantes que são rapidamente abordados, por exemplo: como os ninhos dos pássaros são

construídos, quem seria o grande general de bigode (Hitler) e onde se localiza a Universidade de

Princeton, local em que o construtor da magnífica Cidade do Balde (Pail City) lecionava enquanto

tinha seu tamanho natural.

Nessa história, Monteiro Lobato faz um exercício de olhar extremamente inteligente. Há a

possibilidade de se ver e de se entender o mundo sobre outra perspectiva. Emília, começa a perceber

elementos da natureza que antes sequer pensava. Abre-se assim o mundo do conhecimento para o

leitor, uma nova visão. Além de elementos naturais agora mais entendidos, percebe-se uma

transformação na postura das pessoas. Há uma necessidade de se reavaliar as próprias atitudes. Com

todos os seres minimizados, a guerra acaba e há uma vontade, por parte das crianças, de continuarem

minúsculos. Assim, ocorre um plebiscito em que as crianças perdem unicamente por causa de

Visconde. Ao fim da história, compreendemos que a criança representa a possibilidade de mudança,

bem ao contrário dos adultos que já se acostumaram com o mundo como ele está.

*Jorge Luís Barreto Pinto - Graduado em Letras Vernáculas com Inglês (UNEB); Pós-graduado em

Literatura e Linguagens: o texto Infanto-juvenil (UNEB). Lattes: http://lattes.cnpq.br/3403274211495106

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OS DOZE TRABALHOS DE HÉRCULES (1944)

Profª Mara Rúbia Souza Machado*

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

Profª Drª Maria Afonsina Ferreira Matos**

“... devemos ser iguais a Hércules, ter força e coragem para superar todos os obstáculos de nossas

vidas.”(M.D.)

“...devemos sempre estar prontos para enfrentar os monstros que a vida nos reserva.” (T.) Assistidos do

CRAS/Jitaúna-BA

LOBATO, Monteiro. Os Doze Trabalhos de Hércules. 19ª edição, São Paulo: Brasileense. 2004.

Há mas de setenta anos Monteiro Lobato encanta jovens, crianças e demais leitores com

este clássico da literatura infantojuvenil que serve para instruir, divertir e educar. Com uma

linguagem simples e corriqueira, própria do ambiente rural “zanga”, “chupando os dedos”

“taquara-do-reino”, “carrapato”, “diabinho”, “moita”... ele conduz o leitor a uma aventura

inesquecível, vivenciando emoções dramáticas, cômicas e ameaçadoras com riqueza de

detalhes. O escritor demonstra ser conhecedor da historia e da mitologia grega, pois,

descreve detalhadamente o cenário onde ocorreram as aventuras, lutas, batalhas, desafios e

conquistas do semideus Hércules. O conjunto de obras da mitologia grega - com deuses,

monstros mitológicos, histórias, mitos, superstições e espaço geográfico - são reescritas

com criatividade, leveza e emoção. Dessa forma a narrativa apresenta o duelo entre a

vingança da deusa HERA e o heroísmo do semideus HÉRCULES.

Narra o nascimento de Hércules a partir da intenção de Zeus de ter um filho capaz de

solucionar os problemas políticos da Grécia; da sua educação no cenário de heroísmo da

Hélade e das interferências de Hera no seu destino: induzido pela deusa, ele comete um

crime bárbaro e, em consulta ao oráculo de Delfos, recebe orientações de ficar a serviço do

primo Euristeu (rei de Micenas) que, ao contrário do herói, era débil, medroso, maligno e

temia a própria sombra.

O livro “Os Doze Trabalhos de Hércules”, é apresentado por LOBATO em dois volumes. O

volume I narra do o primeiro trabalho – O LEAO DE NEMEIA - até o sexto – AS AVES

DO LAGO ESTINFALE. O segundo volume descreve do sétimo trabalho – O TOURO DE

CRETA – até o ultimo – HÉRCULES E CÉRBERO. O escritor apresenta as aventuras de

Pedrinho, Visconde de Sabugosa e a boneca Emília em uma viagem a Grécia Antiga. Nessa

viagem, os três personagens da turma do Sítio do Picapau Amarelo conhecem a historia, os

deuses e os mitos gregos e criam fortes laços de amizades com o herói Hércules de forma

que a pequena boneca passeia sentada nos ombros do semideus, aconselhando-o com

espertas ideias para facilitar a realização dos doze desafios que lhe foram impostos.

Comovida com o rito de iniciação do herói, a turma do sitio começa a observar, vibrar e

interferir em cada trabalho de Hércules. Assim, o guerreiro grego conta com as habilidades

e conhecimentos dos personagens do sitio, a exemplo dos “olhinhos de telescópio” da

Emília. O herói já possuía força, coragem e valentia, mas, carecia de esperteza da boneca

falante.

Lobato descreve Hércules como um “burrão de nascença como todos os grandes atletas”,

mas muito honesto, pois capturou a corça e não serrou os chifres de ouro, “grande como

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

uma estatua,” “extremamente forte”, “imponente”, “herói invencível,” “bruto”, mas,

dotado de um grande coração e com uma doçura que ninguém a possuía, bondoso e

companheiro,... Mesmo com estas gigantescas qualidades, ele é apelidado por Emília de

LELÉ e sentia medo a cada novo trabalho. É um homenzarrão de muita força bruta, mas de

inteligência vazia e depende dos picapauzinhos para sair vitorioso em suas gestas.

Influenciado pelo sentimento de ciúme e vingança da deusa Hera, o rei Euristeu, primo de

Hércules, impõe realização doze terríveis trabalhos: O Leão da Nemeia, A Hidra de Lerna,

A Corça de Pés de Bronze, O Javali de Erimanto, As cavalariças de Augias, As Aves do

Lago Estinfale, O Touro de Creta, Os Cavalos de Diomedes, O Cinto de Hipólita, Os Bois

de Gerião, o Pomo das Hesperídes, Hércules e Cérbero. Todos esses desafios são

executados com a participação dos picapauzinhos e, ao final de cada gesta, a amizade e o

afeto dos heróis do sítio pelo herói grego crescem, comovendo os leitores.

Trata-se, pois, de uma obra parodística que exige dos leitores informações históricas

anteriores ao texto para ser lida de fato. Por isso, costuma ser relegada ao esquecimento nos

espaços de educação formal. Perdem os professores que são privados de um exercício de

mediação qualificada, perdem aos alunos que não podem rir de aventuras construídas sobre

o jogo de vozes clássica e moderna e perdem ambos por não acessarem uma obra poética em

prosa...

*Mara Rúbia Souza Machado - Licenciada em Letras e Especialista em Literatura Infanto-juvenil pela

UESB. Professora da Rede Municipal de Jequié. Ex-bolsistas de Pesquisa do Projeto “Letras de Nossa Terra”

pela FAPESB. Idealizadora do Projeto “Os doze trabalhos de Hércules: no conto e encanto de uma história

mitológica”. Colaboradora Voluntária do CEL/UESB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8311113695554037

**Maria Afonsina Ferreira Matos - Graduada em Letras Vernáculas com Inglês pela FAFIPA- MG (1982),

Mestrado em Literatura Brasileira (1996), Doutorado em Letras (2001) pela PUC-Rio, Pós-Doutorado pela

FACED/UFBA (2011). Atualmente, é Professora Titular/Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia- UESB, onde coordena o Centro de Estudos da Leitura – CEL/UESB, juntamente com a Profª. Drª.

Adriana Maria de Abreu Barbosa. Pesquisa a Formação de Leitores, a leitura das Literaturas Infantil e Juvenil,

especialmente da obra lobatiana. É autora do livro Mais uma História de Três Porquinhos em co-autoria com

Bruno Matos, e autora de várias publicações acadêmicas em livros, revistas e anais de eventos.

Lattes: http://lattes.cnpq.br/9847283486611328

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DOZE MOTIVOS PARA LER “OS DOZE TRABALHOS DE

HÉRCULES” (1944)

Davi Carvalho Porto*

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Caderno de Resenhas, Ano 1, Nº 1, V 1, (Out 2015) – ISSN: 2447- 3588

“Em ‘Os Doze trabalhos de Hércules’, Lobato renova a voz de uma civilização clássica, atualizando a fala de

um herói do passado, para (res)significá-lo junto com os leitores de todos tempos” (Maria Afonsina Ferreira

Matos)

LOBATO, Monteiro. Os Doze Trabalhos de Hércules. 19ª edição, São Paulo: Brasileense. 2004

Trata-se de uma adaptação do mito grego Hércules, para “leitores infantis e juvenis”, bem ao modo

lobatiano de recriar histórias clássicas. A obra foi publicada por Lobato em 1944, década conturbada

da história humana, que assolada pelos horrores da II Guerra Mundial, clamava por paz e

prosperidade. Vale lembrar que, no Brasil, a coisa não era diferente. O povo vivia assustado e

acompanhava as notícias da guerra pelo rádio e pelos jornais.

Primeiro motivo: singular nos parece o olhar de Lobato, que neste contexto histórico de barbárie e

horror, mergulha na história da humanidade e nos feitos de um herói grego, poeticamente acolhido,

para, a partir daí, refletir sobre o humano. Assim, o livro narra a viagem dos moradores do Sítio do

Picapau Amarelo, através do Pó de Pirlimpimpim, à Grécia Antiga. Pedrinho, Emília e Visconde vão

à Grécia Antiga em busca do herói grego Hércules, porém ao encontrá-lo, se deparam com um herói

desajeitado e atrapalhado, e, ao mesmo tempo, forte e sensível.

Segundo motivo: na Grécia Antiga, Hércules era um herói de grandes feitos, famoso por sua imensa

força, e por ter cumprido os doze trabalhos que o diabólico Rei Euristeu, a pedido de Hera, o

ordenava a fazer. O ódio de Hera pelo herói advinha do fato dele ser filho de Zeus com a mortal

Alcmena, portanto, fruto de uma traição. Por esta razão, Hera o perseguira por toda a vida. A

genealogia de Hércules revela o seu caráter de semideus, que é traço comum aos heróis gregos.

Terceiro motivo: o livro revela a profunda erudição de Lobato acerca da Grécia Antiga e da

Mitologia Grega, o que já havia ocorrido anteriormente em O Minotauro. O autor crê na necessidade

das crianças de seu tempo conhecerem a cultura clássica, para, a partir daí, refletirem sobre o seu

tempo histórico, por isso não diminui os feitos e defeitos dos deuses, semideuses e humanos, ao

contrário, evidencia o estado de hýbris (= falta) de Hércules.

Quarto motivo: Os doze trabalhos de Hércules revela uma intenção de Lobato de demonstrar que o

que garante o sucesso da empreitada é a união do grupo. Isto fica claro na ordem, e, na forma como

se apresentam e são resolvidos os trabalhos. No primeiro trabalho, que foi matar o Leão da Neméia,

em cuja pele nada penetrava, é com a ajuda de Emília que o trabalho foi resolvido. De cima de uma

árvore - onde se encontrava juntamente com Pedrinho e Visconde – ela gritou para Hércules asfixiar

o leão. Assim, ele saiu vitorioso.

Quinto, sexto e sétimo motivos: a união do grupo é a base da questão, isto se presentifica no segundo

trabalho, que foi buscar a cabeça da Hidra de Lerna, no terceiro trabalho, que foi capturar a corça dos

pés de bronze, animal sagrado, protegido pela Deusa Artemis, bem como, no quarto trabalho, onde o

Rei Euristeu ordenou que Hércules capturasse o pavoroso javali do Monte Erimanto, na Arcádia, e

Pedrinho deu a ideia de capturá-lo vivo - para isso fizeram um mundéu, o animal caiu na armadilha e

foi levado a Micenas.

Oitavo motivo: o mesmo acontece no quinto trabalho, quando o herói limpou as cavalariças do Rei

Augias, amigo do Rei Euristeu, cujos estábulos possuíam um cheiro venenoso e mortal. Então, para

ajudar Hércules, Pedrinho teve a ideia de fazer a junção de dois rios, o Alfeu e o Peneu. Assim

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aconteceu, Hércules fez a junção entre os dois rios e limpou os estábulos onde se encontravam os

cavalos.

Nono motivo: no sexto trabalho de Hércules, que foi banir as aves do Lago Estinfale, cujas penas

eram de bronze e afiadas como facas, e, também eram antropófagas, é com a ajuda do címbalo de

Hefaístos entregue ao herói pelo mensageiro de Palas de Atenas, que ele toca o objeto sagrado e

expulsa as aves que em debandada fogem do lago.

Décimo e décimo primeiro motivos: no sétimo trabalho de Hércules, ele capturou vivo o touro louco

que vivia na região de Creta, com a brilhante ideia de Pedrinho, a de fazer uma armadilha, tais como

as que ele armava no Sítio de Dona Benta. É também através da união que o grupo resolve o oitavo

trabalho de Hércules, que tinha ordens para acabar com as quatro éguas de Diomedes, cujos nomes

eram Podargo, Lampom, Janto e Deno. É também assim que o grupo consegue levar para Micenas o

cinto de Hipólita no nono trabalho. Já no décimo trabalho, eles conseguem levar para Micenas os

bois selvagens do mais horrendo gigante que havia na Hélade, Gerião.

Décimo segundo motivo: nos dois últimos trabalhos, Hércules tem de ir ao Jardim das Hespérides e

levar para o Rei Euristeu os pomos de ouro que ficavam em uma árvore e eram guardados por um

dragão de cem cabeças. Ele mata o dragão e ganha como presente das Ninfas uma cesta cheia de

pomos de ouro, como agradecimento. No último trabalho, Hércules desce ao Hades, que era um

reino para onde ia a sombra dos mortos. Ele traz de lá Cérbero, o cão do mau, que era um mastim de

três cabeças e possuía cauda de dragão, levando-o quase morto para o Rei Euristeu. Por fim,

Hércules se despediu dos “três picapaus” que o auxiliaram, indo com ele Meioameio ( um

centaurinho) e Cérbero. Concluídos os trabalhos, aspirando o pó de pirlimpimpim, Pedrinho, Emília

e Visconde voltaram ao Sítio do Picapau Amarelo.

Doze trabalhos, doze motivos para lê-los: gestas, heroísmo, construção de amizade, união, aventura,

humor, conhecimento, coragem, força moral, inteligência em ação, reflexão e trabalho são lições que

Lobato e Hércules ensinam para os leitores de sempre. Assim, nesta breve resenha, só nos resta,

enquanto humildes entusiastas da leitura da obra lobatiana, nos despedirmos com uma citação da

música Os doze trabalhos de Hércules, de autoria do cantor e compositor Zé Ramalho: “Os doze

trabalhos de Hércules /a todos eles irá cumprir, /herói dos heróis da Grécia, /com muitos deuses irá

seguir.” Com esse livro, Lobato nos faz também segui-lo...

*Davi Carvalho Porto: Graduado em Letras/ UESB-Jequié; Especialista em Língua Portuguesa/ UESB-

Jequié; Especializando em Literatura e Linguagens: o texto Infanto-Juvenil/UNEB-Ipiaú; Tutor do Curso de

Leras Ead UAB/UFS; Servidor do Hospital Universitário da UFS. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/6013922434961473

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4- RESENHA DE ADAPTAÇÕES DA OBRA LOBATIANA

AS MELHORES HISTÓRIAS EM QUADRINHO DO

SÍTIO DO PICAPAU AMARELO

Profª Ms. Adilma Nunes Rocha*

“Traduzir é muito difícil, não menos difícil do que escrever textos mais ou menos originais – mas não é

impossível (...). Tradução e criação são operações gêmeas. De um lado, [...] a tradução é indistinguível muitas

vezes da criação; de outro, há um incessante refluxo entre as duas, uma contínua e mútua fecundação.”

(Otávio Paz)

“No caso da função poética, contudo, um signo traduz o outro não para completá-lo, mas para reverberá-lo,

para criar com ele uma ressonância, o que,[...] constitui-se num princípio fundamental para as operações de

tradução estética.” (Julio Plaza)

LOBATO, Monteiro. 1882- 1948. As melhores histórias em quadrinhos do Sítio do Picapau

Amarelo. – São Paulo: Globo, 2008. (Coleção HQs do Sítio do Picapau Amarelo).

Muito comum na contemporaneidade, o processo de tradução estética caracteriza-se por produzir

diálogos entre diferentes artes, dentre eles destacamos a tradução de obras literárias em histórias em

quadrinhos (HQ). Monteiro Lobato foi um dos escritores que tiveram suas obras como força motriz

de produções quadrinísticas tanto na vertente das HQs lançadas pela Editora Globo desde a década

de 1970, quanto nas quadrinizações literárias com projeto publicado em 2012 pela mesma editora.

As HQs da turma do Sítio do Picapau Amarelo ganharam maior visibilidade nas bancas de jornal a

partir de 2003 quando tornaram-se um dos principais títulos de quadrinização infantil da Editora

Globo em substituição à Turma da Mônica, apresentando o processo ilustrativo inspirado na última

série televisiva homônima.

Em 2008, a mesma editora resolveu tirar de circulação das bancas as HQs Sítio do Picapau Amarelo,

Emília e Cuca tornando-as coletâneas exclusivas das livrarias em formato de livro. Tal projeto foi

intitulado As melhores histórias do Sítio do Picapau Amarelo, lançado em duas edições (2008 e

2010).

As melhores histórias do Sítio do Picapau Amarelo, na segunda edição, é a republicação das

histórias em quadrinhos Sítio do Picapau Amarelo nº 02, 07, 08, 09, 10 e 14; e Emília nº01 e 07 com

roteiros de Arcon, André Simas, Rai, Stil, Roberto Munhoz e Jacquline e ilustrações do grupo Cor e

Imagem e Traviata Produções Artísticas. São elas: A casa bem assombrada; Quem nunca reinou um

dia?; O amor sempre vence; Mão boa; Figado indiscreto; A desmiolice da Emília; Grande Rabicó;

Quem acha é dono?; Advinhe quem veio pro Sítio?; O que é, o que é?; O indirigível.

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Da revista Sítio do Picapau Amarelo foram selecionadas sete das onze HQs que compõem a

coletânea. Destaca-se a história que inicia o projeto A casa bem assombrada cujo enredo traz Emília,

Pedrinho e Narizinho em busca de um bom lugar para um piquenique. Eles acabam por se instalar

em frente a uma casa mal-assombrada, fato que só é notado por Rabicó que segue os três amigos.

Apesar dos receios, eles resolvem entrar para explorar o ambiente. Lá se assustam com barata,

barulho de gotas d’água em pia e portas rangendo, até que se defrontam com um vulto branco que

desce as escadas. Desesperados, derrubam uma parede de madeira e fogem. Só então Zé Carneiro

retira o lençol que o cobre, reclama que não se pode dormir sem sossego e vai embora.

E o insólito ocorre, quando se nota que em algum canto dentro da casa, o conde Drácula levanta

exausto e reclama que está ficando impossível dormir ali. Percebe-se que, como ocorre nas obras de

Lobato, a relação entre o real e o sobrenatural é tratada de forma inusitada e instigante, levando o

leitor a refletir qual seria o liame entre estes dois mundos: o medo ou o mistério?

Outra história que merece comentário é Quem nunca reinou um dia?. O enredo inicia-se com Dona

Benta reclamando Pedrinho, Narizinho e Emília pela última arte: trazer para o sítio o Barba Azul que

queria casar com Tia Nastácia. Emilia questiona se Dona Benta nunca aprontara quando criança. As

duas senhoras passam a lembrar do que gostavam de fazer na tenra infância.

A bonequinha muito arteira, com o mágico recurso do “faz de conta que”, provoca o recuo do tempo

apenas para Dona Benta e Tia Nastácia que voltam a ser crianças. Pedrinho e Narizinho tornam-se

babás das meninas desastradas e já cansados de evitar as peraltices das duas, exigem que Emília

desfaça o encanto. Quando voltam à idade normal, as duas senhoras continuam a reclamar do

comportamento deles e afirmam terem sido elas crianças de bons modos, o que provoca a risadaria

dos três.

Nesta HQ, uma marca da escrita lobateana aqui potencializada pelo icônico é a crítica à postura

adulta cristalizada em comportamentos preconizados como aceitáveis para a infância,

invisibilizando e negando a própria condição do ser criança.

Das revistas Emília, foram republicadas nesta coletânea duas HQs. Em A desmiolice da Emília, a

bonequinha de pano entra em estado catatônico, o que provoca a preocupação de Narizinho,

Pedrinho e dos leais besourinhos. A notícia chega até a Cuca que se transforma em uma lagartixa

para acompanhar de perto o fato.

Visconde é informado do acontecido e deduz que Emília estava com desmiolice aguda, estado típico

de quem passa muito tempo com a cabeça no mundo da lua e a cura só ocorreria se eles fossem até a

lua buscar os pensamentos da bonequinha. Neste intuito, utilizando o pó de pirlimpimpim, Visconde,

os dois primos, os besourinhos levam a bonequinha para Lua, acompanhados pela Cuca disfarçada

de lagartixa.

Lá, os amigos dedicam-se à busca dos pensamentos emilianos e surpreendem-se com os outros

diversos encontrados: desmatamento, queimada, guerra, violência, miséria, poluição. Enquanto a

busca continua, a Cuca, transformada em lagartixa, instiga um dragão a incinerar os pensamentos

perdidos com o fito de destruir os pensamentos da bonequinha falante e por consequência ela

própria.

Narizinho desesperada, ajoelha-se e clama por São Jorge que aparece e domina o dragão, refugiando-

o na gruta. Lá, sem o feitiço que a tornava lagartixa, a Cuca torna-se objeto da paixão da fera que a

submete a cuidar de sua gruta.

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Os amigos de Emília devolvem os pensamentos da bonequinha, quando ela mesma revela que o

motivo de estar com a cabeça no mundo da lua era por pensar no belo São Jorge. A turma resolve

voltar para o sítio, antes que Emília deixasse São Jorge louco com suas insinuações.

Temos nesta HQ a tradução como trânsito de sentidos, como transcriação da própria historicidade no

diálogo da obra lobatiana com temática pós-moderna, para além do contexto de criação da obra base.

É o quadrinista-leitor que ao reelaborar a história faz uma leitura crítica da própria História. O

retorno à lua se dá em circunstância de problematização do pensar e atuar do ser humano na

sociedade contemporânea.

A HQ O indirigível fecha com chave-de-ouro a coletânea, tanto pela incomum estratégia narrativa

quadrinística adotada quanto pelas marcas do texto lobatiano nela implícitas. No que se refere a

estratégia narrativa, o enredo é introduzido de forma inovadora: na primeira página temos a

apresentação do clímax da história, quando o caos se instala com varal voando, pendurada em uma

vaca que por sua vez está pendurada na Cuca. Esta, por meio de uma corda, está pendurada numa

invenção de Emília.

Após apresentar o clímax na introdução, a narrativa se desenvolve com requadros num recuo

temporal da história para apresentar o motivo e os fatos consecutivos geradores do caos. Inicia com

as informações que Emília obteve de Visconde sobre a invenção de Santos Dumont. Então ela

consegue o material para a construção do seu indirigível utilizando de várias artimanhas. Pedrinho,

Visconde, Saci e a Cuca (que teve grande prejuízo com a arte da bonequinha) descobrem as

peraltices por ela feitas, porém a inventora e seu aparelho voador já tinha ganhado o céu. A Cuca

irada acaba com os planos da bonequinha conseguindo provocar a pane do indirigível que vai ao

chão. Finaliza com os tombos da Cuca, da vaca e o retorno de Emília desconsolada e sendo

confortada por Visconde, apesar dos protestos de Tia Nastácia.

A HQ em questão, ao apresentar uma das principais personagens com uma aventura rica em

peripécias, potencializa a obra lobatiana, perpetuando na metáfora que é Emília, a crença no

potencial criatitivo e empreendedor que toda a criança tem quando lhe é respeitada a condição da

infância.

Assim, na obra infantil quadrinístico As melhores histórias do Sítio do Picapau Amarelo reverberam

muitas das características do texto literário infantil Lobatiano, tais como os neologismos, a quebra do

maniqueísmo, a valorização do ser criança, a diversidade cultural. Também agregam valores

apontados por Nelly Novaes Coelho como característicos da produção contemporânea da literatura

infantil, a saber, intensificação do protagonismo grupal; visibilidade das personagens que sempre

ficaram nas margens ou apenas coadjuvantes surgindo aventuras onde a ação se desenvolvem a partir

delas, a exemplo da Cuca, Rabicó, Tia Nastácia, Tio Barnabé; criação de novos personagens que dão

maior dinâmica ao enredo como Pesadelo (serviçal da Cuca), Ciça (sobrinha boazinha da Cuca),

entre outros.

Nota-se dessa maneira que as HQs surgem como tradução de forma criativa da obra lobatiana para a

linguagem dos quadrinhos. Não se trata de identidade, ou seja, a mera reprodução-cópia dos textos

literários de Monteiro, mas de semelhança por desenvolver para outros contextos temporais e

culturais os elementos literários da obra infantil por ele criada no início do século XX. Tal

potencialização faz surgir uma nova obra/arte em qualidade diversa, produto da transformação do

texto que a inspira.

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*Adilma Nunes Rocha - Graduada em Letras Vernáculas pela UESB/Campus de Jequié (1996), Especialista

em Literatura Brasileira pela UESB/Campus de Vitória da Conquista(1997). Mestra em Estudos de Linguagens

pela UNEB/Campus I/Salvador-Bahia (2012).Professora da área de Estudos Literários da UNEB/Campus XXI,

desde 2004.Coordenadora da Pós-graduação Lato Sensu: Especialização em Literatura e Linguagens: o texto

infanto-juvenil – UNEB, Campus XXI. Professora de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino Médio.

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REFERÊNCIAS

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AZEVEDO, Carmen Lúcia de; CARMAGOS, Márcia & SACCHETTA, Vladimir. Monteiro Lobato:

Furacão na Botocúndia. 3º Ed. São Paulo: Editora SENAC, 2001.

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MONTEIRO LOBATO, José Bento. O escândalo do Petróleo e Ferro. 12 ed. São Paulo: Brasiliense

1972. 142 p.

LOBATO, Monteiro. O Saci. Editora: Brasiliense. Edição 57ª. São Paulo, 1996.

MONTEIRO, Lobato. O Saci. 56ª edição, São Paulo: Brasiliense, 2004.

LOBATO, Monteiro. O Saci. 15ª impressão da 56 ed. de 1994. São Paulo: Brasiliense, 2004.

LOBATO, Monteiro. 1882-1918. Fábulas/ Monteiro Lobato: Ilustrações Alcy Linares, - São Paulo: Globo

2006.

MONTEIRO, Lobato. Reinações de Narizinho, 36ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1983.

LOBATO, Monteiro. Caçadas de Pedrinho (1933), Editora Globo, 72p.

LOBATO, Monteiro. Histórias do mundo para crianças. São Paulo: Brasiliense, 2004.

MONTEIRO, Lobato. Emília no país da gramática, 40ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1996.

MONTEIRO, Lobato. Emília no País da Gramática. 27ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1983.

MONTEIRO, Lobato. Aritmética da Emilia, 29ª edição, São Paulo: Brasiliense, 1995.

LOBATO, J. B.M. Memórias da Emília. 42. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

LOBATO, Monteiro. Dom Quixote das crianças. Disponível em

ttp://ir.nmu.org.ua/bitstream/handle/123456789/139075/13e6dbfad71bbd510023295985839fcd.pdf?s

equence=1 . Acesso em: 07 de Jul. 2015.

LOBATO, José Bento Monteiro. O poço do Visconde. São Paulo: Brasiliense 2004.

LOBATO, Monteiro. Histórias da Tia Nastácia. 32°. ed. São Paulo. 1994.79.p

LOBATO, Monteiro. A Chave do Tamanho; ilustrações Paulo Borges - São Paulo: Globo, 2008.

LOBATO, Monteiro. Os Doze Trabalhos de Hércules. 19ª edição, São Paulo: Brasileense. 2004.

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Amarelo. – São Paulo: Globo, 2008. (Coleção HQs do Sítio do Picapau Amarelo).

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AGRADECIMENTOS

O sonho de comemorar dez anos de atividades GPEL- Grupo de Pesquisa e Extensão em Lobato se

fez realidade graças à colaboração de todos: professores, estudantes, voluntários... Como ilustra este

Caderno, a festa está animada com palestras, círculos de leitura e oficinas aplicadas em vários

espaços de educação formal do território de Jequié/BA...

A comunidade do Médio Rio de Contas está sendo homenageada com uma série de eventos,

atividades comemorativas: sessões de estudo, worshops, oficinas e publicações... Tudo em nome de

uma celebração digna do aniversariante: sua memória e horizonte de expectativas...

Assim, fica aqui registrada a gratidão do grupo a todos os colaboradores da comunidade acadêmica

da UESB e comunidade externa, em especial aos voluntários – marca registrada do grupo que se

iniciou e sobrevive ainda hoje, graças à ação voluntária de tantas pessoas de boa vontade...

Grato,

GPEL.

Jequié/BA, julho de 2015.

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