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Colégio MilitarDe Santa Maria
DEPARTAMENTO DE ENSINO E CULTURA DO EXÉRCITO - D E C Ex -
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO PREPARATÓRIA E ASSISTENCIAL
- D E P A -
COLÉGIO MILITAR DE SANTA MARIA - C M S M -
Comandante e Diretor de Ensino
Cel Cav Ricardo Marcos
Subcomandante Cel Eng Arlindo Souza Braga
Subdiretor de Ensino
Ten Cel Paulo Roberto Tavares da Silva
Diretor da Revista Ten Cel QCO Angélica Costa Daehn Ribeiro
Comissão Editorial Professora Daiana Sonego Temp 1º Ten Renata da Silva Bergoli 1º Ten Denise Escobar Copello 1º Ten Alexandra Alves Cantos
3º Sgt Janice Machado Dos Santos Jensen
Diagramação 1º Ten Aline Stangherlin Silva
ST Paulo Rosanete Balhejo Magalhães Cb João Vitor Simioni dos Santos
Revisão
Maj QCO João Batista Ferreira de Borba 2º Ten Andriza Machado Becker
Professora Luciane Vieira
COLLOQUIUM: Revista Científica do Colégio Militar de Santa Maria / CMSM. - v.7, N7 (2015). – Santa Maria: Editora CMSM, 2015. Anual
1. Trabalho científico – Periódico. 1. Colégio Militar de Santa Maria CDU: 001 (05)
COLLOQUIUM: Revista Científica do Colégio Militar de Santa Maria / CMSM. - v.7, N7 (2015). – Santa Maria: Editora CMSM, 2015. Anual
2. Trabalho científico – Periódico. 1. Colégio Militar de Santa Maria CDU: 001 (05)
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
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Palavras do Comandante
Cel Cav RICARDO MARCOS – Cmt e Dir Ensino CMSM
Muitas das descobertas feitas pela pesquisa científica transformam-se em benefícios para a sociedade. Acreditando nisso e reconhecendo a grandeza dos profissionais que aqui desempenham suas funções, este Estabelecimento de Ensino se propõe anualmente a publicar as produções científicas desenvolvidas por seus educadores.
A edição 2015 abre espaço para que seus docentes divulguem trabalhos acadêmicos e pesquisas de sua autoria, disseminando assim seus conhecimentos no ambiente educacional e promovendo uma ação pedagógica calcada em observações importantes. Esse contexto desempenha um importante papel na formação dos educandos.
A Revista Colloquium, em sua sétima edição, além de trazer um arcabouço teórico consistente, traz reflexões valiosas para o campo do ensino, possibilitando, assim, que o espaço escolar seja um ambiente de criação e investigação docente.
Congratulações, portanto, a todos que colaboraram para a consolidação deste projeto educacional. Aos autores, uma referência especial e meu agradecimento por compartilhar trabalhos que prezam pela qualidade e pela incansável busca pelo conhecimento.
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SUMÁRIO
EDITORIAL................................................................................................................................ 4
O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO COMO OPORTUNIDADE PARA A PESQUISA SOBRE A PRÁTICA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE
MATEMÁTICA............................................................................................................................5
A BUSCA PELO FATO VEROSSIMILHANTE.................................................................................12
RECUPERAÇÃO GRADUAL DE UMA COMUNIDADE DE RIACHO TROPICAL DESFLORESTADO APÓS
ENCHENTE REPENTINA...........................................................................................................23
O ESPAÇO DA LEITURA NO CONTEXTO DO ENSINO: REFLEXÕES SOBRE A ERA
DIGITAL..................................................................................................................................28
QUALIDADE DO AR: CFB E MATEMÁTICA REALIZANDO TRABALHO INTERDISCIPLINAR
...............................................................................................................................................33
AÇÕES DE EDUCAÇÃO TRANSDISCIPLINAR COMO ESTRATÉGIA PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DO ENSINO EM TURNO INTEGRAL: UMA PROPOSTA APLICADA ÀS ESCOLAS
MILITARES..............................................................................................................................39
IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE PRESENTES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE LE
...............................................................................................................................................52
O ENSINO DA MATEMÁTICA E O DESAFIO DE CRIAR NOVAS METODOLOGIAS..........................57
QUESTÕES CULTURAIS EM DOIS ROMANCES NORTE‐AMERICANOS© CULTURAL ASPECTS IN TWO
NORTH‐AMERICAN NOVELS....................................................................................................65
A GÍRIA DA CASERNA DENTRO DE UMA PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA..............................72
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
EDITORIAL
O Colégio Militar de Santa Maria, por acreditar na educação e pesquisa como alicerce para a formação social do indivíduo, apresenta a sétima edição da Revista Colloquium. A revista científica do CMSM teve sua origem no ano de 2001, com o informativo “O Vagão”, periódico destinado a propiciar ao público interno um veículo para a difusão de pensamentos e reflexões, bem como divulgar as atividades realizadas no âmbito do Colégio.
Desenvolvida pela Divisão de Ensino, a primeira edição da Colloquium se dá em 2005, tendo por objetivo apoiar a divulgação da produção científica e cultural dos docentes, tanto do público interno quanto de representantes de outras instituições de ensino colaboradoras. A publicação dos artigos aqui apresentados visa apresentar trabalhos que são fruto do estudo, da pesquisa e da dedicação desses profissionais.
Nossa revista configura‐se, então, como um instrumento de disseminação da produção intelectual, visando os mais variados segmentos da comunidade, tendo em vista sua natureza científica e cultural. Assim, essa comissão editorial apresenta, respeitosamente, a edição de 2015 da Revista Colloquium. Nossos sinceros agradecimentos à dedicação de todos os colaboradores e o nosso convite a desfrutar de uma boa leitura!
Os artigos contidos nesta Revista são de inteira responsabilidade de seus autores, não expressando a opinião do CMSM.
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO COMO OPORTUNIDADE PARA A PESQUISA SOBRE A PRÁTICA NA FORMAÇÃO INICIAL DE
PROFESSORES DE MATEMÁTICA
Vinícius Augusto Martins Ferreira ‐ Acadêmico de Licenciatura em Matemática
Lozicler Maria Moro dos Santos ‐ Doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática
Karla Jaqueline Souza Tatsch ‐ Doutoranda em Ensino de Matemática
RESUMO
A formação do professor de Matemática precisa voltar‐se para a formação profissional que relacione os conhecimentos na licenciatura, proporcionando experiências de aprendizagem que denotem a consonância do currículo específico e do fazer pedagógico. Nesse contexto, o curso de Matemática do Centro Universitário Franciscano preconiza ações de pesquisa sobre a prática nas experiências de ensino e aprendizagem vivenciadas pelos licenciandos em diferentes oportunidades, entre elas nas disciplinas de estágio curricular supervisionado. A sistemática dos estágios no curso está organizada de forma que os futuros professores realizem dois estágios de monitoria e observação em turmas de ensino fundamental e ensino médio, e dois estágios de regência de classe no ensino fundamental e no ensino médio, distribuídos em quatro semestres do curso. Apresentam‐se aqui algumas reflexões sobre essa sistemática, como viés para a qualificação da formação inicial, bem como os resultados de uma experiência de ensino elaborada e aplicada por um estagiário. Trata‐se de uma dinâmica de grupo em que o professor em formação constatou a importância da adoção de abordagens pedagógicas diferenciadas que levem o aluno a se envolver com êxito na construção da aprendizagem.
Palavras‐chave: Estágio Curricular Supervisionado; Formação de Professores de Matemática; Pesquisa sobre a prática.
ABSTRACT
The training of Mathematics teachers must be directed toward professional training activities that relate knowledge in the teaching area and create an environment where the learning experiences reflect the specific Math curriculum in line with the educational curriculum. In this context, the Mathematics course of Centro Universitário Franciscano (Franciscan University Center) establishes research on practice, with activities directed toward learning practices carried out by students in several opportunities. The disciplines of Supervised Teacher Training (STT) represent a vivid example: during STT students have two tutoring and observation teacher training practices (one with primary students and one with high school students). This practice is followed by two actual classroom teaching periods (again, one teaching primary students and one high school students). This totals an amount of four semesters along the course. This paper presents some reflections on Supervised Teacher Training practice, focusing on teaching younger children. It also depicts a group dynamic teaching experience which was planned and carried out by a trainee teacher. Evaluation of the experience found that it is essential for teachers to take innovative educational approaches which, by being appealing to students, are most likely to successfully engage them in the process of learning.
Keywords: Supervised Teaching Practice; Training of Mathematics Teachers; Research on practice.
INTRODUÇÃO
Diante dos desafios da sociedade contemporânea e, especialmente do ensino no Brasil,
questionam‐se os objetivos educacionais que devem ser estabelecidos para uma educação de
qualidade. Pensam‐se quais as diretrizes e pressupostos fundamentais que devem guiar a prática
educativa, a fim de construir uma sociedade democrática e igualitária. Analisa‐se qual seria a
preparação que os alunos precisam ter para a vida produtiva em uma sociedade técnica
informacional.
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Nesse viés, a formação de professores se molda às novas tendências do mundo globalizado,
de forma a inserir o professor com maior preparo para enfrentar o processo de ensino e
aprendizagem na Educação Básica.
A educação matemática, para acompanhar essa transformação, precisa refletir sobre novas
metodologias, criar projetos com propostas pedagógicas inovadoras, questionadoras, direcionando
a aprendizagem para atividades que interajam com o lúdico, com a Tecnologia da Informação (TI),
com a resolução de problemas e a modelagem matemática, valorizando a aproximação com as
questões reais.
Buscar uma aprendizagem que reflita em melhores resultados nas avaliações institucionais e
que proporcione a aplicabilidade dos conteúdos matemáticos é um desafio a ser enfrentado por
todos os educadores. Nesse contexto, acredita‐se na pesquisa sobre a própria prática como um
caminho para que se efetivem as transformações necessárias nessa busca.
Essa ideia precisa levar professores em formação inicial e continuada, bem como formadores
a refletirem sobre suas práticas e valorizarem a pesquisa. Para isso, é preciso adotar uma postura
docente que valorize a construção dos saberes e das competências. De acordo com Bassanezi (2002,
p. 179), num curso tradicional de licenciatura, as disciplinas são geralmente tratadas de forma
independente uma das outras, sem propiciar formas originais e criativas de se trabalhar a
matemática e, ainda, “o próprio processo atual de formação do professor não leva o educando a
estabelecer uma associação relevante entre o que se ensina e o mundo real”.
Essa constatação precisa ser modificada devido ao procedimento educativo perder contato
com o meio em que se insere tornando‐se desusado, sem eficácia, e distante do objetivo
fundamental, que é educar e formar cidadãos. É preciso, então, na formação docente, valorizar a
pesquisa sobre a prática e incentivar a utilização de inovações no processo educativo.
A formação do professor de Matemática precisa voltar‐se para a formação profissional que
relacione os conhecimentos na licenciatura, proporcionando experiências de aprendizagem que
denotem o currículo específico e o currículo pedagógico em consonância.
Neste contexto, o curso de Matemática do Centro Universitário Franciscano preconiza ações
de pesquisa sobre a prática nas experiências de ensino e aprendizagem vivenciadas pelos
licenciandos em diferentes oportunidades, entre elas nas disciplinas de estágio curricular
supervisionado.
A sistemática dos estágios no curso está organizada de forma que os futuros professores
realizem dois estágios de monitoria e observação em turmas de ensino fundamental e ensino médio,
e depois dois estágios de regência de classe no ensino fundamental e no ensino médio, distribuídos
em quatro semestres do curso, num total de mais de 500 (quinhentas horas).
Cada estagiário elabora pelo menos um projeto de ensino a cada estágio e aplica nos campos
em que se realizem as observações, monitorias e práticas. São experiências que contribuem para
uma formação que valorize e concretize a pesquisa sobre a prática, num processo de reflexão sobre
as práticas para a melhora da qualidade do ensino e da aprendizagem na Educação Básica.
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1. Dinâmica de grupo no ensino e aprendizagem da álgebra numa experiência no estágio curricular supervisionado
No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's, 1998), do Ministério de Educação e
Cultura (MEC), em relação à inserção de jogos no ensino de matemática, pontuam que estes
constituem uma forma interessante de propor problemas, pois permitem que estes sejam apresentados de modo atrativo e favorecem a criatividade na elaboração de estratégias de resolução de problemas e busca de soluções. Propiciam a simulação de situações‐problema que exigem soluções vivas e imediatas, o que estimula o planejamento das ações [...] (p.46).
Nesse sentido, o projeto que tem por título “A Dinâmica de Grupo para Construção do
Conhecimento Matemático de Expressões Algébricas” mostra‐se como uma eficiente ferramenta
nas mãos do docente para tornar o ensino‐aprendizagem do referido conteúdo mais próximo da
linguagem dos discentes e, consequentemente, mais prazeroso.
Segundo Diniz, Milani e Smole (2007, p. 10) ao fazer relação ao jogo colocam que:
por sua dimensão lúdica, o jogar pode ser visto como uma das bases sobre a qual se desenvolve o espírito construtivo, a imaginação, a capacidade de sistematizar e abstrair e a capacidade de interagir socialmente de fazer de novo, de querer superar os obstáculos iniciais e o incômodo por não controlar todos os resultados.
É preciso, no entanto, que haja um alinhamento estratégico entre as políticas educacionais e
a aplicação de jogos lúdicos para o ensino da matemática, de forma a promover sustentabilidade nos
padrões curriculares. O emprego judicioso desse aplicativo deve ser considerado como um fator
crítico de sucesso, uma vez que pode gerar vantagens no processo educativo com os adolescentes
dos dias de hoje.
Do exposto, torna‐se imprescindível a utilização de metodologias educacionais diferenciadas
baseadas, entre outras, em ferramentas lúdicas para construção do conhecimento matemático.
Destaca‐se, portanto, o projeto: “A Dinâmica de Grupo para Construção do Conhecimento
Matemático de Expressões Algébricas”, justificando sua abordagem e desenvolvimento no presente
trabalho.
Apresentam‐se aqui algumas considerações sobre um trabalho desenvolvido na disciplina de
estágio curricular supervisionado III, disciplina do curso de licenciatura em Matemática no Centro
Universitário Franciscano. Após uma revisão teórica sobre as diretrizes e orientações curriculares
para o ensino de Matemática no Brasil, e o estudo de metodologias e estratégias de ensino, um
projeto de ensino foi escrito e desenvolvido junto a uma turma de alunos do 7º ano do ensino
fundamental de um colégio público.
O projeto foi elaborado a partir do problema “O uso da Dinâmica de Grupo, como ferramenta
de apoio à educação, na construção do Conhecimento Matemático de Expressões Algébricas,
contribui para melhoria do ensino e aprendizagem desse conteúdo no 7º ano do Ensino
Fundamental?”, e algumas atividades foram aplicadas na busca pelas respostas ao problema.
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2. A abordagem crítica da matemática e a necessidade de metodologias inovadoras como a
Dinâmica de Grupo
A utilização da abordagem crítica da matemática é de fundamental importância para
proporcionar reflexões sobre o seu papel no contexto educacional. Como fornecer ferramentas
educacionais para que os alunos enquanto cidadãos em formação tenham condições de agir,
modificar, alterar e transformar a própria realidade.
O pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em
comunhão com o professor. É na reflexão crítica sobre a prática do ensinar que se criam as condições
favoráveis para o aluno desenvolver seu próprio conhecimento. Nos dias atuais, uma reformulação
da metodologia se faz amplamente necessária, em virtude do mundo globalizado no qual a
sociedade está inserida. Nesse sentido, a aplicação de ferramentas lúdicas para construção do
conhecimento matemático surge como um valioso instrumento metodológico.
Nesse viés, a utilização da Dinâmica de Grupo para Construção do Conhecimento
Matemático de Expressões Algébricas surge como uma metodologia inovadora para se trabalhar
esse conteúdo com o 7º ano. É uma ferramenta de apoio ao ensino que permite criar e compartilhar
atividades interativas com uma interface lúdica simples e funcional.
A Dinâmica de Grupo, ao ser proposta no ensino e aprendizagem, faz com que o conteúdo a
ser estudado torne‐se interessante e desafiador para os alunos, permitindo uma perfeita
interatividade entre o lúdico e a formação do conhecimento técnico‐científico da matemática.
3. Apresentação da Dinâmica de Grupo e a construção do conhecimento matemático de
expressões algébricas
Inicialmente a turma foi dividida em 5 (cinco) grupos de 5 (cinco alunos), no fundo do
auditório. O espaço foi decorado com balões, cartazes com expressões matemáticas e folders
coloridos de forma a proporcionar um ambiente lúdico para resolução das questões algébricas.
Houve a disponibilidade de dois tempos de 45 (quarenta e cinco minutos) para realização do evento.
Num primeiro momento foi apresentada uma situação contextualizada para que o discente tivesse o
perfeito entendimento do porquê se estudar expressões algébricas.
Segue então a questão: João e seus dois irmãos, Pedro e Marcos, receberão uma herança no
valor total de R$ 30.000,00. João receberá o dobro de Pedro, que por sua vez receberá o triplo de
Marcos. Quanto receberá cada um?
Os alunos tiveram cinco minutos para pensarem na solução. Houve uma discussão expressiva
entre os membros dos grupos para achar um modelo matemático para resolução da questão. Após
intervenção do estagiário, os alunos conseguiram entender a solução.
A partir de então, começou a Dinâmica de Grupo propriamente dita. Após a divisão dos alunos,
cada grupo nomeou um chefe e um aluno para dirigir‐se à frente da classe no momento de responder
os quesitos ao grande grupo.
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Os grupos foram posicionados no fundo da sala, com um cordão de isolamento e uma única
passagem para o interior da mesma. À frente havia um conjunto de balões, representativo de cada
grupo, com sua legenda respectiva. O professor, de posse de um baralho de 50 (cinquenta) peças,
cada cinco cartas contendo a mesma expressão algébrica, totalizando dez questões distintas,
convidou os chefes de cada grupo a comparecer à frente, para conduzir o sorteio dos itens. Os
representantes, ao receberem as cartas, liam a questão, ouviam uma breve explanação do professor
e aguardavam autorização para o início da resolução. O grupo tinha cinco minutos para resolver o
quesito e, aquele que terminasse primeiro, determinaria que um de seus integrantes estourasse o
balão à frente e marcasse a opção no quadro de resposta projetado em Power Point. Destaca‐se,
ainda, que houve um rodízio do chefe de grupo e o aluno que estourava os balões. O docente
conferia o resultado e, se estivesse correto, computava três pontos para o respectivo grupo. Caso
contrário, computava‐se um ponto para os demais e o que errou não pontuava. O grupo que
estourasse mais de um balão ou o de outro grupo perdia 01 ponto por balão. O processo foi se
repetindo até o final do sorteio da décima questão.
4. A interatividade dos alunos na aplicação da dinâmica
Após o trabalho introdutório descrito acima, deu‐se o início do sorteio das questões. A
primeira proposta a ser sorteada foi uma expressão numérica com frações.
Boa parte dos alunos conseguiu resolvê‐la, três grupos não tiveram dificuldades e
deslocaram‐se à frente para estourar os balões, acertando o item no tempo previsto. Percebeu‐se
uma forte interatividade entre os discentes para encontrar a solução. Ressalta‐se que a
coordenadora do 7º ano, a supervisora escolar, a pedagoga, um professor de matemática e o diretor
da escola acompanharam o evento realizado com os alunos, incentivando os mesmos na resolução
das questões.
O segundo item trabalhado foi um problema com expressão numérica. A abordagem deste
item foi de fácil entendimento e os grupos terminaram bem antes do tempo previsto. Todos
acertaram a solução e, mais uma vez a participação foi efetiva. Nota‐se nesse momento um
entusiasmo por parte da supervisora escolar e da coordenadora do 7º ano ao perceber o empenho
dos alunos na busca da solução. Houve uma participação efetiva de ambas no acompanhamento da
atividade, com intervenções oportunas e pertinentes.
No próximo item a solucionar, também, uma expressão numérica, os alunos tiveram
dificuldades em interpretar o pedido, saber diferenciar a terça parte da soma de um número com
outro e a metade de um número somado com outro foi de difícil entendimento. Todos os grupos que
tentaram responder este pedido erraram. Houve necessidade de uma explicação mais criteriosa
para esclarecer a solução da questão.
A abordagem inicial do quarto argumento sorteado foi bem compreendida pelos chefes de
grupo e durante a resolução não houve problemas para se chegar ao resultado.
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Mais uma vez percebeu‐se um comprometimento dos alunos para resolver o item.
Entretanto, observou‐se no grupo “D” um aluno apático, não interagindo com os demais colegas. O
tempo destinado à resolução foi suficiente e dois grupos acertaram a solução. Com respeito à apatia
observada em um aluno, foi feito um registro e participado à coordenadora da série para que se
verificasse junto à seção psicopedagógica se o referido aluno estava enfrentando algum problema de
ordem psicossocial.
Na próxima questão sorteada, envolvendo expressão numérica com fração, alguns alunos
apresentaram falta de pré‐requisito sobre operações fracionárias, com certa dificuldade para
resolver a matéria. O professor teve que intervir por mais de uma vez para que os alunos chegassem a
um direcionamento correto. O tempo não foi suficiente, visto que o primeiro grupo não acertou a
solução. Portanto, foram acrescidos mais alguns minutos para que outro grupo apresentasse a
resposta correta. Nesse item também foi necessário uma correção de rumo mais rigorosa para um
melhor entendimento do pedido.
O próximo elemento trabalhado que envolveu valor numérico, grande parte dos alunos
sentiu dificuldade em fazer a multiplicação com números decimais. Apesar da explicação inicial
realizada pelo estagiário, dois grupos apresentaram dificuldades. Houve necessidade de novos
esclarecimentos para que um terceiro grupo apresentasse a resposta correta. Mais uma vez ficou
nítida a participação efetiva dos alunos no trato com a dinâmica, ressaltando que a interatividade
com o lúdico possibilita aos alunos ficarem conectados às atividades e interessados em aprender
matemática.
A cartela envolvendo Equação algébrica, os alunos não tiveram dificuldades para resolvê‐la. O
tempo foi suficiente e percebeu‐se um forte espírito de cooperação entre os integrantes dos diversos
grupos, e o último assunto trabalhado foi determinar os coeficientes numéricos e a parte literal das
expressões.
O estagiário observou que os alunos, ao serem estimulados pelo lúdico da dinâmica,
responderam positivamente, ao superar as dúvidas e construir o conhecimento matemático de
forma descontraída. Os dois tempos destinados à atividade foi suficiente para que todos chegassem
às soluções com sucesso. Após o término do último item, o estagiário ratificou as observações e
correções referentes às dificuldades apresentadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O aplicativo, ao ser proposto no processo de ensino e aprendizagem, fez com que o conteúdo
explorado se tornasse desafiador aos jovens, permitindo que os mesmos participassem ativamente
durante todo o processo.
Da aplicação do projeto, conclui‐se que a utilização da Dinâmica de Grupo, como ferramenta
de apoio à educação, contribui decisivamente para melhoria do ensino e aprendizagem de
expressões algébricas no 7º ano do ensino fundamental. A Dinâmica atraiu o espírito desafiador do
discente, aproximando‐se de sua linguagem infanto‐juvenil, estimulando a imaginação, desenvolvendo
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o espírito construtivo e o senso de interação social, produzindo resultados significativos no processo de aprendizagem.
O estágio curricular supervisionado proporcionou a vivência de observações e
monitoramento de aulas dessa turma em que o trabalho foi aplicado e culminou com a análise dos
resultados da experiência de ensino do estagiário,proporcionando a percepção da importância do
uso de recursos lúdicos no ensino de expressões algébricas como forma de contribuir para a
melhoria da aprendizagem.
As experiências de pesquisa sobre a prática, por meio de elaboração e aplicação de projetos
de estágios, têm mostrado aos professores em formação o quanto podem surgir dificuldades no
processo educativo. Mostraram, também, o valor que tem a construção sólida dos saberes para que
a prática docente se efetive com qualidade.
O acesso a conhecimentos produzidos por meio de investigações acadêmicas tem
possibilitado o desenvolvimento de um conjunto de competências para realizar as escolhas
necessárias, inclusive sobre conteúdos e metodologias. Pensar e repensar teoria e prática, individual
e coletivamente, tem oportunizado aos futuros professores um aperfeiçoamento dos saberes, como
forma de qualificar a formação. Nesse contexto, os estagiários estabelecem as relações entre os
conteúdos e os temas em discussão.
REFERÊNCIAS
BASSANEZI, R. C. Ensino‐aprendizagem com Modelagem Matemática: uma nova estratégia. São Paulo: Editora Contexto, 2002.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais– 1998. Secretaria de Educação Fundamental, Ministério da Educação e do Desporto, Brasília, DF.
SMOLE, Kátia Stocco, DINIZ, Maria Ignez de Souza Vieira, MILANI, Estela. Jogos de matemática de 6º ao 9º ano. 2. Ed. Porto Alegre: Editora Artmed, 2007.
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A BUSCA PELO FATO VEROSSIMILHANTE
João Batista Ferreira de Borba ‐ Licenciado em Letras
Luciana Montemezzo ‐ Doutora em Literatura
RESUMO
O presente trabalho visa apresentar o narrador‐protagonista desta autoficção, Soldados de Salamina Javier Cercas, em seu papel de jornalista, buscando descobrir através de relatos orais, dados históricos e biográficos, a veracidade dos fatos sobre um episódio ocorrido no Santuário do Collel: Sánchez Mazas, personagem histórico da narrativa, conseguira escapar do fuzilamento dos soldados republicanos, bem como ser salvo por um deles que não o matou nem o delatou. Para problematizar este estudo, busca‐se o conceito de autoficção, isto é, o autor insere‐se como personagem em sua ficção, no caso em questão, Cercas é o jornalista e romancista que anseia escrever um narrativa real. Também, apresenta‐se uma abordagem sobre verossimilhança para mostrar a possibilidade em que pudesse ter ocorrido um fato em que se investiga, mas não se consegue encontrar todos os dados da sua existência. Logo, no decorrer da narrativa, observa‐se, através dos depoimentos dos diversos personagens envolvidos, que as informações investigadas pelo jornalista adquirem verossimilhança. Elas se confirmam como possibilidades de terem ocorrido, entretanto não podem ser comprovadas como reais acontecimentos, já que o cunho propagandístico da guerra e a falta do sujeito‐herói não as tornam prováveis, mas possíveis.
Palavras‐chave: História, ficção, verossimilhança
RESUMEN
El presente trabajo busca presentar el narrador‐protagonista desta autoficción Soldados de Salamina, Javier Cercas , en su función de periodista, quiere descubrir mediante los relatos, apuntes historicos y bibliograficos, la verdad de los factos sobre un suceso ocurrido en el Santuario del Collel: Sánchez Mazas, personaje historico de la narración, logró escapar del fusilamiento de los soldados republicanos, además de ser salvado por uno que no lo mató ni lo denunció. Para problematizar este estudio, se busca el concepto de autoficción, es decir, el escritor se incluye como personaje en su ficción, en esto caso, Cercas es el periodista y romancista que desea escribir um relato real. También se presenta un enfoque acerca de verosimilitud para mostrar la posibilidad en que hubiese ocurrido un hecho en que se investiga, pero no se puede encontrar ningún dato de su existencia. Entonces, por la narrativa, observada a través de los testimonios de varios personajes involucrados que las informaciones buscadas por el periodista adquieren verosimilitud en la narrativa. Ellas se confirman como posibilidades de que tuviesen ocurrido, pero no pueden considerarse como reales eventos, porque el carácter propagandístico de la guerra y la falta del sujeto‐héroe, no los hacen problables, pero posibles.
Palabras‐clave: Historia, ficción, verosimilitud
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INTRODUÇÃO
Lendo a obra de Javier Cercas, Soldados de Salamina, intriguei‐me com a história de Sánchez
Mazas e o fuzilamento que não o matou, o soldado que lhe salvou a vida e os desafios que teve de
enfrentar por uma campanha fria, de difícil acesso e plena de inimigos. O personagem real que foi
poeta, após engajado às causas nacionalistas, busca um ideário talvez inexistente e, ao mesmo
tempo, tão forte naquele outro personagem que mostrava objetividade e praticidade diante da vida,
Miralles. Portanto, resolvi realizar este artigo, ver a possibilidade de responder aos
questionamentos sobre a verossimilhança dos fatos buscados pelo jornalista Javier Cercas.
CONTEXTO HISTÓRICO
A Guerra Civil Espanhola se caracterizou por ser um processo histórico complexo e turbulento
ocorrido antes da , mais exatamente no ano de 1936 até 1939. Nela Segunda Guerra Mundial
estavam contidos todos os elementos militares e ideológicos que marcaram o século XX.
Nesse conflito de um lado estavam posicionadas as forças nacionalistas e fascistas aliadas a
instituições tradicionais da Espanha, dentre elas o Exército, a Igreja, os Latifundiários (grandes
proprietários de terra) e parte da classe média como os falangistas com o objetivo de restabelecer as
forças conservadoras e tradicionais espanholas, ou seja, o autoritarismo e o catolicismo, afastando
assim as influências esquerdizantes que dominavam a República proclamada em 1931 com a queda
da monarquia do Rei Afonso XIII.
Do outro lado da moeda estava contida a Frente Popular que era a base do Governo Republicano
Espanhol, pretendia afastar o fantasma do nazi‐fascismo da Espanha e todas as suas características
nitidamente ultranacionalistas de direita. Seguindo as diretrizes da Internacional Comunista de
1935, elas deveriam se aproximar de partidos democráticos de classe média para que fosse formada
uma Frente Popular tendo como função enfrentar todo esse frenesi nazi‐fascista.
Com a grave crise econômica da década de 30, iniciada pela em quebra da bolsa de Nova Iorque
1929, a ditadura do General Primo de Rivera foi derrubada e, em seguida, caiu também a Monarquia.
O Rei Afonso XIII foi obrigado a exilar‐se e foi proclamada a Segunda República Espanhola em 1931,
conhecida como República de Trabajadores. A partir disso, a esperança era que a Espanha seguisse o
caminho das outras nações ocidentais, fazendo uma reforma em que separasse o Estado da Igreja,
aceitando o pluripartidarismo, além da liberdade de expressão e organização sindical. Mas nada
disso aconteceu, o País conheceu assim um violento enfrentamento de classes, seguida por uma
grande depressão econômica, gerando uma grande frustração da sociedade espanhola.
A direita espanhola estava entusiasmada com o sucesso de Hitler que se somou ao golpe
direitista de Dolfuss na Áustria em 1934. Apesar de terem perdidas as eleições, os direitistas
começaram a conspirar contra o governo recebendo o apoio de militares e dos regimes fascistas (de
Portugal, Alemanha, e Itália). Acreditavam em que esse apoio bélico derrubaria facilmente a
República. No dia 18 de julho de 1936, o General Francisco Franco insurge o exército contra o governo
Republicano.
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Ocorre que, nas principais cidades como Madri e Barcelona, o povo saiu às ruas e impediu o
sucesso do golpe. Com isso milícias anarquistas e socialistas foram então formadas para resistir à
insurreição a fim de impedir que pelo menos certos pontos capitais (cidades importantes
politicamente) fossem angariadas pelos franquistas .
O país, em pouco tempo, ficou completamente dividido em áreas nacionalistas, dominadas pelas
forças do General Franco e, em áreas republicanas, controladas pelos esquerdistas. Nas últimas
áreas, houve uma revolução social, terras foram coletivizadas, as fábricas foram dominadas pelos
sindicatos, assim como o meio de comunicação.
Contudo a superioridade bélica dos nacionalistas se fez presente. Apoiadas por forças nazi‐
fascistas exógenas somadas as divergências políticas da Frente Popular, as tropas do General Franco
tornaram a vitória evidente derrubando a República. Em 1938 suas forças cortaram a Espanha em
duas partes, isolando assim a do resto do país. Um ano depois, o movimento autoritário Catalunha
nacionalista assume o poder do Estado espanhol instaurando a República franquista alinhada
político e ideologicamente com os países que a posteriori formariam o Eixo no contexto da II Guerra
Mundial.
A BUSCA DO FATO VEROSSÍMIL
A obra de Javier Cercas é vista como autoficção no sentido de que o próprio autor da obra é
seu narrador e personagem. O escritor inventa uma personalidade e uma vida, mantendo sua
identidade real para Vincent Colonna apud De Azevedo(2008, p.36), assim ele entende a categoria
Autoficção em que se enquadra Soldados de Salamina. Para Antonio Xerxenersky, autoficção é um
gênero que embaralha as categorias de autobiografia e a ficção paradoxalmente ao juntar numa
mesma palavra duas formas de escrita. Articulando esse raciocícinio com Doubrovsky apud
Xerxenersky(2007), esta categoria é “Ficção, de acontecimentos e fatos estritamente reais; se
quiser, autoficção, por ter confiado a linguagem de uma aventura à aventura da linguagem, fora da
sabedoria e fora da sintaxe do romance, tradicional ou novo.” O narrador‐protagonista é um
jornalista e escritor que anseia por escrever um livro sobre Rafael Sánchez Mazas, ativista político da
Falange Espanhola. Essa obra que vai produzir é intitulada narrativa real. Para Javier Cercas autor,
existe sim um episódio ideal para que o escritor faça uso do processo criativo: A imaginação que
poderá tornar possível o desconhecido pela História. Processo este alicerçado na verossimilhança da
narrativa. No Recanto das Letras, Ricardo Sérgio (2009) aponta que Verossimilhança é a impressão
da verdade que a ficção consegue provocar no leitor graças à lógica interna da história. Esse será o fio
condutor da investigação do narrador‐protagonista em Soldados de Salamina
...decidi também que o livro que escreveria não seria um romance, mas apenas uma
narrativa real, um conto costurado à realidade, tecido com fatos e personagens reais, um relato que estaria centrado no fuzilamento de Sánchez Mazas. (CERCAS, 2012, p.51)
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A partir da idéia acima, o jornalista/romancista personagem da sua narrativa, Javier Cercas,
quer descobrir a verdade sobre um fato ocorrido há sessenta anos atrás, para desenvolver uma
narrativa real. Houve o fuzilamento de presos políticos, entre eles o 04 da Falange Espanhola,
Sánchez Mazas, nas proximidades do Santuário do Collel? É verdade que um soldado republicano o
surpreendeu após a fuga do fuzilamento e o deixou escapar? Estas indagações são a busca do
jornalista para poder desenvolver sua obra, uma narrativa real. Conseguir apresentar elementos que
comprovem a verossimilhança de que há probabilidades de que isso tenha acontecido é a intenção
deste artigo.
O narrador‐protagonista é Javier Cercas que irá investigar os fatos que envolveram o Rafael
Sánchez Mazas, também personagem desta narrativa, que tenham a ver com sua vida antes e depois
de tornar‐se membro da Falange Espanhola, principalmente o momento histórico da Guerra Civil.
Para entender este caráter épico dado à história do fuzilamento no Collel, é conveniente apresentar
alguns dados biográficos de Rafael Sánchez Mazas .
Nasceu em Madrid em 1894. Foram seus pais Rosario Mazas Orbegozo e Máximo Sánchez
Hernández. No mesmo ano de seu nascimento, faleceu seu pai. Sua mãe decidiu se mudar para
Bilbao donde era originária. Nessa cidade, o menino passou a infância e a juventude. Estudou com os
Escolápios e posteriormente nos Jesuitas de Orduña, a seguir no Colégio de Los Sagrados Corazones
de Miranda de Ebro. Estudou Direito em Madri e em San Lorenzo de El Escorial. Lá, firmou amizade
com Juan Ignácio de Tena. Publicou, em 1916, Pequeñas Memorias de Tarín, colaborou na revista
bilbaína Hermes e nos diários ABC, El Sol e El Pueblo Vasco. Participou na tertúlia do café Lyon d`Or,
junto a Ramón de Basterra, Juan de la Encina, Pedro Mourlane Michelena e Gregório de Balparda
entre outros. Em 1921, esteve em Marrocos, fazendo a cobertura de um conflito existente como
correspondente de El Pueblo Vasco, donde conheceu Indalecio Prieto. Já, em 1922, Juan Ignácio de La
Tena o mandou para Roma para ser o cronista do Diário ABC. Lá conhecera o Fascismo, influenciando‐
o desde seus primeiros artigos, além de ter contato com a cultura clássica e renascentista. Viveu na
Itália durante sete anos onde se casou com Liliana Ferlosio, tendo cinco filhos.
Quando voltou para Madrid em 1929, Rafael Sánchez Mazas é já um escritor famoso e um
bom articulador. Nessa época conheceu Eugenio Montes e Mourlane Michelena, juntando‐se a
outras figuras intelectuais, como Agustín Foxá e Ernesto Gimenez Caballero, fez parte do grupo que
rodeou Jose Antonio Primo de Rivera. Em 1933, colaborou com a fundação do semanário El Fascio,
imediatamente proibido, nesse mesmo ano, ajudou a fundar a Falange Espanhola, tornando‐se
membro da Junta Diretora. Até a eclosão da Guerra Civil Espanhola, fora bastante ativo em suas
funções como falangista. Em fevereiro de 1934, compôs, em prosa poética, a Oración por los muertos
de la Falange, que fora publicado no semanário Haz, a pedido de Primo Rivera. Mais tarde, também
fez a letra do hino da Falange Espanhola Cara al Sol. Versos estes tão seus Volverán banderas
victoriosas/ al paso alegre de la paz.
Em um primeiro momento, quem conta a Javier Cercas, por primeira vez, fora Rafael Ferlosio
a história de Sánchez Mazas, durante o período em que fora preso pelos Republicanos e o momento
da sua fuga do local em que estavam presos, Santa Maria do Collel, região da Catalunha.
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Quando esteve preso no fim de janeiro de 1939, um grupo de dezenas de presos foram
deslocados para uma região próxima com a desculpa de construírem uma pista de pouso de
aeronaves. Com certeza, não era isso. Eles foram lá para serem fuzilados. O falangista, na agitação de
diversos presos fugindo das balas de fuzis, percebeu que um dos flancos estava a descoberto,
escapou. Entrando no mato, caiu em uma vala, os soldados estavam, então, procurando os fugitivos
quando um dos milicianos passou por ele, ficou diante e o fitou bem nos olhos, apenas disse para os
companheiros ao ser indagado: – por aqui não há ninguém! E seguiu seu caminho.
Javier Cercas compara o relato anterior do filho de Sánchez Mazas com o de Miquel
Aguirre conforme excerto abaixo:
À diferença de Ferlosio, Aguirre acreditava que os republicanos sabiam muito bem a quem estavam fuzilando, porque os cinqüenta que escolheram eram presos bastante representativos, gente que estava destinada a desempenhar cargos de relevância social e política... (CERCAS, 2012, p.29)
A partir daí, instigado por esse fato que pode ser um elemento importante em sua narrativa
real, Javier Cercas começa a investigar a vida de Sánchez Mazas. Observa que há semelhanças entre
os relatos dele e de José Trapiello, como se tivessem ouvido da mesma pessoa. O episódio, por
diversas vezes, sendo contado, acabou tornando‐se para a família uma espécie de lenda, conjecturou
o narrador‐protagonista Javier Cercas. Em uma cabine do arquivo da Filmoteca da Catalunha, Cercas
busca confirmar os relatos até então ouvido quando observa Sánchez Mazas falando a mesma
história diante das câmeras nacionalistas, ainda com uma tosca peliça parda que usara no bosque.
Este vídeo tinha intuito de promover a ditadura de Franco, pois além da história contada
heroicamente pelo falangista, são vistos, em outros momentos, o generalíssimo passando revista as
tropas, bem como sua esposa brincando com um leãozinho presenteado pela Assistência Social. No
excerto abaixo, observa‐se parte do filmete:
...Durante todo o relato, Sánchez Mazas permanece de pé e sem óculos, o olhar um tanto perdido; fala, no entanto, com aprumo de homem acostumado a falar em público, com o gosto de quem desfruta do som da própria voz... (CERCAS, 2012, p.41)
A impressão que dava é que a história do fuzilamento, utilizada como propaganda institucional do Caudilho, mediante divulgação da Falange Espanhola, era mais recitada por um ator, isto é, Sánchez Mazas, do que propriamente contada.
Tivera contato com muitos políticos em um tempo de instabilidade na Espanha, viajara para
Roma, por ordem de José Primo Rivera, o líder da Falange Espanhola, partido político de cunho
nacionalista em que reunia não somente políticos descontentes com o regime atual, mas intelectuais
e artistas. Lá conheceu sua esposa, a arte renascentista e o Fascismo. Voltara emocionado acerca dos
ideais propagados pelo ideário fascista. Sua poesia, então, torna‐se cada vez mais engajada à causa
nacionalista conforme o excerto abaixo:
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...por essa razão Sánchez Mazas, que sempre esteve ao lado de José Antonio e desse lugar privilegiado soube urdir uma violenta poesia patriótica de sacrifício e jugos e flechas e palavras de ordem que inflamou a imaginação de centenas de milhares de jovens... (CERCAS, 2012, p.50)
Seu verbo persuadiu muitos corações e mentes por uma Espanha descontente com os rumos
da República. Incitavam à união do povo, à marcialidade, tinha uma forte conotação militar, portanto
estava adequado à causa de Francisco Franco. Como poeta fora um ótimo propagandista, conforme
o trecho :
De resto Sánchez Mazas é um bom poeta menor, quero dizer, que é quase tudo a que pode aspirar um bom poeta. Seus versos têm uma corda só, humilde e velhíssima, monótona e um pouco sentimental, mas Sánchez Mazas a toca com maestria, arrancando daí uma música limpa, natural e prosaica... (CERCAS, 2012, p.80)
Para Sánchez Mazas, segundo o narrador‐protagonista Javier Cercas, o fascismo não foi
senão a tentativa política de realizar sua poesia, de tornar realidade o mundo que melancolicamente
nela evoca. (CERCAS, 2012, p.82) Desta forma, observamos que a história contada e recontada por
diversas vozes sobre a história do fuzilamento no Collel também é parte desta propaganda política.
Após passar meses no interior, em chácara, entre Gerona e Banyoles, depois que os nacionalistas
tomaram Barcelona, Mazas verifica, no gabinete do Chefe da Imprensa e Propaganda dos
Nacionalistas, Dionísio Ridruejo, que o ideário antigo da falange já não era o mesmo, algo havia
corrompido: a desconfiança e as suspeitas que havia causado entre os vencedores, a astúcia de
Franco e três anos de conluios conspiratórios na retaguarda.
A peripécia de Rafael Sánchez Mazas inicia quando ocorre a ameaça do golpe de estado pelos
nacionalistas no dia 18 de julho de 1936. A partir daí, Sanchez Mazas é preso, foge da prisão,
mantém‐se foragido, busca asilo político numa embaixada até chegar de Madrid à Barcelona
escondido em um caminhão com um jovem simpatizante da causa nacionalista e uma prostituta. No
excerto abaixo, vê‐se Sánchez Mazas em Barcelona, promovendo articulação política com células
locais (grupos menores).
Nos dias seguintes, Sánchez Mazas se reúne com representantes de outros grupelhos de quinta‐coluna e, certa manhã, quando se dirige ao Iberia, um bar do centro cujo dono comunga com a causa nacional, é detido por agentes do SIM. Estamos em 29 de novembro de 1937... (CERCAS, 2012, p.95)
O falangista fica preso tanto em tchecas (delegacias em que havia longos interrogatórios),
bem como em navios‐prisão (Argentina e Uruguai) até que em janeiro de 1939, é levado com outros
presos para o Santuário de Santa María do Collel. Em sua investigação, o jornalista também procura
entender o que se passou naqueles dias de inverno de janeiro e fevereiro na região de Cornellá de
Terri, buscando dados que confirmem a estada de Sánchez Mazas por esses lugares. Conforme a
descrição de Miquel Aguirre, o local por onde o falangista fugira era bastante inóspito:
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...e Aguirre então descreveu uma enorme e maciça construção de pedra rodeada de mata fechada de pinheiros e de terra calcária, um território montanhoso, agreste e muito extenso, semeado de chácaras e pequenos povoados isolados... (CERCAS, 2012, p.34)
Após internar‐se nos matos, Mazas viveu de ajudas pelas chácaras até chegar em uma delas
que a família resolveu abrigá‐lo. Maria Ferré e seus pais deixaram o hierarca ficar em um silo, num
lugar abandonado chamado de Maz de la Casa Nova. Durante o tempo que esteve neste ambiente
agreste, Mazas conheceu mais três emboscados, Perez e Joaquin Figueras e Daniel Angelats, os
amigos do bosque. Eram adolescentes ainda, soldados republicanos desertores que não podiam
ficar em casa, Cam Pigen, passavam o dia no bosque e à noite, iam dormir no silo. A mãe dos Figueras
lhes trazia a provisão. O acordo entre eles fora o seguinte: Os jovens o protegeriam durante o tempo
em que ficassem nos matos; mas, quando o fronte caísse e os nacionalistas chegassem à região,
Mazas seria o protetor de todos com sua influência de hierarca falangista.
Em uma das noites em que estavam a conversar longo tempo, Rafael e Perez, Angelats ouvira
Sánchez Mazas contar como não fora morto no fuzilamento no Collel. O trecho abaixo aponta a
certeza do personagem Mazas em saber quem fora o soldado que não o matou. O artifício
empregado pelo narrador com as duas brasas em que se torna mais intensa, alumiando o rosto de
Pere, torna estilisticamente a confirmação da afirmação do falangista: Saber quem fora o soldado
que salvou, porém sem a revelação desta informação para outros personagens nem para o leitor.
...Era muito jovem, Angelats ouviu Sánchez Mazas dizer. Da sua idade e uns traços de adulto. Por um momento, enquanto me olhava, pensei que talvez soubesse quem era ele; agora tenho certeza de que sei. Houve um silêncio, como se Sánchez Mazas aguardasse a pergunta de Pere, que não veio; Angelats divisava ao fundo do silo o brilho das duas brasas, e uma delas se fez momentaneamente mais intensa e alumiou o rosto de Pere...(CERCAS, 2012, p.121)
Na passagem abaixo, há uma caderneta entregue por Jaume Figueras, filho de Perez Figueras,
mostrando a veracidade do fato que realmente Sánchez Mazas conheceu as famílias dos Ferré, dos
Figueras e Angelats no anos de 1939. Nela, havia uma folha arrancada que segundo comprovação do
narrador‐personagem Javier Cercas é a folha que o pai de Perez Figuera levou para confirmar que
Rafael Sánchez Mazas era amigo da família na da delegacia em que seu filho fora preso.
Mediante a caderneta e a conversa com Jaume, Javier Cercas vem a conhecer os amigos
do bosque Joaquín Figueras, Daniel Angelats, já Perez Figuera havia falecido; e também Maria
Ferre, que deu guarida à Sánchez Mazas em sua chácara,
...que um dos fragmentos arrancados da caderneta fosse precisamente o fragmento da declaração em que , segundo tudo parecia indicar, Sánchez Mazas agradecia a ajuda dos irmãos Figueras e de Angelats... (CERCAS, 2012, p. 61)
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O personagem finalmente escreve sua narrativa real, mas fica decepcionado, segundo suas
palavras, o livro é insuficiente, conforme já ouvira falar de outro colega, um escritor não escreve
sobre o que sabe; mas, sobre o que desconhece. A proposta era uma interpretação da personagem e,
por extensão, da natureza do falangismo. Algo, entretanto, faltava a sua narrativa. Logo, verifica‐se
que a investigação do jornalista Javier Cercas à história de sessenta anos atrás envolvendo Sánchez
Mazas não chegara ao fim. No trecho abaixo, verifica‐se uma conversa em que este tem com outro
personagem real/histórico Roberto Bolaño sobre o herói.
‐ Não sei – disse. – Alguém que acredita ser um herói e acerta. Ou alguém que tem a coragem e o instinto da virtude e, por essa razão, não erra nunca, ou pelo menos não erra no único momento em que é importante não errar, e portanto não poder não ser um herói. Ou quem entende, como Allende entendeu, que o herói não é o que se mata, mas o que não mata nem se deixa matar. Não sei. O que é um herói para você? (CERCAS, 2012, p.150)
Quem era o herói para Javier Cercas: o soldado desconhecido que não matara ou entregara
Rafael Sánchez Mazas em uma mata distante, no inverno espanhol? Conforme o trecho acima, não
erra no momento em que não pode mesmo errar, então o herói não é contínuo, mas pontual, é o
momento que o torna herói. Descobri‐lo era talvez a peça que falta ao livro do narrador‐protagonista
Javier Cercas.
Durante aquela tarde, Bolaño contou a Cercas acerca de Miralles. Este era um senhor que
vinha veranear no camping Estrela do Mar em que Bolaño trabalhava em sua juventude, em
Casteldelfells. Este homem era viúvo e tinha uma filha, Maria. Veterano da Segunda Guerra Mundial,
Antoni Miralles também participara da Guerra Civil Espanhola, Roberto Bolaño falou deste tipo tão
excêntrico que era Miralles. Uma vez observou que suas costas estavam cheias de cicatrizes pelos
combates em que participara.
Ouvindo toda a história contada pelo escritor chileno sobre Antoni Miralles: que lutara no
Regimento do Cel Lister, estivera na Cataluña precisamente no Santuário do Collel no fim de janeiro
de 1939, após aquele grupamento de soldados iria cruzar o Mediterrâneo, entrar Saara a dentro em
busca de uma colônia francesa na África. A idéia do comandante era juntar as forças fiéis a Charles De
Gaulle que estava exilado na Inglaterra para causar perdas às tropas italianas acampadas em oásis
na Líbia. De repente Javier Cercas percebe que Antonio Miralles era a peça‐chave em seu romance
insuficiente. Relembrando a história há pouco contada, o narrador‐protagonista notou que o
veterano de guerra somente saiu com seu regimento, do Collel, um dia após o fuzilamento de
Sánchez Mazas.
O narrador‐protagonista jornalista Javier Cercas acredita em que Miralles provavelmente
tenha sido o soldado que não matou Sánchez Mazas. Buscou informações dele no Estrela do Mar,
mas o estabelecimento havia digitalizado os registros há alguns anos antes. Veranistas antigos não
tinham mais nenhuma identificação ali. Soube sim que este morava em Dijon, França. Bolaños
confirmara também que, nos últimos dois anos, ele não vinha mais com a filha, e costumava dormir
com uma prostituta chamada Luz. O excerto abaixo apresenta o personagem Bolaño quando
trabalhava no Estrela do Mar observando Miralles dançando com Luz.
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Bolaño disse que naquele momento, espiando por trás de um trailer aquele velho veterano de todas as guerras, com o corpo costurado de cicatrizes e a alma derramada por uma puta ocasional que não sabia dançar um pasodoble, sentiu uma emoção estranha e, como um reflexo talvez enganoso dessa emoção, a um giro do casal pareceu divisar um resplendor nos olhos de Miralles... (CERCAS,2012, p.165)
Aqueles mesmos olhos em que Roberto Bolaños intuiu uma emoção diversa, aquele mesmo
homem que tentava dançar um pasodoble, dançado outras vezes em acampamentos militares
poderia ser o soldado que Javier Cercas imaginara salvando a vida de Rafael Sánchez Mazas. Esta fora
uma das cenas relatadas pelo escritor chileno ao escritor espanhol. Nesse momento, Javier Cercas
deseja saber a verdade: o soldado de Líster é realmente aquele que mudara os rumos da história,
conforme a frase de Jose Primo Rivera, líder da Falange Espanhola, na última hora, sempre um
pelotão de soldados que salva a civilização. Para tanto, Javier Cercas e Conchi, sua namorada,
empreende uma investigação por telefone para encontrar Miralles. Contactuam primeiramente as
pessoas que tenham seu sobrenome em Dijon e arredores, após buscam casas de repouso também
naquela localidade e região , depois de um mês neste embate finalmente chegam a um resultado:
‐ Miralles no aparelho – disse o homem em castelhano: a surpresa não permitiu que eu me desse conta de que meu francês rudimentar me havia delatado. – Com quem falo? (CERCAS, 2012, p.175)
Antonio Miralles, personagem que surge na terceira parte da narrativa, “Encontro Marcado
em Stockton”, é um senhor octogenário, que vive na Residence de Nimphéas. Fora veterano de mais
de uma guerra como já havia sido falado acima, havia perdido tanto a esposa como a filha, não tinha
mais ninguém de familiar. Era bastante prático e objetivo e não gostava que lhe chamassem de seu
Miralles, já que toda a vida ficou conhecido apenas por seu nome de guerra MIRALLES.
Havia um filme que o velho militar gostava de assistir Fat City, a cidade das ilusões, na
tradução (1972). A ideia do nome é como se fosse um lugar em que havia oportunidades, entretanto,
é uma ironia, os personagens deste filme eram todos decadentes, sem futuro, sem perspectiva, onde
há somente fracassos.
Assim Miralles costumava falar a Bolaños: vemo‐nos em Stockton, cidade fictícia do filme, isto
é, queria dizer que todos estariam fracassados no fim de suas vidas, não há ilusão.
A partir dessa explanação sobre o filme acima, o Encontro em Stockton pode ser interpretado
como a entrevista de Cercas e Miralles na casa de repouso. O narrador‐protagonista ia em busca de
um mistério que quer que seja verdade: o fuzilamento no Collel, o salvamento do soldado
republicano. Talvez fosse uma ilusão, talvez não fosse exatamente isso; já Miralles estava em
Stockton, no fim de sua vida, sentindo uma grande saudade dos amigos das campanhas militares e da
família que lhe dera um dia felicidade.
‐ Não me faça dizer coisas que não disse, jovem. Eu só estou contando as coisas como são, ou como as vivi. A interpretação corre por sua conta, para isso você é jornalista, não é? Além disso, você não há de reconhecer que, se...
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...alguém merecia ser fuzilado, esse alguém era Sánchez Mazas: se o tivessem liquidado a tempo, ele e uns
outros tantos como ele, quem sabe tivéssemos nos poupado a guerra, não acha? (CERCAS, 2012, p. 195)
O contraponto entre quem fez a guerra e quem conta a guerra: o antagonismo entre as ideias
de Miralles e de Cercas. O primeiro percebe que não há nada importante para ser dito, não existe
romantismo nem atos heróicos para serem recitados em uma guerra. Os heróis apenas são. Por isso
que se nega a ser o herói que o narrador‐protagonista tanto almeja para ele. Em suas palavras ‐ Uma
história muito novelesca – disse então, em tom neutro, enquanto tirava um cigarro do maço, já pela
metade, que lhe dera pela manhã. (CERCAS, 2012, p.201)
Miralles destrói a ilusão do narrador‐protagonista Javier Cercas em encontrar finalmente
aquele soldado que salvara o hierarca falangista. O argumento mais contundente vem no trecho
abaixo:
‐ Me diz uma coisa – falou com a mão no trinco: a porta estava entreaberta. – Para que você queria encontrar o soldado que salvou Sánchez Mazas?Respondi sem pestanejar: ‐ Para perguntar o que pensou naquela manhã, no bosque, depois do fuzilamento, quando o reconheceu e o olhou nos olhos. Por que o salvou, por que não o delatou, por que não o matou?
‐ Por que iria matá‐lo? (CERCAS, 2012, p.205)
Por que iria matá‐lo? Não haveria sentido algum em matar um homem já desarmado, em
uma guerra desumana e irracional sendo que eles, do Regimento de Líster, estavam em condições
desfavoráveis e à mercê da evasão. Por que iria matá‐lo? E no que o soldado pensou no momento que
olhou para Mazas, segundo palavra de Miralles, nada. A reação do idoso às perguntas do jornalista é
como se não houvesse mais nada do que falar: o que ficou no passado está lá para sempre e bem
resolvido. O fim do romance traz a mensagem de que a bandeira levantada por aquele soldado é a da
liberdade, da luta contra os regimes totalitários tanto na Espanha como na Europa. E a proporção
criada entre sua pequenez e a aridez grandiosa do deserto é a imagem provocativa deste porquê.
Este guerreiro sem nome, sujo, em farrapos e jovem luta como tantos outros por uma causa nobre.
...levando a bandeira de um país que não é seu país, de um país que é todos os países e
que só existe porque esse soldado ergue sua bandeira abolida, jovem, esfarrapado, empoeirado e anônimo infinitamente minúsculo naquele mar flamejante de areia infinita... (CERCAS, 2012, p. 213 )
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Então o vê. Está de pé junto à cratera, alto e corpulento e recortado contra o verde escuro dos pinheiros e o azul escuro das nuvens, ofegando um pouco, as grandes mãos aferradas ao fuzil de través e o uniforme de campanha cheio de fivelas e puído pela intempérie. (CERCAS, 2012, p.103)
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O narrador‐protagonista Javier Cercas em sua busca à informação que falta ao seu relato real,
entrevista Miralles para saber se realmente, é ele o soldado do excerto acima que no final dos anos
30, em tempo de guerra, salva a vida de um inimigo do seu exército. Pode‐se constatar que há
verossimilhança nisso, por Miralles saber dançar pasodoble, porque o exército dele estava no dia do
fuzilamento no Colell, porque talvez àquela altura o sentido da guerra não existisse para a miséria em
que estavam. São diversas possibilidades assim como ter a certeza de que realmente Sánchez Mazas
esteve diante de um pelotão de fuzilamento, muito embora os relatos de Joaquin Figueras e Angelats
atestem que o conheceram em bosque catalão, não se pode afirmar que esteve lá. Os relatos das
diversas vozes que ouviram sua versão, baseada em um vídeo institucional como propaganda política
do governo nacionalista de Francisco Franco no pós‐guerra não são suficientes para comprovar a
verdade do fato, mas apenas para reforçar esta versão do momento político da época. A história
relatada como observa o próprio narrador tinha mais o tom de recital para o povo ouvir do que
propriamente de narrativa. Em suma, pode‐se dizer que há verossimilhança de que estes fatos
ocorreram, entretanto é somente uma possibilidade; não se pode dizê‐los verídicos já que os relatos
de todos estes personagens talvez possam ter acontecido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://en.wikipedia.org/wiki/Rafael_S%C3%A1nchez_Mazas. Acessado em 04 jun 13
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RECUPERAÇÃO GRADUAL DE UMA COMUNIDADE DE RIACHO TROPICAL DESFLORESTADO APÓS ENCHENTE REPENTINA
Lucas Cerqueira Marques ‐ Graduado em Ciências Biológicas
Mônica Ceneviva Bastos ‐ Doutora em Ciências Biológicas
Lilian Casatti ‐ Doutora em Ciências Biológicas
RESUMO
Neste estudo, foram avaliados e comparados os atributos de uma comunidade de riacho no Brasil em um período anterior (PRED) e três posteriores (POSD I, II e III) a uma enchente repentina, a fim de investigar a existência de modificações temporais na estrutura da comunidade que sugira retorno às condições anteriores à enchente. Amostras da biota incluíram algas, macrófitas, macroinvertebrados e peixes. Alterações na estrutura física do riacho também foram avaliadas. A similaridade da biota aquática entre os períodos pré e pós‐distúrbio foi examinada por ordenação exploratória, conhecida como Análise de Escalonamento Multidimensional Não Métrico com Cluster, utilizando os coeficientes de similaridade de Bray‐Curtis quantitativo e de presença/ausência. Dados de presença e ausência foram usados para análise de correlação multivariada (Relate Analysis) a fim de investigar a similaridade da composição taxonômica entre os períodos pré e pós‐distúrbio. Houve uma diminuição do canal do riacho e expressivo decréscimo na riqueza e abundância de todos os táxons logo após a enchente, seguido por aumentos subsequentes nas três próximas amostragens, indicando uma tendência em direção à recuperação da comunidade de riacho. Os coeficientes de Bray‐Curtis evidenciaram grande disparidade na estrutura da comunidade entre o período imediatamente após o distúrbio e os subsequentes. A análise de correlação multivariada demonstrou forte correlação entre macroinvertebrados e algas/macrófitas, indicando estreita relação entre a dinâmica de recolonização desses grupos. Apesar da estrutura da comunidade indicar retorno às condições iniciais, a recolonização foi muito mais lenta em relação aos registros da literatura. Finalmente, o forte impacto da enchente, somado à recolonização lenta, podem ser o resultado da presença histórica de interferências antrópicas na região, como assoreamento, destruição completa da vegetação ripária e simplificação do hábitat, que amplificaram os efeitos de um distúrbio natural.
ABSTRACT:
In this study, we evaluated and compared community attributes from a tropical deforested stream, located in a pasture area, in a period before (PRED I) and three times after (POSD I, II, and III) a flash flood, in order to investigate the existence of temporal modifications in community structure that suggests return to conditions previous to the flash flood. Biota samples included algae, macrophytes, macroinvertebrates, and fish assemblages. Changes in stream physical structure we also evaluated. Similarity of the aquatic biota between pre and post‐disturbance periods was examined by exploratory ordination, known as Non‐Metric Multidimensional Scaling associated with Cluster Analysis, using quantitative and presence/absence Bray‐Curtis similarity coefficients. Presence and absence data were used for multivariate correlation analysis (Relate Analysis) in order to investigate taxonomic composition similarity of biota between pre and post‐disturbance periods. Our results evidenced channel simplification and an expressive decrease in richness and abundance of all taxa right after the flood, followed by subsequent increases of these parameters in the next three samples, indicating trends towards stream community recovery. Bray‐Curtis similarity coefficients evidenced a greater community structure disparity among the period right after the flood and the subsequent ones. Multivariate correlation analysis evidenced a greater correlation between macroinvertebrates and algae/macrophytes, demonstrating the narrow relation between their recolonization dynamics. Despite overall community structure tended to return to previous conditions, recolonization after the flood was much slower than that reported in literature. Finally, the remarkably high flood impact along with the slow recolonization could be a result of the historical presence of anthropic impacts in the region, such as siltation, riparian forest complete depletion, and habitat simplification, which magnified the effects of a natural disturbance.
1. INTRODUÇÃO
A estrutura de uma comunidade pode ser interpretada como fruto de fatores bióticos e
abióticos, sendo que a integridade da comunidade depende diretamente da relação harmônica
entre esses fatores (THOMSON et al., 2002). Contudo, distúrbios naturais por vezes causam
alterações no hábitat físico da comunidade que podem levar a perdas na diversidade e abundância
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de espécies. Dentre os agentes causadores de distúrbios em riachos, enchentes são reconhecidas
como o mais frequente (FISHER et al., 1982) e podem ser um evento de grande importância para
manutenção da integridade ecológica e produtividade biológica por constituírem fontes primárias
de variabilidade ambiental (POFF et al., 1997). Apesar disso, enchentes erosivas (sensu MATTHEWS,
1998) podem causar um impacto bastante destrutivo no hábitat físico do riacho, que geralmente
acaba refletindo em baixas na riqueza e abundância de diversas espécies, resultado também das
consequentes alterações de toda a estrutura trófica do riacho. Nesse contexto, a velocidade de
recolonização de toda a biota pode depender, além destes fatores, das características autoecológicas
de cada espécie remanescente, incluindo sua resistência/resiliência frente a impactos naturais e/ou
antrópicos (MEYER, 1997). No Brasil, estudos acerca da recolonização de ambientes naturais após
distúrbios são escassos dado que, na maioria dos casos, as informações sobre riqueza e abundância
da fauna e flora (ou sobre interações entre ambas) em um período anterior aos distúrbios são raros.
Notavelmente, tivemos a oportunidade de presenciar a ocorrência de um distúrbio natural na forma
de uma enchente relâmpago. Este fenômeno modificou em larga escala a estrutura física de um
riacho previamente amostrado por nós visando a um estudo de relações tróficas na região noroeste
do Estado de São Paulo. Esse evento foi também uma oportunidade para responder “como uma
comunidade de riacho se reestrutura após um distúrbio natural?”.
2. OBJETIVOS
(i) Avaliar a composição, riqueza e diversidade de espécies no período anterior ao distúrbio e
compará‐lo aos posteriores (pós‐distúrbio I, II e III);
(ii) Avaliar a similaridade em composição e abundância de espécies no período anterior ao
distúrbio e compará‐lo aos posteriores (pós‐distúrbio I, II e III).
3. METODOLOGIA O estudo foi realizado no Córrego do Bagaço (20°24'08,5"S 50°16'40,9"W), um riacho de primeira ordem, localizado no município de Vila Nova, bacia do rio Turvo, noroeste do estado de São Paulo. Neste riacho, um trecho de 60 metros foi selecionado e dividido em sete transectos posicionados a cada 10 metros, incluindo os limites à montante e à jusante (Figura 1). A cada etapa de campo foram mensurados descritores físico‐químicos da água e realizada a avaliação da estrutura física do ambiente, além da composição do substrato. Foram realizadas quatro amostragens: Pré‐Distúrbio (01‐02/09/07, PRED), Pós‐Distúrbio I (16/03/2008, POSDI), Pós‐Distúrbio II (16/09/2008, POSDII) e Pós‐Distúrbio III (15/08/2009, POSDIII). Algas e macrófitas foram amostradas por meio da inspeção visual do substrato e determinação da proporção relativa de cobertura de cada espécie (ou morfoespécie, que posteriormente foram identificadas em laboratório); o plâncton foi amostrado com rede própria (45 µm), durante 4 minutos em cada transecto; macroinvertebrados com rede D e rede Surber (250 µm); peixes foram amostrados durante aproximadamente 45 minutos de pesca elétrica, em que os trechos montante e jusante do trecho foram bloqueados por redes de espera (malha 3 mm). Também foram recolhidos todos os macroinvertebrados coletados durante a pesca elétrica. Todos os exemplares estão depositados na coleção de Peixes do Departamento de Zoologia (DZSJRP) do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, IBILCE‐UNESP, São José do Rio Preto, SP, Brasil. Os espécimes foram identificados até família e morfoespeciados utilizando as seguintes
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chaves de identificação: MERRIT & CUMMINS (1996), COSTA et al. (2006) para a identificação de invertebrados; BICUDO & MENEZES (2006), AMARAL et al. (2008) e MADIGAN et al. (2009) para macroalgas bentônicas, macrófitas aquáticas e perifíton. Especialistas em cada grupo foram consultados para conferência das identidades específicas. A diversidade de espécies para cada grupo biótico em cada fase amostral foi calculada por meio do índice de Shannon‐Wiener (MAGURRAN, 2004). A semelhança da biota aquática nas fases pré e pós‐distúrbio foi investigada aplicando‐se uma técnica de ordenação exploratória, conhecida como análise de escalonamento multidimensional não métrica (NMDS) associada à análise de agrupamento, conhecida como NMDS com Cluster, a partir dos coeficientes de similaridade de Bray‐Curtis quantitativo e de presença/ausência de espécies. Para a análise da estrutura quantitativa, foi realizada a transformação log(x+1) dos dados. Essas análises foram realizadas com auxílio do programa computacional Primer 6.0 (CLARKE & GORLEY, 2006).
Figura 1: Imagens representativas do esquema de coleta e dos períodos de amostragem do Córrego do Bagaço.
A. Pré‐distúrbio (PRED). B. Pós‐distúrbio I (POSD I). C. Pós‐distúrbio II (POSD II). D. Pós‐distúrbio III (POSD III). Destaque da
seta em B mostrando o deslizamento resultante da enchente.
4. RESULTADOS
A análise dos descritores ambientais demonstrou uma série de mudanças na estrutura física
do riacho, resultado da enchente relâmpago que atuou como agente perturbador da comunidade.
Os valores de riqueza e diversidade para a biota aquática de cada fase amostral podem ser vistos na
Tabela 1. Os valores do índice de Shannon‐Wiener indicam que houve restabelecimento da relação
entre riqueza de espécies e suas abundâncias com relação ao período anterior ao distúrbio, apesar
das modificações na composição de espécies, indicando o processo gradual de recuperação da
comunidade do riacho após o distúrbio. Os resultados utilizando‐se a análise de escalonamento
multidimensional não métrica (NMDS) mostram similaridade de 55% entre a estrutura das comunidades
referentes às fases PRED, POSD II e POSD III, tanto em abundância quanto em composição (Figura 2). No
entanto, a relação entre essas fases comporta‐se de maneira diferente. Em ambas as análises, quantitativa e
qualitativa, o primeiro período subseqüente ao distúrbio (POSD I) está significativamente isolado dos demais,
indicando uma maior disparidade na estrutura da comunidade ao longo do período imediatamente
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subsequente ao distúrbio em relação aos períodos posteriores. A análise de correlação multivariada
(Relate Analysis) indicou maior correlação entre invertebrados e algas (Rho = 0.7, P < 0.05). A
correlação entre macroinvertebrados e peixes (Rho = –0.4, P > 0.05) e entre peixes e algas (Rho =
–0.09, P > 0.05) não foi significativo. Tais resultados demonstram a estreita relação entre a dinâmica
de recolonização de invertebrados e algas.
Tabela . Valores de riqueza (Riq.) e diversidade de Shannon‐Wiener (H') para a biota aquática das fases pré‐distúrbio (PRED), pós‐distúrbio I, II e III (POSD I, POSD II e POSD III, respectivamente).
Figura 2. Análise de escalonamento multidimensional não métrica (NMDS) com Cluster mostrando os grupos formados das fases pré‐distúrbio (PRED), pós‐distúrbio I, II e III (POSD I, POSD II e POSD III, respectivamente), utilizando coeficientes de Bray‐Curtis para abundância (a) e composição (b). Os círculos representam agrupamentos de 55% de similaridade. As linhas indicam a sequência temporal e a direção do processo de recuperação da comunidade do riacho.
5. CONCLUSÃO
Enchentes relâmpagos são conhecidas pela capacidade de alteração das comunidades de
riachos, tanto na estrutura física quanto na biota aquática. O aumento do volume e fluxo da água,
causando levantamento de sedimento e lavagem do substrato, são algumas das mudanças mais
frequentes após eventos naturais desse tipo. O estudo realizado no Córrego do Bagaço demonstrou
tais alterações físicas, e as consequentes modificações na composição e abundância da cobertura
vegetal, de macroinvertebrados e de peixes, de início sendo significativamente reduzidos, mas
recuperando‐se gradualmente ao longo das fases pós‐distúrbio. A recolonização pelos organismos
envolveu tanto fontes externas (e.g., oviposição por insetos adultos) como fontes internas (dispersão
de peixes da jusante sentido rio acima), demonstrando os diferentes meios pelos quais uma
comunidade de riacho pode vir a se reestruturar frente ao impacto dessa natureza.
Houve, portanto, recuperação gradual da comunidade de riacho evidenciada pelo retorno
das abundâncias da biota aquática aos valores iniciais. A composição de espécies, por outro lado,
mostrou‐se significativamente diferente, demonstrando que deve haver um conjunto de espécies
característico em cada unidade temporal; embora a composição da comunidade das últimas
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A compreensão da dinâmica de recuperação natural de riachos traz importância também para a previsão ou mesmo diferenciação de possíveis consequências provocadas por interferências antrópicas, uma vez que distúrbios antropogênicos que se assemelham aos naturais podem levar a processos de recuperação também similares.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, M. C. E., BITTRICH, V., FARIA, A. D., ANDERSON, L. O. & L. Y. S. AONA. 2008. Guia de campo
para plantas aquáticas e palustres do Estado de São Paulo. Holos Editora, Ribeirão Preto, 449p.
BICUDO, C. E. M. & M. MENEZES. 2006. Gêneros de algas continentais do Brasil ‐ chave para
identificação e descrições. RiMa, São Carlos, 489p.
COSTA, C., IDE, S. & C. E. SIMONKA. 2006. Insetos imaturos. metamorfose e identificação. Holos,
Editora, Ribeirão Preto, 249p.
CLARKE, K. R. & R. N. GORLEY. 2006. Primer v6: user manual/tutorial. Plymouth Marine Laboratory,
Plymouth.
FISHER, S. G., GRAY, L. J., GRIMM, N. B. & D. E. BUSCH. 1982. Temporal succession in a desert stream
ecosystem following flash flooding. Ecological Monographs 52(1): 93‐110.
MADIGAN, M. T., MARTINKO, J. M., DUNLAP, P. V. & D. P. CLARK. 2009. Brock Biology of
Microorganisms. Pearson Benjamin Cummings, San Francisco, 1061p.
MAGURRAN, A. E. 2004. Measuring Biological Diversity. Blackwell, Oxford, 256p.
MATTHEWS, W. J. 1998. Patterns in freshwater fish ecology. Chapmann & Hall, New York, 756p.
MERRITT, R. W. & K. W. CUMMINS. 1996. An introduction to the aquatic insects of North America. Kendall/Hunt
Publ. Co., Dubuque, Iowa, 862p.
MEYER, J. L. 1997. Stream Health: Incorporating the Human Dimension to Advance Stream Ecology.
Journal of the North American Benthological Society, New Concepts in Stream Ecology:
Proceedings of a Symposium 16(2): 439‐447.
POFF, N. L., ALLAN, J. D., BAIN, M. B., KARR, J. R., PRESTEGAARD, K. L., RICHTER, B. D., SPARKS, R. E. & J.
C. STROMBERG. 1997. The Natural Flow Regime (a paradigm for river conservation and
restoration). BioScience 47(11): 769‐784.
THOMSON, J. R., LAKE, P. R. & B. J. JONES. 2002. The effect of hydrological disturbance on the impact
of a benthic invertebrate predator. Ecology 83(3): 628‐642.
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O ESPAÇO DA LEITURA NO CONTEXTO DO ENSINO: REFLEXÕES SOBRE A ERA DIGITAL
Andriza Machado Becker ‐ Mestre em Educação
RESUMO
Falar em leitura no ensino é sinônimo de um velho desafio que os educadores encontram em suas salas de aulas; seja pelo encontro da melhor forma de aproximar o texto do aluno/leitor, seja pela promoção e manutenção dessa prática. Considerando o contexto atual do ensino, o qual é permeado pela era digital, é importante debater sobre a prática e o desenvolvimento da leitura em variadas mídias. Desse modo, tendo em vista a crescente inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação na educação, o presente artigo tem o objetivo de discutir o processo de leitura apoiado por suportes digitais, acenando o surgimento de uma nova configuração do público leitor e buscando redimensionar o papel da leitura nas práticas em educação. Palavras‐chave: Leitura. Ensino. Educação. Era digital.
ABSTRACT
Talk on teaching reading is synonymous with an old challenge that educators are in their classrooms; at the meeting of the best way to approach the student text/reader, is the promotion and maintenance of this practice. Considering the current context of teaching, which is permeated by the digital age, it is important to discuss the practice and the development of reading in various media. Thus, in view of the increasing insertion of information and communication technologies in education, this article aims to discuss the process of reading supported by digital supports, waving the emergence of a new configuration of the readership and seeking the role of resize reading practices in education.
Keywords: Reading. Teaching. Education. The digital age.
INTRODUÇÃO
Neste início de século XXI, vivemos a plenitude da chamada era digital, tempo em que se
questiona a existência das bibliotecas físicas, dos livros impressos e qual influência das tecnologias
nos significados da leitura.
A incorporação cada vez mais presente das Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TIC) acarreta no surgimento de uma gama de ferramentas interativas que os suportes textuais físicos
não dispõem. Assim, a leitura já não está relacionada aos processos lineares construídos na cultura
do papel. Mestre em Educação (UFSM) e Especialista em Tecnologias da Informação e da Comunicação aplicadas à
Educação (UFSM). Professora do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Militar de Santa Maria, nas disciplinas de Português
e Redação. [email protected]
Nesse cenário, surgem questões relacionadas ao novo condicionamento do leitor e ao processo de leitura nos meandros das redes de navegação que estabelecem conexões de acesso à informação e ao conhecimento de forma hipertextual, móvel e flexível.
Dessa forma, o presente artigo tem o objetivo de por em pauta o processo de leitura apoiado
em suportes digitais – levando‐se em consideração que esses espaços são também suportes de
leitura e agregam várias ferramentas que operam como mediadores de uma nova configuração do
público leitor.
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O ATO DE LER – ALGUNS CONCEITOS
Ao conceituar o ato de ler, Paulo Freire preconizou: “a compreensão do texto a ser alcançada
por sua leitura crítica, implica a percepção das relações entre o texto e o contexto” (1983, p.12).
Desta maneira, o autor aponta para a leitura de mundo que antecede a leitura da palavra, de forma
que a natureza, o gênero e os suportes dos textos de que o sujeito dispõe implica na sua formação e na
sua constituição como leitor.
Nesse processo entra o importante papel do indivíduo que aproxima o leitor do texto – o
mediador de leitura. De acordo com Bortolin (2001), pode‐se considerar como mediadores de leitura
os familiares, os professores, os bibliotecários, os editores, os críticos literários, os redatores e até os
amigos que nos emprestam um livro. Atualmente grande número de textos está concentrado em
suportes digitais como: blogs, redes sociais, bibliotecas virtuais, repositórios digitais e Ambientes
Virtuais de Ensino e Aprendizagem (AVEA), o que torna o próprio meio digital um mediador de
leitura.
Em relação aos suportes digitais, enquanto mediadores de leitura, é interessante estabelecer
algumas diferenças desses aos suportes textuais que tradicionalmente são utilizados em sala de
aula. Gêneros textuais como cartas, artigos, bilhetes, fábulas, contos, entre outros, estão apoiados
em suportes que não permitem a comunicação imediata. Ao contrário, por exemplo, as redes sociais
apresentam a característica do imediatismo e, sobretudo, a possibilidade de interação com uma
grande quantidade de interlocutores. E, mesmo os e‐mails e os blogs, que são semelhantes ao
gênero tradicional por terem a possibilidade da correção no momento em que são emitidos, para só
depois serem repassados ao destinatário ou ao público que os acessará (no caso do blog), dispõem
de recursos audiovisuais e de uma diversidade de formatos e apresentações que os suportes
tradicionais não possuem (MARCUSCHI, 2004).
O acesso à informação é cada vez mais veloz e capaz de atingir um grande número de pessoas,
em lugares remotos e dispersos. Assim, não se pode mais pensar em possibilidades de leitura a partir
de suportes textuais físicos, como tradicionalmente se desenvolveram ao longo da história – como é
apresentado na seção seguinte.
CONCEPÇÕES DE LEITURA (BREVE CONTEXTO HISTÓRICO)
A partir da segunda metade do século XIX, diante de uma atmosfera de transformações
políticas, econômicas e culturais, no Brasil tinha‐se o projeto da formação de uma sociedade letrada.
A alta sociedade, composta de famílias burguesas tradicionais valorizava a leitura como
símbolo de instrução, sendo sua prática entendida como uma chave de acesso ao saber.
Regina Zilberman, no livro Fim do livro, Fim dos leitores? traçou um panorama histórico do
significado da leitura nos diversos períodos retratando desde a consolidação física do livro até obras,
autores e personagens que foram símbolo do constructo cultural e representaram a ideologia social
dominante. A análise chega até a era digital, tempo em que se questiona a existência das bibliotecas
físicas, dos livros impressos e qual a influência da tecnologia na compreensão do ato de ler:
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A valorização do leitor e da leitura parece chegar tarde demais: anuncia‐se o final da era do livro, sua substituição por multimídias interativas, a metamorfose do consumidor de obras escritas no nerd internauta, aventureiro que percorre até agora desconhecidos universos virtuais (ZILBERMAN, 2000, p. 105).
O modo como é abordada a leitura, seja por imposição ou por prazer, traz como
consequência uma configuração de leitor. Na contemporaneidade observa‐se muitas vezes um leitor
que escreve suas próprias histórias e as publica na internet em ferramentas interativas como as
fanfictions – sendo possível a discussão através da recriação de um texto:
(F)anfictions são histórias escritas por fãs de textos originais – não necessariamente impressos, pois que muitos deles imagéticos – envolvendo os cenários, personagens e tramas previamente desenvolvidos pelo autor daquele original, sem que exista nenhum intuito de quebra de direitos autorais e de lucro envolvidos na prática. Os autores de fanfictions dedicam‐se a escrevê‐las em virtude da profundidade da experiência que vivenciam no contato com o texto original (RÖSING e VARGAS, 2005, p. 76).
Com a nova configuração dos suportes em que mais circulam a leitura e a escrita é evidente
também que surjam questionamentos sobre a qualidade dos textos, fato que se torna mais
potencializado em um espaço onde todos desejam serem lidos. Nesse sentido, ocorre um fenômeno
interessante devido à virtualização: a possibilidade de qualquer leitor‐internauta assumir o papel de
crítico:
Evidentemente, as redes eletrônicas ampliam essa possibilidade, tornando mais fáceis as intervenções no espaço de discussão constituído graças à rede. Deste ponto de vista, pode‐se dizer que a produção dos juízos pessoais e a atividade crítica se colocam ao alcance de todo mundo (CHARTIER, 1999, p.18).
Assim, percebe‐se que o papel do leitor frente à experiência da leitura passou por muitas transformações até este início de século ‐ o simples ato de manusear uma obra adquiriu outro significado e isso implica também nos significados e procedimentos que assumiram a escrita. Fica evidente que o sujeito leitor e os significados de leitura passam por uma (re) significação e assumem uma nova identidade. A partir disso, busca‐se refletir, na próxima seção, sobre o cenário atual da educação que agrega, em seu contexto, leitores e mediadores.
UMA NOVA IDENTIDADE: ALUNO/LEITOR ONLINE
A fase histórica assinalada pelo final do século XX e início de século XXI marca, sobretudo,
profundas transformações no campo do saber científico, técnico e social. A educação vem
acompanhando esses processos e ancorando‐se nas TIC para permitir ao sujeito, por exemplo, a
complementação de seus estudos por meio de AVEA.
No AVEA é possível a inserção de várias mídias e recursos – o que torna a ferramenta um
repositório de informações acessíveis de forma síncrona ou assíncrona – configurando‐se como uma
extensão da sala de aula presencial, na qual o aluno/leitor tem a liberdade de acessar no tempo que
lhe convir.
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Os participantes do ambiente virtual são interpelados constantemente por suportes digitais de leitura – tornando‐se voluntária ou involuntariamente leitores multimidiais, assim,
Nossas condutas reprimidas de leitura, extremamente disciplinadas, porém, parecem ancestrais perante essas novas experiências e circunstâncias vinculadas às possibilidades dos oceanos multimidiais da internet” (RETTENMAIER&MATOS, 2005, p.151).
Chartier (1999) destaca que os novos suportes de leitura não acarretaram no fim do livro ou
na morte do leitor, assunto muito em pauta nos debates em educação, ao contrário dessa premissa,
na opinião do autor a possibilidade de se ter uma grande biblioteca, onde se reúnem muitos livros,
potencializa‐se com os meios digitais.
As possibilidades de leituras são muito plurais e com os suportes digitais evidencia‐se a não‐
linearidade. Com os hipertextos, por exemplo, o aluno/leitor online pode navegar em qualquer
sentido: não há formas de leitura certas ou o erradas, e sim opções feitas pelo navegador. E, desta
forma, se estabelece a grande diferença entre a leitura de um texto impresso e a leitura de textos em
suportes digitais.
As dinâmicas de interação nos AVEA permitem aos alunos/leitores assumirem o controle de
sua forma de aprender. Entende‐se que, nesse processo, cabe aos professores e demais mediadores
atuarem na perspectiva da interação entre texto e contexto – suas possibilidades de interpretação e
suas finalidades no processo de ensino e aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para realizar um bom trabalho com leitura é imprescindível que se conheça aparatos teóricos
capazes de abarcar a realidade da estrutura social. Em especial na atualidade – quando não se pode
mais negar que a compreensão de mundo, de tempo e espaço encontra‐se em desconstrução.
Diante do constante crescimento das tecnologias de apoio à leitura, faz‐se cada vez mais
necessária a formação de leitores críticos que sejam capazes de ler e discernir o que lêem, para que
possam compreender melhor o mundo e sua própria realidade.
Por leitor crítico entende‐se o indivíduo que se desprende de atividades de reprodução que
somente “passa os olhos” sobre o texto, decodificando as palavras e se prendendo a superficialidade
do escrito. E, para o alcance de tal formação, é importante, sobretudo, não cometer o erro de analisar
algo recente sob os preceitos de antigos conceitos que já não nos servem mais. As práticas em
educação alicerçadas nos moldes tradicionais já não atendem aos novos sujeitos que exigem rapidez,
fluidez e interação flexível com o conhecimento.
Cada dia surge novos suportes digitais e os alunos/leitores, imersos no mundo online, têm
novas experiências de acesso ao conhecimento e à informação, assim a educação também deve
utilizar‐se de ferramentas que estão modificando as formas de leitura e a construção de uma nova
identidade de leitores.
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REFERÊNCIAS
BORTOLIN, S.; SILVA, R. J. Das prateleiras às mãos. Revista pedagógica, v. 3, n. 6, p. 87‐97, Chapecó ‐ SC, 2001.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1999.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 4.ed. São Paulo: Cortez, 1983.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros virtuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In.: MARCUSCHI & XAVIER, Antônio Carlos dos Santos (orgs). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
RETTENMAIER, Miguel; MATOS, Jossemar. A nova postura do leitor e os novos sentidos do texto poético. RETTENMAIER, Miguel; RÖSING, Tania M. K. (Org.). Questões de literatura para jovens. Passo Fundo: UPF, 2005.
RÖSING, Tania M. K.; VARGAS, M. L. B. O distanciamento entre as práticas de leitura escolares e os interesses online dos jovens. In.: RETTENMAIER, Miguel; RÖSING, Tania M. K. (Org.). Questões de literatura para jovens. Passo Fundo: UPF, 2005.
ZILBERMANN, Regina. Fim do Livro, fim dos leitores?. São Paulo: Editora Senac, 2000.
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QUALIDADE DO AR: CFB E MATEMÁTICA REALIZANDO TRABALHO
INTERDISCIPLINAR
Márcio Rocha Lima ‐ Mestre em Matemática
João Gilberto dos Santos Chaves ‐ Licenciatura em Matemática
Daiana Sonego Temp ‐ Doutora em Educação em Ciências
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados de um projeto interdisciplinar envolvendo conteúdos de CFB e Matemática
no segundo bimestre de 2015 com alunos do Sexto Ano matriculados no Colégio Militar de Santa Maria (CMSM). A
proposta foi realizada, de acordo com as orientações da Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA). O tema
escolhido foi “a qualidade do ar que respiramos” por se tratar conteúdo previsto em CFB e ser temática relevante para a
formação do educando. Em relação à CFB foram trabalhados os conteúdos relacionados à composição e poluição do ar,
além das doenças veiculadas pelo ar contaminado. Na disciplina de Matemática, o conteúdo abordado teve relação com
os números fracionários em que os alunos calcularam diferentes frações ligadas aos gases componentes da atmosfera e
os agentes poluentes. A apresentação dos trabalhos ocorreu na forma de gráficos, tabelas e mapas conceituais
confeccionados pelos alunos no decorrer do bimestre que culminou em uma Mostra de Trabalhos.
Palavras chaves: Interdisciplinaridade; Matemática; CFB; Ar.
ABSTRACT
out according to the guidelines of the Education Division and Preparatory Assistance (DEPA). The theme was "the quality of the air we breathe" because it is content provided in CFB and be subject relevant to elementary education. Regarding the CFB were worked contents related to composition and air pollution beyond borne diseases contaminated air. In Mathematics addressed the content was related with fractional numbers where students calculate different fractions linked to the components of the atmosphere gases and pollutants. The presentation of the work took place in the form of graphs and conceptual maps made by the students during the two months in a show of work.
Key words: Interdisciplinaridade; Matemática; CFB; Ar.
INTRODUÇÃO
A proposta de trabalhos com ênfase na Interdisciplinaridade tem início no cenário educacional brasileiro a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei 5692/71 (BRASIL, 1971), tendo sua discussão e aplicação ressaltadas, principalmente, quando entrou em vigor a Lei 9394/96 (BRASIL, 1996) e com o Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 2000). Esses documentos norteiam o sistema de ensino brasileiro, servindo de base para o planejamento e execução de projetos escolares. A proposta interdisciplinar tem como objetivo proporcionar o desenvolvimento de aulas/projetos nos quais diferentes disciplinas (áreas do conhecimento) participem de maneira ativa enfatizando e relacionando os diferentes saberes. Essa relação entre áreas distintas promove o desenvolvimento do saber crítico e reflexivo dos alunos, pois precisam compreender determinado tema a partir de relações dialógicas e reflexões. O aprendizado, em sala de aula, relaciona-se a ações proporcionadas pelos professores (metodologia adequada) e a participação do aluno como sujeito reflexivo e participante na construção do conhecimento (LIBÂNEO, 1994).
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Uma proposta de trabalho interdisciplinar ocorre
(...) quando duas ou mais disciplinas relacionam seus conteúdos para aprofundar o conhecimento e levar dinâmica ao ensino. A relação entre os conteúdos interdisciplinares é a base para um ensino mais interessante, onde uma matéria auxilia a outra (PAVIANI, 2005, p. 27).
A atuação interdisciplinar favorece o aprendizado e promove um novo olhar do aluno em
relação ao que está sendo estudado, pois pode observar que as disciplinas não são detentoras de
conteúdos específicos e que a aprendizagem de maneira interdisciplinar é mais significativa
(AUSUBEL, 1980), ou seja, o conhecimento, explorado em aula, apresenta relevância no cotidiano.
Lane e Codo (1993) salientam que a escola tem a função de transmitir o saber a partir do
professor e do material de ensino escolhido o qual deve ser ativo, ou seja, contando com a
participação do aluno, para que se torne estimulante.
Desta forma, o objetivo do presente trabalho foi o de desenvolver o tema qualidade do ar
utilizando conteúdos de CFB (Ciências Físicas e Biológicas) e Matemática de forma diferencial, na
qual os alunos criassem o material a ser apresentado com base nos conteúdos aprendidos no
segundo bimestre letivo ‐ relacionando às disciplinas envolvidas.
Desta forma, o objetivo do presente trabalho foi o de desenvolver o tema qualidade do ar
utilizando conteúdos de CFB (Ciências Físicas e Biológicas) e Matemática de forma diferencial, na
qual os alunos criassem o material a ser apresentado com base nos conteúdos aprendidos no
segundo bimestre letivo ‐ relacionando às disciplinas envolvidas.
METODOLOGIA
A execução do trabalho ocorreu em três momentos distintos: a primeira parte em sala de
aula ‐ onde os alunos receberam as orientações necessárias para a execução dos trabalhos; divisão
dos grupos de trabalho; sorteio dos temas a serem trabalhados e explicação dos conteúdos. Nas
aulas de CFB, o conteúdo trabalhado, em consonância ao PSD (Plano de Sequência Didática) para o
segundo bimestre, foi Ar ‐ composição, características, propriedades, poluição e doenças. Na
disciplina de Matemática, o tema explorado foi Frações‐ número fracionário e fração irredutível,
além da análise de gráficos e tabelas contendo números fracionários. Os temas escolhidos a serem trabalhados: composição do ar, chuva ácida, atividades produtoras de gás metano, problemas ambientais no mundo, focos de produção de gás carbônico, atividades que contribuem para o aquecimento global e aumento da poluição atmosférica.
Em um segundo momento, o programa cmaptools (programa livre) ‐ utilizado para a
confecção de mapas conceituais – foi apresentado aos alunos. A terceira parte do trabalho foi realizada à distância, na qual os alunos, por grupo, reuniram‐se e desenvolveram o material pedido: mapa conceitual, gráfico e tabela com os resultados referentes ao tema sorteado previamente. Os gráficos deveriam ser confeccionados com material alternativo e apresentar formato 3D (três dimensões).
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A terceira parte do trabalho foi realizada à distância, na qual os alunos, por grupo, reuniram‐se e desenvolveram o material pedido: mapa conceitual, gráfico e tabela com os resultados referentes ao tema sorteado previamente. Os gráficos deveriam ser confeccionados com material alternativo e apresentar formato 3D (três dimensões).
Durante o segundo bimestre, os alunos tiveram oportunidades para organizarem o
material,esclarecer dúvidas e receber orientações sobre a melhor forma de organizar a entrega e
apresentação do trabalho que foi avaliado como uma AP (Avaliação Parcial) para as disciplinas de CFB
e Matemática.
O término do trabalho culminou com a apresentação dos grupos. O evento ocorreu no dia 11
de junho de 2015, no Centro de Eventos do Colégio Militar de Santa Maria (CMSM). Na ocasião, pais e
professores foram convidados a conferir a apresentação dos trabalhos (FIGURA 1).
Figura 1: Convite para exposição exposto no site do CMSM.
Trabalhos conduzidos de forma interdisciplinar auxiliam na formação e consolidação de um
aprendizado mais significativo e duradouro, no qual os alunos confrontam e exploram o conteúdo
trabalhado em aula com o cotidiano em que estão inseridos.
A apresentação dos trabalhos mostrou o empenho, motivação e dedicação dos alunos para a
realização das tarefas propostas.
No decorrer do bimestre, observamos a preocupação em relação ao entendimento da tarefa
proposta e a confecção dos trabalhos para que os mesmos ficassem de acordo ao proposto pelos
professores envolvidos.
Os diferentes gráficos e mapas conceituais apresentados mostraram que os alunos
entenderam a proposta e realizaram as tarefas de maneira adequada e de acordo com os conteúdos
aprendidos em CFB e Matemática.
A apresentação, na forma oral, abordou os temas básicos de cada assunto ‐ sendo que os
alunos apresentaram domínio em relação aos conteúdos que foram trabalhados em aula e
explorados na execução dos trabalhos.
Alguns grupos e trabalhos são apresentados abaixo:
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Turma A1: Principais produtores de gás carbônico
Turma A2: Aquecimento Global
Turma A3: Principais produtores de gás metano
Após a apresentação dos trabalhos, os alunos responderam a um questionário em que
opinaram sobre diferentes pontos em relação à execução do trabalho, como temas escolhidos,
orientação, formas de apresentação e uso do cmaptools. Os resultados são apresentados na Tabela 1.
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Tabela 1: Respostas dos alunos do sexto ano participantes do projeto Interdisciplinar de CFB e Matemática
realizado no CMSM em 2015.
Os dados apresentados na Tabela 1 evidenciam que os alunos aprovaram a realização deste
tipo de trabalho, que visa envolver duas disciplinas em torno de um tema comum.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização de projetos de forma interdisciplinar nos leva a refletir em relação à forma como
os alunos aprendem o conteúdo de forma significativa ou não. O modelo tradicional de ensino,
atualmente, em um mundo tecnológico e virtual onde vivemos, não é suficiente, estimulador e
adequado para que o conhecimento seja construído de maneira sólida e duradoura pelo aluno.
Aulas diferenciadas podem ser eficazes, em determinados momentos, pois criamos espaço
para que os alunos sejam sujeitos ativos no processo de aprendizagem e consigam visualizar, a partir
da sua prática, o conhecimento de uma forma diferencial. Aulas interdisciplinares devem apresentar
o objetivo de mostrar ao aluno que o mundo não é dividido em disciplinas, e sim que há relações
entre as diferentes áreas do conhecimento.
Durante a realização do projeto, observamos que os alunos mostraram entusiasmo e
responsabilidade durante a execução e apresentação dos trabalhos.
Assim, acreditamos que a prática interdisciplinar, realizada de maneira programada e
organizada para que o aluno compreenda os objetivos propostos, é uma importante ferramenta
auxiliar no processo para a construção da aprendizagem.
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REFERÊNCIAS
AUSUBEL, D.P. Psicologia educacional. Tradução: Eva Nick. Rio de Janeiro: Editora Interamericana Ltda., 1980.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria de Educação, 2000.
______. Lei 9394/96. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996.
______. Lei 5692/71. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1971.
LANE, S.; CODO, W. Psicologia social: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1993.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
PAVIANI, Jayme. Interdisciplinaridade: conceito e distinções. Caxias do Sul: Educs; Porto Alegre: Pyr, 2005.
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AÇÕES DE EDUCAÇÃO TRANSDISCIPLINAR COMO ESTRATÉGIA PARA A
OPERACIONALIZAÇÃO DO ENSINO EM TURNO INTEGRAL: UMA PROPOSTA
APLICADA ÀS ESCOLAS MILITARES
Alexandra Alves Cantos ‐ Doutora em Ciências e Tecnologia de Sementes
Vaneza De Carli Tibulo ‐ Doutoranda em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde
Cleiton Tibulo ‐ Mestre em Engenharia de Produção
Luciano Moura de Mello ‐ Doutor em Ciências e Tecnologia de Sementes
RESUMO
O turno integral é uma prática atual e necessária. A forma de exploração dessa experiência e possibilidade escolar, no entanto, merece ser discutida a fim de permitir que a escola possa se aproximar, no contexto atual, de sua função primordial. Este artigo pretende apresentar aspectos legais envolvendo a expansão dos turnos de atividade na escola e debater a educação integral. Pretende, ainda, apresentar e debater experiências pedagógicas de sucesso adequando‐as à realidade e potencial das escolas militares. Uma proposta é apresentada no sentido de operacionalizar as atividades de turno integral, dando um efetivo sentido a esse investimento por parte de toda a comunidade escolar e constituindo‐a num universo ilimitado de aprendizado.
ABSTRACT
The full‐time is a current and necessary practice. The way to exploit this experience and school ability, however, deserves to be discussed in order to allow the school can approach in the current context, its primary function of the school. This article aims to present legal aspects involving the expansion of the activity shifts at school and discuss the full education. It also aims to introduce and debate a teaching experience of successfully adapting them to the reality and potential of military schools. A proposal is made in order to operationalize the activities of full‐time in the school, giving an effective sense of this investment by the whole school community and constituting a unlimited universe of possibilities.
INTRODUÇÃO
A educação vem sofrendo diversas alterações em seu modelo constituído, tanto em termos curriculares como na sua aplicação. Nos dias atuais, com a concentração populacional nos grandes centros urbanos, o ensino em turno integral nas escolas pode ser uma estratégia interessante para manter as crianças por mais tempo no ambiente escolar. Isso se deve muito às mudanças culturais em nossa sociedade, especialmente a inserção da mulher no mercado de trabalho, maiores deslocamentos entre a casa e o trabalho, com horários restritos. Assim, existe uma dificuldade dos pais em acompanhar mais diretamente a rotina dos filhos e, principalmente, os cuidados às crianças que passariam um maior período em casa. Nesse sentido, pensa‐se que a escola, em nosso tempo, pode deixar de ser vista somente como uma construtora de conhecimento, mas também como o ambiente certo para maximizar o potencial das crianças, explorando‐o de forma mais dinâmica. Entretanto, a maior permanência da criança e do adolescente na escola, pode acarretar certa confusão entre os papeis da escola e dos pais em relação aos menores; além de que a escola pode assumir responsabilidades extras, como o papel da família de educar. O turno integral é uma realidade e escola e professores não podem ignorá‐la, nem deixar de aproveitá‐la para promover uma educação realmente modificadora. Isso nos obriga a pensar em formas de viabilizá‐lo ou torná‐lo proveitoso tanto para aluno como para professor.
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Estamos diante de um enigma que deve ser desvendado, não apenas pelo professor, mas por toda a comunidade escolar. Nesse contexto surgem algumas perguntas, tais como: qual é a melhor forma de trabalho?
como devemos lidar com essa nova filosofia de escola? o que fazer para não tornar a escola maçante
para os alunos? o que os motiva? qual a melhor forma para alcançarmos um conhecimento pleno e
vinculado com a realidade? Essas perguntas ainda esperam respostas que só virão com a prática e a
socialização de conhecimentos adquiridos entre as escolas.O Plano Nacional de Educação (PNE), em sua primeira e segunda edições, respectivamente
em vigor nos anos de 2001 a 2010 e de 2014 a 2024, fortalece a ideia de que o turno integral constitui
uma estratégia de consolidação da educação efetiva no Brasil, especialmente para famílias de menor
renda. Aqui é importante destacar que o conceito de “educação” admitida para esse trabalho não
constitui apenas da dimensão tecnicista de educação, aquela preparatória para o mundo do
trabalho, mas também da educação cidadã e formadora do ente social crítico e participativo. É, portanto, nítida a necessidade de darmos um rumo realmente significativo ao turno
integral e desenvolvermos metodologias compatíveis com a expectativa dos alunos. Dessa forma,
este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta de trabalho de turno integral por meio de
projetos transdisciplinares que permitirão, realmente, a professores e alunos dividirem a experiência
da educação.
REVISÃO DE LITERATURA
A Constituição Federal (CF), de 1988, em seu Artigo 6º, define que a educação é um direito
social de todo o brasileiro bem como a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, entre outros. Posteriormente, no Artigo 205, a educação é apresentada como um direito
humano que deve ser promovido e incentivado pela sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania, além de sua qualificação para o trabalho. E o
artigo 206, define, ainda, que a gestão do ensino público deve ser democrática e primar pela
qualidade do ensino, existindo de forma integral.
A educação integral definida aqui não deve ser confundida com a educação em turno integral,
como também alerta Galian & Sampaio (2012). O primeiro termo se refere ao atendimento de todas
as condições materiais, ambientais, cognitivas e sociais que permitam o desenvolvimento de todas
as dimensões humanas, preparando o aluno para a vida em sociedade, para o entendimento dos
fenômenos do mundo e para o desempenho de tarefas operativas (SECAD, 2009). Essa é a educação
real, que acontece quando um conjunto de condições físicas e materiais encontra pessoal
capacitado, uma família e uma sociedade participativa e um discente disposto a aprender. A
educação integral, defendida então na Constituição Federal, é um processo que deve dialogar
constantemente com a realidade.
Depois da CF de 1988, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996(LDB), no parágrafo 2º do Art.
34, propõe a progressiva implantação do ensino em tempo integral; a critério dos sistemas de ensino,
para os alunos do ensino fundamental.
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.Assim, a legislação demonstra claramente que a expansão do tempo de permanência na
escola trata‐se de uma diretriz para a educação nacional.
2.1 AS FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO
Sacristán & Goméz (2000) apresentam um conceito de educação que se aproxima do que
acreditamos, o qual pode ser estabelecido por suas funções sociais, basicamente resumidas
pela função de preparar as pessoas para sua incorporação no mundo do trabalho, tornando‐
os indivíduos produtivos (portanto, uma função que nem se inicia nem se encerra no período
escolar) e que se incorporem à vida adulta e pública, tornando‐os cidadãos ativos e críticos.
Para os referidos autores são as seguintes funções da escola que merecem ser destacadas:
Função reprodutora ou socializadora visa garantir a reprodução social e cultural como
requisito para sobrevivência da sociedade. Aqui cabe uma atenção: a de questionar a
reprodução de toda a manifestação social, devendo a escola incentivar aquelas
manifestações que estejam alinhadas com a valorização da cultura de paz, do respeito entre
as pessoas e suas formas de pensar, da cooperação e da tolerância;
Função compensatória visa atenuar, pelo menos em parte, os efeitos da desigualdade e
preparar cada indivíduo para lutar e se defender nas melhores condições possíveis, no
cenário social; e, por fim,
Função educativa ou transformadora busca provocar e facilitar a construção de
conhecimentos, atitudes e formas de conduta, permitindo aos alunos entrar em contato com
as ciências e que lhe seja, sobretudo, oportunizado dar sentido a esse conhecimento.
Como se percebe, na escola, há funções que vão muito além do “conteúdo”, das “grades
curriculares”, sendo esse aspecto que tem prevalecido sobre todos os outros aspectos que
possibilitarão, de fato, partirmos de uma educação superficial para uma educação efetivamente
integral.
2.2 ESCOLA DE TURNO INTEGRAL
Em que momento as crianças parecem perder a iniciativa acerca das questões sobre a
natureza, sobre o seu mundo? Vamos refletir! Em que momento nossas crianças param de
questionar, de refletir e de investigar espontaneamente tudo que os cerca? O início da vida escolar
não parece andar junto com uma “passividade” em relação ao contato com o mundo e o interesse
por desvendá‐lo? Para Vygotsky (1987), o conhecimento pronto estanca o saber e a dúvida provoca a
inteligência.
A escola parece ser o momento no qual se interrompe a curiosidade e a iniciativa de
investigação.
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O ensino “formal”, organizado exclusivamente em disciplinas, impõe limites e restringe o aluno a uma única forma de pensar, dificultando a avaliação de ocorrências do cotidiano, padronizando o seu conhecimento e impedindo que sejam levadas em consideração as individualidades de cada situação. Obviamente que as crianças e adolescentes podem imaginar que já conhecem o suficiente e há outras questões mais importantes na perda dessa curiosidade a respeito do mundo; mas, alimentar essa disposição em aprender parece, justamente, o que a escola, em sua atual conformação, deixa de fazer.
Esse ensino que fuja dos “padrões formais”, da sua forma “tradicional” e especialmente
restrita ao “mundo das disciplinas”, pode ser realizado justamente no turno inverso. Nesse espaço
de tempo, a educação pode e deve ser explorada à condução de pesquisas com temas selecionados
pelos próprios alunos (com ou sem a sugestão de uma lista de temas criados pela escola), em que os
mesmos possam atuar ativamente na investigação científica em áreas de seu interesse, com
acompanhamento e orientação dos seus professores; mas, sem a necessidade de cumprir padrões
previamente estabelecidos por uma grade rígida de assuntos, muito menos restritas a forma de
pensar de uma única disciplina.
Não podemos aceitar a afirmativa de que a escola continuaria exercendo bem sua função se,
simplesmente, utilizasse como prática educativa o fato de ter seus professores a frente das turmas
dizendo aos alunos aquilo que eles devem aprender. Nos dias atuais, em que há um universo de
informação facilmente disponível, os professores não podem desempenhar bem sua função de
ensinar, se não ensinar a pesquisar. Vivemos na era da informação – em que livros e especialmente a
internet com seus múltiplos tipos de conteúdo (textos, imagens, vídeos, animações, aplicativos) são
capazes de nos apresentar uma vasta quantidade de temas de forma extremamente eficiente.
Esse ensino que fuja dos “padrões formais”, da sua forma “tradicional” e especialmente
restrita ao “mundo das disciplinas”, pode ser realizado justamente no turno inverso.
Nesse espaço de tempo, a educação pode e deve ser explorada à condução de pesquisas com
temas selecionados pelos próprios alunos (com ou sem a sugestão de uma lista de temas criados
pela escola), em que os mesmos possam atuar ativamente na investigação científica em áreas de
seu interesse, com acompanhamento e orientação dos seus professores; mas, sem a necessidade de
cumprir padrões previamente estabelecidos por uma grade rígida de assuntos, muito menos
restritas a forma de pensar de uma única disciplina.
Não podemos aceitar a afirmativa de que a escola continuaria exercendo bem sua função se,
simplesmente, utilizasse como prática educativa o fato de ter seus professores a frente das turmas
dizendo aos alunos aquilo que eles devem aprender. Nos dias atuais, em que há um universo de
informação facilmente disponível, os professores não podem desempenhar bem sua função de
ensinar, se não ensinar a pesquisar. Vivemos na era da informação – em que livros e especialmente a
internet com seus múltiplos tipos de conteúdo (textos, imagens, vídeos, animações, aplicativos) são
capazes de nos apresentar uma vasta quantidade de temas de forma extremamente eficiente.
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O professor, como agente detentor de uma parte do conhecimento, tem atualmente outros
papeis mais importantes do que simplesmente ser um transmissor de informação. Hoje, o papel do
professor passa a ser o de promotor de perguntas, de questionamentos sobre o mundo, de incentivar
a curiosidade, de orientar a condução de pesquisas e de instigar a avaliação crítica de dados! Como
elucida Rubem Alves (2004), para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para
ensinar as perguntas. As respostas os permitem andar sobre a terra firme. Mas, somente as
perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido .
Assim, a educação em turno integral aqui defendida não é aquela que deverá extrapolar a
visão conteudista de sala de aula, mas aquela que poderá permitir a transição entre o “mundo do
conteúdo” e o mundo real, no qual se valorizará o uso do conteúdo para a compreensão do mundo, e
de forma que alunos e professores possam experimentar o rompimento das fronteiras entre as
disciplinas.
Esse é uma proposta que pode ser simplesmente animadora, mas também muito
desconfortável. Explicamos: animadora para professores que não temem dizer que não sabem todas
as respostas; animadora para professores que não temem o fato de sentar e de aprender com os
alunos; animadora para professores que possuem compromisso com a partilha do ensino, ou seja,
que estejam dispostos a ensinar, mas também a aprender sobre outras formas de ver as questões do
cotidiano. Pode ser também, como alertamos, uma proposta muito desconfortável para professores,
sobretudo, acostumados com uma prática tradicional e uma visão restrita do mundo; muito
desconfortável para aqueles que julgam‐se tão detentores do conhecimento que não possam crescer
com as trocas reais entre professor‐aluno; muito desconfortável para aqueles professores que não
mantêm uma disposição em aprender sobre outras maneiras de interpretar o mundo; e muito
desconfortável para aqueles que temem em depararem‐se com a necessidade de mudar suas
práticas, exigindo novas formas de (re) significar alguns assuntos.
Uma escola que busca reduzir a distância entre suas práticas e o mundo atual deve ter
presente, nas suas diretrizes escolares, uma educação realmente modificadora do mundo, que gere a
participação social crítica, o rompimento das desigualdades, a cultura da paz, a preservação das
culturas e do meio ambiente, pois o saber que não vem da experiência não é realmente saber
(VIGOTSKY, 1987).
Sobretudo, pretende‐se destacar neste artigo que a educação em turno integral, se não
estiver centrada na proposta de educação integral, aquela que se distancia somente da visão técnica,
“seletivista” da educação, não tem um sentido ou valor efetivo; constituindo tão somente sobrecarga
de trabalho, aumento de custos e reprodução de práticas de subemprego do potencial escolar na
vida social.
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A formatação atual do turno integral merece ser discutida, pois esse trabalho precisa exercer outras
funções do que somente desonerar as famílias dos cuidados às crianças, enquanto os pais podem
exercer suas atividades, pois, assim como acredita Paulo Freire, a alegria não chega apenas no
encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar‐se fora
da procura (...).
2.3 COMO TORNAR CONCRETO O CONCEITO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL SEM ABANDONAR O
“CONTEÚDO”?
Numa resposta curta: precisamos dar sentido ao conteúdo. Se o conteúdo não pode ser útil
numa análise de nosso contexto social e cultural nem pode ser aplicado para a solução de problemas
e o entendimento do mundo, qual o sentido de trabalhá‐lo? A integração entre diferentes formas de
conhecimento pode determinar o que é aplicável ou não, uma vez que o aprendizado efetivo se dá na
“fronteira” entre o meu saber e o saber do colega de outra disciplina. Os conceitos de
interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade já são amplamente conhecidos,
no entanto, usaremos um exemplo mais prático, ilustrado na Figura 1, para facilitar o apontamento
de soluções mais trabalhadas para essa questão.
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Figura 1. Demonstração dos diferentes tipos de integração entre as disciplinas (Adaptado de IAROZINSKI NETO & LEITE, 2010).
Observa‐se assim que o uso do conhecimento capaz de permitir o entendimento efetivo do mundo é aquele que nasce não das disciplinas isoladamente ou mesmo com algum grau de relação, mas do ponto em que as disciplinas em si não são mais importantes, e sim o quanto de realidadepodemos compreender a partir de sua integração.
A educação tradicional, formal e baseada em conteúdos é muitas vezes defendida por sua
importância no caráter preparatório dos discentes para testes, especialmente os vestibulares e
concursos. Em função da permanência desses instrumentos de seleção ainda não pode ser
totalmente abandonada pelas escolas. No entanto, o fato desse processo se distanciar
significativamente da realidade, em um sentido prático, está muito ligado à inabilidade do professor
em instigar a curiosidade dos alunos e motivá‐los na busca do conhecimento.
Mesmo numa educação tradicional, fragmentada pelas disciplinas, um professor habilidoso
pode reverter, em parte, o quadro de desvinculação da educação formal da realidade e aplicação
prática do que é trabalhado em sala de aula. Também é sabido que muitas vezes é difícil para o
professor ligar os conteúdos às práticas cotidianas, sobretudo porque o professor tende a reproduzir
a forma de ensino praticada durante sua formação. Para o professor, navegar em novas experiências
pode significar um grande desafio que pode colocá‐lo em situações nem sempre esperadas ou
planejadas.
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E esse é o real desafio de buscar o conhecimento de forma conjunta, tornando o aluno peça
importante e não somente um “recebedor de informação”. O professor não precisa saber todas as
respostas, mas deve saber o caminho para encontrá‐las, sendo capaz de demonstrar toda a alegria
dessa busca aos seus alunos.
Cordeiro (2001) lembra que uma visão nova de ensino já era defendida na década de 1930,
por Anísio Teixeira. Para esse educador, a escola ideal deveria aproximar a classe de atividades
diversificadas e focadas na significação concreta dos assuntos de sala. Essa ideia foi implantada no
Brasil com maior força na década de 1950 (e posteriormente inspirou os CIEPs, no estado do Rio de
Janeiro). Entretanto, nesses estabelecimentos, o resultado foi em grande parte negativo, pois o
“efeito escola” (definido também por Cavaliere, 2007) não atendeu a essa ideia, empobrecendo‐a
em sua rotina devido à falta de atividades diversificadas e capacitação de seu pessoal, gerando um
efeito contrário ao esperado como já informava Cavaliere em seu trabalho de 2002.
Anísio Teixeira defendia que a escola deveria ter o tempo de permanência dos alunos
ampliado para permitir o nascimento de dois grandes e integrados espaços na escola: a escola‐classe
e a escola‐parque, sendo a primeira o espaço onde o discente tem a oportunidade de realizar seu
desenvolvimento intelectual e das práticas racionais ligadas às diferentes disciplinas (podendo ser
entendido como o espaço da escola tradicional). Em turno inverso, a escola transforma‐se para a
realização de tarefas complementares, que não estão ligadas a conteúdos especificamente, mas a
um projeto no qual o aluno pode realizar a sua qualificação social por meio de prática das oficinas,
das artes, das atividades sócio‐educativas diversificadas, da leitura, do esporte e do acesso à
literatura (CORDEIRO, 2001). Como se observa, um conceito que se aproxima muito da visão de
educação integral já definido na Constituição Federal de 1988.
3. PROPOSTA DO TURNO INTEGRAL NAS ESCOLAS MILITARES
As escolas militares têm tudo o que faltou nas experiências citadas anteriormente: pessoal
qualificado e um “efeito escola” reconhecido em todo o país como um modelo de excelência. O que
precisa ser feito com relação à escola‐classe já existente? Nada! Os resultados de avaliações
escolares nacionais (IDEB ‐ Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, divulgado pelo INEP ‐
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, que justamente homenageia
o pioneiro da ideia de escola aqui defendida) evidenciam que as escolas militares já se encontram em
um padrão de desempenho exemplar considerando os resultados nacionais, conforme verifica‐se na
Tabela 1.
Observa‐se que, de forma indiscutível, as escolas militares situam‐se em patamares bem
acima da realidade dos estados brasileiros, mesmo sobre o estado com melhores resultados a nível
nacional, o estado de São Paulo. A fórmula de cálculo do IDEB combina informações de desempenho
em exames padronizados (Prova Brasil ou Saeb e o ENEM – Exame Nacional de Ensino Médio) ‐
obtido pelos estudantes ao final das etapas de ensino (4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3ª série
do ensino médio) ‐ com informações sobre rendimento escolar (aprovação ou “progressão escolar”).
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Assim, constitui‐se em um índice interessante por permitir o monitoramento diagnóstico do sistema
de ensino do País e ainda o norteamento de ações políticas focalizadas na melhoria do sistema
educacional.
Tabela 1. Índice do IDEB de escolas militares em relação às suas metas projetadas e os resultados de três
estados brasileiros (Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo). Em verde os resultados que situaram‐se
acima das metas projetadas.
A fim de que o turno integral possa estar alinhado com a proposta de escola‐classe/escola‐
parque e, sobretudo, com uma educação efetiva, não imaginamos outra forma mais adequada do
que a exploração na forma de projetos. Mello & Estrela (2015) demonstram que a estratégia é
possível e gera impressionantes resultados. Esses projetos, alerta‐se, precisam ser construídos
democraticamente pela comunidade escolar na qual a autonomia dos professores seja privilegiada e
o contexto local seja valorizado, podendo partir das seguintes diretrizes gerais:
1. SELEÇÃO DO ROTEIRO DE ATIVIDADES:
Professores, representação de alunos e responsáveis formam o núcleo que definirá em quantos dias
por semana se dará o desenvolvimento de atividades complementares. Essa etapa deve ser definida
no âmbito de cada ano escolar e as propostas devem ser discutidas e acordadas por esses elementos.
Sugere‐se que todos os trabalhos em turnos integrais sejam realizados em somente dois dias por
semana, com três horas‐aula por dia; para permitir que o aluno tenha maior intervalo entre as
atividades da manhã e da tarde, desenvolva a capacidade de gerir o próprio tempo nos demais dias e
horários, realizar seus trabalhos, tarefas e brincar.
47
Ideb Observado Metas Projetadas Escola 2005 2007 2009 2011 2013 2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
RIO GRANDE DO SUL 3.8 3.9 4.1 4.1 4.2 3.9 4.0 4.3 4.7 5.1 5.3 5.6 5.8 RIO DE JANEIRO 3.6 3.8 3.8 4.2 4.3 3.6 3.8 4.1 4.5 4.9 5.1 5.4 5.6 SÃO PAULO 4.2 4.3 4.5 4.7 4.7 4.2 4.4 4.6 5.0 5.4 5.6 5.9 6.1 COLÉGIO MILITAR DE SANTA MARIA
6.0 6.5 7.3 6.8 7.3 6.0 6.2 6.4 6.7 6.9 7.1 7.3 7.4
COLÉGIO MILITAR DE MANAUS
- - 6.0 6.2 * - - 6.2 6.4 6.6 6.8 7.0 7.2
COLÉGIO MILITAR DE BELO HORIZONTE
- - - 7.2 7.5 - - - 7.3 7.5 7.6 7.7 7.9
COLÉGIO MILITAR DE BRASILIA
6.1 6.7 - 6.7 6.2 6.1 6.2 6.4 6.7 7.0 7.2 7.3 7.5
COLÉGIO MILITAR DE CAMPO GRANDE
- 6.5 7.1 6.9 6.6 - 6.6 6.7 6.9 7.2 7.3 7.5 7.6
COLÉGIO MILITAR DE CURITIBA
- - 6.9 7.0 6.5 - - 7.0 7.1 7.3 7.5 7.6 7.8
COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA
6.2 6.8 6.9 6.8 6.8 6.3 6.4 6.6 6.9 7.1 7.3 7.5 7.6
COLÉGIO MILITAR DE JUIZ DE FORA
6.8 6.4 - 6.5 7.0 6.8 6.9 7.1 7.3 7.5 7.7 7.8 7.9
COLÉGIO MILITAR DE PORTO ALEGRE
- 6.4 6.2 6.6 6.0 - 6.5 6.6 6.9 7.1 7.3 7.4 7.6
COLÉGIO MILITAR DO RECIFE
- 7.2 6.6 6.6 6.7 - 7.3 7.4 7.6 7.8 7.9 8.0 8.1
COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO
- 6.4 6.4 6.4 6.7 - 6.5 6.6 6.9 7.1 7.2 7.4 7.6
COLÉGIO MILITAR DE SALVADOR
7.0 7.2 7.1 7.2 7.1 7.1 7.2 7.3 7.5 7.7 7.9 8.0 8.1
COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
Sugere‐se ainda que o tempo de realização das pesquisas nesse tipo de projeto seja menor
nas séries iniciais, dedicando‐se de 8 a 12 horas‐aula ao projeto (preferencialmente com 4 horas‐aula
por semana), até 16 a 24 horas‐aula para séries finais dos ensinos fundamental e médio. Nesses dias,
a 1ª e a 2ª hora‐aula, por exemplo, são dedicadas à pesquisa e organização dos trabalhos. Nos demais
tempos, desenvolvem‐se clubes, apoio pedagógico, atividades desportivas extras, oficinas de
música, culinária, corais, etc; se possível, organizando‐se de forma a permitir que cada aluno possa
escolher a atividade que realizará. Importante que seja facilitado ao aluno o acesso à internet e à
bibliografia para a realização de suas pesquisas.
2. DEFINIÇÃO DE UM ELENCO DE PROPOSTAS:
Propostas de interesse dos alunos são levantadas entre estudantes e professores, buscando
privilegiar as mais integradoras (p. ex. olimpíadas, cinema e artes, cultura regional, proteção da
natureza, saúde pública, tecnologia, biomas brasileiros, etc). Sempre que possível todas as propostas
dos alunos devem estar contempladas, formando um tema único e amplo. A seleção de temas que
interessem aos alunos pode ser fator determinante para o sucesso do trabalho.
3. SELEÇÃO DE TEMAS PELA TURMA:
Uma proposta é eleita pela turma para a sistematização do projeto entre um elenco de 4 ou 5
temas, primando‐se pela atualidade e temas relativos à região onde os alunos estão inseridos.
4. INSTRUMENTO E ESTRATÉGIAS DE AVALIAÇÃO:
Professores e alunos juntos definem um roteiro de avaliação dos trabalhos, que será baseado
em um relatório escrito e a apresentação para os demais alunos dos resultados obtidos. Professores
apresentam uma proposta de avaliação e essa é discutida e votada pelos alunos, gerando
transparência e compromisso de todos.
5. SEPARAÇÃO DOS GRUPOS:
Professores dividem os alunos em grupos e cada grupo, por área de interesse dentro daquele
tema geral, iniciam sua pesquisa. Os períodos de aula podem ser divididos por um, dois ou mais
professores daquela série; assim, podem, ao mesmo tempo em que percorrem os grupos orientando
os trabalhos, verificar a aplicação de sua ciência no entendimento do aspecto estudado.
Ilustramos como exemplo o tema geral selecionado CULTURA REGIONAL. Os grupos
poderiam ser divididos em 5 equipes, conforme esquema sugerido abaixo:
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A situação ideal do ensino nasce tanto para professores quanto para alunos, quando o professor sai da frente da sala de aula, sendo cada grupo em sua pesquisa, a verdadeira sala de aula!
6. ETAPAS DE TRABALHO:
Professores e alunos definem um prazo de trabalho e os recursos que serão utilizados, tais como: livros, internet, artigos científicos; orientando sempre o aluno como realizar e sistematizar suas buscas. Para realizar a apresentação de um tema, os alunos podem promover atividades práticas, por exemplo: o grupo que explorou o tema “história” pode realizar uma apresentação artística usando trajes característicos de diferentes períodos históricos, produzir maquetes, montagens, documentários, etc; o grupo que pesquisou “urbanização” pode apresentar parte de seus resultados no idioma inglês ou mostrar formas geométricas encontradas nos espaços urbanos, registros fotográficos, tratar de questões sociais, etc. São inúmeras as possibilidades de integração de saberes nos projetos, independente do tema.
7. AVALIAÇÃO E ENCERRAMENTO:
Ao final do período, os professores constituem equipes de avaliação e assistem com a turma
às apresentações dos grupos. É realizada uma autoavaliação, na qual o aluno poderá medir o próprio
desempenho, cooperação com o grupo e desenvolvimento geral após a realização da pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O turno integral não pode ser considerado pela escola como uma sobrecarga de trabalho,
tampouco pelos alunos como atividades entediantes e desinteressantes que visam somente
completar seus horários escolares, afastando‐os cada vez mais do prazer de estudar e adquirir novos
conhecimentos.
49
O professor de matemática pode ajudar a processar dados históricos?
E o de Ciências, pode sentar com seus alunos e falar sobre urbanização ou que informações científicas estão colocadas na urbanização dos espaços?
O professor de inglês ou espanhol pode contribuir com alunos investigando a participação do ambiente na cultura regional?
O professor de português pode trabalhar a literatura local e auxiliar o aluno a identificar aspectos sociais ou históricos através da literatura?
Se não formos capazes de fazer alguns aspectos (conteúdos) de nossa ciência fazer sentido num tipo de estudos como este, qual a validade destes conteúdos no trabalho em sala de aula? Por que precisamos consumir tempo e investimentos em um tema que não tem vínculo com a realidade?
COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
A estratégia aqui proposta é a de que os turnos integrais sejam desenvolvidos em dois dias
por semana, dedicados, na maior parte do tempo, a projetos trandisciplinares, com temas
selecionados por alunos e professores, organizado em três horas‐aula por dia; garantindo‐se
autonomia total e liberdade de pesquisa tanto para alunos quanto para professores – os quais
deverão assumir o papel de condutores do trabalho, sobretudo orientadores das pesquisas.
A construção de projetos pode melhorar o interesse pelo conhecimento, o desenvolvimento
de um senso crítico com relação à informação e desenvolver a iniciativa, a disciplina e a cooperação,
uma vez que a tarefa será, na prática, demonstrar aos colegas o quanto o grupo conseguiu aprender
sobre um assunto. Isso promoverá, sobretudo, uma espécie de compromisso com o grupo, com a
turma e com a investigação que vai além de “notas”. Para os professores, a estratégia constituirá
numa oportunidade de integrar‐se com outras áreas do conhecimento e (re) descobrir, junto com os
alunos, a alegria de pesquisar. Finalmente, a experiência pode ser a oportunidade da escola fugir do
formalismo do ensino do turno regular, possibilitando a inovação e adoção de novas metodologias
tão discutidas, faladas e citadas no mundo acadêmico, mas atualmente com poucas aplicações
práticas.
REFERÊNCIAS
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ANDRADE, Renato Júdice De; SOARES, José Francisco. O efeito da escola básica brasileira. Estudos em Avaliação Educacional. v. 19, 379‐ 406. n. 41, set./dez. 2008.
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BRASIL. Lei n. Plano Nacional de Educação. Disponível em . Acesso Nº 13.005, de 25 de junho de 2014.em 17 de setembro de 2015.
BRASIL, Lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. de 20 de dezembro de 1996.Disponível em . Acesso em 15 de setembro de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm2015.
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CORDEIRO, Célia Maria Ferreira. Anísio Teixeira, uma "visão" do futuro. Estud. av., São Paulo, v. 15, n. 4 2 , p . 2 4 1 ‐ 2 5 8 , A g o s t o d e 2 0 0 1 . D i s p o n í v e l e m h t t p : / / w w w . s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0 1 0 3 ‐40142001000200012&lng=en&nrm=iso. Acesso em 1º de setembro de 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Editora Paz e Terra, 2014.
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MELLO, Luciano M.; AMORIM, Márcio E de. Projeto (Re) descobrindo o Pampa: uma nova experiência transdisciplinar aplicada aos cursos técnicos integrados binacionais in DINIS, Miguel A. P.; MELLO, Luciano M. (Org). Cursos binacionais: relatos de uma experiência inovadora. Santana do Livramento: Ed. Cia do eBook, 2015. 249 p.
SACRISTÁN, J. Gimeno; GOMÉZ, A. I. Peréz. As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica do conhecimento e da experiência. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: ARTMED, 2000.
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VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1987.
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IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE PRESENTES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE LE
Aline Pegoraro ‐ Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo problematizar questões referentes ao processo de aprendizagem de Língua Estrangeira (LE), buscando compreender fatores que influenciam na resistência para se comunicar oralmente na língua meta. Assim, para a realização desse trabalho, utilizo referenciais teóricos que compreendem as questões de aprendizagem de LE e sua estreita relação com o inconsciente. Concatenadamente, para a realização do mesmo, este trabalho se desenvolveu a partir de aulas de espanhol básico. Com aportes teóricos que abarcam essas questões como Revuz (1998), Nario (2009), e a análise dos dados obtidos no período em que as aulas foram ministradas, entre eles, o diário de reflexão, que pode compreender questões subjacentes à aprendizagem de uma LE, as quais estão além da consciência, compreendida como um espaço em que o sujeito não possui mais influência e que está exclusivamente relacionadas às questões do inconsciente.
RESUMEN
Este trabajo posee como objetivo problematizar cuestiones referentes al proceso de aprendizaje de LE, y la vez la búsqueda por la comprensión de los factores que influyen en la resistencia para hablar en la lengua meta. Así, para la realización de ese trabajo voy a utilizar referenciales teóricos que comprenden las cuestiones del aprendizaje de LE y su estrecha relación con el inconciente. A la vez, para la realización del mismo, ese trabajo se desarrolló a partir de las clases de práctica de español básico. Con aportes teóricos que abarcan estas cuestiones como Revuz (1998), Nario (2009), y el análisis de los datos obtenidos mientras el período que impartía las clases, entre eses, el diario de reflexión, que pude comprender que las cuestiones que están subyacentes al aprendizaje de una LE, están más allá de la conciencia, comprendida como un espacio que el sujeto no posee más inferencia, que están estrechamente sometidas a las cuestiones del inconciente.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo discutir o trabalho em sala de aula com língua estrangeira –
especificamente espanhol nível básico, buscando problematizar as questões que estão subjacentes
à prática oral da língua‐alvo. Para fomentar a discussão, serão abordadas questões referentes à
subjetividade e à identidade para compreender quais fatores podem influenciar o estudante a
resistir a comunicar‐se oralmente na aula de Língua Estrangeira (LE).
As aulas, em geral, objetivavam o desenvolvimento das quatro habilidades necessárias para
o desenvolvimento da comunicação (leitura, escrita, audição e produção oral). Levando em
consideração que a resistência na comunicação implica questionamentos de ordem identitária e
subjetiva, neste trabalho me preocupo em dar maior atenção ao fato de haver resistências ao falar a
língua objeto de estudo, uma vez que a mesma não ocorre em relação à exigência da escrita e da
compreensão auditiva.
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Como instrumento de pesquisa foi utilizado o diário de reflexão, construído a cada aula no intuito de registrar as situações de aprendizagem da LE e suas complexidades. Assim, são apresentados trechos do referido instrumento a fim de analisar os deslocamentos identitários e as subjetividades do aprendiz em relação ao novo idioma.
REFERENCIAL TEÓRICO
A aprendizagem de uma LE apresenta, em um primeiro momento, certo grau de
complexidade, mas as exigências do mundo moderno determinam que algumas questões sejam
estabelecidas. Esse processo exige do estudante práticas que fogem da instância do consciente e que
requerem que o mesmo se ponha como sujeito na língua meta, principalmente para alcançar as
destrezas orais. Uma LE, como objeto de aprendizagem, por mais semelhança que possua com a
Língua Materna (LM), implica em um persistente raciocínio por parte do estudante; memorização de
regras e estruturas gramaticais (cf. REVUZ, 1998).
Para tratar de tais questões é necessário perceber que significado possui para o estudante
aprender uma LE e seus efeitos na constituição da sua subjetividade. Tavares (2005, p. 05) trata dessa
questão de forma a compreender que “o contato com uma língua estrangeira é sempre
problemático, pois mobiliza diferentes dimensões do sujeito que nem sempre se encontram em
harmonia, mesmo na língua materna”. Esse encontro com a língua do outro expõe o aprendiz a um
deslocamento entre a língua e a realidade e uma impossibilidade de buscar o significado literal na
língua do outro para o que quer dizer.
Esse estranhamento proveniente do encontro com outra LE é entendido por Nardi (2009)
como uma forma pela qual o sujeito pode falar de si mesmo e de sua relação com os princípios que os
constituem e, por conseguinte, constituem a sua subjetividade, “é perturbador estar na língua do
outro, é um movimento que mobiliza todas essas relações que se estabelecem pela língua e na língua
e que afetam a estruturação psíquica do sujeito” (NARDI, 2009, p. 184). No momento em que o
sujeito assume a posição de aprendiz de uma LE, ele passará a transitar entre o espaço da LM e da LE,
e estar diante desse trânsito permite mudar seus sentimentos com relação à LM, pois passamos a
construir a significação de maneira diferente.
No processo de ensino‐aprendizagem de uma LE, como já exposto, é necessário considerar a
subjetividade do sujeito, pois há uma “incompletude de sentido”, por tanto “significa dizer que falar
uma língua tem a ver com produzir/compreender sentidos de maneira singular, não se restringindo
somente a decifrar códigos e mensagens” (SALUN, 2006, p. 15). Com isso, o conceito apresentado
pela autora expõe uma ideia da dimensão do trabalho mental que o sujeito nescessita deslocar para
produzir significado em uma LE.
Além de dar ênfase às questões identitárias que influenciam o aprendizado de uma LE, é
necessário destacar que o enfoque primordial neste trabalho é a produção oral dos estudantes, a
utilização da língua meta para a comunicação. Por tanto, é imprescindível expor a definição de
comunicação que está sendo utilizada.
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Para este trabalho, considero importante o desenvolvimento das quatro destrezas e adoção
do enfoque comunicativo com referência “ao movimento pedagógico que orienta sua ação docente
em direção à aprendizagem da língua com fins comunicativos” (PÉREZ, 2009, p. 108).
Na perspectiva da Análise do Discurso de Linha Francesa, o sujeito não possui domínio sobre o
que diz, tudo é uma ilusão, pois somos constituídos pela heterogeneidade. Apoiada no conceito de
“sujeito partido, heterogêneo, constituído por múltiplas vozes”, compreendo a LE como detentora de
novas vozes e conflitos e, além disso, é a responsável por provocar deslocamentos identitários no
sujeito.
O confronto entre LM e LE induz a deslocamentos identitários, pois toda a tentativa de
aprender uma nova língua altera ou, às vezes, muda aquilo que já está em nós em relação aos traços
da primeira língua. Tal fato pode ser explicado se levarmos em consideração que um aprendiz de uma
língua já traz em sua subjetividade uma longa história com sua LM. Orrú (2010), compreende que
(…) para aprender representativamente un nuevo idioma, el aprendiente debe correr riesgos, riesgos de disgustarse, de disgustar la propia lengua, de (...)disgustar la lengua del otro, de disgustar las otras voces que oirá, de disgustar las otras palabras, otras palabras que también vendrán a constituirlo como sujeto, impregnado en su subjetividad (ORRÚ, 2010, p. 4).
Há a necessidade de destacar, nesse contexto, o caráter desestabilizador frente a experiência
de aprender uma LE. Além disso, ao mesmo tempo que provoca uma desorientação, colocando o
sujeito em conflito, é possível verificar que o sujeito é incompleto em sua LM e na LE, pois passa a
questionar em que posição estão essas línguas.
ANÁLISES E DISCUSSÕES
Para a realização da pesquisa, foi construído, ao término das aulas, um diário reflexivo para
repensar sobre as aulas e todas as instâncias do processo pedagógico.
Inicio a análise a partir deste recorte do diário reflexivo em que o objetivo foi refletir sobre a
minha prática na sala de aula e para isso faço referência a uma de minhas primeiras aulas:
“Casi al final de la primera la clase yo les dije (a las alumnas) que después de la mitad del curso haría algún trabajo y que las evaluaría en la oralidad en todas las clases, en las producciones orales de cada una, y haría alguna prueba o trabajo escrito. Me pareció que una prueba o trabajo escrito ellas ya esperaban que iban a hacer, pero cuando mencioné la posibilidad de evaluar la oralidad ellas hicieron una cara horrible, y aún repitieron la pregunta, “na oralidade también?” (trecho del diario de reflexión)
O espanto causado pelo fato de que os estudantes iriam ser avaliados também na oralidade
demonstra que elas não esperavam que essa destreza fosse um dos aspectos a serem trabalhados em
aula. Nesse sentido, faço referência ao que aponta Revuz (1998): aprender uma LE é sujeitar‐se e
constituir‐se sujeito na língua e, neste momento, é possível perceber uma resistência em fazer esse
movimento de alteridade.
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“Quanto melhor se fala uma língua, mais de desenvolve o sentimento de pertencer a outra cultura, a comunidade hospitaleira e mais que isso, sente‐se um sentimento de deslocamento em relação à comunidade de origem” (REVUZ, 1998, p.227). Esse deslocamento fará com que o estudante inconscientemente não queira distanciar‐se de sua cultura, e então já se estabelece a resistência em falar o idioma.
Alguns estudantes buscaram outros recursos para entender o que devem fazer nos exercícios
ou para entender alguma coisa que eu tenha falado. Essa busca de estratégias são compreendidas
como uma forma de fugir da possibilidade de precisar sujeitar‐se a língua do outro e para isso
precisar submeter‐se ao trabalho fonético que se exige de um estudante de LE. Pode‐se observar a
partir do seguinte trecho do diário reflexivo, essa questão:
“Pasado algunas clases las alumnas aun siguieron demostrando resistencia en hablar español, y hablaron todo en portugués, solamente una que me dijo que vivía en la región de la frontera, y cuando me preguntaba se podría contarme algo, le dijera que si fuera en(...)español podría, ahí ella hablaba un poco y después volvía al portugués, ya los otros alumnos preferían no preguntar nada a mí y preguntar a un compañero el significado de lo que querían saber para no necesitar hablar en español, ya que les dije en el primer día de clase que deberían intentar hablar todo en español y las cosas que no sabían podrían preguntarme.” (trecho del diario de reflexión)
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Essa experiência me permite fazer considerações breves e parciais e uma delas é que
inevitavelmente um estudante, quando se coloca em contato com outra língua na situação de sujeito
aprendiz, sempre estará exposto a mudanças, o que marcará indiscutivelmente sua subjetividade.
Nesse sentido, tal experiência faz recordar e revalidar que não existe língua pura e que a hibridização
é o que constitui todas as línguas do mundo.
A identidade estável é uma ilusão que o sujeito tenta manter, por isso buscamos
compreender as questões que envolvem o inconsciente para explicar as situações de resistência
mesmo frente a um discurso motivador. Dessa forma, acredito que há a necessidade de
compreender tais questões identitárias, as quais permeiam as aulas de LE, para que haja
entendimento dos avanços e também dos retrocessos que ocorrem com o estudante quando está no
processo de aprendizagem de uma LE.
REFERÊNCIAS
NARDI, Fabiele Stockmans de. Entre a rejeição e o acolhimento na língua do outro. IN: Revista do Programa de Pós‐Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo ‐ v. 5 ‐ n. 2 ‐ p. 182‐193 ‐ jul./dez. 2009.
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
PERÉZ, Aquilino Sánchez. La enseñanza de idiomas en los cien métodos y enfoques. Madrid:
Gráficas Rógar, 2009.
REVUZ, Christine. A língua estrangeira entre o desejo de um outro lugar e o risco do exílio. In: SIGNORINI, I. (Org.). Língua(gem) e Identidade: elementos de uma discussão no campo aplicado. Campinas: Mercado das Letras; São Paulo:Fapesp, 1998, p. 213‐230. Trad. Silvana Serrani.
SALUM, Ana Claudia Cunha. O processo de inscrição em uma língua estrangeira; da reprodução ao inesperado. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2006. Disponible en http://www.letras.ufg.br/pos/?id_pagina=6138&site_id=25 , acceso en 20\10\2010.
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O ENSINO DA MATEMÁTICA E O DESAFIO DE CRIAR NOVAS METODOLOGIAS
Cleiton Tibulo ‐ Mestre em Engenharia de Produção
Vaneza De Carli Tibulo ‐ Doutouranda em Educação em Ciência: Química da Vida e Saúde
RESUMO
A disciplina de matemática, nas escolas, tem se tornado uma grande preocupação para todos os envolvidos: alunos, pais e professores. Chega‐se ao ponto que se torna necessário a adoção de novas práticas escolares para atingir os alunos de forma mais eficaz e tornar o seu ensino mais prazeroso e agradável. Nesse contexto são apresentados, no presente trabalho, relatos de experiências do uso de atividades lúdicas que vêm auxiliando na aprendizagem da disciplina de matemática no Sistema de Apoio Pedagógico do Colégio Militar de Santa Maria.
Palavras‐chave: Ensino de Matemática, práticas escolares, atividades lúdicas.
ABSTRACT
The mathematical discipline in schools has become a major concern for everyone involved: students, parents and teachers. The adoption of new school practices help them reach students more effectively and make their teaching more effective, enjoyable and pleasant arrived to the point that it is necessary. In this context is presented in this paper reports the use of recreational activities experiences that has been helping in the learning of mathematics discipline in the Pedagogical Support System Military College of Santa Maria
Keywords: Mathematics teaching, school practices, recreational activities
1. INTRODUÇÃO
� A matemática, nos últimos anos, tem se tornado a vilã das disciplinas escolares, tanto para o
ensino médio quanto para o fundamental. Os alunos, em sua grande maioria, têm desenvolvido uma
resistência e, até mesmo um certo temor, à disciplina, deixando os professores perplexos e, muitas
vezes, sem atitude perante o problema.
A grande pergunta que se faz é como chegamos a esse ponto e o que tem causado ou o que
vem causando esse distanciamento entre aluno e disciplina já que a matemática é uma das
disciplinas cuja grande parte dos conteúdos são aplicáveis ou vivenciados em nosso dia a dia. Talvez
essa seja a resposta, a matemática vem se afastando de sua essência, que é a aplicação prática, para
se tornar conteudista; dessa forma, a matéria torna‐se abstrata e os alunos não conseguem visualizar
sua aplicação.� As dificuldades do ensino da matemática culminam numa discussão e análise de estratégias e práticas para o trabalho em sala de aula, que visam a transformar a realidade das dificuldades levantadas; e nos fazem pensar quais seriam as suas origens, quais as dificuldades de sua interpretação.
A matemática tornou‐se o “bicho papão” das escolas e desenvolveu‐se, por parte dos alunos,
um preconceito em relação a disciplina – como uma justificativa para não aprender matemática.
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De acordo com Silva et al. (2013) é necessário que se tire da cabeça das crianças e dos adolescentes
que a matemática é difícil e entediante.
Há um reconhecimento social da grande importância da matemática para o desenvolvimento
de pesquisas, o que influencia direta ou indiretamente quase todas as áreas que abrangem a
sociedade atual. Dessa forma, é notável que medidas e novas práticas escolares devam ser tomadas.
Logo, torna‐se preocupante a grande porcentagem de alunos que possuem aversão à matemática.
Ensinar matemática é desenvolver o raciocínio lógico, estimular o pensamento
independente, a criatividade e a capacidade de resolver problemas. Nós educadores de
matemática devemos procurar alternativas para aumentar a motivação para a
aprendizagem, desenvolver a auto confiança, a organização, a concentração, estimulando a
socialização e aumentando as interações do indivíduo com outras pessoas (OLIVEIRA, 2007.
p.5).
Cabe à escola e ao mundo acadêmico desenvolver técnicas que a tornem mais atrativas e
ligadas à realidade. É dever de todos os professores dessa disciplina, combater o misticismo, quebrar
o rótulo criado. “É desejável buscar conciliar a alegria da brincadeira com a aprendizagem escolar e
podemos salientar a gritante necessidade de implantar uma nova forma do ensino da matemática no
ensino fundamental e médio” (SILVA et al., 2013, P. 26). Para Fonseca et al. (2014) não é tão simples
desenvolver atividades matemáticas que envolvam os alunos; os jogos são estratégias de ensino
preferênciais pelos alunos, por despertarem a competitividade.
Nesse sentido, o presente trabalho tem por finalidade apresentar algumas atividades lúdicas
que vem sendo desenvolvidas e aplicadas no Colégio Militar de Santa Maria (CMSM) e tem tornado
as aulas de matemática mais atrativas. Contudo, o que se pretende é demonstrar que em algumas
oportunidades, pode‐se aplicar atividades diferenciadas, algumas tão simples como a própria
matemática.
2. RELATO DA EXPERIÊNCIA
A grande dificuldade dos professores de matemática em desenvolver atividades
diferenciadas reside na carga horária elevada, na desmotivação dos alunos e dos próprios
professores ou na falta de material na escola. Para Fischer et. al (2006) o que se vê nas escolas são
professores que não conseguem alcançar um resultado satisfatório junto aos alunos e alunos que
não conseguem aprender matemática ou sentem dificuldade em aplicar os conteúdos da disciplina.
Em contrapartida a esse cenário, o que se propõe aqui não depende de grandes gastos financeiros;
exigindo‐se, portanto, um empenho maior por parte do professor em preparar as atividades.
2.1 AULAS NO GINÁSIO DE ESPORTES (QUADRA)
As quadras de esportes oferecem uma gama de figuras geométricas planas expostas que
58
COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
os alunos quase diariamente pisam nelas e não se dão conta ou não associam com os conteúdos
vistos em sala de aula. De acordo com Cunha e Silva (2012), atividades lúdicas tornam o ensino da
matemática mais atrativo, dinâmico e prazeroso, oferecendo ao professor um leque de
possibilidades de demonstrações de conteúdos trabalhados em sala de aula.
Diversas propriedades podem ser trabalhadas nessas figuras como, por exemplo: arcos,
circunferências e cordas, aproveitando‐se do círculo central da quadra de futsal. A figura 1 demonstra
atividade sendo aplicada.
Figura1: ginásio de esportes do CMSM
Os materiais necessários para essa atividade são basicamente cordas ou barbantes, 01 fita
métrica e 01 quadro branco portátil para demonstrações de fórmulas e cálculos. As medidas das
figuras da quadra nos permitem deduzir e aplicar as fórmulas na prática. Os alunos tornam‐se parte
importante do processo e auxiliam nas medições e nas deduções, além de estarem em um ambiente
que os motiva: o ginásio de esportes.
2.2 BINGO MATEMÁTICO
O bingo é uma atividade simples e uma estratégia para resolução de listas de exercícios em
forma de brincadeira. Segundo Cunha e Silva (2012), jogos matemáticos possibilitam estimular a
curiosidade e o interesse do aluno, rompendo as barreiras da rotina e do comodismo. Na figura 2,
pode‐se verificar a aplicação e organização da atividade.
Figura 2: Sala de aula CMSM
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
As listas de exercícios e as cartelas do bingo são preparados previamente de acordo com o conteúdo que está sendo trabalhado em sala de aula. Formam‐se duplas entre os alunos para que haja discussão nas resoluções. Cada dupla recebe 01 lista de exercícios e 01 cartela de respostas, as questões são sorteadas, todos os alunos resolvem e verificam se a resposta está em sua cartela. Vence a dupla que completar a cartela primeiro. A lista de exercícios deve conter no mínimo 45 exercícios e as cartelas 09 respostas cada, escolhidas de modo a não haver cartelas repetidas.
Os materiais necessários são: um globo para bingo, bolinhas numeradas ou pode‐se
improvisar (caso não haja o material correspondente), e folhas A4 para confecção das cartelas e listas
de exercícios.
2.3 ORIENTAÇÃO MATEMÁTICA
A Orientação matemática batizada como “Orienmática” visa associar a prática esportiva à
matemática. A atividade pode abordar diversos co
nteúdos e disciplinas. É desenvolvida em área externa, onde os alunos orientam‐se através de carta
terreno em busca de encontrar o prisma locado no terreno, dentro dele estão as questões de
matemática e português ou demais disciplinas desejadas. A figura 3 ilustra alguns momentos de
aplicação da atividade.
Figura 3: Orientação
Figura 3; Pista de “Orienmática” sendo executada por alunos do CMSM.
A atividade é desenvolvida em grupos, cada equipe dá largada em horários diferentes e na
respectiva saída recebe 01 carta terreno, 01 bússola e 01 folha de resposta. O tempo para execução
da pista é de 54 minutos e, como são 09 pontos, há 18 questões a serem resolvidas ‐ 09 de
matemática e 09 de português. O professor responsável fica com uma ficha que contém a
distribuição dos grupos, o tempo de saída e chegada, número de acertos e total de pontos. Sempre
que possível, a execução da atividade deve contar com pelo menos duas pessoas. O modelo da ficha
de pontuação, folha resposta e carta terreno, encontram‐se em anexo a esse trabalho.
A pontuação final é dividida em duas partes iguais, para o tempo (50%), e número de acertos
(50%). O tempo é o inverso da execução da pista, ou seja, se o grupo executou a pista em 30 minutos,
recebe o que falta para completar os 54 minutos (54–30=24 pontos). Em relação às questões como
haviam 18 cada acerto corresponde a 03 pontos, num total de 54 pelos acertos (18x3=54). Desta
forma, privilegia‐se a parte de orientação/física igualmente com a parte conteudista.
60
COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
A atividade também visa desenvolver o trabalho em equipe, através da tomada de decisões
nas resoluções, controle do tempo, deslocamentos conjuntos. O tempo só para de contar quando
todos os membros da equipe encontram‐se no local de chegada.
Essa atividade pode ser formulada de tal forma que se trabalhe com duas turmas distintas,
como foi o caso do ano de 2015, em que as equipes foram formadas por alunos do 8º e 9º ano. Para
tanto, é necessário se prever questões que abordem conteúdos de ambos os anos e as equipes
devem ser mescladas com alunos das duas séries. Nesse contexto, o trabalho em equipe fica ainda
mais evidente, pois alunos que não convivem no dia a dia precisam efetuar a troca mútua de
conhecimento.
2.4 BARALHO MATEMÁTICO
O baralho matemático tem caráter prático e trabalha com os conteúdos básicos da
matemática (multiplicação, divisão, regra de sinais e outras propriedades). Pode ser aplicado para
todos os alunos do Ensino Fundamental. Para Machado (2011), jogos são instrumentos eficazes na
aprendizagem, favorecem a parte social, cognitiva, afetiva, raciocínio lógico e estimula o
pensamento independente e criativo.
A atividade consiste na construção de um baralho que contenha expressões desejadas pelo
professor, com uma quantia de no mínimo 60 cartas: em uma delas, vai estar a expressão; e na outra,
a resposta. Conforme o exemplo abaixo:
Os alunos desenvolvem a atividade em grupos, sendo que cada grupo recebe um baralho
completo. Para dar início ao jogo, seis cartas são distribuídas aleatoriamente para cada aluno, o
restante fica em um monte no centro da mesa; logo, cada aluno ordenadamente pode pescar uma
carta por vez. No momento em que o aluno juntar a carta da pergunta com a carta da resposta,
formando o par, baixa‐o na mesa. Ganha quem baixar todas as cartas da mão primeiro. E assim pode
ser repetida diversas vezes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades desenvolvidas e demonstradas não visam substituir as práticas tradicionais,
mas desmitificar os conteúdos matemáticos e torná‐los mais atraentes aos alunos que possuem
dificuldades e, assim, poderão receber um estímulo e motivarem‐se com atividades diferenciadas.
61
-36-6x6=
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Os professores de matemática não podem entrar em uma constante inércia e aceitar os
rótulos impostos à disciplina. A matemática é uma das poucas disciplinas das quais seus conteúdos
surgiram da prática e da necessidade do homem. Dessa forma, é preciso manter em seu patamar
inicial de ser essencial para o desenvolvimento e manutenção de novas tecnologias.
As práticas simples muitas vezes são as mais eficazes e não visam transformar o aluno em
matemático, mas que ao menos que ele não sinta aversão à disciplina.
REFERÊNCIAS
CUNHA, J. S; SILVA, J. A. V. A importância de atividades lúdicas no Ensino da Matemática. 1º Encontro
nacional do PIBID – Matemática e III EIEMAT Escola de Inverno de Matemática, Santa Maria, 2012.
FONSECA, F. S.; LIMA, J. D.; MACHADO, O.; DIAS, O. R. K.; PINHEIRO, J.; STAMBERG, C. S. O Ensino da
Matemática trabalhando Através de Oficinas Lúdicas com Atividades Diferenciadas e Jogos. IV
EIEMAT e 2º Encontro Nacional Pibid Matemática, de 06 a 08 agosto 2014.
FISCHER, M.; GOULART. G. K. S. C.; GOULART, C. Ensinando matemática Através de Atividades
Lúdicas. Revista Eletrônica de Educação Matemática do Curso de Pedagogia, v(I), n(2), p. 67‐81,
2006.
MACHADO, A. I. O lúdico na aprendizagem matemática. 2011, 58f. Monografia (Especialização em
Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão) Universidade de Brasília (UNB), Brasília.
OLIVEIRA. S. A. O lúdico como motivação nas aulas de Matemática. Jornal Mundo Jovem, edição
(377), 2007.
SILVA, J. L. S.; EVANGELISTA. J. R.; SANTOS. R. B.; MENDES, P. M. Matemática Lúdica Ensino
Fundamental e Médio. Revista Educação em Foco, n(6), p. 26‐27, 2013.
ANEXOS
A) Distribuições de Equipes “Orienmática”
EQUIPE (Orienmática)
62
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Tempo de saída:
Ĉ�
Tempo de chegada:
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Acertos:
Ċ�
Total de pontos:
�
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EQUIPE (Orienmática)
B) Modelo de Gabarito
Cartão respostas (Pista 1)
Chefe/Equipe: ______________________________________.
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Tempo de saída:
Ĉ�
Tempo de chegada:
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Acertos:
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Total de pontos:
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C) MODELO DE CARTA TERRENO
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©QUESTÕES CULTURAIS EM DOIS ROMANCES NORTE‐AMERICANOS
CULTURAL ASPECTS IN TWO NORTH‐AMERICAN NOVELS
Adriana Macedo Nadal Maciel ‐ Mestre em Letras
RESUMO
A experiência de viver no hífen, o lugar da união (ou da colisão) entre dois mundos, se encontra dramatizada em textos de escritoras que, a partir de suas próprias experiências imigrantes, mostram a difícil travessia de uma cultura para outra e oferecem reflexões sobre a aceitação de suas raízes hispânicas dentro de um contexto que as vê como o Outro. Sandra Cisneros, uma autora chicana, e Julia Alvarez, uma escritora dominicana‐americana, participam desse movimento que começa a atravessar as fronteiras do cânone literário e que, mesmo classificado como literatura de grupos étnicos, começa a encontrar espaço dentro da literatura norte‐americana. Pela natureza abrangente e por incluir áreas de estudo que tratam da relação entre forças opostas, alguns pressupostos dos Estudos Culturais norteiam esse trabalho.
ABSTRACT
The experience of living in the hyphen, the place where two worlds blend (or collide), is dramatized in texts
written by authors who, from their own immigrant experiences, show the difficult journey from one culture to another
and offer insights about accepting their Hispanic roots inside an environment which sees them as the Other. Sandra
Cisneros, a Chicana author, and Julia Alvarez, a Dominican‐American writer, make part of this movement which starts to
verge on the literary canon and which, even though classified as Ethnic Literature, starts to find some room within North‐
American Literature. Because of the wide‐ranging nature and for including areas of study which deal with the
relationship between opposing forces, some presuppositions of the Cultural Studies guide this work.
“I am a Dominican, hyphen, American. As a fiction writer, I find that the most exciting things happen in the realm of that hyphen – the place where the two worlds collide or blend together.”
Julia Alvarez
Os Estados Unidos, país normalmente associado à cultura branca, anglo‐saxã e protestante,
têm hoje, de acordo com os dados do United States Census Bureau, em torno de quarenta milhões de
pessoas de origem hispânica. Grande parte dessa parcela da população é de mexicano‐americanos
ou mesmo de imigrantes mexicanos, mas há aproximadamente outros vinte países da América
Central e do Sul que estão aí representados.
A anexação de parte do México no século XIX, a expansão do domínio estadunidense no
Caribe nos séculos XIX e XX e grandes crises econômicas e também políticas na América Latina pós
Segunda Guerra Mundial são fatores que muito contribuíram para o aumento da população de
hispânicos nos Estados Unidos. Além disso, a ideia do “sonho americano” de prosperidade e sucesso
financeiro continua a enviar imigrantes latinos àquela que está entre as maiores economias do
planeta.Apesar da vitimização social sofrida em função de sua etnia, essa grande e crescente
comunidade, com seus costumes, crenças e valores, têm refletido sobre a sua experiência de viver no
“hífen”, local de união ou de colisão entre dois mundos, através de diversas manifestações artísticas,
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que passaram a ser reconhecidas e valorizadas principalmente a partir dos anos sessenta do século XX. Na esteira do movimento pelos direitos civis dos negros nessa ocasião, o grupo dos mexicano‐americanos, os chamados chicanos, mobilizam‐se para ter voz na sociedade americana. A partir daí, outros grupos, tais como os cubano‐americanos, os imigrantes porto‐riquenhos em Nova Iorque, chamados de nuyoricans, e os imigrantes provenientes de outros países caribenhos, também passam a mostrar, através de sua arte, os traços de sua existênir, de pensar e de se colocar no mundo próprias de um grupo que hoje, mais do que fronteiras geográficas, atravessa fronteiras imaginárias. Sob um rótulo de minoria étnica e na situação de classe dominada, essa travessia de fronteiras inclui, além da luta pela sobrevivência, a luta pelo reconhecimento, pela inclusão social e pela aceitação daquele que pertence à classe dominante. Nesse sentido, recorrer à História e aos Estudos da Cultura se faz necessário como forma de iluminar os diferentes contextos que as obras remetem e como forma de compreender de maneira mais efetiva a construção narrativa desses romances. Sandra Cisneros, uma chicana, e Julia Alvarez, uma dominicana‐americana, autoras cujas obras são o objeto dessa reflexão, ganharam notoriedade por produzirem uma literatura que celebra a etnicidade e que mostra que os hispânicos têm voz. Tanto Cisneros quanto Alvarez mostram em seus textos as dores, os conflitos e também as vitórias de personagens que buscam aceitação e um espaçocia hifenada. A arte dos hispânicos nos Estados Unidos floresce, primeiramente, a partir de uma necessidade interna de desabafo e de uma luta na busca por inclusão em uma sociedade que os privava de dela participar de forma mais efetiva. No campo da literatura, surge, com o Movimento Chicano, uma geração de poetas e romancistas que, por conhecerem de perto a experiência imigrante e por viverem nesse limiar de dois mundos – o hispânico e o americano – dramatizam esse sentimento de viver em um “entre‐lugar”. Nosso interesse em abordar questões relativas às experiências dos latinos nos Estados Unidos surge a partir da análise de narrativas literárias que apontam para um lado da sociedade americana que pouco aparece através da indústria cinematográfica vendida para os outros países. São maneiras de viver, de sent digno na sociedade em que vivem, tendo que enfrentar as barreiras do machismo, do racismo e do preconceito social. Sendo a cultura o ponto de partida para o desenvolvimento da proposição teórica dos Estudos Culturais e por incluir áreas de conhecimento que tratam da relação entre forças opostas, como a de dominador/dominado e pela estreita ligação com os estudos pós‐coloniais, alguns pressupostos dos Estudos Culturais constituem relevante aspecto para a comparação entre as obras The house on Mango Street, de Sandra Cisneros e How the García girls lost their accents, de Julia Alvarez. As práticas sociais dos chicanos e dos dominicano‐americanos, representadas através das personagens da ficção de Cisneros e de Alvarez respectivamente, ilustram, entre outros aspectos, a difícil travessia de uma cultura para outra e oferecem reflexões sobre ser mulher latina e aceitar suas raízes hispânicas dentro de sua existência americana. De acordo com os pressupostos dessa proposição teórica, deve‐se ir além das fronteiras do texto e transcender a crítica literária. Ao se trabalhar com a literatura de grupos étnicos, por exemplo, busca‐se analisar outros elementos envolvidos na produção dos textos, traçando não somente um panorama histórico e sócio‐econômico no qual esses textos estão inseridos, mas também seu contexto ideológico e cultural.
As obras que são objeto desse estudo ainda são classificadas como “literatura de grupos
étnicos” por aqueles que definem o cânone literário. O estabelecimento de programas de estudo de
Literatura Afro‐Americana, Hispano‐Americana (e aqui me refiro aos textos de hispânicos que vivem
nos EUA), Nativo‐Americana e Asiático‐Americana nas universidades daquele país não tem
acontecido sem resistência por parte dos que defendem somente os textos literários da Nova
Inglaterra e dos brancos do sul. De acordo com Rolando Hinojosa (1998, p. xv), essa redefinição da
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Literatura Americana tem acontecido de forma lenta e gradual e a abertura de seu currículo para a
inclusão de textos antes ignorados trouxe uma “vibração que produziu uma quebra em algumas das
velhas ideologias e no velho intramuralismo, além de servir para apresentar outras vozes”. Os
Estudos Culturais, como a teoria que defende não somente a participação democrática dos
indivíduos nos vários setores de uma sociedade, mas também a possibilidade desses indivíduos
criarem e terem acesso às manifestações culturais, são uma forma de crítica literária que vem ao
encontro das pretensões desse trabalho comparativo, ou seja, apresentar dois universos literários
que buscam reconhecimento em um universo maior.
Sabe‐se que o conceito de “cultura”, principal objeto de estudo dos Estudos Culturais, vem se
desenvolvendo ao longo da História e adquirindo novos significados à medida que a humanidade
evolui. Raymond Williams, um dos pais fundadores dos Estudos Culturais, traça um histórico das
modificações semânticas sofridas pelo termo:
Anteriormente significara, primordialmente, “tendência ao crescimento natural” e, depois,
por analogia, um processo de treinamento humano. Mas este último emprego, que
implicava, habitualmente, cultura de alguma coisa, alterou‐se, no século dezenove, no
sentido de cultura como tal, bastante por si mesma. Veio a significar, de começo, “um estado
geral ou disposição de espírito”, em relação estreita com a idéia de perfeição humana.
Depois, passou a corresponder a “estado geral de desenvolvimento intelectual no conjunto
da sociedade”. Mais tarde, correspondeu a “corpo geral das artes”. Mais tarde ainda, ao final
do século, veio a indicar “todo um sistema de vida, no seu aspecto material, intelectual e
espiritual” (WILLIAMS, 1969, p. 18).
Na era da globalização e de grandes migrações, as culturas estão interpenetrando‐se e o que
antes era considerado tradição na cultura de um povo, passa a ter novos elementos. Bhabha (2003, p.
24) postula que os próprios conceitos de culturas nacionais homogêneas, a transmissão consensual
ou contígua de tradições históricas, ou comunidades étnicas “orgânicas” – enquanto base do
comparativismo cultural – estão em profundo processo de redefinição. As grandes movimentações
que vêm ocorrendo no mundo contemporâneo estão modificando as culturas nacionais e tornando‐
as mais heterogêneas. Para Stuart Hall (2003, p. 44), estamos sempre em processo de formação
cultural, sendo quase impossível manter uma cultura totalmente livre da influência de outra. Mesmo
que, muitas vezes, isso seja um processo lento, as culturas dialogam e sofrem adaptações e
modificações, as quais resultam em novos significados. Hall (2000, p. 50) assinala que uma cultura
nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações
quanto a concepção que temos de nós mesmos. Ele acrescenta que as culturas nacionais, ao
produzirem sentidos sobre a nação, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem
identidades.
Como metodologia de análise da obra literária, os Estudos Culturais procuram ir além da
consideração de padrões estéticos e buscam na mesma um papel social de subversão do tradicional e
do canonizado dentro de um contexto histórico. No mundo literário do ocidente, as literaturas
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classificadas como das “etnias” passam hoje por um lento processo de aceitação por parte da Academia. Apesar dessa abertura, seu valor como a representação de momentos históricos, políticos e sociais de uma sociedade marcada por oposições ainda é relativamente desprezado. Frente a isso, para que se entendam as relações entre essas oposições – centro e margem – é necessário entender o papel da cultura dentro da obra literária. No estudo dos fenômenos culturais, muitas narrativas podem ser vistas como registros dos costumes, ideias e valores compartilhados por membros de uma comunidade dentro de um determinado período histórico. Além disso, a utilização da abordagem cultural no estudo da obra literária propõe uma análise das forças sociais, políticas e econômicas no mundo ficcional que têm estreita relação com o mundo real e que, por sua vez, pode servir à reflexão das Ciências Sociais e Humanas. O exame das relações entre diferentes culturas dentro do texto literário revela o que muitas vezes fica escondido sob o véu do discurso hegemônico e colabora para que ideias negativamente pré‐concebidas acerca de uma cultura sejam desfeitas.
Os textos que são objeto do presente estudo problematizam o choque entre culturas
distintas ao mesmo tempo em que denunciam os variados conflitos culturais existentes tanto na
esfera individual como na esfera social. The house on Mango Street e How the García girls lost their
accents trazem personagens que questionam a ideologia de dominação de uma cultura sobre a
outra, apontando, através da ficção, para questões de ordem social. Além disso, ao receberem a
classificação da crítica como literatura de grupos étnicos, o caráter de separação e exclusão existente
em suas mais variadas manifestações e bastante presente no discurso hegemônico, é acentuado.
Percebe‐se que há uma busca, por parte das autoras, de resgatar a História, atualmente
comprometida com a ideologia do mainstream, e tentar ressignificar a noção de cultura dos (e nos)
Estados Unidos. No exame de textos contemporâneos dos chamados “grupos étnicos” é que se tem o
entendimento de que a produção e a exportação da imagem americana para os outros países têm
sido a serviço de um pensamento ideológico ainda atrelado à manutenção da cultura imperialista.
Assim, a produção literária desses Outros tem contribuído para criar um discurso crítico e fazer uma
revisão historiográfica e também etnográfica da cultura estadunidense.
Em The house on Mango Street, Sandra Cisneros oferece uma visão do gueto através do
olhar da menina pobre e inocente que, aos poucos, vai descobrindo sua força interior e seu poder de
decidir sobre o próprio futuro. A narrativa erige‐se a partir do relato das vivências da narradora‐
protagonista, a personagem Esperanza, em um ambiente específico, que é uma rua em um gueto
hispânico de Chicago. Além de narrar suas próprias experiências e as de sua família, Esperanza
descreve também a vida de vários outros moradores da rua Mango, os quais, apesar de serem
personagens secundários,representam o entre-lugar através de suas histórias de diferença cultural.
A menina Esperanza faz um inventário dos problemas vividos por ela e pelos outros
hispânicos que vivem no barrio. Com um ponto de vista que, apesar de infantil é bastante profundo,
ela é uma narradora completamente entregue ao papel de registrar o seu testemunho, sendo uma
depoente, em primeiro lugar, de sua transformação psicológica e em segundo, daquilo que está ao
seu redor, que ela também deseja que se transforme. Não há uma cronologia explícita dos
acontecimentos no romance, sendo cada uma das vinhetas – capítulos curtos ‐ um misto de
passagens da vida da própria narradora, de histórias de outros moradores de sua rua e reflexões
acerca do que conta.
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Percebe‐se, porém, que há uma passagem de tempo que indica um período entre o final de
sua infância e os primeiros anos de sua adolescência: nas primeiras vinhetas, fala‐se em brincadeiras
de criança e em como meninos e meninas vivem em mundos separados; no decorrer do romance, a
narradora e suas amigas descobrem que têm pernas “good to look at” (p. 40) e que têm quadris “that
bloom like roses” (p. 50), evidenciando, assim, que já estão despertando para o fato de estarem
deixando de ser meninas e tornando‐se mulheres. Enquanto há vinhetas em que se percebe a
passagem de um só dia, há outras de caráter mais abrangente, em que a narradora traça um
panorama mais completo da vida da personagem sobre quem está falando. Rosaldo (1991, p. 85)
considera essa obra, especificamente, um short story cycle:
In moving through a world laced with poverty, violence, and danger, Esperanza acts assertive
and playful. She thrives, not just survives, as she virtually dances through her life with grace
and wit.
Através do olhar da protagonista Esperanza Cordero, Cisneros apresenta um mundo marcado
por histórias de esperança de uma vida melhor: a família Cordero espera viver em uma casa em boas
condições; Marin espera um dia casar‐se com o namorado que deixou em Porto Rico; Alicia espera
um dia formar‐se e não precisar mais trabalhar como operária em uma fábrica; e Mamacita não
aprende inglês porque espera um dia voltar a viver em sua casa cor‐de‐rosa no México.
Esperanza representa a esperança de sua comunidade em conquistar reconhecimento e
direito a viver com mais dignidade. Ela também representa a esperança das mulheres da
comunidade chicana, as quais ainda lutam contra um duplo preconceito: o racismo enfrentado na
sociedade e o machismo enfrentado em suas próprias casas. O desejo da protagonista de sair do
barrio e buscar seu lugar no mundo através da escrita é o desejo de contribuir na mudança do destino
de grande parte das mulheres de sua etnia. Enquanto não sai da Mango Street, Esperanza se refugia
na escrita, a qual ainda está amordaçada em função de sua posição subalterna em relação à classe
hegemônica e consegue, gradativamente, exteriorizar e pensar o seu self através de sua vivência e da
sua criatividade. Em seus escritos, Esperanza encontra conforto e torna seus conflitos e os conflitos
daqueles que lhe são próximos mais visíveis. De certa forma, a narradora‐protagonista busca tornar
oficial uma história que até então era marginal, uma história que havia sido silenciada. Ao escrever,
ela subverte esse estado de coisas e registra sua própria história na busca de uma transformação de
significação. Segundo Torres(1997, p. 36), Esperanza aponta, ainda, para a consciência da
responsabilidade social da escrita, para a determinação de permitir que outras vozes falem através
de seu texto. Fazendo o registro de seus sentimentos em relação ao que vive e em relação à vida de
seus pares, ou seja, os outros moradores da rua Mango, Esperanza subverte o status quo e
provavelmente, quando se tornar independente, como fica sugerido pela trama narrativa, e sua
escritura sair do espaço privado e ganhar o espaço público, ela estará resgatando a si própria e a
todos os que ela empresta voz na tentativa de fazer uma rasura na noção de subalternidade. Fica
assinalada, assim, a natureza política da escrita.
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Em How the García girls lost their accents, o outro romance que faz parte dessa reflexão, Julia
Alvarez traz a história de uma família originária da República Dominicana que emigra para os Estados
Unidos nos anos 60, fugindo da ditadura de Rafael Trujillo. As quatro irmãs García – Carla, Sandra,
Yolanda e Sofia – chegam em Nova Iorque e encontram uma vida completamente diferente daquela
existência que deixaram na ilha. A forma com que o fluxo narrativo dessa obra se movimenta – do
presente para o passado – representa o movimento do próprio imigrante, que está sempre olhando
para trás. O romance de Alvarez inicia no ano de 1989, em uma visita de Yolanda, já aos trinta e nove
anos, à sua terra natal. A partir daí, a narrativa volta no tempo, descrevendo a trajetória dessa família,
que luta para inserir‐se nesse novo contexto, mas que ao mesmo tempo, vive presa ao seu antigo
mundo. O romance, narrado ora em terceira pessoa, ora em primeira, é composto por quinze
histórias inter‐relacionadas, as quais, na sua maioria, lidam com o difícil processo de aculturação
sofrido pelos membros da família.
O romance de Alvarez mostra uma história de muitas perdas: a perda do sotaque hispânico
das meninas García é a metáfora para a perda do contato com a República Dominicana e tudo o que o
país representa; é a perda do contato diário com a família e a perda da oportunidade de crescer e
interagir com os mesmos em seu ambiente. Por outro lado, os ganhos também acontecem: há o
ganho de um outro ponto de vista; a experiência de viver e enfrentar o dia‐a‐dia em uma terra
estranha e aprender novas formas de ver o mundo; há uma maior consciência sobre a formação de
sua própria identidade; há o enfrentamento e a superação de barreiras vivenciadas pelas meninas e
há também a assimilação de novas formas de valor e de sentido por todos os membros da família.
Através da família García, testemunham‐se as tensões e as alegrias de pertencer a dois
mundos diferentes, tentando viver em paz com sua história e seu presente. Carlos e Laura García, a
geração mais antiga, tenta, com mais força e intensidade, preservar as atitudes e costumes de seu
país de origem e sugere, sempre que possível, que o contato das filhas com suas lembranças da
República Dominicana seja preservado; as filhas, por sua vez, enfrentando os desafios da convivência
com os americanos mais de perto através das instituições como a escola e a universidade, lutam pela
inserção em uma sociedade ainda hostil com os imigrantes.
Em How the García girls lost their accents, assim como em The house on Mango Street, há
uma personagem que utiliza a escrita como forma de se colocar no mundo. Como a personagem
Esperanza, Yolanda García também encontra conforto em sua escrita e, através dela, liberta-se das
amarras da insegurança e da opressão. Porém, ao chegar à idade adulta e deixar de escrever, Yolanda,
de certa forma, age de acordo com um sistema que ainda não valoriza o posicionamento da mulher
diante das próprias experiências, além de mostrar a difícil inserção em um mundo predominantemente
masculino.
Como Gardiner (1981) argumenta, há na literatura da mulher contemporânea, uma
promessa de que a formação de uma identidade feminina rica, válida e congruente é possível através
de um processo continuado de “give and take that re‐creates both self and other” (p. 361). Para o
teórico, a criação de uma experiência feminina comunicável através da arte é um empreendimento
coletivo e “nós” somos colaboradores críticos. Nas obras que fazem parte desse estudo, tanto
Esperanza quanto Yolanda, ou seja, as personagens que se manifestam através da escrita,
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desejam que sua arte contribua para um novo olhar e uma nova leitura sobre a sua história dentro
dos Estados Unidos e sobre o papel feminino dentro de suas comunidades.
Ao concluir essa reflexão, afirmamos que o cotejo desenvolvido entre The house on Mango
Street, de Sandra Cisneros e How the García girls lost their accents, de Julia Alvarez possibilitou
reconhecer e constatar que o discurso articulado nesses romances é um discurso engajado, uma vez
que ele define socialmente e ideologicamente aqueles que o usam, assim revelando formas de
pensar e de agir que estão profundamente ligadas à história de suas comunidades. A literatura como
prática social e como manifestação cultural e ideológica, através de seus mecanismos discursivos e
através da interlocução com a História, constitui uma forma de iluminar nossa compreensão da
condição humana e promover a discussão pública das questões que dizem respeito à sociedade.
REFERÊNCIAS
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BHABHA, H. O local da cultura. Tradução: Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
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Anísio Teixeira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969.
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
A GÍRIA DA CASERNA DENTRO DE UMA PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA
Fabiano Silveira Machado ‐ Especialização em Letras
RESUMO
Os grupos humanos exteriorizam sua maneira de ser e sua visão de mundo por meio de sua linguagem e de sua
cultura. Utilizando a gíria como um signo de grupo, este trabalho objetiva descrever a fala de militares. Primeiramente foi
feita uma pesquisa bibliográfica (Dino Preti, Mônica Rector, Fernando Tarallo, Marcos Bagno e outros) e, a seguir, foram
levantados alguns dados linguísticos em nível lexical, analisados sob a perspectiva dos princípios da sociolinguística e da
dialetologia. As Organizações Militares representam um meio coeso e com características comuns, o que contribui muito
para o surgimento da gíria usada nesse ambiente, refletindo um pouco as características da classe. As línguas possuem
formas variáveis porque as sociedades são divididas em classes ou grupos, havendo uma recíproca influência, onde a
estrutura social condiciona a linguagem e esta, por sua vez, revela aquela. Da mesma forma esses fatos se dão entre as
gerações mais novas e os mais velhos, entre os que habitam numa região geográfica ou noutra, os que têm esta ou aquela
profissão e até nas situações microconversacionais.
Palavras‐chave: Gíria, linguística, organizações militares.
ABSTRACT
Human groups express their ways of being and their visions of the world through their cultures and languages. This paper presents an evaluation of military jargon, analyzing it as a group sign. The work was conducted in two phases: first a bibliographic research was carried on (by Dino Preti, Mônica Rector, Fernando Tarallo, Marcos Bagno and others), then, liguistic data were collected on a lexical level. Following, the data were analyzed under the perspective of sociolinguistics and dialectology principles. Military Units represent a cohesive group, with very specific particular traits. These two factors strongly contribute to the occurrence of jargon which is used in the military environment, thus reflecting the characteristics of this stratum. Languages present different forms, since societies are divided in strata or groups which exert reciprocal influence onto each other. Whereas social structures condition language, language, by its turn, reveals social structures. The same happens with younger and older generations, with inhabitants of one geographical site and a distant site, with people of a certain profession, as well as in micro‐conversational situations.
Keywords: jargon, linguistics, military units.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é verificar a presença da gíria nos quartéis e sua influencia no meio
civil onde vivem esses profissionais, descaracterizando‐se como uma gíria de grupo, sendo esse tipo
de vocabulário abordado numa perspectiva sociolinguística.
A gíria é considerada como um conjunto de unidades linguísticas (itens lexicais simples ou
complexos, frases, interjeições...) que caracterizam um determinado grupo, ela nem sempre
mereceu um estudo específico, visto que faz parte, predominantemente, da modalidade oral da
língua e num registro informal. Como, por tradição, valorizou‐se sempre o estudo da língua escrita
padrão, não havendo lugar para esse tipo de vocabulário. Isso é o que se pode ver, consultando
gramáticas da língua portuguesa de diversas épocas.
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
O papel da língua é fundamental nas relações humanas. Essa importância é acentuada, se
considera que qualquer sociedade depende da língua para divulgar seus interesses e para construir
um sistema literário e cultural, para desenvolver tecnologias, enfim, para perpetuar‐se.
Ao associar‐se língua e sociedade, podemos recorrer à área de estudos denominada
Sociolinguística, que trata da relação entre as variações da estrutura social e as variações da
estrutura linguística, para observar‐se como a gíria é abordada: é o termo genérico usado para
designar o fenômeno sociolinguístico no qual grupos sociais formam um vocábulo próprio que
posteriormente pode vazar dos limites desse conglomerado de pessoas. Muito comumente ela é
confundida com o jargão, porém aquela abrange este, que é o vocabulário técnico de uma profissão,
da mesma forma a gíria abrange o calão, que é a expressão linguística grosseira ou obscena.
Com a introdução dos estudos linguísticos no Brasil, a gíria passou a ser analisada, a partir de
1970, em uma perspectiva descritiva e não normativamente como faziam os poucos gramáticos que
se dispunham a tratá‐la.
Os estudos sociolinguísticos detectam que a maior aceitação da gíria e a “permissão”
concedida a todos os falantes a fazerem uso dela, provêm do dinamismo por que passa a sociedade
moderna, da velocidade das mudanças e do abandono das tradições.
A gíria, como era relacionada a classes pouco cultas e a grupos marginalizados, sempre foi
cercada por preconceito linguístico, decorrente de um problema mais amplo, o preconceito social
(BAGNO, 1997), advindo do pouco prestígio social que gozam os supostos falantes de gíria (jovens,
marginais, pessoas iletradas, entre outros). É verdade que o vocábulo gírio surge dentro de um grupo
social restrito antes de vulgarizar‐se na linguagem falada por toda a comunidade, mas esta
comunidade cada vez mais fala gíria, em todos os seus níveis sociais, etários, econômicos e culturais.
Para PRETI (1974), o vocabulário gírio está dividido em duas grandes categorias: a gíria de
grupo e a comum. A primeira categoria é específica de grupos determinados e na maioria dos casos
só é acessível aos iniciados naquele grupo. Já a gíria comum faz parte da linguagem usada por todas
as comunidades linguísticas. Ela surge como um signo de grupo, mas ao incorporar‐se à linguagem
corrente perde seu caráter restrito e torna‐se uma gíria comum, utilizada por todos os falantes da
língua popular social. O próximo passo neste processo é a migração do registro informal para o
formal, como o usado pelos meios de comunicação.
Como a língua reflete as transformações sociais de uma comunidade e a parte da língua mais
sensível a esse dinamismo é o léxico, o fato de uma grande quantidade de gírias de grupo migrarem
para a linguagem comum reflete uma certa flexibilização dos costumes sociais, e uma maior
integração entre os que a utilizam.
Segundo RECTOR (1994), uma das características da gíria é a tonalidade afetiva devido à
predominância dos sentimentos, constituindo‐se em uma “válvula de descarga” emotiva do falante.
Por essa razão, o recurso expressivo é amplamente utilizado.
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PERSPECTIVA SOCIOLINGUÍSTICA
A linguagem é a essência da sociedade, sendo inimaginável pensar em um sujeito social sem a
linguagem, pois é um elo entre o homem e a sociedade, e porque não dizer, entre o homem e ele
mesmo. A vida social, em todas as suas dimensões, possui práticas de linguagens diferentes e
privilegia algumas em detrimento de outras, gerando, dessa forma, valores e atitudes. Alguns grupos
minoritários, fechados, que fazem parte da sociedade, também, produzem diferentes tipos de falas.
Afinal, o conceito de sociedade envolve tanto o que é socialmente aceito, como aquilo que é
bloqueado. A linguística, portanto, como ciência humana, focaliza a linguagem em sua totalidade,
não se condicionando ao que é ou não aceito socialmente. As relações entre a sociedade e a língua
são interdependentes, levando‐nos a observar como as comunidades falantes articulam
linguisticamente sua realidade, levando em conta sua cultura, condição social e a forma de ver o
mundo. Logo, observar a linguagem dos indivíduos que compõem a sociedade nos possibilita
perceber que há diferentes formas de linguagem. Trata‐se de diferenças presentes nos grupos
fechados, profissões e até as diferenças de estilo de um indivíduo para outro.
A língua é um elemento de interação entre o indivíduo e a sociedade, um elemento cultural
revelador da visão de mundo de cada comunidade. PRETI (1977, p.2) comenta que, através da língua,
a realidade se transforma em signos, pela associação de significantes sonoros a significados
arbitrários. Logo, realidades diferentes vividas por grupos sociais diferentes originarão formas
diversas de manifestações linguísticas. A liberdade de uso da linguagem, porém, é circunscrita,
devido ao fato de ser a língua um fenômeno social. O condicionamento da fala e da estrutura da
língua impõe ao indivíduo um mecanismo de automação no exercício da linguagem. Além do mais, a
língua é uma instituição herdada, em que o indivíduo não cria o sistema convencional de
comunicação que recebeu de herança e adotou, inconscientemente, num grupo fechado.
A linguagem criada nas Organizações Militares é dinâmica, pitoresca e metafórica em sua
essência, trazendo, muitas vezes, à tona o comportamento social dos indivíduos que compõem esse
ambiente, através das formas estranhas, pejorativas e, até mesmo, simples. Por meio desse
vocabulário, os militares expressam seus pensamentos, sentimentos, desejos e até mesmo
frustrações, além de influenciar e serem influenciados, como se observa, por exemplo, nos militares
novos que entram todo o ano e convivem diretamente com os usuários dessa linguagem e que,
gradativamente, começam a utiliza‐la, a ponto de extrapolarem os aquartelamentos, usando esse
vocabulário no seu dia a dia familiar e social. A gíria não é uma linguagem independente, mas uma
forma parasitária da língua, da qual utiliza a fonética, a morfologia, a sintaxe e o léxico, ou seja, os
processos de criação da gíria são os mesmos da língua comum.
Uma das características inerentes ao vocabulário gírio é a tematização em torno dos militares
confirma as tendências temáticas que preponderam nesse vocabulário, através da alta frequência no
uso de expressões que giram em torno do sexo, violência e outros; isso ocorre porque a vida dessas
pessoas está ligada a esses temas. Então temos como objetivo observar a difusão da gíria no
ambiente militar, cuja utilização pode ser observada na vida diária de seus componentes.
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
Pretende‐se demonstrar que a gíria militar é utilizada como meio de comunicação e desmistificar as
conotações de linguagem baixa, má linguagem ou linguagem de malandro, atribuídas a essa variação
linguística.
Por meio da análise do discurso, seria possível entender o contexto ideológico, em que os
termos de gíria dos militares são utilizados. Sem dúvida revelaria atitudes e uma visão de mundo,
especialmente quando do uso de vocábulos expressivos, agressivos, principalmente os termos
obscenos, os irônicos e os preconceituosos. Revelaria também características de personalidade
como o machismo, a crítica, a irreverência e o sarcasmo.
As Forças Armadas (a Marinha, o Exército e a Aeronáutica) são grupos sociais organizados e
constituem o Ministério da Defesa do Brasil, os quais cumprem seu papel de órgãos a serviço do
governo instituído. Esses funcionam à base da hierarquia e da disciplina.
Os militares, são a representação desse poder exercido, tanto interna quanto externamente.
Fora dos quartéis, os funcionários fardados atuam somente quando chamados. Mas é no interior da
caserna, no trabalho diário, quase anônimo, que as relações de poder e de subordinação se
estabelecem.
Inseridos na comunidade e provenientes das diversas classes sociais, os militares
representam, de certa forma, o povo brasileiro: sua raça, sua cultura, seus anseios, seus medos e
desejos. Mas o que os diferencia de outros grupos sociais é a presença de uma forte coesão. É dentro
desse grupo que suas diferenças em relação aos demais vão se acentuar: a farda, os regulamentos, a
continência, o uso de armamento, a ordem unida, o cumprimento da missão a qualquer custo,
mesmo em situação de perigo, e principalmente, a hierarquia e a disciplina encontram‐se como
pilares básicos das forças armadas.
Ao ingressar na vida militar, o cidadão adquire novos hábitos, até agora desconhecidos para
ele, pois recebe uma formação específica, composta, basicamente, de uma rotina de procedimentos
e atividades, calcados em regras e normas da instituição. Para ser aceito pelo grupo, ele deve seguir
todos os preceitos ensinados e respeitá‐los.
Por ser uma categoria profissional composta, na grande maioria, de homens, os militares
representam o reflexo da sociedade que, por heranças culturais, ainda é muito machista. A força
física, o uso do “braço armado” e do “braço forte” funcionam como uma espécie de estereótipo do
homem como símbolo de virilidade, como defensor do fraco e do oprimido, o que constitui sua
realização pessoal.
Isso também é observado em suas atitudes linguísticas, em especial, no uso de gírias. A
caserna, a vida militar, bem como sua expressão, passam a ser demonstradas por meio de uma
linguagem mais despojada, às vezes chula, obscena, em suas várias manifestações.
Então podemos definir que a língua é o sistema, já a fala é o processo, a mensagem como tal.
Mas a linguagem é sempre socializada; é uma consciência coletiva, não existe como propriedade
privada. Assim sendo, a fala, mesmo sendo a manifestação individual, sempre vem a ser a de um
grupo, de uma comunidade, mesmo que restrita, demonstrando suas características próprias.
Então, a gíria militar não é um dialeto, mas um falar ou um linguajar. É um conjunto de meios
expressivos empregados por um grupo no interior de um domínio linguístico.
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
A gíria é a linguagem popular no seu cunho mais expressivo. É também a linguagem nova, na sua fase
menos elaborada.
A sociolinguística esclarece que há diversos níveis de variação, que vão do individual ao
coletivo e essas mudanças podem ser internas, nos níveis semântico, sintático, morfológico, fonético
e lexical. Este último muito nos interessa, pois, no domínio do léxico, os valores semânticos
“normais” são decorrentes de sua frequência. Em contrapartida, os neologismos, seja de forma ou
de significado, quando são introduzidos no uso, geralmente causam impacto, devido à novidade. À
proporção que eles vão se tornando habituais, são incorporados à norma léxica da língua. Os
registros linguísticos envolvem vários fatores extralinguísticos entre eles o contexto e a situação, o
tema do discurso e, até mesmo, os interlocutores. Mas acima de tudo, as atitudes sociais em relação
à língua podem condicionar a linguagem, pois o prestígio social da classe alta junto às desfavorecidas
será decisivo no comportamento linguístico do falante. A cultura e a tradição social são responsáveis
pela manutenção de padrões linguísticos aceitos pela sociedade. Alguns modelos são prestigiados,
em particular os literários, em detrimento de outros. PRETI (1977, p.8) destaca o meio como fator
extralinguístico na criação de um tipo especial de expressão, pois compreenderia as condições de
vida preexistentes no indivíduo e as formas habituais de atividade e pensamento, ou seja, as
profissões e outras formas de atividade, incluindo, também, a ociosidade que, frequentemente, leva
à aproximação dos indivíduos. Determinados grupos restritos, visando a satisfazer suas
necessidades filosóficas e vivenciais, elaboram seu próprio meio de comunicação, devido ao
desprezo pela sociedade e, até mesmo, pela linguagem que ela utiliza. O resultado disso tanto pode
ser de indiferença, quanto de rebeldia, e vai se refletir nas linguagens especiais. Em suma, a dinâmica
social da língua pode compreender a relação entre os falantes e os diversos tipos de norma (culta,
vulgar, coloquial, comum, etc.) A linguagem popular (ou norma comum/linguagem comum) é
extremamente dinâmica, o que dificulta estabelecer diferenças entre as variedades que coexistem
nela, pois não há limites nítidos entre a linguagem comum, coloquial e vulgar. PRETI (1977, p.35) faz
essa separação, comentando que a norma vulgar, utilizada pelos falantes sem instrução e marginais,
é composta por vocabulários gírios diversos, linguagem pejorativa e estruturas em desacordo com a
norma culta da língua. Por ser uma forma simplificadora da língua, a analogia terá um papel
preponderante, não raro sendo apreendida por pessoas da mesma condição. Esse autor, no entanto,
reconhece que os limites não são fixos, sendo, muitas vezes, difícil precisar o tipo de linguagem. Isso
se deve à amplitude do idioleto do falante, que pode mudar sua fala de acordo com suas
necessidades de comunicação e expressão, embora haja a predominância de um determinado nível
nos atos de fala.
Então podemos afirmar que o indivíduo gasta uma grande parte do seu tempo com a
comunicação por meio da palavra, seja escrita, ou verbal. Desse modo, a língua; veículo e produto da
cultura passa a ser o instrumento de que ele dispõe para viabilizar essa interação comunicativa. É por
essa razão que, "entendida como manifestação da vida em sociedade, o estudo da língua pode ligar‐
se à sociologia, abrindo‐se, a partir daí, campos novos de pesquisa, em especial, o da
sociolinguística" (PRETI, 1997, p.12).
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
A linguagem especial empregada pelos militares muitas vezes pode não ser entendida por
elementos estranhos ao convívio; onde surge um vocabulário que apresenta evolução rápida, pois
quando a linguagem se difunde, ela perde seu caráter criptológico, por isso os termos são
substituídos por lexias novas, ou com modificações semânticas, isto é, os mesmos termos, mas com
acepções diversas; uma linguagem profissional (médicos, militares, desportistas, etc.), mas também
uma linguagem de ofícios (marceneiro, etc.); uma linguagem própria de certos grupos sociais
(toxicômanos, estudantes, presidiários, etc.); um conjunto de termos de diversas origens, os quais se
misturam na conversação familiar de todas as classes sociais, com objetivos expressivos, irônicos e
humorísticos.
Na Europa, de certo modo, Saussure já havia considerado o lado social das línguas, o que o
diferenciou dos demais contemporâneos estruturalistas, para os quais a língua era uniforme, sem a
dimensão social. Porém, ele e alguns linguistas de sua época, que tiveram a atenção despertada para
as relações entre língua e sociedade, não desenvolveram uma técnica que sistematizasse esse tipo
de estudo. Assim, a sociolinguística foi institucionalizada como a ciência social da linguagem, com
método próprio para tratar desse aspecto humano e social das línguas.
Conforme ELIA (1987), seu objeto de investigação é, principalmente, a diversidade
linguística, condicionada por fatores extralinguísticos: geográficos, históricos, econômicos, políticos,
sociológicos, estéticos. Na verdade, a sociolinguística não é nenhuma revolução nos estudos
linguísticos. É tão somente um preenchimento do vazio deixado pela linguística histórica, pelo
imanentismo estruturalista e pelo gerativismo, levando a linguística a estudar cientificamente a
linguagem em seu contexto social.
Para CAMARA JR. (1989) a gíria é uma linguagem fundamentada num vocabulário parasita,
empregado pelos membros de um grupo ou categoria social com a preocupação de se distinguirem
da massa dos sujeitos falantes. Nos grandes centros urbanos há a tendência a desenvolver‐se, em
contraste com a língua comum, a gíria. Caracteriza‐se por uma atitude estilística de desrespeito
intencional à norma regente, é uma revolta e, como se trata da expressão pessoal, é efêmera e
inconstante. A gíria é a língua técnica usada pelos indivíduos quando postos em circunstâncias especiais. Estas podem ser o grupo social ou profissional a que pertence o falante ou diversas situações da vida cotidiana. EXEMPLOS DE GÍRIAS MILITARES
Podemos observar alguns exemplos das gírias utilizadas pelos militares no dia a dia da
caserna. Para cada exemplo vamos colocar em a) o significado no plano denotativo, valendo‐nos dos
dicionários dos autores Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (Aur) e Michaelis (Mic), e em b) o
significado no plano conotativo, isto é, o valor linguístico atribuído pela classe de funcionários
militares que fazem parte da presente pesquisa:
Aloprado
a) adoidado; muito inquieto (Mic);
b) o militar que está louco, zangado, bravo. Ex: O soldado José está aloprado hoje!
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COLLOQUÍUM - REVISTA CIENTÍFICA DO CMSM - v7 - N.7 - 2015
Amarelão
a) amarelar e desistir por medo de enfrentar situação perigosa e/ou difícil; acovardar‐se
(Aur);
b) o militar que tem medo. Ex: O tenente Pedro amarelou quando estava de serviço.
Antigão
a) que já está em exercício (de cargo, função, profissão etc.) (Aur);
b) aquele militar que ainda está em atividade profissional e que possui mais tempo de serviço
do que os outros, sendo ele mais esperto, sabido e experiente com as coisas da caserna. Ex: O
Sargento João sabe muito, ele é o antigão da Companhia.
Atleta
a) pessoa que se exercitava na luta, para combater nos jogos solenes, na Grécia e em Roma.
Pessoa que pratica esportes atléticos. Homem de sólida compleição (Mic);
b) é o militar que consegue 'saltar' a escala de serviço, comparado com a atividade atlética de
saltar obstáculos. Ex: O soldado Gotardo é um atleta, nunca conseguem colocá‐lo de serviço.
Azar Militar
a) azar significa falta de sorte, dar o maior azar (Mic);
b) lance adverso, má sorte, desgraça, problema, quando alguém é prejudicado. É uma
expressão muito usada quando um militar é escalado aleatoriamente para alguma missão (ruim),
enquanto os demais são liberados, principalmente em finais de semana e feriados. Ex: Vou escalar
dois soldados para o final de semana fazer faxina, azar militar de quem for escalado.
Babão
a) pessoa pegajosa, bajuladora, carinhosa (Mic);
b) é um militar que bajula o chefe. Ex: O cabo Olívio é um baita babão do comandante. Com o
mesmo significado podemos encontrar a expressão baba ovo.
Beiçudo
a) o que tem beiços grossos e grandes (Mic);
b) militar da Arma de Cavalaria; tem significado metafórico por causa da aproximação do
militar da cavalaria com o cavalo. Ex: Lá vem aquele beiçudo pegar seu cavalo.
Bichado
a) cheio de bichos (Aur);
b) esta definição é dada aos militares que se encontram doentes ou feridos, não podendo
cumprir qualquer tipo de missão ou trabalho dentro do quartel. Ex: O soldado Mário está bichado
novamente?
Bisonho
a) inexperiente; pouco adestrado em qualquer arte, ofício (Mic);
b) é utilizado para os soldados inexperientes, novatos ou recrutas, que estão aprendendo os
ensinamentos do quartel e cometem erros nos procedimentos padrões. Ex: O soldado recruta é um
bisonho completo.
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Bobina
a) pequeno cilindro com rebordos, no qual se enrolam materiais flexíveis (fios, fitas, filmes)
(Mic);
b) é aplicado, esse termo, a uma pessoa atrapalhada que não consegue se desenrolar para
cumprir a missão. Ex: O tenente Paulo é uma bobina, não faz nada certo.
Bombeiro
a) trabalha com bombas de incêndios. Encanador (Mic) e pertence a uma instituição de
assistência pública (Aur);
b) é a designação de aluno do Colégio Militar, devido ao seu uniforme ser na cor cáqui e a
boina vermelha, que fazem lembrar o fardamento dos integrantes do corpo de bombeiros. Ex: Você
já foi bombeiro do Colégio Militar de Santa Maria.
Brocado
a) estofo entremeado de fios de ouro ou de prata, com formas em relevo (Mic);
b) o militar que está com fome. Ex: Estou brocado, e a hora do almoço não chega!
Bucha de canhão
a) porção de estopa ou papel que se metia no cano das armas de fogo, para sustentar e
comprimir a carga. Rodela de couro, borracha, plástico ou fibra usada na obturação do conduto de
torneiras e registros (Mic);
b) o apelido do militar da Arma de Artilharia, devido ao fato de ser considerado pelos seus
companheiros uma pessoa exigente e que incomoda os outros militares; também pode ser
considerada a pessoa que não faz nada certo e só serve para missões ruins. Ex: Você só serve para
bucha de canhão.
Caçador de gaivotas
a) Caçador é o indivíduo que caça, por hábito ou profissão. Piloto ou tripulante de avião de
caça. Soldado de infantaria (Mic);
b) A expressão significa o mesmo que “caçador de nota”. É aquele militar muito estudioso,
que não se contenta com a nota que tirou, procurando sempre aumentá‐la. Isso porque na correção
da prova é colocado em cada questão correta ou errada um desenho parecido com uma gaivota (۷). O
que vai diferenciar cada uma é a cor (gaivota azul para a questão certa e gaivota vermelha para a
questão errada). Ex: Ele é um grande caçador de gaivotas nas provas.
Carne de Monstro
a) Carne é o tecido muscular do homem e dos animais. Parte vermelha dos músculos. Tecido
muscular dos animais terrestres, que serve para a alimentação do homem. (Mic);
b) A expressão representa a carne dura e cozida servida nas refeições, uma carne de má
qualidade, devido ao fato de sua aparência e sabor serem, em geral, muito ruins, uma carne de
segunda ou terceira categoria. Ex: Não aguento mais carne de monstro todo o dia.
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Cavalo
a) animal ungulado doméstico, com um só dedo por pata, servindo de montaria, na tração de
carruagens e nos trabalhos agrícolas. Ramo ou tronco, sobre que se faz o enxerto. Peça de jogo de
xadrez. Pessoa rude, de modos abrutalhados (Mic);
b) é o militar que vence em todas as competições desportivas do quartel, principalmente nas
corridas. Ex: O soldado Júlio corre como um cavalo.
Cobertura
a) ação de cobrir. Aquilo que cobre ou serve para cobrir. Com provisão de fundos para garantir
uma operação mercantil ou financeira (Mic);
b) tal denominação é dada às peças do vestuário dos militares como o gorro e a boina, ambas
utilizadas na cabeça. Ex: Soldado, sua cobertura está torta, arrume!
Dar uma ordem unida
a) formação normal de marcha, de reunião ou parada dos soldados dessa tropa (Mic);
b) dar uma ordem unida tem como significado arrumar a seção, organizar o que está
desarrumado. Ex: Vamos dar uma ordem unida nessa seção.
Denorex
a) uma marca de desodorante, que era anunciado pela mídia com o seguinte slogan: “parece
remédio, tem cheiro de remédio, mas não é remédio”.
b) tal denominação passou a designar o militar temporário (que não é de carreira). Ex: O
sargento Júlio não tem direito à promoção. Ele é denorex.
Dormir na hora
a) pegar no sono. Estar entregue ao sono. Desleixar‐se, esquecer‐se, ficar inerte (Mic);
b) quando um militar está de serviço de sentinela e dorme durante o período de vigia. O
soldado encontra‐se desatento no seu posto de vigilância, tendo ele a missão de cuidar para que
nada seja roubado ou invadido. Ex: O soldado Osvaldo dormiu na hora esta noite, enquanto estava de
guarda das garagens.
“e” de ...
a) “e” é a quinta letra e segunda vogal do alfabeto português. Conjunção aditiva, que se usa
para unir duas palavras, frases ou orações. Conjunção adversativa, quando equivale a mas, contudo:
Difamou o outro e bancou o ofendido. Fez mal e queixa‐se. No início da oração, serve de partícula
interrogativa para refutar e replicar: E nós ficamos a ver navios? (Mic);
b) o último colocado na classificação geral do curso; no final de um curso de formação são
lidos os nomes de todos os militares, por ordem de classificação. Ao término da leitura é dito: “e
fulano”. Ex: Tenente Lucas, tenente Alfredo e tenente Jose (o que significa que o tenente Jose é o
último colocado).
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Gabola
a) pessoa que se gaba a si mesma (Mic);
b) é a denominação dada para os militares que inventam histórias, em que sempre saem com
vantagem ou lucrando em certas situações. Ex: O capitão é um gabola, quando se fala em mulher.
Galinha explodida
a) galinha é a fêmea do galo. Mulher que se entrega facilmente (Mic);
b) é o frango servido nas refeições; quando é servido nas refeições arroz com galinha ou o
frango desfiado, parecendo que a galinha 'explodiu'. Ex: Hoje tem galinha explodida no almoço.
General
a) oficial de graduação imediatamente superior a coronel (Mic);
b) é aquele soldado antigo que não aceita ordens dos superiores. Por ser insubordinado, é
comparado ao general que, dentro da hierarquia, é o que dá as ordens em toda a tropa e que não está
subordinado aos demais. Ex: O soldado general está chegando cedo hoje.
Granada
a) projétil explosivo que se dispara com uma peça de artilharia (Mic);
b) granadas são as almôndegas servidas nas refeições do aquartelamento. Ex: No jantar foi
servido granada ao molho.
Hora do pato
a) hora é cada uma das 24 partes em que se divide o dia civil e que tem a duração de 60
minutos. Número de mostrador de relógio que indica as horas. Toque de sino ou de relógio indicando
horas. Momento fixado para alguma coisa (Mic);
b) a expressão significa o mesmo que acerto de contas. Horário marcado para os militares que
cometeram alguma falta se explicarem. Hora da punição. Ex: Estou relacionado para a hora do pato
amanhã.
Laranjeira
a) nome comum a diversas espécies de árvores frutíferas, da família das rutáceas,
particularmente do gênero citro (Mic);
b) se refere aos militares que moram e fazem suas refeições no quartel, e dificilmente viajam
para casa. Ex: O cabo Fábio não quis alugar casa. Prefere ser laranjeira.
Lixão
a) aterro sanitário (Aur);
b) militar incompetente, que anda com seu uniforme em péssimo estado, não se importa com
sua apresentação pessoal (barba, cabelo, etc.), sendo uma vergonha para os companheiros. Ex: O
sargento Anderson é um lixão, ainda bem que os soldados não o imitam.
Lobinho
a) pequeno lobo. Quisto sebáceo subcutâneo. Categoria de escoteiros destinada a crianças
de menos de dez anos (Mic);
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b) o militar que acabou de chegar ao quartel, procedente de escola de formação. Ex: O
sargento Alex é o lobinho da companhia de fuzileiros.
M1 A1
a) modelo padrão 1.
b) aquilo que é normal e que todos devem saber; o previsto, comum, padrão, a ser realizado
por todos. Ex: No serviço de guarda é só fazer o M1 A1, ouviram soldados!
Menstruação
a) ato ou efeito de menstruar; mênstruo, paquete. Duração do fluxo menstrual (Mic);
b) o salário que só vem uma vez por mês, o militar o gasta em alguns dias e terminou, só vindo
novamente no próximo mês. Ex: No dia cinco a menstruação está sendo depositada nas contas do
banco.
Mijar
a) urinar (Aur);
b) é chamar a atenção do militar, uma forma de punir brandamente, repreender na frente dos
seus pares. Ex: O soldado Lucas foi mijado na frente da tropa na formatura de ontem?
Mimoso
a) Habituado a mimo ou meiguice, melindroso, sensível, delicado, meigo, suave e fino (Mic);
b) o militar que adula ou faz 'carinho' ao superior, trazendo agrados aos seus chefes
imediatos. Ex: O soldado Lucas é um mimoso, vive agradando ao tenente para ganhar dispensa.
Obréia
a) folha de massa de que se faz a hóstia grande (Mic);
b) uma espécie de cola usada para tapar os buracos dos alvos nos dias em que ocorrem
treinamentos de tiro com munição real. Ex: A obréia foi levada para o estande de tiro?
Pé de banha
a) pé é a parte do corpo que se articula com a extremidade inferior da perna; órgão de
locomoção dos animais, qualquer que seja sua estrutura (Mic);
b) refere‐se ao militar que trabalha no rancho, cozinheiro ou militar do serviço de
Intendência, que trabalha na cozinha dos quartéis, confeccionando a alimentação para os demais
integrantes do aquartelamento. Ex: O sargento Hugo é um pé de banha de primeira.
Pipoca
a) o grão de milho rebentado ao calor do fogo, no óleo ou na gordura (Mic);
b) é o militar que se esquiva do serviço ou das missões que lhe são impostas. Ex: O soldado
Ávila é o maior pipoca da companhia.
Ratão
a) nome de numerosas espécies de mamíferos roedores, particularmente da família dos
murídeos, e dos animais que com eles se parecem (Mic);
b) os militares que comem e dormem no quartel. Ex: Pode chamar os ratões para avançar o
rancho.
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Sabonete
a) sabão fino e aromatizado (Mic);
b) é o militar que escapa do serviço (ninguém pega pois é “liso e escorregadio” como um
sabonete). Ex: O soldado Joaquim é um sabonete, escapou de novo da escala de serviço.
Sacramentar
a) administrar os sacramentos da Igreja. Receber os últimos sacramentos. Consagrar (a
hóstia) (Mic);
b) significa punir um subordinado (sacramento = punição). Ex: Cuidado com o sargento, para
ele não te sacramentar.
Sumir no terreno
a) sumir significa desaparecer, esconder‐se. Entranhar‐se em, andar por (Mic);
b) a expressão significa desaparecer do quartel no horário de expediente, principalmente
quando se procura um militar, que não é localizado dentro do aquartelamento no horário de
expediente. Ex: O tenente Mário após a formatura, sumiu no terreno e ninguém o encontrou até o
término do expediente.
Tirar as faltas
a) tirar é exercer tração; puxar. Extrair. Arrancar, sacar (Mic);
b) a expressão significa verificar se todos estão no quartel, se ninguém faltou ao expediente
ou saiu sem autorização em meio a este, não sendo autorizado por seus superiores hierárquicos, ou
se compareceu às refeições que solicitou. Ex: Vamos tirar as faltas na hora do almoço.
Traíra
a) nome comum do peixe caracídeo, fluvial e lacustre (Mic);
b) militar falso, que entrega seus companheiros aos superiores hierárquicos, não sendo uma
pessoa confiável e amiga. Ex: O soldado Abel é traíra, ele entrega todo mundo para o capitão.
Trolha
a) bofetada, tabefe (Mic);
b) é a punição em si, onde o militar é sancionado disciplinarmente por uma falta que ele
cometeu e pela qual foi punido. Ex: O Cabo Alex foi trolhado pelo capitão ontem, pegou cinco dias de
cadeia.
Vibrador
a) agitar, brandir. Sentir ou receber vibrações. Estremecer, palpitar (Mic);
b) é o militar empolgado e muito entusiasmado com a profissão. Ex: O sargento João é um
vibrador com sua profissão.
X9
a) x é a vigésima segunda letra do alfabeto português (Mic);
b) o militar que cuida a vida dos outros dentro do quartel, corresponde também aos militares
que trabalham na Seção de Informações das unidades militares, são militares que sofrem alguns
tipos de preconceitos, haja vista a função que exercem, sendo considerados “dedo duro”, que
entregam os outros ao comando da Unidade. Ex: O sargento X9 está na área, toma cuidado no que fala!
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Zero dois
a) zero é algarismo em forma de 0, sem valor absoluto, mas que, à direita dos outros, lhes dá
valor décuplo. Nada. Pessoa ou coisa sem valor (Mic);
b) possui dois significados: 1) o segundo colocado de um curso; ocorre ao término dos cursos,
quando os militares são avaliados e, conforme suas notas, assumirão determinadas posições de
classificação; 2) o subcomandante do quartel, dado que o comandante será o zero um. Ex: O capitão
Luís e o zero dois de sua turma.
Zero um
a) ut supra;
b) também possui dois significados: 1) o primeiro colocado de um curso; 2) o comandante do
quartel. Ex: A guarda está pronta? O zero um vem chegando.
CONCLUSÃO
Então podemos observar que o ambiente da caserna é predominantemente masculino, e
esse grupo passa grande parte de seu dia a dia junto, facilitando desta maneira para que a gíria se
estabeleça nesse meio de convívio e até mesmo tornando‐se freqüente seu emprego no trato diário
com seus superiores e subordinados, sendo o falante entendido e correspondido, demonstrando
dessa forma que a mensagem desejada foi transmitida e recebida com êxito.
Os militares, cujo vocabulário gírio foi analisado, não estão alheios ao mundo que os cerca.
Eles mantêm contato com outras parcelas da sociedade, não se constituindo em um grupo
totalmente fechado e livre de influências externas. Desse modo, sua fala pode ser entendida como
uma linguagem semiparticular, pois nem todas as gírias usadas por eles são vocábulos específicos do
grupo em questão.
Esses homens se mantêm em contato com o mundo que há em volta dos quartéis não só
sofrendo influências da vida profissional e sim a interagindo com a sua vida na comunidade em que
fazem parte. Então o uso da gíria já não causa tanta celeuma em vários setores da sociedade
moderna. Os estudos sociolinguísticos e a flexibilização dos costumes permitem que o vocabulário
gírio seja enfocado didaticamente, como uma opção a mais de comunicação.
Desse modo podemos observar que a gíria consegue se fazer presente na caserna e ser
entendida por todos os seus componentes, sendo ela não só uma gíria mais sim uma variação
linguística. Não podemos discriminar essa forma de expressão, e sim analisa‐la como um fenômeno
comum nesta classe, que influem até mesmo na vida civil desses militares que chegam levarem para
suas casas ou ambientes de convívio certas variações utilizadas dentro dos quartéis.
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