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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo MANUEL JOSÉ ALVES DA ROCHA OPINIÕES E REFLEXÕES == COLECTÂNEA DE ARTIGOS, CONFERÊNCIAS E PALESTRAS SOBRE ANGOLA, ÁFRICA E O MUNDO == LUANDA, FEVEREIRO 2004

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

MANUEL JOSÉ ALVES DA ROCHA

OPINIÕES E REFLEXÕES

== COLECTÂNEA DE ARTIGOS, CONFERÊNCIAS E PALESTRAS SOBRE ANGOLA, ÁFRICA E O MUNDO ==

LUANDA, FEVEREIRO 2004

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INDICE INTRODUÇÃO GERAL CAPÍTULO UM – A GLOBALIZAÇÃO ECONÓMICA: DESAFIOS E REALIDADES 1.- A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ECONOMIA 2.- OS PROBLEMAS DECORRENTES DA MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA 3.- CONCEITOS E REALIDADES DA NOVA ECONOMIA E A SUA INCIDÊNCIA EM ANGOLA 4.- OS PARADOXOS DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO 5.- O ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO 6.- PORQUE OS AFRICANOS DESCONFIAM DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL

CAPÍTULO SEGUNDO – INVESTIMENTO, SECTOR PRIVADO E CRESCIMENTO ECONÓMICO

1.- A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA E OS PROBLEMAS DO SECTOR PRIVADO NACIONAL 2.- O ESTADO DA ECONOMIA ANGOLANA EM 2001 E ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS PERVERSIDADES DO PETRÓLEO 3.- OS FACTORES E OS CONTEXTOS DAS DECISÕES EMPRESARIAIS 4.- OS FACTORES SÓCIO-ECONÓMICOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO EM ÁFRICA 5.- ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO PARA ANGOLA 6.- PRODUTIVIDADE: CALCANHAR DE AQUILES E UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS DA ECONOMIA ANGOLANA 7.- ANGOLA: DE UMA ECONOMIA DE GUERRA A UMA ECONOMIA DE PAZ 8.- AS QUESTÕES MACROECONÓMICAS ESSENCIAIS DO MODELO ESTRATÉGICO DE DESENVOLVIMENTO DE ANGOLA

CAPÍTULO TERCEIRO – POBREZA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO 1.- EXISTEM POLÍTICAS DEFINITIVAS PARA COMBATER A POBREZA? 2.- O PETRÓLEO EM ANGOLA: A RIQUEZA DE ALGUNS E A POBREZA DE MUITOS 3.- O ACORDO MONITORADO COM O FMI E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA CRIAÇÃO DE EMPREGO E NA REDUÇÃO DA POBREZA 4.- ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA: OS CONTEÚDOS E AS POLÍTICAS 5.- A POBREZA ENQUANTO CONSTRANGIMENTO AO DESENVOLVIMENTO

CAPÍTULO QUARTO – GESTÃO PÚBLICA E TRANSPARÊNCIA 1.- A CORRUPÇÃO E O SEU IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO PAÍS 2.- INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E DECISÃO MACROECONÓMICA 3.- O PROBLEMA DAS ESCOLHAS PÚBLICAS 4.- O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO E O PROGRAMA DO GOVERNO PARA 2002: AS GRANDES OPÇÕES E A INFLUÊNCIA DA CONJUNTURA INTERNACIONAL 5.- OS DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL NO PÓS-CONFLITO 6.- A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO

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CAPÍTULO QUINTO – INTEGRAÇÃO ECONÓMICA REGIONAL 1.- ANGOLA NO CONTEXTO DAS ECONOMIAS AFRICANAS: O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA NA SADC 2.- O NOVO REGIME DE COMÉRCIO NO ÂMBITO DOS ACORDOS DE PARCERIA ECONÓMICA REGIONAIS BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO GERAL A economia nacional, um pouco devido à guerra, mas também pelas características especiais dos sectores intensivos em capital, estruturou-se dum modo muito desarticulado e dependente. A guerra responde pela atomização dos mercados, desligados entre si, quase auto-suficientes ao nível duma reprodução simples da actividade económica. As grandes dificuldades com que a circulação de pessoas e bens se efectua pelo país explica uma boa percentagem das elevadas taxas de inflação, ao introduzir limitações à capacidade global de oferta interna. O sector petrolífero – ou melhor dizendo, a economia petrolífera – tem um modelo específico e próprio de funcionamento, assente na lógica do dólar e integrado numa economia cada vez mais globalizada. As articulações com o resto da economia pela via dos fluxos reais não existem, tendo, pelo contrário, o sector petrolífero e pela via dos fluxos financeiros, contribuído para o atrofiamento da economia não petrolífera. Esta economia – a única que, de resto, foi afectada directa e indirectamente pela guerra – tem vindo, sistematicamente, a perder peso económico e social no contexto nacional, traduzido em ritmos baixos de crescimento, em valores reduzidos de investimento produtivo, em cifras elevadas de desemprego e numa dependência absurda das importações. Esta situação de afastamento e marginalização dum sector económico do qual depende a esmagadora maioria da população tem sido, provavelmente, a causa mais importante do surgimento do fenómeno da pobreza no país. Para além das reconhecidas debilidades do aparelho de Estado (extraordinariamente burocratizado, centralizado e carente de recursos humanos qualificados) as quais impedem a plena assunção do seu papel de agente importante na coordenação das estratégias de recuperação e na criação de um ambiente propício para as decisões microeconómicas, é igualmente reconhecida a fragilidade do sector empresarial privado. Conhecidas que são as suas fraquezas e debilidades, e reconhecidas que são as difíceis condições em que exerce a sua actividade, o seu papel no processo de reconstrução económica pós-conflito deve ser estudado no sentido de o transformar numa força activa geradora de prosperidade e riqueza nacionais. A definição do melhor contexto para a sua inserção e das condições institucionais, económicas e financeiras para o exercício da sua actividade tem de ocupar um lugar destacado em matéria das políticas públicas de incentivo ao empresariado privado. Um outro elemento a ter em consideração na reflexão sobre as dinâmicas internas é o capital humano, no qual se deve integrar, mesmo que tardiamente, o empresário e a empresalidade. São assentidas as debilidades dos sistemas nacionais de ensino, educação, saúde e investigação. Mas igualmente autenticada é a necessidade de as diferentes estratégias destes sectores terem de convergir com a estratégia geral de desenvolvimento, para que os chamados efeitos sinergéticos se maximizem. A referência ao capital humano permite a consideração de uma das questões-chave para o êxito do processo de reconstrução e desenvolvimento a médio prazo: o investimento. Esta variável terá de ser cuidadosamente programada – respeitando-se todos os princípios que a consistência macroeconómica determina – porque é a restrição número um do modelo geral de recuperação do país. Uma variável que tem tido um comportamento muito irregular desde a independência, porque dependente, no que ao Estado diz respeito, das receitas fiscais petrolíferas – por seu turno, atidas ao comportamento do preço internacional do crude e à evolução da produção das

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concessionárias – e da poupança interna, no que ao sector privado respeita. Dada a sua exiguidade – baixos salários, lucros empresariais em média de fraca expressão por atrofiamento da economia não petrolífera, défices fiscais permanentes – é importante, portanto, questionar por outras fontes de financiamento dos investimentos, como o investimento estrangeiro directo, os financiamentos e as linhas de crédito internacionais, a cooperação empresarial e a ajuda pública ao desenvolvimento. Em suma, como restrição do modelo, o investimento terá de ter uma abordagem abrangente em todas as suas componentes – investimento produtivo e em infraestruturas, investimento em capital humano e investimento em capital ambiental (preservação do ambiente e gestão dos recursos naturais) – e no seu relacionamento com as fontes possíveis de financiamento1, o que coloca em aberto a questão da renegociação da dívida externa do país. Renegociação que tem de ser analisada em duas perspectivas, a saber, a das necessidades de financiamento para reconstrução e desenvolvimento a médio prazo e a dos acordos com o Fundo Monetário Internacional. Em última instância, a convergência fundamental que deverá ser realçada no processo de retoma, reconstrução e crescimento é a estabilização-reformas-desenvolvimento. O processo de recuperação da economia nacional e de estruturação futura da sua base produtiva deve ter, nas circunstâncias actuais, como variável estratégica o emprego. O modelo ou os modelos em que o mesmo deve assentar têm de levar em devida conta a possibilidade da máxima criação de empregos. O reconhecimento de que o emprego deve ser a variável central das estratégias de recuperação da produção justifica-se não apenas pelas elevadas taxas de desemprego actualmente registadas na economia não petrolífera2, como e, talvez principalmente, pelos efeitos positivos sobre o processo de reconciliação nacional, sobre o alívio da pobreza e, seguramente, sobre o crescimento económico interno pelo viés da criação (e distribuição) de poder de compra. Assim sendo, as actividades estruturantes da economia nacional, portadoras de soluções sustentáveis no futuro e mais consentâneas com um processo rápido de recuperação económica, devem combinar, de forma original, eficiência e equidade, ou seja, tecnologias de produção apropriadas e intensidade em trabalho. Isto quer dizer que o binómio produtividade/emprego tem de estar em permanente análise na elaboração dos planos e políticas do Governo.

1 Adjacente a esta temática encontra-se a do modelo de financiamento do desenvolvimento económico e

particularmente a da transformação dos activos físicos e materiais em capital. O capital é a capacidade de

os activos fixos gerarem valor adicional. O processo que fixa o capital não é o dinheiro, que é apenas uma

das formas em que circula. O dinheiro facilita as transacções, mas não é, em si, o progenitor de produção

adicional. O que gera capital é um sistema generalizado e complexo de processamento, registo, controlo e

reconhecimento da propriedade. Na sua ausência, as posses e as propriedades dos agentes económicos e dos

habitantes em geral – particularmente da população pobre – acabam por ser um capital morto (seguindo a

metodologia de Hernando de Soto pode estimar-se o valor deste capital “no seu estado natural” para

Luanda – partindo-se da hipótese duma população residente de 3,5 milhões de habitantes – em cerca de 4

biliões de dólares americanos). Estes activos, porque não têm expressão legal no sistema integrado de

registo de propriedade, não se podem transformar em capital necessário para o desencadear de novas e

florescentes actividades económicas formais e legais. Para maior aprofundamento ver O Mistério do

Capital de Hernando de Soto, Editora Record, 2001. 2 A economia petrolífera, pela sua natureza capital/tecnologia intensiva, não tem capacidade de criação de

emprego: o sector petrolífero não consegue empregar um estoque de trabalhadores nacionais superior a

10000, enquanto que o restante do sector mineiro não vai além dos 28000.

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A colocação do emprego como variável central do processo económico tem outro tipo de consequências, a serem levadas em consideração. A primeira refere-se à correlação entre emprego e tipo de qualificações que os modelos de recuperação económica irão necessitar. O sistema de formação profissional a curto prazo e os sistemas de educação e ensino numa óptica de mais longo prazo terão de ser chamados à coacção, de modo a evitar estrangulamentos entre a oferta de mão-de-obra qualificada e a procura veiculada pelo sistema económico. A segunda consequência respeita à correlação com os sistemas de saúde, nomeadamente os que devem atender aos cuidados primários e à erradicação das mais importantes endemias. É importante que o processo de geração de empregos que a recuperação da economia certamente irá pôr em marcha não seja prejudicado pelo absentismo e por índices baixos de produtividade devidos a dificuldades no domínio da saúde. Tem-se consciência que a máxima criação de empregos reclamada pela extensa crise social que o país vive não poderá ser viabilizada, apenas, pelas actividades económicas consideradas isoladamente. Daí que os modelos de recuperação do sector produtivo tenham de possibilitar, também, a máxima integração económica interna. Claro que a recuperação de cada vez maiores extensões do território nacional para a livre circulação de pessoas e bens é um factor determinante duma integração económica interna que se pretende maximizada, mas que não depende, apenas, da economia em si mesma. Justamente por isso, a problemática dos circuitos internos de distribuição e comercialização deve merecer um tratamento adequado no plano da elaboração das políticas públicas de desenvolvimento a médio prazo, como um elemento de influência preponderante para a viabilização dos modelos de recuperação da economia nacional. A integração da República de Angola em instituições de carácter regional constitui-se, igualmente, como variável a tomar em linha de consideração. Angola é um país da SADC e da CEEAC, espaços geográficos aonde poderá vir a desempenhar um papel de relevância económica, compatível com as suas potencialidades naturais. Convirá, neste contexto, estabelecer relações adequadas entre as actividades económicas mais aptas à integração económica interna e à máxima criação de empregos e as especializações produtivas que deverão conferir maior competitividade económica naqueles espaços. Mais do que em qualquer outra área económica é aqui que o binómio eficiência/equidade deve ser devidamente equacionado, de modo a que os diferentes objectivos estratégicos possam ser optimizados.

As dinâmicas internas vão desempenhar um papel crucial na viabilização dos modelos de crescimento económico. O Estado aparece como um agente importante na coordenação das estratégias de recuperação e na criação de um ambiente propício para as decisões microeconómicas. A Administração do Estado tem experimentado nos últimos anos um processo intenso de reformas institucionais que vão no sentido de transformar os seus órgãos em agentes activos do desenvolvimento. O “capacity building”, a redução da burocracia e a descentralização são os três aspectos capitais enformadores duma relação nova entre o Estado e a sociedade civil. A assunção filosófica do novo modelo desenvolvimento a médio prazo é a de que o Estado tem um papel institucional e económico muito particular e importante a desempenhar no processo de reconstrução pós-conflito. De resto, à semelhança do que aconteceu com as economias europeias e a japonesa depois do segundo conflito militar mundial. Trata-se de aquilatar em que moldes este papel deve ser desempenhado na mobilização de iniciativas, na facilitação do exercício da actividade económica, na criação das bases materiais do crescimento e no exercício das suas responsabilidades sociais.

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Até há dois anos atrás, o binómio guerra/crescimento económico dominava as peças fundamentais da política do Estado, a saber, o Orçamento Geral do Estado e os Programas Económicos e Sociais do Governo. Tratava-se de, em condições internas adversas, conseguir um mínimo de crescimento da economia, o que acabou por ter sido conseguido, sobretudo no sector petrolífero de enclave, desde sempre resguardado das destruições provocadas pelo conflito militar. A partir de agora o que passará a estar em causa é a paz e o desenvolvimento económico. Ainda que o “caminho se faça caminhando”, a espera por uma melhoria considerável das condições de vida da população começa a ter um tempo reduzido. Os sacrifícios do povo humilde, trabalhador e pobre foram insuportáveis e só uma férrea vontade de viver e de contribuir para se arquitectarem tempos novos de prosperidade não o fez desistir. Dois anos de paz generalizada e efectiva ainda nada de novo trouxeram para quem mais precisa de mudanças. Se antes da paz, o crescimento económico foi útil e conveniente para se garantirem as fontes de financiamento externo para as importações e o esforço de guerra, agora com a paz necessariamente que o crescimento económico se tem de transformar em desenvolvimento. E é neste contexto que deverão ser estudadas e discutidas o que considero serem as traves mestras do novo modelo económico:

A primeira trave mestra é de natureza keynesiana, centrada nos gastos públicos. As políticas orçamentais terão de ser relativamente expansionistas e os défices fiscais deverão ser estabelecidos em níveis compatíveis com a necessidade dum crescimento económico forte e sustentável3. A expansão dos investimentos públicos é a via menos inflacionista (em contraponto com as despesas de pessoal ou mesmo de funcionamento). No entanto, esta vertente pode ter rendimentos decrescentes, porque os défices públicos recorrentes provocam o crescimento da dívida pública interna e externa e geram políticas monetárias restritivas.

A segunda é do tipo schumpeteriano, de indução do processo de destruição criadora, para promover uma onda de inovações tecnológicas e organizacionais, capaz de aumentar os gastos de consumo e de investimento4. No entanto, do ponto de vista da procura agregada, pode acontecer que este processo destrua mais do que crie, quando as inovações tecnológicas e organizacionais reduzem mão-de-obra e, “coeteris paribus”, a massa salarial. Desta forma, trava-se o conhecido mecanismo do acelerador, por meio do qual o maior crescimento da procura provoca o dos investimentos. O problema é que este processo tem uma forte componente aleatória – invenções, inovações e decisões de investimento – mesmo

3 J. Stiglitz afirma: “There is no simple optimum level of the budget deficit. The optimum deficit – or the

range of sustainable deficits – depends on circumstances, including the cyclical state of the economy,

prospects for future growth, the uses of government spending, the depth of financial markets and the levels

of national savings and national investment”. E no concernente à inflação, comumente associada aos

défices públicos, o Prémio Nobel da Economia de 2001 sustenta: “... the evidence has only shown that high

inflation is costly. Bruno and Easterly who found that when countries cross the threshold of 40 percent

year inflation they fall into a high inflation/low growth trap. But below that level, there is no evidence that

inflation is costly. Barro and Fischer also confirm that high inflation is, on average, deleterious for growth,

but again have failed to find any evidence for costs of low levels of inflation” in More Instruments and

Broader Goals: Moving Toward the Post-Washington Consensus, Wider Annual Lecture, Helsinki, Finland,

1998. 4 Não necessariamente endógenas e originais. A cópia e a imitação – desde que bem feitas – são boas

inovações para o estado actual da economia angolana.

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quando se articulam Governo e empresas, política industrial e tecnológica e investimento privado.

O terceiro vector é de carácter político e expressa-se na distribuição da riqueza e do rendimento. As evidências empíricas conhecidas apontam no sentido de que as respostas a políticas activas de reconfiguração dos frutos do crescimento económico são mais efectivas em economias atrasadas, com populações pobres e enormes desigualdades – aumento significativo do poder de compra unitário e da massa de gastos de consumo, com implicações sobre o nível e as decisões de investimento.

O quarto elemento encontra-se na frente externa e deve procurar as formas de se transformar as exportações numa das locomotivas da economia nacional – esta tem sido a saída mais procurada pelos países emergentes e pelos neo-desenvolvidos do sudeste asiático, como reacção à insuficiência de procura agregada interna. Neste sentido, as economias devem procurar uma crescente competitividade internacional. Há, no entanto, uma dificuldade fundamental para esta estratégia, pois a maioria dos países procura explorá-la no limite (isto é, com preços extremamente baixos, o que implica salários baixos e, portanto, procura agregada menos expressiva). As restrições do lado da procura também são maiores, dadas a lentidão do crescimento da economia mundial, as suas flutuações e as ondas de proteccionismo das economias avançadas.

Algumas das questões levemente abordadas nos itens anteriores, são retomadas e discutidas em capítulos e parágrafos deste livro, situando-as em contextos próprios. Este livro resulta duma arrumação de algumas das minhas intervenções públicas no decurso de alguns anos. Apesar do cuidado colocado na revisão do texto, algumas repetições – de ideias, de quadros e de abordagens – são observáveis. Preferi-o a eliminá-las, porque assim preservo os contextos em que as minhas intervenções públicas ocorreram. Já o disse uma vez e cada vez me convenço mais de que um livro não é uma obra isolada e individual. Claro que se destacam nos agradecimentos os apoios de amigos, os contributos de colegas, as sugestões de terceiros, as críticas – mesmo que maledicentes – de outros. Não é a isso que me refiro. É que quando chego ao fim dum livro a sensação que me fica – para além evidentemente de satisfação e de esperança de que sirva para alguma coisa – é a de ter projectado no que foi escrito um conjunto muito variado de influências ao longo da vida. O convívio com a família, os amigos, os colegas, os professores tem deixado, invariavelmente, uma marca indelével na formação do meu saber, no processo de aquisição do conhecimento, na forma de intervenção social, no modo de abordagem da realidade, na leitura política dos acontecimentos e no comportamento ético, moral e cívico. Talvez, só muito pouco do que somos o devamos a nós próprios. Sendo assim, um livro é, afinal e sempre, uma obra colectiva, que não necessita de ser vivida e participada por muita gente num determinado momento para que o seja efectivamente. Por isso, determina-me a consciência que nomeie algumas das individualidades que ao longo deste meu tempo de vida - vivida intensamente com mais ou menos agruras e escolhos, mas também com bastante satisfação intelectual -, moldaram a minha personalidade e me aconchegaram com o seu saber, os seus conselhos e a sua inteligência: José Manuel

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Gonçalves Serrão, Jorge Eduardo da Costa Oliveira, José Manuel Zenha Rella, Gustavo Neto de Miranda, Farinha e Silva, Fernando Bráulio Santos Lima, Mário Nelson, Lima de Carvalho, Jorge Braga de Macedo, Nelson Lourenço, Victor Correia, Mendes da Ponte, Ventim Neves, Francisco Reis, Agostinho Neto, Saydi Mingas, Carlos Rocha (Dilolwa), José Armando Morais Guerra, Aurora Murteira, Mário Murteira, Ivo Pinho, Américo Ramos dos Santos, António Augusto de Almeida, Castanheira Dinis, Manuel Dias Nogueira, António Manuel Pinto, António Fazendeiro, Elvira Hugon, Marques dos Santos, Renato Feitor, Jorge Guerreiro, São Pedro Ramalhete, Alípio Santos, Augusto Mateus, Lopo do Nascimento, Ana Dias Lourenço, Pedro Luís da Fonseca, Flávio Couto, José Pedro de Morais Júnior, Peres do Amaral, Fernando Pacheco, Dom Damião Franklim, Emmanuel Carneiro, Emílio Grion, Justino Pinto de Andrade e Adérito Correia. Como nota final sublinho os meus profundos agradecimentos ao Dr. Amadeu Maurício, Governador do Banco Nacional de Angola, pelo pronto patrocínio concedido à publicação deste livro.

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CAPÍTULO UM – A GLOBALIZAÇÃO ECONÓMICA: DESAFIOS E REALIDADES 1.- A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ECONOMIA 2.- OS PROBLEMAS DECORRENTES DA MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA 3.- CONCEITOS E REALIDADES DA NOVA ECONOMIA E A SUA INCIDÊNCIA EM ANGOLA 4.- OS PARADOXOS DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO 5.- O ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO 6.- PORQUE OS AFRICANOS DESCONFIAM DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL 1.- A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ECONOMIA (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº 3 de Setembro de 2000)

O comportamento da economia americana de há mais de 10 anos a esta parte tem dado origem a um importante debate teórico sobre a emergência duma Nova Economia que aparentemente põe em causa e suscita uma discussão aberta sobre alguns dos fundamentos mais sagrados da ciência económica. A contradição entre menos inflação e mais emprego decorrente do teorema de Philips está em discussão aberta nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo capitalista5. O estímulo da procura agregada (modelo keynesiano) pode induzir o crescimento e o emprego e reduzir o desemprego, mas eventualmente encontra limites ditados pela inflação (desvio salários-produtividade) e pelo desequilíbrio externo (exportações inferiores às importações). Inversamente, a travagem da procura agregada (modelo neoclássico em que assentam as propostas de política económica do Fundo Monetário Internacional) permite controlar a inflação e limitar o défice externo, mas a custo dum agravamento do desemprego e duma redução do crescimento. Aparecem nítidas as arbitragens a fazer entre menos inflação e mais desemprego ou mais inflação e menos desemprego, sendo a primeira a mais fortemente defendida no modelo de política económica do Fundo Monetário Internacional - não se pode “comprar” de forma duradoura menos desemprego com mais inflação. Naturalmente que na prática da política económica e do crescimento os limites não se apresentam tão rigorosos e imperativos. A “performance” da economia americana (medida pelos valores das taxas de inflação, desemprego e crescimento) parece querer desmentir aquelas arbitragens: mais de 100 meses consecutivos de expansão económica (4,1% em 1999 e uma média de 2,8% nos últimos quatro anos), o desemprego estabilizado na faixa dos 4% da população activa, a

5 A.W. Philips pertenceu à escola neokeynesiana e adquiriu notariedade quando publicou, em 1958, um

artigo intitulado “The Relation Between Unemployment and the Rate of Change of Money Wages in the

United Kingdom, 1861-1957” na Revista Economic Journal. Neste seu estudo, Philips detectava

empiricamente a existência duma relação inversa entre a taxa de crescimento dos salários nominais e a taxa

de desemprego. Todos os bons manuais de Macroeconomia contêm capítulos dedicados ao estudo da Curva

de Philips, valendo a pena conhecer os fundamentos e os desenvolvimentos desta formulação teórico-

empírica.

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inflação abaixo dos 2% ao ano, os salários com crescimentos reais positivos, os investimentos em equipamentos a crescerem a uma cadência de 12% ao ano desde 1993 e um excedente orçamental superior a 100 mil milhões de dólares. O que aparentemente era impensável há alguns anos atrás torna-se agora viável, inflação e desemprego em queda. As causas que os especialistas apontam são várias. Do lado do desemprego, além de algumas tendências demográficas regressivas, menciona-se o aumento da eficiência do mercado laboral, a maior flexibilidade para os empregadores e os melhores serviços de colocação - numa palavra, maior transparência do mercado de trabalho. Do lado dos preços, o dólar forte tem sido muito útil ao tornar mais baratas as importações e aumentar os índices de confiança na economia, mas ressaltam outros factores, como a existência de alguma capacidade produtiva ociosa - apesar da baixa do desemprego - e o surpreendentemente forte crescimento da produtividade. O seu crescimento foi de 2% ao ano nos últimos quatro anos e de 2,8% em 1999. Estas são, para já, as razões que levam alguns cientistas a questionar se não se estará em presença duma Nova Economia. Talvez que o tempo decorrido em que se verificaram comportamentos aparentemente contraditórios dos modelos e das teorias seja suficiente para se levarem estas alterações a sério, mas seguramente insuficiente para se considerar que a situação é diferente, a ponto de se questionarem as teorias. Como quer que seja, o comportamento da economia americana fornece elementos importantes de reflexão sobre o liberalismo económico e a abertura das economias. Evidentemente que as conclusões sobre as suas virtualidades são discutíveis, sobretudo perante experiências de sucesso económico num quadro um pouco diferente, muito embora mantendo-se os fundamentos da economia de mercado (na óptica de muitos analistas a solução para a pobreza e o subdesenvolvimento). Com efeito, os países do sudeste asiático podem ser vistos como exemplos de grande sucesso económico, sem os exageros do fundamentalismo liberal. A Malásia, por exemplo, há já bastante tempo que deixou de ser um país subdesenvolvido, à semelhança, de resto, de outros seus vizinhos, como a República da Coreia, a Tailândia, Singapura, Formosa e a Indonésia. A sua economia desde 1970 vem registando um crescimento económico médio anual entre 7% e 8% - o que significa que até 1998 o seu Produto Interno Bruto foi multiplicado por 8,6 vezes - com um destaque para o sector da indústria transformadora, cujo crescimento médio anual e no mesmo período tem ultrapassado os 10% ( o que permitiu passar de 5% para 25% a taxa de absorção de emprego industrial e acrescer a participação industrial no PIB para mais de um terço). Entre 1987 e 1995 o rendimento per capita da população de cerca de 20 milhões de pessoas duplicou para 4000 dólares americanos anuais. Até 2020, se os planos do Governo resultarem, o rendimento médio deverá quintuplicar e, assim, atingir o nível dos Estados Unidos. Qual o modelo de organização e de funcionamento da economia que tem permitido semelhantes performances? Em princípio, parece que este “boom” asiático pouco terá a ver com o “laissez-faire” da maioria dos países da OCDE. Os países que agora prosperam no Extremo Oriente apostam, sem excepção, num modelo onde o papel orientador do Estado na economia é determinante em todos os níveis do seu funcionamento. Enquanto nos antigos países prósperos se tem vindo a propagar a crescente retirada do Estado e é dado mais espaço às forças do mercado, nos novos países prósperos pratica-se exactamente o contrário. Os estrategas das empresas

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multinacionais que na Europa e nos Estados Unidos se insurgem veementemente contra qualquer atitude intromitora do Estado nas suas decisões de investimento, submetem voluntariamente, na Ásia, as suas propostas de biliões de dólares americanos às orientações dos planos nacionais. De facto, estes países continuam a sujeitar as suas economias a planos nacionais de desenvolvimento de médio e longo prazo, no contexto dos quais se procura proteger a estrutura produtiva interna a ataques de competitividade externa, nomeadamente em sectores ou ramos de actividade cujas empresas nacionais sejam demasiado fracas para a concorrência internacional. E esta defesa tem sido feita de modos distintos, ou pela via dos direitos de importação e determinadas regulamentações técnicas, ou, então, pelo fomento deliberado das exportações através de enormes despesas em infraestruturas, da manipulação da política cambial, de isenções fiscais e, principalmente, duma Administração do Estado transparente e altamente eficiente. A integração destas economias no mercado mundial não é tida como um alvo, mas um meio de que se têm servido cuidadosa e ponderadamente. Um outro país de quem se espera uma explosão semelhante já no decurso desta década do novo século é a Índia. Este país, deste a sua independência em 1950, realizou progressos espantosos nos domínios estruturalizantes do desenvolvimento, como a ciência, a agricultura tecnológica, as telecomunicações, a universalização da educação e o aprofundamento da democracia. Se as reformas económicas de mercado, iniciadas em princípios de 90, continuarem o seu ritmo e mantiverem a sua adequabilidade às características sociais do país, a Índia será uma das economias com crescimento rápido nos próximos anos e uma das localizações preferidas para o investimento estrangeiro. Da mesma forma que a China explodiu nos anos 80, a índia poderá fazê-lo na primeira década deste novo século, com uma provável duplicação do produto interno bruto per capita em 2010 ( o que exigirá um crescimento económico líquido de influências demográficas de pelo menos 7% ao ano). Enquanto isso - ou seja, enquanto o outro mundo se desenvolve - Angola só agora parece começar a reunir as condições extra-económicas básicas para poder pensar em estruturar o seu progresso social. Uma delas é a finalização do conflito militar ou, no mínimo, a sua circunscrição a zonas/regiões marginais e periféricas do país, sem importância de maior para a localização das actividades económicas. Penso que a estratégia militar está a cumprir o seu papel, qual seja, devolver à sociedade civil um território liberto de acções militares. É fundamental agora que a política e os políticos exerçam o seu, porquanto a reconquista para a paz do território e das suas populações é apenas uma condição necessária. As condições suficientes terão de ser criadas pela diplomacia, pela política económica, pela democracia interna e pela reconciliação nacional. Uma outra condição importante para o futuro é a que se está a arquitectar em torno da nova Constituição. Todos os partidos políticos e a população em geral considera este assunto como determinante. Por isso é que a sua discussão leva muito tempo - até ao momento já quase um ano e só se espera finalizá-la próximo do final do corrente ano - porque são fundamentais os consensos. É um documento que tem de merecer o consenso nacional: todos têm de se rever na Constituição da Nação, de modo a defendê-la onde quer que seja e em quaisquer circunstâncias. Existe, porém, um outro aspecto tão determinante para o futuro dos angolanos como o anterior, mas que não está a merecer a atenção devida. A reconstrução económica e o

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desenvolvimento - fundamentais para que a paz se estabeleça e a reconciliação se efective - deveriam ter um tratamento semelhante ao da Constituição. Enquanto que os trabalhos sobre a Constituição demoram quase 18 meses, os programas económicos são elaborados, discutidos e aprovados em dois meses. O projecto de desenvolvimento económico e de progresso social deve, à semelhança da Constituição, ser um projecto de consenso nacional. A reconstrução e o desenvolvimento dos próximos 20 anos devem ser considerados como um assunto de Estado (ou da Nação) e não uma mera questão de disputas eleitorais. Um projecto nacional suficientemente confiável para que os agentes institucionais públicos e privados lhe dediquem trabalho, investimento e sabedoria. Não creio que o recente Acordo Monitorado assinado com o Fundo Monetário Internacional seja o elemento aglutinador para um projecto económico de consenso nacional. Na verdade, as experiências conhecidas apontam nesse sentido. Durante muitos anos que muitos países africanos e latino-americanos seguem obedientemente os conselhos do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e até mesmo da Administração norte-americana (que domina aquelas instituições). Privatizaram a maior parte das empresas públicas industriais, agrícolas e de serviços, reduziram direitos alfandegários, cortaram as despesas públicas, desvalorizaram as suas moedas, liberalizaram todos os mercados internos, abriram o país ao exterior e até permitiram que determinados assuntos estratégicos fossem objecto de intromissão externa. Os resultados de toda esta política são muito contestados, quer pela população e as suas organizações representativas, quer por intelectuais de renome. Certamente que um projecto económico estruturado na base de um ou mais acordos com o Fundo Monetário Internacional não tem condições para ser nacional, nem características para ser de consenso. A questão do salário mínimo pode servir de exemplo. O modelo do FMI, como se sabe, é avesso a todas as formas de regulamentação dos mercados. O estabelecimento dum salário mínimo viola, no seu entendimento, as condições de oferta e procura do mercado de trabalho, as únicas que devem concorrer para o estabelecimento dos seus preços. Contudo, o salário mínimo é, neste momento, uma matéria de consenso nacional entre trabalhadores, empresários e o Estado, que pode vir a ser violado se o Fundo exigir o cumprimento rigoroso da ortodoxia económica neoclássica. Mas apesar de consensual, este assunto não deixa de estar recheado de muitas ideias feitas, mormente quanto ao montante que costuma ser reivindicado. O meu ponto de partida é o seguinte: os actuais níveis salariais não são condizentes com a dignidade dos trabalhadores, nem suficientes para induzirem uma procura interna privada suficientemente motivadora do investimento privado. No entanto e apesar desta constatação irrefutável, os salários não podem ser indiscriminadamente aumentados, desrespeitando-se os limites impostos pela produtividade e pelos seus ganhos ao longo do ciclo económico. O cálculo da produtividade económica geral pode, aproximativamente, basear-se numa fórmula em que se correlacione esta variável com a taxa de emprego, o PIB por habitante e um factor demográfico, que via de regra é a taxa de actividade. Os valores dessas variáveis para 1999 foram, aproximadamente, de $472,42 para o PIBpc, de 60% (?) para a taxa global de emprego e de 50%(?) para o factor

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demográfico (peso da população em idade activa na população total, considerada de 12 milhões de cidadãos). Chegou-se então, a uma valor aproximado para a produtividade económica de $1574,7 considerando, já, o sector de tecnologia de ponta da extracção de petróleo. Se forem consideradas determinadas proporções de repartição da produtividade entre rendimentos do trabalho - 60% ou 75% - e do capital (remuneração do risco empresarial incluída) - 40% ou 25% - o salário médio mensal máximo praticável neste momento na economia nacional não poderá situar-se fora do intervalo $72,32 - $91,94. Estes limites provam que:

a situação existente é verdadeiramente dramática;

a produtividade é um elemento crucial para o financiamento não inflacionista dos salários (incrementos ou fixação dum salário mínimo nacional);

a tão justamente reivindicada valorização do salário nacional tem de começar pela estabilidade dos preços em níveis baixos;

a recuperação em moldes eficientes da economia não petrolífera tem de começar imediatamente, de modo a que os aumentos de produção e de produtividade associados que se venham a operar possam ser utilizados para melhorar os salários dos trabalhadores ( provavelmente a criação de novos postos de trabalho terá de ficar adiada por algum tempo).

O Estado pode ajudar a melhorar os níveis de produtividade nacionais, actuando nos domínios seguintes: investimentos nos sistemas de prestação de cuidados primários de saúde; investimentos nos sistemas de distribuição e fornecimento de electricidade e água; investimentos no sistema e nas capacidades de formação e de educação; investimentos nos sistemas de transportes e comunicações; investimentos em ciência e tecnologia (só depois de algum tempo é que resultarão em melhorias concretas na produtividade); manutenção dum ambiente macroeconómico de transparência e de fomento da competitividade; asseguramento da disciplina orçamental.

2.- OS PROBLEMAS DECORRENTES DA MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA (Comunicação apresentada no Seminário de lançamento do livro “Angola – PME e Relações Comerciais com Portugal”, Luanda, 21 de Julho de 2000. Alguns aspectos deste artigo foram especificamente actualizados em notas de rodapé para efeitos de edição deste livro).

A primeira ideia – em jeito de pergunta - que me surge ao pensar um pouco no tema que me foi proposto para este seminário é, parafraseando o título de um filme famoso, “quem tem medo da mundialização da economia”? Suponho que a resposta mais imediata é no sentido de serem os países e as economias mais fracas e menos estruturadas que devem ter medo da mundialização. No entanto, não é bem assim. Parece-me que uma das mais graves consequências que a mundialização da economia tem trazido para os países mais desenvolvidos é a exclusão social e o desemprego. Por outro lado, creio que se transformou num lugar comum a afirmação de que devemos estar preparados para a mundialização da economia, sobretudo no sentido de os países tirarem deste movimento “espontâneo?” de reorganização do mercado mundial as máximas vantagens. Só que e pelas informações diárias que nos chegam sobre fusões empresariais, despedimentos, redução dos níveis médios dos salários,

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falências de empresas, etc., parece que os países da periferia do sistema mundial de mercado se deverão sobretudo preparar para amortecer a exclusão social e o desemprego que os poderão gravemente afectar. Dentre as tendências observadas ao nível da economia mundial a mais destacável no momento actual é a do crescimento mais acentuado do comércio internacional relativamente à produção mundial. Os mercados nacionais (internos) cedem, progressivamente, lugar ao mercado mundial (global) e o comércio internacional entre os países deixa de assentar nas diferenças nacionais de recursos ou de factores, para dar lugar a um novo tipo de comércio em que as semelhanças são um factor de intensificação das trocas. É o comércio intra-ramos – que se estabelece entre países de níveis iguais de rendimento por habitante e de dotação de factores – a ganhar terreno em desfavor do comércio tradicional inter-ramos, entre países com níveis de desenvolvimento diferenciados. Ao mesmo tempo assiste-se a uma elevada concentração do comércio entre países industrializados e nos produtos transformados, em prejuízo das trocas com os países menos desenvolvidos. No mesmo sentido se observa a perda de importância dos “velhos países industriais” nas exportações mundiais, a favor das economias neo-industrializadas do sudeste asiático. Em termos de geografia do comércio internacional a tendência do comércio é para a sua localização em torno de três eixos: União Europeia, Estados Unidos e Japão/Ásia do sudeste. Concomitantemente, nas duas últimas décadas assistiu-se a uma verdadeira explosão nos movimentos internacionais de capitais, traduzidos nos investimentos estrangeiros directos, nos empréstimos internacionais e nas operações financeiras especulativas (cambiais e bolsistas). Do mesmo modo, as empresas transnacionais multiplicaram-se e agigantaram-se, dominando, por completo, o espectro da produção e do comércio mundiais, os processos de deslocalização dos processos de produção, das grandes fusões empresariais (fugindo às regras da concorrência para se refugiarem em mercados de concorrência monopolística) – com consequências evidentes sobre o desemprego – e da concentração do poder económico acentuaram-se, reduzindo, em decorrência, a capacidade de influência das políticas nacionais. Na verdade, a mundialização da economia é um facto, que deverá acentuar-se neste primeiro século do terceiro milénio. Seguramente que tenho de reconhecer que este é o sentido da evolução económica – muito embora diversos cientistas sociais duvidem, seriamente, de que esta reestruturação da economia mundial seja, de facto e apenas, um produto das forças espontâneas do mercado – mas entendo, também, que nem tudo tem sido um mar de rosas, e por isso a minha intervenção vai no sentido de destacar alguns, dos muitos, aspectos negativos da mundialização. Segundo estudos dos mais proeminentes economistas e “capitães de indústria” norte-americanos e europeus, no próximo século, para que a actividade da economia mundial seja mantida, dois décimos da população activa serão suficientes. Ou seja, um quinto dos candidatos aos postos de trabalho bastará para produzir todas as mercadorias e para garantir as prestações de serviços de grande valor de que a sociedade mundial pode gozar. Estes dois décimos da população participarão, assim, activamente na vida, nos rendimentos e no consumo – seja em que país for. Será possível imaginar que 80%

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das pessoas que desejem trabalhar não vão encontrar emprego? “Sem dúvida que esses vão ter problemas consideráveis” é, pelo menos, o que afirma Jeremy Rifkin6 no livro “The end of Work”. O modelo mundial do futuro baseia-se na fórmula um quinto/quatro quintos7. Violentas rupturas relacionadas com o emprego estão a ocorrer em ramos e sectores de actividade que, até há bem pouco tempo, prometiam aos seus trabalhadores colocações vitalícias, independentemente dos altos e baixos da conjuntura mundial. Os empregos de uma vida inteira tornaram-se biscates, e quem ainda ontem tinha uma profissão de futuro pode agora ver as suas capacidades transformadas num saber inútil. A aparatosa diminuição do emprego ameaça agora não só os bancos e as companhias de seguros, como as empresas de telecomunicações e de electricidade, as companhias de aviação, os Correios, a Função Pública, etc. Quando os economistas e os políticos avançam explicações sobre esta extraordinária queda do emprego, todas elas culminam numa única expressão: mundialização da economia. As altas tecnologias de comunicação, o baixo custo dos transportes e o comércio livre ilimitado transformaram o mundo inteiro num mercado único8. Estes factores criaram uma concorrência global exacerbada, inclusivamente no mercado de trabalho. As próprias economias mais avançadas – EUA, Alemanha, Japão, etc. – apenas conseguem criar novos postos de trabalho nos países estrangeiros, onde o custo da mão-de-obra é menor9. A integração global e a mundialização andam de par com o neoliberalismo, que na sua tese fundamental sustenta que o mercado é bom e as intervenções do Estado más: desregulamentação em vez de supervisão do Estado, liberalização do mercado e da circulação de capitais e privatização das empresas nacionalizadas, são estas as armas estratégicas com que a doutrina da mundialização se apresenta e que praticamente todas as economias do mundo têm de seguir para serem competitivas.

6 Uma das suas afirmações mais contundentes é a de que até 2010 o desemprego mundial aumentará, no

mínimo, 15%. 7 O sistema de emprego pelo qual as vagas extintas são repostas com vantagem parece estar definitivamente

esgotado. Há sinais claros de que a economia mundial começa a destruir empregos num ritmo mais intenso

do que é capaz de criar. 8 O crescimento da produtividade é uma das justificações. Em 1980, a indústria automóvel tinha um

empregado para cada 15 carros produzidos. Em 2000 a relação é de um para 100. No sector têxtil, um

empregado produzia 7 toneladas de tecido por ano em 1991, e hoje a “ratio” é de um para 30. As

companhias aéreas conseguem transportar duas vezes mais passageiros do que há vinte anos atrás, sem

contratarem um só empregado. O desafio das empresas é de vida ou morte. As que não aumentarem a

produtividade quebrarão e o preço social será o despedimento em massa dos trabalhadores. As que

conseguirem ganhos de produtividade poderão conter uma parte da sua força de trabalho. Ou seja, até

mesmo a prosperidade passa pelo desemprego. O desemprego parece ter estabelecido uma relação de

convivência amigável com o crescimento económico. 9 Tem-se verificado a existência de um fluxo migratório de empregos dos países ricos rumo aos países

pobres. Estima-se, por exemplo, que nos próximos cinco anos, 3,3 milhões de empregos poderão ser

eliminados nos EUA e transferidos para os países em desenvolvimento (para os defensores da globalização

sem limites esta é uma das suas vantagens). Existe nos Estados Unidos da América uma corrente que

defende no Congresso a ideia de obrigar as empresas a produzir bens que incorporem pelo menos 70% de

mão-de-obra americana.

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Os pactos sociais - que conduziram a que, por exemplo, na Europa, se tivesse constituído um Estado Social - que lutavam contra as desigualdades sociais, organizando uma distribuição da riqueza de cima para baixo, estão a desaparecer face à mundialização da economia. Julgo que os ainda defensores do Estado Social se batem por uma causa perdida, uma vez que por todo o lado – o FMI encarrega-se de o garantir nas economias menos desenvolvidas – a palavra de ordem face à mundialização é a de baixar os salários, diminuir as despesas do Estado, suprimir abonos e subsídios, despedir trabalhadores, numa palavra, criar todas as condições para se “aguentar” a concorrência internacional. As novas políticas de emprego apenas disfarçam uma nova forma civilizacional já a despontar e na qual desempenhará funções apenas uma pequena percentagem da população do globo terrestre. Julgo que o desemprego vai deixar de constituir problema, porque o emprego deixará de ser conceito e realidade concreta. O conjunto de seres humanos é cada vez menos necessário para o reduzido número de pessoas que modelam a economia mundial e detêm o poder. Ou seja, a exploração que foi a característica essencial do capitalismo tradicional, está a dar lugar à exclusão de uma parte da força de trabalho do processo mundial de produção. A não resolução do problema do desemprego tem dado origem a um comportamento social de menor consideração da parte de quem tem emprego e trabalho. Este subgrupo populacional apercebe-se cada vez menos do outro, ao ponto de o considerar socialmente excluído. No entanto, o submundo dos desempregados está bem presente, tão incluído na sociedade que incomoda. Pior do que a exploração é a ausência de exploração por falta de trabalho. Neste mundo cada vez mais global, a preocupação pelo desemprego não é real. Porque as políticas aplicadas para o tentar resolver não têm levado em consideração o facto de se estar na eminência duma nova forma civilizacional10, preocupando-se, tão somente, com o facto de os desempregados serem potenciais consumidores e efectivos eleitores. A mobilização dos políticos à volta do problema do desemprego tem decorrido, sobretudo, da pressão do actual sistema de produção mundial sobre a necessidade de crescimento dos lucros por intermédio da multiplicação do consumo. Um modelo que tem sido publicitado como de resolução do problema do desemprego é baseado na metamorfose de empregados em trabalhadores por conta própria11. Milhões de antigos empregados desempenham hoje em dia as mesmas funções de outrora – tais como especialistas informáticos, investigadores de mercado, acompanhamento de clientes – mas são pagos à peça ou através de contratos esporádicos. Com a aparente autonomia dos trabalhadores, o número de trabalhadores em part-time e trabalhadores emprestados também subiu em flecha. Paralelamente à produção just-in-time (produção por encomenda), o mercado mundial acaba de inventar o trabalhador just-in-time, o empregado à espera de ser chamado, antigamente conhecido por jornaleiro12.

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Celso Furtado em muitos artigos de opinião vem-se referindo a esta crise de civilização, mais do que uma

crise de modelo de desenvolvimento (leia-se crise do capitalismo). Ver Celso Furtado, “Em Busca de Novo

Modelo – Reflexões sobre a crise contemporânea”, Editora Paz e Terra, 2002. 11

Um dos articulistas da Revista Ícaro da VARIG (passe a publicidade) afirmava – para o caso brasileiro –

que os desempregados devem deixar de procurar trabalho e passarem a demandar clientes. Uma alusão

clara à dificuldade de criação de empregos neste grande país e à necessidade das pessoas se preocuparem

em arranjar profissões e actividades por conta própria. 12

Esta metamorfose também pode ser analisada no sentido da separação conceitual entre emprego e

trabalho. É hoje mais fácil arranjar trabalho – principalmente do tipo temporário – do que um emprego

formal e permanente.

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Até onde será possível privar todos os anos milhões de cidadãos do seu emprego e de todos os benefícios sociais daí decorrentes? Contrariamente ao que se passa na lógica das estratégias das grandes multinacionais e dos poderosos grupos económicos, nas sociedades dotadas de uma constituição democrática não existe o “surplus people”, ou seja, cidadãos excedentários, inúteis e derrotados. Esta exclusão poderá ter consequências dramáticas. Desde há algum tempo que milhões de cidadãos, excluídos e desestabilizados, procuram refúgio na xenofobia, no separatismo, no afastamento relativamente ao mercado mundial. Como o cisma económico da sociedade se agrava, milhões de pessoas desestabilizadas e excluídas procuram, cada vez mais frequentemente, a sua salvação política na separação e na demarcação. Ao longo dos últimos anos dezenas de novos Estados foram integrados nos mapas do mundo. Muitos povos da Europa – em particular da Europa Central e de Leste - lutam pela sua identidade, sendo curioso verificar que em Estados aparentemente consolidados como a Itália aparecem movimentos a reivindicar a independência da parte norte do país (Liga do Norte, encabeçada por Umberto Bossi a exigir a independência da Padânia). Surge, assim, neste contexto, uma dialéctica Unidade-versus-Identidade, que poderá ter consequências dramáticas em África. Não é apenas no domínio do emprego que vale a pena reflectir sobre o fenómeno da globalização da economia. As empresas transnacionais têm conseguido, sobretudo na última década, arrastar os Estados nacionais para uma autêntica competição entre sistemas fiscais. Para além da política monetária, do regime de taxas de juro e de taxas de câmbio, outro elemento central da soberania das Nações está, a pouco e pouco, a dissolver-se na economia transnacional: a autoridade fiscal. Os governos democraticamente eleitos deixaram de decidir sobre o nível de tributação, passando a ser os próprios dirigentes dos fluxos internacionais de capitais e de mercadorias que determinam o valor da contribuição que estão dispostos a dar para que os Estados realizem a missão de que estão incumbidos. Os Estados e as regiões que desejem tornar-se num ponto de implantação dos investimentos transnacionais têm de desembolsar muito dinheiro a título de subsídios, de isenções fiscais, de facilidades de infraestruturas, de compensações várias a fundo perdido, etc., ou seja, são, afinal, os cidadãos, através dos impostos entregues ao Estado, que acabam por subsidiar essas actividades. Normalmente o peso fiscal que os contribuintes dos Estados receptores dos investimentos transnacionais têm de suportar ronda, em média, um terço do seu valor total. Mas existem casos em que esta percentagem é mais elevada, como em Portugal com o projecto Ford-Volkswagen (mais de 35% do investimento total teve o Estado português de desembolsar a título de apoios fiscais e subsídios diversos), no Estado norte-americano do Alabama, relativamente pobre, a Mercedes-Benz pagou somente 55% das despesas totais de construção de um novo complexo fabril e na Tailândia, em que a General Motors conseguiu um perdão fiscal por um período de 10 anos. Esta corrida aos subsídios, isenções fiscais, compensações aduaneiras, etc., revela até que ponto a política interna e os governos se perderam no labirinto da economia global. A pressão da competição internacional leva os governos a proporem vantagens financeiras que nenhum critério objectivo pode justificar. Contudo, obrigados a apresentar aos seus eleitores acções concretas contra o desemprego, os políticos encarregados de levar à prática a integração no mercado mundial deixaram de compreender que, ao procurarem atrair as empresas transnacionais a preços de ouro, não fazem mais do que prejudicar a longo prazo as empresas dos seus próprios países.

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Devastando os orçamentos para que se conserve a parte nacional do bolo económico mundial, fazem com que os seus Estados entrem numa lógica que prejudica a economia nacional e põe em causa o papel do Estado – que, de resto, na perspectiva do Instituto para a Economia Mundial de Kiel, na Alemanha, deve passar a ser de simples hospedeiro da economia transnacional. Os defensores da economia sem fronteiras acreditam que esta integração mundial é um processo natural e sem recuo: “a competição na aldeia global é como uma grande cheia: ninguém lhe consegue escapar” e “o vento da competição transformou-se numa tempestade e o verdadeiro furacão está para chegar” são frases atribuídas aos fundamentalistas da globalização. No entanto, outras correntes não partilham desta “mão invisível do mercado mundial”, argumentando que a integração da economia para além de todas as fronteiras não é, de forma alguma, determinada por qualquer lei natural da economia ou por um progresso técnico linear que irrompe e perante o qual não há qualquer alternativa. Ela é, sim, o resultado de políticas governamentais conscientemente conduzidas durante décadas pelas nações ocidentais industrializadas. 3.- CONCEITOS E REALIDADES DA NOVA ECONOMIA E A SUA INCIDÊNCIA EM ANGOLA (Comunicação apresentada ao Fórum da Francofonia realizado pela Alliance Française em Luanda em 21 de Março de 2001)

Não é fácil abordar um tema tão rico e tão desafiador quanto o é o da Nova Economia em apenas 30 minutos. No entanto, a organização deste Fórum impõe este limite de tempo, pelo que me pareceu que a melhor forma de o abordar era dividi-lo em dois pontos. A.- O QUE É DE FACTO A NOVA ECONOMIA

A Nova Economia está indissociavelmente ligada à performance económica patenteada pelos Estados Unidos durante o período 1990-2000. Apesar de muitos analistas como Reinaldo Gonçalves (professor titular de Economia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro) reconhecerem que o sistema capitalista liderado pela maior potência económica mundial ter apresentado, durante os últimos 25 anos, um desempenho bastante inferior ao de outros ciclos de expansão económica como os de 1870-1913 e 1950-1973, a verdade é que todos se espantam perante o que se tem vindo a passar na economia americana. Falar de Nova Economia é, essencialmente, falar da realidade norte-americana. Os Estados Unidos descolaram de todas as economias desenvolvidas, mormente da União Europeia e do Japão, e ao contrário do discurso da teoria da globalização, não há convergência entre estas economias, apesar de toda a liberdade de circulação de bens, serviços e capitais. Ainda que falar da Nova Economia seja circunscrevê-la, sobretudo, aos Estados Unidos, do que é que se está realmente a falar?

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Da economia do imaterial, em que a produção de saber e a reprodução dos conhecimentos aparecem como os factos essencialmente novos deste começo de milénio? A economia do imaterial é, talvez, a única que se apresenta com rendimentos à escala crescentes - quanto mais são utilizados os recursos humanos qualificados, mais crescem os rendimentos que deste factor se retiram - resolvendo, assim, a contrariedade da lei dos rendimentos marginais decrescentes, uma das causas dos ciclos económicos. Como o facto central da Nova Economia se relaciona com os extraordinários ganhos de produtividade, parece à primeira vista, que falar de Nova Economia é falar da economia do imaterial. Mas provavelmente não é suficiente. Estamos ou não perante uma revolução no pensamento económico neste dealbar do novo milénio? A Nova Economia existe mesmo? Os factos que ocorrem nas economias mais desenvolvidas do mundo, nomeadamente nos Estados Unidos da América, são suficientes para contrariarem teorias económicas estabelecidas? De um lado, há os que garantem que as leis económicas, tal como as conhecíamos até agora, estão definitivamente postas em causa. Inflação, desemprego, crescimento e ciclos já não são o que eram. Os ganhos de produtividade têm sido espectaculares, graças ao computador e às novas tecnologias da informação, que por seu turno têm ocasionado grandes vagas de inovações tecnológicas e de organização (a nova forma de funcionar da actividade económica está assente na rede e na contenção de custos). Do outro lado, estão os que entendem que o que se está a passar não é nada de essencialmente novo, nem muito menos estruturante, à excepção do B2B (business-to-business), o qual traduz o comércio por computador entre as empresas em sectores como a química, os veículos motorizados, o equipamento industrial e de alta tecnologia. Os computadores são, na verdade, reconhecidos como os principais responsáveis pelos extraordinários ganhos de produtividade, sublinhando-se que o seu preço, corrigido pela qualidade, caiu 90% na década de 90. Entre os que entendem que não se está a passar nada de estruturalmente novo encontra-se Paul Samuelson, que inclusivamente defende a urgente necessidade de um arrefecimento da economia norte-americana. O seu raciocínio tem como fio condutor o comportamento altista da bolsa de Wall Street. Apesar de as cotações terem descido a partir de Março de 2000 – tanto as das empresas tecnológicas e de internet, como as da velha economia – Samuelson ainda considera que o seu valor não reflecte a verdadeira situação económica e financeira das empresas, pelo que é melhor, desde já, provocar um certo arrefecimento da economia, do que vir-se a estar confrontado com algum choque recessivo no futuro, justamente derivado do arrebentamento da “bolha” bolsista. O arrefecimento da economia norte-americana já começou a ser tentado através da elevação dos níveis das taxas de juro, determinado pela política da Reserva Federal comandada por Alan Greenspan. As autoridades do Banco Central mais poderoso do mundo estão a levar a sério aquilo que o seu presidente qualifica de “exuberância irracional”, que, em termos práticos significa um receio que Wall Street – e Francoforte, Londres e Tóquio – não resistam à exagerada sobreavaliação das acções e a “bolha” rebente. A necessidade de aumento das taxas de juro está, também, a ser sentida pelo Banco Central Europeu, muito embora neste caso não seja apenas o fenómeno da “bolha” bolsista a determiná-la, mas também a imperiosidade de se defender o euro perante os

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ataques cambiais do dólar norte-americano. Acredita-se, do mesmo modo, que o Banco Central japonês inicie uma política monetária vigorosa, pondo fim ao período de taxas de juro nulas (com tão maus resultados em matéria de ultrapassagem da crise económica, dada a avalancha de falências que o dinheiro fácil e barato tem vindo a provocar). Samuelson pretende que a aterragem da economia americana seja suave (“soft landing”). Em vez de o PIB da maior economia do mundo continuar a apresentar um ritmo de crescimento anual entre 4,5% e 7,0%, passe para um comportamento mais alisado e em torno dos 2,5% a 4%. Segundo este ponto de vista, este seria um comportamento ainda mais notável do que o registado entre 1970 e 1990 e a América continuaria a representar um bom mercado para as exportações europeias e asiáticas (quanto maior a taxa de crescimento económico dum país, maiores as necessidades de importação). Para mais, quando os sintomas de inflação recomeçam, em todos os mercados (no mercado de bens e serviços com a subida dos preços e no mercado de trabalho com a elevação dos salários), aquelas taxas de crescimento são suportáveis pelos ganhos de produtividade do final dos anos 90 e que se ficaram a dever às acelerações schumpeterianas na tecnologia dos computadores, nas telecomunicações e internet, nos semicondutores e na biotecnologia. E ao que parece os resultados registados pela economia norte-americana em Abril e Maio dão razão a estes pontos de vista: as vendas de automóveis enfraqueceram, tal como as vendas do comércio a retalho e a taxa de desemprego terá aumentado de 3,9% para 4,1% (porém, uma redução para 4% em Junho). Mas como é que se pode aceitar esta posição da necessidade de arrefecimento desta economia, justamente quando o que um país mais precisa é de crescimento económico e de redução do desemprego? É neste contexto que emergem as contradições entre os especuladores bolsistas e os operadores da economia real. Estes estão, evidentemente, interessados em que as economia cresçam e o desemprego diminua. Os especuladores financeiros, pelo contrário, estão interessados em que a economia arrefeça por si própria, com receio de que a política monetária altere as taxas de juro, no sentido da sua elevação. Só que está-se perante um efeito-boumerang: cada enfraquecimento da taxa de crescimento da economia real tem como resultado uma redução das expectativas de lucros e de crescimento destes. Cada vez que uma empresa anuncia uma queda dos lucros ou uma revisão em baixa das expectativas dos mesmos resulta numa quebra acentuada no preço das respectivas acções – quedas de 10% ou 20% deixaram de ser raras. Acresce que é perfeitamente possível uma convergência entre uma desaceleração do crescimento e uma baixa das cotações das acções. Há, ainda, uma abordagem da Nova Economia que a entende como o final do ciclo económico. Não existem, como é evidente, grandes certezas. Na Tríade predomina a tese da dessincronia dos ciclos: os EUA em situação ascendente, o Japão numa fase recessiva do ciclo e a União Europeia preocupada com a convergência cíclica interna. Uma última posição está centrada nas inovações e na produtividade - globalização tecnológica e organizativa, revolução nas tecnologias da informação, computadores etc. Estas novas tecnologias têm sido as grandes promotoras dos substanciais ganhos de produtividade que têm permitido crescer sem inflação, nem desemprego, com cotações

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bolsistas altas e com excedentes orçamentais. O ponto fulcral do seu raciocínio é a tese da “destruição criadora” de Joseph Schumpeter13. A teoria schumpeteriana do desenvolvimento económico tem, justamente, como ponto nevrálgico o processo de “destruição criadora” fundado nas inovações (tecnológicas, de organização e espaciais). Não há melhor exemplo da destruição criadora de Schumpeter do que o que tem acontecido na economia norte-americana na última década. A ideia central do pensamento deste grande economista é a de que as inovações que permitem o desenvolvimento económico, são, também, causa das flutuações económicas. O raciocínio schumpeteriano é encadeado da seguinte maneira: toda a inovação com sucesso é base para uma vaga expansionista primária, à qual é, geralmente, adicionada uma vaga expansionista secundária, baseada na difusão da inovação e em iniciativas económicas que encontram um enquadramento favorável nos efeitos da primeira vaga. Diferentes inovações terão, naturalmente, diferentes impactos na actividade económica, o que justifica a existência dos ciclos económicos, com diferentes períodos e amplitudes. O consequente esgotamento dos processos que estão na base da onda expansionista secundária provoca, por sua vez, a depressão. Retêm-se do pensamento de Schumpeter duas ideias fundamentais: * a primeira, é a de que o motor das transformações do sistema económico são as inovações e de que sem elas as sociedades não se desenvolvem, no sentido de Kuznets; * a segunda, é a de que tem de haver um controlo dos efeitos das vagas de inovações, de modo a conseguir-se o mínimo prolongamento da fase descendente dos ciclos económicos. A questão que se deve colocar perante as diferentes explicações para as flutuações económicas e a constatação de que os últimos 250 anos foram pródigos em ciclos económicos de expansão e depressão, é a de se saber se no novo milénio os ciclos vão continuar a existir. As respostas são diferentes: * enquanto existirem razões para esperar que o fluxo de inovações de base científica continue, então também as flutuações económicas existirão. E as razões são: o crescimento económico moderno fornece condições para um desenvolvimento crescente da investigação científica (crescimento económico endógeno), porque existem recursos financeiros para a financiar; tendência da economia mundial explorar novos espaços (os mares abissais, o espaço aéreo e dos satélites, novos planetas, etc.); balanço recursos-população tendencialmente desequilibrado (a quantidade de recursos naturais por habitante tem vindo a diminuir significativamente ao longo das últimas décadas), o que vai implicar alterações significativas no paradigma tecnológico futuro; finalmente, a própria solução dos problemas ecológicos vai exigir crescentes inovações; * os ciclos económicos do futuro já não serão os mesmos do passado, porque, entretanto, a economia criou mecanismos de actuação e de ultrapassagem muito menos dolorosos. Mecanismos como a segurança social, o subsídio de desemprego e o apoio a empresas em dificuldades momentâneas, constituem formas de se reduzirem

13

Business Cycles: a Theoretical, Historical and Statistical Analysis of the Capitalism Process”, New York-

Londos McGrow-Hill, 1939.

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os custos da recessão económica. Deste modo, as dificuldades das crises são hoje muito mais amaciadas do que o foram nos tempos anteriores. Provavelmente – e se, de facto, existe - a Nova Economia será um pouco de tudo isto. Um dos grandes defensores da Nova Economia é Rudiger Dornbush, professor de Economia no MIT e ex-economista chefe no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional. A Nova Economia nos Estados Unidos da América tem-se expressado por um ritmo de crescimento médio na década de 90 de cerca de 4%, por uma inflação média anual de 2,5% - o que para muitos economistas corresponderá a uma situação de quase estabilidade dos preços – por uma taxa de desemprego em torno dos 3,5% - valor correspondente a uma situação de quase pleno emprego da economia – por cotações bolsistas elevadas e por um excedente orçamental. Até que ponto uma situação com estes contornos pode perdurar (para além dos quase 10 anos em que ocorreu de modo sistemático)? Será que os mais recentes sintomas de abrandamento ocorridos na economia norte-americana representarão uma tendência de regresso a um processo de “stop-and-go” tão característico da época reageniana? A Nova Economia sobreviverá a uma redução do ritmo de crescimento? A resposta depende da natureza dos factores responsáveis pelos crescimentos espectaculares da produção e da produtividade: tratando-se de factores estruturantes dum novo desenvolvimento baseado nas vagas tecnológicas schumpeterianas é de se presumir que não haja razões para se esperar uma inversão substantiva da situação. E é justamente esta a opinião de Dornbush: “ a Nova Economia viverá e espalhar-se-á pelo mundo inteiro e tornar-se-á tão difusa quanto o Estado de Bem-Estar ( o célebre “Walfare State” de Roosvelt) e a Gestão Pública se tornaram na década de 30. Modelará as nossas economias e as nossas vidas durante décadas”. Por uma razão simples: a Nova Economia está baseada em alguns motores estruturantes e que se inter-relacionam. O primeiro e mais óbvio motor da Nova Economia é a tecnologia, cuja expressão máxima são os computadores. Mas tem-se, também, a revolução das telecomunicações, muito mais difusa e generalizando-se mais depressa do que a do telégrafo e do telefone entre 1840 e 1850 ( a posição de Robert Gordon, a ser vista mais adiante, vai, precisamente, no sentido oposto), a revolução da informação e a sua capacidade de criar programas de “software” que reestruturam, de forma dramática, tarefas da contabilidade à gestão, das finanças às compras e aos tempos livres. A explosão da capacidade de computação criará oportunidades que ninguém, no presente, consegue imaginar. O segundo motor da Nova Economia é a competição, cujas características e condições de exercício se alargaram com a liberalização internacional do comércio de bens e serviços e com a circulação de capitais. Nunca se teve uma concorrência tão grande e generalizada desde o início do século XX. Uma competição forte está a tornar-se regra em países – como a França, Alemanha e Japão – que a odeiam como se do diabo se tratasse (o modo mais social como a economia é encarada nestes países tem raízes profundas na cultura e nas idiossincrasias das suas populações). Os agentes da concorrência são o comércio mundial, a desregulação dos mercados domésticos e o desmantelamento dos Estados de Bem-Estar (Estados-Providência).

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O terceiro componente do vigor da Nova Economia, de acordo ainda com Dornbush, é a nova cultura económica praticada pelos Estados, empresários e famílias. Os Bancos Centrais e os Ministérios das Finanças aprenderam que preços estáveis e orçamentos equilibrados são um contributo extraordinário para a prosperidade dos países. Robert Gordon também se situa do lado dos que pensam que nada de essencialmente novo se está a passar, centrando a sua crítica no que se passou a chamar o paradoxo de Solow (existem computadores por todo o lado menos nas estatísticas da produtividade), ou seja, nos ganhos efectivos de produtividade da economia norte-americana. Gordon argumenta que o movimento de aumento da produtividade – que, na verdade, tem existido – não é generalizado, situando-se, apenas, no sector produtor de bens duradouros. Mas vai mais longe ao contestar os impactes das novas tecnologias - que no fundo dão corpo ao que já se convencionou chamar de nova economia – situando-os muito abaixo das grandes invenções do passado. Para este professor da Northwestern University a comparação entre as invenções ocorridas entre 1860 e 1900 – e que ele agrupa em cinco clusters – e as que são atribuídas à nova economia, estas saem a perder em termos dos seus efeitos sobre a economia e a sociedade. Para Gordon os clusters das grandes invenções do século passado são:

electricidade, com repercussões no crescimento do dia para ler, repousar e trabalhar, na refrigeração (que eliminou desperdícios de comida e permitiu o seu armazenamento), no ar condicionado, nos motores eléctricos (que revolucionaram a produção, permitiram a descentralização das fontes de energia e viabilizaram instrumentos flexíveis e portáteis);

motor de combustão interna, do qual resultou o transporte motorizado e seus derivados, como o subúrbio, as auto-estradas, os supermercados, etc.;

química, com toda a sua extenssíssima gama de produtos derivados (petróleo, plástico e produtos farmacêuticos);

telégrafo, telefone, fonógrafo, fotografia, rádio, cinema e televisão, através das quais o mundo encolheu e se assistiu à explosão do lazer, da comunicação e da informação. Sustenta Gordon que neste aspecto a redução de distâncias proporcionada por estas invenções teve um sentido e uma importância bem mais forte na altura em que ocorreram, do que as que resultam hoje da internet: “invenções de segunda ordem são, por exemplo, os vídeos e os telefones portáteis de que tanto se fala como um dos pilares da nova economia, mas cujos efeitos, em termos de velocidade de comunicação, não se comparam aos do telégrafo, que entre 1840 e 1850 reduziu o tempo necessário para transmitir uma página de texto entre Nova Iorque e Chicago de 10 dias para cinco minutos e o custo para um centésimo”.

O ponto fulcral da crítica de Gordon centra-se na capacidade humana de utilização dos computadores, o que, em boa parte, explica o paradoxo de Solow. Com efeito, apesar de cada vez mais se possuírem computadores mais rápidos e com memórias poderosas, as limitações na sua utilização impedem incrementos expressivos na produtividade. Um chip mais rápido não nos torna mais rápidos a pensar ou a escrever. E o tempo é escasso. O que quer, por exemplo, dizer que no processamento de texto não se pode escrever ou pensar mais rápido do que se escrevia e pensava com os computadores pessoais de 1983, que tinham apenas um centésimo de memória e uma velocidade 1/60 dos actuais.

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Apesar de o stock de capital com que se trabalha ser superior 30 vezes, a produtividade não aumentou na mesma proporção. Se atendermos aos factores que Rudiger Dornbush considera como os explicativos e decisivos da Nova Economia, verifica-se que a crítica de Gordon é fundamental, podendo, inclusivamente pôr em causa as teses dos defensores da Nova Economia. B.- ASPECTOS DA NOVA ECONOMIA EM ANGOLA

Se o enquadramento para a análise desta questão em Angola for, à semelhança do que se convencionou ser para esta nova realidade, o crescimento económico, a evolução da produtividade, o comportamento da inflação e o conduto do desemprego, então não existe Nova Economia em Angola. O crescimento económico foi, em média entre 1990 e 1998 de -3,3%, a inflação média anual de cerca de 925% no mesmo período, o desemprego deve rondar, actualmente, os 35% da população em idade activa (cerca de 20% em 1992) e o valor da produtividade média seguramente que se tem apresentado com valores reduzidos no período considerado. Algumas estimativas grosseiras disponíveis dão conta do seguinte comportamento da produtividade média bruta no país (em dólares dos Estados Unidos e por trabalhador): * 1992 - 3233 * 1993 - 2263 * 1994 - 3205 * 1995 - 3579 * 1998 - 1500 Ao se inserir a economia nacional num contexto regional mais vasto compreende-se quão dramáticos são os valores registados para a produtividade média no país:

INDICADORES MUNDIAIS DE PRODUTIVIDADE E SALÁRIOS MÉDIOS Valores médios anuais referentes a 1998

Países PNBpc ($US)

PRODUTIVIDADES MÉDIAS ($US) SALÁRIOS MÉDIOS ($US) Salários mínimos

($US) Total Agricul. Indústria Serviços Total Agricul. Indústria Serviços

Angola 380 1500 237 9750 3375 900 178 4875 2342

A. do Sul 3310 8344 2409 8333 9850 4589 1565 4166 5605

Botswana 3070 4900 400 11000 8334 2768 280 6050 4725

Namíbia 1940 3100 600 5500 5667 1752 420 3025 3213

Argélia 1550 4660 2167 7102 4406 2563 1408 3550 2507

Ghana 390 865 150 460 2650 562 112 276 3522

Marrocos 1240 3287 1212 4207 5633 1874 787 2104 3312

Brasil 4630 10960 4012 13748 29982 6138 2407 6875 7407 1080

Argentina 8030 21293 10000 17833 26067 11285 5700 8917 14076 1873

Nicarágua 370 889 1079 735 860 622 755 456 635 -

Bolívia 1010 2654 868 4259 4219 1725 538 2470 2928 236

Portugal 10670 21340 4200 22060 28130 9440 1860 9760 12445 3150

Espanha 14100 32541 9700 70518 14777 17260 5145 37402 7837 4750

Irlanda 18710 81900 46000 92333 82670 35927 20179 45504 32264 -

FONTES: PNUD - Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, 2000; Banco Mundial - Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 1999; Eurostat; Cálculos com base nas informações primárias.

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Algumas conclusões: (a) evidentes

existem 3 categorias de países com realidades económicas completamente distintas: só consegue disputar o mercado mundial quem apresentar índices de produtividade duma determinada envergadura;

os países mais desenvolvidos da amostra representada no quadro patenteiam maiores níveis de produtividade no sector dos serviços, seguido da indústria, a comprovar o teorema de Colin Clark sobre as etapas do desenvolvimento económico;

a América Latina, talvez duma maneira mais evidente e agressiva que a África sub-sariana, mostra uma realidade económica profundamente desigual entre os países que a constituem;

em todos os países da amostra a actividade agrícola é a menos produtiva, o que comprova que a introdução de inovações, neste caso, se encontra limitada pelas condições naturais.

(b) implícitas

a relação entre a produtividade e o salário - uma aquisição teórica da escola marginalista - deve ser respeitada no processo de crescimento económico: os aumentos salariais devem estar confinados à repartição dos ganhos de produtividade entre os dois principais factores de produção. Mais salários para o mesmo nível de produtividade só é possível num contexto de alteração da relação de forças, política e social, entre empresários e trabalhadores;

as condições para o incremento da produtividade são, sobretudo, de natureza exógena ao processo produtivo: educação, formação, investigação e desenvolvimento, saúde, equipamentos geracionais recentes, tecnologias e processos, etc. Estes elementos actuam sustentadamente no longo prazo;

é ao Estado a quem deve competir a responsabilidade maior de criar os ambientes (macroeconómicos, microeconómicos, de escala e de economias externas) propícios ao incremento sustentado da produtividade;

para muitos dos países da amostra representada no quadro, a produtividade - e correlacionadamente a competitividade - é uma questão nacional e estratégica, merecendo discussão aprofundada, reflexão aturada, políticas específicas e programas concretos de fomento e de facilitação;

o salário mínimo começa a ser uma categoria económico-social em processo de desuso, não apenas por infringir as regras dos modelos liberais - os quais, com mais ou menos contrariedade e resistência, acabam por ser adoptados - mas, também e principalmente, porque começaram a emergir modalidades inovadoras de protecção social.

Mas a análise da Nova Economia em Angola deve contemplar outros aspectos. Como por exemplo o das reformas económicas e institucionais. Justamente no sentido que lhe tem sido dado por Rudiger Dornbush, qual seja, o da nova cultura económica praticada pelos Estados, pelos empresários e pelas famílias. O Programa do Governo para o corrente ano e que assenta o fundamental da sua articulação na criação duma nova mentalidade de gestão macroeconómica e microeconómica e na aprendizagem de

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princípios básicos da economia de mercado como a estabilidade dos preços e a equilibragem dos Orçamentos de Estado, é um bom sinal no sentido da Nova Economia no país. Mas também temos a questão dos computadores. A revolução nas tecnologias da informação, os ganhos de produtividade em actividades consideradas da “Velha Economia”, o B2B ou o B2C, assentam no desenvolvimento dos computadores. Só que em Angola parece aplicar-se o paradoxo de Solow: vêem-se computadores por muito lado menos nas estatísticas da produtividade. Com efeito, nos últimos anos - a partir de 1995 - muitas empresas de fornecimento de serviços informáticos surgiram no país, muitas instituições públicas informatizaram os seus serviços e a sua organização, muitas acções de formação foram, entretanto, feitas na preparação de utilizadores de meios informáticos, etc. Paradoxalmente, a produtividade continua a patentear valores baixos e tem mantido a sua tendência para o decrescimento. Que razões poderão estar na origem deste comportamento?

Desde logo, para que a produtividade se desenvolva é necessário que exista um ambiente para tal, que não tem ocorrido no país;

Depois creio ser válido o ponto fulcral da crítica de Robert Gordon à Nova Economia: apesar de se possuírem cada vez mais computadores as limitações na sua utilização impedem incrementos expressivos na produtividade;

Depois ainda a produtividade e o seu comportamento ascendente estão conectados com a produção de saber e a reprodução de conhecimentos, o que não tem sido o caso de Angola;

Finalmente e apesar da sua relativa divulgação, os computadores ainda não entraram na Velha Economia angolana (que utiliza processos de produção arcaicos e desactualizados).

4.- OS PARADOXOS DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº 7, Setembro/Outubro de 2001)

Depois de mais de quarenta anos de ajuda pública ao desenvolvimento em África os resultados são manifestamente confrangedores, uma vez que o continente e os países que o constituem permanecem tão subdesenvolvidos quanto antes:

entre 1975 e 1995 o crescimento económico da África subsariana processou-se a um ritmo médio anual de 2,0% e entre 1990 e 1998 de 2,3%;

em termos de desenvolvimento – remotamente medido pela taxa de variação média do PNB por habitante – entre 1975 e 1990 o ritmo foi de –0,9% e no período 1990-1998 a quebra anual foi de 0,4%.

Aliás, estes resultados francamente desanimadores e que não foram minimamente beliscados pelos fluxos da ajuda ao desenvolvimento, mereceram a elaboração dum

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importante trabalho do Regional Bureau for Africa das Nações Unidas em 1993 e sintomaticamente intitulado “Rethinking Technical Cooperation”14. A sensação de frustração é ainda maior quando se constata que a África subsariana tem recebido fluxos financeiros importantes a título de ajuda pública ao desenvolvimento15:

16759 milhões de dólares dos Estados Unidos em 1992, representando mais de 11% do PNB acumulado, 31,6% da APD total e uma capitação média total de 36,4 dólares norte americanos;

12580 milhões de dólares dos Estados Unidos em 1998, representando 4,4% do PNB acumulado, 30,6% da APD total, uma capitação de 21,4 dólares norte americanos e um decrescimento global de 25% correspondente a uma taxa média anual de –4,68%,

levantando-se, em decorrência, sérias reservas quanto à sua efectiva capacidade de contribuir para a resolução dos problemas económicos estruturais desta parte do continente africano. Existem alguns equívocos que importa explicitar:

(i) Desde logo a atitude dos governos dos países beneficiários, que normalmente encaram a APD e a cooperação técnica como donativos, esquecendo-se que ocorrem:

- custos directos derivados da circunstância de uma parte significativa da APD ser concedida a título de empréstimos, reembolsáveis a mais ou menos largo prazo, - custos indirectos relativos a alojamento dos expatriados, salários dos homólogos nacionais, etc., - custos de oportunidade decorrentes de alternativas de aplicação dos fundos da APD provavelmente mais consentâneas com um desenvolvimento sustentável e durável.

(ii) Em segundo lugar e no que à cooperação técnica concerne verifica-se que em 100 USD disponibilizados 80 USD referem-se a salários dos técnicos expatriados, o que significa que pelo menos 80% dos fundos regressam aos países doadores. Este facto deveria já ter levado os países beneficiários a programarem , de forma rigorosa, as formas e as modalidades de assistência técnica, de modo a que “indo o dinheiro fique capacidade técnica nacional”. (iii) Em terceiro lugar, as prioridades, os sectores e as modalidades de APD só aparentemente são definidas pelos países beneficiários, cabendo, na realidade, aos países e instituições doadoras “sugerirem” as melhores maneiras para a sua aplicação; são, na verdade, raros os casos em que estes fundos são disponibilizados como um envelope fechado entregue aos países beneficiários para as aplicações que melhor sirvam o seu desenvolvimento económico.

14

UNDP/DAI – Rethinking Technical Cooperatino, Reforms for Capacity Building in Africa, 1993. 15

PNUD – Relatório do Desenvolvimento Humano, 2000

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(iv) Finalmente, a APD deveria ser encarada predominantemente na óptica da constituição de fundos estruturais para o desenvolvimento, capazes de estruturarem sectores decisivos (como o da valorização dos recursos humanos, o do desenvolvimento tecnológico e o das infraestruturas e redes de comunicação) para o “take off” definitivo das economias africanas. Não é difícil entender e aceitar que uma África desenvolvida é do interesse do mundo e da comunidade internacional, enquanto mercado fornecedor e comprador, como tampão duma emigração cada vez mais indesejada na Europa e como meio de se estancar a fuga de cérebros do continente africano.

Apontam-se alguns sucessos da cooperação técnica em África , em particular nos casos da chamada “cooperação técnica hard” relativa a serviços de engenharia no quadro de projectos de equipamento e de estudos de viabilidade. Porém, uma análise mais atenta revela que, por um lado, se trata mais de projectos “chave-na-mão” do que propriamente cooperação técnica e, por outro, o sucesso tem sido avaliado em termos instantâneos e não dinâmicos. No caso da “cooperação técnica soft” (serviços de consultoria e de aconselhamento para o desenvolvimento institucional e dos recursos humanos) os problemas prendem-se, sobretudo, com a necessidade de um conhecimento profundo do ambiente local em que os projectos vão actuar e que grande parte dos consultores estrangeiros está longe de possuir. A avaliação dos resultados da cooperação técnica é, também, um problema ainda por resolver. Normalmente os projectos terminam sem que se validem os resultados obtidos, confrontando-os com os que se esperavam obter. A eficácia das intervenções no quadro da cooperação técnica deve ter dois prismas de apreciação: a contribuição real para a criação de capacidades técnicas locais a longo prazo (resolução dos problemas institucionais de carácter estrutural) e a ajuda na gestão macroeconómica de curto prazo. O sistema da Ajuda Pública ao Desenvolvimento - no qual se inscreve a cooperação técnica - enferma de alguns paradoxos que amplificam a influência dos factores que negativizam os seus resultados, tais como: 16

(i) A experiência vai mostrando que os países onde a APD e a cooperação técnica são mais necessárias são, também , os que apresentam uma fraca capacidade de absorção (elemento decisivo do binómio “assistência técnica - redução/eliminação da assistência técnica” ou então “assistência técnica para acabar com a assistência técnica”). E o paradoxo parece ser este: a cooperação técnica funciona melhor nos países que dela menos necessitam. (ii) Na impossibilidade de ser outra, a cooperação técnica muitas vezes assenta na realização de tarefas práticas, rotineiras e quotidianas, enquanto os quadros nacionais ou estão desempregados, ou abandonaram a Administração Pública por desmotivação ou saíram do país. (iii) Por força dos programas de ajustamento estrutural (redução dos efectivos do pessoal civil do Estado e diminuição da respectiva massa salarial) e das dificuldades

16

BOSSUYT, J., LAPORTE G., VAN HOEK F: Une Nouvelle Voie pour la Cooperation Téchnique en

Afrique, Centre European de Gestion des Politiques de Dévéloppement.

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orçamentais internas, o pessoal disponibilizado pela cooperação técnica (com custo zero ou muito diferido para os países beneficiários) acaba, quase sempre, por preencher as vagas deixadas pelos nacionais. Situação paradoxal na exacta medida em que existe capacidade técnica local, parecendo mais simples e eficaz afectar certas verbas da cooperação técnica ao reforço dos salários dos quadros nacionais (Moçambique em 1993 teve de “importar” professores para o ensino secundário porque não tinha recursos financeiros para pagar aos professores nacionais um salário mensal equivalente a 50USD).

(iv) As actuais modalidades de que se reveste a cooperação técnica perpetuaram a dependência face aos especialistas estrangeiros, ou seja, tal como existe a cooperação técnica engendra necessidades acrescidas de cooperação técnica em vez de reduzi-las.

(v) Finalmente, as acções de formação no exterior realizadas ao abrigo da assistência técnica tiveram como resultado, em grande parte dos casos, a acentuação da fuga de cérebros.

Afinal que factores actuam no sentido de mediocrizar os resultados da cooperação técnica? São vários, diferentes e por vezes de efeitos contraditórios:

(i) À cabeça surge, pela importância decisiva que detém, a falta duma estratégia nacional para a cooperação técnica e para a ajuda pública ao desenvolvimento, lastrada e dele fazendo parte integrante enquanto elemento potencial de crescimento, num modelo de desenvolvimento económico e num projecto de sociedade. A ausência duma visão estratégica sobre a assistência técnica externa e a ajuda ao desenvolvimento propicia a contratação de projectos desarticulados entre si e cuja aceitação bastantes vezes é meramente circunstancial (para não ferir as susceptibilidades de quem dá, desvirtuando-se, no entanto, as necessidades de quem recebe). Desde que existe assistência técnica em África nunca foi elaborado por nenhum país do continente um programa claro que visasse a redução da assistência técnica do exterior; (ii) em seguida está a negligência no modo como é tratado o lado da procura de cooperação técnica, divorciando-se, via de regra, os quadros e responsáveis nacionais da concepção, configuração e desenho dos projectos de assistência técnica. Assim sendo, na maioria dos casos estas acções e projectos são autênticos presentes envenenados, demasiado tentadores para serem recusados, mas muito estereotipados para produzirem resultados positivos; (iii) depois, o enquadramento institucional, económico e social onde os projectos de assistência técnica se devem inserir como elemento condicionador importante do sucesso da sua actividade: o quadro institucional , que é suposto facilitar a transferência de conhecimentos, virtualmente não existe ou, então, é muito fraco e as economias assistidas apresentam-se em situação de crise económica crónica com graves repercussões nos salários e nas condições de vida e de trabalho dos funcionários do Estado e logo na sua disponibilidade intelectual de aprendizagem; (iv) depois ainda, o desequilíbrio na relação entre as acções de formação e de reciclagem contidas nos projectos e os custos dos consultores externos (normalmente o orçamento para aquelas actividades não ultrapassa os 25% do valor

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total da cooperação técnica proposta). À vista desarmada parece evidente que um acréscimo ou do número de pessoas com uma adequada capacidade técnica ou da própria capacidade técnica endogenizaria melhor a assistência técnica externa e a repercutiria positiva e cumulativamente sobre o desenvolvimento dos países receptores. No entanto, devem ser enumerados alguns alertas a este propósito, decorrentes de algumas experiências conhecidas: a formação e a reciclagem ao acentuarem a faceta mercantil da capacidade técnica dos beneficiários têm contribuído para a fuga interna (da Administração Pública) e externa (para outros países) de “cérebros” ; depois, as oportunidades de formação têm sido oferecidas no quadro de projectos isolados, longe, portanto, das reais necessidades de formação sentidas pelas instituições; finalmente, as acções de formação dos projectos de assistência técnica são bastantes vezes ou mal definidas ou então sacrificadas por falta de tempo ou por insuficiências orçamentais;

(v) finalmente, a gestão deficiente da assistência técnica pelos beneficiários, tendo-se recentemente reconhecido que as estruturas das administrações locais responsabilizadas pela coordenação e gestão da APD são fracas, insuficientemente dotadas de pessoal qualificado e isoladas das estratégias globais de desenvolvimento e dos quadros macroeconómicos de referência. A estes aspectos (negativos) juntam-se a multiplicidade de agências doadoras, de projectos e de agências de execução (incluindo as ONG’s). Deste ponto de vista releva a má gestão micro da assistência técnica, bastas vezes dificultada por considerações políticas de quem disponibiliza os fundos financeiros.

O círculo vicioso e a actuação paradoxal da assistência técnica e da APD no geral devem ser encarados frontalmente pelos seus actores e protagonistas no sentido da sua erradicação: mais cooperação a gerar muita cooperação, a atropelar os efeitos positivos que se podiam esperar de pouca e coordenada cooperação, cooperação a incentivar a fuga interna e externa de quadros e a substituir-se à capacidade técnica nacional em áreas e matérias marginais, deixando a descoberto as mais estruturalizantes, muita cooperação mais com o sentido de auxílio ao subdesenvolvimento e menos com o propósito de se participar no nascimento de parceiros válidos para a construção duma economia-mundo de relações justas e equilibradas. A melhor forma para os países beneficiários protagonizarem uma actuação mais dinâmica, agressiva e interventora, repousa na existência duma clara política nacional de cooperação técnica, ancorada numa estratégia global de desenvolvimento económico e social. Estes instrumentos são a tradução objectiva de que se controlam os centros nevrálgicos do desenvolvimento endógeno, aparecendo, então, neste contexto, as acções de assistência técnica e os projectos de ajuda pública ao desenvolvimento como factores complementares importantes dos esforços de estruturação de novas ordens económicas internas, obedecendo, em decorrência, a critérios e prioridades que claramente beneficiam quem o deve ser. A alteração e o ajustamento nas actuais modalidades e formas de assistência técnica, para além da aceitação por parte das agências financiadoras e executoras de uma nova ordem nesta matéria, são tributárias de duas questões essenciais, de responsabilidade dos países beneficiários:

- encararem-se, definitivamente, a cooperação técnica e a APD como factores, ainda que complementares, de desenvolvimento (ver a este propósito a abordagem das novas teorias do crescimento) e agir em conformidade, ou seja, elaborarem-se

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políticas de médio e longo prazo para a cooperação técnica que sejam instrumentos de viabilização das estratégias nacionais de mudança estrutural. Tratar-se-á, afinal, de deixar de encarar a APD como o parente pobre das políticas económicas nacionais e definitivamente articulá-la com os programas económicos de médio e longo prazo. Só nesta perspectiva será possível assumir, resolutamente, a diminuição da assistência técnica e da ajuda ao desenvolvimento em geral; - preparação de contratos-programa com os doadores que perspectivem para períodos de cinco anos os projectos, os sectores, as formas e modalidades de actuação, os fundos a despender, o envolvimento dos quadros nacionais, os apoios aos orçamentos nacionais, a participação de consultores externos, etc., visando-se com este procedimento aproximar a oferta e a procura de cooperação técnica e recuperar as virtualidades da ajuda pública ao desenvolvimento enquanto factor de reforço institucional, de modernização económica e de aumento das capacidades técnicas nacionais.

Particularizando alguns aspectos da nova ordem em matéria de assistência técnica e da ajuda pública ao desenvolvimento:

(i) Fixação de objectivos claros entre os quais se destaca a criação de capacidades nacionais e a sua autonomia a médio prazo. (ii) Adaptação aos quadros de referência existentes, de modo a que as restrições políticas e económicas e os constrangimentos institucionais sejam inteiramente levados em boa conta antes da chegada da assistência técnica e da tomada de decisões de afectação de meios e de identificação de tarefas. (iii) Identificação das reais demandas de cooperação técnica institucional, o que implica o uso de métodos participativos de concepção e de execução dos projectos e programas. (iv) Elaboração de programas globais e sectoriais de assistência técnica e da ajuda ao desenvolvimento, fundados num conhecimento aprofundado sobre as situações locais, os constrangimentos políticos, económicos e institucionais - a falta de motivação devida aos salários baixos é um constrangimento decisivo do sucesso dos projectos de reforço das capacidades institucionais e que importa pesar logo no momento da sua concepção - e as práticas internas de gestão.

A experiência tem vindo a demonstrar que não é possível remediar as fraquezas institucionais senão por uma aproximação de conjunto ou então pela criação de enclaves de boa gestão. A transferência/partilha de responsabilidades na gestão da cooperação técnica e da APD articula-se em torno de questões como:

- quem determina as necessidades - quem recruta o pessoal externo - quem se responsabiliza pela concepção dos projectos e pela sua execução no terreno - quem exerce um controle financeiro sobre as respectivas intervenções.

Todos os aspectos referidos são totalmente observáveis em Angola, o que levanta dúvidas e reservas sobre a insistência e a recorrência em determinadas modalidades de ajuda pública ao desenvolvimento. O actual processo de elaboração da Estratégia de

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Redução da Pobreza tem sido utilizado como veículo de forte pressão sobre o Governo por parte de praticamente todos os parceiros institucionais do país. As ofertas de assistência técnica têm sido feitas a um ritmo verdadeiramente impressionante, limitando a capacidade de manobra da Administração Pública e dificultando a criação dum espaço concreto de intervenção dos agentes interessados em levar a bom porto todo este processo. Para além destas questões de natureza mais ou menos técnica e metodológica, existem outras dimensões de apreciação da ajuda pública ao desenvolvimento. Por exemplo, como analisá-la face ao fenómeno da globalização da economia? Ainda hoje se tem a ideia, nomeadamente entre os países doadores, de que a ajuda ao desenvolvimento representa um fardo para os seus cidadãos, já que as verbas para o seu financiamento são retiradas dos impostos por si pagos. Daí que os cidadãos dos países beneficiários deveriam dar testemunho de agradecimento e os seus Governos provas de boa gestão desses mesmo fundos financeiros. Deixemos de fora a dimensão ética e concentremo-nos na vertente económica. Segundo o pensamento neoliberal, a globalização conduz à melhoria generalizada do rendimento médio, uma vez que a exploração de crescentes economias de escala, num mercado mais vasto, conduz à convergência dos rendimentos. O conhecido Consenso de Washington propugna pela abertura total das economias, defendendo que a liberalização conduz à convergência económica. A realidade, porém, é bem diferente. Muito embora se constate que os rendimentos médios têm de facto aumentado, o mais importante a assinalar é que o diferencial de rendimentos entre países ricos e países pobres tem medrado muito mais. Estas tendências de divergência são constatadas há mais de 200 anos, mas hoje, porém, são muito mais gritantes, não apenas pela ordem de grandeza, como também pela facilidade das comunicações globais, sendo instantânea a percepção das diferenças de níveis de vida. Nem o modelo liberal, nem tão pouco a globalização têm jogado a favor dos países menos desenvolvidos e muito em particular dos mais pobres. Apesar da abertura dos mercados de muitos dos países pobres, da liberalização dos mercados internacionais de bens e de capitais e da criação de organizações multilaterais de supervisão da economia mundial, as desigualdades não param de aumentar: existem neste momento mais de dois biliões de pessoas no mundo a viver com menos de dois dólares por dia. Esta divergência entre a teoria e a realidade deve-se a várias circunstâncias:

em primeiro lugar, à insistência proteccionista dos países ricos. Proteccionismo económico da Europa, dos Estados Unidos da América e do Japão face às importações agrícolas provenientes dos países menos desenvolvidos. Mas sobretudo, proteccionismo sobre as movimentações de trabalhadores. São de todos conhecidas as tremendas barreiras à imigração impostas por todos os países desenvolvidos, negando-se, assim, o elementar direito humano aos que mais precisam de uma oportunidade de melhorarem o seu nível de bem estar. Ou seja, os países mais ricos apadrinham a liberalização dos mercados, mas não a praticam na extensão em que a advogam. A globalização da economia não é acompanhada por uma globalização da cidadania. Prevalecem aqui os interesses dos mais ricos, ao

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privilegiarem a sua estabilidade política interna em detrimento da melhoria das condições de vida de muitos outros seres humanos;

em segundo lugar, à incapacidade da maioria das nações pobres em atrair capitais estrangeiros. Ainda que liberalizem os seus mercados internos e abram a sua economia ao exterior, prevalecem outros handicaps desmotivadores para os empresários estrangeiros. De resto, parece não ser totalmente líquido que sejam aqueles os factores decisivos para a movimentação internacional dos capitais. São referenciados muitos casos de economias mais proteccionistas e regidas por planos nacionais de desenvolvimento a longo prazo que atraíram muito mais capital do que os que liberalizaram;

em terceiro lugar, o comércio livre permanece como o modelo correcto para os países ricos, porque assegura iniciativas descentralizadas na pesquisa de novas oportunidades, mas não promove, necessariamente, o desenvolvimento, muito menos a prosperidade e a igualdade entre as nações. O modelo do Consenso de Washington permanece mais apropriado para aqueles que estão na frente, do que para os países que estão na cauda do pelotão. Disto não há dúvidas rigorosamente nenhumas, devendo, em decorrência, reconhecer-se o direito dos países mais pobres de elaborarem estratégias de desenvolvimento ajustadas às suas especificidades;

finalmente, o poder dos países ricos no controle, comando e gestão das instituições internacionais e das organizações multilaterais vocacionadas para o desenvolvimento económico dificulta aos países em desenvolvimento a prática dum modelo self-serving. A submissão às teorias, modelos e argumentos dos mais ricos é total.

O que é que tudo isto tem, afinal, a ver com a ajuda pública ao desenvolvimento? Desde logo e do meu ponto de vista a sua dimensão ética perde bastante do seu anterior vigor. Os países ricos, ao imporem um determinado modelo de desenvolvimento, pretensamente universal, constrangem as oportunidades de obtenção de condições de vida aceitáveis aos cidadãos dos países pobres. E como em Economia não existem almoços grátis estes constrangimentos têm de ter um preço. Por isso e deste ponto de vista a ajuda pública ao desenvolvimento deve ser considerada como:

compensação pelas desigualdades determinadas pela globalização da economia – que afinal até pode ser um fenómeno provocado pelas estratégias económicas e financeiras das multinacionais contra o emprego e a favor do lucro e da competitividade e não como um resultado espontâneo do funcionamento do mercado internacional;

compensação pela proibição da globalização da cidadania: os limites e proibições à livre mobilidade da força de trabalho dos países mais pobres para os mais ricos tem um preço nos primeiros traduzido no desemprego e na pobreza.

Mas também do ponto de vista económico a ajuda pública ao desenvolvimento é do interesse dos países mais ricos, porque pode ser considerada como um investimento na criação de mercado e na homogeneização do desenvolvimento. Por isso, a APD deveria ser aplicada na formação e especialização dos recursos humanos, na saúde básica (enfermeiros, médicos e equipamentos), na educação de base (professores,

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equipamentos, bolsas), na criação de redes estruturantes de infraestruturas económicas e de equipamentos sociais, na transferência de tecnologia e no apoio ao empresariado emergente (cooperação empresarial e linhas de crédito). E onde está a assistência técnica que representa praticamente ¾ de toda a ajuda ao desenvolvimento aos países pobres? Não está. Defendo que as modalidades de ajuda ao desenvolvimento devem ser as que indiquei, porque mais claras, transparentes e muito mais estruturantes. A assistência técnica de que os países pobres necessitam ao nível das suas instituições públicas deveria ser equacionada, formulada, formatada e financiada pelos próprios Governos. Este modelo concerteza absoluta que permitiria:

- reduzir a bola de neve em que se transformou a assistência técnica que na generalidade dos casos tem sido incapaz de promover o “capacity building”;

- mitigar as pressões das instituições ofertantes de assistência técnica, dando mais tempo e espaço para que os governos nacionais pensem correctamente sobre as suas carências e lacunas;

- a obtenção de muitos melhores resultados porque os objectivos e as metas estariam muito melhor inseridas nas necessidades locais (institucionais e empresariais),

- uma gestão mais eficiente dos recursos financeiros, obedecendo a regras e critérios nacionais e não das organizações ofertantes de assistência técnica;

- a redução da excessiva dependência das organizações internacionais de prestação de serviços de assistência técnica, obrigando-as a uma útil reconversão das suas funções;

- um controle directo sobre os resultados da assistência técnica, o que possibilitaria a introdução de ajustamentos imediatos e de revisões instantâneas dos objectivos.

5.- O ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº10, Julho de 2002)

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento acabou de lançar oficialmente o seu relatório sobre o desenvolvimento humano no mundo, este ano dedicado às tecnologias e intitulado “Making New Technologies Work for Human Development”. Aproveitando as importantes informações estatísticas referidas neste relatório vale a pena reflectir-se um pouco sobre esta temática e a sua relevância para o desenvolvimento económico. É voz corrente entre os economistas e os investigadores que o maior acesso à tecnologia e à ciência está dependente do nível de rendimento dos países e das pessoas. Com efeito, o crescimento económico cria oportunidades para a criação e divulgação de inovações tecnológicas úteis, em domínios importantes para as condições de vida das populações, como na medicina, nos transportes, na qualidade dos alimentos, nas telecomunicações, etc.

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Mas o reverso deste processo é também admissível: investimentos maciços na criação de capital humano e em determinadas tecnologias apetrecham os trabalhadores e os cidadãos em geral com melhores instrumentos que os tornam mais produtivos. A tecnologia deve ser considerada sobretudo como um instrumento para um maior e melhor desenvolvimento e não apenas uma sua recompensa. Têm sido admiráveis os progressos humanos consentidos pelos avanços tecnológicos e que simultaneamente permitiram um melhor desenvolvimento e um maior desenvolvimento, mostrando, assim a tecnologia a sua dupla faceta de promotor de crescimento e facilitador de melhores condições de vida: * nos passados anos 30, as taxas de mortalidade apresentaram declínios assinaláveis em diferentes regiões do mundo, como a África, a Ásia e a América Latina, graças aos avanços científicos e técnicos – como os antibióticos, as vacinas e os anti-palúdicos - no tratamento de certas doenças endémicas. O resultado acumulado mais espectacular destes avanços clínicos foi registado na esperança de vida à nascença, que em determinadas regiões do planeta melhorou até aos 60 anos. Resultados semelhantes para a Europa necessitaram de mais de 150 anos para que fossem registados e dependeram, muito particularmente, da melhoria da dieta alimentar e das mudanças na situação sanitária dos países; * a redução da subnutrição crónica nos países da Ásia do Sul de cerca de 40% em 1970 para menos de 23% em 1997 foi possível graças aos desenvolvimentos tecnológicos na produção de fertilizantes, adubos, pesticidas, no tratamento dos solos e na qualidade dos processos fabris registados ao longo da década de 60 e que possibilitaram uma duplicação da produção agrícola em apenas 40 anos (a revolução verde da Índia foi um desses resultados). A Inglaterra precisou de cerca de mil anos para quadruplicar a sua produção média por hectare (0,5 para 2). Os exemplos anteriores mostram como uma inovação tecnológica – por mais simples que seja – pode mudar rápida e significativamente o curso do desenvolvimento numa sociedade inteira (imaginem-se os efeitos que a descoberta duma vacina contra o SIDA poderá ter nas economias africanas mais afectadas pela doença do século XX – ver o meu artigo sobre este tema no número 6 desta Revista). Acrescente-se que na maior parte das vezes, os ganhos advindos dos avanços tecnológicos na saúde, na nutrição, na agricultura e nos processos de produção não são apenas imediatos e focalizados, originando, complementarmente, importantes efeitos multiplicadores sobre toda a sociedade. Constitui-se um verdadeiro círculo virtuoso em termos de aumento do nível de conhecimentos, de saúde e de produtividade da sociedade, ao mesmo tempo que incrementa a disponibilidade intelectual, científica e económica para futuras inovações. Nos dias de hoje as transformações tecnológicas são muito mais rápidas - fruto da virtuosidade dos processos científicos e tecnológicos – e de carácter mais fundamental. Das primeiras poder-se-á exemplificar com a “velocidade de raciocínio” e execução dos computadores que duplica a cada ciclo de 18 a 24 meses e quanto às segundas seguramente que as descobertas da engenharia genética constituem uma excelente ilustração. Olhando para os resultados que as inovações tecnológicas permitem quando são aplicadas aos diferentes domínios em que a vida das pessoas se concretiza no dia a dia – facilitam mais produtividade e mais descanso, permitem mais qualidade de vida e

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melhores condições de trabalho, aumentam a esperança de vida – naturalmente que se teria de concluir no sentido de que toda a Humanidade deveria viver dum modo semelhante, sem as desigualdades que actualmente marcam este nosso planeta, em que 1% das pessoas mais ricas do mundo recebe um rendimento equivalente ao dos 57% mais pobres. Então o que é que se passa? Porque razão afinal só marginalmente é que os países não desenvolvidos beneficiam de certos aspectos das transformações tecnológicas? Penso que a resposta possa estar nos processos de produção científica e tecnológica e nos modelos de difusão e absorção dos seus resultados. Sustenta-se que é o mercado o ponto de partida para os processos de inovação tecnológica e de investigação científica. A tecnologia cria-se como resposta às pressões do mercado e quanto mais poderoso for em termos de dimensão e poder de compra, mais poderosos terão de ser os processos de réplica. Significa dizer que o essencial do processo mundial de criação tecnológica e investigação científica se localiza nos países desenvolvidos. Como razões adicionais mas igualmente significativas encontram-se os elevados índices de desenvolvimento humano patenteados por estas economias, os níveis de “stock” de capital humano, as infraestruturas científicas, os sistemas formais de registo da propriedade intelectual – não circunscritos apenas aos direitos de autor, mas abarcando as marcas, a publicidade, os serviços financeiros, o aconselhamento às empresas, etc. – as bibliotecas e os bancos de dados electrónicos, os estímulos à pesquisa e inovação dados pelos concursos e a própria competitividade científica. Sendo o mercado o factor impulsionador dos processos de produção das inovações tecnológicas, as necessidades das populações pobres tenderão a ser remetidas para o baú das más recordações: sendo portadoras de uma imunodeficiência adquirida de poder de compra insuficientemente incentivador da pesquisa, os seus problemas e as suas necessidades ficarão permanentemente adiadas em termos das soluções mais eficazes. A investigação e desenvolvimento (Research & Development), o pessoal capacitado e os financiamentos necessários estão concentrados nos países ricos, assenhorados pelas grandes multinacionais dos diferentes ramos da actividade económica e seguindo as demandas do mercado mundial dominado pelos consumidores de altos rendimentos. Durante 1998 os 29 países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) despenderam mais de 520 biliões de USD em R&D, ou seja, mais do que o PIB conjunto dos 30 países mais pobres do mundo. Estes mesmos países, que acolhem 19% da população mundial, também contabilizaram, nesse mesmo ano, 91% das 347000 patentes emitidas pelos competentes serviços de registo, também estes maioritariamente sediados nos países ricos. Nestes mesmos países, 60% da investigação científica e tecnológica é actualmente desenvolvida pelo sector privado, o que salienta a sua vertente de mercado e de rendibilidade. Logicamente que ficam rejeitadas as oportunidades para se desenvolverem tecnologias a favor dos países e das populações pobres. Por exemplo e ainda em 1998, foram gastos cerca de 70 biliões de USD na investigação relacionada com a saúde, mas apenas 300 milhões de USD terão sido consagrados à investigação sobre a vacina contra o SIDA e 100 milhões de USD para a investigação sobre a malária (os dois mais avassaladores problemas humanos e económicos da África subsariana). Das mais de 1223 novas drogas farmacêuticas aparecidas entre 1975 e 1996, apenas 13 foram desenvolvidas

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para tratarem directamente doenças de natureza tropical e tão somente 4 foram o resultado directo da pesquisa da indústria farmacêutica. O mesmo panorama domina outras áreas de investigação, na agricultura, indústria e energia. Quanto aos modelos de difusão e absorção das tecnologias, a constatação é, do mesmo modo, no sentido dum enviesamento a favor dos países mais desenvolvidos. Ou seja, as transformações tecnológicas são desigualmente difundidas pelo mundo, não oferecendo oportunidades para que os mais pobres delas possam desfrutar. Os países da OCDE detêm mais de 79% dos utilizadores da Internet, enquanto que a África se apresenta com menos do que a cidade de S. Paulo no Brasil. Estas disparidades não devem, porém, constituir surpresa, uma vez que a produção de energia e as redes de distribuição, desenvolvidas em 1831, ainda não se encontram disponíveis para mais de um terço da população mundial. Mais de 2 biliões de pessoas ainda não têm acesso a medicamentos essenciais de baixo custo como a penicilina, desenvolvidos há muitas décadas atrás. Metade das crianças africanas com menos de um ano de idade não são imunizadas contra a difteria, o tétano, a pólio, etc. Tal como no campo do desenvolvimento económico, também no domínio do desenvolvimento tecnológico e científico as desigualdades são desmedidas e não cessam de se incrementar. A investigação e a produção de conhecimento estão concentradas nos países que se acreditam com as mais altas taxas de desenvolvimento humano, operando-se uma dinâmica de sinergias entre a ciência, a tecnologia e o crescimento económico que afastará ainda mais os países desenvolvidos dos menos desenvolvidos. A atracção que os primeiros exercem sobre os poucos cientistas e investigadores dos segundos – facilitada pela infraestrutura científica, pelas condições de trabalho e pelo nível de vida das nações mais ricas – acresce o fosso já existente, agravado ainda mais pelas fracas condições internamente oferecidas a esta classe trabalhadora. Este movimento é conhecido como a fuga de cérebros dos países subdesenvolvidos e tem significado uma perda significativa de efeitos que deveriam resultar dos investimentos que os seus países fizeram em investigação e desenvolvimento tecnológico (anualmente cerca de 100000 profissionais indianos da ciência e da investigação tecnológica emigram para os Estados Unidos da América, o que significa uma perda anual de recursos para a Índia de mais de 2 biliões de USD). As informações estatísticas contidas no Human Development Report 2001 do PNUD são esmagadoras quanto à concentração da capacidade de criação de ciência e de tecnologia.

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ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO PAÍSES TAI CLASSIFICAÇÃO TCI DRENININD HUNSKIN

PAÍSES LÍDERES NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

FINLÂNDIA 0,744 1 0,324 0,744 0,911

EUA 0,733 2 0,384 0,795 0,753

SUÉCIA 0,703 3 0,424 0,640 0,752

JAPÃO 0,689 4 0,618 0,605 0,570

COREIA 0,666 5 0,410 0,423 0,870

HOLANDA 0,630 6 0,372 0,608 0,556

REINO UNIDO 0,606 7 0,287 0,507 0,655

CANADÁ 0,589 8 0,086 0,534 0,740

SINGAPURA 0,585 10 0,051 0,619 0,723

ISRAEL 0,514 18 0,117 0,371 0,592

PAÍSES DE ELEVADA DINÂMICA DE UTILIZAÇÃO TECNOLÓGICA

R. CHECA 0,465 21 0,022 0,374 0,537

HUMGRIA 0,464 22 0,024 0,439 0,510

BULGÁRIA 0,411 28 0,012 0,194 0,575

POLÓNIA 0,407 29 0,016 0,249 0,521

ROMÉNIA 0,371 35 0,004 0,162 0,518

PAÍSES DE MEDIANA CAPACIDADE DE UTILIZAÇÃO TECNOLÓGICA

ÁFRICA SUL 0,340 39 0,003 0,205 0,297

ZIMBABWE 0,220 59 0 0,075 0,233

FONTE: Human Devevelopment Report 2001, UNDP. NOTAS: TAI – Technology Achievement Index; TCI – Technology Creation Index; DREININD – Diffusion

Recent Techonology Index; - HUMSKIN – Human Skill Index. Antes de qualquer interpretação dos valores do quadro anterior impõem-se alguns esclarecimentos: * o indicador sintético da capacidade de criação científica e de produção de tecnologia é o TAI, cuja tradução é Índice de Realização Tecnológica. É um indicador que reúne no seu cálculo muitas variáveis atinentes à educação, às patentes, etc.; * o segundo indicador TCI – índice de criação tecnológica – é o que expressa as efectivas capacidades de invenção e de inovação e é composto por informações relativas às patentes anualmente registadas em cada país, ao licenciamento de patentes, ao recebimento de “royalities”, etc.; * o terceiro indicador DREININD – índice de difusão das tecnologias recentes – abarca informações quanto à utilização da Internet e às exportações de alta e média tecnologia; * o último indicador HUMSKIN – índice das qualificações humanas – engloba aspectos como o número de anos de escolarização e as taxas de escolarização superior nos ramos das ciências. Em seguida, os países aparecem classificados: uns são considerados líderes da produção científica e tecnológica, outros como potenciais líderes e utilizadores muito dinâmicos das tecnologias inventadas, outros ainda em utilizadores passivos, outros finalmente, os marginalizados de todo este processo, e que são a esmagadora maioria. Relativamente aos países africanos subsarianos, os únicos que aparecem recenseados são a África do Sul e o Zimbabwe, como detentores de alguma capacidade de aplicação de determinadas tecnologias. Particularmente em relação ao primeiro – que inclusivamente suplanta o Brasil, país reconhecidamente possuidor duma base

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industrial desenvolvida, duma sociedade altamente sofisticada e de um corpo considerável de cientistas - não é de admirar que assim seja, haja em vista até determinados trabalhos pioneiros que este país tem apresentado, como, por exemplo, os transplantes cardíacos e a investigação sobre medicamentos para a cura do SIDA. A posição no “ranking” mundial da produção científica e tecnológica dos países africanos leva-os a serem classificados como tecnologicamente atrasados, não investindo o suficiente em pesquisa e desenvolvimento, onde o ensino da matemática e das ciências é ruim e a difusão das velhas tecnologias como os telefones e a electricidade é ainda muito rudimentar. Tratam-se de países assolados com pragas sociais como a guerra, a instabilidade social, o SIDA, a malária e a tuberculose. São maleitas que atingem em muito os respectivos desempenhos económicos, porque infringem pesados danos sobre a produtividade, o absentismo e o crescimento económico. Ainda hoje determinadas instituições internacionais, como o FMI, não conseguem atribuir àqueles factores a importância que realmente detêm para a resolução do subdesenvolvimento africano. Continuam a não ver que a erradicação do subdesenvolvimento e da pobreza está intimamente ligada às metas de crescimento sustentável de longo prazo. Ainda pressionam os governos para a realização de reformas fiscais, a privatização, etc., enquanto mais de metade da sua população está em vias de morrer. Sem a resolução destes problemas básicos e que passam por uma muito maior difusão dos avanços tecnológicos, os países africanos continuarão por muito mais tempo marginalizados do desenvolvimento económico e dos processos de produção de conhecimentos. Sem tecnologia e sem recursos humanos habilitados, os países africanos continuarão sem condições de competir nos mercados internacionais e cada vez mais dependentes da exportação de produtos minerais de base e de produtos agrícolas. As políticas do FMI têm conseguido, em alguns casos, promover a estabilidade macroeconómica, mas têm sido verdadeiramente incapazes de incentivar o crescimento económico e garantir o desenvolvimento sustentável (ver o meu artigo nesta mesma revista no seu número 7). Por isso, logo a seguir a uma razoável performance macroeconómica, estes países vêm-se novamente a braços com outras crises das suas balanças de pagamentos, surgindo de novo o FMI para uma mesma operação de salvamento. Os problemas de longo prazo continuam sem respostas. 6.- PORQUE OS AFRICANOS DESCONFIAM DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (AS LIMITAÇÕES DO MODELO ECONÓMICO DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL) (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº 12, Março de 2003)

As críticas africanas ao modelo económico do FMI são antigas, destacando-se as de brilhantes economistas como Adbayo Adedegi (antigo director da Comissão Económica para África da Organização das Nações Unidas). Tão profundas têm sido as desilusões em África que a desconfiança tomou conta da sua “inteligência”, dos seus lideres e, claro, da imensa maioria da população que não vê forma de romper com o círculo da pobreza.

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São bastantes as razões. Quando estalou a crise financeira na Argentina pensei, num primeiro momento, que as causas estariam na própria política económica deste país, que de resto tinha estabelecido vários programas com o Fundo Monetário Internacional. Seis meses depois mudei radicalmente de opinião. Não que absolva as autoridades argentinas da sua responsabilidade no fracasso da sua mais recente política económica. Mas o que fica claro e evidente é que o FMI não tem ideias inovadoras para apresentar como solucionadoras da crise, financeira primeiro e agora económica. Continua a insistir17 que a crise argentina é a consequência da derrocada fiscal e do facto de o Governo viver acima das suas possibilidades. Solução para este diagnóstico: redução substancial das despesas orçamentais, exactamente como tem proposto para Angola. Mas o mais espantoso é que à medida que a crise se agrava – espera-se que a produção se reduza entre 10% a 15% e a taxa de desemprego possa ascender a mais de 30% da população em idade activa – o FMI continua a exigir (para que possa dispensar empréstimos necessários ao seu debelamento) mais cortes na despesa. Este método foi abandonado pelos países desenvolvidos há mais de 70 anos, durante a Grande Depressão Económica de 1929-1932. O Fundo parece ignorar que o incremento do défice fiscal da segunda maior economia da América do Sul mais não é do que a consequência da quebra do crescimento económico ocorrida desde 199918 derivada da forte desvalorização do real brasileiro em Fevereiro desse mesmo ano19. Os agentes económicos argentinos esperavam que o “peso” igualmente se desvalorizasse e como tal não ocorreu a sua economia perdeu competitividade e vigor, os investidores abandonaram o país, as taxas de juro aumentaram e os depósitos bancários entraram em colapso, tendo, então, a economia entrado em recessão, do que resultou uma quebra de receitas fiscais. Portanto, os défices fiscais foram a consequência de uma redução de actividade e não de uma qualquer e inopinada política orçamental que tivesse elevado em excesso as despesas do Estado. O remédio encontrado pelas autoridades argentinas e pelo Fundo Monetário Internacional foi, claro, a redução das despesas públicas à boa maneira da Grande Depressão dos anos 30. O FMI, ao concentrar a política económica na redução do défice orçamental, está a perseguir os sintomas da doença argentina e não as suas reais causas. As suas propostas são desajustadas para resolver a crise económica deste país, uma vez que a redução dos serviços públicos está a pôr em risco de colapso os sistemas de educação e de saúde do país. Concomitantemente com a crise argentina temos a brasileira. O Brasil acabou de rubricar em Agosto deste ano uma extensão do seu acordo com o FMI e que lhe poderá valer um empréstimo recorde de cerca de 30 biliões de dólares. Como se sabe, o “real” brasileiro tem sido objecto de bastantes ataques especulativos, provenientes da relativa incapacidade da economia brasileira saldar os seus compromissos de curto prazo em moeda estrangeira. Esta expectativa tem gerado e alimentado a desconfiança dos mercados internacionais em relação à maior economia da América do Sul, os

17

Como, de resto, é seu apanágio em Angola, em África, na Ásia e quando o Homem se instalar noutros

planetas, para aí também o FMI transladará as suas interpretações das crises económicas. 18

Curiosamente nos anos de forte crescimento económico o défice orçamental argentino foi elevado, sem

que daí adviessem as consequências nefastas que esta instituição lhes atribui. 19

As relações económicas entre estas duas economias da América do Sul são muito intensas, ficando cada

país na dependência do que se passa no outro. O Brasil, por exemplo, está a pagar a actual crise argentina,

tendo-se as suas exportações reduzido substancialmente, sem, por enquanto, haver conseguido encontrar

um outro espaço económico interessado nos seus produtos. De resto, os Estados Unidos da América

contribuem para esta recessão das exportações brasileiras com o levantamento de restrições às importações

de aço.

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investimentos externos estão retraídos e a saída de capitais pressiona a procura de divisas. Acresce que a crise das bolsas norte americanas – finalmente estalou o verniz dos norte americanos, sempre tão prontos a criticar os outros países por falta de transparência nas contas públicas e afinal são os gestores e as empresas privadas americanas quem mais violam as regras básicas e elementares da contabilidade e da seriedade intelectual20 - tem contribuído para a retracção dos investidores, receosos de que a “doença americana” se transmita à economia brasileira, atendendo aos laços existentes entre os dois países e, no mesmo sentido, tem jogado a incerteza quanto aos resultados das eleições internas21. O dólar norte americano está neste momento cotado a mais de 3 reais, imaginando-se as consequências que daí poderão advir para o sector produtivo do país – inflação e retracção da actividade económica. Portanto, qualquer problema que possa vir a ocorrer em termos de finanças públicas do país será mais o resultado duma quebra de actividade, do que de um excesso de despesas públicas. Ao que parece, o orçamento federal tem apresentado um saldo positivo e, no entanto, o recente acordo de extensão estabelecido com o FMI determinou que o excedente fiscal tem de se fixar nos 3,5% do PIB. Para quê? Para contrariar que tendência consumista do Estado se o saldo das contas públicas até tem sido positivo? O que quer, de facto, o Fundo com esta meta? É fácil de explicar: sendo esta instituição internacional dominada pelos interesses financeiros das economias desenvolvidas, perante quem a dívida externa brasileira está titulada, então o excedente orçamental tem como principal finalidade – como de resto o excedente da balança de pagamentos, que é outra das metas constante das intransigências do FMI – pagar a dívida externa. Estou cada vez mais convencido de que o FMI não está preocupado com as crises económicas dos países menos desenvolvidos! Só o está na estrita medida em que forem limitadoras do resgate das suas dívidas externas. Uma outra razão para se desconfiar das propostas económicas do FMI relaciona-se com o domínio que os Estados Unidos exercem sobre esta instituição. E apesar da economia americana ser, indiscutivelmente, a maior do mundo, deste país ser cientifica e tecnologicamente o mais poderoso, há muita gente – talvez muito mais do que os americanos pensam e gostariam – que também desconfia da América. Com os recentes escândalos financeiros, o império americano está, neste momento, nu. Em menos de trinta meses as acções de Wall Street perderam mais de 7 trilhões de dólares, quase o PIB do conjunto da União Europeia. O défice fiscal americano tem-se vindo a agravar com a obsessão de George Bush quanto ao terrorismo internacional, à “guerra das estrelas”, ao ataque ao Iraque e ao aumento das despesas militares. E que se saiba o FMI tem tido, a respeito, uma atitude muito cautelosa de não intromissão nos assuntos internos do Tesouro americano. E quanto às despesas militares é espantosa a audácia com que os Estados Unidos criticam o seu excesso noutros países: em 2001 os seus gastos militares foram superiores ao conjunto dos da China, da Rússia, da Inglaterra, da Alemanha, do Japão e da França! Para quê? Claro para afirmarem a sua hegemonia e destacarem o seu papel de polícias do mundo. Mas que não seria necessário. Basta a

20

Os americanos têm de começar a compreender que não são nenhum poço de virtudes, nem tão pouco o

maior e único exemplo que devem dar ao mundo em termos de liberdades e garantia dos direitos humanos.

A sua taxa de pobreza situa-se entre 7% e 10% e atinge predominantemente os negros, continua-se a

praticar a pena de morte – que deve ser o maior atentado aos direitos humanos – a sua recusa em adoptar

regras que preservem o ambiente atinge as raias do paroxismo e inclusivamente as últimas eleições para a

presidência foram muito discutidas em termos da sua total transparência (ver Michael Moore, Stupid White

Men, Harper-Collins Publishers, Inc., 2001). 21

Quando este artigo for publicado já este “enigma” estará resolvido.

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força da sua economia22: 1 em cada 3 dólares de riqueza em circulação no planeta é americano (mais concretamente, 31,2% do PIB mundial) e mais de ¼ do comércio internacional é dominado por este país que detém, tão somente, 4,7% da população mundial. Desconfia-se do FMI igualmente por causa do pensamento único. O Fundo quer convencer a Humanidade de que só existe um pensamento económico válido para abordar as crises, resolver o desemprego e promover o desenvolvimento: a doutrina neoclássica ou o ultraliberalismo. A grande maioria dos “think tanks”23 desempenha o papel de carros-vassoura da ideologia neoliberal, que pretende não conhecer fronteiras. Os evangelistas do mercado multiplicam-se no mundo anglo-saxónico por onde se expandiram os mais antigos dos “think tanks” britânicos e americanos, como são os casos do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia. Mas estendem igualmente a sua actividade em direcção ao mundo em desenvolvimento, tendo debaixo de mira, por exemplo, a América do Sul e os antigos países de Leste, onde certas experiências governamentais neoliberais são directamente inspiradas pelos economistas de Chicago e activamente sustentadas, no terreno, pelas novas filiais dos “think tanks” ocidentais. Recuso – e felizmente muitos como eu o fazem – esta ditadura de ideias. O ultraliberalismo não é uma receita económica universal. Ela não serve para a África, nem para Angola, apesar dos “Chicago boys” que dominam certas instituições públicas angolanas. Se a “mão invisível” que comanda o funcionamento do mercado é invisível, então é porque não está lá. Por detrás duma concepção fundamentalista do mercado, defendida pelos ultraliberais, está o pressuposto duma informação perfeita e de mercados completos, que não tem sentido algum nos países desenvolvidos e muito menos nos em desenvolvimento. Suspeita-se do FMI porque as suas propostas e exigências são ideológicas e políticas e não económicas e sociais. A teoria económica mostra que a liberalização dos mercados de capitais produz mais instabilidade, mas não mais crescimento económico. No entanto, apesar desta advertência da Economia, o FMI continua a defender e a promover esta liberalização. Os motivos porque o faz são ideológicos e políticos. Ideológicos porque o FMI é o defensor dos mercados financeiros e não da economia real. É por isto que só consegue entrever nas crises económicas os défices fiscais. Ideológicos porque o Fundo, à semelhança dos “think tank” neoliberais, é profundamente anti-keynesiano e anti-intervenção do Estado na economia. Por isso as suas receitas de redução drástica das despesas públicas. Políticos porque o Fundo Monetário Internacional actua em nome do Departamento do Tesouro norte americano, dominado pelos grandes interesses financeiros. Um país para que possa desfrutar da ajuda da União Europeia e do Banco Mundial tem de obter o beneplácito do FMI, tendo, assim, esta instituição um poder efectivamente discricionário e desproporcionado sobre os países em desenvolvimento. O FMI e o Departamento do Tesouro americano aproveitam-se da situação dos países em crise para promoverem a sua própria

22

É a velha contraposição entre o argumento da força e a força do argumento. 23

Verdadeiras fábricas de pensamento único e de imposição violenta das ideias neoliberais. Estas escolas

do pensamento único foram inspiradas pela escola austríaca de economia, com Friedrich von Hayek e

Friedrich von Mises, profundamente anti-keynesianos e avessos a qualquer forma de intervenção do Estado

na economia e que fundaram organizações de divulgação do pensamento único como a Heritage

Foundation, o Institute of Economic Affairs e outras de semelhante ditadura de ideias.

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ideologia e defenderem os seus interesses24. Os governos dos países assistidos pelo Fundo vêm-se, assim, na impossibilidade de promover o emprego e o crescimento económico, preocupados que ficam, por causa do FMI, em controlar a inflação25 pela via da contracção das despesas públicas e da abertura dos países ao comércio internacional. Fica-se desanimado com o FMI finalmente porque a sua ideologia económica não se aplica a África. A teoria económica neoclássica assenta em dois postulados: a racionalidade e o equilíbrio dos mercados. A racionalidade pressupõe que os agentes económicos maximizam a sua função de utilidade (ou função de preferência individual) sob determinadas condições: os empresários devem maximizar o lucro, enquanto que as famílias procuram obter os máximos consumos com o menor dispêndio. O equilíbrio dos mercados parte da existência das interdependências entre as acções de todos os agentes e da verificação da concorrência perfeita, que possibilitam o equilíbrio entre a oferta e a procura. Estes postulados permitem compreender o funcionamento das economias em desenvolvimento ou torna-se necessário modificá-los e adaptá-los de modo a tomar-se em atenção determinadas particularidades? Quanto à teoria do comportamento individual segundo a qual cada agente deve maximizar a sua função de utilidade de acordo com determinadas restrições tem-se opinado que certas atitudes observadas nos países em desenvolvimento seriam “irracionais”, como, por exemplo, as reacções negativas da oferta à subida dos preços, a ausência do sentido do lucro máximo, a preferência por consumos “inúteis”, etc. Todavia, estes comportamentos não põem em causa a correspondente teoria, não podendo, em decorrência, serem classificados de irracionais. O que se passa é que as funções de preferência são diferentes das dos agentes dos países desenvolvidos. Determinadas sociedades valorizam mais a poupança, o lucro, o trabalho e a liberdade, enquanto que noutras são a segurança e o consumo as variáveis mais estratégicas e relativamente às quais os comportamentos devem ser maximizados. Não obstante, isto não significa que a teoria microeconómica tradicional seja sempre pertinente para descrever os comportamentos observados nos países em desenvolvimento. Com efeito, três restrições podem ser apontadas:

nos países em desenvolvimento os agentes não dispõem senão duma informação limitada26, tanto sobre as possibilidades técnicas, quanto em relação aos diferentes mercados; esta deficiência de informação obriga os

24

São ilustrativas, a este propósito, as desastrosas declarações do Secretário do Tesouro norte americano

quanto ao pretenso destino que os governantes brasileiros dariam aos financiamentos recebidos do FMI. 25

Muitos estudos empíricos comprovam que enquanto a inflação for baixa ou moderada não tem efeitos

prejudiciais. Centrar de forma tão obsessiva, como o faz o FMI, a política económica na contenção da

inflação em níveis muito baixos, pode revelar-se muito pernicioso para o emprego e o crescimento

económico. 26

Para Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia em 2001, os mercados dos próprios países

desenvolvidos funcionam com decisões tomadas na base de informação assimétrica, donde não poderem

ser os meios mais eficazes em termos de maximização de aplicação de recursos.

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agentes a não considerar senão métodos ou comportamentos tradicionais que conduzem a situações sub-óptimas;

os agentes nos países em desenvolvimento são levados a maximizar muito mais a sua segurança, do que o lucro. Os camponeses pobres angolanos (70% da população total do país) cuja safra de milho ou de mandioca lhe assegura justamente o mínimo para sobreviver concerteza que rejeitam assumir o risco associado a uma mudança nos métodos de cultivo agrícola, por mais liberais que sejam as medidas macroeconómicas27, porquanto e em caso de insucesso, o camponês entra num círculo infernal de endividamento usurário ou então passa a engrossar os fluxos das migrações;

em muitos casos, os agentes económicos estão limitados no exercício da escolha, que supõe uma certa liberdade social e cultural, bem como a ultrapassagem dos limiares de subsistência. Na verdade, quando os rendimentos monetários são mínimos, as possibilidades de escolha não existem, pelo que um dos fundamentos da economia neoclássica – é a melhor escolha que leva à maximização das funções de utilidade dos agentes – deixa de ter consistência nestas economias.

Pelas observações anteriores parece ficar claro que a economia neoclássica apenas pode explicar o comportamento dum número muito restrito de agentes – os das cidades e da economia formal – donde, as políticas que propõe estarem, à partida, condenadas ao fracasso. Relativamente ao comportamento dos mercados e ao ajustamento entre a oferta e a procura devo esclarecer o seguinte. Para que se constitua um mercado duas condições têm de estar preenchidas. Em primeiro lugar, é fundamental que o bem ou serviço seja efectivamente trocado por moeda ou por outro bem ou serviço. Em segundo lugar, é necessário que se criem ofertas e procuras que respondam às variações dos preços28. Em definitivo, os mercados devem ser os instrumentos reguladores duma correcta aplicação de recursos escassos. No entanto, nas economias em desenvolvimento, os mecanismos de mercado são, na maior parte das vezes, defeituosos. Por um motivo simples: se já nos países desenvolvidos a falta de concorrência tem sido apontada como uma das falhas flagrantes do comportamento dos respectivos mercados29, nas economias em desenvolvimento os mercados caracterizam-se por uma enorme ausência de concorrência, devido à exiguidade dos mercados nacionais e à carência de agentes de oferta e de procura30. Outro aspecto relaciona-se com as imposições do mercado mundial. Por exemplo, no caso do petróleo angolano, de cujas receitas depende 90% da actividade económica interna, é evidente que o ajustamento dos agregados macroeconómicos e a alocação

27

É nestas circunstâncias em que a segurança domina a função de utilidade que, por exemplo, o controle da

inflação, enquanto um dos resultados da política macroeconómica de estabilização, pouca ou nenhuma

influência exerce nos comportamentos dos camponeses. 28

Os preços são os mais importantes sinalizadores das decisões económicas. Se porventura existirem

outros, como os atrasos na produção e as filas de espera, os mercados acabam por funcionar na base de

preços fixos. 29

A política de concorrência e preços é um dos mais importantes instrumentos de regulação do mercado

que estas economias aplicam. 30

As elevadas taxas de pobreza confinam o consumo aos níveis de subsistência, pelo que se torna difícil o

aparecimento de procuras sustentadas.

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de recursos em função de um preço que se não controla conduz, obviamente, a muitas distorções. Naturalmente que estas observações não colocam em causa o mercado – não há alternativa – mas sim o mercado concorrencial. Nesta altura poder-se-á questionar se existe alternativa ao Fundo Monetário Internacional. Analisemos com alguma atenção esta questão. Um dos principais argumentos que se aduz para que Angola estabeleça um programa de ajustamento estrutural com o Fundo Monetário Internacional é o da credibilidade da política económica perante os países desenvolvidos – leia-se face ao Departamento do Tesouro norte americano – e as instituições financeiras internacionais, podendo-se, como consequência, obter empréstimos externos em muito melhores condições. Mas afinal que angolanos somos nós que necessitamos que alguém de fora venha dizer como gerir os nossos próprios recursos? Falta de capacidade técnica ou desconhecimento da ciência económica? De acordo com as últimas projecções quanto às receitas fiscais minerais, o Estado irá auferir, em média anual, entre 2003 e 2007, cerca de 5,2 biliões de dólares, com um pico neste último ano de quase 7 biliões de dólares. Uma política de independência face ao FMI exige, em primeiro lugar, que se estabeleça uma estratégia de desenvolvimento a longo prazo que claramente aponte os caminhos de melhoria das condições de vida da população, muito em particular da camponesa que vive em condições de extrema pobreza. Uma estratégia que leve em atenção as observações anteriormente expendidas quanto às insuficiências da doutrina neoliberal. Uma estratégia que estabeleça como primeira responsabilidade do Estado a promoção do emprego e do crescimento e utilize o controlo da inflação como um instrumento para esse fim. Em segundo lugar, exige-se seriedade e honestidade dos líderes políticos e dos decisores públicos, na gestão dos recursos da Nação. Este aspecto é que é o determinante para a necessária credibilidade externa da política económica nacional. Finalmente, uma dose muito elevada de patriotismo. Os compatriotas das Lundas, do Moxico, do Kuando-Kubango, do Huambo, de Malanje, do Bié, etc., vivem em condições verdadeiramente infra-humanas. É fundamental que os governantes se desloquem a estas zonas para entenderem que a macroeconomia do FMI está muito longe de trazer soluções sustentadas e definitivas para os seus problemas mais essenciais.

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CAPÍTULO SEGUNDO – INVESTIMENTO, SECTOR PRIVADO E CRESCIMENTO ECONÓMICO

1.- A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA E OS PROBLEMAS DO SECTOR PRIVADO NACIONAL 2.- O ESTADO DA ECONOMIA ANGOLANA EM 2001 E ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS PERVERSIDADES DO PETRÓLEO 3.- OS FACTORES E OS CONTEXTOS DAS DECISÕES EMPRESARIAIS 4.- OS FACTORES SÓCIO-ECONÓMICOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO EM ÁFRICA 5.- ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO PARA ANGOLA 6.- PRODUTIVIDADE: CALCANHAR DE AQUILES E UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS DA ECONOMIA ANGOLANA 7.- ANGOLA: DE UMA ECONOMIA DE GUERRA A UMA ECONOMIA DE PAZ 8.- AS QUESTÕES MACROECONÓMICAS ESSENCIAIS DO MODELO ESTRATÉGICO DE DESENVOLVIMENTO DE ANGOLA

1.- A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA E OS PROBLEMAS DO SECTOR PRIVADO NACIONAL (Artigo publicado da Revista “Economia e Mercado”, nº7, Setembro/Outubro de 2001)

É consenso que a economia nacional está em crise. É consabido que a indústria tem atravessado um processo de quase autofagia. É evidente que a agricultura perdeu o seu vigor e praticamente se transformou numa actividade itenerante, ao sabor das “permissões” da guerra. E, acima de tudo, é clara a inexistência duma Visão profunda da sociedade e da economia nacionais e dum projecto de mobilização dos agentes económicos e dos actores sociais. Na ausência do essencial não se podem esperar senão pontos de vista limitados e propostas conjunturais. Qual foi a performance da economia nacional durante o período a que se convencionou chamar de “década de transição para a economia de mercado”? Muito fraca e particularmente oscilante, em que o que de mais constante que se observou não foi a mudança mas sim a recessão. Os três indicadores gerais normalmente utilizados para se medir o desempenho duma qualquer economia são a taxa de crescimento do PIB (a que se pode adicionar o ritmo de variação da sua capitação como mostrador sintético das condições de vida dos cidadãos), a taxa de inflação e a taxa de desemprego. Os défices orçamentais são uma medida de apreciação da gestão macroeconómica. Sinteticamente, o comportamento daqueles indicadores durante a década de transição para a economia de mercado foi o seguinte:

medido em dólares dos Estados Unidos, o PIB teve uma taxa de variação média entre 1989 e 2000 de -3,1% (regressão logarítmica) ou de -2,4% (método exponencial) ou de -0,76% (média aritmética das variações anuais). Os valores constantes do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2000 referem-se a uma taxa de -3,3% entre 1990 e 1998. Verifica-se, portanto, que segundo diferentes métodos a economia nacional apresentou uma

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recessão sustentada desde 1989, confirmada, de resto, pelas variações anuais de -27,2% em 1993 e -26,2% em 1994;

o produto médio por habitante teve uma quebra ainda mais acentuada, cifrada em -5,9% (método exponencial) ou -4,4% (média aritmética das médias móveis); a média do PIB por habitante na década foi de cerca de 586 dólares americanos, pouco mais de 1,6 dólares por dia;

a produtividade geral da economia deve ter regredido a uma taxa média anual de 2,6%, tendo-se observado apenas três anos na década em que os ganhos de produtividade podem ter sido positivos;

a taxa de inflação média (média simples) foi na década de 967,5% e a degradação do poder de compra da moeda nacional operou-se a um ritmo de 84,6% ao ano (média das variações anuais);

o desemprego agravou-se a uma cadência média anual de 3,4% (valores muito próximos qualquer que tenha sido o método de cálculo);

o défice fiscal registou melhorias consideráveis, tendo recuperado a uma taxa média na década de 21,0%, situando-se o défice médio durante esse mesmo período em - 16,4%;

finalmente, o “spread” cambial registou, do mesmo modo, uma tendência positiva de evolução, tendo a convergência cambial sido realizada a um ritmo médio anual de 17,8% .

Verifica-se, por conseguinte, que o ambiente geral em que a actividade da economia não petrolífera se efectivou foi bastante adverso, não sendo assim de censurar que os comportamentos e as atitudes dos agentes privados tenham sido e ainda continuam sendo, sobretudo, defensivos, em vez de pro-activos e de incidência estratégica. Há uma grande preocupação de se defender o que resta, nem que para isso as medidas propostas tenham um forte pendor administrativo e proteccionista. O receio pela ordem económica internacional e pelas consequências que uma (necessária) abertura da economia nacional pode arrastar, justificam este tipo de reacções. O Estado tem de ter uma atitude de extrema pedagogia e de permanente diálogo. Em termos da economia industrial - a que tem sido bastamente debatida, discutida e defendida de modo incisivo pela Associação Industrial de Angola (AIA) - a situação de recessão foi ainda mais expressiva ao longo da década de 90. Na verdade:

o desemprego industrial cresceu em média 1,1% por ano; a importância das empresas públicas industriais como amortecedores do desemprego é a única explicação para que a degradação do emprego industrial não tivesse sido mais expressiva. No entanto, menos desemprego teve um preço social equivalente a menor produtividade;

a produtividade industrial regrediu a uma cadência média de quase 2% ao ano, para além de apresentar expressões valorativas muito baixas: aproximadamente $4026 em 1990 e $3420 em 2000;

a desindustrialização operou-se a uma cadência média de 5,7% durante a década;

o índice de industrialização passou de 100 em 1974 (base de partida) para 24,3 em 1989 e para 13,2 em 2000. Esta evolução é dramática: em 1974 a participação da indústria transformadora do PIB global foi de 29,6%, em 1989 cifrou-se em 7,2% e em 2000 em 3,9% - simplesmente aterrador, porque neste momento o país está virtualmente desindustrializado;

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o índice do valor acrescentado da indústria transformadora (base 100 em 1989) situou-se em 2000 em 41,4.

Em matéria de comércio externo - a que directamente se entronca nas propostas de rearmamento aduaneiro defendidas, quase de forma dramática, pelos empresários nacionais como forma de abrigo para a indústria e a agricultura - a década de transição para a economia de mercado foi marcada pelas expressões numéricas seguintes:

as exportações totais (95% das quais petrolíferas) altearam-se a um ritmo médio de 3,3% (regressão logarítmica) entre 1990 e 1999 e o seu valor médio no período considerado foi de 4138,0 milhões de dólares americanos;

as importações totais (incluindo as que directamente as concessionárias petrolíferas fazem e que em média anual foram de 900 milhões de dólares) evolucionaram a uma cadência de 7,4% (regressão logarítmica), com um valor médio anual de 5018,6 milhões de dólares;

a Balança de Transacções Correntes degradou-se a um ritmo impressionante de 30,7% (método exponencial) ou de 51,2% (média aritmética das variações anuais);

a “ratio” média importações/exportações tem os valores seguintes: medida pela comparação entre as taxas médias anuais de variação, o valor foi de 1,04, o que significa que em média o crescimento das importações foi anualmente superior em 4% ao das exportações (em termos tendenciais e para 10 anos a degradação foi de 48%); medida como o cociente entre as médias das importações e das exportações, a cifra foi de 1,21 - anualmente as importações superaram as exportações em mais de 21%.

A conclusão é óbvia: a economia nacional está subjugada pelas importações. Bastante da explicação da desindustrialização verificada desde há muito tempo está nesta apetência nacional - quase mesmo uma avidez - para as importações. Tem-se, portanto, uma realidade económica extraordinariamente debilitada e uma classe empresarial que reclama por medidas de contenção desta degradação, de protecção do parque produtivo e de incentivo para a indispensável viragem. Que tipo de política e de instrumentos, essa é que é a grande questão. Do ponto de vista estrutural, as formas de intervenção do Estado têm de ter uma perspectiva nacional e um sentido estratégico. Só assim se pode começar a inverter tendências afrontosas e a construir um clima de confiança nas nossas próprias forças. Há dois aspectos que devem ser referidos de forma enfática. O primeiro é o de que não pode haver economia de mercado sem o sector privado. Verdade insofismável mas referida porque creio que ainda prevalece uma certa mentalidade estatista e ainda se pensa ao nível do poder político que a classe empresarial nacional tem pouca capacidade empreendedora. O segundo aspecto tem a ver com a circunstância de ter de ser o sector privado o principal actor da reconstrução económica do país, contrariando algumas ideias sobre um Estado-empresário que deve continuar a existir. Como se sabe, o Estado ainda é neste momento – correspondente a uma fase de transição para a economia de mercado ainda mal definida e particularmente mal

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organizada – o agente mais importante da economia nacional. Continua a ser o mais importante detentor de activos reais, expressos nas empresas públicas e no património imobiliário, e o único agente gerador de divisas, através das suas concessionárias dos recursos nacionais não renováveis. Detém ainda uma quota parte importante do Produto Interno Bruto representada pelo consumo público. É o segundo maior importador a seguir às concessionárias petrolíferas e também o maior investidor nacional (só suplantado pelo investimento privado estrangeiro). A totalidade da dívida externa está por si titulada, sendo por isso que o respectivo serviço consome grandes fatias do Orçamento Geral do Estado. É o maior empregador da economia (196000 funcionários civis), mas nem por isso consegue distribuir rendimento capaz de criar um poder de compra interno que aligeire o risco dos investimentos privados. Detém um peso relevante no sistema bancário através dos seus dois bancos comerciais. Devido a este peso económico despropositado quando se fala de economia de mercado, é que todo o processo de devolução da economia ao sector privado tem de começar pelo Estado. Portanto, quando se coloca no centro das reformas económicas e institucionais a reformulação de toda a actividade do Estado, não é por mero acaso, nem sequer por meras razões de doutrina económica. É, na verdade, uma necessidade nacional. É esta economia que temos, fortemente intervencionada pelo Estado – daí que falar-se de economia de mercado tenha por vezes um sabor um bocado bacoco – desarticulada pela guerra, desequilibrada pela influência negativa da acção do Estado e com um baixo grau de competitividade. Ainda por cima com uma economia petrolífera completamente extrovertida, obedecendo à lógica do dólar, resguardada com imensos incentivos, nomeadamente aduaneiros e cambiais, e favorecendo com os enormes recursos financeiros que gera sistemas financeiros e bancários estrangeiros. A recuperação da produção e a reversão da pobreza devem ser apropriados por todos os cidadãos como os grandes desígnios nacionais. Naturalmente que a reconciliação nacional tem um peso preponderante, qualquer que seja o modelo definido. Mas para que seja substantiva e viável, o seu conteúdo não pode apenas ser político. É que a economia por vezes é chamada a dar consistência e objectividade a propósitos políticos. A reconciliação nacional não o será se não for obra de todos, mas também não o será sem uma base material forte e sustentável. Se pensarmos que a redução significativa da pobreza exige que nos próximos dez anos o PIB tenha de crescer a uma média anual superior a 10%, começamos a ter uma mais verdadeira consciência da extensão dos problemas a resolver. Como se sabe, a dimensão do rendimento é uma das que enforma o fenómeno da pobreza. Daí que a sua elevação se deva assumir como um objectivo estratégico. O Produto Interno Bruto por habitante foi de cerca de $450 dólares americanos (correspondente a $1,23 dólares diários) em 2000. A sua duplicação em dez anos colocaria o rendimento diário de cada cidadão em cerca de $2,5 dólares, nada de verdadeiramente especial. Esta duplicação exige que o PIB por habitante tenha de evoluir a uma taxa média anual de 7,2% até 2010. Se a evolução demográfica se não se alterar significativamente, mantendo-se a um ritmo anual de cerca de 2,7%, chega-se ao valor anterior de cerca de 10% para o ritmo de crescimento do produto interno. A actual estrutura do PIB aponta para uma repartição entre a economia petrolífera e a economia não petrolífera de 60% para a primeira e 40% para a segunda. Admitindo a

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sua manutenção, as taxas parciais de crescimento médio anual para a próxima década são respectivamente de 8% e de 15%. Este é o grande desafio: a economia não petrolífera terá de crescer a um ritmo quase estonteante se quisermos que a pobreza se reduza a metade no seu critério rendimento – não estou a considerar os problemas de distribuição do rendimento e do respectivo modelo, o que me encaminharia para outras vertentes do problema, com relevo para a dimensão política. Em termos de novas empresas, um crescimento médio de 15% ao ano exige a constituição de dezenas de milhar em 10 anos e a uma velocidade compatível. Percebe-se agora a dramaticidade e urgência da desburocratização. Em todos os países que encararam de modo frontal a reestruturação e a modernização da Administração do Estado, o crescimento económico reagiu favoravelmente. Num estudo elaborado por eminentes economistas da Universidade de Harvard a pedido do Fórum Económico Mundial de Davos em 1998 e intitulado African Competitiveness Report, a burocracia e a corrupção foram referenciadas como dois importantes limites ao investimento privado. E sem investimento privado não há crescimento. A transparência e a celeridade dos serviços do Estado foram referidas pela maior parte dos empresários entrevistados como dos melhores incentivos que podem ser dados à iniciativa privada. Os empresários angolanos estão quotidianamente envolvidos em camisas de 1001 varas, tantas ou mais são as dificuldades que rodeiam o exercício normal duma actividade que tem importantes incidências sociais. Se a via do rearmamento aduaneiro não pode ser utilizada - como de resto é a minha opinião ou se o for terá de ser muito mais mitigada, até como forma de se contribuir para a aquisição duma real competitividade internacional - então o que resta? Se a via for a da multiplicação do crédito pelo sector produtivo, aqui “del-rei” vem o FMI e diz que não pode ser. Se for por intermédio dos juros bonificados, idem, idem, aspas, aspas, o carácter fungível do dinheiro permite eventuais desvios dos créditos bonificados para outras finalidades que não as contratadas. Se são criados Fundos especiais de apoio ao empresariado, as críticas de falta de transparência são de imediato avançadas. Então o que fazer? Parece-me que uma resposta que o Governo tem de arranjar perante tantos constrangimentos que se opõem à actividade do sector empresarial é a da desburocratização urgente do sistema de exercício da actividade económica. Seria como que uma (ainda que pequena) compensação perante outro tipo de dificuldades a que os empresários vão ter de se habituar a conviver, porque fazem parte deste ambiente, como a concorrência interna e externa, o espírito empreendedor e inovador, a assunção do risco, etc. Os empresários privados nacionais defrontam-se com inúmeros problemas e obstáculos para o exercício normal da sua actividade económica. Embora se deva reconhecer – até como forma de incentivo ao Governo – que algumas reformas estruturais de mercado têm sido realizadas – e com um relativo sucesso – todavia, o ambiente geral prevalece desincentivador, a velocidade das mudanças é lenta, as interferências político-partidárias acentuaram-se, a coordenação das políticas económicas é deficiente – como exemplo, o país não tem uma estratégia de médio/longo prazo que sirva de farol para a actividade económica privada e dê um sentido concreto aos investimentos públicos – e o urgente continua a tirar lugar ao importante. Este é um problema muito delicado para o processo de crescimento económico. Relaciona-se com o estabelecimento de prioridades dos investimentos públicos e das medidas de política económica.

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Prioridades mal estabelecidas abreviam o impacto esperado dos investimentos, acanham as disponibilidades financeiras e são a expressão duma deficiente avaliação da realidade e duma promiscuidade de interesses. Os empresários privados precisam de espaço para trabalhar e sentem que a recuperação da produção e a viabilização da economia deveriam ter começado ontem. Por vezes não entendem as razões de tantas dificuldades e avançam mesmo com propostas concretas para a solução de certas dificuldades. Mas na ausência duma Visão profunda da sociedade referida anteriormente, estas propostas acabam por ser circunscritas e circunstanciais. A burocracia, estrangulamentos institucionais diversos (tais como a concessão de alvarás de licenciamento da actividade económica, a prestação de serviços de registo, notariado, cadastro, etc.) a corrupção, e questões de natureza legal – com destaque para a outorgação e validação de instrumentos legais de propriedade – são enumerados pelos empresários privados como alguns dos impedimentos que penalizam a sua actividade profissional. No entanto, os limites de crédito, o excesso de fiscalidade sobre as empresas e a sua actividade, a concorrência desleal movida por grupos empresariais associados ao capital estrangeiro, o desarmamento aduaneiro e a demasia de imponderabilidades sobre os custos de produção são, na minha opinião, os pontos focais das preocupações empresariais e os aspectos nucleares dum sistema integrado de incentivos. O Programa Económico e Social do Governo monitorado pelo Fundo Monetário Internacional estrutura o essencial da sua estratégia de estabilização macroeconómica numa política monetária restritiva. Sendo o objectivo dominador do Programa o controle da inflação, a via privilegiada para esse efeito é a do controle das variáveis monetárias. Dentre elas ressalta a relacionada com o crédito, particularmente com o crédito à economia. Surge assim e no contexto do mais importante documento de política económica do país uma contradição entre as estratégias empresariais – que reclamam por mais crédito – e as estratégias governamentais que entendem como mais relevante, do ponto de vista económico e social, o controle da inflação que determina menos crédito. Parece ocorrerem neste raciocínio – ou nesta combinação de raciocínios – vários contra-sensos. Na verdade, é no mínimo estranho que se abdique dum combate contra a inflação pela via do aumento da oferta interna de bens e serviços. Mas a explicação teórica é simples. A interpretação neoclássica da inflação estabelece que a subida generalizada, sustentada e permanente dos preços é um fenómeno exclusivamente monetário, pelo que os remédios para a debelar devem ter um rótulo monetário. O controlo da emissão de moeda é assim a única via para atrair os preços para níveis controláveis, aceitáveis e geríveis. A posição doutrinária assumida no Programa do Governo monitorado pelo FMI é justamente esta e, portanto, a concessão de crédito à economia tem de se submeter a fortes critérios de restritividade. Evidentemente que renuncio neste espaço envolver-me em discussões e polémicas teóricas e doutrinárias sobre a natureza dos fenómenos inflacionistas. Creio que cada caso é um caso e embora tenha de reconhecer que as teorias científicas devam possuir

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um carácter universalista, recuso-me a aceitar uma interpretação que considero, em parte, descontextualizada da nossa realidade. Em que condições é que o aumento do crédito à economia não é inflacionista? Ou será que simplesmente não existem estas condições nos quadros teóricos interpretativos da inflação? Se existirem valerá a pena explorá-los, de modo a libertar as iniciativas empresariais privadas destas amarras monetárias. Não devo, logicamente, alongar-me em detalhes explicativos, de modo a evitar transformar este artigo numa aula de Economia. Por isso sintetizo essas condições como a seguir transcrevo:

desde logo, tem de se estabelecer o nível desejado da taxa de inflação: quanto mais baixo for mais restritiva terá de ser a política monetária, na concepção neoclássica. Taxas anuais de inflação da ordem dos 4-5% têm sido preconizadas pelo FMI para os países africanos como as mais desejáveis para garantir um ambiente macroeconómico estável. Entendo que os equilíbrios macroeconómicos estipulados nestas bases – défice fiscal a 1,5% do PIB, taxas de inflação de 5% e baixo nível de crédito – são equilíbrios viciosos, porque nunca conduzem a taxas de crescimento económico superiores a 6-6,5% ao ano (não existe nenhum caso em África considerado de sucesso na aplicação do receituário monetário do FMI que tenha apresentado taxas de crescimento económico superiores). A este ritmo será necessário um século (mais exactamente 99,1 anos) para se atingirem os países mais desenvolvidos31. O que a África precisa é de equilíbrios

virtuosos, que puxem o crescimento para os 10-12% ao ano e para isso o crédito tem de crescer mais e tornar-se mais extenso. João César das Neves32 citando Joseph Schumpeter diz que o desenvolvimento económico é um tumulto profundo, global, intenso e extraordinário, entrando em conflito com a estabilidade. Uma relativa instabilidade macroeconómica pode ser um dos resultados dum processo turbulento como é o do desenvolvimento e que o Estado tem de gerir justamente nas fronteiras dos equilíbrios virtuosos;

em segundo lugar, para que haja mais crédito tem de haver mais poupança. A única fonte de financiamento virtuoso do crédito é a poupança. Não havendo ou sendo insuficiente não se deve emitir moeda para financiar o crédito. Esta é uma verdade teórica universal e comprovada desde que a Economia é ciência. Mas ainda que haja poupança disponível, o crédito terá sempre de ser criterioso, sob pena de desencadear efeitos económicos e sociais perversos. A situação no país nesta matéria é de forte insuficiência de poupança interna – refiro-me, obviamente, à economia não petrolífera, porque a outra tem efectiva capacidade de gerar poupança real que é canalizada para alimentar circuitos financeiros e bancários estrangeiros. Causas como o baixo rendimento médio dos cidadãos (cerca de $450 dólares americanos em 2000), a fraca rendibilidade das empresas, os

31

As hipóteses de cálculo foram: taxa de crescimento económico de 6,5%, taxa de crescimento

demográfico de 2,5%, PNB por habitante referente a 1998 de $25870 para os países mais desenvolvidos e

de $530 para os países africanos subsarianos – de acordo com as estatísticas do último relatório do

desenvolvimento humano do PNUD – e taxa de crescimento económico nula para os países desenvolvidos

(obviamente hipótese redutora, só aceitável para efeitos de facilidades de cálculo). 32

Introdução à Economia, Verbo, 2000.

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sucessivos défices orçamentais do Estado, a fraqueza do sistema bancário interno explicam o essencial dos níveis baixos de poupança;

em terceiro lugar, o incremento do crédito à economia está dependente de como o Estado gere a sua actividade. Se for um bom gestor, limitar-se-á a despender o que recebe a título de impostos, mas fazendo o que tem de fazer para ajudar a economia a desenvolver-se. Se for mau gestor, gasta mais do que tem, não faz o que devia para fomentar o desenvolvimento e ainda por cima determina que o Banco Central emita moeda para financiar a sua ineficiência e má gestão ou então disputa, de modo preferencial, o crédito com o sector privado, fazendo aumentar as taxas de juro (efeito “crowding out”). Estabelece-se, portanto, um “trade-off” entre défice fiscal e crédito à economia: quanto menos de um, mais de outro. Por isso é que a Administração do Estado tem de ser urgentemente reestruturada e redimensionada, reorganizada no sentido da eficácia e revista com o propósito da transparência. O Estado-empresário tem de desaparecer, porque assim serão eliminados os subsídios à ineficiência empresarial que contribuem para agravar os défices orçamentais e para o falseamento da verdade dos preços de mercado. Um Estado facilitador do desenvolvimento e não um Estado-obstáculo tem de conseguir mais receitas com menos impostos (eficácia do sistema de tributação fiscal), mais despesas de investimento e menos despesas recorrentes, mais empreendimentos públicos com menos despesas (eficiência do sistema de programação e gestão do investimento público);

finalmente, o recurso ao crédito externo não é inflacionário e grande parte das empresas de muitos países financia-se nos mercados financeiros internacionais. Só que para isso é fundamental o país ter um bom “rating” de risco, apresentar garantias reais aceitáveis e ter credibilidade governativa.

O desarmamento aduaneiro é, também, uma das grandes preocupações dos empresários. As propostas empresariais têm sempre vincado a necessidade duma maior protecção da economia não petrolífera, por razões válidas e conhecidas. A minha opinião geral sobre estas propostas da classe empresarial angolana é a de que não apresentam uma visão estratégica do problema da construção da competitividade económica nacional. Refugiam-se num proteccionismo administrativo e à sombra do Estado, parecendo que a competitividade das empresas e do país depende apenas de um guarda-chuva aduaneiro. Apresentam, de modo geral, medidas de desagravamento pautal numa perspectiva de defesa dos interesses das diferentes instituições proponentes. São, sobretudo, e claro na minha opinião muito pessoal, propostas que revelam um excesso de táctica devido a uma ausência clara de estratégia. Noutro quadrante emergem vozes que dizem não haver nada a fazer quanto ao desagravamento pautal, haja em vista o movimento de liberalização do comércio em marcha. Desde logo, tenho de sublinhar que o respeito pelos compromissos já assinados ou que possam vir a ser subscritos de desarmamento aduaneiro e de liberalização do comércio externo, de maneira nenhuma invalidam - porventura até reforçam - a necessidade de definição dum outro quadro de política económica incentivadora e sustentadora da recuperação do sector produtivo e de defesa da economia nacional. Porque parto precisamente do princípio de que se pretende defender a economia nacional e de que se deseja retroceder o assustador quadro que a década de transição para a economia de mercado revelou.

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Uma observação de utilidade que eu posso fazer e que tem a ver com os receios decorrentes dos protocolos de liberalização do comércio, mormente do que está em causa na SADC, vai no sentido de que é possível negociar situações de excepção neste âmbito e mesmo no da Organização Mundial do Comércio. O que tem de ficar muito bem definido é o que fazer com as derrogações. Apenas aproveitá-las para um exercício de sobe e desce nas taxas aduaneiras? Evidentemente que não. Por isso o Estado tem de ter uma perspectiva estratégica do desenvolvimento económico. Com estratégia de redução da pobreza ou com o Plano de Médio Prazo pouco importa. O verdadeiramente decisivo é configurar-se o caminho da reconstrução e do desenvolvimento e atrair os mais patriotas, os mais capazes e os mais audazes. Portanto, agravar-se mais ou agravar-se menos ou desagravar-se menos ou desagravar-se mais (mais liberalismo e menos proteccionismo, ou menos liberalismo e mais proteccionismo) é perfeitamente possível num determinado período de tempo. O que fazer entretanto é o que conta. Por exemplo, uma das formas de se negociarem e aproveitarem as derrogações é separar os produtos e definir listas: listas em que o desarmamento pautal pode ser imediato, listas de desarmamento mais gradual, listas para produtos sensíveis e listas para produtos muito sensíveis. Angola tem a seu favor a circunstância de ser um país fortemente afectado pela guerra, em que o sector produtivo foi literalmente destruído e, portanto, o desarmamento aduaneiro tem de ter outras ângulos de apreciação. A redução do excesso de imponderabilidades sobre os custos de produção empresariais é, para mim, o maior incentivo que se poderia dar à actividade empresarial privada. São estes incentivos reais que penso deverem ser o ponto nuclear do fomento do investimento privado. Creio que os incentivos fiscais, monetários e financeiros só desencadeiam efeitos positivos sobre a propensão a investir e a rendibilidade dos investimentos quando a base material onde as actividades económicas se entremetem estiver organizada e a funcionar com uma eficiência aceitável. As imponderabilidades que agravam os custos de produção são de diversa natureza, sendo umas de responsabilidade do Estado e outras do domínio da própria iniciativa privada. Do primeiro grupo fazem parte:

escassez de recursos humanos qualificados a todos os níveis, razão fundamental para as carências que se verificam na gestão e na produtividade;

elevado grau de deterioração das infraestruturas básicas, particularmente a nível de acessos, energia eléctrica, água, esgotos, comunicações e transportes; os sistema alternativos a que as empresas têm de recorrer a expensas próprias são caros e de baixa eficiência económica;

dificuldades de distribuição de produtos acabados e distorções na política de preços e mercado abastecedor (produtor-grossista-retalhista-consumidor final);

elevados custos de transporte interno;

insegurança generalizada que obriga as empresas a suportar custos elevados com sistemas de segurança próprios, que em todo o caso não se mostram de total eficiência.

Do segundo conjunto destaco:

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parque de máquinas obsoleto e degradado, por falta de manutenção adequada e pela obsolescência dos equipamentos, a maior parte com mais de 35 anos de vida;

elevados custos dos “inputs” importados devido aos também altos custos de importação, transporte e portuários, agravados pelos pagamentos de comissões, não imputáveis directamente ao custo das matérias primas importadas;

desvios no trajecto porto-fábrica;

sistemas de pagamentos inter-empresas e Estado-empresas que funcionam com prazos extremamente longos.

Os três aspectos que abordei – crédito, desarmamento aduaneiro e imponderabilidades – constituem-se em peças importantes dum sistema integrado de incentivos ao investimento privado, que combine, de modo perspicaz, os incentivos reais, os incentivos imateriais, os incentivos fiscais e os incentivos monetários.

2.- O ESTADO DA ECONOMIA ANGOLANA EM 2001 E ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS PERVERSIDADES DO PETRÓLEO (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº9, Abril 2002)

Para onde vai a economia angolana é um pergunta sugestiva para se começar uma reflexão sobre o que fomos e como em 2001 e para onde vamos em 2002. É sabido que normalmente a realidade ultrapassa - para mais ou para menos - as previsões que os governos ou as administrações elaboram, como meio de se enquadrar as respectivas actuações e a escolha das políticas e dos correspondentes instrumentos. Porque da realidade não basta ter-se uma visão mais ou menos idílica sobre o que se gostaria de ter. É fundamental trabalhar-se arduamente para que os desejos e os desígnios se concretizem. E, nos dias que correm, para se conseguir que as sociedades evoluam ascendentemente no sentido do crescimento e do desenvolvimento, os governos e governantes têm de trabalhar acerbamente, as políticas públicas e as estratégias empresariais têm de convergir nos seus efeitos sinergéticos e todos os actores sociais devem participar do esforço colectivo33. O nosso mundo está muito desigualmente repartido em matéria de geração de riqueza, sendo conhecidas as “ratio” que expressam a extraordinária concentração dos rendimentos nos bolsos duma minoria de cidadãos. As sete maiores potências económicas do mundo - EUA, Japão, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França e Itália - concentraram em 1999 mais de 2/3 do Produto Interno Bruto mundial! Mas o mundo desenvolvido, ainda que altamente selectivo, não se restringe a estes sete países. Se lhe juntarmos a Noruega, a Austrália,

33

Os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 nos EUA vieram provar, por um lado, que os

factores extra-económicos podem ter uma influência devastadora na economia (os ataques terroristas ao

World Trade Center e ao Pentágono, ainda que mantidas as devidas proporções, em particular no número

de vítimas, podem-se assemelhar a catástrofes de cheias, secas, abalos telúricos, etc.) e, por outro, que

manter o crescimento económico “sempre em cima” é extraordinariamente difícil. A gestão económica é

certamente das matérias mais difíceis, porque tem de lidar com pessoas, cujos comportamentos são

imprevisíveis. Veja-se o meu artigo no número anterior sobe o abalo da confiança que o 11 de Setembro

provocou, e cujos índices de recuperação ainda não são nítidos.

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a Suécia, a Bélgica, a Holanda, a Suíça, a Dinamarca, a Áustria, a Espanha, e a Coreia do Sul - que em conjunto criaram um PIB de 3081,6 biliões de USD, qualquer coisa como 71% da actividade japonesa - aquele valor sobe para dois pontos acima de três quartos da riqueza mundial. Mas estas discrepâncias ainda são mais gritantes se as relativizarmos por intermédio da população: 23372,7 biliões de USD (77,2% do total mundial) para 858,5 milhões de pessoas (14,6% da população do planeta em 1999), qualquer coisa como $27225 dólares por pessoa nesse ano ($2268,8 por mês). Mas afinal o que é que tudo isto tem a ver com a nossa realidade económica? Angola integra o contexto das nações e por isso os acontecimentos internacionais devem ser atentamente analisados e interpretados: num mundo onde a riqueza é tão desigualmente distribuída - e que até pode não ser necessariamente duma forma injusta, atendendo a determinados factores34 - que tipo de reflexos decorrem para os cidadãos nacionais? Mas não é apenas por este viés que é avisado perceber como vai o mundo. O problema do desenvolvimento - que é fundamental para todos os países, mas muito em particular para os mais atrasados - é um dos mais complexos das sociedades humanas. Como consegui-lo duma forma sustentada e o menos desequilibrada possível num contexto em que as condições para a sua obtenção não são iguais para todos os países? Os países que hoje são considerados desenvolvidos partiram há muito tempo - talvez 250 anos - para esta extraordinária aventura que é a do engrandecimento da dignidade humana, pela melhoria permanente das condições de vida, pela educação e formação, pelo desenvolvimento científico e tecnológico, pela saúde e pela cultura. Os seus atributos de partida não têm nada que ver com as condições dos países que hoje pretendem embarcar na mesma aventura35. Aqueles países tiveram as suas revoluções agrícolas, as suas revoluções industriais, as suas revoluções tecnológicas, os seus impérios coloniais36, os seus modelos de crescimento muito proteccionistas e, ainda por cima, criaram instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, que ao defenderem e “imporem” o liberalismo económico e a globalização financeira estão, implicitamente, a protegerem as economias mais maduras e mais estruturadas e por isso mais preparadas para as adversidades económicas e extra-económicas37. Toda esta estrutura económica e institucional - uma matriz de inter-relações económicas e financeiras profundas e de conivências políticas fortes, para além das mais ou menos mediáticas guerras comerciais - constitui o sistema capitalista mundial, fortemente hierarquizado - com um centro que comanda toda a sua manobra de

34

A riqueza concentra-se nestes países por razões históricas, mas também devido aos elevados índices de

produtividade e níveis de desenvolvimento científico e tecnológico. 35

O desenvolvimento humano ou será obra de todos ou então não o será. 36

Paul Bairoch em “Os Mitos e os Paradoxos da História Económica” refuta o fenómeno colonial enquanto

factor determinante do desenvolvimento das metrópoles (matérias primas mais baratas e mercados

preferenciais de escoamento de bens industriais provenientes da revolução industrial). 37

Já se sabe que os ciclos económicos não são o que eram: existem instrumentos vários para os debelar e

reduzir os seus efeitos, nomeadamente através de políticas de procura adequadas. Mas mesmo assim é

interessante verificar que a economia americana, apenas três meses depois dos choques terroristas que

abalaram a sua economia, começa a dar sinais evidentes de recuperação, a fazer fé nas declarações de 25

deste mês de Alain Greenspan ao Congresso americano, tendo anunciado o fim do ciclo de redução das

taxas de juro.

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funcionamento e aonde se estabelece o essencial da acumulação capitalista e uma periferia extrovertida e organizada em função das suas necessidades - em que a participação de cada país estará previamente determinada pelo papel que lhe está destinado na divisão internacional do trabalho, fundamentalmente estabelecido pelo princípio das vantagens comparativas de David Ricardo38. O desenvolvimento económico será, então, viável se a possibilidade de cada país não decorrer das suas potencialidades internas, mas do papel que a hierarquização do sistema capitalista mundial lhe reserva? Equivale esta interrogação a outras de conteúdo afim: o subdesenvolvimento é o resultado de quê concretamente? É possível - desejável certamente que sim - alterar o “status” existente? Descortinam-se experiências concretas de rompimento desta espécie de bloqueio, no contexto dum modelo de desenvolvimento capitalista? Evidentemente que existem respostas, umas mais convincentes do que outras. Parece, porém, que para todas elas a função e o desempenho do Estado constituem uma condição básica essencial. Em definitivo, o que pretendo com este “historial” é demonstrar que a aventura do desenvolvimento é hoje muito mais complicada, difícil, demorada e delicada, do que há 200 anos atrás. Maiores adversidades e maiores desafios determinam que se os governantes e agentes do desenvolvimento estiverem efectivamente interessados39 têm de fazer prova de muito trabalho, muita competência, muito talento para as “coisas” económicas, muita presciência, muita paciência e sobretudo muita sabedoria. E é justamente aqui que recupero a frase inicial: o que fomos e como em 2001 e para onde vamos em 2002. Como se deve medir o crescimento económico? Em termos de valores ou de quantidades? Em moeda nacional ou em moeda comparável? Os especialistas dizem que só se pode falar de crescimento económico quando a quantidade de bens e serviços postos à disposição das pessoas aumenta sistematicamente. Se o valor correspondente for mais baixo isso significa que os preços baixaram e que as condições de vida melhoraram: mais bens e serviços a preços mais reduzidos. O que aconteceu com a economia angolana em 2001? Os dados disponíveis, ainda muito precários, apontam para um crescimento global entre 5,2% e 7,4% a preços constantes de 1992, dependendo das fontes e das metodologias de cálculo40. A fazer fé nos dados oficiais, 2001 poderá ter sido um ano económico bastante bom: a agricultura provavelmente aumentou a quantidade de bens à disposição das pessoas em cerca de 18%, a indústria transformadora em quase 10%, a construção em 8,5%, o comércio em 6% e a energia e água em aproximadamente 10%. Ainda que significativas, estas taxas de crescimento merecem algumas observações:

38

A teoria de Ricardo, apesar das suas limitações num mundo globalizado em que a mobilidade de todos os

factores de produção e das próprias empresas é uma realidade, ainda continua a ser uma boa aproximação

para uma das questões centrais da economia internacional: o que leva uns países a exportar determinados

produtos e a importar outros? A especialização, na óptica de Ricardo, deve ter por base os custos relativos

internos de cada país. Não é inteiramente verdade que Ricardo tenha assente a sua tese na existência ou não

de recursos naturais. É o modelo neoclássico que defende o princípio da dotação factorial, segundo o qual a

especialização depende da quantidade relativa de factores de produção. 39

Uma espécie de militância activa a favor do desenvolvimento, muito mais séria do que as de cariz

político. 40

O segundo valor corrigido da inflação nacional (não apenas Luanda) desce para cerca de 6%.

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os sectores estruturantes da economia interna - agricultura, indústria transformadora, construção e energia - não representam, em conjunto, mais do que 16,5% do Produto Interno Bruto;

a base de partida é muito pequena41 e como tal qualquer nova dinâmica, ainda que conjuntural, traduz-se numa taxa elevada de crescimento;

continuam a predominar deficiências estruturais, imperfeições de mercado e constrangimentos vários importantes no funcionamento destes sectores, pelo que se pode concluir que estas dinâmicas de crescimento não são sustentáveis a prazo;

não deixa de ser curioso como aqueles crescimentos ocorreram. De facto, compulsando as estatísticas monetárias de 2001 afere-se que a taxa global de variação do crédito à economia foi de apenas 0,78% (com as empresas públicas) e do crédito ao sector privado de tão somente 1,57%. De que modo, então, a recuperação dos sectores em análise se processou? Recurso a alguma poupança escondida? Apelação a financiamentos externos privados? Maior utilização apenas das capacidades ociosas existentes sem necessidade de significativos investimentos de reposição?

Na verdade, um dos indicadores que permite aquilatar se determinadas condições de sustentabilidade estão garantidas é a produtividade. E neste aspecto não só os valores globais da produtividade bruta terão sido baixos em 2000 e 2001 - respectivamente, $2,011 e $1,660 dólares por trabalhador - como ocorreram ganhos negativos de produtividade entre estes anos. Excluindo-se a economia petrolífera desta avaliação, os valores da produtividade baixam consideravelmente, chamando a atenção para a problemática dos aumentos salariais, tão justamente reivindicados pelas associações de trabalhadores. A economia petrolífera teve um desempenho muito modesto em 2001 – oito anos depois de em 1993 ter registado um decréscimo real de 8,4% -, registando as estatísticas económicas um crescimento real de -1%, ou seja, a quantidade extraída de petróleo angolano diminuiu entre 2000e 2001. Só que quase que acaba por ser indiferente este ou outro crescimento, uma vez que aproximadamente 95% desta produção acrescida foi exportada42. Os efeitos multiplicadores reconhecidos a um recurso natural como o petróleo são enormes (facilita o crescimento da agricultura, fomenta o desenvolvimento industrial, promove os transportes, etc.), perdendo-se completamente em favor das economia já desenvolvidas, com destaque para a dos Estados Unidos da América.

41

Em dólares correntes, por exemplo, o PIB da indústria transformadora em 2001 não foi além dos 217

milhões. 42

Naturalmente que as receitas geradas pela extracção petrolífera são necessárias e úteis ao país,

essencialmente na parte que corresponde a impostos petrolíferos entregues ao Estado. Na ausência de

petróleo ou da sua exploração estas receitas não existiriam. Contudo, é evidente que em termos de

desenvolvimento económico a contribuição, directa ou indirecta, do sector petrolífero tem sido não só nula,

como principalmente perversa. Esta convivência conflituosa entre o petrolífero e o resto é conhecida na

literatura económica como a doença holandesa, que atrofia o desenvolvimento dos sectores não minerais,

agrava a distribuição do rendimento e gera pobreza.

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Este carácter de extroversão da economia petrolífera angolana merece alguma reflexão. As economias periféricas não existem de “per se,”43 mas em função da sua interligação dependente com o centro do sistema capitalista mundial. Esta inserção dependente é chamada de extroversão44. A extroversão é, evidentemente, muito diferente duma lógica de desenvolvimento centrada nas exportações, porque não se trata, neste caso, duma monocultura, seja agrícola, industrial ou mineral, mas dum modelo diversificado, assente na produtividade e competitividade e não apenas na existência de recursos ou factores mais ou menos abundantes. E esta é uma diferença crucial que pode ajudar a perceber porque determinados países conseguiram, depois de mais de 60 anos de militância permanente pelo desenvolvimento, romper as grilhetas do subdesenvolvimento. A extroversão é monocultural, necessariamente dependente, discriminatória - porque exíguo o número de trabalhadores nacionais engajados na criação de riqueza - e improdutiva na óptica estritamente nacional. É por isto que fica muito difícil entender a estratégia de desenvolvimento da economia petrolífera em Angola45. Não é o interesse nacional o elemento determinante. O desenvolvimento extrovertido - ou seja e para determinados analistas, a negação do desenvolvimento - induz um crescimento nas periferias na exacta medida das necessidades e da lógica de evolução do sistema. Aproveitando-se este raciocínio, dir-se-á que o desenvolvimento da economia petrolífera acaba por se fazer no interesse das companhias estrangeiras e da lógica do sistema capitalista em que estão inseridas. Será, então, do lado das receitas que está defendido o interesse nacional? Vejamos. Em 2000 o valor correspondente à produção de petróleo foi de 7485,2 milhões de dólares, que depois de descontados os custos de exploração, resultaram em 5389,4 milhões de USD. Raciocinando em termos de exportação, os rendimentos por contrapartida dos 90,5% da quantidade vendida ao exterior foram de 6946,9 milhões de USD, que são integralmente depositados em bancos estrangeiros. Retomando o primeiro valor, ou seja, o correspondente ao valor de produção, a sua repartição entre o Estado e a economia petrolífera deve ter sido aproximada e respectivamente 41,8% e 58,2%46. Aquela percentagem percebida pelo Estado corresponde, em termos da teoria

43

Conforme referi mais atrás, integram-se numa lógica capitalista sistémica, em que o seu papel está

definido enquanto sustentadoras do núcleo central. 44

Não se trata de recuperar e eventualmente reavivar a teoria da dependência que deu que falar no final da

década de 70 e durante os anos 80 do século passado. Samir Amin, Arghiri Emmanuel, Paul Bairoch, Mário

Murteira, Paul Baran, André Gunder Frank, Celso Furtado, etc., ficaram famosos pelas determinantes

contribuições para a compreensão teórica do subdesenvolvimento. 45

A corrida ao petróleo tem sido desenfreada: primeiro a exploração em águas superficiais, depois em

águas profundas e mais recentemente em águas ultra-profundas (não sei se a terminologia é esta, mas a

ideia é, ou seja, explorar-se cada vez mais até à exaustão). O que é que nos faz correr, sabendo que 95% das

quantidades extraídas de petróleo são exportadas e que o petróleo está lá, não vai desaparecer? Certamente

que não é o interesse nacional que alimenta este fôlego de autênticos atletas dos 100 metros. Dir-se-á que

são as receitas petrolíferas o verdadeiro motivo nacional. Porém, é reconhecido que a sua utilização não foi

e ainda não tem sido a mais condizente com os interesses da Nação. 46

É sempre arriscado e complexo penetrar nas contas da economia petrolífera. No entanto, a serem exactas

as informações das várias fontes que contêm elementos sobre esta actividade, a repartição do valor bruto de

produção de 2000 pode ter sido a seguinte (valores em milhões de USD): 610,9 a título de juros da dívida

garantida com petróleo, 911,5 a título de lucros e dividendos das companhias operadoras, 71,4 por

contrapartida de salários dos expatriados das companhias estrangeiras, 2095,8 enquanto custos de operação,

268,5 para amortização dos investimentos, 400 para importações directas de bens de consumo final e

3177,1 a título de renda do Estado.

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de Ricardo47, a uma renda que respeita a um direito de propriedade e remunera uma aptidão natural objectiva, na circunstância o petróleo. A importância desta renda petrolífera para o Estado é melhor entendida se se disser que o seu peso nas receitas fiscais foi de 65,7% ou talvez até um pouco mais atendendo a outros pagamentos devidos pela economia petrolífera. Em 2001 a situação da economia petrolífera e das receitas fiscais do Estado foi diferente. O crescimento económico48 nesta economia não produziu os mesmos resultados financeiros. O preço médio anual do Brent rondou os 24,3 USD por barril, donde, apesar de mais quantidade extraída de petróleo, uma diminuição das receitas petrolíferas. O valor bruto de produção terá sido da ordem dos 6,708.6 milhões de dólares, ou seja, -10,4% relativamente a 2000. Admitindo que a estrutura de custos desta economia é fixa, a consequência deste decréscimo de valores pode ter sido a diminuição da renda do Estado. A economia petrolífera coloca, na verdade, problemas sérios ao país. Quando se fala na imperatividade de se construir uma economia nacional, a economia petrolífera - de enclave, extrovertida e fazendo parte da estratégia de aprofundamento do sistema económico capitalista das grandes potências económicas - constitui-se num enorme estrangulamento. Por várias razões:

pelos elevados montantes anuais de importações de bens de consumo – entre 600 a 800 milhões de dólares americanos - sem a intermediação de qualquer instituição bancária nacional (a economia não petrolífera não é chamada a dar a sua contribuição);

pelas isenções aduaneiras que impendem sobre estas importações;

beneficia de regimes cambiais e fiscais especiais: o primeiro estabelece que as companhias petrolíferas estrangeiras devem importar do exterior as divisas necessárias para fazerem face às suas obrigações fiscais, o que pressupõe dizer que as receitas de exportação correspondentes aos 90,5% da produção anual de petróleo são todas encaminhadas para o exterior;

por aquelas razões trata-se duma verdadeira economia de enclave49, não gerando a sua actividade os efeitos multiplicadores sobre a outra economia.

47

Neste caso, a sua teoria da renda, segundo a qual a renda é determinada pela diferença entre o preço de

venda e os custos de produção e o campo concreto de aplicação foi a Inglaterra rural do século XVIII. A

diferente aptidão das terras agrícolas determinou a introdução do conceito de renda diferencial e a

descoberta da lei dos rendimentos marginais decrescentes. A interpretação marxista da História e da

economia, ao enfatizar que a noção de renda de Ricardo se resumia a defender uma remuneração por um

dom da natureza e não do factor trabalho, levou a considerar-se a renda fundiária como improdutiva e a

respectiva classe possidente de parasita. A interpretação mais moderna e recente da teoria da renda enfatiza

a renda mineira (tal como a que o Estado angolano retira do petróleo) como um dos grandes entraves ao

desenvolvimento sustentado das economias que dispõem de recursos minerais. Penso tratar-se de uma

interpretação mais arrojada do que a do “ dutch deasese”. 48

De acordo com a noção dada logo no início desta secção. 49

A extroversão de muitas economias subdesenvolvidas e os efeitos perversos resultantes de se

constituírem na periferia do sistema capitalista mundial traz, necessariamente, à coacção a questão da ajuda

pública ao desenvolvimento. Na secção quatro do capítulo anterior afirmo a propósito: “… a ajuda pública

ao desenvolvimento deve passar a constituir uma compensação pelas desigualdades determinadas pela

globalização da economia - que afinal até pode ser um fenómeno provocado pelas estratégias económicas

e financeiras das transnacionais contra o emprego e a favor do lucro e da competitividade, e não como um

resultado espontâneo do funcionamento do mercado mundial”.

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Para terminar algumas referências à inflação registada em 2001. Do mesmo modo que em relação às noções e medições do crescimento económico, também no concernente à inflação podem existir vários pesos e diferentes medidas50. Antes porém vale a pena afirmar que a tendência registada ao longo do ano passado foi de clara desaceleração:

apreciada em termos de variações homólogas a taxa de inflação passou de 241,2% em Janeiro, para 116,1% em Dezembro;

comparada com a taxa de inflação acumulada em Dezembro de 2000, a inflação passou de 268,4% para 116,1%;

verificada pelas taxas trimestrais médias as reduções foram, igualmente, assinaláveis;

finalmente a taxa anual média de inflação - diferente da taxa acumulada no final do ano - também se reduziu entre 2000 e 2001: 339,7% e 162,5% respectivamente.

Como se sabe, o Governo tinha no seu programa para 2001 inscrita uma taxa de inflação acumulada de 75%. Esta meta foi depois revista, a meio do ano, para os 125%. E neste ponto ocorreu o cumprimento da meta de inflação. Como se poderão comportar os preços durante 2002 (a meta do Governo é de 50%)? Dependerá de factores e ocorrências diversas:

da redução das taxas de ociosidade da indústria transformadora (em média, cerca de 70% de capacidade não utilizada);

do efectivo controle das despesas quase fiscais do BNA;

da política salarial e do estabelecimento do salário mínimo nacional;

dos reais ganhos de produtividade (em 2001 foram negativos);

do crescimento do crédito ao sector privado não comercial;

da estratégia de esterilização das receitas fiscais petrolíferas e das receitas de exportação da SONANGOL ( com forte incidência sobre a política de convergência cambial).

3.- OS FACTORES E OS CONTEXTOS DAS DECISÕES EMPRESARIAIS (Palestra proferida a convite da Fundação Friedrich Ebert e do Fórum de Auscultação e Cooperação Empresarial, em 21 de Maio de 2002)

Continua a debater-se a questão do apoio ao empresariado angolano. Recordo que justamente há um ano fiz uma palestra para o FACE e a convite da Friedrich Ebert Stiftung sob este mesmo tema e então titulada “sistema integrado de incentivos ao investimento”. De que modo o Governo tem sido informado destas e doutras iniciativas semelhantes que a sociedade civil promove com a finalidade de chamar a atenção para as dificuldades com que permanentemente se debate a economia não mineral e muito particularmente os empresários que apostam em sobreviver e mostrar que é possível e fundamental devolver a economia aos cidadãos? Não terá chegado o momento para que o FACE e a Fundação publiquem um livro51 que agrupe todas as comunicações

50

Medição homóloga, medição trimestral, medição acumulada ao fim de cada ano, medição mensal, etc. 51

Livro Branco sobre o Empresariado Privado Nacional, poderia ser o título.

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apresentadas por especialistas de reconhecida competência e incontestável militância a favor da economia nacional? (A) FACTORES CONDICIONANTES DAS DECISÕES EMPRESARIAIS

O estudo dos factores condicionantes das decisões empresariais é necessário para se conhecerem as motivações que levam, ou não, ao aumento do investimento e da produção. Por outro lado, o conhecimento destas motivações fornece um bom quadro de referência para a escolha dos incentivos que melhor actuam sobre as razões negativas dos empresários e mais possam potenciar as suas expectativas positivas. Factores macroeconómicos Como se referiu anteriormente, os factores macroeconómicos exercem uma grande influência sobre o processo de tomada de decisões microeconómicas. Ambientes caracterizados por excesso de instabilidade actuam perversamente sobre as motivações empresariais, levando os agentes económicos a preferirem o imediato e o especulativo, em detrimento do estruturante e mais prospectivo. Tem-se constatado que para os empresários privados os factores macroeconómicos que transmitem maior instabilidade às decisões microeconómicas são o acesso ao crédito, os direitos de propriedade52, a inflação, o mercado cambial e a instabilidade militar. Os direitos de propriedade são já uma velha questão53 e enquanto permanecer como tal inviabilizará que os activos físicos detidos pelos agentes económicos se possam transformar em capital54. O acesso ao crédito e as elevadas taxas de juro são, semelhantemente, um constrangimento apresentado pelos empresários para o funcionamento normal da actividade privada e que necessita de uma abordagem, pelas autoridades monetárias do país, mais audaz e consequente com as necessidades de reconstrução e desenvolvimento. A inflação e a instabilidade dos preços é apontada como relevante pela esmagadora maioria dos empresários privados, enquanto elemento fustigador das decisões empresariais. Um outro factor, igualmente muito reclamado pelas associações empresariais, reporta-se ao sistema fiscal vigente, considerado excessivamente penalizador da formação das poupanças empresariais necessárias para constituírem o seu autofinanciamento. Factores microeconómicos ou de desenvolvimento empresarial É evidente que o ambiente microeconómico também se revela como um importante factor condicionador das decisões empresariais. A maior ou menor densidade de

52

Numa nota endereçada pela AIA ao Ministro das Finanças e datada de 22 de Outubro de 2001 era

referenciada a privatização rápida do pequeno sector imobiliário, com as correspondentes escrituras, como

um factor importante para que o empresariado nacional pudesse usá-lo como capital no recurso aos

financiamentos bancários e institucionais. 53

Que não se esgotam, nem por ela serão integralmente resolvidos, na nova lei de terras que está em fase de

finalização e aprovação. Sublinhe-se que a questão das terras pode vir a ser o próximo grande conflito no

país, particularmente quando os deslocados regressarem aos respectivos locais de origem e verificarem que

as terras antes utilizadas na produção agrícola para a sua subsistência não poderão ser mais reocupadas,

porque, entretanto, ocupadas por outrém 54

Uma correctíssima e interessante abordagem deste tema é feita por Hernando de Souto em “O mistério

do Capital- Porque o capitalismo funciona nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo”.

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relações económicas intra-sector privado favorece ou constrange a criação de economias externas, a intensidade das trocas, a libertação de novos postos de trabalho, o volume de negócios, etc. Nesta fase de transição económica, a antinomia de interesses entre o sector comercial e o industrial tem sido propiciadora de algumas contradições nas políticas de incentivo do empresariado privado. Os dois pontos cruciais referem-se ao mercado da mão-de-obra e aos custos elevados de “stockagem” e dos “inputs”. A oferta nacional de profissionais qualificados, a todos os níveis, é limitada, sendo, também por esta via, afectada a produtividade do trabalho. Os custos elevados dos “inputs” decorrem, certamente, das dificuldades de circulação interna, dos estrangulamentos gerais que se abatem sobre a oferta interna, da baixa produtividade dos equipamentos industriais (em grande parte completamente obsoletos) e do elevado coeficiente de ociosidade produtiva. Factores institucionais São factores de enquadramento, reportáveis, alguns deles, a uma determinada cultura de se encarar a actividade económica – como a corrupção, a burocracia, o laxismo, o cumprimento de compromissos assumidos – e, outros, ao grau de eficiência do funcionamento das instituições, como o sistema bancário, os serviços de justiça, os sindicatos, a administração do Estado, etc. A baixa qualidade dos serviços prestados pelo sector público administrativo e a burocracia aprecem como os entraves mais aludidos pelos empresários às suas decisões microeconómicas. Tratam-se de dois elementos do processo de decisões empresariais cuja responsabilidade de reversão compete inteiramente ao Estado, de modo a incentivar e a facilitar o exercício da actividade privada. A inexistência dum sistema interno de prevenção e cobertura dos riscos, traduzido pela indústria de seguros, é, do mesmo modo, antedito por uma grande percentagem de operadores económicos. Os sistemas de seguros, como se sabe, conferem à actividade económica outro enquadramento para o seu funcionamento e representam, também, uma forma de aumentar e captar a poupança interna. A corrupção é outro aspecto negativo da cultura institucional nacional que prejudica as motivações empresariais. Destacam-se mais dois factores institucionais negativos de responsabilidade do Estado: deficiente funcionamento dos tribunais e dificuldades de licenciamento das actividades55. A ineficiência do sistema bancário merece, do mesmo modo, bastantes nomeações da parte dos empresários. Factores infraestruturais Os indicadores de fraca infraestrutura física de apoio ao desenvolvimento, como o abastecimento de electricidade e água são uma forte preocupação dos empresários. Apesar das francamente positivas dinâmicas de crescimento para o sector das obras públicas, os níveis, entretanto, conseguidos ainda se colocam bem aquém duma

55

Continua a ser a questão do gabinete único das empresas.

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situação de normalidade para o sector produtivo e que ajude a minimizar os custos de instalação e funcionamento de sistemas alternativos. Esta é mais uma responsabilidade do Estado a ser considerada no contexto dum programa consistente de incentivo ao sector privado nacional. O mercado interno de prestação de serviços às empresas é também apontado, embora com baixa intensidade relativa, como um dos obstáculos a um funcionamento mais normal da actividade empresarial. De destacar, na mesma sequência, os ineficientes serviços de transporte, que poderão contribuir para os elevados índices de absentismo ocorridos nas empresas. (B) PROBLEMAS ESTRUTURAIS CRÓNICOS

As actividades privadas nacionais encontram-se afectadas por um leque variado de problemas estruturais crónicos, que vêm actuando no sentido preciso de limitarem a expansão da oferta interna de bens e serviços. Produtividade A produtividade média em Angola tem apresentado valores de referência muito baixos, manifestamente insuficientes para permitirem a criação dum poder de compra interno que propicie melhores condições de vida dos cidadãos e reduza o risco de rendibilidade dos investimentos privados. O valor médio da produtividade bruta por trabalhador registado entre 1989 e 2000 foi de apenas $1582 dólares dos Estados Unidos, de resto compatível com as cifras relativas ao produto interno bruto por habitante, cuja média durante a década de 90 foi tão somente de $586 dólares americanos. Aquela quantia é ainda mais irrisória por se referir a toda a economia, onde actua um sector de tecnologia de ponta que é o dos petróleos e dos refinados.

Qualificação dos recursos humanos Também quanto à qualificação média da força de trabalho do sector privado da economia as informações escasseiam. A ideia geral é de que é muito baixa, se atendermos à taxa de analfabetismo dos adultos, estimada para 2000 em 58% da população com 15 e mais anos. Isto pode indiciar que a maior parte dos trabalhadores das actividades privadas é analfabeta, o que ajuda a compreender, por exemplo, os baixos índices de produtividade da indústria transformadora. Com efeito, o inquérito às despesas e receitas familiares levado a cabo pelo Instituto Nacional de Estatística em 2000/2001 revela que 72,7% dos inquiridos não é detentor de qualquer profissão ou ofício –mostrando claramente tratar-se dum segmento populacional de reduzida ou mesmo nula qualificação profissional – o que coloca enormes problemas quanto à sua absorção pelo mercado de emprego estruturado e deixa enormes expectativas quanto ao seu contributo para a obtenção de ganhos de produtividade reais. Ainda segundo os resultados do mesmo inquérito, dentre os que declararam possuir ofício ou ocupação, 35,7% exerce a sua actividade como vendedor - de quiosque, de

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quinquilharia, ambulantes e ao domicílio - enquanto que apenas 1,8% declararam ser mecânicos, 2,1% agricultores, e 2,2% trabalhadores braçais. Se se tomar como base de análise da qualificação média da força de trabalho nacional os resultados do Perfil dos Recursos Humanos da Função Pública56 o panorama melhora um pouco, mas não se altera a sua natureza estrutural de fraca qualificação média:

- menos da 4ª classe .... 16,6% - primária ....................... 13,6% - preparatório ................. 20,5% - secundário ................... 29,9% - ensino médio ............... 13,2% - pré-universitário ........... 2,7% - bacharelato .................. 1,5% - licenciatura ................... 1,9% - mestrado e doutoramento 0,15%

Verifica-se, portanto, um predomínio das qualificações básicas e indiferenciadas de cerca de 80,6%. Dado o estado de letargia do parque industrial nacional, como consequência naturalmente da instabilidade militar, mas também como resultado de políticas de oferta inadequadas e dos desequilíbrios macroeconómicos, o “know-how” dos trabalhadores é hoje bem menor do que nos alvores da independência, tendo-se assistido a uma verdadeira descapitalização de conhecimentos e experiências por inoperatividade das fábricas e complexos industriais. Sobreemprego e desutilização produtiva Mas as situações de desperdício económico na indústria são traduzidas por outros parâmetros, conforme os dados do quadro seguinte:

ANOS ÍNDICE DE PRODUÇÃO INDUSTRIAL

ÍNDICE DE EMPREGO INDICE DE SOBRE-EMPREGO

1991 41 84 204.9

1992 18 73 405.6

1993 12 66 550,5

1994 18 61 338,9

1995 18 68 377,8

1996 15 68 453,3

1997 20 74 370,0

1998 29 74 255,2

1999 17 72 423,5

2000 18 72 400,0

FONTE: Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério da Indústria, 1995. Para os anos mais recentes tratou-se de uma adaptação metodológica para o cálculo dos respectivos valores.

Se em termos físicos o índice de produção industrial denota a ociosidade da capacidade instalada, a sua comparação com o índice de emprego permite concluir por um evidente sobreemprego na indústria transformadora nacional, donde se colocar a seguinte

56

Perfil dos Recursos Humanos da Administração Pública – MAPESS, Fevereiro, 1991

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questão: se a estabilização macroeconómica melhorar o clima empresarial como utilizar os aumentos de produção tendentes a diminuir o grau de ociosidade? Quantoao grau de não utilização da capacidade instalada, e de acordo com os inquéritos que a Associação Industrial de Angola tem realizado junto dos seus associados, o panorama é verdadeiramente desastroso: 63,6% na alimentação, 44,7% nas bebidas, 73,8% nas carnes, 71,9% nos bens de equipamento, 88,5% nas gráficas, 75,2% nas madeiras, 51% nos materiais de construção, 70% na metalomecânica, 85,8% nas máquinas, etc.

Outros estrangulamentos

As informações relativas ao enquadramento tecnológico da indústria nacional expressam um conjunto variado de constrangimentos estruturais importantes.

- Obsolescência tecnológica A maior parte do parque industrial está tecnologicamente incapacitado. Estima-se que 94% do equipamento industrial instalado tem mais de 20 anos e que cerca de 33% mais de 30 anos57. Nem os mais recentes empreendimentos industriais, como o da Coca-Cola, alteram significativamente estes valores. Tendo em conta que muitas das máquinas, quando foram instaladas, eram recicladas (2ª mão na melhor das hipóteses), a antiguidade média de todo o parque industrial nacional deve, seguramente, rondar mais de 30 anos.

- Manutenção dos equipamentos No geral, este aspecto foi descurado na gestão empresarial (empresas públicas mais laxistas neste e noutros aspectos da administração empresarial) e na política económica. Nunca se deu à manutenção a importância que efectivamente detém no processo de produção industrial. Em geral, em Angola o grau de manutenção é muito fraco. Das empresas ainda operativas os estados de conservação são58: - aceitável 32% - pobre 20%

- necessitando de reparação urgente 28% - degradado ou inoperativo 20%

- Escassez e irregularidade de abastecimento de matérias primas Os escassos recursos financeiros, a carência de divisas, a excessiva burocracia, os roubos nos portos e aeroportos são, do ponto de vista dos empresários, a origem de uma manifesta falta de matérias primas, que tem contribuído para os altos índices de não utilização da capacidade produtiva instalada. A irregularidade na obtenção de matérias primas introduz desajustamentos na gestão de “stocks” – levando a comprar em excesso para se aproveitarem as disponibilidades em divisas, por exemplo – o que provoca custos de stockagem e armazenagem exagerados.

57

Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério da Indústria, 1995 58

Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério da Indústria, 1995

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De acordo com o Plano de Reindustrialização de Angola, as disponibilidades de matérias-primas e subsidiárias e de ferramentas e peças sobressalentes seriam em mais de 95% dos casos difícil de assegurar (mais de 75% muito difícil).

- Deficiente fornecimento de electricidade e água A opinião dos empresários é a de que os fornecimentos de electricidade e água são 84% muito irregulares, subindo aos 100% no caso das actividades industriais localizadas em Luanda. Embora não existam estimativas confiáveis sobre os prejuízos que a situação de irregularidade de abastecimento de electricidade e água provoca à indústria, pode, no entanto, avançar-se uma cifra de 20% a 25% de perdas sobre a produção industrial. Como se vê, os problemas são inúmeros e de grande complexidade e se não forem mitigados dificilmente o empresariado angolano poderá assumir o papel central no processo de recuperação económica nacional. 4.- OS FACTORES SÓCIO-ECONÓMICOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO EM ÁFRICA (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº 14, Setembro 2003)

É cada vez mais importante relembrar, enfaticamente59, que o desenvolvimento económico não é, nem a soma de factores necessários, nem muito menos apenas o resultado de abordagens economicistas em que a produtividade e a competitividade aparecem como as determinantes máximas. A relevância concedida aos factores sociais e culturais afirmou-se a partir de 1960 com as abordagens inovadoras de François Perroux e sobretudo depois de se ter concluído que as colonizações não traziam uma explicação globalmente satisfatória ao estado de subdesenvolvimento ou de desenvolvimento retardado dum grande número de países do Sul, em particular do continente africano. A moderna abordagem sociológica parte da afirmação da existência de determinadas blocagens culturais e sociais ao desenvolvimento e que a sua ultrapassagem é um dos passos indispensáveis para que

59

O receituário económico das três instituições internacionais mais temidas - Fundo Monetário

Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio – desvaloriza os aspectos sociais e

culturais, sendo, portanto, obrigação da intelectualidade africana rebatê-lo, apresentando modelos e

estratégias centradas nos factores essenciais do desenvolvimento em África. A recente preocupação com a

pobreza no continente não passa de um disfarce com que normalmente os cantos das sereias destas

instituições se fazem acompanhar. É hoje claro - os piores cegos são exactamente os que se recusam a ver -

que o Fundo Monetário Internacional, completamente dominado pelos interesses da alta finança norte

americana (ver entrevista de Joseph Stiglitz - o mais recente prémio Nobel da Economia - à Revista VEJA,

número de Abril de 2002) defende exclusivamente os interesses dos países credores, procurando através de

receitas envenenadas garantir o pagamento de dívidas avolumadas pelas condições de funcionamento da

economia mundial, e que a Organização Mundial do Comércio procura acautelar que a globalização

penalize mais os mais pobres.

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as sociedades dominem e adaptem o meio envolvente às suas necessidades60. De resto e ainda numa perspectiva mais moderna - ou se se quiser num conceito mais actual e abrangente de desenvolvimento - as sociedades só se devem considerar desenvolvidas na medida em for elevada a sua capacidade de domínio do meio natural para o porem ao serviço das populações61. Deste exacto ponto de vista o desenvolvimento não é, portanto, uma mera soma de factores necessários. Até há algum tempo atrás considerava-se que sem a existência dum conjunto básico de factores, o desenvolvimento não seria possível. Pontificavam, nesta altura, os pontos de vista de Rosentein-Rodan, Raymond Barre, W.W.Rostow e outros economistas para quem o “take-off” ocorreria simplesmente com uma injecção maciça de investimentos62. A moderna sociologia do desenvolvimento, ao interpretar o fenómeno do atraso económico como uma conjugação de factores económicos e extra-económicos (daí a importância cada vez maior nas equipas económicas de antropólogos culturais, sociólogos e historiadores), estabelece que uma análise séria desta problemática deve levar em conta que o desenvolvimento é antes de mais um processo63, que pode ocorrer em condições iniciais muito diferentes de país para país. Por outro lado, os factores considerados como de bloqueio ao desenvolvimento não são explicações satisfatórias para a compreensão do subdesenvolvimento. É neste quadro que sobressaem quatro grandes categorias de factores: os recursos naturais64, os factores religioso-culturais - e as respectivas consequências sobre a organização social e a actividade económica - a fraqueza da classe média e principalmente do que se considera ser o seu corolário natural, a ausência duma classe empresarial65, e, finalmente, a atitude das classes possidentes. O aprofundamento de cada uma destas condições está fora de questão num espaço de artigo. O que pretendo é que fique a nota importante e o recado de que os programas de desenvolvimento e as políticas económicas estarão, invariavelmente, condenadas ao insucesso se concebidos e elaborados sem a conjugação de factores económicos, sociais e culturais, sendo nesta complementaridade que o pensamento africano se deve

60

Se esta parece ser uma perspectiva correcta de abordagem, porquê é que o FMI e o Banco Mundial não a

consagram como modelo para a formulação das políticas estruturais e das reformas económicas, em vez de

sistematicamente as focalizarem em aspectos monetários e circunscrevê-las às questões da estabilização

macroeconómica? 61

E é fácil de aceitar e compreender, porque na capacidade de dominar-se o meio e de pô-lo ao serviço das

pessoas estão inseridos os aspectos relacionados com a tecnologia, o capital humano, o desenvolvimento

institucional e até mesmo a democracia. 62

É por isto que nos modelos económicos daquelas instituições tudo deve ser feito para captar o

investimento externo. 63

A interpretação do FMI e de outras instituições de forte pendor liberal é tão simples como isto: não

existirá crescimento económico enquanto a inflação não for de 5% ao ano, o défice orçamental de zero por

cento do PIB, as reservas externas em 4 a 5 meses de importações, o Estado reduzido ao mínimo na sua

intervenção social, a liberalização dos mercados não for total, etc. São bem diferentes as interpretações

sociológicas do subdesenvolvimento económico. 64

Cuja dotação inicial condiciona não apenas as estratégias de crescimento, mas também a maior ou menor

intensidade nos ritmos de variação do PIB, sem, porém, se constituir no único factor, pela simples razão de

que muitos países fracamente dotados pela natureza serem hoje exemplos notáveis dos novos

desenvolvimentos no mundo. 65

Sem classes empresariais nacionais fortes, dotadas de iniciativa e capazes de aceitar o risco, os

ambientes macroeconómicos estáveis servem de pouco.

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constituir e aprofundar, de modo a serem apresentadas alternativas muito mais credíveis para a ultrapassagem do atraso económico do continente. Do mesmo modo deixo um alerta sobre os métodos utilizados para identificar as causas do atraso económico e que não conduzem, como é óbvio, à sua melhor interpretação. Invariavelmente são sempre os países desenvolvidos a referência, raciocinando-se assim: que factores estiveram presentes no momento em que estas sociedades registaram crescimentos fortes e sustentados? A ausência de qualquer um destes factores é, imediatamente, considerada como obstáculo ao desenvolvimento. A consequência lógica deste raciocínio é a de que quanto mais desenvolvidos forem os países desenvolvidos, mais subdesenvolvidos serão os subdesenvolvidos, pela simples circunstância da lista de obstáculos a ultrapassar ser cada vez maior. Ganha, consequentemente, relevância a análise que considera que a explicação do subdesenvolvimento e a inversão das condições que bloqueiam estas sociedades passam pela consideração dos factores culturais e sociais na sua articulação com os de natureza económica. Só por esta via estes países conseguirão estabelecer condições fortes propiciadoras duma maior competitividade internacional e facilitadoras dos processos de abertura política e de democratização das sociedades. Estes processos aceleraram-se depois de 1985, muito embora ainda se constatem bastantes resistências à sua efectiva implantação. A associação entre o multipartidarismo e a economia de mercado tem sido, bastas vezes, estabelecida como uma relação de causa-efeito, apesar de terem coexistido, praticamente desde as independências africanas, regimes económicos livres e estatutos políticos fechados e ditatoriais. No entanto, parece pacífico e nas actuais condições do Mundo, defender que a transparência política e o controlo da actividade do Estado pela sociedade civil facilita o crescimento económico. E este controlo só pode ser exercido pela via da democratização política, que no início do século XXI parece, inegavelmente, irreversível em África66. No entanto, e apenas em jeito de brevíssima reflexão, que África deve prosseguir e aprofundar a abertura política e os processos democráticos? Olhando-se bem o continente talvez se vejam ainda duas Áfricas: uma, preparada para os novos processos políticos, compreendendo-os e fazendo deles um factor de progresso social e de desenvolvimento económico. É a África aberta ao mundo, é a África das novas classes sociais que as independências políticas forjaram e a globalização acelerou, é a África necessária, mas talvez ainda não a África suficiente. A outra África (a maior) é aquela onde, ainda, predominam os valores culturais tradicionais, no contexto dos quais os novos conceitos políticos de democracia pluralista e de sistemas económicos liberalizados67 não fazem, por enquanto, grande sentido, porque não totalmente compreendidos e interiorizados ao nível do discernimento social e dos comportamentos individuais. O facto de se ir às urnas e votar - considerando-se este acto como o resultado duma escolha (convicta?) entre propostas políticas alternativas - não significa, de todo em todo, a compreensão e aceitação plena dum sistema político de alternância

66

Veja-se a NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano) em que os subscritores se

comprometem na criação de um quadro de convergência política para as soluções dos problemas africanos

e na manifestação de uma forte vontade política em se estabelecer um contrato social com os povos

africanos com a finalidade de se pôr fim ao ciclo do subdesenvolvimento em África. 67

Com acentuação do individualismo, da disputa e da competitividade em prejuízo da solidariedade

alargada.

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de poder, nem tão pouco a consciencialização (individual e colectiva) dum sistema que indubitavelmente favorece a transparência de processos e o exercício mais adequado da economia de mercado. Os valores liberais da economia de mercado não são plenamente aceites enquanto padrões normais de comportamento, não havendo, por vezes, linhas divisórias entre as preferencias colectivas e as individuais68. Em que medida e de que forma os valores culturais tradicionais devem mudar, de modo a ser formulado um conceito e encontrada uma prática de desenvolvimento económico e de progresso político que potenciem, como factores de mudança, as suas idiossincrasias69? São necessários, sem dúvida, estímulos externos70, mas o que de essencial há a fazer são os próprios africanos que o devem assumir como sujeitos activos das mudanças. As novas gerações de dirigentes políticos e de gestores económicos - forjados por anos de contradições sociais e de crise económica - têm a responsabilidade histórica de conduzir os processos de transição económica e de mudança social, dos quais possam decorrer os ajustamentos que se buscam entre democracia política e liberalização económica, mudança cultural e progresso social. A comunidade internacional deve participar com a África na construção da África suficiente, o que, em termos práticos, significa reformar as suas instituições, instaurar processos políticos democráticos, modernizar as estruturas económicas e promover o mais amplo progresso social. Mas há que fazê-lo levando-se em devida conta as particularidades das estruturas socioculturais africanas. A combinação perspicaz dos elementos socioculturais e técnico-administrativos do desenvolvimento institucional e dos processos de transição democrática determinará a qualidade e o sucesso do desenvolvimento social. A preocupação em se manter o equilíbrio social dentro dos grupos tem, aparentemente, justificado a grande vitalidade com que o sector informal africano enfrenta as crises e as dificuldades económicas crónicas que se têm abatido sobre o continente negro. Dentro de contextos hostis e sem apoios governamentais, a melhor explicação para o sucesso da maior parte dessas microempresas está na capacidade de se conciliarem valores e tradições da sociedade e cultura africanas com a necessidade de eficiência económica.

A cultura, num universo crescentemente globalizado pela informação, pela revolução tecnológica nos meios de comunicação, pela segmentação espacial dos processos produtivos e pelos movimentos internacionais de capitais, acabará por ser a única fronteira que vai sobrar para os povos. A revolução nas telecomunicações, os processos de integração económica e monetária, a adopção de políticas económicas comuns – no mínimo fortemente coordenadas por determinadas instituições internacionais – e a tendência de abolição de determinados símbolos nacionais como a bandeira, a moeda e o hino vão conduzir à eliminação das fronteiras físicas, passando a população mundial a viver numa imensa aldeia global onde todos se conhecem e

68

Num momento de grande apreensão e de profunda crítica quanto ao “pensamento único” e aos efeitos da

globalização, a não completa aceitação dos valores e comportamentos liberais nas sociedades tradicionais

africanas deve merecer uma atenção redobrada dos investigadores sociais. 69

Na NEPAD é claramente referenciada a influência externa como a causa de fissuras políticas importantes

entre os africanos e que fomentou a aplicação de modelos económicos pouco inseridos nas raízes culturais

africanas. 70

Apoios das instituições políticas e financeiras internacionais, investimentos estrangeiros -

particularmente na sua vertente de estruturantes de uma nova ordem económica interna e de modernização

tecnológica - etc.

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sabem o que se passa com os outros por intermédio da Internet. A única fronteira que parece poder resistir a este impiedoso processo de destruição de emblemas e ícones é a cultura. É neste domínio que todos nós no futuro iremos procurar refúgio para as imensas frustrações que acompanham os processos de desenvolvimento e tentar recuperar a memória colectiva das tradições dos nossos ancestrais. Sem memória colectiva os povos não podem viver. 5.- ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO PARA ANGOLA (Comunicação apresentada à Conferência sobre o Investimento como Factor de Desenvolvimento em Angola, promovida pelo Instituto do Investimento Estrangeiro em 19 de Julho de 2002)

Um dos pontos de partida para uma reflexão em redor deste tema71 pode ser o circuito económico interno. É já um lugar comum afirmar-se que o circuito económico interno é uma “manta de retalhos”, com um Estado dominador72 e um sector privado não petrolífero sem grande expressão económica. A economia privada interna é preponderada pelas actividades informais rurais e urbanas, quase totalmente desinseridas da política económica oficial. Majestosa e sobranceira encontra-se a economia petrolífera: com um regime cambial próprio e uma lógica de funcionamento baseada no dólar, isenta do pagamento de impostos alfandegários como primeiro importador da economia nacional, de costas voltadas para o resto da economia ( a expressão máxima deste divórcio é dada pelo inexpressivo volume de emprego nacional que este sector de enclave cria73) e desempenhando o importante papel de exclusivo fornecedor de divisas74 à economia e de grande pagador de impostos de rendimento para o Estado. Em síntese: o circuito económico interno é integrado por quatro agentes, a saber, o Estado de grande dimensão e interventor, a economia petrolífera como Banco Externo do país, a economia informal cada vez com uma expressão maior75 e a economia formal76 sem favores do Estado e que tarda em se afirmar como o mais importante actor económico do país. Entre estes quatro agentes as relações económicas são muito ténues, mesmo inexistentes entre alguns deles. Se se acrescentar que este circuito económico interno está praticamente todo localizado numa pequena faixa do litoral do

71

Porque é tão somente disso que se pode tratar. A apresentação duma estratégia de desenvolvimento para

o país é de responsabilidade do Governo e da sua Administração. A chamada sociedade civil deve,

obviamente, preocupar-se com uma questão de tamanha relevância e apresentar pontos de vista

fundamentados sobre os aspectos mais decisivos duma estratégia de desenvolvimento. 72

Ainda é o maior proprietário de activos fixos, as despesas orçamentais representaram em média na

década de 90 cerca de 60% do PIB e a dívida externa é titulada em praticamente 100% pelo Estado. 73

A economia mineral não emprega mais do que 40000 angolanos (10000 no sector petrolífero, 28000 no

diamantífero e 2000 no restante). 74

Em média, na década passada, mais de 90% das receitas totais de exportação. 75

Provavelmente 35% do PIB, 59% do emprego e 55% dos rendimentos agregados familiares (Fion de

Vleter - “A Produção do Sector Microempresarial Urbano em Angola”, Principia-PNUD, Maio de 2002) 76

Na década de 90 o PIB da indústria transformadora não foi além dum valor médio de 3,5% do PIB total

do país, sintoma claríssimo dum processo acentuado de desindustrialização.

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país, fica-se com uma imagem clara das importantes desarticulações estruturais existentes em Angola.

Um peso tão desproporcionado do Estado na economia77 concerteza que afecta, pela negativa, o processo de crescimento económico, por isso falando-se na redução da sua dimensão e na reestruturação da sua orgânica de funcionamento78, porque um dos aspectos que, igualmente, está em causa num processo de desenvolvimento económico sustentável é a constituição duma Administração para o desenvolvimento. Devo, no entanto, começar por dizer que o crescimento, o desenvolvimento e o progresso são tão sensíveis e precários que por vezes é suficiente uma pequena crise de confiança para os abalar. O México primeiro, os principais gigantes da Ásia depois, mais recentemente a Argentina79 e ainda a própria União Europeia são exemplos de como é difícil preservar o crescimento, o desenvolvimento e o progresso e resguardá-los de crises de confiança ou de ataques especulativos. A sustentabilidade no tempo

77

De um outro ponto de vista, provavelmente mais penalizador para a economia, pode dizer-se que o

excesso de peso do Estado está na sua complexa burocracia e na falta de eficiência dos serviços que presta

aos cidadãos e às empresas. 78

Tem de ser urgentemente re-equacionado o número de Ministérios, de Vice-Ministros, de organismos,

etc. 79

A atender às previsões de George Soros o Brasil entrará em crise profunda se Inácio (Lula) da Silva for o

próximo presidente da República.

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destes três fenómenos sociais é muito difícil de assegurar, constitui um desafio permanente e exige reformas sistemáticas e dinâmicas80. A adaptabilidade da Administração Pública é um dos factores essenciais, reclamando mentalidades e processos modernos e actuantes. Uma das primeiras condições dum desenvolvimento sustentável é a existência dum projecto de sociedade, participado e partilhado por todos, consubstanciado numa estratégia clara de crescimento económico e progresso social e num modelo plausível e justo de repartição da riqueza e de distribuição dos rendimentos. A mobilização da sociedade é uma das tarefas do Estado, através duma Administração competente, eficiente e honesta e duma política económica que promova uma adequada afectação dos recursos escassos, garanta a estabilidade macroeconómica e fomente o investimento privado. Uma outra condição que o Estado deve estabelecer é a segurança económica da sociedade. A garantia da segurança económica é um aspecto crítico do sistema de participação dos agentes e cidadãos no processo de desenvolvimento da Nação. Os aspectos cruciais a reter são a transparência e a imparcialidade dos sistemas judiciais (sociedade de direito), a “good governance” geralmente reconhecida como essencial para a estabilidade macroeconómica e para a sustentabilidade do crescimento económico, e a defesa dos direitos de propriedade, elemento chave para o reforço do sistema financeiro nacional e para a defesa dos pequenos e médios empresários. Uma terceira condição dum desenvolvimento económico sustentável - alicerce para a ultrapassagem de fenómenos sociais endémicos como a pobreza - radica no apoio, promoção e defesa do investimento privado, enquanto motor principal do crescimento numa economia de mercado. Em que aspectos é que uma Administração para o desenvolvimento intersecta o investimento privado? Penso ser do conhecimento geral que vários estudos empíricos realizados sobre realidades diferentes têm vindo a demonstrar que, por um lado, existe uma relação econométrica81 importante entre o crescimento dos investimentos públicos e a eficiência dos investimentos privados (um valor próximo dos 40% e cujo significado é o da duplicação dos investimentos públicos induzir um acréscimo na eficiência dos investimentos privados de cerca de 40%) e, por outro, que o investimento privado é o de maior efeito multiplicador a curto prazo. Então e em primeiro lugar, o Estado, através da sua Administração, tem de ser competente na escolha dos melhores investimentos públicos, os que induzam maior eficiência sobre o investimento privado. Em segundo lugar, a Administração deve ser capaz de remover todos os obstáculos burocráticos, promover a transparência dos processos de autorização e diminuir as incertezas da política económica que consequencializam uma redução substantiva dos custos de transacção dos investimentos privados. Como quarta condição destacaria a consolidação da estabilidade macroeconómica, veiculada, sobretudo, por uma convergência entre a programação económica, a programação orçamental e a programação monetária e pelo rigor na afectação dos recursos financeiros da Nação. O controle do défice fiscal em limites economicamente aceitáveis e socialmente suportáveis é a pedra de toque da execução duma política de

80

Na conhecida expressão de Paul Samuelson, basta um “estalar de dedos” para que o crescimento

económico resvale, a atestar que a gestão do desenvolvimento é uma coisa muito séria, complexa e

sensível, que exige competência técnica, determinação política e bom senso. 81

Traduzida pela elasticidades da produção em relação ao investimento.

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estabilização macroeconómica compreensiva e abrangente82. Não é difícil compreender que para este efeito a existência duma Administração do Estado técnica e administrativamente capacitada e eficiente é um requisito fundamental. Por exemplo, o “monitoring” dum programa de reforma fiscal é exigente em capacidade técnica e administrativa, garantes de transparência e de eficiência dos resultados. Uma quinta condição relaciona-se com a reforma e reestruturação do sistema financeiro83. É vulgar afirmar-se que tal como a rede de transportes é o sistema de circulação sanguínea da economia real, o sistema financeiro desempenha papel semelhante na circulação das poupanças e dos investimentos. E este papel só deve ser exercido pelo sistema financeiro, não podendo competir a mais nenhuma estrutura institucional esta função de intermediação entre quem poupa (ainda que seja o Estado, por exemplo, através dos bónus petrolíferos) e quem investe84. Por questões de transparência, eficiência e verdade económica. A constituição do capital humano nacional é uma outra condição, provavelmente a de maior profundidade e alcance, seguramente a que maiores efeitos multiplicadores e reprodutivos sobre o crescimento económico produzirá a longo termo. Angus Madison85 afirma, sem tergiversações, que os recursos humanos são o mais importante factor de crescimento e de desenvolvimento dos países. Numa aproximação quantitativa postula uma proporção de 70% para os recursos humanos (capital humano numa perspectiva do crescimento económico), 27% para o capital físico público e privado e apenas 3% para os recursos naturais. Ora bem, uma Administração para o desenvolvimento tem de ela própria ser uma parte integrante do “stock” de capital humano da Nação e simultaneamente um factor de facilitação da valorização dos recursos humanos do país. No primeiro caso, pela melhoria permanente da produtividade geral e específica, pela adequabilidade dos processos de trabalho e das metodologias de análise, pela reestruturação judiciosa de serviços e departamentos, pela formação sistemática, pela valorização cultural e pelo conhecimento e troca de experiências. No segundo caso, estabelecendo sistemas de educação e formação eficientes e convergentes com as estratégias de crescimento económico e os modelos de organização e modernização empresariais, implementando redes de saneamento básico e sistemas de saúde de cuidados primários e eliminação de doenças endémicas, promovendo estratégias específicas de combate à pobreza e melhoria dos índices nutricionais da população e facilitando um processo de reajustamento cultural que tenha como aspecto nuclear a síntese entre a tradição e a modernidade86.

82

Como ajustar a política fiscal de modo a assegurar-se a estabilidade macroeconómica, promover as

reformas estruturais e, ao mesmo tempo, elevar o chamado gasto social, tanto de tipo compensatório e

destinado a aliviar situações de privação extrema, quanto na formação do capital humano, é um desafio

permanente aos decisores públicos. Fica-se à espera que os programas do Governo explicitem com clareza

os montantes dos “dividendos da paz” e expliquem as opções para a sua aplicação económica e social. 83

Um sistema financeiro com baixa propensão a emprestar ao sector privado - que fica dependente dos

empréstimos oficiais subsidiados e dos tráficos de influência política - é um sério entrave ao crescimento da

economia. 84

Volto a pôr em causa os Fundos como instrumentos de fomento do crescimento económico, porque se

constituem ou vivem com dotações orçamentais - que têm um determinado custo de oportunidade -

propiciam o tráfico de influências e tendem a introduzir ruídos no processo de intermediação financeira e

de avaliação de projectos. 85

Angus Madison - A Economia Mundial 1820/1992, OCDE, 1995 86

A cultura que temos não é facilitadora do desenvolvimento moderno. “ No caso particular de Angola a

ideia que tenho é a da coexistência de três tipos de valores culturais, que se conflituam entre si: os valores

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Uma Administração para o desenvolvimento tem de naturalmente ser uma administração moderna que se expresse na qualidade dos serviços prestados, na capacidade de resposta, na facilitação de processos e na eficiência de resultados. São estes os elementos enformantes da produtividade material da Administração Pública e que, basicamente, dependem da reestruturação do próprio aparelho do Estado, da descentralização de funções, da concentração de actividades, da especialização das tarefas, da redução dos desperdícios, da qualidade e quantidade dos meios técnicos e informáticos disponíveis, das condições gerais de trabalho e da cultura administrativa. Finalmente, uma outra condição deve ser estabelecida como estruturante dum desenvolvimento económico sustentável no país e que se relaciona com a alteração dos mecanismos, da ideologia e da doutrina de repartição da renda petrolífera. Como se sabe, os rendimentos do sector petrolífero têm sido utilizados, principalmente, para financiar a guerra e para assegurar o serviço da dívida externa do país. Dada a forma como os mesmos têm sido geridos - são conhecidas as advertências de falta de transparência proferidas pelas instituições de Bretton Woods - receia-se que por aqui possa passar uma das fontes de corrupção no país. Daí que seja importante alterar o actual modelo de utilização e distribuição destes rendimentos: * maior engajamento do sector petrolífero na construção duma verdadeira economia nacional87; * alteração radical da política de comprometimento do petróleo em vigor desde há bastante tempo88; * abolição dos regimes cambiais especiais e que acabam por beneficiar os sistemas financeiros dos países compradores do petróleo angolano; * eliminação das isenções alfandegárias sobre as importações das concessionárias petrolíferas e respeitantes a aquisições de bens de consumo e produtos intermediários. Dois grandes objectivos deveriam nortear a estratégia de desenvolvimento a propor à sociedade como o grande projecto político pós-conflito: * aceleração do ritmo de crescimento da produção de bens e serviços, considerando-se, especialmente, a necessidade de: - intensificar o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis e dar emprego efectivo à população activa desempregada;

tradicionais, dominados pela solidariedade, pela família extensa, pela tolerância, pelo diálogo e pelo

espiritual; a cultura urbana, onde se dogmatizam valores como o individualismo, o materialismo, o

egoísmo, o “possuísmo” e o revide; a cultura institucional, dominada pela burocracia (como forma de

extorsão de dinheiro), pela corrupção, pelo imediatismo e pela indisciplina”. (Alves da Rocha - Os Limites

do Crescimento Económico: As Fronteiras entre o Possível e o Desejável (páginas 141/143) -

LAC/Executive Center, Luanda, 2001). 87

Devido à circunstância de os efeitos multiplicadores da actividade petrolífera sobre o restante da

economia serem negligenciáveis, impõe-se a necessidade de se procurar activamente a diversificação da

base produtiva nacional. 88

A implementação do ajustamento fiscal e das privatizações pode funcionar como catalisador para a

renegociação da dívida externa junto da comunidade financeira internacional. Este renegociação é

fundamental para normalizar o financiamento externo da economia angolana, podendo-se, inclusivamente,

reverter, por completo, o padrão actual de empréstimos garantidos com petróleo, que subtraem divisas que

poderiam ter usos mais produtivos, ao encurtar os prazos de amortização quando os preços sobem no

mercado internacional.

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- aumentar e diversificar as exportações de bens e serviços e impor uma certa selectividade nas importações, favorecendo as de equipamento e de bens intermédios; * melhoria da situação social da população, tendo em vista a reconciliação nacional, a correcção dos desequilíbrios sociais e a melhoria da satisfação das necessidades sociais básicas. Ou seja, uma estratégia de desenvolvimento assente no binómio emprego-produtividade e na constituição do capital humano nacional89. Sendo esmagadora a maioria da população angolana de tipo rural, vivendo de e para a terra, a primeira preocupação terá de ser a de incrementar o seu nível de rendimentos, extremamente baixo, pelo que haverá de exercer acções intensivas nos sectores de que dependem. A absorção do enorme excedente actual de mão-de-obra terá de ser feita pela implantação de indústrias trabalho-intensivo, para o que terão de se atribuir poderosos incentivos nesse sentido90. Para além destas, as acções nos domínios da educação e da saúde representam não apenas peças fundamentais deste xadrez estratégico, mas também obrigações a que nenhum Governo pode fugir. Esquematicamente, a estratégia de desenvolvimento a adoptar vai ter de levar em linha de conta a natureza do circuito económico nacional - constituído por diferentes economias sobrepostas - a ocupação agro-pastoril da maioria da população, a baixa produtividade económica, a explosão de populações deslocadas e o estado geral de grande deterioração das infraestruturas. Numa perspectiva dinâmica, a estratégia tem de prever como se poderá transformar uma sociedade com estas características e prospectivar uma sociedade de futuro, com melhores formas de aproveitamento das potencialidades da terra e dos homens e mulheres, promover novas e racionais ocupações da mão-de-obra existente e garantir as condições estruturantes duma efectiva reconciliação nacional pela via do desenvolvimento. Na estratégia de desenvolvimento com os contornos apresentados deveriam assumir papel de relevo, pela acção dinamizadora na aceleração do crescimento do produto, os investimentos nos sectores de fomento rural, pecuária e pesca, indústrias transformadoras, indústrias da construção civil, energia, transportes e comunicações e turismo, dada a influência que irão exercer nas transformações estruturais da economia e na do desenvolvimento. Sendo sectores onde deve predominar a acção da iniciativa privada, o Estado terá de programar os seus empreendimentos e investimentos em consonância com as estratégias empresariais privadas e aplicar medidas de efectivo apoio e fomento das suas iniciativas. EIXOS DE DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGICO A efectiva entrada numa fase pós-conflito aconselha no sentido de se elaborar um documento de fundo acerca dos rumos da economia nacional nos próximos 20 anos. Aparentemente um horizonte temporal demasiadamente dilatado, mas as grandes

89

Ver nota de rodapé 82 sobre o incremento do gasto social. 90

Para isso tem de ser estruturado um programa de fomento da produção nacional, que contemple um

sistema integrado de incentivos ao investimento, à produção e à exportação, devidamente ancorado nos

factores que mais influenciam as decisões empresariais privadas e penalizam os custos de produção.

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políticas e reformas estruturais só a essa distância produzirão efeitos económicos, sociais e políticos. Por exemplo, a economia angolana potencialmente reúne condições para apresentar uma taxa de crescimento do PIB alta e regular, em torno dos 10% anuais, para o que se torna apenas necessário que as políticas públicas sejam as mais avisadas e as mais conformantes com as dinâmicas e com as iniciativas internas. Este valor de 10% pode possibilitar - em perspectiva linear e para um período de 10 anos - uma multiplicação do PIB por 2,6 e do PIB per capita por quase dois (admitindo-se neste caso uma redução da taxa de crescimento demográfico dos actuais 3,0% para 2,7% ao ano), o que social e politicamente tem reflexos enormes e importantes. Nomeadamente em termos de alívio sensível da pobreza a duplicação do PIB per capita pode significar o início de um processo de contenção em limites estreitos deste fenómeno e o princípio da recuperação da esperança e da confiança no futuro. A formulação duma estratégia pós-conflito passa por se identificarem alguns eixos estratégicos para o desenvolvimento futuro. * Redução substancial da pobreza A pobreza é um flagelo nacional e aparece associada ao desemprego, à exclusão social, ao insucesso escolar, à destruição da célula familiar, etc., manifestações estas que acabam por ser o produto da ruptura dos elos sociais fundamentais. A reflexão em torno da redução da pobreza envolve a consideração de três aspectos cruciais: » emprego: não apenas a criação liquida de postos de trabalho, mas também a valorização do salário e de determinados rendimentos sociais (reformas, pensões, etc.) e que são as únicas vias não inflacionistas para financiar o crescimento da procura interna, uma das condições para um crescimento económico intenso e regular; » capital humano: os estudos sobre a pobreza elucidam que é através da formação do capital humano que a pobreza pode ser erradicada, uma vez que por esta via se concedem condições para se encontrarem empregos de razoável rendimento salarial ou se constituírem actividades produtivas91. Por outro lado, o crescimento sustentável tem de passar pela existência dum “stock” adequado de capital humano que possibilite disputar níveis comparáveis de produtividade e competitividade; » infraestruturas sociais: não se consegue sustentabilizar um processo de redução da pobreza sem a componente das infraestruturas sociais, nomeadamente, a habitação, o saneamento básico, o fornecimento de água e de electricidade, a disponibilização de redes de transportes urbanos, etc. Modernamente passaram-se a designar por infraestruturas da vida quotidiana e mesmo nos países industrializados têm sido uma via para a reanimação do emprego e para a geração de rendimentos que afoitem as procuras finais internas. É em torno deste eixo estratégico fundamental - a substancial redução da pobreza92 - que deverão ser conduzidas as reflexões acerca dos “dividendos da paz” - já que se

91

A educação é, seguramente, o único elo que pode quebrar a cadeia de transmissão da pobreza. 92

Num cenário de crescimento do Rendimento Nacional a uma taxa anual sustentada de 7,2% - a que

corresponderia, sensivelmente, uma taxa de cerca de 10% para o PIB total e uma em redor dos 15% para a

economia não mineral - e de variação demográfica de 3%, seriam necessários 25 anos para que a taxa de

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está a falar em estratégia pós-conflito - devendo a sua gestão orientar-se no sentido da criação de empregos permanentes, da constituição do capital humano nacional e da construção das infraestruturas sociais. * Valorização dos recursos humanos Dos diferentes ingredientes necessários ao arranque económico, a educação é, por certo, dos mais essenciais. Historicamente observada nos países de industrialização antiga, a sequência que vai da alfabetização à revolução demográfica, e depois às transformações políticas e económicas, efectua-se igualmente no caso dos processos contemporâneos de desenvolvimento. De acordo com o Banco Mundial, o impacte sobre o PIB a longo prazo de um aumento de um ano do nível de educação médio da população varia entre 4% e 9%, segundo o nível inicial. A atenção excepcional dada pelos países do Extremo Oriente ao investimento na educação a partir dos anos 50 constitui, desse ponto de vista, um dos aspectos fundamentais do seu sucesso económico (esta prioridade à educação foi sobretudo traduzida no papel determinante conferido ao ensino primário e secundário e à promoção da educação das mulheres). O impacte sobre o desenvolvimento económico dos investimentos maciços na educação é triplo: o alto nível de instrução da força de trabalho favorece a aprendizagem das técnicas modernas, promovendo o aumento da produtividade económica dos países; o carácter maciço e não elitista da educação actua positivamente sobre a distribuição dos rendimentos, facilitando, em decorrência, o surgimento duma vasta classe média com acesso ao mercado moderno de consumo e embrião ou alfobre de empresários, decisores, intelectuais, inventores, etc.; finalmente, a atenção prestada à educação feminina acelera a queda da taxa de fecundidade, o que reduz, a prazo, as tensões demográficas e sociais e permite às famílias poupar uma parte maior dos seus rendimentos. * Modernização da Administração A presença do Estado nos processos de crescimento e desenvolvimento é fundamental. Os exemplos dos processos recentes de sucesso económico nacional provam que o Estado desempenhou um importante papel como promotor do desenvolvimento social e garante da estabilidade económica. O Estado deve desdobrar a sua acção através dum planeamento indicativo, duma política industrial de carácter selectivo, da criação das infraestruturas necessárias ao crescimento económico, do incentivo sistemático à investigação e duma sinergia exemplar com o sector privado. Uma Administração do Estado bem organizada, gerida com elevados índices de eficiência institucional e económica, possuidora duma cultura claramente desenvolvimentista e utilizadora de acervos instrumentais modernos tem sido considerada como um poderoso factor de desenvolvimento dos países. Os estudos realizados um pouco por todo o mundo, e em particular nos chamados países emergentes, sobre a competitividade económica e os factores que a constróem e favorecem, demonstram que os países são competitivos por uma série convergente de razões e não apenas porque possuem vantagens comparativas naturais ou salariais. Tem-se revelado cada vez mais arriscado assentar as bases da competitividade em

pobreza passasse dos actuais 62,2% para cerca de 28% (admitindo-se uma elasticidade pobreza-rendimento

de -0,7).

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salários baixos93 ou na exploração primária dos recursos naturais. As empresas são hoje sobretudo redes integradas de actividades internas (recursos humanos, tecnologia e gestão) e externas (redes de fornecedores e de distribuição) e a sua competitividade depende, por um lado, do modo como estas actividades são organizadas e comandadas e, por outro, da própria competitividade do meio envolvente. E é justamente neste meio envolvente que a Administração do Estado entra. Um bom meio envolvente que confere competitividade às empresas é constituído pelas infraestruturas económicas e pelos equipamentos sociais, pelas redes de informação e de telecomunicações, pelo funcionamento da justiça, pela qualidade da administração pública e pelos sistemas de educação, formação e saúde. A Administração do Estado, pela sua capacidade de organização, pela sua eficiência e pela sua pró-actividade acaba, portanto, por ser um poderoso factor facilitador da estruturação dum desenvolvimento económico moderno e competitivo. É este tipo de Administração que passou a ser conhecido como Administração para o Desenvolvimento e que é a única via para uma actuação consequente do Estado na economia real. * Estabilidade macroeconómica A ambição das políticas monetárias e orçamentais tem de ser a restauração das condições para uma retoma forte do investimento privado. Um ambiente macroeconómico caracterizado por taxas de juro a prazo elevadas e instáveis, fracas perspectivas de crescimento da procura interna, fraco volume de investimento público, taxas de câmbio distorcidas e imprevisíveis, etc., não é concerteza o mais adequado ao crescimento da produção interna. Um bom ambiente macroeconómico94 é determinante para as decisões microeconómicas de investir, consumir, poupar e produzir, servindo, também, para conter a fuga de capitais nacionais e o retorno das poupanças nacionais no estrangeiro. * Recuperação, valorização e modernização das infraestruturas económicas Este eixo estratégico é absolutamente indispensável num processo de geração de crescimento forte e de empregos de elevado conteúdo de rendimento. É despiciendo referir que o desenvolvimento de todas as categorias de infraestruturas sempre foi e será um motor essencial do desenvolvimento económico, do crescimento e da criação de empregos. A construção das infraestruturas actua primeiro pelos seus efeitos directos sobre as actividades do sector da construção e sobre todas as que lhe estão ligadas a montante e a jusante (“quando a construção civil funciona tudo o resto funciona...” costumam muitos economistas referir), assim como sobre todos os serviços e indústrias que contribuem para o desenvolvimento das diversas categorias de infraestruturas. Depois, actuam mais indirectamente e de forma retardada sobre o

93

Apesar de se dizer que a boa competitividade é a que alicerça em salários altos – pela via dos quais se

optimiza o valor acrescentado nacional e se garante o trinómio qualidade/design/originalidade dos produtos

e processos – a constatação trazida pela globalização é, no entanto, bem diferente e mesmo contraditória.

Cada vez mais os processos de produção e os capitais emigram para onde o custo do trabalho é mais baixo,

sendo o caso da Índia o mais paradigmático quanto a um conjunto de indústrias e serviços que para aí se

deslocalizam à procura de mão-de-obra qualificada e inventiva, mas de baixo valor de mercado. Um sério

aviso à navegação em Angola. 94

Segundo alguns estudos da AIA e inquéritos aos investidores estrangeiros (IIE), os factores

macroeconómicos condicionam as decisões empresariais em 81,8% dos casos.

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crescimento e o emprego de todas as actividades (serviços e indústrias) ligadas à sua gestão, funcionamento e manutenção. Finalmente, permitem o desenvolvimento cumulativo de muitas empresas de serviços, utilizadoras directas das infraestruturas, tais como transportes, serviços urbanos, etc. São muito frequentes os processos de (re)arranque do crescimento nuclearizados no sector da construção civil. Este papel polarizador e de multiplicação de actividades e rendimentos deve traduzir-se na elaboração dum programa nacional de infraestruturação da economia a 10 anos de vista, centrado nos investimentos públicos e na comparticipação da comunidade internacional. Os aspectos a sublinhar são: » selecção e localização espacial: de modo a reterem-se os investimentos que mais directamente possam contribuir para a criação de pólos de desenvolvimento regional e local; » selecção e posicionamento inter-sectorial: o crescimento económico forte e regular não será possível sem o desenvolvimento das primeiras gerações de infraestruturas necessárias à grande indústria, tais como, os caminhos de ferro, as estradas e as vias navegáveis, as redes de distribuição de água e electricidade, as redes de telecomunicações e os grandes conjuntos urbanos; » prioridade às redes de facilitação do exercício de actividades: tais como as redes de comercialização, conservação e armazenamento de produtos, etc. * Envolvimento da comunidade internacional A comunidade internacional deve ser convidada a participar do esforço e do modelo de recuperação e modernização da economia nacional. Existem diversos espaços de intervenção da comunidade internacional, desde que as estratégias e as opções internas que vierem a ser aprovadas sejam respeitadas. As considerações em redor deste eixo estratégico envolvem os aspectos seguintes: » cooperação empresarial: para além das parcerias como modelo de robustecimento e modernização do sector empresarial nacional, a cooperação empresarial deve envolver formas concretas de financiamento interno, mormente pela via das linhas de crédito; » financiamentos externos: veiculados pelas instituições financeiras internacionais ou por outras de carácter nacional. Conhecidas que são as reservas quanto à dependência externa que provocam, a sua atenta reflexão deve, porém, centrar-se em dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, tem-se de atentar no facto de que os financiamentos externos são assimiláveis a um complemento da poupança nacional - bastante exígua neste momento - o que pode contribuir para a criação de condições mínimas para o vencimento do círculo vicioso da pobreza de Ragnar Nurkse. Em segundo lugar, os financiamentos externos melhoram, numa primeira fase, o coeficiente de importação da economia nacional, dada a insuficiente capacidade de geração de divisas, actualmente concentrada no sector dos petróleos. A gestão destes financiamentos externos é determinante para o que se vier a passar quanto à dívida externa, que poderá ser virtuosa se os sectores e os projectos de maior rendibilidade e de mais elevada capacidade de retorno forem os prioritários;

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» investimento directo estrangeiro: fundamentalmente a discussão sobre a minimização das consequências negativas tradicionalmente apontadas a esta forma de penetração dos capitais estrangeiros - tais como o não reinvestimento local dos lucros realizados (exorbitantes volumes de expatriação de dividendos e lucros), o controlo integral do capital das filiais, a ausência de participação local nas funções de enquadramento, a influência sobre questões de política nacional, a utilização excessiva dos recursos naturais - e da maximização das vantagens, potencialmente tradutíveis na transferência de tecnologia e “know-how”, na possibilidade de aprendizagem e apropriação das tecnologias estrangeiras e dos métodos de organização e de gestão, no conhecimento dos mercados internacionais e das modernas técnicas de “marketing”, etc.; » ajuda pública ao desenvolvimento: a ideia basilar é a de que as iniciativas internacionais neste domínio devem obedecer às linhas estratégicas e ao modelo de recuperação que o Governo vier a definir em articulação com a sociedade civil nacional. Daí também a importância de existir uma estratégia nacional pós-conflito, na qual todos os possíveis intervenientes tenham claramente definido o seu papel. A ajuda bilateral, surgida depois da guerra fria e da descolonização, é, sobretudo, um instrumento de política económica internacional dos Estados doadores, na medida em que apenas 50% em média desta ajuda não está ligada a condicionalidades. Combinada com os créditos comerciais subvencionados, a ajuda constitui para os países doadores um meio de baixar o custo das ofertas de financiamento das suas exportações de bens e serviços para os países beneficiados. A ajuda multilateral não tem estado, “a priori”, limitada aos objectivos comerciais ou estratégicos dos países doadores. Em princípio, as instituições que gerem esta ajuda - Nações Unidas, Banco Mundial, Fundo Europeu de Desenvolvimento, ... - só têm como finalidade o desenvolvimento dos países que a recebem. A actividade das ONG’s95 terá de ser objecto dum tratamento muito cuidadoso no âmbito da estratégia nacional pós-conflito, visando-se a coordenação das suas acções e dos financiamentos associados. O inelutável envolvimento da comunidade internacional nas estratégias de recuperação e modernização da economia nacional exige da parte do Estado a aplicação dum modelo concreto de financiamento da economia, no qual convirjam as várias fontes internas (poupança pública e privada nacionais) e externas (tais como as que foram indicadas). Particularmente deverá ser destacado, neste modelo de financiamento, o papel esperado dos diferentes tipos de poupança e os sectores desejáveis para onde os investimentos se deverão orientar. Aceites estes eixos como os mais determinantes duma perspectiva estratégica para o país depois do conflito militar, importa subsequentemente reflectir sobre o modelo de gestão da recuperação e do desenvolvimento económico que melhor possa ajustar-se-lhes. O MODELO DE GESTÃO DA RECUPERAÇÃO E DO CRESCIMENTO ECONÓMICO

Subjacente a qualquer um modelo de recuperação da economia está o modelo de gestão do crescimento, isto é, o posicionamento do Estado enquanto agente promotor e coordenador do desenvolvimento nesta fase de reconstrução económica.

95

Este é outro aspecto que merece a minha reserva, mormente quanto à actividade de muitas das ONG’s

estrangeiras, que de resto tem sido alvo de muitas e variadas críticas.

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É necessário admitir-se que o Estado em Angola tem de desempenhar um papel na (re)organização da economia. Ainda que apenas por razões revertíveis ao estado calamitoso das infraestruturas, do parque industrial e do sector agrícola. O ponto de partida para a reflexão sobre o modelo de gestão do crescimento é o de que a (re)organização industrial e económica do país deve visar o aumento rápido do PIB por habitante e, concomitantemente, da prosperidade dos cidadãos. Para isso só duas vias são possíveis: o incremento da produtividade e o crescimento do emprego. A produtividade depende, no geral e independentemente das escolas e teorias económicas, da intensidade de capital afecto à produção, da organização do trabalho, da qualidade das lideranças empresariais, do nível de formação dos trabalhadores, do ritmo de introdução de inovações nos produtos e nos processos tecnológicos de produção e do enquadramento macroeconómico, legislativo e social. Uma série variada de factores cuja consistência interna e externa e inter-relações têm de ser organizadas para aumento da eficiência económica. O emprego depende dum factor demográfico de longo prazo (o crescimento natural da população se for exagerado e superior ao acréscimo da produtividade concorrerá para o aparecimento de níveis indesejáveis de desemprego) e da produtividade. A relação entre o emprego e a produtividade é muitas vezes conflituante, em particular num horizonte de curto prazo. Dada a fórmula de cálculo da produtividade - cociente entre volume/valor de “output” produzido num dado período e o volume/valor do “input” trabalho utilizado - uma maior produtividade resulta de mais produção/produto gerado pelo mesmo ou menor volume de trabalho, isto é, com o mesmo ou menos emprego. De forma simplista, mais produtividade implica menos emprego. A longo prazo, porém, a relação pode ser de complementaridade. Os sectores mais competitivos, com maiores produtividades, tendem a reduzir os seus custos unitários de produção, atraindo, destarte, mais investimento e capital, que ao reclamarem mais trabalho criam mais emprego, ainda que proporcionalmente decrescente. Assim, o crescimento económico induzido por uma maior produtividade do factor humano, exige mais capital e mais trabalho para o sustentar. A longo prazo, um país com bons padrões de produtividade tende a atrair mais capital e trabalho e aumentar mais ainda a sua produtividade. É neste mosaico de contradições aparentes e reais que o Estado em Angola tem de organizar e gerir o processo de crescimento económico, num ambiente de sequelas profundas e destruições irreparáveis deixadas pela guerra. E ainda por cima num clima de instabilidade macroeconómica traduzido por uma inflação persistente, por uma desconfiança permanente da política económica e por comportamentos especulativos. Assim sendo, o Estado tem de desempenhar um papel activista96. A racionalidade subjacente a este papel activista do Estado em Angola encontra-se na circunstância de nenhuma empresa ou grupo de empresas poder ter a visão e a informação adequadas para conduzir a economia, particularmente nesta fase em que tudo ou quase tudo está por fazer ou refazer. Para exercer esta função de organização e coordenação do crescimento - através do planeamento económico -, o Estado deverá

96

Trata-se de promover a passagem dum Estado-obstáculo para um Estado agente do crescimento e criador

duma cultura do desenvolvimento.

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dispor duma base de trabalho segura, composta por um bom sistema de produção de estatísticas e de acesso à informação, uma boa rede de informatização dos serviços, um acervo metodológico e científico moderno, uma capacidade de gestão intermédia aceitável - o chamado “middle management” exerce um papel crucial na condução das políticas públicas e no funcionamento da Administração do Estado - um bom sistema judicial e um ambiente geral de aceitação do seu protagonismo. Ou seja, o Estado em Angola para se assumir como o promotor do desenvolvimento e o defensor da produtividade tem ele próprio de ser eficiente. As empresas e as actividades económicas em geral só serão competitivas se inseridas em contextos igualmente competitivos, nos quais o Estado e a sua Administração terão de ser as peças determinantes. Um país só será competitivo se os seus agente, públicos, privados e institucionais o forem nessa exacta medida. O papel do Estado activista no país em matéria de organização e gestão do crescimento começa no Ministério do Planeamento, passa pelos Ministérios sectoriais e acaba nos governos provinciais. O Ministério do Planeamento é o agente do Estado responsável pela coordenação das estratégias económicas, empresariais e institucionais que visem o incremento da produtividade e o aumento do emprego. O seu estatuto orgânico estabelece funções e responsabilidades precisas nestes domínios, destacando-se, por exemplo, a da elaboração duma estratégia geral de desenvolvimento económico e social a longo prazo97. No mesmo sentido, a responsabilidade de organizar e gerir o sistema nacional de produção e difusão da informação. Ainda, o reforço metodológico e institucional dos gabinetes de planeamento sectoriais e provinciais. Ao nível do sector produtivo e no contexto duma estratégia de recuperação e crescimento pós-conflito, algumas indústrias e sectores de actividade deverão ser privilegiados sempre que as suas perspectivas de crescimento e oportunidades de apoiar um melhor padrão de vida forem melhores do que outras. Outras indústrias e sectores de actividade terão de ser protegidos para ganhar escala na competição regional e internacional. Uma Angola voltada para a exportação com as empresas e as indústrias mais inovadoras a puxarem pela produtividade e pela economia (onde se incluem as actuais empresas exportadoras de petróleo, mas numa perspectiva de maior valor acrescentado nacional dessa fileira) e uma outra mais voltada para o mercado interno (de substituição comparativamente vantajosa das importações) e com maiores responsabilidades na criação de empregos, na auto-suficiência e na mitigação da crise social (estas contribuições seriam consideradas como o benefício social resultante da protecção dada pelo Estado). As prioridades e protecções referidas deveriam constar duma estratégia de aumento da produtividade e de incremento do emprego que articulasse os modelos de industrialização mais consistentes e comprovados, com o propósito de se aproveitarem as sinergias e reduzirem as desvantagens de cada um deles. A educação, o ensino, a formação e a investigação científica e tecnológica são fundamentais para a boa gestão do desenvolvimento e para se obterem níveis

97

Artigo 2º números 2 e 3 do Estatuto Orgânico do Ministério do Planeamento (Diário da República nº 19

1ª série de 24 de Abril de 1998).

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comparáveis de produtividade e competitividade. O ensino básico tem de ser universal, o ensino secundário melhorado e reforçado e o ensino politécnico criado. As prioridades do ensino universitário deveriam ser: as engenharias (mecânica, química, industrial e civil), as ciências (com destaque para a biologia), a informática, a medicina, a gestão empresarial e a macroeconomia e administração pública. Os incentivos ao fomento destas áreas do conhecimento passariam pelos salários dos professores, pelas bolsas de estudo internas aos estudantes, pelas bibliotecas e pelos laboratórios técnicos. ACTIVIDADES ECONÓMICAS COM VANTAGENS COMPETITIVAS

A produção de bens e serviços tem apenas dois destinos: para abastecimento dos mercados internacionais (exportações) ou então para o mercado interno intermédio e final (substituição de importações). Em qualquer um dos casos é essencial garantir as respectivas competitividades, por intermédio de ajustamentos estruturantes (formação, inovação, tecnologia, gestão e organização) e não através de factores conjunturais e passageiros, como os baixos salários, os incentivos financeiros e fiscais, os subsídios, etc. * Indústrias vantajosas para a promoção das exportações Angola dispõe de um conjunto de indústrias que no contexto africano e em particular da SADC apresentam vantagens comparativas evidentes, devendo a política industrial facilitar o seu aprofundamento e promover o aparecimento de nichos de modernidade industrial, capazes de polarizarem determinados efeitos sobre outras indústrias. De acordo com informações recolhidas através da United Nations Trade Data e usando duas versões da fórmula que nos dá o rácio denominado RCA (Revealed Comparative Advantage) - uma mais lata e outra expurgada dos efeitos decorrentes da dimensão económica dos países (volume das exportações) - chegaram-se aos resultados seguintes98: * apesar da guerra e das suas pesadas consequências, Angola não é portadora de nenhuma inabilidade estrutural para a exportação de produtos potencialmente competitivos no mercado africano e regional da África austral; a prová-lo estão, por exemplo, as exportações de pasta de papel (cerca de 13,7 milhões de usd em 1971, ou um pouco mais de 105 milhões de usd aos preços actuais) e a produção de óleos vegetais (38 milhões de usd aos preços actuais) e de açúcar ( quase 90 milhões de usd aos preços actuais); * pelos valores do RCA o país apresenta evidentes vantagens competitivas para a exportação de petróleo e produtos derivados e para as manufacturas de minerais não metálicos e patenteia algumas vantagens relativas nos outros produtos alimentares e outras indústrias transformadoras (não descriminadas na amostra de produtos que foi utilizada), para a madeira e produtos derivados, para os têxteis, para o açúcar e derivados; * aos produtos anteriores deverão ser acrescentados os que no passado detiveram uma percentagem significativa nas exportações do país e que podem ser considerados como fazendo parte duma certa tradição industrial angolana: pasta de papel e papel, tabaco, algumas bebidas e o tabaco processado.

98

Os resultados seguintes baseiam-se num estudo elaborado pelo Ministério da Indústria em 2001 sobre o

impacto económico da ratificação do Protocolo de Liberalização do Comércio na SADC.

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Alguns valores do rácio RCA alargado sugerem algumas considerações adicionais quanto à capacidade/possibilidade de alguns produtos poderem, num processo concertado de reconversão e recuperação industrial, fazerem parte das actividades do comércio externo do país. Por exemplo, o valor patenteado para a gama de produtos minerais não metálicos coloca Angola numa posição potencialmente mais vantajosa relativamente a muitos países da SADC, incluindo a África do Sul. Estão neste caso as rochas fosfatadas de alto teor e o cimento. Relativamente às primeiras, os jazigos – avaliados em mais de 100 milhões de toneladas – situam-se na província de Cabinda e dispõem duma localização privilegiada, a apenas 16 km da costa. Um projecto bem dimensionado poderia conduzir à produção de 300 mil toneladas de ácido fosfórico e de 100 mil toneladas de superfosfatos anualmente. Para além dos efeitos directos e imediatos sobre a agricultura nacional, seria possível aumentar as exportações de bens manufacturados, em cerca de 210 milhões de dólares anuais. Quanto ao cimento, estão perfeitamente delimitadas as enormes potencialidades do país, mormente no que se refere à conquista de algumas franjas dos mercados limítrofes deficitários neste produto. Outra gama de produtos a ter em devida conta numa estratégia de reindustrialização e de valorização dos recursos naturais nacionais é a dos minerais não ferrosos – apesar do valor nulo do respectivo RCA -, donde se destaca o cobre. Angola dispõe de importantes jazigos nas provínvias do Uíge, Kuanza-Sul e Kuando-Kubango. As gamas constituídas pelas indústrias metalúrgicas e de produtos metálicos apresentam, segundo os valores do correspondente RCA, vantagens comparativas nulas, donde e dum ponto de vista estático, Angola não pode disputar este mercado aos seus parceiros regionais. A questão, porém, muda de figura se a análise for dinâmica e deslocada para o campo das perspectivas e das potencialidades. Pode, em princípio, defender-se que o país disporá de vantagens competitivas adicionais em todas as gamas industriais energia-intensivas (energia hidroeléctrica ecologicamente limpa), como é manifestamente o caso da laminagem do ferro e do aço - donde poderão resultar produções de fio-máquina, barras e perfilados diversos – e do alumínio. * Indústrias vantajosas para a substituição das importações Existe um amplo mercado interno que a indústria transformadora pode cobrir, verificando-se que: * são claras as vantagens internas para a substituição das importações nas gamas:

- têxtil (certamente devido às possibilidades no algodão) - papel de derivados do papel, dadas as potencialidades do país na

pasta celulósica - produtos de natureza petrolífera, o que é óbvio - produtos químicos industriais (soda cáustica e produtos clorados,

resinas sintéticas e produtos farmacêuticos) e mesmo outros produtos químicos não especificados

- plásticos e produtos derivados da borracha - vidro e produtos derivados - produtos minerais não metálicos

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- metais não ferrosos - montagem de máquinas eléctricas e não eléctricas, bem como de

rádios e aparelhos de televisão - certo material de transporte (atrelados, etc) - actividade mineira (diamantes, granitos, rochas ornamentais, etc).

* no entanto, o critério das vantagens comparativas reveladas para as importações não deve ser exclusivo, sob pena de a análise ser redutora e perder sentido qualquer estratégia de criação do mercado interno (integração económica interna). Assim sendo: » podem ser criadas condições para uma competitividade interna face às importações nas gamas de produtos onde a tradição industrial tenha sido relevante, tais como as bebidas, os têxteis e confecções, os lacticínios e derivados, derivados da pesca, moagem de farinhas em rama e espoadas, fabricação de açúcar, produção de óleos vegetais e derivados (rações, sabão e margarinas), descasque de arroz e fabricação de pneus e câmaras de ar; » podem ser criadas condições para a aquisição duma competitividade interna nas gamas de produtos onde a produtividade aparente seja mais elevada, como os produtos alimentares, as bebidas, os derivados da madeira, as químicas, borracha e plásticos e os materiais de construção; » podem ser substutidas as importações nas gamas de produtos onde o país revele uma vantagem comparativa dada pela disponibilidade de recursos naturais industrializáveis, como, por exemplo, os adubos, o gás e os derivados do petróleo.

CENÁRIO DE CRESCIMENTO ECONÓMICO POSSÍVEL EM 2007

A alteração da actual estrutura económica interna, dominada pela economia de exportação do petróleo, é uma das mais prementes necessidades a médio prazo, de modo a permitir um reforço sustentável da malha intersectorial.

CENÁRIO POSSÍVEL PARA 2007 (preços correntes)

Sectores de actividade PIB 2002 (milhões USD) PIB 2007 (milhões USD) Taxas médias anuais de crescimento (%)

Agricultura, silvicul- tura, pecuária e pes-

ca

903,2

2337,6

20,9

Petróleo e refinados 5025,1 7947,9 9,6

Diamantes e outros 634,8 1122,1 12,1

Indústria transfor- madora

421,2 1496,1 28,8

Energia e água 4,3 187,0 63,3

Construção 392,7 1122,1 23,4

Comércio, bancos, seguros e serviços

Diversos

1609,0

2805,2

11,7

Outros 1207,0 1683,1 6,9

PIB 10406,9 18701,1 12,4

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6.- PRODUTIVIDADE – CALCANHAR DE AQUILES E UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS DA ECONOMIA ANGOLANA

(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº13, Abril-Junho de 2002)

A economia angolana apresenta uma muito baixa produtividade, uma das suas grandes debilidades para enfrentar, com relativo sucesso, os desafios da integração económica regional e da globalização. E de acordo com determinadas estimativas apresentou um comportamento regressivo durante a década de 9099. Analisada de um ponto de vista global – dado pela capitação do PNB – a situação em Angola é muito preocupante, de “per se” e quando comparada com os seus parceiros da SADC. Na verdade e segundo informações constantes do African Development Indicators (Banco Mundial, 2001), o estado da arte apresentava-se com os contornos seguintes:

a média do rendimento médio por habitante em Angola passou de $867 no período 1985-89 para $433 na década de 90 (1990/1999), uma quebra de mis de 50%;

a mesma média para a SADC aumentou de $1100 para $1590 entre aqueles mesmos períodos de tempo, o equivalente a uma melhoria das condições gerais de vida de cerca de 44,5%;

o rendimento médio angolano representava 78,8% da média da região austral no período entre 1985 e 1989; para o período de tempo compreendido entre 1990 e 1999 aquela percentagem baixou para 27,2%;

os países da SADC melhor colocados para arrostar os desafios da integração económica regional e mundial100 são as Seycheles (cerca de 4 vezes o rendimento médio da região e uma evolução de 86,5% entre os períodos de referência), a África do Sul (2,14 vezes e 43,2%), as Ilhas Maurícias (2 vezes e 96,5%), e o Botswana (cerca de 2 vezes e 97,8%).

A produtividade é o indicador básico da saúde de uma economia: no longo prazo é o seu crescimento que comanda a evolução dos salários e dos ganhos de bem-estar dos consumidores. A indústria transformadora e os serviços são os sectores de actividade económica líderes da produtividade. Numa base fixa, o índice de produtividade industrial em Angola passou de 100 em 1985 para 26 em 1992101 e para uma cifra ainda mais baixa em 2000, cerca de 18. Provavelmente a produtividade industrial não deve ter suplantado os 3600 dólares dos Estados Unidos por trabalhador em 2000102, contra, por exemplo, 22642 dólares por trabalhador no Botswana, 15077 dólares por trabalhador nas ilhas Maurícias e 25497 dólares no Zimbabwe em 1990103.

99

Consultar Alves da Rocha – “Os Limites do Crescimento Económico em Angola: As fronteiras entre o

possível e o desejável”, Executive Center e LAC, Luanda, 2001. 100

Analisada dum ponto de vista absoluto – valores do rendimento médio por habitante – e dum ângulo

relativo – peso na média regional e taxa de evolução. 101

De acordo com as estimativas incluídas no Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério

da Indústria, 1995. 102

Alves da Rocha, obra citada. 103

Plano Director de Reindustrialização de Angola.

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Os escassos índices de produtividade da economia nacional estão de acordo com as suas actuais características de economia dual e rendeira, centrada nas importações e ainda experimentando um processo de substituição da produção nacional pela de origem externa. Uma das consequências deste modelo económico é a desindustrialização do país: o índice de industrialização104 passou de 29,6% em 1974 para 3,3% em 2000, ou seja, a capacidade de transformação do país é hoje quase 9 vezes inferior à existente nos alvores da independência105. Constata-se, portanto, que o ritmo de crescimento da produtividade tem sido negativo e, como tal, insuficiente para suportar uma convergência desejável do rendimento médio por habitante para a média da SADC. E o mais grave a assinalar é que não será suficiente o espaço de uma geração para que Angola se aproxime dos países mais dinâmicos da região económica da África Austral. O significado deste apuramento é um só: o modelo de crescimento angolano encontra-se esgotado. Apesar da efectivação de algumas reformas fundamentais nos domínios cambial e monetário, da extensão e modernização do sistema bancário, das privatizações, da liberalização da actividade económica, dos sistemas de transportes e comunicações, os resultados em termos de controlo da inflação, da redução do desemprego, da reversão da pobreza e do crescimento económico são insuficientes, negligenciáveis mesmo em alguns casos. A pobreza continua a aumentar e a distribuição do rendimento a piorar, apresentando-se como dois dos grandes constrangimentos ao desenvolvimento económico futuro. Entre 1995 e 2000, o PNL ao custo dos factores aumentou de 306 dólares por habitante para cerca de 418 dólares, mas, paradoxalmente, o índice geral de pobreza agravou-se de 60,8% para 63,2% (destacando-se o sensível avivamento da população em condição de extremamente pobre, cuja taxa passou de 11,3% para 24,7%). Um caso evidente do que na teoria do desenvolvimento económico é conhecido como crescimento económico com aprofundamento do subdesenvolvimento e alargamento do círculo vicioso da pobreza. A conclusão, aparentemente, só pode ser uma: a degradação da situação social dos cidadãos angolanos não se deveu à falta de crescimento económico, mas a um substancial agravamento das condições de repartição do rendimento nacional106. Se as condições de repartição primária do rendimento e de

104

Medido pelo peso do Valor Acrescentado da indústria transformadora no Produto Interno Bruto. 105

Alguém um dia vai ter de escrever o Livro Branco sobre a Desindustrialização de Angola, pois há que

encontrar responsáveis por uma política económica tão negativa para a indústria transformadora do país. 106

Este é um dos grandes problemas angolanos, estreitamente ligado ao processo de acumulação capitalista

e ao fenómeno de geração da burguesia nacional. Certos analistas sociais defendem que a sociedade

angolana já é burguesa, porque o comportamento da grande maioria da população também o é em termos

de hábitos, valores e arquétipos sociais (um pouco como o socialista utópico francês Proudhon para quem a

contraposição à tese marxista da luta de classes estaria na transformação do proletariado em burguesia).

Acrescentam que se pode começar a ser burguês a partir do momento em que se passa a ser proprietário de

uma habitação (residindo o problema essencial na transformação deste activo físico em capital – ver

Hernando de Souto: o Mistério do Capital). Para mim é inaceitável que se constitua uma burguesia à

sombra da repartição da renda petrolífera por um grupo muito restrito de pessoas que gravitam na órbita do

poder – exercendo ou não cargos políticos ou de confiança institucional – como é o actual processo em

Angola. Esta lógica de funcionamento da economia rendeira em favor de grupos sociais ligados ao poder

político pode traduzir-se quer na forma de acesso a determinadas benesses financeiras – como é o caso dos

fundos de desenvolvimento, normalmente utilizados como instrumentos de tráfico de influências e só

acessíveis a agentes ou pessoas cujos interesses se entrosem com os dos políticos – quer no aceso a formas

mais directas de repartição e que no nosso caso foram facilitadas e escamoteadas pelas despesas com o

conflito militar. Uma burguesia assim formada normalmente não é empreendedora, porque não tem de sê-

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redistribuição dos resultados económicos do sistema produtivo nacional se não alterarem, a pobreza continuará a crescer e as oportunidades de desenvolvimento adiadas. No mesmo percurso de deterioração se coloca o emprego. Não se dispõem de estatísticas sobre o desemprego, pressentindo-se, apenas, que deve ser muito elevado. A Associação Industrial de Angola fala numa percentagem de 60% no sector transformador e de cerca de 40% na agricultura. Estimativas de alguns investigadores e estudiosos da realidade angolana situam a taxa geral de desemprego entre 35% e 40%. A importância da economia informal acentua-se107, não apenas enquanto espaço de solidariedade social e de reprodução económica, mas igualmente como um substituto da economia formal, com consequências em matéria de concorrência desleal, de fuga de poupanças do circuito bancário e de não pagamento de impostos. É neste quadro de esgotamento do modelo de crescimento e de presença de diferentes e fortes constrangimentos ao desenvolvimento – dos quais os indicados são dos mais importantes – que se coloca a necessidade de viragem, consubstanciada na construção de uma estratégia nacional de desenvolvimento a longo prazo, que se constitua num verdadeiro projecto de transformação radical da sociedade e que se articule em torno de variáveis verdadeiramente estratégicas. A discussão em redor das variáveis estratégicas do desenvolvimento económico reveste-se duma enorme importância, uma vez que podem estar em causa escolhas determinantes para as decisões empresariais e as condições de vida da população. Com efeito, não é indiferente colocar-se no centro duma estratégia nacional de desenvolvimento a reestruturação da Administração Pública108, a estabilização macroeconómica ou a recuperação das infraestruturas. Todas estas variáveis podem ter - dependendo de determinadas circunstâncias - o estatuto de variáveis estratégicas do desenvolvimento. Então que critérios ou que características devem ser observadas para que este estatuto seja reconhecido? Em última instância a escolha de uma ou mais variáveis estratégicas109 pode ser um acto político, reservado inteiramente ao Estado e aos decisores públicos. Podemos reencontrar aqui as velhas simpatias pelos despotismos iluminados ou as mais recentes atracções pelas teorias das elites dirigentes110. Mas ainda que preponderem regimes democráticos modernos, a selecção das variáveis estratégicas do desenvolvimento acaba por ser sempre um acto político. No entanto, com uma diferença significativa

lo, já que a constituição de fortuna – o móbil principal da burguesia através do exercício da actividade

económica – está garantida e o acesso a todos os tipos de bens – de base e de ostentação – está assegurado.

Não há desafios a vencer. 107

Fion de Vleter (“ A Produção do Sector Microempresarial Urbano em Angola”, Principia-PNUD, Maio

de 2002) estima que provavelmente 35% do PIB, 59% do emprego total e 55% dos rendimentos dos

agregados familiares se originam actualmente no sector empresarial informal. 108

Com o intuito de ser transformada numa Administração para o Desenvolvimento. 109

Provavelmente num máximo de duas e seguramente nunca mais do que três, atendendo às quase

infindáveis relações de pró-actividade e reactividade que entre elas se podem estabelecer e entre elas e

outras variáveis de carácter mais secundário, difíceis de abarcar nas políticas económicas e sociais. 110

Na perspectiva marxista as elites vanguardistas, as vanguardas do povo, os trabalhadores.

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relativamente a outros modelos ou processos: esta escolha tem de ser primeiro sufragada pelos eleitores e só depois transformada em políticas públicas concretas. Em qualquer um dos casos, porém, é conveniente que as variáveis elegíveis ao estatuto de estratégicas possuam determinadas características. Em primeiro lugar, uma variável só deve ser considerada como estratégica para o desenvolvimento se estiver considerada na função de preferência colectiva. Esta função é a única que informa sobre as aspirações mais profundas da população, a ordem de prioridades que atribui aos diferentes problemas que contrafazem as suas condições de vida e a sua disponibilidade na concessão de sacrifícios pelo adiamento de determinados consumos públicos. Entende-se, portanto, que as variáveis estratégicas se alteram consoante a situação concreta em que estas funções de preferência colectiva sejam estabelecidas. No caso do nosso país e conforme sublinhei mais atrás, são três as questões que podem ser actualmente consideradas como candidatas ao estatuto de variáveis estratégicas: a pobreza, o emprego e a produtividade. Entre elas é, inquestionavelmente, a redução da pobreza a que corresponde às aspirações mais profundas de toda a sociedade, com particular ênfase para os 63,2% de agregados populacionais directamente afectados por este flagelo social. Numa ordem de preferências colectivas o aumento do emprego provavelmente aparecerá em segundo lugar. Não creio que a produtividade111, neste momento, mereça um grau de preferência social elevado112, porque não se tem uma noção muito concreta do que é que é e das suas enormes implicâncias sobre a modernização económica e a competitividade internacional. Em segundo lugar, uma variável só deve alcandorar-se ao estatuto de estratégica para o desenvolvimento económico e social se se caracterizar por um conjunto e uma densidade de relações com outras variáveis suficientes para ser considerada como variável modelizável. Os modelos são ferramentas instrumentais e metodológicas incontornáveis nos exercícios de cenarização e programação do desenvolvimento. Quanto mais relações uma variável detiver no sistema económico, mais apta estará, por intermédio das políticas públicas que sobre ela se exercerem, a espalhar os efeitos positivos esperados. Entre a pobreza, o emprego e a produtividade existe uma evidente hesitação entre a pobreza e o emprego. No entanto, atendendo-se ao estado actual do conhecimento quanto às inter-relações com outras variáveis determinantes do sistema económico, parece ser o emprego a mais apta ao estatuto de variável modelizável. Finalmente, uma variável estratégica tem de ser uma variável o mais possível quantificável, isto é, estar estatisticamente coberta. Se assim não for deixará de poder ser potencialmente modelizável. Os parâmetros de regressão das variáveis são elementos essenciais para a escolha dos instrumentos das políticas públicas e para o doseamento das respectivas medidas. Ora bem, no caso angolano a variável que se encontra estatisticamente melhor coberta é a pobreza, com o recente inquérito às receitas e despesas familiares de 2000/2001.

111

Apesar do seu inequívoco papel central na redução da pobreza, no aumento dos rendimentos e na

aquisição duma competitividade internacional. 112

O que não quer, obviamente, dizer que não deva ser considerada como tal. Os decisores públicos,

tecnicamente mais capacitados com as ferramentas da teoria económica, têm a obrigação de caldear a

função de preferência colectiva, enriquecendo-a com variáveis relativamente às quais se reconhecem os

efeitos económicos benéficos.

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Pelos aspectos anteriores compreende-se que a escolha de uma variável estratégica para o desenvolvimento deve obedecer a determinados princípios, não podendo ser sujeita apenas a uma observação política, nem, muito menos, ser um resultado do acaso. Por outro lado, não existem variáveis estratégicas totalmente subordinantes de todas as restantes que se envolvem no processo de desenvolvimento, sendo por isso que normalmente se considera um cacho de variáveis estratégicas, mas que obedeçam igualmente às características anteriormente anotadas. Analisemos o caso do emprego e da produtividade e das respectivas inter-actividades. No caso do emprego, a sua posição estratégica é explicada pelas relações seguintes:

a redução do desemprego tem um impacto imediato sobre a redução da pobreza, pelo viés da criação de rendimento. As estimativas existentes e feitas no âmbito dos resultados do inquérito às receitas e despesas familiares atribuem um valor de -0,7 à elasticidade rendimento-pobreza, o que em termos práticos significa que um aumento de 10% no produto nacional líquido ocasiona uma redução na pobreza de cerca de 7%;

a redução do desemprego pode ter um impacto negativo sobre a produtividade, se não for acompanhada de qualificação da força de trabalho e de reciclagem dos trabalhadores. Daí a importância do programa de aumento de competências e de requalificação da mão-de-obra que o MAPESS tem em execução. De resto, aumento de emprego com maior qualificação, aumenta o PIB e melhora estruturalmente a distribuição primária do rendimento nacional113;

a redução do desemprego pode melhorar a distribuição do rendimento, mesmo que alicerçada em mão-de-obra indiferenciada. Este posicionamento é importante na discussão do modelo de reconstrução económica do país: a redução do desemprego baseado em trabalho qualificado acresce a produtividade e permite aumentos salariais, enquanto que a redução do desemprego de trabalho indiferenciado apenas melhora a participação do factor trabalho no rendimento nacional;

a redução do desemprego aumenta as possibilidades de reassentamento das populações deslocadas, com implicações importantes a médio prazo sobre o incremento do valor acrescentado agrícola, base indispensável para a garantia da segurança alimentar e a melhoria dos rendimentos dos camponeses;

a redução do desemprego, mesmo em condições de manutenção relativa do salário médio nacional, contribui para a criação duma procura interna efectiva importante e absolutamente indispensável para incentivar o investimento privado e as decisões de aumento da oferta114;

113

A educação e formação e no geral o capital humano são os meios de alterar estruturalmente os activos

de que a população trabalhadora dispõe para disputar fatias crescentes do rendimento nacional. 114

Uma estimativa rápida e baseada numa população de 14 milhões de habitantes, numa taxa de actividade

de 51%, numa taxa de desemprego de 40%, numa propensão marginal ao consumo de 90%, num salário

mínimo de $650 ao ano por trabalhador e numa meta de redução do desemprego em 50% em 6 anos,

conduz a um incremento mínimo do consumo privado em quase 650 milhões de dólares dos Estados

Unidos, o que é, seguramente, significativo (basta que o salário de referência suba para

$70/mês/trabalhador, para que a variação do consumo privado se situe em quase 1,2 biliões de dólares dos

Estados Unidos). Estes valores confirmam a existência de razoáveis potencialidades para a criação dum

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a redução do desemprego – atendendo ao facto de as respectivas taxas afectarem com muito maior incidência as mulheres – é, provavelmente, um dos meios mais eficazes para se reduzirem as desigualdades do género;

a redução do desemprego é uma das vias mais estruturantes para a construção da economia nacional, entendida enquanto articulação entre todos os sectores de actividade e todas as regiões do país, propiciadora duma plena liberdade de circulação de factores, produtos e serviços;

finalmente, a redução do desemprego só é compatível com uma estratégia de reconstrução e crescimento baseada nas pequenas e médias empresas, que por seu turno, se apresentam como um dos mais sólidos contributos para o fortalecimento e diversificação do tecido produtivo nacional.

Por todas estas implicações a montante e a jusante se comprova que o emprego reúne todas as condições anteriormente indicadas para ser considerada como estratégica do desenvolvimento económico. E quanto à produtividade? As suas relações são as seguintes:

o incremento da produtividade é a única via que garante um “decent job”, ou seja, um salário elevado e, ao mesmo tempo, um aumento da competitividade com base na qualificação dos recursos humanos115;

o incremento da produtividade pela via do trabalho qualificado, determina a implementação de políticas activas de constituição do capital humano nacional, o que se constitui numa das fontes sustentáveis de redução da pobreza;

o incremento da produtividade pressupõe a modernização dos sistemas produtivos e de gestão pública e empresarial;

o incremento da produtividade aumenta a possibilidade de uma maior internacionalização da economia, mormente no espaço regional da SADC;

finalmente, só com base nos ganhos de produtividade se consegue financiar acréscimos salariais e garantir uma base mínima de autofinanciamento do investimento privado.

Por todas estas implicações se verifica que, também, a produtividade pode ser considerada como uma variável estratégica dum modelo de reconstrução, modernização e desenvolvimento. O que em última instância tem de ser feito é o estabelecimento dum sistema de prioridades, em que a posição subordinante de cada uma das três vaiáveis aqui discutidas se vai alterando à medida que a estratégia de desenvolvimento se for implementando no decurso do tempo.

mercado interno, bastando, para o seu efectivo aproveitamento, que as políticas públicas sejam correctas,

activas e concertadas com as estratégias empresariais. 115

Cada vez mais se mostra inaceitável, face à dinâmica do comércio mundial, basear a competitividade em

salários baixos e, correspondentemente, em mão de obra indiferenciada e de baixa qualificação. Numa

visão moderna e abrangente a competitividade depende de um autêntico “cluster” de variáveis, desde a

tecnologia e investigação, à qualidade da gestão empresarial e das respectivas estratégias de

desenvolvimento da produção, acabando na natureza da gestão pública e na qualidade da Administração do

Estado.

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7.- ANGOLA: DE UMA ECONOMIA DE GUERRA A UMA ECONOMIA DE PAZ (Comunicação apresentada à Conferência Internacional SUL-SUL sobre o papel das Forças Armadas numa Sociedade Democrática e Pacífica, em 11 de Outubro de 2002)

É sempre difícil elaborar um exercício tendente a analisar os dividendos da paz procedentes da finalização de um conflito armado. Até porque fica sempre a sensação de que manter a paz – apesar de socialmente mais dignificante e humanizante - exige despesas e investimentos muito maiores do que conservar uma situação de guerra. Daí que falar em dividendos da paz só tenha sentido se entendidos do ponto de vista psicossocial e antropológico e expressão se contabilizados em termos de vidas humanas que se não perdem por razões de maior ou menor futilidade116. Do que tenho a certeza é que a guerra nos fez perder imenso tempo. As hesitações existentes quanto à adesão ao protocolo de livre comércio da SADC estariam ultrapassadas – e até invertidas no sentido de termos sido o primeiro ou dos primeiros países a rubricá-lo – se a economia se não tivesse atrasado 27 anos em relação às da região e do mundo. Os únicos sectores que se desenvolveram – até pela atrofia de todos os restantes – foram os da extracção de petróleo e diamantes, os “bancos” financiadores da guerra117. Também fica muito claro que ao contrário de outras guerras aqui e em outros lados, a economia nacional nunca foi uma economia de guerra, bastando para o confirmar estudar com atenção a organização económica e institucional dos países beligerantes da primeira e segunda guerra mundiais e mesmo de alguns países que hoje se encontram em situação de conflito militar: autoritarismo esclarecido, disciplina, reestruturação do aparelho económico em domínios ligados às necessidades da guerra, prioridade absoluta aos bens e serviços de origem nacional, investimentos em infraestruturas directamente relacionadas com a guerra, manutenção (e em alguns casos mesmo aumento) do emprego, etc. Angola viveu duas situações de guerra completamente distintas do ponto de vista político: uma primeira entre 1961 e 1975 com o objectivo da obtenção da independência e do reconhecimento internacional como país soberano, e uma segunda – muito mais longa – da qual se não conhecem ainda verdadeiramente as razões e os motivos

116

As guerras acabam sempre por se fazerem por razões fúteis que se revelam quando os armistícios e os

acordos de paz são assinados. Hoje em Angola começa talvez a ficar claro que a reconciliação já se poderia

ter iniciado há muito mais tempo, tal é o clima de concórdia existente entre as partes que se envolveram no

conflito armado. O reencontro de velhas amizades e o cultivo de novas são uma constante após Abril do

corrente ano. Então porque se demorou tanto tempo?

Com a mesma futilidade se deve analisar o comportamento de George Bush na sua obstinação em fazer a

guerra contra o Iraque. Aliás, a história das diferentes intervenções militares dos Estados Unidos por esse

mundo fora está recheada de futilidades e contumácias estéreis: a criação da Al Queda para a luta contra a

União Soviética no Afeganistão, o apoio expresso a Sadam Hussein na guerra contra o Irão, a conivência

política com ditadores declarados, etc. 117

A estratégia de extracção de petróleo bruto obedeceu durante estes anos de conflito armado às

necessidades financeiras da guerra e aos interesses das multinacionais do crude instaladas no país. De toda

a produção anualmente realizada, apenas 7% em média é para consumo interno e mesmo numa situação de

funcionamento da economia perto do seu produto potencial – daqui a 20 anos na melhor das hipóteses – a

utilização de derivados do petróleo não suplantará os 30%, até porque é mais barata e limpa a

hidroelectricidade.

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nacionais e internos118. As “economias de guerra” que então se constituíram foram radicalmente diferentes em muitos aspectos. ECONOMIA DE GUERRA 1961-1974

A resposta que a economia colonial encontrou para tentar opor-se à luta de libertação nacional foi a do crescimento económico e do reforço das estruturas produtivas internas.

PRODUTO INTERNO BRUTO POR SECTORES Taxas anuais médias de crescimento

SECTORES 1966/1970 1968/1970 1966/1973 1970/1973 Agricultura, silvicul- tura, pecuária e pes ca

-3,5

5,9

7,2

23,2

Indústria extractiva 23,6 114,6 16,7 8,1 Indústria transforma dora

13,8 19,4 14,1 14,5

Construção 12,5 11,9 11,3 9,6 Electricidade/ água 8,0 3,6 3,1 -2,9 Transportes e Co- municações

6,4 4,1 4,6 2,1

Comércio 5,1 14,1 4,4 3,6 Bancos, Seguros 12,5 10,1 9,0 4,4 Habitação 12,0 7,3 14,5 18,0 Administração Pú- blica

15,9 11,4 14,4 12,4

Serviços 5,2 9,2 12,6 23,3

TOTAL 8,1 12,9 9,5 11,3 Fonte: IV Plano de Fomento, Estatísticas Industrias e Estatísticas Agrícolas. Nota: as taxas médias anuais de crescimento são reais, calculadas a preços constantes de 1963.

Os diferentes valores expressam, na verdade, fortes dinâmicas de crescimento de todos os sectores económicos, sendo, no entanto, de destacar a agricultura, silvicultura, pecuária e pescas, a indústria transformadora, a habitação e a construção, que foram os principais motores da alteração estrutural ocorrida entre 1965 e 1973. Especial destaque para o crescimento médio anual da indústria transformadora no período 1968/1970 com praticamente 19,5%. Naturalmente que este esforço – com base num claro modelo de substituição de importações, de reforço do mercado interno e do aproveitamento das suas sinergias em termos de intercomunicabilidade e circulação de pessoas e bens – teve como contrapartida o aumento das importações de bens intermédios e de capital e do agravamento do saldo das contas externas. A agricultura e actividades conexas só começaram a revelar uma maior capacidade de resposta aos esforços de industrialização da colónia a partir de 1970, com o projecto de Extensão Rural. O PIB, a preços de 1963, apresentou uma taxa de crescimento médio anual entre 1966 e 1973 de 9,5%, com um máximo no período 1968/1970 de 12,9%.

118

O turbilhão da guerra fria tocou-nos com particular contundência no final de década de 70 e início dos

anos 80, devido à uma vez mais errada visão dos americanos sobre os problemas africanos. Consultar

George Wright – A Destruição dum País, Editorial Caminho, 1997.

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O quadro seguinte transcreve o conteúdo do sector produtivo interno em termos de composição estrutural do PIB.

ESTRUTURA SECTORIAL DO PIB A PREÇOS DE 1963

SECTORES 1966 1967 1968 1969 1970 1973 Agricultura, silvicultura, pecuária e pesca

14,2

13,6

10,2

9,8

9,0

12,2

Indústria extractiva

6,3 3,5 3,0 7,1 10,7 9,8

Indústria trans formadora

8,7 9,6 9,5 10,4 10,7 11,6

Construção 2,7 2,8 3,2 3,2 3,2 3,1 Electricidade/ água

0,9 0,9 1,1 1,0 0,9 0,6

Transportes e Comunica- ções

6,3

6,6

7,0

6,5

5,9

4,6

Comércio 34,0 34,0 29,7 31,4 30,3 24,5 Bancos, Seguros

2,8 2,6 3,5 3,2 3,3 2,8

Habitação 3,6 4,0 4,6 4,4 4,1 4,9 Administração Pública

8,3 10,9 11,3 11,3 11,0 11,3

Serviços 12,0 11,3 11,5 11,6 10,8 14,7

TOTAL 100 100 100 100 100 100 Fontes: IV Plano de Fomento, Estatísticas Industriais da Direcção de Serviços de Estatística e Estatísticas Agrícolas da MIAA.

Notas: os valores estão expressos em percentagens.

A nota mais saliente esta relacionada com a perda de importância relativa do comércio, cuja participação no PIB se reduziu praticamente 10 pontos percentuais entre 1966 e 1973. Os ganhos foram para a agricultura, a indústria transformadora (praticamente três pontos percentuais), a habitação e a Administração Pública – nestes dois últimos casos a atestar a importância do Estado na condução de políticas públicas de pendor social e na gestão dum modelo concreto de crescimento económico. Do ponto de vista da formação de capital fixo da economia angolana colonial, as informações são as seguintes:

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FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (preços de 1963)

Taxas anuais médias de crescimento

SECTORES 1966/1967 1967/1970 1968/1970 1966/1973 Agricultura, silvicul- tura, pecuária e pes ca

9,2

-4,4

-0,3

1,1

Indústria extractiva 51,9 -60,0 -5,1 -11,9 Indústria transforma dora

53,2 39,1 4,0 20,8

Construção 28,7 8,5 0,4 8,7 Electricidade/ água 132,4 23,9 7,0 30,3 Transportes e Co- municações

21,8 6,6 -26,8 6,8

Comércio 18,7 71,7 5,9 19,5 Bancos, Seguros 25,4 19,3 -1,9 10,5 Habitação 6,0 38,0 7,2 10,0 Administração Pú- blica

-8,7 76,2 5,6 12,6

Serviços 32,5 66,1 -4,2 21,8

TOTAL 34,1 -8,3 -1,6 7,2

Fontes: as mesmas dos quadros anteriores e o relatório sectorial sobre o financiamento

da economia para o IV Plano de Fomento.

A acumulação interna de capital processou-se, entre 1966 e 1973, a uma cadência média anual de 7,2%, com um máximo de crescimento médio entre 1966 e 1967 de praticamente 34%. Estes ritmos de crescimento não foram maiores devido à quebra de investimento no sector extractivo: embora tenham aumentado em 1967 em 51,9% e em 1969 em 64,6%, reduziram-se em 50,6% em 1970. Os principais destaques relacionam-se com a indústria transformadora, o comércio, os serviços e a Administração Pública, com expressivas taxas de progressão dos investimentos. Mas também o sector da habitação se perfila como um dos mais dinâmicos entre 1966 e 1973.

ESTRUTURA DA FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO A PREÇOS DE 1963

1966 1967 1968 1969 1970 1973 stock capital

1966-1973

Agricul,sivil.pecu.pesc 4,7 3,8 3,8 3,0 4,0 3,1 3,7

Indústria extractiva 36,2 41,0 20,4 32,0 17,7 9,1 25,2

Indústria transformado 8,2 9,3 11,3 12,5 14,2 18,9 12,8

Construção 21,6 20,8 22,6 20,0 24,6 23,8 22,3

Electricidade e água 1,6 2,8 2,7 2,5 3,8 6,4 3,5

Transportes, comunica 4,4 4,0 15,0 5,6 4,6 4,2 6,3

Comércio 2,6 2,3 3,2 2,5 4,3 5,5 3,5

Bancos,seguros,transacç 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2

Habitação 10,9 8,6 9,2 10,4 13,0 13,1 10,9

Administração Pública 7,7 5,2 7,6 8,3 10,1 10,9 8,4

Serviços 2,0 2,0 3,9 2,9 3,6 4,8 3,3

TOTAL 100 100 100 100 100 100 100 Fontes: as mesmas do quadro anterior.

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O sector da construção foi o de maior concentração dos investimentos, apresentando um “stock” de capital fixo, correspondente aos investimentos efectuados entre 1966 e 1973, de 22,3% do total, com uma constância notável em cada um dos anos do período considerado. Os investimentos na indústria extractiva representaram em 1967 o dobro dos efectivados na construção, mas a tendência regressiva observada a partir deste ano fez com que a sua importância relativa no cômputo geral se reduzisse para 25%. A indústria transformadora continuou a ter um lugar de destaque, tendo representado o seu “stock” de capital praticamente 13% do total da economia, com um máximo de investimento em 1973 – cerca de 19% do total da Formação Bruta de Capital Fixo. O predomínio da economia de subsistência e da produção para autoconsumo justifica o peso relativo dos investimentos na agricultura e actividades conexas. Também no domínio do comércio externo, a “economia de guerra” do período 1961-1974 foi portadora duma dinâmica de evolução acentuada, com particular incidência sobre a alteração da estrutura das exportações e das importações, conforme, de resto, se pode constatar pelos valores insertos nos quadros seguintes.

Taxas médias de crescimento das exportações

(preços correntes)

PRODUTOS 1968/1974 1972/1974 1970/1974

Agro-pecuários 6,0 11,6 4,9

Extractivos 20,5 0,5 4,8

Transformados 20,0 18,4 17,8

TOTAL 12,3 7,3 6,3

Fonte: Estatísticas do Comércio Externo para os anos considerados.

O comportamento das exportações pode ser apreciado do modo seguinte:

no período 1968/1974 (6 anos) a maior dinâmica pertenceu aos produtos provenientes do sector extractivo, com destaque para os diamantes e o petróleo;

nos outros dois períodos – 1972/1974 e 1970/1974 – são as exportações da indústria transformadora as que denotam um maior ritmo de crescimento anual, respectivamente, 18,4% e 17,8%;

o período mais intenso das exportações agro-pecuárias foi 1972/1974, com uma taxa de variação média anual próxima dos 11,6%.

Quanto à estrutura das exportações, os valores constantes do próximo quadro são suficientemente esclarecedores quanto à crescente participação dos produtos transformados (9,4% em 1968 e 14% em 1974) e perda de influência dos produtos agro-pecuários: estava-se num processo de industrialização interna e de constituição das relações intersectoriais necessárias ao reforço da economia.

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ESTRUTURA DAS EXPORTAÇÕES A PREÇOS CORRENTES

PRODUTOS 1968 1969 1970 1971 1972 1974 Agro-pecuários 63,5 51,7 47,0 49,3 41,4 44,7 Extractivos 27,2 37,7 43,8 9,1 47,1 41,3 Transformados 9,3 10,6 9,2 41,6 11,5 14,0 TOTAL 100 100 100 100 100 100 Fonte: Estatísticas do Comércio Externo.

Quanto às importações, o panorama foi o seguinte: PRODUTOS

ESTRUTURA DS IMPORTAÇÕES Taxas anuais médias de crescimento

1969 1970 1971 1972 1969/1972 1970/1972

Consumo não duradour

29,9

27,0

26,7

21,0

-4,8

-7,8

Consumo duradouro

12,0

12,4

13,3

5,0

-16,5

-25,9

Consumo intermédio

19,0

22,5

21,9

24,0

10,2

2,4

Equipamentos 30,7 30,5 31,4 41,0 11,7 10,7

Outras 8,4 7,6 6,7 9,0 5,7 6,2

TOTAL 100 100 100 100 3,9 0,29 Fonte: Estatísticas do Comércio Externo. As notas mais salientes a registar são:

um processo claro de substituição das importações e de reforço das estruturas produtivas internas, traduzido pela diminuição sustentada das importações de bens de consumo duradouro e não duradouro, com uma acentuação da sua intensidade no período 1970/1972;

o aparecimento duma capacidade interna de produção de alguns bens de consumo intermédio para as actividades industriais e agrícolas, manifestada pela diminuição na intensidade de crescimento das respectivas importações;

uma clara concentração das importações em bens de equipamento necessários para a industrialização da colónia.

Como conclusões mais significativas da “economia de guerra” do período 1961-1974 são de anotar:

uma intensificação no processo de construção da economia interna pela via da substituição das importações e do reforço das relações inter-sectoriais;

um esforço significativo na constituição dum “stock” de capital necessário ao crescimento sustentado;

uma intensificação do crescimento do PIB, que aliado a uma taxa de crescimento demográfico relativamente baixa, deve ter provocado uma certa melhoria no nível geral de vida, não obstante uma diversidade muito acentuada na repartição dos rendimentos;

um crescimento mais rápido das despesas de investimento relativamente às despesas de consumo, com reflexo acentuado nos investimentos industriais;

uma diminuição da importância relativa e absoluta dos fluxos não monetários, como consequência da intensificação do crescimento económico e da crescente integração da população nos circuitos de mercado (via extensão rural);

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uma acentuação da diversificação das exportações, com um peso crescente dos bens industriais e transformados;

uma participação importante do Estado enquanto agente dinamizador da economia, medida pelo peso do PIB e dos investimentos públicos no total da actividade económica.

ECONOMIA DE GUERRA 1975-2002 A resposta desta economia aos desafios do conflito armado foi a total abertura ao exterior, espelhada no peso crescente da exploração do petróleo e das respectivas receitas de exportação e no aparecimento duma dependência doentia das importações. As consequências revelaram-se na desagregação da economia produtiva não petrolífera, na desarticulação sectorial, na desindustrialização progressiva da economia, na substituição da produção interna pelas importações119, na crise económica e social, no desemprego e na pobreza. O abandono das empresas na sequência da independência explicou a intervenção gestionária do novo Estado para a qual não dispunha nem de competências, nem de vocação. A opção socialista justificou o papel fortemente interventor do Estado, castrou a formação duma iniciativa privada angolana que poderia ter tomado os destinos da economia e adiou opções estruturais fundamentais. Este modelo socialista e centralizado - desajustado no tempo e talvez mesmo das idiossincrasias da população – complementado por uma política macroeconómica que confundiu estabilidade cambial com taxas de câmbios fixas e estabilidade dos preços com preços administrativos imutáveis, respondem pelo essencial da crise económica e social que se abateu sobre o país, ainda por cima num contexto de guerra aberta. Mário Murteira – o conhecido economista português que se tem dedicado às questões do desenvolvimento – refere:” as independências políticas das colónias portuguesas em África ocorrem num momento histórico muito particular da segunda metade do século XX, momento de grande viragem ou de crucial bifurcação do processo histórico, em que a maré revolucionária anti-sistémica aparentemente ainda é ascendente, mas na realidade o refluxo de consolidação sistémica já se tinha iniciado, tornando-se flagrante e de proporções totalmente inesperadas na década de 80”120. Ou seja, o sistema capitalista mundial estava a refazer-se, com grande sucesso, da pior crise por que passou depois da grande depressão de 1929/32 e o toque a finados que lhe tinha sido decretado pelos ideólogos marxistas estava adiado para melhor ocasião. Vista ainda de outra maneira, esta reflexão de Mário Murteira significa que as ex-colónias portuguesas optaram por um divórcio total do modelo económico capitalista veiculado pelo próprio sistema colonial, na presunção de que o fim da economia de mercado era para breve. Erro evidente de liderança política e de previsão histórica, uma vez que a consolidação sistémica, isto é, do capitalismo enquanto sistema mundial, tornou-se flagrante em meados da década de 70 e de proporções planetárias definitivas nos anos 80. Angola, no entanto e apesar de todos estes sinais mais do que evidentes, persistiu na linha política marxista de partido único e num sistema económico fechado, centralizado e administrativo. Nem sequer o SEF foi aproveitado como uma das grandes oportunidades históricas de viragem económica e de antecipação dos acontecimentos. Mário Murteira acrescenta: “os movimentos de libertação das colónias portuguesas

119

Processo absolutamente inverso do seguido na “economia de guerra” durante o período 1961-1974. 120

Mário Murteira: Economia Global e Gestão, AEDG/ISCTE, 1996.

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surgem como sobressaltos finais duma vaga revolucionária prestes a desfazer-se na areia que protege e recupera o sistema da economia mundial, ou seja, em termos de ideologia económica eles também são tardios, à beira da grande viragem que ocorre nos anos 80. Dito de outra forma, os países em causa sofrem directa ou indirectamente as consequências duma aposta teórica e prática num modelo e num sistema que, afinal, estavam prestes do termo da sua vigência histórica”121. Analisemos, no essencial e através de variáveis próximas das utilizadas para a avaliação da “economia de guerra” entre 1961 e 1974, o comportamento da “economia de guerra” 1975-2002.

TAXAS REAIS ANUAIS DE CRESCIMENTO

AGSILPES PETROLE DIAMANT INDÚSTRI ENERAGU CONSTRU COMÉRCIO SERVNCO PIBpm

1989 -0,7 0,1 0 27,2 5,2 0,2 4,9 0 1,8

1990 -2,6 4,1 0 -5,2 -12,2 1,0 -1,9 0 2,8

1991 -14,9 7,3 22,9 -10,8 3,9 3,0 3,5 -3,5 1,0

1992 -27,3 10,5 45,7 -16,3 20 5,1 9 -6,9 -1,8

1993 -46,2 -8,4 -88,2 -15,4 0 -45,1 55,9 -30,1 -21,0

1994 8,5 9,2 89,1 6,6 4,8 21,8 6 -8,5 8,2

1995 37,6 12 -3,2 17,5 10,5 15 7,2 1,5 12,0

1996 9 11,1 -11,1 8 10,6 7 3,8 0,5 7,3

1997 10,2 4,7 53,4 9,3 9,4 13,0 9,4 5,5 7,7

1998 5,2 3,5 90,2 4,9 14,5 10,0 5,0 0,0 5,5

1999 1,3 1,0 39,5 7,1 1,3 5,0 4,4 -7,5 2,7

2000 9,3 0,4 13,3 8,9 0,8 7,5 3,4 1,5 3,6

MÉDGEO -4,7 4,2 -1,2 2,2 5,0 2,3 8,6 -4,1 2,3 FONTES: Missão do Fundo Monetário Internacional, Fevereiro de 1994; Angola-Recent Economic Developments, IMF, September 1997; Concluding Statement of the IMF Mission to Angola, Maio 1999; INE-Contas Nacionais

A primeira nota é devida ao comportamento do Produto Interno Bruto a preços de mercado que no período em análise cresceu, em média, apenas 2,3%, comprovando-se deste modo o fraco desempenho económico do país122. Se se acrescentar que a taxa média de crescimento demográfico foi de 3,8% - de acordo com as informações do Núcleo de Estudos da População do Ministério do Planeamento – pode, então, concluir-se por um aviltamento médio das condições de vida de praticamente 2% ao ano, em termos reais (correspondente a uma depreciação acumulada de cerca de 25%). No conjunto das actividades estruturantes, a indústria transformadora e a construção registaram as taxas de variação mais baixas do período. A agricultura, sujeita às vicissitudes da guerra e às adversidades naturais, expressou a sua dinâmica de evolução por uma taxa média negativa de 4,7% ao ano. As actividades petrolíferas e do comércio foram as que mais cresceram, com taxas médias de 4,7% e 8,6%, respectivamente. O bom desempenho da energia e água, com uma taxa de variação média anual de 5%, não foi suficiente para que em termos relativos, este sector ocupasse uma posição proeminente na estrutura do PIB.

121

Mário Murteira, op.cit. 122

Na secção primeira deste capítulo, as taxas calculadas – e que davam mostras dum período de forte

recessão económica entre 1990 e 2000 – referem-se a valores em dólares correntes.

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Em termos de estrutura sectorial do Produto Interno Bruto pode constatar-se uma degradação progressiva da economia não mineral, em contraponto evidente com a afirmação dominante da economia de enclave, que poucos benefícios trouxe ao processo de constituição duma economia nacional forte e competitiva.

ESTRUTURA SECTORIAL DO PIB

AGSILPES PETROLE DIAMANT INDÚSTRI ENERAGU CONSTRU COMÉRCI SERVNCO

1989 10,8 54,7 3,5 0,25 2,2 4,6 0

1990 10,3 55,7 3,2 0,22 2,2 4,4 0

1991 12 46,7 1,4 3,7 0,2 3,7 10,3 8,4

1992 13,7 37,7 2,8 4,1 0,1 5,2 16,2 16,7

1993 11,1 42,6 0,5 5,2 0,1 4,3 19,4 13,8

1994 6,2 58,1 1,2 6,7 0 3,2 17,1 6,2

1995 7,8 56 1,1 7,2 0 3,4 16,6 6,9

1996 7,5 59,3 0,6 6,8 0 3,2 14,8 7,1

1997 9,5 48,3 3,8 4,4 0 4,1 16,2 11,3

1998 13,0 37,8 5,4 6,3 0,07 6,2 19,3 10,6

1999 6,4 58,9 8,4 3,3 0,04 3,1 15,0 4,9

2000 5,7 60,8 6,5 2,9 0,03 2,8 14,5 6,7

MÉDIA 9,4 50,8 2,8 4,7 0,07 3,6 13,7 8,2 FONTES: Missão do Fundo Monetário Internacional, Fevereiro de 1994; Angola-Recent Economic Developments, IMF, September 1997; Concluding Statement of the IMF Mission to Angola, Maio 1999. NOTA: as somas horizontais não igualam 100 porque se não consideraram outros sectores de actividade. A economia nacional passou a ser uma economia dual, com um domínio arrasador e perverso da economia petrolífera, que respondeu, em média, por cerca de 51% do Produto Interno Bruto. Os anos de 1994, 1995, 1996,1999 e 2000 – com uma média de 58,2% - foram os de maior carga desta economia e que corresponderam aos períodos de maior crescimento da produção de petróleo. Uma outra economia de enclave que se prepara para assumir algum protagonismo é a diamantífera e que aparentemente está em processo de ultrapassar o período de acentuadas oscilações em que viveu até 1998. Pesa sobre esta actividade uma enormíssima contradição nas regiões do país onde se vier a instalar e desenvolver: a agricultura, camponesa ou moderna, estará condenada a desaparecer, dadas as restrições que os contratos de concessão impõem ao uso das terras para actividades não mineiras, ainda que as comunidades a elas tenham direito por tradição. Verifica-se que em 2000, 70% da actividade económica interna se orientava para as exportações, tornando-se Angola numa das economias mais abertas ao exterior do mundo. Restam 30% de actividade económica interna para gerar emprego para uma população em idade activa da ordem dos 6 milhões de habitantes (os dois sectores de enclave não devem empregar sequer 0,5%). Os sectores estruturantes do resto da economia (agricultura, pecuária e pescas, indústria transformadora, energia e água e construção) têm uma representatividade média de tão somente 17,8%, sendo patente a crescente perda de influência ao longo da década. O sector da energia e água apresenta-se com uma influência muito exígua, registando-se anos em que a sua comparticipação relativa foi muito próxima de zero.

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Igualmente preocupante é a posição da indústria transformadora – já integrada com a produção de derivados do petróleo - com apenas uma média de 4,7% na década. Mas ainda mais inquietante é a tendência de desindustrialização, praticamente instalada desde a independência. Os anos de 1994 e 1995, embora sendo de excepção no processo de desintegração industrial do país, os valores relativos patenteados estão muito longe dos anos de ouro da indústria transformadora angolana. Uma nota curiosa – assinalada como um aviso à navegação -: as melhorias verificadas em 1994 e 1995 no coeficiente de participação relativa da indústria transformadora coincidiram com um aumento importante do crédito à economia e em particular à actividade empresarial, respectivamente, 3,4% e 11,8% do Produto Interno Bruto (ambas as variáveis medidas em dólares norte americanos correntes). São, aparentemente, dois exemplos de como a política monetária pode ser usada em benefício da dinamização da economia não enclavada. As actividades agrícolas e conexas não chegam a comparticipar com 10% no processo de geração da riqueza anual. Com excepção do ramo das pescas, as outras mostram-se sensíveis a factores extra-económicos, como a instabilidade militar e as calamidades naturais, como as secas e as cheias. Relativamente ao comércio externo deste período de guerra, tem-se a situação seguinte:

INDICADORES DO COMÉRCIO EXTERNO (valores em percentagem)

IMT/PIB IMM/PIB OIM/PIB LUDI/PIB TRAN/PIB EXT/PIB EXIM/PIB EXP/EXT

1990 48,7 18,5 15,1 3,7 6,1 46,8 95,5 90,1

1991 48,2 15,3 14,5 3,6 6,9 41,3 89,5 89,1

1992 60,4 24,9 17,6 4,5 8,6 49,9 110,4 89,5

1993 66,2 25,1 18,9 6,5 8,7 51,8 118,0 93,7

1994 87,7 33,9 28,5 8,3 9,4 74,1 161,8 91,2

1995 80,2 27,4 32,4 7,2 6,9 71,8 151,9 91,4

1996 91,5 31,2 32,4 8,2 5,8 82,7 174,2 88,4

1997 81,6 33,9 29,3 7,3 6,1 68,7 150,3 88,1

1998 73,2 32,2 36,7 5,8 5,9 56,9 130,1 83,5

1999 93,7 54,8 39,8 11,5 9,0 87,2 180,9 84,1

2000 64,7 49,9 34,8 13,9 6,1 92,4 157,1 87,7

MÉDIA 72,4 31,6 27,3 7,3 7,3 65,8 138,2 88,8

TVM00/90 2,9 10,4 8,7 14,2 -0,1 4,0 3,8 -0,3 NOTAS: IMM-Importações de mercadorias; IMT–Importações totais; OIM-Outras importações (residual, não classificados); LUDI-Lucros e dividendos exportados; TRAN-Transportes; EXIM-Exportações mais importações

A abertura global da economia angolana à economia internacional estabeleceu-se a um nível médio de 150,5% durante a década de transição para a economia de mercado, devendo ser um dos valores mais elevados do mundo. Este grau de abertura variou a um ritmo médio de 9,5% ao ano, o que significa que em 11 anos a dependência do exterior foi multiplicada por 2,7. Estes elevadas cifras não são mais do que a expressão da dominação do petróleo e da economia de extracção em geral e da fraqueza da oferta interna. Neste particular, é de assinalar que as importações de mercadorias representaram uma quota média de cerca de 32% do PIB durante o período em referência, com máximos justamente em 1999 (54,8%) e 2000 (49,9%), comprovando

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uma acentuação da deterioração do parque produtivo nacional (incapacidade acrescida de substituir as importações). A ratio das importações totais – cerca de 82% em média – variou a uma taxa média anual de quase 9%, aconselhando a que se estude com muito maior propriedade e eficácia a questão do modelo de desenvolvimento económico nacional, no contexto do qual a estratégia de promoção e diversificação das exportações e de substituição das importações tenha um tratamento estratégico consentâneo. Sobre a formação bruta de capital fixo, as informações disponíveis são as que fazem parte do quadro seguinte:

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DO INVESTIMENTO EM ANGOLA

ANOS IDELUSD IDEBUSD IGKZ92 IGUSD PIBUSD IG/PIB IDEL/PIB

1990 -334,5 389 1714 451,8 8547 5,3 -3,9

1991 664,1 1098,5 90,2 303,4 8797 3,4 7,5

1992 288 673 86,5 192,4 7989 2,4 3,6

1993 302 851 86,5 188,5 5819 3,2 5,2

1994 170,1 662,5 52,9 76,9 4292 1,8 3,9

1995 472 1132 88,5 144,7 5365 2,7 8,8

1996 180,6 818,3 205,9 126,3 6535 1,9 2,7

1997 411,7 1050,3 212,5 402,2 7645 5,3 5,4

1998 1113,9 1474,4 248,2 516,4 6449 8,0 17,3

1999 2471 3105 290,9 337,8 5669 5,9 43,6

MÉDIAS 573,89 1125,4 153,3 274,1 6710,7 4,0 9,4

TVM90/99 15,7 23,1 5,4 -2,8 -4,0 1,2 26,0 FONTES: Balança de Pagamentos, BNA/DEE; MODANG, Ministério do Planeamento NOTAS: IDELUSD-Investimento estrangeiro directo líquido em milhões de usd; IDEBUSD-Investimento directo estrangeiro bruto em milhões de usd; IGKZ92-Investimentos públicos em biliões de kwanzas de 92; IGUSD-Investimentos públicos convertidos em milhões de dólares; TVM90/99-Taxa de variação média anual método geométrico.

O comportamento do investimento estrangeiro líquido – especialmente o destinado à economia de enclave - tem sido robusto e positivo, enunciando-se por taxas médias de crescimento muito significativas e sustentadas. Outro facto a assinalar refere-se ao comportamento do investimento público durante os anos 90. São observáveis várias ocorrências:

desde logo, a fraca importância relativa do investimento público face ao PIB, ou seja, a taxa de investimento público tem sido em média de apenas 4%, valor que de modo nenhum poderá sustentar uma taxa de crescimento do PIB a dois dígitos;

depois, a taxa média de crescimento negativa registada entre 1990 e 1999 (-2,9%), o que não deixa de ser paradoxal, atendendo, por um lado, ao estado de degradação infra-estrutural da economia e, por outro, ao facto de ser pela via dos investimentos públicos que o Estado tem de afirmar a sua intervenção na economia;

depois ainda, o modesto valor médio registado de cerca de 275 milhões de dólares por ano, o que, atendendo aos orçamentos das obras públicas

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praticados no país, não representa uma carteira significativa de empreendimentos.

No geral e para os dados disponíveis a taxa global média de investimento registada foi de apenas 13,4%, bem aquém do que a economia nacional necessita para um crescimento sustentado e impressivo. ECONOMIA DE PAZ 2002 - “AD AETERNUM” Do meu ponto de vista os aspectos cruciais para sedimentar uma economia de paz são a alteração radical da influência perversa do petróleo123, a construção da integração económica interna, a reversão da pobreza e a reorientação das despesas orçamentais. Comprovou-se estar-se perante uma estrutura produtiva interna efectivamente desarticulada e fraca, sendo, portanto, fundamental canalizarem-se esforços, energias e financiamentos para o reforço da economia não mineral. É essencialmente desta que depende a criação de emprego, a geração de rendimentos e a eliminação da pobreza124. Naturalmente que os desafios são desmedidos, tanto foi o tempo que se perdeu na guerra, tantas são as desarticulações internas, tão grandes as necessidades financeiras. A estrutura interna da economia nacional deve ser alterada. Este é um ponto de partida para se atingirem outros objectivos.

SECTORES ECONÓMICOS PRODUTO INTERNO BRUTO (milhões de usd)

Média97/00 2002 2007 2014

Agricultura,silvicultura,pescas 719,3 903,2 2337,6 3636,7

Petróleo e refinados 4313,9 5025,1 7947,9 9741,1

Diamantes e outros 515,3 634,8 1122,1 1298,8

Indústria transformadora 357,6 421,2 1496,1 2987,3

Energia eléctrica e água 8,4 4,3 187,0 779,3

Obras públicas e construção 340,7 392,7 1122,1 2337,9

Comércio,Bancos,Seguros,Servi 1365,1 1609,0 2805,2 3247,0

Outros 799,3 1207,0 1683,1 1948,2

PIB 8413,4 10406,9 18701,1 25976,3

Trata-se de um cenário verdadeiramente voluntarista, para cuja concretização se exige:

uma efectiva capacidade de direcção política e de gestão económica, muito em particular do “trade off” eficiência-equidade;

123

Evitando que o mesmo aconteça à economia diamantífera e procurando-se resolver os conflitos de terra

com as comunidades de camponeses das zonas onde esta actividade se vai intensificar. Segundo todos os

ângulos de análise, incluindo o numérico, é muito mais importante a agricultura e os seus resultados

estruturantes em termos económicos e sociais, do que a actividade diamantífera de simples extracção. 124

A única forma de sustentadamente de atacar o problema da pobreza é através do crescimento económico

intenso e extensivo ao maior número possível de actividades, complementado com políticas públicas pró-

activas de redistribuição do rendimento.

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um “pacto económico e social” de regime, entre o Estado, os trabalhadores, os empresários angolanos e a comunidade internacional;

um significativo esforço de formação e de reciclagem dos trabalhadores, por imperativos de aumento da produtividade e do salário médio;

uma expressiva melhoria dos sistemas de educação e saúde para se garantir uma renovação permanente do capital humano;

uma programação e gestão monetária compatível com o esforço de investimento subjacente aos valores do PIB constantes do quadro e com a necessidade de geração e captação de poupanças (internas e externas).

Os esforços inerentes a este cenário de verdadeira viragem de costas ao passado recente são melhor traduzidos pelas taxas médias de crescimento:

TAXAS MÉDIAS ANUAIS DE CRESCIMENTO EM DÓLARES CORRENTES

SECTORES ECONÓMICOS 1999/2002 2002/2007 2007/2014 2002/2014 1999/2014

Agricultura,silvicultura,pescas -0,3 22,1 9,5 14,5 11,4

Petróleo e refinados 1,2 10,4 4,1 6,7 5,6

Diamantes e outros 3,0 9,5 5,6 7,2 6,3

Indústria transformadora -2,2 27,5 14,9 20,0 15,2

Energia eléctrica e água 1,5 78,9 25,3 45,3 35,2

Obras públicas e construção -3,3 23,5 14,9 18,4 13,7

Comércio,Bancos,Seguros,Servi 0,6 10,9 4,8 7,3 5,9

Outros 8,2 7,5 4,3 5,6 6,1

PIB 1,5 12,8 7,1 9,4 7,8 O cenário concentra o essencial dos esforços de edificação duma economia de paz na indústria transformadora, na construção e na agricultura. Como grande sector de suporte destaca-se a energia e água. Do ponto de vista do desemprego, a aposta é a da redução significativa da sua actual taxa (35%?). A redução do desemprego proporciona a criação de rendimentos, por sua vez essenciais para o incremento do consumo e a melhoria das condições de vida da população.

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ANOS Taxa de- População População Acréscimo Acrés.empre Acréscimo Acréscimo

semprego (milhares) Activa emprego acumulado rendimento consumo

2002 40 14000 7140

2003 35 14392 7339,92 366,996 366,996 256897,2 231207,5

2004 30 14794,98 7545,4378 377,2719 744,267888 520987,52 468888,8

2005 27 15209,24 7756,71 232,7013 976,969189 683878,43 615490,6

2006 24 15635,09 7973,8979 239,2169 1216,18613 851330,29 766197,3

2007 22 16072,88 8197,167 163,9433 1380,12947 966090,63 869481,6

2008 20 16522,92 8426,6877 168,5338 1548,66322 2168128,5 1842909

2009 18 16985,56 8662,635 173,2527 1721,91592 2410682,3 2049080

2010 16 17461,15 8905,1888 178,1038 1900,0197 2660027,6 2261023

2011 14 17950,07 9154,534 183,0907 2083,11038 2916354,5 2478901

2012 12 18452,67 9410,861 188,2172 2271,3276 3179858,6 2702880

2013 11 18969,34 9674,3651 96,74365 2368,07125 3315299,7 2818005

2014 10 19500,48 9945,2473 99,45247 2467,52372 3454533,2 2936353

Para que a paz se efective e a guerra seja esquecida torna-se essencial criar, em 12 anos, quase 2,5 milhões de empregos, incrementar o rendimento em cerca de 3,5 biliões de dólares correntes e acrescer o consumo em praticamente 3 biliões de dólares, igualmente correntes. Quanto à pobreza – uma taxa geral 62,2% para os agregados familiares em 2000/2001 – e se atendermos aos ritmos de crescimento do PIB transcritos no quadro referente às dinâmicas de crescimento desejáveis para uma economia de paz, a sua redução traduz-se pelas cifras seguintes:

em 12 anos – entre 2002 e 2014 – a taxa de pobreza reduzir-se-á de 62,2% para tão somente 40,46%;

em 25 anos – ou seja até 2027 – a taxa de pobreza ter-se-á reduzido para 30,9%.

A conclusão óbvia é a de que não serão suficientes os ritmos de crescimento admitidos para que a taxa de pobreza se reduza para 15% no espaço duma geração, a meta estabelecida na última cimeira social mundial. CONCLUSÕES Os combates por um futuro que deveria ter começado ontem são variados e profundos. O país foi atravessado por duas “economias de guerra” sequenciais, mas com lógicas de organização e funcionamento diferentes. Cada uma delas respondeu de modo específico aos desafios políticos e às opções ideológicas. Evidentemente, as consequências económicas e sociais foram, igualmente, diversas. Em síntese:

a resposta da “economia de guerra” 1961-1974 foi essencialmente endógena, do tipo “contar com as próprias forças” e teve como consequência essencial a estruturação duma economia que foi uma das mais fortes e dinâmicas de África. Há que reconhecer, sem complexos, que Angola

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herdou, à data da sua independência, uma das três maiores estruturas industriais da África austral;

a solução encontrada pela “economia de guerra” 1975-2002 foi fundamentalmente exógena, deixando-se envolver nos tentáculos da economia mineira de enclave - a que suportou todo o esforço de guerra de ambas as partes do conflito - e abrindo-se completamente ao exterior125. Também sem complexos deve reconhecer-se que a “paz” herda uma economia completamente enfraquecida, desarticulada e desequilibrada, uma população em quase 2/3 atingida pelo flagelo da pobreza e um “stock” de capital humano e físico dos mais débeis de África;

a elevação do poder de compra nacional deve passar a constituir uma preocupação permanente da sociedade: é o único meio de valorizar os salários e outros rendimentos, aumentar a produtividade, diversificar as exportações pela introdução de produtos de elevado valor acrescentado e combater de modo eficaz a pobreza;

as Forças Armadas desempenharam a sua missão que era fazer a guerra. Num contexto de paz o seu papel é garanti-la, particularmente resguardando o país de ameaças externas à sua integridade territorial. Não partilho da ideia de que as Forças Armadas possam ter um outro papel mais incisivo numa economia de paz, até porque - e no caso concreto das Forças Armadas Angolanas - se perderia (ou pelo menos se desvalorizaria) todo o acervo de competências militares, de tácticas e estratégias de guerra, de “know-how” adquiridas durante todos estes anos de conflito armado e que podem fazer de Angola uma potência militar em África. Não acredito que as Forças Armadas queiram perder estes acervos e esta oportunidade.

8.- AS QUESTÕES MACROECONÓMICAS ESSENCIAIS DO MODELO ESTRATÉGICO DE DESENVOLVIMENTO DE ANGOLA (Comunicação apresentada ao “V ENCONTRO DE ECONOMISTAS DE LÍNGUA PORTUGUESA” realizado no Recife entre 5-7 Novembro de 2003) Introdução

O conflito militar dominou, por completo, os 27 anos seguintes à independência, ocorrida em 1975. A política económica e a gestão macroeconómica tiveram, sempre, como condicionante de primeira instância e determinante de última hora as necessidades financeiras e materiais da guerra. A excessiva vulnerabilidade da economia não mineral, a desproporcionada dependência da procura e do preço mundiais do petróleo e o sistema centralizado de organização económica ajudaram a criar uma situação de crise económica permanente, com consequências sociais marcantes, traduzidas por uma taxa geral de pobreza de 68,2%, uma inflação média

125

Provavelmente, sem disso se ter tido consciência, o modelo económico centrado no petróleo e numa taxa

de câmbio sobrevalorizada foi dos mais “liberais” que Angola adoptou ao longo dos anos: as exportações

de petróleo, devido à própria lógica de funcionamento do respectivo mercado internacional, sempre

estiveram liberalizadas e as importações foram o caminho mais utilizado, porque a taxa de câmbio as

tornava incomparavelmente mais baratas do que a produção nacional.

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entre 1991 e 2002 de mais de 600% ao ano, uma taxa de analfabetismo dos adultos de cerca de 58%, uma taxa actual de desemprego estimada entre 27% e 35%, uma esperança média de vida de 45 anos e um PNB médio por habitante entre 1990 e 2000 de não mais de $350. Se forem adicionadas as enormes desigualdades de distribuição pessoal, funcional e espacial do rendimento nacional, fica-se com uma ideia aproximada do que as políticas públicas e as estratégias empresariais têm pela frente para reconstruir o país e transformá-lo numa das economias mais fortes e dinâmicas da África Austral.

A atmosfera de paz que perpassa por todas as classes sociais e cruza o território nacional é patente e, mais decisivo, irreversível. Existem elementos envolventes da ambiência económica e de negócios que se não forem estabilizados conferem aos contextos de determinação macroeconómica e empresarial um exagerado grau de incerteza, que se reflecte no risco das políticas públicas e nas decisões de investimento privado. Risco elevado normalmente significa desempenhos baixos e custos excessivos. No caso de Angola, a guerra foi um dos elementos mais essenciais da incerteza económica, e que afectou particular e significativamente a economia não petrolífera. Removida esta perturbação política e anomalia social, o ambiente de negócios aparece mais tranquilo e propício à perspectivação do desenvolvimento económico. Esta constatação é indiscutível, restando, portanto e apenas, saber como maximizar a existência e utilização de um bem público como a paz. Naturalmente que uma das vias é pô-lo ao serviço das populações através da obtenção de níveis de crescimento económico compatíveis com as necessidades de geração sustentável de empregos e rendimentos e de redução significativa da pobreza. Uma vez removida uma das mais significativas fontes de incerteza do investimento privado e das políticas públicas, parece que mais nada poderá obstar a que se retire da paz o máximo de resultados que a mesma pode dar à população. Porém, é ilusório e redutor ter da paz esta ideia tão voluntarista, magnânima e abrangente quanto às suas consequências sobre a melhoria imediata e linear das condições de vida das populações. Os processos de desenvolvimento económico são longos, sinuosos e feitos de avanços e recuos. Por isso a necessidade de sobre eles fazer incidir sistemas científicos e modernos de planeamento e gestão estratégica, que minimizem os passos à retaguarda e maximizem os avanços.

O actual modelo de desenvolvimento económico de Angola está esgotado. Um modelo principalmente dualista, que estabeleceu fronteiras claras entre uma economia de enclave – centrada nos mecanismos dos mercados internacionais, assente no dólar e obedecendo às lógicas neoliberais mais puras – e uma economia interna enfraquecida e desarticulada, sujeita à dialéctica das “sobras orçamentais” e das incertezas da guerra. O modelo de desenvolvimento enclavista serviu excelentemente bem as necessidades da guerra, tendo, de resto, sido o seu quase único126 financiador, directamente e

126

Evidentemente que esta afirmação só é aceitável do estrito ponto de vista financeiro, porquanto os

exclusivos financiadores foram o esforço e o sacrifício da população, cujo custo de oportunidade se deve

medir em termos de rendimentos não auferidos, empregos não conseguidos e condições de vida não

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indirectamente através das garantias reais que contrapesaram os empréstimos externos obtidos. Devem ser três os aspectos em que a economia de enclave127 tem de ser amplamente transformada:

a renda mineira – petrolífera e diamantífera – tem de deixar de ser a dominante na economia nacional, o que passa por se encontrar uma estratégia de desenvolvimento que recupere todos os sectores da economia não mineral e lhes confira uma cidadania que foi perdida depois da independência128;

a lógica de acumulação tem de passar a ser essencialmente endógena, como condição de servir o máximo de sectores e de agentes económicos. Insere-se claramente nesta observação a necessidade – dir-se-ia mesmo a urgência – de robustecer o sistema financeiro nacional para que os investimentos produtivos aumentem e o rendimento nacional se multiplique. Até hoje, as receitas de exportação dos produtos mineiros alimentaram os sistemas financeiros estrangeiros, quer do ponto de vista de depósitos, quer do ângulo de servirem de garantias reais para a contracção de financiamentos junto de instituições internacionais;

a distribuição da renda mineira tem de obedecer a regras sociais e a critérios económicos transparentes, abolindo-se os códigos políticos que actualmente a regem.

Para se saber o que fazer da paz – não desperdiçando esta oportunidade de ouro de realizar alguns dos objectivos que comandaram a luta de libertação nacional, tais com a constituição duma Nação angolana e reconciliada, o acesso dos seus filhos ao máximo de benefícios dos recursos do país, a igualdade de oportunidades, etc. – não basta tê-la, sendo, igualmente, determinante, desenhar e assumir um modelo estratégico para a economia nacional.

alcançadas. A taxa de pobreza do país é uma medida bem aproximada deste custo de oportunidade. Por isso

se dizia que se a paz tem alguma utilidade social ela deve traduzir-se em dividendos muito concretos para a

população. 127

Por definição as economias de enclave são economias rendeiras, ou seja, assentes na produção de uma

renda oriunda da extracção e exportação em bruto dos recursos minerais. Os principais efeitos económicos

e sociais deste tipo de exploração económica ocorrem no exterior, nas economias importadoras destes

recursos não renováveis e mais desenvolvidas. A renda gerada acaba por ser apropriada, numa elevada

percentagem, pelas classes sociais dos países de destino dos produtos. O diferencial da renda que fica no

país de origem, normalmente, não é utilizado para fortalecer os sistemas económicos internos, sendo, pelo

contrário, encaminhado para alimentar processos de constituição e enriquecimento duma burguesia

nacional muitas vezes improdutiva. Como resultado final dum processo assimptótico de distribuição de

renda aparece a pobreza da generalidade da população. São já diversos e bem documentados os estudos

empíricos e as fundamentações teóricas sobre as economias rendeiras e os processos ínvios de distribuição

da respectiva renda. A identificação da chamada “doença holandesa” mais não é do que um desses

resultados. 128

Ou seja, o modelo a aplicar tem de passar pela máxima integração interna da economia de enclave –

densificação das relações intersectoriais, criação de empregos para os nacionais, desencadeamento de

economias externas, incremento do valor acrescentado das exportações e consequentemente a sua

diversificação estrutural, etc. – reconhecendo, embora, que os investimentos estrangeiros são fundamentais

para se aproveitarem recursos que noutras circunstâncias poderiam ficar inactivos.

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Aparentemente o modelo de desenvolvimento estratégico mais adequado a uma situação com os contornos anteriores deve escolher o emprego como a variável central da política de reconstrução e crescimento económico e o “trade off” equidade-eficiência teria de ser, por intermédio de políticas apropriadas, resolvido em favor do seu primeiro termo. Só que a economia não mineral encontra-se polvilhada de ineficiências várias, que começam nos sectores públicos administrativo e empresarial e acabam nas empresas privadas. As reformas económicas e institucionais que deveriam suportar a passagem duma economia administrativa e centralizada para uma economia de mercado a partir de 1991, não foram feitas com consistência, como o provam a persistente inflação anual a três dígitos, a sistemática desvalorização da moeda nacional face ao dólar dos Estados Unidos e a dolarização da economia. Dominada a guerra e afirmada a paz, as reformas de mercado terão, necessariamente, de se retomar e acentuar e a economia não mineral vai ter de se abrir ao capital externo e aos produtos estrangeiros. O exercício da política económica em Angola vai exigir domínio completo da Teoria Económica, apelar ao bom senso, impor rigor e disciplina, demandar por uma forte vontade política e inserir-se numa lógica estratégica de longo prazo, no contexto da qual os sacrifícios de hoje possam ter a expectativa de serem amanhã compensados. As políticas orçamental e monetária dominarão, a partir deste momento – de grande e total desanuviamento político, convivência democrática e debate de ideias - o quadro de referência para o crescimento económico futuro do país. Os pontos de partida para a reflexão são (parafraseando Thomas Sargent129):

Será que a esfera monetária prevalecerá sempre e em qualquer lugar sobre a esfera real da economia?

Será que a política monetária será sempre e não importa onde apenas uma política de estabilização?

A dificuldade seguramente que se vai situar no seu doseamento e na sua articulação sinergética. As condições da política monetária

No curto/médio prazo a não neutralidade da moeda, possivelmente devido à existência de fricções reais e nominais, implica que a política monetária tenha efeitos reais na economia em termos de estabilização dos agregados macroeconómicos, como o emprego e a inflação. O comedimento da taxa de inflação média da economia pode ser feito de duas formas distintas:

Ou através de algum dos agregados monetários M1,M2 ou M3, deixando que a taxa de juro seja fixada pelos mecanismos do mercado (oferta e procura de dinheiro),

Ou, então, por intermédio da administração da taxa de juro, de modo a compatibilizá-la com o controlo da inflação e a promoção do crescimento económico.

129

O seu ponto de vista de raiz profundamente monetarista é expresso pela afirmação: “Inflation is always

and elsewere a fiscal phenomenon”.

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112

A forma teoricamente mais aceitável de criar moeda é pelas operações de “open market”, cujo objectivo é variar as ofertas relativas de moeda e títulos, fazendo, com isso, variar as taxas de juro. Uma “open market” de compra de obrigações aumenta o “stock” nominal de moeda e – para um nível dado e fixo dos preços – a sua quantidade real. Como consequência LM aumenta deslocando-se para a direita, arrastando neste movimento uma queda da taxa de juro e um aumento do rendimento nacional, através do incremento da demanda agregada. Em Angola:

não existe um mercado de títulos estabelecido e que possa ser usado como fonte alternativa de financiamento do investimento;

a inflação ainda é alta e imprevisível no seu comportamento mensal;

a política monetária está muito indexada à política orçamental, como resultado da não independência do Banco Nacional de Angola (BNA) e das interferências políticas sobre as duas políticas económicas.

É neste contexto que um incremento de M puro – através da criação de moeda – pode ser discutido como forma de baixar a taxa de juro e incrementar o investimento130. Porém, existem razões técnicas que o impedem:

o Banco Nacional de Angola não consegue determinar com precisão (ou seja, não pode controlar a criação de moeda necessária para se baixar a taxa de juro para um determinado nível) a oferta monetária no dia a dia, porque existe um hiato na obtenção de informação sobre a execução monetária;

o multiplicador monetário não é constante, variando de acordo com o comportamento dos rácios moeda/depósitos e reservas/depósitos.

Talvez devido a estas razões, esteja mais indicado o BNA controlar/administrar as taxas de juro duma forma directa, ajustando os agregados monetários. Política monetária versus política orçamental

A questão é complexa e embora o modelo Mundell-Fleming forneça algumas sugestões quanto à forma de as utilizar e dosear em economias abertas, algumas observações devem ser aduzidas para a economia angolana:

130

A eficiência da política monetária pressupõe a imutabilidade de diversas funções, em particular a de

investimento (macro-variável influenciada, no curto prazo, pela taxa de juro e no longo prazo pelas

expectativas e antecipações dos empresários). O que significa que as antecipações por parte dos

empresários não sofrem nenhuma perturbação em consequência da modificação da massa monetária. Esta

assunção é importante, uma vez que se as expectativas se alteram, a eficiência marginal do capital baixa –

como se sabe, este indicador está ligado aos rendimentos antecipados do investimento – e o investimento

pode diminuir. Ainda que as taxas de juro baixem por aumento da oferta de moeda, tal poderá ser inócuo

sobre o comportamento do investimento, o que equivale a admitir que nestas condições a política monetária

não terá influência sobre o investimento. Mas a eficiência da política monetária supõe, igualmente, que a

taxa de juro de partida não seja exageradamente baixa. Porque se o for, a preferência pela liquidez será

máxima – a taxa de juro é a compensação pela renúncia a possuírem-se encaixes monetários e se não for

suficientemente alta não compensará os riscos associados a possuir-se liquidez imediata – caindo-se na

armadilha da liquidez: qualquer suplemento de massa monetária será integralmente engolido pela

preferência pela liquidez, não provocando nenhum impacto sobre o investimento.

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(a) em primeiro lugar, tem de ser cuidadosamente verificado o nível de

rendimento de pleno emprego da economia nacional. Não basta constatar-se que a agricultura e a indústria transformadora apresentam taxas de ociosidade elevadas (cerca de 40% para a primeira e mais de 65% para a segunda, nas estimativas apresentadas pelos empresários e respectivas associações), importando, pelo contrário, confrontar essa desocupação dos meios de produção existentes e instalados com a geração e capacidade tecnológica dos equipamentos131 e o seu estado de conservação, o nível de conhecimentos técnicos da mão-de-obra e o grau de organização das unidades de produção (a verificação concreta destes desfasamentos na realidade actual do sistema produtivo angolano introduz um elemento importante na análise das condições para uma recuperação rápida da produção interna, qual seja, o da economia ter atingido já o seu produto potencial no sector transformador não mineral, do que pode resultar um esgotamento do modelo tecnológico existente e, consequentemente, não estarem reunidas as condições estruturais para uma redução sustentável da inflação) . Sem conclusões fundamentadas sobre estas questões, uma política orçamental expansionista tendente a criar condições para a redução do desemprego, pode ser profundamente inflacionista, já que a situação de ociosidade produtiva, se ponderada pelos elementos referidos, pode corresponder a uma situação de pleno emprego ou próxima (falso pleno emprego se as causas de ociosidade dos factores de produção estiverem relacionadas com a falta de matérias primas e intermédias, as roturas permanentes no fornecimento de água e electricidade, carência ou dificuldade de acesso às cambiais, excesso de burocracia e corrupção, e outras de natureza semelhante);

(b) em segundo lugar, tem de ser encontrada uma explicação convergente – uma espécie de “consensus” nacional - quanto às verdadeiras causas da inflação em Angola, sem o que a política económica poderá perder bastante da sua eficácia. Um pouco por influência das missões técnicas do FMI, a discussão costuma centrar-se no questionamento: é a inflação que acarreta um baixo crescimento económico, ou é este que provoca inflação pelo hiato negativo do produto? Para o FMI e decisores públicos angolanos que partilham da sua doutrina, está suficientemente demonstrado que a principal causa da inflação no país está nos excessivos e persistentes défices orçamentais, que têm potenciado as influências negativas de outros factores inflacionistas como os choques de oferta, as desarticulações sectoriais e

131

De acordo com o Plano Director de Reindustrialização de Angola do Ministério da Indústria (1995),

cerca de 61% do equipamento industrial tinha, naquela data, entre 20 e 30 anos e 33% mais de 30 anos de

vida útil e tão somente 6% com uma idade entre 10 e 20 anos. Estes valores correspondem a vários factos:

desde logo – e como no texto se refere – a exaustão do modelo tecnológico existente e que conservou

muitas das suas características coloniais; depois, o impressionante processo de desindustrialização a que o

país foi submetido como resultado de políticas macroeconómicas desadequadas, da supremacia da

economia enclavista e da apetência nacional pelas importações; finalmente, a falta duma visão estratégica

para a indústria transformadora, que, felizmente, parece estar em vias de ser colmatada. Se forem

acrescentadas informações sobre o péssimo estado de manutenção dos equipamentos – ainda segundo o

Plano Director, 68% da capacidade tecnológica instalada apresentava condições de conservação

inaceitáveis – conclui-se que a recuperação da produção interna tem de ser muito bem programada e sujeita

a um processo de convergência estratégica com a agricultura, a energia e água, os transportes, as obras

públicas e a valorização (formação e sobretudo reciclagem) da mão-de-obra industrial.

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espaciais, a falta de circulação de mercadorias e factores de produção, a fraqueza do sistema financeiro, etc. Um aspecto relevante é o de que a inflação passada afecta significativamente o crescimento presente, não havendo indícios do contrário, isto é, de retroalimentação do crescimento passado sobre a inflação presente. Esta, de resto, a principal conclusão dum estudo elaborado por uma equipa técnica do Banco Mundial dirigida por Michael Bruno em 1994132: as taxas médias de crescimento do PIB por habitante declinaram ligeiramente à medida que as taxas anuais de inflação se movimentavam no intervalo 20%-25%; as taxas médias de crescimento declinaram abruptamente à medida que as taxas anuais de inflação se afastaram dos 25%, sendo os 40% o limite máximo para a inflação galopante e crescimento nulo ou negativo; finalmente, para taxas anuais de variação acumulada dos preços abaixo dos 20%, inflação e crescimento podem relacionar-se de forma positiva. A conclusão é óbvia: o controlo da inflação e a sua estabilização em limites estreitos é um objectivo estratégico da política económica, por dele depender o crescimento económico. Mas permanece uma dúvida relativamente à economia angolana: nas condições expostas na alínea anterior e numa situação de elevado desemprego, qual a taxa anual de inflação óptima para induzir/não conflituar com um elevado crescimento do produto médio por habitante?

(c) Em terceiro lugar, é fundamental reflectir – para a delimitar – sobre a extensão da zona de conflitualidade entre inflação e desemprego no curto/médio prazo133. Embora se não conheça – nem provavelmente existam elementos para o seu cálculo, ainda que aproximado – a taxa natural de desemprego em Angola (a conhecida NAIRU134) considerações como as que se seguem têm de merecer atenção135:

i. Qual o acréscimo de emprego possível com a reestruturação tecnológica da indústria transformadora e da agricultura, que vai ter, necessariamente, de acontecer?

132

Michael Bruno – A Inflação Trava Realmente o Crescimento Económico?, Finanças e

Desenvolvimento, Setembro de 1995. Este estudo foi realizado sobre o comportamento da inflação e do

crescimento económico em 127 países entre 1960 e 1992. 133

Esta conflitualidade poderá ser mitigada pela moderação salarial, que induzirá aumento na procura de

mão-de-obra e manutenção dos custos unitários de produção. 134

Como se sabe, qualquer tentativa da política económica de reduzir a taxa de desemprego para além do

seu limite natural através dum aumento da procura agregada, arrasta, necessariamente, mais inflação. Se o

combate à inflação for feito através da redução da procura (défice orçamental nulo ou muito reduzido em

relação ao PIB) ou da valorização cambial – a política que actualmente o Banco Nacional de Angola está a

levar à prática neste domínio e que vai conduzir a um ainda mais expressivo aumento das importações – as

consequências sobre a redução do desemprego poderão ser negativas. No primeiro caso, por intermédio

duma redução geral da produção interna e no segundo, através duma diminuição da produção de bens

transaccionáveis, que com a valorização da moeda se tornarão mais caros no mercado internacional. 135

Para determinados estudiosos da economia angolana este conflito não se coloca actualmente –

provavelmente apenas no médio prazo, quando o Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo 2005-2009 se

tiver cumprido e tiver contribuído para o restabelecimento de determinados equilíbrios básicos - porque o

produto real é praticamente igual ao produto potencial na maior parte dos sectores económicos, muito

embora na agricultura seja mais difícil de sustentar semelhante afirmação. Havendo dúvidas se existe ou

não capacidade de produção disponível e enquanto se não elaborarem estudos tendentes a dissipá-las, acaba

por surgir uma zona relativamente cinzenta sobre a economia nacional que limita o conteúdo e o alcance

das políticas de estabilização e crescimento económico e influencia a natureza do modelo de

desenvolvimento. Voltarei mais adiante a esta questão.

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ii. Qual a diminuição de desemprego necessária para se ajustar a procura de mão-de-obra às reais condições de funcionamento do sector produtivo, ou seja, para se eliminarem as situações de sobre-emprego?

iii. Quais os níveis actuais de desemprego estrutural causados pelos estrangulamentos dos sectores produtivos – desarticulações sectoriais e peso nefasto da economia de enclave – e pela descapitalização técnica e profissional dos trabalhadores?

(d) em quarto lugar, tem de necessariamente haver uma aproximação à função de preferência colectiva, de modo a estabelecer-se uma clara prioridade quanto a dois objectivos da política económica: inflação e desemprego136. A qual destes objectivos as pessoas atribuem maior prioridade e utilidade, partindo da presunção de que os níveis hiperinflacionários de 1993 e 1995 deixaram de ter condições económicas e respaldo psicológico para se repetirem agora e no futuro mais confinante e admitindo o princípio de que é possível um forte crescimento económico real nos próximos 5 a 6 anos? Aparentemente, nem sequer existe uma função de preferência estatal, mas talvez várias funções, que, de resto, podem estar viciadas por vários factores: as diferentes correntes doutrinárias advogadas pelos decisores de política económica do Governo, as pressões internacionais no sentido duma aproximação ao modelo do FMI, a moda do liberalismo e da inevitabilidade da globalização, o afastamento dos reais problemas do país, o desconhecimento das verdadeiras causas das cousas, etc. Como é consabido, o Governo não tem uma única linha de pensamento económico – ou, querendo-se ser mais radical, nunca existiu uma reflexão séria, convergente e consistente sobre política económica, que servisse de referência para a actuação das estratégias ministeriais nos diferentes sectores da governação137 - o que limita o alcance dum exercício reflexivo sobre o modelo estratégico para Angola. Seria, portanto, altamente desejável que os Ministros se pusessem de acordo quanto a determinadas prioridades económicas e sociais, e as respeitassem no exercício concreto da sua governação sectorial. Esta convergência permitiria uma aproximação a uma função de preferência estatal única e normativa. Se assim não puder ser fica a interrogação: qual a capacidade política para se impor e gerir uma preferência do tipo emprego>inflação (leia-se, emprego preferível à desinflação, num sentido estrito e fundamentalista) no curto/médio prazo, já que os problemas de inflação e de exclusão social são presenciáveis? Uma preferência estatal pelo combate contra a inflação elege a política monetária (desindexada da política orçamental), enquanto que pela erradicação da pobreza escolhe a política orçamental;

136

Os resultados do processo metodológico – em particular a análise SWOT - utilizado para se

estabelecerem os cenários e para se elaborar a estratégia de longo prazo, são, concerteza, um “input”

importante para a aproximação a uma função de utilidade colectiva e que ficaria como um marco da análise

macroeconómica em Angola. 137

Duma maneira geral os Ministros nunca entenderam a verdadeira função da política macroeconómica, o

que os levou a actuar sempre na presunção de que os problemas dos seus sectores eram os mais

importantes, sendo imprestável uma visão abrangente do sistema económico.

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(e) em quinto lugar, é preciso conhecer-se e avaliar-se a margem de actuação sobre a redução da inflação duma política orçamental de rigor138. Política de rigor orçamental sem redução – antes reordenamento e recomposição – de determinadas despesas públicas de efeitos económicos concretos (ponderadas que sejam as eventuais situações de (falso) pleno emprego) e de consequências claras de inclusão social, é tributária do incremento da produtividade administrativa, da qualidade dos investimentos públicos139, da reforma tributária e da fiscalização das obras públicas140, nada que não possa ser realizado com vontade política e seriedade de governação. É conveniente evitarem-se as opções de política orçamental mais fáceis, como o são as que redundam em cortes, mais ou menos arbitrários e indiscriminados, nas despesas públicas: a redução do número de funcionários públicos, desde sempre e enfaticamente recomendada pelo FMI, é uma delas141;

(f) em sexto lugar, a questão das expectativas dos agentes económicos142. Será mesmo verdade que uma política monetária que faça baixar a taxa de juro (LM2>LM1 por emissão monetária, redução da taxa de desconto do Banco Central, compra de títulos no mercado de capitais, alteração dos limites de crédito à economia, modificação do volume de depósitos obrigatórios junto da autoridade monetária central, etc.) induzirá, mais ou menos imediatamente, um incremento no investimento produtivo? Se as expectativas dos agentes económicos forem, sobretudo, de desconfiança na governabilidade, na transparência na actuação do Governo, na política económica geral e no modelo de desenvolvimento – ainda que positivamente mitigadas pelo ambiente de paz – a baixa da taxa de juro poderá ser benéfica sobre a inflação, mas provavelmente não influenciará de maneira significativa o investimento privado nacional;

(g) em último lugar, o papel dos sindicatos, da concertação social e a natureza do mercado de trabalho em Angola. A comparação entre os níveis de salários e de produtividade na economia não mineral – atendendo às condições vigentes em termos de qualificação e especialização da mão-de-obra nacional – leva à conclusão de que a inflação pelos custos de

138

Uma política orçamental fortemente restritiva pode ser benéfica para a inflação, mas concerteza que é

maléfica para o crescimento económico – o que Angola mais precisa nos próximos 25 anos para reduzir

substancialmente o atraso que 27 anos de guerra impuseram. Neste contexto, uma política orçamental de

rigor, nos termos definidos no texto, pode ser um óptimo de segundo grau. 139

Dependente da aplicação e aceitação de metodologias de validação do seu interesse económico e da sua

utilidade social, o que significaria o abandono de projectos públicos de prestígio político. 140

A degradação prematura das obras públicas coloca um problema complexo para o modelo de

financiamento da economia. A corrupção e o laxismo na fiscalização contribuem para que uma obra de

infraestrutura cuja vida económica deveria ser de 30 anos, dure apenas 4 ou 5 anos. A taxa social de

desconto a ser utilizada na avaliação económica dos empreendimentos públicos tem de ser muito mais alta

do que em condições normais, com duas consequências concretas: rejeição de muitos projectos e

penalização das condições de vida da população. Por outro lado, a curta vida útil das obras públicas

aumenta a sua taxa de amortização e incrementa o volume global dos investimentos públicos, que pode

ultrapassar a correspondente capacidade de financiamento. 141

De resto, esta instituição ainda não conseguiu provar como é que se organiza administrativamente e com

eficiência uma país de 1250000 quilómetros quadrados com um quantitativo de funcionários civis de cerca

de 200000, qualquer coisa como 1,497 funcionários por cada 100000 habitantes (a relação em Portugal é de

5). 142

Ver nota de rodapé nº 127.

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produção pode ser significativa. De resto, a fixação do salário mínimo nacional num montante em kwanzas equivalente a $50 dólares americanos – valor muito baixo com referência às carências dos agregados familiares e ao nível geral de preços – foi definitivamente condicionada pelos valores da produtividade aparente do trabalho. Por isso e atendendo também aos índices estimados de desemprego, a pressão sindical sobre os salários nominais ou monetários tem sido reduzida. As excepções referem-se, justamente, a mercados de trabalho mais especializados – professores, docentes universitários, enfermeiros, médicos, etc.143 – onde a penúria de mão-de-obra é maior. Daí, justamente, a problemática da natureza do mercado de trabalho. Em Angola coexistem diferentes mercados de trabalho, segmentados e não concorrenciais entre si, podendo, ao mesmo tempo, verificar-se desemprego em certas categorias profissionais e penúria noutras, havendo, por conseguinte, que fomentar-se a mobilidade geográfica e profissional da mão-de-obra. A primeira só será possível se as desigualdades regionais forem amplamente mitigadas – o que se prende com a natureza do modelo de desenvolvimento – enquanto que a segunda depende de programas bem concebidos e ajustados às necessidades de reciclagem e reajustamento de conhecimentos, alguns dos quais em curso de execução pelo MAPESS, mas sem resultados expressivos, dada a prevalência da situação de crise na economia não mineral.

As reflexões anteriores encaixam-se na problemática mais geral dos preços de equilíbrio da economia angolana, particularmente dos chamados macro-preços:

como determinar a taxa de câmbio de equilíbrio? Pelo simples equilíbrio entre a oferta e a procura de divisas, sendo para isso suficiente a actual política cambial do Banco Central que tem procurado segurar o valor da moeda nacional através de intervenções no mercado de divisas, conseguindo assim retomar o seu comando e controlo? Ou será suficiente proceder a cálculos sobre a paridade dos poderes de compra internacionais, mormente o relativo ao dólar americano? Ou ter-se-á que ir mais fundo e analisar esta questão à luz do equilíbrio da Balança de Transacções Correntes, colocando-se, em continuidade, o problema das reservas líquidas sobre o exterior e a “ratio” quanto o número médio de meses de importação, problemáticas que se entrecruzam com o modelo estratégico de desenvolvimento, já que se centrado na substituição de importações, o “stock” líquido de activos externos necessário para manter os mesmos meses de importação diminui, o que – se necessário – pode tornar a política cambial mais activa e interventora;

o salário é outro dos macro-preços/problema em Angola: como é consabido, os seus actuais níveis médios são significativamente baixos face a uma ainda persistente e alta inflação e às efectivas necessidades básicas da população. De resto, um salário mínimo nacional equivalente a $50 dólares americanos mensais expressa bem tratar-se, por enquanto, duma área-problema das mais complicadas para o estabelecimento dos equilíbrios

143

As greves, quase intermináveis, dos docentes universitários e dos professores primários, atestam a

capacidade de contestação e de reivindicação de duas classes profissionais em cujo mercado de trabalho a

procura suplanta a oferta.

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macroeconómicos fundamentais, assim como traduz uma outra debilidade económica essencial e que é a produtividade144;

os preços dos bens e serviços condensados nos índices de preços ao produtor e consumidor são outra matéria de relevo, directamente relacionada com a taxa de inflação óptima: qual o seu nível adequado para, simultaneamente, se promover o crescimento económico e se gerir a estabilidade dos preços145?

Finalmente, a taxa de juro de equilíbrio: a que balanceia procura e oferta de moeda – reduzindo-se o problema à esfera monetária da economia – ou mais fundamental, a que iguala as curvas IS e LM? Este equilíbrio é o que estabelece a taxa de juro óptima, que a um tempo promove o crescimento económico e garante a estabilidade dos preços. Sendo este o procedimento, como interceder em relação à economia angolana? Duas alternativas: o rendimento ou é ou não é de pleno emprego. Conforme mais atrás se frisou, persistem pontos de vista diversos. Contudo, se os actuais níveis de rendimento são de quase pleno emprego, então a taxa de desemprego existente é a taxa natural de desemprego da economia angolana, donde o “trade-off” desemprego/inflação se poder colocar de imediato. Se estas conclusões forem razoáveis, o modelo de desenvolvimento deverá, desde já, centrar-se na produtividade e só mais tarde no emprego. Centrando-se na produtividade, o produto potencial da economia aumenta, abrindo-se espaço à diminuição do desemprego, porque a taxa natural de desemprego baixa.

Modelo de desenvolvimento

O actual modelo económico angolano encontra-se esgotado. Insistir nas mesmas formas de organização do sistema produtivo, financeiro e institucional seguramente que ensejará uma situação de bloqueio económico no crescimento dos outros sectores não minerais e prolongará a crise social actual. O modelo enclavista, que excelentemente serviu as necessidades da guerra e dos interesses económicos e políticos que se constituíram na sua órbita, não serve numa situação de paz. Ao modelo económico centrado na exploração de recursos naturais não renováveis estão associadas diferentes insuficiências, que levam à conclusão do seu esgotamento:

foi responsável pela incrível desigualdade na distribuição do rendimento: por cada $100 dólares americanos dos 10% mais pobres, os 10% mais ricos

144

Acreditando nas condições de equilíbrio e de maximização do lucro estatuídas pela Teoria Económica,

um salário mínimo equivalente a $600 dólares americanos anuais e uma capacidade técnica e profissional

média dos trabalhadores bastante baixa, dão bem conta de que a produtividade média da economia nacional

deve ser muito baixa, incompatível com a concorrência externa, no mercado interno e no mercado mundial.

Claro que e uma vez mais a grande excepção é dada pela economia mineral. 145

Parece inquestionável que uma certa inflação estimula o crescimento económico – sobretudo para os

países que mais dele carecem – sendo para isso suficiente e uma vez mais recuperar as conclusões de

Michael Bruno mostradas na nota de rodapé 129, e acrescentar o actual pânico que grassa nos EUA

relativamente aos claros sintomas de deflação, com consequências óbvias sobre as taxas de juro, que

deixam de funcionar como sinalizadoras da procura de moeda, e os restantes instrumentos da política

monetária, que pura e simplesmente se tornam ineficazes. Porém, o quanto de inflação varia de caso para

caso, sendo, portanto, fundamental que este exercício se faça para a economia angolana.

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desfrutam de $4000 dólares americanos. Esta extraordinária desigualdade146 no acesso ao rendimento anualmente criado é um dos aspectos centrais dum modelo de desenvolvimento que tenha como principais preocupações tornar mais nacional o processo económico, garantir a reconciliação nacional147 e tornar socialmente efectiva a paz militar;

contribuiu fortemente para o aumento e estruturalização da pobreza no país, em que 68,2% das pessoas são pobres e o rendimento médio anual por habitante não excedeu, nos últimos 10 anos, os 400 dólares americanos. Este aspecto, complementar do anterior e sinergeticamente amplificador das desigualdades na distribuição do rendimento, chama à coacção a questão do poder de compra nacional: o desenvolvimento económico para que promova a reconciliação nacional tem de se alicerçar num modelo que aumente o poder de compra nacional, das famílias e das empresas;

não concorreu para a integração económica interna, deixando o resto da economia nacional ao sabor duma política económica desajustada e fortemente tributária das necessidades da guerra. Quando se discute a competitividade da economia angolana e se defende que deve ser essencialmente estrutural, para além de outros elementos e factores que a estruturalizem, está-se, igualmente, a discutir a integração económica interna, sem o que as externalidades e as economias de escala, que configuram custos baixos e internacionalmente comparáveis, não se constituem. Neste sentido pode afirmar-se que este modelo acabou por exercer uma influência perversa sobre a capacidade interna de transformação, jogando, portanto, um papel importante em relação à desindustrialização do país;

não ajudou – e ainda não o faz – a constituição dum sistema financeiro nacional forte e organizado: a poupança nacional148 tem de ser reordenada para o interior da economia, através duma política económica que torne atractivas as aplicações de capital nos sectores não mineiros, garanta a propriedade dos meios de produção e aumente o poder de compra nacional;

contribuiu para o excessivo grau de abertura e de dependência da economia angolana: entre 1999 e 2002 as importações representaram, em média anual, 78% do Produto Interno Bruto, cifra que traduz bem a marginal

146

Angola encontra-se entre os países mais desigualitários do mundo, segundo o índice de Gini. De resto,

parece que a desigualdade de rendimento campeia em África, de tal modo que a Namíbia, o Botswana e a

Swazilândia aparecem com o mais elevado valor para aquele coeficiente, sendo, por isso, os países mais

desigualitários do mundo. A esta lista acrescenta-se o Brasil, a África do Sul, o Chile, o Zimbabwe, o

Lesotho, a Zâmbia e os Estados Unidos da América. Do lado oposto, estão – e por esta ordem – a Noruega,

a Suécia, a Bélgica, a Finlândia, a Dinamarca, o Japão, a República Checa, a Hungria e a Eslováquia. 147

A reconciliação nacional tem uma base económica muito concreta: trata-se de levar o desenvolvimento

aonde nunca chegou. O modelo enclavista exportou um desenvolvimento que por direito deveria ser

distribuído pela maioria da população, sendo, de resto, essa uma das suas principais características. A

reconciliação nacional é antes de mais um processo que visa tornar os cidadãos mais iguais entre si, de

modo a sentirem-se parte dum mesmo território e a assumirem uma consciência de Nação. A lógica do

modelo de renda mineira é absolutamente contrária a este espírito de construção e consolidação duma

Nação, que por vicissitudes várias, ainda está por fazer. As insuficiências e perversidades deste modelo

estão bem patentes na exclusão económica e social de extensas franjas da população de Cabinda e do Zaire

e nas Lundas as leis reguladoras da extracção de diamantes impedem os camponeses de aceder ao factor de

produção básico para a sua actividade agrícola que é a terra. 148

A detida por cidadãos angolanos fora do país e a gerada pelos sectores de enclave. Trata-se de toda a

poupança anualmente gerada pelo sistema económico nacional.

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contribuição da economia não mineral para a oferta interna de bens e serviços. Por outro lado, as exportações – de petróleo e diamantes – subtraíram, em média anual e para o mesmo período, praticamente 85% do PIB. O modelo rendeiro e enclavista angolano responde, assim, por um grau de exposição ao exterior de 163%, dos mais elevados do mundo, tornando a economia nacional completamente dependente dos mecanismos da oferta e da procura mundiais e dos movimentos cíclicos que caracterizam o funcionamento das grandes economias desenvolvidas e que comandam a economia mundial;

não confluiu para a composição dum verdadeiro e genuíno processo de acumulação, tendo, pelo contrário, facilitado um enriquecimento individual, individualista e restrito, baseado na distribuição, mais ou menos gratuita e sem critério, duma parte da renda petrolífera e diamantífera. As lógicas distributivas subjacentes ao modelo rendeiro e enclavista suplantaram as lógicas produtivistas, perspectiva que tem de ser profundamente alterada em favor duma maior extensificação da acumulação endógena;

não auxiliou a endogenização da acumulação de capital e de conhecimentos. Acrescente-se que o modelo seguido não trouxe consigo melhorias significativas para a estabilização macroeconómica, porque as lógicas de formação dos preços são distintas entre a economia rendeira e a economia não mineral. Consequentemente, a política económica não conseguiu resultados expressivos e definitivos quanto à estabilização dos preços149. Está-se, assim, numa nova encruzilhada em que o problema central de Angola é o de adoptar um novo modelo económico e social, que conduza à formação de vultosos excedentes, públicos e privados, que ajudem a ensejar uma alta taxa de crescimento do Produto Interno Bruto, desejavelmente da ordem dos 12% ao ano e durante um período razoável de tempo, e necessariamente não inferior aos 9%, de sorte a se poder iniciar, com efectividade, a correcção do perverso perfil social do país150.

149

Provavelmente um dos aspectos do grave problema cambial do país – ele próprio um factor fortemente

desestabilizador dos mecanismos de formação interna dos preços da economia não mineral - decorre da

circunstância de Angola necessitar, para saldar os seus défices em transacções correntes, de montantes

anuais de cerca de 1,6 mil milhões de dólares de capitais estrangeiros e de quase 3 mil milhões de dólares

anuais para rolar a sua dívida externa. Determinadas correntes de pensamento defendem que o alívio desta

situação passa por uma clara aproximação ao FMI e ao Clube de Paris para reescalonamento da dívida

externa e atracção de investimento directo estrangeiro – sublinhe-se, de novo, a posição contrária de

prestigiados economistas africanos, como Adebayo Adedeji -, enquanto que outras acreditam que o

fundamental está na adopção dum outro modelo de desenvolvimento, mais endógeno – isto é, concebido de

dentro para fora e não absorvido apenas do exterior - e mais alicerçado nos verdadeiros problemas

económicos e sociais internos (assimetrias sectoriais e espaciais, injustíssima distribuição do rendimento,

desinfraestruturalização da economia, pobreza e exclusão social, falta de empreendedorismo, dimensão

económica do mercado interno, tipo de unidades de produção, descapitalização de conhecimentos da força

de trabalho, etc.). 150

Entre 1963 e 1973 a economia angolana cresceu a taxas médias anuais a preços de 1963, entre 7% e 9%,

com taxas de inflação da ordem dos 7,5% anuais. O crescimento da indústria transformadora registou taxas

ainda mais expressivas de cerca de 15% ao ano. Quando se coloca a questão dum crescimento do PIB

compatível com uma redução sustentável da pobreza é destas taxas que se está a falar. Mas também duma

maior integração económica interna, entre os sectores – adensamento da malha de relações intersectoriais,

aparecimento de economias externas e de escala – e entre as províncias, de maneira a tornar mais iguais os

cidadãos e mais igualitárias as oportunidades de melhoria das suas condições de vida. Um modelo

endógeno, concebido de dentro para fora, em que as aspirações mais profundas e genuínas da sociedade

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Os pontos de vista são naturalmente diversos, isto é, existem, concerteza, diferentes aproximações ao modelo de crescimento para o país. Provavelmente o único denominador comum é dado pela necessidade de se alterar o actual modelo, esgotado que se encontra, nos seus fundamentos e nos correspondentes resultados. Num contexto mundial de estagnação económica, cuja recuperação perece poder acontecer de modo firme apenas a partir do final de 2004 início de 2005, a par da permanente crise cambial angolana, fazem com que os capitais estrangeiros disponíveis para serem aplicados em Angola sejam escassos, apesar de todas as aparentes manifestações de grande interesse pela economia nacional. Este facto torna mais premente a aplicação dum modelo de desenvolvimento que não tenha no investimento directo estrangeiro e na ajuda pública ao desenvolvimento as suas fontes determinantes de financiamento do crescimento e da modernização151. Tem de ser um modelo em que as reformas modernizem a economia e lhe alarguem o seu espaço de mercado, mas que simultaneamente, reduza as desigualdades e a vulnerabilidade externa, de maneira a colocar a economia angolana numa trajectória de desenvolvimento sustentado. Os pontos de partida para se encontrar um modelo diferente têm de, obviamente, ser encontrados na actual situação económica e social, basicamente assente em:

situações de pobreza generalizadas, em que a extrema atinge franjas significativas da população e a exclusão social aflige importantes segmentos da juventude152;

situações de elevado e generalizado desemprego, mitigado em parte, nas suas consequências, pelo florescimento de economias paralelas nos mais diferentes domínios da actividade económica;

situações de baixo desempenho económico dos sectores não minerais153, explicadas pela ocorrência simultânea ou desfasada de vários factores, um dos quais a incerteza de que se falava anteriormente.

Sendo estes os pontos de partida e admitindo-se como invariantes a crescente integração da economia mundial – via processo único ou entremeada pela constituição de agrupamentos transitórios de integração económica regional, de que a União Europeia é o exemplo de maior sucesso e a ALCA em 2005 será o exemplo do maior e mais competitivo espaço económico mundial – a hegemonia da revolução das novas tecnologias da informação e da comunicação, o peso inevitável da economia imaterial sobre a economia material e a prevalência do capital humano e ambiental sobre as restantes formas de acumulação económica (tais como o capital físico e tecnológico, o capital privado e o capital público), o modelo estratégico para a economia angolana não

civil estejam garantidas e em que os recursos nacionais sirvam, em primeiro lugar, para gerar rendimentos e

melhorar as condições de vida da população, tem de necessariamente ser diferente do actual. 151

A este propósito vale a pena citar a crítica do Professor Adebayo Adedeji, antigo director geral da

Comissão Económica para África das Nações Unidas, ao “two gap model” consagrado na NEPAD como o

modelo ideal de financiamento do desenvolvimento em África (New Agenda, 4th quarter 2002). 152

Exclusão dos sistemas de ensino e formação, exclusão do sistema de prestação de cuidados primários de

saúde, exclusão do mercado de emprego, etc. 153

Ainda que seja discutível a existência ou não de capacidade ociosa – por obsolescência tecnológica, falta

de manutenção e conservação dos equipamentos instalados, sobreemprego do factor trabalho, etc. – a

economia não mineral sofre de uma generalizada falta de desempenho económico, reflectida no

desequilíbrio preço-qualidade da maior parte dos produtos “made in Angola”.

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pode ser outro senão o que se basear na tríade EMPREGO-PRODUTIVIDADE-AMBIENTE. Compreendem-se, assim, melhor o alcance e a natureza das críticas ao “velho” modelo de desenvolvimento que o país tem aplicado desde a sua independência154:

é fundamental que a economia mineral seja mais nacionalista, do ponto de vista económico, mas sobretudo social. A única forma de o fazer é através da criação de emprego para os angolanos: directos, mas principalmente indirectos e induzidos pelo reinvestimento de uma parte substantiva dos lucros auferidos na economia rendeira em outros sectores de actividade, mais estruturantes. Deste ponto de vista estar-se-ia a enfatizar o primeiro termo da tríade anterior;

mas é igualmente essencial que a economia mineral continue a participar na exploração dos recursos naturais, porque se reconhece que o seu desempenho económico e empresarial é elevado e internacionalmente comparável. Se a sua intervenção se estender a outros sectores de actividade, pode produzir-se um “efeito imitação/transferência de performance” essencial para se dar corpo ao segundo elemento do trinómio anterior;

finalmente, o conflito geracional. Os recursos não renováveis só devem ser explorados numa lógica de sustentabilidade, com três leituras:

- a degradação ambiental eventualmente associada à sua extracção – o que é evidente no caso dos diamantes – tem um custo de oportunidade elevado, a ser suportado por quem desenvolve a correspondente actividade empresarial;

- os recursos financeiros gerados pelas actividades mineiras devem fazer parte dum Fundo Nacional de Desenvolvimento, destinado a financiar a constituição do capital humano nacional e a reconstrução das restantes actividades económicas em condições de elevada competitividade;

- o balanço recursos-extracção tem de ser rigorosamente gerido em nome das gerações vindouras e no sentido de se extraírem as quantidades suficientes à satisfação de estratégias nacionais que defendam os interesses dos cidadãos angolanos e estejam atentas ao aparecimento de produtos alternativos.

Em termos muito genéricos, um modelo diferente de desenvolvimento – dentro dos parâmetros escalonados anteriormente – poderia assentar no princípio de se gerarem mais receitas líquidas em divisas, mas com forte diminuição do grau de exposição ao exterior. A articulação interna poderia ser do género:

substituição de importações155 e promoção de exportações da indústria ligeira numa lógica de fileira produtiva: aumento do valor acrescentado

154

O sistema socialista implantado poderá eventualmente tê-lo sido do ponto de vista da tentativa de

promover um maior acesso da população a determinadas situações de bem estar – distribuição de

rendimentos – e de se organizar a economia produtiva em moldes mais colectivistas, mas seguramente

menos eficientes do ponto de vista da alocação dos recursos e factores de produção. Claramente que nunca

o foi em relação à economia petrolífera, que desde o início reivindicou o seu espaço concreto de actuação e

a sua lógica própria de funcionamento.

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interno, densificação da malha de relações intersectoriais, incremento do emprego, acréscimo do poder de compra nacional156. O poder económico nacional deveria constituir-se, fortalecer-se e expandir-se na base deste modelo, para que pudesse, depois, partilhar, em condições de maior igualdade de disputa da decisão económica e de distribuição de resultados económicos, com o capital estrangeiro. O período do primeiro Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo pós-conflito 2004/2009 deveria, justamente, nuclearizar-se neste processo de criação dum mercado interno alargado, forte e de elevado valor de transformação endógena. Destacam-se os seguintes aproveitamentos integrados:

(a) gado bovino: abate e corte, corte e embalagem (para exportação),

aproveitamento de subprodutos (farinha de carne, farinha de sangue, farinha de ossos, unhas e chifres, gorduras e sebos para a curtimenta), toda a gama de lacticínios na qual Angola era completamente auto-suficiente, conservas de carne e enchidos, curtumes, calçado, liofilização, redes de frio e como actividades de integração horizontal e motivadas as rações alimentares, as embalagens metálicas, as embalagens de cartão, o arame liso, os adubos e os medicamentos; (b) milho: cartão (a partir do caule), furfural (a partir da bandeira), antibióticos, gritz, amido, fuba, farinha, rações, óleo de gérmen e margarinas a partir do grão; (c) mandioca: farinhas, amido, fuba, glicose, gomas e tapioca; (d) laranja, papaia, caju e ananás: sumos, compotas, massas, rodelas, aguardente e fibras têxteis; (e) palmeira de dendém: óleo de palma cru, refinado e hidrogenado, margarina, sabão, carburantes, tintas, vernizes e óleo de coconote;

155

Deve começar a ter-se dum modelo de substituição de importações uma visão muito mais abrangente e,

porventura, endógena. Não são apenas os produtos e serviços importados que devem ser substituídos por

produção nacional. O modelo deve, do mesmo modo, procurar substituir conhecimento importado por

produção nacional de conhecimento, para o que se impõem diferentes condições, como: universalização e

qualificação do ensino primário; qualificação do ensino superior e universitário; difusão de Centros de

Investigação Científica nas Universidades; garantia de um processo interactivo entre investigação

fundamental, investigação aplicada e desenvolvimento experimental, as duas primeiras formas de pesquisa

tipicamente localizadas nas Universidades e a terceira nas empresas; aceitação e reconhecimento, por parte

do Governo, dos trabalhos de pesquisa realizados. 156

O modelo de substituição de importações liga-se à necessidade de se protegerem as indústrias nascentes

(ou em processo de recuperação), um dos fortes argumentos da doutrina económica do proteccionismo. A

classe empresarial angolana está convencida de que a maneira mais eficaz de se proteger a indústria

nacional é pela via da imposição de fortes taxas aduaneiras, pelo menos em relação a determinados

produtos ou ramos de actividade. É uma visão, não só redutora, como facilitista. A protecção das indústrias

nascentes ou renascentes pode ser feita por três formas: por via aduaneira, tornando as importações mais

caras; por via fiscal, tornando as produções internas mais baratas; por via estrutural, aumentando-se a

competitividade. A primeira, salvo raras excepções, está em franco desuso num contexto de crescente

globalização e geralmente é portadora de ineficiências económicas, traduzidas nos desvios de consumo e

nas distorções da produção. A segunda – a conhecida política do “supply side economics”- é menos

controversa do ponto de vista da Teoria Económica, podendo, inclusivamente, contemplar – em termos de

mera reflexão teórica – as incidências dum “feriado fiscal” generalizado, embora limitado no tempo. A

última é, concerteza, a forma mais sustentável de defender as indústrias nacionais, porque ataca alguns dos

fundamentos das economias, como a qualificação dos recursos humanos, as infraestruturas físicas, a

investigação & desenvolvimento, a organização institucional da sociedade e administrativa do Estado, o

capital social, etc.

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(f) algodão: fios, tecidos, vestuário, tapetes, estofos, celulose a partir da pelugem, algodão hidrófilo, rações, óleo de semente de algodão para a indústria metalomecânica, alimentação e fabricação de sabão; (g) espécies florestais: fósforos, pasta de papel, mobiliário, folheados, contraplacados, aglomerados de partículas, caixotaria, tacos e perfumes; (h) cana do açúcar: aglomerados dos bagaços, aguardente, levedura, álcool etílico, rum, antibióticos e açúcar; (i) pesca: peixe congelado e meia cura, farinha e óleo de peixe, conservas, latas e embalagens metálicas e rede de frio.

diversificação das exportações numa lógica de “cluster”: redução/eliminação da exportação de matérias primas e produtos de base, aumento da autonomia do poder de decisão económica, acesso aos mercados internacionais e melhoria da competitividade. As condições fundamentais para que este processo resultasse deveriam ser constituídas durante 2004/2009, mas o essencial da sua estruturação acabaria por ocorrer a partir dessa data. Destacam-se o “mega-cluster” dos recursos minerais (diamantes, rochas ornamentais, rochas industriais, ferro, manganês e fosfato), o “cluster” do petróleo e gás (refinação, derivados e petroquímicos), o “mega-cluster” têxtil-vestuário-calçado e o “mega-cluster” turismo e lazer.

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CAPÍTULO TERCEIRO – POBREZA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO 1.- EXISTEM POLÍTICAS DEFINITIVAS PARA COMBATER A POBREZA? 2.- O PETRÓLEO EM ANGOLA: A RIQUEZA DE ALGUNS E A POBREZA DE MUITOS 3.- O ACORDO MONITORADO COM O FMI E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA CRIAÇÃO DE EMPREGO E NA REDUÇÃO DA POBREZA 4.- ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA: OS CONTEÚDOS E AS POLÍTICAS 5.- A POBREZA ENQUANTO CONSTRANGIMENTO AO DESENVOLVIMENTO

1.- EXISTEM POLÍTICAS DEFINITIVAS PARA COMBATER A POBREZA? (Artigo para a Revista do Fundo de Apoio Social – FAS – de Outubro de 1997)

A parte mais visível da crise social no país é traduzida pelos elevados índices de pobreza (praticamente 67% da população está em situação de grandes carências económicas). O fenómeno do empobrecimento da população era desconhecido no país quando se ascendeu à independência política. Podem ser consideradas três causas para o seu posterior surgimento: (a) a guerra, naturalmente. O êxodo rural forçado pela insegurança militar que ocasionou quebras sucessivas e drásticas no produto agrícola, com destaque para as culturas alimentares, é seguramente um aspecto importante, mas que não justifica a ausência de políticas alternativas que evitassem o aparecimento da pobreza. Estas políticas alternativas não surgiram devido à incorrecta utilização das receitas petrolíferas; (b) a liberalização económica, também. Os processos de liberalização económica implantados sem critério, em contextos de elevada regulamentação dos mercados e em sistemas económicos enfraquecidos, desarticulados e com desequilíbrios estruturais importantes provocam injustiças, debilitam os rendimentos dos mais desfavorecidos e ocasionam uma distribuição assimétrica do rendimento nacional. Os processos de liberalização económica nunca foram objecto duma reflexão séria em Angola, que se justificava por 18 anos de economia fechada, centralizada e administrativa e era exigida por uma situação de guerra aberta que prevalecia nessa altura; (c) a prática de políticas económicas incorrectas, sobretudo. A pobreza em Angola está relacionada com processos de enriquecimento fácil e ilícito e com a inflação. Assistiu-se - e assiste-se ainda - a um processo de transferência de uma parte do produto interno através do exercício duma política cambial incorrecta e injusta, que beneficia claramente as elites políticas, militares e burocráticas do país. Esta acumulação financeira (historicamente talvez se deva falar de acumulação primitiva), que noutras condições é fundamental e determinante para a recuperação económica, é, no entanto, ociosa e neutra do ponto de vista do crescimento ( a sua fuga para o exterior é justificada e agravada pela insegurança, falta de confiança, desorganização

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da política económica), mas detém um poder oculto, porém arrasador, em termos de inflação, podendo, a qualquer momento, pressioná-la. Quanto à inflação, sabe-se que este fenómeno é um poderoso mecanismo de distribuição injusta do rendimento nacional e os elevados índices registados a partir de 1991 não fizeram mais do que acelerar a deterioração do poder de compra dos rendimentos das faixas populacionais economicamente mais indefesas e marginalizadas. Só em termos de desemprego (que afecta mais gravemente a população pobre) e de índices baixos de produtividade (provocadas pela má alimentação, pelo analfabetismo e por problemas de saúde) o custo da pobreza em Angola pode ser estimado numa cifra anual entre 604 milhões e 876 milhões de dólares americanos. Sendo as causas da pobreza essencialmente de natureza económica pretender atacá-la enfatizando as políticas sociais pode ser uma via para a não resolução definitiva deste flagelo. Julgo ser demasiadamente redutor pensar-se que o grande problema nacional neste momento é a pobreza, ainda que quase 67% da população total viva com dificuldades várias. A paixão com que o problema é analisado pode conduzir à configuração de políticas económicas menos adequadas para ultrapassar o fenómeno da pobreza de maneira sustentada. É importante olhar as árvores, mas é absolutamente fundamental ver a floresta, que no caso vertente tem a ver com uma visão de conjunto da política económica, com uma estratégia de recuperação e desenvolvimento a longo prazo claramente assumida pela sociedade e com uma gestão financeira correcta. Ainda que se disponibilizassem quantidades enormes de recursos financeiros para combater a pobreza nas sua manifestações sociais (o relatório sobre o desenvolvimento humano em Angola estima uma cifra média de 160 milhões de usd anuais durante 10 anos), a sua erradicação não é sustentável a longo prazo se os grandes e essenciais problemas económicos do país não forem devidamente solucionados. Por onde começar a combater os vértices do octógono da pobreza? O Programa de Acção de Lagos para o Desenvolvimento Económico de África 1980-2000 considerava como objectivo central da política económica o alívio da pobreza e a melhoria geral dos padrões de vida da população do Continente. E o modo como consegui-lo deveria, justamente, iniciar-se pelo acesso a bens e serviços de consumo. Só que para se garantir esse acesso duas condições devem ser preenchidas: (a) a primeira condição é a da existência desses bens e serviços, o que nos remete para o domínio da produção nacional ou da importação; (b) a segunda condição tem de ver com a disponibilidade de rendimentos suficientes para os adquirir, ou seja com o emprego, com a inflação e com a poupança. Curiosamente um excelente estudo do Departamento africano do Banco Mundial publicado em Novembro de 1995 sobre os problemas económicos e sociais de África, aborda da seguinte maneira a questão da pobreza157: “ as causas primeiras da pobreza estão ligadas a problemas de acesso às oportunidades de geração de rendimentos e de dotação inicial de factores” sendo, em decorrência e sinteticamente :” acesso insuficiente às possibilidades de emprego ( o que, acrescento eu, está relacionado com fracas taxas de crescimento económico e com os modelos de crescimento adoptados), acesso insuficiente aos meios de promover o desenvolvimento rural nas regiões mais duramente afectadas pela pobreza (justificado pela preferência

157

Banque Mondiale – Un Continent en Transition: l’Afrique Subsaharienne au Milieu des Années 90,

1995.

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em favor de regiões de forte potencial de crescimento económico e dos centros urbanos), acesso insuficiente aos mercados de venda de bens e serviços, causado pela distância a que se localizam as comunidades de pobres e pela falta de meios de transporte, destruição de recursos naturais e degradação ambiental, que respondem pela redução da produtividade em sectores como a agricultura, florestas e pescas, dotação insuficiente em activos reais, causada pela ausência duma reforma fundiária e ausência de modalidades adequadas de crédito rural e, finalmente, acesso insuficiente à educação, à saúde, ao saneamento e à agua potável”. Coincidentemente, o Plano de Acção de Lagos focaliza, do mesmo modo, as políticas de erradicação da pobreza sobre a produção de bens alimentares, a criação de emprego, a reorganização dos sistemas de transporte campo-cidade, a construção de infraestruturas de incidência rural e local, a disponibilização de factores de produção agrícola (enxadas, fertilizantes, pesticidas, etc.) e sobre o crédito rural. As questões relacionadas directamente com a constituição do capital humano (educação, saúde, investigação, produção de saber) devem ter uma perspectiva de largo prazo (20/25 anos) e inserirem-se numa estratégia de desenvolvimento adequada. Aliás, penso exactamente que uma política verdadeiramente social só pode ter este alcance temporal para que seja credível e sustentável e conduza à criação de condições novas e diferentes para o progresso dos cidadãos. Tudo o que se situe fora deste quadro são políticas de alívio e de emergência, seguramente necessárias, mas de eficácia económica discutível. Aliás, o referido trabalho do Banco Mundial é claro sobre esta matéria: “ a análise sobre a evolução da pobreza e de certos indicadores sociais no últimos cinco anos em África mostra claramente que o seu vencimento depende das taxas de crescimento económico e, sobretudo, dos modelos de desenvolvimento adoptados”. Quanto às taxas de crescimento do PIB são apontados exemplos de correlações estatísticas positivas entre a redução da taxa de pobreza e o ritmo de crescimento económico, como os casos da Tanzânia (1991), Etiópia(1989), Gana (1992), Nigéria(1992) e Camarões (1983). Correlações estatísticas negativas (diminuição dos ritmos de crescimento económico e aumento da taxa de pobreza) foram registados no Quénia (1992) e na Costa do Marfim (1988). Verificou-se que a queda da taxa de pobreza estava fortemente relacionada com o aumento do emprego e o crescimento da produção. O aumento do emprego e da produção gerou uma melhoria dos rendimentos, que por sua vez acresceu o acesso aos serviços de educação, saúde, água, etc. O problema do acesso à água - e particularmente no caso angolano onde o respectivo mercado paralelo é de quase 40 milhões de dólares por ano e onde as respectivas tarifas são 120 vezes superiores às suportadas pelas famílias abastecidas pela rede formal - é um excelente exemplo do que pode ser uma correcta política macroeconómica que pretenda eliminar ou clarificar subsídios ocultos e encerrar os canais de transferência ilícita de uma parte do rendimento nacional que é pertença da Nação. Pode ser, também, um bom exemplo duma política social de emergência, mas de impacto sustentado no tempo. Relativamente aos modelos de crescimento económico, os mais adequados ao tratamento endógeno da variável pobreza ( ou seja, os mais aptos a resolverem o problema da pobreza enquanto solução interna do modelo matemático) devem ter como eixos principais os seguintes: (a) política macroeconómica de equilíbrio, gestão económica transparente e eliminação das janelas de distribuição ilegítima e assimptótica do rendimento;

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(b) fomento da produção centrada em actividades de elevada intensidade de mão-de-obra, como meio de atenuação do desemprego a médio prazo e de geração imediata de rendimentos para a melhoria da alimentação e do acesso a certos serviços de saúde primária; (c) prioridade à recuperação e desenvolvimento da agricultura e das actividades primárias ligadas ao meio rural; (d) construção e reabilitação de infraestruturas ligadas ao meio rural e ao sistema de transportes e de comercialização no campo; (e) delineamento de programas de longo prazo para a educação e a saúde com o propósito de constituição do capital humano, o modo mais correcto de resguardar o aparecimento de população pobre.

2.- PETRÓLEO E POBREZA EM ANGOLA: A RIQUEZA DE ALGUNS E A POBREZA DE MUITOS (Artigo publicado na Revista do Fundo de Apoio Social de Fevereiro de 1998)

Seguramente que desde 1980 o petróleo passou a ser a única fonte de rendimentos externos da economia angolana devido ao atrofiamento da “outra economia”, incapaz de resistir à insegurança militar e à política de substituição da produção nacional pelas importações. As deslocações das populações acentuaram-se a partir de 1983 e o virtual colapso da agricultura começou a ganhar contornos cada vez mais reais, receando-se as piores consequências sobre o seu estado nutricional e as suas condições gerais de vida. A conjugação destes factores - êxodo rural forçado, diminuição da produção agrícola, desemprego por recessão dos sectores industrial e dos serviços - engendra o aparecimento do fenómeno da pobreza, apesar do país exportar cada vez mais petróleo e obter rendimentos externos crescentes, por aumento da própria produção e dos preços internacionais. Como compreender - e aceitar - que a volumes maiores de riqueza gerada no sector dos petróleos correspondam situações crescentes de pobreza e de exclusão social e índices irrisórios de desenvolvimento humano (segundo o conceito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)? Há um aspecto desta problemática relativamente ao qual estou de acordo com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Mundial: a transparência na utilização e na aplicação das divisas provenientes da exploração deste recurso natural não renovável, o que em termos sociais significa prestar contas às gerações vindouras sobre o uso (abuso?) dum recurso que as gerações presentes apenas receberam mandato de boa gestão. Naturalmente que as preocupações substantivas daquelas instituições financeiras internacionais se relacionam com as pressões exercidas pelos credores de Angola que querem ver ressarcidas as suas dívidas e os correspondentes juros, mas não deixa de igualmente servir de razão e de preocupação para a sociedade civil angolana, aflita com o fenómeno da pobreza no país. Na verdade e de há uns tempos a esta parte, os relatórios sobre a situação económica e financeira de Angola elaborados pelo FMI e pelo Banco Mundial acentuam como uma medida de fundo a ser tomada em nome da transparência financeira do Estado a

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realização duma auditoria externa - independente e competente - aos sectores do petróleo e dos diamantes. A intenção é a de tornar as respectivas contas e relações financeiras com o OGE mais transparentes e com um duplo objectivo: primeiro, os credores externos de Angola (nomeadamente os que estão para lá do comprometimento do petróleo) estão preocupados com o não pagamento das suas dívidas e pretendem saber a razão por que um país com elevadíssimas receitas de petróleo não consegue cumprir com os seus compromissos externos e daí a pressão exercida sobre o FMI, ou seja, das receitas petrolíferas que ficam para o país os credores pretendem que uma parte mais substancial seja canalizada para pagar a dívida externa; em segundo lugar, há que reconhecer que uma maior transparência (ou porventura uma transparência total) nas contas económicas e financeiras do petróleo e dos diamantes é uma questão de rigor político e de credibilidade do Estado, antes de poder ser fonte de receitas adicionais para o erário público. Esta transparência talvez pudesse ser facilitada se: - as concessões e os contratos passassem a ser estabelecidos directamente entre as concessionárias e o Ministério do Petróleo, que exerceria uma actividade de fiscalização sobre as mesmas; - os impostos fossem pagos directamente ao Tesouro Nacional através de depósitos no BNA dos correspondentes montantes em divisas; - a Sonangol fosse a empresa nacional de ponta neste domínio de actividade económica, que exploraria em consórcio com as concessionárias, os diferentes poços de petróleo, para além de se preparar para que no futuro exercesse uma exploração mais autónoma e se lançasse noutros ramos da fileira do petróleo, como a refinação. Porém, o que é curioso é que o FMI e o Banco Mundial não se refiram às condições leoninas que regem a exploração desses recursos e que se traduzem na exportação de quase 50% das respectivas receitas a título de lucros, dividendos, salários dos técnicos estrangeiros expatriados, importação de bens e serviços finais e outras despesas conexas. Provavelmente porque as relações entre o Estado angolano e as companhias estrangeiras concessionárias são regidas por contratos livremente estabelecidos entre as partes e segundo as condições e a lógica do mercado internacional. Mas não deixa de ser frustrante para Angola que essas instituições não sublinhem estes aspectos nas suas análises económicas sobre o país e responsabilizem permanente e sistematicamente o Estado e o Governo pela situação existente. Se é certo que uma redução importante dos volumes de divisas remetidos para o exterior passa por uma maior abertura do país ao mercado internacional - fomentando a concorrência entre os parceiros que pretendam explorar estes recursos nacionais - não é menos certo, porém, que Angola tem de constituir uma capacidade técnica autónoma que lhe possa permitir assumir a responsabilidade pela exploração, produção e exportação do petróleo e dos diamantes. No sector dos petróleos anda-se há mais de 22 anos em parcerias com companhias estrangeiras e apesar de se afirmar que tem havido um esforço de formação de engenheiros e geólogos e de substituição de técnicos estrangeiros por nacionais o que é facto é que não existe qualquer capacidade técnica interna e autónoma de prospecção e exploração do petróleo. Porquê? Receio que o mesmo se vá passar com os diamantes. Será que estamos perante uma espécie de “armadilha dos recursos minerais não renováveis” que impede que se constituam e existam capacidades técnicas nacionais autónomas? Ou será a “armadilha do mercado internacional” dominado pelas multinacionais e fechado a outras empresas?

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Se assim for receio ter de se concluir : “petróleo e diamantes riquezas de Angola mas não para Angola”, o que me permite retomar o tema da pobreza e da sua relação com o petróleo. Uma situação de pobreza é caracterizada pela conjugação de vários indicadores, desde os estritamente de rendimento, até aos relativos ao capital humano, como os da educação e da saúde. A abordagem adoptada nesta relacionação com as receitas petrolíferas centra-se, apenas, no critério do rendimento e traduzido pelo produto nacional bruto por habitante. Para se chegar a este indicador foi necessário compilar e sistematizar informação sobre os juros da dívida externa e as transferências para o exterior por contrapartida da actividade das concessionárias petrolíferas. Por outro lado, houve que estipular um comportamento para a população total através duma taxa de crescimento demográfico de 2,9% ao ano. O objectivo do exercício é o de se compararem as evoluções das receitas de exportação do petróleo com as do rendimento nacional per capita, o que pode ser seguido e analisado pelos valores inseridos no quadro seguinte.

EVOLUÇÃO COMPARADA ENTRE PNBpc E EXPORTAÇÃO DE PETRÓLEO (Milhões del dólares americanos)

Variáveis 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Exporta- Petróleo

2159 2289 2740 3607 3238 3573 2826 2896 3400 4170 4771 4912

Produto Interno Bruto

7383 7975 9283 10260 11828 8694 6301 4709 5980 6615 7151 7882

Juros da dívida

90 367 450 456 709 456 444 549 602 882 410 237

Remessas lucros e outras tra.

976 1030 1233 1623 1457 1608 1272 1303 1530 2147 2204 2210

Produto Nacional Bruto

6317 6578 7600 8181 9662 6630 4585 2857 3848 3586 4537 5435

Popula- ção

9229 9483 9741 10020 10312 10602 10921 11238 11566 11902 12247 12602

PIB per capita(usd)

800 841 953 1024 1147 820 576,9 419 517 555,8 584 625,5

PNB per capita(usd)

684,5 693,7 780,2 816,5 937 625,4 419,8 254,2 332,7(a)

301,3 370,5 431,3

FONTES: Balança de Pagamentos (BNA) e Contas Nacionais (MINPLAN)

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Uma análise simples mostra que a partir de 1992 a deterioração dos valores absolutos do rendimento por habitante se acentuou (este indicador tinha registado um valor de cerca de 720 dólares em 1985, segundo o relatório sobre o desenvolvimento humano em Angola, do PNUD, Setembro de 1997), por razões, entre outras, ligadas à guerra e à insegurança no funcionamento do sistema económico. Na verdade: - é a partir de 1992 que se assiste a uma intensidade, extensão e violência da guerra (pós-eleições, paradoxalmente), com as correspondentes deslocações de população e de degradação das capacidades de produção da agricultura; - é, do mesmo modo, nesta altura que se acentua a recessão na economia não petrolífera e expressa por taxas de decrescimento do PIB global manifestamente superiores às quebras das exportações de petróleo (-26,5% e +10,3% em 1992, -27,5% e -20% em 1993, -25,3% e +2,5% em 1994 respectivamente) e também por taxas de crescimento do PIB inferiores às das exportações de petróleo (10,6% e 22,6% em 1996 e 8,1% e 14,4% em 1997 respectivamente); se se quiser combater a pobreza sustentadamente e consequentemente tem de se operar uma inversão, ou seja, a economia não petrolífera terá, necessariamente, de crescer a ritmos superiores aos do sector de enclave, pela simples razão de que é dela que dependem os 12 milhões de cidadãos angolanos, 67% dos quais em situação de pobreza; - registou-se uma forte inércia da agricultura e da indústria transformadora: enquanto a economia petrolífera retomou quase de imediato o seu ritmo normal de crescimento, a outra economia demorou muito a reagir a este choque da oferta. Para além desta diferença nas dinâmicas de funcionamento e de reacção dos dois sectores em presença, constata-se, em matéria de repartição de recursos, que o papel das multinacionais petrolíferas tem sido nefasto nos domínios seguintes: - repatriamento de lucros e dividendos, que correspondem a subtracções líquidas ao rendimento nacional que poderia estar disponível; - pagamento de salários aos expatriados; - importação de praticamente 100% das suas necessidades em bens de consumo e de equipamento (fraqueza do sector produtivo interno); - não re-investimento em actividades agrícolas e da indústria transformadora; - criação muito limitada de emprego para nacionais (10000 no sector de extracção petrolífera); - não constituição duma capacidade técnica nacional suficiente para substituir os expatriados; - não transferência de tecnologia. Verifica-se, portanto, que a actividade das multinacionais, para além de subtrair montantes importantes de recursos financeiros, em cumprimento dos contratos assinados com o Estado, está completamente divorciada da economia nacional em matéria de re-investimentos de parte dos lucros e dividendos noutras actividades de maior valor acrescentado interno, enquanto factor de dinamização do sector produtivo através da aquisição de bens de consumo final e de alguns serviços, etc. Naturalmente que existem razões objectivas internas para esta situação - e todos as conhecemos158 - mas penso tratar-se, também, duma clara assunção estratégica dessas multinacionais, que preferem investir noutras regiões do mundo.

158

A fraqueza da economia não mineral e a sua quase crónica incapacidade de suprir, pelo menos em

parte, as procuras petrolíferas em determinados bens e serviços, é um facto, mas que não desculpa o

desinteresse das multinacionais do crude por outras actividades de maior valor acrescentado interno.

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Penso ser importante o Governo tentar - através de negociações e na base duma estratégia de desenvolvimento de longo prazo para a economia nacional - uma redução da natureza enclavista deste sector, nomeadamente pelas vias seguintes: - aplicação da lei do investimento estrangeiro em matéria de re-investimento de uma parte dos lucros e dividendos; se estes re-investimentos se situarem na agricultura e na indústria transformadora teriam como consequência a criação de empregos indirectos pela indústria petrolífera; - substituição, mais visível e consequente, por nacionais dos quadros, técnicos e responsáveis dessas empresas; - estabelecimento de contratos-programa para aquisição duma percentagem tendencialmente crescente de bens e serviços nacionais (havendo estes que garantir um bom binómio preço-qualidade) e que teria como consequência a criação de empregos indirectos a partir da exploração petrolífera; - reforço substancial do fundo de formação actualmente existente (creio que fundamentalmente destinado ao próprio sector e do qual, ainda que indirectamente, acabam por beneficiar as próprias concessionárias) para financiar a constituição do capital humano nacional, o que se traduziria, na prática, por aumentos significativos das fontes de financiamento da educação e da saúde; este reforço deveria ser subscrito inteiramente pelas petrolíferas e por conta dos seus lucros e dividendos; - e, sobretudo, utilização de todas as receitas cambiais provenientes da exportação do petróleo para desenvolvimento do sector financeiro nacional, nomeadamente depositando-as nos bancos existentes ou então constituindo-se, internamente, novos bancos para o efeito. Significaria esta situação o fim dos regimes cambiais especiais, que só têm prejudicado o país e a sua economia, e a adopção, afinal, de modelos que proliferam em outros países. Pelo quadro anterior se constata que não são apenas os repatriamentos de lucros e dividendos e outras despesas conexas das petrolíferas que actuam desfavoravelmente sobre o montante do rendimento per capita. Com igual sentido, embora de menor intensidade, se apresentam os montantes relativos ao pagamento dos juros da dívida externa, concluindo-se, portanto, que o seu papel tem sido nefasto, em particular porque se não dispõe de património físico e humano correspondente a tão elevada dívida ao exterior. Com efeito, - a dívida externa não tem uma contrapartida patrimonial nacional visível e que possa servir de base à recuperação da economia, porquanto foi contraída para satisfazer necessidades de defesa e segurança e de consumo da população; - as condições em que a mesma tem sido contraída são das mais gravosas do mundo, em termos de juros e prazos de reembolso (a taxa média de juro parece ser da ordem dos 14% anuais); - continua a praticar-se uma política de comprometimento do petróleo para financiar dívidas de curto prazo (para importação de bens de consumo final) e parece que no imediato não existem outras alternativas; - o elevado volume da dívida externa e o não pagamento do respectivo serviço (salvo o inelutável do petróleo) têm inviabilizado a contratação de novos financiamentos para a recuperação da produção, o crescimento económico e a constituição do capital humano nacional; - a dívida externa representa uma pressão constante sobre o OGE e a economia, inviabilizando aplicações financeiras nos sectores sociais e em despesas de desenvolvimento. Torna-se, assim, urgente a aplicação de medidas concretas para aliviar o constrangimento que representa a dívida externa no processo de geração de rendimento nacional disponível: - melhorar drasticamente a sua gestão;

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- renegociar o que é renegociável, reescalonando-se o respectivo serviço e obtendo-se condições mais atenuadas de reembolso e juros; - sujeitar a contracção de novos empréstimos aos projectos de reconstrução e desenvolvimento. Os três problemas essenciais relativos aos desequilíbrios de curto prazo da economia nacional e considerados no Programa de Estabilização e Recuperação Económica de Médio Prazo são a inflação, o desemprego e o défice externo. O financiamento deste tem três fontes possíveis (e únicas): a utilização das reservas em ouro e em divisas (que o país não tem, porque desde a independência que se tem assistido ao consumo de praticamente todas as receitas de exportação do petróleo), o endividamento, que o país tem muito porque se não tem uma estratégia consequente de endividamento/amortização/constituição de reservas e a Ajuda Pública ao Desenvolvimento, que o país não tem nas quantidades necessárias porque se não tem sabido utilizar convenientemente bem o auxílio externo - falta de coordenação e racionalização, carência duma visão estratégica e integrada da ajuda do exterior. Quando estas fontes se aproximam do esgotamento a correcção do desequilíbrio externo tem prioridade absoluta na política económica, sobrelevando, mesmo, o combate ao desemprego e à inflação. No Programa de Médio Prazo a inflação e o desemprego recolhem as prioridades máximas, apesar duma dívida externa de cerca de 12 biliões de dólares e de praticamente esgotadas as fontes normais de financiamento externo (mercados financeiros internacionais, crédito de exportação, etc.). A razão é simples e entronca, claro(!) no petróleo e na dificuldade em se desarmarem as teias existentes: sem grandes alternativas de outras fontes de financiamento para 1998 o financiamento da economia vai continuar a depender das receitas financeiras provenientes da exportação do petróleo alicerçadas numa estratégia desastrosa do seu comprometimento futuro, reforçada, obviamente, pelas novas descobertas a colocarem a produção nacional a partir de 2000 em 1100 mil barris por dia. Ora bem, se o entendimento, de facto, é este, então o problema do desequilíbrio externo ainda o não é como deveria ser e consequentemente pode vir a ser possível concentrar o esforço da política económica na desinflação da economia e na criação de emprego, com consequências positivas sobre o alívio da pobreza. Por aqui se constata - e apesar de todas as nefastas implicações decorrentes da actividade das multinacionais petrolíferas - que se a estratégia, a política e a gestão dos recursos petrolíferos fossem outras talvez a pobreza não existisse. Por um lado, porque seria possível “ investir” mais política económica no combate ao desemprego e na luta contra a inflação e, por outro, porque a recuperação económica teria fontes seguras e disponíveis de financiamento. No fundo, a erradicação do fenómeno da pobreza não é nada alheia ao que se pode vir a passar de diferente nos sectores de enclave da economia angolana.

3.- O ACORDO MONITORADO COM O FMI E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA CRIAÇÃO DE EMPREGO E NA REDUÇÃO DA POBREZA (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº4 de Outubro 2000)

Parece paradoxal aliar, ainda que seja num mero artigo de opinião, um acordo com a mais poderosa e temida instituição financeira internacional e uma política de combate à pobreza. Simplesmente porque tenho muitas dúvidas e bastantes reservas de que as determinações de política económica que o FMI “sugere” aos países implorantes do seu beneplácito técnico e político sirvam, na realidade, os interesses mais profundos das populações pobres. E o que mais suscita a minha curiosidade é que as críticas sobre o modelo de política económica do Fundo já não são apenas dos economistas,

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sociólogos e antropólogos africanos. Provêm de faixas cada vez mais importantes da intelectualidade e da classe política dos países desenvolvidos. Na Revista “Economia & Mercado” nº 2 e na secção intitulada “Economia de A a Z” já me referia, em certa medida, a esta matéria das críticas que actualmente impendem sobre o FMI: “Fundo Monetário ultimamente muito criticado no seu modelo e na sua doutrina”. Jeffrey Sachs (director do Harvard Institute for International Development e professor de economia internacional na Universidade de Harvard, dirigiu as reformas económicas na Rússia em nome do FMI, com quem posteriormente se incompatibilizou por acentuadas divergências de opinião) assegura que a actividade do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional tem sido muitas vezes desastrosa ou mesmo irrelevante, não possuindo esta última instituição uma estratégia de longo prazo para o desenvolvimento dos países em vias de desenvolvimento, apesar dos Estados Unidos lhe terem confiado o principal papel no desenvolvimento dos países pobres. A última reunião do G-7, em Junho de 1999 em Colónia, reconheceu que as anteriores tentativas para reduzir a dívida dos países em desenvolvimento falharam completamente. Por isso, resolveram os países mais ricos do mundo anunciar um novo programa - conhecido por Iniciativa de Colónia - para ser reduzido o peso da dívida dos chamados Países Pobres Altamente Endividados (HIPC). Nesta mesma reunião foram dadas instruções ao FMI e ao Banco Mundial para repensarem os seus modelos de intervenção e as suas estratégias de desenvolvimento, de modo a serem enfatizados os problemas sociais. Mas convém referir que Jeffrey Sachs desconfia desta Iniciativa de Colónia. Primeiro, porque nunca os países ricos estiveram verdadeiramente preocupados com a dívida dos países pobres. Depois, porque o G-7 não se moveu por sua própria iniciativa, mas como resultado das pressões e dos apelos da sociedade civil mundial para acções em benefício dos pobres do mundo. Grande parte dos louros de Colónia-1999 são do movimento radical Jubileu 2000. E tal como Sachs afirma, é urgente deixar-se o cinismo político e passar-se a uma actuação concreta em favor dos 42 países HIPC, com uma população total de cerca de 700 milhões de pessoas, 70% dos quais vivem em África, com uma esperança média de vida de 50 anos, cerca de um terço das crianças subnutridas, indo por isso sofrer de incapacidades físicas e cognitivas e não chegando sequer a concluir a escola primária, mais de 2 milhões de mortes pelo SIDA e de um milhão pela malária em 1998. A ligação entre as estratégias de combate à pobreza e as políticas de ajustamento estrutural do FMI decorre, portanto, duma determinação do G-7 e não duma evolução da doutrina económica das instituições de Bretton Woods. E a prová-lo está que os textos dos acordos estabelecidos entre os países e o FMI referem, explicitamente, que as políticas e as acções de luta contra o flagelo da pobreza devem respeitar as orientações fundamentais do ajustamento macroeconómico. Combater a pobreza sem violar os equilíbrios macroeconómicos é a mais recente posição de política económica do FMI e do Banco Mundial. Será que é possível esta conciliação, particularmente quando a pobreza atinge a dimensão que apresenta em Angola, afectando quase 70% da sua população? Tudo depende da dimensão e da amplitude dos programas de combate à pobreza e da função de preferência dos decisores públicos, na qual os objectivos visados pela sua política económica têm de aparecer hierarquizados e ponderados. Se dum ponto de vista absoluto a estabilização macroeconómica e o combate à pobreza são ambos importantes, dum ponto de vista relativo os dois não podem deter a mesma importância, sendo, por consequência, necessário priorizá-los. Para chegar a alguma conclusão vou partir da análise da pobreza. A caracterização da pobreza costuma ser feita em torno dos seguintes aspectos:

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* percentagem da população adulta analfabeta (58%) * percentagem da população sem acesso à água potável (65%) * percentagem da população sem acesso a saneamento básico (75%) * percentagem da população sem acesso a serviços primários de saúde (65%) * percentagem da população não escolarizada (54%) * percentagem da população com rendimento diário inferior a $ 1 dólar (70%) Pela natureza destes indicadores conclui-se que são três os domínios de maior incidência económica e social da pobreza: condições de vida das populações, condições para se auferirem rendimentos permanentes e produtividade. Estimativas apontam para um coeficiente de pobreza no país entre 64,5% e 70% da sua população total. Os indicadores da pobreza podem ser agrupados/distribuídos por três domínios de actuação fundamentais: * estratégias viabilizadoras do incremento da produtividade » diminuição da taxa de analfabetismo dos adultos » aumento das taxas de escolarização da população em idade escolar » redução da percentagem da população sem acesso aos cuidados primários de saúde. * estratégias de melhoria das condições de vida da população » decréscimo da percentagem da população sem acesso ao saneamento básico » programa de construção de habitações sociais » desenvolvimento das redes urbanas de transportes públicos » redução da percentagem da população sem acesso à água potável * estratégias de aumento dos rendimentos » programas localizados de produção agro-pecuária e de pescas » actividades geradoras de rendimento de incidência comunitária » programas de desinformalização da economia (micro empresas/micro crédito) » organização e melhoria dos circuitos de comercialização e distribuição » aumento gradual dos salários e estabelecimento do salário mínimo nacional (condicionados ao incremento da produtividade) » estruturação dum verdadeiro sistema de previdência social. Pelos domínios de intervenção se percebe que o combate à pobreza não deve ser isolado. A sua inserção num modelo concreto de desenvolvimento é crucial. Um modelo gerador de emprego e multiplicador dos rendimentos. Um modelo endógeno virado para o aproveitamento das capacidades ociosas e dos recursos desempregados. Em termos gerais este modelo de desenvolvimento assenta em dois eixos: * utilização intensiva e extensiva do factor actualmente mais abundante que é o trabalho, criando-se, por esta via, a oportunidade de se melhorar o nível de vida, nomeadamente por duas vias: » os incrementos da produtividade que fossem conseguidos pela redução dos elevados índices de ociosodade das capacidades instaladas existentes deveriam ser partilhados entre os aumentos salariais dos trabalhadores empregados e os acréscimos da capacidade de autofinanciamento dos empresários;

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» a instalação de novas actividades que um ambiente económico de expectativas positivas ajudaria a fomentar. Estas actividades trabalho-intensivas gerariam novos empregos e multiplicariam os rendimentos das famílias. Por intermédio destes dois vectores do modelo se viabilizariam as estratégias de melhoria das condições de vida e de aumento dos rendimentos das populações pobres. * estruturação de sistemas de educação, formação, saúde, previdência social, saneamento básico e planemanto familiar racionais e eficientes, com a finalidade de se garantirem os ganhos de produtividade, de se capacitar a força de trabalho a tirar proveito das oportunidades criadas e de se melhorarem os mecanismos de distribuição do rendimento nacional. Duas questões subjacentes a este modelo: existe ambiente favorável ao crescimento económico e ao aumento do emprego? É possível a conciliação deste modelo com a doutrina do Fundo Monetário Internacional expressa nas políticas de ajustamento macroeconómico? Quanto à primeira provavelmente a única dúvida que se coloca é a guerra. Resolvida a contento, as condições do lado da procura e da oferta existem. Com efeito: * do lado da procura de bens de consumo verifica-se : - a existência dum vasto mercado de consumidores frustrados pela guerra e ávidos de acederem aos bens de consumo tradicionais; - que a procura é mais do tipo quantitativo do que qualitativo, podendo, em decorrência, as empresas produzir maciçamente bens estandardizados e investir mais no volume da produção do que na sua qualidade; - a possibilidade de se estabilizarem alguns rendimentos (dos camponeses e de outras faixas mais desfavorecidas da população) através de programas e projectos tipo PRC (Programa de Reabilitação Comunitária) e de outras acções de fomento do Estado; - a probabilidade de progressão rápida e regular da produção ao permitir aumentos salariais e criação de novos empregos iria provocar melhorias no poder geral de compra da economia; * do lado da procura de bens de equipamento é evidente a existência dum conjunto de necessidades de renovação e modernização das tecnologias de produção. As importações de bens de capital e de tecnologia terão, por isso e numa primeira fase, tendência de aumentar mais do que proporcionalmente do que as variações do PIB, com implicações sobre o equilíbrio da balança de pagamentos. Por isso se tornam cruciais a renegociação e o reescalonamento, em condições concessionais, da actual dívida externa do país, a obtenção de novos créditos e financiamentos em condições vantajosas, as parcerias estratégicas com empresas líderes do mercado mundial, a mobilização e absorção dos investimentos directos estrangeiros e o reforço do actual Fundo de Desenvolvimento Económico e Social; * do lado da oferta observa-se que os factores de produção e as matérias primas necessárias ao crescimento estão disponíveis: - a aparente irreversibilidade de regresso das camadas jovens da população deslocada disponibiliza quantidades acrescidas de mão-de-obra para as actividades económicas urbanas (embora a necessitar de formação, reciclagem e alguma cultura industrial) e pode aumentar a produtividade aparente da agricultura tradicional;

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- uma parte importante das matérias primas industriais (minerais e agrícolas) e dos recursos petrolíferos perfeitamente disponível e internamente controlável; - disponibilidade no mercado internacional de tecnologia com custo relativamente reduzido e sem investimentos de pesquiza (o investimento directo estrangeiro pode ser uma fonte importante de aquisição de “know how” e de transferência de tecnologia). A potenciação destas condições favoráveis da procura e da oferta exige que: - se iniciem acções decisivas de formação e reciclagem da mão-de-obra para a indústria; - se organize a produção de bens e serviços segundo princípios que possibilitem o aumento da produtividade dos factores; - se estabeleça um contrato social entre empregadores e empregados que garanta uma repartição justa dos ganhos de produtividade ( a parte destinada aos salários propiciarão melhorias nas condições de vida, aumento do poder de compra, alargamento do mercado, acréscimo da produção e, consequentemente, maiores lucros empresariais; a proporção atribuída aos empregadores aumentará a sua capacidade de acumulação e de auto-investimento). Uma questão crucial relativiza-se na não partilha do poder de gestão, que deve por inteiro pertencer aos empresários, competindo aos sindicatos apenas discutirem condições de partilha dos ganhos de produtividade; - grande parte da produção se oriente para produtos estandardizados (consumo de massa), como forma de constituir e alargar o mercado interno, de aumentar a produtividade dos factores, de melhorar os lucros e de satisfazer rapidamente o maior consumo possível; - se acautelem os efeitos inflacionistas associados quer aos aumentos bruscos na procura (consumo), quer aos investimentos na sua componente de despesas imediatas. A convergência entre a doutrina do FMI expressa na política de ajustamento macroeconómico e o modelo de crescimento económico e de redução da pobreza expresso anteriormente depende da natureza das políticas macroeconómicas de suporte ao modelo, dos montantes de investimento público envolvidos na estruturação dos sistemas de constituição do capital humano e da importância que os decisores públicos - incluíndo o FMI - atribuírem ao ajustamento macroeconómico e ao combate à pobreza. Sobre a natureza das políticas de ajustamento macroeconómico começo por destacar o que seria necessário para se viabilizar o modelo anterior nas suas duas componentes inter-actuantes: » estabilidade dos preços e correcção dos preços relativos, » política monetária facilitadora da diminuição dos actuais índices de ociosidade produtiva e do lançamento de novas actividades económicas geradoras de emprego, » política cambial penalizadora das importações de bens de consumo final, » política fiscal marcadamente de fomento do investimento público nos domínios agregadores da produção e estruturantes do capital humano, » política aduaneira de protecção à criação do mercado interno, » política comercial de facilitação da circulação de bens em todo o território nacional. Feito este destaque, passo à comparação entre as políticas de ajustamento macroeconómico e as políticas de redução da pobreza pelo fomento das capacidades produtivas e humanas nacionais:

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POLÍTICAS ECONÓMICAS DE CURTO PRAZO DOMÍNIOS DE INTER- VENÇÃO

POLÍTICAS DE CURTO PRAZO VOLTADAS PA- RA DESENVOLVIMENTO

POLÍTICAS ORTODOXAS (FMI)

JUSTIFICAÇÃO DAS DIFERENÇAS

POLÍTICA FISCAL MACRO

. redução gradual do défice fiscal . volume do défice entre 5% e 6% do PIB . redução do défice por acréscimo de receitas e melhoria das cobranças tributárias

. redução rápida do défice

. eliminação quase total do défice (não mais de 2,5% do PIB) . ênfase colocada do lado das despesas

Políticas curto prazo pró-desenvolvimento procu- rammanter/mesmo au-mentardespesaspúblicas sociais, económicas e de sustentação do cresci- mento

POLÍTICA FISCAL MESO

. ênfase na igualdade fiscal . corte despesas militares e outras não prioritárias . adiamento pagamento dosjuros da dívida pública . subsídios a bens alimentares mais dirigidos à população pobre

. ênfase na eficiência da estrutura fiscal . corte nas despesas militares . pagamento integral do serviço da dívida pública . eliminação de todos os subsídios dirigidos ou não para a população pobre

As políticas de curto prazo pró-desenvolvimento enfa- tizam a redução das desigualdades fiscais e de rendimento e colocam o problema da dívida externa para ser resolvido no âmbito dum vasto rees- calonamento

POLÍTICA MONETÁRIA

. controlo mais flexível e dirigido do crédito . evitarem-se taxas de jurodemasiadoelevada . o sistema de crédito à economia a reger-se por áreas prioritárias

. controlo rígido do crédito . taxas de juro reais e positivas, independen- temente do seu valor .nenhuma selectividade do crédito

As políticas de curto prazo pró-desen-volvimento procuram aumentar o investi-mento e realocar recursos para áreas mais carentes

POLÍTICA CAMBIAL

. taxas de câmbio realistas,por vezes duais . alocação de divisas por prioridades sectori-ais

. taxas de câmbio de mercado .dualidade não permi- tida . alocação de divisas integralmente pelos mecanismos de mer- cado

Alocação de divisas por prioridades e a prática de taxas duais podem ter vantagens para o crescimento económico. Torna-se, porém, necessário ga- rantir a sua transitorie dade e o não desvio para outros fins

POLÍTICA DE LIBERALIZAÇÃO

. liberalização gradual e selectiva .fomento das expor- tações de bens manu- facturados . fortalecimento dos tecidos produtivos in- ternos

. liberalização total do comércio e dos preços . não são consentidas selectividades nem prioridades

Defesa das economias nacionais a uma desregulamentação rá- pida e sem critério que as colocaria numa po- sição subalterna face à economia mundial

POLÍTICA DE PREÇOS

. controlo de preços de produtos essenciais, suportado por políticas de aumento da oferta . serviços primários de saúde e educação gratuitos

. eliminação de todos os controlos de preços . pagamento dos serviços primários de saúde e educação

O controlo dos preços de produtos essenciais visa garantir a segu rança alimentar das faixas populacionais de menores rendimentos

Relativamente aos montantes de investimentos necessários para o combate à pobreza as contas são as seguintes:

o PNUD, no seu primeiro relatório sobre o desenvolvimento humano em Angola (1997), refere serem necessários 1,6 biliões de usd para que num período de 10 anos se tornem acessíveis serviços sociais básicos à população pobre do país;

ainda no mesmo relatório se ressalta que para incrementar o rendimento dos pobres até a um limiar a partir do qual deixem de o ser, serão necessários outros 1,6 biliões de dólares americanos para 10 anos; juntando os cálculos do PNUD chega-se a um montante anual de 362 milhões de dólares;

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os meus cálculos dão valores mais avultados (porque considero como determinante a formação do capital humano nacional) e estão repartidos em:

- educação...... 15,0usd/hab................. 189,0 milhões de usd/ano - formação...... 7,5usd/hab................. 94,5 milhões de usd/ano - saúde............ 20,0usd/hab................. 252,0 milhões de usd/ano - investigação. 5,0usd/hab................. 63,0 milhões de usd/ano - total...............47,5usd/hab................ 598,5 milhões de usd/ano Estará o Fundo Monetário Internacional aberto a aceitar estes investimentos, que evidentemente podem ferir os equilíbrios macroeconómicos, nomeadamente em termos de défice das contas do Estado159? Creio que a perspectiva do FMI, ao sugerir ao Governo a elaboração duma estratégia de combate à pobreza para complementar o programa de estabilização macoeconómica, é redutora, porque apenas irá consentir acções de pequena envergadura financeira e de efeitos duvidosos sobre a destruição das bases e dos fundamentos de reprodução da pobreza em Angola. Poderá argumentar-se no sentido de que se as despesas militares forem confinadas em níveis bastante inferiores aos actuais, se poderão produzir poupanças – os chamados dividendos da paz – a serem encaminhadas para a redução sustentada da pobreza. No entanto, e no quadro do Acordo Monitorado com o Fundo Monetário Internacional, creio que não se ousará atribuir à redução da pobreza um peso relativo superior (poventura, nem sequer mesmo igual) ao do ajustamento macroeconómico. Poderiamos analisar a questão em apreço por outros ângulos. Por exemplo, o da reconciliação e o da construção do Estado-Nação. Deixo apenas umas pequenas anotações. Seguramente que a erradicação da pobreza pelo modelo de crescimento apresentado é um factor de reconciliação nacional, de aproximação dos cidadãos, de redução das desigualdades étnicas, sociais e regionais, no fundo, um dos fios condutores para o Estado-Nação. O modelo de desenvolvimento endógeno para o combate à pobreza é mobilizador e pode ser de consenso nacional. Decidir por investimentos de grande envergadura para se atacar o problema da pobreza é, concerteza, optar por uma prioridade a quem sempre esteve por dentro da crise económica e social e arcou com todos os sacrifícios que se expressam numa situação de carência geral de condições de vida mínimas.

4.- ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA: OS CONTEÚDOS E AS POLÍTICAS (Palestra apresentada na Semana Angolana de Estatística, de 18 a 23 de Novembro de 2000)

A pobreza e a exclusão social são hoje fenómenos de incidência mundial, ocorrendo, inclusivamente em economias desenvolvidas e modernas. Que causas poderão explicar a ocorrência frequente de fenómenos de empobrecimento das populações,

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Naturalmente que montantes de despesas sociais desta envergadura são exigentes em matéria de gestão

e controlo orçamental, no sentido de se conseguir a máxima eficiência. O problema, então, não estará

localizado no défice orçamental – desde que contido em limiares compatíveis com a capacidade de

absorção da economia (desencadeamento dos efeitos multiplicadores reconhecidos) – mas no modo como

é financiado. Ao pretender-se um financiamento não inflacionário, apenas se deverá contar com duas

fontes, a saber, o aumento dos impostos e a criação de dívida.

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quase sempre acompanhadas de exclusão social? Evidentemente, que não serão únicas, muito embora se possam alinhar algumas de natureza universal. Alguns investigadores sociais e políticos associam os fenómenos de depauperação das populações à exaustão do paradigma da Economia Mista de inspiração keynesiana, o qual, perante o ultraliberalismo e a globalização associada, deixou de fornecer as saídas que durante as décadas de 50, 60 e parte de 70 contribuíram para o que ficou conhecido como a época dourada do capitalismo, com taxas elevadas de crescimento económico, baixa inflação e desemprego reduzido. Em situações onde a convergência entre aqueles indicadores – que como se sabe são os utilizados para se medir a performance das economias – é total são pouco prováveis situações de pobreza, uma vez que o crescimento multiplica as oportunidades de emprego e as políticas redistributivas asseguram uma melhor distribuição do rendimento e da riqueza. O esgotamento ou pelo menos a saturação do paradigma da Economia Mista talvez não tenha tanto que ver com as suas virtualidades ou defeitos, mas sobretudo e de acordo com determinadas correntes do pensamento económico, com a contradição entre globalização e autonomia das políticas económicas nacionais. O intervencionismo do Estado para fazer a gestão da procura agregada da economia, o planeamento económico e a redistribuição do rendimento encontram fortes limitações no carácter essencialmente aberto das novas políticas económicas de pendor liberal. Esta evolução dos paradigmas da política económica tem uma importância marcante para países como Angola, assolados por disfuncionalidades políticas e sociais, de que a guerra e as suas consequências são as mais evidentes, e por crises de crescimento que afectam a geração de empregos, reduzem as capacidades de multiplicação dos rendimentos e contribuem para a afirmação da pobreza e da exclusão social. Mas a grande questão relacionada com a pobreza é a do desenvolvimento. Fala-se em desenvolvimento num sentido preciso: a participação do maior número possível de cidadãos na produção, no emprego e na discussão das opções futuras de vida. A óptica do desenvolvimento explicita a equidade como vector determinante das escolhas públicas. O crescimento releva a eficiência como preocupação capital da organização da economia e do funcionamento dos mercados. Aliás, esta dicotomia eficiência/equidade, amplamente debatida na ciência económica, é determinante da escolha dos modelos concretos de crescimento e de desenvolvimento. A eficiência é procurada pela via das reformas económicas que desobstruam os mercados e fomentem a concorrência, enquanto que a equidade tem na programação do desenvolvimento e na intervenção do Estado os elementos para a sua afirmação positiva e não contraditória. Mas como se sabe, é extremamente difícil conciliar eficiência com equidade e a sua obtenção é sempre relativa e situa-se, claramente, no que a teoria económica considera de “óptimos de segundo grau”. O que deve ser prioritário em Angola? A eficiência ou a equidade? São conhecidas as condições de vida da população angolana. Cerca de 70% é considerada pobre e mais de 20% em condições de pobreza absoluta – menos de 1 dólar por dia para sobreviverem. A opção impensada pela eficiência a todo o custo seguramente que agravará a condição de pobreza e incrementará a de exclusão social. Uma preferência acrítica pela equidade a qualquer preço facilitará aplicações menos rendíveis dos recursos económicos e poderá ter efeitos perversos sobre a competitividade da economia nacional. Entende-se, portanto, que a escolha dos modelos de crescimento, das estratégias e das políticas apresenta uma base de partida extremamente difícil. Mas para Angola há um elemento adicional a ser considerado nas escolhas públicas: o cultural. O desenvolvimento para que aconteça tem de estar culturalmente assimilado, não pode ser imposto, tem de ser sentido como uma necessidade crucial e social.

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O conceito de desenvolvimento, por mais que se insista ao nível de determinadas instituições internacionais e de certas correntes do pensamento económico, não é, ainda, universal. E não o é porque a cultura não é, nem poderá ser, universal. De resto, creio que neste processo intenso de globalização da economia, a cultura – ou as diferentes culturas se se preferir – é a última fronteira das Nações, a que permitirá diferenciar os povos e preservar as suas identidades. Se assim é, torna-se necessário investigar sobre as formas de conciliar cultura tradicional – a predominante em Angola – com modernidade, a característica mais enformante dos modelos de desenvolvimento ocidentais. Postas estas considerações – cuja intenção foi a de, apenas, mostrar as dificuldades com que o processo de decisão sobre as políticas públicas se debate em qualquer parte e que se encontram agravadas em Angola nas actuais condições – vejamos que perspectivas existem para o desenvolvimento económico no país. A ideia central do meu raciocínio é simples, mas expressa bem o conteúdo do tema. Creio ser perfeitamente possível – para além de desejável – duplicar o produto interno bruto per capita num período de 10 anos. E o meu optimismo fundamenta-se em constatações básicas: a primeira, radica na excessiva capacidade ociosa existente – medida, quer pela elevadas taxas de desemprego da força de trabalho, quer pelos reduzidos índices de utilização das capacidades produtivas instaladas – a segunda, nas dinâmicas internas que têm estado adormecidas, mas que necessitam apenas dum projecto de sociedade no qual se revejam e de estímulos concretos e reais à sua actividade, a terceira, nas reformas económicas e institucionais em curso – e que poderão ter consequências assinaláveis sobre a eficiência da economia nacional – a quarta, no crescente interesse dos investidores externos e, finalmente, no abrangente clima de democracia e liberdade que despoleta as iniciativas e energias privadas. O que será necessário para que a duplicação do produto interno per capita ocorra em 10 anos? Naturalmente que a primeira condição é a dum plano nacional de desenvolvimento pós-conflito a médio prazo que sirva de elemento catalisador das iniciativas privadas e de convergência de interesses entre as classes sociais. Um plano económico cuja vertente política básica seja a reconciliação nacional, sem a qual as intenções de equidade terão poucas chances de se verificar. Mas a duplicação do produto médio por habitante tem outro tipo de implicações, a saber:

a taxa de crescimento demográfico se mantenha nos seus níveis actuais;

a taxa de crescimento do PIB tem de apresentar uma dinâmica de evolução média anual de 10,3% (alguns analistas angolanos de credibilidade comprovada sustentam, mesmo, que uma taxa anual de crescimento do PIB de 15% não é despropositada, tendo em atenção as potencialidades existentes); devo referir que o Governo angolano tem estado a definir novas estratégias sectoriais para a agricultura, a indústria, os transportes, o comércio, a electricidade e as infraestruturas mais adequadas à iniciativa privada, à captação de investimento estrangeiro directo e à recuperação e modernização do tecido produtivo nacional;

as reformas económicas e institucionais têm de conduzir a uma estabilidade económica sustentada, com particular incidência nos preços dos factores e dos bens;

as taxas de investimento se situem em níveis compatíveis, provavelmente, não mais do que 2,5 vezes acima das actuais, o que não é exagerado, tendo em conta as baixas taxas de investimento que ocorreram no passado recente.

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Qual efectivamente o papel do Estado em Angola, num contexto em que praticamente toda a infraestrutura produtiva e económica está destruída, a economia não petrolífera está marginalizada dos fluxos internacionais de trocas e investimentos, o desemprego atinge cifras assustadoras e as carências sociais são gritantes? As políticas interventoras do Estado terão de ser configuradas de tal maneira que sejam o resultado dialéctico das causas da crise que assola o país, das doutrinas mais ou menos liberalizantes do funcionamento da economia, dos compromissos internacionalmente assumidos e dos anseios das populações, tarefa que, convenhamos, não é fácil de executar e muito menos de sintetizar. A pobreza é uma das grandes preocupações, entre tantas outras, da sociedade civil angolana. Não só por razões de ordem moral e dos direitos humanos. Mas também, porque este fenómeno significa a subtracção de enormes recursos ao desenvolvimento interno. A existência dum índice de pobreza estimado em cerca de 70% da população total do país tem como consequência económica imediata a redução do Produto Interno Bruto numa proporção correspondente a essa fatia populacional ponderada pela respectiva produtividade. Assim sendo, a amenização substancial da incidência da pobreza deve ser um dos objectivos estratégicos da governação, numa estratégia geral de recuperação da economia e de reabilitação dos valores essenciais da sociedade, como a reconciliação nacional e a solidariedade humana. Depois destas palavras todas – eventualmente sem grande sentido prático quando enquadradas nos problemas reais da maioria dos cidadãos, provavelmente remetidas para o sótão das teorias por quem costuma ter medo dos debates de ideias, quiçá sem grande oportunidade num seminário em que a estatística é o tema central – fica por se saber a ligação entre a pobreza (suas estratégias e políticas de reversão e erradicação) e a produção de informação. É justamente disso que os parágrafos seguintes se propõem tratar. Não será suficiente, do meu ponto de vista, definir um conjunto de políticas e de programas de investimento – ainda que coerentes e compreensivos entre si – para se atacar, com profundidade, o problema da pobreza no país. Tão fundamental quanto isso – partindo da assunção de que existe efectiva vontade política para combater a pobreza – é o monitoramento da estratégia que vier a ser definida. Um observatório sobre a pobreza deve ser constituído no Instituto Nacional de Estatística integrando três tipos de indicadores. O primeiro parte da hipótese de que o crescimento económico é o antídoto mais eficaz e sustentável de combate à pobreza e é constituído por indicadores desfasados, ou seja, indicadores que agregam variáveis que reagem posteriormente às variações da actividade económica. Estes indicadores são sobretudo utilizados para se confirmarem pontos de viragem. O indicador mais usual é o desemprego: sua expressão (taxa de desemprego) e sua duração (desemprego temporário ou de longa duração). Podem ser adicionados a variação no número de beneficiários da segurança social (subsídio de desemprego), a incidência sectorial e espacial do desemprego e a especificação do desemprego por grupos populacionais de risco (deslocados, desmobilizados, mutilados de guerra, etc.). A razão de centrar este grupo de indicadores no desemprego é porque considero o emprego como a variável estratégica para o combate à pobreza numa perspectiva sustentável de longo prazo. O segundo grupo, designado por indicadores coincidentes, agrega variáveis que reflectem a situação corrente da pobreza no país. Destaco deste grupo a taxa de escolarização, a taxa de analfabetismo e a taxa de acesso aos cuidados primários de saúde. A indicação destas variáveis pressupõe, como é evidente, que as mesmas

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serão tomadas em consideração na estratégia geral de redução da pobreza e aí se expressem por projectos e acções concretas. Mas há um destaque muito particular neste grupo de indicadores coincidentes: o índice de preços no consumidor. Como se sabe a inflação é particularmente dilacerante para os pobres, afectando, de modo radical, os seus rendimentos e os mecanismos de distribuição da riqueza nacional em cada ciclo da sua constituição. Por isso talvez fosse aconselhável destacar do actual IPC produzido pelo INE dois sub-índices, um centrado no consumo privado básico, aonde se incluiriam as classes alimentação, vestuário, petróleo, água e transportes e um outro focalizado em certos consumos sociais, como despesas de saúde e de educação. Com semelhante intenção – qual seja, a de acompanhar mais de perto os impactes das políticas, projectos e acções da estratégia geral de redução da pobreza – poderiam ser construídos índices de preços no consumidor por zonas de maior incidência da pobreza, como o são as do interior (Malange, Lundas, Moxico, etc.). Finalmente, um terceiro grupo de indicadores, designado de indicadores avançados, e que agregam variáveis que poderão antecipar o comportamento futuro da pobreza. Relevo deste grupo de variáveis o volume global do investimento público, o investimento público em educação e saúde (destacando-se o tempo de maturação previsto – construção, equipagem, organização e entrada em funcionamento), as intenções de investimento privado (sectores de actividade, zonas geográficas de implantação, provável emprego a criar), evolução esperada da actividade na indústria transformadora (inquéritos de opinião junto dos empresários), licenças de construção, etc. Se estas variáveis forem devidamente monitoradas é possível antecipar de pelo menos seis meses o comportamento provável da pobreza. Muito se tem escrito e, eventualmente, estudado sobre as causas da pobreza em Angola. Provavelmente a última palavra sobre esta matéria ainda não terá sido dada, tão complexa é a situação económica e social do país. Do que efectivamente há certeza – comprovada inclusivamente por investigações internacionais – é que sem crescimento económico, sustentável e equitativo, não estarão criadas as condições fundamentais para a erradicação da pobreza. Do que se sabe, comprovadamente, é que a educação, a formação profissional, a saúde e outras acções de melhoria qualitativa dos recursos humanos são de capital importância para a redução da pobreza. E se assim é de facto – evidências empíricas não faltam – então volta-se a colocar o papel do Estado nesta economia concreta: é a si que deve competir, seguramente em consonância com a sociedade civil angolana e com a comunidade de parceiros económicos do país, o essencial da recuperação dos fundamentos da economia – para utilizar a terminologia consagrada por Jan Tinbergen – em termos físicos, materiais , morais e institucionais. 5.- A POBREZA ENQUANTO CONSTRANGIMENTO AO DESENVOLVIMENTO (Comunicação apresentada ao Ciclo de Conferências da Fundação Sagrada Esperança

sobre “Os Grandes Desafios de Angola para os Próximos Dez Anos”, 14-16 de Novembro

de 2000) INTRODUÇÃO

Talvez nunca como nos tempos que correm um fenómeno social tivesse tão grande incidência mundial como a pobreza. A condição de pobreza é capaz de afectar hoje mais de um quarto da população mundial, com particular relevância para os países em vias de desenvolvimento. No entanto, a partir da segunda metade da década de 80 a

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pobreza deixou de ser um fenómeno exclusivo dos países menos desenvolvidos, registando-se situações catastróficas mesmo nos países desenvolvidos e que afectam, sobretudo, as minorias étnicas e raciais. A pobreza provoca, de imediato, a exclusão social, uma vez que a ausência de instrução e de rendimento impede o acesso aos direitos materiais e imateriais facultados por uma sociedade. Assim sendo, quanto maior a percentagem de pobres maior será a subtracção de recursos humanos ao processo produtivo e, consequentemente, menor a capacidade de criação de riqueza nacional. A pobreza e a exclusão social aprecem relacionadas, em termos da sua génese mundial, com o declínio no final dos anos 70 do paradigma da Economia Mista de inspiração keynesiana. Este paradigma da política económica estabelecia, como fundamentos da sua intervenção, o reforço da actividade redistributiva do Estado (Welfare State), a gestão da procura agregada por parte do Estado e o planeamento económico como instrumento de orientação da afectação dos recursos económicos. O paradigma da Economia Mista foi fortemente atingido pela explosão do ultra-liberalismo económico, que deu origem à crescente globalização da economia. Deixou de ser possível regular uma economia, cada vem mais internacionalizada, através dum aparelho político nacional, fraco e fragmentado. Defende-se, mesmo, que com o ultraliberalismo – de que a globalização é a sua expressão mundializada – se assiste à destruição da capacidade das sociedades agirem por si e sobre si próprias, ou seja, assiste-se à própria destruição da democracia. Aliás, a pobreza é, por si só, um atentado à democracia, não apenas porque representa uma violação dos direitos humanos, mas, também, no sentido do não respeito de direitos económicos e sociais elementares. Têm sido apontadas diversas causas para a pobreza em Angola. O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano em Angola (PNUD, 1997) refere que a pobreza é o resultado de uma “combinação de factores históricos, políticos, guerra, ecológicos, demográficos, administrativos e sócio-económicos”, ou seja, tudo neste país é uma causa da pobreza das suas populações. Com uma visão tão geral – porventura correcta porque no fundo tudo condiciona tudo em economia – a probabilidade de se encontrarem as políticas de erradicação mais eficazes é menor. A guerra é evidentemente uma disfuncionalidade política e social que justifica bastante da pobreza, particularmente em termos das suas consequências sobre os modos de produção mais tradicionais e sobre sistemas sociais frágeis. Há uma abordagem da génese da pobreza que não é vulgar ser considerada, mas que entendo ter alguma verosimilhança para o país. A pobreza no mundo tem sido o produto dum movimento dialéctico de integração e de exclusão económica num contexto de globalização da economia. Integração no sentido duma crescente participação na dinâmica de crescimento mundial. Exclusão numa perspectiva de marginalização nos fluxos mundiais de trocas, investimento e financiamentos, em que um dos sintomas para os países em vias de desenvolvimento é a dependência em relação à Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Angola tem sido “vítima” deste movimento contraditório. A sua economia petrolífera tem participado do movimento integrador, com uma dinâmica de crescimento e uma performance económica comparáveis às das economias-locomotoras do processo de globalização. Na outra economia – ou como já alguém se referiu como sendo a “economia para cá do petróleo”160 – o fenómeno dominante é o da exclusão e marginalização da economia

160

PACHECO, Fernando – Para Cá do Petróleo: a Agricultura Angolana em Questão, Ciclo de Palestras

“Angola vista pelos angolanos” da Alliance Française, Janeiro de 1998.

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mundial. Esta outra economia é não apenas periférica da economia petrolífera – esta sempre se colocou numa posição de sobranceria económica face ao resto da economia nacional, atitude justificada pela sua lógica de funcionamento assente no dólar e facilitada pelas condições contratuais concedidas pelo Estado -, como, e num sentido mais profundo, da economia mundial. Uma periferização facilitada e agravada pelas consequências da guerra – deve sublinhar-se que a economia não-petrolífera foi a única vítima do conflito militar interno – pela persistência de especializações produtivas herdadas do período colonial e pouco adaptadas à procura mundial e por um modelo de gestão macroeconómica pouco ajustado às grandes mutações iniciadas em meados da década de 80. A falta de capacidade de funcionamento e de adaptação da economia não-petrolífera provocou situações graves de depauperação da população e de decomposição social da família e de outras instituições nucleares da sociedade. Foi por aqui que começaram os fenómenos de exclusão social, como a falta de cidadania, o insucesso escolar, o desemprego, a prostituição, as crianças de rua e a economia paralela. O sector informal é, talvez, o resultado mais evidente da contradição entre integração e exclusão da economia nacional à escala mundial, facilitada e potenciada pelo seu sector petrolífero. Em contextos desta natureza – ou seja, de economias nacionais desarticuladas, em que algumas das suas componentes são periféricas dos sectores mais estruturados e competitivos e integrados na economia mundial – a abertura das economias pode, ainda mais, agravar a desintegração social interna. O mecanismo concorrencial constitui, regra geral, um jogo de soma nula, traduzido por uma redistribuição de partes do mercado. A integração de novos países na dinâmica capitalista mundial pela via da concorrência pode suscitar fenómenos de exclusão maciça em regiões de industrialização antiga com dificuldades de reconversão. Assim sendo, pode-se, em certa medida, considerar que a economia petrolífera nacional é uma das partes do problema da pobreza no país:

pela forma como se estabeleceu no país depois da independência, com uma série de condições vantajosas para os investimentos das concessionárias e um modelo completamente virado para o exterior;

pelos efeitos de atrofiamento que exerceu sobre a economia não-petrolífera, traduzidos na política do dinheiro fácil, que possibilitou taxas de câmbio sobrevalorizadas, importações em excesso, aumento desmesurado do sector público administrativo e do sector público empresarial, financiamento duma guerra eterna, desperdício na utilização de recursos e destruição do tecido produtivo interno. Curiosamente o “dinheiro fácil” não foi aplicado na reconstrução/construção de infraestruturas, salvo algumas de balanço custo/benefício discutível.

O Estado encontra-se numa posição fragilizada perante as multinacionais do petróleo em Angola (depende da sua actividade para financiar a guerra), não estando, por conseguinte, em posição de colocar exigências mais consentâneas com o sistema económico nacional. A expectativa existente é a da obtenção de crescentes receitas fiscais e bónus de outra natureza, rendimentos que têm sido inconsequentes em termos de criação de empregos, embora com algum peso no eventual alívio dos desequilíbrios das contas internas e externas. A dimensão da pobreza no país pode ser avaliada, numa abordagem imediatista, pelo montante de investimentos a realizar para o seu alívio a longo prazo. O PNUD (1997) calcula o esforço financeiro em 3,2 biliões de dólares norte-americanos para que em dez anos se pudessem apresentar reduções aceitáveis nos índices de privação da população: 1,6 biliões de dólares americanos para se tornarem acessíveis serviços

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sociais básicos a toda a população e 1,6 biliões para se reduzir o hiato entre o rendimento anual dos pobres e o rendimento mínimo a partir do qual deixariam de o ser. Outros analistas e investigadores vão mais longe ao estimarem volumes anuais de investimento da ordem dos 500 milhões de dólares só para a constituição do capital humano. Estima-se entre 64,5% e 70% da população do país está em situação de pobreza, dos quais 78% em áreas rurais e 40% em áreas urbanas161 Numa perspectiva de conhecimento profundo e generalizado do fenómeno, três universos populacionais deveriam ser considerados, a saber, o universo urbano, o universo rural e o universo dos deslocados de guerra. Os deslocados de guerra constituem um universo populacional muito interessante. São amplamente conhecidos os movimentos sociais que na Europa Ocidental se têm organizado para chamar a atenção para os diferentes aspectos da exclusão social. São os movimentos dos “sem”: sem emprego, sem abrigo, sem papéis, etc. Justamente a população deslocada de Angola reúne em si mesma todas estas características dos movimentos dos “sem”, porquanto, a um tempo, os deslocados não têm abrigo (habitação condigna, claro), não têm emprego e, na maior parte dos casos, não têm papéis. Acrescem, no entanto, outros aspectos: não têm dinheiro nem meios de o obter, não têm instrução e não têm saúde. Por isso defendia a necessidade de, numa abordagem convergente da análise da pobreza no país, este universo merecer uma atenção particular. O combate consequente contra a pobreza passa pela aplicação de estratégias integradas em diferentes domínios – de resto já referidos na secção anterior – e que devem destacar o aumento da produtividade, a melhoria das condições de vida das populações e a geração de rendimentos. Estas estratégias subentendem um princípio importante, qual seja, o da devolução ao emprego e à produção duma prioridade que, no passado foi subvalorizada pela sobrevalorização cambial e actualmente, está a ser confiscada pelos domínios monetários e financeiros. Para se combater consequentemente a pobreza é necessário aumentar o consumo interno, distribuir poder de compra (por intermédio do abaixamento de determinados impostos, do controle da inflação em níveis baixos e estabilizados, da estatuição do salário mínimo e do reforço voluntarista das actividades geradoras de rendimento) e apostar no capital humano nacional. A pobreza é tida como uma condição caracterizada pela privação de necessidades fundamentais em termos de alimentação, água e saneamento básico, habitação, saúde e educação e pela falta de meios e oportunidades para as satisfazer. O já citado relatório do PNUD (1997) aponta para um índice geral de privação em Angola de 59%, com assinaláveis diferenças regionais:

Regiões Esperança de vida (anos) Índice de privação humana

Angola 42 59,0

Angola urbano 44 53,2

Angola rural 41 64,2

Luanda, Bengo, Cabinda 44 52,9

Zaire, Uíge, Malange 42 63,3

Lundas, Moxico 42 68,2

Benguela, Kuanza-Sul 44 57,5

Huíla, Cunene e Namibe 42 62,6

Huambo, Bié, K. Kubango 42 62,8 Fonte: Relatório sobre o Desenvolvimento Humano em Angola, PNUD, 1997

161

Conforme INE – Poverty Alleviation Policy, Pursuing Equity and Efficiency, 1998.

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Confirmam-se as desigualdades em termos de crescimento económico e oportunidades de o aceder e a existência de autênticas regiões de risco, que aconselham, desde já, a que qualquer estratégia concreta de erradicação da pobreza contenha políticas económicas claras de vertente regional e mesmo local. APRESENTAÇÃO SUMÁRIA DOS RESULTADOS DUM ESTUDO INTERNACIONAL SOBRE OS FACTORES DE REDUÇÃO DA POBREZA

A preocupação pela pobreza é universal. Quer em termos de realidades nacionais, quer numa perspectiva mundial. E esta preocupação é razoável, porque se sabe que a pobreza significa a subtracção de enormes potencialidades ao desenvolvimento económico nacional e mesmo numa perspectiva de inter-relações económicas entre as Nações – países pobres não contribuem para a intensificação das trocas internacionais. Mas também porque moralmente é condenável, num contexto de igualdade de oportunidades e de redistribuição justa do rendimento. Mas, ainda, porque a pobreza incomoda os ricos: “há poucas dúvidas de que a penúria dos pobres afecta, de facto, o bem estar dos ricos. A verdadeira questão é se esses efeitos devem entrar no conceito de pobreza como tal ou se deveriam figurar nos possíveis efeitos da pobreza.”162. Mas é curioso verificar que mesmo em estudos apoiados por instrumentais analíticos e metodológicos considerados isentos, a vertente ideológico-doutrinária aparece como a determinante, em última instância, do modo como as pesquisas são organizadas e efectivadas, da escolha das variáveis a serem observadas, da definição das amostras, etc. Perante a crescente onda de críticas ao ultra-liberalismo económico, responsável, para algumas correntes de pensamento, pelos fenómenos de exclusão social e de pobreza que se verificam em toda a parte, incluindo os países mais desenvolvidos, os defensores do liberalismo económico e da redução/eliminação da intervenção do Estado na economia procuram demonstrar que determinados factores, de natureza liberal e liberalizante, têm consequências positivas sobre a redução da pobreza. Alguns destes resultados têm levantado dúvidas, nomeadamente em sistemas económicos e sociais desarticulados e frágeis e onde o entremetimento sobre a pobreza depende, em primeiro lugar, da actuação do Estado e só depois da intervenção dos mecanismos de mercado. Todavia, existem dois factores sobre os quais a unanimidade é total num quadro de interactividade e de inter-relacionamento fortes com a pobreza: o primeiro é o crescimento económico, do qual depende o aumento da actividade económica, a capacidade de geração de empregos e a possibilidade de se multiplicarem os rendimentos. Todas estas consequências do crescimento económico actuam favoravelmente sobre a redução da pobreza por razões evidentes. Uma questão que fica, no entanto, em aberto é o modo como este crescimento se processa, ou seja, a qualidade do crescimento. Não são poucos os casos por esse mundo fora em que o crescimento económico tem sido feito com alargamento do desemprego e aprofundamento das desigualdades. O segundo factor é a inflação. É por demais evidente que as disfuncionalidades nos sistemas de preços, quando permanentes e de alta intensidade, limitam o crescimento económico, inviabilizam o investimento produtivo, ampliam o investimento especulativo e abrem brechas irremediáveis na distribuição dos rendimentos. Consequências

162

Amartya Sen, Prémio Nobel da Economia de 1998 – Pobreza e Fomes, Terramar, 2000.

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evidentemente nefastas para os pobres e para as estratégias que procuram reduzir a incidência dos fenómenos de privação humana e de exclusão social. São estas – e outras – as questões que David Dollar e Aart Kraay do Grupo de Pesquisa para o Desenvolvimento do Banco Mundial trabalharam num estudo realizado sobre informações quantificadas de 80 países em diferentes estádios de desenvolvimento e cobrindo quatro décadas, num total de observações estatisticamente aceitável. O estudo é, enfaticamente, intitulado “Growth is Good for the Poor” e foi publicado em Março do corrente ano. As preocupações de partida que os autores consideraram como relevantes para a sua pesquisa foram:

a relação entre o rendimento médio dos pobres e o crescimento económico em geral;

as eventuais perturbações nesta relação, introduzidas pelas diferenças de níveis de desenvolvimento entre os países e pelas crises de crescimento;

a relação entre grau de abertura das economias – relacionado com as políticas de liberalização do comércio internacional – e redução da pobreza pelo viés do crescimento económico;

a existência de políticas não necessariamente pró-crescimento (traduzidas por variáveis como o nível de despesas do Estado, despesas sociais do Estado, etc.), mas com importância para os rendimentos dos pobres; o estudo desta questão proporcionou resultados surpreendentes, particularmente para quem tem da intervenção do Estado uma visão exageradamente social e quase idílica.

Outros aspectos foram, igualmente, levados em consideração pelos investigadores citados, mas com relevância menor, como, por exemplo, a transparência, os sistemas judiciários, etc. As conclusões mais relevantes – e que sinteticamente as apresento de seguida em quadros mais sugestivos – são:

na esmagadora maioria dos casos estudados a correlação entre aumento do rendimento médio dos pobres e crescimento económico, simbolizado pelo rendimento per capita nacional, é fortemente positiva, tendo-se encontrado situações em que o aumento médio anual do rendimento dos mais pobres se situou nos 2%;

também para uma significativa maioria das situações observadas, as variações no rendimento médio dos mais pobres são explicadas em 80% pelas variações no rendimento médio global, sendo os 20% restantes devidos a diferenças na distribuição do rendimento;

em situações de crise económica e particularmente nos países em desenvolvimento, a queda do rendimento médio dos pobres está mais relacionada com a inexistência/fraqueza dos sistemas de segurança social do que propriamente com a recessão da actividade económica;

determinadas instituições e políticas – tais como macroestabilidade, disciplina fiscal/orçamental, abertura da economia e sistema judiciário – foram identificadas como pró-crescimento e em grande número de casos com impacto sobre o rendimento médio dos pobres, embora com diferentes tonalidades;

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a globalização – aproximadamente medida pela abertura das economias – tem, na opinião daqueles investigadores, efeitos, geralmente positivos sobre o rendimento médio dos pobres;

a educação primária apresenta efeitos positivos sobre o crescimento, mas pouco perceptíveis sobre a distribuição dos rendimentos, o que beneficiaria os pobres;

as despesas sociais do Estado apresentam uma muito ténue relação com o crescimento económico e com a distribuição do rendimento, o que para os autores talvez se fique a dever à sua deficiente programação e gestão (identificação dos melhores projectos, modalidades de financiamento).

Uma reflexão particular deve ser feita em relação às conclusões que os autores retiram quanto aos efeitos da globalização sobre o rendimento dos pobres. E o essencial dessa reflexão é-me dada por recentes declarações de Joseph Stiglitz (ex-economista chefe do Banco Mundial): “… a agenda da liberalização comercial é feita numa relação muito desequilibrada. A agenda é definida pelos países desenvolvidos com base nos seus interesses. Após o último ciclo de negociações, o Uruguay Round, a África Subsariana ficou em pior situação do que estava. Houve liberalização comercial para os produtos que os países desenvolvidos queriam exportar, mas não para as exportações de produtos agrícolas, entre os quais estavam os produzidos pelos países subdesenvolvidos. A liberalização dos serviços financeiros é do interesse dos Estados Unidos, mas não é prioridade dos países subdesenvolvidos. Assuntos relacionados com a propriedade intelectual, do interesse dos EUA, foram discutidos, mas não o foram assuntos do interesse dos países em desenvolvimento. Tudo aconteceu de forma desnivelada. O segundo aspecto crítico refere-se ao ritmo da liberalização. A teoria da liberalização comercial diz que os países devem reafectar os recursos para obter vantagens comparativas, devem mover recursos de aplicações de baixa produtividade para outras de elevada produtividade. Infelizmente, em muitos casos, esta teoria é desprezada. A deslocação de recursos para aplicações de elevada produtividade implica que se criem empresas. Para isso é necessário que hajam empresários, uma vez que o processo de destruição de empregos associado à globalização ocorre a uma velocidade superior à da criação de empregos em novas áreas. Uma curiosidade particular dos programas do FMI é a de se querer liberalizar e subir as taxas de juro. Com altas taxas de juro não se podem criar empregos e o desemprego começa a disparar. Ou seja, com estas receitas, deslocamos recursos de actividades de produtividade baixa para outras de produtividade zero. Há um grande contraste. Por exemplo, nos Estados Unidos o resultado da liberalização comercial foi uma taxa de desemprego de 4%. Eles movem recursos de baixa produtividade para produtividade elevada. O desemprego é, pode dizer-se, zero. Em África, o desemprego subiu, nalguns casos, de 25% para 30%, o que corresponde à deslocação de pessoas de trabalhos de baixa produtividade para outros de produtividade zero.”163

163

Joseph Stiglitz, Saí do Banco Mundial para poder falar, Economia Pura nº 26, Julho de 2000.

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Os quadros seguintes sumariam o essencial da pesquisa.

TABLE 1: PRO-GROWTH POLICIES AND THE POOR (Dependent variable is ln (per capita income of the poor))

Indep.variables (1) (2) (3) (4) (5)

ln(per capita in come)

1.055 1.063 1.021 1.042 1.104

(Exports+Impo- ts)/GDP

0.004 -0.004

ln(1+inflation) -0.134 -0.021

Government Consuption/ GDP

0.0001 0.0005

Rule of law 0.005 -0.041

Nº observations 213 232 214 235 210

Source: David Dollar and Aart Kraay, Growth is good for the poor, World Bank, 2000

Verifica-se, portanto, que as conclusões anteriormente avançadas se encontram, neste quadro, devidamente quantificadas, sendo de destacar que o crescimento económico é a variável que se manteve em observação permanente em todas as amostras e que a sua influência no comportamento do rendimento médio dos pobres é, na verdade, assinalável. O mesmo se verifica relativamente à inflação, em que os seus efeitos são claramente perversos sobre o rendimento dos pobres. Deve chamar-se a atenção para o facto de que, para algumas variáveis explicativas, o sinal do respectivo parâmetro de correlação mudar quando todas foram simultaneamente consideradas (última coluna). Prováveis efeitos de “trade off” entre elas podem ter ocorrido. Outras variáveis sociais, institucionais e políticas foram, igualmente, consideradas nesta pesquisa, sendo disso que o quadro dois trata. Gostaria, porém, de assinalar que os autores deste estudo pretenderam avaliar a eficácia de políticas sociais “de per se” no combate à pobreza, tendo para isso correlacionado as respectivas variáveis explicativas com o rendimento per capita dos pobres em dois cenários diferentes, um com ausência de políticas concretas de crescimento económico, e outro com a prevalência deste tipo de políticas – vale a pena lembrar que para Dollar e Kraay políticas de crescimento têm a ver com reformas estruturais de mercado, como a liberalização, a privatização, a abertura da economia, a transparência fiscal e a estabilidade macroeconómica.

TABLE 2 : PRO-POOR POLICIES AND THE POOR (Dependent variable is ln(per capita income of the poor))

Indep.variables Without growth policies With growth policies

ln(per capita income)

1.006 1.138 1.126 1.101 1.225 1.201

Democracy 0.058 0.069

Social spen- ding/total spd.

-1.027 -0.509

Primary enrol- Lment

-0.091 -0.07

Nºobservations 233 105 205 208 103 193

Source: David Dollar and Aart Kraay, Growth is good for the poor, World Bank, 2000

A conclusão geral a tirar é que as políticas sociais de combate à pobreza são muito mais eficazes no contexto duma política económica virada para o crescimento. Prova-se, assim, que o combate à pobreza não se pode centrar apenas em variáveis sociais, tendo de ser abrangente e compreensivo, e daí o coeficiente da variável social por natureza passar de –1.027 para –0.509 (praticamente um ganho de eficácia de 2), a demonstrar que com adequadas políticas de crescimento os aspectos sociais se tornam mais rendíveis.

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Permanece, no entanto, por compreender o valor negativo do parâmetro de regressão, assim como não é aceitável, mesmo em contexto de crescimento, o valor negativo atribuído à educação primária. Um último quadro estabelece, de acordo com critérios econométricos de reconhecida aceitação e credibilidade, os efeitos de todas as variáveis consideradas em termos de crescimento e de equidade (efeito distribuição).

TABLE 3: GROWTH AND DISTRIBUTION EFFECTS OF POLICIES (Dependent variable is ln(per capita income of the poor)

Variables Growth effect Distribution effect

(Exports+Impo- ts)/GDP

0.080 0.004

ln(1+inflation) -0.378 -0.091

Government Consuption/ GDP

-0.426 -0.067

Rule of law 0.541 -0.012

Primary enrolment 0.039 0.000

Democracy -0.061 0.030

Source: David Dollar and Aart Kraay, Growth is good for the poor, World Bank, 2000

Destaco algumas ilações :

a abertura das economias tem mais efeitos sobre o crescimento do que em relação à distribuição, o que já se intuía;

o efeito-distribuição da inflação é apreciável, o que a confirma como um factor relevante das estratégias de redução da pobreza;

são discutíveis os valores que traduzem os efeitos sobre o crescimento e a distribuição decorrentes da intervenção do Estado, particularmente em situações de enormes disfuncionalidades sociais e económicas arrastadas, por exemplo, por uma guerra;

são interessantes os efeitos das variáveis políticas: mais democracia não se correlaciona positivamente com crescimento económico, mas sim com equidade, enquanto que pelo contrário, a transparência e a organização dos sistemas judiciários interagem muito favoravelmente com o crescimento económico.

Todavia, a grande conclusão é que sem crescimento económico sustentado não se combate a pobreza, o que de resto já era conhecido. O alívio da pobreza centrado em variáveis sociais (educação, saúde, formação, saneamento básico, etc.) não se traduz em resultados consequentes. A questão desloca-se, então, para o modelo de crescimento. Um modelo completamente aberto, como aconselham o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, ou um outro, mais auto-centrado, valorizador das dinâmicas internas e dos recursos nacionais? O primeiro de inspiração liberal, enquanto o segundo assentando o seu processo no planeamento económico e numa postura participativa do Estado. Tudo depende das condições de partida, do grau de estruturação e integração das economias, da extensão da pobreza e da dotação de recursos naturais. ESTRATÉGIA DE ERRADICAÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA PARA OS PRÓXIMOS DEZ ANOS

Uma estratégia de redução da pobreza tem de estar ancorada numa estratégia nacional de reconstrução económica e de reconciliação nacional a longo prazo, cujo instrumento intercalar deve ser um Plano Nacional de Desenvolvimento a médio prazo. E a razão é simples de entender e está justificada por resultados de estudos que sobre esta matéria têm sido feitos – alguns dos quais já foram aqui referidos: a pobreza só será erradicada com crescimento económico, geração de empregos e multiplicação

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de rendimentos. Para o que o Estado tem de ter um papel aglutinador das dinâmicas nacionais e agregador das vontades externas. Angola parte para a sua reconstrução em condições desvantajosas, tal a amplitude das consequências que a guerra, a má gestão, a incoerência de certas políticas económicas e a falta de presciência política tiveram sobre a economia e a sociedade. Não há iniciativa privada, nacional e estrangeira, suficiente para, sozinha, responder aos ciclópicos desafios que se colocam para o futuro: criação do mercado interno – para que a integração económica regional se faça com proveito e sem sobressaltos de maior, a economia interna tem de ser nacional, articulada, estruturada e interdependente, ou seja, a integração económica interna deve ter a prioridade – reorganização institucional e técnica do Estado e da sua Administração (constituir uma verdadeira Administração para o desenvolvimento e garantir a passagem dum Estado-obstáculo para um outro agente do desenvolvimento e criador duma cultura de modernidade), valorização das dinâmicas nacionais (empresariado, trabalhadores, recursos humanos), (re)construção das infraestruturas para o desenvolvimento e asseguramento da estabilização macroeconómica. Entende-se que perante a dimensão e extensão destes desafios, o Estado tem de estar presente através do planeamento económico moderno (ou planeamento económico de mercado) e duma governação sábia (“wise governance”), mais do que uma simples boa governação. Quando se aborda a problemática da redução da pobreza em Angola repontam dois aspectos de capital importância: o primeiro, é que só fará sentido falar-se no alívio das precárias condições de vida de 70% da população se, politicamente, for assumida a duplicação do rendimento médio nacional em 10 anos. O segundo, é que não faz sentido assumir a redução da privação humana no país fora dum quadro social de reconciliação nacional efectiva (sendo, justamente, neste contexto que os problemas de equidade se têm de colocar e resolver). Postas as questões nesta perspectiva, vejamos, na prática, o que significa uma duplicação em 10 anos do rendimento médio nacional:

desde logo, que a taxa de crescimento demográfico se mantenha a um nível mais ou menos próximo do actual ou seja, 2,9% ao ano (este é, talvez, o limiar a partir do qual a população pode passar a ser considerada como obstáculo ao desenvolvimento, e já não um seu factor);

depois, que a taxa de crescimento médio anual do rendimento per capita se tem de situar um pouco acima dos 7%;

depois, ainda, que o Produto Interno Bruto tem de evoluir a uma cadência média anual de 10,3%;

finalmente, um volume significativo de investimento164: - só para garantir a renovação da população à sua actual taxa de

crescimento natural, o país tem de investir entre 7,25% e 12% do PIB;

- para taxas globais de investimento da ordem dos 7% não haverá melhoria das condições de vida da população (o investimento reporá, tão somente, ao mesmo nível as condições anteriores);

- a médio/longo prazo só taxas de investimento em torno dos 35% do PIB poderão assegurar a melhoria das condições de vida e da produtividade económica.

Serão possíveis os valores que consubstanciam o desafio estratégico de numa década se duplicar o rendimento médio nacional?

164

Alves da Rocha, Por Onde Vai a Economia Angolana?, LAC e Executive Center, Luanda, 2000.

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Creio que sim. Possível porque:

se registaram taxas semelhantes ou superiores no passado e o país, actualmente, parece não sofrer de nenhuma incapacidade ou endemia estrutural impeditivas de voltar a obtê-las;

muitos países africanos de menores recursos e potencialidades se fixaram como objectivos de crescimento taxas médias anuais de crescimento do PIB da ordem dos 7% a 8%.

Mas, também, possível desde que:

a economia petrolífera e o sector diamantífero abandonem a lógica do dólar e se insiram na lógica do kwanza. As consequências desta alteração serão profundíssimas sobre a economia produtiva e a economia financeira do país;

os investimentos públicos sejam, na realidade, portadores de condições para o crescimento da economia, o que passa por garantir que os mesmos tenham níveis aceitáveis e comparáveis de produtividade económica (estão estabelecidas correlações precisas entre a produtividade dos investimentos públicos e a produtividade dos investimentos privados e do “stock” global de capital fixo);

a estabilização macroeconómica se consolide (o controle da inflação facilita uma distribuição mais equitativa do rendimento nacional);

os sectores agrícola, florestal e pesqueiro assumam uma posição consentânea com as suas reconhecidas potencialidades, porque é destes sectores que depende um crescimento económico mais equitativo e redistributivo, já que são os que maior percentagem da população albergam, os que poderão viabilizar um funcionamento menos dependente e mais autónomo da indústria transformadora e uma efectiva redução das importações de bens alimentares e também os que poderão permitir uma redução do custo dos factores nacionais;

as reformas económicas essenciais se efectivem e consolidem, de modo a devolver a economia aos cidadãos e ao sector privado e diminuir a preponderância da economia petrolífera como a única capaz de gerar divisas;

as reformas institucionais se estabeleçam e endogenizem: redução da burocracia, implantação dum sistema judicial eficiente, promoção da estabilidade institucional, consagração da descentralização, e combate à corrupção;

o emprego seja considerado como a variável estratégica do processo de recuperação económica (o trabalho não pode continuar a ser considerado apenas como uma mercadoria como acontece com as políticas ultraliberais, que não admitem qualquer tipo de regulamentação do mercado de trabalho).

Para a análise prospectiva sobre a redução da pobreza em Angola utilizei - como não podia deixar de ser, dadas as evidentes facilidades de configuração, percepção e raciocínio que esse instrumento confere – o método da cenarização com base no MODANG, modelo de consistência macroeconómica existente no Ministério do Planeamento, sendo os resultados alcançados e as reflexões elaboradas apresentadas de seguida. A questão fulcral da construção dos cenários de crescimento económico focaliza-se na redução/erradicação da pobreza e na estratégia a seguir para o conseguir. São várias as variáveis e os parâmetros que configuram a análise dum cenário de redução da pobreza. Como se sublinhou, os aspectos que a caracterizam são a percentagem da

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população com rendimentos médios diários inferiores a $1 US, a percentagem da população sem acesso aos serviços primários de saúde, a percentagem da população sem acesso ao saneamento básico e à água potável, a percentagem da população escolarizada e a taxa de analfabetismo dos adultos. Estes aspectos traduzem-se indirectamente em algumas variáveis económicas do modelo: despesas orçamentais correntes na educação, saúde e saneamento básico, despesas de investimento público nessas mesmas áreas, produção do sector agrícola (em particular do camponês tradicional) e o PIB não petrolífero. Só um crescimento em todas estas variáveis permite criarem-se as condições para a erradicação da pobreza, o que desloca, então, a questão para o financiamento desse mesmo crescimento. O financiamento do aumento das despesas públicas correntes ou de investimento tem duas vias possíveis: a primeira, mais salutar e racional, por intermédio duma reestruturação das despesas orçamentais, diminuindo-se, drasticamente, as que têm sido orientadas para a cobertura de subsídios diversos e ajustando-se melhor as consagradas à defesa, segurança e ajuda humanitária, o que em termos práticos significa que a redução do défice orçamental se faria pela via da eliminação/redução de despesas ou de efeitos económicos neutros e mesmo perversos e improdutivos ou de evidente dispensabilidade. Esta alteração, se for acompanhada por uma renegociação da dívida externa - que postergue e aligeire o volume de pagamentos do correspondente serviço anual - libertará fundos, porventura suficientes, para o ataque à pobreza por esta via. A segunda fonte de financiamento é a do aumento e diversificação das receitas fiscais, o que coloca a questão claramente no terreno do crescimento económico. No actual estado de coisas o aumento das receitas fiscais impenderá, sobretudo, sobre o sector petrolífero, dada a fraqueza do restante tecido económico interno. O financiamento do combate à pobreza por esta via é económica e socialmente incorrecto, salvo no referente às componentes estruturantes do capital humano. Explicando melhor: o combate estrutural à pobreza deve situar-se abertamente no terreno da constituição dum capital humano que habilite essas faixas da população a obterem os rendimentos necessários. Em termos práticos só é admissível a utilização dos rendimentos do petróleo para se financiarem investimentos na educação, na saúde, no saneamento básico e nas infraestruturas económicas. O financiamento do combate à pobreza nas suas componentes de custos recorrentes deve ser feito por intermédio duma clara reestruturação das despesas orçamentais correntes (parece ser perfeitamente possível este propósito sem minimamente se perigarem os níveis de eficácia administrativa associados). E aparentemente parece ser a melhor opção - pressupondo efectiva vontade política para o combate contra a pobreza - porquanto todos os ganhos que se conseguirem em termos de renegociação e reescalonamento da dívida externa deverem ser aplicados para a constituição dum capital físico e humano para o desenvolvimento económico sustentado. Assim sendo, um cenário voluntarista para o combate à pobreza deve considerar valores suficientemente elevados da elasticidade do consumo público de bens básicos e uma taxa de crescimento dos investimentos públicos na educação, saúde e infraestruturas físicas razoavelmente alta. Quanto à componente rendimento, necessária para o aumento do consumo privado de bens básicos, os sectores da agricultura tradicional e das pescas têm aqui um importante papel de amortecedores da crise e de fomentadores da produção, pelo que ao nível da estratégia e da política destes sectores de actividade económica este aspecto do combate à pobreza ter de ser devidamente considerado e expresso. O

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combate à pobreza pela via dos rendimentos é traduzido, no modelo, pela elasticidade do consumo privado de bens básicos. O cenário básico que configura os eixos principais de combate à pobreza assenta na configuração estratégica seguinte em matéria de variáveis económicas e sociais do modelo: - aumento dos valores da elasticidade do consumo privado de bens e serviços básicos; - crescimento razoável do investimento bruto, nomeadamente do investimento público (nos sectores estruturantes do capital humano nacional como a saúde, educação, saneamento, habitação, infraestruturas rurais) e do investimento privado nacional; para além das considerações já expendidas anteriormente com relação à importância que uma política de investimentos terá para o crescimento e o desenvolvimento internos, é de todo o interesse sublinhar, reforçando os argumentos anteriores, que só para se assegurar o crescimento natural da população a um ritmo anual de cerca de 2,9%, o sistema económico deverá investir anualmente qualquer coisa como 11,6% do PIB, para um coeficiente de eficácia produtiva de 0,25. Estes resultados chamam a atenção para dois aspectos nucleares: a necessidade de se criarem todas as condições para a reversão estrutural dos baixos índices de produtividade económica do sistema produtivo, social e administrativo e a vantagem duma política racional de planeamento familiar que conduza à diminuição das actuais taxas de fecundidade por mulher em idade de procriação; - uma aposta na diversificação das exportações nacionais, prevendo-se um aumento razoável da produção de produtos minerais e agrícolas, com consequências ao nível do crescimento do emprego (redução do desemprego); - uma intensificação da agricultura camponesa, a mais apta a permitir uma taxa média de crescimento do consumo privado básico de cerca de 8,5% ao ano. Esta opção é importante no quadro duma estratégia global de crescimento e pode traduzir uma aposta concreta na construção do mercado interno, com todas as suas implicações positivas. No entanto, esta escolha é, também, relevante dum outro ângulo de análise reversível à melhoria das condições de vida dos cidadãos. Se na realidade quase 70% da população se encontra em situação de pobreza, então o aumento da produção de bens e serviços de consumo básico acrescerá os índices de satisfação das necessidades pela via da multiplicação dos rendimentos e da redução do desemprego; - um maior entrosamento da actividade petrolífera com a dos restantes sectores económicos nacionais, o que pressupõe uma política económica que determine a abolição dos regimes cambiais especiais e o levantamento das isenções alfandegárias concedidas às concessionárias, promova o adensamento da malha de relações de fornecimentos internos (aquisição à indústria e a outros sectores de actividade de quotas crescentes de bens e serviços de produção nacional, do que resultará, pelo menos, a manutenção dos actuais níveis de actividade e emprego: admitindo que em média as concessionárias petrolíferas importam anualmente entre 400 e 800 milhões de dólares, uma quota de 25% induziria uma produção adicional anual de 250 milhões de dólares), estabeleça um maior apoio à constituição do capital humano nacional e fomente maiores re-investimentos na agricultura e indústria por contrapartida dos lucros e dividendos obtidos da exploração dos petróleos; - uma alteração profunda da política de comprometimento do petróleo (reestruturação do perfil da dívida externa), o que, por seu turno, depende bastante da evolução da situação militar; - a renegociação/reescalonamento da dívida externa do país, que poderá possibilitar um incremento, quer da ajuda pública ao desenvolvimento, quer do investimento directo estrangeiro.

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O cenário de combate ao flagelo da pobreza parte do princípio de que só a partir de 2001 estarão reunidas algumas das condições nucleares para a aplicação duma estratégia consequente de erradicação: atenuação da pressão militar sobre as populações e os sistemas tradicionais de produção agrícola, alteração do perfil das despesas públicas (que se poderá traduzir numa nova aposta da política orçamental em áreas directamente reprodutíveis e com um evidente efeito multiplicador sobre a actividade económica) e reinvestimento crescente de parcelas dos lucros e dividendos das empresas estrangeiras como resultado da descompressão militar e dos efeitos da estabilização macroeconómica. Finalmente deve referir-se que o combate à pobreza passa:

pela promoção dum acentuado crescimento do consumo privado básico, da agricultura camponesa, da energia e água, da construção, dos transportes e do comércio;

pelo incremento do emprego (ou nas actuais circunstâncias, pela redução do desemprego);

pela alteração da estrutura do OGE a favor dos investimentos e consumos sociais;

pela estabilidade dos preços, salários, rendimentos e taxa de câmbio;

pela constituição do capital humano nacional, centrado na educação, na formação profissional, na saúde e na investigação científica.

Os resultados encontrados apontam para uma taxa média de crescimento do PIB a custo de factores de 10,9% ao ano até 2003, das importações de 14,5% - bastante do incremento no consumo básico das populações ainda vai ter de depender das importações directas e intermédias - dos investimentos públicos de 49,4%, das outras exportações de 23,6%, do consumo privado de 8,5% e do consumo público de 14,9%. Esta última cifra terá de ser a expressão prática duma aposta concreta no incremento do consumo público de bens básicos e essenciais para a formação do capital humano nacional. Conforme se verifica através do comportamento das importações, esta variável assume-se nos primeiros anos do período de cenarização como determinante do aumento do consumo privado, do arranque da estruturação do sistema produtivo nacional e do incremento das exportações petrolíferas (a componente importada da produção petrolífera pode ser estimada em cerca de 25%), assumindo-se, que a partir de 2001 possam existir condições mínimas para uma política consequente de substituição das importações. A variável investimento é a determinante em última instância da dinâmica de crescimento que se pretende para imprimir um ritmo adequado ao processo de erradicação da pobreza: o investimento privado não poderá variar a uma taxa inferior a 9,5% ao ano, com os parciais de 9,1% para o investimento privado nacional e 9,7% para o estrangeiro. Estas dinâmicas dependerão das reais possibilidades de constituição duma poupança nacional positiva e passarão pela definição de políticas correctas e adequadas de captação de poupanças externas, de investimento directo estrangeiro, de crédito interno à economia, de estabilidade dos preços e de credibilização das políticas públicas. O antídoto para a pobreza em Angola tem de ser encontrado num sistema de organização económica assente no mercado. Disso não há dúvidas, porque inexistem modelos alternativos. No entanto, não se pode ser fundamentalista, até porque a economia de mercado não opera no vazio, implica um determinado sistema ético-cultural e um outro político-jurisdicional, como partes integrantes da infraestrutura

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básica da economia de mercado, que, respectivamente, motivam e enquadram a actuação económica: “por isso, distintas axiologias e distintas organizações político-jurídicas produzem resultados económicos distintos, apesar de pressuporem as mesmíssimas leis económicas gerais. Têm, por isso, razão os que insistem em salientar as causas morais da prosperidade, as quais residem numa constelação de virtudes, tais como, laboriosidade, competência, ordem, honestidade, iniciativa, frugalidade, poupança, espírito de serviço, cumprimento da palavra dada, audácia, em suma, amor ao trabalho bem feito. Nenhum sistema ou estrutura social pode resolver, como por artes mágicas, o problema da pobreza à margem de tais virtudes, porque a longo prazo, tanto a configuração, como o funcionamento das instituições reflectem estes hábitos dos sujeitos humanos, que adquirem essencialmente no processo educativo e conformam uma autêntica cultura laboral.”165

165

João Paulo II, Discurso a la Comissión para America Latina y Caribe, Santiago do Chile, Abril de

1987, citado por José Manuel Moreira – Causas Morais da Prosperidade, Economia Pura, nº 28 Setembro

de 2000.

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CAPÍTULO QUARTO – GESTÃO PÚBLICA E TRANSPARÊNCIA 1.- A CORRUPÇÃO E O SEU IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO PAÍS 2.- INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E DECISÃO MACROECONÓMICA 3.- O PROBLEMA DAS ESCOLHAS PÚBLICAS 4.- O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO E O PROGRAMA DO GOVERNO PARA 2002: AS GRANDES OPÇÕES E A INFLUÊNCIA DA CONJUNTURA INTERNACIONAL 5.- OS DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL NO PÓS-CONFLITO 6.- A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO

1.- A CORRUPÇÃO E O SEU IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO PAÍS (Comunicação apresentada no Ciclo de Palestras promovido pelo Instituto Democrático Internacional – NDI – sobre a Promoção duma Gestão Pública Ética e Transparente, Julho de 1999)

Algumas considerações gerais

A corrupção não é específica de Angola, de África ou de outro qualquer país. Muitos responsáveis políticos escondem-se nesta constatação para justificar os crescentes índices de corrupção que afectam os seus países. No entanto, se é verdade a falta de exclusividade deste fenómeno económico e social, não é menos certo, também, que em determinados países o corrupto acabará por adquirir um estatuto de certa marginalidade social, penalizador do exercício de qualquer actividade económica. Noutros países, mais desorganizados e onde os códigos de conduta moral e social estão degradados, a corrupção adquiriu um “status” forte - pela riqueza que permite constituir e pelo poder económico e político associado - e que acaba por se constituir no principal obstáculo à implementação duma política consequente de combate. O Estado - na sua acepção mais lata - é o objecto predilecto da corrupção. Quanto mais desorganizado se apresentar, mais permeável e permissivo se tornará à ocorrência de desvios de conduta e de comportamento dos seus agentes. Quanto mais discricionário o exercício do poder político e administrativo, maior o campo de afirmação da corrupção: quando se deixa ao arbítrio dos funcionários, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais ou de autorização de importação, mais facilmente se aliciará esses agentes para comportamentos desviacionistas. Mas estaria a solução no estabelecimento de regras rígidas para o exercício da função administrativa do Estado? Vem de longe a controvérsia entre os economistas em torno da questão das políticas económicas - se devem ser guiadas por regras precisas ou se devem conter algum elemento de arbítrio. Evidentemente que quanto maior o elemento de arbitrariedade, maior a possibilidade das políticas públicas serem usadas em benefício particular. Daí que o caminho mais simples para impedir a corrupção seja o da criação de regras precisas e rígidas e o da exemplar responsabilização dos prevaricadores. No entanto, deve atentar-se no facto de que muitas vezes é justamente o excesso de regras que cria um terreno fértil para a corrupção. Ora bem, é exactamente neste contexto que se coloca o problema da Administração do Estado: como ela deve ser para se constituir num esteio do desenvolvimento económico dos países. Esta questão é de particular acuidade em Angola.

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(a) As condições mínimas para o desenvolvimento económico sustentável No actual contexto da economia nacional o desenvolvimento - para que funcione - tem de ser o resultado duma dinâmica. Para que este processo se desencadeie algumas condições devem estar reunidas, porque o desenvolvimento não é, apenas, a soma de factores necessários: * estabilidade institucional e governativa: os programas de política económica têm-se sucedido a uma cadência infernal de 1,3 programas por ano ou de 10,8 meses por programa; * uma vontade real de promover o crescimento económico e o desenvolvimento social da parte da nomenclatura política: os comportamentos restritivos e administrativos provam que a defesa dos interesses individuais tem prevalecido (a quem verdadeiramente prejudica a convergência cambial?); a corrente de pensamento económico dominante não se enquadra em nenhuma das doutrinas conhecidas e pode ser caracterizada por uma maneira especial e peculiar de pensar a economia, um modo de usufruir de benefícios da economia administrativa, um estado de espírito conservador, egoísta e interceiro, não sendo deste modo que o país pode sair do atoleiro, atrevendo-me, mesmo, a afirmar que a economia angolana é um assunto demasiado sério, para ser conduzida por uma doutrina económica que não faça do rigor, da disciplina e da transparência as bases da gestão macroeconómica; * uma muito maior autonomia da sociedade civil, de modo a que o sector privado possa dispor duma margem de manobra para empreender conforme entender. (b) As dificuldades para a retoma do crescimento económico sustentado Angus Maddison refere que o crescimento económico resulta de um conjunto de variáveis, como o direito de propriedade, as instituições políticas e a educação, a tecnologia, o desenvolvimento dos conhecimentos e da administração, o capital e a expansão das trocas internacionais (abertura das economias). Paul Romer sustenta que o crescimento económico depende do investimento e dos conhecimentos adquiridos pela experiência (o progresso tecnológico, ao contrário de Robert Solow, não é exógeno, é o próprio crescimento económico que o engendra). Conjugando as duas teses pode, então, dizer-se que o crescimento é a soma de factores necessários (população e recursos naturais), de factores decisivos (instituições políticas, líderes, tribunais, direito de propriedade, administração pública, educação) e de factores endógenos (tecnologia). Se as teses anteriores forem levadas em consideração, penso que o crescimento económico em Angola não será retomado, duma forma sustentada e generalizada, antes de, pelo menos, 30 anos. As razões são as seguintes: » o país não dispõe de verdadeiras instituições políticas e a sua criação demora gerações ( o direito de propriedade e as instituições políticas desempenham um papel fulcral no desenvolvimento das forças de mercado); » o direito de propriedade privada não está consolidado, sendo, outrossim fundamental uma revolução nos arquétipos culturais da sociedade rural tradicional; » o sistema de educação não está estruturado, sendo provavelmente necessário implementar-se uma verdadeira revolução educativa a 30 anos (universalização do ensino primário, acentuação do secundário e do técnico e consolidação do universitário); o sector da educação deve absorver, no mínimo, 6,5% do PIB (qualquer coisa como 450 milhões de dólares por ano); » não existem estruturas que promovam a produção de conhecimentos (uma sociedade só consegue progredir se for capaz de produzir conhecimento e, por outro lado, a produção de conhecimentos não está sujeita à lei dos rendimentos marginais decrescentes);

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» a Administração Pública é pobre em cultura, conhecimentos e capacidades, estando, por outro lado, minada pela burocracia e corrupção que evidentemente impedem o crescimento económico; » o país não dispõe de infraestruturas nem mínimas, nem muito menos modernas, nos domínios rodoviário, portuário, ferroviário, telecomunicações, redes de informação e sistemas de saúde; » finalmente, “but not the least”, é evidente a escassez de verdadeiras lideranças políticas, reformistas e prescientes, capazes de em dez anos fazerem cinquenta anos (divisa de Juscelino Kubitshek de Oliveira para o Brasil da segunda metade dos anos 50). A actual situação institucional não fornece condições para a retoma do crescimento económico. E não será suficiente - embora seguramente básico - rearrumar os réditos do petróleo (tem de se ter a coragem de, mesmo em situação de guerra, dar total transparência à utilização dos rendimentos do petróleo, uma vez que a defesa e a segurança nacionais são actos normais de soberania e como tal insusceptíveis de serem sequer beliscados; por isso o Orçamento Geral de Estado deveria registá-los todos; a não ser assim fica a desconfiança, legítima de resto, de que se desviam quantias importantes, sob a forma de comissões e sobrefacturações, para enriquecimento individual de quem se encontra muito próximo dos centros de poder). Os recursos naturais não valem muito hoje, ou já não valem tanto como no passado. Seguramente algo vai mal num país quando mais de 65% do PIB e de 95% das exportações são gerados por empresas estrangeiras que exploram - sem valor acrescentado interno - a nata dos seus recursos naturais. (c) A dimensão da corrupção em Angola. Os resultados do inquérito NDI. O Instituto Democrático para Assuntos Internacionais (NDI) patrocinou a realização dum inquérito sobre o fenómeno da corrupção em Angola, destinado a aquilatar do estado actual da consciência social sobre este problema. Este inquérito foi desenvolvido apenas em Luanda e incidiu sobre um painel de 25 destacadas figuras da intelectualidade angolana. O painel foi assim constituído:

* parlamentares ----------------------------- 36% * jornalistas ---------------------------------- 12%

* elementos da sociedade civil ------------ 28% * agências anti-corrupção ------------------ 8% * sector privado ------------------------------ 8%

* representantes do Governo --------------- 4% A análise detalhada das respostas às muitas questões colocadas sobre a corrupção em Angola, permitiu retirar como conclusões mais relevantes as seguintes: * existe uma perfeita consciência sobre o fenómeno da corrupção no país e da forma como o mesmo se manifesta; * 65% dos entrevistados refere a corrupção como específica do aparelho administrativo do Estado: é esta máquina que gere a renda petrolífera, os empréstimos externos e as despesas da guerra; * 35% dos entrevistados acrescenta as empresas públicas como um dos agentes activos da corrupção e como um dos instrumentos mais importantes de apropriação privada dos bens públicos; * 75% dos inquiridos entende o fenómeno como sistémico e, portanto, cultural: sistema de conivências e cumplicidades; * praticamente a totalidade dos intervenientes no painel NDI mostrou-se desencantada com a situação da corrupção no país, por vezes mesmo envergonhada

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por Angola ser considerada em alguns meios empresariais o país mais corrupto da SADC; * 95% considerou a corrupção no país como um sistema estruturalizado e do qual dificilmente se sairá, porquanto: » a corrupção varia numa proporção directa ao número de organizações ou pessoas que detêm poderes de monopólio sobre bens e serviços, » a corrupção varia na mesma proporção dos poderes discricionários das chefias, » 55% da cifra anterior considerou a corrupção como um crime de cálculo, derivado de salários baixos, necessidades altas e da pobreza. Esta corrupção foi designada por baixa corrupção, » 45% da cifra anterior considerou-a como um crime de paixão, alicerçada no egoísmo ilimitado dos “grandes chefes” e poderosos: foi entendida como alta corrupção; * pelo teor das respostas sobre a extensão da corrupção em Angola fica-se com a ideia de que se encontra estatuído um mercado virtual de favores, que obedece à lei da oferta e da procura e se rege por um sistema de preços implícitos: é um mercado onde se não vê dinheiro, mas sim uma espécie de “vales”, onde os preços implícitos dos favores já estão estabelecidos (valores das comissões e das sobrefacturações, preços dos subornos, etc.) e onde, finalmente, é muito difícil separar um favor genuíno dos que se aproximam dos subornos, tal é hoje a confusão e o espírito da “gasosa” reinantes; * não foram identificadas formas atípicas de corrupção, muito embora todo o sistema que a permite e a reproduz seja, ele próprio, atípico: não existe praticamente nada que se obtenha sem pagamentos suplementares. O modo de funcionamento da Administração Pública e de outras entidades é profundamente corrupto; * as formas mais citadas de corrupção foram as comissões, as sobrefacturações, o tráfico de influências e o desvio directo de bens públicos. O suborno e outras manifestações semelhantes foram igualmente destacadas como importantes; * finalmente, 92% dos entrevistados consideram não haver vontade política para combater a corrupção, porque, » a corrupção é endémica e sistémica, traduzida no já referido sistema de conivências e cumplicidades, » a grande corrupção é praticada por quem está no topo das diferentes hierarquias administrativas e políticas, » existe um equilíbrio corrupto entre o primeiro escalão (alta corrupção) e o segundo escalão (baixa corrupção), pelo que ninguém denuncia ninguém; este equilíbrio corrupto também ocorre entre corruptores (empresas estrangeiras e nacionais) e corrompidos (agentes da Administração do Estado e decisores políticos), » tem ocorrido um adiamento sistemático na implementação das reformas económicas e institucionais estruturais, » não existe “boa governação”, » existe um acervo jurídico-legal mais do que suficiente para se iniciar um processo sério de combate à corrupção, só que não há capacidade técnica e política para o implementar com rigor e seriedade. Os participantes do painel NDI foram igualmente convidados a pronunciarem-se sobre as estratégias mais eficazes para combater a corrupção no país, sendo de destacar que, * em mais de 65% dos casos foi apontada a reforma administrativa e a prática de salários mais elevados e dignos;

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* em 30% dos casos identificaram-se as reformas económicas e institucionais, as privatizações e a promoção da concorrência; * em 20% dos casos foi a alteração do regime político considerada como fundamental neste processo; * a punição exemplar dos “peixes graúdos” e o envolvimento das pessoas no diagnóstico da corrupção foram também referidos. Corrupção e desenvolvimento: as influências perversas e as consequências adversas

Aparentemente não existem argumentos válidos para contrariarem a afirmação de que a corrupção é efectivamente um factor de grande perversidade e malefício para o desenvolvimento económico. Não é por acaso que organizações nacionais de vários países se preocupam com este fenómeno, inserindo-se nesta perspectiva a iniciativa dum estudo comparado na região da SADC. Também não deve ser por acaso que as instituições económicas e financeiras internacionais despendem esforços com a realização de estudos tendentes a medir a corrupção e os seus efeitos nefastos sobre o desenvolvimento económico. (a) O quadro geral das consequências económicas da corrupção Quanto mais amplo for o quadro de instrumentos de natureza administrativa das políticas públicas, maior o potencial para a corrupção. O controle deste tipo de instrumentos confere aos funcionários do Estado enorme poder, o qual, se coexistir com um determinado ambiente social e com sistemas de incentivo pouco transparentes (o caso de todos os fundos que se pretendem de apoio ao crescimento da produção interna) e de responsabilização pouco eficientes, permite-lhes a obtenção de grandes vantagens financeiras, para si, seus familiares ou amigos. Ao serem utilizados em causa própria os instrumentos de que o Governo dispõe para influenciar a economia no sentido do crescimento e do desenvolvimento e corrigir as insuficiências/deficiências dos mecanismos de mercado, os funcionários públicos reduzem o poder do Estado e a sua capacidade de actuar sobre a economia de forma intencional e correctiva. Num quadro no qual as políticas públicas devessem ser guiadas e regidas por critérios tradicionais de rigor, disciplina e transparência, a grande consequência da corrupção manifesta-se ao nível da distorção do papel distributivo dos seus resultados, de diversas maneiras: * através de fugas ao pagamento de impostos, favorecendo contribuintes por razões de amiguismo ou de troca de favores; o grande perdedor é o mercado, que funcionará com eficiência reduzida; * por meio da aplicação arbitrária de regras, regulamentações e procedimentos; este aspecto assume particular acutilância na distribuição de crédito administrativo - programas operativos, juros bonificados, priorização de sectores ou actividades - e de autorização de importações; * por intermédio da adjudicação fraudulenta ou viciada de obras públicas ou de contratos de aquisição, visando obterem-se as comissões ou as sobrefacturações; as adjudicações são conferidas não na base dos melhores preços - viciação das regras da concorrência dos mercados - mas sustentadas em critérios de troca de favores e de enriquecimento pessoal; * pelo crescimento da economia informal - para se fugir aos elevados custos económicos e financeiros do exercício das actividades - donde resultam, por um lado, uma diminuição assinalável das receitas fiscais do Estado e, por outro, um sistema de

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alíquotas fiscais cada vez mais elevadas, porque suportadas por um número cada vez menor de contribuintes; * pela imposição de impostos regressivos sobre as actividades económicas empreendidas pelas pequenas empresas; * pela via de contratações e promoções arbitrárias de quadros, técnicos e chefias, os quais, em condições de critérios justos e objectivos, jamais seriam seleccionados; este tipo de comportamento corrupto prejudica a economia de duas maneiras, primeiro pela atribuição dum determinado poder de decisão a quem, manifestamente, não possui competência para tal, depois, pelas distorções que se introduzem no mercado de trabalho, desestimulando-se os mais capazes; * finalmente, a corrupção vicia as regras da procura de trabalho - um dos entrevistados do painel NDI referiu, duma forma lapidar para a economia nacional, este aspecto - fazendo com que se demande emprego não nos domínios e actividades que poderiam utilizar as suas atribuições e competências técnicas de modo efectivamente produtivo, mas naquelas onde for mais fácil e rápido aceder-se às comissões, sobrefacturações, desvios de fundos e de bens, etc.; numa palavra, onde for mais fácil e rápido enriquecer-se. Em síntese: se as pessoas bem relacionadas e bem inseridas nos centros de decisão política conseguem os melhores empregos, os contratos governamentais mais lucrativos, os créditos subsidiados (que se transformam, posteriormente, em irrecuperáveis com as mais estúpidas justificações), as divisas a taxas abaixo das de mercado, etc., etc., etc., é muito pouco provável que as políticas públicas atinjam as metas programadas e sejam os instrumentos para melhorar a distribuição do rendimento e para promover o crescimento e o desenvolvimento. Por outro lado, a corrupção, com todas as suas ramificações, tem um efeito muito adverso sobre as políticas de estabilização macroeconómica, uma vez que estas políticas exigem a redução do défice fiscal, o rigor monetário e a disciplina orçamental. (b) A corrupção no mundo: os resultados dum estudo internacional Pode dizer-se que a corrupção constitui uma preocupação no mundo, com um estatuto semelhante ao da droga, ao do Sida e mesmo ao da guerra. As movimentações que, sobretudo, organizações supranacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), a Transparência Internacional, o PNUD, têm feito, através de relatórios (do Banco Mundial sobre o desenvolvimento mundial de 1997), de acções e tarefas internas, de estudos, etc., são disso uma prova concludente. O mais recente estudo conhecido sobre a corrupção no mundo foi desenvolvido por Daniel Kaufmann e Shan-Jin Wei e apresentado pela primeira vez na reunião anual da American Economic Association, em Chicago em Janeiro de 1998. Os seus resultados principais foram publicados na revista Finanças e Desenvolvimento de Março de 1998, num artigo subscrito por Cheryl Gray e Daniel Kaufmann e intitulado Corrupção e Desenvolvimento. Os gráficos seguintes, retirados do citado artigo, dão conta das conclusões mais importantes:

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Importa referir que este estudo foi feito na base dum levantamento com mais de 150 funcionários públicos de altos escalões e membros-chave da sociedade civil de mais de 60 países em transição e em desenvolvimento e a conclusão geral foi a de que a corrupção do sector público nos diferentes países era o entrave mais importante e grave ao desenvolvimento e ao crescimento das suas economias. Outra conclusão pertinente e retirada do mesmo artigo é a de que a apropriação de activos públicos para uso privado e o desvio de fundos públicos por políticos e funcionários de alto nível (associados com a grande corrupção em vários países, alguns dos quais são flagelados por verdadeiras “cleptocracias”) têm impactos tão claros e adversos sobre o desenvolvimento económico, que os seus custos não justificam discussões sofisticadas. O gráfico anterior - construído por Kaufmann na base das respostas de mais de 3 mil empresas de 59 países pesquisadas no Levantamento sobre a Competitividade Global realizado pelo Fórum Económico Mundial em 1997 - indica que nos países de maior incidência da corrupção, os empresários tendem a gastar uma parcela maior de tempo com burocratas e funcionários na discussão de licenças, autorizações, assinaturas, impostos, etc. Sobre as estratégias de combate contra a corrupção, também os entrevistados se pronunciaram, dando disso relevo o gráfico seguinte.

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Os autores do referido estudo referem existir muitos cépticos quando se coloca o problema de combater a corrupção, sendo os argumentos mais usados os dissabores daí advenientes, os prováveis custos envolvidos e a circunstância de, por exemplo, a Inglaterra ter necessitado de mais de um século para pôr cobro ao flagelo da corrupção. No entanto e felizmente, existem exemplos recentes de países com sucessos enormes na redução da incidência da corrupção, como Hong-Kong, Singapura, Chile, Polónia, Botswana, Malásia, etc. Que estratégias devem, então, ser implementadas para isso? São os resultados que o gráfico anterior ressalta: * a maioria dos inquiridos não considera os órgãos anti-corrupção como eficazes neste combate; para que isso fosse possível deveriam ser criados em ambientes políticos caracterizados por lideranças honestas, pelo isolamento dos servidores civis das interferências políticas; * do mesmo modo se coloca uma ênfase muito forte na liberalização económica, nas reformas orçamentais e fiscais e na desregulamentação dos mercados; * os entrevistados também destacaram os empresários estrangeiros e mesmo outras instituições internacionais como tendo responsabilidades directas enquanto agentes activos da corrupção nos países em desenvolvimento e, como tal, deveriam ser as leis e regulamentos dos seus países de origem a penalizar tais práticas e comportamentos; * a promoção de instituições e regimes democráticos foi outra das vias que os entrevistados indicaram para o combate à corrupção. (c) Corrupção e desenvolvimento em Angola: domínios onde os efeitos são mais nefastos Para além do estudo patrocinado pelo NDI não existem outros, incidentes sobre a realidade angolana, ficando, assim, prejudicadas tentativas de estabelecer relações quantitativas entre a corrupção e os diferentes domínios onde se manifesta de forma adversa sobre o desenvolvimento económico. No entanto, não é difícil descortinar os

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domínios onde, em Angola, a corrupção é, francamente, nociva e tem contribuído para o aparecimento de efeitos perversos e contraproducentes. » a corrupção é um dos factores geradores de pobreza no país

Muito embora se desconheça em quanto o rendimento nacional anual é depauperado pela corrupção, os indícios de um enriquecimento rápido, fácil e expressivo das camadas populacionais ligadas ao poder político e militar podem ser tomados em conta como parte da renda nacional desviada de aplicações sociais e económicas de carácter mais colectivo. Parece aceite a percentagem de 5% do PNB de renda anualmente desviada a favor da corrupção nos países mais corruptos. Se aplicada a Angola, poderia presumir-se que, por exemplo, só em 1997, a corrupção custou ao país qualquer coisa como 350 a 400 milhões de dólares. Se se situar o avolumar do fenómeno a partir de 1992, o país pode ter assistido ao desvio, em benefício particular e pessoal, de mais de 2 biliões de dólares. Coincidentemente, o agravamento do índice de pobreza no país pode remontar, justamente, àquele mesmo ano (recordo que as primeiras estimativas do índice de pobreza feitas em 1994 no Ministério do Planeamento davam uma taxa de pobreza da população de Luanda de cerca de 55%). Um outro aspecto interessante seria comparar o volume anual do custo social e económico da corrupção com os valores da ajuda de emergência concedida pela comunidade internacional às populações pobres e carenciadas e concluir que o aviltamento moral de quem é obrigado a depender da ajuda poderia ter sido minorado com investimentos estruturantes de actividades económicas. O não combate consequente contra a pobreza significa o adiamento “ad eternum” da constituição do capital humano nacional. » a corrupção tem sido o factor primário do processo ilícito de acumulação de capital privado

Os acríticos da corrupção no país sustentam que não pode haver economia de mercado sem acumulação privada de capital. Sendo o Estado o único proprietário, a corrupção acaba por ser o mecanismo mais imediato e directo de transformação de bens públicos em acumulação privada. A transição do centralismo económico e do administrativismo para a economia de mercado fez-se sem projecto e sem estratégia e, ainda por cima, em ambiente de guerra e de desorganização institucional. O processo de geração da acumulação primitiva de capital privado não existiu no sistema colonial por lógica e doutrina de funcionamento e foi impedida após a independência por ideologia do modelo socialista. O sistema de mercado acabou por ser institucionalmente criado sem bases concretas na economia real. No entanto, a acumulação privada de capital por intermédio da corrupção não se tem traduzido em mais economia de mercado, em mais investimento e poupança nacionais, em mais sistema financeiro interno, porque se tem transformado em mais consumo e importações imediatas e sumptuárias, em mais inflação e em mais fugas para o exterior. » a corrupção minou a Administração do Estado

Os serviços da Administração do Estado são hoje o bastião da economia privada nacional: funcionam na base dum “mercado virtual de favores” com preços implícitos e uma lei da oferta e procura. O espaço para a aplicação das políticas públicas de distribuição da renda, de fomento da produção e de correcção dos desequilíbrios macroeconómicos é extraordinariamente reduzido.

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Quando a corrupção é sistémica pode ser representada por uma fórmula,

C = M + P - R que expressa o seu comportamento como uma proporção directa do monopólio da decisão, dos mercados e dos comportamentos (M), do poder discricionário dos funcionários civis na aplicação das leis, regulamentos e medidas de política económica (P) e inversa do grau de responsabilização e da capacidade de levar aos tribunais os agentes e beneficiários da corrupção (R). Aquela equação mostra que a tendência é encontrar corrupção quando as organizações ou pessoas detêm poderes de monopólio sobre os bens e serviços, decidem discricionariamente sobre quem pode recebê-los e em quanto, e agem impunemente perante a lei e mesmo os costumes. Um outro aspecto refere-se à expressão monetária do salário praticado na Administração Pública. A motivação para se ganhar dinheiro por fora é extremamente forte quando exacerbada pela pobreza e pelos salários baixos de fraco poder de compra dos servidores civis do Estado. Além disso, riscos de todos os tipos, como doenças, acidentes e desemprego, não estão cobertos por mecanismos de distribuição e atenuação tradicionais, como os seguros, a previdência social e um mercado de trabalho bem estruturado. A questão do salário dos funcionários públicos é absolutamente dramática: porque não está totalmente claro se o actual envelope salarial é efectivamente todo utilizado no pagamento dos salários, porque o salário médio dum quadro superior, aos preços actuais, não ultrapassa os 60 dólares mensais, porque para se pagar condignamente seria necessário reduzir para 125000 os actuais 198000 funcionários públicos e despender um pacote de cerca de 48 milhões de dólares mensais (resultados preliminares de algumas reflexões que sobre este tema alguns quadros do Ministério do Planeamento têm levado a efeito). » a corrupção fomenta o crescimento do sector informal da economia

Sempre que os sistemas formais de reprodução económica e de garantias sociais são incompletos e ineficientes, assiste-se a uma submersão duma parte importante das actividades económicas, com manifestos prejuízos, pelo menos, em matéria de capacidade de geração de receitas fiscais. A corrupção associada à burocracia, aos esquemas, ao suborno, à “gasosa”, leva a que se desista de iniciar actividades económicas no sistema formal da economia. Se em termos nacionais a necessidade de se trabalhar leva a constituir-se essa actividade mesmo que submersa - ainda se retiram vantagens em termos de rendas, salários, emprego, ... - em matéria de investimentos directos estrangeiros a atitude é simplesmente de desistência. Um estudo sobre a dimensão do sector informal só em Luanda166 aponta para parâmetros interessantes: em 1995 o sector informal de Luanda gerou 544 milhões de dólares de rendimentos (salários, rendimentos de negócios, etc.), 408 milhões de dólares de despesas (alimentares e não alimentares) e praticamente 140 milhões de dólares de poupança. Rendimentos e despesas que não pagam impostos, poupanças que passam à margem do sector financeiro nacional.

166

Mário Adauta, Contribuição para o conhecimento do sector informal de Luanda, 1998.

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» a corrupção e a guerra

Tem-se um pouco a impressão de que, a partir dum certo momento, a corrupção se pode ter transformado num factor de persistência da guerra. E esta impressão decorre da circunstância da classe castrense nacional ser um sujeito importante do processo de acumulação capitalista privada. A guerra tem sido, como se sabe, o principal obstáculo ao reinício do processo de recuperação da produção interna, por três razões essenciais: avultadíssimos recursos financeiros e humanos que anualmente consome, aumento da dívida externa pública e completo divórcio do sector produtivo nacional (o sector militar acaba por assumir, também, um certo carácter de “enclave”, porque as despesas e investimentos realizados têm beneficiado as economias dos países fornecedores). O relegar para plano secundaríssimo da produção nacional é o resultado da corrupção que se faz sentir no sector de aquisições, preferindo-se as importações, não apenas pelas margens de comissões, como pela maior facilidade da sua prática. Não será demais chamar a atenção para a necessidade de se estabelecerem contratos-programa entre as empresas nacionais e o sector militar que comprometam uns e outros nos fornecimentos de bens e serviços. » posição do Estado na economia

O primeiro grande problema para a instauração duma economia de mercado tem-se chamado Estado: é o maior proprietário, é o único exportador (e consequentemente o único agente que gera divisas), um grande importador, o maior empregador da economia, o maior consumidor de recursos, o maior devedor e o maior investidor (sobretudo pela via das suas concessionárias nos petróleos e diamantes). Pouco tem restado para a iniciativa privada. O quadro seguinte procura expressar a dimensão do Estado na economia nacional, desde que se entendeu que a adopção dum modelo de mercado era irreversível:

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POSIÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA (MILHÕES DE USD E PERCENTAGENS DO PIB)

ANOS RUBRICAS

1992 1993 1994 1995 1996 1997

CONSUMO PÚBLICO

1,885.4 (23,6)

1,867.8 (32,1)

1,322.0 (30,8)

2,151.3 (40,1)

2,161.5 (32,7)

2,526.4 (32,4)

.Salários* 1,246.3 (15,6)

686.6 (11,8)

197.4 (4,6)

338.0 (6,3)

569.5 (8,6)

750,9 (9,6)

.Bens e serviços

583.2 (7,3)

1,140.5 (19,6)

1,098.8 (25,6)

1,770.4 (33,0)

1,580,7 (23,9)

1,753.6 (22,5)

.Outras despesas c/ pessoal

55.9 (0,7)

40.7 (0,7)

25.8 (0,6)

42,9 (0,8)

11.3 (0.17)

21.9 (0.3)

Transferências 431.4 (5,4)

308.4 (5,3)

626.6 (14,6)

257.5 (4,8)

221.5 (3.3)

332.8 (4.3)

Juros da dívida externa

463.4 (5,8)

517.9 (8,9)

485.0 (11,3)

547.2 (10,2)

761.0 (11.5)

311.8 (4.0)

Investimento Público

343.5 (4,3)

360.8 (6,2)

141.6 (3,3)

348.7 (6,5)

320.2 (4,8)

494.8 (6,3)

Importações directas do Estado(***)

151.6 (1,9)

296.5 (5,1)

285.7 (6,6)

460,3 (8,6)

411.0 (6,2)

457.0 (5,9)

Despesas c/ defesa e segurança(**)

958.7 (12,0)

1,489.7 (25,6)

1,510.8 (35,2)

1,014.0 (18,9)

1,000.0 (15,1)

1,169.3 (15,0)

Salários militares

287.6 (3,6)

128.0 (2,2)

98.7 (2,3)

187,8 (3,5)

244.8 (3,7)

364.0 (4,7)

Educação 335.5 (4,2)

215.3 (3,7)

73.0 (1,7)

144.9 (2,7)

165.4 (2,5)

171.5 (2,2)

Saúde 167.8 (2,1)

168.8 (2,9)

94.4 (2,2)

166.3 (3,1)

105.8 (1,6)

155.9 (2,0)

Despesas orçamentais

4,513.8 (56,5)

3,497.2 (60,1)

2,931.4 (68,3)

3,406.8 (63,5)

3,308.4 (50,0)

3,725.5 (47,8)

PIB

7,989.0 5,819.0 4,292.0 5,365.0 6,615.0 7,795.0

(*) Inclui salários dos militares (**) A maior parte destas despesas não está registada no OGE (***) Cerca de 26% em média do total das despesas em bens e serviços

FONTES: FMI-Staff Report, 3/9/1997; FMI-Aide Mémoire, 25/5/98

Os valores anteriores demonstram que o Estado se tem alheado completamente da estruturação da economia nacional, investindo verbas absolutamente exíguas na criação das condições básicas para o crescimento: em média não mais de 5% de investimento em infraestruturas, cerca de 2,5% em educação e pouco mais de 2,0% na saúde. Isto quer dizer que as bases materiais e humanas para a afirmação da iniciativa privada não existem. Em contrapartida, o Estado: » retira em média 32% ao PIB a título de despesas com pessoal civil e militar e com a aquisição de bens e serviços; » do montante global de despesas em bens e serviços, gasta cerca de 26% em importações directas, 50% das quais em viaturas. Por esta via, o Estado, ao gastar anualmente quase 500 milhões de dólares nos últimos anos, tornou-se no segundo maior importador da economia, logo a seguir ao sector petrolífero; » deduz, em média, 20,3% da riqueza gerada em cada ano para as despesas com a defesa e segurança, sem qualquer reprodutividade interna, uma vez que as Forças Armadas e de Segurança dão uma total preferência às importações; » está omnipresente na economia, uma vez que as suas despesas orçamentais totais representam, em média, 57,7% do PIB; esta presença inconveniente do Estado infecunda as iniciativas privadas, propicia o tráfico de influências, potencia a corrupção e torna-o numa força inconveniente e até mesmo “chata”; » continua a privilegiar uma política de incentivos a preços e às empresas públicas deficitárias (as transferências têm rondado, em média, os 6,3% do PIB), o que introduz sinais falsos nos mecanismos de formação dos preços.

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Mas a interferência nefasta do Estado na economia, sobretudo em matéria de utilização de recursos, pode também ser apreciada através da evolução do défice das contas públicas em relação ao PIB (de acordo com estimativas do FMI): 25,3% em 1992, 13,9% em 1993, 17,0% em 1994, 26,0% em 1995, 20,4% em 1996 e 12,3% em 1997. No contexto actual só existem duas modalidades de financiamento: crédito ao Estado pelo Banco Central (emissão vazia de moeda) ou empréstimos externos. No primeiro caso, as consequências sobre a taxa de inflação são imediatas. No segundo, trata-se de desviar para o consumo financiamentos que poderiam ser aplicados em infraestruturas e em investimentos produtivos privados. Deste modo se entende claramente que a disciplina orçamental não é nenhum chavão, mas uma necessidade imperiosa para o funcionamento da economia. O Estado é também o único agente gerador de divisas, o que lhe confere uma posição determinante no mercado cambial interno: os agentes económicos privados e os demais interventores sociais estão na total dependência do Estado para a realização das suas operações externas, o que, evidentemente, facilita os comportamentos corruptos dos agentes da Administração Pública. Esta posição de força do Estado é reforçada pela circunstância de ser também o único agente que contrai financiamentos externos, sendo disso prova concludente que a dívida externa (cerca de 10 biliões de dólares em Dezembro de 1997) é totalmente pública: Posição do Estado em termos de moeda externa(em milhões de usd)

ANOS RUBRICAS

1992 1993 1994 1995 1996 1997

Exportações de petróleo

3,573 2,826 2,896 3,400 4,170 4,771

Rendimentos líquidos do Estado

1,965 1,554 1,593 1,870 2,023 2,567

Financiamentos externos

719 291 532 150 642 834

Disponibilidades totais do Estado

2,684 1,845 2,125 2,020 2,665 3,401

PIB

7,989 5,819 4,292 5,365 6,615 7,795

Fontes: MODANG; FMI - Staff Report 3/9/97; FMI - Aide-Mémoire 25/5/98

O Estado assume a posição de maior proprietário da economia, derivada dos confiscos e das nacionalizações de praticamente todas as unidades económicas em 1976 e 1977 ( o parque empresarial à época da independência era constituído por mais de 5000 unidades económicas de pequena, média e grande dimensão). O processo de privatizações tem estado, desde que foi iniciado em 1988, sujeito a pressões de natureza política que culminaram com a decisão de se priorizarem e preferirem os cidadãos nacionais em detrimento dos estrangeiros. As justificações são sobretudo de natureza nacionalista e não económica. Porém, das 1000 unidades de muito pequena dimensão privatizadas em 10 anos, apenas 30% estão em funcionamento mais ou menos normal, e cerca de 50% destas foram, entretanto, vendidas, repassadas ou trespassadas a empresários estrangeiros. Ou seja, por esta via não respeitadora da transparência económica, o Estado promove o enriquecimento - sem trabalho ou esforço - de algumas centenas de cidadãos (porventura importantes para o poder político), deixando de auferir um rédito mais elevado e cujo valor poderia ser aplicado para minorar certas carências da população. O Estado exime-se, deste modo, da sua função primeira de responder pelos bens nacionais, tornando-se num facilitador duma acumulação privada discutível, porque não meritória. E afinal as empresas estatais acabam, na sua maioria, na mão dos empresários estrangeiros.

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Permanecem como propriedade do Estado as grandes empresas importadoras e exportadoras, os bancos comerciais, as grandes empresas de transportes, as grandes e médias unidades industriais e agrícolas, etc. A função económica do Estado não é a de ser proprietário, mas, pelo contrário, de facilitador do desenvolvimento económico, através: * da disponibilização de infraestruturas físicas e materiais eficientes * da constituição do capital humano nacional * do fornecimento dos equipamentos sociais * da garantia da estabilidade macroeconómica e duma sã concorrência * da assunção dum papel de redistribuição dos frutos do crescimento económico.

2.- INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E DECISÃO MACROECONÓMICA (Palestra por ocasião da Semana Angolana de Estatística, Novembro de 2000)

Por vezes as citações têm o condão de expressar numa frase pensamentos tão profundos e pertinentes, que em condições normais se consumiriam, certamente, dois ou três parágrafos. Não resisto a reter duas, que espelham, lapidarmente, a importância das estatísticas na vida social: “ o saber estatístico será um dia uma qualificação tão necessária para uma cidadania eficaz, como o saber ler e escrever” de H.G. Wells e “ primeiro apurai os factos, depois podeis distorcê-los à vontade” de Mark Twain. Sobretudo a primeira ajusta-se que nem um fato feito por medida ao tema que pretendo desenvolver nesta palestra, ao colocar o conhecimento estatístico como um dos pilares básicos duma cidadania responsável, interventora e participativa. Uma cidadania assim é o caminho mais curto e seguro para a consolidação dos sistemas democráticos. Em termos gerais pode afirmar-se que a informação é hoje um factor de progresso das sociedades. Verifica-se que o desenvolvimento dos sistemas estatísticos e de informação tem estado directamente ligado ao aprofundamento e à extensificação dos sistemas democráticos e multipartidários. Com efeito, nas sociedades organizadas nada se faz sem o recurso à informação. O elevado grau de participação da sociedade nas decisões políticas exige dos poderes instituídos informação. Em primeiro lugar, são os cidadãos a reclamarem por informação, de modo a defenderem os seus múltiplos interesses individuais ou colectivos, enquanto trabalhadores, consumidores e eleitores. Esta qualidade de votante, que os “obriga” a diversas vezes por ano exprimir a sua opinião sobre determinados assuntos da vida das suas sociedades, é particularmente exigente em termos de informação. Um voto só o será em consciência se o cidadão estiver devidamente informado sobre o assunto em causa. Aliás, é nesta qualidade de votante que se opera a convergência entre democracia e informação. Os eleitores chamados a escolher entre diversas propostas partidárias têm de estar informados sobre a evolução de muitas variáveis económicas do país, tais como o rendimento nacional - porque é daqui que se reparte a riqueza gerada num ano entre salários, lucros e rendimentos do capital - o consumo privado - quanto maior for o seu crescimento melhores serão as suas condições de vida - o consumo e o investimento públicos, que traduzem o modo como o Estado fez ou pretende fazer uso dos impostos dos cidadãos e dos empréstimos externos. Nestes contextos sociais de grande democracia, a informação representa, acima de tudo, a

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oportunidade de se controlar o compromisso político entre eleitores e eleitos. Quando estes compromissos políticos entre Estado e cidadãos não existem, a importância que se dá à informação é reduzida, senão mesmo nula. Existem ainda países, como Angola, em que a relação entre o poder político e os cidadãos é muito longínqua. Os Estados não se sentem na obrigação de apresentarem as suas contas aos cidadãos, arvorando-se em decisores únicos dos processos de repartição e aplicação de recursos. São países de elevados défices de cultura democrática, quer da parte do poder político instituído, quer da parte da população. E onde existe défice democrático, necessariamente ocorrerá um défice de cultura de informação e de cultura estatística, de igual ou superior expressão. A tradução prática destes défices é a pouca importância dada à produção estatística, à formação dos sistemas estatísticos nacionais, à divulgação e utilização da informação, etc. A criação duma cultura de informação é, para mim, uma das condições de aprofundamento das democracias. Talvez seja mesmo por aqui que o estabelecimento duma cultura democrática deva começar. Porque se o cidadão compreender o poder das estatísticas, passará a reclamar o direito de ser informado. Mas o elevado grau de participação dos diferentes estratos sociais nas decisões políticas que referi anteriormente como uma das características das sociedades organizadas, não se esgota nos cidadãos que são chamados a opinar sobre os assuntos em causa. As empresas - convencionalmente reconhecidas como as células básicas da economia - têm o direito e o dever de participar no jogo democrático das sociedades. E não é pela via do financiamento das campanhas eleitorais, muitas vezes obscuro, porque encobre interesses inconfessáveis. Mas pelo viés da informação. Ao facilitar informação para os órgãos nacionais competentes, as empresas ajudarão a produzirem-se estatísticas fundamentais para se formar a consciência dos eleitores. Mas, sobretudo, contribuirão para a criação duma cultura estatística. Para mim a cultura estatística caracteriza-se pela sensibilidade à informação, por uma dependência de informação e por uma capacidade de gestão da informação. A primeira deve começar na Administração do Estado e nos decisores públicos - é fundamental que se compreenda que a formulação de políticas públicas não deve ser feita na ausência de informação, sobretudo porque as decisões que se tomarem irão afectar a vida de toda a gente - e estender-se às empresas. A dependência da informação deve ser apanágio de toda a sociedade, ainda que não se perfilhe o exagero de muitos países - por exemplo dos Estados Unidos da América - em que se generalizou uma obstinação pela informação e onde quase tudo é reduzido a números. A capacidade de gestão de informação é uma aspecto determinante da cultura estatística. Saber retirar da informação o que melhor ela tenha e saber aplicar os resultados nos momentos oportunos e nas decisões mais importantes é quase uma arte, que tem na sensibilidade à informação um elemento precioso. Longe vão os tempos em que as decisões se tomavam mais na base da intuição do que em dados quantitativos. Os espantosos progressos ocorridos nas áreas do conhecimento que lidam e tratam a informação respondem, em parte, pela utilização crescente das estatísticas nos vários aspectos da vida em sociedade. Mas, também, a generalização da utilização das estatísticas é explicada pelos crescentes entrelaçamentos entre fenómenos económicos, sociais e políticos, que condicionam drasticamente a emissão de opiniões ou a escolha de opções sem o recurso à informação. As repercussões duma decisão mal tomada ou duma escolha mal feita são hoje incomparavelmente maiores do que ontem, dadas, justamente as fortes inter-relações entre os fenómenos sociais que o progresso económico determinou. No domínio dos negócios o exarcebamento da concorrência aconselha a que qualquer decisão de investir, de diversificar ou de exportar se alicerce em estudos concretos,

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claramente demonstradores do sentido e da orientação da decisão. Não fazê-lo é elevar o coeficiente de risco a limiares onde a probabilidade de sucesso se pode reduzir drasticamente. O sector dos negócios foi justamente quem primeiro absorveu a necessidade de informação, tendo, até em determinadas circunstâncias, dado contributos importantes para o desenvolvimento das áreas do conhecimento voltadas para a análise e tratamento da informação. Ao que parece, as primeiras manifestações ao nível das empresas decorreram da necessidade de se conhecer bem a empresa por dentro, detectando-se limitações ou carências e avaliando-se as potencialidades de crescimento e desenvolvimento. A informação é a força vital dos mercados. Se é certo que os mercados de concorrência pura (um único produto ou produtos homogéneos) e perfeita (conhecimento de todas as oportunidades de produzir, investir e trabalhar) são meras figuras da construção da teoria económica, não é menos verdade que a redução das imperfeições naturais dos mercados tem nas estatísticas e na informação em geral um poderoso factor de melhoria do seu funcionamento, em busca da racionalidade e dos equilíbrios. Se é certo que toda a decisão ou opção envolve sempre um risco, a disponibilização de informação minimiza-o. Esta afirmação é geral, aplicando-se mesmo quando os cidadãos exercem o seu direito de intervenção na sociedade. Quando se toma a decisão de votar e de escolher está-se a assumir um risco, que a informação pode minimizar. No domínio das decisões empresariais e públicas a informação associada a determinadas técnicas estatísticas - como a análise probabilística e a inferência estatística - consente a medição do risco. Assim, quando hoje se toma uma decisão, empresarial ou de política económica, pode ter-se a exacta consciência do grau de risco que se corre e da margem provável de sucesso. Deixaram de haver razões para uma navegação à vista e passaram a existir condições para se ir mais longe com uma navegação à bússola. Nas economias organizadas em que o mercado desempenha o papel essencial no processo de afectação de recursos, as empresas são um dos principais agentes da informação. Se forem desposadas de cultura estatística, esta qualidade de agente de informação ou se perde, ou então desadquire o estatuto de que se deveria revestir. Estes agentes de informação desempenham um papel central nos sistemas estatísticos nacionais, quer enquanto possuidores de informação de base, quer na qualidade de utilizadores de informação. Daí que, em última instância, a qualidade da informação dependa do modo como as empresas são administradas e organizadas, isto é, da sua capacidade de gerar e gerir informação. O outro grande agente de informação é a família, a célula básica da sociedade. Existem variáveis macroeconómicas fundamentais para a formulação e gestão da política económica, para cujos valores contribui a actividade das famílias: o consumo final privado e o rendimento nacional. Esta última variável traduz o modo como a produção dum determinado ano se converte em rendimento, a ser repartido pelos intervenientes no processo produtivo. Sem valores certos para este agregado macroeconómico - que é a expressão máxima da actividade económica nacional - desconhecer-se-á o comportamento dum elemento fundamental da estrutura e do funcionamento duma economia. O conhecimento das componentes do rendimento nacional é essencial para o estabelecimento de políticas visando a sua maximização e uma melhor repartição pessoal e funcional. É sobre esta variável que convergem as atenções de empregadores e empregados quando em causa está a discussão de contratos colectivos de trabalho, a fixação de salários mínimos, a repartição dos

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ganhos de produtividade, o estabelecimento de políticas de preços, a definição de políticas de transferências (reformas, aposentações e subsídios de desemprego), etc. O rendimento nacional é uma verdadeira variável política, presente nas disputas de poder nas democracias mais avançadas que praticam a cultura da estatística. Por ser uma variável política por excelência pode estar sujeita a manipulação, só erradicada quando os cálculos forem reconhecidos como isentos, claros e objectivos. Mas o rendimento nacional “esconde”, também, opções de política económica extremamente importantes, sendo de destacar a escolha entre o presente e o futuro. É do conhecimento geral que o crescimento e o progresso das economias dependem da sua real capacidade de poupar e investir. Argumenta-se que quando se privilegia, no processo de repartição do rendimento nacional, o factor trabalho está-se a comprometer o futuro, porquanto os salários estão mais vocacionados a financiar consumos presentes do que consumos futuros (ou seja, o investimento). E mesmo quando se contrapõe que parte dos salários pode ser poupada, constituindo-se, assim, em fonte de financiamento do investimento, responde-se que a poupança originada no trabalho é, muitas vezes, entesourada, permanecendo, portanto, fora do circuito financeiro. O ponto essencial destas teses é o de que a parte do rendimento nacional atribuída a título de remuneração do trabalho é uma fonte importante de financiamento da procura final efectiva, elemento crucial para as decisões de investimento privado. Os lucros representam um potencial de investimento, sem o qual se não processará a reprodução alargada da base produtiva. Verifica-se, por conseguinte, que o rendimento nacional é um agregado macroeconómico extraordinariamente sensível, terreno predilecto de confronto entre sindicatos e grémios patronais. Seguramente que se assistirá proximamente em Angola à recuperação desta variável para o terreno da disputa política, tornando-se num factor de coesão nacional ou de confronto social, consoante os consensos ou as dissensões que se conseguirem. A outra variável que referi anteriormente é o consumo final privado. É sobretudo uma variável de política económica, mas com um enorme poder de influência sobre as decisões microeconómicas de investir e produzir. Enquanto variável de política económica pode ser utilizada como instrumento promotor do crescimento, de contenção da inflação, de acréscimo das receitas fiscais, de incremento das exportações (num quadro de oferta interna rígida e de graves desequilíbrios na balança de transacções correntes, uma contenção no consumo privado pode ser a solução para se aumentarem as exportações), de redução das importações, etc. Valores desagregados desta variável dão conta do estádio de progresso duma sociedade. Com efeito, o desenvolvimento económico está muito correlacionado com a alteração da estrutura do consumo privado final, sendo a predominância de bens alimentares e de vestuário sinónimo de subdesenvolvimento, enquanto que o peso de bens de consumo duradouro e de serviços como a educação, a cultura, a informação e o lazer é a tradução de progresso e de elevados índices do nível de vida. Mesmo neste aspecto o consumo privado continua a ser um instrumento de política económica, ao ser utilizado para contrariar o consumo exagerado de determinados bens em detrimento de outros. Constata-se, assim, que as famílias e as empresas são dois agentes centrais de informação, porque são repositórios importantes de dados estatísticos necessários para se quantificarem duas das mais importantes variáveis da política económica. É, portanto, fundamental que estes agentes compreendam o seu papel no processo de cedência de informação, uma vez que dados falsos ou enviesados comprometem a formulação das políticas económicas e limitam, drasticamente, o seu campo de acção.

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O Governo e a sua Administração Pública são o mais importante dos agentes institucionais. É no exercício da sua actividade que se geram informações estatísticas quantificadoras do consumo final público e do investimento público, duas variáveis do Produto Interno Bruto e da Despesa Nacional. Não é necessário destacar-se a relevância do consumo público, vulgarmente expresso pelas despesas orçamentais com os salários e com o funcionamento corrente dos serviços. Certamente que ainda está na memória dos cidadãos as medidas de contenção do défice do Estado tomadas pelo Governo visando diminuir o volume de financiamento obtido com emissão de moeda. A contenção ou a redução do défice fiscal tem consequências relevantes para o progresso das sociedades, porque, em última instância, o que pode estar em causa é menos educação, menos saúde, menos cultura e menos lazer. Gerir o consumo público é, também, e num outro sentido, assumir posições de intervenção política na sociedade e sujeitar a polémicas as opções quanto a mais ou menos “social”. As chamadas sociais democracias ocidentais - com particular destaque para a Europa - assumem claramente a vertente social como um dos mais importantes alicerces do progresso dos seus países e povos. As economias liberais consideram, pelo contrário, que mesmo os bens públicos como a educação e a saúde, podem ser objecto duma oferta privada para satisfação das respectivas necessidades. Compreende-se, por consequência, que as informações estatísticas sobre o consumo público, sua estrutura e natureza, sejam relevantes para a sociedade no seu todo, porquanto em causa podem estar maiores ou menores níveis de satisfação de necessidades de carácter social. O investimento público joga um papel determinante no crescimento económico dos países. São os investimentos em obras públicas, em reabilitação e construção de estradas, pontes, portos, aeroportos, barragens, habitação, redes de transportes de bens, energia e água, etc., que são uma verdadeira fonte de crescimento económico, directamente, pelo emprego que criam e pelos rendimentos que geram, e indirectamente pelos efeitos multiplicadores que desencadeiam sobre toda a actividade económica, a jusante e a montante. Famílias, empresas e instituições, cada uma à sua maneira, são os esteios das sociedades democráticas e os elementos preponderantes duma cultura da informação. Funções essenciais para a compreensão dos problemas das sociedades e para a tomada de medidas que promovam o seu progresso e o generalizem a toda a população.

3.- O PROBLEMA DAS ESCOLHAS PÚBLICAS (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº 6, Agosto de 2001)

Há bastante tempo que me tenho interrogado sobre o processo das escolhas públicas em Angola. Ou seja, como é que as decisões de política económica e social são tomadas. Do ponto de vista constitucional compete aos órgãos de soberania Presidente da República e Governo a definição das linhas programáticas do desenvolvimento económico e social do país, competindo à Administração do Estado a organização dos processos de implementação das medidas e das acções que darão corpo concreto àquelas determinações.

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Ora bem, é justamente neste quadro que duas questões se colocam. Em primeiro lugar, em nome de quem as prioridades nas escolhas públicas são estabelecidas? Em segundo lugar, na base de que critérios? As respostas científicas a estas questões são dadas pela teoria económica, enquanto que as respostas práticas terão de ser encontradas no bom senso de quem governa. Naquilo a que passei a designar por “wise governance”. A teoria das escolhas públicas é um ramo da economia que se desenvolveu a partir do estudo da tributação e dos gastos públicos. Apesar dos primeiros trabalhos terem surgido na década de 50 só nos anos 80 foram registados grandes impulsos com os trabalhos de James Buchanam, reconhecidos mais tarde com a atribuição do prémio Nobel da Economia. O cerne da teoria das escolhas públicas é a motivação na tomada de decisões de índole colectiva. Na microeconomia, ao serem estudados os comportamentos dos mercados, a conclusão basilar é a de que os agentes económicos (empregadores, empregados e consumidores) tomam as suas decisões motivados pelo interesse próprio. É este o motor da economia de mercado, ainda que uma parte das pessoas e agentes possa basear algumas das suas atitudes na sua preocupação pelos outros. Recuperando, passageiramente, o pensamento de Karl Marx dir-se-ia que esta preocupação dominante consigo próprio é um dos elementos da teoria da alienação marxista, já que no capitalismo é a obtenção do lucro que norteia e comanda todo o processo de tomada de decisões económicas. A teoria das escolhas públicas refere, portanto, que a preocupação dominante com os outros deve pertencer ao Estado e ao Governo, sendo exactamente neste contexto que as perguntas anteriores têm razão de ser: em nome de quem as escolhas públicas são tomadas, na base de que processo e com recurso a que critérios? O principal argumento da teoria das escolhas públicas é o de que as pessoas que actuam no mercado político - eleitores, políticos, “lobbyistas”, burocratas, ministros - embora tendo alguma preocupação com os outros, são essencialmente motivados pelo interesse próprio. Esta conclusão é de capital importância, sobretudo, para os casos em que os regimes democráticos são jovens, não estando, por conseguinte, consolidados, sendo mais permeáveis a manobras de dilação. Com efeito, quanto mais vulnerável for um regime democrático, maior será a avidez para se acentuar a motivação pelo interesse próprio dos gestores públicos no processo de tomada de decisões colectivas: ausência de mecanismos de controle e de fiscalização, limitadas capacidades técnicas dos membros dos parlamentos nacionais, reduzida acutilância das organizações da sociedade civil, falta de informação e de cabal esclarecimento dos eleitores, etc. Aliás, um dos argumentos característicos da teoria das escolhas públicas é a falta de motivação para os eleitores fiscalizarem devidamente os actos e as atitudes dos governos. Mesmo em democracias mais antigas e estruturadas reconhece-se que o eleitor é largamente ignorante sobre os assuntos políticos. Trata-se, no entanto, duma ignorância racional, porque propositada e selectiva. Na verdade e a despeito dos resultados das eleições serem, indiscutivelmente, muito importantes, o voto dum indivíduo raramente decide uma eleição. O que quer dizer que o impacte dum voto bem informado é praticamente nulo. Assim, perder tempo a informarem-se sobre os assuntos políticos não é gratificante para os eleitores. É esta ignorância racional que explica as grandes margens de abstenção que cada vez mais se vão registando nas eleições. Sustenta a teoria das escolhas públicas que esta motivação para a ignorância é rara na economia privada. Qualquer agente económico, antes de tomar uma decisão de

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afectação de recursos, reúne toda a informação relevante, de modo a maximizar os benefícios e a minimizar os custos. Mas ainda que a motivação eminentemente de sobrelevância do interesse próprio no processo de decisão pública possa ser remanescente, a metodologia da política económica consagra diferentes capítulos ao processo da escolha pública, naquilo que o mesmo tem de colectivo. Por exemplo, o capítulo referente ao problema da escolha pública na elaboração da política económica refere que é através duma função de preferência colectiva que as correspondentes opções devem ser tomadas. Esta função de preferência colectiva estabelece a ordem de preferências sociais a partir da ordem de preferências individuais dos cidadãos. É através desta função de preferência colectiva que se pode estabelecer uma ordem de preferências - ou um quadro de prioridades - do género

DEFESA EDUCAÇÃO SAÚDE CULTURA Por esta via a chamada ignorância racional de que falava anteriormente - baseada na falta de incentivo para o cidadão exercer o seu direito de voto no uso de todas as informações relevantes sobre as ordens de preferência dum determinado partido político - pode ficar atenuada, porque afinal o interesse próprio está expresso e, em princípio defendido. Ainda que diluído no interesse colectivo. Assim, a resposta à pergunta anterior “em nome de quem as escolhas públicas são feitas?” fica metodologicamente dada: em nome do interesse colectivo expresso numa função de preferência colectiva. As escolhas públicas não deveriam, portanto, ser determinadas por ninguém em especial. Deveria ser a colectividade a exprimi-las e a estabelecê-las. Na base de que processo é que esta função de preferência dever ser estabelecida? Lembro que se está a raciocinar no quadro duma democracia representativa, mesmo que, como a nossa, jovem, manipulável e manipulada e sujeita a uma série de atropelos advenientes dum regime de partido único, constitucionalmente abolido apenas em 1991, mas ainda presente em muitos comportamentos pessoais, políticos e institucionais. A estatuição duma função de preferência colectiva deve obedecer a algumas condições:

todas as ordens de preferências individuais são admissíveis, ou seja, tem de ser possível estabelecer uma prioridade de preferências qualquer que seja o estado de opinião pública;

existe uma ligação positiva entre as escolhas individuais e as escolhas colectivas: se a ordem de prioridade sobe numa qualquer escala de preferências individual e se todas as restantes se mantiverem, então essa decisão deve subir na escala colectiva;

as escolhas colectivas não são impostas do exterior, donde para toda a escolha entre a e b (defesa e saúde, por exemplo) existe pelo menos um estado de opinião pública tal que a colectividade prefira, de facto, a a b;

a última condição é, talvez, a mais importante. A metodologia aplicada ao processo das escolhas públicas exige que não haja “ditador”, isto é, um indivíduo cujas preferências individuais sejam automaticamente as da colectividade.

A expressão das preferências individuais pode ser feita de, pelo menos, dois modos distintos.

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O primeiro é através dos programas dos partidos políticos. Estes programas devem estabelecer uma ordem de preferências relativamente aos problemas mais candentes e importantes do país real. Por exemplo, um determinado partido político pode propor à colectividade uma ordem de prioridades do género,

SAÚDE EDUCAÇÃO DEFESA CULTURA É uma proposta política concreta na qual uma determinada percentagem da população se revê e outra não. Mas para que este processo de estabelecimento duma função de preferência colectiva seja viável é fundamental que a democracia funcione com efectividade e coerência, com alternância do exercício do poder - que confere a possibilidade de apresentação de propostas diferentes de ordens de preferências sociais. O segundo modo de procedimento é pela via das sondagens e inquéritos de opinião. Este método é hoje de utilização generalizada na política e na economia e tem fornecido resultados amplamente aceitáveis. Estas sondagens podem ser realizadas quer pelos partidos da oposição, quer pelo partido do Governo. Para os primeiros, constitui a via pela qual se podem aperceber das ordens de preferências individuais dos cidadãos e estabelecerem, na sua base, uma proposta política concreta de preferências sociais. Para o partido do Governo é importante o conhecimento das alterações das ordens de preferências individuais que certamente ocorrem no período duma legislatura. Em Angola as escolhas públicas não têm obedecido a uma função de preferência colectiva. São os responsáveis políticos, os governantes e os burocratas que estabelecem as suas ordens de preferências face aos vários problemas que se colocam à sociedade. As ordens de preferências de certos grupos de interesse - tais como as igrejas, as associações profissionais, as associações empresariais e sindicais, as associações de consumidores e, mesmo, as ONG’s - não têm sido consideradas porque não está institucionalizado um processo real e efectivo de concertação social. O Conselho de Auscultação e Concertação Social existente acaba por ser mais virtual do que real, porquanto as ordens de preferências dos interesses aí representados não são, normalmente, levadas em consideração para o Governo estatuir uma escala de preferências sociais. Portanto, a ordem de preferências existente,

DEFESA EDUCAÇÃO SAÚDE CULTURA reflecte uma função de preferência do Governo - ou do Estado que ele representa - e não da colectividade. Que critérios devem suportar um processo de estabelecimento e ordenamento das escalas de preferências sociais? Desconheço os que no país são utilizados pelos governantes e pelas Administrações: critérios meramente pessoais - na senda do que a teoria das escolhas públicas postula quanto ao comportamento dos agentes públicos no mercado político - critérios baseados em comparações internacionais para estádios semelhantes de desenvolvimento (ou situações comparáveis de crise militar e política), critérios baseados em suposições quanto ao que os decisores públicos entendem ser as necessidades da população? Não se trata apenas de decidir que a defesa é mais importante que a educação - dum ponto de vista relativo - mas de quantificar esta relatividade das preferências sociais. Ou seja, que a defesa vale, por exemplo, três vezes mais do que a educação e seis vezes mais do que a saúde. Será que esta escala quantitativa de preferências reflecte, de facto, as necessidades sociais por estes bens colectivos? Em princípio deveria ser, mas é evidente que não é isso o que

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se passa. Aquela quantificação da relatividade das preferências colectivas é a que, em média, tem vigorado para o país, mas a base do seu estabelecimento, todos o sabemos, não é social. A escassez, absoluta ou relativa, de recursos financeiros - muitas vezes apontada como um critério para o estabelecimento de prioridades nos gastos públicos - não responde à questão sobre o que fundamenta considerar-se, por exemplo, a educação mais importante do que a saúde. Um critério mais aceitável poderia ser o da quantidade de consumo social desse bem público em particular. Justamente no contexto da teoria das escolhas públicas, a utilidade total e a utilidade marginal dum determinado bem público devem ser critérios a utilizar para se quantificarem os recursos financeiros a atribuir à sua satisfação colectiva. A afectação dum determinado montante de dinheiro do Estado - dinheiro da Nação e, portanto, dos cidadãos - à satisfação duma qualquer ordem de preferências colectivas depende de quanto a população já possua (de quanto a população consuma) de cada um dos bens públicos aí considerados. E neste domínio parece que o consumo social de defesa está muito próximo da saturação, enquanto que os consumos sociais de educação, saúde e cultura se apresentam com “quantus” muito reduzidos. Seguramente que a defesa tem a sua utilidade social. No entanto, esta só é maximizável num contexto em que outras necessidades sociais sejam consideradas com uma importância relativa semelhante. Com efeito, a defesa não é um factor directo de desenvolvimento económico, porque dilacera recursos materiais e humanos que são fundamentais para o progresso social. Em Angola a guerra tem sido um poderoso factor de destruição, e nem mesmo dum ponto de vista indirecto - dinamização da actividade produtiva interna, substituição de importações, desenvolvimento de métodos de organização poupadores de recursos financeiros e disciplinadores do uso dos disponibilizados, construção/reabilitação de infraestruturas económicas, etc. - a mesma tem servido para se mitigarem os seus efeitos mais nefastos. Os “stock’s” de capital humano, físico e social é que são os verdadeiros e únicos factores de desenvolvimento e sem eles não será possível, por exemplo, encetar qualquer processo sério e sustentado de reversão da pobreza no país. Quais são os actuais níveis de consumo social daqueles bens públicos? Este “quantum” pode ser estabelecido por duas vias, a saber, a percentagem das despesas públicas em relação ao Produto Interno Bruto e a sua capitação. O quadro seguinte espelha a realidade no país: ANOS Despesas com a defesa Despesas com a educação Despesas com a saúde

% do PIB Capitaçãousd % do PIB Capitaçãousd % do PIB Capitaçãousd

1992 12,0 90,43 4,2 31,64 2,1 15,83

1993 25,6 136,41 3,7 19,71 2,9 15,46

1994 35,2 134,44 1,7 6,45 2,2 8,40

1995 18,9 87,75 2,7 12,54 3,1 14,39

1996 19,2 185,42 2,5 13,90 1,6 8,84

1997 22,4 152,26 2,8 19,03 1,8 12,23

1998 11,4 53,29 2,6 12,16 1,4 6,55

1999 n.d n.d 2,5 9,99 1,5 5,99

2000 n.d n.d 4,2(1) 18,86 4,4(1) 19,76

(1) Valores orçamentados FONTE: Por Onde Vai a Economia Angolana, Alves da Rocha, Executive Center e LAC, 2000 NOTA: Entendi não valer a pena apresentar dados sobre a Cultura porque fazê-lo seria ridicularizar ainda mais este importante sector da vida social nacional, tantos são os zeros depois da vírgula e antes do primeiro algarismo diferente de zero.

A escala de preferências do Governo é clara ao longo do período retractado no quadro anterior. Genericamente tem-se,

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DEFESA EDUCAÇÃO SAÚDE CULTURA Será que este ciclo - sempre mais do mesmo e cada vez menos do resto - se vai manter no futuro? Qual a real utilidade social da defesa? Os valores do quadro anterior expressam que o consumo social de defesa esteve sempre entre 21 vezes e 3 vezes mais do que o consumo social de educação e entre 16 e 6 vezes mais do que o consumo social de saúde. Manifestamente que a educação e a saúde ocuparam sempre um lugar secundário na escala de preferências do Governo, onde sempre pontificou a defesa. Mas o consumo social de defesa tem sido efectivo, real? Ou seja, não teria sido possível a mesma eficácia militar com menos recursos financeiros do Estado? A classe castrense é, genericamente, considerada como disciplinada e disciplinadora, organizada e organizadora, praticando códigos rígidos de conduta profissional. Aliás, tem sido entre a organização militar que métodos como o OBZ, o PERT, o PPBS, etc., foram inventados e desenvolvidos e posteriormente absorvidos pelas Administrações Públicas e pelo sector privado. Assim sendo, a probabilidade de o consumo social de defesa não ter sido o efectivo pode ser considerada de elevada. Por outro lado e ainda recorrendo ao quadro anterior, é, também, claro que os consumos sociais médios de educação e saúde são exíguos e incompatíveis com quaisquer propósitos de crescimento económico sustentado e de redução da pobreza. Vistos de outro ângulo aqueles mesmos valores podem traduzir duas situações diferentes, mas do mesmo modo importantes:

a utilidade social marginal da defesa talvez tenha entrado numa zona decrescente, dada a sua elevada proporção em relação ao PIB ao longo do tempo. Provavelmente a população deixou de atribuir à defesa a mesma utilidade social total que lhe outorgou, por exemplo, nos primeiros anos da década de 90;

pelo contrário, e face à sua irrelevante proporção no PIB - que exprime, no fundo, o “quantum” socialmente tem sido consumido - a utilidade social total da educação e da saúde pode ser elevada, reclamando os cidadãos a sua ordenação prioritária na escala de preferências dos governantes e dos decisores públicos.

Mas a provável desutilidade social da defesa - ou pelo menos a sua saturação social - tem outras expressões:

a defesa tem sido paga com impostos sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas que significam uma subtracção de rendimentos à comunidade, uma diminuição do consumo privado e, eventualmente, uma alteração na escala de preferências individuais/familiares. Ou seja, a defesa tem um preço que os cidadãos pagam, traduzido em menores rendimentos e na alteração das suas escalas de preferências individuais;

se a defesa tiver sido custeada integralmente com os impostos pagos pelas concessionárias petrolíferas, esses montantes significam que os sectores sociais (educação, saúde e cultura) - eventualmente com uma utilidade social marginal maior do que a defesa - forneceram uma oferta bastante aquém das reais necessidades colectivas. Donde também por esta via a defesa ter um preço equivalente às necessidades colectivas não satisfeitas nos sectores sociais;

se a defesa tem sido custeada com empréstimos externos, então a dívida pública tem aumentado. Uma dívida pública mais não é do que um

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adiamento de impostos, mas de um montante superior, pois há que pagar juros. Portanto, uma dívida pública tem sempre incidência sobre as gerações futuras e os consumos sociais futuros (tal não ocorre com a dívida pública interna, uma vez que neste caso o Estado subtrai rendimento a uns através dos empréstimos para pagar as suas despesas e amanhã cobrará impostos a outros para pagar a dívida contraída no passado, operando-se, apenas, uma redistribuição do produto).

O processo das escolhas públicas é um dos aspectos de grande importância da boa governação - ou como já mais atrás referi da “wise governance”, ou seja, duma sábia governação. Por isso é importante que:

se dê expressão efectiva às ordens de preferências dos cidadãos, quem primeiro vive as situações e sente os problemas (normalmente os decisores públicos estão bem distantes, uma vez que o grau de satisfação das suas necessidades individuais é elevado),

se altere, num ritmo compatível com os restantes factores determinantes da política económica, a escala de preferências do Governo, para que se invertam os índices de saturação da população;

se dê efectiva importância aos órgãos de auscultação e concertação social, como os veículos através dos quais as mais importantes escalas de preferencias colectivas se podem expressar.

4.- O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO E O PROGRAMA DO GOVERNO PARA 2002: AS GRANDES OPÇÕES E A INFLUÊNCIA DA CONJUNTURA INTERNACIONAL (Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº8, Janeiro 2002)

Estamos a viver uma parte final do primeiro ano do novo século um pouco conturbadamente. Os ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono concerteza que terão consequências mundiais ainda não totalmente previsíveis de momento. Um panorama sombrio que não ocorria desde que os árabes arrasaram as economias ocidentais com os seus choques do petróleo na década de 70. É um lugar comum a afirmação de que quando a economia americana “espirra” o resto do mundo apanha uma pneumonia. A forma como a maior economia do mundo for capaz de lidar com estes trágicos acontecimentos - ainda por cima agravados com a queda de um avião no dia 12 de Outubro em Queens, sem que até ao momento se tenha a certeza da sua origem - será decisiva para a economia mundial, muito em particular para os seus principais parceiros, entre os quais se encontra Angola como fornecedor de petróleo. A estimativa que se faz dos custos económicos dos ataques terroristas a Nova Iorque rondam os 20 mil milhões de dólares em termos directos - segundo as seguradoras - e mais de 150 vezes este valor ( qualquer coisa como 300 mil milhões de dólares) para os custos indirectos, tendo em conta apenas as perdas registadas pelas bolsas de todo o mundo - um autêntico choque de oferta sobre a economia mundial. Não existe, ainda, uma convergência quanto às previsões económicas até ao final deste ano, e principalmente para 2002. No que todos os analistas económicos estão de acordo é sobre o abalo que todos os índices de confiança sofreram. Álvaro Mendonça sublinha que o índice de confiança dos consumidores elaborado pela

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Universidade de Michigan caiu de 91,5 pontos para 81,8 pontos, o valor mais baixo em 8 anos. E o índice de confiança dos industriais declinou de 47 pontos para 45,5 pontos. Jeffrey Sachs recomenda que a “solução económica não reside num pacote de estímulos para a economia dos Estados Unidos, mas pelo contrário em medidas de reconstrução da confiança que assegurarão ao mundo que a economia mundial, agora ligada numa rede global, poderá continuar a funcionar eficazmente e sem interrupção”. Rudiger Dornbush - um dos fundamentalistas da globalização e do ultraliberalismo - afirma, sem rodeios:” se a economia dos EUA entrar em queda vertiginosa após os ataques terroristas em Washington e Nova Iorque, a economia mundial entrará em território perigoso. Este é um risco real, porque a América só pode seguir um de dois caminhos, para cima ou para baixo. Já não existe confiança suficiente para continuar a andar lentamente à deriva”. A reposição da confiança dos consumidores é, para este economista americano, a preocupação fundamental da política económica da América e da União Europeia. Outro atento observador do comportamento da economia mundial é Philippe d’Arvisenet, que sobre estes trágicos acontecimentos comenta: “ os efeitos imediatos dos atentados de 11 de Setembro correspondem a um choque da oferta e ao desaparecimento brutal de meios de produção, arrastando consigo desemprego técnico considerável,… tratando-se duma tragédia sem precedentes sobre a confiança dos sujeitos económicos, sobre a procura interna e a actividade económica”. Joseph Stiglitz - o mais recente prémio Nobel da Economia - e Paul Samelson afinam pelo mesmo diapasão da confiança abalada. Quanto ao comportamento económico nesta parte final e durante 2002, também, as opiniões não são completamente convergentes. E é neste contexto que a execução do que resta do programa do Governo angolano para 2001 e do programa para 2002 devem ser analisadas. Entretanto, vejamos o que se passará até ao final deste ano. Álvaro Mendonça alega que os terceiro e quarto trimestres registarão crescimentos negativos da ordem dos 0,6%-0,8%, de acordo com os resultados dum inquérito do Wall Street Journal aos mais reputados economistas americanos. Citando Kenneth Rogoff, economista-chefe do FMI, “existe uma probabilidade significativa de que os Estados Unidos venham a atravessar dois trimestres sucessivos com crescimento negativo - a definição técnica de recessão”. E, recuperando Rudiger Dornbush, se a América e o seu mercado bolsista entrarem em queda, o declínio da Europa transformar-se-á em recessão e o Japão, já envolvido por uma depressão moderada, mergulhará num abismo mais fundo. Porém, este economista não perde o seu optimismo quanto à capacidade de recuperação rápida da situação: “primeiro, os “stocks” das empresas americanas caíram para níveis muito baixos e se a procura se mantiver em ascensão, a produção terá de aumentar para suportar a pressão das vendas. Em segundo lugar, os sucessivos cortes verificados nas taxas de juro durante os últimos meses, tornaram o custo do capital mais favorável e, portanto, assim que a produção e a taxa de utilização da capacidade produtiva subam, também o investimento das empresas aumentará. Por último, também o atraso maior da recuperação - as compras de alta tecnologia - voltará gradualmente ao ritmo normal, na segunda metade do próximo ano”. E parece que Dornbush não está só neste optimismo moderado, que é compartilhado por d’Arvisenet ao afirmar que a confiança na economia americana regressará dentro de três meses.

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Parece, em definitivo, que os últimos trimestres deste ano é que serão os mais difíceis para a economia americana. Ainda que tecnicamente possa entrar em recessão, esperam-se, contudo, crescimentos já positivos nos dois primeiros trimestres de 2002, e no terceiro trimestre um crescimento (anualizado) de 3,5%, próximo do seu potencial de longo prazo. E nós por cá? O único elo de ligação da economia angolana à economia mundial é, infelizmente, o preço do petróleo. As receitas de exportação (mais de 90%) e as receitas fiscais (mais de 70%) são muito dependentes da evolução do preço do petróleo, e o aumento da produção interna não é totalmente elástica para compensar eventuais quebras de valores, porque depende da evolução da procura mundial e das respectivas encomendas e das operações de prospecção. O comportamento do preço do petróleo tem sido descendente desde Abril e se o OPEP não chegar a acordo quanto ao controle das quantidades produzidas - que só seria eficaz se envolvesse outros produtores mundiais não membros deste cartel, como a Rússia, o Reino Unido e a Noruega - é muito provável que o preço desta matéria prima se situe em torno dos $15 por barril até ao final do ano. O impacto desta quebra poderá ser expressiva sobre a economia nacional, não apenas na vertente fiscal, como no resto da actividade económica. Acresce que se as perspectivas de recessão mundial até ao final deste ano e pelo menos, durante os primeiros seis meses de 2002 se confirmarem, então poderá acontecer que a quantidade exportada por Angola diminua. Em quanto dependerá da efectiva dependência da economia americana do petróleo angolano e da elasticidade procura-preço do nosso crude. Neste cenário de recessão mundial - ainda que encurtada no tempo - pode acontecer que a taxa de crescimento do PIB que o Governo estabeleceu para 2002 (15,1%) não tenha condições para se verificar. Não apenas devido à expressão da participação da economia petrolífera (21,1%), como pelo esforço que se pede à não petrolífera (cerca de 7%). Quanto à economia petrolífera, as razões já foram avançadas e resumem-se ao clima geral de falta de confiança e de recessão económica nas principais economias mundiais. Relativamente à economia não petrolífera as minhas reservas fundamentam-se no seguinte:

em primeiro lugar, na sub-produtividade crónica da agricultura, da indústria e mesmo dos serviços em geral. Com base em cálculos muito preliminares pode-se avançar com um valor de cerca de $2,330 dólares para a produtividade bruta da economia, muito baixo em termos absolutos e relativos. A verdadeira dimensão da insignificância desta cifra está na circunstância de se referir a toda a economia, com a inclusão dos sectores de ponta, como os petróleos e os diamantes;

para além disso, para uma meta inflacionista de 50% para 2002, e considerando inalterada a velocidade de circulação da moeda, os meios de pagamento (M3) não poderão incrementar-se mais do que 81,7%, donde o crédito ao investimento na economia não petrolífera ter de ser programado em limites muito estreitos ( só entre Janeiro e Setembro de 2001 o agregado M3 variou 82,3%); ora sem crédito e sem poupança das empresas não se vê muito bem como se conseguirão garantir 7% de crescimento para a economia não petrolífera;

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ainda a taxa de investimento; é reconhecida a forte correlação entre investimento público e investimento privado. Em diferentes vertentes: a da confiança (se o Estado faz é porque acredita em que algo de diferente se poderá passar), a do arrastamento via economias externas (fundamentais para a indústria em domínios como a energia e a água) e a dos efeitos, polarizadores num primeiro momento e multiplicadores depois. O OGE para 2002 reserva para investimento público um montante correspondente a apenas 12,6% do total das suas despesas, o que transportado para a economia representará pouco mais de 1,9% do PIB, muito pouco para um crescimento desejado de 7%;

por fim, a disponibilidade de matérias primas e de meios de produção, para já não falar da baixa qualidade da gestão empresarial e da mão-de-obra em geral.

Mas as minhas reservas estendem-se à meta para a inflação: 50% para 2002. A sub-produtividade crónica da economia não petrolífera concerteza que terá consequências nefastas sobre os preços, que se houverem de ser ajustados numa lógica de mercado atirarão a inflação para limites superiores aos estabelecidos no Programa e no Orçamento do Governo. Se forem as importações o instrumento atenuador da relativa incapacidade da oferta interna, o saldo da balança de transacções correntes - deficitário em 2001 em 216 milhões de dólares - poderá agravar-se. De resto, se a tendência de decrescimento do preço do petróleo se agravar em 2002 (é evidente a preocupação do Governo neste domínio ao ter estabelecido como preço médio para a programação financeira $17 por barril), pode acontecer que nem mesmo um incremento de 23,5% na extracção seja bastante para suprir o efeito preço. Mas há outro elemento de risco sobre a inflação programada para 2002: a magnitude dos aumentos salariais previstos para 2002, principalmente para os funcionários civis e militares do Estado - provavelmente na economia privada terão de ser pelo menos de amplitude equivalente. Segundo a execução orçamental do primeiro semestre de 2001, as despesas com o pessoal absorveram 29,2% do total das despesas públicas. Para 2002 o peso desta rubrica orçamental baixa ligeiramente para os 24,1%, mas com uma repartição assimptótica entre as despesas com o pessoal militar e para-militar (65,2% do total das despesas com o pessoal) e as despesas com o pessoal civil (apenas 15,6%). Sabendo-se que do estrito ponto de vista económico as despesas com o pessoal militar e para-militar são improdutivas, a sua válvula de escape só poderá ser dada pela pressão sobre os preços. São razões que para não interagirem negativamente sobre a inflação vão determinar uma gestão financeira muito rigorosa e com o fechamento de todas as janelas de emissão vazia de moeda. A aparente grande novidade do OGE para 2002 é dada pela significativa perda de importância das despesas com a defesa (tão somente 6,5% do total das despesas). Uma leitura simplista leva a correlacionar esta decisão de afectação com os avanços militares, que para o Governo foram importantes e o que resta a fazer para acabar com o conflito armado não implica o envolvimento de maiores verbas. No entanto, é consabido que nunca as despesas militares se inscreveram totalmente no OGE. Apesar disso, é de registar esta opção, nomeadamente em favor dos denominados sectores sociais, em que a educação averbará 7,2%, a saúde 5,8%, a segurança e assistência social 4,3% e a habitação e serviços comunitários 2,1%. No entanto - como sempre não há bela sem senão - as despesas de investimento nestes domínios são irrisórias.

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5.- OS DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL NO PÓS-CONFLITO (Conferência proferida na Associação Angolana de Fiscalidade por ocasião do seu primeiro aniversário, Maio de 2002) CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Tem sido amplamente reconhecido que a política orçamental em Angola não desempenhou o papel estabilizador e de fomento do crescimento que seria de esperar numa economia de mercado. Pelo contrário, a política orçamental implementada no passado tem sido acusada de contribuir para o descontrolo da inflação e o uso ineficiente dos recursos da Nação, sem que tenha sido competente para atenuar as notórias situações de pobreza e de privação social. Até que ponto, resolvido definitivamente o conflito militar, libertadas as energias físicas e a capacidade criativa da nossa população, criadas as condições para uma maior e definitiva integração nos mercados financeiros mundiais e reunidos os atributos para uma crescente circulação interna dos factores de produção, a política orçamental nacional pode, em definitivo, ser um factor de crescimento económico e um instrumento para incrementar, numa escala aceitável, o fornecimento de bens públicos, e para garantir uma melhoria considerável na redistribuição dos rendimentos. É normalmente reconhecida a enorme importância da política orçamental para o funcionamento das economias. Em qualquer país uma boa política orçamental é mais do que meio caminho para criar as condições consideradas propícias à estabilidade económica e ao crescimento do produto. Em situações de reconstrução económica e de modernização do tecido produtivo mais se acentua a indispensabilidade de uma correcta política orçamental167 que promova uma utilização socialmente eficiente dos recursos disponíveis na economia168 e que contribua para um substancial acréscimo do grau de satisfação das necessidades sociais.

(a) O papel do Estado através da política orçamental

Nas economias de mercado modernas a necessidade de intervenção pública fundamenta-se num conjunto mais ou menos amplo de razões e destina-se, principalmente, a guiar, corrigir e suplementar, quando não mesmo substituir, os mecanismos de mercado em certos aspectos e situações. Existem várias razões para a intervenção do Estado por intermédio do orçamento e da política orçamental:

» assegurar as condições prévias para o funcionamento mais eficiente dos mecanismos de mercado, como as leis definidoras da propriedade, leis de regulamentação da concorrência, do mercado de trabalho, etc.; » garantir as condições propícias ao exercício da concorrência perfeita, como a que melhor proporciona uma afectação mais racional dos recursos da economia (legislação anti-monopolista ou anti-cartelista); » assegurar o fornecimento de bens públicos, caracterizados como os que não se adaptam à forma de regulação pelo mercado. São bens que apresentam as características de não rivalidade, não exclusividade, não divisibilidade e custo marginal de produção nulo;

167

A utilização deliberada das receitas e despesas do sector público para alcançar determinados objectivos

designa-se por política orçamental. A política fiscal tem um âmbito mais restrito, limitando-se a

“manobrar” instrumentos especificamente de natureza fiscal. 168

Procurando-se que as decisões quanto à produção e ao consumo de bens e serviços vendidos no

mercado sejam determinadas pela avaliação social dos respectivos custos e benefícios.

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» garantir a necessária coordenação entre o nível e a composição da produção futura (planeamento económico); » asseverar um nível de emprego elevado, a estabilidade dos preços e uma taxa de crescimento socialmente aceitável; » introduzir ajustamentos na distribuição do rendimento.

Na promoção da produtividade e do crescimento da economia espera-se do Estado, justamente pela via da política orçamental e das reformas estruturais, que: - fomente e garanta a educação, que a prazo é o único factor que cauciona uma base sustentada de acréscimo da produtividade e dos salários; - racionalize a administração pública e o sector empresarial do Estado, única forma de asseverar uma utilização racional dos recursos que os cidadãos entregam à guarda do Estado; - crie um sistema judicial, de saúde e de segurança social eficientes, de forma a permitir uma dinâmica positiva entre o objectivo da coesão social (tão necessária aos propósitos de reconciliação nacional e de abonação definitiva da paz) e a criação do maior valor acrescentado pelas empresas; - crie um clima favorável necessário a atrair recursos escassos, como capital, tecnologia, organização empresarial e trabalho qualificado.

(b) As funções orçamentais clássicas e modernas

Ao lado das funções clássicas do orçamento e que se prendem principalmente com as regras de organização do documento financeiro do Governo, perfilam-se as chamadas funções orçamentais modernas e que estão em consonância com um determinado modelo de intervenção do Estado na economia. As funções da política orçamental ou das finanças públicas, enquanto utilização deliberada das receitas e das despesas públicas para se alcançarem determinados objectivos, podem ser resumidas e sistematizadas assim:

a função afectação, que se refere ao fornecimento pelo sector público dos chamados bens públicos, ao modo como a produção é repartida entre bens privados e públicos e às correcções ao nível da afectação de recursos;

a função distribuição, pela qual se efectuam os ajustamentos na distribuição do rendimento e da riqueza, assegurando-se a sua conformidade com os juízos de valor e opções prevalecentes na sociedade;

a função estabilização e crescimento, em que o uso das variáveis orçamentais tem por fim assegurar equilíbrios macroeconómicos da maior relevância (emprego, crescimento, etc.).

É justamente neste contexto duma política orçamental moderna e da necessidade de o Estado assumir determinadas responsabilidades económicas e sociais que se vai reflectir sobre os desafios que se colocam à política orçamental nacional nesta fase pós-conflito. EVOLUÇÃO ECONÓMICA RECENTE

A política orçamental tem de ter como quadro de referência a situação económica, valendo, portanto, a pena comentar o seu comportamento nos anos mais recentes.

(a) Alguns agregados macroeconómicos

O quadro seguinte transcreve dados gerais sobre o comportamento da economia nacional no último lustro do século passado:

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ANOS POP.TOT PIB PIBpc(usd) EXTotal IMTotal BTC DEFORÇ Inflação

1996 13009 6535 502,3 5406,3 5980 -574 -14,5 1651,3

1997 13378 7486 559,6 5257,3 6236 -978,2 -17,2 64,0

1998 13766 6387 463,9 3700,4 5762,9 -2062,5 -10 134,8

1999 14174 5990 422,6 5336,0 7100,0 -1764,0 -7,8 291,3

2000 14602 9049 619,7 8114,1 7476,8 637,3 -1,9 268,4

MÉDIA 12095 7084,3 602,1 4388,2 5545,5 -758,3 -13,4 977,5

TMAVARI 3,8 0,3 -3,3 8,9 7,7 29,9 -20,7 FONTE: ALVES DA ROCHA - Os Limites do Crescimento Económico em Angola, LAC/Executive Center,

2001 NOTAS: As médias e as taxas de variação referem-se ao período 1989-2000 e os valores do PIB, das exportações, das importações e do saldo da balança de transacções correntes estão em milhares de USD. Os valores da população estão referidos a milhares de habitantes. O défice orçamental está expresso em percentagem do PIB e os valores da inflação são os acumulados no final de cada ano.

A dinâmica de crescimento da economia angolana não tem sido significativa e expressou-se, entre 1989 e 2000, por uma taxa média anual de variação do PIB em USD de apenas 0,3%. Durante este período foram verificadas determinadas ocorrências que, mais ou menos intensamente, prejudicaram a economia nacional. O aumento da dependência da economia petrolífera - sujeita continuamente às oscilações do preço 169 e da procura mundial - o fenómeno sempre presente da guerra, as dificuldades da gestão macroeconómica e as pressões sociais permanentes de uma população profundamente carenciada, podem ser algumas das razões que ajudam a compreender tão baixo índice de desempenho económico global. Uma vez que o PIB real da economia petrolífera variou, entre 1990 e 2000, a uma cadência média anual de 4,6%, conclui-se, então, que a economia não petrolífera deve ter apresentado um comportamento médio negativo de cerca de -6,2%170 . Sendo desta economia que depende a criação de emprego e a sobrevivência directa de praticamente toda a população do país, fácil se torna aceitar a prevalência de uma degradação das suas condições de vida e dos seus rendimentos. De resto, e como se constata pelos valores do quadro anterior, o PIB per capita regrediu a uma taxa média anual de 3,3% entre 1989 e 2000, apesar de neste último ano ter apresentado um valor médio um pouco acima dos $600 dólares norte americanos171. Se a este facto se juntarem os elevados índices anuais de inflação interna - face aos quais as populações mais pobres e de menores recursos não conseguem desenvolver estratégias consequentes de resistência - conclui-se que o problema dos rendimentos e dos preços em Angola é dos mais relevantes para a política económica, não apenas de estabilização, mas sobretudo da de desenvolvimento sustentado. Não obstante as considerações anteriores, os valores do quadro ainda em análise, também patenteiam evoluções positivas no domínio macroeconómico. Com efeito:

169

Se se considerar 1990 o ano base, conclui-se que entre este ano e 2000 se registaram nove quebras no

preço internacional do petróleo, e que 1998 foi na década o de menor valor comercial para o crude

angolano ($12 por barril o que representou uma quebra de 45,2% face a 1990) e que só em 2000 o preço

de 1990 foi ultrapassado em cerca de 24%. Estes cortes no preço do petróleo determinaram uma pressão

muito forte sobre a exploração dos recursos petrolíferos como a única forma de manter relativamente

constante o volume de receitas de exportação (a produção entre 1990 e 1998, por exemplo, aumentou

55,8%). 170

Admitindo-se que, em média, o PIB petrolífero representa cerca de 60% do PIB total. 171

O PIB per capita num contexto em que a economia petrolífera detém 60% da actividade económica do

país - exercida por empresas transnacionais que desfrutam de condições muito particulares de expatriação

de lucros e rendimentos e de salários - acaba por ter reduzida importância analítica.

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a taxa de variação média das exportações - entre 1989 e 2000 - suplantou a das importações - no mesmo período - em cerca de 15,5%, o que pode ser um excelente prenúncio de ultrapassagem da apetência nacional pelas importações. Pela primeira vez em mais de 10 anos a BTC registou um saldo positivo de quase 640 milhões de dólares norte americanos, o que pode ser um bom prenúncio de alteração do modelo de crescimento centrado nas importações 172. Mas igualmente importante a registar é o crescente peso de outros produtos nas exportações totais, com particular destaque para os diamantes e outros produtos minerais;

o défice orçamental em percentagem do PIB tem vindo a apresentar valores cada vez mais baixos, certamente a tradução de políticas de gestão orçamental mais rigorosas e disciplinadoras, mesmo sabendo-se que continuam a prevalecer problemas sérios de organização racional das finanças públicas, de produtividade administrativa, de desperdício de recursos financeiros e de eficiência no funcionamento da Administração do Estado. A redução do défice orçamental processou-se a uma cadência média anual de quase 13,5%, tendo-se chegado a 2000 com um valor abaixo dos 2%;

apesar de ainda muito elevadas, as taxas de inflação - uma inflação média na década 1991-2000 de 977,5%, medida em termos de taxa acumulada em Dezembro de cada ano - têm vindo a diminuir. Numa primeira avaliação este desempenho fica a dever-se ao maior rigor na gestão das contas públicas, na execução da programação monetária e nas várias reformas estruturais de mercado implementadas, com particular incidência no domínio cambial e monetário;

justamente um dos resultados dessas reformas teve a sua expressão na redução do diferencial entre as taxas de câmbio de referência e do mercado paralelo: 1298,2% em 1991 e 5,1% em 2000, com uma inversão clara da tendência em 1999.

DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL

Numa situação pós-conflito as expectativas dos cidadãos estão em crescendo contínuo, aguardando-se que o Governo aumente consideravelmente o grau de satisfação das necessidades sociais básicas e constitua as condições essenciais para a redução significativa da pobreza.

(a) A estabilização macroeconómica

A função estabilizadora está directamente relacionada com a utilização da política orçamental enquanto instrumento da política macroeconómica. Neste contexto, a política orçamental deve ser formulada objectivando alcançar ou manter um elevado nível de emprego, uma razoável estabilidade dos preços, o equilíbrio da balança de pagamentos e ainda uma taxa aceitável de crescimento económico. Pela natureza e importância destes objectivos, compreende-se que a política orçamental é das mais categorizadas políticas macroeconómicas que os Estados levam à prática. A função estabilizadora da política orçamental é essencial, porquanto o pleno emprego e a estabilidade dos preços não são resultados automáticos do funcionamento do sistema de mercado, exigindo, ao invés, uma orientação por parte das políticas

172

Ainda que os dados relativos a 2001 revelem um novo agravamento do saldo com o exterior.

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públicas173. Na ausência dessa política orientadora, a economia tende a estar sujeita a uma série, mais ou menos perversa, de flutuações, podendo passar por ciclos de desemprego ou recessão, ou por períodos de inflação174. Talvez a mais relevante manifestação de instabilidade macroeconómica no país seja a inflação175. Tem sido, seguramente, um dos fenómenos mais permanentes da economia angolana. Parece que existe um convencimento generalizado de que no país a causa principal da inflação está nos excessivos défices fiscais do Estado e sobretudo na natureza monetária do seu financiamento. Se esta afirmação pode ser aparentemente incontestada até 1998 – em que foram registadas taxas médias mensais de inflação próximas dos 40% em média anual (em Maio de 1996 a taxa de inflação foi de 84,1%, nas raias da hiperinflação) – a partir de 1999 tal justificação deixa de ter suporte económico, uma vez ter-se registado uma correcção importante na gestão da política orçamental, que levou não apenas à diminuição do valor do défice orçamental, como à alteração da forma do seu financiamento. No entanto, o valor elevado de despesas extra-orçamentais e de obrigações quase fiscais do Banco Nacional de Angola ainda é considerado como uma razão forte que impede um maior controle da inflação176. Não foram realizados estudos sistemáticos sobre os custos da inflação no país. Sentem-se os seus efeitos diários em diferentes dimensões da vida económica e social dos agentes e dos cidadãos:

a inflação é um imposto escondido, mas de efeitos devastadores sobre os rendimentos, dos mais pobres em particular. Seguramente que a seguir à guerra, a inflação é a segunda causa de depauperamento das populações, estando a comprová-lo não só os valores elevados do índice de pobreza e

173

É também neste domínio que se estabelece uma diferença crucial entre as políticas estruturais de

mercado propugnadas pelo FMI, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio e o planeamento

económico. Como defende João Ferreira do Amaral (Política Económica, Edição Cosmos, 1996): “o

planeamento económico não se limita a confiar no mercado. Pelo contrário, traduz-se numa intervenção

pública na economia através da preparação e execução dum plano destinado a orientar a afectação de

recursos e a incentivar as actuações dos agentes económicos, de forma a que a economia se aproxime de

certos objectivos definidos previamente. Vê-se, assim e claramente, a diferença em relação às políticas

estruturais de mercado. Nestas não existem objectivos de crescimento económico definidos a priori, o

crescimento será o que for, e apenas se confia que será o maior possível se os mecanismos de mercado

funcionarem eficientemente. No planeamento económico escolhem-se objectivos de crescimento e tenta-

se, através da intervenção das entidades públicas, incentivar os agentes a atingir esses objectivos.” 174

Naturalmente que uma intervenção exagerada por parte do sector público – aumento intempestivo do

consumo público, por exemplo – pode transformar-se numa importante fonte de perturbação sobre a

economia, sendo, por consequência, pertinente que se busquem as políticas públicas mais efectivas. 175

Naturalmente que outros macropreços, como as taxas de juro, as rendas e as taxas de câmbio, são,

igualmente, expressões evidentes de desequilíbrios profundos nos respectivos mercados, transmitindo

sinais intranquilizadores para as decisões microeconómicas. Num clima em que estas disfuncionalidades

abalem o sistema geral de formação dos preços, opera-se uma trama complexa, cujo reflexo final é o

descontrolo dos preços nos mercados de factores e nos mercados de bens e serviços. 176

A problemática dos fluxos de moeda estrangeira do sector petrolífero – importação de divisas pelas

companhias multinacionais para pagamento das suas obrigações fiscais e receitas de exportação da

concessionária nacional SONAGOL para efeitos semelhantes e para pagamento das suas despesas de

funcionamento como parceira de exploração – tem reflexos indeléveis sobre a estabilização cambial, a

criação de moeda para financiamento do défice orçamental e o desenvolvimento económico. Demonstra-

se existir uma correlação acentuada entre as taxas de câmbio de mercado e a inflação, pelo que a

convergência deste mercado pode ser um ponto importante para a valorização da moeda nacional pela via

do controle da inflação.

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baixos do índice de desenvolvimento humano, como o agravamento do número de pobres entre 1995 e 2000;

a inflação representa uma das maiores injustiças que qualquer economia pode fazer aos seus cidadãos, simplesmente porque a inflação não afecta todos por igual, havendo inclusivamente quem ganhe com a subida dos preços;

mas a inflação é, também, fonte de instabilidade. Se a subida de preços fosse sempre prevista ou sempre igual não haveria problema algum, porquanto as pessoas teriam facilidade em se precaverem dos seus efeitos. O problema é que normalmente a inflação é imprevisível e quanto mais alta mais tende a acentuar-se este carácter de imprevisibilidade, ocasionando o conhecido fenómeno das expectativas, que contribui para que os níveis seguintes de inflação sejam superiores aos anteriores;

do mesmo modo, a inflação prejudica a eficiência da economia por duas vias: desde logo, a inflação gera um desperdício de recursos, traduzido em más aplicações de fundos, em actualizações permanentes dos preços, etc.; depois, pelas perturbações que introduz no sistema de preços – os preços variam sem terem ocorrido alterações na situação real da economia – afectando a eficiência estática ou actual da economia;

com a mesma intensidade a inflação afecta a eficiência dinâmica da economia, pois como os preços ficam muito incertos, a criação de novas empresas e a realização de novos investimentos que criam desenvolvimento ficam adiados para melhor calendário.

Por estas razões é que a contenção da inflação em níveis baixos e limites aceitáveis tem constituído o objectivo central dos programas económicos do Governo. E o controlo da inflação em limites socialmente comportáveis tem de continuar a ser um dos grandes desafios duma política orçamental pró-activa, interventora sobre as causas adjacentes e atenta a eventuais derrapagens. Daí que se faça mister:

o controlo das variáveis monetárias, mas num quadro de não agravamento excessivo das condições de oferta, o mesmo é dizer, do crédito ao sector produtivo177;

o excesso de expectativas - estribado numa ainda falta de confiança no funcionamento da economia e na política económica do Governo178, em comportamentos claramente especulativos que muitos agentes económicos veiculam - terá de ser cabalmente combatida com políticas de oferta, que façam aumentar a produção, baixar os preços e ajustar os preços relativos.

177

A menor restritividade da política monetária pelo viés do crédito à economia tem de estar em perfeita

consonância com a política orçamental, que deverá ser de grande contenção nos gastos correntes do

Estado e de fomento do investimento público (propiciador do incremento da produtividade empresarial).

As recentes medidas de índole monetária que culminaram na transformação das filiais dos bancos

portugueses aqui estabelecidos em instituições bancárias de direito angolano - libertando-se, deste modo,

das directrizes do Banco de Portugal quanto aos limites impostos às provisões - poderão jogar claramente

a favor do aumento do crédito à economia e ao sector privado, mesmo dentro dos ditames da programação

monetária global. Numa situação de finalização da guerra e de libertação de capacidades, energias e

inciativas antes adormecidas, esta possibilidade de aumento do crédito é determinante para a recuperação

da economia nacional. 178

Evidentemente que os altos e baixos nas relações com o Fundo Monetário Internacional não

contribuem para que as expectativas do sector privado alinhem com os ditames da recuperação da

produção.

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Não se pode continuar a acentuar apenas uma das vertentes da política económica, qual seja, a das políticas da procura179. É urgente a política económica do Governo passar a acentuar o primado das políticas de oferta em todos os mercados, como uma das vias para que os mecanismos de mercado actuem mais de acordo com os trâmites da teoria económica.

(b) O crescimento económico

As relações entre a política orçamental e o crescimento são conhecidas da teoria económica, verificando-se, inclusivamente, que os orçamentos com saldo nulo não são neutros sobre a actividade económica em geral. Um orçamento equilibrado pode exercer uma influência positiva ou negativa sobre a economia, dependendo dos instrumentos accionados. Manifestamente que impostos acrescidos intentam sobre a motivação para investir e o volume de oferta de mão-de-obra qualificada, enquanto que o aumento indiscriminado de despesas administrativas pode levar a uma ampliação da inflação. O que de mais importante se pode passar no país em termos de inter-relações orçamento/crescimento económico reflecte-se quase exclusivamente sobre a economia não petrolífera. De resto, o orçamento é, actualmente, a via quase exclusiva de relacionamento entre a economia petrolífera e a economia não petrolífera, valendo, portanto, a pena indagar de que forma é que a política orçamental pode ajudar o desenvolvimento desta última. O exercício que foi ensaiado baseou-se num modelo de crescimento tipo Harrod-Domar a duas restrições: a primeira é precisamente dada pelo défice/excedente orçamental - a conhecida poupança pública - e a segunda expressa-se na capacidade de financiamento externo da economia (a poupança externa)180. O modelo contém variáveis reais, tais como as taxas de crescimento do PIB e de investimento da economia, variáveis orçamentais, nomeadamente, os gastos civis, os gastos militares, os impostos petrolíferos e os impostos não petrolíferos, e variáveis relativas às componentes do financiamento externo da economia, na ocorrência, o investimento directo estrangeiro, os empréstimos e a ajuda pública ao desenvolvimento181. O exercício consistiu em se aquilatar da influência daquelas variáveis orçamentais sobre o crescimento do PIB182, para o que se construíram dois cenários de médio

179

Pode-se já estar numa situação de não haver mais procura para restringir. Os ajustamentos nos preços

dos combustíveis - que se repercutem, acto contínuo, nos preços por intermédio das estruturas de custos

empresariais, muito débeis ainda para absorverem estes choques externos - são uma das provas de que

sem políticas de oferta - como, por exemplo, a da concorrência - não se poderão controlar os preços em

limites sustentáveis. 180

Não foi acrescentada à restrição interna a poupança privada, por não se deterem informações seguras

quanto à sua expressão e variáveis explicativas (uma aproximação a este conhecimento pode ser vista em

Alves da Rocha - Os Limites do Crescimento Económico em Angola, LAC/Executive Center, 2001,

Anexo II). Assim, os resultados obtidos com a utilização do modelo não expressam as influências

positivas ou negativas desta componente restritiva do investimento. 181

Pode-se questionar se a APD deve integrar o bloco do financiamento externo, ou se pelo contrário,

deveria estar considerada na restrição orçamental, uma vez que esta ajuda externa tem sempre fundos de

contrapartida nacional fornecidos pelo orçamento do Estado. Para efeitos da articulação do modelo os

resultados seriam praticamente os mesmos, embora em termos da organização financeira do Estado as

ajudas devam constar do orçamento. Questão de semelhante natureza é a dos empréstimos, uma vez que

praticamente toda a dívida externa é pública. 182

Os valores encontrados expressam o contributo da política orçamental para o crescimento do PIB e

particularmente da actividade não petrolífera, uma vez que a actividade da economia petrolífera e a

determinação do respectivo Valor Acrescentado obedecem a lógicas muito diferentes das da economia

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prazo, um de referência e outro com base em determinadas hipóteses de trabalho correspondentes a opções claras quanto às funções fiscais modernas de provisão/produção de bens públicos e de promoção duma melhor repartição do rendimento nacional.

CENÁRIO DE REFERÊNCIA

ANOS 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Md02/07

VARIÁVEL

BD 740 927 942 1044 1376 1765 1967 1336,8

PPDOL 22,9 18 18 18 18 17,5 17,5 17,8

VBPP 6185,3 6090,4 6188,9 6859,1 9040,3 11273,9 12564,2 8701,7

TP(imp.petro) 3133 2838 2744 2873 3655 4561 5081 3625,3

TP/VBPP 50,7 46,6 44,3 41,9 40,4 40,5 40,4 41,7

TP/PIB 33,1 28,3 26,4 24,9 26,0 27,5 27,6 26,8

Outros imp/PIB 8 9,5 10,1 10,4 10,1 9,7 9,8 9,9

DespTotal/PIB 48,6 38,5 37 36,4 33,5 28,7 25,8 33,3

Desp.Civil/PIB 36,6 28,5 29 30,4 28,5 23,7 20,8 26,8

Desp.Milit/PIB 12 10 8 6 5 5 5 6,5

Juros/PIB 4,7 4,4 3,6 3,2 2,6 2,2 2 3

IDE/PIB 13,4 10 10 10 10 10 10 10

EMPR/PIB 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5

APD/PIB 4 4 4 4 4 4 4 4

DéficeOrç/PIB -7,5 -0,7 -0,5 -1,1 2,6 8,5 11,6 3,5 FONTE: Angola-Staff Report for the 2002 Article IV Consultation, FMI, Março de 2002 NOTAS: VBPP-valor bruto de produção do sector petrolífero; TP-impostos petrolíferos; PPDOL-preço do barril de petróleo em dólares; IDE-investimento directo estrangeiro; APD-ajuda pública ao desenvolvimento; EMPR-empréstimos do exterior; BD-barris de petróleo por dia em milhares; Md – média 2002/2007. Todos os rácios estão em percentagem.

Constata-se que:

as projecções das variáveis petrolíferas são aparentemente conservadoras, ultrapassando a barreira do milhão de barris por dia apenas em 2004183;

está implícita uma estratégia de contenção das despesas públicas, quer civis, quer militares, de tal sorte que a média do sexénio 2002/2007 - 33,3% do PIB - seja praticamente metade do valor alcançado no triénio 1997/2001 e que foi de 59,9% do PIB. De que modo esta estratégia orçamental é compatível com as necessidades de reconstrução económica, de redução da pobreza e de reconciliação nacional é uma questão certamente de forte controvérsia e de acesa discussão;

os valores previsionais referentes aos impostos não petrolíferos - e que englobam os impostos sobre o rendimento, o imposto de consumo e as tarifas aduaneiras - talvez não traduzam realisticamente as possibilidades efectivas de recuperação da economia não petrolífera e a capacidade de a política orçamental melhorar os índices de efectividade de cobrança e reduzir os níveis de evasão fiscal;

é discutível que a percentagem que o Estado retira, a título de imposto sobre o rendimento das actividades petrolíferas, do Valor Bruto de Produção do petróleo diminua sistematicamente ao longo do sexénio, passando a respectiva média de 52,6% no triénio 97/01 para 41,7% entre 2002 e 2007, o que faz com que os impostos petrolíferos auferidos pelo

não petrolífera. A política orçamental é mais um reflexo da actividade petrolífera, do que um instrumento

de influência sobre o seu funcionamento. 183

As informações disponíveis vão no sentido de que em 2003 esta barreira será seguramente ultrapassada

de modo sustentado.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

194

Estado e medidos em percentagem do PIB diminua ao longo do período de referência das projecções - a respectiva média passa de 36% no triénio 97/01 para 26,9% no sexénio 2002/2007184.

Com base nestes valores determinou-se a contribuição que a política orçamental poderia dar para o crescimento económico nacional - ponderada pela capacidade de financiamento externo:

CONTRIBUIÇÃO DA POLÍTICA ORÇAMENTAL PARA O CRESCIMENTO ECONÓMICO

ANOS 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FACTORES

e(tp-alfagc-betagm-csij)/k 0,8 1,6 1,5 3,6 5,8 6,7

(tr-(1-a)*gc-(1-b)*gm-(1-c)*j/k 0,3 0,7 1,3 1,6 1,2 1,3

(be+(1-b))*(1-cp)/k 0,1 0,1 0,2 0,3 0,28 0,3

e(ide+empre+apd)/k 1,2 1,3 1,3 1,4 1,4 1,5

d/k 0,03 0,04 0,04 0,04 0,04 0,04

taxa crescimento económico 2,2 3,5 4,1 6,6 8,4 9,4 Notas: k-coeficiente capital/produto; e-taxa de câmbio(desvalorização); b-componente importada da FBCF; (be+(1-b)-efeito desvalorização sobre a taxa global de investimento; cp-grau de ociosodade produtiva; d-taxa de amortização, g-taxa de crescimento do PIB; tp-impostos petrolíferos; tr-restantes impostos; j-serviço da dívida pública externa; apd-ajuda pública ao desenvolvimento; gm-gastos militares; gc-gastos civis.

O primeiro factor considerado - que aprecia a componente em divisas da restrição orçamental: tp são os impostos petrolíferos, alfagc a componente em divisas dos gastos civis, betagm a componente em divisas dos gastos militares e csij a percentagem relativamente ao PIB dos juros externos - detém um maior poder de influência da política orçamental do que o segundo factor relacionado com os impostos não petrolíferos e com as componentes nacionais das restantes variáveis. O que em definitivo deve ser sublinhado é que nas condições do cenário de referência, a política orçamental pode contribuir, em média no período 2002-2007, com cerca de 5,5% para o crescimento do PIB, o que não deixa de ser significativo (mais ainda se o período for encurtado para 2004-2007, com mais de 7%). No entanto, esta capacidade de influência pode aumentar consideravelmente se as condições de base forem alteradas. E esta alteração é justificada pelo seguinte:

os impostos não petrolíferos podem aumentar - ainda que se procure promover a iniciativa privada nacional na base de incentivos fiscais e financeiros suportados pelo Orçamento - porque se espera que a eficiência económica destes impostos aumente, a evasão fiscal seja combatida e se dê algum respaldo a uma política transitória de substituição de importações;

os impostos petrolíferos podem igualmente aumentar, não apenas pelo efeito produção, mas igualmente pelo efeito-preço e por um maior controlo e fiscalização na sua cobrança;

as despesas civis do Estado podem aumentar para facilitar o exercício das funções provisão de bens públicos e melhor distribuição do rendimento, mantendo-se um orçamento ligeiramente excedentário;

os investimentos externos podem aumentar a sua participação devido à paz, à melhoria do ambiente institucional e às maiores oportunidades de negócio que a nova situação política pode acarretar;

os empréstimos externos e a ajuda pública ao desenvolvimento têm agora outras condições de expansão no país.

184

O que não deixa de ser incompreensível quando a extracção de petróleo aumenta e os preços do

produto se mantêm praticamente estáveis no cenário admitido.

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195

Os números para este cenário são, então, os seguintes:

CENÁRIO ALTERNATIVO COM BASE EM VALORES DESEJÁVEIS PARA AS VARIÁVEIS DO MODELO

ANOS 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Md02/07

VARIÁVEL

PIB 9472 10040 11553 14037 16587 18400 20411,2 15171,4

BD 740 927 1044 1376 1765 1967 2192,1 1545,2

PPDOL 22,9 20 20 19 19 18 18 19

VBPP 6185,3 6767,1 7621,2 9542,6 12240,3 12923,2 14402,2 10715,9

TP 3135,9 3153,5 3200,9 4007,9 5140,9 5427,7 6048,9 4582,8

TP/VBPP 50,7 46,6 42 42 42 42 42 42,8

TP/PIB 33,1 31,4 27,7 28,6 31,0 29,5 29,6 30,2

TR/PIB 8 9,5 12 12,5 12,5 10 10 11,1

DT/PIB 48,6 38,5 37 38,4 40,8 36,8 36,9 38,1

DC/PIB 36,6 28,5 29 32,4 35,8 31,8 31,9 31,6

DM/PIB 12 10 8 6 5 5 5 6,5

Juros/PIB 4,7 4,4 3,6 3,2 2,6 2,2 2 3

IDE/PIB 13,4 10 12 13 14 14 13 12,7

EMPR/PIB 2,5 3 3 3,2 3,5 3,3 3,2 3,2

APD/PIB 4 5 5,5 5,75 6 5,5 5 5,5

Déf.Orçam. -7,5 2,4 2,7 2,7 2,7 2,7 2,7 2,3 FONTE: Angola-Staff Report for the 2002 Article IV Consultation, FMI, Março de 2002 NOTAS: VBPP-valor bruto de produção do sector petrolífero; TP-impostos petrolíferos; PPDOL-preço do barril de petróleo em dólares; IDE-investimento directo estrangeiro; APD-ajuda pública ao desenvolvimento; EMPR-empréstimos do exterior; BD-barris de petróleo por dia em milhares; Md – média 2002/2007. Todos os rácios estão em percentagem.

O que é importante destacar é que é possível manter um orçamento relativamente equilibrado - 2,3% de diferença média entre as receitas e as despesas entre 2002 e 2007, em contraposição com um défice de 17,2% no triénio 1997/2001 - prover uma maior quantidade de bens públicos (a média das despesas totais passa de 33,3% no cenário de referência, para 38,1% neste segundo cenário) e exercer uma maior influência sobre o crescimento económico.

ANOS 2002 2003 2004 2005 2006 2007

FACTORES

e(tp-alfagc-betagm-csij)/k 1,8 2,1 2,5 4,3 5,3 5,7

(tr-(1-a)*gc-(1-b)*gm-(1-c)*j/k -2,5 -2,4 -2,7 -4,2 -5,1 -5,4

(be+(1-b))*(1-cp)/k 0,1 0,14 0,18 0,3 0,3 0,3

e(ide+empre+apd)/k 6 7,3 7,8 9,4 9,1 8,8

d/k 0,033 0,04 0,04 0,04 0,04 0,04

taxa crescimento económico 5,3 7,0 7,6 9,4 9,3 9,1 NOTAS: as médias 2002/2007 para cada uma das expressões representadas nas linhas do quadro foram respectivamente, 3,8%, -3,7%, 0,2%, 8,0%, 0,04% e 8,1%.

Conforme se verifica, nestas novas condições da actividade do Estado, a política orçamental melhora consideravelmente o seu índice de influência sobre a economia, situando-se a sua contribuição média em mais de 8% no período, com um máximo de 9,4% em 2005.

(c) A produção e distribuição de bens públicos

Este domínio constitui o terceiro grande desafio da política orçamental no país. Particularmente na educação e na saúde os problemas são de uma enorme dimensão

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196

e complexidade, explicando-se por aqui as elevadas taxas de pobreza que o país regista. Alguns indicadores retirados do MICS II (inquérito UNICEF de indicadores múltiplos de 2001) são eloquentes quanto à situação da educação e da saúde em Angola:

a percentagem de crianças em idade escolar que frequentam a escola primária é de apenas 55,8%, por razões relacionadas com a falta de escolas e de professores, a pobreza, os difíceis acesso em determinadas regiões, etc.;

a percentagem de população com idade superior a 15 anos (população adulta, portanto) que sabe ler e escrever é de apenas 66,8%, o que explica os baixos níveis de produtividade e de salários no país;

as taxas de repetência e de abandono escolar são elevadas, o que explica os reduzidos índices de eficiência do sistema educativo nacional;

a percentagem de população com acesso ao abastecimento de água potável é de apenas 39,5% nas áreas rurais e de 61% em todo o país;

a percentagem de população com acesso ao saneamento básico é de 25,5% nas áreas rurais e de 59% em todo o espaço nacional;

as taxas de mortalidade infantil e infanto-juvenil são elevadíssimas, respectivamente de 150 por mil e de 250 por mil, com uma forte incidência na região oeste do país (315 por mil);

a prevalência de doenças endémicas como o paludismo, é elevada, sendo preocupantes as taxas de contaminação do HIV/SIDA.

À frente de todas as causas que explicam o baixo nível de produto por trabalhador está a deficiente educação e formação profissional no país. Está-se a viver uma revolução tecnológica de grande alcance nas áreas de processamento de dados, das novas tecnologias da informação e da produção, cuja assimilação é muito pouco compatível com baixos níveis de escolarização e formação profissional.

(d) A redistribuição do rendimento

Não se encontram disponíveis agregados macroeconómicos que de uma forma directa expressem o rendimento nacional e as suas componentes. O quadro seguinte constitui uma simples aproximação ao rendimento nacional do país185:

APROXIMAÇÃO AO RENDIMENTO NACIONAL

ANOS PIBpm JUREXT LUCDIVX SALEXPATP PNBpm TIL PNBcf

1998 6449 503,9 377,8 86,7 5480,6 298,1 5182,5

1999 6087 569 653 83 4782 197,9 4584,1

2000 8869 610,9 911,5 71,4 7275,2 283,3 6991,9 FONTES: INE-Contas Nacionais; BNA-Balança de pagamentos; MINFIN-Execução orçamental NOTAS: JUREXT-Juros da dívida externa; LUCDIVX-Lucros e dividendos expatriados; SALEXPATP-Salários dos expatriados do sector petrolífero; TIL-Saldo entre impostos indirectos e subsídios. 0s valores estão expressos em milhões de dólares americanos.

185

Algumas hipóteses de trabalho tiveram de ser estatuídas: as amortizações foram calculadas na base de

uma taxa de desvalorização média de 10%, atendendo, por um lado ao reduzido “stock” de capital da

economia não petrolífera e, por outro, aos elevados montantes de investimento no sector petrolífero (em

média, entre 1998 e 2000, 2135,2 milhões de USD); os impostos indirectos considerados respeitam ao

imposto de consumo; os rendimentos de factores recebidos do exterior apresentam valores reduzidos, pelo

que não foram retidos.

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197

CONTINUAÇÃO DO QUADRO ANTERIOR

ANOS AMORTI PNLcf PNLcf/ph PIBph

1998 644,9 4537,62 329,6252 468,473

1999 608,7 3975,356 280,4682 429,4483

2000 886,9 6104,999 418,0934 607,3826

Uma primeira repartição do rendimento nacional - que os valores anteriores representam uma aproximação - é entre os factores de produção nacionais e os não nacionais. O indicador que melhor a caracteriza é a proporção entre o PNLcf e o PIBpm por habitante: 70,4% em 1998, 65,3% em 1999 e 68,8% em 2000. O que significa que, em média, 32% dos resultados da actividade interna total são enviados para o exterior para remunerar factores de produção não nacionais que exercem a sua actividade em território angolano. Uma segunda observação relaciona-se com a repartição pessoal do rendimento nacional angolano, traduzida pelo indicador PNLcf/ph: os valores calculados para 1998 e 1999 indiciam estar-se, generalizadamente, numa situação de pobreza absoluta186, em que cada cidadão, em média, não dispunha sequer de um dólar por dia para garantir a sua sobrevivência187. Uma outra observação deriva directamente da anterior: os valores extraordinariamente baixos do PNLcf por habitante disfarçam uma distribuição muito assimptótica do rendimento entre classes desfavorecidas e classes mais protegidas do tecido social angolano. Como decorrência das observações precedentes, pode concluir-se que, provavelmente, uma das soluções radicais para os problemas da distribuição pessoal do rendimento no país é o incremento drástico da produção não petrolífera: é muito difícil distribuir o que não existe. Como se encontra a distribuição funcional do rendimento em Angola188? Ainda neste aspecto as respostas são complicadas, face às lacunas estatísticas. Provavelmente a única aproximação possível é entre os rendimentos do trabalho e o resto, aonde se incluem rendas, juros e lucros. Os valores seguintes representam uma possível aproximação à estrutura de repartição do produto nacional bruto entre 1998 e 2000189:

186

O Inquérito às Despesas e Receitas familiares (IDR) do INE estabelece como fronteiras as seguintes

(válidas para 2000/2001): linha de pobreza extrema equivalente a USD 22,8 por mês e por habitante e

linha de pobreza fixada em cerca de USD 51,2 por mês e por pessoa. 187

É neste contexto que a Estratégia de Redução da Pobreza se deve inserir enquanto proposta política,

social e económica para a eliminação das situações de indigência moral e material em que mais de 2/3 da

população angolana se encontra. 188

Que permite, entre outras considerações, analisar a natureza do modelo de crescimento – se centrado

no consumo privado ou no investimento – identificar a natureza das fontes de financiamento do

crescimento – se mais proporcionalmente capital-alheio ou capital-próprio – etc. Neste particular e

levando em atenção a evolução do crédito – em taxas reais de variação – em 2001, conclui-se que os

empresários nacionais acabam por recorrer mais ao auto-financiamento do que ao sistema bancário (o

crédito à economia variou 0,88% e o destinado ao sector privado 1,5%). 189

Os pressupostos básicos para os cálculos centraram-se no valor do salário nacional, situado algures

entre o salário médio da Função Pública e o rendimento equivalente à linha de pobreza estipulada no IDR.

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198

APROXIMAÇÃO À ESTRUTURA DE REPARTIÇÃO DO PRODUTO NACIONAL BRUTO

ANOS

PNBcf

AMORTIZAÇÃO

SALÁRIOS+REN- DIMENTOS DOS CAMPONESES

LUCROS+JU- ROS+RENDAS

1998 100 12,4 58,0 29,5

1999 100 13,2 60,4 26,3

2000 100 12,7 37,5 49,9

Os valores correspondentes a 2000 são erráticos face aos dos anos anteriores – os quais, aparentemente, podem ser considerados aceitáveis para as condições actuais do país – e explicáveis, uma vez mais, pela incidência perversa da economia petrolífera. É que em 2000 o preço do petróleo sofreu um incremento de 56% e apesar da quantidade produzida de petróleo ter diminuído 0,3%, o efeito conjugado preço/quantidade foi amplamente positivo, o que fez acrescer substancialmente o valor da sua actividade a preços correntes de mercado em USD. Outro ângulo possível de análise da partilha do rendimento nacional pode ser dado pela pobreza no país. Os resultados do inquérito às despesas e receitas familiares do INE pronunciam um agravamento da pobreza extrema entre 1995 e 2000: parametrizada em termos de indivíduos a respectiva taxa passou de 13,4% para 26,3%. Em matéria de agregados familiares o agravamento foi ainda mais expressivo, de 11,3% para 24,7%. As informações seguintes são elucidativas dum mais do que provável agravamento da distribuição do rendimento entre aqueles anos:

DISTRIBUIÇÃO DA POBREZA (em percentagem)

ANOS Extremamente pobres(agregados familiares)

Extremanete po- bres (indivíduos)

Pobres modera-dos (agregados familiares)

Pobres modera- dos (indivíduos)

PNLcf por habi- Tante (USD)

1995 11,3 13,4 49,5 56,5 306,0

2000 24,7 26,3 38,5 41,9 418,1

FONTE: INE-Inquérito às Receitas e Despesas Familiares, 2000/2001.

Não deixam de ser curiosas as evoluções aparentemente contraditórias entre o rendimento médio por habitante e os indicadores de pobreza:

enquanto que o rendimento médio gerado pela economia melhorou consideravelmente – em mais de 100 dólares em cinco anos – a pobreza extrema agravou-se substancialmente;

a redução ocorrida na pobreza moderada não foi de sentido ascendente, isto é, compensada por um aumento dos agregados familiares e dos indivíduos não pobres, mas de pendor descendente, ou seja, da classe extremamente pobre: os agregados familiares e os indivíduos não pobres diminuíram entre os anos considerados de 39,2% para 36,8% e de 33% para 31,8%, respectivamente.

A conclusão só pode ser uma: a degradação da situação dos cidadãos não se deveu à falta de crescimento económico, mas a um substancial agravamento das condições de repartição do rendimento nacional. É possível constatar que a distribuição do rendimento em muitos países africanos enferma igualmente dos mesmos problemas que em Angola.

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199

REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO EM ALGUNS PAÍSES AFRICANOS 1986-1997

PERCENTAGEM DO RENDIMENTO AUFERIDO POR GRUPOS POPULACIONAIS

PAÍSES 10% dos mais ricos 20% dos mais ricos 10% dos mais pobres 20% dos mais pobres

Lesoto 43,4 60,1 0,9 2,8

Moçambique 31,7 46,5 2,5 6,5

Àfrica do Sul 45,9 64,8 1,1 2,9

Swazilândia 50,2 64,4 1,0 2,7

Tanzânia 30,0 45,5 2,9 6,8

Zâmbia 39,2 54,8 1,6 4,2

Zimbabwe 46,9 62,3 1,8 4,0

Guiné-Bissau 42,3 58,9 0,5 2,1

Burkina Faso 39,5 55,0 2,2 5,5

Burundi 26,6 41,6 3,4 7,9

República Centro Africana

47,7

65,0

0,7

2,0

Costa do Marfim 28,8 44,3 3,1 7,1

Gahna 26,1 41,7 3,6 8,4 FONTE: African Development Indicators 2001, World Bank Em termos gerais as situações retractadas não devem diferir muito da que ocorre em Angola nos aspectos em que a distribuição do rendimento é analisada190. Moçambique, Tanzânia e Burundi são os países africanos onde os ricos são mais pobres e os pobres são mais ricos, para o conjunto da amostra do quadro191. O Burundi, a Costa do Marfim e o Gahna são os países que patenteiam a melhor repartição do rendimento, sendo a Swazilândia e a África do Sul aqueles em que a divisão do rendimento é a mais desigual: aqui os ricos são mais ricos e os pobres mais pobres. O Lesoto, a República Centro Africana e a Guiné-Bissau são os únicos países da amostra onde os 10% mais pobres não chegam a receber sequer 1% do rendimento nacional192. CONCLUSÕES

A política orçamental é das mais importantes políticas económicas que Angola deve implementar no sentido de complementar a actividade económica e de garantir níveis aceitáveis de satisfação das necessidades colectivas. Apesar de ainda controversa - porque é a que mais directamente expressa as posições doutrinárias quanto às intervenção do Estado na economia - a política orçamental tem um insubstituível papel a desempenhar no actual contexto da economia e sociedade angolanas. Particularmente na alocação de bens públicos de suprimento inadiável, na tomada de medidas que tornem muito mais justos os mecanismos de repartição do rendimento oferecidos pelo mercado e na garantia da estabilidade económica, a política orçamental é da maior relevância para o país.

190

Provavelmente mais agravada pelas consequências de um conflito militar de mais de um quarto de

século pós-independência. As estimativas que se dispõem a este respeito são um pouco contraditórias. Por

exemplo, o relatório sobre o desenvolvimento humano em Angola do PNUD (1998) apresenta um índice

de Gini com um valor de 0,55, o que não é propriamente indiciador de uma muito desigual repartição do

rendimento. No entanto, outras aproximações apontam para um repartição em que por cada $100 dos 10%

mais pobres, os 10% mais ricos podem auferir $4000. 191

A fonte consultada apenas fornece dados para 26 países subsarianos. 192

Para os países integrantes do African Development Indicators aparecem apenas mais o Níger e a Serra

Leoa patenteando um situação análoga.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

200

Mas igualmente se comprova a importância da política orçamental enquanto instrumento de suporte ao crescimento económico, dadas as inter-relações que se estabelecem entre as variáveis económicas e as variáveis financeiras.

6.- A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO (Comunicação apresentada ao Colóquio “O Papel do Cidadão e do Estado na Gestão dos

Recursos do País”, Março 2003)

Tornou-se vulgar a afirmação segundo a qual o Estado – entendido enquanto um conjunto de órgãos e instituições que garantem o fornecimento de bens e serviços destinados à satisfação de necessidades de satisfação passiva, também designados de bens públicos e de necessidades colectivas ou sociais – é, hoje em Angola, a mais privada das entidades e das actividades. O chamado preço do mercado legal administrativo – o preço a que a Administração do Estado deve vender aos cidadãos o conjunto de bens e serviços de satisfação passiva, e que pode ser nulo no caso de necessidades especificamente colectivas como a defesa, a justiça, a segurança, o ensino primário obrigatório, etc., inferior, igual ou superior ao respectivo custo de produção na circunstância dos bens semi-públicos193 - nunca é praticado pelos funcionários públicos. Raramente os cidadãos conseguem obter a prestação de um serviço público sem incorrerem em gastos adicionais aos que a lei estabelece. Os subornos, as comissões, as propinas, as avenças, a compra de influências instalaram-se, de armas e bagagens, no funcionamento da Administração Pública, havendo quem sustente que o espírito da “gasosa” se tornou num elemento estrutural do sistema de valores prevalecente, falando-se já numa generalizada cultura da corrupção194. A GÉNESE DA CORRUPÇÃO EM ANGOLA: ALGUNS SUBSÍDIOS PARA A SUA ANÁLISE

Podem ser de diferente natureza as abordagens sobre a génese da corrupção em Angola. Determinados pontos de vista sustentam que a corrupção tem uma importante dimensão política, emprestada pelo regime de partido único e pelo sistema de gestão centralizada praticado – com maiores ou menores nuances – até sensivelmente finais de 1998. O sistema socialista implantado depois da independência praticou uma certa cultura da pobreza195, traduzida nos esquemas de racionamento dos produtos, nos cartões e senhas de abastecimento, nos salários em espécie, na diferenciação política das lojas de fornecimento de bens196, nos critérios eminentemente políticos de avaliação e validação dos serviços prestados, etc. Quando de dá a transição para uma economia aberta e se começam a romper aqueles modelos administrativos de acesso aos bens económicos e os esquemas políticos de convivência dependente com o poder197, a sociedade enfrentou um vazio. Este vazio teve a sua máxima expressão na

193

Superiores ao custo, todavia sempre inferiores ao preço de mercado. 194

A aquisição do património imobiliário do Estado e todo o processo envolvente – verdadeiramente

penoso e capaz de tirar do sério o mais santo dos santos – pode ser considerado como um dos casos

paradigmáticos do mercado da corrupção no país, sendo de todo impossível obter qualquer documento

sem um pagamento em dólares relativamente avultado. 195

Que por si pode ter representado uma das causas do aparecimento dos mercados paralelos de bens e

moeda. 196

Lojas de quadros, de dirigentes, dos membros do Partido, do povo, etc. 197

Que ainda se não aniquilaram totalmente, tendo sido até há bem pouco tempo a sua manutenção

justificada pelas necessidades da guerra. A expectativa é que a partir de agora se rompam totalmente em

benefício da transparência e do controlo democrático dos recursos financeiros da Nação.

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monetização do salário, enquanto uma das exigências técnicas de passagem a uma economia de mercado. Só que a recuperação desta categoria económica não foi acompanhada de outras medidas complementares que a estabilizassem, como a convergência cambial, o controlo da inflação, a realização de despesas sociais, etc.

Outras interpretações colocam a génese da corrupção na necessidade de se constituir uma apropriação privada angolana inerente aos modelos de economia de mercado e que esteve ausente do arquétipo colonial - por opção doutrinária - e foi rejeitada pelo modelo socialista por preferências ideológicas198. A sociedade herdada do colonialismo português era uma sociedade dual, em que as camadas sociais europeias detinham a propriedade da generalidade dos meios de produção e as classes nacionais forneciam, também na generalidade dos casos, a força de trabalho. Estas classes nacionais eram desprovidas de propriedade, no sentido capitalista do termo, e é assim que a independência política as vem encontrar. As camadas sociais emergentes que assumiram o poder eram de baixo nível cultural e de preparação técnica deficiente para o exercício governativo. Durante o regime socialista e de partido único, a questão da propriedade manteve-se inalterável, sendo o Estado o proprietário universal dos recursos e dos meios de produção. Muito embora se notassem sintomas de corrupção e de enriquecimento fácil e rápido, no entanto, a constituição duma acumulação privada era ideológica e politicamente sancionada. Quando se abandonou o regime socialista a questão da propriedade privada emergiu como questão fundamental da constituição das classes nacionais que deveriam ser os agentes activos da economia de mercado. Esta apropriação privada fez-se à custa do enfraquecimento do Estado, sem nenhum projecto de sociedade e na ausência de um modelo concreto de transição para a economia de mercado num contexto de generalização do conflito militar interno199. O alastramento da corrupção coincidiu com o empobrecimento do Estado, o avolumar da burocracia e do laxismo dos funcionários, a intensificação da desorganização institucional, a desorçamentação e com a persistência da omnipresença do Estado na economia. Porém, este arquétipo de enriquecimento “a latere” do sistema económico não deu origem a um verdadeiro processo de acumulação de capital200 – no sentido capitalista do termo – nem à constituição duma classe média de “capitães da indústria” à Schumpeter. As formas mais evidentes de corrupção em Angola são as comissões directas201, o tráfico de influências, o nepotismo e a fraude. A equação fundamental que pode espelhar a corrupção no país é dada pela seguinte expressão (já considerada na primeira secção deste capítulo)

C = M + P – R

198

Esta interpretação esteve bem patente nos critérios de ajuste directo das privatizações do património

empresarial e habitacional do Estado. 199

Este aspecto é importante, uma vez que a premência da guerra contribuiu para a desorganização e a

indisciplina orçamental, tendo-se, portanto, aberto inúmeras janelas por onde se esvaíram muitos recursos

financeiros da Nação. O predomínio da economia de enclave também não é alheio a este processo, pelas

distorções contundentes sobre os tecidos económico e social que protagonizou. Igualmente no mesmo

sentido operou a natureza fortemente administrativa das políticas públicas. 200

Ver Hernando de Soto, O Mistério do Capital – por que o capitalismo dá certo nos países

desenvolvidos e fracassa no resto do mundo, Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, SA, 2000. 201

Que não beneficiaram apenas agentes do Governo, mas também da UNITA: atentem-se nas muito

recentes declarações de um ex-presidente da ELF sobre as comissões entregues aos dirigentes deste

partido ex-armado, divulgadas pela Rádio Eclésia, salvo erro no dia 18 às 6 horas e 45 minutos.

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onde C é o nível de corrupção, M simboliza todas as situações de excessiva regulamentação, de pouca transparência e de reduzida liberalização, P é o poder discricionário de decidir sem observância da lei e dos limites estabelecidos e R o grau de responsabilidade. A leitura é óbvia: a corrupção varia

na proporção directa do grau de monopólio da sociedade, da falta de transparência e da forma discricionária como os diferentes agentes da Administração exercem o poder de que desfrutam

e na razão inversa da responsabilidade e responsabilização. Nos países mais organizados e disciplinados o personalismo que persiste em níveis intermédios do exercício do poder administrativo é relativamente insignificante nas suas consequências e está suficientemente constrangido por princípios legais e racionais. Em Angola, a rotina administrativa está mal institucionalizada, não só porque a base material é fraca, mas também devido à instabilidade institucional e à burocracia: os funcionários públicos são mal remunerados, tornando-se presas fáceis da corrupção. A responsabilização é, no geral, muito fraca. A lei é constantemente desrespeitada202 e os princípios morais na condução dos negócios públicos não existem. Por vezes têm sido apresentadas estimativas do custo da corrupção no país. Claro que serão sempre aproximações baseadas em hipóteses discutíveis, porque em última instância o próprio conceito de corrupção não é tão elástico que permita configurar todos os casos como tal. Uma aproximação feita para 1997203 apontava para um valor em torno dos 423 milhões de dólares americanos utilizados em benefício próprio e exclusivo de cidadãos nacionais e, muito provavelmente, também de estrangeiros. Em termos de riqueza gerada este montante traduziu uma subtracção de cerca de 5,7% ao PIB desse ano204. Talvez o mais dramático desta situação tenha a ver com o facto de a subtracção de 423 milhões de dólares ao rendimento nacional angolano benfeitorizar outras economias, quer através da transferência de capitais para o exterior, quer por intermédio das importações. Se o montante imputado à corrupção for comparado com o PIB não petrolífero daquele mesmo ano, a ideia do seu peso nefasto fica mais precisa, representando, então, qualquer coisa como 15%. Se a este montante se adicionarem os custos económicos anuais com a pobreza e o desemprego205, o desperdício anual de recursos pode muito bem situar-se na vizinhança dos 1,3 biliões de dólares americanos, 46,4% do PIB não petrolífero de 1997. Ainda que aproximativos e sempre discutíveis e até mesmo contestáveis, estes valores prenunciam que existem impactos muito concretos sobre a economia e a sociedade em geral206, mas igualmente antedizem a presença duma economia da corrupção ou de um mercado da corrupção.

202

Provavelmente os casos mais flagrantes são os desvios ao cumprimento integral do Orçamento Geral

do Estado e dos Programas de Política Económica aprovados pela Assembleia Nacional. 203

Ver Alves da Rocha, Por Onde Vai a Economia Angolana, LAC-Executive Center, 2000. 204

O Banco Mundial estima que entre 2 a 5% do PIB mundial é desviado para e por actividades de

corrupção. 205

Ver Alves da Rocha, op.cit., capítulo 7. 206

Em termos sociais e culturais a corrupção generalizada e expressa por cifras avultadas de dinheiro

pode contribuir para se instalar e se aceitar uma cultura da impunidade e criar, mesmo, um sentimento

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203

A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO

207

As diferentes formas sob as quais a corrupção é praticada208 conformam a presença de uma certa axiomática do mercado da corrupção. Os preços que aqui se estabelecem – e que assumem formatos específicos tais como subornos, comissões, propinas, participações em negócios, avenças certas, etc. – acabam por ter uma certa lógica de mercado, dependendo os respectivos níveis das condições da oferta e da procura.

Os elementos essenciais para se caracterizar o mercado da corrupção são, resumidamente:

a natureza dos bens em causa (bens especificamente públicos – com preço legal nulo porque correspondem a necessidades básicas da população, como por exemplo e já referido, a defesa, a justiça, o ensino primário universal e gratuito, etc. – e bens semi-públicos, em relação aos quais se pode cobrar um preço igual, superior ou inferior ao respectivo custo de produção, como, por exemplo, o ensino secundário, médio e superior);

as práticas administrativas existentes e que são uma das expressões da natureza das políticas públicas: mais administrativas e concentracionárias ou mais automáticas e de vertente de mercado;

o poder discricionário dos funcionários públicos e o grau de transparência das disposições legais, regulamentos, instrutivos, etc.

(a) Preços que equiparam a oferta à procura

Existe um conjunto de bens e serviços que compete ao Estado proporcioná-los aos cidadãos dum forma grátis ou a um preço inferior ao do mercado209. Por outro lado, é necessário considerar, igualmente, as empresas públicas que ao fabricarem bens privados, que satisfazem necessidades de satisfação activa – vigorando, portanto, o princípio da exclusão – competem no mercado com as empresas privadas. O que normalmente acontece é que estas empresas públicas fornecem os produtos a preços inferiores aos que se estabelecem no mercado pelo funcionamento das respectivas leis. Determinadas práticas administrativas – mormente a do estabelecimento de preços fixos, de margens de comercialização, de níveis das taxas de juro e das taxas de câmbio – ao alterarem as regras de mercado e as condições de afectação de recursos, facilitam a prática de subornos, avenças, etc., dependendo o seu montante das condições de oferta. Mas estas práticas administrativas podem, do mesmo modo, afectar o mercado de crédito, quando os critérios de acesso são burocráticos e as taxas de contracção dos

generalizado de revide colectivo e cuja expressão, no nosso país, se pode encontrar na forma como

algumas obras públicas são conservadas pela população. As implicações económicas deste tipo de reacção

social repercutem-se sobre o financiamento dos investimentos públicos, os períodos de recuperação a

considerar e os critérios de avaliação a reter, nomeadamente a taxa social de redesconto. 207

Neste parágrafo sigo muito de perto o excelente trabalho de Susan Rose-Ackerman, “Corruption and

Government:causes, consequences and reform”, Cambridge University Press, New York, 1999. 208

Para além daquelas a que se convencionou chamar de “alta corrupção” e “baixa corrupção”,

encontrando-se até para esta última justificações que permitem aceitá-la em determinadas circunstâncias. 209

Na Teoria das Finanças Públicas estes bens são designados por bens públicos os primeiros e bens

semi-públicos os segundos, destinando-se a satisfazer necessidades colectivas ou necessidades de

satisfação passiva.

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financiamentos estabelecidas em níveis diferentes dos que o mercado colocaria: sempre que a concessão de crédito estiver controlada pelo Estado, a prática de subornos pode ser a única via de se aceder aos financiamentos. A influência pessoal e a corrupção conduzem a que os bancos concedam empréstimos de alto risco, por vezes a prestamistas que não têm condições de acesso ao dinheiro e, mais grave, que à partida não têm nenhuma intenção de os resgatar210. Evidentemente que estas práticas têm custos económicos elevados, que, por exemplo, na Nigéria e no Paquistão atingiram proporções entre 10% e 15% do Produto Nacional Bruto entre 1997 e 1999. Até um passado recente em Angola era vulgar a prática do licenciamento das importações, que constituía uma fonte frequente de subornos e clientismos e cujos montantes estavam em relação com os valores das vantagens concedidas. No contexto do PREGE211 foram efectuados estudos relevantes sobre as condições e as vantagens de determinadas reformas institucionais tendentes à liberalização dos mercados. Ficou patente, anos depois, que as objecções que se levantaram quanto à abolição do regime de licenciamento prévio das importações não eram técnicas – de resto difíceis de convencer quando o que se pretendia era facilitar o funcionamento das actividades económicas – mas sim de resistência à cessação dum sistema que representava uma importante fonte de réditos dos funcionários que o dominavam. Os aliciantes para pagar subornos são, portanto, bastante claros nos casos acima referidos. Mas ocorre questionar:

qual a respectiva eficácia e as consequências redistributivas sobre a economia212?

qual a função económica destes pagamentos consubstanciados nos subornos, comissões, avenças: igualam simplesmente a oferta à procura, funcionando, então, como os preços do mercado legal?

São considerados três casos:

- o primeiro, contempla os bens e serviços de oferta escassa e fixa, relativamente aos quais os funcionários não dispõem de poder discricionário para alterar estas condições;

210

O caso da CAP – Caixa de Crédito Agro-Pecuário e Pescas – ficou célebre pelo extraordinário

montante de crédito mal parado que levou esta instituição bancária à falência, como ficaram conhecidos

episódios absolutamente caricatos de “distribuição” gratuita de dinheiro a quem não tinha qualquer

intenção de o devolver. São ainda prevalecentes situações de montantes elevados de crédito mal parado

nas instituições bancárias privadas, porque não tem sido possível fugir aos tentáculos do tráfico de

influências que ainda se pratica de uma forma extensiva e mesmo despudorada e a que não é alheio o peso

do Estado na economia – é o único gerador de divisas, por exemplo – e a subjugação ao poder político. 211

Projecto de assistência técnica financiado pelo Banco Mundial e destinado a reforçar as capacidades

internas para a promoção das reformas económicas de mercado. O Ministério do Planeamento foi a

entidade que coordenou a sua execução. 212

A eficácia é aqui questionada no sentido da relação instrumento/objectivo, ou seja, até que ponto os

subornos, as avenças e as “gasosas” pagas contribuíram para a obtenção dos objectivos dos agentes que

assim procederam e em que medida os resultados atingidos superaram os custos incorridos para a

obtenção da benesse? As consequências redistributivas relacionam-se com a aplicação económica que o

agente receptor do suborno faz das respectivas verbas: aumenta o consumo? Acresce o consumo

importado? Incrementa a poupança interna? Faz parte das fugas de capitais para o exterior? Claro que não

é indiferente para a economia nacional o destino dos montantes auferidos pelos agentes a título de

subornos, comissões, avenças, etc., sendo, também, nesta perspectiva que se fala da economia da

corrupção.

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- o segundo, abarca os bens e serviços que apesar de escassos, os funcionários dispõem de poder para aumentar a respectiva oferta, bem como a correspondente qualidade;

- finalmente, consideram-se os bens e serviços de oferta flexível e ajustável consoante as necessidades dos consumidores ou utilizadores e relativamente aos quais os funcionários dispõem de um elevado poder de discricionariedade para determinar quem cumpre os requisitos legais de acesso.

- Bens e serviços de oferta fixa e fraco poder discricionário dos funcionários públicos

A rigidez da oferta de bens e serviços neste tipo de mercado pode ser devida à falta de capacidade do Estado disponibilizar maiores quantidades dos respectivos bens e serviços – carência de receitas e financiamentos, falta de funcionários (como professores, médicos, enfermeiras,213 etc.) – e à possibilidade dos funcionários criarem escassez artificial dado o excessivo carácter administrativo da respectiva política pública. Esta situação cobre o “mercado” da concessão de licenças e autorizações diversas e do fornecimento de determinados bens de oferta rígida e relativamente aos quais os funcionários não detêm poder discricionário significativo. Ora, se o mercado da corrupção funcionar de um modo eficiente, então serão adjudicadas licenças e fornecidos os bens aos solicitantes/utilizadores que apresentem maior disponibilidade de pagar subornos, avenças, ou comissões. Não existindo discricionariedade no preço, o suborno será, portanto, equivalente ao preço de um mercado eficiente, igualando, consequentemente, a oferta à procura. Na ausência de um mercado da corrupção, o Estado em condições que deveriam ser de normalidade institucional, deveria fornecer os citados bens e serviços a um determinado preço legal, que cobrisse ou não os respectivos custos214, revertendo os respectivos valores para o Tesouro. Havendo mercado da corrupção, os subornos aumentam os rendimentos dos funcionários corruptos. Mas as implicações esperadas destes desvirtuamentos atingem, do mesmo modo, o mercado de trabalho: se este mercado funcionar de forma competitiva, o Estado -

213

Nestes casos a rigidez da oferta já depende, também, das condições gerais de funcionamento da

economia, da capacidade dos sistemas de ensino e formação “produzirem” as qualificações necessárias à

satisfação duma crescente procura social de educação e saúde, das preferências dos cidadãos por

determinadas profissões em detrimento de outras, etc. 214

A venda de bens e serviços pelo Estado a um preço igual ou inferior ao custo depende da natureza da

necessidade a satisfazer: uma necessidade tipicamente colectiva – por exemplo, a educação básica e

primária – deve ser gratuitamente satisfeita, devendo as correspondentes despesas ser financiadas pelos

impostos que a sociedade entrega ao Estado a título gracioso. Uma necessidade mista – simultaneamente

de satisfação activa e passiva – pode ser satisfeita por serviços ou bens a um preço igual ou superior ao

custo, mas em qualquer das situações inferior ao preço de mercado. O que acontece, porém, e atendendo à

rigidez de oferta, é que o mercado da corrupção também funciona, mesmo no caso dos bens de satisfação

gratuita, devendo os utentes, por causa da escassez, pagar um preço (suborno) de valor superior ao preço

do mercado legal – na ocorrência do ensino básico e primário o preço deveria ser nulo - sendo por este

viés que a oferta se pode igualar à procura. No entanto e no caso particular de Angola, os subornos pagos

pelos cidadãos para poderem frequentar os ensinos primário, secundário e superior concluem-se por não

ser totalmente eficazes no sentido do mercado, porque acaba sempre por ficar um diferencial importante

de procura social de educação por satisfazer. Isto também se deve ao relativo poder discricionário dos

funcionários estatais.

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graças à prática dos subornos que injectam acréscimos de réditos aos funcionários públicos - pode provocar uma subida dos salários privados215. Em síntese: existindo condições competitivas, tanto no mercado corrupto, quanto no mercado de trabalho, os pagamentos ilegais funcionam como os preços de mercado: os que ganham são quem estiver disposto a pagar o maior valor de subornos216, enquanto os perdedores são os que estão disponíveis a pagar os serviços de outras formas, tais como o tempo de espera pela solução legal, a apresentação de reclamações ou queixas pela má qualidade das prestações públicas, etc. Para além dos exemplos já anteriormente citados para esta situação particular do mercado de corrupção, podem adiantar-se os casos de programas públicos de distribuição de habitações sociais, a disponibilização de água para irrigação agrícola, o fornecimento de água e electricidade às habitações dos centros urbanos, etc. Em resumo, neste mercado da corrupção de oferta rígida acontece:

um funcionamento que o aproxima da eficiência económica, porque o fraco poder discricionário dos funcionários públicos abeira-o dum mercado de concorrência perfeita, em que só a limitação da quantidade de bens e serviços a oferecer determina o preço da corrupção;

o preço da corrupção – o suborno – é superior ao preço legalmente estabelecido; o suborno acaba por ser igual a um preço hipotético de mercado se porventura houvesse um mercado privado para o provimento deste tipo de serviços;

que o preço legal não é o mais eficiente e por isso o Estado perde receitas;

que o suborno reverte integralmente para os funcionários que o praticam à revelia da lei, incrementando os respectivos réditos pessoais e podendo provocar tensões inflacionistas inesperadas.

- Bens e serviços de oferta variável e elevado poder discricionário dos funcionários

Esta perspectiva corresponde aos dois últimos casos anteriormente identificados em que os funcionários dispõem de um certo poder de influenciar a quantidade e a qualidade dos serviços, bem como a identificação dos beneficiários217. Este tipo de mercado da corrupção pode ser sinteticamente caracterizado nos termos seguintes:

215

É mais do que conhecida a íntima relação entre os salários da Função Pública e do sector privado,

servindo, quase sempre, os primeiros como sinais para as políticas salariais empresariais. 216

Ainda que na maior parte dos casos a informação sobre o valor dos subornos não esteja disseminada

enquanto informação de mercado, dado justamente o seu carácter ilegal. Assim sendo, os preços deste

mercado de oferta rígida podem, da mesma forma, ser rígidos, porque a informação sobre os subornos não

circula facilmente. Alguns participantes potenciais podem negar-se a entrar no mercado da corrupção por

escrúpulos morais ou então por receio de represálias da lei, ou então os funcionários corruptos podem

limitar as suas práticas desviacionistas a pessoas dentro do seu círculo de amizades e influências. Por

estas razões, um mercado corrupto não será apenas menos eficiente do que o mercado legal, mas também

mais inseguro. 217

Os casos extremos correspondem a um só funcionário ter autoridade para outorgar licenças, definir

subsídios ou subvenções, fiscalizar as infracções (vejam-se os frequentes episódios denunciados pelos

empresários quanto à inspecção económica), influenciar contratos de empreitadas, ou de fornecimento de

bens e serviços, etc.

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do lado da oferta existem poucos agentes ou apenas um agente e do lado da procura uma multiplicidade de demandantes;

o elevado poder discricionário dos agentes administrativos do Estado conduz ao aparecimento dum certo poder de monopólio e à criação duma escassez artificial da oferta;

o valor do suborno situa-se acima do valor determinado no caso anterior, dando origem a uma espécie de sobre-lucro, exactamente como se de um mercado monopolista se tratasse.

Nestes casos a corrupção conduz à ineficiência, exactamente como num mercado imperfeito. Mas analisem-se estas matérias com mais algum detalhe. Quando a quantidade é escassa, mas ainda assim, flexível ou variável, o funcionário, tal como um monopolista privado, pode criar uma situação de oferta abaixo do pleno emprego, entendido este como a quantidade de serviços estipulada pelo Estado como correspondente às necessidades dos cidadãos. O equilíbrio, nestas condições do mercado da corrupção, faz-se através da fixação dum valor elevado para os subornos, com o intuito de se aumentarem os réditos do funcionário, exactamente como num mercado monopolista em que o empresário, por força dessa situação particular, obtém um sobre-lucro. Se, no entanto, o Estado resolver fixar a oferta dos seus serviços abaixo do nível de monopólio, o funcionário corrupto procurará promover uma oferta aumentada desses serviços à margem das determinações do Estado, com o intuito de maximizar os seus ganhos. O seu comportamento depende, portanto, não só do valor total de réditos que pretende auferir, como também do que pode extrair dos beneficiários corruptos. Se forem vários os funcionários que dispõem de poder discricionário de concessão de serviços escassos, os problemas de concorrência multiplicam-se devido ao facto de cada um deles tentar ficar com a maior parte do bolo. Um exemplo paradigmático deste tipo de situação encontramos no mercado imobiliário e em particular na concessão de terrenos para os cidadãos construírem as suas habitações. São conhecidos e denunciados os episódios à volta das dificuldades de legalização de propriedades imobiliárias urbanas ou empresariais, em que os valores dos subornos exigidos pelos funcionários ultrapassam, por vezes, o preço de compra do imóvel ao Estado. A ausência de critérios legais claros e o uso de um poder discricionário fazem com que os funcionários procurem obter determinados benefícios pecuniários. Uma outra contingência relativiza-se na prestação dum serviço como a concessão de passaportes, de cartas de condução ou de subsídios ou subvenções, como as reformas e pensões. Se bem que a oferta não seja propriamente escassa, o acesso a esses serviços encontra-se, todavia, circunscrito a determinadas pessoas legalmente qualificadas para os usufruir218. Normalmente quem não está formalmente qualificado tem de pagar um suborno elevado: obtenção de licença de condução sem fazer o correspondente exame, usufruição duma reforma ou pensão sem ter direito à mesma, aquisição dum certificado de habilitações sem ter prestado as correspondentes provas, conquista duma permissão de imigração, etc. Mas o mercado da corrupção não se encontra, nos casos referenciados, apenas confinado a quem não se encontra legalmente qualificado para o usufruto dos serviços

218

Esta circunstância equivale, na prática, a criar-se uma escassez artificial.

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que o Estado fornece. Quem está qualificado pode ter de pagar subornos elevados sempre que os funcionários dispuserem de um poder discricionário correspondente a um certo poder de monopólio para criar artificialmente escassez. Esta escassez artificial traduz-se nos atrasos, no levantamento de dificuldades, no apontar de insuficiências do processo, etc. Esta intenção de criar escassez produz subornos sempre que os beneficiários não dispuserem de alternativas de satisfação dessas necessidades. Quanto maior for o poder discricionário dos funcionários, mais opaca e complicada a lei e menos transparentes os procedimentos e quanto menores forem as opções abertas aos usuários dos serviços públicos, maiores serão os custos dum sistema económico e administrativo que tolera e convive com a corrupção. Os efeitos nefastos das práticas corruptas são variados:

o alto custo de se tratar com funcionários do Estado através do suborno pode induzir muitas empresas a actuar no sector informal da economia ou a ocultar o valor dos seus negócios;

as perdas financeiras do Estado podem atingir expressões monetárias significativas;

o sistema de subornos desincentiva o investimento privado, nacional e estrangeiro;

sempre que o Estado não salda atempadamente as suas dívidas aparecem incentivos à corrupção dos funcionários que lidam com estes assuntos;

a corrupção profundamente arreigada – cultura da corrupção – frena as reformas institucionais e os esforços tendentes a aumentar a transparência e a governabilidade.

Ainda que os subornos possam, em determinadas circunstâncias, assumirem-se como pagamentos de incentivo aos funcionários públicos, uma política de tolerância activa face à corrupção debilita, seriamente, as perspectivas de reformas institucionais e económicas a médio prazo. (b) Os subornos enquanto formas de reduzir custos

A intervenção do Estado na economia faz-se por intermédio de um conjunto de estímulos à actividade privada, tais como normas, regulamentos, incentivos fiscais e financeiros, isenções tributárias, etc. As pessoas singulares e colectivas elegíveis podem ter de pagar determinados subornos para garantir uma aplicação favorável das leis de modo a reduzir os seus custos de funcionamento. As leis e regulamentos podem ser objecto de interpretações mais ou menos favoráveis às pessoas elegíveis consoante o grau de corrupção dos funcionários que têm sob sua responsabilidade a respectiva interpretação e aplicação. Os subornos aparecem na atribuição de licenças de exercício de actividades empresariais (alvarás), na inspecção das obras públicas, na aplicação de regulamentação de preservação do ambiente ou de segurança no trabalho, na concessão de financiamentos bancários, etc. Um outro campo predilecto aos subornos é constituído pelas alfândegas. Os empresários estão normalmente dispostos a pagar aos funcionários alfandegários para aligeirarem e apressarem os processos de desalfandegamento de mercadorias, de modo a evitar custos desnecessários. Normalmente estes subornos são inferiores às taxas aduaneiras que normalmente seriam devidas ao Estado.

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209

3.- CONCLUSÃO

Evidentemente que se torna, por um lado, disparatado partir-se do princípio de que a corrupção passou a ser uma espécie de “angolan way of life” e, por outro, inadmissível conviver com ela. Já não são apenas razões de propensão económica que determinam que assim se faça. São igualmente motivos morais e éticos de transparência, de respeito pelo semelhante e pela sua dignidade de cidadão. Algumas vias de solução/mitigação do problema:

educação: para além da aquisição de conhecimentos, exige-se uma educação de contornos éticos e morais, de reverência por valores tradicionais de respeito pelo semelhante, honestidade, dignidade;

alternância do poder político, na medida em que por esta via se poderem alterar radicalmente comportamentos corruptos instalados e aceites;

competição política: a emulação pela posse de bens materiais, dinheiro, luxos, deve ceder lugar à emulação de ideias, os únicos elementos que provocam e comandam a mudança;

redistribuição do rendimento: através de vectores reais e medidas concretas destinadas a restabelecer a função social do salário;

crescimento económico: a via exclusiva para se gerarem, multiplicarem e incrementarem os rendimentos.

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CAPÍTULO QUINTO – INTEGRAÇÃO ECONÓMICA REGIONAL 1.- ANGOLA NO CONTEXTO DAS ECONOMIAS AFRICANAS: O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA NA SADC 2.- O NOVO REGIME DE COMÉRCIO NO ÂMBITO DOS ACORDOS DE PARCERIA ECONÓMICA REGIONAIS

1.- ANGOLA NO CONTEXTO DAS ECONOMIAS AFRICANAS: O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA NA SADC (Comunicação apresentada no Colóquio da Casa de Angola em Paris subordinado ao tema “Perspectivas para Angola Depois da Paz”, Maio de 2003)

Angola tem de estar em confronto salutar com as economias africanas, por ser neste continente onde o país se insere. No entanto, praticamente todos os países de África estão de costas voltadas entre si. Uma análise preliminar quanto à intensidade das trocas comerciais entre os 53 países africanos revela estar-se perante uma matriz com a maior parte das quadrículas vazias. Na verdade, o conjunto das suas exportações e importações representou praticamente 60% do respectivo Produto Interno Bruto em 1999219, o que revela um continente africano voltado para fora, dirigindo-se a maior parte das suas exportações e provindo o grosso das suas importações principalmente da Europa. Esta geografia dos fluxos comerciais denuncia que os modelos coloniais de extroversão económica ainda não foram ultrapassados e que poderão mesmo estar reforçados por modalidades implícitas de neocolonialismo económico moderno, veiculadas pela ajuda pública ao desenvolvimento, que normalmente é condicionada e sujeita a uma série de regras e critérios, cujas consequências finais são o aumento das exportações dos países doadores e o regresso aos países de origem de mais de 80% da ajuda concedida. Mas este panorama de retracção das trocas comerciais entre os países africanos é, ainda, observável ao nível dos seus espaços regionais, os quais pretendem ser, no futuro, zonas económicas únicas e integradas. A SADC, embora num processo mais avançado de integração comercial que a maior parte das suas congéneres continentais, apresenta as mesmas insuficiências quanto a constituir-se num instrumento de aliciamento para os investimentos e o desenvolvimento de produtos africanos. As trocas comerciais entre os seus parceiros são exíguas, continuando, também aqui, a manifestar-se a influência externa sobre o direccionamento das exportações e importações. Acrescenta-se, neste caso, a poderosa influência da África do Sul – a grande potência económica regional – à volta da qual gravita a maior parte da actividade económica da região220.

219

Neste valor concerteza que se contabilizam fluxos comerciais entre os próprios países africanos. 220

A África do Sul polariza, com efeito, as trocas comerciais que se não fazem com o exterior do

continente e a sua influência económica é patente quando analisada segundo diferentes indicadores.

Acresce que a sua zona directa de influência é grande, correspondendo ao domínio do “rand” como

moeda de transacção entre si e o Botswana, a Swazilândia, a Namíbia, o Lesotho, o Malawi, Moçambique

e mesmo o Zimbabwe.

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211

SITUAÇÃO ECONÓMICA RECENTE DE ANGOLA

- Produto Interno Bruto e estrutura sectorial

A situação económica recente pode ser caracterizada consoante as informações constantes do quadro seguinte:

CONTAS NACIONAIS (mil USD correntes)

1997 1998 1999 2000 2001 2002

Agricultura,silvicultura,pescas 673914,5 831194 380853,3 519205,2 730733,1 905403,7

Petróleo bruto e gás 3585765 2417194 3519020 5505579 4562394,3 5025127,2

Diamantes e outras 326559,8 341836,3 499856,5 555885,5 634823,3 634823,3

Indústria transformadora 327777,8 402964,7 195143,2 264905,2 347543,8 426684,5

Energia e água 3534,2 4743,1 2172,8 3753,5 4632,2 4632,2

Construção 304888,9 393050,4 186616,7 320809,7 395463,7 395463,7

Serviços mercantis 1207338 1233962 901036,3 1372352,4 1613075,6 1613075,6

Serviços não mercantis 879508,5 673634,8 291990,5 607264,4 828758,3 1207205,0

PIB preços de mercado 7486308 6387370 5989740 9049257 8911379,4 10406939,5

População (mil habitantes) 13134 13541 13947

PIB per capita (usd) 689,0 658,1 746,2

PNB per capita (usd) 397,8 321,2 382,0

FONTE: Ministério do Planeamento, INE, Contas Nacionais, BNA – Balança de Pagamentos e Trabalhos

Preparatórios da Estratégia de Longo Prazo (As Dinâmicas Populacionais em Angola).

De sublinhar:

o exíguo mercado interno de bens transformados, cuja dimensão média no período em análise, não ultrapassou os 330 milhões de dólares americanos;

a significativa subida da extracção de diamantes, hoje a terceira maior actividade de mercado no país (o valor acrescentado da agricultura tem uma forte componente de autoconsumo);

o comércio e os restantes serviços mercantis subscrevem uma fatia importante da actividade económica interna.

A situação económica geral da população medida pela capitação do PNB em 2002 ($382) era das mais baixas da SADC e correspondia, em termos duma aproximação ao rendimento – limite da pobreza por habitante, a qualquer coisa como $1,05 dólares por dia. A esta fraca capacidade interna de geração de rendimento pessoal associam-se a debilidade e os desequilíbrios estruturais dos e entre os sectores, conforme expresso no quadro abaixo (estrutura a preços correntes).

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212

ESTRUTURA SECTORIAL

1998 1999 2000 2001 2002

Agricultura,silvicultura,pescas 13,01 6,4 5,7 8,6 9,2

Petróleo bruto e gás 37,8 58,8 60,8 51,8 49,5

Diamantes e outras 5,4 8,4 6,5 6,2 6,3

Indústria transformadora 6,3 3,3 2,9 4,1 4,3

Energia e água 0,07 0,04 0,03 0,04 0,04

Construção 6,2 3,1 2,8 3,8 4,0

Serviços mercantis 19,3 15,0 14,5 15,9 16,1

Serviços não mercantis 10,6 4,9 6,7 9,4 10,6

PIB preços de mercado 98,6 99,8 99,9 99,9 99,9 FONTE: Ministério do Planeamento, INE, Contas Nacionais NOTA: o somatório em coluna não perfaz 100% porque se não consideraram no cálculo da estrutura da economia nacional os direitos de importação.

Trata-se duma contextura económica que desde há muito se mantém inerte no que se refere aos sectores estruturantes do mercado interno, como a indústria transformadora, a energia e a construção. Os aspectos relevantes a destacar são:

uma aparente tendência de redução do peso relativo da economia petrolífera, que, no entanto, pode não se consolidar se se realizarem os investimentos previstos na extracção de petróleo e que podem vir a situar-se entre 4 e 5 biliões anuais durante os próximos anos221;

a manutenção do processo de desindustrialização traduzido no decrescente peso do VAB industrial no PIB total e que em 2002 atingiu a cifra de 4,3%222;

um peso relativo claramente negligenciável da energia e água, um sector de extraordinária importância para a recuperação e o desenvolvimento do país;

uma estabilidade do peso relativo dos serviços mercantis, que englobam o comércio e actividades afins, os seguros, os bancos, os transportes, as telecomunicações, etc.;

uma participação também modesta do sector da construção, certamente um dos pilares em que, uma vez mais, vai assentar o processo de crescimento económico de Angola.

Mas esta inércia pode ser melhor apreciada se referida a preços constantes de 1992:

221

No contexto duma política necessária de integração económica sectorial, a Chevron-Texaco anunciou

avançar com um projecto denominado “Iniciativa de Parcerias com Angola”, orçado em 50 milhões de

dólares americanos e destinado, entre outras coisas, a promover o desenvolvimento de pequenas empresas

noutros ramos de actividade. 222

Apesar de todo um clima novo mais propício à iniciativa empresarial e industrial, o que é facto é que

no decurso de 2002 ocorreram bastantes paralisações de fábricas em várias províncias, donde se destacam

os casos da África Têxtil e da Companhia de Celulose e Papel de Angola em Benguela, da Corassol e a

Toflex em Viana, da Peskwanza no Kwanza Sul, da Mabor e da Siderurgia em Luanda, temendo-se que a

Metalúrgica de Viana, por dificuldades de escoamento dos respectivos produtos, venha a encerrar a sua

actividade industrial.

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213

ESTRUTURA A PREÇOS DE 1992

1998 1999 2000 2001 2002

Agricultura,silvicultura,pescas 12,45 12,28 12,96 14,53 14,10

Petróleo bruto e gás 44,48 43,75 42,39 39,85 43,14

Diamantes e outras 4,62 6,28 6,86 7,79 7,19

Indústria transformadora 3,98 4,15 4,36 4,55 4,33

Energia e água 0,07 0,07 0,07 0,07 0,07

Construção 4,91 5,02 5,20 5,36 5,11

Serviços mercantis 16,70 16,97 16,93 17,05 16,47

Serviços não mercantis 11,48 10,34 10,13 9,72 8,62

Direitos de importação 1,30 1,14 1,10 1,07 0,98

PIB preços de mercado 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

FONTE: INE-Contas Nacionais

O contraste com os valores do quadro dos pesos relativos a preços correntes é evidente, podendo-se concluir por uma evidente imobilidade no processo de alterações económicas estruturais até 2002:

os sectores estruturantes dum desenvolvimento endógeno e configurantes duma integração económica interna (sectorial e regional) mantiveram-se dotados duma inércia impeditiva de melhorarem a sua participação relativa no tecido económico nacional: agricultura, indústria transformadora, construção, energia e água;

os sectores de enclave, que veiculam uma forte dependência do exterior e que contribuem para uma diminuição do rendimento nacional, viram a sua posição conjunta melhorada, ainda que ligeiramente: 49,1% em 1998 e 50,3% em 2002.

O quadro seguinte transcreve as taxas anuais de crescimento a preços constantes de 1992:

TAXAS ANUAIS MÉDIAS DE CRESCIMENTO A PREÇOS DE 1992

1997 1998 1999 2000 2001 2002

Agricultura,silvicultura,pescas 10,2 5,2 1,3 9,3 18 12,1

Petróleo bruto e gás 4,7 3,5 1 0,4 -1 25

Diamantes e outras 53,4 90,2 39,5 13,3 19,5 6,6

Indústria transformadora 9,3 4,9 7,1 8,9 9,8 10,1

Energia e água 9,4 14,5 1,3 0,8 10 10

Construção 13 10 5 7,5 8,5 10

Serviços mercantis 9,4 5 4,4 3,4 6 11,6

Serviços não mercantis 5,5 0 -7,5 1,5 1 2,5

PIB preços de mercado 7,7 5,5 2,7 3,6 5,2 15,5

FONTE: INE-Contas Nacionais

A análise das dinâmicas de crescimento revela que todos os sectores da economia angolana não apresentam tendências estabilizadas de variação, evoluindo num processo de altos e baixos acentuados:

os sectores de enclave, porque dependem das condições de oferta e procura dos mercados internacionais, ajustando as concessionárias que operam no mercado angolano as suas estratégias de extracção. Mas ainda porque a actividade destes sectores tem como ponto chave a descoberta

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214

de novas fontes e o esgotamento das existentes, de cuja conjugação resulta a respectiva produção;

os restantes sectores, porque tributários de condições atmosféricas, da maior ou menor disponibilidade de divisas e do respectivo preço, da maior ou menor disponibilidade de crédito e do seu preço, de imponderabilidades diversas (energia, água, transportes, mão-de-obra qualificada, burocracia e corrupção, etc.), das altas taxas de inflação e das inúmeras consequências da guerra223.

- Inflação

A inflação no país continua a situar-se em patamares prejudiciais ao crescimento da economia não mineral, à redução efectiva da pobreza e à melhoria do bem estar geral da população. O quadro seguinte mostra-o:

COMPORTAMENTO DA INFLAÇÃO

(valores em percentagem) ANOS Média aritmé-

tica mensal Média geomé- trica mensal

Inflação média anual (aritmé)

Inflação média Anual(geomé)

Inflação acu- mulada

1991 9,2 8,8 183,6 180,1 175,7

1992 16,6 16,0 275,7 252,9 495,8

1993 28,2 28,0 1169,6 1060,3 1837,7

1994 22,5 21,9 1155,7 1104,8 971,9

1995 37,0 35,7 2067,6 1917,0 3783,4

1996 29,3 26,9 5867,9 5027,0 1651,3

1997 4,3 4,2 343,3 143,8 64,0

1998 7,5 7,4 104,0 98,8 134,8

1999 13,1 12,9 231,5 223,0 329,0

2000 11,6 11,5 344,4 339,7 268,4

2001 6,7 6,6 169,3 162,5 116,1

2002 6,2 6,2 109,3 109,0 105,6

FONTE: INE-Índice de Preços no Consumidor.

Apesar de ainda muito elevada, tem-se, no entanto, vindo a verificar uma tendência sustentada de redução da inflação:

as taxas médias mensais de inflação têm vindo, paulatinamente, a diminuir, particularmente a partir de 1999, com as reformas estruturais de mercado introduzidas na política monetária e cambial224;

a inflação média anual - diferente da inflação medida no último mês de cada ano - regista, igualmente, uma tendência positiva de decrescimento sensível. As oscilações que se registaram até 1999 foram substituídas por uma tendência evidente de diminuição da inflação, sendo de sublinhar a quebra ocorrida entre 2000 e 2001 de cerca de 51%;

de igual modo, o indicador inflacionista da taxa acumulada no final de cada ano aponta no mesmo sentido, sendo de destacar as quebras verificadas no ritmo de crescimento dos preços entre 1999 e 2000 (18,4%) e entre 2000 e 2001 (56,8%).

223

Em relação a estes dois aspectos um dos sectores de enclave tem passado completamente ao lado, não

sendo estas as suas dificuldades. A lógica de funcionamento é a do dólar e as oscilações da produção

estão apenas relacionadas com as condições da procura mundial, pois mesmo as questões de

financiamento estão facilitadas pelos mercados financeiros internacionais. 224

As baixas taxas médias mensais de inflação conseguidas em 1997 e 1998 - de resto as mais baixas

registadas entre 1991 e 2002 - ficaram a dever-se, sobretudo, a actuações administrativas restritivas e não

a uma política económica de mercado.

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215

Parece não serem, por enquanto, completamente consensuais as reais causas da inflação em Angola, sendo, igualmente, divergentes as formas convincentes de a debelar. O FMI225, como sempre, coloca toda a ênfase nas componentes monetárias, sugerindo que a persistência da inflação em Angola se deve:

a um aumento rápido da base monetária como percentagem do PIB (a chamada “seigniorage” do Banco Central);

uma alta velocidade de circulação da moeda (a taxa de circulação da moeda ou o número de vezes que a moeda muda de mãos num determinado período de tempo);

um rápido crescimento da velocidade de circulação da moeda. O estudo “O Sistema e a Política de Preços em Angola”226 identificava como causas principais:

formação de estruturas oligopolísticas nos principais circuitos comerciais;

estrutura e natureza do sistema de subsídios;

políticas macroeconómicas, em particular a fiscal, a monetária e a de preços;

factores associados à “fileira” das importações227;

factores de enquadramento da oferta interna, desde as infraestruturas (particularmente energia e água), à burocracia estatal e à obtenção de crédito;

factores associados à organização dos mercados de distribuição. Mais recentemente, um outro trabalho intitulado “Estudo sobre a Política de Rendimentos e Preços228” apontava como causas da inflação no país:

o modelo de conversão das receitas fiscais petrolíferas;

a desregulação dos preços de importação;

as receitas de “seignioriagem”;

o descontrolo dos agregados monetários;

os défices orçamentais e o descontrolo das despesas públicas;

o funcionamento dos mercados.

José Cerqueira229 identifica quatro fontes distintas da inflação:

inflação fiscal, correspondente à medida relativa do défice fiscal expressa como uma fracção do fluxo simultâneo da produção nacional;

inflação capitalista, medida pelas variações do estoque de crédito que ocorrem durante um período considerado de produção;

inflação importada correspondente à medida relativa às exportações e expressa como uma fracção do fluxo de produção;

225

FMI, Aide Mémoire, January 2003 e Angola: a note on inflation, November 2002. 226

Ministério do Planeamento/CESO CI, 1998, páginas 4/21. 227

Entre o valor FOB e o valor CIF a margem é, em média, de 25,2 pontos percentuais e entre o valor CIF

e o preço de venda ao público a diferença é de 4,2 vezes no mercado formal e 4,8 vezes no mercado

informal (página 15 do citado estudo). 228

Ministério das Finanças, Abril de 2002. 229

É possível baixar a inflação para 30% em 2003? Artigo publicado no semanário Angolense, Abril

2003.

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216

inflação trabalhista, medida pela taxa de elevação no volume de salários que ocorre acima dos ganhos de produtividade.

Alves da Rocha230 salienta: “ o sistema económico administrativo e a incorrecta política económica (particularmente a cambial) do passado, arrastaram o sector produtivo nacional, em especial a indústria transformadora, para falsas situações de pleno emprego, ao reduzir drasticamente a sua capacidade operacional de produção, aumentando, em consequência, o hiato entre capacidade instalada e capacidade real de utilização. Esta redução da capacidade utilizada, de transitória foi-se transformando em efectiva e real, pela via da obsolescência tecnológica, da falta de conservação das instalações e dos equipamentos, dos equipamentos estragados por falta de utilização, da descapitalização dos conhecimentos e da experiência dos trabalhadores, etc. O sistema produtivo não petrolífero foi, assim e paulatinamente, empurrado para zonas de falso pleno emprego, do que só não resultou uma inflação aberta e declarada porque as descompressões momentâneas consentidas pelas importações e pelo alargamento dum sector informal de solidariedade social e de reprodução económica o impediu ou adiou. A contrapartida ao recurso sistemático às importações foi o desequilíbrio estrutural das contas externas e o avolumar da dívida externa do país.” Na verdade, está-se perante uma estrutura económica interna com um grau de contrariedade muito fraco a determinados choques: qualquer aumento das despesas públicas em bens e serviços ou em salários dos funcionários públicos é imediatamente absorvido pelos preços. O sistema imunológico da economia nacional não apresenta capacidades de resistência a determinados choques internos e externos, o que equivale a considerar que antes de o reforçar com políticas de oferta, os choques terão de ser debelados. Isto é: de que vale conceder incentivos fiscais e financeiros à produção se a inflação, provocada pelos choques dos gastos públicos excessivos e não orçamentados (logo não controláveis pela política fiscal), anula a sua expressão real e efectiva? Apesar de todas estas contribuições, o que é facto é que o fenómeno da inflação continua a representar uma disfuncionalidade grave do sistema económico nacional e muito embora o comportamento de longo prazo aponte claramente no sentido duma baixa generalizada da tendência de elevação dos preços231 , o seu nível actual é ainda muito alto, respondendo pelos fenómenos de fuga à moeda nacional e dolarização da economia. - Indicadores do comércio externo

A economia de enclave – cuja maior ou menor representatividade interna depende apenas das condições de procura e oferta dos mercados internacionais e das estratégias das multinacionais predominantes – é a grande responsável pelo grau de grande abertura do país ao exterior. As respectivas “ratio” apresentaram o comportamento seguinte:

230

Angola: Estabilização, Reformas e Desenvolvimento, LAC, 1999, páginas 86,87 e 88. 231

Economia Angolana em 2002 - Alguns Contributos para a Análise do seu Comportamento, Ministério

do Planeamento, Março de 2003

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INDICADORES DO COMÉRCIO EXTERNO (%)

ANOS 1997 1998 1999 2000 2001

EXP/PIB 65,8 57,4 87,2 92,4 71,1

M/PIB 33,9 32,9 54,8 49,9 35,6

(EXP+M)/PIB 99,7 90,3 142,0 142,3 106,7

Preço barril de petróleo

18,5

12,1

17,4

27,1

22,7

Preço quila- te diamante

287,0

156,2

165,3

171,2

133,5

EXPP/PIB 61,8 48,4 75,0 78,7 73,3

EXPP/PIBP 129,1 127,9 127,6 129,3 143,2

EXPD/PIB 5,1 6,7 10,5 8,2 7,7

EXPD/PIBD 116,8 124,3 126,0 125,9 108,5

EXPP/EXP 92,5 87,2 87,1 89,9 88,8

EXPD/EXP 7,6 12,0 12,2 9,3 10,5

Barris de pe- tróleo anuais

260256

269588

272378

273183

270309

Exportação petróleo

242474

250830

253600

256100

255200

Consumo in- terno petró-

leo (%)

6,8

6,9

6,9

6,3

5,6

FONTES: Balança de Pagamentos, BNA, Direcção de Estudos e Estatística e INE, Contas Nacionais NOTAS: EXPP e PIBP são as exportações e o PIB petrolífero; EXPD e PIBD são as mesmas grandezas

referidas aos diamantes.

Várias observações:

a característica enclavista das actividades de extracção de petróleo e diamantes expressa-se cabalmente pelos valores dos respectivos rácios de exportação face ao PIB;

no entanto, esses mesmos valores também podem ser denunciadores da existência de divergências dos registos estatísticos das operações de comércio externo232;

os diamantes e o petróleo dominam completamente o panorama do comércio externo de Angola, representando as restantes exportações (café?, madeira?, mármores?) uma posição que nem sequer marginal pode ser considerada;

a actividade de exploração de petróleo está em 93% da quantidade extraída orientada para o exterior, o que conjugado com a elevada dependência das importações leva a afirmar que se trata de uma economia que produz o que não consome e que consome o que não produz, sendo, portanto, urgente a implementação do processo que conduza a uma maior integração económica interna;

os factos anteriores são justificativos da necessidade de se formular uma Estratégia Nacional de Diversificação das Exportações, à semelhança do que existe em muitos países africanos, em especial da SADC e no contexto das recomendações da NEPAD.

- Indicadores orçamentais

Relativamente à execução fiscal as informações mais relevantes constam do quadro seguinte:

232

Por exemplo, as informações sobre as exportações de diamantes fornecidas pelo Ministério da

Geologia e Minas reportam valores sistematicamente superiores aos constantes da Balança de Pagamentos

do BNA na rubrica “outras exportações”.

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218

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL (milhões de dólares)

RUBRICAS 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Receitas totais 2796,4 1711,4 2723,7 4488,1 3980,5 4333,1 Receitas tribu tárias

2772,1 1683,5 2707,4 4467,6 3952,0 4294,6

Petrolíferas 2329,8 1183,1 2376,1 4000,6 3208,7 3368,8 N/petrolíferas 442,3 500,4 331,3 467,0 743,3 925,8 Não tributária 24,3 27,8 16,2 20,5 28,6 38,5 Despesas cor rentes

2611,1 3226,2 2954,4 4818,0 3963,3 4445,6

Desp.pessoal 784,1 592,3 258,0 526,1 724,8 1007,2 Bens e serviç 1360,8 1139,9 1652,1 2991,8 2197,2 2520,5 Juros 207,5 442,1 311,2 618,2 466,0 450,8 Transferências 258,7 68,6 645,4 596,0 499,5 466,9 Quase-fiscais - 983,4 87,6 86,0 75,8 - Despesas de capital

359,7 381,0 784,7 560,7 567,6 413,5

Despesas to- tais

2970,8 3607,3 3739,1 5378,7 4530,9 4859,0

Saldo global -174,3 -1895,9 -1015,4 -890,6 -550,3 -525,9 Défice fiscal % do PIB

-2,3 -29,7 -17,0 -9,8 -6,2 -5,1

FONTE: Gabinete de Estudos do Ministério das Finanças

Mais do que o Orçamento Geral do Estado, é a execução orçamental que desencadeia efeitos benéficos ou perversos sobre a economia233. Deve-se, em termos necessariamente sintéticos, evidenciar o seguinte:

o excessivo peso relativo da despesa pública em relação ao nível geral da actividade económica, que nos últimos cinco anos foi calculado em mais de 50% (contra, por exemplo, 30% da média da SADC), o que acaba por se tornar insustentável no quadro de uma política de combate consequente contra a inflação234;

a qualidade da despesa pública realizada é bastante questionável235, pela falta de visibilidade dos seus resultados concretos sobre o bem estar económico e social;

a incapacidade da Tesouraria do Estado assumir as despesas executadas à margem do Orçamento tem gerado um “stock” sistemático de atrasados internos, que em 31 de Dezembro de 2002 ascenderam a 542 milhões de dólares americanos;

a pressão sistemática para o pagamento de despesas realizadas à margem dos procedimentos legais estabelecidos no Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado e para a aprovação e implementação de outros

233

O Orçamento, através da estrutura das despesas e receitas públicas, apresenta a função de preferência

do decisor público quanto às modalidades de realização das funções fiscais modernas de alocação,

estabilização e redistribuição. A execução orçamental mostra os desvios ocorridos nessas opções e avalia

os seus efeitos negativos sobre a actividade económica e o bem estar social, sendo o mais importante a

inflação. Em Angola, os Orçamentos de Estado têm-se mostrado preocupados quanto à necessidade de

controlo da inflação, mas as execuções orçamentais têm relegado para plano secundário este importante

desiderato, ao consagrarem, por exemplo, percentagens elevadas de despesas executadas à margem das

aprovadas no Orçamento e ao privilegiarem, ainda, o urgente sobre o importante. O urgente acaba por ser

sempre administrativo, consentindo, portanto, práticas desviacionistas e o tráfico de influências. 234

Os dividendos da paz têm de começar a ter uma expressão real e efectiva, em termos de crescimento

económico, de aumento das despesas alocativas do Estado e de redução expressiva da inflação, embora

compatível com as taxas de aumento da base material para o desenvolvimento sustentável. 235

Recorda-se aqui o que se afirmou na nota de rodapé anterior quanto à capacidade de os défices fiscais

levarem a um aumento significativo e sustentado da taxa de crescimento do produto, o que trás à coacção

justamente a qualidade das despesas públicas.

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programas, projectos e actividades não inscritas – nem por consequência aprovados pela Assembleia Nacional – tem contribuído para a consolidação da imagem dum Estado que não cumpre as regras que ele próprio estabelece e para os baixos índices de confiança que o sector privado deposita na política económica, em particular na política orçamental.

O peso relativo de algumas importantes rubricas da execução orçamental apresentaram a evolução seguinte:

1997 1998 1999 2000 2001 2002 Receitas pe- trolíferas/PIB

31,1

18,5

39,7

44,2

36,0

32,4

Salários/PIB 10,5 9,3 4,3 5,8 8,1 9,7

Bens e servi- ços/PIB

18,2

17,8

27,6

33,1

24,7

24,2

Juros/PIB 2,8 6,9 5,2 6,8 5,2 4,3

Despesas quase fiscais /PIB

0,0

15,4

1,5

1,0

0,9

0,0

Défice fiscal/ PIB

-2,3

-29,7

-17,0

-9,8

-6,2

-5,1

Os valores anteriores demonstram que a execução fiscal não tem correspondido à implementação duma política orçamental firme e disciplinada. Os salários e as despesas em bens e serviços tem-se apresentado muitos oscilantes ao longo do período em consideração, tendo a segunda categoria de despesas orçamentais representado mais de 33% do PIB em 2000. Os recebimentos registados pelo Ministério das Finanças a título de impostos petrolíferos tem apresentado uma tendência clara de baixa, particularmente em relação a 2000 e 1999. A explicação mais plausível que se pode encontrar para este declínio relativo deste tipo de arrecadação fiscal é a da queda nas taxas efectivas de tributação do petróleo, o que é indesejável e mesmo incompatível com os termos contratuais dos Acordos de Partilha de produção entre o Estado e as companhias petrolíferas236. Seguramente que o clima envolvente duma execução orçamental com as características acima evidenciadas tem de ser de instabilidade, particularmente nos indicadores que servem de sinalizadores das decisões microeconómicas e das estratégias empresariais, como o são os preços.

236

De acordo com Gonzalo Pastora e Sishuir Bahattarai – Angola: Origens e Aplicações da Receita

Pública do Petróleo, Abril de 2003 – os acordos de partilha de produção prevêem a transferência de uma

parcela crescente do chamado “oil profit” para o Estado. Calculam que o declínio nas taxas efectivas de

tributação representa uma insuficiência de receitas fiscais petrolíferas entre US$ 300 milhões e US$ 900

milhões de 2001 para 2002, o que, a ser verdade, representa uma verba muito importante para a

consumação dos programas de reinfraestruturação do país e de emergência e ajuda aos deslocados – sem

grande recurso à ajuda externa – que o Governo tem em mãos. Evidentemente que traduzem, igualmente,

uma punção muito expressiva das receitas públicas, uma vez que os impostos petrolíferos respondem por

70% a 90% do total da receita governamental. Num processo firme de combate à inflação este montante

de divisas certamente que fará muita falta para o cumprimento desse objectivo.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

220

A ECONOMIA ANGOLANA E A ECONOMIA AFRICANA

- População, PIB e PIB por habitante

Um primeiro patamar de compreensão sobre o posicionamento da economia angolana no contexto africano é o que decorre do cotejo com os valores globais continentais de algumas variáveis económicas. Esse panorama é o constante do quadro seguinte:

ALGUNS INDICADORES ECONÓMICOS RELATIVOS A 2000

INDICADORES POPULAÇÃO (milhares)

Taxa cresci- mento popula- ção 1990/2000

PRODUTO INTERNO BRUTO

Taxa cresci- mento do PIB 1990/2000

PNB por habi- tante

PIB por habi- tante PAÍSES

ANGOLA 13134 3,3 6647 0,7 240 523

ÀFRICA 797800 2,6 588385 -0,1 671 693 Fonte: Banco Mundial – African Development Indicators, 2002 Notas: O PIB é a preços constantes de 1995 e está expresso em milhões de USD; o PIB por habitante está em USD; as taxas de crescimento estão em percentagens. O valor do PNB por habitante difere do apresentado no parágrafo 1.1., devido aos diferentes métodos de cálculo utilizados: método Atlas para os 240 dólares e método directo para os 397 dólares. Acresce que os valores deste quadro são a preços de 1995.

Em termos relativos, a economia angolana – apesar da sua dimensão territorial que coloca o país entre os sete mais vastos do continente – é bem pequena quando inserida no todo continental: 1,6% da população e também cerca de 1,1% do PIB total africano. Deste ponto de vista, a capacidade de influência sobre a política económica continental é muito reduzida, senão mesmo insignificante237. Quanto a determinadas dinâmicas, Angola também se queda na retaguarda da média continental africana: o ritmo médio de crescimento da população entre 1990 e 1999 foi superior – 3,3% contra 2,6% - o que pode colocar problemas sérios à melhoria sustentada das condições de vida da população. Esta possibilidade está, de resto, espelhada nos valores do produto médio por habitante: 523 USD contra 693USD, em qualquer dos casos muito baixo, respectivamente, 1,43 USD e 1,89 USD por dia. No concernente à variação média percentual do PIB entre 1990 e 2000, verifica-se que enquanto o continente africano esteve em estagnação ou ligeira recessão económica durante esse período – um crescimento médio do PIB a uma taxa negativa de 0,1% - a economia angolana, apesar de tudo, cresceu a uma taxa média anual de 0,7%238. - Transacções económicas com o exterior

As exportações e as importações são os actos económicos por via dos quais os países se relacionam com o exterior. De resto, o comércio externo tem sido, desde há muito tempo, considerado um dos factores de maior estímulo ao crescimento das economias nacionais e de maior incremento da produtividade interna239.

237

Esta capacidade de partilhar as decisões de política económica continental passará, numa primeira

fase, por uma maior credibilidade da nossa política económica interna – se for capaz de soluções

inovadoras e eficazes para problemas que do mesmo modo afectam a generalidade dos países africanos

(atente-se nas referências elogiosas feitas a Cabo Verde na cimeira do G8 de Junho de 2001 no Canadá) –

e uma actuação mais contundente da diplomacia externa angolana. 238

Apesar de positivo, ainda assim inferior à taxa de crescimento demográfico, donde uma deterioração

do nível de vida médio angolano de 2,6% ao ano. 239

No entanto, modelos de crescimento económico excessivamente extrovertidos e concentrados em

poucos produtos de base ou primários são, basicamente, prejudiciais às economias nacionais, provocando

uma excessiva dependência externa de mercados e preços que se não controlam. O comércio externo é,

efectivamente, factor incontornável de desenvolvimento económico quando as estruturas económicas

internas forem fortes, resistentes, produtivas e competitivas. É por isto que os países subdesenvolvidos em

geral e os africanos em particular ainda se debatem com a escolha do melhor modelo possível de

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

221

INDICADORES DO COMÉRCIO EXTERNO

PAÍSES Exportações Importações (X+M)/PIB (x+m)/(X+M) X/PIB M/PIB X/M Angola 7921 7565 142,3 4,4 92,4 49,9 104,7 África 182940 171578 64,1 100 33,1 31,0 107,0 Fonte: Banco Mundial – African Development Indicators, 2002 Notas: Os valores do comércio externo estão em milhões de USD correntes de 2000. Os rácios estão em percentagem.

Comprova-se, igualmente pelo comércio externo, que a economia angolana detém um fraco posicionamento, embora melhorado em relação ao PIB: as exportações e as importações angolanas não ultrapassam 4% do total do comércio externo do continente africano. Para além disso, evidencia-se que a economia angolana é muito mais dependente do exterior que o conjunto económico africano, uma vez que a respectiva taxa é de 164,4% no primeiro caso e tão somente de 64,1% no segundo. Tal circunstância fica a dever-se à perversa estrutura económica angolana, em que a economia petrolífera a domina por completo240. Apura-se ainda que Angola apresenta um coeficiente de entrada de importações muito elevado (74,2% do PIB), explicado, como é consabido, pela desajustada política económica aplicada entre 1975 e 1999, em que as importações foram deliberadamente preferidas à produção nacional. O exagerado peso da economia petrolífera em Angola acaba por deturpar o significado dos indicadores de comércio externo, sendo, neste contexto, desaconselhável estribar uma estratégia de promoção das exportações e de substituição das importações nos respectivos valores. A ECONOMIA ANGOLANA E ALGUMAS ECONOMIAS AFRICANAS PRODUTORAS DE PETRÓLEO

Uma outra abordagem quanto à implantação da economia angolana no contexto africano pode ser dada pela via da comparação com alguns dos países produtores de petróleo. Os países escolhidos foram a Argélia e o Egipto da zona árabe e tradicionais apoiantes de Angola e a Nigéria – o maior produtor e exportador africano ao sul do deserto – a Costa do Marfim, o Gabão e a República do Congo da área geográfica da CEEAC. - População, PIB e PIB por habitante

O maior país africano em termos populacionais, conforme é sabido, é a Nigéria que debitou um quantitativo populacional, referente a 2000, de aproximadamente 16% da população total do continente africano. Os seus quase 127 milhões de habitantes representam quase 64% da população total da SADC e praticamente 10 vezes mais a população angolana. Por outro lado, a dinâmica de crescimento populacional patenteada entre 1990 e 2000 é das mais altas do continente africano (3,5% de taxa média anual de variação), embora mais baixa do que a de Angola e do Congo Democrático.

desenvolvimento, em que a articulação entre promoção das exportações e substituição das importações se

faça em duas direcções, a da competitividade e dos ganhos de produtividade e o da criação dos mercados

internos (a economia norte-americana – que representa mais de ¼ da economia mundial – quase que não

precisaria de exportar, porque o seu mercado interno era constituído, em 1999, por mais de 280 milhões

de habitantes com um poder de compra médio anual por pessoa de 31872 USD). 240

Cerca de 93% da quantidade extraída de petróleo é exportada em bruto, decorrendo os efeitos

multiplicadores reconhecidos à fileira do petróleo em total benefício das economias compradoras do

crude nacional. Esta constatação leva a questionar sobre a verdadeira estratégia de extracção do petróleo

angolano e, de facto, ao serviço de quem é que está.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

222

ALGUNS INDICADORES ECONÓMICOS RELATIVOS A 2000 INDICADORES POPULAÇÃO

(mlilhares) Taxa de cres- cimento da po- pulação 1990/ 2000

PRODUTO INTERNO BRUTO

Taxa de cres- cimento do PIB 1990/2000

PNB por habi- tante (método ATLAS)

PAÍSES

ANGOLA 13134 3,3 6647 0,7 240

República do Congo

2900

2,8

2539

-0,3

630

Costa do Marfim

16000

3,1

11890

3,1

660

Gabão 1210’ 2,6 5385 2,9 3180

Nigéria 126900 3,5 32184 2,7 260

Argélia 30900 2,0 48819 1,6 1590

Egipto 63800 2,0 78422 4,5 1490

FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002 NOTAS: A população está expressa em mil habitantes, enquanto que o PIB(Produto Interno Bruto) se conta em milhões de USD e a preços de 1995; a taxa média de crescimento demográfico (tcpop90-99) é em percentagem, bem como a taxa de crescimento média do PIB; o PIB per capita está em dólares dos Estados Unidos, refere-se à média entre 1990/99 e foi calculado pelo método ATLAS.

Entre as economias seleccionadas verifica-se que a maior é a do Egipto com um PIB de aproximadamente 80 biliões de USD – 2,4 vezes mais a da Nigéria e 11,8 vezes a angolana. Esta disparidade tem como principal reflexo os níveis de rendimento médio por habitante, mais elevado no Egipto ($1490 por ano e pessoa) e mais baixo na Nigéria ($260) e em Angola ($240). De resto, neste atributo é o Gabão o país onde o nível médio de vida é o mais elevado, desfrutando cada cidadão de um rendimento médio anual de $3180, sensivelmente 13 vezes mais o angolano, 12 vezes o nigeriano e 2 vezes o da Argélia, a segunda melhor economia da amostra. No concernente às dinâmicas evolutivas são as economias egípcia, gabonesa e costa-marfinense as mais activas, com taxas médias anuais de crescimento do PIB de, respectivamente, 4,5%, 2,9% e 3,1% para o período entre 1990 e 2000. Angola, como já salientado, experimentou um período de relativa estagnação económica, traduzida por uma taxa média anual de crescimento de 0,7%. - Transacções económicas com o exterior

A economia com o segundo maior grau de exposição ao exterior, a seguir a Angola é a República do Congo (o somatório das suas exportações e importações representou, em 2000, mais de 120% do PIB). Isto significa, precisamente, que, e á semelhança de Angola, se trata de uma economia que não consome o que produz e que consome o que não produz. Esta característica é própria das chamadas economias de enclave241.

241

Ou também apelidadas de economias rendeiras, dado o peso na economia e no Orçamento de Estado

das rendas provenientes da exploração e exportação em bruto de produtos de base e de matérias primas

consideradas de natureza estratégia para as economias desenvolvidas que as importam. É justamente neste

quadro de análise que se pode colocar a questão quanto ao carácter da estratégia de exploração – ou de

exaustão – do petróleo actualmente seguida por Angola. A circunstância de apenas 7% da quantidade

extraída ser aproveitada internamente leva a concluir que os principais interesses a quem esta estratégia

serve são dos Estados Unidos e das economias que importam este recurso mineral. A questão das receitas

fiscais que a exportação de petróleo proporciona – e que pode ser aduzida como justificação para o

aumento da produção de petróleo – é de natureza bem diferente e a sua discussão tem dois pólos, quais

sejam, o do financiamento da guerra e o da constituição de uma burguesia nacional endinheirada, mas

muito pouco empreendedora. Se a questão do financiamento da guerra pode ser, em parte, revertida à

problemática da defesa da integridade territorial e da garantia da segurança interna, já a do

enriquecimento fácil por intermédio de processos ilícitos levanta, certamente, discussão em termos éticos,

morais e de justiça na repartição dos frutos da exploração de um recurso que é da Nação, portanto, de

todos.

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223

Em termos de valor bruto das exportações são, e pela ordem que se segue, o Egipto, a Argélia e a Nigéria os maiores exportadores desta amostra e dos maiores de toda a África242. No entanto – e esta é uma diferença significativa em relação a Angola em que as exportações representaram, em 2000, mais de 90% do PIB243 - as economias citadas apresentam uma estrutura económica interna muito mais equilibrada, já que as vendas ao exterior não ultrapassaram os 52% do PIB. Quanto às importações, Angola e a República do Congo são os países onde o rácio em relação ao PIB é mais elevado, respectivamente, 74,2%244 e 41,8%. Também deste ponto de vista o Egipto, a Argélia e a Nigéria confirmam a existência de estruturas produtivas internas mais equilibradas, já que o peso das importações sobre o volume global de actividade não suplanta os 42%. O quadro seguinte sintetiza a informação referente às transacções económicas com o exterior deste pequeno grupo de países (valores relativos a 2000).

INDICADORES EXPORTS IMPORTS (X+M)/PIB (x+m)/(X+M) X/PIB M/PIB X/M

PAÍSES

Angola 7921 7565 142,3 14,0 92,4 49,9 104,7

Congo, República 2526 1345 120,4 2,4 53,7 41,8 188,0

Costa Marfim 4298 3698 85,4 5,7 45,9 39,5 116,0

Gabão 1825 1718 71,8 2,5 37,0 34,8 106,0

Nigéria 21499 16861 93,9 27,2 52,3 41,0 128,0

Argélia 22579 11709 76,7 24,3 52,4 22,0 193,0

Egipto 15940 22457 38,8 27,2 16,1 22,7 71,0

FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002. NOTAS: As exportações e as importações estão referenciadas em milhões de USD; todos os rácios estão

em percentagem; X simboliza as exportações e M as importações.

- Estrutura regional do PIB

Analisando a participação da actividade económica de cada um dos países constantes desta amostra no total do PIB africano constata-se o seguinte (valores a preços constantes de 1995):

a participação de Angola tem vindo a melhorar entre 1994 e 2000: de 0,9% passou para 1,13% do volume global da actividade económica africana; no contexto das economias representadas no quadro anterior, a angolana foi a que mais viu aumentar a sua comparticipação para a economia africana: 25,6% entre 1994 e 2000;

dentre as economias produtoras de petróleo seleccionadas é a do Egipto que responde pela maior participação percentual do PIB africano (13,3% em 2000) e com uma tendência de aumento (12% em 1994);

a economia nigeriana tem visto o seu peso relativo decrescer ao longo do período considerado: 5,7% em 1994, 5,6% em 1996 e 5,4% em 2000;

a economia congolesa não chega a representar 0,5% da economia africana e com uma tendência de regressão durante o período em apreço;

242

Ainda assim com uma menor expressão do que a África do Sul, como se poderá constatar no parágrafo

3. A economia sul-africana é, indiscutivelmente, uma das maiores de todo o continente, senão mesmo a

maior quando apreciada segundo determinados ângulos de análise. 243

Com toda a propriedade somos de facto uma economia que não consome o que produz. Deste ponto de

vista, ou seja, do peso das exportações no PIB, Angola é o maior exportador entre todos os países da

amostra e seguramente um dos maiores de África. 244

Também aqui Angola aparece como um dos países que mais consome o que não produz.

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224

a Costa do Marfim foi a segunda economia que mais viu subir a sua contribuição percentual: cerca de 10,3% entre 1994 e 2000.

As informações mais relevantes a este propósito encontram-se no quadro seguinte:

INDICADORES PIB PREÇOS 1985 (milhões de USD) ESTRUTURA REGIONAL DO PIB

PAÍSES 1994 1996 2000 1994 1996 2000

Angola 4703 5706 6647 0,9 1,10 1,13

Congo, República 2414 2402 2539 0,51 0,46 0,43

Costa Marfim 9332 10682 11890 1,95 2,06 2,15

Gabão 4635 5213 5385 0,97 1,00 0,91

Nigéria 27423 29318 32184 5,74 5,64 5,47

Argélia 39720 42815 48819 8,31 8,24 8,30

Egipto 57478 63173 78422 12,03 12,16 13,32

AFRICA 477884 519380 588325 100 100 100

FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002

- Força e estabilidade das economias

As dinâmicas de evolução económica e os processos de estabilidade macroeconómica são, como se sabe, importantes condições para a mobilização do investimento privado, nacional e estrangeiro. Quanto à estabilidade macroeconómica – avaliada segundo os prismas do índice de preços no consumidor, do valor relativo do défice orçamental em termos de PIB e do “spread” cambial – os países mais estáveis da amostra foram, entre 1990 e 2000, o Gabão e a Costa do Marfim. O mais instável foi, indubitavelmente, Angola, onde a taxa média de inflação no período foi de 544,3% (contra, respectivamente, 5,5% e 6,6% daqueles países), o diferencial cambial entre o oficial e o paralelo se estabeleceu em 3,77 vezes (1% apenas nos casos referidos) e o défice orçamental se situou nos 22,9% do PIB (6,8% na Costa do Marfim e 2,4% no Gabão). Em termos de disputa dos fluxos do investimento estrangeiro estes dois países apresentam-se com condições muito superiores às de Angola para o fazer duma forma mais atractiva245.

INDICADORES tcPIB90-99 PNBpc IPC90-00 DO90-00 Real Effective Exchange Rate

PAÍSES 1975-1984 1985-1989 1990-2000

Angola 0,7 240 544,3 -22,9 200,95

Congo, República -0,3 630 9,9 -10,1 102,2 102,1 82,3

Costa Marfim 3,1 660 6,6 -6,8 90 94,5 80,4

Gabão 2,9 3180 5,5 -2,4 102,5 98,7 73,5

Nigéria 2,7 260 32,6 1,0 431,4 282,8 140,6

Argélia 1,6 1590 18,2 0,0 152,2 152,2 64,7

Egipto 4,5 1490 9,2 -4,9 103,4 126,2

AFRICA 2,6 671 10,2 -4,8 72,9 107,8 87,4

FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002.

O índice denominado “real effective exchange rate” é o que mais directamente mede a competitividade de um país, em particular da competitividade dos preços de exportação dum país relativamente aos seus parceiros económicos. Uma diminuição

245

Exceptuando-se a economia mineral de Angola – para onde o investimento estrangeiro,

particularmente para o domínio petrolífero, tem fluído a uma cadência regular e com uma expressão

quantitativa importante, fazendo de Angola o país onde mais investimentos estrangeiros ocorrem – o resto

não tem sido objecto de uma procura expressiva e sustentada da parte dos investidores externos. Claro

que a insegurança militar deve ter contribuído para essa situação. Mas a instabilidade económica responde

também por uma parte importante deste desinteresse.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

225

do seu valor indica uma real depreciação, enquanto que uma subida traduz uma valorização/apreciação da taxa de câmbio. Assim, no período entre 1990 e 2000 foram o Gabão, a Argélia e a Costa do Marfim os países africanos desta amostra os que patentearam os melhores índices de competitividade externa. A ECONOMIA ANGOLANA NA SADC E OS DIFERENTES DESAFIOS

- População

De acordo com estimativas referentes a 2000 o espaço regional austral, constituído pelos catorze países da SADC, detinha um quantitativo populacional de cerca de 200 milhões de habitantes, extremamente significativo do ponto de vista da sua integração económica. Os países mais populosos são o Congo Democrático, a África do Sul e a Tanzânia, seguidos a alguma distância por Moçambique. Os países de menor volume populacional absoluto são as Sheyshelles, a Swazilândia, as Maurícias, a Namíbia e o Lesotho. Angola emparceira-se com o Zimbabwe e a Zâmbia.

População actual e futura e indicadores demográficos da SADC

PAÍSES

População 1999 (milhões habitan)

Taxas médias crescimento 1990-1999(%)

Taxas de fecundi- Dade

Projecção da po- pulação 2015

África do Sul 42,8 2,0 2,8 58,8

Angola 13,1 3,3 6,8 20,8

Botswana 1,6 2,4 4,4 2,4

Congo Democráti. 51,4

3,2 6,2 82,3

Lesotho 2,1 2,3 4,8 3,0

Malawi 11,0 2,7 6,4 16,8

Maurícias 1,2 1,2 1,9 1,4

Moçambique 17,6 2,2 5,3 24,5

Namíbia 1,7 2,6 4,9 2,6

Sheyshelles 0,08 1,5 2,1 0,1

Swazilândia 1,05 3,2 4,7 1,7

Tanzânia 33,7 2,9 5,5 53,1

Zâmbia 10,1 2,7 5,6 15,5

Zimbabwe 12,6 2,8 3,8 17,5

SADC 199,8 2,5 4,7 247,5

ÁFRICA 797,8 2,6 4,9 989,90

FONTES: African Economic Indicators,2002; Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, PNUD, 2001

As dinâmicas populacionais são muito diferentes entre os países da SADC: enquanto as Maurícias e mesmo as Sheyshelles patenteiam comportamentos populacionais correspondentes a fases de estabilização demográfica - quase comparáveis aos dos países desenvolvidos - Angola, Congo Democrático, Malawi, Swazilândia, Tanzânia e Zâmbia (justamente os menos industrializados e desenvolvidos da região) são os que apresentam taxas médias de crescimento demográfico elevadas e bem acima da média da região. Uma projecção linear para os próximos 15 anos aponta no sentido dum potencial mercado demográfico de quase 248 milhões de habitantes, ou seja, qualquer coisa como 78% da dimensão actual da União Europeia. Esta mesma cifra representará um acréscimo de cerca de 23,9% no volume global de população da região da SADC. Se as dinâmicas económicas forem no sentido da criação de suficiente riqueza, poder-se-á estar face a um mercado com uma aceitável dimensão económica. Se o ritmo de crescimento demográfico de Angola se mantiver inalterado, a sua população mais do que duplicará num lapso de tempo de 22 anos246 (mais ou menos uma geração).

246

1,033^22=2,0427

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

226

- Dimensão económica dos países

Uma das formas de se perceber a inserção da economia nacional nas economias da SADC é através da utilização de determinados indicadores macroeconómicos. O país claramente dominante na SADC é a África do Sul, cuja criação anual de riqueza representa em média mais de 3/4 do total da região. Deve ser um caso singular no mundo um país deter semelhante preponderância e domínio numa região, explicados não apenas pelo viés do volume de população, mas principalmente pela sua estrutura económica e pela capacidade produtiva e tecnológica de criação de actividades e de multiplicação de rendimentos. Os desequilíbrios regionais na capacidade de criação de riqueza a favor dum único país fazem recear que os mais importantes efeitos de polarização de actividades económicas e de multiplicação de rendimentos, num contexto de liberalização do comércio e de integração económica, venham a ocorrer, quase integralmente, a seu favor. Por outro lado e numa óptica de aproveitamento de determinadas vantagens comparativas internas, o predomínio dum país pode vir a ocasionar - no quadro das estratégias nacionais de redução dos desequilíbrios regionais - o aparecimento dum elevado grau de concentração de especializações produtivas, reduzindo-se a capacidade de resistência interna à concorrência externa. De realçar que no conjunto económico de todo o continente africano, a SADC representa 37,3% do PIB global a preços de 1995, o que não deixa de ser extremamente significativo, traduzindo, afinal, as enormes potencialidades desta região austral.

ACTIVIDADE ECONÓMICA E ESTRUTURA REGIONAL DA SADC

PAÍSES

PIB a preços de 1985 (milhões de USD) ESTRUTURA REGIONAL DO PIB (%)

1994 1996 2000 1994 1996 2000

Angola 4703 5706 6647 2,5 2,8 2,9

Botswana 4662 5239 6330 2,4 2,5 2,9

R.D.Congo 6294 6281 n.d 3,3 3,0 n.d

Lesotho 892 1026 1122 0,5 0,5 0,5

Malawi 1224 1533 1739 0,6 0,7 0,8

Maurícias 3785 4199 5253 2,0 2,0 2,4

Moçambiq. 2294 2562 3380 1,2 1,2 1,6

Namíbia 3109 3293 4230 1,6 1,6 1,9

Seycheles 511 532 569 0,3 0,3 0,3

S. Africa 146547 157386 170568 76,7 76,4 77,7

Swazilândia 1234 1317 1543 0,7 0,6 0,7

Tanzânia 5074 5494 6419 2,7 2,7 2,9

Zâmbia 3559 3699 3959 1,9 1,8 1,8

Zimbabwe 7102 7843 7838 3,7 3,8 3,6

SADC 190990 206110 219597 100 100 100

AFRICA 477884 519380 588385 40,0 39,7 37,3

Fontes: African Development Indicators, 2002; World Development Report, 2002

Quanto ao produto médio por habitante247, a região da SADC gerou, em 2000, 1099,1 dólares dos Estados Unidos por cada cidadão (cerca de 44% mais do que a média de todo o continente africano, que em 2000 se cifrou em 737,5 USD/habitante). Porém, as diferenças entre os vários países são absolutamente visíveis:

247

Os valores constantes do respectivo quadro basearam-se no método Atlas de cálculo que permite,

através das taxas de câmbio e dos índices de preços no consumidor de cada país, tornar o rendimento

médio por habitante comparável. Os valores referidos foram retirados do African Development Indicators

de 2002.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

227

entre o valor mais baixo do rendimento médio por habitante ($110 para o Congo Democrático) e o valor mais elevado ($7310 para as Seycheles) vai uma diferença de mais de 66 vezes, ou seja, 6545,5% mais);

entre o rendimento médio mais baixo e a média da SADC vai uma diferença de mais de 10 vezes (aproximadamente 900%) e entre esta e o rendimento mais elevado estabelece-se uma assimetria expressa em 6,7 vezes (qualquer coisa como 565,2%);

o rendimento médio dos países que mais se aproximam do valor mais alto detido pelas Seychelles ainda representa uma diferença de 92,3% para as Maurícias, 121,5% para o Botswana e 142% para a África do Sul.

Os valores do rendimento médio por habitante - comparáveis entre os países - pode ser acompanhado no quadro seguinte: PAÍSES PNB por habitante (ATLAS)

(usd) Taxa de crescimento do PNB por

habitante entre 1988-2000 (%)

Angola 240 -8,7

Botswana 3300 2,2

Congo,R.D 110 0,2

Lesotho 540 -0,4

Malawi 170 0,6

Maurícias 3800 4,2

Moçambique 210 3,4

Namíbia 2050 2,2

Seycheles 7310 1,9

S. Africa 3020 -0,3

Swazilândia 1290 0,7

Tanzânia 280 0,5

Zâmbia 300 -2,2

Zimbabwe 480 -0,4

SADC 1099 -

Em termos de dinâmicas de crescimento entre 1991 e 2000248, a preços de 1995 e de acordo com as estatísticas do African Development Indicators de 2002, o destaque é para o Botswana (4,5%), Moçambique (5,5%), Lesotho (4,5%) e as Maurícias (5,2%), com taxas médias de variação no década muito superiores à média regional e à de muitos outros países. Sobretudo as ilhas Maurícias, ao terem incrementado o seu produto interno a uma cadência média anual de 5,2% e ao serem possuidoras duma estrutura produtiva interna relativamente diversificada - embora assente no turismo, açúcar e cana, têxteis e vestuário - são o país melhor estruturado da região, a seguir à África do Sul. Se o período de análise for mais restrito e circunscrever-se a 1994-1999, Angola (com 6,4% de crescimento médio anual), Botswana (4,8%) e Malawi (6,6%) apresentam-se, também, com assinaláveis taxas de variação média anual do produto interno, embora para o primeiro dos países indicados tal se ficar a dever apenas ao crescimento da indústria de extracção petrolífera (com regressões na agricultura, energia e água, comércio e estagnação na indústria transformadora), para o segundo ao peso da extracção de diamantes e para o terceiro à preponderância da agricultura. Tratam-se, na verdade, de estruturas económicas e produtivas internamente muito desequilibradas e dependentes de um único ramo de actividade, e cuja capacidade de resistência aos desafios duma liberalização do comércio são muito reduzidas no actual momento.

248

Neste período de tempo a taxa de crescimento médio do PIB angolano foi de apenas 0,7%, claramente

em contrapé quando comparada com os restantes países. Descontando o crescimento demográfico (3,3%

ao ano), o rendimento médio por habitante decresceu 2,6% ao ano. A RDC regrediu em média 4,6% ao

ano. A taxa média anual da África do Sul foi tão somente de 1,96%. Estas taxas de crescimento foram

calculadas pelo método logaritmo-exponencial baseado nos valores dos PIB’s a preços de 1995.

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228

Dum ponto de vista de dimensão económica dos mercados internos, traduzida pela capitação do produto interno, os países melhor apetrechados são as Sheyshelles, as Maurícias, o Botswana, a África do Sul, a Namíbia e a Swazilândia, com valores superiores à média da região. Quanto a Angola, os desafios que se colocam são imensos (no pressuposto de que o crescimento de 6,4%249 se mantenha no futuro e de que os restantes países tenham crescimento zero): * 35 anos para atingir a média do rendimento por habitante da região; * 92 anos para se colocar de parceria com as Sheyshelles; * 70 anos para ombrear com a África do Sul, ou seja, está-se a falar de gerações para que Angola consiga ocupar um lugar cimeiro no contexto económico da região austral do continente africano250. Claro que em posição igualmente desfavorável estão o Congo Democrático, Moçambique, Lesotho, Malawi, Tanzânia e Zâmbia. Como o crescimento económico não pode parar, Angola terá de implementar estratégias globais de crescimento que favoreçam os sectores e fileiras de maior valor acrescentado interno, como o petróleo (refinados, derivados, química), as madeiras (aglomerados, contraplacados, painéis de partículas, pasta de papel), o algodão (têxteis e confecções), a energia hidroeléctrica e produtos de elevado conteúdo energético (cimento, alumínio e siderurgia). Os períodos de derrogação que Angola conseguir negociar para a adesão ao protocolo de liberalização do comércio intra-regional terão de ser aproveitados para a introdução de reformas estruturais profundas nos sectores existentes, de modo a imprimir-se uma dinâmica de crescimento muito maior do que a que tem sido registada no passado, compatível com as suas potencialidades naturais e passível de catapultar o país para estádios de desenvolvimento mais aproximados dos seus parceiros comunitários. É perfeitamente possível esperar, a partir da consolidação da paz e da realização de investimentos básicos promotores da reconciliação nacional e da integração do espaço económico interno, taxas de crescimento médio do produto interno da ordem dos 12,6% ao ano, durante 10 anos. Neste contexto, o produto interno bruto poderia ser multiplicado por 3,25 em valor absoluto e o produto por habitante por 2,38 (quase 810 dólares).

249

Média registada entre 1994 e 1999, para o crescimento do PIB. Descontando a taxa demográfica média

(3,3% ao ano), a renda média por habitante crescerá, tão somente, 3,1% ao ano. 250

É evidente que este tipo de exercícios acaba por ser bastante linear, secundarizando-se outros factores

que podem interagir em favor da aceleração dos processos de mudança. No entanto, têm o grande mérito

de pôr a descoberto as diferenças e os atrasos entre os países e de chamar a atenção para a necessidade de

determinadas políticas estruturais. No caso do nosso país, pode ser discutível que a economia cresça,

sustentadamente, 6,4% ao ano: para determinados pontos de vista a economia nacional até pode crescer a

mais de 10% ano, enquanto que muitos investigadores sustentam que existem limites muito sérios ao

elevado crescimento económico (ver a este propósito, Alves da Rocha - Os Limites do Crescimento

Económico em Angola, LAC/Executive Center, 2001). Por outro lado, este exercício reaviva a

necessidade de se lançarem políticas demográficas pró-activas, tendentes a reduzir a taxa de crescimento

demográfico de 3,3% ao ano, uma das mais elevadas do mundo. Qualquer redução nesta taxa implica,

quase de imediato, uma melhoria assinalável nas condições de vida presentes. Em definitivo, o nosso

atraso face aos países mais desenvolvidos da SADC é patente, não apenas por este prisma de análise,

quanto por outros, talvez até mais expressivos, como o são as estruturas sectoriais do PIB e as estruturas

produtivas, que no parágrafo seguinte serão aflorados.

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229

- A importância do comércio externo

O comércio externo não exerce o mesmo papel em todos os países da SADC. Já ficou explícita a posição de bastante fragilidade das relações económicas angolanas, quer no contexto africano, quer, ainda, no quadro do grupo dos países produtores de petróleo no continente. No entrecho da região austral do continente africano a estrutura das exportações e das importações angolanas é muito diferente da média da região, sobressaindo os aspectos algozes duma desmesurada concentração da actividade de extracção de petróleo.

O COMÉRCIO EXTERNO NA REGIÃO DA SADC

PAÍSES Exportações Importações (X+M)/PIB (x+m)/(X+M) X/PIB M/PIB X/M

Angola 7921 7565 142,3 13,1 92,4 49,9 104,7

Botswana 1650 1982 60,6 3,2 27,5 33,0 83,2

R.D.Congo 1937 1902 49,5 3,4 25,0 24,5 101,8

Lesotho 222 891 127,3 1,0 25,4 101,9 24,9

Malawi 490 770 69,6 1,1 27,1 42,5 63,6

Maurícias 2708 2923 132,7 5,0 63,8 68,9 92,6

Moçambiq. 465 1494 47,3 1,7 11,2 36,1 31,1

Namíbia 1620 1954 116,2 3,2 52,7 63,5 82,9

Seycheles 386 483 159,4 0,8 70,8 88,6 79,9

S. Africa 33321 30009 48,3 55,9 25,4 22,9 111,0

Swazilândia 1305 1205 205,2 2,2 106,7 98,5 108,3

Tanzânia 1163 2457 41,3 3,2 13,3 28,0 47,3

Zâmbia 701 1287 63,1 1,7 22,3 40,9 54,5

Zimbabwe 2537 2560 90,9 4,5 45,2 45,6 99,1

SADC 56839 56457 60,6 100 30,4 30,2 100,7 Fonte: Banco Mundial – African Developmente Indicators, 2002 Notas: Os valores das exportações e das importações estão em milhões de USD correntes de 2000 e os rácios em percentagens. As exportações e as importações são não factoriais. As exportações estão designadas por X e as importações por M. As minúsculas x e m simbolizam o peso das exportações e das importações de cada país do total a região.

Por causa do expressivo peso do petróleo na estrutura económica de Angola, a nossa participação no valor global do comércio externo da região foi a segunda em 1999, imediatamente a seguir à da África do Sul, a maior economia da SADC. No entanto, o grau de exposição a choques externos é consideravelmente maior em Angola, onde o respectivo comércio externo suplanta o PIB em mais de 74% (na África do Sul o índice de abertura económica foi de apenas 48,3%251). Com graus de exposição semelhantes ao de Angola perfilam-se as Seycheles, as Maurícias e o Lesotho, as duas primeiras verdadeiras economias de influência externa, em que o peso das importações e das exportações no PIB é bastante aproximado. O Lesotho é uma verdadeira economia de importação – completamente dependente da África do Sul – sendo a respectiva capacidade de importação (medida pelo rácio X/M) muito baixa (cerca de 25%), o que faz pressagiar dificuldades na balança de pagamentos e na dívida externa perante a África do Sul. De destacar a Swazilândia, pequeno país de pouco mais de um milhão de habitantes, e a África do Sul que patenteiam uma capacidade de importação positiva e de cerca de 108% e 111% respectivamente. - Estruturas sectoriais

A análise das estruturas económicas e produtivas dos países da SADC confirma o essencial das observações avançadas no item anterior. A África do Sul e as

251

O que significa que a sua estrutura económica interna deve ser relativamente equilibrada, forte e

competitiva. Nestas circunstâncias, e conforme o que se referiu mais atrás, o comércio externo pode

efectivamente ser um dos factores essenciais do processo de crescimento económico.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

230

Sheyshelles parece encontrarem-se numa fase importante de transição para economias de serviços, enquanto nas Maurícias e na Namíbia ainda pontifica o sector industrial, porém com assinaláveis diferenças relativamente ao peso da indústria transformadora, muito maior no primeiro do que no segundo país. Em Angola o peso do sector industrial é explicado, apenas, pela importância crescente do sector de extracção mineira primária como os diamantes e sobretudo o petróleo, o que pode ser comprovado pela análise da estrutura produtiva do país, onde a indústria transformadora não representou mais do que 5% do PIB em 1999. Inclusivamente, ocorreu um agravamento da dependência em relação ao sector mineiro de extracção primária, cujo peso no PIB passou de 63% em 1994 para quase 2/3 em 1999. Os países de maior dinamismo no processo de transformação produtiva - traduzido pela evolução da participação das manufacturas no PIB - são, uma vez mais, a África do Sul (7% para 24%), as Maurícias (7% para 23%) e a Namíbia (de 3% para 12%). Não foi possível a recolha de informação para as Sheyshelles, mas acredita-se que o essencial do peso da indústria no PIB se deve à indústria de transformação. Como casos interessantes são de referir o Lesotho (de 8% para 16%) e a Zâmbia (de 8% para 30%). O Congo Democrático é um exemplo de desindustrialização no período considerado, durante o qual quer a indústria, quer a manufactura perderam importância relativa. Aparentemente serão a África do Sul, as Maurícias, as Sheyshelles e a Namíbia os países cujos produtos poderão competir no mercado interno angolano em condições vantajosas relativamente à produção nacional. Casos a seguir atentamente poderão ser os da Zâmbia e do Zimbabwe.

Estruturas económicas e estruturas produtivas

1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998

A. do Sul 4,9 4,5 34,6 33,4 60,5 62,1 5 5 7 24 28 9 61 62

Angola 6,7 8,5 66,9 71,7 26,4 19,8 7 9 6 4 61 68 26 20

Botswana 4,3 3,6 46,1 44,6 49,6 51,8 4 4 2 44 45 50 50

Congo Democático 50,7 60,4 18,8 16,8 30,5 22,8 51 60 8 5 11 12 31 23

Lesotho 15,3 15,9 35,6 33,3 49,1 50,8 15 16 8 16 28 17 49 51

Malawi 24,5 37,5 21,3 18,5 54,2 44 25 38 3 7 18 12 54 44

Mauricias 9,4 10,5 33,5 34,7 57,1 54,8 9 11 7 23 27 12 57 55

Moçambique 33,7 36,4 17,7 25,2 48,6 38,4 34 36 18 25 49 38

Namíbia 12,4 10,5 31,8 31,9 55,8 57,6 12 11 3 12 29 20 56 58

Sheyshelles 4,3 3,9 18,4 27,4 77,3 68,7 4 4 18 27 77 69

Swazilândia 17 16,7 42,1 42,7 40,9 40,6 17 17 42 43 41 41

Tanzânia 45,5 46,2 15,2 15,5 39,3 38,3 46 46 1 7 14 9 39 38

Zâmbia 11,8 13,2 35,6 30,4 52,6 56,4 12 13 8 30 28 0 52 55

Zimbabwe 16,3 17 31,7 28,4 52 54,6 16 17 11 19 21 7 57 57

TOTAL 9 9,1 34,2 34,5 56,8 57,4

ESTRUTURA PRODUTIVA

PAÍSES

AGRICUL-TURA INDÚSTRIA SERVIÇOS

ESTRUTURA ECONÓMICA

AGRICUL-TURA

INDÚSTRIA

TRANSF. SERVIÇOS

OUTRA

INDUSTRIA

FONTE: Banco Mundial, World Economic Indicators, 2000

- Estruturas regionais dos valores acrescentados

O predomínio da África do Sul é arrasador quando se observa a repatição por países dos valores acrescentados dos três principais sectores de actividades das economias, a saber, a agricultura, a indústria (extractiva e transformadora) e os serviços. E o quadro seguinte esclarece o suficiente quanto a este assunto:

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231

na agricultura a hegemonia da África do Sul aparece um pouco mitigada pelo posicionamento do Congo Democrático e da Tanzânia, muito embora ainda apareça com uma partição relativa de 36,2% em 1999. No entanto, apesar do seu domínio, entre 1994 e 1999 fica patente uma tendência de involução do seu peso relativo, passando de 41,4% para 36,2%. Angola tem uma participação na agricultura da região da SDAC muito modesta, não mais de cerca de 2,8% em 1999, muito embora com uma tendência evolutiva positiva (1,98% em 1994). Trata-se, porém, de alterações pouco expressivas e sempre duvidosas em termos da sua auto-sustentabilidade252;

a despeito da sua influência arrasadora do ponto de vista da estrutura económica interna, o sector mineral de Angola não ombreia, ainda, com o da África do Sul, aprecendo este país, e uma vez mais, a liderar a economia regional dum modo absolutamente destacado253. Angola é o segundo país mais representativo da estrutura regional do valor acrescentado nas indústrias extractiva e transformadora, mas a uma distância abiçal da África do Sul: 75% do valor acrescentado de 1999 foi criado por si, enquanto que Angola apenas contribuiu com 6,3%! O Zimbabwe é o país que aparece em terceiro lugar. O comportamento anteriormente registado na agricultura para a África do Sul no sentido de uma perda, lenta, de influência, é, igualmente, observado neste sector de actividade: entre 1994 e 1999 a África DO Sul perdeu, praticamente, 2 pontos percentuais em favor de países teceiros, um dos quais certamente Angola (um ganho, no mesmo período de tempo, de 3 pontos percentuais;

quanto ao sector terciário – comércio, bancos e seguros, transportes e serviços diversos – a predominância da África do Sul é ainda mais demolidora, respondendo por mais de 81% de toda a região SADC, com uma ténue tendência de aumento entre 1994 e 1999. Face aos resultados percentuais dos restantes países da região, poder-se-á dizer que o importante sector dos serviços é aí praticamente incipiente. Salvaguardam-se o Botswana, as Maurícias e o Zimbabwe.

252

Claro que o conflito militar penalizou de modo notório e indelével a actividade agrícola nacional,

sendo necessários muitos anos para se reporem as tendências do passado e se recuperarem os equilíbrios

sociológicos e económicos fundamentais. 253

Evidentemente que devem ser sopesadas as diferenças de natureza dos sectores minerais em presença

quando se comparam a África do Sul e Angola: no nosso país é o petróleo o produto dominante, enquanto

que na África do Sul existe uma maior diversidade de produtos minerais, com destaque para os diamantes.

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232

ESTRUTURAS REGIONAIS DOS VALORES ACRESCENTADOS SECTORIAIS

PAÍSES

AGRICULTURA INDÚSTRIA (extractiva+tran sformadora)

SERVIÇOS DIVERSOS

1994 1996 1999 1994 1996 1999 1994 1996 1999 Angola 2,0 2,5 2,8 5,1 5,7 6,3 1,3 1,5 1,5 Botswan. 1,3 1,1 1,2 3,6 3,8 3,9 2,3 2,5 2,7 R.D.Cong 20,0 20,9 20,5 2,0 1,7 1,7 1,9 1,4 1,1 Lesotho 0,9 1,0 1,0 0,5 0,5 0,6 0,3 0,3 0,3 Malawi 1,9 2,9 3,2 0,4 0,4 0,4 0,5 0,6 0,6 Maurícias 1,9 2,0 1,5 1,8 1,9 2,2 1,9 2,0 2,2 Moçamb. 4,4 5,3 6,2 0,6 0,8 1,5 1,0 0,9 0,8 Namíbia 2,2 2,1 2,1 1,5 1,4 1,5 1,5 1,5 1,5 Seychel. 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 0,2 0,4 0,4 0,2 S. Africa 41,5 37,6 36,2 77,1 76,8 74,9 81,7 81,7 81,6 Swazilân. 1,0 1,1 1,0 0,7 0,7 0,7 0,4 0,4 0,4 Tanzania 13,5 13,6 13,8 1,2 1,2 1,4 1,8 1,8 1,9 Zambia 2,6 3,2 3,3 2,1 1,7 1,5 1,4 1,5 1,6 Zimbabw 6,5 6,6 7,2 3,2 3,2 3,0 3,3 3,5 3,5 SADC 100 100 100 100 100 100 100 100 100 AFRICA 20,4 20,3 20,8 39,2 38,6 36,3 44,8 44,9 43,5

FONTE: African Development Indicators, 2002

- Força e estabilidade das economias

São vários os indicadores que podem ser utilizados para se aquilatar da força e da estabilidade das economias da região austral africana. Por exemplo, o “spread” cambial entre os mercados oficial e paralelo - que existem em todas as economias da sub-região - é um deles, e quanto menor for este hiato maior será a estabilidade dos mercados cambiais nacionais, ponto de partida fundamental para a obtenção de níveis comparados de competitividade. Mas o “spread” oficial/paralelo também serve para se aquilatar sobre a natureza da política cambial: diferenças elevadas entre as respectivas taxas de câmbio denunciam controles artificiais e administrativos sobre o mercado de divisas. Países existem na SADC onde a questão do “spread” oficial/paralelo deixou de se colocar de forma tão dramática quanto em outros. A panorâmica deste ponto de vista está espelhada no quadro seguinte.

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FORÇA E ESTABILIDADE DAS ECONOMIAS

INDICADORES tcPIB90-00 PIBpc90-00 IPC90-00 DO90-00 Real Effective Exchange Rate

PAÍSES 1975-1984 1985-1989 1990-2000

Angola 0,7 406 544,3 -22,9 200,9

Botswana 4,4 3188 10,7 3,7 114,2 92,4 100,7

Congo,R.D -5,6 157 900 335,1 126,8 95,5

Lesotho 2,1 637 10,6 -3,2 116,8 109,9 105,9

Malawi 3,7 196 29,9 -12,1 108,1 97,5 99

Maurícias 5,5 3285 6,8 -4,2

Moçamb. 5,6 167 32,2 -14,1 150,1 205,2 70,9

Namíbia 4,2 2175 9,8 -3,7 133,6 105,3 100,1

Seycheles 3 6492 1,4 -9 103,8 109,4 103,1

S. Africa 1,7 3365 9,7 -5,4 134,6 97,3 95,8

Swazilând. 3,4 1327 9,6 -1,6 81,3

Tanzânia 3 201 22,7 -2,5 138,3 109,7

Zâmbia 0,4 362 63,8 -11 143,7 85,3 108,1

Zimbabwe 2,5 694 26,4 -9,6 167,1 127,3 82,9

SADC 2,5 906,71 119,9 -6,8 150,71 117,7 106,1 FONTE: African Development Indicators, 2002

Outros indicadores da força e estabilidade das economias são as taxas médias de inflação, a taxa de câmbio real e efectiva, as taxas médias de crescimento real do PIB e o desequilíbrio orçamental e cujos valores também constam do quadro anterior. Verifica-se então que: (a) Angola não apresenta nos períodos considerados nem estabilidade (taxas de inflação extremamente elevadas), nem força (crescimento económico muito reduzido e devido, sobretudo, aos sectores do petróleo e dos diamantes, essencialmente virados para o exterior). A depreciação ocorrida na taxa de câmbio não foi aproveitada para se fomentarem as exportações, dada a sua concentração no petróleo e em outros produtos de extracção mineral primária que obedecem a lógicas de cartéis e não de concorrência aberta; (b) as Maurícias e as Seychelles são os países mais equilibrados da região, com economias estáveis (níveis de inflação baixos), competitivas e em franco crescimento; (c) a África do Sul e a Namíbia são também economias bem estruturadas e estabilizadas, embora com performances inferiores às dos dois anteriores países.

CONCLUSÕES:

Da breve análise efectuada nas páginas anteriores pode concluir-se:

Angola, por motivos variados, encontra-se, no momento presente, bastante mal posicionada face à maioria dos seus parceiros económicos da SADC. Este deficiente posicionamento é visível de vários ângulos, dentre os quais o das condições de vida da população;

a economia angolana está estruturalmente desarticulada, perdendo-se, por este motivo, as sinergias adstritas à maior densidade de relações económicas entre os sectores de actividade;

a economia angolana está concentrada no sector mineiro (diamantes e petróleo), ficando, assim, muito mais exposta às alterações da conjuntura internacional e menos habilitada a enfrentar a concorrência que muitos dos seus parceiros regionais estão em condições de efectuar;

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234

a aceitação dos instrumentos de liberalização do comércio entre os países da SADC pode colocar Angola numa posição de manifesta debilidade, perdendo-se muitos dos efeitos de incentivação da actividade económica reconhecidos à liberalização dos fluxos de mercadorias;

a estabilidade macroeconómica em Angola - reconhecidamente um factor importante de competitividade internacional - está longe de emparceirar com a maioria dos países da SADC (a única excepção é o Congo Democrático que nesta matéria ainda está pior do que Angola);

as políticas de estabilização e de desenvolvimento em Angola são fundamentais para que o país possa reunir outros argumentos que lhe confiram capacidade de disputa deste mercado regional.

2.- O NOVO REGIME DE COMÉRCIO NO ÂMBITO DOS ACORDOS DE PARCERIA ECONÓMICA REGIONAIS E SEUS EVENTUAIS IMPACTOS NA SADC (Comunicação apresentada ao Seminário “O Acordo de Cotonou: Inovações e Desafios” promovido pela Fundação Friedrich Ebert, 16-17 de Junho de 2003)

PROTECCIONISMO/LIVRE-CAMBISMO: UMA DISCUSSÃO AINDA ACTUAL?

254

O livre-cambismo é apresentado como a panaceia para o desenvolvimento económico, em particular dos países que mais dele necessitam e apelidados de menos desenvolvidos ou de países pobres. O livre-cambismo é a doutrina de referência de todas as organizações multilaterais (Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio, Banco Mundial) e das instituições europeias. Do ponto de vista da investigação científica é extraordinariamente gratificante indagar até que ponto o livre-cambismo foi ou tem sido um factor de crescimento económico e, “ a contrario sensu” verificar se o proteccionismo foi ou é uma “velharia” económica, imprestável e mesmo perversa. Os mais importantes historiadores económicos – dos quais Paul Bairoch, Ha-Joon Chang, Jonh Garraty, Mark Carnes e Angus Madison estão, provavelmente, entre os mais actuais – são de opinião que a História Económica demonstra tratar-se dum mito a relação entre o desenvolvimento económico e o livre-cambismo. Ou seja, as suas investigações/conclusões contestam que o livre-cambismo seja efectivamente um factor fundamental para o arranque do crescimento económico, embora se reconheça que, uma vez as economias colocadas num determinado patamar, o livre-cambismo seja um atributo que pode fortemente contribuir para a sua sustentabilidade, mormente através da competitividade255. O livre-cambismo foi a doutrina económica dominante – pelos factos? Pelas instituições multilaterais que governam o mundo? Pelas actuais potências económicas mundiais? – durante as décadas de 80 e 90 do século passado. Depois da crise da dívida externa de 1982 e da exigência dos programas de ajustamento estrutural pelo

254

Este parágrafo segue de perto alguns pontos do excelente e extenso artigo de Ha-Joon Chang no Le

Monde Diplomatique de Junho de 2003 e intitulado “Du Proteccionisme au Libre-échangisme, une

conversion opportuniste”. 255

Ou seja, será que há um momento do processo de crescimento económico em que o livre-cambismo é

um factor de consolidação e de maior impulso?

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FMI e o Banco Mundial, muitos – praticamente a totalidade – dos países em vias de desenvolvimento liberalizaram, radicalmente, o seu comércio. O afundamento do comunismo em 1991 abriu novos espaços económicos ao livre-cambismo. Durante os anos 90, importantes acordos de liberalização do comércio foram assinados, entre os quais o Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (ALENA) que agrupa os Estados Unidos, o Canadá e o México, e o Acordo que finalizou com as negociações do Uruguai Round em 1994 em Marrakech e que criou, em 1995, a Organização Mundial do Comércio, a expressão máxima do livre comércio mundial. Esta organização internacional continua a fazer enormes pressões para que as reduções das tarifas aduaneiras dos diferentes países sejam cada vez mais fortes e rápidas, ao mesmo tempo que reivindica o alargamento da sua competência a outros domínios, como a regulação dos movimentos de capitais no exterior e a concorrência, que não figuravam no seu mandato inicial. Os defensores do livre-cambismo acreditam agir no sentido da História, porquanto é esta política que tem estado na origem da riqueza dos países desenvolvidos, o que, de resto, Adam Smith já o admitia no século XVIII quando resolveu inquirir sobre as causas da riqueza das Nações. No entanto, os factos parece não darem inteiramente razão aos livre cambistas, nem os do passado, nem mesmo os mais actuais, e nestes incluo os relacionados com as performances económicas africanas. Na verdade, os estudiosos da História Económica são taxativos ao afirmarem que quando os actuais países desenvolvidos da OCDE eram ainda subdesenvolvidos, não puseram em prática nenhuma das políticas liberais que actualmente preconizam. E mais contundentemente: em mais parte nenhuma o desvio entre o mito e a realidade histórica é mais flagrante do que nos casos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos da América. Os factos históricos do passado revelam que:

(a) quanto à Grã-Bretanha

durante os séculos XIV e XV utilizou políticas dirigistas e intervencionistas de protecção e promoção das suas indústrias estratégicas, das quais de destacavam os lanifícios;

entre 1721 e 1846 praticou uma política comercial particularmente voluntarista, utilizando activamente a protecção aduaneira, a baixa de tarifas para as importações de “inputs” necessários às exportações, medidas que nos dias de hoje foram utilizadas pelo Japão e pelos “tigres” asiáticos;

o seu avanço tecnológico – que lhe permitiu uma conversão sem máculas ao livre-cambismo – foi construído ao abrigo de barreiras tarifárias elevadas durante um período longo de tempo;

foi o primeiro país a aplicar a teoria de Friedrich List (economista alemão do século XIX e que apresentou uma teoria sistematizada sobre o proteccionismo ofensivo) de protecção às indústrias nascentes;

durante o século XIX e princípios do século XX as tarifas proteccionistas estiveram dentro dum intervalo de 40% a 50%.

(b) quanto aos Estados Unidos

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236

foi neste país – pátria e bastião do proteccionismo moderno, para se utilizar a expressão de Paul Bairoch256 - que a teoria das indústrias nascentes foi desenvolvida e aplicada por Alexander Hamilton, primeiro Secretário do Tesouro entre 1789 e 1795, e pelo economista Daniel Raymond e que numerosos intelectuais e políticos do século XIX compreenderam que o livre-cambismo não era adaptado às necessidades de desenvolvimento económico do país nesse momento;

entre 1830 e o final da segunda guerra mundial, os direitos aduaneiros foram dos mais elevados do mundo; se se acrescentar que devido aos elevados custos de transporte até 1870 beneficiava dum proteccionismo natural257, pode concluir-se que as indústrias americanas foram literalmente as mais protegidas do mundo até 1945, com uma tarifa média sobre as importações de cerca de 45%;

a Guerra da Secessão não foi uma guerra para a libertação dos escravos do Sul do país, mas uma guerra entre o proteccionismo económico do Norte e o livre.cambismo do Sul, e acabou por vencer o proteccionismo258.

Conclusões semelhantes poderiam ser aduzidas em relação a outros países hoje desenvolvidos: sempre que se tratou de reduzir o atraso económico face aos mais desenvolvidos todos utilizaram, em maior ou menor extensão, instrumentos proteccionistas, como as tarifas aduaneiras, as subvenções, as reduções de impostos, os créditos bonificados e outras ferramentas de pendor defensivo, para promover as respectivas indústrias. E é francamente curioso sublinhar que foram justamente as duas potências de raiz anglo-saxónica – presumidamente as campeãs do livre-cambismo – e não a Alemanha, a França e o Japão, a quem se acusa de serem economias de intervenção estatal exagerada, que mais agressivamente utilizaram as protecções tarifárias em defesa das suas indústrias. Durante o século XIX e início do século XX, os direitos aduaneiros foram relativamente fracos em França e na Alemanha (entre 15% e 20%) e no Japão, com pouco mais do que 5%, até 1911. Durante este mesmo período e conforme registado já, a protecção efectiva nos Estados Unidos e no Reino Unido rondou os 50%. Os factos históricos mais recentes também são merecedores de alguma atenção. O pequeno número de livre-cambistas que reconhece o passado proteccionista das grandes potências económicas de hoje, argumenta, no entanto, que, no mundo globalizado dos nossos dias, as doutrinas proteccionistas não têm espaço de afirmação enquanto instrumentos das políticas de desenvolvimento. Afirma-se que a superioridade do livre-cambismo está amplamente demonstrada pelo crescimento recorde dos dois últimos decénios do século XX - durante o qual a liberalização das economias foi o facto mais marcante – superior aos dos períodos correspondentes em que o intervencionismo foi praticado (entre 1945 e 1975, os gloriosos 30, como ficaram conhecidos estes anos do pós-segunda guerra mundial e doutrina keynesiana). Se o livre-cambismo foi tão eficaz como se apregoa, então o crescimento económico

256

Mitos e Paradoxos da História Económica, Terramar, 2001. 257

Os Estados Unidos beneficiaram, também, da existência dum importante mercado interno, quer em

termos de dimensão populacional, quer em termos de poder de compra médio. Ou seja, o

desenvolvimento económico da maior potência mundial foi conseguido muito à base da criação dum

amplo mercado interno que possibilitou economias de escala significativas e reduções expressivas de

custo, o que conjugadamente permitiu trabalhar com custos marginais baixos no mercado internacional e

aceitar o livre-cambismo como um factor acrescido de crescimento e competitividade. 258

Abraham Lincoln, proteccionista convicto, afirmou que se pudesse salvar a União sem libertar nenhum

escravo o faria. De resto, para quem considerava os negros como uma raça inferior, a emancipação dos

escravos era apenas uma questão de estratégia política e militar para ganhar a guerra.

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deveria ter-se acelerado substancialmente no decurso dos anos 80 e 90 do século passado. Vejamos os factos:

durante os decénios 1960 e 1970 – fase da economia mundial em que foram evidentes as práticas intervencionistas e proteccionistas das economias mais desenvolvidas, até em franco e claro prejuízo das ainda colónias britânicas, francesas, portuguesas, belgas e holandesas – o crescimento económico nas suas diferentes vertentes apresentou as cifras seguintes:

- o rendimento médio mundial per capita cresceu cerca de 3% ao ano, contra 2,3% durante 1980 e 1990;

- nos países desenvolvidos o crescimento do rendimento médio por habitante recuou de 3,2% registado entre 1960 e 1980, para 2,3% entre 1980 e 1999;

- nos países economicamente mais atrasados a queda foi de 3% para 1,5%, nos mesmos períodos; de sublinhar que a cifra de 1,5% tem já em consideração a China e a Índia, países de fortes performances económicas, mas que não adoptaram os modelos e as receitas liberais;

durante os anos 1980 e 1990 na América Latina o crescimento do rendimento médio por habitante foi praticamente nulo: 0,6% contra 3,1% de 1960 a 1980;

no Próximo Oriente a queda do rendimento médio por habitante nas duas últimas décadas foi de cerca de –0,2% ao ano;

depois do início da sua transição para o capitalismo, os antigos países comunistas europeus foram palco de retracções económicas absolutamente dramáticas.

E relativamente à África, no fundo o que nos importa mais de perto? O quadro seguinte expressa a situação a que a liberalização das economias conduziu.

TENDÊNCIAS DE LONGO PRAZO NA ÁFRICA SUBSARIANA (taxas médias anuais)

VARIÁVEIS

CRESCIMENTOS VERIFICADOS CRESCIMENTOS PREVISTOS

1988/97 1989/98 1991/00 2000 2001 2002 2003 2004 98/07 99/08 05/15

Real GDP 2,3 2,4 2,2 3,2 2,9 2,5 3,2 3,8 3,8 3,4 3,7

GDPpercap. -0,4 -0,3 -0,4 0,7 0,5 0,1 0,9 1,5 1,0 1,0 1,5

Consuption per capita

-0,4

-0,4

-0,6

-1,4

0,7

0,3

0,8

1,3

0,8

0,9

1,2

Inflation 10,2 9,7 9,8 6,3 5,4 4,3 3,9 4,2 8,0 5,5 ..

Gross do- mestic inves tment/GDP

16,0

16,8

16,9

17,9

18,7

18,9

18,6

18,2

17,0

18,4

21,2

Budget ba- lance/GDP

-6,0

-5,3

-3,0

-0,6

-0,3

-0,4

-0,5

-0,3

-3,7

-4,1

..

Export grow th

4,8

4,3

4,1

4,3

2,8

1,1

5,3

5,8

5,2

4,9

..

Current ac- count/GDP

-1,4

-2,0

-2,1

-2,3

-2,2

-3,0

-1,8

-1,2

0,3

-2,0

..

GDP of oil exporters

3,9

2,9

2,5

4,8

4,4

2,0

3,6

3,8

3,4

3,2

..

FONTES: Global Economics Prospects and the Developing Countries, World Bank, 1998/99, 2000, 2003

Deve acrescentar-se que entre 1960/1970 e 1970/1980 o crescimento do rendimento por habitante foi de, respectivamente, 2,5% e 2% ao ano. Todos estes valores ganham maior significado por se referirem a comportamentos económicos na base duma grande abertura da maior parte das economias africanas, particularmente daquelas que se regeram – ou ainda regem – por Programas de Ajustamento Estrutural do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.

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238

Em conclusão: a experiência neoliberal das duas últimas décadas revelou-se incapaz de cumprir com a sua principal promessa, qual seja, a da aceleração do crescimento. E no entanto, foi em seu nome que tudo o resto foi sacrificado: a equidade em favor da eficiência, o ambiente em favor da poluição, a melhor distribuição do rendimento mundial em favor da sua extraordinária concentração pessoal nos países mais ricos, a pobreza em favor da riqueza, a exclusão social em favor do reforço das classes mais ricas, etc. Apesar destes insucessos, esta doutrina continua a impor-se, não pelos factos, mas graças a um poderoso aparelho económico-político-ideológico (o pensamento único que se pretende aplicar não é apenas uma figura de retórica intelectual) com os seus pontos focais na santíssima trindade (FMI-Banco Mundial-OMC) e nas instituições dos países da OCDE. A CONVENÇÃO DE COTONOU

A nova convenção que regula as relações económicas e a cooperação para o desenvolvimento entre os países ACP e a União Europeia representa em muitos dos seus domínios de intervenção uma rotura com as Convenções de Lomé. A sua validade é para 20 anos. Uma das grandes novidades da convenção de Cotonou é a da consideração de três dimensões convergentes que devem enquadrar e regular a cooperação económica entre os Estados ACP e os países da União Europeia.

As linhas mestras Pela leitura do texto da Convenção é possível detectar três extensões principais do quadro geral de cooperação:

(a) dimensão política Foram considerados na convenção bastantes princípios de natureza política que disciplinam e condicionam os diferentes tipos de cooperação económica entre os parceiros do acordo. A cooperação ACP/UE deve visar, entre outros objectivos: - a obtenção nos primeiros países dum desenvolvimento durável centrado na pessoa humana, enquanto sujeito e objecto principal do desenvolvimento (artº 9, nº1); - o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais (artº 9, nº2); - a defesa da democracia (artº9, nº2); - a boa gestão e o combate à corrupção (artº 9, nº2 e artº 97); - a participação da sociedade civil e do sector privado na definição das estratégias, dos planos e das políticas de desenvolvimento sustentável (artº10, nº1); - o reconhecimento dos princípios de economia de mercado apoiados em regras de concorrência transparente e em políticas económicas e sociais sãs; - a promoção e a defesa da paz na região UE/ACP (artº11); - a discussão da globalização da cidadania no espaço geográfico abrangido pela convenção traduzida nas migrações (artº 13).

(b) dimensão económica Determinados códigos económicos foram considerados como devendo reger as relações de cooperação entre a União Europeia e os Estados ACP. Ficou estabelecido que:

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- o objectivo central da cooperação entre as partes signatárias é o da redução imediata e o da erradicação a prazo da pobreza, o desenvolvimento sustentável e a integração progressiva dos ACP na economia mundial (artº 19, nº1); - os objectivos complementares são os do crescimento económico rápido e sustentado, do desenvolvimento do sector privado, o do aumento do emprego, o do acesso aos recursos produtivos e às actividades económicas – ou seja, a redução substancial da burocracia do Estado – e o da promoção da cooperação e integração regional (artº 20, nº1 a)); - a realização e a consolidação de reformas macroeconómicas e de correcções estruturais devem acompanhar a definição e implementação dos Planos Indicativos Nacionais (artº22); as reformas referidas como essenciais são a liberalização e a abertura das economias ACP, a privatização e o reforço do sistema financeiro; - o desenvolvimento sectorial é uma pedra importante do desenvolvimento económico sustentado (artº23); - a cooperação ACP/UE visará a promoção da integração progressiva dos primeiros países na economia mundial, com destaque para a liberalização das trocas e a remoção de barreiras à importação (artº 34, nº 1 e 2); esta integração na ordem económica mundial deverá, no entanto, ser feita no respeito das prioridades de desenvolvimento e das escolhas de política económica dos ACP; - se deve proceder a uma negociação calendarizada dos acordos comerciais para a completa liberalização do comércio internacional, no respeito dos prazos acordados e estabelecidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (artº 44 e 45).

(c) dimensão técnica O processo de apoio económico aos programas e projectos nos Estados ACP foi objecto duma reformulação profunda do ponto de vista técnico e metodológico. A nova Convenção pretende accionar mecanismos que garantam: - coerência, flexibilidade e eficácia da ajuda da União Europeia, mormente por intermédio do reagrupamento de determinados instrumentos da cooperação; - intervenções de grande escala com impactos económicos e sociais visíveis, através de programas de ajuda sectoriais; - condicionalidade das ajudas financeiras a programas sociais e económicos concretos, o que significa que os fundos previstos na Convenção não são direitos adquiridos, mas deverão tomar a forma de envelopes indicativos; - participação dos agentes não governamentais na formulação e implementação dos programas de apoio comunitário; - apropriação local em todos os níveis do processo de desenvolvimento (artº56, nº1, a)); - responsabilidade de preparação, elaboração e execução dos programas e projectos de desenvolvimento (artº 57, nº2).

A cooperação financeira As regras estabelecidas para a cooperação financeira estão contempladas nos artigos 76 e 77 da Convenção e nos artigos 1, 2 e 4 do Anexo II. São considerados dois pacotes financeiros: - um pacote de ajudas não reembolsáveis, que configuram os apoios ao desenvolvimento económico, ao desenvolvimento social e humano, às reformas macroeconómicas e institucionais e à cooperação e integração regional. Trata-se dum envelope dirigido aos Estados ACP para o aplicarem segundo determinados critérios e

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consoante as fragilidades estruturais internas. Está dotado com cerca de 13,5 biliões de euros; - um pacote de ajudas reembolsáveis em condições de juros bonificados e de prazos largos de reembolso e destinado ao apoio ao desenvolvimento do sector privado. É gerido pelo Banco Europeu de Investimentos sob a forma duma Facilidade de Investimento e está dotado com 10 biliões de euros provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento, mais 1,7 biliões de euros dos fundos próprios do BEI e virados para o financiamento de projectos económicos regionais.

Os critérios de acesso Estão claramente defendidos critérios de acesso aos fundos que veiculam a cooperação financeira. Para além dos princípios gerais de natureza política e do destaque dado à redução da pobreza, imperam outros comedimentos que regem o acesso aos diferentes pacotes financeiros considerados na Convenção. Assim, para o pacote de ajudas não reembolsáveis os critérios devem respeitar: - as necessidades sociais, avaliadas de acordo com determinados indicadores mais ou menos tradicionais como o rendimento por habitante, o índice de desenvolvimento humano, a taxa de pobreza, a estrutura demográfica, a ratio da dívida externa, o peso das despesas orçamentais na saúde e na educação; - o desempenho económico interno, arbitrado pelo avanço das reformas económicas e institucionais, do combate à corrupção, do controlo da inflação, da satisfação dos compromissos da dívida externa, da gestão orçamental e da transparência da gestão macroeconómica; - a capacidade de absorção sectorial reflectida no grau de utilização dos apoios financeiros, no índice de capacitação e autonomia das estruturas governamentais, no tratamento orçamental das despesas recorrentes (sustentabilidade dos projectos), etc; - a integração regional enquanto factor de reforço das estruturas económicas nacionais e de viabilização duma abertura eficaz ao comércio mundial. Para o envelope de ajudas reembolsáveis os critérios são essencialmente de mercado e respeitam a validade dos projectos, o partenariado UE/ACP e o partenariado ACP/ACP. OBJECTIVOS DO ACORDO DE COTONOU

O Acordo de Cotonou tem como fundamento doutrinário o livre-cambismo. Pretende construir uma Zona de Livre Comércio259 entre a União Europeia e os países ACP, na presunção de que será o melhor e mais fácil caminho para a erradicação do subdesenvolvimento e da pobreza que vigoram nos ACP. Este acordo prevê a concretização, no médio prazo, dum novo quadro comercial caracterizado pela supressão progressiva dos entraves às trocas entre os países ACP

259

De acordo com a Teoria da Integração Económica o único mecanismo de funcionamento correcto

duma Zona de Livre Comércio entre países com níveis diferentes de desenvolvimento económico – de

resto utilizado na construção da CEE e da União Europeia – é o da transferência de recursos financeiros

dos mais ricos para os mais atrasados e de mão-de-obra dos segundos para os primeiros. Evidentemente

que, salvo as transferências financeiras previstas no Acordo de Cotonou provenientes do FED e de outras

fontes, a livre circulação de pessoas no espaço EU-ACP está posta fora de causa. Aliás, as transferências

financeiras são justamente feitas para se travarem os movimentos de emigração em direcção aos países

europeus, acreditando-se que ao fomentarem o crescimento económico criarão localmente maiores

oportunidades de emprego.

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241

e entre si e a União Europeia e em conformidade com as determinantes doutrinárias da OMC.

Para se atingir este objectivo os acordos de parceria económica serão os instrumentos mais favoráveis, os quais deverão ser negociados até 2008, para a sua entrada em vigor daqui para a frente. Até lá, as actuais preferências não recíprocas entre os ACP e a União Europeia, do mesmo modo que os diferentes protocolos de produtos, serão mantidos. O Acordo de Cotonou assume-se, também, como um instrumento de apoio aos esforços de integração económica regional em curso, nomeadamente, na África subsariana, facilitando a sua inserção gradual e harmoniosa na economia mundial. Face a estes objectivos, dominados pelo livre-cambismo e aparentemente sem levarem em devida conta as amplas diferenças de produtividade entre os países que constituirão esta Zona de Livre Comércio, os países ACP têm enormes desafios a ultrapassar, devendo, durante a duração do Acordo, preparar-se para enfrentar a concorrência num mercado internacional cada vez mais competitivo e dominado pelas grandes potências económicas e as grandes multinacionais. As dúvidas são, obviamente, muitas quanto à capacidade destes países, num ambiente internacional cada vez mais aberto e hostil, de erradicarem a pobreza pelo crescimento económico que o livre-cambismo possa proporcionar260. Os países são muito diferentes entre si – em dotação de recursos naturais, em cultura, em ambição, em níveis de produtividade, em condições para o crescimento, etc. – não conduzindo modelos únicos a uma mesma dinâmica de crescimento. O mundo tem várias velocidades de desenvolvimento e a sua integração harmónica para a defesa da civilização e da humanidade implica abordagens diversas, ajustáveis aos problemas concretos de cada sociedade. AS NOVAS DISPOSIÇÕES SOBRE O COMÉRCIO E AS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

261

As novas disposições sobre o comércio entre os ACP e a União Europeia cobrem duas áreas importantes das relações comerciais entre os países membros desta futura Zona de Livre Comércio. A primeira refere-se ao prolongamento das actuais preferências comerciais não recíprocas até 1 de Janeiro de 2008, o que significa que os países ACP ainda podem aproveitar as condições vantajosas de acesso aos mercados da União Europeia ainda provenientes de Lomé IV. A segunda componente inclui um compromisso de se introduzirem, sempre que possível, de mecanismos visando o estabelecimento de preferências comerciais recíprocas entre a União Europeia e os países ACP. O significado desta abordagem das novas disposições é o de que – e ao contrário do que sucede actualmente – os países ACP concedam preferências comerciais a exportadores da União Europeia, que não são extensivas a outros países da OCDE, em troca de um prolongamento de acesso preferencial ao mercado europeu integrado.

260

Na África subsariana serão necessárias taxas de crescimento do PIB acima dos 10% anuais para que a

pobreza seja erradicada. A NEPAD aponta, por exemplo, uma taxa de crescimento de 8% durante 12 anos

para que os índices de pobreza sejam reduzidos a metade. Esta taxa determina que a taxa de investimento

se aproxime dos 25% em cada ano. Face aos factos registados no passado e olhados em revista no

parágrafo anterior desta comunicação, estes valores não serão possíveis, com ou sem Acordo de Cotonou. 261

Para um aprofundamento desta matéria ver “O Novo Acordo ACP-EU, Guia do Utilizador”, Fundação

Friedrich Ebert e Centro de Estudos de Comércio e Desenvolvimento, 2000.

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É justamente este compromisso de alteração de preferências não recíprocas para preferências recíprocas face a outros países da OCDE que constitui a mudança fundamental da base das relações comerciais ACP-UE a partir de 2008. As questões/preocupações que se podem colocar são, em resumo:

estas novas disposições resistirão à globalização e à tendência de se constituírem blocos económicos regionais?

a reciprocidade é/será real e efectiva face a países com níveis tão diferenciados de produtividade económica? Os níveis de competitividade nunca se igualizarão até 2008, haja em vista que uma competitividade estrutural demora tempo a ser construída, porque é tributária do aprofundamento e extensão dos sistemas de ensino e formação, da qualidade dos recursos humanos e das estratégias empresariais, da destreza da mão-de-obra, dos valores culturais e da maior ou menor influência das tradições, do esforço e da capacidade de investigação, da aplicação das novas tecnologias, etc.;

a reciprocidade absoluta face a terceiros países – da OCDE e outros – não viola as regras da OMC?

os países das Caraíbas e do Pacífico – alguns dos quais com desempenhos económicos muito superiores aos de África – não darão no futuro preferência à integração nas suas zonas geográficas de influência, em detrimento da União Europeia e de África?

O objectivo principal da cooperação económica e comercial do Acordo de Cotonou é o de promover a integração progressiva e harmoniosa dos ACP na economia mundial, sendo as disposições preferenciais recíprocas e não recíprocas um dos instrumentos. Espera-se que o Acordo de Cotonou possa contribuir para uma integração gradual e suave dos ACP na economia mundial, condição indispensável para um desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza. Neste contexto os mecanismos de aplicação do Acordo de Cotonou deverão contribuir para:

aumentar as capacidades de produção dos ACP, de modo a acrescerem a sua participação relativa no comércio internacional;

criar uma nova dinâmica de comércio;

fortalecer as políticas ACP de investimento e comércio;

melhorar a capacidade dos ACP em lidar com as questões ligadas ao comércio.

Na medida em que tudo isto deve ser feito em plena consonância com as disposições imperativas e omnipresentes da OMC, as altercações seguintes são pertinentes:

a erradicação da pobreza pela integração no comércio mundial é uma utopia, de que o aumento da pobreza e da exclusão social nos próprios países desenvolvidos e dominadores do comércio internacional é uma das provas mais insofismáveis262;

262

Para além de crescimento económico substancial e sustentado, a erradicação da pobreza exige um

modelo concreto de desenvolvimento em que predomine a utilização mais do que proporcional de mão-

de-obra em relação ao capital, a distribuição mais equitativa da riqueza e dos activos a montante, a

intervenção social do Estado e uma verdadeira parceria internacional para o desenvolvimento humano. O

papel da APD neste contexto teria de ser radicalmente alterado.

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243

a participação activa dos ACP está condicionada pelos interesses económicos dos países dominantes da OCDE, na circunstância os Estados Unidos, o Canadá e o Japão;

o problema não está na integração na economia e no comércio mundial, mas sim a forma como é efectivada. O proteccionismo serviu para que a OCDE de hoje seja desenvolvida, deixando de valer porque o livre-cambismo ajusta-se, agora, melhor aos seus interesses;

as economias ACP, sem excepção e independentemente do regime político, sempre estiveram integradas no comércio mundial, pelo menos desde o fim do comércio dos escravos. No entanto, este facto não forneceu as bases nem para o desenvolvimento sustentado, nem para a erradicação da pobreza, o que coloca a questão sobre se o modelo de cooperação económica e comercial contemplado no Acordo de Cotonou é o instrumento mais apropriado para a finalidade pretendida, ou se, pelo contrário, não haverá de encarar a necessidade de se transformarem as suas bases doutrinárias de fundamentação.

As disposições transitórias sobre o comércio entre a União Europeia e os ACP, ao referirem que até 1 de Janeiro de 2008 os exportadores africanos, das Caraíbas e do Pacífico continuarão a beneficiar de um acesso livre de impostos ao mercado da Comunidade europeia para os produtos com a denominação de origem ACP, admitem, explicitamente, que continuarão a vigorar os protocolos sectoriais referentes á carne bovina, à banana, ao açúcar e ao rum. O curioso a assinalar é que Angola não figura como país exportador – a quem são atribuídas cotas de exportação para o mercado comum europeu – em nenhum destes protocolos sectoriais, devido, naturalmente, à circunstância de que para além do petróleo não se exporta mais nada digna de referência. ACORDOS DE PARCERIA ECONÓMICA

263

Os acordos de parceria económica deverão ser negociados durante o período de transição entre as actuais disposições comerciais e as que passarão a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2008, na base da reciprocidade de condições de exportação e de acesso aos mercados. A principal direcção da política da União Europeia vai no sentido de acordos preferenciais comerciais recíprocos sob a forma de acordos de parceria económica. No caso da África do Sul o acordo de parceria económica tem sido chamado de Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação e apesar do nome mudar, as disposições básicas a serem estabelecidas, após o período transitório, permanecem as mesmas, uma área de comércio livre compatível com as regras da OMC. Estes acordos de parceria económica serão estabelecidos com os países ACP que se considerem preparados para o fazer, ao nível ajuizado como adequado e segundo os procedimentos aceites pelos intervenientes. Os acordos de parceria económica têm em vista definir o calendário para a eliminação progressiva dos obstáculos às trocas comerciais entre as partes e segundo as normas e procedimentos da OMC nesta matéria.

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Para um maior aprofundamento ver igualmente O Novo Acordo ACP-UE, Guia do Utilizador, páginas

75-85.

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Existem aspectos positivos nestes acordos de parceria económica, uma vez que, em primeiro lugar se dá a possibilidade de os países escolherem por esta ou outra modalidade e, em segundo se atende aos diferentes níveis de desenvolvimento e de impacto socio-económico das medidas comerciais de cada um dos ACP, bem como á sua capacidade de se adaptarem e ajustarem aos processos de liberalização. No que respeita aos acordos de comércio ACP-UE depois de Janeiro de 2008, o Acordo de Cotonou prevê duas alternativas: uma introdução progressiva da reciprocidade nas relações comerciais e uma extensão das preferências comerciais não recíprocas. Dentro da segunda opção estão considerados os acordos de parceria económica com três modalidades: acordos de parceria económica bilateral – negociados de forma independente ao nível nacional – acordos de parceria económica bilateral negociados num quadro de coordenação regional e acordos de parceria económica negociados regionalmente, como é o caso da SADC. A posição da Comissão Europeia é no sentido de favorecer os Acordos Regionais de Parceria Económica. É uma atitude positiva, porque assim é possível contemplar tratamentos comerciais diferenciados por diferentes agrupamentos regionais de países, consoante o respectivo nível de desenvolvimento. No entanto, levanta-se um enorme problema relacionado com a circunstância de o grupo ACP ser tão diversificado quanto as suas regiões: como podem ser estruturados acordos regionais específicos de modo a acomodar a diversidade que existe dentro de cada região ACP? Problema agravado pela inexistência de instituições regionais ACP, firmemente estabelecidas e funcionais e capazes de assumirem a liderança dos processos de liberalização das relações comerciais. Como negociar acordos regionais de parceria económica num contexto de vazio institucional? Com a SADC este constrangimento poderá estar ultrapassado, porquanto esta organização económica regional dispõe de instituições específicas revestidas de poder e de capacidade negocial em nome dos 14 países integrantes. A resposta da Comissão Europeia tem sido dupla:

por um lado, tem vindo a incentivar os processos de integração económica regional e de criação de capacidades regionais264;

por outro e face à insipiência da maioria dos processos de integração económica regional, devem ser concluídos acordos individuais com cada país, tendo em conta o prazo de 2008.

EVENTUAIS IMPACTOS O estudo de impactos é sempre complexo, porque depende de múltiplos factores de diferente constituição. A SADC é, antes de mais, uma região de enorme heterogeneidade. Para além das profundas diferenças demográficas, sociais e económicas, a região apresenta, igualmente, desigualdades políticas. Os processos de transição democrática estão longe de estarem consolidados em todos os países constituintes e, mesmo neste contexto, existem países mais atrasados do que outros. Persistem problemas latentes de enorme complexidade interna, como a guerra em Angola e na República Democrática do Congo, a reforma agrária no Zimbabwe e na África do Sul, os

264

O caso do RISDP da SADC (Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional) tem sido

paradigmático: é o primeiro programa regional elaborado em África, tem a anuência de todos os países

integrantes e tem sido discutido e negociado com a comunidade internacional, em particular a Comissão

Europeia.

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problemas raciais nalguns dos países de colonização britânica (África do Sul, Namíbia e Zimbabwe), a disputa das hegemonias regionais (Angola e África do Sul), a instabilidade política de Moçambique e mais alguns outros. É consabido que a democracia e a estabilidade política são dois dos mais importantes elementos de sucesso dos projectos de integração económica, tendo, de resto sido os responsáveis pela demora de integração na ex-Comunidade Económica Europeia de Portugal, Espanha e Grécia. Neste aspecto a Convenção de Cotonou, na dimensão política dos seus princípios de aplicabilidade, pode vir a ser um factor importante de facilitação da integração económica da SADC, ao consagrar a democracia, a defesa dos direitos humanos, a paz e a cooperação regional como alguns dos seus componentes mais marcantes. A relativa condicionalidade dos Programas Indicativos Nacionais a estes princípios políticos básicos certamente que contribuirá para a aceleração dos processos internos de transparência e participação democrática. Dum ponto de vista económico o impacto da Convenção de Cotonou na SADC e nos países que a integram vai ser muito diferenciado, podendo em alguns casos contribuir para uma aceleração dos processos de integração económica nacional e noutros para uma maior desagregação dos tecidos produtivos internos. Tudo vai depender das estratégias nacionais de transição para a economia de mercado, da aceleração das reformas estruturais, das condições económicas actuais e da resolução dos problemas políticos internos. A defesa e a aplicação do principio da liberalização económica e de aderência à ordem económica mundial feitos na Convenção de Cotonou – embora sujeitos às prioridades de desenvolvimento e às escolhas políticas dos países ACP – são como que paus de dois gumes em termos económicos e sociais internos. Os países economicamente mais fortes e estáveis certamente que retirarão benefícios mais ou menos imediatos daqueles princípios, enquanto que os países mais frágeis seguramente ficarão mais à mercê dos seus efeitos deletérios e perversos. Não basta defender-se teoricamente que o mercado mundial é o melhor espaço para se construir uma competitividade económica estrutural e sustentável. É fundamental que se disponham de condições internas de partida para que a verdade teórica se apresente com substrato prático e concreto.

Liberalização do comércio Muito embora estejam consagrados diferentes calendários para a liberalização do comércio externo dos países ACP e a despeito, ainda, de este princípio não ser tomado como de grande condicionalidade para a concessão de ajuda financeira, o facto, porém, é que deixam de poder estar consagradas estratégias ou políticas excessivamente protectoras dos tecidos produtivos nacionais. Tratam-se de intervenções que podem ferir os interesses económicos dos países da União Europeia e mesmo de alguns países da SADC, com estruturas económicas mais consagradas e integradas. A absorção interna dos processos de liberalização comercial em cada um dos países da SADC vai depender de muitos factores, como a redução da pobreza – uma das muitas situações que certamente sairão agravadas a curto prazo com a abertura das economias e a sua integração em espaços onde a eficiência é o critério único de validação da actividade económica – o desenvolvimento do sector privado, as estratégias de integração económica dos mercados nacionais, a dimensão dos programas de (re)infraestruturação dos países, a aceleração dos processos de privatização, a celeridade dos regimes de reestruturação e reforço dos sistemas financeiros nacionais e da eventualidade de constituição dum sistema financeiro regional, a aceleração das reformas económicas, etc.

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São muitos factores, diferentes embora convergentes entre si, que exigem uma gestão muito complicada dos modelos de mudança económica. A Convenção de Cotonou, conquanto defenda o princípio da liberalização comercial, não dispõe, no entanto, de mecanismos ou de instrumentos que esbatam o impacto dos efeitos perversos e das desvantagens que se abaterão sobre as estruturas económicas mais combalidas dos países da SADC. Neste aspecto tudo dependerá da forma como cada país aplicar as ajudas financeiras concedidas ao abrigo da Convenção.

Projectos regionais A promoção da cooperação e da integração regional é, como se viu, um dos princípios económicos retractados na Convenção. No entanto, apenas 1,3 biliões de euros lhe estão consagrados, muito provavelmente devido à constatação do estado de relativo atraso em que a integração regional se encontra, nomeadamente em África, onde muitos estádios dum processo de integração económica ainda não foram postos em marcha. É manifesto que a Convenção atribui uma evidente prioridade aos projectos e programas nacionais, correspondendo a uma correcta leitura sobre as insuficiências estruturais internas de todos os países ACP. A aposta reflectida na Convenção acerca da integração regional converte o sector privado no seu agente principal. São, assim, os projectos de cooperação empresarial os que detêm maior importância na Facilidade de Investimento gerida pelo Banco Europeu de Investimento e também os que poderão ajudar a estruturação duma competitividade económica regional.

Projectos nacionais Conforme se referiu mais atrás o envelope das ajudas financeiras não reembolsáveis é o mais expressivo da Convenção de Cotonou. A sua utilização está regularizada por uma série de critérios específicos – sociais, económicos e institucionais – que cada país terá de respeitar. A preocupação central é a de contribuir para a criação de condições internas em cada país no sentido de proporcionar um crescimento económico sustentado e uma integração positiva na ordem económica mundial. Porém, a maior vantagem que se poderia retirar dos apoios financeiros da União Europeia dependeria de os mesmos poderem ser considerados como fundos estruturais de coesão interna e mesmo de coesão regional, um pouco à semelhança do que aconteceu com Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda. Tal hipótese não tem consagração na Convenção, ficando, portanto, dependente da natureza dos programas indicativos nacionais e das características dos projectos a serem aí considerados. É, todavia, evidente que num contexto de profundas assimetrias e diferenças económicas e sociais os fundos da União Europeia não terão os mesmos impactos nos vários países da região. Os países onde os processos de reformas económicas estão mais avançados e onde as respectivas estruturas económicas são mais fortes e integradas, os apoios financeiros terão um maior impacto económico e social levando ao reforço e fortalecimento dos tecidos produtivos nacionais e apresentação dum coeficiente mais elevado de absorção interna. Serão os casos da África do Sul, das Maurícias, do Botswana, da Namíbia e das Seyshelles.

Investimentos

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Uma das áreas onde os impactos poderão ser significativos é a dos investimentos. Ainda que tudo dependa das capacidades nacionais de programação e gestão dos investimentos públicos, dos sistemas de incentivos ao investimento privado e das condições oferecidas aos capitais estrangeiros, parece convincente que as ajudas financeiras da União Europeia ao abrigo da Convenção de Cotonou – quer aos Estados, que ao sector privado – poderão transformar-se num importante elemento complementar dos investimentos principais, públicos e privados. A dimensão dos respectivos efeitos está, todavia, limitada por alguns factores, tais como: a capacidade interna de absorção – medida não só em termos puramente financeiros e relacionados com o grau de execução dos respectivos projectos, mas igualmente dum ponto de vista económico, o que tem a ver com a sua real efectividade – a coordenação eficaz da ajuda pública ao desenvolvimento, o concerto investimento público/investimento privado de que depende a maior eficiência económica dos dois, o grau de integração económica interna, o modelo de gestão macroeconómica e a qualidade do sistema financeiro interno. Uma vez mais serão os países da linha da frente económica da SADC que retirarão vantagens adicionais dos apoios financeiros e da Facilidade de Investimento aclamados na Convenção de Cotonou.

Sector privado As parcerias que estão previstas na Convenção entre investidores privados dos ACP e da União Europeia assegurarão uma certa via de integração na ordem económica mundial e nas ordens económicas sub-regionais. A Facilidade de Investimento ao determinar a afectação de 10 biliões de euros destinados ao financiamento de projectos privados nacionais e mais 1,3 biliões de euros para as iniciativas específicas de vertente regional, concerteza que produzirá efeitos económicos importantes nas economias dos ACP.

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