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Textos de Bruno Monteiro Cláudia Galhós Luís Filipe Rodrigues Manuel S. Fonseca Maria Emília Brederode Santos Martim Sousa Tavares Yvette K. Centeno N.º 36 – JANEIRO / JULHO 2020

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Textos deBruno Monteiro Cláudia GalhósLuís Filipe RodriguesManuel S. FonsecaMaria Emília Brederode SantosMartim Sousa Tavares Yvette K. Centeno

N.º 36 – JANEIRO / JULHO 2020

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Colaboraram nesta edição Bruno Monteiro, Cláudia Galhós, Luís Filipe Rodrigues, Manuel S. Fonseca, Maria Emília Brederode Santos, Martim Sousa Tavares, Rodrigo Francisco, Sarah Adamopoulos e Yvette K. Centeno (textos); Pedro Calapez (pintura da capa) Francisca Valador e Inês Machado (ilustrações); Gonçalo Marto (design e paginação); João Gaspar (lettering desenhado); Ana Patrícia Santos e Miguel Martins (apoio à produção editorial). Impressão: Grafedisport, impressão e artes gráficas, SA. Propriedade, distribuição e publicidade: CTA, CRL.

Teatro Municipal Joaquim Benite, Av. Prof. Egas Moniz, Almada Telefone: 21 273 93 60 | Fax: 21 273 93 67 | [email protected] www.ctalmada.pt | www.facebook.com/TeatroMunicipalAlmada

N . º 3 6 | J A N E I R O / J U L H O 2 0 2 0

ALMOÇOS: Terça a Domingo das 12h às 15h • JANTARES: Terça a Sábado das 19h às 21h30

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* Até um mês após o limite da validade

Em 2020, à beira de celebrar 50 anos de activi-dade, a Companhia de Teatro de Almada realiza quatro criações de textos de autores que atra-

vessam cinco séculos: William Shakespeare, Jonathan Swift, Ferenc Molnár e Elfriede Jelinek. Na primeira metade do ano apresentamos duas pe-ças que tocam os dois extremos deste arco tempo-ral. Já em Janeiro, Nuno Carinhas assina a sua pri-meira encenação nesta Casa, dirigindo Viagem de Inverno, de Elfriede Jelinek, a autora austríaca que venceu o Prémio Nobel da Literatura em 2004 e que o público em geral conhece de obras como A pia-nista, celebrizada no filme de Michael Haneke. Ins-pirada na atmosfera do famoso ciclo de canções de Schubert (Winterreise, de 1827), Viagem de Inverno constitui uma viagem interior, na qual Jelinek revi-sita a sua própria biografia. Partindo de episódios concretos da realidade do seu país, a autora tece um libelo contra alguns aspectos comuns à generalida-

de das sociedades contemporâneas: a promiscuida-de entre as esferas da política e da finança, a desu-manização das relações assentes no mundo digital ou a exploração da exibição do sofrimento humano pelos meios de comunicação. Em Abril, Peter Kleinert retoma a colaboração com a nossa Companhia, após ter dirigido em 2018 A boa--alma de Sé-Chuão. Desta vez, o encenador alemão aborda uma das mais divertidas ‘comédias de enga-nos’ de Shakespeare. Em Noite de Reis, ou como lhe queiram chamar, assiste-se ao elogio do prazer e à subversão dos valores tradicionalistas. Servindo-se de um enredo intricado, e de uma personagem tra-vestida que faz com que as paixões se precipitem em sentidos inesperados, Shakespeare cria um univer-so simultaneamente desordenado e celebratório, do qual só o puritano Malvolio é excluído no fim. A músi-ca ao vivo e o canto – marcas distintivas das criações de Kleinert – contribuirão para esta crítica aos fal-

sos paladinos da moral, num texto com quatrocentos anos de idade mas ainda tão nosso contemporâneo. Em 2020 apresentamos ainda três produções fora de portas, em digressões que partirão de Almada para Madrid, Lisboa, Alverca, Faro, Coimbra, Santo André, Almagro, Braga, Viana do Castelo e Porto. Da Programação que agora se inicia, voltam a fazer parte as entidades de criação nacionais que desde a abertura desta Casa têm sido nossas parceiras no serviço público de cultura que prestamos. A Compa-nhia Nacional de Bailado, a Orquestra Sinfónica Por-tuguesa, o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, o Teatro Nacional São João, o Teatro Nacional D. Maria II, e também a Orquestra Gulbenkian, constituem os esteios de uma programação eclética de teatro, mú-sica, dança e novo circo que, ao longo do ano, irá ao encontro de quem quiser cruzar-se com o prazer da fruição artística. Rodrigo Francisco

Clássico, moderno, contemporâneo.

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Quando agradece a entrega do Mühlheimer Dramatikerpreis, atribuído em 2011 a esta sua Viagem de Inverno, Elfriede Jelinek explica-nos como en-controu no texto de Wilhelm Müller, que Franz Schubert musicou, o pretexto para escrever sobre a perda de si, o estranhamento e o abandono a que

estão expostos os humanos. Nos seus oito movimentos, esta peça de teatro surge como um sismógrafo da actualidade que regista tanto as mínimas e insensíveis vibrações do inconsciente colectivo, como os tonitruantes escândalos da paisagem mediática contemporânea. Não que deparemos com uma obra realista que olha o Mundo sem pestanejar; pelo contrário, temos aqui um teste de esforço aplicado às representações da realidade, insidiosas na sua inocência aparente. Levando ao limite a linguagem que usamos quotidianamente, rasga-se a superfície lisa e óbvia com que a usamos todos os dias. Pensemos em palavras como casamento. Se o casamento pode ser um negócio, então também o negócio pode ser um casamento. A noiva que se embeleza, se mostra tentadora com negaças fingidas e com um dote imaginário, será tal-qual o banco falido que, através de fundações privadas que servem de «véus», maquilha a sua situação aflitiva, brincando com a concupiscên-cia e a suas auto-ilusões de conquista e posse do noivo, aqui um outro banco. As semelhanças não são pura coincidência: neste caso, todavia, o pretexto constituiu o escândalo do banco Hypo Alpe-Adria, que teve de ser nacionalizado para prevenir um colapso financeiro e que se dividiu depois para dar origem a dois novos bancos.

Se o tempo tem um espírito, encontramo-lo marcado pelas dores e pelas alegrias que, através da televisão, preenchem a esfera pública. Do desaparecimento à hi-pervisibilidade, a viagem de Natascha Kampusch surge aqui narrada por um coro de críticas, indignado e ressentido enquanto pergunta «por que se ouve uma ra-pariga que veio da cave mais alto do que nós?». «Como é que ela vai à televisão, quando, na realidade, nós é que devíamos ir?» A pervertida definição de opinião popular expressa pelas audiências, que torna essas «maiorias» indistintas no ár-bitro do verdadeiro e do justo, surge estimulada por um sistema de exploração da imagem e do sofrimento das pessoas apanhadas pela atenção mediática.

Através de psicanálise das redes sociais, conseguimos perceber por que elas che-gam a aparecer como mecanismo de fruição ilimitada, usado para compensar solidões egoístas e desilusões acumuladas. Os limites entre a vida e a fantasia diluem-se, desrealizando as experiências que vivemos («o que vem dali nunca foi real, e, contudo, são seres humanos»). Mais: desumanizando as pessoas que estão ali como nós, e vice-versa. Delas o que queremos é que estejam permanen-temente acessíveis, sempre prontas a satisfazer as nossas pulsões, sem sermos onerados sequer com a sua presença ou termos de nos preocupar com a sua vida além das imagens e palavras a que as reduzimos («carrega-se nalguns botões, introduz-se algumas linhas, introduz-se a palavra-passe, e eis que sai um homem a rastejar»). Numa sociedade virtual de disponibilidade absoluta a contrapartida é a descartabilidade acelerada dos relacionamentos ditos «humanos». Tudo é in-consequente, tudo se torna indiferente, como num «jogo de soma nula».

Vamos promover um país, enaltecer a sua gastronomia, gabar os costumes das suas gentes. Para os turistas certos temos «uma pista de esqui, uma praia, um ho-tel wellness, tudo isso podem esperar de nós e ainda muito mais». A turistificação da Áustria, com que impetuosamente se procura atrair estrangeiros que a visitem e se convertam em receitas, surge contrabalançada com o tratamento reservado a outros hóspedes anos atrás. Para esses estrangeiros, que se enganaram no tem-po em que visitaram a Áustria, nada lhes foi concedido, «não foram autorizados a ficar com nada, nem sequer as suas dentaduras, nem os seus óculos, nem o seu cabelo, nem as suas obturações dentárias». Lamentavelmente, estes antigos visitantes estão agora mortos. A hipocrisia da promoção turística, vista como a incapacidade de constituir uma crítica sobre si, pôde tornar-se na Áustria um tra-ço congénito, quase um tique inconsciente, porque assenta sobre a amnésia, o esquecimento incontinente do seu passado nacional-socialista.

Na sua descrição das espécies de alienação contemporânea, a escritora narra a viagem pela demência que conduz um pai de família, por entre os empurrões que a aversão e a vergonha da mulher e da filha lhe dão, a ser posto num lar em que se internam «loucos» e «débeis de espírito». Quando surge um perturbador «eu» para contar esta história do ponto de vista da filha, o texto cola-se, involuntariamente, à história da escritora, que assistiu de perto à descida à loucura do seu próprio pai.

Na sarcástica demolição da sacrossanta imagem do escritor como demiurgo com que termina esta obra, Elfriede Jelinek concede o protagonismo completo à lingua-gem, que tudo invade nesta superfície de texto – sem personagens, sem enredo, sem convenções teatrais. Realmente: hoje em dia, posta ao lado de esquiadores, a escritora desvanece-se, insignificante. A música de baile, projectada pelos altifalan-tes que celebram as estrelas desportivas, abafa por completo o realejo da escritora, sempre a repisar a «velha lengalenga». Esta lição de humildade trouxe-a dessa tra-dição vienense que levou, muitos anos antes, Karl Kraus a apresentar-se como sim-ples servo da linguagem – e a verberar sem piedade todos aqueles que pretendiam ser os seus amos. Numa época de volatilidade e corrupção das palavras e imagens, esta obra é um antídoto que procura, como este escritor austríaco tentara antes, tornar de novo «virgem» a linguagem «prostituta de todo o mundo».

Estranhos somos todos nós

Bruno Monteiro

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Numa época de volatilidade e corrupção das palavras e imagens, Viagem de Inverno é um antídoto que procura tornar de novo «virgem» a linguagem «prostituta de todo o mundo».

Texto de Elfriede JelinekEncenação, cenografia e figurinos de Nuno CarinhasCom Ana Cris, Flávia Gusmão e Teresa GafeiraTradução de António Sousa RibeiroDesenho de luz de Nuno MeiraSom de Andreia MendricoParticipação de Sara Carinhas

Companhia de Teatro de Almada____________De 24 de Janeiro a 23 de Fevereiro de 2020

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Sarah adaMopouloS

A vida dentro do teatro

O teatro dentro do teatro – assim se costuma chamar ao teatro cujo tema é o próprio teatro: os ensaios, os actores, o que se passa nos bastidores de um espectáculo de teatro, seja relativo à construção do espectáculo em si mesmo ou à vida paralela ao que acontece no teatro, e que no entanto

tudo precede e determina. Há, porém, uma outra realidade, mais ampla, e a que poderíamos chamar a vida dentro do teatro, isto é, tudo o que, representando es-tilhaços de um determinado tempo histórico ou fase de desenvolvimento de uma sociedade ou civilização, cabe numa criação teatral – dessa forma levando para cima das tábuas de um palco de teatro o que aconteceu nos palcos da comédia (por vezes trágica) humana. Vida que o teatro documenta, naquela que é de resto, e presentemente, uma das suas mais prevalecentes formas, tal como a afirmação do teatro documental, nas suas múltiplas formas, tem vindo a demonstrar.

Sejam quais forem os contornos dessa simbiótica relação entre a vida e o teatro, a ela se deve o facto de o teatro ser uma arte viva: não apenas porque cada repre-sentação teatral é única – efémera, irrepetível –, mas porque o teatro permanece o grande espelho primitivo no qual todos podemos ver-nos na nossa humanidade partilhada (quer olhemos para ela como extremamente defeituosa ou como uma emanação sempre espantosamente bela e múltipla da nossa natureza). O que não diz pouco sobre o papel desempenhado pelo teatro dentro da vida. Talvez a vida só se torne verdadeiramente visível no teatro, o lugar de onde se vê, tal como nos diz a etimologia da palavra teatro. No teatro que expõe o que nos é ocultado ou que por vezes procuramos não ver. No teatro que mostra o passado que há no presente. No teatro que se recusa a fazer de conta. No teatro com as suas imperfeições humanas, sem remasterização, incerto e arriscado como a vida, inquieto como os artistas.

Pela mão de Tiago Rodrigues, Sopro abre um pequeno ciclo sobre o teatro dentro do teatro na programação para 2020 do Teatro Municipal Joaquim Benite, num espectáculo de forte compleição documental, pelo que transmite em matéria de memória sobre a História do teatro português. Tem por protagonista e substân-cia-prima a vida de uma profissional cujo ofício praticamente não existe já en-quanto tal (tendo sido paulatinamente suprimido pelos cortes orçamentais que o tornaram luxuoso, imagine-se, e muito embora essa função prossiga sendo necessária nos processos do teatro de texto): a do ponto, a pessoa que, enfiada nos interstícios do palco, costumava soprar o texto que faltava na memória do actor. Eis um espectáculo de texto novo (escrito e encenado pelo Prémio Pessoa de 2019) sobre um ofício velho, inspirado na vida de uma guardiã da memória do Teatro Nacional D. Maria II: Cristina Vidal, que o actual director do TNDMII desafiou a subir à cena pela primeira vez.

Romancero Gitano, numa releitura do famoso poemário de Lorca dedicado à cul-tura cigana andaluz, celebra a eternidade das tradições olhadas por um poeta maior. Marcados pela paixão, sensualidade, sentido trágico e simbolismo, estes poemas-canções evocam a alma cigana andaluz enquanto arquétipo da liberdade. «Ainda que lhe chame cigano, o romanceiro é sobre a Andaluzia, e chamo-lhe ci-gano porque cigano é o que encontro de mais elevado, de mais profundo, de mais aristocrático no meu país, o que encontro de mais representativo do seu modo de ser, o que preserva a sua ardência, o seu sangue e o alfabeto da verdade andaluz», disse Lorca. O espectáculo evoca a conferência que Lorca fez sobre estes poemas em 1935, apresentando-os e comentando-os em público. A encenação de Lluís Pasqual põe a palavra – o seu sentido, a sua sonoridade, as imagens que oferece – no centro deste teatro. Uma proposta que ilumina a personalidade e voz únicas de Nuria Espert, que passa por Almada para nos brindar com o seu superlativo senti-do musical do verso, ao jeito de Lorca dizendo os seus poemas para os seus ami-gos, no que constituía uma experiência quase mística, de grande incandescência.

Talvez a vida só se torne verdadeiramente visível no teatro, o lugar de onde se vê, tal como nos diz a etimologia da palavra teatro.

O passado: um lugar cheio de vidaDe Win Wells, com encenação de Fernanda Lapa, Gertrude Stein e acom-panhante é um espectáculo que, mais do que revisitar a vida da escritora e da sua companheira Alice Babbete Toklas, realiza uma espécie de viagem ao passado da Paris entre guerras, no qual o palco é um lugar de reencon-tro entre mortos e vivos. Pela Escola de Mulheres, apresenta-se a 29 de Fevereiro e a 1 de Março, na Sala Experimental. Evocando mentalidades de um tempo que talvez não tenha ainda suficientemente evoluído (assim parece evidenciar o crescente processo de recomposição de uma antiga estrutura social), levando para palco o Estado Novo, A Grande Emissão do Mundo Português mostra como funcionava a máquina de propaganda que assegurou longa vida ao fascismo português, difundindo e celebran-do um retrato do País mirífico e totalmente delirante – basta pensar que esse país imaginário ia do Minho a Timor. Pelo Teatrão, encenado por Isabel Craveiro, sobe a cena a 14 e a 15 de Março, na Sala Experimental.

Os Artistas Unidos levam a Almada Uma solidão demasiado ruidosa, de Bohumil Hrabal, um monólogo pujante que nos transporta para o am-biente amarelecido da Checoslóvaquia de Kafka, símbolo universal do ab-surdo existencial «que chega nestes nossos dias ao pico do seu horrendo desenvolvimento». Em cena na Sala Experimental a 3, 4 e 5 de Abril.

Criado a partir de cinco dramoletes de Harold Pinter, Hot Tea aborda a inadequação da racionalidade para entender a falta de sentido da condição humana, da prepotência exercícida sobre os indefesos, do absurdo do quoti-diano e do vazio existencial. Assentando naqueles que foram os grandes te-mas de Pinter – entre os quais a violência dos Estados sobre os indivíduos –, eis um punhado de histórias afinal tão actuais. Com dramaturgia e encena-ção de Mário Primo, sobe ao palco da Sala Experimental a 16 e 17 de Maio. Prosseguindo com os pés bem assentes na vida, Instruções para abolir o Natal, pela Companhia de Teatro do Algarve, abre o pano pesado que cobre o mecanismo obscuro e afinal frágil da máquina do sistema económico mun-dial, através de duas personagens apanhadas no turbilhão do seu colapso e na implosão das suas próprias vidas. Com texto de Michael Mackenzie, encenação de Isabel Pereira dos Santos e contando com a interpretação de Luís Vicente, apresenta-se a 23 de Maio, na Sala Experimental.

Casal Aberto, de Dario Fo e da sua mulher Franca Rame, escrito em 1982, não apenas desafia o modelo monogâmico imposto por uma or-dem social e política que coloca a necessidade de constituir família no centro da relação humana e atribui papéis instrumentais a cada elemen-to, como vai bastante mais longe e pousa os olhos nas relações de poder que determinam as dinâmicas relacionais violentas da maioria dos ca-sais. Pelo Cegada, com encenação de Rui Dionísio, apresenta-se a 30 e a 31 de Maio na Sala Experimental.

Sopro, a 10 e 11 de Janeiro, na Sala Principal

Romancero Gitano, com Nuria Espert, a 7 de Março, na Sala Principal

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Dos 5 Cs à “perdição” estética e criativa

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A importância das artes na educação, e de-signadamente na escolaridade básica e se-cundária, é quase um lugar-comum retórico. Parece existir um consenso sobre esta im-

portância mas, na realidade, a sua existência tem vin-do, desde há décadas, a ser cada vez mais reduzida e descontínua. A proposta recente do Plano Nacional das Artes para 2019 – 2029 (v. Resolução do Con-selho de Ministros nº 42/2019) é, por isso, um sinal francamente positivo. De facto, a evolução do Mundo torna essa educação cada vez mais necessária para o desenvolvimento de competências consideradas indispensáveis para o futuro – desconhecido, incer-to, “líquido” – dos actuais alunos. A revolução tec-nológica que vivemos e as suas consequências sobre o mundo do trabalho e sobre todos os aspectos da nossa vida; as alterações climáticas, com o extremar de catástrofes e a consciência da urgente mudança de comportamentos; as alterações demográficas, de-signadamente com o enorme aumento da longevida-de, exigindo cuidados de saúde e bem-estar físicos e mentais; a globalização económica e financeira, tornando o funcionamento do Mundo mais complexo e opaco à nossa compreensão – tudo isto são mu-danças tão grandes e tão aceleradas que a educação surge cada vez com maior centralidade, mas também exigindo um repensar profundo e constante.

Um mundo tão complexo, tão desconhecido, tão in-certo requer acima de tudo criatividade, flexibilida-de, gosto e capacidade de aprender. As previsões anglo-saxónicas para as principais competências a desenvolver sintetizam-nas nos quatro “Cs” que cor-responderiam às capacidades de colaboração, comu-nicação, crítica e criatividade. A língua portuguesa permite-me acrescentar-lhe uma outra, como que

Num momento em que as desigualdades sociais se agravam, os conflitos se multiplicam e a democracia e os Direitos Humanos parecem cada vez mais ameaçados, as artes inquietam-nos, tornam-nos mais conscientes, fazem-nos pensar e sentir com os outros, dão-nos vontade de lutar contra a apatia e a indiferença.

base daquelas: confiança. É preciso que crianças e jovens tenham confiança em si e nos outros, sejam capazes de comunicar bem em várias “linguagens” (oral e escrita, certamente, mas também visual, musi-cal, dramática…), de colaborar (trabalhando e apren-dendo uns com os outros), de ter pensamento crítico (e auto-crítico) e uma grande criatividade. Ora, estas competências desenvolvem-se em todas as aprendi-zagens e não apenas nas Artes – nas Ciências como nas Línguas ou na Matemática. Infelizmente, os re-sultados dos alunos portugueses nos testes interna-cionais, embora médios e em franca melhoria, são especialmente fracos nas questões que exigem maior imaginação, capacidade de resolução de problemas e criatividade. Por outro lado, sabemos como o desem-penho escolar dos alunos portugueses está marcado pelo seu meio socio-económico e sociocultural de ori-gem. E sabemos também como a frequência cultural e a prática artística são factores socialmente diferen-ciadores. As artes no currículo escolar, com o mesmo peso e importância do das disciplinas que privilegiam o pensamento lógico-dedutivo são, assim, também uma questão de justiça social e, para muitos, a única via de acesso à fruição artística.

As Artes ao longo de toda a escolaridade obrigatória garantem um espaço para o desenvolvimento dos “5 Cs”, valorizando outras formas de estar e de pensar, reconhecendo o papel das emoções na aprendizagem e combinando memória e imaginação (A. e H. Damásio, 2006). Poderão ser ainda um factor de transformação da escola! Segundo estudos levados a cabo no Reino Unido pela Universidade de Nottingham, em 2015, nas escolas envolvidas no projecto “Creative Partners” ve-rificaram-se os seguintes efeitos: aumento da frequên-cia das aulas, da motivação e empenho dos alunos;

Para o primeiro semestre de 2020, o Teatro Municipal Joaquim Benite programou 7 espectáculos para a infância. Quer se trate das produções próprias da CTA ou de espectáculos acolhidos, para saber quais e quando consulte a programação na contracapa ou o nosso Programa da Temporada para 2020, disponível em ctalmada.pt

melhoria das aprendizagens e das competências so-ciais. Também o projecto Cultural Values, apoiado pelo Arts and Humanities Research Council, registou os im-pactos benéficos das artes na educação: aumento da confiança, motivação e dos comportamentos pró-so-ciais, assim como das competências cognitivas. Suge-ria ainda que as artes criam hábitos mentais, como o prosseguir de interesses, a curiosidade e a persistên-cia (Durham Commission on Creativity and Education, Durham University e Arts Council, England, s.d., p. 84).

Mas o papel das artes pode ser ainda mais significa-tivo. Num momento em que as desigualdades sociais se estão a agravar, os conflitos se multiplicam e a de-mocracia e os Direitos Humanos parecem cada vez mais ameaçados, as artes inquietam-nos, tornam-nos mais conscientes dos problemas, fazem-nos pensar e sentir com os outros, dão-nos vontade de lutar contra a apatia e a indiferença. Recordo como a Companhia de Teatro de Almada levou à cena, em 2016, a peça Migrantes de Matei Visniec, e como este afirmou, em entrevista: “Se queremos que o Mundo perdure, seja sustentável e cada vez mais livre e igualitário, com mais justiça social e mais diversidade cultural, neces-sitamos de uma nova revolução, uma Revolução da Solidariedade”. É também para o desenvolvimento da empatia, da solidariedade e da vontade de melhorar o Mundo que as artes na educação são necessárias.

Finalmente, a aprendizagem das artes poderá condu-zir, parafraseando F. Savater e a sua “perdição literá-ria”, a cidadãos cuja “perdição” seja desejavelmente estética e criativa!

A autora dedica este texto à memória do Prof. Arquimedes da Silva Santos, recentemente falecido e que foi a alma e o men-tor do movimento da Educação pela Arte em Portugal.

Maria eMília Brederode SantoS

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Moralidade? A condição do Homem: criança, homem, marido, idoso, o Mundo será sempre para nós igual, faça chuva ou faça vento. Com música para cada momento.

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Em Shakespeare, que li todo (é verdade, num ensaio que escrevi como trabalho final para o Prof. Moser, na Faculdade de Letras, e que incidia sobre A Música das Esferas), procurei, em cada peça, de que modo a música, desde o Harmonioso Platão, tinha incidências trágicas ou felizes

na dramaturgia do maior, e mais misterioso ainda, criador teatral do século XVI inglês. Ele existia? Era ele ou um seu alter ego que escrevia tudo, e ia beber em núcleos históricos, populares? Escrevia sozinho ou em conjunto com os seus actores, amigos mais próximos, perto do povo ou da côrte e seu apelo? Espírito universal, tudo lhe interessava e transformava em matéria de criação, como num dos seus mais desafiantes textos, A Tempestade, não por ser o último, mas por ser aquele em que define o seu conceito do que é a humanidade, a espécie hu-mana, o “pequeno mundo” de que virá Goethe, amante das suas Obras e já bom conhecedor (pois tinham sido traduzidos por Wieland para alemão), recuperar alguns dos seus conceitos no Wilhelm Meister e no Fausto.

A Noite de Reis, dir-se-á, pretende ser variante de comédia de enganos, com situações mais cómicas do que tragicómicas, duplos, disfarces e partidas que pouco farão sofrer, antes de se chegar ao final que resume, mesmo assim, uma moralidade: o bom tom exige... No primeiro acto, a música perpassa, mas é logo ultrapassada por outro sentimento: o do Duque Orsino, que manda afastar os músicos, enquanto comenta: se a música é o alimento do amor, continuem; dêem-ma em excesso, para que o apetite que tenho dela acabe por morrer. Está a referir-se ao seu amor, que já não é o mesmo, por Orsina, amada que perdeu de vista, e que o perfume da música já não lhe traz de volta. Desvia então o discurso para o espírito do amor, “rápido e fresco”, como diz, e tão rapidamente perdido, num suposto naufrágio. A música, que enleva, o amor, que se julga perdido e faz sofrer. Entrámos assim numa trama, que será como a das comédias de enganos: vai oferecer ao público um pouco de tudo, mas acima de tudo intriga previsível e distracção saborosa, em tempos por vezes bem cruéis. Uma ilha em que se naufraga tem algo de paradisíaco. Liberdade, esperança, e fantasia, de que as almas sofridas ou o mundo cruel se afastem ou corrijam para sempre. A ilha é um espaço de utopia. Encontro esta mesma expressão n’A Tempestade:

A ilha está cheia de barulhos,Sons, doces árias, que deliciam e não fazem doer.Oiço por vezes mil instrumentos de cordasE oiço vozesQue ajudam a adormecer.

Aqui temos uma ilha que é um paraíso de harmonia musical, mas não se pode esquecer que tudo obedece ao comando de um mágico, Próspero, rei deposto dos seus direitos, que em breve serão recuperados, e ele próprio, antes dese-jando oferecer felicidade que vingança, abdicará dos seus poderes de feiticeiro, regressando à condição humana natural. Não há quem não tenha decorado, para sempre, se leram esta obra magistral, o célebre verso:

Nós somos a matériaDe que os sonhos são feitos.E a nossa pequena vidaEstá rodeada por um sono. (v.157)

Na Noite de Reis, as confusões vão sendo esclarecidas, como seria de bom tom, numa peça de teatro, e ainda mais numa de entretenimento. Não se discutem conceitos mais profundos, como o do ser primitivo (Caliban), nascido e protector da natureza de que nasceu, e embora com selvajaria tanto ame, contrariando a varinha “ordenadora” de Próspero que o subjugou. Agora, nesta peça, é na boca do Bobo que a conclusão moral se tira. Algo muito comum, ser o louco a dizer as verdades que se impunham, pois a um louco tudo se permitia, e Shakespeare não se esquece de aproveitar, no meio de tanta música alegre, para impôr o seu olhar mais filosofante. Desfeitas as confusões, a peça chega ao fim. E com uma canção, tal como poderia ter começado, de gosto mais popular:

Noite de Reis, uma comédia feliz

Quando eu era rapazinho pequenoCom um “ei, ou”, ao vento e à chuva,Uma coisa de nada era brinquedo,Que do céu todo o dia cai a chuva.

Mas depois que homem feito me torneiCom um “ei, ou” ao vento e à chuva,Aos ladrões vi trancar a porta à grei.Que do céu todo o dia cai a chuva.

E quando, ai de mim!, vim a casar,Com um “ei, ou”, ao vento e à chuva,A gabar-me nunca soube eu medrar,Que do céu todo o dia cai a chuva.

E quando sobre a cama me abatiCom um “ei, ou”, ao vento e à chuva,O álcool na cabeça revolve,Que do céu todo o dia cai a chuva,

Há muito que o mundo começou,Com um “ei, ou”, ao vento e à chuva,Mas é igual, que a peça acabou,Queirais vós mostrar-nos que agradou.

Moralidade? A condição do Homem: criançahomemmaridoidosoo mundo será sempre para nós igual, faça chuva ou faça vento.Com música para cada momento.

Impossível não chamar a atenção, como faz René Girard em William Shakespea-re, a Theater of Envy, para um pormenor que se vai tornando evidente à medida que mais lemos peças de teor semelhante, em que os personagens se vão as-semelhando, perdendo parte da sua identidade quando o processo mimético se acentua e desenvolve. Direi que se nota muito especialmente nesta Noite de Reis, ainda que sem a nota caricatural de outras peças. Shakespeare regressa aqui ao jogo dos gémeos Viola e Sebastian, fazendo deste modo uma espécie de des-construção de significados e diferenças, que eram muito usuais e iam retirando, afinal, interesse à narrativa apresentada. Este artifício já o nosso autor o tinha utilizado em The Comedy of Errors (inspirado em Plauto). A questão central não será tanto a da duplicidade, confusões divertidas e erros — mas antes a da re-lação de um eu que se encontra num outro que afinal é ele mesmo, em situação de centrípeto egoísmo, que o desejo (que Girard define como Envy/desejo de ser o outro) encapotadamente conduz.

Texto de William ShakespeareEncenação de Peter KleinertCom Carolina Dominguez, Érica Rodrigues, Ivo Marçal, João Farraia, João Tempera, Leonor Alecrim, Pedro Walter e Teresa GafeiraTradução de António M. FeijóCenografia de Celine DemarsFigurinos de Ana Paula RochaDesenho de luz de Guilherme Frazão

Companhia de Teatro de Almada____________De 17 de Abril a 17 de Maio de 2020

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Poucos artistas ainda no activo assistiram tão de perto à evolução da músi-ca pop portuguesa como Paulo de Carvalho, que sobe ao palco do Teatro Municipal Joaquim Benite a 1 de Fevereiro. Nasceu em Maio de 1947 e, na primeira metade da década de 1960, foi um dos fundadores dos Sheiks,

ao lado de Fernando Chaby, Carlos Mendes e Jorge Barreto. Chamaram-lhes os “Beatles portugueses”, por algumas semelhanças estéticas, pela histeria que ins-piraram, porque tentaram trazer para o Portugal cinzento de então a cor e energia pop da Swinging London dos 60s, mas passados poucos anos a sua história che-gou ao fim. A de Paulo de Carvalho estava apenas a começar. Aos Sheiks, que se reuniriam mais tarde, seguiram-se a Banda 4, o projecto Fluído e uma passagem pelo Thilo’s Combo, antes de tentar a sorte sozinho. Estreou-se a gravar em nome próprio em 1971 e, depois de umas quantas participações, venceu o Festival da Canção pela primeira em 1974, com E Depois do Adeus, que viria a ser uma das se-nhas da Revolução de Abril do mesmo ano. Voltaria a ganhar o Festival em 1977, com o grupo Os Amigos e a canção Portugal No Coração, da autoria de Ary dos Santos e Fernando Tordo. Participou outras vezes no Festival. Não voltou a ganhar, apesar de ter sido um dos autores da canção A Cidade (Até Ser Dia), de Anabela, que venceu em 1993. Antes e depois de Anabela, escreveu para mais cantores, como Carlos do Carmo, Simone de Oliveira, Martinho da Vila ou Mariza, entre ou-tros. Paralelamente, continuou a cantar e a fazer os seus próprios discos, desdo-brando-se por diferentes géneros, incluindo o fado e outras músicas do Mundo. O mais recente, Duetos, saiu em 2017 e recupera canções icónicas como Os Putos, Nini Dos Meus Quinze Anos ou Lisboa Menina e Moça, que Paulo partilha com can-tores como Camané, José Cid ou Carlos do Carmo, entre outros.

O nome dos Tais Quais, que tocam a 22 de Fevereiro no Teatro Municipal Joaquim Benite, pode não dizer tanto à maioria como o de Paulo de Carvalho, mas muitos dos nomes que compõem a banda são conhecidos de todos. O projecto nasceu da cabeça de João Gil e da candidatura do cante alentejano a património imaterial da Humanidade em 2014. O músico dos Trovante e outras aventuras tinha sido convidado para fazer um concerto de apoio à candidatura, em Serpa, e decidiu rodear-se de intérpretes com alguma ligação ao Alentejo. Convocou Vitorino, Tim, Jorge Palma, Celina da Piedade, Paulo Ribeiro, Sebastião Santos (filho de Tim) e o comediante Jorge Serafim. Era para ter sido só uma data, mas correu tão bem que o grupo quis continuar a encontrar-se e a tocar. O primeiro álbum, Os Fabulosos Tais Quais, surgiu passado um ano, fruto dessa afinidade partilhada pelos canta-res do Alentejo, que eles actualizam, reimaginam e aproximam da pop. O segundo foi gravado Ao vivo no Tivoli (é este precisamente o seu título), já sem Jorge Pal-ma, que entretanto deu por si sem tempo para o grupo e foi substituído pelo filho, Vicente Palma. O terceiro disco, As Novas Aventuras Dos Tais Quais, saiu no ano passado e é uma continuação do trabalho iniciado cinco anos antes. São as suas canções pop alentejanas que vamos ouvir em Almada.

Não é só a história dos Tais Quais que começa com um concerto. A dos Cais Sodré Funk Connection também. Aliás, com vários concertos. Antes sequer de haver a ideia de gravar um disco, o noneto era a banda residente do Musicbox. Nas suas fileiras, estavam e estão músicos com muitos anos de carreira noutros grupos e ao lado de outros artistas, que na sala do Cais do Sodré assumiam o seu amor pela soul e o funk das décadas de 60 e 70, que conheciam a fundo. No resto do tempo podiam tocar hip-hop, rock, fado, música popular, mas naqueles momentos de jú-bilo não existia nada além da soul e do funk. Hoje, os concertos são apenas uma parte da actividade dos Cais Sodré Funk Connection. Em 2012 lançaram o disco de estreia, You Are Somebody. Em 2016 saiu Soul, Sweat & Cut The Crap, e o terceiro disco chegou em Maio de 2019. Chama-se Back On Track, vai ser tocado a 21 de Março na Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite e é o mais recente ca-pítulo de uma história que o noneto continua a fazer questão de partilhar connosco. Afinal, a sua música é uma festa, é para ser partilhada, celebrada, vivida.

Tudo isto é pop

A música pop portuguesa pode assumir diversas formas. Paulo de Carvalho, Tais Quais e Cais Sodré Funk Connection provam isso mesmo ao longo dos próximos meses no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada.

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Paulo de Carvalho apresenta-se a 1 de Fevereiro

22 de Fevereiro: Tais Quais

Cais Sodré Funk Connection tocam a 21 de Março

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O título deste texto está incompleto, reparou bem. Trata-se de um piscar de olho ao título em suspenso do meta-romance de Italo Calvino, Se numa noite de Inverno um viajante. Tal como essa original narrativa, sempre re-começada, reinventada e inacabada, também este programa de concertos

oferece ao público o recomeço uma e outra vez, em exercício obstinado. Um se-mestre de uma temporada anual com apenas dois concertos? Mas e se em meia--temporada o público pudesse, em tão curto espaço, experimentar uma miríade de miniaturas que se cruzam, sobrepõem e anulam mutuamente, dando a impressão de não serem dois, mas três, quatro, perdi-lhes a conta, concertos? Tal como O Lei-tor e A Leitora de Calvino, também o nosso público sentirá que, por razões que lhe são desconhecidas, este par de concertos se multiplicaram como a luz brilhando através de um prisma. Poderá jurar que esteve em muitas paragens sem na verdade ter saído deste lugar. Pois bem, venha então daí, rumo a este périplo único.

O primeiro passo é dado pela Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Paolo Borto-lameolli, no dia 17 de Janeiro. Este primeiro concerto apresenta-nos um bouquet de cores e perfumes de inusitada variedade, subordinados a um curioso denominador comum: eis um programa totalmente preenchido pela dança, essa forma primeva de celebração da vida e de encontro do corpo com os sons. Começamos a partir do fol-clorismo andaluz de Manuel de Falla, de onde passamos para o pastiche neoclássico de Stravinsky, que em 1920 imagina um bailado a partir de velha música napolitana do século XVIII, quando na verdade recicla, sem o saber, partituras não apenas de Pergolesi, mas também de ilustres desconhecidos como um diplomata holandês, o conde van Wassenaer, ou o prelado milanês Carlo Ignazio Monza. De um compositor criado em São Petersburgo para outro, recuamos ao teatro da corte imperial russa para mais uma suite de um bailado — desta vez o Quebra-Nozes — famosa pela va-riedade das suas miniaturas, que são como um menu de degustação composto por pequenos pratos contrastantes que se sucedem: a Dança Russa, a Dança Árabe, a Dança Chinesa, e claro, a inevitável Dança da Fada do Açúcar, que também assinala o simbólico nascimento de um novo instrumento na família orquestral, a celesta. A viagem já vai rica, mas ainda não nos é permitido parar. Com um passo ao compasso ternário da Valsa Triste de Sibelius, chegamos às últimas paragens deste périplo, que nos deixam pela região de Galanta, local onde se cruzam influências boémias, húngaras e balcânicas, com toda a luxuriante riqueza da diversidade que daí advém.

No dia 24 de Maio a Orquestra Sinfónica Portuguesa dá-nos, sob a direcção de Joana Carneiro e com as vozes de Ana Quintans e Julien Van Mellaerts, o prome-tido segundo concerto. Desta vez temos não um serão de danças, mas um recital de poesia. Com música de Mahler, ouviremos um conjunto de doze canções a partir de poemas tão diferentes entre si que a única característica comum que partilham é terem sido publicados sob a mesma capa: Des Knaben Wunderhorn, em português A trompa mágica do rapaz, uma colecção de poesia popular alemã coligida por Achim von Arnim e Clemens Brentano publicada no início do século XIX. Um exemplar dessa colectânea, pertencente ao compositor Carl Maria von Weber, acaba nas mãos do próprio Mahler em 1887 e, durante 14 anos, o com-positor extrairá desse volume a poesia para todas as canções — excepto uma — que irá escrever. Estas canções escapam a qualquer definição, oscilando, de forma perniciosamente intencional, entre panoramas sempre contrastantes: do êxtase para o infantil, do sagrado para o grotesco, muitas vezes de forma abrup-ta e imediata. No seu conjunto são um retrato fiel do modus faciendi de Mahler, que sempre pendeu para mais do que um prato da balança ao mesmo tempo. E assim, em cada poema, um recomeço, um caminho novo que se abre. E em cada caminho, uma estrada a que não vemos o fim. A interpretação destes textos, ricos em subtilezas, jogos de palavras e duplos sentidos, é de novo esse prisma que transforma o feixe de luz em caleidoscópio. Juntar-lhes a música de Mahler, que se desenvolve rente ao texto, comentando e seguindo-o em cada pequena curva do percurso, é um luxo para os ouvidos e a mente, para ouvintes e leitores.

Eis um par de concertos com danças e poesia que se multiplicam como a luz brilhando através de um prisma. Um programa que oferece ao público o recomeço uma e outra vez, em exercício obstinado.

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Se num semestre o público

Joana Carneiro dirige a OSP a 24 de Maio

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Paolo Bortolameolli dirige a Orquestra Gulbenkian a 17 de Janeiro

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Manuel S. FonSeCa

No começo de O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena, há um cavaleiro de erecto corpo. Irrompe numa paisagem que um sol muito alto incendeia de crepitações e vem, o que só deduzo pelo que a epígrafe do Padre Manuel Bernardes insinua, livre da consciência do pecado mortal. A

pintora Mariana Viana, que ilustrou a edição dourada do livro de Jorge de Sena, apeou o cavaleiro e deixou erecto um cavalo de que nos dá a ver, mais do que o corpo, a alma tracejada e tricolor: a alma de um cavalo é assim, e segundo Mariana Viana, uma alma loura que o vento semeia de traços negros e inad-vertidas manchas brancas. O vento que, a páginas 14 e 15, sopra nessa ilus-tração, desenha uma árvore que estende a oeste, numa inclinação unilateral, obsessiva e alarmante, todos os ramos e cada folha. Mas vejam antes o que o meu olhar tenta ignorar: o azul flagrante que corre pelas duas páginas, escu-recido e espesso nas margens, quase translúcido no meio da «chapa metálica» – palavras de Sena – esse rio que deteve o cavaleiro e o convida ao «antegosto do banho prolongado». Mariana Viana, despedindo-se de Sena, inventou no rio um túnel do tempo e é nele que desenha e dá rosto ao cavaleiro de cabelos que roubaram a cor à loura alma do cavalo.

Na sua reconstrução de O Físico Prodigioso, Mariana tem a mesma mão fiel e olhar infiel de Botticelli a reconstruir a Anunciação ou de Caravaggio a recons-truir a Captura de Cristo: tradição da pintura, mente para dizer a verdade. O cavaleiro banha-se num vórtice desse rio que termina em garra e que talvez seja só, na sua limpidez azul, um braço satânico. E banha-se vestido, presumo, na cabeça o gorro vermelho que lhe confere inocência e poderes. A nudez com que Sena o mergulha nas águas, guardou-a Mariana Viana para a ilustração da página 20. É uma nudez pós-coital, lavada de pecado, longilínea, os louríssimos cabelos já sem o gorro vermelho, o peito e ventre lisos, o manso e delicado pé-nis, que um humilde risco de lápis traçou, e, surpresa, o revolto volume da púbis, encarapinhados pêlos negros que contrariam e desmentem a loura cabeleira. Rimbaudiana nudez heliotrópica sobre azul: uma tormentosa massa de água, tumultuosa mistura de azuis, a fazer de cama e almofada ao corpo em sossego que, uma vez mais, contraria o corpo que, pulando e saltando, Sena tinha posto no rio a esfregar-se violentamente.

Em 21 ilustrações, a azul de rio e vermelho de sangue, a triângulos de escuros pêlos, seios, maçãs maduras, nádegas e um luto de negríssimo azul, cavalos e Eríneas, corda de enforcado e asas de anjo, Mariana Viana reconstruiu o Físico Prodigioso por obra e graça de uma figuração realista e um véu surreal de mis-tério e de sugestão. A páginas 142 e 143, Mariana agarra na população de Sena que invade as ruas e inventa uma multidão ectoplásmica, munchiana, de rostos comprimidos por vivos vestígios de azul, multidão de faces sem corpo que, digo eu, Mariana Viana roubou ao nosso tempo mais do que a Sena, carregando-a de culpa apocalíptica, que nenhuma roseira de sangue e leite pode já redimir. Eis o Físico que, pela mão e olhar de Mariana Viana é, hoje, o nosso amor em visita.

Na exposição que conceberá para o mês de Abril na Galeria do TMJB, António Lagarto propõe-se dar o arriscado passo de revelar aquilo que não é costume mostrar-se: visitar esse espaço da dúvida, de ensaio (e muitas vezes de angústia) onde se geram as suas cenografias, os seus

figurinos. De que forma nos entreabrirá o criador a porta da sua oficina? Que meandros encontrará para, revelando-se, ocultar-se? Será sincero este jogo de exposição que nos propõe, ou mais uma prestidigitação de quem não tem feito outra coisa se não, a um tempo, revelar-se e esconder-se por detrás daquilo que cria? O próprio artista diz (pouco) ao que vem, quando lhe pedimos que nos contasse o seu Regresso ao estirador:

«Por detrás da obra “finita” e pública, está (quase) sempre um estado de caos e dúvida metódica, um tempo em que se tenta desesperadamente encontrar o melhor modo de dar visibilidade a um conceito que transmita, de modo claro, um texto ou uma ideia dos seus autores – desde o escritor ou compositor, ao ence-nador ou ao cenógrafo/figurinista. Esta exposição é sobre aquele lado do traba-lho de cenógrafo e figurinista que é sempre o mais privado. Um deambular em torno do acto criativo e da sua vertente obsessiva, do momento de concepção, até à concretização, implementação e realização. Nesse processo, o trabalho ao estirador, o livro de anotações, os esquissos, os desenhos, o computador ou o tablet são parte integrante do processo. Serão esses vestígios o que agora se abordará e mostrará.»

O artista não arrisca: promete-nos “esquissos” e “desenhos”, mas fala-nos tam-bém de “computador” e, mais modernamente, de “tablet”. Adensa-se o mistério, portanto. Podemos ainda apelar a quem o conhece melhor e tem reflectido sobre a sua obra. É o caso de Eugénia Vasques, que escreveu sobre António Lagarto, aquando da homenagem que lhe foi feita no Festival de Almada em 2017:

«O nome de António Lagarto distingue-se, no quadro da criação cenoplástica contemporânea, por um conjunto de características patentes em palavras, assi-naladas por outros artistas, como “gigantismo”, “grandioso”, “rigoroso”, “sensí-vel”, “audaz”, “luminoso”, “arquitectural”, “construído”, “poético” e “simbólico”. Colocado, esteticamente, na nova geração dos anos 80, a sua linguagem afirmou--se como uma atitude estética que reclama, para a cenografia, para os figurinos e para a criação plástica tout court, um lugar de autonomia autoral. O que para mim torna identificável a linguagem estética de António Lagarto no quadro do teatro em Portugal é uma espécie de “exterioridade” que lhe advém de dois lugares dis-tintos. Por um lado, António Lagarto é, com Ricardo Pais – com quem formou par-ceria de criação durante largos anos –, um dos “estrangeirados” que, depois do 25 de Abril de 1974, regressou ao país com formação e vivência londrinas. Esse quadro inicial de referências (RoseLee Goldberg, Bernard Tschumi, Nigel Coates e os “London Conceptualists”, etc.) afirmou-lhe uma genealogia de pertença (a performance art) e um diferenciado posicionamento político-cultural que se dis-tinguiu das muitas experiências de exílio marxistas-leninistas-maoistas da nossa partilhada geração. Por outro lado, há na sua obra plástica uma como que não-in-terioridade, uma objectividade (no sentido expressionista), que, ainda quando re-vela sonho, memória ou algum tipo de subjectividade (dramática), sublinha mais o ponto de vista do criador que interpreta do que o do artesão ao serviço de uma encenação ou coreografia que se recusa a ilustrar.» (Eugénia Vasques sobre António Lagarto, in «Inventor de esculturas no espaço», escrito por ocasião do 34.º Festival de Almada).

Azul de rio,vermelho de sangue

Regresso ao estirador

Exposição de António Lagarto17 Abril a 14 Junho — quinta a sábado das 19h às 21h30 | domingos das 13h às 17hGaleria de Exposições

Exposição de Mariana Viana em colaboração com Kátia Sá24 Janeiro a 29 Março — quinta a sábado das 19h às 21h30 | domingos das 13h às 17hGaleria de Exposições

Há na sua obra plástica uma objectividade expressionista que sublinha mais o ponto de vista do criador que interpreta do que o do artesão ao serviço de uma encenação ou coreografia que se recusa a ilustrar. (Eugénia Vasques)

Em 21 ilustrações, Mariana Viana reconstruiu O Físico Prodigioso de Jorge de Sena por obra e graça de uma figuração realista e um véu surreal de mistério e de sugestão.

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Cláudia galhóS

A dança não poderia faltar na programação do 1.º semestre de 2020 para o Teatro Municipal Joaquim Benite. Em Fevereiro, Olga Roriz leva a Almada Autópsia. Em Março, para a Companhia de Dança de Almada, Bruno Duarte apresenta Inverno. E em Maio, os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado Miguel Ramalho, Xavier Carmo e Henriett Ventura mostram as novas criações do projecto Trabalhos de casa.

Em Autópsia há um confronto, nem sempre apaziguador, entre o corpo hu-mano e o universo, mas os extremos mais radicais suscitados para a dança estão entre essa ínfima poeira que somos perante o cosmos, assim como na mais pequena molécula do organismo humano perante a entidade fí-

sica do todo que constitui um corpo. Olga Roriz consegue este confronto por via de um recurso antigo, e até convencional, da composição de dança: o jogo entre momentos de grupo, a abrir e fechar o espectáculo, e uma parte intermédia com-posta por uma sussessão de solos, em que cada um dos seis bailarinos – André de Campos, Beatriz Dias, Bruno Alves, Catarina Câmara, Marta Lobato Faria e Yonel Serrano – surge enquadrado numa paisagem desoladora do Planeta seleccionada no documentário One Strange Rock.

A percepção da relação íntima entre diferenças tão radicais também acontece pelo recurso ao vídeo, que logo ao início nos mostra em primeiro plano e em detalhe a pele. Em palco, os seis bailarinos formam como que uma unidade única, deitados com as costas no chão, uns sobre os outros. Há uma sensação de fim, naquele começo. Há uma sensação também de eternidade. Ou talvez infinito seja a palavra adequada. Ali também estamos em vias de desaparecer. Dizem-nos os cientistas que a próxima extinção poderá ser a da espécie humana. A mesma espécie que é responsável por destruir o planeta que habita é responsável pela condenção do seu próprio futuro. Autópsia também é sobre isto. Por isso também a dança, à semelhança das imagens projectadas daquelas paisagens remotas e desolado-ramente belas, tem tanto de aparente origem remota como suscita uma visão de um futuro por viver, onde há ausência, sofrimento, destruição, introspecção, mas também reconexão com a Natureza que possa restar. É precisamente quando dan-çam sozinhos, um de cada vez, que os bailarinos parecem estar mais conectados com uma qualquer ideia de comunhão. Aquela solidão está cheia de presenças, evocações, afectos. Aqueles solos são cheios.

Há um sentimento que ganha carnalidade em Autópsia e que capta um pouco do espírito da série One Strange Rock: tudo está ligado, como uma tempestade de pó em África pode afectar o rio de nuvens que flui no céu da Amazónia. A dança dos bailarinos num espaço cénico despojado diz-nos de como o mínimo gesto da nossa biografia individual se interliga com a vida de todos e tem consequências dramáticas sobre e para o mundo em que vivemos. Talvez por isso aquele fim pos-sa ser um recomeço. Talvez precisemos de voltar à caverna.

Porém, e em paralelo, prosseguem os rituais de sagração que não se conformam com os ciclos naturais e por isso se desviam dessa ideia convencionada da Prima-vera como renascimento. Bruno Duarte inspirou-se nos costumes de Inverno trans-montanos – caretos, chocalheiros, diabos –, a partir de uma residência artística em Bragança, para criar Inverno para a Companhia de Dança de Almada (estreou em Novembro de 2019, no Teatro Municipal de Bragança). Aqui, trata do profano, nes-sas práticas de culto características daquela região, com os seus rituais de trans-gressão, misticismo pagão e o encontro entre a ancestralidade e o contemporâneo.

Em Maio regressa a Almada a Companhia Nacional de Bailado (dias 8 e 9), mas desta vez com duas criações assinadas por bailarinos da companhia com expe-riência enquanto coreógrafos, enquadradas sob o título genérico de Trabalhos de Casa: uma de Miguel Ramalho e outra de Xavier Carmo e Henriett Ventura. É pos-sível antecipar um trabalho com uma forte componente ao nível da composição de movimento, tirando partido de um conhecimento próprio das qualidades dos bailarinos da CNB. Esse é, claramente, o caso de Miguel Ramalho que, apesar de as peças ainda não terem iniciado o processo de criação à data do fecho desta edição, projecta a sua 8.ª coreografia como “uma peça inteiramente de dança, de movimento”. A música que inspira essa composição é Symphony of Sorrowful Songs, de Górecki, peça musical de profunda contemplação e tristeza, que tem na origem temas de uma gravidade humana intensa. É por aí também que Miguel aspira a criar uma obra sobre a dança e o ser humano. Diz: “a minha forma de trabalhar, mesmo como bailarino, parte da imagem que o movimento constrói, do rasto que o movimento faz na luz”. Há sempre uma visualização do ambiente que quer transmitir antes mesmo de iniciar a criação. Desta vez, ocupa-o uma imagem de “algo puro, límpido”. Como referência, cita a coreógrafa canadiana Crystal Pite, pela beleza e leveza com que aborda temas de densidade humana e dramatismo. É isso também que procura: uma dança que, trazendo o peso das grandes questões da Humanidade, fosse “como se estivéssemos a caminhar nas nuvens”.

A sensação de fim no começo de uma dançaé sempre possibilidade de recomeço

Quando Autópsia (de 2019) se apresentar em Almada, a 8 de Fevereiro de 2020, Olga Roriz já estará a celebrar os 25 anos da sua Companhia

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JANEIRO JANEIRO >> JULHO JULHOTexto de Elfriede JelinekEncenação de Nuno Carinhas Produção: Companhia de Teatro de Almada

24 JAN a 23 FEV

ARTES PLÁSTICAS

De Miguel Ramalho e Xavier Carmo/Henriett Ventura Produção: Companhia Nacional de Bailado

8 e 9 MAI DANÇA

3 MAI MÚSICA

TEATRO

A partir de Bohumil Hrabal | Criação de António Simão Produção: Artistas Unidos

3 a 5 ABR

TEATRO

Dramaturgia de Jorge Palinhos | Direcção de Isabel Craveiro Produção: Teatrão

14 e 15 MAR

Texto de Win Wells | Encenação de Fernanda Lapa Produção: Escola de Mulheres

29 FEV e 1 MAR TEATRO

Direcção musical de João Paulo Santos Produção: Teatro Nacional de São Carlos

25 e 26 ABR MÚSICA INFÂNCIA

TEATRO

Texto de Harold Pinter | Encenação de Mário Primo Produção: GATO SA

16 e 17 MAI

TEATRO

Texto de Dario Fo e Franca Rame| Encenação de Rui Dionísio Produção: Cegada Grupo de Teatro

30 e 31 MAI

TEATRO INFÂNCIA

Adaptação do livro de Aquilino Ribeiro Música de Alexandre Delgado | Encenação de Teresa Gafeira Cenário e figurinos de António Lagarto Produção: Companhia de Teatro de Almada

23 e 24 MAI

Direcção musical de Joana Carneiro

24 MAI MÚSICA

TEATRO

Texto de António Ferreira | Encenação de Nuno Cardoso Produção: Teatro Nacional S. João

9 e 10 JUL

TEATRO

Texto de Michael Mackenzie | Enc. de Isabel Pereira dos Santos Produção: A Companhia de Teatro do Algarve

23 MAI

TEATRO INFÂNCIA

Texto e encenação de Ana Perfeito Produção: Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana

9 e 10 MAI

DANÇA

Criação de Bruno Duarte Produção: Companhia de Dança de Almada

13 e 14 MAR

Textos de Claeyssen, Espina e Acuña | Enc. de Teresa Gafeira Produção: Companhia de Teatro de Almada

21 e 22 MAR TEATRO INFÂNCIA

A partir da ópera de Gioachino Rossini | Enc. de Teresa Gafeira Produção: Companhia de Teatro de Almada

4 e 5 ABR TEATRO INFÂNCIA

MÚSICA21 MAR

Textos de Federico García Lorca e Lluis Pasqual Encenação de Lluis Pasqual Produção: Julio Álvarez e interludio S.L.

7 MAR TEATRO

Dramaturgia de Pedro Proença e Teresa Gafeira Encenação de Duarte Guimarães Produção: Companhia de Teatro de Almada

22, 23 e 25 FEV TEATRO INFÂNCIA

MÚSICA22 FEV

MÚSICA

Direcção musical de Paolo Bortolameolli

17 JAN

MÚSICA10 JAN

MÚSICA1 FEV

DANÇA

Direcção de Olga Roriz

8 FEV

TEATRO INFÂNCIA

Fábulas de La Fontaine | Encenação de Teresa Gafeira Produção: Companhia de Teatro de Almada

7 e 8 MAR

Texto e encenação de Tiago Rodrigues Produção: Teatro Nacional D. Maria II

11 e 12 JAN TEATRO

Exposição de Mariana Viana em colaboração com Kátia Sá

24 JAN a 29 MAR

Exposição de António Lagarto

17 ABR a 14 JUN

ARTES PLÁSTICAS

Soprano: Elisabete Matos | Direcção musical: Joana Carneiro Produção: Coro do Teatro Nacional de São Carlos Orquestra Sinfónica Portuguesa

4 e 5 JAN MÚSICA

Texto de William ShakespeareEncenação de Peter Kleinert Produção: Companhia de Teatro de Almada

17 ABR a 17 MAI