teatro nacional

Upload: mariana-carrozzino

Post on 14-Jan-2016

5 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Teatro Nacional

TRANSCRIPT

  • Teatro Nacional: a construo de uma ideia durante as primeiras dcadas imperiais

    RAQUEL BARROSO SILVA*

    PALAVRAS-CHAVE: Teatro Nacional; Sculo XIX; Rio de Janeiro

    No presente artigo pretendo analisar a construo da ideia de teatro nacional, forjada pelos homens de letras da Corte nas primeiras dcadas imperiais. A finalidade desta anlise compreender os parmetros utilizados pelos crticos do teatro ligeiro ou alegre, muito atuantes a partir da chegada do gnero no Brasil, que receberam a propagao do mesmo como a runa do teatro nacional. Portanto, no minha inteno fazer uma reviso da histria do teatro no Brasil, tarefa que j foi realizada por ampla bibliografia e que extrapolaria os limites deste artigo. Meu prpsito esclarecer os usos do termo em seu contexto e as transformaes sofridas no espao de experincia e no horizonte de expectativa contidos nele em diferentes momentos das trs primeiras dcadas que se seguiram nossa independncia. A partir da estratificao dos significados de teatro nacional, pretendo alcanar tanto as modificaes e continuidades, como tambm apontar os raros momentos em que a conceituao mais se aproximou prtica. Para alcanar tais objetivos tomo de emprstimo alguns pressupostos tericos da histria conceitual de Reinhart Koselleck, a saber:

    [...] uma anlise histrica dos conceitos deve remeter [...] tambm a dados da histria social, pois toda semntica se relaciona a contedos que ultrapassam a dimenso lingustica (KOSELLECK, 2006, p.193);

    [...] ao longo da investigao da histria de um conceito [...] [torna-se] possvel investigar tambm o espao da experincia e o horizonte de expectativa associados a um determinado perodo ao mesmo tempo em que se [...] [investiga] a funo poltica e social desse mesmo conceito (KOSELLECK, 2006, p.104);

    [...] as palavras que permanecem as mesmas no so, por si s, um indcio suficiente da permanncia do mesmo contedo ou significado (KOSELLECK, 2006, p.105).

    * Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutoranda em Histria do Programa de Ps Graduao em Histria da

    Universidade Federal de Juiz de Fora. Bolsista CAPES. Orientada pela Prof. Dr. Silvana Mota Barbosa. A participao no XXVII Simpsio Nacional de Histria: conhecimento histrico e dilogo social e apresentao do texto foi parcialmente financiada pela Fapemig.

  • 2

    Por meio de uma busca onomstica do termo tetro nacional em nove peridicos1 do Rio de Janeiro que contemplam o perodo de 1820 e 1849 foi possvel realizar um mapeamento das suas modificaes, bem como dos contextos em que as mesmas se deram.

    Ao longo da nossa histria o significado do termo teatro nacional sofreu algumas mudanas pelas diversas apropriaes e influncias que recebeu. Durante a maior parte da dcada de 1820 o termo remeteu ao edifcio construdo aps a vinda da corte de Portugal para o Brasil. Os articulistas dos jornais pesquisados neste perodo, em geral usaram o termo para se referirem ao Teatro Nacional de S. Joo (1813-1824) ou ao processo de sua reconstruo aps o primeiro incndio. A primeira ocorrncia onde o termo foi usado para designar algo que no fosse um edifcio pblico com a finalidade de abrigar espetculos foi encontrada no peridico O Espelho Diamantino (THEATRO, 1827). Nela o termo teatro nacional designava um teatro como sistema, tomando de emprstimo a expresso de Antnio Candido ao tratar de uma literatura nacional (CANDIDO, 2012), ou seja, como uma integrao entre autores, intrpretes, obras e pblico. Escrevendo sobre os meios de se estabelecer um teatro nacional2, o redator do Espelho Diamantino, acreditava que o grande obstculo a ser ultrapassado a fim de se instituir a arte dramtica no Brasil era o despreparo dos atores, os outros empecilhos, como a falta de pblico, a baixa receita e o fato de a sala parecer muito grande e com uma acstica ruim, decorriam do primeiro. Como soluo, no propunha a criao de um novo Teatro (edifcio), o que viria a ser um sumidouro de capitais, pois o governo j proporcionava subsdios ao Teatro Francs e ao Italiano, mas sim a criao de uma companhia teatral. Com um pequeno aumento das loterias seria mui fcil sustentar a nova companhia. Feito isso, aconselhou ao futuro diretor tomar medidas como: ensaiar seus atores, contratar aprendizes e um lente na arte dramtica para dar lies ao grupo. Os novatos tambm deveriam aprender a cantar e danar, no s para se acostumarem com os 1 Dirio do Rio de Janeiro; Gazeta do Brasil; Imprio do Brasil Dirio do Governo; O Espelho Diamantino;

    Imprio do Brasil Dirio Fluminense; Dirio Mercantil; Correio Brasiliense; Grito da Razo; O Despertador. A busca foi feita por meio do website Biblioteca Nacional Digital (BIBLIOTECA..., 2013). 2 Sobre a indispensabilidade de um teatro nacional, anunciamos que havamos de discutir os meios de o

    estabelecer (THEATRO, 1827. p.28).

  • 3

    palcos como tambm para diminuir a quantidade de figurantes contratados. O diretor deveria optar, primeiramente, por pequenos entremezes s peas italianas e, em menos de um ano j poderia produzir comdias at que, com mais experincia chegasse tragdia. Alm disso, ele deveria oferer vantagens pecunirias para incentivar jovens autores. O carter basilar dessas sugestes do redator do Espelho Diamantino ao diretor da nova companhia ensaios e remunerao manifesta, por um lado, o desejo da criao de um teatro como sistema no Brasil e por outro, a ausncia do mesmo naquele momento. Estreitamente ligado histria poltica imperial, podemos dizer que a histria do teatro no Brasil esteve totalmente atrelada quela. A morte de Dom Joo VI, em 1826, inquietou a jovem nao brasileira em relao possibilidade de reunificao antiga metrpole. Em 1828, no mesmo dia em que D. Miguel desembarcou em Lisboa para receber a regncia do trono portugus, um redator do jornal carioca A Aurora Fluminense, a pretexto de comentar um espetculo ocorrido dias antes no Teatrinho da Rua dos Arcos (1826-1834)3, acabou por revelar a nova atribuio que o termo teatro nacional ganhava em decorrncia do clima poltico vivido. De acordo com o redator, o espetculo que apresentou a comdia em dois atos, Zulmira, de Antnio Xavier de Azevedo (1784-1814) naquele teatrinho, fazia nascer na alma do justo apreciador suaves e patriticas reflexes (THEATRINHO..., 1828. p.2). A companhia de jovens brasileiros (THEATRINHO..., 1828. p.2) que apresentava a comdia empenhava-se nos dois principais fins da instituio dos teatros, a instruo e o deleite. Tudo [...] fazia bem aparecer ali a asss conhecida facilidade do gnio brasileiro para tudo quanto h de bom (THEATRINHO..., 1828. p.2). s atrizes da companhia, se referia como delicadas e meigas brasileiras, em cujo aspeito se divisava a amabilidade e doura, que lhes so prprias (THEATRINHO..., 1828. p.2). Na platia encontrava-se grande parte da juventude brasileira, [...] cheia de patriotismo, que na poca atual to justamente a anima, alm de alguns dos nossos dignos deputados (THEATRINHO..., 1828. p.2) que talvez estivessem a pensar: Que doce satisfao e que glria nos resulta de termos em nossas mos os destinos de um povo novo, que oferece ao mundo uma tal gerao: trabalhemos pois, 3 No website do Centro Tcnico de Artes Cnicas/ Teatros do Brasil encontra-se a data de criao e

    desaparecimento do Teatrinho, assim como outras informaes sobre o mesmo (CENTRO..., 2013a).

  • 4

    quanto em ns couber, para elevar ao mais alto grau o desenvolvimento de seus talentos naturais (THEATRINHO..., 1828. p.2). O espetculo terminou com a apresentao da farsa Tudo Estrangeira, na qual segundo o redator, a companhia fez sentir com energia e com bastante esprito o ridculo das naes que aproveitam dos estrangeiros [...] dando-se assim a mais expressiva lio de quanto til e necessrio haver sempre nos costumes uma cor nacional (THEATRINHO..., 1828. p.2). Outra questo tocada pelo redator foi o papel do teatro na formao da lngua, parabenizando os jovens atores por aperfeioarem-se na arte de declamar, e na pureza da linguagem nacional (THEATRINHO..., 1828. p.2). E termina:

    [...] grande a utilidade de se fazer sentir a administrao a urgente necessidade, que uma nao livre, e sobretudo em seu comeo, tem de um Teatro Nacional, que seja a escola, onde seus filhos aprendam os bons costumes, a respeitar a execuo das instituies livres de seu pas, e aborrecer essas leis brbaras, dignas do tempo da tirania. Sem dvida, quem pode ver sem espanto que o Brasil ainda no possui um Teatro Nacional! Sim, dizemos nacional, por quanto estamos bem persuadidos que o que possuimos s tem de nacional o custar grandes somas Nao, e nada mais (THEATRINHO..., 1828. p.2).

    possivel perceber neste momento um novo e importante papel atribudo a teatro nacional no Brasil, o de escola de bons costumes, principalmente de bons costumes patriticos, onde se aprenderia a amar a liberdade e repelir leis que remetem ao perodo colonial, uma escola que trabalharia em benefcio de levantar e fortalecer uma fronteira definitiva entre o Imprio do Brasil e as naes estrangeiras. Ponto de encontro entre o Estado (alguns dos nossos dignos deputados (THEATRINHO..., 1828. p.2)) e o povo (povo novo, brasileiros e brasileiras (THEATRINHO..., 1828. p.2)) o teatro nacional se prestaria, no s, a ensinar o povo a ser nao, medida que no incio do sculo XIX a conscincia nacional produto da unidade poltica, expressa o pertencimento a um estado (CHIARAMONTE, 2003, p.90), mas tambm para mostrar ao Estado quem era seu povo (habitantes). O redator da Aurora Fluminense expressou em seu artigo, o conflito entre os dois sentidos do termo em questo. Ao afirmar que o Brasil no possui um teatro nacional deixou claro que o que chamava de teatro nacional no era simplesmente a manuteno de

  • 5

    um edifcio pblico que abrigaria representaes teatrais (estamos bem persuadidos que o que possuimos s tem de nacional o custar grandes somas Nao (THEATRINHO..., 1828. p.2)). De acordo com ele, este Teatro (edifcio pblico), para ser nacional, deveria abrigar representaes encenadas por brasileiros e cujo teor fosse patritico. Quando, mais tarde, Joo Caetano assinou o contrato para assumir o Teatro de So Janurio sob subveno do Governo Imperial (1838), uma das clusulas foi a obrigao de que um certo nmero de peas fossem de autoria nacional e que a companhia fosse exclusivamente de atores brasileiros (SOUZA, 2002). A disputa pelo trono portugus com D. Miguel, as aes e reaes polticas e sociais que se seguiram a esse acontecimento, culminou na abdicao de Dom Pedro I em 1831. Menos de um ms depois da partida do Imperador portugus o Teatro So Pedro de Alcntara foi rebatizado, passando a se chamar Teatro Constitucional Fluminense4. Mais quatro meses se passariam e o mesmo Teatro se transformaria em palco do episdio conhecido como tiros no teatro, uma revolta promovida pelos liberais exaltados, com participao de diversas camadas sociais (BASILE, 2007). Carl Seidler, mercenrio alemo que esteve durante dez anos no Brasil e lutou na represso da revolta no sul do Imprio, relatou que:

    [...] aps a abdicao, [...], uma poltica de nacionalizao, que punha sob suspeio todos os estrangeiros, teria atingido tambm o inocente pessoal do teatro, embora despido, segundo Seidler, de qualquer roupa poltica secreta (CANO, 2001, p.137).

    De acordo com Jefferson Cano, o relato de Seidler:

    [...] ao passo que ressalta a reprovao de um europeu que se depara com a incurso de alguns mulatos pelas artes, tambm nos d conta da particularidade deste momento, em que se exacerbava a politizao do campo artstico (CANO, 2001, p.138).

    A rivalidade entre portugueses e brasileiros s fez aumentar a partir deste momento - mesmo mitigada a questo da soberania e com as leis brbaras, dignas do tempo da tirania (THEATRINHO..., 1828. p.2) parcialmente transformadas pelo Ato Adicional aprovado em

    4 Em 1838 volta a se chamar So Pedro de Alcntara, mas desta vez em homenagem ao futuro Imperador, D.

    Pedro II (PRADO, 1999).

  • 6

    agosto de 1834. Em maro do ano seguinte aprovao do Ato, respondendo a uma publicao do Jornal do Comrcio assinada por Sr. Acionista, algum, ou um grupo de pessoas sob o codinome Os Amigos da Verdade escreveu para o Dirio do Rio de Janeiro, uma carta que nos revela muito sobre como esta hostilidade em relao aos lusitanos estava imersa, naquele momento, na questo do teatro nacional. Nela, os Amigos da Verdade fazem uma severa crtica aos elogios despendendidos pelo Sr. Acionista ao repertrio e s representaes da Companhia Portuguesa5 no Teatro da Praia de D. Manoel (1834-1838) 6.

    O Sr. Acionista no seu artigo recomenda aos scios fundadores do Teatro da Praia de Dom Manoel, todo o cuidado para afastarem da cena as pssimas produes com que autores sem nome tem inundado esta Corte, e ns lhe asseguramos que a Companhia Portuguesa desse teatro no se dar decorao de semelhantes peas ridculas, e escritas por Brasileiros, e com assuntos nacionais; mas sim empregar todo o seu talento, e arte para o bom desempenho de uma Herona Lusitana, D. Nuno de Faria, D. Sebastio em Africa e Velha Castro, e outras muitas desta estofa, e mais algumas clebres composies do famigerado Sr. Camillo Jos do Rosrio Guedes7, com cujas doutrias muito se instruir o Sr. Acionista nesse teatro nica, e verdadeira escola de moral e virtudes, que devia merecer toda ateno e auxlio do Governo, por ser a maior Barraca de Pinho, que os Papeletas8 edificaram no Rio de Janeiro para monumento do seu patriotismo, e sinal de amor e respeito ao primeiro Papa que teve Roma; porm como este morreu, ficou servindo o Teatro nico e prprio para a declamao dos fanhosos e dos gagos [...] (AMIGOS DA VERDADE, 1835. p.7)9.

    Em tom irnico, os Amigos da Verdade denunciavam ao pblico imparcial que, ao desejar que autores sem nome fossem afastados da cena daquele teatro, o Sr. Acionista se referia s peas escritas por brasileiros, e com assunto nacionais (AMIGOS DA VERDADE, 1835. p.7). Eles se indignavam com o fato de aquele Teatro, construdo por portugueses, ocupado por uma companhia portuguesa e com um repertrio, no apenas

    5 Joo Evangelista da Costa, Ludovina Soares da Costa, Vitor Porfrio de Borja, Maria Soares do Nascimento, Vitor Quesado, Theresa Soares, Bento Jos, Fernando Cerqueira, Camilo Jos do Rosrio Guedes (CENTRO..., 2013). 6 Em 1838 passa a se chamar Teatro So Janurio (CENTRO..., 2013).

    7 Um dos artistas portugueses responsveis pela construo do teatro.

    8 Maneira a qual os brasileiros se referiam pejorativamente aos portugueses (JAROUCHE, 2007, p.16).

    9 De acordo com Souza, o Teatro So Janurio (nome que fora dado em 1838 ao Teatro da Praia de Dom

    Manoel) carregou o estigma de ser frequentado por espectadores pouco polidos e de ser evitado pelas boas famlias, servindo apenas para abrigar companhias teatrais ambulantes ou desalojadas. Creio que isso se deu no s em funo da localizao do Teatro, distante da freguesia do Sacramento conforme destaca a autora, mas tambm por sua origem ligada companhia portuguesa subsidiada por D.Pedro I (SOUZA, 2007).

  • 7

    portugus, mas tambm cultor da histria e da monarquia lusitana, recebesse do Governo subvenes para sua manuteno. O ator Vitor foi acusado de ofender muitas vezes com indecentes acionados ao melindre e decoro das famlias espectadoras (AMIGOS DA VERDADE, 1835. p.7). De acordo com os assinantes da carta a falta de decoro naquele teatro era tamanha que nele j se tem representado a Cena de brio ao natural. Louvado seja Deus!!! E esta a escola da Moral e Virtude que se restaurou no Rio de Janeiro?! (AMIGOS DA VERDADE, 1835. p.7). Dessa forma, alm de ser o oposto do que se esperava de um teatro nacional, o Teatro da Praia de D. Manoel tambm deixava de cumprir outra funo, a de escola de moral e virtudes (AMIGOS DA VERDADE, 1835. p.7). Assim a teatro nacional como edifcio pblico que abriga espetculos sob a subveno do Governo10 somou-se novos sentidos: teatro patritico 11, teatro civilizador, teatro moralizador 12 e teatro feito por brasileiros13. A apresentao do drama Antonio Jos ou o poeta e a Inquisio de Gonalves de Magalhes e O Juiz de Paz na Roa de Luis Carlos Martins Pena, em 1838, pela companhia de Joo Caetano dos Santos, no Teatro So Janurio (1838-1862)14 marcou a maior aproximao desta acepo do termo teatro nacional15 realidade concreta. No por acaso que a partir da estreia da pea de Gonalves

    10

    Podera haver citado tambm a segunda edio de 1838 do jornal A Aurora Fluminense (4 de maio) onde foi noticiado que o Teatro Fluminense iria fechar porque a sano das loterias do Teatro de D. Manoel fora feita sem condies honestas Os acionistas do teatro que iria ser extinto viram naquele passo do Ministro [do Imprio] uma mostra de atenes contra a qual no poderiam lutar. Criticava-se a concesso de to grande subsdio a uma companhia estrangeira que se no comprometia a fazer coisa alguma no interesse do pblico, ao mesmo tempo que a outra sociedade empenhava-se a mandar vir e a sustentar duas companhias extrangeiras, alm da nacional, o que exigia extraordinrios dispndios. O escritor da carta quis aproveitar o momento para defender a criao de um teatro, que se pusesse ao nvel da civilizao da Capital, e fosse igualmente uma escola para os artistas nacionais, porque enfim estes devem tambm ser favorecidos e acorooados, seno de preferncia, ao menos do mesmo modo que os estrangeiros (AO REDACTOR, 1838. P.4). 11

    Utilizo o termo patritico no mesmo sentido usado pelo autor da carta citada, como teatro enaltecedor de uma histria prpria. Histria que tambm estava sendo forjada neste mesmo momento. 12

    importante ressaltar que mesmo no sendo unanimidade entre os autores de todos os tempos o papel pedaggico do teatro existe desde o seu nascimento na antiguidade, onde as tragdias e comdias eram apresentadas nas festividades cvicas e a nova aret da plis ali refletida. 13

    De acordo com Souza O abrasileiramento da dramaturgia e dos atores [...] foi o elemento priorizado pela noo de criao de um teatro nacional no decorrer da dcada de 1840. (SOUZA, 2002.p.38). 14

    O Teatro So Janurio, antigo teatro de D.Manuel era arrendado a Joo Caetano & Cia, subsidiada, por sua vez pelo governo imperial (CENTRO..., 2013). 15

    No pretendo aqui fazer um estudo destes textos em si. Esse trabalho foi realizado por grandes nomes da historiografia do teatro como Dcio de Almeida Prado, Sbato Magaldi, Joo Roberto Faria e outros. (PRADO, 1999; MAGALDI, 1997; FARIA, 1993).

  • 8

    de Magalhes os artigos de crtica teatral, antes esparsos, passaram a abordar regularmente o tema da necessidade da criao de um teatro nacional (SOUZA, 2002). Estes sentidos fixados ao termo no final da dcada de 1830, bem como a representao de cada um deles, nunca foi unanimidade entre os letrados do perodo nem aos que aparentemente pertenciam ao mesmo movimento literrio. Se os acontecimentos da dcada de 1820 e 1830 refletiram-se na dramaturgia por meio da adoo do romantismo, cujo patriotismo expressava-se nas ideias de liberdade que remetiam Revoluo Francesa e a imoralidade era combatida sendo representada no palco (assassinatos, prostituio, incesto, suicdios, devassido) juntamente com seus efeitos degradantes, os opositores deste movimento criticaram-no justamente por essas caractersticas. A forma pela qual o romantismo abordou o ideario iluminista deixava transparecer uma crtica s instituies (por meio de reis e rainhas devassos e heris rebeldes, por exemplo) que no era mais bem vinda num momento politicamente to delicado como a regncia, no qual o Imprio acfalo lutava pela sua unificao poltica. Por isso e pela questo da moral, os dramas romnticos de Alexandre Dumas e Vitor Hugo foram recebidos no Brasil, por parte da intelectualidade, como algo que mais se aproximava de uma escola de corrupo do que de bons costumes16. Em ocasio da representao de O Rei se Diverte, de Victor Hugo, Justiniano Jos da Rocha publicou um artigo em repdio escola romntica que representa bem essa discordncia acerca da forma como a moralidade deveria ser abordada no teatro.

    Ainda crimes, ainda horrores! Ainda o Teatro Constitucional no abandonou seu sistema de depredaes das peas da escola romntica! Depois dos incestuosos deboches da Torre de Nesle, quantos crimes no tm reproduzido nossa cena! Que horrvel desperdcio de sangue e de atentados! [...] Mas para que tantos crimes? Que lio moral deve deles resultar? (O Chronista, 19/11/1836 apud CANO, 2001, p.23-24).

    Gonalves de Magalhes, fundador do drama romntico brasileiro tambm se manifestou a respeito do romantismo europeu, o qual havia conhecido atravs de contado direto com Alexandre Dumas e Vitor Hugo.

    16

    Alguns exemplos de dramas romnticos de Alexandre Dumas que tiveram sua representao proibida pelo Conservatrio Dramtico Brasileiro so Maria Tudor, Rui Brs, A Corte de Lus XIII, Antony e A Torre de Nesle (CANO, 2001).

  • 9

    No posso de modo algum acostumar-me com os horrores da moderna escola; com essas monstruosidades de caracteres preternaturais, de paixes desenfreadas e ignbeis, de amores licenciosos, de linguagem requintada fora de querer ser natural; enfim, com essa multido de personagens e de aparatosos coups de thtre, como dizem os franceses, que estragam a arte e o gosto, e convertem a cena em um bacanal, uma orgia da imaginao, sem fim algum moral, antes em seu dano (apud PRADO, 1997, p. 14).

    Essas discusses e crticas sobre o teatro nacional faziam parte de uma questo mais ampla neste momento que era a constituio de uma Literatura e uma Histria nacionais. Por isso, as crticas s instituies ou ao Imprio deveriam estar apartadas de qualquer manifestao literria. O teatro possua nesse sentido, a mesma funo que a literatura (mas com muito maior alcance), civilizar e moralizar um povo constituindo uma nova e definitiva identidade. Era isso, alis, que diferenciava o teatro das outras formas de espetculos cnicos como as circenses, que tinham como nico objetivo entreter o pblico. Para garantir essa diferenciao que em 1843 o Governo Imperial criou o Conservatrio Dramtico Brasileiro, associao cuja finalidade era examinar previamente as peas encenadas no Teatro So Pedro. Dois anos depois essa funo se estenderia aos demais teatros pblicos da Corte, objetivando incentivar a produo dramatrgica nacional mediante, entre outras coisas, o estabelecimento de uma crtica literria regular. Mas, de fato, o Conservatrio restringiu-se censura prvia das peas teatrais pautando-se, na maioria das vezes, por critrios morais, polticos e religiosos em detrimento dos critrios esttico-literrios

    (SOUZA, 2002). As ocorrncias no termo teatro nacional durante a dcada de 1840 mostram uma tendncia de arrefecimento da discusso em torno do teatro nacional. De acordo com Souza:

    O perodo que vai de 1838 a 1850 prdigo em artigos de crtica teatral nos quais o tom quase sempre de lamento por uma dramaturgia que, aps um incio promissor, no decolara, pelo menos da forma como os literatos gostariam que tivesse ocorrido. Salvo uma ou outra estria de pea ou autor, que parecia reacender as esperanas da crtica, a situao era descrita como decadente, muitas vezes catica (SOUZA, 2002, p.37).

    A inaugurao do Teatro Ginsio Dramtico em 1855 foi ansiada pelos homens de letras da Corte como a promessa de instaurao, no Brasil, de um teatro que estivesse em

  • 10

    sintonia com os mais importantes teatros europeus. Machado de Assis chegou a referir-se ao Ginsio com o primeiro da capital (SOUZA, 2002). O Teatro Ginsio Dramtico representava uma nova possibilidade de concretizao de um teatro nacional seno em seu sentido pleno, ao menos naquele era o proeminente na ocasio.

    Os dramaturgos ligados ao Ginsio deixaram de lado o drama histrico, o passado, e escreveram com os olhos voltados para seu tempo, com o objetivo de retratar e corrigir os costumes, acreditando que influam na prpria organizao da sociedade. Por isso, o realismo que praticavam era de cunho didtico e moralizador (FARIA, 1993).

    Os anos que se seguiram foram marcados pela conhecida rivalidade entre as companhias que ocupavam o Teatro So Pedro de Alcntara, sob o comando de Joo Caetano e o Ginsio Dramtico, sob a direo de Furtado Coelho. A primeira contribuio de um autor brasileiro e com assunto nacional para este Teatro veio de Jos de Alencar, em 1857, com a produo de O Crdito e Demnio Familiar17. O autor procurou incutir em sua obra caractersticas fundamentais do teatro nacional: a lio de moral e a nacionalidade do enredo e da autoria. Este pode ser considerado o segundo momento em que a ideia de teatro nacional e o teatro real se aproximam.

    Nesse sentido, o realismo teatral brasileiro aponta para uma mudana na concepo de teatro nacional, na qual o sentido patritico mitigado no eliminado em favor do avultamento dos sentidos de teatro moralizador e principalmente civilizador. A nfase no cunho poltico propriamente dito - de confirmao da soberania, crtica s instituies - deu espao proeminncia do cunho social. Na literatura dramtica, isto se refletiu na substituio do carter histrico (histria poltica) pelo contemporneo, e na tcnica de interpretao do ator na substituio do gestual altissonante, digno de heris, para outro mais realista e que identificava este ou aquele personagem com determinado grupo social.

    Foi a partir deste espao de experincia que o teatro nacional, tal qual compreendido pelos homens de letras das primeiras decadas do Imprio, passou a ser almejado e utilizado como parmetro para medir a maior ou menor nacionalidade das representaes dramticas que se faziam representar nos palcos da capital do Imprio. Disso decorreu que, na dcada seguinte (1860), quando o teatro alegre, ligeiro ou musicado, oposto a todos aqueles sentidos, 17A respeito dessas duas peas de Jos de Alencar ver: FARIA, 1987; LOPES, 2010.

  • 11

    desse mostras de sua potencialidade, o teatro nacional passaria a ser encarado como natimorto.

    Referncias Bibliogrficas

    AMIGOS DA VERDADE. Snr. Redactor. Dirio do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n15, 18 de maro de 1835. p.7. AO REDACTOR. A Aurora Fluminense, Rio de Janeiro, n2, 04 de maio de 1838.p.4 BASILE, Marcello. Revolta e cidadania na Corte regencial. Tempo [online]. 2007, vol.11, n.22, pp. 31-57. BIBLIOTECA Nacional Digital Brasil. Fundao Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira. Disponvel em: Acesso em: maio de 2013. CANDIDO, Antnio. Formao da Literatura Brasileira: momentos decisivos 1750 a 1880. Ouro Sobre Azul: So Paulo, 2012. 13 Ed. CANO, Jefferson. O Fardo dos Homens de Letras: o orbe literrio e a construo do imprio brasileiro. 2001. Tese (Doutorado em Histria) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Unicamp, Campinas, 2001. Disponvel em: . Acesso em: 12 jan.2011. CENTRO Tcnico de Artes Cnicas/ Teatros do Brasil. Disponvel em: Acesso em 08 de junho de 2013. CHIARAMONTE, Jos Carlos. Metamorfoses do conceito de nao durante os sculos XVII e XVIII. In: JANCS, Istvan (org.). Brasil: Formao do Estado e da Nao. So Paulo: Hucitec, 2003.

    FARIA, Joo Roberto. O teatro realista no Brasil: 1855 1865. So Paulo: Perspectiva: Editora da Faculdade de So Paulo, 1993. FARIA, Joo Roberto. Jos de Alencar e o teatro, So Paulo, Perspectiva/Edusp, 1987. JAROUCHE, Mamede Mustafa. Introduo: Galhofa sem melancolia: as Memrias num mundo de Luzias e Saquaremas in: ALMEIDA, Manuel Antnio. Memrias de um sargento de milcias. 3 ed., So Paulo: Ateli Editorial, 2007, p.16.

  • 12

    KOSELLECK, R. Futuro Passado: contribuio semntica dos tempos histricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora PUC-RJ, 2006. LOPES, Antnio Herculano. O teatro de Alencar e a imaginao da sociedade brasileira. Perspectivas, So Paulo, v. 37, p.87-111, jan./jun. 2010 pp.87-111. MAGALDI, Sbato. Panorama do Teatro Brasileiro. 3 ed. So Paulo: Global, 1997. PRADO, D. A. Histria Concisa do Teatro Brasileiro: 1570 1908. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1999. PRADO, Dcio de Almeida. O drama romntico brasileiro. So Paulo: Perspectiva, 1997. SOUZA, Silvia Cristina Martins de. As noites do Ginsio: teatro e tenses culturais na. Corte (1832-1868). Campinas, Ed. da UNICAMP, 2002. SOUZA, Silvia Cristina Martins. O Teatro de So Janurio e o Corpo Caixeiral: teatro, cidadania e construo de identidade no Rio de Janeiro oitocentista. In: Associao Nacional de Histria ANPUH XXIV Simpsio Nacional de Histria, 2007. Anais...2007. THEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense, Rio de Janeiro, n19, 22 de fevereiro de 1828.p.2. THEATRO. O Espelho Diamantino. Rio de Janeiro, n. 02, 01 de outubro de 1827. pp. 28-31