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3268 Estágio supervisionado, identidade profissional e saberes docente Cleonice de Almeida Cunha LUSSICH, Universidade Metodista de São Paulo Eixo Temático 8 - Educação a distância na formação de professores [email protected] 1. Introdução Nos últimos anos do século passado até os dias atuais, a sociedade tem vivenciado significativas alterações no modo de produção capitalista em âmbito mundial, no qual se vive um padrão de acumulação resultante da globalização da economia e da reestruturação dos meios de produção. Diante deste cenário a educação se vê desafiada a repensar e rediscutir a qualificação profissional oferecida aos cidadãos em virtude das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, especialmente com relação às novas tecnologias e uso de equipamentos e máquinas cada vez mais modernas, o que demanda dos trabalhadores o desenvolvimento de características como: dinamicidade, flexibilidade, liberdade nas ações entre outras. E neste contexto percebem-se os desafios colocados para as políticas públicas educacionais, considerando o novo perfil de trabalhador que a sociedade exige, com o desenvolvimento de competências necessárias para este novo século. Então, para atender tais exigências é imprescindível a discussão sobre a profissionalização dos trabalhadores a partir dos próprios sujeitos envolvidos neste processo. É neste sentido que optamos discutir a formação inicial de professores para a educação básica na modalidade EaD a partir do estágio supervisionado obrigatório, especialmente no curso de Pedagogia. Nossas reflexões se organizaram em torno de dois eixos: a construção de saberes docentes e a constituição da identidade profissional. Os objetivos desta reflexão foram: evidenciar as contribuições do estágio supervisionado no processo de construção de saberes docentes e constituição da identidade profissional; e explicitar como os estagiários avaliaram as atividades propostas, orientadas e supervisionadas durante o período. Assim, o artigo se apresenta em três partes: apresentação do lócus da pesquisa, seus sujeitos e caminhos da investigação; discussão contribuições teóricas sobre o estágio, saberes docentes e identidade profissional, e a explicitação dos achados da investigação. Por fim, as considerações finais. 2. A universidade, a Pedagogia EaD , o sujeitos da pesquisa e o caminho da investigação

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Estágio supervisionado, identidade profissional e saberes docente

Cleonice de Almeida Cunha LUSSICH, Universidade Metodista de São PauloEixo Temático 8 -Educação a distância na formação de professores

[email protected]

1. Introdução

Nos últimos anos do século passado até os dias atuais, a sociedade tem vivenciado

significativas alterações no modo de produção capitalista em âmbito mundial, no qual se vive um

padrão de acumulação resultante da globalização da economia e da reestruturação dos meios de

produção.

Diante deste cenário a educação se vê desafiada a repensar e rediscutir a qualificação

profissional oferecida aos cidadãos em virtude das mudanças ocorridas no mundo do trabalho,

especialmente com relação às novas tecnologias e uso de equipamentos e máquinas cada vez

mais modernas, o que demanda dos trabalhadores o desenvolvimento de características como:

dinamicidade, flexibilidade, liberdade nas ações entre outras.

E neste contexto percebem-se os desafios colocados para as políticas públicas

educacionais, considerando o novo perfil de trabalhador que a sociedade exige, com o

desenvolvimento de competências necessárias para este novo século.

Então, para atender tais exigências é imprescindível a discussão sobre a profissionalização

dos trabalhadores a partir dos próprios sujeitos envolvidos neste processo. É neste sentido que

optamos discutir a formação inicial de professores para a educação básica na modalidade EaD a

partir do estágio supervisionado obrigatório, especialmente no curso de Pedagogia.

Nossas reflexões se organizaram em torno de dois eixos: a construção de saberes

docentes e a constituição da identidade profissional. Os objetivos desta reflexão foram: evidenciar

as contribuições do estágio supervisionado no processo de construção de saberes docentes e

constituição da identidade profissional; e explicitar como os estagiários avaliaram as atividades

propostas, orientadas e supervisionadas durante o período.

Assim, o artigo se apresenta em três partes: apresentação do lócus da pesquisa, seus

sujeitos e caminhos da investigação; discussão contribuições teóricas sobre o estágio, saberes

docentes e identidade profissional, e a explicitação dos achados da investigação. Por fim, as

considerações finais.

2. A universidade, a Pedagogia EaD , o sujeitos da pesquisa e o caminho da

investigação

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A formação de professores para a Educação Básica no Brasil, nas instituições de ensino

superior, já passou por diversos modelos desde 1939, regulamentada por diversas leis. Este

cenário de alterações do curso teve como objetivo atender as demandas sociais vigentes, embora

estas regulamentações nem sempre tenham atendido de modo satisfatório todos os envolvidos

neste processo em virtude das visões distintas da profissão, gerando fortes embates entre

diversas entidades que buscaram e ainda buscam a garantia de uma formação de qualidade.

Sobre esta questão Nóvoa (1995) destaca que

A relação dos professores [com o] saber constitui um dos capítulosprincipais na história da profissão docente: os professores são portadores(e produtores de um saber próprio ou são apenas transmissores ereprodutores) de um saber alheio? O saber de referência dos professoresé fundamentalmente científico ou técnico? [...] é na resposta a estas emuitas outras questões [que] encontram-se visões distintas da profissãodocente e, portanto, projectos contraditórios de desenvolvimentoprofissional (p.27-28).

As discussões sobre o curso de Pedagogia e sua finalidade, ainda estão longe de acabar,

isso porque, a pauta de debates aumentou com a autorização legal da formação inicial de

professores da Educação Básica na modalidade EaD. A Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de

1996 , matriz da política educacional brasileira, contempla a educação a distância, e isso fez com

que muitas universidades abraçassem essa modalidade como via de formação de professores.

Hoje esta realidade é cada vez mais presente para muitos alunos que, por uma razão ou outra,

optam por esta modelo de ensino, o que tem garantido sua consolidação, embora haja muitas

críticas, especialmente em relação à formação inicial de professores (Gatti 2009), mas que neste

trabalho não serão apontadas em virtude da especificidade do objetivo maior deste, que é

evidenciar a contribuição formativa do estágio supervisionado no curso de Pedagogia EaD.

A partir da autorização legal, muitas universidades se abriram para esta nova modalidade

de ensino e uma delas foi uma universidade privada da região metropolitana de São Paulo que

existe a mais de 30 anos, com cursos de reconhecida qualidade, tanto na graduação como na

pós-graduação stricto sensu.

O oferecimento de cursos de formação superior a distância, nesta instituição, foi um

processo minucioso de pesquisa, elaboração, e implantação que teve seu início no final da

década de 1980, e perdura até os dias atuais. A EaD nesta instituição ocorreu a partir de um

processo de estudo, pesquisa e investigação. Houve a participação de docentes pesquisadores

em um seminário sobre EaD na Universidade de Havana, Cuba. Em 1997, a criação um núcleo de

pesquisa e discussão sobre EaD. Em 1998, à abertura da linha de pesquisa Educomídia,

vinculada à pós-graduação strictu sensu em Comunicação Social, integrada à disciplina

Teletrabalho, Teleformação.

No final de 1998 houve um processo de modernização tecnológica na institucional. Em

março de 1999 criou-se a Diretoria de Tecnologia e Informação (DTI) e o Grupo de Trabalho de

Educação a Distância, com atribuições consultivas e servindo de órgão de apoio às decisões

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institucionais sobre o tema.

No ano de 2000, aconteceu o I Encontro de EaD, realizado em março. No 2º Semestre do

mesmo ano criou-se o Centro de Educação Continuada e a Distância (CEAD) e posteriormente

houve a criação do Núcleo de Educação a Distância (NEAD).

Em março de 2001, teve início o programa de Capacitação Docente, com ofertas de cursos

de extensão para a comunidade acadêmica em várias edições a cada ano, que se mantém em

desenvolvimento até o presente (2016).

Em 2003, o Núcleo de Educação a Distância (NEAD), ligado ao CEAD, teve suas

atribuições alteradas e passou a se chamar Núcleo de Tecnologias Aplicadas à Educação

(NUTAE). Realizou-se ainda o II Encontro de EaD, chegando a sua 4ª edição em 2005.

Diante desse contexto, o curso de Pedagogia EaD Docência na Educação Infantil e nas

Séries Iniciais do Ensino Fundamental, foi oferecido a partir do segundo semestre de 2006 pela

Universidade, nos pólos de Bertioga, Guaianases, Guaratinguetá, Itapeva, Mauá, Perus,

Presidente Prudente e São José dos Campos, e hoje (2016) passou a ser oferecido a outros,

totalizando 25 polos presenciais.

A estrutura curricular do curso está organizada NÚCLEO, EIXO, MÓDULO, TEMA E

UNIDADE. O NÚCLEO organiza os Eixos com o objetivo de garantir a estrutura proposta pela

Resolução CNE/CP nº 1, de 15/05/2006, com vistas à articulação dos diversos indicadores

formativos. O EIXO congrega um certo número de Temas que guardam uma relação muito

próxima entre si, norteando a especificidade do Núcleo. Os TEMAS são as partes que compõem

um Eixo e, cada tema, possui UNIDADES, que comportam as particularidades dos diversos temas

a serem trabalhados. O MÓDULO é o lugar para organizar o encontro pedagógico para a

exploração de TEMAS dos diversos eixos sob uma ótica específica, diferenciando-se por seu

caráter mais flexível e interdisciplinar. Esta organização foi elaborada com vistas ao

desenvolvimento da interdisciplinaridade Esta estrutura pretende a superação da fragmentação do

conhecimento pelo desenvolvimento de uma integração entre as diferentes áreas do saber, num

movimento e exercício contínuo de distinção e respeito às especificidades, mas também de busca

e articulação com aquilo que une e aproxima.

As teleaulas realizadas pela universidade tanto para os temas gerais como os temas

relacionados ao estágio supervisionado obrigatório, possui um formato televisivo, sendo

necessária uma equipe especializada da área da comunicação para que elas aconteçam. Estas

possuem a duração de 100 minutos com dois ou três intervalos curtos. São transmitidas ao vivo e

em tempo real via satélite, para os pólos espalhados por todo o país, e acompanhadas por um

monitor que é encarregado de coordenar presencialmente a aula, enviar as dúvidas e comentários

dos alunos do pólo para o estúdio via chat. Em estúdio um professor auxiliar, com titulação de

mestre, encaminha este material para que o professor temático (que ministra a aula) possa

responder em tempo real ao aluno, garantindo assim a interação entre professor a aluno mesmo a

distância.

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Além deste tipo de aula que é um diferencial e referência de qualidade, frente a outras

instituições que usam outros formatos EaD, os alunos também recebem um guia de estudos,

produzido pela universidade, com texto de autoria dos professores que ministram as teleaulas. Há

também um material que é produzido semanalmente pelos professores temáticos e auxiliares para

os estudantes, no qual é possível a organização do estudo dos acadêmicos entre as teleaulas que

são semanais. Este material é chamado de “Leitura @tiva”, nele encontram-se indicação de

vídeos, textos, pesquisas, pedidos de produções de autoria pelo aluno que devem ser

desenvolvidos como preparação e complementação dos assuntos discutidos em teleaula.

Em relação ao estágio, a universidade segue a as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

curso de graduação em Pedagogia (Resolução nº 1, de 15 de maio de 2006), sendo necessário o

cumprimento de 300 (trezentas) horas de Estágio Curricular Supervisionado Obrigatório e 100

(cem) horas de Atividades Teórico-Práticas de Aprofundamento, sendo ambas as atividades

fundamentais para a constituição da identidade profissional e dos saberes dos futuros

professores.

Para sua execução a universidade atende ao que determina a Lei n° 11.788 de 25 de

setembro de 2008, no que se refere ao estágio obrigatório e não obrigatório, sobre o termo de

consentimento de estágio, elaboração do plano de atividades do estágio bem como a avaliação

deste período por parte do supervisor local.

A universidade, de acordo com seu Projeto Pedagógico do Curso, (PPC,2011) tem por

concepção que o estágio é

O ESTÁGIO é compreendido como o espaço ótimo de avaliação da qualidade do

Curso, posto que é um espaço de práxis, um espaço científico, um espaço de

prática social no âmbito da profissão, quando evita restringir-se à prática laboral

mecanicista do saber fazer que prescinde da teoria.

Neste sentido, o estágio curricular caracteriza-se pela oportunidade que o(a)

aluno(a) terá de conviver mais de perto com a realidade de algumas escolas de

Educação Infantil e das Séries Iniciais do Ensino Fundamental e, a partir

delas,refletir sobre a prática pedagógica, bem como sobre sua escolha

profissional.

Caso o(a) aluno(a) já seja professor(a)será mais um momento de revisão e

reflexão sobre o seu trabalho, a partir de outras referências construídas durante o

Curso de Pedagogia.

Outra marca do estágio, assim como o concebemos, é o caráter indissociável

entre teoria e prática. Não há prática sem teoria e não há uma teoria que não

guarde alguma relação com a prática. Esta idéia, tão presente nas escolas e nos

discursos de muitos(as) educadores(as), de que o discurso é bonito, mas a

realidade é outra precisa ser superado. Há,sem dúvida, muitos desafios com os

quais o(a) aluno(a) irá se deparar ao longo de sua vida profissional, assim como

também muitas possibilidades e alegrias.(p. 27)

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Este caráter de desafio, de construção de práxis, de relação teoria e prática indissociáveis

e de espaço de possibilidades e alegrias, são princípios pedagógicos e teóricos que sustentam o

desenvolvimento das práticas docentes no interior do curso de Pedagogia para o desenvolvimento

das atividades do estágio junto aos alunos. Os estagiários são acompanhados por uma equipe de

professoras orientadoras/supervisoras que em seu trabalho são orientadas a desenvolver uma

docência presente mesmo a distância, ou seja, um estar junto virtual (VALENTE, 2002) e com o

estabelecimento de uma interação intensa e profícua. Para tanto, os alunos estagiários tem

contato direto com suas professoras por meio de mensagem no ambiente virtual, bem como, por

telefone. Estas profissionais estão de plantão cinco dias por semana, sendo uma vez síncrona e

quatro vezes assíncrona. Além desta ferramenta há os fóruns de discussões com temas

previamente determinados a partir das demandas dos alunos estagiários e o blog de vivências

pedagógicas.

Na busca de verificar se o estágio supervisionado na modalidade EaD de curso de

Pedagogia de fato tem contribuído no processo de construção de saberes docentes para iniciar a

atuação profissional, a constituição de sua identidade profissional e saber com os alunos avaliam

as atividades desenvolvidas durante este processo, viabilizando tais construções, aplicou-se um

questionário com 10 questões fechadas para 305 alunos Pedagogia EaD desta universidade.

Também realizou-se uma pesquisa documental a partir da legislação vigente e análise do projeto

pedagógico do curso de Pedagogia.

Em relação ao questionário, Marconi e Lakatos (2007) afirmam que esse é “um

instrumento [...] constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por

escrito e sem a presença do entrevistador.” (p. 98)

Gil (1999) amplia esse conceito, descrevendo que o questionário também é uma:

[...] técnica de investigação composta por um número mais ou menoselevado de questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo porobjetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses,expectativas, situações vivenciadas etc. (p.128)

Foi com base na perspectiva de Gil (1999) que o questionário foi elaborado, aplicado aos

alunos estagiários nesta investigação. A análise dos dados foi organizada pelo agrupamento das

questões em torno de dois eixos: saberes docente e identidade profissional.

3. Os saberes docentes, a construção da identidade profissional e a avaliação

dos alunos estagiários

A realização do estágio supervisionado obrigatório num curso de licenciatura é um

momento crucial tanto para professores como para alunos. É neste período que os estudantes vão

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conhecer seu campo de futura atuação profissional, além de ter a possibilidade de confirmar sua

escolha. Para os professores que acompanharão os discentes é um tempo de desafios, pois há

uma percepção tecnicista, por parte dos alunos e até de formadores, que perdura sobre a

realização do estágio como uma atividade burocrática e descolada das demais atividades teóricas

do curso. Conforme aponta Ghedin (2006) o estágio que tem sido desenvolvido nos cursos de

formação de professores ainda arraigada a modelos de racionalidade técnica.

A partir de contexto, questionou-se aos alunos estagiários se as teleaulas sobre prática

docente e estágio eram apenas de orientação de preenchimento de documentos tais como termo

de compromisso de estágio, plano de atividades de estagiário, fichas de presença e relatório.

Também se procurou saber e as discussões eram mais pautadas em explicações de “como fazer”

em sala de aula, sem uma reflexão efetiva sobre as práticas problematizando-as, baseando os

saberes necessários à docência numa perspectiva de imitação ou de caráter meramente técnico.

Dos 305 alunos que responderam a questão, 75% deles afirmaram que não, o estágio não

assume este caráter de imitação ou tecnicista e 25% responderam que sim, que o estágio é

meramente burocrático.

Ao questionar os alunos estagiários sobre as análises críticas e reflexivas das aulas

observadas no estágio, e também sobre estudos de caso durante a teleaula, tanto na Educação

Infantil e Ensino Fundamental, que visavam problematizações baseadas e sustentadas no

repertório teórico consolidado, desenvolvido ao longo do curso, 85% dos alunos responderam que

as discussões ocorriam a luz das teorias, constituindo-se espaço de construção de saberes e da

própria identidade profissional (TARDIF,2002).

Sobre a proposição de intervenções necessárias e contextualizadas, visando novas

alternativas aos problemas identificados tanto durante o estágio como nos estudo de caso, dos

estagiários que participaram da pesquisa 75% deles afirmaram que as discussões e as

problematizações até aconteciam de forma satisfatória em relação ao estudo de caso, mas no que

se referiam às intervenções na prática do estágio, estas não aconteciam muitas vezes por

dificuldades que encontravam nas escolas. Já 23% dos alunos que conseguiram desenvolver

seus projetos de intervenção onde estagiavam, relataram que foram capazes de desencadear

ações que buscaram reverter as situações encontradas, por meio das construções de saberes que

a experiência do estágio proporcionou a eles. Em relação a este assunto 2% dos estudantes não

responderam.

Percebe-se pelas respostas dos estagiários que o conhecimento teórico foi relevante,

quando se exigia dos alunos propostas de intervenção, evidenciando o esforço que os docentes

enveredaram para materializar a relação teoria e prática na formação deles. Neste sentido,

Pimenta (2009) destaca a relevância do papel do estágio na formação do futuro professor na

relação entre teoria e prática. Para ela

[...]o estágio é constituinte de todas as disciplinas, percorrendo o processoformativo desde o seu início, os cursos de licenciatura devem contemplar

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várias modalidades de articulação direta com as escolas e demaisinstâncias nas quais os professores atuarão, apresentando formas deestudo, análise e problematização dos saberes nelas praticadas. (p.35)

As atividades desenvolvidas durante as aulas de estágio, na supervisão/orientação neste

período precisa ter o objetivo de criar possibilidades de construção de saberes docentes na

experiência do estágio supervisionado que é de suma importância como afirma Zabalza (2014),

“fazer as práticas não é sair da universidade e fazer qualquer coisa. É continuar aprendendo em

contexto não acadêmico”. (p. 115)

Nota-se que pelas respostas dos alunos, que a universidade investigada busca em seus

atos pedagógicos efetivamente viabilizar uma experiência de estágio que garanta a eles, espaços

de construção de saberes docentes necessários ao início da prática e também de constituição da

identidade profissional.

Ao se questionar os alunos estagiários sobre as dificuldades que eles enfrentaram para a

realização do estágio, 25% deles relataram que a dificuldade se relacionava a participação das

atividades de regência, ou seja, daquelas que era necessário planejar e executar uma aula. No

que se refere à recepção dos alunos estagiários pelos profissionais das escolas, 24% deles

responderam que muitos professores não queriam estagiários em suas salas. Já 12% dos alunos

disseram que a dificuldade foi realizar o estágio em virtude trabalharem em tempo integral, tinham

que fazê-lo em seu período de férias. Sobre a questão da carga horária para realizar o estágio,

87% dos alunos responderam que gostariam de poder ter mais tempo para realizá-lo.

Em relação ao tempo para realização do estágio Tardif (2000) aponta que é preciso que os

cursos de formação de professores assumam uma nova organização temporal dos programas,

que devem conceder uma parcela significativa desse período à formação prática no meio escolar,

ou seja, “estágios de longa duração, contatos repetidos e frequentes com os ambientes da prática,

cursos dedicados à análise das práticas, análise de casos, etc”. (p. 289)

Mesmo com as dificuldades que a própria natureza do estágio manifesta em sua execução,

ainda assim ele é, segundo Zabalza (2014), a possibilidade de

Integrar-se em um cenário profissional real e conhecer e participar in situda cultura e estilo de trabalho daqueles que exercem a profissão o que oestudante realizando práticas deseja acessar. Fazer o estágio significaencontrar na profissão suas práticas, o que fazem os profissionais dessecampo e cultura, a forma de entender as coisas, de expor os problemas,de entender a função profissional entre outros.(p.117)

Em relação ao tempo para realização do estágio supervisionado obrigatório, a organização

do curso em módulos, eixos, temas e unidades, de acordo com o PPC do curso em questão,

oferecer justamente esta possibilidade viabilizar mais tempo aos alunos. Entretanto os alunos não

percebem esta relação, pois a questão do tempo ou da escassez dele para realizar o estágio

situa-se fora do curso, ou seja, ela ocorre em decorrência das atividades profissionais e até

pessoais dos alunos.

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Para Tardif (2002) aponta que o grande desafio para as instituições formadoras é o de

abrir um espaço maior para o conhecimento dos práticos dentro do próprio currículo, [...] vivemos

de teorias, [...] estas muitas vezes construídas por profissionais que nunca atuaram numa sala de

aula (p.241). O autor propõe um caminho que pode ser uma possibilidade de minimizar a

problemática do tempo e até mesmo da dificuldade que os estagiários tem de conseguir discutir a

prática com os profissionais experiente, mesmo estando no espaço escolar.

Ainda sobre a questão da organização do tempo para a realização dos estágios, a

instituição, a luz da legislação atende ao que é regulamentado, mas Zabalza (2014) chama a

atenção para a organização do trabalho com os alunos nesse momento formativo. Ele aponta que

se o estágio estiver bem organizado, os próprios alunos, ao se encontrarem, poderão compartilhar

dúvidas, descobertas, emoções, dilemas, entre outros aspectos.

Um primeiro fio condutor é que o saber dos professores dever sercompreendido em íntima relação como trabalho deles na escola e na salade aula. Noutras palavras, embora os professores utilizem diferentessaberes, essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações,condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Em suma, o saberestá a serviço do trabalho. Isso significa que as relações dos professorescom os saberes nunca são relações estritamente cognitivas: são relaçõesmediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar esolucionar situações cotidianas. (TARDIF & LESSARD 2009, p.16 e 17)

Nota-se que Zabalza incentiva o encontro entre os próprios alunos para discutirem sobre

seus achados no estágio. Contudo, na modalidade EaD, este é um limitador significativo. O tempo

de encontro destes muitas vezes se dá apenas no pólo, no dia da transmissão das teleaulas ao

vivo e em tempo real. Durante este período, os alunos precisam priorizar as discussões

relacionadas à temática que está sendo realizada naquele dia. Este encontro para discutir as

observações, participações, regência, experiências, impressões realizadas, percebidas e sentidas

durante o estágio, só ocorre no dia em que a teleaula é especificamente sobre o estágio,

momento que a professora abre espaço para problematizações, expressão de opiniões, de relatos

entre outras atividades relacionadas às experiências com estágio realizado. Mesmo que estes

ocorram poucas vezes, eles abrem possibilidades não só da construção de saberes docentes,

mas também da constituição da identidade profissional.

Pimenta e Lima (2010) salienta justamente esta questão, o estágio também fomenta a

construção da identidade, porque este período da formação docente

[...] tem a grande função de renovar nossa concepção não só a respeito daformação dos estagiários, mas também de suas identidades, contribuiçõese papéis profissionais [...] passam a ser um período especial na vidadesses futuros professores, pois as possibilidades dessa mudança sefazem também no lócus da universidade, tendo um professor formadorembasando teoricamente e orientando esses processo formativo (p.88)

Sobre a identidade profissional, ao questionar os alunos estagiários sobre esta constituição

identitária, 68% responderam que as aulas de estágio fornecem elementos tanto práticos como

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teóricos para o início desta; 24% deles explicitaram que só perceberam esta questão na parte final

do curso, após leitura de textos e discussões nas teleaulas e 8% não responderam.

Questionou-se também se as atividades de participação durante o estágio, auxiliando as

professoras nas escolas, ajudando-as a preparar as aulas, questionando dúvidas possíveis e se o

exercício de regência ofereceu-lhes oportunidades de vivenciar conflitos, perceber contradições e

automonia didática, que são elementos que também contribuem para a constituição identitária do

professor, e 68% deles responderam que sim.

Nota-se que os estagiários em suas respostas perceberam que a constituição docente é

um processo de troca com os pares, de construção epistemológica e de contato com o ambiente

no qual a profissão será exercida.

Pimenta e Lima (2010) afirmam que a constituição da identidade do professor, é uma

atividade característica do professor, é uma prática social complexa, queexige opções éticas e políticas. Ser professor requer saberes econhecimentos científicos, pedagógicos, educacionais, sensibilidade daexperiência, indagações teóricas e criatividade, para fazer frente asituações únicas, ambíguas, incertas, conflitivas e, por vezes, violentasque marcam as situações de ensino nos contextos escolares e nãoescolares. É da natureza da atividade docente proceder à mediaçãoreflexiva e crítica entre as transformações sociais concretas e a formaçãodos alunos, questionando os modos de pensar, sentir, agir e de produzir edistribuir conhecimentos. (p. 14 -15)

Neste sentido, o estágio é o espaço privilegiado para esta constituição identitária, e por

isso deve ser “uma ação planejada gradativa e sistematicamente com esta finalidade” (PIMENTA e

LIMA, 2010, p.62). Além disso, ele também é “um espaço de produção, de transformação e de

mobilização de saberes que lhe são próprios” (TARDIF, 2002, p.237). Em outras palavras, o

estágio é o espaço no qual o futuro profissional produz um determinado saber que o move em

direção a novas descobertas, e ao mesmo tempo o faz abrir-se para novas formas e maneiras de

perceber-se enquanto profissional.

4. Considerações finais

É fato que o estágio supervisionado obrigatório em diversos cursos e para inúmeras

universidades é um desafio de consideráveis proporções, principalmente pela defesa da

indissociabilidade entre teoria e prática, elemento imprescindível para a construção dos saberes

necessários à prática, da práxis docente e da constituição da identidade profissional. A

possibilidade de garantir a construção de saberes docentes não é uma tarefa fácil ou apenas de

responsabilidade da instituição formadora, mas também das escolas que recebem os estagiários.

Este processo é complexo porque os saberes dos professores são plurais e heterogêneos

(Tardif, 2002), além deles colaborarem na constituição da identidade profissional, pois de acordo

como mesmo autor esta advém da tomada de consciência em relação aos diferentes elementos

que fundamentam a profissão e sua integração na situação de trabalho leva à construção gradual

de uma identidade profissional. (p.229) Para que tais construções e constituições aconteçam é

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necessário um esforço intelectual de organização e propositivas que visem coordenar saberes

diferentes naturezas para culminar um processo formativo capaz de desenvolver a criticidade e a

reflexão do/ sobre o exercício docente.

Os dados deste estudo apontam que o estágio supervisionado obrigatório é um espaço de

construção de saberes, favorecendo o início da carreira de modo mais qualitativo, embora ainda

haja lacunas que precisam ser preenchidas. Notou-se que a instituição formadora assume e

concebe o estágio, como espaço de aprendizagens significativas. Um elemento que evidencia tal

avaliação é a construção da grade curricular do curso em núcleos, eixos, módulos, temas e

unidades. Este desenho curricular tem garantindo a efetiva interdisciplinaridade, viabilizando o

fortalecimento e ratificação de que teoria e prática são indissociáveis. Os dados evidenciam que a

instituição busca romper com a visão tecnicista e de imitação docente que muitas vezes perdura

nas concepções dos alunos em relação ao estágio. Os alunos avaliaram que os professores

formadores propõem atividades que visam refletir sobre o que se faz e o que se vê durante o

estágio supervisionado. Outro dado que justifica a avaliação positiva por parte dos alunos, em

relação à construção de saberes docentes necessários para o início da atividade profissional, é

sustentada pelo modelo de ensino a distância praticado pela instituição, em ter suas teleaulas

transmitidas ao vivo e em tempo real, garantindo interação direta com os professores temáticos

que dão as aulas sobre os diversos temas do currículo, além dos fóruns, blogs e outros.

Em relação à constituição da identidade profissional, os dados da pesquisa apontam que

os alunos percebem que as atividades realizadas, em especial, nas escolas foram fundamentais

para isso, contudo nem todos foram capazes de perceber este movimento.

Embora a pesquisa tenha evidenciado aspectos positivos, houve o apontamento por parte

dos alunos, de perspectiva negativa. Para eles o tempo do estágio é incompatível ou insuficiente

para sua realização, consequentemente, afeta seu aproveitamento. Este é um desafio a ser

superado. Como criar possibilidades de realização de estágio supervisionado considerando as

dificuldades que os alunos apresentam, sejam elas de cunho pessoal como institucional?

A investigação também nos trouxe um dado bem complexo, que é a dificuldade que o

aluno enfrenta para realizar o estágio supervisionado em escolas. Esta questão é muito difícil e

precisa ser enfrentada pela universidade, por meio do firmamento de parcerias entre elas e as

escolas, garantindo aos alunos estagiários o acesso e a permanência às escolas, pois como os

estagiários aprenderão sobre a prática da profissão e refletir sobre ela, se não houver acolhimento

deles pelos profissionais experientes para dialogar sobre/na prática?

A partir deste estudo pode-se verificar que a construção de saberes docentes e

constituição da identidade profissional na formação inicial de professores na modalidade EaD é

possível e esta instituição busca uma formação que garanta estas construções e constituições.

Em relação ao estágio supervisionado na modalidade EaD ainda há muitas lacunas a serem

preenchidas e dificuldades a serem vencidas. Dentre elas tem-se a interação entre alunos de

pólos diferentes e distantes, entre a instituição formadora e escolas nas quais o estágio é

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realizado, a questão do tempo legal para a realização dele e o tempo que o estudante tem para

realizá-lo.

Sobre a construção de saberes docentes e constituição de identidade profissional, nesta

instituição, percebe-se um avanço no sentido de romper com a visão tecnicista e de imitação,

contudo, é preciso fortalecer o entendimento de que a constituição da identidade profissional

passa pelos saberes docentes e sua relação com o contexto profissional, que nesta investigação

ficou clara a fragmentação ou o não entendimento deste processo, então que identidade estes

alunos estão constituindo neste curso EaD ?

Por fim, é necessário que novas pesquisas sejam realizadas no sentido de dar novas

percepções que possam contribuir para o levantamento de dados que propiciem questionamentos

às instituições formadoras para que lacunas e dificuldades possam ser preenchidas e superadas

por meio do debate, da prática e da reflexão em relação aos currículos, aos tempos de formação e

a própria formação dos formadores.

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